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Resenha: A Leitura dos Quadrinhos - Paulo Ramos

Ana Paula Silva - Turma 3000

Referência: RAMOS, Paulo. A Leitura dos Quadrinhos. 2°ed. São Paulo: Contexto, 2012.

Paulo Ramos é professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São


Paulo (unifesp) e possui formação nas áreas de Filologia e Língua Portuguesa (USP-2007),
Linguística (UNICAMP-2009), Comunicação (USP-2012), Jornalismo (Universidade
Metodista de São Paulo-1995) e Letras (PUC - 2003). Além de “A Leitura dos Quadrinhos”,
também é autor de "Tiras no Ensino" (Parábola Editorial, 2017), "Faces do Humor - Uma
Aproximação entre Piadas e Tiras" (Zarabatana Books, 2011), "Quadrinhos na Educação - Da
Rejeição à Prática" (Contexto, 2009), "Quadrinhos e Literatura: Diálogos Possíveis" (Criativo,
2014), dentre outros livros sobre os quadrinhos.
Em seu livro “A Leitura dos Quadrinhos”, Paulo Ramos busca trazer para o leitor uma
abordagem teórica que auxilia não só na compreensão dos quadrinhos para o público em
geral, mas também incrementa a formação profissional docente. Para isso, o autor traz uma
abordagem linguístico-textual das histórias em quadrinhos, explicitando os principais
elementos constitutivos desse hipergênero. Assim, o livro se divide em apresentação,
introdução e uma sequência de 7 capítulos intitulados: Os gêneros das histórias em
quadrinhos; A representação da fala e do pensamento; A oralidade nos quadrinhos; O papel da
onomatopeia e da cor; A cena narrativa; Os personagens e a ação da narrativa; O espaço e o
tempo nos quadrinhos.
No primeiro capítulo, Ramos destaca que os quadrinhos não são uma forma de
literatura ou dependentes dela, mas sim que são uma linguagem autônoma que apesar de
dialogar com a literatura, uma vez que são narrativas, têm os seus próprios recursos e
estratégias para construir as histórias e aquilo que se coloca como ponto de contato com os
elementos literários como, por exemplo, a linguagem verbal, é ressignificado pelas histórias
em quadrinhos. Ademais, o autor destaca que os quadrinhos são um hipergênero que agrupa
vários gêneros que compartilham características e recursos, mas que tem especificidades e
particularidades. Em seguida, conceitua-se a charge, o cartum e a tira de forma a diferenciá-
los: a charge é conceituada como um texto humorístico que traz uma crítica social que dialoga
com o momento de produção usando, para isso, figuras públicas ou estereótipos
identificáveis; o cartum, por sua vez, busca refletir sobre a condição humana e temas
universais e perenes, trazendo, portanto, personagens com funções reconhecíveis mesmo que
não sejam fixas; já a tira pode ser dividida em tira cômica, tira seriada e tira cômica seriada. A
primeira tem o seu humor construído a partir da quebra da expectativa no desfecho e pode ou
não apresentar personagens fixas. A segunda é mais voltada para narrativas em partes
sequenciais que se complementam, tal qual as telenovelas ou as séries de televisão. A última
se coloca no entrelugar das duas anteriores, ou seja, apresenta um desfecho cômico e
inesperado, ao mesmo tempo em que é produzido sequencialmente. Por fim, Ramos reforça a
necessidade de novos estudos na área, uma vez que ele considera que diversos tipos de
história em quadrinhos não ainda não foram profundamente abordados.
No segundo capítulo, o autor esclarece sobre a forma como a fala e o pensamento são
abordados na construção dos quadrinhos, bem como a sua função de acordo com os seguintes
estudiosos: Eisner (1989). Acevedo (1990), Cagnin (1975), Vergueiro (2006), Fresnault-
Deruelle (1972), Eguti (2001) e Eco (1993). Após trazer essas definições sobre os balões, ele
esclarece acerca das diferentes formas de aparecimento: balão-fala, balão-pensamento, balão-
cochicho, balão-berro, balão-trêmulo, balão de linhas quebradas, balão-vibrado, balão-glacial,
balão uníssono, balão-zero ou ausência de balão, balões-intercalados, balão-mudo, balões-
duplos, balão-sonho, balões-especiais e balão de apêndice cortado. Apesar de explanar sobre
os tipos de balão acima, Ramos ressalta que existem outras formas de balão e que tendem a
seguir aumentando com a chegada de recursos tecnológicos e outros meios de criação. Além
disso, explicita-se sobre as diferentes formas de apêndice, a ausência dele e os diferentes
sentidos que isso vai produzir na história. Para finalizar, traz-se uma breve discussão sobre as
vozes existentes na legenda e a constatação de que os diferentes tipos de narrador têm acesso
a ela, e não apenas o narrador onisciente.
Na terceira parte, tem-se um destaque para a presença da oralidade nas histórias em
quadrinhos e como os tipos de letra utilizados podem auxiliar a traduzir a expressividade
característica da fala. Além da letra, os quadrinhos também contam com outras estratégias
para representar a oralidade como, por exemplo, os balões que funcionam como os turnos
conversacionais que podem apresentar, em determinados momentos, assaltos de turno e
marcadores conversacionais.
Na quarta parte enfatiza-se dois elementos composicionais dos quadrinhos: a
onomatopeia e a cor. Em se tratando da construção da representação dos sons, entende-se que
além do aspecto sonoro, é necessário o aspecto visual, dessa forma, as onomatopéias são
utilizadas para traduzir os ruídos para ass histórias em quadrinhos. Enfatiza-se também que
esse recurso não se coloca como representação exata, mas sim como uma forma de
transposição. Soma-se a isso, o aspecto variável das onomatopéias, ou seja, cada língua tem
suas próprias formas de representação desses ruídos, acarretando em diferentes onomatopéias.
Já quando se fala da cor, ela tem diversas funções como, por exemplo, auxiliar na constituição
da indicação de movimento ou mesmo caracterizar uma determinada personagem, lhe dando
destaque na história, construindo, por vezes, sentidos para a progressão narrativa. Para
concluir, Ramos aponta que a cor ainda é pouco estudada dentro do universo dos quadrinhos,
apesar de ser uma estratégia cara para o hipergênero.
No quinto capítulo, ressalta-se a cena narrativa e tem-se a definição de vinheta, a
menor unidade narrativa dentro de uma história em quadrinhos, que pode, em alguns casos,
ter quadrinho como sinônimo. Observa-se que nem sempre as vinhetas vão seguir o padrão
mais tradicional e que, na verdade, podem variar de acordo com as intenções do autor e com
os sentidos que ele deseja trazer para o leitor. Ademais, Ramos explana sobre o contorno das
vinhetas que levam diferentes nomenclaturas de acordo com o autor que se estuda: Acevedo
(1990) e Vergueiro (1985;2006) vão se referir a ele como linha demarcatória, Santos (2002)
designa como requadro, Eisner (1989) utiliza contorno do quadrinho e Franco (2004)
denomina como moldura do quadrinho. Apesar das diferentes nomenclaturas, na prática
podem ser utilizados como sinônimos uma vez que suas funções podem ser divididas, de
maneira geral, em duas partes: demarcar a área narrativa da vinheta e delimitar o tempo-
espaço em que se passa aquela vinheta. Dessa forma, o contorno estará intrinsecamente
conectado ao tempo-espaço constitutivo da narrativa, auxiliando na sequência e encadeamento
da história.
No sexto capítulo, o autor destaca dois elementos fundamentais para os quadrinhos: a
ação narrativa e os personagens, que ajudam a conduzi-la. Para que isso seja, de fato,
representativo, alguns recursos são utilizados na composição das personagens, a exemplo da
expressividade do rosto e do corpo, que ajudam a compor o estado emocional para o leitor.
Ainda se tratando da linguagem corporal como construção de sentido, vê-se que ela também
pode ser uma forma de representação de movimento, mesmo que os quadrinhos sejam
estáticos. Outras formas de representação do movimento nos quadrinhos são as linhas ou
figuras cinéticas, que buscam retratar as trajetórias dos objetos e figuras. Apesar de, a
princípio, serem conceitos distintos, Ramos os entende como sinônimos, visto que
desempenham a mesma função. Além do semblante e linguagem corporal das figuras, têm-se
também os sinais gráficos e as metáforas visuais que vão integrar, complementar e esclarecer
diversos sentidos ao longo da história. Tais sinais podem ser notas musicais para representar
um assobio ou o canto de um passarinho, corações para trazer a ideia de paixão ou amor, entre
outros. Para finalizar o capítulo, explicita-se os diferentes estilos de desenho que são: realista,
estilizado ou caricato. O autor vai decidir o estilo de desenho de acordo com o estilo da
história, objetivos que têm ao produzi-la e público alvo que deseja alcançar. Ressalta-se que
essa escolha traz uma série de informações sobre a história e dá pistas de como ela vai ser
construída, por exemplo, quadrinhos que optam por desenhos caricatos geralmente seguem
para uma via mais humorística, já histórias de aventura ou de ficção tendem a optar pela via
realista. O que Ramos ressalta é que esses rótulos e, por vezes, estereótipos, são utilizados
para a identificação do leitor, facilitando a sua compreensão da narrativa e dos sentidos
buscados na produção da história.
No último capítulo, aborda-se sobre o espaço-tempo nas histórias em quadrinhos.
Retoma-se, brevemente, o que havia sido esclarecido nos capítulos anteriores acerca da
relação da vinheta e do tempo e acrescenta-se outros elementos de percepção de passagem de
tempo: os balões, a posição e a representação das personagens. O espaço-tempo dentro das
histórias em quadrinhos não tem sempre o mesmo intervalo, ou seja, pode ser encurtado ou
prolongado a partir da disposição, tamanho e quantidade das vinhetas. Ramos traz seis formas
de aparecimento do tempo nos quadrinhos propostos por Cagnin (1975) que são: sequência de
antes e depois; época histórica; astronômico; meteorológico; tempo da narração e tempo de
leitura. Em se tratando do espaço, assim como o tempo, ele pode ser retratado de diversas
formas que têm distintas funções e constroem diferentes sentidos, sendo elas: plano geral ou
panorâmico; plano total ou de conjunto; plano americano; plano médio ou aproximado;
primeiro plano; plano de detalhe e plano em perspectiva. Ressalta-se que cada um desses
planos pode ser visto por diferentes ângulos: de visão médio, de visão superior ou de visão
inferior, cada um deles apresentando características particulares que podem ser utilizadas para
condução dos sentidos da narrativa. Por fim, ele faz uma breve discussão sobre o histo e a
elipse presentes nos quadrinhos, uma vez que o intervalo entre as vinhetas precisa ser
completado pelo leitor, ou seja, existem inferências que devem ser feitas para que a narrativa
seja entendida. Por vezes, alguns recursos são suprimidos por serem facilmente inferidos pelo
leitor, como um determinado objeto ou mesmo todo o espaço.
Ao longo do livro, Ramos particulariza e analisa diferentes formas e recursos de
construção dos quadrinhos, classificando os gêneros dessa linguagem. A abordagem escolhida
auxilia no entendimento dos conceitos trazidos e o conteúdo escolhido se coloca como uma
possibilidade de multiplicar as perspectivas pedagógicas que podem ser trabalhadas com os
discentes, conduzindo-os para um lugar de real compreensão, produção e crítica dessa
linguagem. Ademais, é uma introdução que discute os elementos principais, mas que traz uma
base teórica densa que pode ser utilizada para a pesquisa e aprofundamento, tanto do docente
como mesmo de demais sujeitos interessados em entender melhor sobre as histórias em
quadrinhos. Portanto, esta obra é de grande contribuição para a formação, principalmente de
docentes, por proporcionar uma ampliação do que se comumente entende por quadrinhos e
das suas características.

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