Você está na página 1de 12

As várias faces de Fritz Lang: do Expressionismo Alemão ao filme noir

Helena Oliveira Teixeira de Carvalho

RESUMO: Fritz Lang deixou seu legado e revolucionou o cinema alemão e mundial. A
partir da análise de dois de seus clássicos, Metrópolis (1927) e Almas Perversas (1945),
sob os conceitos do Expressionismo Alemão e do cinema noir, o presente artigo busca
desvendar as faces desse emblemático diretor.

PALAVRAS-CHAVE: Fritz Lang. Expressionismo Alemão. Filme noir

Introdução

Mesmo sendo uma figura controversa e até mesmo impopular, Fritz Lang
deixou para o mundo do cinema filmes inspiradores, visionários e revolucionários -
garantindo seu lugar no panteão da história da sétima arte. Desde que foi convidado por
Erich Pommer para trabalhar na Decla escrevendo roteiros, Lang trouxe seus conceitos
revolucionários do cinema como composição visual e descrevia minuciosamente cada
sequência imaginada, o que se tornaria uma marca registrada do diretor.
Durante sua parceria com Thea von Harbou, Lang explorou a técnica da
expressão de estados mórbidos e seu gosto pelo o exótico. Seus filmes dessa fase
ficaram marcados pelas grandiosas composições visuais; o intenso jogo de luz e
sombra; pela temática da loucura e do medo e pelas interpretações demoníacas e
marcantes dos personagens – características típicas do Expressionismo, que dominara o
teatro e o cinema alemão da época. Mesmo que rejeitasse filiação ao movimento, Fritz
Lang passou a ser um de seus principais representantes, levando o cinema alemão a
níveis mundiais.
Quando fugiu da Alemanha, durante o governo Hitler, o diretor teve que se
reinventar e se adequar ao cinema hollywoodiano. Mesmo com intensos conflitos e
dificuldades de se adequar ao sistema das produtoras norte-americanas, Lang produziu
filmes que nos permitiu conhecer outra face do seu cinema. Atraído pelo filme noir,
mostrou que era capaz de fazer obras primas desde o Expressionismo Alemão até
clássicos de Hollywood.
Para compreender melhor as faces do cinema de Fritz Lang, o presente
artigo irá analisar dois de seus filmes de maior repercussão – Metrópolis (1927),
idealmente expressionista e que revolucionou a ficção científica, e Almas Perversas
(1945), um clássico noir hollywoodiano.
O Expressionismo Alemão

O movimento expressionista, caracterizado por obras que buscam uma


representação subjetiva do mundo, capazes de alinhar os impulsos emocionais do artista
com a criatividade, deriva de uma vertente da arte moderna alemã que “defendia a
emancipação individual contra os cânones clássicos” (CÁNEPA, 2006, p.57). Seu
amadurecimento veio à tona na primeira década do século XX, em pleno Império, e seu
domínio sobre a cultura durante os primeiros anos da República de Weimar. Laura
Cánepa destaca que:

Em seu sentido estrito, o termo Expressionismo se refere ao trabalho do


grupo de pintores que, durante os fins do século XIX e o início do XX,
traduziram os princípios „expressionistas‟ em uma doutrina que envolvia o
uso extático da cor e a distorção emotiva da forma, ressaltando a projeção das
experiências interiores do artista no espectador. (CÁNEPA, 2006, p.59)

O sucesso do termo, aplicado inicialmente à pintura, fez com que ele fosse
adotado, com significações variadas, por outras artes, como poesia, dança, música,
teatro e cinema. Suas manifestações artísticas caracterizavam-se pela rejeição as
convenções, mostrando a realidade de maneira distorcida, de forma que causasse certo
impacto social. Principalmente nas artes plásticas, os artistas não se preocupavam em
produzir composições esteticamente agradáveis, mas buscavam, por meio de contrastes,
ângulos e formas abruptas, gerar reações profundas. Em sua essência, o Expressionismo
explorava a relação entre arte e sociedade.
Estudiosos do movimento destacam que, na Alemanha, ele pode ser
dividido em dois momentos, que correspondem ao pré e ao pós Primeira Guerra
Mundial. De acordo com Mattos (2002), “no período pré-guerra, ele teria se
desenvolvido em diálogo com as vanguardas internacionais pela busca de uma nova
linguagem expressiva, ao passo que, após o início do conflito, passaria adquirir tons
cada vez mais nacionalistas e politicamente engajados” (MATTOS, 2002, p.42). Tal
caráter nacionalista e político, que aflorou ainda mais após 1918, derivou da
necessidade da construção de uma identidade nacional, a partir do isolamento cultural e
da crise política e econômica que o país enfrentava.
Também no período pós-guerra, as manifestações expressionistas no teatro e
no cinema ganhariam destaque. Cánepa (2006) destaca que a dramaturgia expressionista
já era produzida desde antes de 1914, mas que só encontraria seu público a partir de
1916, quando grandes diretores começaram a encenar peças expressionistas, como O
Mendigo, de Reinhard Johannes Sorge e O despertar da primavera, de Frank
Wedekind. . Tais peças “faziam do mundo interno do personagem o único elo entre os
diversos elementos da trama, abrindo mão das noções tradicionais de estruturação da
cena segundo os princípios de unidade espaço-temporal” (MATTOS apud CÁNEPA,
2006, p.61). O que se via no palco era o próprio desenvolvimento psicológico dos
personagens e todo o cenário estava a serviço dessa explicitação emocional.
Luiz Nazário (2021) destaca que como o Expressionismo já havia florescido
na literatura, nas artes plásticas e no teatro, foi como uma “síntese de diversas
manifestações artísticas que nasceu a imagem expressionista em movimento”
(NAZARIO, 2021, p.06). Ainda segundo o autor, como o cinema alemão precisava se
diferenciar do cinema americano para então poder competir, passou a investir em filmes
considerados mais “artísticos”.
Assim como as pinturas expressionistas, os filmes desse período pós-guerra
buscavam abordar as experiências pessoais e subjetivas do ser humano, No cinema, essa
característica foi mais associada aos sets pouco realistas, ângulos profundos e sombras
marcantes, para intensificar a atmosfera do filme, comumente de horror e mistério.
Segundo Nazário (2021), trabalhava-se intensamente em uma técnica avançada nos
estúdios de Berlim, o que permitia as narrativas mais complexas.

[...] os cenógrafos destacavam-se criando exteriores fantasmáticos,


construindo casas tortas com fachadas vivas, ruas estreitas e sombrias como
tentações e armadilhas; interiores distorcidos e fundos descambados, próprios
para a pintura animada em que se convertia cada cena. Cada vez mais
roteiristas ousados faziam seus personagens desafias a moral; e os magos da
iluminação obtinham fortes contrastes para marcar um personagem, realçar
uma cena, emoldurar uma situação dramática. (NAZARIO, 2021, p.07).

Nesse contexto, O Gabinete do dr. Caligari (1920), de Robert Wiene,


marcou o primeiro ápice do Expressionismo Alemão no cinema, revolucionando a
sétima arte e se tornando um dos filmes mais influentes da história. Com um enredo de
pesadelo e uma estética aterrorizante, surreal, sombria e distópica, o longa “recolocou o
país no circuito cultural internacional e provocou discussões a respeito das
possibilidades artísticas e expressivas do cinema” (CÁNEPA, 2006, p.55).
Em O Gabinete do dr. Caligari é possível observar as principais
características do cinema expressionista, que ali se consolidava: fortes contrastes em
preto e branco, um mundo de sombras e escuridão, cenografia delirante, com cenários
geometricamente angulosos e símbolos monstruosos na composição da cena,
perspectivas e pontos de vistas oblíquos, atores com expressões e gestos desvairados,
deformando-se como os objetos da cena – o mundo escapou do controle e, no meio de
todo o caos, atores se contorcem pelos espaços, impulsionados por horrores tanto
visíveis quanto imaginários.
Outros filmes do início da República de Weimar também chamaram atenção
pela estética expressionista e se tornaram clássicos do cinema mundial, como O Golem
(Paul Wegener, 1920), A Morte Cansada (Fritz Lang, 1921) e Nosferatu (F.W. Murnau,
1922). Os filmes mudos da Alemanha do início dos anos 1920 estavam muito à frente,
técnica e esteticamente, do que era produzido em Hollywood no mesmo período. Pode-
se dizer que o cinema do mundo todo se beneficiou com o desenvolvimento do
Expressionismo Alemão e de suas técnicas inovadoras, que se tornaram cada vez mais
visíveis na tela. A estética expressionista expandiu ainda mais suas influências nas
décadas seguintes, principalmente com o exílio de diretores alemães durante o governo
nazista, e segue sendo incorporada no cinema contemporâneo até os dias atuais.

Fritz Lang chega à Hollywood

Entre as décadas de 1920 e 1930, Fritz Lang se tornou um dos principais


representantes do Expressionismo Alemão e um dos mais importantes diretores do país.
Em parceria com sua esposa Thea Von Harbou, produziu filmes como Dr, Mabuse, o
jogador (1922), Os Nibelungos (1924), Metrópolis (1927) e M, o Vampiro de
Dusseldorf (1931), que além de trazerem uma estética expressionista, ficaram marcados
pelo caráter protonazista e anticomunista, com referências aos pensamentos do
movimento nacional-socialista, como a superioridade de uma raça pura, degradação da
sociedade e caracterização dos vilões com traços comuns aos judeus. Contudo, em
1933, quando o governo Hitler já chegara ao poder, Lang teve seu filme O Testamento
do Dr. Mabuse (1933) censurado e proibido de ser lançado, mesmo que o führer e seu
ministro Goebbels considerassem Lang o maior diretor da época. Sobre a proibição,
Luiz Nazário (2021) afirma:

Quando Das Testament des Dr. Mabuse foi rodado, interessava aos nazistas a
difusão da paranoia social com o objetivo de desestabilizar a República de
Weimar, levando à vitória eleitoral do nazismo. O filme teria sido concebido
como um suporte político às visões de Hitler. Concluído, porém, logo após a
tomada do poder pelos nazistas, sua mensagem de desestabilização política
não interessava mais aos vencedores, que agora controlavam a paranoia
social de dentro do Estado. (NAZARIO, 2021, p.12)

O longa de 1933 é considerado então o sinal de alerta para a saída de Fritz


Lang da Alemanha, levando a uma nova fase de sua vida e de seu cinema. Porém, tal
saída é cercada de mistérios e contradições até os dias atuais. Segundo o próprio diretor,
ele teria fugido na mesma noite em que Goebbels o convidara para dirigir o cinema
nazista, um dia depois da proibição do filme. Contudo, pesquisadores questionam, por
base em documentos oficiais, essa versão da história, e muitos afirmam que Lang
deixou a Alemanha quatro meses depois do mítico encontro, após acertar seus negócios
e oficializar sua separação de Thea von Harbou, que tinha se aliado oficialmente aos
nazistas.
Paris (França) foi o primeiro destino do agora autoexilado diretor, onde
encontrou antigos amigos, como o produtor Erich Pommer, que o convidara para dirigir
o filme Liliom (Coração Vadio, 1934), que conta a história de Liliom (Charles Boyer),
um malandro que se envolve em um assassinato após um roubo. Quando é condenado a
prisão, não suporta seu destino e se mata. Contudo, sua alma sai do corpo e é levada
para ser julgada no céu, onde ganha uma chance de voltar à Terra e realizar uma boa
ação para então resgatar sua alma. Nazario (2021) destaca que apesar de admirável em
seus aspectos cinematográficos, o filme é ideologicamente detestável, visto que traz
uma apologia a agressão contra a mulher, em nome do amor.
A estadia de Lang em Paris durou pouco tempo e em junho de 1934 o
diretor embarcou para os Estados Unidos, após fechar contrato com a MGM, por
intermédio do produtor David O. Selznick. Apesar de ter chegado à Hollywood com
grande alarde e se integrado ao novo país rapidamente, o diretor teve seus projetos
inicialmente recusados, levando-o a fazer ajustes para se encaixar no modelo
hollywoodiano. Sobre as impressões de Lang a respeito do novo sistema, Janaína
Gamba destaca:

Lang teria dito a Peter Bogdanovich que em questões técnicas de iluminação


e eletricidade, Hollywood era melhor do que qualquer lugar. Mas se a
tecnologia era superior, as imposições de „estilo‟ de cada estúdio eram
desvantagens. Deste modo, experimentações pessoais dos diretores eram
desencorajadas. Fotografias fortes ou realistas eram consideradas
inapropriadas. Das atrizes, era esperada que a beleza fosse acentuada,
independente das fontes de luz presentes em uma cena. (GAMBA, 2019,
p.105).
Em meio aos conflitos com a indústria, o diretor realiza enfim seu primeiro
filme em solo norte-americano, Fury (Fúria, 1936). O longa conta a história de Joe
Wilson (Spencer Tracy), um homem pobre, honesto, que adia o casamento com a
namorada Katherine Grant (Silvia Sidney) por não ter o dinheiro suficiente. Para juntar
dinheiro mais rápido Katherine se muda então para outra cidade e Joe trabalha dia e
noite em um posto de gasolina. Quando finalmente consegue o dinheiro, Joe vai ao
encontro da amada. Mas, no caminho, é acusado de um crime que não cometeu e, por
conta da negligência policial, é linchado por uma multidão raivosa. Muitos acreditam
que ele está morto, mas em uma reviravolta ele retorna em busca de vingança daqueles
que o condenaram a morte.
Fury foi marcado pelos intensos atritos do diretor com a equipe no set,
devido às dificuldades de Lang de se adequar aos métodos de trabalho de um estúdio
americano, onde o diretor não era soberano, como era na Ufa, na Alemanha. Concluídas
as filmagens, os atritos ficaram ainda mais intensos, quando o diretor não permitiu
modificações na montagem e foi demitido da MGM. “Apesar das mutilações que sofreu
[...] Fury permaneceu um dos filmes de maior impacto produzidos em Hollywood”
(NAZARIO, 2021, p.05). Fury foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original em
1937 e é considerado um dos melhores filmes da fase americana de Lang.

O Cinema noir

Durante sua carreira nos Estados Unidos, Fritz Lang teve de se adequar ao
ritmo de produção hollywoodiano, passando por diversos gêneros, como western,
guerra, romance, que não eram os seus preferidos. Contudo, durante sua fase americana,
o diretor foi conquistado por um gênero em especial: o filme noir.
Subgênero do cinema americano, o filme noir teve seu período clássico
entre as décadas 1940 e 1950 e apresentou trama que abordam temas policiais, porém,
que acabam sendo apenas um pretexto para mostrar e explorar o comportamento
humano, muitas vezes, em seu estado mais vulnerável e obscuro. Suas principais
características são uma combinação de luxo, iluminação sofisticada, roupas sensuais,
crimes, drama e a figura de uma femme fatale. Mattos (2001) destaca alguns elementos
fílmicos adotados pelo noir:

[...] ângulos exagerados; primeiríssimos planos; câmera oblíqua; linhas


horizontais cruzadas com verticais aumentando a impressão de clausura
psicológica e física; variações no posicionamento da luz chave (key light),
atenuante (fill light) ou contraluz (backlight) para produzir esquemas
inusitados de luz e sombras adequados à criação do clima de paranóia, delírio
e ameaça; corpos delineados em silhuetas dramáticas contra um fundo
iluminado; filmagem de cenas noturnas realmente de noite (night-for-night)
tornando o céu mais negro e ameaçador; reflexos no espelho sugerindo “o
outro lado” do personagem ou sublinhando os temas recorrentes de perda ou
confusão de identidade; estranhos pontos luminosos sobre os rostos do herói
para injetar-lhe uma aparência sinistra ou de demência; heroínas fotografadas
de maneira sedutora e outras estratégias visuais aparecem com obsessiva
repetição (Mattos, 2001, p. 46).

Os personagens do cinema noir também apresentam um padrão de


comportamento e caracterização: os protagonistas masculinos são ambíguos, como o
anti-herói que vive uma vida vazia e tem dificuldades de confiança, usando isso como
defesa. Há ainda os clichês do detetive pouco confiável, o policial corrupto, o marido
ciumento e o herói. No figurino, a figura masculina é marcada por ternos, gravatas,
chapéus e um cigarro. Já as personagens femininas costumam seguir a linha femme
fatale: são inteligentes, independentes, sensuais e, muitas vezes, usam os homens para
alcançar seu objetivo, fingindo ser frágil e precisar de ajuda. São manipuladoras e,
quase sempre, são as causadoras dos problemas da trama. As produções compreendidas
como noir refletiam em suas tramas o momento político e econômico dos Estados
Unidos, decorrente do pós-guerra e da crise financeira mundial. Mascarello (2006)
afirma que os filmes teriam servido como um meio de denunciar as consequências do
momento para a sociedade.
O cinema noir também remete diretamente ao Expressionismo Alemão,
marcado por uma fotografia preta e branca, iluminação dramática com foco nas sombras
e enredos cheios de drama, obsessão, paranoias e desconfiança, o que teria atraído Lang
para o gênero. Em filmes como Retrato de Mulher (1944), Almas Perversas (1945) e
Gardênia Azul (1953), é possível observar a fidelidade do diretor às intrigas com
protagonistas anti-heróis e um contexto de submundo e degradação humana, tão comum
em seus filmes da fase expressionista.

As faces de Lang: de Metrópolis a Almas Perversas

Embora Fritz Lang rejeitasse sua filiação ao Expressionismo, seus filmes da


década de 1920 ficaram marcados pelos fortes contrastes entre luz e sombra, pela
temática da loucura e do medo e pelas interpretações demoníacas e exageradas dos
atores – características típicas do movimento, que o levaram a ser reconhecido como um
de seus principais representantes. Em 1927, o diretor lançaria seu filme mais idealmente
expressionista, que revolucionaria sua carreira e o cinema mundial: Metrópolis.
O enredo se passa na cidade que dá nome ao filme - uma gigante metrópole
do futuro, mais precisamente de 2026, que possui um sistema de organização social
dividido, verticalmente, em duas classes: acima da superfície, os ricos e aristocratas,
abaixo, nas profundezas, a classe operária, responsável por fazer as engrenagens
funcionarem a fim de manter a cidade funcionando e as extravagâncias dos mais ricos.
O conflito se instala quando Freder (Gustav Fröhlich), filho do magnata industrial mais
poderoso da cidade, Joh Fredersen (Alfred Abel) está em seu clube de lazer e vê Maria,
uma operária e espécie de profeta, que mostra a um grupo de crianças o “mundo dos
ricos”, e apaixona-se pela moça.
Na busca por reencontrá-la, descobre os operários que vivem nas
profundezas e vivem em situações precárias, com jornadas diárias extenuantes de
trabalho, para manter as máquinas de Metrópolis funcionando. Ao presenciar uma
explosão em uma das máquinas, que fere vários trabalhadores, Freder volta a superfície
e conta tudo ao seu pai, que o ignora. Decepcionado e revoltado com o pai, o jovem
volta às profundezas e troca de lugar com um dos operários, assumindo seu posto de
trabalho. Nesse momento, Freder descobre que Maria guia os colegas na espera pelo
mediador, alguém que unirá as classes de cima (cérebro) e a de baixo (mãos). Em
paralelo, Joh Fredersen descobre mapas estranhos nos bolsos de alguns operários e
recorre a Rotwang (Rudolf Klein-Rogge), um cientista excêntrico, para ajudar a decifrá-
los. O cientista então o leva por túneis secretos, até onde os operários se encontram e
conspiram. Fredersen então ordena que ele dê a Pessoa-Máquina, criada para trazer de
volta à vida Hel, amada de Rotwang que se casou com o magnata e morreu no parto de
Freder, a aparência de Maria para, com isso, gerar confusão entre os operários e ter uma
justificativa para acabar, com truculência, com o movimento rebelde. Contudo,
Rotwang aproveita a situação para se vingar de Fredersen e usa a versão robótica de
Maria em seu plano de destruir a cidade e matar o filho do empresário.
Em uma sequência apocalíptica e de tirar o fôlego, a falsa Maria incita os
operários, que vão até a sala de máquinas e a destroem, enquanto a verdadeira Maria,
com a ajuda de Freder, tenta salvar as crianças que ficaram na Cidade dos
Trabalhadores, que está inundando. Todos chegam à superfície e, depois de conflitos
entre as classes, queima da Pessoa-Máquina e um duelo entre Freder e Rotwang, a mão
(operário), enfim, faz as pazes com o cérebro (empresário), através do coração (Freder,
o mediador).
Transcendendo a mensagem protonazista, que o levou a ser um dos filmes
preferidos de Hitler e Goebbels, Metrópolis se destaca pela gloriosa e ousada estilização
dos cenários, a direção minuciosa de Lang ao conduzir a temática da loucura e do medo,
e pela direção de fotografia, que dialoga com os sentimentos dos personagens através da
forte presença ou total ausência de luz, provocando grande impacto, como na sequência
em que Rotwang persegue Maria em meio a escombros, iluminando pontos específicos
com uma lanterna em meio à escuridão. Outro destaque do filme é a interpretação dos
atores, principalmente de Rudolf Klein-Rogge e Brigitte Helm. Os gestos desvairados e
as expressões demoníacas, marcantes – como da Pessoa-Máquina ao conduzir a
multidão à destruição das máquinas – são um espetáculo a parte e traduzem o estado da
loucura e do caos que circunda os personagens e a narrativa.
Considerado um filme essencialmente expressionista, como destacado
anteriormente, o Expressionismo se manifesta em sua maneira mais espetacular na
sequência em que Rotwang cria a Pessoa-Máquina em seu laboratório. O borbulhar dos
líquidos e o movimento caótico dos raios e círculos elétricos, que resultam em uma
criatura com visual robótico inovador para a época, transcendem a narrativa e inspiram
a imaginação de toda uma geração da ficção científica, com influências até os dias
atuais.
Quase vinte anos separa Metrópolis de Almas Perversas, um filme
essencialmente noir. O longa de 1945 traz a história de Christopher Cross (Edward G.
Robinson), um ingênuo bancário que vive uma vida terrível por ter casado por mera
conveniência espacial, tendo que conviver com uma mulher amarga e que mantém um
enorme quadro do primeiro marido na parede da sala. A única alegria que Cross tem é
pintar quadros aos domingos. Após sair de uma festa em homenagem aos seus 25 anos
de trabalho no banco, Cross se perde nas ruas do bairro Village e vê um homem
agredindo uma jovem na rua. Aproxima-se deles e dá uma guarda-chuvada no homem,
que cai no chão. Cross vai atrás de uma policial e quando volta, a mulher já está
sozinha. Ao ser perguntada para onde o homem foi, Kitt March (Joan Bennett) indica a
direção errada, o que já desperta um alerta no espectador. Kitt acredita que Cross é um
famoso e rico pintor e o seduz na intenção de dar um golpe, junto com o noivo Johnny
Prince (Dan Duryea), um malandro que explora a noiva. Ao longo da trama, Cross fica
cada vez mais envolvido com Kitt, dando tudo o que ela quer, enquanto a falsa atriz e o
noivo vendem os quadros pintados pelo bancário como se fossem de autoria de Kitt. A
ingenuidade excessiva de Cross chega a incomodar o espectador. A narrativa atinge seu
clímax quando Cross descobre a traição de Kitt, que o confessa tudo com certa frieza, e
a mata com o picador de gelo. O bancário consegue sair do local sem ser visto e o
malandro Johnny acaba sendo incriminado pelo assassinato.
Como pode ser observado, Almas Perversas é um clássico do noir
hollywoodiano: um homem em crise de meia idade envolve-se com uma femme fatale e
se deixa ser manipulado por ela que, por sua vez, é manipulada pelo noivo malandro.
Contudo, Lang traz toda sua genialidade na sequência final, corajosa e, ao mesmo
tempo, perturbadora, desafiando os limites de Hollywood: após fugir da cidade, o pacato
bancário é acometido pela loucura e é assombrado por seus fantasmas, o que o leva a
tentativa de suicídio. Porém é salvo por outros hóspedes do hotel e acaba o filme
vagando pelas ruas de Nova York.
Após uma narrativa toda apresentada e montada sob os elementos clássicos
da indústria norte-americana, Lang retorna ao Expressionismo na mais bela sequência
do filme: Cross está sozinho no quarto de hotel quando começa a ouvir as vozes de
Johnny e Kitt. O diretor passa para o espectador o estado de loucura que acomete o
personagem através do belo jogo de luz e sombra que constrói com o letreiro do hotel e
as luzes do quarto que piscam a todo o momento. Nessa sequência podemos voltar a
Dr.Mabuse, que também acaba perturbado por seus fantasmas.
Com a análise dos filmes, podemos ver que o cinema de Fritz Lang teve
várias faces: desde filmes expressionistas esteticamente inovadores, que chocavam o
mundo, até filmes tipicamente clássicos de Hollywood. Contudo, observamos que a
perfeição tão característica do diretor e sua minuciosa direção, são capazes de driblar
qualquer indústria e se fazem sempre presentes.

Considerações finais

Fritz Lang foi, e ainda é, uma das figuras mais emblemáticas, controversas e
geniais do cinema mundial. Já em seu primeiro filme, a Morte Cansada (1921),
apresentou técnicas cinematográficas inovadoras e uma estética minuciosamente
construída, que aprimoraria a cada filme e colocaria o cinema alemão no mapa da
cultura ocidental. Mesmo negando sua filiação, foi um dos representantes mais
contundentes do Expressionismo Alemão, com filmes marcados pelos fortes contrastes
entre luz e sombra, pela temática da loucura e do medo e pelas interpretações
exageradas e demoníacas de seus personagens.
Em 1927 revoluciona sua obra e o cinema em geral com Metrópolis,
considerado o berço da ficção científica. O filme com o orçamento mais caro da época,
traz o ápice do Expressionismo, com uma cenografia exuberante e gigantesca e uma
montagem apocalíptica e de tirar o fôlego. Aqui Fritz Lang garantira seu lugar no
panteão da Sétima Arte e se tornara uma das principais referências das gerações
seguintes.
Mesmo depois de uma misteriosa e controversa fuga da Alemanha durante o
governo Hittler e intensos embates com a indústria hollywoodiana, Lang ainda
conseguiu levar sua genialidade para os clássicos do cinema noir e seguir
surpreendendo os espectadores. Em Almas Perversas (1945), conseguiu transformar um
clássico hollywoodiano em um longa substancialmente cuidadoso, com uma boa
discussão psicológica e com um final corajoso e, ao mesmo, perturbador.
A partir das análises, pôde-se observar que assim como seus personagens,
Lang tinha muitas faces, mas em todas elas algo em comum: a busca pela perfeição e a
paixão pelo cinema. Passando do Expressionismo Alemão ao cinema noir, entre
polêmicas políticas e embates com a indústria, o diretor deixou sua marca no cinema
mundial e segue inspirando cineastas até os dias atuais.
REFERÊNCIAS

CANÉPA, L. L. Expressionismo Alemão. In: MASCARELLO, Fernando (org).


História do Cinema Mundial. Campinas: Papirus, 2006

GAMBA, J.S. Schöpfer und Kreatur: Friz Lang e o personagem Dr. Mabuse pelo
olhar da imprensa (1920-1990). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social - PUCRS, 2019

MASCARELLO, Fernando. Film noir. In: MASCARELLO, Fernando (org). História


do Cinema Mundial. Campinas: Papirus, 2006

MATTOS, C. V. Histórico do expressionismo e a escultura expressionista. In:


GUINSBURG, J. (org). O expressionismo. São Paulo: Perspectiva, 2002

MATTOS, A.C de Gomes. O outro lado da noite: film noir. Rio de Janeiro: Rocco,
2001

NAZARIO, L. Aula 10 - O Testamento do Dr.Mabuse. Disciplina Autores do


Cinema: Fritz Lang. Programa de Pós-Graduação em Artes, UFMG, 2021

NAZARIO, L. Aula 11 – Fritz Lang no Exílio. Disciplina Autores do Cinema: Fritz


Lang. Programa de Pós-Graduação em Artes, UFMG, 2021

NAZARIO, L. Expressionismo e cinema. Disciplina Autores do Cinema: Fritz Lang.


Programa de Pós-Graduação em Artes, UFMG, 2021

Você também pode gostar