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História do Cinema
Professor Luís Edegar de Oliveira Costa
Leonardo Brito Silveira, matrícula 00290986
Poucos são aqueles cineastas capazes de transmitir para a tela o verdadeiro sentimento
de fruição estética, de prazer sensorial; mais raros ainda são aqueles capazes de
apresentar o que aqui chamarei de espírito da beleza, ou schönheitgeist, no âmbito do
chamado cinema de gênero. O presente trabalho procurará analisar criticamente o
trabalho cinematográfico de Mario Bava (1914-1980), com um foco preponderante
sobre suas conquistas artísticas em fotografia e estética visual. Veremos como o uso de
cores intensas e luminosas – algo inusitado para filmes de horror – pode contribuir para
criar uma atmosfera chocante principalmente em nível de plano (mas também em nível
de sequência e de montagem). A tese, em suma, colocará em evidência a relação
existente entre Mario Bava e as artes plásticas, uma associação muito profícua e de
resultados inevitavelmente aprazíveis.
também o teatro: neste campo, o dadaísmo foi um dos destaques. Em termos de design,
a Bauhaus era a sensação.
As inovações técnicas permitiram a consolidação e a popularização do cinema,
da fotografia, da televisão e das histórias em quadrinhos. E, com isso, experimentações
foram realizadas e novidades, consagradas. No caso do cinema no século XX, objeto
principal deste texto, devemos destacar as seguintes conquistas: o aprimoramento da
montagem, que veio a permitir um encadeamento narrativo mais longo; o
desenvolvimento de câmeras mais leves, que permitiram novos e muitas vezes ousados
enquadramentos; o advento do som e o advento das cores. Todos esses fatores
contribuíram para transformar o cinema em algo totalmente diferente do que era em
suas origens. E aqui não quero dizer necessariamente que tenha se tornado algo melhor
(para o documentarista Dziga Vertov [1896-1954], por exemplo, isso representava a
decadência), mas apenas algo diferente.
O cinema de horror, embora seja bastante antigo – Le manoir du Diable (1896),
de Georges Meliès (1861-1938), é tido como o primeiro do gênero –, nunca gozou de
muito prestígio. Sempre foi preterido ante os filmes românticos, históricos e
documentários. Fenômeno bastante semelhante à hierarquia da pintura presente no
discurso de André Félibien (1619-1695) quando da inauguração da Academia Real
Francesa e que pautou todo o academicismo. Diferentemente da pintura, no entanto, o
cinema se transformou com celeridade: as suas vanguardas iniciaram os processos de
abordagem experimental já nas primeiras décadas desta nova mídia, na primeira metade
do século XX. O resultado disso foi que houve uma proliferação de filmes de gênero,
avidamente consumidos por espectadores receptivos e sempre sedentos por novidades.
Assim, ainda que o cinema de horror não estivesse inserido nos anais da alte culture
daquele período, ele era certamente reconhecido como um inestimável bem popular e
recebido com entusiasmo pelo grande público.
Com a literatura, a situação era parecida. Em um período marcado pelas guerras
e pela fragilidade econômica, popularizaram-se os livros baratos, impressos em papel
vagabundo e voltados a um rápido entretenimento – algo parecido com o pulp-fiction
norte-americano. Os livros de mistério e horror estavam entre os principais interesses de
uma sociedade decrépita e deprimida, e a maior coleção deles, publicada pela editora
Mondadori a partir do ano de 1929, era feita com capas padronizadas na cor amarela.
Esta associação entre os livros de mistério e horror e a cor amarela viria a moldar o
conceito do cinema giallo [amarelo], que, a partir da década de 1960, adaptaria esta
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temática para as grandes telas, consagrando uma miríade de diretores, atores e também
compositores, como Ennio Morricone (1928).
Para encerrar, cabe dizer que as primeiras décadas da segunda metade do século
XX foram marcadas por uma liberalidade de costumes sem precedentes. As décadas de
1960 e 1970, sobretudo, viram um florescimento da sexualidade e do erotismo, a
emancipação feminina e uma busca por outras percepções. Afinal, o ácido lisérgico
estava em voga. Consequentemente, novas possibilidades narrativas e expositivas
nasceram no cinema.
Era neste contexto histórico, literário e artístico que Bava estava inserido.
Um exemplo de giallo:
Capa do romance O mistério D’Arblay, de Richard Austin Freeman, publicado como o n. 23 da série da editora
Mondadori, no ano de 1931.
Mario Bava nasceu em Sanremo, Itália, em 1914. Era filho do escultor e técnico
de efeitos especiais Eugenio Bava (1886-1966), que desde cedo incutiu no filho o gosto
pela sétima arte. Mario inicialmente tencionava tornar-se pintor, mas foi na cinegrafia
que encontrou seu espaço. Dono de uma percepção visual exemplar, tornou-se pouco a
pouco conhecido pelos enquadramentos, ângulos e sequências que conseguia tendo uma
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Mais informações sobre os filmes de Bava disponíveis no Brasil podem ser obtidas no apêndice deste trabalho.
Ademais, uma rápida pesquisa na Internet oferece um amplo panorama de informações sobre sua produção
cinematográfica.
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coloridos. A verdade é que o P&B também tem valor expressivo – que o diga o
expressionismo alemão –, mas Bava rapidamente viu no uso das cores (que exigiam
uma tecnologia mais cara e da qual Bava inicialmente não dispunha) a possibilidade de
atingir um novo nível de impacto dramático.
As cores que ele passou a utilizar principalmente a partir de Sei donne per
l’assassino, o maior exemplar de sua estética, aliam-se à beleza das atrizes (porque elas
provavelmente não eram contratadas por sua capacidade de atuação, em geral bastante
inócua), ao erotismo das personagens e à sensualidade musical (com o uso massivo de
saxofones) para formar um contraste chocante com a temática dos filmes. A violência é
explícita; o sangue é vermelho-brilhante, feito para excitar os sentidos. As mortes
ocorrem dos modos mais surreais e o enredo tem pouca coerência; o que interessa a
Bava não é a narrativa da história propriamente dita, mas fundamentalmente o visual.
Percebe-se esse interesse no travelling e nos enquadramentos em plano geral,
que tendem a privilegiar ambientes urbanos coloridos como ruas, praças, vilarejos,
boates, lojas de vestuário, agências de modelos, escritórios, antiquários e casarões.
Ainda assim, é na cena estática que Bava explora seu cenário. A mise en scene aparece
na disposição dos objetos e na incidência da luminosidade. Dá-se destaque a tecidos,
cortinas e roupas. E, quanto mais chamativas forem as roupas, melhor. O contraste se dá
entre cores neutras, como o preto da escuridão, e cores intensas, como o vermelho do
sangue, o amarelo de uma parede, o roxo de uma cortina.
A presença humana é abundante e poucos são os personagens masculinos. A
visão de beleza de Bava está muito calcada na aparência feminina, uma ideia implantada
em nossa cultura pelo menos desde o movimento romântico. Mas não são apenas os
elementos românticos que compõem os seus filmes – longe disso –, porque os
personagens tendem, no mais das vezes, ao realismo: são ambíguos e egoístas, repletos
de falhas e detentores de um caráter frequentemente questionável. Neste sentido, pode-
se traçar um paralelo com o film noir norte-americano, que opera sob silogismos
semelhantes; mas o paralelismo cai por terra quando somos apresentados à
luminescência imagética do italiano e à violência explícita – quase gore – de seus
filmes, dois aspectos muito diferentes da abordagem sombria e contida (ou meramente
sugerida) do film noir.
O film noir também tem uma preocupação com a trama, enquanto que os filmes
de Bava preocupam-se apenas com o schönheitgeist de cada cena. Este, inclusive, é um
ponto importante no autor: ele pensa cena por cena, ou, se quisermos, sequência por
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sequência. Não é de seu interesse o filme como unidade narrativa. Isso eventualmente
pode prejudicar a coesão da montagem, algo não raras vezes apontado como um aspecto
negativo em sua obra.
Lisa e Il diavolo
Operazione paura
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Operazione paura
Operazione Paura
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La frusta e Il corpo
5. Conclusões
Mario Bava tem uma série de defeitos como cineasta: seus filmes possuem, de
um modo geral, roteiros fracos e montagem pouco coesa. Suas principais virtudes
residem na estética da fotografia, na disposição do cenário e, sobretudo, na
cinematografia. Ele quer fazer com que o público tenha a sensação de estar admirando
uma bela pintura. E, uma vez que o público esteja aborto neste processo contemplativo,
de experiência e fruição dos sentidos, quer chocá-lo apresentando violência em grau
bastante explícito. Ainda assim, a violência é bastante fantástica – no sentido de que não
parece tão realista –, e é parte componente da estética visual.
Em outras palavras, sua principal intenção é que as belas personagens morram
de forma bela, em belos locais. Sua obra, portanto, está impregnada pela busca do
espírito da beleza. Vários foram os teóricos que, ao longo do tempo, tentaram definir e
esclarecer conceitos abstratos como “beleza” e “graça”, e ao longo desta análise
procurei não me deter sobre este problema de ordem filosófica porque consumiria muito
tempo e, ainda assim, provavelmente, não chegaria a uma resposta satisfatória. O que eu
penso da beleza é simplesmente o que considero que a maioria das pessoas (ao menos
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6. Influências e legado
Não foram poucos os herdeiros de Mario Bava. Sua sombra (ou melhor, sua luz)
se projetou principalmente sobre os cineastas italianos das décadas de 1970 e 1980
“especializados” em giallo. Lamberto Bava cresceu para se tornar também um diretor e
veio a utilizar muitas das técnicas que aprendeu nos sets de filmagem do pai; contudo,
nunca alcançou grande sucesso crítico ou comercial. Assim, há que se dizer,
inequivocamente, que o verdadeiro sucessor de Mario Bava foi Dario Argento.
Dario nasceu em Roma em setembro de 1940. Filho do produtor Salvatore
Argento – que financiaria seus primeiros filmes –, começou a vida como crítico, tal
como os cineastas da Cahiers du cinéma. Ainda nesta época de escritor, colaborou no
roteiro de Once upon a time in the West (1968), épica produção hollywoodiana do
também italiano Sergio Leone (1929-1989). Já em 1970, dirigiu seu primeiro filme,
L’uccello dalle piume di cristallo, um grande sucesso de público. A partir daí, dirigiu
vários outros gialli em que os enquadramentos, os planos curtos, o campo de vista em
primeira pessoa, a violência estetizada e o uso de cores brilhantes eram aspectos de
destaque. Seus principais filmes são Profondo rosso (1975), um giallo com todos os
elementos do gênero, e Suspiria (1977), um filme de horror sobrenatural em que a
extravagância cromática talvez tenha encontrado seu auge.
Dentre os outros diretores italianos que beberam da fonte de Mario Bava,
podemos citar Lucio Fulci (1927-1996), Aldo Lado (1934), Massimo Dallamano (1917-
1976) e Sergio Martino (1938) – responsável por uma infelizmente pouco conhecida
opera maestra do gênero: Lo strano vizio della signora Wardh (1971). Curiosamente, a
trilha sonora deste filme foi utilizada por Quentin Tarantino (1963), um fã confesso, em
Kill Bill vol. 1 (2003).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS IMAGÉTICAS
REFERÊNCIAS FÍLMICAS
- BAVA, Mario. Black Sabbath. Itália, 1963, 96min. Disponível em: Black Sabbath –
As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Cani arrabbiati. Itália, 1974, 92min. Disponível em: A arte de Mario
Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Gli orrore del Castello di Norimberga. Itália, 1972, 98min. Disponível
em: Black Sabbath – As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. I tre volti della paura. Itália, 1963, 92min. Disponível em: Black
Sabbath – As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. I vampiri. Itália, 1956, 78min. Disponível em: Black Sabbath – As três
máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Il rosso segno della follia. Itália, 1970, 88min. Disponível em: A arte
de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
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APÊNDICE
- BAVA, Mario. I vampiri. Itália, 1956, 78min. Disponível em: Black Sabbath – As três
máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. La maschera del demonio. Itália, 1960, 87min. Disponível em: A arte
de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. La ragazza che sapeva troppo. Itália, 1965, 86min. Disponível em: A
arte de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Black Sabbath. Itália, 1963, 96min. Disponível em: Black Sabbath –
As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. La frusta e Il corpo. Itália, 1963. Disponível em: Obras-primas do
terror v. 1. Versátil Home Video, 2014.
- BAVA, Mario. I tre volti della paura. Itália, 1963, 92min. Disponível em: Black
Sabbath – As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Sei donne per l’assassino. Itália, 1964, 89min. Disponível em: Giallo
v. 1. Versátil Home Video, 2015.
2
Sigla de Video Home System. O primeiro tipo de aparelho para visualização de filmes em ambientes
domésticos. Operava com fitas dotadas de uma cópia do filme em seu interior.
3
Sigla de Digital Versatile Disc. Um tipo de disco que armazena uma série de variados arquivos,
inclusive filmes, que pode ser reproduzido de modo digital, através de feixes de luz.
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- BAVA, Mario. Terrore nelle spazio. Itália, 1965, 88min. Disponível em: Clássicos
Sci-Fi v. 1. Versátil Home Video, 2014.
- BAVA, Mario. Operazione paura. Itália, 1966. Disponível em: Obras-primas do terror
v. 2. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Cinque bambole per la luna d’agosto. Itália, 1970, 81min.
Disponível em: Giallo v. 3. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Il rosso segno della follia. Itália, 1970, 88min. Disponível em: A arte
de Mario Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Reazione a catena. Itália, 1971, 84min. Disponível em: Obras-primas
do terror v. 3. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Gli orrore del Castello di Norimberga. Itália, 1972, 98min. Disponível
em: Black Sabbath – As três máscaras do terror. Versátil Home Video, 2016.
- BAVA, Mario. Lisa e Il diavolo. Itália, 1973. Disponível em: Obras-primas do terror
v. 2. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Cani arrabbiati. Itália, 1974, 92min. Disponível em: A arte de Mario
Bava. Versátil Home Video, 2015.
- BAVA, Mario. Schock. Itália, 1977, 93min. Disponível em: Obras-primas do
terror v. 4. Versátil Home Video, 2016.