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RESUMO
A influência das Artes Plásticas nas Histórias em Quadrinhos pode ser observada em vários
momentos e trabalhos — nas composições visuais de Mike Allred, Alex Ross ou Ted McKeever,
por exemplo; bem como a influência das HQs na Arte é facilmente identificada em trabalhos como
os de Andy Warhol, Roy Lichtenstein ou, mais recentemente, Butcher Billy. Este diálogo entre as
formas de arte é, de fato, enriquecedor e promove uma valorização ao inserir novas camadas de
interpretação e apreciação às obras que as apresentam. Isto pode ser confirmado ao se analisar o
trabalho de Ted McKeever, principalmente nas três edições que produziu com super-heróis da
editora norte-americana DC Comics entre 1996 e 2003, ambientadas em um universo notoriamente
inspirado por filmes do Expressionismo Alemão, como Metropolis (1927) e O Gabinete do dr.
Caligari (1920). Sua arte se destaca por linhas espessas, cores carregadas e deformações de
personagens e cenários, efeitos que foram amplificados na busca pela atmosfera opressiva e
angustiante do movimento moderno a que se refere, cujos maiores expoentes foram os vanguardistas
do movimento Die Brücke (A Ponte), ativo entre 1905 e 1913. O objetivo deste trabalho é o de
analisar e comparar a arte do quadrinista Ted McKeever, nas já citadas três graphic novels
publicadas pela DC Comics, à de artistas históricos como Edvard Munch (1863-1944) e Ernst
Ludwig Kirchner (1880-1938), destacando os elementos visuais semelhantes, na busca por traçar
um paralelo entre as formas de arte, e refletir sobre as características histórico-culturais da
linguagem Expressionista nos quadrinhos. A fundamentação teórica baseia-se nos estudos de
Shulamith Behr, Ernst H. Gombrich, Antonio Luiz Cagnin, Will Eisner e Scott McCloud.
INTRODUÇÃO
O EXPRESSIONISMO
Seu traço forte e cores carregadas ficaram ainda mais evidentes com o tema
expressionista e, ao observar tanto a arte das capas quanto das páginas internas, há uma
sensação de que o artista sentiu-se livre para retratar os personagens de acordo com o foco
do projeto, sem se importar com definições prévias de como devem ser mostrados tais
heróis. Há um controle rígido da DC Comics sobre seus personagens, mas nestes casos,
aparentemente, eles foram liberados para uma maior experimentação artística. A mudança
mais notável fica por conta do Batman, representado quase como um monstro, distinto do
Superman e da Mulher-Maravilha, que mantiveram seus traços mais humanizados e
próximos do tradicional, ainda que tenham sido reinterpretados ao estilo de McKeever.
A composição da capa de Metropolis apresenta o Superman em primeiro plano,
deslocado mais à direita da imagem, com a robô feminina bastante destacada mais atrás e
ao centro. Uma sutileza do artista nesta composição pode ser o fato de os olhos do robô
guiam o olhar do espectador em direção ao Superman, de modo bastante discreto, tornando
este personagem o ponto focal da arte. Ao fundo, percebe-se a cidade — que também pode
ser considerada um personagem da história — com seus prédios deformados. Mesmo
trabalhando com as cores mais tradicionais do personagem — azul, vermelho e amarelo —
Ted McKeever conseguiu misturar tonalidades que transmitem uma certa angústia, mais
perceptível pelo seu amarelo, que se aproxima do marrom e é, não por acaso, a cor
predominante da imagem. A cor marrom é associada à terra e representa, comumente, a
disciplina e observação das regras. Não apenas isso, mas está relacionada à repressão
emocional e ao medo do mundo exterior e, também, às incertezas quanto ao futuro. A partir
destes elementos, pode-se afirmar que a essência do Expressionismo foi respeitada aqui,
pois o movimento lidava com o pessimismo e a negatividade frente ao mundo.
A capa de Batman: Nosferatu, seguindo uma composição semelhante à do
Superman, coloca o vampiro em segundo plano na capa, mas bem destacado. Também
apresenta a cidade ao fundo e os prédios são ainda mais deformados, se comparados com os
de Metropolis. Na arte original, o céu foi pintado em tons de cinza azulado, fazendo uma
ligação com o tom de pele do vampiro, ao mesmo tempo em que se aproxima de um céu
noturno real. Na imagem final, houve um tratamento das cores, transformando o céu em
uma atmosfera esverdeada, perturbadora e opressiva, remetendo diretamente à obra de
Kirchner, Cinco Mulheres na Rua. A cor verde, apesar de representar a natureza e estar
associada geralmente à calma e à tranquilidade, em tons mais escuros se relaciona à
proximidade da morte, além de carregar sentidos de orgulho, presunção e arrogância,
quando em excesso. Mais uma vez as cores, não apenas o traço rebuscado, referem-se
claramente ao movimento artístico.
Já no caso da Mulher-Maravilha, a composição da capa difere um pouco das
anteriores, pois apresenta a personagem em destaque central e em primeiro plano, deixando
em segundo plano os outros dois personagens já citados, em escala menor. Mais uma vez a
cidade ergue-se ao fundo, com seus prédios empilhados desordenadamente, sob um céu
púrpura. Esta cor, em excesso, causa sensações de tristeza e melancolia; provavelmente, o
objetivo buscado pelo artista na produção desta imagem. Esta cor também está relacionada
ao mistério e à espiritualidade, à fantasia e até mesmo à energia cósmica. Estes são
elementos facilmente associados aos super-heróis dos quadrinhos.
A estruturação das ilustrações de capas indica a intenção do artista em destacar
determinado elemento, seja o personagem em primeiro plano ou não, por meio de uma
composição que conduz o olhar do espectador em direção ao ponto principal. Isto se dá pelo
uso de meios expressivos contextuais, como bem postula Cagnin (2014, p. 103-104):
O interior das revistas segue as mesmas características visuais das capas, uma vez
que o mesmo artista foi o responsável pela arte de ambas as partes. Nas páginas internas há
ainda o recurso dos requadros que, nestas histórias não são uniformizados, retos e lisos, mas
sim, manualmente deformados e grosseiros, pesados. A disposição destes quadros remete à
dos prédios na cidade ilustrada, estando todos, com suas formas angulosas e disformes,
empilhados na página. A diferença é que, devido à narrativa, eles encontram-se mais
organizados, objetivando a fluidez da leitura.
A pintura evoca o movimento artístico, dando preferência às cores com significados
negativos, bastante carregadas. As deformações dos personagens beiram ao caricatural,
estilizando as representações sem uma preocupação em fazer com que pareçam realistas,
como em muitas HQs de super-heróis, mas de forma que expressem suas emoções de modo
semelhante ao dos artistas Expressionistas, através do exagero. De acordo com Cagnin
(2014, p. 127), “Os desenhos têm a feição própria de cada artista, revelam e identificam o
seu autor, sendo possível falar em estilo deste ou daquele quadrinista. (...) no entanto, difícil
é definir, ou descrever estilos e formas.” Levando em consideração esta afirmação, o que
podemos fazer é localizar e apontar as similaridades entre o trabalho de McKeever e os
artistas do movimento Expressionista, traçando um paralelo visual entre estas formas de
arte, evidenciando um diálogo entre elas.
Nas páginas expostas a seguir, na figura 3, é possível perceber as deformações nos
rostos, por exemplo, como fez Munch em sua obra O grito. As feições do Coringa
(chamado aqui de Laughing Man, que pode ser traduzido como “homem risonho”, e pode
ser considerado uma homenagem ao filme O homem que ri, de 1928, dirigido por um
cineasta expressionista alemão), logo no primeiro quadro, representam a insanidade do
personagem pelo sorriso aberrante, as sombras pesadas, o nariz anômalo e as linhas
irregulares que dão forma ao rosto como um todo. Algumas destas características já fazem
parte da descrição habitual do personagem, mas aqui ele ganha traços ainda mais
medonhos, corroborando a temática de horror muito utilizada pelos cineastas
expressionistas. Para efeito de comparação, na mesma página há um rosto feminino que,
apesar de também ser constituído por linhas espessas e exageradas, não alcança o nível de
anormalidade daquele que seria o “monstro maligno” da história. Como no Expressionismo,
o visual do personagem exterioriza seus sentimentos, neste caso, exibindo sua verdadeira
face, de demência e aparente agressividade.
Figura 3 – Uma página de “Batman: Nosferatu” e duas de “Wonder Woman: The Blue Amazon”.
Fonte: acervo particular do autor.
Nestas páginas é possível observar, também, o uso das cores fortes e carregadas,
ampliando as sensações de angústia que as histórias e suas temáticas pretendem transmitir.
Em uma olhada geral pelas páginas das três edições, percebe-se um uso proeminente de
algumas cores como o marrom, o verde e o vermelho, que fazem uma correlação direta ao
Expressionismo, sendo encontradas em várias das principais obras do movimento.
Por fim, retomando a composição das capas, é interessante notar que os prédios
apresentados nas três são os mesmos, incluindo aquele com o globo/engrenagem e outro,
com uma forma estrelada no topo. Esta é uma maneira de mostrar que as três histórias se
passam no mesmo lugar, unificando os álbuns em um universo próprio, não apenas pelo
tema e pelo design das capas, que mantêm sempre o mesmo padrão de fundo e localização
dos nomes dos personagens, autores e logotipos da editora. Desta forma, os autores
distanciam estes personagens das suas representações consagradas, inserindo-os em um
espaço único, à parte, o qual requer logo de início uma leitura diferenciada. Aqui, as
expectativas dos leitores devem ser distintas e estes devem permitir se surpreenderem com
um novo olhar sobre personagens já estabelecidos, através da reinterpretação imposta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o caso específico destas três obras de Ted McKeever, pode-se afirmar
que o objetivo dos artistas Expressionistas ainda se faz presente em nossa sociedade,
principalmente em relação ao fato de que é nos grandes centros urbanos que encontramos a
maior parte da angústia humana. Este é um tema ainda muito atual e a utilização de uma
ferramenta como os quadrinhos para criticar o status quo que permite tal condição é
louvável, devido ao seu alcance.
Não que estas obras sejam primordialmente críticas, elas seguem em uma linha mais
aventuresca. Mas, ao se apropriar dos temas expostos nos filmes originais em que se
basearam, acabam por retransmitir esta mensagem, talvez em uma leitura mais cuidadosa.
Assim como no cinema expressionista, estes quadrinhos trabalham com temas
macabros, mas adaptando esta visão ao universo dos super-heróis, com batalhas em que o
“bem” vence o “mal” ao final das histórias. Este é um detalhe importante pois, mesmo ao
criar uma atmosfera opressiva e pessimista, os contos mantêm a característica tradicional
positiva a que os leitores estão acostumados e, desta forma, não afastam o público
consumidor. Afinal, ainda que os quadrinhos sejam uma forma de arte, são também um
produto de consumo de massa voltado ao mercado. Mas a tensão visual provocada entre as
linhas, formas e cores reclama um deslocamento da sensibilidade e uma expressão crítica.
O cinema, talvez até mais do que a pintura, tem uma relação bastante próxima dos
quadrinhos. A narrativa visual de ambas as mídias possui semelhanças, mas adaptadas às
suas condições físicas e limitações inerentes. Enquanto o cinema faz uso do som, nos
quadrinhos são necessárias as onomatopeias, por exemplo. As duas mídias lidam com
palavras e imagens, mas de formas diferenciadas e isso impacta em seus espectadores,
exigindo mais atenção ou capacidade de leitura, interpretação e participação por parte deles.
De qualquer forma, há um estreito relacionamento entre ambas e os quadrinistas,
atualmente, devem trabalhar preparados para leitores cujas experiências de vida incluem
uma exposição demasiada ao cinema. (EISNER, 2005.)
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. In Obras escolhidas. 3. Ed.
São Paulo: Brasiliense, 1987.
GHANBARI, Kasra. Ted McKeever. Comic Art Fans. Disponível em: <http://www.comicartfans.
com/gallerydetail.asp?gcat=20107> Acesso em: 15 mai. 2015.