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ANIMAÇÃO EXPRESSIONISTA: ANÁLISE DAS

CARACTERÍSTICAS DO CINEMA EXPRESSIONISTA


ALEMÃO, PRESENTES NAS OBRAS O GABINETE DO
DOUTOR CALIGARI E VINCENT

Paulo Fernando S. Nisio


E-mail: fernandonisio@gmail.com

Resumo

Visa analisar os elementos e as características presentes no Cinema Expressionista Alemão e


que podem ser identificados nos trabalhos do diretor americano Tim burton (1952 - ) e no
Filme O Gabinete do Doutor Caligari, para subsidiar o desenvolvimento de um “Esboço
videográfico” que apresente esses aspectos. Nesse sentido, apresenta breve contextualização
sobre o cinema expressionista e o levantamento de suas principais características. O objetivo é
buscar em pesquisadores o suporte teórico necessário para melhor compreender o papel das
obras desses cineastas no âmbito do Cinema Expressionista Alemão e das possíveis inter-
relações existentes entre eles e fornecer subsídios para o “Esboço videográfico”.
Palavras-chave: Animação. Cinema Expressionista Alemão. Tim Burton. Caligari.

1 Introdução

O Cinema Expressionista Alemão trouxe a tona temas como a morte, a angústia da


grande cidade e o conflito de gerações. No entanto, acredita-se que o aspecto mais importante
a ser destacado refere-se à inovação estética, tendo em vista que seus atores e diretores – a
maioria oriunda do teatro – passaram a utilizar as técnicas já desenvolvidas no palco, como o
jogo de luzes e holofote, para o desenvolvimento dos filmes (SILVA, 2006).
Cheio de princípios estéticos e elementos visuais, o Cinema Expressionista Alemão
tornou-se referências no que diz respeito à luz e a sombra, ao forte contraste preto e branco e
aos grafismos característicos nos cenários. Segundo Flusser (2007, p. 127) esse período que
antecedeu a Segunda Guerra Mundial é caracterizado pela relativa ausência de cores, sendo “a
arquitetura e o maquinário, os livros e as ferramentas, as roupas e os alimentos
predominantemente cinzentos”. O Cinema Expressionista Alemão está imerso nesse período e
impulsiona o imaginário daqueles que com ele tiveram contato.
A finalidade desse trabalho é analisar os elementos e as características presentes no
Cinema Expressionista Alemão e que podem ser identificados nos trabalhos do diretor
americano Tim burton (1952 - ) e no Filme O Gabinete do Doutor Caligari, para subsidiar o
desenvolvimento de um “Esboço videográfico” que apresente esses aspectos. Para isso, será
abordada breve contextualização sobre o cinema expressionista e o levantamento de suas

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principais características. O objetivo é buscar em pesquisadores como EISNER (1985), entre
outros, o suporte teórico necessário para melhor compreender o papel das obras desses
cineastas no âmbito do Cinema Expressionista Alemão e das possíveis inter-relações
existentes entre elas, subsidiando assim o desenvolvimento do trabalho.

2 Cinema Expressionista

É considerada tardia a chegada do expressionismo ao cinema, tendo em vista que


enquanto nas demais artes o expressionismo tem suas origens no final do século XIX e inicio
do século XX, no cinema os primeiros relatos são encaixados no período da 1ª Guerra
Mundial (1914 – 1918), com o filme “O estudante de Praga” (1913), inspirado nas produções
expressionistas dinamarquesas e protagonizado pelo ator teatral Paul Wegener (1874-1948).
Segundo Benfatti e Santos JR. (2006, p. 68), esse filme foi responsável por inaugurar nos
alemães, o fascínio por criaturas demoníacas, a dualidade de alma, bem como a violência do
destino e a oposição entre a felicidade modesta do lar e o anonimato presente na grande
cidade encontrada em muitos filmes expressionista. Eisner (apud LIRA, 2008) afirma que a
literatura expressionista alemã fundamentou o movimento com uma linguagem impregnada
de "alegoria místicas", de símbolos, de metáfora e de um "subjetivismos levados ao extremo".
A primeira produção estritamente expressionista na Alemanha ocorreu em 1919 com o
filme “O Gabinete do Dr. Caligari” (1920), dirigido por Robert Wiene (1880-1938). Para
MITRY (apud BENFATTI; SANTOS JR., 2006), é uma das maiores obras do
expressionismo, onde as qualidades significantes poderiam ser entendidas como simbolismo
plástico, simbolismo arquitetônico ou realismo simbólico, segundo o sentido de suas
manifestações cinematográficas.
Segundo Simões Jr. (2009, p. 16) as películas então seguiram o caminho trilhado por
outras artes e se aproximaram do expressionismo passando a usar as influencias de outras
manifestações como o teatro, a literatura e as artes plásticas, porém filtradas na ótica
cinematográfica. Diante de um momento tão singular, muitos cineastas construíram
verdadeiras obras primas que são referências estéticas até hoje.
O filme “O Gabinete do Dr. Caligari” trouxe a tona uma nova forma de integrar – em
certos pontos até exagerada – os efeitos de luz, os atores, os cenários os quais pintores
procuraram explorar traços expressionistas e os demais elementos que o compõem. Para Silva
(2006), essa estilização de todos os elementos causava a impressão de que uma pintura
expressionista havia adquirido vida e começado a se mover, efeito este que foi chamada de
“Caligarismo”. Benfatti e Santos Jr. (2006, p. 69) afirmam que "o Caligarismo foi, em
diferentes momentos, confundido com o próprio expressionismo, levando vários grandes
diretores daquele tempo, entre eles, Fritz Lang, Lupu Pick e Paul Wegener, a recusar a
associação de suas obras ao rótulo expressionista".
Há críticos e historiadores que separam o Caligarismo e o apontam como o único
"período" a conter características realmente expressionistas. Segundo Tiellet (2009, p. 67)
“Caligarismo” é justamente um expressionismo cinematográfico legendário, onírico,
fantástico ou realista; em que as qualidades significantes poderiam ser entendidas como
simbolismo plástico, simbolismo arquitetônico ou realismo simbólico, segundo o sentido de
suas manifestações. Esse novo escopo de integração entre elementos tão diversificados cria no
filme uma atmosfera de pesadelo, característica da concepção estética expressionista. Essa
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atmosfera também pode ser atribuída às dificuldades sofridas pela sociedade alemã ao fim da
primeira guerra mundial. Outro aspecto interessante levantado por Flusser (2007) ao discorrer
sobre os códigos que envolvem a comunicação é a característica relativamente cinzenta do
período, tendo em vista que naquela época as superfícies para a comunicação não
desempenhavam um papel tão importante.
Para a alma torturada da Alemanha de então, tais filmes repletos de evocações
fúnebres, de horrores de uma atmosfera de pesadelos, parecia o reflexo de sua imagem
desfigurada, e agiam com uma espécie de enxutório (EISNER, 1985, p. 25). Conforme
Kracauer (apud LIRA, 2008) é no cinema do pós-guerra que o mistério da alma alemã parece
se aprofundar e onde a morbidez de sua temática, tratada com uma iluminação apropriada,
confere aos filmes do período uma atmosfera visual peculiar que influenciará a
cinematografia mundial.

3 Princípios estéticos e elementos visuais do Cinema Expressionista

O cinema expressionista surge como resultado de uma junção de fatores e correntes


que existiam na Alemanha no final do século XIX e inicio do século XX somados a
influências nórdicas e dinamarquesas. Aumont e Michel (apud TIELLET, 2009) afirmam que
o expressionismo Alemão é o primeiro movimento que envolve na mesma ação a arquitetura,
escultura, pintura, literatura, música, teatro e cinema, sendo que – no sentido restrito – a
corrente expressionista no cinema só agrupa uns poucos filmes alemães mudos.
As diversas definições do expressionismo cinematográfico as quais se
inspiraram nas definições pictóricas e teatrais são geralmente bastante
arbitrárias, mas todas elas retomam sempre alguns elementos: o tratamento
da imagem como “gravura” (forte contraste preto e branco); cenários bem
gráficos, onde predominam as linhas oblíquas; o jogo “enviesado” dos
atores; o tema da revolta contra a autoridade (AUMONT; MICHEL apud
TIELLET, 2009).
Alguns dos elementos apontados como principais características do Caligarismo e do
Cinema Expressionista Alemão, já foram explorados em diferentes épocas que antecedem o
seu surgimento. Um exemplo disto é o uso do contraste entre luz e sombra, sempre citado
como ponto alto do cinema expressionista e amplamente explorado por Caravaggio (figura 1)
como recurso para aumentar a sensação de profundidade e agregar uma maior dramaticidade a
suas obras.

Figura 1: A Ceia de Emmaus, 1596. Óleo sobre tela. Galeria Nacional de Londres, Inglaterra.

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Para alguns historiadores esse jogo de luz e sombra presente no cinema expressionista
deriva-se de uma forte influenciam do teatro de Max Reinhardt. Segundo Eisner (1985, p. 44)
não podemos negligenciar as contribuições de cineastas como Stellan Rye, Holger madsen e
Dinesen, que trouxeram antes mesmo que o estilo expressionista se definisse, o amor pela
natureza e o senso de claro e escuro. Entretanto a valorização das nuances existentes entre luz
e sombra quando aplicadas ao cinema expressionista e aos filmes de Robert Wiene agrega
peculiaridades diferentes as dos seus antecessores. Flusser (2007, p. 130) afirma que o homem
é um animal “alienado” (verfremdet), e vê-se obrigado a criar símbolos e a ordená-los em
códigos, caso queira transpor o abismo que há entre ele e o “mundo”, o homem precisa
“mediar” (vermitteln), precisa dar um sentido ao “mundo”.
Citando Lira (2009, p. 120) "o uso das sombras, com toda a sua carga negativa
formulada ao longo da existência humana, se imbrica perfeitamente na narrativa desses
filmes, contribuindo para um clima e aprofundamento das ideias propostas pelo diretor". Em
alguns momentos os diretores e operadores alemães irão brincar com a luz a tal ponto que
chegarão a recortar os contornos e as próprias superfícies, exagerando as cavidades das
sombras e os jatos de luz. Isso permitirá que sejam acentuados alguns contornos, moldando as
forma por meio de uma faixa luminosa criando assim uma plástica artificial (EISNER, 1985,
p. 67).
Kurtz (apud EISNER, 1985, p. 67) diz que os diretores alemães, que apreciam os
efeitos luminosos, tratam a luz como se fosse um elemento de formação do espaço. Mas, nem
só de luz e sombra vive o cinema expressionista. Para Aumont (apud TIELLET, 2009) não
houve realmente uma corrente “caligarista”, porém houve a imitação dos traços formais mais
visíveis do filme de Erich Pommer e Robert Wiene, como: a ênfase do grafismo, o jogo sobre
o desequilíbrio da imagem, a mímica exagerada dos atores, etc. Esses aspectos contribuíram
para que muitos filmes em preto-e-branco surgissem dessa tendência, inclusive em
Hollywood.
Outro ponto de destaque que pode ser observado no cinema expressionista Alemão é a
composição estética dos cenários. Para Ribeiro (apud SIMÕES JR., 2009, p. 12) o
“expressionismo Alemão cultivou não só a personificação do objeto, mas ampliou o limite da
simples metáfora e analogia, misturando pessoas e objetos". Segundo Eisner (1985, p. 66)
Fritz Lang – que era arquiteto de formação – realçaria as estrias ogivais do portal gótico de
uma cripta com uma plástica luminosa, em contraste com as parede escuras, que se
comparado ao cenário de CALIGARI o reduziria a arabescos planos e puramente lineares e de
todo desprovido de luz e sombra. Os cenários de Caligari são compostos por ruelas oblíquas
que se encontram de forma abrupta em ângulos imprevistos, a profundidade é adquirida
através de uma perspectiva propositalmente falseada ou com o uso de um pano de fundo que
prolonga as ruelas com linhas onduladas (EISNER, 1985, p.28).

4 Robert Wiene: Gabinete do Doutor Caligari

Para esta análise, foi utilizado o filme de Robert Wiene (1873 -1938), o Gabinete do
Doutor Caligari, visando ilustrar algumas características do Cinema Expressionista Alemão,
procurando identificar os aspectos estéticos e os elementos visuais, que fazem correlação com
o curta em animação em stop motion Vincent, produzido e dirigido pelo cineasta Tim burtom.
Antes de adentrarmos na análise propriamente dita, vale lembrar o contexto pelo qual o filme

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Gabinete do Doutor Caligari foi influenciado, chegando a apresentar uma estética
diferenciada.
A principal influência sofrida foi proveniente da difícil situação que a sociedade alemã
passava no período. O espírito alemão enfrentava dificuldades para se recompor da queda do
sonho imperialista e as tentativas de revoltas com o intuito de reanimá-lo eram rapidamente
sufocadas e como resultado, todos os valores foram destruídos pelo paroxismo atingido com a
inflação, tudo isso impulsionado pela atmosfera conturbada, contribuindo para que a
inquietude do povo alemão tomassem proporções gigantesca (EISNER, 1985, p.17).
O filme Doutor Caligari caracteriza-se pelo uso excessivo do nostálgico, claro e escuro
e de pesadas sombra. Tudo isso somados a precariedade oferecida pelos equipamentos de
captura de imagens da época, forneceram a Robert Wiene (1873 -1938), Carl Mayer (1894 -
1944) e Hans Janowitz (1890 - 1954), os recursos técnicos necessários para dar vida ao seu
enredo macabro. A junção de situações associada a elementos estéticos cuidadosamente
pensados serviram para transcrever a angústia vivida por uma sociedade alimentada pelo
espírito vago e confuso. Sentimentos esses que associados a influência do expressionismo,
contribuíram para dar vida ao ambiente sombrio e a diabólica atmosfera de pós-morte
presentes no filme.
Após a rápida contextualização, serão abordados para a análise os seguintes
elementos: estética dos cenários, personagens principais e uso do claro e escuro.

4.1 Claro e escuro


É importante ressaltar que certos efeitos de claro escuro são frequentemente atribuídos
ao filme de Robert Wiene (1873 -1938), porém já existam bem antes do cinema
expressionista. Esses efeitos foram primordialmente influenciados pelo teatro e pelos diretores
nórdicos e dinamarqueses. A relação entre luz e sombra usadas no filme foram manipuladas
de forma consciente, com o propósito de realçar as nuances existentes entre o claro e escuro,
tornando-se uma das características principais do chamado Cinema Expressionista Alemão.
Os figurinos escuros contrastam com carregadas maquiagem que exaltam o branco da
pele pálida e a olheiras fortemente acentuadas, atributos que conferem destaque ao
personagem ao se locomover sobre os cenários. Os cenários continham diversas linhas
diagonais não perpendiculares e objetos cuneiformes, que muitas vezes projetavam sombras,
visando reforçar as características expressionistas e garantir atmosfera macabra.

4.2 Cenário
Os cenários foram construídos e pintados com o objetivo de dar a ilusão de um
ambiente bem maior do que o espaço permitia, usando linhas obliquas, perspectivas forçadas,
prédios angulares e uma iluminação cuidadosamente aplicada. Seus desenhos também foram
inspirados pelas gravuras do artista americano Lyonel Feininger (1871-1956) (figura 2).

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Figura 2. Villa Am Strande IV 1918, xilogravura de Lyonel FEININGER (1871 - 1956)

Segundo Kurtz (apud EISNER, 1985, p. 28) "a linha obliqua tem sobre o espectador
um efeito muito diverso da linha reta, e as curvas inesperadas provocam uma reação psíquica
de ordem inteiramente diversa das linhas de disposição harmoniosa". Observa-se que as
sombras projetadas pelo cenário – composto de casas, janelas, portas, edifícios, etc. – são
intencionalmente chapadas e que o formato dos objetos são disforme e, geralmente, disposto
de forma tortuosa, tendência que segue na arquitetura que compõe alguns dos ambientes
externos e também está presente ao ilustrar os prédios da cidade que Dr. Caligari escolheu
para apresentar seu mórbido espetáculo.
Segundo Eisner (1985, p.28) a cenografia expressionista de Caligari, conseguiu evocar
a fisionomia latente de uma pequena aldeia medieval, com ruelas tortuosas e escuras,
passagens estreitas espremidas entre casas arruinadas. A montagem do cenário foi
relativamente barata, com poucas estruturas grandes e tudo pintado com o intuito de invocar a
ilusão de sombras e realçar o contraste obtido através do claro e escuro. Grande parte das
características presentes nos cenários, foram provocadas mais pelo resultado obtido a partir da
pintura do que pelas estruturas arquitetônicas (figura 3), o que foi positivo por resultar em um
cenário mais econômico, afinal tratava-se de uma Alemanha pós-guerra, onde os recursos
materiais eram caros e escassos.

Figura 3. Cenário do filme o Gabinete do Doutor Caligari

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No filme Dr. Caligari a feira (figura 4) retrata as mesmas características angulares, que
compõem a estética do filme. Porém, as suas tendas e cortinas de tecido apresentam
drapeados que interferem na rigidez das formas, contribuindo com movimentos suaves por
meio de curvas. O macabro e enorme desenho de Cesare, pintado em uma das paredes da
tenda, ilustra as influências do expressionismo herdados das artes, além de contribuir para
manter a atmosfera do filme e o aspecto sombrio do espetáculo a ser apresentado. A casa de
Caligari (figura 4) é inóspita por causa de seu tamanho e repleta de linhas diagonais, suas
paredes disformes tornam o ambiente ainda mais claustrofóbico, a pequena janela obliqua
disposta de forma irregular completa esse ambiente que mais se assemelha a uma cela.

Figura 4. Feira e Casa de Caligari

No quarto de Jane Olsen, apesar de janelas obliquas com linhas em diagonais nas
grades figurarem as paredes, o ambiente em nada lembra a moradia de Caligari. Nesse
aposento o espaço é amplo com o pé direito alto e as cortinas de tecido descem do teto ao
chão, aparentando colunas perpendiculares no fundo da imagem, os ângulos foram suavizados
e a presença de tecidos esvoaçantes parece querer nos mostrar um pouco da personalidade da
personagem. Entretanto o forte contraste entre luz e sombra se encarrega de amarra-lo a
estética do filme.

Figura 5. Quarto de Jane Olsen

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4.3 Personagens
Werner Krauss (1884 - 1959) dá vida ao diabólico Dr. Caligari, um velho hipnotiza
que traz a feira da cidade de Holstenwall, seu bizarro espetáculo. O gabinete é na verdade
onde ele guarda seu segredo, o famoso Sonâmbulo Cesare, interpretado pelo ator Conrad
Veidt (1893 – 1943), e responsável pelos assassinatos noturnos. Para Eisner (1985) os atores
que interpretam Dr. Caligari e Cesare são os únicos a realmente se adaptaram aos cenários,
por meio das fisionomias e da concentração de suas interpretações.
O visual de Caligari reflete uma natureza misteriosa. Sua maquiagem reforça as linhas
e rugas de expressão, sua capa e seu chapéu contém os ângulos e retângulos que fazem com
que a sua silhueta em alguns momentos adquiram formatos semelhantes às formas
geométricas do cenário, até seu cabelo era marcado por listras de claro e escuro. O famoso
segredo de Caligari é Cesare – o Sonâmbulo – um homem misterioso que está adormecido há
anos e que segundo Caligari tem o "dom" de ver o futuro (figura 6).

Figura 6. Clarigari Werner Krauss (1884 - 1959) e Cesare Conrad Veidt (1893 - 1943)

Kurtz (apud EISNER, 1985) afirma que as interpretações de Krauss (Caligari) e Veidt
(Cesares) têm a intensidade adequada a metafísica do cenário, buscando alcançar uma
"Síntese dinâmica do ser" que suprem de suas atitudes todas as articulações desnecessárias.
De certa forma, Cesare faz contraponto visual comparado ao Dr. Caligari. Enquanto o Doutor
é um velho senhor, de estatura baixa, cabelos brancos e rugas profundas, Cesare é um homem
jovem, de cabelos negros, alto e magro e de trajes escuros. Seus olhos brilhantes são
fortemente delineados com preto, formando um triângulo invertido em cada olho e até a sua
boca parece ser recortada. Eisner (1985, p. 31) nota que
as personagens Caligari e César São perfeitamente adequada a concepção
expressionista: o sonâmbulo, isolado de seu ambiente cotidiano, privado de
toda individualidade, criatura abstrata, mata sem motivo ou lógica, enquanto
seu mestre, o misterioso Dr Caligari, que não possui sombra de escrúpulo
humano, agem com aquela insensibilidade Furiosa, a que desafio à moral
corrente que os Expressionista exaltam.

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Jane Olsen, a jovem protagonista, é uma bela jovem e é a noiva de Alan, o espectador
assassinado por Cesare. A distinção de seu personagem em cena é facilmente reconhecido,
pelas suas roupas claras e estampadas. Mesmo assim, as figuras geométricas estão presentes
na modelagem de suas mangas e na estamparia de seus vestidos.
Dr. Caligari é um velho hipnotista que traz sua feira à cidade. Seu gabinete é na
verdade onde ele guarda o seu ato do famoso Sonâmbulo. Ao chegar, acontece, na mesma
noite, o primeiro de uma série de assassinatos. O visual de Caligari reflete a natureza
misteriosa, sua maquiagem reforça as linhas e rugas de expressão, sua capa e seu chapéu
contem os ângulos e retângulos do cenário até seu cabelo era marcado pelo claro e escuro.
Diante da pesquisa realizada podem ser destacados os seguintes princípios estéticos e
elementos visuais mais marcantes no trabalho de Robert Wiene e presentes no cinema
expressionista:
 o forte contraste entre o claro e escuro;
 geometrização da forma, Grafismo, planos, linhas diagonais e ângulos quebrados e
obtusos;
 cidade composta por casas com portas cuneiformes, janelas obliquas, ruelas tortas ,
escadas e passagem estreitas e escuras;
 direcionamento da luz e manipulação da sombras através de pintura;
 maquiagens carregadas, com peles pálidas e olheiras acentuadas;
 interpretação com movimentos reduzidos quase lineares.

5 Tim Burton: Vincent

Vincent é uma animação em stop motion do cineasta Tim Burton. Produzido em 1982,
graças ao investimento da Disney Studios. Com um orçamento de sessenta mil dólares,
Burton contratou Vincent Price como narrador de seu curta em stop motion VINCENT, com
duração de cinco minutos.
Vincent foi escrito por Burton em formato de poema e conta a história do menino
Vincent Malloy de sete anos de idade, que é bem educado e atencioso, porém seu verdadeiro
sonho é ser como o ator Vincent Price. Assim como o expressionismo cinematográfico tinha
em sua gênese a literatura expressionista que casava bem com o romantismo de Hoffmann e
Eichendorff, Burton busca a inspiração em características como egocentrismo, melancolia,
angústia e desesperação presente nos poemas e contos de Edgar Allan poe.
Filmado em preto e branco, visualmente Vincent traz alegorias com várias referências
visuais. Por isso, Vincent traz uma junção de referências visuais, literárias e cinematográfica
que são fáceis de reconhecer. O curta também referencia outros filmes como: A casa de cera
(1953), Jack o estripador (1970) e Frankenstein (1931), mas definitivamente, o mas marcante
é o visual do filme, que foi claramente ilustrado a partir da estética de O Gabinete de Dr.
Caligari.
O enredo do curta faz a personagem principal oscilar entre duas realidades: o cotidiano
verdadeiro de Vincent Malloy e a fantasia sombria dele Vincent Price. Com poucos
personagens, Burton ilustra a força da imaginação infantil.
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Em seus personagens, Burton utiliza bonecos, que não seguem as proporções
anatômicas de um ser humano normal. Os personagens incluem: Vincent (e seu alter-ego
Vincent Price), seu cachorro Abercrombie (um zumbi de Vincent Price) e a sua mãe (único
personagem que o traz para a realidade). Além disso, temos a imagem de sua "esposa" fictícia
e sua tia que ele imagina mergulhar em cera quente (para ser exposta em seu museu de cera).

6 Vincent e suas relações com o Gabinete do Doutor Caligari

Como já mencionado, Vincent sofre claramente as influências da estética presente no


filme Gabinete do Doutor Caligari. É durante as fantasias de Vincent, onde fica evidente a
influência sofrida pela estética do Caligarismo, presente em todos os aspectos formais. O
contraste entre claro e escuro criado pela iluminação projetam as sombras abstratas tão
valorizadas pelos expressionistas alemães. Até o gestual dramático de Vincent
(principalmente nos últimos minutos) se assemelham às reações de Cesare ao capturar Jane
Olsen.

6.1 Personagens

Nos personagens, algumas de suas características se assemelham as encontradas nos


personagens de O Gabinete do Doutor Caligari. Pois, Burton consegue uma amalgama de
Caligari e Cesare nas transformações vividas pelo seu personagem Vincent. As repetidas
mudanças de fisionomia no decorrer do filme revelam a bipolaridade do personagem, criando
uma espécie de “diálogo” visual entre ele e seu alter-ego, dando em certos momentos a
sensação de haver dois personagens contracenado, em uma relação de controlador e
controlado assim como no elo existente entre Caligari e Cesare.
A fisionomia de Vincent e suas características, oscilam no decorrer da animação entre
um garoto de 7 anos (Vincent Malloy) e um senhor de meia idade (Vincent Price). Ambas as
transformações (figura 7) seguem características do Caligarismo, porém melhor observadas,
quando transformado em Vincent Price.

Figura 7. Vicent e Vincent Price

Em seu lado a criança, Vincent tem o rosto mais liso, com variações que vão do
branco ao cinza claro, as maças do rosto são arredondadas, e seu olhar é calmo e
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contemplativo, seus cabelos cuidadosamente penteados lhe confere a aparência de um garoto
comportado. Ao assumir a identidade Vincent Price sua face fica mais fina e sulcos aparecem
em suas bochechas, os seus ossos zigomáticos tornam-se mais protuberantes e seus cabelos
arrepiados somados as pupilas contraídas lhe dão um olhar de loucura macabra. Os olhos
aparentavam maiores e mais profundos realçados pela pintura escura que os contornam,
formando olheiras, parecidas com as de Cesare, ambos apresentam olhos expressivos e
sobrancelhas grossas.
No caso de Cesare (figura 8), Veidt forçava seus olhos delineados às vezes
arregalando-os ou contraindo-os para exagerar suas expressões e olhares assombrosos o
mesmo ocorre com Vincent. Nesse estado as feições do protagonista se assemelham as do
Doutor Caligari (figura 8). Vincent é animado parecendo seguir a mesma tendência dos atores
de Caligari, seus movimentos também são reduzidos em certos momentos, quase lineares em
outros, porém por se tratar de bonecos, em certas ocasiões suas interpretações são
superexageradas com a finalidade de atribuir maior dramaticidade a cena.

Figura 8. Cesare e Doutor Caligari

Também existem semelhanças entre as figuras femininas de cada filme (figura 9). Em
Vincent, a única imagem de uma feição feminina é a de sua "esposa", que na verdade é um
retrato pintado por Vincent de sua esposa imaginária. Novamente, observa-se o rosto redondo
e pálido de sua "esposa", com olhos e sobrancelhas grandes de delineados, envolvidos por
olheiras profundas e uma boca pequena em formato de laço. A mesma descrição pode ser
aplicada a imagem de Jane Olsen, interpretada pela atriz Lil Dagover. Até as roupas
drapeadas da "esposa" também apresentam estamparias geométricas remetentes as de Jane
Olsen.

Figura 9. Esposa Vincent Malloy e Jane Olsen

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6.2 Cenário e arquitetura
Assim com as personagens o cenário em Vincent também acompanha as
transformações, destacando-se de formas diferente entre esses momentos. Percebemos que o
fato de Burton optar por produzir um filme preto e branco, já demonstra sua inclinação para as
características do Caligarismo. Porém, ele agrega novos elementos como o uso de texturas,
quadriculado e das listras horizontais.
A iluminação é pontuada e o jogo entre luz e sombra apoiam as várias ilusões de
perspectiva e assim como em Caligari valorizam o contraste existe entre o claro e escuro. O
primeiro caso define-se quando Vincent é criança, os aposentos (figura 10) geralmente são
amplos com paredes em tons claros e com poucos objetos. A iluminação é abrangente e
produz sombras difusas.

Figura 10. Quarto de vincent


Nesse ambiente o contraste entre claro e escuro são deixados em segundo plano.
Porém, o preto e branco não os deixam destoar do resto. Mas, é quando Vicent Assume seu
lado sombrio que as características do cinema expressionista retornam a animação os
ambientes se deformam fechando-se através da iluminação, que pontua a interpretação da
personagem a cada cena, as sombras se projetam sobre suas feições lhe conferindo um ar de
insanidade. Monstros que se projetam em sua sombra e surgem de cantos inesperados e
aparelhos que se assemelham à estranhas máquinas reforçam a personalidade perturbada de
sua transformação (figura 11).

Figura 11. Cenário com a transformação Vincent Price

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As paredes adquirem texturas com estampas geométricas que brincam com a
percepção de espaço do telespectador, a paisagem se constrói através de silhuetas composta
por linhas diagonais que formam planos geométricos, e viram enormes e tortuosas escadarias
chapadas em preto sobre um fundo acinzentado, que em determinadas cenas brotam da névoa
em uma nebulosa praça onde fachos de luzes saem janelas obliquas, com formatos
cuneiformes e cortam a escuridão nos permitindo ver a somente a sombra de quem a atravessa
e casas que apresentam linhas que se fecham e uma extremidade e abrem na outra, formando
diagonais que se inclinam para lados opostos (figura 12).

Figura 12. Características do cenário Vincent

7 Esboço Videográfico

Na tentativa de ilustrar algumas das características apresentadas nesse artigo e que


podem ser aplicadas a produção, foi utilizada uma microanimação, batizada de “Esboço
Videográfico”, visando apresentar a atmosfera que envolveu o universo dessa pesquisa. Para
isso, foram utilizadas 600 fotos executadas a 8 quadros por segundo, gerando
aproximadamente 40 segundos de vídeo, com a finalidade de uma aproximação dos elementos
estéticos presentes nas obras influenciadas pelo cinema expressionista alemão. Por se tratar de
um vídeo curtíssimo, o enredo foi desconsiderado e o foco foi voltado para aplicação das
características estéticas apresentadas neste artigo.
Nesse sentido, esse microvídeo apresenta uma protagonista que se encontra na janela
de sua casa a observar algo no exterior, a animação faz um breve passeio por este ambiente
apresentando aos poucos essa situação. Os elementos presentes nessa animação foram
desenhados de forma simples sobre o papel cartão, recortados e fixados por arames.
O “Esboço Videográfico” apresenta as características presentes nas obras de Robert
Wiene e Tim Burton. Os olhos da protagonista demarcados com olheiras profundas e sua pele
pálida, remetem a Cesare e Caligari, quanto a sua forma física esguia e a expressividade de
sua expressão dialoga com as personagens de Vincent. A casa segue os padrões presentes em
ambas as obras, utilizando linhas diagonais que formam estruturas obliquas com formato
angular, culminando em portas e janelas disformes.
Em o “Esboço Videográfico” todos os elementos presentes na animação, no que diz
respeito aos cenários, foram pintados na cor preta, com a finalidade de acrescentar algo que
fugisse da cenografia expressionista de Caligari, sendo uma tentativa de distanciar a animação

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de uma mera ilustração representativa. A estética do filme em preto e branco e o jogo entre
claro e escuro também fazem parte desse microanimação, ajudando a remetê-la a estética
expressionista. Porém, foram acrescidos a essa característica um alto contraste e
sobreposições de vídeos que associados a música repetitiva e incessante transmite novas
sensações a este trabalho.

8 Considerações finais

Para a análise do problema proposto neste artigo foi necessário busca na animação em
stop motion contemporânea as obras nas quais estivessem presentes os traços mais
significativos do Cinema Expressionista Alemão. Nesse sentido, foram escolhidas as obras
cinematográficas “O Gabinete do Doutor Caligari” de Robert Wiene e “Vincent” do cineasta
estadunidense Tim Burton, por se tratar, de seu primeiro curta em stop motion.
Como resultados obtidos, foi possível observar que ambos os filmes apresentaram
inúmeros elementos e características que identificam o Cinema Expressionista Alemão. No
filme de Robert Wiene, O Gabinete do Doutor Caligari observou-se a presença das seguintes
características e elementos: o uso do contraste entre claro e escuro, direcionamento da luz e
manipulação das sombras, grafismo, geometrização das formas intepretações lineares e
maquiagens pálidas com demarcação nos olhos e boca. Já o filme Vincent de Tim Burton
apresentou: relação equilibrada entre ambiente claro e escuro com contraste exagerados em
certos momentos, iluminação pontuada, manipulação da sombra grafismos, linhas diagonais,
ângulos quebrado, texturas, manipulação da percepção do espaço e animação com gestual que
oscila da linearidade ao exagero.
Sendo assim após analisar os princípios estéticos e elementos visuais presente nas
características do Cinema Expressionista Alemão e na obra do cineasta Tim Burton foi
possível concluir que ele se utiliza dos elementos estéticos presentes em Caligari e no cinema
expressionista para compor Vincent, são exemplos facilmente observáveis: o contraste entre
claro e escuro, direcionamento da luz e a manipulação das sombras, Grafismo, entre outros.
Ainda assim, seria muito precipitado afirma que a animação produzida por ele e analisada no
decorrer deste artigo sejam realmente expressionista levando-se em consideração apenas essas
características. Flusser (2007, p. 3) afirma que “a revolução no mundo da comunicação (cujas
testemunhas e vítimas somos nós) influencia nossa vida com mais intensidade do tendemos
habitualmente a aceitar”. Utilizando esse aspecto destacado por Flusser (2007), seria arriscado
rotular a sua obra com essa etiqueta sem levar em consideração, a época e o contexto em que
foi criada, além, das outras influencias que levaram Burton a produzir Vincent. Insistir nisso
seria o mesmo que excluir a contemporaneidade de seu trabalho.
Outro resultado importante observado foi o desenvolvimento do “Esboço
videográfico” no qual ocorreu a aplicação de alguns elementos presentes no cinema
expressionista alemão e que são visualizados tanto no filme de Robert Wiene – O Gabinete do
Doutor Caligari – quanto no filme Vincent, de Tim Burton. Porém, a presença desses
elementos não o qualifica como uma animação expressionista. Mas, a junção dessas
características permite abrir novos horizontes para desenvolvimento de linguagens voltadas
para animação em stop motion, criando possibilidades estéticas que dialogam com elementos
da cinematografia contemporânea.

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Referências Bibliográficas

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