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As formas cinematográficas e

seu contexto sócio cultural


ou
A História das formas
cinematográficas
Do ponto de vista formal, sempre é
interessante que recorramos às tradições
de crítica pictórica, que podem ser de
tradição ocidental (que é o que fazemos a
maior parte das vezes) ou oriental (no
sentido de chinesa clássica).
Do ponto de vista da crítica ocidental, a
representação pictórica pode ser vista
retrospectivamente como pertencendo “a
escolas”; isto é: obras que contenham
determinados traços marcantes são
agrupadas em conjuntos mais ou menos
arbitrários.
Em cada conjunto destes podemos
encontrar traços estilísticos marcantes
e bem caracterizados, tais como:
• Movimentos de câmera
• Enquadramentos
• Duração dos planos
• Tipo de montagem e seu ritmo
• Iluminação
• Cenário
• Misancene
Estes traços podem ser
vistos como “tendências”.
Por exemplo: a luz dura e bem contrastada,
filtrada como “noite americana” dos filmes noir.
O cenário estilizado e distorcido do
expressionismo alemão.
O hiper realismo hollywoodiano
O neo-realismo italiano
O Cinema soviético dos anos 20
Evidente que isto pode nos levar a um
reducionismo, que é de definir os
filmes apenas através de suas marcas
formais.
Mas estas tendências formais (ou
estilísticas) também nos ajudam a lembrar
que um filme não é algo isolado. Não é
uma obra isolada: ele guarda relações
com outros filmes e com outras obras de
seu tempo ou de seu espaço sócio-
político-cultural.
JÁ OS FILMES DOS PRIMEIROS
TEMPOS...
Os filmes “dos primeiros tempos”, em
que predominava a não-continuidade,
podem ser definidos pelos seguintes
aspectos:

- Não homogeneidade
- Não rematamento
- Não linearidade
Críticos e estudiosos atribuem esses
traços de descontinuidade narrativa ao
fato de que os modelos daqueles
cineastas eram os espetáculos de
vaudeville e o music-hall, e não o
romance do século XIX ou o teatro.
Não havia drama.
A Continuidade Narrativa
ou
Quando o cinema passou a ter
narratividade
Edgar Morin, o parceiro de Jean Rouch em
Crônica de um verão, diz que o cinema só
passou a existir de fato quando adquiriu a
narratividade; ou seja: o “nascimento” do
cinema coincidiu com o “nascimento” do
que conhecemos hoje por linguagem
cinematográfica.
Em Griffith é possível identificar, já de
forma madura, o uso pleno da linguagem
cinematográfica. Mas, como advertem os
autores, Griffith deve ser visto como parte
de um contexto: o próprio Griffith se disse
influenciado pelo filme Cabíria (1914), de
Giovanni Pastrone.
Autores lembram também que é quando a
atividade cinematográfica passa a ser regida por
uma forma de produção racionalizada e
especializada (roteiristas, pesquisadores,
figurinistas, cenógrafos, etc) que a narratividade
se instala definitivamente no cinema.
[Grandes estúdios também já estavam sendo
montados na Europa; havia um começo de
indústria cinematográfica, interrompido pela
Primeira Guerra Mundial]
De qualquer forma, a continuidade
narrativa foi elaborada em base dos
seguintes princípios:
- Homogeneização do significante visual
(cenários, iluminação, dimensões da tela) e do
significado narrativo (relações entre legendas e
imagens; desempenho dos atores, unidade do
roteiro, etc); e, posteriormente, já no “cinema
falado”, homogeneização do significante
audiovisual (sincronismo da imagens e dos
sons).
-Linearização narrativa, o que acontece pelo modo
como os planos se vinculam e se articulam entre si
– Como um plano se articula com o seguinte,
produzindo um vínculo de movimento e uma série
de outras vinculações, que acabaram por se tornar
uma espécie de regras convencionais: um
personagem olha, enxergamos o que ele vê; um
personagem escuta, “vemos” o que ele escuta (no
caso dos filmes sonoros, “ouvimos” o que ele
ouve.
Também as vozes over e em off, os
diálogos, a música (seguidamente
utilizada como meio de continuidade
narrativa) – tudo isto fornece meios
poderosos de linearização [o cinema
construído nestes pressupostos tem um
claro parentesco com o romance realista
do século XIX].
Estes meios – isoladamente ou (mais comum) em
conjunto tem o efeito de produzir no espectador a
“ilusão” de continuidade do significante
cinematográfico.
Algumas formas de montagem contribuíram para
estruturar desta nova forma narrativa, como a
montagem alternada (dois ou mais eventos que se
desenvolvem simultaneamente; plano/contra-
plano).
Esta narratividade carrega claramente a
“marca” das formas romanescas do século
anterior, tendo Griffith reivindicado
explicitamente a ancestralidade de
Dickens para justificar algumas de suas
“invenções” narrativas.
Importante: em alguns dos cinemas
“primitivos”, pode-se perceber forte influência
da narrativa teatral. Aos poucos, até a década
de 1920, a forma narrativa que vai se
consolidando tem a estrutura semelhante a do
romance naturalista do século XIX; isto é: a
história contada pelo cinema tende a ser, cada
vez mais, “transparente”.
As técnicas cinematográficas serão
cada vez mais subordinadas à clareza,
à homogeneidade, à linearidade, à
coerência da narrativa. A CENA e a
SEQÜÊNCIA irão dominar, tornar-se
hegemônicas.
Cena entendido como duração da
projeção/duração diegética e
Seqüência entendida como um
conjunto de planos que apresentam
uma unidade narrativa forte.
A este cinema, largamente utilizado
pela indústria cinematográfica norte-
americana, pode ser chamado de
modelo Griffitiano. Este modelo
obedece com poucas variações o
seguinte esquema:
Cenas sequenciadas em uma lógica de causa e
efeito, com edição que tenta apagar/suavizar o
corte; história estruturada na forma de prosa
com inspiração no romance realista/naturalista
do século XIX (começo, meio e fim).
Esteticamente, é um cinema “transparente”
(isto é: que tende a “esconder” a matéria da
qual é feito).
Outra característica forte sua é a de um herói
que passa por uma série de provas e sai-se
vitorioso. O indivíduo conforma os desfechos e
sai fortalecido. Uma das marcas deste tipo de
cinema, portanto, é o individualismo. Isto está
muito amenizado ou inexistente em outros
cinemas, como os feitos na Europa, países
periféricos ou no cinema que era produzido na
antiga União Soviética.
[Em termos de transparência, pode-se
encontrar semelhanças em cinemas
griffitianos e não griffitianos, embora
estruturalmente eles possam ser
diferentes]
Algumas tendências que chegaram a
se apresentar com alternativa ao
modelo grifftiano são as seguintes:
O cinema soviético da era Lênin (anos 1920 e parte
dos anos 1930).
É um cinema não-linear, nem sempre é prosaico
(por exemplo: o homem com a câmera), sua
montagem não obedece ao dogma da
continuidade temporal; não há heróis individuais
e, quando aparecem indivíduos em situação
dramática, são “indivíduos tipo”, isto é: como
representantes de um determinada classe ou
estrato social. Não raro, são argumentativos.
Impressionismo Francês, ou a primeira
vanguarda francesa.
Tentativa de fazer um cinema não prosaico e que
se sustentasse apenas através de suas
características formais. Seria o “cinema puro” ou
ainda a “música para os olhos”, como escreveu
Germaine Dulac. São representantes desta
“escola” Louis Delluc, Germaine Dulac, Jean
Epstein, Marcel L’Herbier e Abel Gance
Conforme alguns autores,
Este tipo de cinema não vingou
porque era anticomercial por
excelência. Mas muito do que foi nele
testado e/ou produzido acabou por
ser aproveitado em outros contextos
Surrealismo e Dadaísmo, ou a segunda
vanguarda francesa.

Deriva de um movimento que já existia nas


artes plásticas (em especial na pintura) desde
o início dos anos de 1920 principalmente na
Alemanha (que era um surrealismo não
figurativo).
Surrealismo e Dadaísmo...
Na França, sua base era figurativa, o
que levou a experiências formais com
o cinema como mais uma técnica
representativa à sua disposição, como
O balé mecânico, de Léger em 1924;
Entreato, de Clair e Picabia.
Surrealismo e Dadaísmo...

Entretanto, também houve um cinema


prosaico, na mirada surrealista, feito
basicamente por Buñuel, com alguma parceria
de Salvador Dali (Um cão andaluz e A era do
ouro).
Embora sejam prosaicos, estes filmes não
“obedecem” à lógica narrativa griffitiana,
pois se assentam em rupturas, onirismo,
imagens mentais, confusão entre
subjetividade e objetividade.
Novamente: muito do que nestes filmes
apareceu como experimentalismo, acabou
por ser incorporado a filmes que
utilizavam uma linguagem mais
griffitiniana. 
O próprio Buñuel, mais tarde, fez filmes
bem prosaicos, como “Belle de Jour” e “O
discreto charme da burguesia”.
O expressionismo alemão.

O cinema expressionista alemão é


parte de um movimento que englobou
artes plásticas, literatura, teatro,
arquitetura, entre 1907 e 1926.
O expressionismo alemão.
Opõe-se ao realismo e à verossimilhança. É um
cinema de visões, de alucinações. É clara a
influência de arquitetos e pintores, revelada na
criação de cenários irrealistas e na estilização
extrema da imagem.
Chegou a ser bem sucedido em se contrapor
comercialmente ao cinema grifftiano.
Todos estes movimentos e “escolas” não
prosperaram por motivos diversos, mas
suas marcas e muitos de seus aspectos
influenciaram e continuam influenciando
cinemas ulteriores, como é caso do
cinema policial norte-americano, por
exemplo.
O expressionismo, como sabemos, além
de marcar profundamente o cinema
alemão, teve forte influência no cinema
norte-americano, através de imigração de
alguns de seus produtores/autores (como
Lang e Sternberg) e em certos gêneros,
como o cinema noir e os filmes de terror.
Estas “transposições” formais sempre
acontecem em contextos diferentes do
original e a tarefa do analista seria o
de encontrar esta filiação, a referência,
a inspiração e seus novos significados.
Os cinemas da modernidade
Conforme as teorias do cinema mais
aceitas (como Deleuze) o cinema
moderno encontra sua suas origens
na Europa do pós-guerra, com o neo-
realismo.
Os cinemas da modernidade
PARA COMPLICAR: Toda a estética neorrealista é já
encontrável em Nanook (de Flaherty) e em Braza
Dormida (de Humberto Mauro). Ou seja: SEMPRE É
IMPORTANTE RELATIVIZAR CERTAS TEORIAS QUE
PRETENDEM UMA EXPLICAÇÃO GLOBAL A PARTIR DE
PONTO DE VISTA EUROCÊNTRICO. Para nós, por aqui,
talvez seja melhor recorrer a Paulo Emílio Sales Gomes
e a Jean Claude Bernardet.
Para avançar em nossa exposição,
vamos fazer uma comparação entre o
cinema grifftiano e os cinemas
modernos, aqueles produzidos do final
da década de 1950 até meados da
década de 1970:
Em contraste com o grifftiano, no
cinema moderno pode-se observar
narrativas mais frouxas, menos
organicamente ligadas, lacunas,
questões não resolvidas, finais às
vezes abertos ou ambíguos.
Ainda em contraste: personagens
desenhados com menor nitidez, muitas
vezes em crise, pouco dados à ação, o que
vale muito para o cinema europeu, mas
não acontece no cinema novo brasileiro,
por exemplo. Vamos ter sempre cuidado
com generalizações.
Continuando o contraste: procedimentos
visuais e sonoros que confundem as fronteiras
entre subjetividade e objetividade (Fellini,
Bergman, Saura); mistura de estilos
(documentário, reportagem misturados com
prosa ficcional).
 Presença forte do autor, de suas marcas
estilísticas, de sua visão sobre as personagens e
sobre a história que conta.
Uma certa (e forte) propensão à reflexividade
(isto é a falar de si mesmo – do cinema – dos
filmes, da representação, das relações entre
imagem, imaginário e o real. Exemplos: Oito e
meio, A noite americana (Trauffaut), Profissão
Repórter (Antonioni); Fanny e Alexander
(Bergman) e muitos outros
 
L'Inondation (1924) - Louis Delluc: https://www.youtube.com/watch?v=FilZCSvTQj8
Ballet Mecanique 1924, Fernand Léger: https://www.youtube.com/watch?v=yrfibt6Bkwc
Um cão andaluz, Buñuel: https://www.youtube.com/watch?v=SJndr9mRGgE
A greve, 1925 – Einsenstein: https://www.youtube.com/watch?v=Yw6aMqBjGKQ
Nosferatu, 1922 – Murnau: https://www.google.com.br/search?q=Nosferatu,
+1922&source=lnms&sa=X&ved=0ahUKEwi319e95-
vZAhWBiZAKHQ_fCGoQ_AUICSgA&biw=1366&bih=637&dpr=1
Metropolis, 1827 – Fritz Lang: https://www.youtube.com/watch?v=LB-awsZAOjk
O gabinete do Dr. Caligari, 1920 - Robert Wiene: https://www.youtube.com/watch?v=ahezf-gk8jQ
Stranger On The Third Floor (1940) – Boris Ingster: https://www.youtube.com/watch?
v=M0yZDvUzZAE
O Falcão Maltês, 1941 - John Huston: https://www.youtube.com/watch?v=dBvciiqVcgw
Casablanca, 1942 – Michael Curtiz: https://www.youtube.com/watch?v=bAlzmRjixr0
Ladri di biciclette, 1948 – Vitorio De Sica: https://www.youtube.com/watch?v=lsoDud26HBs
9 ½ semanas, hiper realismo: https://www.youtube.com/watch?v=k-vag_gUPQU

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