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INSTITUTO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS


BACHARELADO EM HISTÓRIA DA ARTE

História do Cinema
Professor Luís Edegar de Oliveira Costa
Leonardo Brito Silveira, matrícula 00290986

MARIO BAVA E A BELEZA DO HORROR

Poucos são aqueles cineastas capazes de transmitir para a tela o verdadeiro sentimento
de fruição estética, de prazer sensorial; mais raros ainda são aqueles capazes de
apresentar o que aqui chamarei de espírito da beleza, ou schönheitgeist, no âmbito do
chamado cinema de gênero. O presente trabalho procurará analisar criticamente o
trabalho cinematográfico de Mario Bava (1914-1980), com um foco preponderante
sobre suas conquistas artísticas em fotografia e estética visual. Veremos como o uso de
cores intensas e luminosas – algo inusitado para filmes de horror – pode contribuir para
criar uma atmosfera chocante principalmente em nível de plano (mas também em nível
de sequência e de montagem). A tese, em suma, colocará em evidência a relação
existente entre Mario Bava e as artes plásticas, uma associação muito profícua e de
resultados inevitavelmente aprazíveis.

1. Contexto histórico, literário e artístico

É possível afirmar, sem medo de se estar incorrendo em uma sentença


equivocadamente exagerada, que o século XX foi, em termos culturais e artísticos, o
mais atribulado período pelo qual a humanidade já passou. Nas artes plásticas, as
vanguardas modernistas iniciadas pelos impressionistas ainda no período anterior
segmentavam-se agora em novas direções: o fauvismo, o cubismo, o surrealismo, o
expressionismo, o futurismo, o vorticismo e o suprematismo eram apenas alguns dos
diversos modelos. A era dos manifestos, como foi definido aquele tempo, atingiu
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também o teatro: neste campo, o dadaísmo foi um dos destaques. Em termos de design,
a Bauhaus era a sensação.
As inovações técnicas permitiram a consolidação e a popularização do cinema,
da fotografia, da televisão e das histórias em quadrinhos. E, com isso, experimentações
foram realizadas e novidades, consagradas. No caso do cinema no século XX, objeto
principal deste texto, devemos destacar as seguintes conquistas: o aprimoramento da
montagem, que veio a permitir um encadeamento narrativo mais longo; o
desenvolvimento de câmeras mais leves, que permitiram novos e muitas vezes ousados
enquadramentos; o advento do som e o advento das cores. Todos esses fatores
contribuíram para transformar o cinema em algo totalmente diferente do que era em
suas origens. E aqui não quero dizer necessariamente que tenha se tornado algo melhor
(para o documentarista Dziga Vertov [1896-1954], por exemplo, isso representava a
decadência), mas apenas algo diferente.
O cinema de horror, embora seja bastante antigo – Le manoir du Diable (1896),
de Georges Meliès (1861-1938), é tido como o primeiro do gênero –, nunca gozou de
muito prestígio. Sempre foi preterido ante os filmes românticos, históricos e
documentários. Fenômeno bastante semelhante à hierarquia da pintura presente no
discurso de André Félibien (1619-1695) quando da inauguração da Academia Real
Francesa e que pautou todo o academicismo. Diferentemente da pintura, no entanto, o
cinema se transformou com celeridade: as suas vanguardas iniciaram os processos de
abordagem experimental já nas primeiras décadas desta nova mídia, na primeira metade
do século XX. O resultado disso foi que houve uma proliferação de filmes de gênero,
avidamente consumidos por espectadores receptivos e sempre sedentos por novidades.
Assim, ainda que o cinema de horror não estivesse inserido nos anais da alte culture
daquele período, ele era certamente reconhecido como um inestimável bem popular e
recebido com entusiasmo pelo grande público.
Com a literatura, a situação era parecida. Em um período marcado pelas guerras
e pela fragilidade econômica, popularizaram-se os livros baratos, impressos em papel
vagabundo e voltados a um rápido entretenimento – algo parecido com o pulp-fiction
norte-americano. Os livros de mistério e horror estavam entre os principais interesses de
uma sociedade decrépita e deprimida, e a maior coleção deles, publicada pela editora
Mondadori a partir do ano de 1929, era feita com capas padronizadas na cor amarela.
Esta associação entre os livros de mistério e horror e a cor amarela viria a moldar o
conceito do cinema giallo [amarelo], que, a partir da década de 1960, adaptaria esta
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temática para as grandes telas, consagrando uma miríade de diretores, atores e também
compositores, como Ennio Morricone (1928).
Para encerrar, cabe dizer que as primeiras décadas da segunda metade do século
XX foram marcadas por uma liberalidade de costumes sem precedentes. As décadas de
1960 e 1970, sobretudo, viram um florescimento da sexualidade e do erotismo, a
emancipação feminina e uma busca por outras percepções. Afinal, o ácido lisérgico
estava em voga. Consequentemente, novas possibilidades narrativas e expositivas
nasceram no cinema.
Era neste contexto histórico, literário e artístico que Bava estava inserido.

Um exemplo de giallo:
Capa do romance O mistério D’Arblay, de Richard Austin Freeman, publicado como o n. 23 da série da editora
Mondadori, no ano de 1931.

2. Sinopse da vida e da obra de Mario Bava

Mario Bava nasceu em Sanremo, Itália, em 1914. Era filho do escultor e técnico
de efeitos especiais Eugenio Bava (1886-1966), que desde cedo incutiu no filho o gosto
pela sétima arte. Mario inicialmente tencionava tornar-se pintor, mas foi na cinegrafia
que encontrou seu espaço. Dono de uma percepção visual exemplar, tornou-se pouco a
pouco conhecido pelos enquadramentos, ângulos e sequências que conseguia tendo uma
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câmera em mãos. Sua fotografia, capaz de privilegiar a atuação e destacar os planos e


campos, chamou a atenção de diversos diretores. Trabalhou como cinegrafista em
diversos filmes, com destaque para Le fatiche di Ercole (1958), Ercole e la regina di
Lidia (1959) e La battaglia di Maratona (1959), todos épicos na tradição de Cecil B.
DeMille (1881-1959).
Consagrado como cinegrafista, foi convidado a atuar como diretor (na época, um
substituto) em I vampiri (1956), tido como um dos primeiros filmes italianos de horror.
A película começou a ser dirigida por Riccardo Freda (1909-1999), que abandonou o
projeto no meio do caminho; o mesmo aconteceu com Caltiki, il mostro immortale
(1959), que também foi terminado por Bava. Em 1960, dirigiu o primeiro filme em que
participou única e inteiramente como o diretor exclusivo: La maschera del demônio.
Este foi um grande sucesso comercial, sendo exibido à exaustão inclusive nos Estados
Unidos, onde ganhou o título Black Sunday. Começava aí a verdadeira carreira de Bava
– e também a tradição de os norte-americanos renomearem seus filmes de modo
completamente arbitrário.
Esta sua primeira obra oficial era em preto e branco, assim como La ragazza che
sapeva troppo, de 1963, produzido pouco depois. O primeiro filme era uma fantasia
gótica de estética medieval que contava a história de uma bruxa cega pela vingança; já
este último guinava para outra abordagem: era o protótipo do giallo no cinema, com
ambientação urbana, crimes misteriosos e situações muito mais verossímeis. Foi esta
base que ele aperfeiçoou em Sei donne per l’assassino, de 1964, tido como o giallo por
excelência. Foi também com este filme que teve início a exuberância cromática que
marcaria seu trabalho.
A partir daí, vários foram os filmes de sucesso (mais comercial que de crítica,
deve-se dizer) de Mario Bava. Não cabe, aqui, esmiuçar completamente sua biografia,
porque ela é extensa e fugidia às pretensões desta análise crítica.1 O que abordarei será a
utilização estética das cores, a mise en scene e a plasticidade de seus planos.
Recentemente, o trabalho do diretor italiano tem sido recuperado, divulgado e
reconhecido. Espera-se que, com o tempo, seja conferido a ele o devido valor como o
inovador que foi.
Mario Bava faleceu em 1980.

1
Mais informações sobre os filmes de Bava disponíveis no Brasil podem ser obtidas no apêndice deste trabalho.
Ademais, uma rápida pesquisa na Internet oferece um amplo panorama de informações sobre sua produção
cinematográfica.
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Mario Bava em set de filmagens, interagindo com o elenco

3. A cor que caiu do espaço

Aproprio-me desta epígrafe lovecraftiana para resumir o momento


revolucionário em que a policromia contaminou o cinema. Não foi algo simples. No
início, havia modos bastante arcaicos para acrescentar cor ao filme depois do processo
de gravação. O principal método consistia pura e simplesmente na aplicação de tinta. A
utilização de tinta no rolo da película era praxe para cineastas como Georges Meliès, o
principal pioneiro dos efeitos especiais. Contudo, as cores resultantes deste processo
artesanal eram opacas, diáfanas e de pouca intensidade. Criavam variedade, mas não
impactavam os sentidos.
Com o tempo, outros processos surgiram. Na Inglaterra da década de 1910, o
Kinemacolor dava o tom a duas variedades de cor obtidas por um processo de filtragem
de luz. O Kodachrome foi outro processo bem conhecido, mas era mais comumente
praticado em fotografias. Foi apenas com os variados métodos de Technicolor,
desenvolvidos entre as décadas de 1920 e 1930, que os filmes coloridos efetivamente
conquistaram o público e estabeleceram um novo benchmarking tecnológico. Com o
Technicolor, as câmeras já rodavam em cores; tratava-se de um processo de colorização
pré-filme, e não mais pós-filme.
Mas é bem verdade que a simples utilização da policromia não era garantia de
qualidade ou de uma estética apurada. Muitos foram os diretores que seguiram filmando
em P&B mesmo décadas depois do advento das cores. Entre os principais exemplos,
podemos citar os precursores da nouvelle vague. A prática, na verdade, subsiste até
hoje. O próprio Mario Bava começou seus filmes autorais em preto e branco. E ele
vinha de uma carreira como cinegrafista que contemplava uma série de filmes já
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coloridos. A verdade é que o P&B também tem valor expressivo – que o diga o
expressionismo alemão –, mas Bava rapidamente viu no uso das cores (que exigiam
uma tecnologia mais cara e da qual Bava inicialmente não dispunha) a possibilidade de
atingir um novo nível de impacto dramático.
As cores que ele passou a utilizar principalmente a partir de Sei donne per
l’assassino, o maior exemplar de sua estética, aliam-se à beleza das atrizes (porque elas
provavelmente não eram contratadas por sua capacidade de atuação, em geral bastante
inócua), ao erotismo das personagens e à sensualidade musical (com o uso massivo de
saxofones) para formar um contraste chocante com a temática dos filmes. A violência é
explícita; o sangue é vermelho-brilhante, feito para excitar os sentidos. As mortes
ocorrem dos modos mais surreais e o enredo tem pouca coerência; o que interessa a
Bava não é a narrativa da história propriamente dita, mas fundamentalmente o visual.
Percebe-se esse interesse no travelling e nos enquadramentos em plano geral,
que tendem a privilegiar ambientes urbanos coloridos como ruas, praças, vilarejos,
boates, lojas de vestuário, agências de modelos, escritórios, antiquários e casarões.
Ainda assim, é na cena estática que Bava explora seu cenário. A mise en scene aparece
na disposição dos objetos e na incidência da luminosidade. Dá-se destaque a tecidos,
cortinas e roupas. E, quanto mais chamativas forem as roupas, melhor. O contraste se dá
entre cores neutras, como o preto da escuridão, e cores intensas, como o vermelho do
sangue, o amarelo de uma parede, o roxo de uma cortina.
A presença humana é abundante e poucos são os personagens masculinos. A
visão de beleza de Bava está muito calcada na aparência feminina, uma ideia implantada
em nossa cultura pelo menos desde o movimento romântico. Mas não são apenas os
elementos românticos que compõem os seus filmes – longe disso –, porque os
personagens tendem, no mais das vezes, ao realismo: são ambíguos e egoístas, repletos
de falhas e detentores de um caráter frequentemente questionável. Neste sentido, pode-
se traçar um paralelo com o film noir norte-americano, que opera sob silogismos
semelhantes; mas o paralelismo cai por terra quando somos apresentados à
luminescência imagética do italiano e à violência explícita – quase gore – de seus
filmes, dois aspectos muito diferentes da abordagem sombria e contida (ou meramente
sugerida) do film noir.
O film noir também tem uma preocupação com a trama, enquanto que os filmes
de Bava preocupam-se apenas com o schönheitgeist de cada cena. Este, inclusive, é um
ponto importante no autor: ele pensa cena por cena, ou, se quisermos, sequência por
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sequência. Não é de seu interesse o filme como unidade narrativa. Isso eventualmente
pode prejudicar a coesão da montagem, algo não raras vezes apontado como um aspecto
negativo em sua obra.

Sei donne per l’assassino

Sei donne per l’assassino


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Sei donne per l’assassino

Sei donne per l’assassino


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Lisa e Il diavolo

Operazione paura
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Operazione paura

Operazione Paura
11

La frusta e Il corpo

4. Mario Bava e as artes plásticas

Bava vinha de um background artístico: seu pai era essencialmente um escultor,


e o próprio Bava enveredou, no começo da carreira, pelo caminho da pintura. Sua noção
estética e apuro visual se refletem na fotografia de seus filmes. As cores extravagantes
são possivelmente uma herança de Rafael Sanzio (1483-1520), que também adentrou a
seara do erotismo removendo a aura de divindade de suas madonas. No contexto
renascentista em que estava inserido – mas principalmente nos séculos seguintes –
Rafael foi tido como o símbolo do início da decadência pictórica. A Irmandade Pré-
Rafaelita, fundada na Inglaterra do século XIX, propunha justamente recuperar a pureza
da arte anterior a Rafael.
A situação de Caravaggio (1571-1610), expoente máximo do maneirismo
italiano, não era muito diferente, e sua arte se assemelhava bastante ao trabalho
empregado por Mario Bava. Comparemos o contraste entre sombra e cor em Giuditta e
Oloferne, obra clássica do pintor, e os frames dos filmes de Bava presentes neste
trabalho. O quadro mencionado é apenas um exemplo, porque as telas de Caravaggio
têm uma tendência geral de apresentar a noção de teatro: um evento central, prenhe de
cores e detalhes, no cerne de um ambiente escuro; é fácil localizar o púlpito (para
citarmos Roland Barthes) em sua obra. Já em Bava a ideia central é a mesma, mas a
diferença é que as cores não estão necessariamente no centro do plano: podem estar nas
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laterais, em cima ou embaixo. Ainda assim, é poderoso o contraste entre a cor e a


ausência dela.
Tudo isto tem muito a ver, também, com as técnicas de iluminação. Perceba-se
que Bava faz a luz incidir sobre os atores em ambientes escuros, quase como se
estivesse usando pequenos holofotes. Em outros casos, a luminosidade é total: ele
utiliza esse recurso principalmente onde há uma grande quantidade de detalhes
coloridos, como mulheres com vestidos de várias cores. Ou então a incidência de luz se
dá de modo tangencial, iluminando apenas parcialmente a atuação e privilegiando o
enfoque em objetos ou mesmo na arquitetura. Pois outra coisa deve ser dita: o cenário é
peça importante no trabalho de Mario Bava. O tom flamboyant dos móveis e do
vestuário, a sensualidade das personagens, o desinteresse em uma narrativa maior e,
principalmente, a profusão de cores, caracteriza Mario Bava, em minha opinião, não
como um cineasta renascentista ou mesmo maneirista, mas, sim, como alguém mais
próximo do rococó.
Vejamos as pinturas de Fragonard (1732-1806) e Watteau (1684-1721). É
verdade que não há aqui um contraste de luz e sombra como em Caravaggio; por outro
lado, temos no rococó uma exuberância cromática muito mais expressiva e com cores
muito mais intensas, compatível com o principal interesse de Mario Bava. Os artistas do
rococó estavam em sintonia com o trabalho de Peter Paul Rubens (1577-1640), na
disputa entre este e Nicolas Poussin (1594-1665) que tomou conta do século XVII e
seguintes. A escola de Rubens, voltada às cores e ao que alguns denominam
painterlism, realçava as emoções, enquanto que a escola de Poussin, voltada às linhas e
ao desenho, focava na sobriedade. Para mim, é certo que Mario Bava está inserido no
contexto da primeira.
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Giuditta e Oloferne (1598-1599)


Óleo sobre tela
Caravaggio (Michelangelo Merisi)

David con la testa di Golia (c. 1610)


Óleo sobre tela
Caravaggio (Michelangelo Merisi)
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Blind-man’s buff (1750-1752)


Óleo sobre tela
Jean-Honoré Fragonard

The musical contest (1754-1755)


Óleo sobre tela
Jean-Honoré Fragonard
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Les Plaisirs du bal (1717)


Óleo sobre tela
Jean-Antoine Watteau

5. Conclusões

Mario Bava tem uma série de defeitos como cineasta: seus filmes possuem, de
um modo geral, roteiros fracos e montagem pouco coesa. Suas principais virtudes
residem na estética da fotografia, na disposição do cenário e, sobretudo, na
cinematografia. Ele quer fazer com que o público tenha a sensação de estar admirando
uma bela pintura. E, uma vez que o público esteja aborto neste processo contemplativo,
de experiência e fruição dos sentidos, quer chocá-lo apresentando violência em grau
bastante explícito. Ainda assim, a violência é bastante fantástica – no sentido de que não
parece tão realista –, e é parte componente da estética visual.
Em outras palavras, sua principal intenção é que as belas personagens morram
de forma bela, em belos locais. Sua obra, portanto, está impregnada pela busca do
espírito da beleza. Vários foram os teóricos que, ao longo do tempo, tentaram definir e
esclarecer conceitos abstratos como “beleza” e “graça”, e ao longo desta análise
procurei não me deter sobre este problema de ordem filosófica porque consumiria muito
tempo e, ainda assim, provavelmente, não chegaria a uma resposta satisfatória. O que eu
penso da beleza é simplesmente o que considero que a maioria das pessoas (ao menos
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no hemisfério ocidental contemporâneo) também pense: é um processo de recepção


visual que excita e dá prazer aos sentidos.
Mario Bava faz isso principalmente através das cores. Ele age como um pintor
do mesmo grupo da escola de Rubens, de matriz pictórica e emocional. Para mim,
encaixa-se sobretudo como expoente do rococó, tanto na temática quanto na forma
exterior.
O horror de Mario Bava é um tipo diferente de horror. Ele não tem a pretensão
de dar medo; pelo contrário, seu objetivo é a contemplação.

6. Influências e legado

Não foram poucos os herdeiros de Mario Bava. Sua sombra (ou melhor, sua luz)
se projetou principalmente sobre os cineastas italianos das décadas de 1970 e 1980
“especializados” em giallo. Lamberto Bava cresceu para se tornar também um diretor e
veio a utilizar muitas das técnicas que aprendeu nos sets de filmagem do pai; contudo,
nunca alcançou grande sucesso crítico ou comercial. Assim, há que se dizer,
inequivocamente, que o verdadeiro sucessor de Mario Bava foi Dario Argento.
Dario nasceu em Roma em setembro de 1940. Filho do produtor Salvatore
Argento – que financiaria seus primeiros filmes –, começou a vida como crítico, tal
como os cineastas da Cahiers du cinéma. Ainda nesta época de escritor, colaborou no
roteiro de Once upon a time in the West (1968), épica produção hollywoodiana do
também italiano Sergio Leone (1929-1989). Já em 1970, dirigiu seu primeiro filme,
L’uccello dalle piume di cristallo, um grande sucesso de público. A partir daí, dirigiu
vários outros gialli em que os enquadramentos, os planos curtos, o campo de vista em
primeira pessoa, a violência estetizada e o uso de cores brilhantes eram aspectos de
destaque. Seus principais filmes são Profondo rosso (1975), um giallo com todos os
elementos do gênero, e Suspiria (1977), um filme de horror sobrenatural em que a
extravagância cromática talvez tenha encontrado seu auge.
Dentre os outros diretores italianos que beberam da fonte de Mario Bava,
podemos citar Lucio Fulci (1927-1996), Aldo Lado (1934), Massimo Dallamano (1917-
1976) e Sergio Martino (1938) – responsável por uma infelizmente pouco conhecida
opera maestra do gênero: Lo strano vizio della signora Wardh (1971). Curiosamente, a
trilha sonora deste filme foi utilizada por Quentin Tarantino (1963), um fã confesso, em
Kill Bill vol. 1 (2003).
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Do outro lado do oceano Atlântico a influência de Mario Bava também se fez


notar. Os slasher norte-americanos (que poderiam ser definidos como uma subdivisão
do cinema de horror voltada para assassinatos cometidos com requintes de crueldade
por assassinos característicos) devem muito a alguns dos filmes de Bava, como Sei
donne per l’assassino e Reazione a catena. É deste filme a cena que sofreu a imitação
(para não dizer plágio) realizada em Friday the 13th part 2 (1981). Além da franquia de
filmes envolvendo Jason, séries como Halloween e A nightmare on Elm street e
centenas (talvez milhares) de outros filmes devem o seu sucesso comercial ao autor
italiano.
A diferença é que, no mais das vezes, a receita norte-americana é desprovida do
conhecimento fotográfico e plástico de Mario Bava. Porque um monstro (aqui, uma
figura de linguagem) foi criado: a excessiva quantidade de filmes sobre assassinatos e
crimes. Enquanto que na Itália o giallo encontrou seu auge nas décadas de 1970 e 1980,
para depois voltar a adormecer, nos Estados Unidos o slasher não dá sinais de que
acabará. O pior de tudo é que a qualidade há muito se esgotou. Assim, parece um
despropósito comparar criticamente o teor artístico das grandes obras italianas com a
produção industrial e sem personalidade da maioria dos slashers norte-americanos. Uma
triste situação.
Mario Bava deve estar se revirando no túmulo. Talvez um dia ele se levante.
Com uma faca na mão.

Reazione a catena, de Mario Bava


18

Friday the 13th part 2

Suspiria, de Dario Argento: O principal herdeiro de Mario Bava


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORDWELL, David. THOMPSON, Kristin. A arte do cinema: uma introdução.


Campinas: Editora da UNICAMP. São Paulo: Editora da USP, 2013.
JULLIER, Laurent. MARIE, Michel. Lendo as imagens do cinema. São Paulo: SENAC,
2009.
BRAGA, Maria Helena. COSTA, Vaz da. Cores e filmes: um estudo da cor no cinema.
Curitiba: CRV, 2011.
HOWARTH, Troy. The haunted world of Mario Bava. Midnight Marquee &
BearManor Media Publishing, 2018. Edição Kindle.
COZZI, Luigi. Mario Bava – Master of horror. Profondo Rosso Publishing, 2013.
Edição Kindle.

REFERÊNCIAS IMAGÉTICAS

WATTEAU, Jean-Antoine. Diversas obras.


FRAGONARD, Jean-Honoré. Diversas obras.
CARAVAGGIO (Michelangelo Merisi). Diversas obras.

REFERÊNCIAS FÍLMICAS

- BAVA, Mario. Black Sabbath. Itália, 1963, 96min. Disponível em: Black Sabbath –
As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Cani arrabbiati. Itália, 1974, 92min. Disponível em: A arte de Mario
Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Gli orrore del Castello di Norimberga. Itália, 1972, 98min. Disponível
em: Black Sabbath – As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. I tre volti della paura. Itália, 1963, 92min. Disponível em: Black
Sabbath – As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. I vampiri. Itália, 1956, 78min. Disponível em: Black Sabbath – As três
máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Il rosso segno della follia. Itália, 1970, 88min. Disponível em: A arte
de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
20

- BAVA, Mario. La frusta e Il corpo. Itália, 1963. Disponível em: Obras-primas do


terror v. 1. Versátil Home Video, 2014.
- BAVA, Mario. La maschera del demonio. Itália, 1960, 87min. Disponível em: A arte
de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. La ragazza che sapeva troppo. Itália, 1965, 86min. Disponível em: A
arte de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Lisa e Il diavolo. Itália, 1973. Disponível em: Obras-primas do terror
v. 2. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Operazione paura. Itália, 1966. Disponível em: Obras-primas do terror
v. 2. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Reazione a catena. Itália, 1971, 84min. Disponível em: Obras-primas
do terror v. 3. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Sei donne per l’assassino. Itália, 1964, 89min. Disponível em: Giallo
v. 1. Versátil Home Video, 2015.
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APÊNDICE

1. Filmografia oficial de Mario Bava no Brasil

Na última década, vimos um revival do culto a Mario Bava; a Versátil, publisher


reconhecida por disponibilizar filmes que fogem ao circuito comercial, foi a principal
divulgadora, resgatando a maior parte de seus filmes e os apresentando a um novo
público. Em décadas passadas houve também lançamentos em VHS 2 (com títulos
frequentemente adulterados), mas não há fontes precisas em que se possa verificar
dados oficiais das publicações. Assim, o levantamento em ordem cronológica que segue
tomou em conta somente os recentes lançamentos em DVD3, e somente aqueles em que
Bava atuou como diretor. Acredita-se que, em termos de DVDs e de Brasil, esta relação
esteja completa. À exceção dos filmes destacados em negrito (ainda inéditos para o
autor desta análise), todos os demais compuseram o itinerário de referências utilizadas
nesta análise crítica. Há ainda alguns poucos filmes que permanecem oficialmente
inéditos no Brasil.

- BAVA, Mario. I vampiri. Itália, 1956, 78min. Disponível em: Black Sabbath – As três
máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. La maschera del demonio. Itália, 1960, 87min. Disponível em: A arte
de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. La ragazza che sapeva troppo. Itália, 1965, 86min. Disponível em: A
arte de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Black Sabbath. Itália, 1963, 96min. Disponível em: Black Sabbath –
As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. La frusta e Il corpo. Itália, 1963. Disponível em: Obras-primas do
terror v. 1. Versátil Home Video, 2014.
- BAVA, Mario. I tre volti della paura. Itália, 1963, 92min. Disponível em: Black
Sabbath – As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Sei donne per l’assassino. Itália, 1964, 89min. Disponível em: Giallo
v. 1. Versátil Home Video, 2015.
2
Sigla de Video Home System. O primeiro tipo de aparelho para visualização de filmes em ambientes
domésticos. Operava com fitas dotadas de uma cópia do filme em seu interior.
3
Sigla de Digital Versatile Disc. Um tipo de disco que armazena uma série de variados arquivos,
inclusive filmes, que pode ser reproduzido de modo digital, através de feixes de luz.
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- BAVA, Mario. Terrore nelle spazio. Itália, 1965, 88min. Disponível em: Clássicos
Sci-Fi v. 1. Versátil Home Video, 2014.
- BAVA, Mario. Operazione paura. Itália, 1966. Disponível em: Obras-primas do terror
v. 2. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Cinque bambole per la luna d’agosto. Itália, 1970, 81min.
Disponível em: Giallo v. 3. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Il rosso segno della follia. Itália, 1970, 88min. Disponível em: A arte
de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Reazione a catena. Itália, 1971, 84min. Disponível em: Obras-primas
do terror v. 3. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Gli orrore del Castello di Norimberga. Itália, 1972, 98min. Disponível
em: Black Sabbath – As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Lisa e Il diavolo. Itália, 1973. Disponível em: Obras-primas do terror
v. 2. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Cani arrabbiati. Itália, 1974, 92min. Disponível em: A arte de Mario
Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Schock. Itália, 1977, 93min. Disponível em: Obras-primas do
terror v. 4. Versátil Home Video, 2016.

2. Acervo próprio sobre Mario Bava

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