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Henrique Finco1
Florianópolis, maio de 2013.
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Professor do Curso de Cinema da UFSC, Bacharel em Comunicação Social (UFRGS, 1984), Mestre em
Antropologia Social (UFSC, 1996), Doutor em Literatura (UFSC, 2012).
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esta assertiva, uma vez que o que compreendemos por cinema não dispõe de
códigos estáveis, como são os alfabetos ou os sistemas ideogramáticos, como
também não se pode afirmar que o cinema disponha de uma gramática própria -
acredito que os termos adaptação, transposição e inspiração são possíveis de
serem utilizados, sendo que o menos feliz deles é o “adaptação”, pois implica
necessariamente em uma hierarquia, onde a obra literária teria precedência sobre
a obra fílmica. Quando a pretensão do filme é contar a mesma história já contada
em um texto literário, o termo transposição é mais preciso, pois descreve com
maior fidelidade o que de fato aconteceu. Por outro lado, sempre que um filme
toma como referência determinada narrativa literária, sem pretender contar a
mesma história, pode-se afirmar que o filme foi inspirado por aquela narrativa em
particular. Quando a intenção declarada dos produtores do filme é a de se
“inspirarem” em determinado texto literário, a relação que a narrativa
cinematográfica tem com a narrativa literária é bem mais solta do que quando a
intenção é a de transpor a narrativa literária para a narrativa cinematográfica.
Neste último caso, os produtores do filme terão que ser o mais fiéis possíveis à
narrativa literária. É aí que se colocam todos os problemas que envolvem
complexas relações semânticas entre estas duas narrativas, já que envolvem
sistemas de significação não-homólogos e já per si complexos. Aqui, a analogia
com o termo “tradução” pode ser empregada para mostrar parte desta dificuldade:
se a transposição de uma narrativa de uma linguagem para outra, sua homóloga,
já é problemático, no caso desta transposição acontecer entre dois sistemas de
significação não homólogos, a dificuldade é maior e a transposição passa a ter um
grau de complexidade muitíssimo maior. As dimensões significativas de tempo e
espaço, por exemplo, exigem formas de significação absolutamente diferentes
quando representadas em texto literário ou em cinema, assim como o diálogo
entre dois ou mais personagens. Nos textos literários, a forma de indicar que está
acontecendo um diálogo é convencionada; no cinema não. No cinema, este
diálogo pode acontecer com os dois personagens aparecendo no mesmo plano,
ou na forma de plano/contra-plano ou ainda na forma campo/extracampo, voz
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4. Clima e cenografia:
A viagem de metrô inicia no final de um dia de trabalho, quando os portenhos
voltam para casa depois de um dia de trabalho. Inicia em uma estação de metrô. A
luz é artificial e existem áreas menos iluminadas...
5. Relembrando:
O conto propriamente dito começa com um homem não identificado relatando o
que ouviu de um outro homem conhecido como “o gordo”. Portanto o narrador
toma a palavra do gordo e através dela, conta a história que compõe o conto –
mas não é tão simples assim, pois em vários momentos é muito difícil identificar o
verdadeiro narrador....
No início, há a descrição das mãos de um protagonista, que será chamado daqui
para frente de homem do gradil.
... Ainda as mãos do outro o fazem lembrar das suas próprias mãos, que dedilham
Chopin – e já dedilharam Brahms, Bach... Mas agora dedilham mal: as mãos do
narrador ou envelheceram ou se atrofiaram...
... Volta ao homem do gradil, que agora descobrimos estar em uma estação de
trens – possivelmente o metrô de Buenos Aires...
... Devaneia para o “Velho Oeste”, com suas amplas planícies – só para contrastar
com o “buraco negro” debaixo da terra, onde se encontram – é um metrô, portanto
– buraco negro que tem o ar viciado...
... Vai para uma reflexão sobre a condição humana nas grandes cidades –
formigas apressadas ou gado humano, que se espreme em vagões mal
iluminados...
... Volta a encontrar o sujeito do gradil ...
... e encontra outro, que cede o lugar a uma mulher cheia de pacotes ... A mulher
agradece, dizendo que não existem mais pessoas tão educadas quanto este
senhor...
O PERSONAGEM HOMEM COM LUVAS: Quem, daqui para
frente chamaremos o homem com luvas parece ser cortês, um
cavalheiro que usa chapéu, casaco de pelo de camelo e calça
luvas de pelica. É pequeno e tem o aspecto de um chefe de
seção ou de gerente de banco. Parece bem educado, mas de
uma maneira postiça. Suas mãos também parecem não lhe
pertencer…
... passa para a história já contada no conto “El aserradero”, uma história da qual o
narrador ouviu falar – talvez até um dos presentes à sua casa a tenha contado
para ele...
... ele observa que alguma coisa como a estranha união daqueles personagens do
aserradero também está presente nestes dois homens do metrô ...
... Aí passa a contar a história dos anões paraguaios (irmã e irmão), que acabaram
por participar de uma espécie de união semelhante. Eles vieram trabalhar em um
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trem miniatura de uma feira agropecuária ... Após acabar seu contrato, passaram
e um circo, onde tinham um número com uma carruagem em miniatura, puxada
por pequenos pôneis e conduzida pelo anão e onde a anã fazia piruetas no teto da
pequena carruagem ...
... o homem do gradil começa a se aproximar do homem de luvas...
... volta ao conto do aserradero....
... sobe mais gente no vagão e o de luvas cede mais uma vez seu lugar e, de
costas, se aproxima do homem do gradil, com uma “naturalidade” incabível a um
executivo...
... volta ao conto do aserradero...
... No trem, o homem do gradil se aproxima habilmente, como um boxeur, do
homem de luvas e fica quase colado a ele, por uma distância de um fio de
cabelo...
... Volta à história dos anões ... A anã se apaixona pelo domador das feras... A anã
é uma mulher em miniatura, que embora não seja bonita, tem o corpo bem feito e
lembra a Maja Desnuda da qual o narrador tem uma reprodução passível sobre
sua cama. Já o anão é repelente – uma porcaria de anão – que, a seu modo,
também é atraído pelo domador inglês…
... O anão mistura hormônios excitantes à comida de uns tigres ainda ariscos – o
mesmo tipo de hormônios que algum cinqüentão usa tomar quando vai receber
alguém de saias em seu quarto...
... No espetáculo, o domador perde o controle sobre um excitado tigre, que está a
ponto de matá-lo, quando na jaula entra a enana, que distrai o tigre. O domador
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cinematográfica que se atenha ao que o narrador conta dos dois homens a partir
da estação de metrô, deixando de lado as duas outras histórias.
7. Primeiro estudo de um roteiro:
Seqüência 1: Plano geral de um terminal de ônibus, final de tarde. A câmera faz
um traveling, mostrando uma fila de pessoas esperando o embarque. Faz um
zoom suave e se detém, em plano americano, em um homem.
8. Bibliografia:
AVELLAR, José Carlos. O Chão da Palavra: Cinema e Literatura no Brasil. São
Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 1994.
CAMPOS, Flavio de. Roteiro de cinema e televisão: A arte e a técnica de
imaginar, perceber e narrar uma estória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
CARRIÈRE, Jean-Claude; BONITZER, Pascal. Prática do roteiro
cinematográfico. SP, JSN Editora, 1996.
SARAIVA, Leandro; CANNITO, Newton. Manual de roteiro: ou Manuel, o primo
pobre dos manuais de cinema e TV. São Paulo: Conrad Livros, 2004.
BARBARO, Umberto. Argumento e roteiro. São Paulo: Global, 1983.
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