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O QUE CONSIDERAR NA ROTEIRIZAÇÃO DE UMA OBRA LITERÁRIA PARA


O CINEMA: O CASO DA ROTEIRIZAÇÃO DO CONTO “EL Y EL OTRO” DE
AUGUSTO ROA BASTOS.

Henrique Finco1
Florianópolis, maio de 2013.

1. Resumo: A partir da pergunta “é possível transpor o conto ‘El y el otro’, de


Augusto Roa Bastos para o cinema?”, abordamos os problemas a serem
enfrentados em uma roteirização cinematográfica deste conto, especialmente no
que diz respeito às dimensões espaciais e temporais da obra literária e da obra
fílmica. Para que estes problemas sejam melhores visualizados, também será feito
um primeiro estudo de roteirização deste conto, uma vez que o “como” transpor
um conto para o cinema passa por uma fase intermediária – o roteiro - onde é
necessário que um léxico próprio da narrativa cinematográfica seja empregado
(léxico este que indica as posições e movimentos de câmera, os tipos de
enquadramento, de corte, as marcações temporais e espaciais, etc). Para maior
compreensão, junto com esta abordagem será apresentado um trabalho através
do software “power point”, onde estarão descritos os principais termos que
compõem o que pode ser chamado de léxico cinematográfico, exemplificados por
trechos de filmes.
2. Considerações:
Inúmeros são os filmes pensados e feitos a partir de um texto literário. Em cada
caso destes, sempre surgem as questões da relação daquele determinado filme
com o texto literário que o precedeu. Uma das primeiras questões é a se o filme é
uma adaptação, uma transposição, uma tradução ou se a obra literária apenas
serviu de inspiração para aquele filme. Com exceção da tradução, que implicaria
em reescrever o texto em uma linguagem homóloga - e é muito problemático fazer

1
Professor do Curso de Cinema da UFSC, Bacharel em Comunicação Social (UFRGS, 1984), Mestre em
Antropologia Social (UFSC, 1996), Doutor em Literatura (UFSC, 2012).
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esta assertiva, uma vez que o que compreendemos por cinema não dispõe de
códigos estáveis, como são os alfabetos ou os sistemas ideogramáticos, como
também não se pode afirmar que o cinema disponha de uma gramática própria -
acredito que os termos adaptação, transposição e inspiração são possíveis de
serem utilizados, sendo que o menos feliz deles é o “adaptação”, pois implica
necessariamente em uma hierarquia, onde a obra literária teria precedência sobre
a obra fílmica. Quando a pretensão do filme é contar a mesma história já contada
em um texto literário, o termo transposição é mais preciso, pois descreve com
maior fidelidade o que de fato aconteceu. Por outro lado, sempre que um filme
toma como referência determinada narrativa literária, sem pretender contar a
mesma história, pode-se afirmar que o filme foi inspirado por aquela narrativa em
particular. Quando a intenção declarada dos produtores do filme é a de se
“inspirarem” em determinado texto literário, a relação que a narrativa
cinematográfica tem com a narrativa literária é bem mais solta do que quando a
intenção é a de transpor a narrativa literária para a narrativa cinematográfica.
Neste último caso, os produtores do filme terão que ser o mais fiéis possíveis à
narrativa literária. É aí que se colocam todos os problemas que envolvem
complexas relações semânticas entre estas duas narrativas, já que envolvem
sistemas de significação não-homólogos e já per si complexos. Aqui, a analogia
com o termo “tradução” pode ser empregada para mostrar parte desta dificuldade:
se a transposição de uma narrativa de uma linguagem para outra, sua homóloga,
já é problemático, no caso desta transposição acontecer entre dois sistemas de
significação não homólogos, a dificuldade é maior e a transposição passa a ter um
grau de complexidade muitíssimo maior. As dimensões significativas de tempo e
espaço, por exemplo, exigem formas de significação absolutamente diferentes
quando representadas em texto literário ou em cinema, assim como o diálogo
entre dois ou mais personagens. Nos textos literários, a forma de indicar que está
acontecendo um diálogo é convencionada; no cinema não. No cinema, este
diálogo pode acontecer com os dois personagens aparecendo no mesmo plano,
ou na forma de plano/contra-plano ou ainda na forma campo/extracampo, voz
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over, etc, dependendo do efeito significativo que o diretor/produtor do filme queira


sugerir.
Como a relação entre cinema e literatura existe desde os primórdios do cinema,
estes problemas semânticos já foram arduamente discutidos e para muitos deles
encontraram-se soluções mais ou menos convencionadas.
Por outro lado, também existe a influência que o cinema passou a exercer sobre a
literatura, a ponto de existirem livros que foram publicados já para serem filmados
– e nestes, esta influência é mais evidente. Porém existem textos construídos de
tal forma que sua leitura evoca uma narrativa visual, especialmente os que
utilizam muitas analogias visuais. Com freqüência, isto chega a ser uma
característica de alguns autores - e me parece que é uma característica de Roa
Bastos, pelo menos no que diz respeito a seus contos e ao livro “Hijo de hombre”,
onde o apelo visual é muito presente. Veja-se por exemplo, os contos “El Baldio”,
“La tejera”, “El asserador”, entre outros. Estes que citei, por acaso, são
construídos de tal forma que seria relativamente simples roteirizá-los.
Nesta coletânea, entretanto, há um conto que embora contenha muitas analogias
visuais, tem uma estrutura narrativa absolutamente diferente de todos os outros,
pois foi escrito como um fluxo de consciência contínuo, que convida o leitor a lê-lo
de um só fôlego. É um texto que tem raras pontuações e contém, dentro de si,
outras duas histórias: a de um triângulo amoroso trágico, acontecido em uma vila
de lenhadores no interior do Paraguai, e a história de outro triângulo amoroso, que
envolve uma anã, seu irmão, também anão, e um domador circense de feras. O
primeiro foi motivo de um outro conto também publicado na mesma coletânea, sob
o título de “El asseradero”. Embora estas histórias falem de uma paixão que afeta
três pessoas, elas se diferenciam das tradicionais histórias de triângulo amoroso
por um detalhe importante: nas duas histórias, um dos componentes da tríade
amorosa é absolutamente indiferente ao amor que um outro lhe devota. Não só
indiferente, mas ignorante deste amor. O domador de feras, aparentemente, nada
sabe do amor que lhe tem a anã, assim como a moça da outra história é
indiferente ao amor que um dos componentes do triângulo devota a ela.
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O conto em si, onde aparecem estas duas outras histórias entrelaçadas, é a


narrativa de um reencontro definitivo entre dois personagens herméticos, dos
quais o leitor só tem informações através do narrador – narrador este de segunda
mão, pois está contando uma história que ouviu de outro, em outra ocasião. Digo
que é um reencontro porque o conto, em seu desenlace, nos dá evidências que
estes dois personagens já se conheciam - e é definitivo porque termina no
linchamento de um destes dois personagens.
Em resumo, o conto é a narrativa, em terceira pessoa, de alguém que observou as
ações de dois homens no metrô de Buenos Aires. Certas características e modo
de agir destes dois homens chamaram a atenção do narrador, características que
eram dissonantes de suas personalidades sociais. Ao observar e descrever os
movimentos destes dois homens - um desde a estação do metrô e o outro já
dentro do vagão - o narrador vai lembrando trechos de outras histórias (as duas
mencionadas mais acima), evocadas por alguma situação criada pelas ações de
um dos dois (ou pelos dois) homens. A ação descrita hora parece uma
perseguição, hora parece uma fuga, hora parece uma urgência de encontro.
Para tentar fazer um roteiro cinematográfico “fiel” ao texto de Roa Bastos, é
necessário levar em conta algumas características deste conto. As que considero
fundamentais e definidoras, são as seguintes:
a) Como já foi observado, ele quase não tem pontuações. Isto pode significar, em
uma analogia com a narrativa cinematográfica, que o filme teria poucos cortes
secos. Ou então, pelo contrário: poderia ser construído com muitos cortes secos,
que dariam o ritmo “sem fôlego” do conto. Como se vê, duas soluções opostas,
que só vão melhor se definir na confecção bruta do roteiro, que – por sua vez –
poderá permitir uma “visualização” imagética, o que ao final é o que poderá
determinar qual das soluções poderia ser adotada..
b) O conto descreve e cria uma atmosfera: a estação de metrô subterrânea, o ar
empoeirado, cenário iluminado por luz artificial. Faz frio.
c) O conto descreve os sons ambientes, como o barulho das catracas, o
traquetraquear do trem, o burburinho da multidão, etc.
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d) Muitas vezes o autor “enquadra” os personagens como se os estivesse


observando através de uma câmera cinematográfica, como quando apresenta os
principais personagens, quando descreve a aproximação dos dois, a chegada das
freiras e a atitude do cabo de polícia, quando há o reconhecimento (ou o
reencontro dos dois) do homem de órion pelo homem do gradil. Há que pensar,
aqui, em uma “câmera” passiva, com planos americanos.
e) Alguns conceitos-chave devem ser levados em conta, pois fazem parte
constituinte do conto: Ilusão. Aparência. Engano. Multidão/Solidão. Ritmo.
Ligação/Repulsão. Dança com um par Involuntário. Perseguição. Tragédia.
Burla.
3. As Personagens:
As personagens que aparecem no conto são os seguintes:
1 – O narrador, que começa com a frase “- O sujeito olhava suas mãos – disse o
gordo – ou talvez estivesse olhando simplesmente através daquelas mãos infantis
e moles...”
OBSERVAÇÃO: caso o “gordo” seja colocado, há de pensar em
eventualmente colocar uma assistência para ele. E também um ambiente – o
ambiente em que o gordo conta a história.
2 – O homem do gradil.
3 – O homem de órion.
4 – A mulher a quem o homem de órion cede o lugar.
5 – As duas freiras.
6 – O policial.
7 – O anão.
8 – A anã.
9 – O domador.
10 – O lenhador 1 (?)
11 – O lenhador 2 (?)
12 – A moça do vilarejo de lenhadores (?)
13 – Cerca de 30 figurantes.
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4. Clima e cenografia:
A viagem de metrô inicia no final de um dia de trabalho, quando os portenhos
voltam para casa depois de um dia de trabalho. Inicia em uma estação de metrô. A
luz é artificial e existem áreas menos iluminadas...
5. Relembrando:
O conto propriamente dito começa com um homem não identificado relatando o
que ouviu de um outro homem conhecido como “o gordo”. Portanto o narrador
toma a palavra do gordo e através dela, conta a história que compõe o conto –
mas não é tão simples assim, pois em vários momentos é muito difícil identificar o
verdadeiro narrador....
No início, há a descrição das mãos de um protagonista, que será chamado daqui
para frente de homem do gradil.

O PERSONAGEM HOMEM DO GRADIL: o homem que está


atrás de um gradil tem frio e suas mãos são frágeis – lembram as
de uma criança, podem estar atrofiadas – é o que nos conta o
narrador – e não combinam com o resto do corpo: ele é
corpulento... Mais adiante descobre-se que ele tem os olhos com
remelas nos cantos – olhos de dormir pouco e andar muito na
penumbra. Sua boca é frouxa com crostas de saliva nas rugas...

... As mãos do homem do gradil levam o narrador a devanear sobre artistas de


circo – o que o leva aos dentistas – dentistas e mágicos circenses utilizam as
mãos e instrumentos para iludir, ludibriar...
... O que o faz passar aos Jívaros, que reduzem as cabeças de seus inimigos
mortos por eles, operação que é uma espécie de mágica vitória sobre o tempo:
uma ilusão...
... Dos Jívaro, nos traz para uma sala onde há um piano que tem uma máscara de
gesso de Beethoven – máscara que está ao lado de uma das cabeças humanas
reduzidas pelos Jívaro...
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... Ainda as mãos do outro o fazem lembrar das suas próprias mãos, que dedilham
Chopin – e já dedilharam Brahms, Bach... Mas agora dedilham mal: as mãos do
narrador ou envelheceram ou se atrofiaram...
... Volta ao homem do gradil, que agora descobrimos estar em uma estação de
trens – possivelmente o metrô de Buenos Aires...
... Devaneia para o “Velho Oeste”, com suas amplas planícies – só para contrastar
com o “buraco negro” debaixo da terra, onde se encontram – é um metrô, portanto
– buraco negro que tem o ar viciado...
... Vai para uma reflexão sobre a condição humana nas grandes cidades –
formigas apressadas ou gado humano, que se espreme em vagões mal
iluminados...
... Volta a encontrar o sujeito do gradil ...
... e encontra outro, que cede o lugar a uma mulher cheia de pacotes ... A mulher
agradece, dizendo que não existem mais pessoas tão educadas quanto este
senhor...
O PERSONAGEM HOMEM COM LUVAS: Quem, daqui para
frente chamaremos o homem com luvas parece ser cortês, um
cavalheiro que usa chapéu, casaco de pelo de camelo e calça
luvas de pelica. É pequeno e tem o aspecto de um chefe de
seção ou de gerente de banco. Parece bem educado, mas de
uma maneira postiça. Suas mãos também parecem não lhe
pertencer…

... passa para a história já contada no conto “El aserradero”, uma história da qual o
narrador ouviu falar – talvez até um dos presentes à sua casa a tenha contado
para ele...
... ele observa que alguma coisa como a estranha união daqueles personagens do
aserradero também está presente nestes dois homens do metrô ...
... Aí passa a contar a história dos anões paraguaios (irmã e irmão), que acabaram
por participar de uma espécie de união semelhante. Eles vieram trabalhar em um
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trem miniatura de uma feira agropecuária ... Após acabar seu contrato, passaram
e um circo, onde tinham um número com uma carruagem em miniatura, puxada
por pequenos pôneis e conduzida pelo anão e onde a anã fazia piruetas no teto da
pequena carruagem ...
... o homem do gradil começa a se aproximar do homem de luvas...
... volta ao conto do aserradero....
... sobe mais gente no vagão e o de luvas cede mais uma vez seu lugar e, de
costas, se aproxima do homem do gradil, com uma “naturalidade” incabível a um
executivo...
... volta ao conto do aserradero...
... No trem, o homem do gradil se aproxima habilmente, como um boxeur, do
homem de luvas e fica quase colado a ele, por uma distância de um fio de
cabelo...
... Volta à história dos anões ... A anã se apaixona pelo domador das feras... A anã
é uma mulher em miniatura, que embora não seja bonita, tem o corpo bem feito e
lembra a Maja Desnuda da qual o narrador tem uma reprodução passível sobre
sua cama. Já o anão é repelente – uma porcaria de anão – que, a seu modo,
também é atraído pelo domador inglês…

O narrador, portanto, tem uma cabeça humana reduzida em cima


do piano e tem uma reprodução da Maja Desnuda sobre sua cama.
Deve ser um cinqüentão ou sessentão, já que suas mãos não têm
mais a mesma habilidade de antanho. Estranha figura este
narrador …

... O anão mistura hormônios excitantes à comida de uns tigres ainda ariscos – o
mesmo tipo de hormônios que algum cinqüentão usa tomar quando vai receber
alguém de saias em seu quarto...
... No espetáculo, o domador perde o controle sobre um excitado tigre, que está a
ponto de matá-lo, quando na jaula entra a enana, que distrai o tigre. O domador
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descarrega um revólver no tigre, que nos estertores da morte destroça a enana


com uma patada – segue descrição da grotesca reação de desespero impotente
do enano ...
... o gordo – ou o narrador que contou ao gordo – queria recordar o fim da história
dos enanos, porém teve que se concentrar no que acontecia a seu lado, com os
dois homens do trem (distorção de tempo e espaço)
... na divagação relembrante da história enana, o narrador levou um tempo para se
dar conta do que se passava entre os dois do trem. Um guincho (chillido) o trouxe
de novo ao trem. Ele observa que os dois, de tão próximos, parecem um só, como
se suas figuras tivessem se fundido...
... Após o grito, as duas caras de descolam e se voltam uma para a outra.
... o de luvas levanta, agarrada pelo punho, a mão do outro. A mão que foi
agarrada segura uma carteira...
... dois olhares se cruzam: um cheio de estupor, humilhação e derrota. O outro,
implacável e zombeteiro.
... O de luvas guinchou uma segunda vez, como se estivesse tendo um orgasmo...
... Aí começa o linchamento do homem do gradil.
... No meio da confusão (onde o leitor tem a sensação de quem estava sendo
espancado era o gordo narrador ou o narrador do gordo) o de luvas mete a mão
no bolso do narrador (do gordo ou do que contou ao gordo?), onde tinha um
volumoso maço de papel esponjoso, esmeradamente confeccionado para parecer
um maço de dinheiro. E aí ele (o narrador ou o gordo) não sabe mais a
continuação, porque alguém puxou o botão de emergência – o que fez o trem
parar com estardalhaço ...
O conto fala de um ele que pode ser um outro – a ponto de os dois, em dado
momento, se fundirem fisicamente para o observador.
Este conto trata da ilusão, da aparência que engana, como fazem os mágicos e
dentistas, dos gestos que iludem, do logro – a forma narrativa com que ele é
construído também é uma aparência que quer enganar, iludir, o leitor – distrair o
leitor para que ele não se dê conta da forma como o conto é construído: o conto
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quase não tem pontuação, é cheio de ambigüidades e duplos sentidos, mas em


quê o conto quer ludibriar o leitor? É na figura do narrador. É o gordo ou é aquele
que contou para o gordo? Quem viveu aquela viagem de metrô? É tão cheio de
detalhes, de descrições de sensações, que induz o leitor a acreditar que quem
está contando é quem vivenciou aquele momento. Outra característica que induz à
ilusão é o pulo de uma história a outra, quase sem (ou completamente sem)
elemento de ligação entre elas. Esta forma de narrar pode ser utilizada
caracteristicamente para descrever um fluxo de consciência de algum personagem
ou o sonho de algum outro. Aliás, os elementos de ligação que aparecem entre as
três histórias são o gesto (de algum personagem, que lembra o gesto de outro, em
outra história); a ação (que lembra outra ação de outra história); e o guincho –
Temos, portanto as dimensões sonora (guincho) e visual (gesto e ação) como
elementos de ligação: o gesto ou o som distraem o narrador (digo, o leitor?) para
uma outra história ...
Uma outra chave para se entrar na história pode ser a dedicatória a Josefina Plá.
Esta mulher, poetisa e contista, é uma espanhola que, por meio do casamento,
mudou-se muito jovem para o Paraguai, onde compôs toda sua obra. Na próprias
palavras de Roa Bastos, ela foi uma espécie de mentora intelectual dele. Então é
um conto feito para uma poeta e contista a quem Roa Bastos admirava – e é
plausível que para uma leitora tão exigente ele tenha colocado como se processa
o seu próprio esquema de criação...
6. Uma complicação:
Uma transposição deste texto de Roa Bastos, de forma que toda a história ali
contida seja contemplada em uma narrativa cinematográfica, implicaria em uma
complexidade enorme, pois três histórias teriam que ser filmadas
simultaneamente, o que implicaria em três diferentes cenários e três diferentes
elencos. Cada cenário destes necessitaria de locações em diferentes países
(Argentina e Paraguai), sendo que para um deles teria que ser armado um circo.
Isto implicaria em uma produção de alto custo, muito difícil de ser viabilizada.
Desta forma – e como um primeiro estudo – aqui optarei por criar uma narrativa
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cinematográfica que se atenha ao que o narrador conta dos dois homens a partir
da estação de metrô, deixando de lado as duas outras histórias.
7. Primeiro estudo de um roteiro:
Seqüência 1: Plano geral de um terminal de ônibus, final de tarde. A câmera faz
um traveling, mostrando uma fila de pessoas esperando o embarque. Faz um
zoom suave e se detém, em plano americano, em um homem.

Seqüência 2: Plano americano no homem em que a câmera se deteve. O homem


demonstra ansiedade. É um homem grande, vestido de forma simples. Daqui para
frente ele será denominado homem do gradil. Ele bate com as mãos em um
anteparo qualquer próximo à fila de embarque. Suas mãos são frágeis, o que não
parece combinar com o resto de sua figura.
Seqüência 3: A fila se desloca para o embarque. Recuo da câmera para o final da
fila. A câmera acompanha a fila em traveling.
Seqüência 4: A filmadora dentro do ônibus, em contraplongê, faz uma breve
panorâmica e se detém no homem do gradil. O homem do gradil está em pé. No
enquadramento, ele está de perfil para a câmera e sua mão está agarrada à haste
de apoio, no terço superior direito da imagem.
Agora o homem do gradil está relaxado, à vontade.

8. Bibliografia:
AVELLAR, José Carlos. O Chão da Palavra: Cinema e Literatura no Brasil. São
Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 1994.
CAMPOS, Flavio de. Roteiro de cinema e televisão: A arte e a técnica de
imaginar, perceber e narrar uma estória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
CARRIÈRE, Jean-Claude; BONITZER, Pascal. Prática do roteiro
cinematográfico. SP, JSN Editora, 1996.
SARAIVA, Leandro; CANNITO, Newton. Manual de roteiro: ou Manuel, o primo
pobre dos manuais de cinema e TV. São Paulo: Conrad Livros, 2004.
BARBARO, Umberto. Argumento e roteiro. São Paulo: Global, 1983.
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FIELD, Syd. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico.


Trad Alvaro Ramos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

9. Adendo: Termos cinematográficos e algum léxico de cinema :


Ação: Termo usado para descrever a função do movimento que acontece frente à
câmara.
Ação direta: Roteiro que obedece à ordem cronológica.
Ação dramática: Somatório da vontade do personagem, da decisão e da
mudança.
Adaptação: Passagem de uma história de uma linguagem para outra. Assim, um
conto pode ser adaptado para ser filmado como um longa metragem ou um
seriado para televisão. Embora o termo “adaptação” seja o mais utilizado, há
correntes que defendem que o correto seria utilizar o termo “tradução”.
Argumento: Percurso da ação. Contém as principais indicações da história,
como: localização espaço-temporal e descrição breve das personagens. Tratando-
se de telenovela, chama-se sinopse. Não confundir com story-line que é o resumo.
Câmara objetiva: Posicionamento da câmara quando ela permite a filmagem de
uma cena do ponto de vista de um público imaginário.
Câmara subjetiva: Câmara que funciona como se fosse o olhar do ator. A câmara
é tratada como "participante da ação", ou seja, a pessoa que está sendo filmada
olha diretamente para a lente e a câmara representa o ponto de vista de uma
outra personagem participando dessa mesma cena.
Campo: Espaço filmado pela cámara e limitado pelo enquadramento. Varia em
funão do tamanho do plano: quanto maior for o plano, maior será o campo visual.
Campo e contracampo: Consiste em manter uma perdonagem à vista do
espectador (campo) e outro não (contracampo). Também faz referência a duas ou
mais realidades (personagens, objetos e ações) que aparecedm na tela, como em
uma perseguição, onde hora aparece o perseguido, ora o perseguidor. Também é
chamado de “plano e contra-plano”.
Cena: Unidade dramática do roteiro, seção contínua de ação, dentro de uma
mesma localização. Seqüência dramática com unidade de lugar e tempo, que
pode ser "coberta" de vários ângulos no momento da filmagem. Cada um desses
ângulos pode ser chamado de plano ou tomada.
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Cenografia: Arte e técnica de criar, desenhar e supervisionar a construção dos


cenários de um filme.
Chicote: Câmara corre lateralmente durante a filmagem de uma determinada
cena, deslocando rapidamente a imagem.
Claquete: Registra cada take de cada cena gravada (ou: o início da gravação de
cada plano). A claquete é colocada diante da câmera, nela constando o número
da cena, número do plano, número do take, informações de câmera etc. Além
disso, a batida da claquete produz um som que auxilia no sincronismo entre som e
imagem do filme durante e após a produção, na etapa da montagem.
"Close-up": Plano que enfatiza um detalhe. Primeiro plano ou plano de
pormenor. Tomando afigura humana como base, este plano enquadra apenas os
ombros e a cabeça de um ator, tornando bastante nítidas suas expressões faciais.
Compilação: Tipo de montagem onde a imagem do filme passa a ser uma
"ilustração" da narração. É muito comum em filmes documentários históricos.
Clareamento (fade-in): A cena surge gradualmente do escuro
Congelamento (freeze): A cena fica imóvel por determinado tempo
Continuidade: Narração fluente da história de um filme, sequência lógica
Copião: É a primeira cópia feita com o negativo de um filme.
Corte: Quando o diretor escolhe cortar o fotograma para mostrar outra cena ou
mesmo tirar algum pedaço filmado.
Corte de continuidade: Corte no meio de uma cena, retomando logo a seguir a
mesma cena em outro tempo.
Créditos: Geralmente, mostrada no final da produção, identifica as pessoas que
trabalharam no filme.
Decupagem: a palavra que vem do francês découper significa “cortar em
pedaços”. Na prática, decupar é dividir o roteiro do filme em planos. A decupagem
é feita pelo diretor e inclui posições de câmera, lentes a serem usadas, diálogos e
duração de cada cena. Consiste na transposição da linguagem de roteiro, que é a
literária, para a linguagem da imagem, também chamada de linguagem técnica.
Desfocar: Mudar o foco de uma imagem para outro.
Diegese: É a estória global que o filme pretende transmitir. É tudo o que a estória
evoca ou provoca no espectador. Pode ser pensada como “o universo criado por
aquela estória (ficcional) em particular”. Em filmes documentários, a diegese seria
o próprio mundo físico e social em que estamos mergulhados.
Dissolve: Imagem se dissolve até o branco ou se funde com a outra.
Elenco: Conjunto de pessoas (atores, atrizes, figurantes) selecionado para uma
produção.
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Enquadramento: Limites laterais, superior e inferior da cena filmada. É a imagem


que aparece no visor da câmara.
Escurecimento: Técnica que faz uma cena escurecer aos poucos até
desaparecer.
Extra-Campo: é o que faz parte da diegese do filme, mas está fora do campo (ou
seja: não está no enquadramento abarcado pela câmara).
Esfumar: A imagem dissolve-se na cor branca ou funde-se com outra.
Externas: Cenas filmadas fora do estúdio, ao ar livre.
Fade in: A imagem começa a partir de uma tela escura ou branca, que
gradativamente atinge sua intensidade de luz normal.
Flash Back: Cenas que revelam o passado.
Flash-forward: Cenas que revelam algo que não aconteceu ainda.
Fusão: Fusão de duas imagens, a primeira sobrepondo-se à segunda. Serve para
mudar de cena ou enfatizar a relação entre elas
Insert: Imagem que aparece na tela de repente e que mostra alguma cena do
passado ou do futuro.
Layout: Como deve ficar a cena, incluindo o fundo, personagens com dimensões
relativas corretas, cores e movimentos de câmera.
Long Shot, Full shot ou plano geral: Plano que mostra todo o cenário. É usado
para mostrar um ambiente grande.
Macroestrutura: Estrutura geral do roteiro
Mixagem de som: Trilha sonora completa e linkada com os registros de áudio
Multiplot: Diversas linhas de ação, igualmente importantes, dentro de uma
mesma estória.
Noite americana: Técnica de iluminação utilizada para simular um efeito noturno
numa imagem filmada durante o dia, usando um filtro especial nas lentes da
câmera.
Off: Texto que acompanha a ação do filme, pronunciado por um locutor que não
aparece em cena.
Panorâmica: Plano que mostra a “paisagem” onde se desenvolve o filem.
Plano: O s f i l m e s , d e f o r m a g e r a l , s ã o e s t r u t u r a d o s e m p l a n o s . O
plano é o que o dispositivo de filmagem grava sem
descontinuidade. No momento da gravação, é o intervalo comprenndido
entre o ligar e o desligar da filmadora. Na montagem, é o intervalo
entre dois cortes.
Plano Americano: Enquadramento nas pessoas da altura dos joelhos para cima.
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Plano de Conjunto: Plano um pouco mais fechado do que o plano geral


Plano de detalhe: Foco em apenas um detalhe, como, as mãos do ator,
dominando praticamente todo o quadro
Plano Geral: Plano que mostra uma área de ação ampla.
Plano médio: Enquadramento da pessoa da cintura para cima
Plano Sequência: Sequência da filmagem sem cortes.
Plongée (plongê): palavra francesa que significa “mergulho”. A posição da
câmera filma os acontecimentos de cima para baixo. Também pode ser chamado
de “câmara alta” ou “ângulo alto”. Quando a filmadora enquadra de baixo para
cima, teremos o contra-plongê, ou ângulo baixo.
Ponto de vista: Câmera na mesma altura do olho do ator, vendo o ambiente
como se fosse o próprio ator. Aumenta a dramaticidade do roteiro por parecer
mais real
Quick Motion: Câmara rápida.
Roteiro: Texto realizado a partir do argumento da obra audiovisual contendo a
descrição dos personagens, o desenvolvimento dramatúrgico, os diálogos e sua
divisão em seqüências. (fonte: Glossa´rio da ANCINE – página 30, in:
http://www.ancine.gov.br/media/GLOSSARIO_ANCINE_2005_1.0.pdf).
Script: Roteiro quando entregue à equipe de filmagem. Contém as falas,
indicações, marcas, posicionamentos e movimentação cênica, de forma genérica
e detalhada.
Set: Local de filmagem.
Slow Motion: Câmara lenta. Movimento retardado.
Som Direto: Som correspondente à ação que está sendo filmada, sem efeitos.
Tilt: Movimentação da câmara no sentido vertical, sobre o seu eixo horizontal.
Timing: O tempo certo para uma ação.
Tomada: Fotografia de uma cena.
Travelling: movimento de câmera na horizontal (em alguns casos, também na
vertical). Pode ser feito através de trilhos, onde a câmera colocada em um
carrinho, se desloca (este travelling recebe o nome de “carrinho”), ou com a
Câmera na mão, ou em um automóvel, em um barco, etc.
Zoom: Afastar ou aproximar a câmera de um objeto. Serve para dramatizar ou
esclarecer lances do roteiro. Também é chamado (erroneamente, a meu ver) de
“travelling óptico”.
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