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Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagem de Capa: Freepik
Revisão: O Autor
OL46
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-4389-7
ISBN Físico 978-65-251-4392-7
DOI 10.24824/978652514392.7
2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Andre Acastro Egg (UNESPAR)
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de La Havana – Cuba) Renata Fonseca Lima da Fonte (UNICAP)
Guillermo Arias Beatón (Universidade Sebastião Marques Cardoso (UERN)
de La Havana – Cuba) Simone Tiemi Hashiguti (UFU)
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Renato Francisco dos Santos Paula (UFG)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
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Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)
Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
SUMÁRIO
PREFÁCIO������������������������������������������������������������������������������������������������������� 9
Roberta Manuela Barros de Andrade
INTRODUÇÃO����������������������������������������������������������������������������������������������� 15
AUTORAS������������������������������������������������������������������������������������������������������ 47
PROCESSOS DE ESCRITA������������������������������������������������������������������������� 69
LITERATURA DE MULHER�������������������������������������������������������������������������� 97
LIVROS��������������������������������������������������������������������������������������������������������� 117
REFERÊNCIAS�������������������������������������������������������������������������������������������� 173
conta que quando estava editando uma coletânea de contos homossexuais, seus amigos
heterossexuais afirmaram que não tinham coragem de andar com tal obra debaixo
do braço com medo de serem taxados de homossexuais por associação. Em círculos
literários mais sofisticados, andar com um livro de Paulo Coelho nas mãos seria
considerado um pecado mortal; ler e gostar da narrativa, motivo de marginalização
dessa seleta comunidade.
Há, portanto, constrangimentos a serem encarados por leitores que ousem aden-
trar em universos marginalizados que, se não impedem a prática da leitura, dificul-
tam sua socialização em certos grupos sociais. Este é o caso dos romances de amor
mais populares aqui analisados. Neste sentido, o fato de as leitoras desses romances
debaterem o que leem em fan pages, em blogs sobre o tema ou nos instagrans dessas
autoras nos traz uma reflexão essencial sobre a liberdade de criação e de leitura que
necessita ainda se proteger do preconceito encontrando abrigo no interior de comu-
nidades cuja razão de existir é justamente esse amor por esses romances. Em outra
dimensão concomitante a essa, a presença dessas autoras nas redes sociais, como
atestada por Paulo Henrique, publicizando suas obras, compartilhando encaminha-
mentos de suas narrativas, construindo avatares para suas personagens, fazendo-se,
enfim, de carne e osso, traz uma proximidade inédita entre autor e leitor, rompendo
a distância secular existente entre eles.
Neste sentido, para Paulo Henrique, o autor não é mais um ser demiurgo, enti-
dade toda poderosa, a qual só teríamos acesso, no século passado, através de sua
passagem pela grande mídia em entrevistas ou se tivéssemos a sorte de estarmos
presentes no lançamento de suas obras. No caso de escritores não cultuados pela
mídia, e neste nicho se encontravam os autores de romances sentimentais, eles eram
percebidos, antes da chegada dessa revolução digital, apenas através de um nome na
capa, sem características humanizadoras de nenhuma sorte. Contudo, presentes nas
redes sociais, essas autoras estão chão a chão com os seus leitores, o que modifica,
em vários matizes diferentes, as relações estabelecidas entre os agentes que fazem
parte desse campo entre si e entre seu público alvo.
Neste contexto, o livro de Paulo Henrique trata, primordialmente, dos caminhos
de criação e de consolidação de um novo mercado editorial para o romance de amor de
popular que está, intrinsecamente, vinculado às novas possibilidades de atuação desse
mercado a partir de uma ainda recente revolução digital. Essas autoras nacionais se
destacam, assim, não só por romperem a hegemonia de escritoras estrangeiras neste
nicho, mas, essencialmente, pelos usos que fazem de plataformas de autopublicação
(para a criação de suas obras) e de redes socais (para a sua publicização), que não
só permitiram a existência de seus livros à revelia das grandes editoras bem como
possibilitaram o sucesso que angariaram entre os fãs do gênero.
De forma mais didática, o livro de Paulo Henrique se divide, pois, em três
grandes eixos:
nessa cadeia produtiva na entrada do novo milênio com a chegada das tec-
nologias digitais. Aqui, o autor traça a trajetória de composição do campo
editorial que perdurou durante todo o século XX até os câmbios sofridos
com a entrada da internet como uma agente social decisiva para o seu
mercado, seja com o surgimento de blogueiras que têm contratos formais
ou informais com editoras para publicizarem seus lançamentos, seja com
a multiplicação de páginas administradas por fãs que debatem os lança-
mentos do mercado, dão dicas de leitura, pirateiam obras do passado ou
do presente, seja pela chegada das redes sociais como o Instagram, o Tik
Tok e o Facebook neste mercado.
2. As transformações do mercado editorial nas formas de acesso das obras
para seus leitores bem como nos usos das plataformas de autopublicação
e das redes sociais para a criação dos livros, uma vez que, o autor não é
mais somente a mente criativa que cria uma narrativa, ele concentra em
si todas as etapas da produção até a venda de sua obra. Nesta seara, essa
“nova forma” de lidar com o processo criativo coloca em suas mãos todas
as fases de germinação, mas principalmente, de circulação e vendagem do
seu texto, o que tem acarretado mudanças substanciais em toda a cadeia
produtiva desse bem cultural. No entanto, Paulo Henrique ressalta um ele-
mento importante nessa equação: tão logo essas autoras alcancem número
significativo de aportes financeiros, angariando certo nível de popularidade
nas redes sociais, as editoras agregam essas novas escritoras a seu próprio
staff de autores, o que nos faz repensar qual o lugar das editoras tradicionais
nesse novo mercado que se delineia.
3. As transformações nas formas de escrita das novas autoras, suas parcas
influências literárias, a bem vinda intervenção dos fãs em seu processo
criativo, o pedagogismo que impregna seus enredos; a preocupação de
incorporar elementos, percebidos por essas autoras como reais, mesclados
com suas experiências pessoais e, por último, a influência de filmes, can-
ções, seriados televisivos, telenovelas e até de reportagens na construção dos
enredos, dos cenários e das personagens, dando relevo às inequívocas con-
tribuições da indústria cultural na composição da narrativa, obscurecendo ou
trazendo para os bastidores as filiações literárias que calcaram a formação
de escritores de romances desde pelos menos a invenção de Gutemberg.
o mercado literário ganha novos contornos na entrada do novo milênio. Neste sentido,
as autoras saem, em parte, do circuito de dependência das editoras para se fixarem
no mercado de forma subordinada, sem mediações de outras instâncias sociais, aos
gostos e expectativas de seus leitores.
O autor nos chama a atenção ainda para as formas de composição da narrativa que
não só é mais célere em relação a outros períodos históricos – essas escritoras podem
chegar a escrever dois livros ao mês – mas também abertamente mais engajada com o
discurso de defesa de bandeiras que elas consideram social ou moralmente relevantes
como a artrite reumatoide, distúrbios de comportamento, o preconceito racial, a ecologia
etc. Então, temos um pedagogismo escolar forte neste imaginário dessas mulheres ao
mesmo tempo que ainda perpetuam os ideários do amor romântico apaixonado que
se centra na sua idealização como a base de um relacionamento a dois harmonioso,
completo e edificante que evoca a sintonia perfeita entre sexo, casamento e família.
As pequenas pérolas que podem ser encontradas na obra de Paulo Henrique
são, enfim, inúmeras, cabendo a seus leitores encontrar, de forma, única, original
e singular, outras tantas vias de acesso aos vários textos aqui contidos. Assim, a
aventura literária proporcionada pela obra de Paulo Henrique é uma experiência
imperdível para aqueles que se dedicam a descobrir um pouco mais a cada dia sobre
os caminhos e descaminhos do campo editorial voltado para os romances de amor
populares na contemporaneidade. Porém, se você deseja apenas obter respostas ao
se debruçar sobre os relatos que se seguem, melhor seria empreender outras navega-
ções. O trabalho aqui desenvolvido levanta muitos mais questões do que nos provê
de certezas. Esta obra possui, assim, uma qualidade insuperável: abre novos campos
de estudo, problematiza vários cenários, enfim, faz o que se espera de um estudo
dessa envergadura: fornece um ponto de partida e um olhar peculiar sobre como essas
mulheres escritoras, fãs de histórias de amor, constroem suas obras e se posicionam
no mercado editorial na entrada desse novo milênio.
1 ANDRADE, Roberta M. B.; SILVA, Erotilde et al. Um século de Romances de Amor: a trajetória da literatura
sentimental no Brasil (1920-2020). Editora: Independently Published, 2020.
2 Existem muitas plataformas de publicação online disponíveis na internet, algumas nacionais, outras de
domínio estrangeiro, mas que atuam em diversos países, dentre elas: Publique-se, livraria Saraiva; Kobo
Writing Life, da livraria Cultura; Buqui Self, da Buqui Editora; E-Galáxia; Clube dos Autores; Spirit Fanfics e
Histórias; Bookess e Perse; entre outras.
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ferramentas, o meio para tal, dada a sua gratuidade. É certo, também, que escritores e
escritoras já conhecidos do grande público e com uma trajetória literária consolidada,
também, utilizam-se desses recursos, pois a conjuntura digital atual tem demonstrado
algumas vantagens financeiras e de publicização, levando-os a privilegiar esse novo
meio de publicação. No KDP, por exemplo, após escrever o texto, pode-se editá-lo
na forma do livro digital (e-book) e comercializá-lo na loja online da plataforma. A
definição de preço do e-book fica sob a responsabilidade do próprio autor/autora,
que pode tanto receber uma porcentagem sobre cada livro vendido, ou então, sobre
o número de páginas lidas.
Esse cenário configura-se como um momento de transformação no que se refere
à escrita, à publicação, à leitura e à circulação de livros. Integra, ainda, um campo de
mudanças muito mais amplo no interior da história do livro e da leitura, que se desen-
volve com as novas tecnologias digitais e o acesso à internet a um maior número de
pessoas, o que, no Brasil, ocorre desde a primeira década do século XXI. Estamos
diante de um cenário em que as diferentes modalidades da palavra escrita (manuscrita,
impressa e eletrônica) coexistem. Desse modo, faz-se necessário compreender as novas
experiências e relações com a produção escrita3. Com o aparecimento de plataformas
online para a escrita e publicação de textos autorais de maneira independente, tornou-se
possível, a um incontável número de pessoas, integrar cenários literários, sem quais-
quer necessidades de validação e legitimação que as formas precedentes de publica-
ção requeriam, como os livros impressos lançados por editoras. Foram abertos novos
caminhos para se produzir literatura, mais do que isso, para que pessoas que tinham
a aspiração de criar e escrever histórias, nas mais diversas formas de narrativa, assim
pudessem fazer. No tocante aos romances de amor, grande parte do público leitor desse
segmento literário são mulheres e, muitas delas, outrora apenas leitoras, estimuladas
pelo repertório de leituras do gênero que acumularam, passaram a criar suas próprias
histórias e a torná-las públicas por meio das plataformas online, especificamente o
Wattpad e a Amazon, valendo-se desses mecanismos como recurso para serem autoras.
A cena literária desses romances está em um processo de reconfigurações que
pode ser analisado, na tentativa de compreender os novos arranjos que se estabelecem,
as permanências e as rupturas que caracterizam essa produção literária no presente.
Aprofundar o entendimento sobre essa temática, também, faz-se necessário, porque
diante das mudanças em curso estão as autoras, personagens principais dessa histó-
ria, mulheres que iniciaram suas trajetórias como escritoras a partir das plataformas
online e que estão protagonizando um conjunto de transformações relevantes no que
se refere à forma e ao conteúdo dos romances de amor.
Para ler essa conjuntura, foram selecionadas dez autoras brasileiras que atuam
no segmento. Essa seleção ocorreu com base na observação dos romances mais lidos
na plataforma online da Amazon, na categoria Romance e subcategorias Contempo-
râneo, Época, Erótico e Lésbico4, entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020, por meio
3 CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. Tradução: George Schlesinger. São Paulo: Editora
Unesp, 2014.
4 Essas classificações, além de outras, correspondem às denominações atuais dos romances de amor.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas17
este estudo desejou ouvir suas histórias e experiências a partir de temas propostos.
As entrevistas foram conduzidas de forma diretiva, com a participação do entrevis-
tador questionando-as. Para entrevistá-las, foi elaborado um questionário, que teve
por objetivo indagar as autoras sobre suas experiências, práticas e impressões com
seu campo literário.
As perguntas foram agrupadas de acordo com os assuntos que se objetivava
abordar com as autoras. Cada qual se refere a um aspecto sobre suas experiências de
escrita e concepções acerca do universo literário que participam, a saber: informações
pessoais; em que se buscou conhecer as autoras; trajetória como escritora, tema que
teve por objetivo saber quando e como iniciaram suas carreiras na área da literatura,
especificamente no segmento dos romances de amor; processos de escrita, neste
ponto foi pedido que as autoras explicassem como criam as histórias e constroem
enredos e personagens, com a intenção de saber o que as inspira nos momentos de
escrita; gênero literário, foram indagadas sobre o gênero literário que escrevem e a
percepção que possuem sobre a presença desse gênero na cena literária contempo-
rânea; formas de publicação, as autoras publicaram majoritariamente por meio das
plataformas online, porém, também possuem vínculos contratuais com editoras (este
estudo desejou compreender como se configura essa relação atualmente, momento
em que elas não dependem exclusivamente de editoras para publicarem e, até que
ponto as editoras interferem em suas criações literárias e de que maneira); suporte
material do livro, as autoras publicaram livros impresso e digital, foram questionadas
sobre qual formato mais vendem, qual preferem publicar e o que percebem desses
dois formatos em relação aos romances que escrevem; mídias sociais, notou-se que
as autoras fazem uso constante de redes sociais online, o Instagram principalmente,
para interagirem com as leitoras e divulgarem suas obras, portanto, foram questio-
nadas sobre as práticas e estratégias que utilizam ao agregarem esses recursos em
suas formas de fazer literatura.
As entrevistas ocorreram em forma de diálogo em que as autoras puderam expor
suas visões e experiências. As perguntas eram abertas, permitindo que pudessem
seguir qualquer direção na formulação de suas respostas, sem a interferência do
entrevistador, apenas direcionando-as para a exposição sobre as questões acerca de
cada tema. As entrevistas ocorreram entre julho de 2018 e novembro de 2020, foram
individuais e online. Foi dada preferência para as entrevistas no formato online, ao
invés do presencial, em decorrência das autoras viverem em diferentes estados e pela
dificuldade de agendar datas que permitissem o encontro presencial. Esse modelo
de entrevista, também, foi necessário, pois, a partir de março de 2020, foi decretado
o estado de pandemia no Brasil por conta da covid-19, e várias medidas de distan-
ciamento social foram implementadas nos estados e municípios, inviabilizando a
aproximação física.
Todavia, o formato online das entrevistas não acarretou prejuízos, elas foram
gravadas e, posteriormente, reproduzidas para transcrição e análise. As autoras
sobre suas experiências e relações com aquela temática. ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3.
ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas19
7 ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013. p. 190.
8 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo.
tradução Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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o que as diferencia ou iguala no presente. Buscou-se, ainda, observar qual o lugar das
autoras e do seu fazer literário na produção contemporânea dos romances de amor.
Suas memórias sobre seus processos criativos, sobre os aspectos de inspiração que as
ajudam a escrever e sobre a visão do mercado literário foram relevantes e são as fontes
que fundamentam parte deste estudo, pois revelaram muitos aspectos sobre a literatura
e o campo literário em que atuam.
Por meio da operação metodológica de se analisar os acontecimentos com
base nas lembranças dos entrevistados, no que é dito e não dito, lembrado e esque-
cido, proposital ou inconscientemente, pôde-se perceber o quanto da subjetividade
das autoras está contida nos seus modos de fazer literatura. Ao discorrerem sobre
os temas do questionário, suas falas indicaram que as histórias que escrevem são,
também, uma forma de expressão do eu, pois carregam o que projetam para si e, se
não conseguem vivenciar em suas experiências concretas, ao menos, podem idea-
lizar nos livros que escrevem. O que possivelmente, também, deve ocorrer com as
leitoras. Foi possível perceber, ainda, que suas criações literárias expressam muito
de suas experiências pessoais: suas leituras, o que assistem, observam ao seu redor,
em síntese, das apropriações que fazem do campo social e cultural. Seguindo a chave
de interpretação proposta por Sandra Jathay Pesavento, suas obras são como um
registro de suas sensibilidades, uma maneira de marcar no tempo o que percebem,
sentem, sonham e vivem9.
Em suas práticas, procurou-se observar como as autoras estão produzindo seus
romances na atualidade, utilizando-se das plataformas online como mecanismos de
escrita e de publicação, e, posteriormente, as redes sociais online, como forma de
divulgação e contato com as leitoras, além de outros recursos. Entende-se aqui por
práticas todo o conjunto de ações desenvolvidas pelas autoras no processo de cons-
tituição de seus textos enquanto obras literárias, o que caracteriza, segundo Roger
Chartier, um modo de fazer10. Essas práticas envolvem a utilização de recursos digi-
tais viabilizados pelo acesso à internet e a existência de dispositivos eletrônicos que
permitem a conexão com o mundo virtual.
A análise de suas práticas teve como fonte os próprios depoimentos das autoras,
que detalharam como fazem para escrever, editar, publicar e divulgar seus romances, e
quais ferramentas tecnológicas utilizam em cada um desses momentos. Para confron-
tar suas falas, foram usadas como fontes algumas de suas publicações em redes sociais
online, o Instagram especificamente, por ser a rede que as autoras mais utilizam, o
espaço virtual em que muitas de suas práticas no campo literário são expressas. Pensar
as redes sociais online como fonte para a História fez-se dialogar com o campo de
estudos da História Digital11, uma área que busca compreender como a História pode
9 PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Sensibilidades: escrita e leitura da alma”. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy;
LANGUE, Frédérique (org.). Sensibilidades na História: memórias singulares e identidades sociais. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2007.
10 CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; São Paulo:
Bertrand, 1990.
11 Para o aprofundamento sobre esse tema, consultar: COHEN, Daniel J.; ROSENZWEIG, Roy. Digital history: a
guide to gathering, preserving, and presenting the past on the Web. Philadelphia: University of Pennsylvania
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas21
utilizar a internet como fonte, tendo em vista que esse recurso tecnológico se tornou
um importante mecanismo de pesquisa no mundo contemporâneo e um repositório
de fontes, configurando-se como espaço em que novos formatos de registros estão
sendo produzidos sobre a experiência humana12. O conjunto dessas fontes permitiu,
à pesquisa, identificar dois cenários, que nos ajudam a ler as práticas das autoras e
suas produções literárias no presente.
O primeiro evidencia as transformações no interior do segmento dos romances
de amor, que se mantém como linha de publicação em catálogos de diversas editoras
nacionais. A partir do momento em que as autoras estão protagonizando a escrita e
a publicação de suas obras, de maneira independente, elas invertem, até certo ponto,
a dinâmica de um mercado editorial que exercia certa exclusividade na seleção dos
títulos e das autoras que seriam publicados. Algumas autoras até estabelecem contratos
de exclusividade para o lançamento de determinadas obras, porém, essa relação con-
tratual, normalmente, é estabelecida depois que as autoras conquistaram um público
cativo de leitoras nas plataformas online, publicaram alguns títulos de forma indepen-
dente, já atuam e são reconhecidas no seu segmento. Ou seja, as editoras não são mais
a única via possível de publicação e atuação para as autoras. Nessa conjuntura, elas
se inserem no mercado literário, lançam-se como autoras, elaboram suas estratégias
de divulgação e, posteriormente, as editoras as cooptam para, também, publicarem
com elas. As editoras estão a acompanhar a demanda do segmento e tentam agregar
as autoras aos seus catálogos, portanto, estamos diante de um cenário de mudanças
no que se refere às formas de produção dessa literatura. O segundo cenário mostra
que as autoras estão a constituir seu próprio campo literário, totalmente vinculado
aos atuais recursos digitais disponíveis na internet, o que caracteriza a singularidade
dessa literatura no presente, e suas práticas estabelecem novos meios de produção,
difusão e circulação. Desse modo, escrever romances com histórias de amor, no
presente, para um público variado de mulheres, ganhou mais uma forma e um novo
campo, atrelados ao espaço virtual. Sendo assim, são outras configurações e moldes,
novos sentidos e possibilidades para essa produção literária.
Foram selecionados, ainda, alguns títulos publicados pelas autoras, com o obje-
tivo de observar elementos internos de seus textos, como as personagens, construções
narrativas, enredos, temporalidades e espacialidades neles representadas, na tentativa
de perceber a leitura das autoras sobre o seu mundo social, isto é, como suas per-
cepções sobre questões externas poderiam estar contidas nas obras, o que poderia se
caracterizar na especificidade de seus romances. Como adverte o historiador Antonio
Celso Ferreira, os textos literários em seus mais diversos gêneros podem conter as
marcas de sua época, pois, ao serem escritos, por vezes em condições específicas,
13 FERREIRA, Antonio Celso. “Literatura: a fonte fecunda”. In: PINSK, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina
de (org.). O Historiador e suas fontes. 6. reimp. São Paulo: Contexto, 2020.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas23
que estão disponíveis tanto na versão impressa quanto na digital. Foram lançados
a partir da segunda década deste século, inicialmente, de forma independente nas
plataformas online e, posteriormente, por editoras.
A abordagem aqui estabelecida não encerra as possibilidades de análise e discus-
são sobre o tema dos romances de amor na atualidade, apenas representa os caminhos
seguidos para que se pudesse compor um quadro que permitisse apresentar e discutir
as mudanças em curso e algumas das características atuais desse segmento literário.
Definiu-se como recorte temporal o período que se inicia em 2013, momento em que
as autoras começaram a publicar nas plataformas online, até então recém-lançadas,
e se encerra em 2021, momento de finalização deste estudo.
Ressalta-se que a menção que se faz às mulheres entrevistadas como autoras
tem um propósito a mais, além do simples fato de referenciá-las enquanto criadoras
de sua arte. O termo autoras é aqui empregado no sentido extraído do filósofo Michel
Foucault, ao que ele denominou ser a “função autor”. Para Foucault, o autor não é
somente aquele que assina a autoria de uma criação artística, intelectual, científica e
literária, ele é, antes de tudo, uma função, que exerce um papel exterior e opera de
forma ficcional, separado do indivíduo que originalmente cria. Portanto, a “função
autor” tem nome próprio e é construída pelos canais que lhe confere legitimidade
e existência, como o livro, a editora, os veículos de comunicação, a literatura, sua
fixação e canonização, e as instituições que o amplificam, como as universidades
e as escolas. Assim, no campo literário, existe a pessoa, ou seja, o indivíduo que
escreve, e existe o autor, aquele que é lido, veiculado, construído, debatido e vendido.
Parafraseando o filósofo, há o eu e há a função autor, enunciadora de discursos que
proliferam na sociedade.
Essa interpretação pôde ser observada nas autoras, pois seus discursos contidos
no interior de seus romances são transmitidos pela utilização de um nome próprio que
separa o eu daquele que é editado, comercializado, lido, discutido e que circula na
sociedade. Seus livros possuem classificações e identificações específicas no mercado
editorial, nas plataformas online e entre as leitoras, que se estabelecem de forma
externa e independentemente de suas individualidades. Os sentidos atribuídos às suas
histórias, as denominações que são empregadas às suas narrativas e as discussões
que existem acerca de suas literaturas ocorrem a uma identidade que é separada de
suas particularidades, por esse motivo, refere-se a elas como autoras.
Em resumo, o que se propõe neste estudo é tentar compreender uma história em
movimento, um processo que não se encerrou. Por esse motivo, as considerações aqui
apresentadas, de certa forma, refletem a dimensão do inacabado, do fazer-se, do vir
a ser14. Inclusive, a noção de movimento, ou seja, de se deslocar por entre caminhos
e direções, carrega aqui mais um sentido, o de ser, também, a chave de interpretação
que lançou luz para o entendimento sobre as transformações que ocorrem na produção
e difusão dos romances de amor na atualidade, pois o cenário atual dessa literatura
reflete uma conjuntura tecnológica e digital tão veloz, em termos de atualizações, e
14 ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. da FGV,
2016. p. 182.
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tão fragmentada, no sentido de sua dispersão no espaço virtual, que dificulta a sua
compreensão. Mas, de certa forma, o mesmo espaço virtual, em suas possibilidades de
conexão, mostra que é possível interligar os pontos, traçar relações e interpretações.
Os romances de amor estão sendo produzidos em outros moldes, disponibilizados e
divulgados em outros meios, o que configura um novo campo para a sua difusão e
circulação. São escritos para serem lidos por um público que está, em grande parte,
navegando no ciberespaço15, cuja leitura ocorre, essencialmente, em telas. É, por-
tanto, outro contexto para essa produção literária, um novo movimento, no sentido
de seu desdobramento e permanência no tempo, acarretando outros significados e
sentidos no presente.
Ler o nosso próprio tempo não é uma tarefa fácil, pois além de se enfrentar
alguns desafios em termos de objetividade e clareza, por estar tão próximo da ordem
dos acontecimentos, pode-se incorrer em determinadas incompletudes, haja vista que
os eventos que se busca compreender ainda estão em curso, sendo gestados, nas ações
e intenções daqueles que fazem a história, isto é, os sujeitos. Talvez, por esse motivo,
deparamo-nos com algumas dificuldades na tentativa de entender, analisar, sinteti-
zar e construir uma narrativa que desse conta de explicar os eventos que compõem
esta análise. Eventos esses, ainda, muito recentes e que, certamente, trarão outros
desdobramentos, além dos imediatos que se pôde observar. Sendo assim, a narrativa
que se segue é, de certo modo, pontual, datada e específica da conjuntura que se
buscou interpretar, a do tempo presente, em que o porvir, desconhecido, trará novas
mudanças e novas leituras, principalmente porque esta temporalidade, isto é, o agora,
carrega em si uma velocidade de transformações que a própria capacidade humana
de compreensão, por vezes, não consegue alcançar, tamanha a rapidez das mudanças
tecnológicas que ocorrem, semelhante ao que Eric Hobsbawm descreve no prefácio
de Tempos Fraturados (2012), ao refletir sobre a arte, a cultura e as sociedades no
mundo contemporâneo. Para ele: “já não compreendemos o atual dilúvio criativo que
inunda o globo com imagens, sons e palavras, nem sabemos lidar com ele, dilúvio que
quase certamente se tornará incontrolável tanto no espaço quanto no ciberespaço”16.
A chuva de atualizações e reconfigurações que caracteriza a sociedade em rede em
que vivemos, em parte conectada e digital, certamente causa incompreensões. Ainda
assim, vale o risco de se mergulhar nas águas que nos inundam de informações e
incertezas para que se possa ler o tempo, o nosso próprio tempo, e tentar esboçar
algumas reflexões sobre o que testemunhamos.
Este livro é resultado de um estudo que foi apresentado como tese de doutorado
no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), defendida no primeiro semestre de 2022. Seu lançamento cor-
responde a tentativa de divulgar a pesquisa realizada, isto é, de tentar torná-la ainda
mais pública para muitos públicos. Portanto, os leitores e as leitoras irão encontrar
nas páginas que se seguem uma narrativa direta, com poucas discussões teóricas e
15 LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. Tradução: Carlos Irineu da Costa São Paulo: Editora 34, 2010. p. 17.
16 HOBSBAWM, Eric. Tempos Fraturados. Tradução: Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras,
2013. p. 15.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas25
de Mulher e Para Entreter e Instruir, tomam-se as falas das autoras, suas conside-
rações sobre o seu fazer literário, para analisar as questões que elas trazem como
reflexão sobre os romances de amor que escrevem, relacionando-as com o segmento
do mercado editorial que atuam. Nessas partes, observam-se não apenas as autoras,
mas as mulheres que, além de outros ofícios, exercem, também, a prática profis-
sional da escrita. Todavia, ao atuarem como escritoras, percebem a existência de
barreiras, sociais e culturais, que são problematizadas. Nas partes Livros, Narrativas
de Amor Romântico Apaixonado e Temas Tramas e Personagens, simbolicamente,
adentra-se em seus romances, para observá-los enquanto objeto material, elemento
de narratividade e construção literária sobre histórias de amor, que se definem aqui
como romântico e apaixonado, por mesclar essas duas abordagens de amor, além de
se analisarem os demais aspectos que suas obras retratam. A última parte, Autoras
e Suas Práticas, analisa e discute os recursos digitais utilizados pelas autoras para
fazerem e divulgarem sua literatura. Busca, ainda, compreender como as autoras
estabelecem novas relações com as leitoras. Ao fim e ao cabo, analisa-se os usos
que fazem dos elementos digitais, usos esses que caracterizam as transformações
contemporâneas na produção dos romances de amor.
ROMANCES DE AMOR ONTEM E HOJE
Para compreender os romances de amor é essencial conhecer alguns aspectos da
sua historicidade, o que será feito a seguir. Inicialmente, destaca-se que a expressão
romances de amor é aqui empregada como forma de referenciar uma literatura que,
na sua essência, narra histórias de amor. Contudo, essa denominação não é consen-
sual, sentimental, cor de rosa, água com açúcar, do coração, são alguns exemplos de
outras denominações empregadas para se referir à essa literatura. Se há divergências
quanto a essa questão, por outro lado, no que se refere a sua principal característica,
em diferentes estudos, prevalece uma única interpretação:
17 ANDRADE, Roberta Manuela Barros de Andrade; SILVA, Erotilde Honório. “Os Romances Sentimentais e
suas Comunidades de Leitura”. Rev. O público e o privado, n. 24, p. 119-134, jul./dez. 2014. Disponível em:
http://gg.gg/ovh5w. Acesso em: 22 jan. 2019.
18 BARROS, José D´Assunção. O Tempo dos Historiadores. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
19 VASCONCELOS, Sandra Guardini Teixeira. A formação do romance inglês: ensaios teóricos. São Paulo:
Fapesp, 2007. p. 105.
28
20 A origem do romance é imprecisa. Não é possível afirmar com exatidão o momento e o lugar de seu apare-
cimento. Desde a antiguidade clássica, há indícios da existência de gêneros, que acabaram por compor o
romance, certamente, em outros formatos e com outras denominações. Os estudos do teórico russo Mikhail
Bakhtin apontam a Grécia Antiga como local de nascimento do romance ocidental. Os gêneros precursores
foram, segundo o teórico, o romance clássico, o romance de aventuras e de costumes e o romance biográfico.
Na Idade Média, houve o romance de cavalaria, que manteve, em sua forma, elementos da antiguidade,
como a aventura, mas apresentando mudanças. O romance europeu ocidental moderno, portanto, seria
fruto da antiguidade e do medievo. Para um aprofundamento sobre a questão consultar: BAKHTIN, Mikhail.
Questões de literatura e estética (a teoria do romance). São Paulo: Hucitec, Editora da Unesp, 1993.
21 As características são: verossimilhança, identificação, particularização, tempo e espaço e linguagem aces-
sível. As definições detalhadas desses elementos que imprimiram a ideia de “realidade” ao novo gênero
literário que se estabelecia podem ser consultadas em: WATT, Ian. A ascensão do romance: estudos sobre
Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
22 O emprego do termo sentimental no campo literário tem heranças na Inglaterra e está relacionado às mudan-
ças de sentido da palavra sentiment. Primeiramente, a palavra era sinônimo de reflexão moral e passou a
ser utilizada por escritores do início do século XVIII. Sentiment era, também, utilizado para se referir a um
pensamento ou reflexão de caráter emocional. A combinação entre racionalidade e sentimento, oriunda da
filosofia, aproximou sentiment de sensibility, fazendo-a emergir como uma palavra símbolo dessa nova forma
literária, conotando o sentido de emoção, mas sem perder a ideia de moralidade. Na França, o termo sensi-
blerie emergia como sinônimo do sentimentalismo pulsante da cena literária, materializando os sentimentos
do coração e externando o que havia de mais puro em termos de paixão, símbolo da nova moda literária. Essa
nova sensibilidade, motivada pela leitura, que fazia crescer o interesse e a solidariedade pelas desilusões de
si e do outro, expressou-se, também, pelo que Sandra Guardini Vasconcelos define como “uma linguagem
do corpo”, em que as leitoras relatavam, por meio de cartas destinadas aos autores, as lágrimas e o frenesi
que a leitura de um romance sentimental lhes causava. Na Alemanha, por sua vez, o termo característico da
literatura que abordava os movimentos do coração era empfindsamkeit (sensibilidade).
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas29
25 KEHL, Maria Rita. Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a modernidade. São
Paulo: Boitempo, 2016.
26 TSCHICHOLD, Jan. A forma do livro: ensaios sobre tipografia e estética do livro. Cotia, SP: Ateliê
Editorial, 2007.
27 ABREU, Márcia (org.). Romances em movimento: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914).
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2016.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas31
30 CUNHA, Maria Tereza Santos. Biblioteca das Moças: contos de fada ou contos de vida? Cad. Pesq., São
Paulo, n. 85, p. 54-62, maio 1993.
31 Revistas de fotonovelas circularam em grande quantidade e eram vendidas em redes de supermercado,
livrarias e bancas de jornal, e ficaram conhecidas como uma “imprensa popular feminina”. Dentre as revistas
que mais se destacaram, podem-se citar a Grande Hotel, da editora italiana Vechi, com fotonovelas europeias;
Capricho, da Editora Abril com publicações argentinas e, às vezes, nacionais; e a revista Sétimo Céu, com
histórias nacionais, publicadas pela editora Bloch. BUITONI, Dulcília Schroeder. “Fotonovela: infelizmente
ainda um quadrado amoroso”. In: AVERBUCK, Lígia (org.). Literatura em tempo de cultura de massa. São
Paulo: Nobel, 1984. p. 57-75.
32 BOSI, Ecléa. Cultura de Massa e Cultura Popular – leituras de operárias. Petrópolis: Vozes, 1986.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas33
33 ANDRADE, Roberta. M. B.; SILVA, Erotilde. “A vida em cor de rosa: o romance sentimental e a ditadura
militar no Brasil”. Revista FAMECOS, Porto Alegre, v. 17, n. 12, p. 41-48, maio/ago. 2010. Disponível em:
http://gg.gg/kq79k. Acesso em: 20 jul. 2020.
34 A editora Harlequin Enterprises Limited, mais conhecida como Harlequin, foi fundada em 1949, em Toronto,
no Canadá, onde possuía sede. Entre os anos de 1981 e 2014, foi adquirida pela companhia Torstar Cor-
poration, uma grande editora de jornais no Canadá, que passou a operar com a Harlequin em 18 países,
por meio de selos editoriais. Em 2015, a News Corp, um grupo de comunicação e mídia norte-americano,
comprou a empresa e fundou uma divisão denominada de HarperCollins Publishers, a segunda maior
editora de livros comerciais do mundo, mantendo, também, a presença em diversos países, por meio de
selos editoriais. No Brasil, os livros da editora Harlequin foram publicados em dois momentos: o primeiro
sob o selo da Harlequin-Sillouette em parceria com a editora paulistana Nova Cultural, que vigorou entre
os anos de 1977 a 2005. O segundo, a partir de 2005, quando a Harlequin passou a publicar os seus livros
no Brasil em parceria com a editora carioca Record. Em 2015, essa parceria foi encerrada. Atualmente, a
HarperCollins Publishers e a editora paulistana Ediouro Publicações constituíram uma joint venture, termo
em inglês que significa “associação de empresas”. Ambas se associaram e fundaram a HarperCollins Brasil
ou, usando seu nome fantasia, Harlequin Brasil. A empresa passou, então, a fazer parte de um dos “braços”
das duas editoras, atuando de forma independente no país.
34
As coleções ficaram conhecidas como romances água com açúcar, cor de rosa,
do coração, de mulherzinha, por apresentarem narrativas simples, uma linguagem
acessível, capas coloridas, poucas páginas e histórias de amor romântico, sempre com
finais felizes, aos moldes das narrativas sentimentais anteriores. As personagens femi-
ninas começam a aparecer inseridas no mercado de trabalho, exercem as profissões
de secretária, professora, assistente. A mulher passa a se relacionar com os homens
não apenas pelo ideal do amor romântico, mas também pela busca do prazer sexual.
Os cenários onde as histórias se passam são países europeus, fundamentalmente na
Inglaterra do século XIX, somente no começo dos anos 2000 aparecem também
centros urbanos, nos Estados Unidos principalmente, pois grande parte das autoras
35 ANDRADE, Roberta M. B.; SILVA, Erotilde. Os romances sentimentais e a revolução digital: os processos de
criação dos projetos de democratização da leitura nos livros do coração. Revista de Estudos da Comunicação,
Curitiba, v. 16, n. 41, p. 345-361, set./dez. 2015. Disponível em: http://gg.gg/krc2b. Acesso em: 21 jul., 2020.
36 IZIQUE, Naiara; CURCINO, Luzmara. Romances Populares de Ontem e Hoje: uma análise discursiva de
livros da coleção “Julia”, “Sabrina” e “Bianca”. Revista Linguasagem, São Carlos, v. 32, n. temático. Discursos
sobre leitores e leitura: suas representações simbólicas como tema de pesquisa, p. 119-131, dez. 2019.
Disponível em: http://gg.gg/wy0g9. Acesso em: 19 nov. 2021.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas35
37 MEIRELLES, Simone. Das Bancas ao Coração: Romances sentimentais e leitura hoje. Curitiba. Dissertação
(Mestrado em Letras) – UFP, 2002. p. 49.
38 Em 1988, nos Estados Unidos, foi publicado o livro de antologias Chick-Lit: Postfeminist Fiction, dos críti-
cos literários Cris Mazza e Jeffrey DeShell. O livro reúne narrativas curtas de vinte e duas escritoras, que
atenderam ao pedido de Mazza e DeShell e escreveram uma ficção pós-feminista. No livro, as narrativas
apresentam as mulheres distantes de ideários feministas, mas também, longe de serem subjugadas por
sociedades patriarcais. O objetivo era mostrar a mulher apenas como ser humano, pessoa que sofre e que
faz sofrer, que é vítima, assim como pode vitimar, que vive o fracasso, a fragilidade, mas também obtém o
sucesso e pode ser forte, como aquela que é dona do seu destino e assume a responsabilidade que lhe
é devida sobre o que acontece em sua vida. O livro teve como pretensão trazer algo de novo à literatura
escrita por mulheres e sobre mulheres. De acordo com a socióloga Jaqueline Santos, o mercado editorial
norte-americano cooptou o sentido dessa produção literária e passou a utilizá-lo nas capas dos romances
sentimentais com cores mais chamativas, imagens de adereços e vestuário feminino; os enredos das his-
tórias passavam a retratar mulheres profissionais em busca de amor. Nessa associação, o hífen foi retirado
e nasceu uma nova designação para as narrativas romanceadas escritas por mulheres e para mulheres,
o chick lit. SANTOS, Jaqueline Santana Martins. Literatura de mulherzinha: gênero e individualismo em
romances “Chick Lit”. 2016. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2016.
36
39 PUHL, Paula Regina; SILVA, Cristina Ennes. O amor como entretenimento: a trajetória dos romances
sentimentais. p. 61. Disponível em: http://gg.gg/e2zlr. Acesso em: 29 maio 2019.
40 DUNGEE, P. M. I. Integrated marketing communications at Harlequin Entreprises: the marketing of happily
ever after. Dissertação (Mestrado) – Seton Hall University, 2003.
41 Desde 2010, grupos editoriais passaram a editar livros de romances sentimentais em formato trade (comer-
cial), vendidos em livrarias, sites e lojas de departamento. O livro trade nada mais é do que o formato
tradicional dos livros. A novidade está nas capas com design diferenciado, na melhora do acabamento dos
livros com o acréscimo de badanas, no papel de alta qualidade, e na utilização de muitas cores. As histórias
são, também, mais longas, assim, os livros têm mais páginas. Em suma, trata-se de uma estratégia ado-
tada pelas editoras para agregar valor ao livro. Além do seu conteúdo, a estética passa a ser um elemento
importante, um atrativo para uma nova experiência com o livro.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas37
44 Entenda-se por grupos editoriais tanto as editoras brasileiras que atuavam de forma independente, quanto as
estrangeiras que atuavam em parceiras com as nacionais, autorizando a tradução dos títulos que dispunham
em seus catálogos ou por meio de associações com as nacionais, criando selos editoriais em que ambas
detinham o controle.
45 ABREU, Márcia (org.). Romances em movimento: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914).
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2016.
46 ALMEIDA, Leandro Antônio de. Repercussão da expansão da ficção popular no Brasil dos anos 1930. Rev.
Hist., São Paulo, n. 173, p. 359-393, jul./dez. 2015.
40
47 Laurence Hallewell, também, aponta que um dos motivos pelo interesse do mercado editorial brasileiro
em publicar traduções, na época, estava na “esterilidade da vida cultural da nação sob o Estado Novo” e
pode-se acresentar a esse cenário a falta de investimentos em tecnologia no setor para o desenvolvimento
da produção impressa nacional. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 3. ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2017. p. 509.
48 ANDRADE, Roberta M. B.; SILVA, Erotilde et al. Um século de Romances de Amor: a trajetória da literatura
sentimental no Brasil (1920-2020). Editora Independently Published, 2020.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas41
de luxo e passa a ser objeto de consumo das classes médias brasileiras. Neste
contexto, o projeto literário desenvolvido pela Companhia Editora Nacional foi
responsável pela criação de um novo habitus literário. A ação editorial desta
empresa comprovou que a melhoria na distribuição do livro, a propaganda, a
renovação gráfica, a escolha dos escritores a serem editados conseguiam levar
o livro ao maior número possível de leitores, dadas as condições sociopolítico
econômicas do período49.
53 AMPARO, Patrícia Aparecida do. Sonhando acordada: um estudo sobre as práticas de leitura da coleção
de romances Clássicos Históricos. 2012. Dissertação (Mestrado em História da Educação) – Faculdade de
Educação da USP, São Paulo, 2012. p. 110-111.
54 MEIRELLES, Simone. Romances com o coração: leitura e edição de romances sentimentais no Brasil.
2008. 399 f. Tese (Doutorado em Letras) – Área de Estudos Literários, Setor de Ciências Humanas, Letras
e Artes – Universidade Federal do Paraná, 2008.
55 Op. cit.
44
seus títulos, principalmente os mais antigos, para essa nova versão, digitalizando-os
e os disponibilizando para aquisição em seus sites. A editora Harlequin Books, uma
das maiores no segmento de romances de amor, anunciou, em março de 2018, que
as coleções impressas de romances sentimentais, vendidas em bancas de revista,
sairiam de circulação, ficando disponíveis apenas na versão digital, vendidas no
site da editora. Essa nova postura da gigante do segmento adequa-se às mudanças
ocasionadas pela entrada do livro digital, em que as editoras sentiram uma grande
retração na venda de exemplares impressos. Ainda que os livros digitais não tenham
superado, em termos de comercialização, os livros impressos, houve uma baixa em
seu consumo, principalmente dos títulos reeditados.
Roberta Manuela Barros de Andrade e Erotilde Honório Silva consideram que
a popularização da internet é um dos fatores contemporâneos que influi sobre o
processo de readequação, por parte das editoras, ao diminuírem a oferta da versão
impressa dos romances de amor e aumentarem a oferta da versão digital. Além de
ser uma opção menos custosa para as editoras, isso também ocorre porque as leitoras
do segmento estão, cada vez mais, presentes no espaço virtual; desse modo, estão
estabelecendo novas práticas na difusão e leitura desses romances. Uma delas são os
blogs literários, em que as fãs do segmento digitalizam os romances em arquivos PDF
ou em editores de texto, como o Word, e os disponibilizam em suas páginas virtuais,
criadas justamente para essa finalidade. Segundo as sociólogas, os romances mais
procurados nesses blogs virtuais são os romances de banca da década de 1980-90,
que não são mais editados, mas que ainda são muito apreciados por fãs do gênero.
Essa ação, por parte das leitoras, caracteriza-se como pirataria, pois a digitalização
dos títulos e sua reprodução no espaço virtual para um número ilimitado de pessoas
recai em questões de direitos autorais, fazendo com que as editoras monitorem blogs
literários para tentar impedir a reprodução não autorizada. Para além dessas ques-
tões legais, destaca-se que as leitoras do segmento utilizam-se dos recursos digitais
atualmente disponíveis e da internet para lerem os romances de amor e, também,
compartilhá-los com outras leitoras. Nesse processo, leitoras passaram a fomentar o
surgimento de espaços virtuais para a troca constante de livros e informações sobre
suas preferências de leitura.
O surgimento dos livros digitais, também, é importante para se compreender as
transformações que ocorrem na produção contemporânea dos romances de amor, pois
59 ANDRADE, Roberta M. B.; SILVA, Erotilde et. al. Op. Cit., p. 314.
46
Das dez autoras, seis mencionaram seus ganhos mensais, que variam entre cinco e
dez salários-mínimos. Desse modo, pode-se inferir que as autoras pertencem a grupos
da classe média brasileira. Em resumo, as autoras são plurais, e suas manifestações
literárias podem expressar essa pluralidade. Nesse ponto, concorda-se com a inter-
pretação do historiador e crítico literário Frederico Coelho, quando este define que
“as literaturas contemporâneas no Brasil são muitas” e que, de certa forma, todas elas
são “fruto da multiplicidade de ideias e corpos de nosso país e culturas”60. A seguir,
passa-se a uma breve apresentação das autoras.
Amanda Bonnati tem 32 anos, declarou-se branca, é casada, reside no município
de Balneário de Piçarras, em Santa Catarina. Atualmente, trabalha como revisora de
textos e coaching literária. Tem um filho de 9 anos de idade. É Graduada em Peda-
gogia e Letras, e possui Pós-Graduação nas áreas de Supervisão Escolar e Revisão
de Textos. Iniciou sua trajetória no campo da literatura escrevendo poemas e contos.
Em 2013, começou a escrever prosa de ficção e iniciou a escrita do seu primeiro
romance, Lágrimas de Outono, lançado em 2016. Suas primeiras publicações foram
na plataforma online Wattpad. Atualmente, não tem mais publicado nesta ferramenta.
Ao total, a autora já publicou sete livros, tanto na forma impressa quanto digital.
Dentre suas publicações estão, S.O.S. Mamãe de Primeira Viagem (2015), Noite
Feliz: coletânea de contos, ambos autopublicação, Lágrimas de Outono (2016), Nas
Colinas de Dorsetshire (2018) Eleanor e as Cores do Amor (2020), lançados pela
Editora Coerência; O Bosque de Faias (2017) e o livro Um amor para Johan (2018),
publicados pela The Books. Em 2019, foi vencedora do prêmio Coerência Awards,
na categoria Melhor Livro com o romance Nas Colinas de Dorsetshire.
Carolina Santana Dias tem 23 anos, declarou-se parda, solteira, mora na zona
norte da cidade do Rio de Janeiro. Possui Graduação em Marketing e trabalha como
analista de marketing na editora em que lançou seus livros impressos. Não tem filhos,
reside com a família e enxerga a atividade de escritora como uma segunda profis-
são, a primeira seria na editora em que trabalha. Sempre gostou de escrever. Desde
nova, segundo seu relato, escrevia sobre as questões que permeavam o seu universo
na juventude: escola, garotos e amigas. Considera-se uma escritora iniciante, ainda
dando os primeiros passos no campo literário. Começou a escrever profissionalmente
em 2013, entretanto, já carrega uma bagagem significativa, possui mais de dez obras
publicadas, variando entre impressas e digitais, e já escreveu mais de 32 histórias.
Dentre suas publicações, constam romances, contos e antologias. É ativa nas redes
sociais online, mantém um perfil no Instagram em que faz postagens sobre seus
livros, suas personagens e as tramas que cria para seus enredos, além de ter um canal
no Youtube no qual fala sobre suas leituras, seus livros e a sua escrita. Assina suas
obras como Carol Dias. A autora publicou: Clichê (2016), Inversos (2017), Cuida
do Meu Coração (2018), Espere Por Mim (2018), Por favor (2019), Flor de Jade
(2019), Dona de Mim (2019), Nos Seus Olhos (2020), todas lançadas pela editora
60 Literatura e Identidade no Brasil. Frederico Coelho. São Paulo: Café Filosófico, 29 ago. 2019. Podcast.
Disponível em: http://gg.gg/wz56a. Acesso em: 20 nov. 2020.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas49
The Gift Box; Loves Is In The Air 2: Paris (2017), livro de ontologias lançado pela
Ler Editorial e 6 Paradas do Destino (2017).
Mariele Santos do Carmo Oliveira tem 21 anos, declarou-se negra, mora em
Belém, no Pará, junto com a família. É solteira e não tem filhos. Está cursando Letras
na universidade e realizando estágio na área. Sua relação com a literatura começou na
plataforma online Fanfiction.net, escrevendo Spin-off, histórias derivadas de outros
livros, normalmente com narrativas criadas para contar a história dos personagens
secundários e desenvolver tramas paralelas da história original. Começou a produzir
literatura em 2013. Após o sucesso com fanfics, recebeu um convite para publicar por
uma editora. Antes, porém, escreveu alguns capítulos de degustação na plataforma
online Wattpad. Desde então, tem se dedicado à atividade como escritora enquanto
segue seus estudos, mas mantendo o seu estágio como a principal atividade profissio-
nal que exerce. Assina como Mary Oliveira, o nome foi criado para separar a figura
da autora de sua individualidade. Dentre suas publicações estão a Duologia Trust, da
qual fazem parte os livros Intenso e Misterioso (2018) e Atraente e Perigoso (2018),
lançados pelo Grupo Editorial Coerência e, também, em plataformas online; Sexy e
Impulsivo (2018), a Duologia Blame, com os livros Italiano Espanhol volumes 1 e
2 (2019), Princesa Implacável (2019) e Srta. Wright (2020).
Paula Mara Toyneti dos Santos Benalia tem 31 anos, declarou-se branca e mora
na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. É casada, tem uma filha. Formada
em Psicologia, atua na área clínica e mantém esta atividade como sua principal pro-
fissão. Como as demais autoras, começou a escrever romances em uma plataforma
online por volta de 2015. Após o sucesso com suas histórias, recebeu convites para
publicação impressa. De lá para cá, não parou mais de escrever, conforme relatou,
gosta de escrever vários livros ao mesmo tempo. Assina suas obras como Paula
Toyneti Benalia. Entre suas publicações estão Coração de Diamante, a série O Dia
Em Que Te Amei e O Dia Em Que Te Toquei, Inexplicável Amor, todas publicadas
pela editora The Gift Box entre 2018 e 2019. A série O Doce Sabor da Vingança, O
Doce Sabor da Justiça e O Doce Sabor do Desejo, e o livro Por Um Amor Como dos
Livros, foram publicações online, lançadas entre 2017 e 2018. Publicou, ainda, contos
em uma coletânea junto com outras autoras, Loves Is In The Air 2: Paris (2017).
Debora Gimenez Gastaldo assina como Sue Hecker, começou a escrever com
uma amiga, por isso, criaram um pseudônimo associado às duas pessoas. Posterior-
mente, sua amiga acabou desistindo da atividade como escritora, e Debora Gimenez
assumiu o protagonismo da escrita e o nome Sue Hecker. Mora na cidade de Indaia-
tuba, interior de São Paulo, tem 45 anos de idade, declarou-se branca, é casada e tem
um filho adolescente. É formada em Pedagogia e trabalha como administradora de
uma grife de acessórios infantis da qual é proprietária junto com o marido. Desde
2013, também atua como escritora, mantendo as duas atividades simultaneamente.
Iniciou sua trajetória no campo literário em uma plataforma online, assim como a
grande maioria das autoras do seu segmento. Atingiu altos índices de vendagem e
leitura nas plataformas, tornando-se um sucesso imediato entre o público leitor femi-
nino. Fato que lhe rendeu contrato com o selo editorial Harlequin, do Grupo Editorial
HarperCollins. Seus livros são conhecidos como romances eróticos, por mesclarem
50
uma narrativa que apresenta enredos com histórias de amor e sedução. Dentre suas
publicações estão Prelúdio do Cinismo (2016), O Lado Bom de Ser Traída (2016),
Consequências (2016), Tutor (2016), Sr. G (2017), Eu, Ele e Sr. G (2017), Epílogo
(2017), Pertinácia (2018), A Fênix de Fabergé (2018), Caleidoscópio (2020), edi-
tora Harlequin. Também possui publicações em parceria com outros autores, como
Cassandra Gia e Danilo Barbosa.
Janaina Bragança Bittencourt assina com o nome de Nana Pauvolih, Nana é ape-
lido recebido de seus amigos e familiares, Pauvolih é o sobrenome de sua avó, Elisa
Pauvolih Bittencourt. Por escrever romances eróticos e trabalhar como professora,
não queria usar seu próprio sobrenome. Declarou-se branca, tem 45 anos, mora em
Niterói, no Rio de Janeiro, é casada e tem um filho adolescente. Trabalhou durante
17 anos como professora de História, nas redes pública e particular de ensino do Rio
de Janeiro. Desde 2013, deixou a carreira de docente e passou a se dedicar, em tempo
integral, à atividade de escritora. Iniciou sua trajetória com a escrita literária desde
cedo, sempre estimulada pelos livros que possuía em casa. Os primeiros romances
foram publicados nas plataformas online, ferramentas que a autora utiliza até hoje
para lançar seus livros, pois julga ser mais lucrativo do que publicar no formato
impresso e no modelo tradicional de contrato com as editoras. Entretanto, recebeu
muitos convites, por parte de editoras, para a publicação de seus livros impressos,
mesmo após o lançamento no formato digital nas plataformas online. É reconhecida
nacionalmente como escritora de romances eróticos e contemporâneos, sempre figu-
rando nas listas de livros mais vendidos da Amazon. No meio midiático, já concedeu
entrevistas a programas de rádio, sites e, recentemente, fechou contrato com uma
importante emissora de televisão brasileira para a adaptação de dois livros seus para
a TV. Possui mais de 30 livros publicados. Dentre suas publicações, destacam-se
Redenção e Submissão (2015), Redenção de Um Cafajeste (2015), Redenção Pelo
Amor (2016), lançadas pelo selo editorial Fábrica 231 da editora Rocco. Os livros
Pecadora (2017), Ferida (2018) e Duplamente Ferida (2019) foram lançados pela
editora Essência. Além desses, possui várias outras publicações.
Eliana Natividade Carlos tem 41 anos, declarou-se branca e lésbica. Reside
na região leste da cidade de São Paulo. É formada em Jornalismo, com mestrado
na área, solteira e não tem filhos. Tem predileção pela leitura de romances desde a
infância. Atualmente, escreve romances lésbicos, acredita que essa temática sempre
foi ausente na sua adolescência, na década de 1990, pois não encontrava livros que
abordavam esses temas. Assina suas obras com o nome de Karina Dias, diz não
gostar de seu nome. O pseudônimo surgiu de uma referência enquanto assistia a um
programa de televisão. Dentre suas obras estão Julia e Sara: Amor Entre Mulheres
(2015) e Sem Destino (2016), ambos pela Editora Metanóia; 10 Coisas Que Eu Odeio
Em Você (2019), De repente é amor (2019) e Irresistível (2020), pela Editora Vira
Letra; As Rosas e a Revolução (2019) e Aquele Dia Junto Ao Mar (2019), lançados
pela Editora Malagueta.
Kalie Mendez é um pseudônimo, a autora o utiliza porque escreve romances
eróticos e sente que existe preconceito em relação a esses livros, preconceito que
observa em seu próprio núcleo familiar e social. Por isso, prefere não revelar a sua
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas51
identidade. Suas leitoras a conhecem somente pelo nome Kalie Mendez. O nome,
inclusive, é inspirado na musa grega Calíope61. Tendo conhecimento sobre a história
da musa, usou-a como fonte de inspiração. O nome Kalie é uma derivação de Calíope,
que, na forma grega clássica, escreve-se com a letra K. Mendez, por sua vez, é o seu
próprio sobrenome, que ela preferiu manter na construção de sua identidade como
autora. Kalie Mendez diz que a referência à musa grega se deu pelo fato de conside-
rá-la, conforme a mitologia explica, “muito sábia”, portanto, procurou associar seu
nome de autora a esta divindade, na tentativa de ser, em suas palavras, “agraciada
pela musa”. A autora tem 29 anos, é solteira, mora na cidade de Salvador, na Bahia, é
formada em Administração e possui especialização em Marketing. Dedica-se somente
à atividade como escritora. Publicou todos os seus livros de forma independente na
plataforma da Amazon. Dentre suas publicações estão: A Compra, O Advogado:
Amores Proibidos, O Diretor, lançados em (2018); O Chefe, Fazenda Ávila, Marcos:
Você Fugiria Desse Gato? Ela é Uma Anja e a Trilogia Descobrindo os Prazeres,
lançados em 2019; O Melhor Amigo do Meu Pai e O Marido Ideal, lançados em
2020, além de outras publicações.
Silvia Spadonni tem 65 anos, declarou-se branca, é casada, mora na cidade
de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. É formada em Direito pela USP, com
mestrado não concluído na área. É aposentada e, atualmente, dedica-se somente à
atividade como escritora. Para ela, escrever nesse momento de sua vida é um projeto
pessoal. Ainda quando trabalhava, pensava que em um momento mais tranquilo de
sua vida iria se dedicar à escrita, algo que sempre teve vontade de fazer, porém não
dispunha de tempo. Tem três filhos e um neto. Assina suas obras com o seu próprio
nome. Tem predileção pela escrita de romances de época. Dentre suas publicações,
destacam-se: Um Amor Inesperado (2013), Um Amor Apaixonado (2015), Um Amor
Conquistado (2015), O Castigo de Lady Evelyn (2019), Laya, A Princesa dos Meus
Sonhos (2019), Ventos do Amor (2020) e Magia de Natal (2020), todos autopublicação
61 Calíope, do grego clássico Καλλιόπη, significa “bela voz”, é a primeira das musas e, também, é tida como
a mais sábia. O poeta grego Hesíodo, que viveu por volta de 800 a.C., ao descrever a musa, diz que ela
possui uma coroa de ouro sobre sua cabeça, o que representaria a sua supremacia entre as demais. Dentre
os símbolos que carrega estão o pergaminho, a tábua de escrever e o estilete da escrita. As representações
artísticas desta musa retratam-na como uma donzela de ar majestoso, coroada, sentada em atitude de
meditação, por vezes, tendo, próximo de si, a Ilíada e a Odisseia, poemas épicos de autoria atribuída ao
poeta grego Homero (séculos IX e VIII a.C.), e Eneida, do poeta romano Virgílio (70 a.C. – 19 a.C.), que
chegou a citá-la em sua obra. Por outras, é retratada com um rolo de pergaminho em uma mão, contendo
um poema épico, e na outra, segurando uma pena ou uma trombeta. Segundo a mitologia, Calíope detém
o conhecimento sobre o passado e sabe o que ocorrerá no futuro, por isso, era constantemente invocada
pelos aedos, poetas gregos, assim como Homero, para inspirar na criação de seus próprios poemas. Na
Grécia arcaica, os poemas eram verdadeiras epopeias, narravam acontecimentos memoráveis sobre batalhas
e guerreiros, eram cantados e acompanhados ao som do instrumento lira. As invocações à musa Calíope
ocorriam para que ela auxiliasse aqueles que se aventuravam na arte de narrar histórias, conduzindo-os
ao encontro das palavras, pois a musa tem, entre suas virtudes, o dom de expressar-se com desenvoltura
e a habilidade de persuadir com a palavra, por isso, a “bela voz” que encanta os ouvintes com sua clareza
e precisão. KRAUSZ, Luis S. As Musas: poesia e divindade na Grécia Arcaica. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2007.
52
online pela plataforma Amazon; O Que Toca O Coração (2018), Um Beijo Sob As
Estrelas (2019), lançados pela Qualis Editora.
Tamires Alexandrino Barcellos tem 22 anos, declarou-se parda, mora na Baixada
Fluminense, no Rio de Janeiro, é solteira e não tem filhos. Também se dedica apenas
à atividade como escritora. É formada em Letras. Sempre gostou de ler romances
e passou a escrever fanfics logo na adolescência. Sentiu a necessidade de escrever
suas próprias histórias. Escreve romances contemporâneos e eróticos. Assina suas
obras com seu próprio nome. Suas publicações são todas independentes, também,
pela plataforma Amazon. Dentre elas, destacam-se: O Astro Pornô e O Filho do Astro
(2015); A Redenção do Rei, Doce Amor, Conquiste-me: a história de Christopher e
Olivia, De Repente, Você e Meu Amor, (2016); Não Me Ame, Completamente Meu, O
Natal da Família Andrigheto Domaschescky e A Pianista, (2017); A Voz do Silêncio,
(2018); Rage e A Morte de Um Solteirão, (2019); Thomas e Nina, Todas As Suas
Cores e À Sua Espera, (2020).
As entrevistas com as autoras ocorreram todas no período noturno, nos momen-
tos em que elas informaram, por meio de mensagens trocadas pelo celular antecipa-
damente, estarem “livres” para poderem “falar à vontade”, isto é, sem pessoas por
perto e desimpedidas de outras atribuições. Quando sinalizavam sobre esses momen-
tos oportunos, foram chamadas por videoconferência e se iniciavam as entrevistas.
Todas as autoras solicitaram que fosse enviado o roteiro das questões previamente,
desejavam saber sobre o que seriam questionadas, o que foi feito; portanto, sabiam
de antemão, sobre os assuntos que seriam falados. Após explicar nosso propósito com
as entrevistas, informar sobre gravação e posterior transcrição de suas falas, dava-se
início a sequência de perguntas do roteiro. Depois de falarem um pouco de si, como
forma de apresentação pessoal, realizaram-se as perguntas e permitiu-se que falassem
desimpedidamente, elaborando seu próprio raciocínio, tecendo suas considerações e
percepções. Desse modo, foi acessado o imaginário das autoras com a descrição de
seu universo criativo e de suas práticas ao fazerem literatura.
UM ROMANCE COMO INSPIRAÇÃO
Teve aquela onda dos “50 Tons de Cinza”, aí, comecei a procurar grupos no
Facebook para trocar figurinhas, falar sobre o livro e conhecer novos livros,
enfim. Acabei conhecendo o WattPad, vi o trabalho de algumas autoras nacionais
que postavam seus livros lá. Eu, sempre, tive vontade de escrever, só que eu não
sabia nem como, e me questionava como eu escreveria e como eu publicaria um
livro. Eu tinha as histórias na minha mente, mas nunca as coloquei no papel (Sue
Hecker, 2018).
62 Cinquenta Tons de Cinza chega a 100 000 exemplares no Brasil. Veja. 11 ago. 2012. Cultura. Disponível
em: http://gg.gg/vgur4. Acesso em: 20 jul. 2021.
54
63 JAMISON, Anne. Fic: Porque a fanfiction está dominando o mundo. Rio de Janeiro: Editora Anfiteatro, 2017.
64 SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Magali, De M. Delly e a Triologia Cinquenta Tons de Cinza: uma análise
da literatura de massa para as mulheres. Revista Catalão, v. 17, n. 1, p. 99-120, jan./jun. 2017. Disponível
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas55
os têm motivado para isso são as múltiplas narrativas das quais se apropriam, como
filmes, séries e livros, além de outras, tendo-as como referência para comporem suas
próprias narrativas. Houve momentos em que alunos interrompiam a explicação de
um fato histórico durante a aula para dizerem: “professor espere um pouco, eu preciso
anotar esse acontecimento, pois isso dá uma boa fanfic”.
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, em sua famosa conferência
TED TALK, O Perigo de Uma Única História (2009), aproximando-se de suas con-
siderações finais, menciona o caso de uma leitora que, após ler um de seus romances,
encontrou-a em um evento literário, elogiou-a pela história que escrevera e, logo em
seguida, disse-lhe como deveria ser a continuação, detalhando o que aconteceria e
como as personagens iriam agir. Chimamanda considera, e aqui se concorda com a
sua interpretação, que há o desejo, em muitas pessoas, de contar histórias, criar suas
próprias narrativas, construir personagens e enredos e, assim, poderem participar/
fazer literatura.
Esse, certamente, não é um elemento novo, algo específico do século XXI, ao
contrário, se forem observadas conjunturas passadas, provavelmente, encontrar-se-ão
vários exemplos como esse, de indivíduos ou grupos que ansiavam por escrever, bas-
tando apenas o meio/recurso para tal. Trata-se, somente, de um aspecto que, no tempo
presente, intensifica-se e se evidencia a partir das novas possibilidades e facilidades
advindas da cultura digital, pois é possível que os novos recursos tecnológicos estejam
promovendo o deslocamento da produção literária de agentes culturais específicos
para um maior número de pessoas, permitindo o aparecimento de novos autores e
de novas formas de escrita.
É nesse contexto que muitas autoras brasileiras que escrevem romances de amor
na atualidade tem o seu início na cena literária. Começam em plataformas online,
publicando de maneira independente, possivelmente influenciadas por bestsellers de
romancistas como Sthephenie Meyer, E. L. James, Júlia Quinn, Jojo Moyes, Marian
Keyes, e, posteriormente, tornam-se conhecidas pelo público apreciador do gênero. Ao
menos, é assim que as autoras entrevistadas começaram suas trajetórias, de maneira
bem semelhante a essa, escrevendo romances inspiradas por outros romances.
PLATAFORMAS DE
PUBLICAÇÃO ONLINE
Plataformas de publicação online são ferramentas digitais que estão disponíveis
em sites na internet ou em aplicativos (apps) que podem ser baixados em aparelhos
eletrônicos como smartphones, computadores, notebooks ou tablets. Por meio dessas
ferramentas, é possível publicar textos de qualquer natureza. Em sua maioria, são
gratuitas, o que as torna acessível para muitas pessoas. Além da possibilidade da
publicação online, todas oferecem outros serviços, porém alguns são pagos, às vezes,
em moeda estrangeira, como a elaboração da arte (capa e design do livro), revisão,
edição, diagramação e, também, a opção de publicação na versão impressa. Cada
plataforma possui sua especificidade quanto às condições de publicação, porém, todas
elas têm, como característica principal, a publicação do livro no formato digital, o
chamado e-book65, para serem lidos em suportes eletrônicos.
Quando se perguntou às autoras como começaram a escrever romances, foram
unânimes ao dizerem que iniciaram em plataformas de publicação online. O Wat-
tpad foi a primeira plataforma utilizada pela maioria delas, aliás, este é um ponto
em comum entre quase todas, pois essa plataforma marca o começo de suas traje-
tórias como escritoras, entre 2013 e 2015, conforme se recordam. Período em que
a plataforma, de origem canadense, expandiu-se, tornando-se acessível para mais
de 70 países66. No Brasil, especificamente, o Wattpad inaugurou a era da chamada
autopublicação online.
A plataforma foi criada pelos engenheiros canadenses Ivan Yuen e Allen Lau.
Inicialmente, foi pensada com o propósito de ser um programa de leitura móvel
para aqueles que não dispunham de muito tempo para ler e desejavam um manuseio
rápido e prático da sua leitura. Desenvolveram como um programa para smartpho-
nes, e, posteriormente, elaboraram uma versão para a web67, podendo ser acessada,
também, por computadores. Após um rápido cadastro, a pessoa torna-se um usuário
da plataforma e pode iniciar a leitura de textos publicados por outros usuários ou
a escrita e publicação de seus próprios textos, tendo assim, a possibilidade de ser,
tanto leitor quanto autor.
65 Este formato do livro pode ser lido em computadores, smartphones, tablets ou nos dispositivos conhecidos
como e-readers (leitor eletrônico). Estes aparelhos são produzidos especificamente para a leitura de livros
digitais e utilizam de uma tecnologia que simula, com precisão no display do aparelho, a leitura em papel.
Entre os e-readers disponíveis no mercado brasileiro, destacam-se o Kindle, da Amazon, o Kobo Reader, e
o Lev, lançado pela Saraiva. O livro digital é uma nova forma de apresentação do texto e deve ser observado
tendo em consideração as transformações tecnológicas que ocorreram nas últimas décadas.
66 ARRUDA, Anderson Matheus Alves; SILVA, Caroline de Oliveira; ANDRADE, Robéria de Lourdes de Vas-
concelos. “Aplicativo de Autopublicação: o Wattpad”. Ci. Inf. Ver., Maceió, v. 1, n. 3, p. 3-10, set./dez. 2014.
Disponível em: http://gg.gg/o4k08. Acesso em: 3 out. 2020.
67 Expressão abreviada do termo World Wide Web (rede mundial de computadores), utilizada pelos usuários
em referência à rede, que designa um sistema de hipermídia que são interligados e executados na internet.
58
Até 2010, eu só escrevia poemas e contos. Após essa data, eu comecei a escrever
narrativas e prosas, e comecei a escrever meu primeiro livro, que foi Lágrimas de
Outono. Comecei escrevendo no Wattpad, em 2014, mais ou menos, os primeiros
romances nasceram lá. Hoje, eu não publico mais nessa plataforma, mas a usei
muito no começo (Amanda Bonatti, 2019).
68 ARRUDA, Anderson Matheus Alves; SILVA, Caroline de Oliveira; ANDRADE, Robéria de Lourdes de Vas-
concelos. “Aplicativo de Autopublicação: o Wattpad”. Ci. Inf. Ver. Maceió, v. 1, n. 3, p. 3-10, set./dez. 2014.
Disponível em: http://gg.gg/o4k08. Acesso em: 3 out. 2020.
69 VIRGINIO, Rennam; NICOLAU, Marcos. “A autopublicação de livros digitais no Brasil: novas perspectivas
para autores independentes”. Revista Eletrônica de Ciências: Veredas Favip, ano 10, v. 7, n. 1, p. 93-107,
2014. Disponível em: http://gg.gg/mh51l. Acesso em: 3 out. 2020.
70 SANTOS, Luiza Carolina. Quando a leitura encontra a escrita: uma análise das relações estabelecidas na
comunidade de ficção científica da plataforma Wattpad. 2015. Dissertação (Mestrado em Comunicação
Social) – PUC/RS, Porto Alegre, 2015.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas59
71 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras,
2010. p. 109-110.
60
72 CHIEREGATTI, Amanda Aparecida. Mídium e gestão dos espaços canônico e associado nas plataformas
colaborativas Wattpad e Widbook. 2018. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Centro de Educação e
Ciências Humanas da UFSCAR, São Carlos, 2018.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas61
seria o sentido textual. Sobre essa, de acordo com o historiador, “o texto eletrônico,
tal qual o conhecemos, é um texto móvel, maleável, aberto”. Isso permite que o leitor
possa intervir em seu conteúdo, em suas palavras, “pode descolar, recortar, estender,
recompor as unidades textuais das quais se apodera”. Nessa relação, desconfigura-se
a ideia de que a autoria de um texto deve ser atribuída ao nome de um autor, pois o
texto está constantemente sendo reelaborado por um mecanismo que possibilita a
escrita coletiva, passando a ser “múltipla e polifônica”.
Nesse sentido, Chartier acredita que a conjuntura digital do presente, que se
estenderá para o futuro, fornece duas formas de publicação: “a que permite a produção
de textos abertos, maleáveis e gratuitos, e a que resultará de um trabalho editorial [...]
que fixará e fechará os textos publicados para o mercado”. Sendo assim, o compu-
tador, smartphones e tablets, conectados à internet, são a primeira; e o e-book, que
não permite a modificação interna do texto, a segunda73.
Acrescenta-se que a relação estabelecida entre leitores e autores nessas platafor-
mas de construção coletiva de um texto deve ser pensada, também, pelos acordos que
são previamente estabelecidos, entre autores e a própria plataforma, e, entre autores
e leitores. No Wattpad, por exemplo, quando os autores publicam suas histórias,
concordam com a política de direitos autorais adotada pela ferramenta. Nesse caso,
o Wattpad utiliza o Digital Millenium Copyright Act, conhecida como DMCA (Lei
dos Direitos Autorais do Milênio Digital), uma lei norte-americana sobre os direitos
autorais na internet aprovada em 1998. Essa lei amplia o alcance dos direitos do
autor, incluindo o espaço virtual, e limita as responsabilidades dos prestadores de
serviços online. Atribuindo as infrações de plágio e reprodução dos conteúdos ali
reunidos sem prévia autorização de seus respectivos autores à responsabilidade dos
usuários, cabendo à plataforma, apenas, o papel de retirar da rede os conteúdos que
assim forem denunciados.
A relação autores e leitores, por sua vez, são as práticas que conformam os
usos dessas plataformas pelos usuários, que não se configuram como práticas esta-
belecidas em decorrência de um ordenamento jurídico, mas sim, pelo vínculo que
se constrói nesse espaço virtual, de afinidades, interesses e compartilhamentos, de
um tipo de narrativa. No caso das autoras entrevistadas, ainda que as histórias não
estejam finalizadas, e aos poucos elas vão publicando os capítulos, acompanhando
as reações e os comentários das leitoras para, posteriormente, darem continuidade à
narrativa, as sugestões, as observações e os palpites das leitoras são tomados como
horizonte de escrita, mas não necessariamente como criadores dela. As interferências
das leitoras servem para as autoras repensarem as histórias e, em algumas situações,
reorganizarem-nas, mas, “normalmente, durante o processo de escrita, assim, eu até
escuto as leitoras, porém procuro seguir exatamente aquilo que planejei” (Amanda
Bonatti). E escutar as leitoras tem por principal objetivo, “saber se eu estou conse-
guindo atingir o que eu quero, se eu estou conseguindo passar o recado que eu quero”
(Silvia Spadoni).
73 CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Tradução: Fúlvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora Unesp,
2002. p. 11-32.
62
74 O Blog surgiu ao final da década de 1990, tem a função de um diário online. É um espaço virtual onde o
usuário pode registrar, de maneira cronológica, o que bem desejar. Por meio dele, teve início a atitude de
“postar” (menção a publicar em rede) pensamentos, relatos de experiências, diário de atividades e concepções
de toda a sorte de posicionamentos sobre os mais variados temas.
75 CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. Tradução: George Schlesinger. São Paulo: Editora
Unesp, 2014. p. 22.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas63
1990, questionava se não seria esse o “leitor futuro”76, lendo de maneiras diferentes e
em suportes diferentes. Com base na leitura do tempo corrente e, mediante o exposto,
é possível responder à pergunta do historiador e dizer que sim, este é, não somente
o novo leitor, mas também, o novo autor(a).
Aprofundando sua análise sobre o Wattpad, Chieregatti, também, propõe repen-
sar a noção de autor dentro da plataforma. Para a pesquisadora, o termo que melhor
define a ação daqueles que publicam as histórias seria “usuário-autor”. Em suas
observações, considera que autor é aquele que originalmente e, somente, cria. Ela
não nega que exista um processo de desenvolvimento intelectual e inédito por parte
dos escritores, e que as histórias que elaboram são concebidas a partir da capacidade
inventiva de cada um. Contudo, em seu entendimento, há um aspecto a mais a ser
considerado na publicação dos textos na plataforma. Esse aspecto resulta no acréscimo
do termo usuário antes da palavra autor que, em sua percepção, seria a expressão que
melhor define a condição dos que publicam na plataforma.
Devido à necessidade de cadastro, em que a pessoa precisa registrar o seu correio
eletrônico pessoal (e-mail), informar alguns dados pessoais e criar um perfil para a
sua visualização pública na plataforma, tornando-se assim um usuário, isso gera a
interpretação de que a ação de publicar textos nesse espaço virtual está condicionada
à construção de uma identidade (existência) enquanto usuário, ou seja, uma espécie
de acesso que confere a autorização para a publicação, o que estabeleceria, de acordo
com a pesquisadora, a noção de usuário-autor. E o mesmo ocorre com os leitores que,
em sua análise, devem ser interpretados, também, como “usuário-leitor”77.
Tomando as considerações e concepções relatadas pelas autoras entrevistadas,
o Wattpad é visto por elas como um mecanismo de realização, pois lhes permite
publicar de forma independente e gratuita. E as histórias que criam são colocadas
na plataforma como um livro, não no sentido físico e, portanto, material, mas sim-
bólico, em que cada história representa o nascimento de um livro. É o que suas falas
expressaram: “em 2015, foi quando eu conheci a plataforma do WattPad, que é onde
a gente publica as histórias online, foi onde eu decidi publicar meu primeiro livro”
(Tamires Barcellos). “No Wattpad, você pode publicar o livro inteiro ou somente par-
tes dele” (Nana Pauvolih). “[...] quando eu estava postando partes do livro Advogado
no Wattpad” (Kalie Mendez). Assim, em conformidade com suas interpretações e
buscando compreender a maneira como reconhecem as histórias que ali publicam,
pode-se dizer que, em suas experiências, quando usam o Wattpad, fazem-no na inten-
ção de publicarem livros. O Wattpad possibilitou uma abertura para a entrada delas
em um espaço virtual de cunho literário, franqueando o acesso à publicação de suas
histórias. E esta não é uma particularidade das autoras aqui entrevistadas. Em seus
relatos, evidenciaram que a utilização do Wattpad como ferramenta de publicação
primária das histórias é uma prática comum entre as autoras nacionais que escrevem
76 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução: Reginaldo de Moraes. São Paulo:
Editora UNESP, 1999. p. 95.
77 CHIEREGATTI, Amanda Aparecida. Mídium e gestão dos espaços canônico e associado nas plataformas
colaborativas Wattpad e Widbook. 2018. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Centro de Educação e
Ciências Humanas da UFSCAR, São Carlos, 2018. p. 83-85.
64
romances de amor, principalmente entre aquelas que estão em início de carreira, que
desejam ter visibilidade e, assim, dispõem da ferramenta como um facilitador.
Outra plataforma de publicação online muito utilizada pelas autoras é o KDP,
que será denominado, de agora em diante, como Amazon, por ser a forma como as
autoras fazem referência a essa plataforma, “publico na Amazon”. Apesar das histó-
rias serem criadas no KDP, é no site da Amazon que elas são disponibilizadas para
as leitoras, fazendo com que as autoras associem o site da empresa como o meio que
contém e veicula as histórias.
Essa se difere do Wattpad em alguns aspectos, mas, é semelhante no quesito
da gratuidade para a publicação, na facilidade em realizá-la e na autonomia que pro-
porciona às autoras. Sobre as diferenças, após o envio do texto no aplicativo, em até
48 horas, é disponibilizado o texto em formato de livro digital (e-Pub) e possibilita,
ainda, que o autor possa vendê-lo no site, cujo preço de capa é estabelecido pelo
próprio autor. Dessa forma, a plataforma viabiliza a obtenção de ganhos financeiros
de um modo direto.
A Amazon é uma empresa norte-americana que domina o mercado mundial do
e-commerce, vendendo produtos de vários segmentos na internet, incluindo livros.
Visando o mercado editorial, a empresa criou a plataforma KDP, somente na versão
web, possibilitando aos autores, de forma independente, editarem e publicarem seus
livros no formato digital. Existe, também, a opção pela publicação impressa, porém
esta é cobrada em dólar americano.
Os livros digitais produzidos na ferramenta, posteriormente, são comercializa-
dos no site da Amazon e podem ser lidos em diferentes suportes eletrônicos, como
computadores, tablets e smartphones, sendo necessário baixar o aplicativo Kindle,
um e-reader (leitor eletrônico) desenvolvido pela própria empresa para a leitura de
livros digitais, ou comprá-lo na versão física. No Kindle, podem ser lidos todos os
livros digitais por ela vendidos, tanto os publicados na própria plataforma da empresa,
quanto os livros digitais publicados por outras editoras e por ela comercializados.
Nana Pauvolih, que muito utiliza essa plataforma, explica essa condição e como
ela é utilizada por grande parte das autoras do seu segmento literário:
Na Amazon, você coloca o livro, você estipula o preço que quiser. Se você for
autor exclusivo da Amazon, não publicar em nenhuma outra plataforma, você
ganha 70% das vendas do e-book. Então, vale à pena, para o autor, é bem legal.
Um e-book você coloca lá R$10,00 e você ganha R$7,00 por cada e-book vendido.
Você monta a sua capa. Às vezes, você não fez a revisão do livro, os próprios
leitores vão denunciando, na plataforma, as necessidades de revisão. A Amazon
nos envia um e-mail alertando as alterações que devem ser feitas. Se não fizer, o
livro pode, até, ficar bloqueado para visualização dos leitores. É bem legal. Hoje,
é um meio bem legal para os autores, muitos estão surgindo assim, conseguindo
destaque pela Amazon. Há rankings, você pode ficar em primeiro lugar ou entre
os 20 primeiros (Nana Pauvolih, 2019).
Se publicarem exclusivamente pela Amazon, recebem 70% do valor por elas estipu-
lado. Caso publiquem o mesmo livro em outras plataformas, recebem 35% do valor.
Existe, também, a opção de ganharem uma porcentagem sobre o número de
páginas lidas. Essa possibilidade está disponível para as autoras que publicam no
Kindleunlimited, versão que permite às leitoras alugarem uma quantidade de títulos
mensais da Amazon, mediante o pagamento de uma assinatura mensal, no valor de
R$ 19,90. Tamires Barcellos mencionou essa questão ao descrever as formas de
pagamento da Amazon:
A Amazon tem duas formas de pagamento. Você pode receber uma porcentagem
em cima da unidade vendida, ela deixa você receber até 70%. E você, também,
pode receber por páginas lidas, que é quando você escreve o seu e-book no Kin-
dleunlimited, que é um programa que eles têm, para quem é leitor paga R$ 19,90
por mês e pode baixar uma quantidade de e-books ilimitadas. Eles deixam baixar
até dez e-books por vez, mas você pode devolver e baixar outros pelo tempo que
você quiser. E a gente ganha em cima das páginas lidas por quem baixa o livro
pelo Kindleunlimited. Então, a gente tem duas formas de receber dinheiro pela
Amazon (Tamires Barcellos, 2020).
78 Internacional Standard Book Number (ISBN); um sistema internacional de identificação e catalogação dos
livros que gera um padrão numérico que confere identidade ao livro. No Brasil, o órgão responsável por
esse registro é a Agência Brasileira do ISBN, que atua como um braço da Câmara Brasileira do Livro (CBL)
regulamentando esses registros. Assim, todo livro, seja ele impresso ou digital, requer o seu ISBN.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas67
a elas tanto escreverem suas histórias, quanto pensar em sua forma de apresentação
para as leitoras. E os recursos digitais disponíveis na internet têm contribuído com
esse trabalho.
Não se pode encerrar essa discussão sobre as plataformas de publicação online
sem ter em consideração que são reflexos do desenvolvimento e da popularização da
internet nas últimas décadas. Segundo o historiador Peter Burke, dos anos de 1990
até a primeira década do século XXI, “fronteiras entre a realidade e a realidade vir-
tual” foram ultrapassadas. O mundo da comunicação passou por mudanças em que
as tradicionais mídias até então conhecidas, como os livros, os jornais, o rádio e a
televisão, passaram a convergir com a internet, movendo-se espontaneamente para se
adequarem ao uso constante, pelas pessoas, de ferramentas online com a finalidade
de “se conectarem e obterem informações, educação, entretenimento, apoio, ideias,
produtos e poder de barganha entre si”79.
A internet, sistema global de computadores interligados, é, sem dúvidas, um
fenômeno de grande impacto na sociedade contemporânea. Manuel Castells, ao
final da década de 1990, assinalava que as sociedades estavam vivendo “a cultura
da virtualidade real”, o que, em suas palavras, seria “um sistema em que a própria
realidade é inteiramente captada, totalmente imersa em uma composição de imagens
virtuais no mundo do faz de conta, no qual as aparências não apenas se encontram
na tela comunicadora da experiência, mas se transformam na experiência” 80. Era o
nascimento da Sociedade em Rede, expressão que intitulou a obra do autor, publicada
originalmente em 1996.
A partir daquele momento, as tecnologias da informação e da comunicação não
pararam mais de avançar e seus efeitos, nos dias de hoje, não notórios. Se, desde o
final de 1990, “a internet, e sua variada gama de aplicações, é a base da comunicação
em nossas vidas, para trabalho, conexões pessoais, informações, entretenimento,
serviços públicos, política e religião”81, atualmente, esse cenário intensificou-se. O
uso corrente da internet e de suas aplicações delineou, ainda mais, a experiência de
ser, pertencer e agir em sociedade. A internet criou um novo espaço, o virtual, e a sua
popularização possibilitou o aparecimento de novas formas de sociabilidade, como
define Pierre Lévy, o ciberespaço e a cibercultura82. Desse modo, o cenário que se
descortina na contemporaneidade, mediante o uso de computadores e da internet,
é o da possibilidade de se realizarem inúmeras tarefas em um ambiente virtual que
propicia diferentes recursos de criação, informação e comunicação.
Esse espaço virtual é o local em que a produção literária das autoras é cons-
tituída, pois ali seus escritos são divulgados e, posteriormente, apropriados pelas
leitoras do segmento. A própria concepção que elas possuem de si como autoras se
dá a partir do momento em que publicam nas plataformas e permitem, às leitoras,
entrarem em contato com seus escritos.
79 BURKE, Peter; ASA, Briggs. Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet. Tradução: Maria Carmelita
Pádua Dias. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. p. 356.
80 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2013. p. 459.
81 Ibidem, p. 11.
82 LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução: Carlos Irineu da Costa. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 17.
PROCESSOS DE ESCRITA
Criar, seja qual for a natureza da criação, é sempre uma operação mental que
requer o uso da própria imaginação articulada às habilidades e competências daquele
que cria. A criação é a ação de mobilizar todo o repertório de conhecimentos adquiri-
dos, das técnicas observadas e testadas e das experiências vividas. Tudo isso é levado
para o campo do concreto e utilizado para materializar e, porque não dizer, “dar vida”
ao que fora imaginado. A esta ação, soma-se, ainda, a capacidade de inventividade e
a inteligibilidade daqueles que criam, características essas que são tão humanas e tão
necessárias a qualquer processo de criação. Esses elementos são presentes entre as
autoras quando estão envolvidas com a criação de uma nova história, que resultará no
lançamento de um novo livro, um romance, com suas variações de estilo e temática.
Sempre que se dedicam a escrever algo novo, passam por um momento de
criação, fabulação e idealização, em que seus cognitivos são estimulados a expressar,
por escrito, tudo aquilo que imaginaram para a história que estão desenvolvendo.
A partir daí, dão início ao que definem como um “processo”, que, na maioria das
vezes, dá-se de forma sistematizada, mas por outras vezes, também, ocorre de modo
aleatório, sem qualquer ordenamento prévio.
O que definem como um “processo” nada mais é do que o planejamento do
que pretendem escrever. Inicialmente, anotam em um caderno as personagens que
criaram, as características físicas e psicológicas de cada uma; qual será o enredo; os
conflitos e tensões que comporão a trama; o lugar em que a história irá se passar e
por onde as personagens irão transitar; os aspectos que julgam mais relevantes para
a história. Fazem pesquisas em livros e sites e estabelecem a primeira ideia de um
desfecho, que, normalmente, muda ao longo do processo criativo, mas serve como
horizonte para a escrita. É assim que criam e organizam a sua escrita.
Estão constantemente envolvidas com a criação literária. Entre as tarefas do dia
a dia, reservam um momento em que possam, em suas palavras, “sentar e escrever”.
Consideram a escrita como uma atividade profissional, em específico para Kalie
Mendez, Nana Pauvolih e Tamires Barcellos que, atualmente, mantêm seus modos
de subsistência exclusivamente da atividade que desenvolvem como escritoras. As
demais, além de trabalharem neste campo, exercem outras atividades profissionais em
diferentes áreas, e tentam manter a escrita de romances como uma atividade paralela.
As histórias que escrevem têm, como temática principal, o ideal de amor român-
tico, além de outras questões; e os heróis e as heroínas que criam em suas histórias
são personagens que, em suas percepções, “carregam uma mistura entre fantasia
e realidade”. A fantasia é, sem dúvida, parte da imaginação e da criatividade que
possuem para escrever. E a carga de realidade que mencionam, certamente, vem da
leitura que fazem de si, do outro e do mundo. Para as autoras, a criação de uma his-
tória ocorre sempre com o surgimento de uma ideia que emerge, de acordo com suas
percepções, de forma esporádica, sem qualquer pretensão de criarem algo naquele
momento. Para elas, simplesmente acontece e, a partir desse acontecimento, começam
a pensar em todos os elementos que farão parte daquela história.
70
Geralmente, eu tenho a ideia e eu anoto a ideia que eu tive, porque, como eu tenho
outra profissão além de ser escritora, eu não tenho dedicação total a escrita. Então,
sempre tenho medo de acabar perdendo a ideia, ou esquecendo alguma ideia se
eu não anotar (Carol Dias, 2018).
[...] me surgiu uma ideia, em um sábado à noite, e eu fiquei muito animada. Ini-
cialmente, a ideia me pareceu muito clichê, então, fiquei pensando em uma forma
de deixar o enredo mais interessante (Mary Oliveira, 2019).
Sempre surgem ideias. Então, eu tenho uma agenda onde eu coloco minhas ideias,
qual será a temática do livro, detalhes bem básicos (Kalie Mendez, 2020).
Pode-se dizer que seus romances são o resultado daquilo que, inicialmente,
imaginaram como uma história possível de ser contada, e que, posteriormente, expres-
saram por meio da escrita. Ao descrever como criou algumas de suas histórias, como
a que construiu para o livro O Nome da Rosa (1980), Umberto Eco denominou
esse momento de “ideias seminais”83, porém, atualizaremos esse termo para “ideias
ovulares”, pois como define Carla Cristina Garcia, pesquisadora dos estudos sobre
gênero e professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC-SP, a palavra
seminal, por mais que tenha sentido de criação, motivação de ideias e inspiração, está
etimologicamente ligada à palavra sêmen, isto é, a um elemento biológico exclusi-
vamente masculino. A palavra ovular, por sua vez, remete a um processo biológico
exclusivamente feminino. Portanto, como nos referimos a criações literárias feitas
por mulheres, o termo “ideias ovulares” traduz melhor essa experiência. E o que isso
quer dizer? São quando imagens surgem na mente de forma automática e, ao que se
nota num primeiro momento, não possui relação com qualquer outra coisa. Porém,
mais adiante, descobre-se que, na verdade, trata-se de uma imagem que ficou guar-
dada no inconsciente e que, por algum motivo que nunca é evidente, ganha sentido
a ponto de se tornar material para a escrita. As primeiras ideias são, portanto, a porta
de entrada para toda a narrativa que se constrói em suas mentes e, aos poucos, vai
sendo materializada na escrita que vão desenvolvendo.
Para elas, as personagens se “apresentam”, surgem em suas mentes, “eu costumo
falar que eu não crio os personagens, eles aparecem para mim” (Tamires Barcellos).
83 ECO, Umberto. Confissões de um romancista. Tradução: Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2018.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas71
Todavia, essa apresentação das personagens não é involuntária. Numa análise mais
objetiva de seus relatos, nota-se que há sempre um insight que estimula suas imagi-
nações. Algum elemento com o qual tiveram contato em um determinado momento,
e que, posteriormente, vislumbrou-se de forma nítida em seus pensamentos para
que pudessem tomar como inspiração e iniciar a escrita. Esse elemento vem tanto
do campo midiático do qual se apropriam quanto da esfera social que observam e
usam como impulso criativo, “quando alguma inspiração vem, geralmente é uma
cena específica que está em minha mente, sabe? (Tamires Barcellos).
As maneiras como constroem as histórias são específicas de cada autora. Algu-
mas seguem um planejamento, em que detalham cada etapa a ser cumprida e procuram
manter este ordenamento para o bom desenvolvimento da história e da sua própria
lógica de organização, para que não se percam entre os muitos detalhes das tramas
e das personagens. Outras fazem o oposto, apenas se deixam levar pelas “ideais que
surgem” e escrevem.
A primeira coisa que eu faço, quando eu tenho uma ideia, é sentar e escrever. E,
quando eu acho que é a hora de trabalhar naquele livro, eu costumo pegar aquela
ideia que eu tive e fazer um resumo com começo, meio e fim, do que eu quero
para aquela história. A história vai começar assim, vai se passar em tal lugar,
e o meio da história é o seguinte, vou anotando tudo, e termina de tal forma.
Depois, eu pego esse resumo e separo em capítulos, não que isso seja uma coisa
rígida e que eu não possa mudar com o tempo, mas é uma forma de me facilitar.
E eu me pergunto: dessa história, o que eu preciso saber para produzi-la? Por
exemplo, eu vou falar sobre uma doença que a protagonista tem, aí, eu começo
a pesquisar mais sobre a doença. Ou, então, eu vou falar sobre policiais, assim,
preciso saber como é a rotina de um policial, vou pesquisar sobre o assunto. Eu
pego essas coisas e, aí, eu monto um planejamento. Gosto de fazer, também, um
resumo dos personagens. Qual a idade, características, coisas que eles gostam de
fazer. Alguns detalhes que eu gosto de anotar ali, porque, se não, a gente acaba
se perdendo. E isso evita que eu deixe furos na história. Por exemplo, quando eu
comecei a escrever, eu não fazia isso. Às vezes, eu colocava que o personagem
usava óculos e, quando chegava ao final da história, ele não tinha óculos, ou eu
esquecia que ele tinha um cachorro. Isso já aconteceu algumas vezes, então, para
me facilitar e eu não ter essa dificuldade e furos na história, eu acabo, sempre,
fazendo esse resumo dos personagens; pois, sempre que eu preciso, eu vou lá e
confirmo alguma informação para que a história flua mais facilmente. E aí, depois
disso, é rotina de todo dia escrever um pouquinho (Carol Dias, 2018).
Como eu faço? Aí, eu sento, penso bastante sobre a história e os personagens, crio
uma ficha para cada personagem. Gosto muito de fazer isso e, até hoje, eu tenho
mantido. Gosto de ter um caderno específico para cada livro, e, nesse caderno, eu
vou e anoto como eu acho que serão os personagens, gostos e tudo sobre ele. Faço,
também, uma pesquisa dentro do tema que estou abordando, pois isso abre mais,
também, o meu horizonte de escrita. E, por fim, eu sento e escrevo. E, quando
isso acontece, a história já começa a fluir e, aí, vai fácil (Nana Pauvolih, 2019).
72
Nessa parte, eu sou organizada, sempre surgem ideias. Então, eu tenho uma agenda
onde eu coloco minhas ideias, qual será a temática do livro, detalhes bem básicos.
Quando eu termino de escrever o livro, eu volto a essa agenda e penso no próximo
romance ou, às vezes, acontece de vir uma ideia nova que nunca foi anotada. Isso
é um processo, de todo o planejamento do livro, às vezes do primeiro capítulo ao
final. Eu vou colocando em tópicos tudo o que terá em cada capítulo. Mas tem
momentos que o personagem ele fica tão vivo, que acaba mudando a história
e acrescentando uma coisa aqui e acolá. Mas assim, eu planejo todo o livro, o
começo, o meio e o final. Tudo o que vai acontecer, a problemática do livro, a
resolução, os personagens principais, a personalidade, a profissão, características.
A partir daí, vem a segunda parte de pesquisa. Se o personagem for engenheiro, eu
vou pesquisar sobre o mundo da engenharia, para enriquecer o personagem, não
ficar aquela coisa pobrezinha; se for médica, aí é bem mais fácil, eu já trabalhei em
hospital, então, eu consigo acrescentar algumas coisas a partir da minha vivência
na área, bem próximo da realidade (Kalie Mendez, 2020).
Eu não tenho uma rotina para escrever. Eu escrevo um livro, daqui a pouco, eu
tenho outra ideia e começo a escrever outro livro; assim, vou escrevendo três,
quatro livros ao mesmo tempo. Então, eu não tenho organização e não tenho
rotina para escrever. Minha forma de escrever é, totalmente, desorganizada. É
assim que eu me acho e consigo me organizar, dessa forma desorganizada (Paula
Toyneti Benalia, 2018).
Eu preciso estar em silêncio, isso é a única coisa, estar quieta, sozinha, eu fico
imersa naquele momento, eu entro na história e as coisas vão fluindo. Eu não tenho
esquema, por exemplo, vou escrever tanto, em tal página vai acontecer isso, não,
as coisas realmente vão acontecendo sem planejamento (Silvia Spadoni, 2020).
O planejamento, quando ocorre, serve como uma espécie de roteiro que dire-
ciona todo o processo criativo das autoras “quando eu começo a pensar em um tema,
eu já vou roteirizando alguns pontos” (Karina Dias). “Eu faço um tipo de um mini
roteiro, mas nada muito detalhado” (Amanda Bonatti). Em sequência, começam a
anotar tudo o que imaginam para as personagens e para a composição do enredo.
Essas anotações são mantidas sempre em um caderno que, posteriormente, acabam
guardando, seja como recordação de uma de suas criações literárias, ou, como pos-
terior material de consulta para outros livros. Mas este processo objetivo não é igual
para todas, como relataram Paula Toyneti Benalia e Silvia Spadoni. Da mesma forma
ocorre com Tamires Barcellos, ela prefere manter tudo em sua mente e passa para o
computador somente quando a história está completamente idealizada.
Os momentos que se dedicam para escrever, também, são distintos e se con-
figuram como um ponto importante em seus relatos, pois se pode notar o espaço
que a produção literária ocupa em suas vidas. Nem todas as autoras vivem dos
livros que escrevem. Grande parte delas, precisamente sete dentre o total das dez
autoras entrevistadas, mantém sua fonte de renda de outras atividades profissionais.
Isso, certamente, faz com que o tempo que dispõem para escreverem seja reduzido,
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas73
correspondente aos momentos em que estão livres de outras tarefas e podem, então,
concentrarem-se no que irão escrever.
Eu procuro escrever todos os dias, eu determino 2 horas todos os dias. Pode ser
de manhã, à tarde, ou à noite, depende da minha disponibilidade com a minha
empresa, porque, hoje, a minha maior fonte de renda é a minha empresa, então,
eu a priorizo. A escrita é a minha distração, é o meu momento de terapia, um
momento em que eu relaxo no dia (Sue Hecker, 2018).
Como, hoje, eu vivo da minha escrita, sou uma escritora mesmo, pois, antigamente,
eu trabalhava dando aula. Então, eu trabalhava, chegava, cuidava de filho, de casa,
e toda aquela rotina que a gente faz. E, só quando parava à noite, é o momento que
eu tinha para escrever. Eu tirava um tempo para escrever. Hoje em dia não. Desde
2013, que eu só trabalho como escritora mesmo. Então, eu me organizo assim:
geralmente, de manhã, é o horário que eu tenho para organizar minhas coisas em
casa, cuidar de tudo, fazer academia, ver as coisas da escola do meu filho. Tudo
isso. Eu tiro as manhãs para resolver essas coisas. E, às tardes, eu escrevo, sento
e escrevo. Claro, tem uma tarde ou outra que não dá por algum motivo, mas, no
geral, eu escrevo à tarde. Às vezes, também, escrevo a noite quando eu estou com
alguma história forte na cabeça que eu preciso escrever, ou quando tenho um
prazo para entregar; aí, eu vou à noite, ou até mesmo, de manhã. Mas, em geral,
é à tarde que eu escrevo. É uma rotina, já, de trabalho (Nana Pauvolih, 2019).
Quando eu tenho mais tempo, escrevo mais. Eu tento, sempre, escrever todo
dia. Quando o trabalho não permite, aí, eu não escrevo aquele dia, mas eu tento
escrever todo dia e criar uma rotina até o final do livro. E, quando eu termino
aquela primeira versão do livro, eu tento não ficar revisando enquanto eu escrevo.
Eu escrevo de uma vez e, aí, quando eu chego no final, eu volto a história inteira,
vou reformulando diálogos, vou consertando buracos que eu deixei pela história,
e esse tipo de coisa (Carol Dias, 2018).
livros. E, por mais que seus objetivos não se voltem para o ganho monetário, mas
sim, para o prazer pessoal de escrever, conclui que, “o meu foco não é o resultado
financeiro, muito embora ninguém goste de trabalhar sem ver o retorno financeiro.
E publicar custa muito caro”.
A escrita ocupa duas dimensões em suas vidas, uma na esfera individual e outra
na pública, respectivamente. A primeira corresponde ao momento particular em que
estão criando as histórias, quando se acomodam em um espaço físico, normalmente
sozinhas, em que focalizam suas atenções e emoções e se empenham em redigir os
pormenores que idealizaram. É um momento específico para cada autora, reservado,
em que elas podem manifestar todos os seus pensamentos, no recôndito de suas
intimidades, sem maiores interferências, pois “quando você está em um núcleo de
escrita, eu procuro não me distrair, eu foco naquilo até terminar” (Sue Hecker). A
segunda seria quando a escrita está terminada, a história foi criada e a sua narração em
forma de texto está pronta. Nesse momento, o texto é submetido a revisões. Quando
publicado por uma editora, ainda passa por um processo de edição, até que, por fim,
chega às leitoras na forma digital ou impressa. A partir daí, seus escritos tornam-se
públicos, passam a circular e serem lidos, e a esfera coletiva ganha importância, pois
se torna o espaço de difusão e apropriação de tudo o que escreveram.
Aqui, faça-se um parêntese, o historiador Roger Chartier propõe algumas consi-
derações importantes para se pensar a criação textual e a produção do livro. Em seus
estudos sobre a história do livro e da leitura, ele adverte que a escrita de um texto
não caracteriza, de imediato, a existência de um livro. O autor, quando escreve, não
se ocupa dos aspectos que comporão a forma do livro. Sua intenção primeira é a de
produzir um texto que dê conta dos elementos semânticos que traduza em palavras
as ideias que deseja transmitir.
O campo de visibilidade do autor é a construção do seu pensamento em uma
forma textual lógica e ordenada que possibilite, ao leitor imaginado, acompanhar o
seu raciocínio e formulações. No momento da escrita, o autor até pode estabelecer,
no entendimento de Chartier, os protocolos da leitura84, organizando seu texto em
partes, acrescentando comentários e sugerindo ao leitor a sequência ideal para a
leitura do texto. Ainda assim, o que ele produzirá é um texto. O livro em si nasce
posteriormente, após um processo técnico de revisão e de edição feito por agentes
intermediários que darão as características que o definem enquanto objeto em um
suporte material específico.
Após a escrita, o texto é submetido ao processo de edição. Nesse momento,
ele passa por correções, adequações, supressão, organização em capítulos, além
dos aspectos estéticos, como a diagramação, a escolha da capa, o tipo de papel e a
qualidade da impressão. A figura do editor tem papel central nessa etapa, pois é ele
quem dará ao texto do autor outra configuração, transformando-o, ao término desse
processo, em um livro, objeto material, comercializado por editoras e livrarias e
adquirido pelos leitores. No caso das autoras, algumas realizam integralmente essas
etapas quando publicam de forma independente em plataformas online. Partindo da
84 CHARTIER, R. (org.). Práticas de leitura. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 2011.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas75
explicação de Emanuel Kant sobre o que é um livro, Chartier estabelece que a sua
natureza seja dual, sendo material e discursiva. Material no sentido de ser um objeto
que nasce de um processo mecanizado e se torna a posse de um indivíduo. Discursiva
porque carrega o enunciado do autor, que é posto em circulação na sociedade por
aqueles que são autorizados pelo autor (editor/editora). Nessa perspectiva, “autores
não escrevem livros, nem sequer seus próprios livros. Livros, sejam manuscritos ou
impressos [atualmente há também os digitais], sempre são resultados de múltiplas
operações que supõem uma ampla variedade de decisões, técnicas e habilidades”85.
Isto posto, não se pode deixar de mencionar o que seus relatos sobre os momen-
tos de escrita, também, demonstram a respeito de suas tarefas diárias. Quando Nana
Pauvolih menciona “eu trabalhava, chegava, cuidava de filho, de casa, e toda aquela
rotina que a gente faz”, está se referindo, de forma consciente ou não, a uma questão
social e cultural, características das sociedades com heranças patriarcais em que,
determinadas funções, essencialmente as de caráter doméstico, são atribuídas às
mulheres. Após cumprir uma jornada de trabalho externa e ir para casa, ainda preci-
sava realizar os afazeres domésticos, com toda a carga de trabalho que daí demanda
e, “só quando parava à noite, é o momento que eu tinha para escrever”. A escrita,
portanto, ficava em último plano, relegada a um curto espaço de tempo em que con-
seguia criar, certamente com algumas limitações, em decorrência do cansaço físico
e psicológico que poderia ter.
Este cenário parece não ter mudado por completo, pois, mesmo depois de
encerrar sua atividade profissional como docente e conseguir se dedicar somente ao
trabalho como escritora, tendo mais tempo livre para tal, ainda assim, “eu me orga-
nizo assim: geralmente, de manhã, é o horário que eu tenho para organizar minhas
coisas em casa, cuidar de tudo, fazer academia, ver as coisas da escola do meu filho.
Tudo isso”. Portanto, a demanda doméstica continua presente entre suas tarefas.
Quando relata o cotidiano da sua prática de escrita, Kalie Mendez menciona a mesma
condição, “tem os afazeres de dentro de casa também [...] você tem que fazer tudo
e depois, ainda, se dedicar à escrita”.
Não se afirma que o fato de cuidarem da administração e organização da casa
seja uma condição imposta a elas ou mesmo que exerça impacto restritamente nega-
tivo em seus escritos. As autoras apenas mencionaram essa questão ao descreverem
suas rotinas de escrita e demonstraram que, junto a ela, também se inserem outras
tarefas que precisam desempenhar. Contudo, ao trazer essas considerações para uma
dimensão histórica sobre a condição das mulheres no campo literário, numa perspec-
tiva temporal, nota-se que sempre houve barreiras a serem superadas por elas para
que pudessem participar do universo da escrita. E, dentre essas barreiras, estavam
as limitações impostas pela vida doméstica86.
85 CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. Tradução: George Schlesinger. São Paulo: Editora
Unesp, 2014. p. 38.
86 Para um aprofundamento sobre esta questão, consultar os seguintes trabalhos: DUARTE, Constância Lima.
A História literária das mulheres, um caso a pensar. Resumo. n/c. PDF. Publicado. 2017-10-26. Edição. v. 3
(1998). Disponível em: http://gg.gg/m6pt3. Acesso em: 15 set. 2020; TELLES, Norma. Encantações: escritoras
76
De acordo com o que fora expresso em suas falas, a principal atividade profis-
sional que exercem – isso para aquelas que têm outra profissão além de escritoras – é
o que mais concorre com a questão da disponibilidade de tempo para escreverem. O
que, também, indica a característica multifacetada das autoras. Ao longo das entre-
vistas, ficou explícito o quanto são dinâmicas e versáteis nas diferentes funções que
exercem. Não se restringem a desempenhar um único papel em suas vidas. Tanto na
esfera particular quanto na pública, ocupam espaços de relevância, como mulheres,
escritoras, profissionais atuantes no mercado de trabalho, mães e parceiras de seus
companheiros. Decerto, todas essas posições que ocupam contribuem significativa-
mente para os seus processos de escrita e servem como base criativa. Se, por um lado,
a escrita tem um espaço delimitado em suas rotinas, por outro, ela é enriquecida com
essas múltiplas experiências.
A gama de atividades das quais se encarregam faz com que enxerguem a escrita
como um momento de “distração”, “divertimento” e “relaxamento”. O mesmo prazer
que dizem sentir quando estão lendo, reconhecem-no quando estão escrevendo. Na
ocasião em que se distanciam das exigências do dia a dia e podem “sentar e escre-
ver”, consideram que este é um instante só seu, em que conseguem abstrair qualquer
problema e se entreter com a dinâmica de seus escritos. Muito provavelmente, por ser
este o momento em que suas percepções e emoções mais íntimas são manifestadas,
na construção das histórias, devem sentir um mix de sensações. Não é à toa que,
quando possível, deixam de lado qualquer outra atividade, “[...] eu abro mão de tudo
para escrever, porque me dá prazer” (Silvia Spadoni).
Outra etapa significativa mencionada por elas na construção das histórias são
as pesquisas que realizam para escreverem. Em grande parte, fazem-nas em sites, em
livros ou mesmo em conversas que têm com profissionais de alguma área que estejam
abordando. A pesquisa fundamenta a escrita que desenvolvem, as personagens são
apresentadas num determinado tempo e espaço, desempenham funções, expressam
valores e crenças. Desse modo, as autoras precisam buscar o máximo de informações
para compor esse quadro literário da forma mais fidedigna possível, “eu demoro
muito no planejamento, eu me demoro muito a ponto de ser bem perfeccionista,
como eu disse, se o mocinho da história é engenheiro, então, eu vou pesquisar todos
os detalhes para compor a história, cenário, lugares” (Kaile Mendez). Essa é uma
parte imprescindível para todas elas, “meu processo de criação é assim: eu tenho
e imaginação literária no Brasil, século XIX. São Paulo: Intermeios, 2012; WOOLF, Virginia. Profissões para
as mulheres e outros artigos feministas. Porto Alegre, RS: L&PM, 2019.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas77
uma ideia, vou pesquisar sobre o assunto e, então, começo a desenvolver a história”
(Mary Oliveira).
As pesquisas ajudam na tratativa dos temas que abordam. A partir delas, conse-
guem discorrer com maior fluidez e domínio sobre os aspectos que objetivam expor.
Servem, também, para expandir o horizonte de escrita das autoras, pois, conforme
relataram, passam a ter uma visão ampla sobre a temática que desenvolvem, trazendo,
para o interior das histórias, questões de forma mais aprofundada e para além da
narrativa sobre um par romântico.
Eu procuro, sempre, trazer alguma coisa que possa ser discutido, que faça ques-
tionar, dialogar. Eu já abordei vários temas, como o da artrite reumatóide, que
foi bem legal, pois é uma doença que muita gente não conhece, que acha que só
dá em idoso. E, aí, nessa parte, eu faço pesquisas, falo com médicos, converso
com pessoas que têm a doença. Em “Pecadora”, eu trabalhei mais o fanatismo
religioso, a pessoa que é criada no meio de uma repressão muito grande. Então,
assim, o que eu quero passar para o leitor é, sempre, que ele se identifique, que
ele goste e que ele pense sobre o assunto que estou abordando naquele livro (Nana
Pauvolih, 2019).
No livro “O Tutor”, eu abordei a questão do toc, pois era uma questão que foi
muito presente na minha vida. Então, fui estudar e conhecer a doença para saber
como era lidar com ela. Assim, que aprendi muito e, desse aprendizado, nasceu o
personagem. No livro “O Senhor G.”, eu abordei o abuso doméstico, porque, um
dia, eu estava assistindo uma matéria e achei interessantíssimo, comecei a pesqui-
sar sobre aquilo e vi que era uma questão super presente; e que abuso doméstico
acontece com mulheres e homens. Então, as coisas acontecem assim. Geralmente,
eu vou buscar tudo o que eu tenho de informação na web, e me preparo para a
construção dos personagens (Sue Hecker, 2018).
Eu, por exemplo, escrevo romances de época que eu perco horas pesquisando,
às vezes, o nome de uma rua, uma data, um evento. Eu vou ao local, eu olho,
examino, é um romance com historinha de amor com 60, 70 mil palavras? É!
Mas eu vou conseguir inserir, ali dentro, um monte de informações. Meus perso-
nagens sempre fazem referência a algum outro livro da época, eles sempre lêem
alguma coisa. Então, eu vou citar “Pamela” [Tom Jones], num livro, “As Viagens
de Gulliver” [Jonathan Swift] no outro, e assim eu vou citando livros da época
(Silvia Spadoni, 2020).
gostam de se ver naquela personagem, gostam de ver que, também, acontece assim
comigo, que é igual a minha vida” (Carol Dias). As pesquisas são relevantes para as
autoras, tanto pela necessidade de obterem as informações primordiais para contex-
tualizarem a época sobre a qual escrevem, quanto para delinear o comportamento
de suas personagens, construindo uma perspectiva realista e, assim, conseguirem
acrescentá-las nas histórias: “eu tento, sempre, fazer com que o personagem tenha o
máximo de coisas da realidade possível” (Carol Dias).
Amanda Bonatti, Paula Toyneti Benalia e Silva Spadoni escrevem romances
de época e são as que mais trazem elementos históricos em suas criações e as que
mais pontuaram, durante as entrevistas, sobre a necessidade de se realizar pesqui-
sas, fazer muitas leituras, pois, de acordo com elas, “narrar histórias que se passam
em séculos passados requer saber mais sobre outros tempos e sociedades” (Silvia
Spadoni). Mesmo que seus romances não sejam históricos, o que lhes permite “certa
liberdade de criar um pouquinho para cá, um pouquinho para lá” (Silvia Spadoni),
elas admitem terem um compromisso com o tempo que retratam. Quererem narrar
como de fato acontecia, como as pesquisas que fazem lhes mostram, “[...] sempre
tomo muito cuidado em não fugir das limitações de período e de época. As minhas
mocinhas não vivem a frente do seu tempo, eu sou muito assim, preocupada em como
eu vou colocar a personagem de acordo com a época, então, preciso pesquisar” (Silvia
Spadoni). Por isso, quando narraram suas memórias sobre seus processos de escrita,
enfatizaram a questão das pesquisas como condição essencial.
Salienta-se que os momentos de criação das histórias ocorrem, totalmente, por
motivação pessoal das autoras, não há uma demanda por parte das editoras para que
escrevam. E, mesmo quando publicam de forma independente, não seguem nenhum
cronograma com prazos pré-estabelecidos para o lançamento de novos títulos. Exceto
quando estão escrevendo uma série (trilogia ou dulogia). Neste caso, procuram manter
um ritmo de escrita mais rápido para que as leitoras não fiquem sem a continuidade
daquela história por muito tempo.
Todo o processo criativo se dá pela espontaneidade de determinados momen-
tos do cotidiano, que elas creditam ao seu estímulo pessoal, “eu, sempre, procuro
escrever aquilo que eu estou com vontade e quando quero. Sobre aquilo que está me
chamando, pois, assim, a escrita vai muito mais fácil” (Nana Pauvolih). Isso permite
a elas maior espaço de tempo e certa tranquilidade para escreverem, “eu só escrevo
quanto estou com vontade” (Silvia Spadoni).
Esta liberdade para criar apenas quando se sentem estimuladas faz com que se
vejam livres para irem construindo as histórias num ritmo marcado pela disposição
emocional e pela disponibilidade temporal em que se encontram. Sendo assim, seus
processos de escrita não obedecem à lógica tradicional do mercado editorial, que
anseia por lançar novos títulos em um curto espaço de tempo, na expectativa de
aumentar o consumo de livros entre os leitores87.
87 THOMPSON, John B. Mercadores de cultura: o mercado editorial no século XXI. Tradução: Alzira Allegro.
São Paulo: Editora Unesp, 2013.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas79
Cada autora tem a autonomia de estabelecer suas próprias regras para o lança-
mento de um novo livro, seja por uma editora ou de forma independente, e isso lhes
dá total condição para seguirem no seu próprio tempo.
Totalmente por vontade pessoal. O meu contrato com a editora prevê o seguinte:
ela tem direito a publicar os personagens do universo daquele livro, então, por
exemplo, esse personagem que eu vou escrever cuja história se passa na Irlanda,
é o garoto de um livro anterior, “Um Beijo Sob As Estrelas”, que é um órfão, e
agora eu vou contar a história dele. Então, eu tenho um compromisso com a editora
que esse universo pertence a ela. Mas ela não me pede, não me cobra, ela espera,
porque, a minha criação é muito intuitiva. Então, se eu for trabalhar com muito
prazo, muito compromisso, com uma coisa encomendada, não vai ficar uma coisa
de qualidade, não vai ficar bom. O meu compromisso é esse, este universo é dela
e eu devo publicar um livro por ano para que saia na Bienal, de São Paulo e do
Rio de Janeiro, embora meu contrato seja livro a livro. Eu imaginei esse primeiro,
publiquei na Bienal do Rio, e eu tenho ideia para mais dois personagens desse
livro, vou contar essas histórias, formando um triângulo, uma trilogia, mas ela
não me cobra, será no meu tempo (Silvia Spadoni, 2020).
Sue Hecker publica grande parte de seus livros com uma editora e já passou
pela situação de ter uma data pré-estabelecida para o lançamento de um livro e, por
esse motivo, precisava encerrar a escrita da história num prazo definido pela editora,
porém, viu-se com dificuldades para finalizá-la. Ainda assim, manteve a sua vontade
pessoal, apresentou o texto final à editora somente quando entendeu que o que tinha
para contar estava pronto, na forma em que desejava e com o sentido que imaginou.
Eu tinha uma obra para entregar à editora agora em julho [2018], porém, eu não
estava preparada para finalizar aquela obra. Eu estou abordando a história de
rejeição de uma mãe para com a sua filha, e eu achei que a história, ainda, não
80
estava pronta. Eu não quero que as leitoras vejam a personagem como má, eu
quero que elas vejam como uma pessoa que agia de tal maneira em decorrência
das situações que ela viveu. Então, eu, ainda, precisava trabalhar a história e não
entreguei para editora ainda, estou trabalhando nisso. Por mais que a editora me
cobre que tem data, eu não estava preparada, não quero que as leitoras leiam um
trabalho meu que eu escrevi porque tinha um prazo para entregar. Então, eu uso
muito do meu senso crítico, daquilo que eu penso, daquilo que eu acredito. É algo
muito pessoal meu, eu tenho que ler o capítulo, relê-lo, ver se ele está como eu
quero para finalizar (Sue Hecker, 2018).
A escrita por motivação pessoal ocorre tanto entre as autoras que exercem
outras atividades profissionais, quanto entre aquelas que se dedicam unicamente à
escrita. Mesmo para essas que dispõem de mais tempo, é somente quando se sentem
motivadas para escreverem que se dedicam a tal. Como demonstrado anteriormente,
é preciso que haja uma nova ideia, alguma fonte de inspiração, algo que estimule suas
imaginações a criarem. E, como bem narraram, não é algo que se possa programar,
acontece inesperadamente, nos momentos mais aleatórios do cotidiano. Essa pode
ser a característica que mais exprime seus momentos de escrita, pois suas motivações
pessoais estão atreladas aos seus sentimentos. Sendo assim, esta é a exemplificação
de que, aquilo que escrevem, é possivelmente o que sentem e desejam transmitir:
“[...] tenho que gostar do que eu escrevo, tenho que ter emoção, sentir” (Sue Hecker).
Há que se considerar que a trajetória das autoras iniciou de forma independente
nas plataformas online. O sucesso que alcançaram junto às leitoras foi resultado de
suas iniciativas particulares quando decidiram começar a escrever romances. Nesse
sentido, sempre tiveram a escrita como um momento a parte de suas rotinas, um
momento de realização de um desejo pessoal e não de uma demanda profissional.
Talvez, por isso, percebam a escrita como algo inteiramente ligado à vontade pes-
soal de escreverem e não como um trabalho estipulado pelas editoras, até porque,
em suas experiências, as editoras vieram somente depois. As autoras que possuem
contratos com editoras optaram por essa via de publicação, mas ela não é a única,
pois na maioria das vezes, preferem, inicialmente, publicar em plataformas online
e, posteriormente, com as editoras. Sobre isso, devem-se destacar duas questões. A
primeira é que as autoras atuam em duas dimensões, uma na qual assumem o prota-
gonismo na produção, edição e difusão de seus romances, quando atuam de forma
totalmente independente em plataformas online. A segunda seria quando publicam
com as editoras. Nesses momentos, assumem o papel, apenas, de escritoras, pois
todo o processo de edição e as decisões em torno da produção e comercialização dos
livros torna-se responsabilidade das editoras, deixando as autoras numa posição mais
passiva. Inclusive, esse cenário dual, é uma das características atuais do mercado
de romances de amor, ora projetado e conduzido pelas autoras do segmento, ora
pelas editoras que cooptam essas autoras para seus catálogos e conduzem o processo
de publicação.
Ao selarem acordos de publicação com as autoras, as editoras permitem certa
flexibilidade quanto aos prazos de lançamento, certamente, porque, no interior do
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas81
segmento, há diversas autoras com títulos prontos para serem avaliados e, talvez,
publicados. As plataformas online tornaram-se um celeiro de autoras para as edito-
ras. Ali, conseguem novos títulos, muitas vezes já com a garantia de sucesso entre
o público leitor, indicados pelos rankings das próprias plataformas. Por isso, não
devem estabelecer certa rigorosidade nos prazos para as autoras, deixando-as pro-
duzirem em seu próprio ritmo. Possivelmente, as editoras encaixem as autoras em
seu planejamento de lançamentos e, em situações em que alguma autora não consiga
finalizar a obra no prazo estipulado, elas, certamente, dispõem de outras autoras e
títulos previamente escolhidos para ocupar esse lugar, como um dos relatos indica.
Nós temos prazos, isso a gente costuma ter sim. Agora, estou assinando contrato
dos livros que serão publicados no ano que vem [2019] e, para 2020, nós estamos
acertando prazos. Então, por exemplo, eu tenho que escrever dois livros para o
ano que vem e a gente já está acertando para 2020; mas, assim, eles não têm
certa questão de exigência se eu não concluir eles reagendam (Paula Toyneti
Benalia, 2018).
Tem muitas coisas que acabam surgindo de vivências minhas. Não tem como,
né? a gente acaba misturando algumas coisas. Tem gente que fala assim: “Nossa,
esse personagem tem muito de você, Paula”. Porque não tem como, você escreve,
você acaba misturando algumas coisas. De vivência de outras pessoas, eu cos-
tumo não misturar, pois eu acho que as pessoas têm muitas coisas que são só
delas. Então, assim, de amigos, pessoas próximas, às vezes, eu acabo usando
algumas características de personagens. Eu acabo, até mesmo, fazendo algumas
homenagens, mas não costumo colocar a vivência de outras pessoas não (Paula
Toyneti Benalia, 2018).
A vida que me inspira e alguns temas atuais da sociedade, é bem a vivência, sabe?
(Kalie Mendez, 2020).
As vivências que mais se recordam são aquelas baseadas nas observações que
fizeram sobre pessoas, momentos e lugares. Nana Pauvolih relata que chegou a
escrever um romance inteiro a partir de uma cena do cotidiano que observou.
No começo desse ano [2018], eu fui à Lapa (Rio de Janeiro), um bairro mais boê-
mio e tal. Fui lá, estava me divertindo em um bar e, na hora que fui ao banheiro,
eu subi umas escadas; estava tendo um show numa área aberta, e eu vi um casal
bem novinho, deveriam ter uns 18 anos. Eles aparentavam estar bem apaixonados.
Aquela cena me chamou muito a atenção, eu fiquei disfarçando e tal, observando o
84
casal e, ali, por incrível que pareça, começou a vir uma história na minha cabeça.
De um casal que se conhece muito novo, ainda na escola, e que se apaixona na
adolescência; que tem tudo para dar certo, mas acontece uma tragédia. E a história
veio com tudo na minha cabeça, eu já fiquei com aquilo guardado, sabendo que
seria uma história para escrever e, no dia seguinte, já comecei a escrever o livro
“Recomeços”. Então, o livro foi todo baseado naquele casal que eu vi naquela
noite. Eu sou muito observadora, então, muitas coisas que me falam, e que eu
vejo e sinto, me servem de material para a construção das histórias. Me desperta
alguma coisa e, quando me desperta, eu vou e faço (Nana Pauvolih, 2018).
88 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 3. ed., 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2014. p. 45.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas85
para que desenvolvesse seu enredo, compondo as ações individuais das personagens
mediante as circunstâncias coletivas daquela temporalidade e espacialidade.
Sua memória sobre como pensou a construção dessa história, a partir de sua
vivência pessoal, demonstra como as ideias ovulares surgem, são elaboradas e ganham
forma. Além de seu ímpeto criativo, também está presente todo o processo de estudo,
pesquisa, leitura, bagagem cultural, discussões, reflexões e observações que possa ter
feito em diferentes momentos. Ao olhar para o referido jardim, na cidade de Dublin, e
idealizar a personagem feminina de sua história, Silvia Spadoni já estava imbuída de
uma série de representações acerca daquele lugar e de sua gente. Já havia se apropriado
de um conjunto de narrativas sobre o passado remoto da Irlanda e, em sua mente,
encontrava-se um terreno fértil para que as ideias sobre aquele tema germinassem,
bastando, apenas, que a sua sensibilidade aflorasse a ponto de conseguir expressar,
primeiro em sua imaginação, e depois por escrito, o que intuiu diante daquele lugar.
Sobre as recordações que as autoras trouxeram acerca das observações que fizeram
de situações do cotidiano e como elas as inspiraram em seus momentos de criação,
cabe destacar que o conjunto de memórias que possuem sobre leituras que realizaram,
filmes e séries que assistiram, lugares e pessoas que conheceram, enfim, todos esses
elementos, operando em suas múltiplas linguagens e sentidos, estão contidos em suas
subjetividades e se manifestam em seus pensamentos; possivelmente, quando elas
percebem um referencial concreto, normalmente, naquilo que observaram ou tiveram
como experiência pessoal, possibilitando, assim, a rememoração e a emergência de
ideias. “No livro O Chefe, que conta uma história de assédio moral, a mocinha traba-
lha em uma ouvidoria, assim como eu já trabalhei [...]. Então, assim, as personagens
também nascem da minha vivência, de tudo o que eu já vivi, já ouvi” (Kalie Mendez).
O que compreendem como vivência, também, carrega um tanto de suas sensibi-
lidades, pois é necessário ter um olhar sensível sobre os outros e sobre o mundo para
que consigam traduzir, em palavras, os sentimentos, as ações e os acontecimentos que
observam. Parte do que narram em suas histórias são experiências e situações suas
ou de outras pessoas que, de certa forma, sensibilizaram-nas, fosse por algo bom e
alegre, ou mesmo difícil e triste. Quando traduzem a leitura que fazem da realidade
para o escrito, vertem para o texto, também, aspectos da condição humana com toda
a carga de complexidade que possa existir.
Eu observei, com o livro Advogado, que muitas meninas viviam situações pare-
cidas com a da Carla [personagem do livro. Na sinopse é apresentada como uma
moça pobre que vive sozinha desde o falecimento de sua mãe e trabalha como
empregada doméstica, sofrendo muitos abusos e humilhações de seus patrões]. Eu
não tinha muita noção disso, antes eu não tinha tantas leitoras que me relatassem.
Com este livro, que foi muito lido gratuitamente por conta do Wattpad, alcancei
muitas empregadas, elas relataram que passavam por situações semelhantes em
seus trabalhos. Então, esse feedback me deixou com um senso de responsabilidade
muito grande, pois eu percebi que muitas das minhas mocinhas representavam
as minhas leitoras. No livro “Diretor”, foi a mesma coisa, a mocinha se vira nos
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas87
trinta para conseguir realizar os sonhos dela. Muitas leitoras vieram me dizer
que também passavam por aquilo, que vendiam docinhos para conseguir pagar a
faculdade. Então, a vivência, a vida real mesmo, me inspira para escrever. Eu tenho
uma pegada de contos de fada, eu gosto de finais felizes, mas eu meio que faço
uma mistura de realidade e fantasia. Eu gosto de dizer que eu dou um final feliz
para as mocinhas dos livros porque eu gostaria que as moças da vida real, também,
tivessem o seu final feliz. É essa misturinha que eu faço (Kalie Mendez, 2020).
As personagens, para elas, devem se aproximar daquilo que qualquer pessoa viveu
ou ainda possa viver. Portanto, tendo em consideração o referencial espaço-temporal
que possuem, compreendem que as muitas questões que envolvem a vida humana,
seja do seu tempo ou até mesmo do passado, para aquelas que escrevem romance de
época, deve estar presente em seus escritos. Quando dizem que a vivência é o que mais
as inspira, referem-se, exatamente, às experiências sociais, suas ou observadas; falam
das emoções e falam sobre o que está presente no cotidiano, o que é vivido e sentido.
Observar suas memórias sobre seus processos de escrita à luz dessa interpretação
permite entender que as autoras estão a escrever sobre o seu tempo, suas experiências,
suas emoções e sobre aquilo que consideram como a essência do real, e os mantêm
como campo de horizonte nos momentos em que se dedicam a escrever.
As memórias relatadas sobre seus processos de escrita e sobre aquilo que escre-
veram demonstram que a realidade na qual se inserem, com todo o conjunto de repre-
sentações coletivas que circulam na contemporaneidade, são o que elas consideram
como “inspiração” para criarem as histórias. O olhar que possuem sobre o seu entorno
e a leitura que dele fazem são os seus parâmetros de escrita. Enquanto sujeitos sociais
de um dado tempo e espaço, suas criações literárias são reflexos de determinados
contextos culturais e de experiências vividas ou observadas, que produzem efeitos
sensíveis sobre as idealizações que possuem para escrever.
Perceber que elementos externos do campo social servem como referência para
a construção literária das autoras parece ser irrelevante num primeiro momento, afinal,
presume-se que todo o autor se valha de seu repertório, socialmente construído, para
poder criar. E que busque, em toda a sorte de bens culturais disponíveis, aspectos para
orientar a sua produção, procurando alcançar a verossimilhança, que, em outras pala-
vras, traduz-se na aproximação da realidade e na tentativa de retratá-la na obra, se não
toda, ao menos em sua essência; tendo em consideração que o todo texto literário é
resultado de um processo cognitivo de seu autor, que elabora e reelabora seu imaginário
no plano da linguagem. Contudo, é possível compreender que, para as autoras, fruto de
seu tempo, suas experiências e as de outras pessoas que observam, são as marcas de
seus romances. Mas é certo, também, que há a incidência de outros elementos culturais.
Mary Oliveira, ao rememorar o processo de criação da duologia Trust que
começou a escrever por volta de 2017, lembra-se de estar em sua casa, numa noite,
assistindo a um filme sobre máfia, e ver despertar em si a vontade de escrever uma
história com essa temática.
88
Eu lembrei que nunca havia escrito nada sobre máfia, então, comecei a pesquisar
tudo sobre máfia, assisti a filmes, séries, enfim, quis entender esse universo. Só,
então, eu comecei a escrever. Então, meu processo de criação é assim: eu tenho
uma ideia, vou pesquisar sobre o assunto e, então, começo a desenvolver a história
(Mary Oliveira, 2019).
Quando eu fui escrever “Princesa Implacável”, eu lembro que foi após o lan-
çamento do filme “Cinderela”, a versão mais nova [2015]. Então, me ocorreu
escrever sobre a história de uma princesa, só que eu queria escrever sobre uma
princesa diferente. Uma princesa que não precisasse de um príncipe para salvá-la.
Então, eu comecei a criar a história. Outras histórias surgiram quando eu estava
ouvindo músicas, letras de várias canções me inspiraram, principalmente, músicas
românticas bem dramáticas, dessas que fazem a gente chorar. Porém, é algo muito
involuntário, não é programado, são insights que surgem do nada. De repente,
aquela letra te faz criar uma história ou uma situação, e, aí, você começa a ter o
material para escrever (Mary Oliveira, 2019).
89 Conceito utilizado pelos filósofos Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, membros da Escola de Frankfurt,
a partir de 1947, para designar a vulgarização das artes ditas superior e inferior e sua distribuição através
de veículos de comunicação de massa, de acordo com os teóricos, manipuladores e aniquiladores da
consciência e do pensamento crítico humano. Desde a sua origem, o conceito foi amplamente debatido por
teóricos de diferentes círculos acadêmicos, sendo problematizado a partir da noção de cultura e de suas
múltiplas maneiras de produção, circulação e apropriação em diferentes sociedades. O filósofo e crítico
literário Terry Eagleton, na década de 1990, numa perspectiva mais flexiva, considerou o conceito de indústria
cultural merecedor de maior atenção para os estudos literários ao estabelecer o entendimento de que as
pessoas não acreditam em tudo o que veem, ou leem, e que é preciso saber sobre o papel que os efeitos
têm em sua consciência geral. Para o aprofundamento sobre essa questão, consultar: ADORNO, Theodor;
W. HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução: Guido de Almeida. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1985; EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Tradução: Waltensir
Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas89
Tamires Barcellos encontra boa parte de suas inspirações para escrever na sono-
ridade das canções que escuta e nas observações que faz das letras. Para ela:
Música inspira muito, ao ponto que, quando eu estou com algum bloqueio, não
estou conseguindo escrever, eu gosto de sair do computador e ouvir uma música.
Para, realmente, eu me inspirar. Eu já tive casos de escrever um livro baseado
em uma música, um personagem vir em minha mente baseado em uma música.
Eu presto atenção nas letras e imagino. Então, é o que mais me inspira mesmo
(Tamires Barcellos, 2020).
Seus relatos demonstram que possuem consciência de que uma das fontes de suas
inspirações vem dos elementos culturais dos quais se apropriam, “eu assisti a muitos
filmes de romance também, acho que isso ajudou na criatividade” (Kalie Mendez). “Eu
gosto muito de filmes de romance, sempre gostei e imaginei isso para mim” (Nana
Pauvolih). Mas, o que não parece ser visível para elas, ao menos num primeiro instante,
é o quanto de suas emoções, também, está intrínseco nos momentos de criação literária.
Mary Oliveira menciona que “normalmente, eu não escolho como serão os
personagens, suas personalidades e características, pois, quando eu estou escrevendo,
isso muda muito”. O que, também, ocorre com Tamires Barcellos, “são eles [per-
sonagens] que se apresentam, acho que eles vêm em mim, na hora em que eu estou
escrevendo, e falam: ‘é isso aqui que eu quero, então, você vai escrever’. Então, é
isso, eu realmente não crio, eu os deixo falarem comigo”; e com Carol Dias “eles
[personagens], realmente, vêm. Assim, eu não sei explicar, geralmente, eles vêm”.
Para elas, são as personagens que “falam” e “descrevem” como querem ser e o que
será contado sobre elas ao longo da história.
Mesmo que não tenham a consciência da dimensão subjetiva que está presente
nessas colocações, as autoras estão a expressar, justamente, que suas emoções e
percepções advindas de suas apropriações culturais são o que as fazem compor seus
personagens e a história como um todo. Notadamente, as características e persona-
lidades, bem como as ações e os diálogos das personagens são construídos pelas
autoras e, por mais que não percebam, os pensamentos que possuem sobre todos os
aspectos que elaboram podem ser interpretados como a manifestação mais íntima de
seus desejos, reações, projeções e reflexões sobre o mundo externo.
Em cada cena que descrevem, na passagem das histórias, estão a exteriorizar
seus próprios anseios, dúvidas e certezas, gostos e repulsas, alegrias e tristezas,
90
Eu sempre escrevi para mim. Durante anos, eu fiz isso, dos onze anos de idade
até 2011, eu escrevi só para mim. Eu escrevi aquilo que eu queria ler. Em relação
a romances, sobre se apaixonar, viver uma história de amor, de curtir, era isso
que eu queria. E, quando eu comecei a escrever, as meninas que se identificaram
com a minha escrita queriam ler, também, aquilo; começaram a acompanhar meu
trabalho (Nana Pauvolih, 2019).
Outro fator que exerce certa influência e contribui para a formação do imagi-
nário das autoras são os livros, sejam eles impressos ou digitais. Os livros são uma
das principais referências que citam quando relatam quais são os elementos que as
ajudam a criar as histórias. A leitura, para elas, é um hábito. Elas sempre reservam
um momento entre os seus afazeres para se dedicarem à leitura. O mais oportuno
é o momento antes de irem dormir. Recordam-se de lerem desde a juventude e de
sempre gostarem dos livros. E o que pode ter contribuído para isso é o fato de que o
livro sempre fora um item existente em seus lares e nos demais ambientes familiares
que frequentavam.
Eu sempre gostei muito de ler. Desde nova, eu estava lendo romances. Minha mãe
tinha muitos livros em casa quando eu era bem nova, livros de literatura clássica,
“Ilíada”, “Odisséia”... Então, eu pega esses livros e lia. Eu, também, gostava muito
de desenhar. Então, eu lia o livro e, depois, fazia um desenho narrando à história
que tinha lido (Nana Pauvolih, 2019).
Eu comecei desde adolescente, eu gostava muito de ler, só que eu não lia livros
de romance e fantasia, eram mais livros religiosos, mas me lembro de sempre ter
livros em casa para ler (Kalie Mendez, 2020).
Eu, sempre, gostei de ler, mas não lia apenas romances. Para falar a verdade, o
romance eu lia muito pouco. Sempre fui uma leitora compulsiva, lia de tudo,
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas91
desde muito nova, não tinha um gênero específico que eu gostava. Havia muitos
livros em casa e em casas de parentes durante a minha adolescência. Mas foi de
um tempo para cá que eu acabei voltando para o romance (Sue Hecker, 2018).
90 Definição estabelecida por Roger Chartier para referenciar a leitura de muitos livros, característico das
sociedades pós-industrialização, em que livros, jornais e revistas passaram a circular em maior volume,
contrapondo a leitura intensiva, que seria a de poucos livros, marca das sociedades europeias do Antigo
Regime. CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
92
Foi durante o curso de Administração que diminuiu a leitura de livros religiosos, que
costumava ler em sua prática cristã, e passou a ler livros acadêmicos. Em sua memória,
Cresci em uma família evangélica, e os livros que chegavam até mim eram livros
voltados para a literatura evangélica mesmo, histórias mais da Bíblia e esse tipo de
coisa. Depois, eu entrei na faculdade e vieram os livros acadêmicos de administra-
ção, foi a partir daí que eu comecei a ler mesmo, bastantes livros. Um livro que me
chamou muito a atenção e me levou para esse lado da literatura romântica foi o livro
“O Segredo de Luisa”, do autor Fernando Dolabela. É um livro de administração,
mas conta a história de uma menina que faz doces de goiaba, enfim, me chamou
muito a atenção e, a partir daí, eu comecei a ler outros livros (Kalie Mendez, 2020).
91 Disponível em: http://gg.gg/nsbbg. Acesso em: 9 jan. 2021. A plataforma apresenta sempre os 100 livros
mais vendidos dentro de cada categoria. Os títulos podem variar de acordo com a data de acesso, pois são
atualizados conforme os lançamentos.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas93
amor, protegida, jogo, sedução, casamento, paixão, intenso, misterioso, enfim, termos
repetitivos que transmitem a impressão de que as histórias também o são; certamente,
não em seus detalhes, mas, possivelmente, em seus formatos e nos temas que abordam.
Nos momentos em que está escrevendo, Paula Toyneti Benalia prefere parar de
ler e chega, até mesmo, a não assistir a filmes ou a outras produções audiovisuais.
Compreende que pode se “contaminar” com outras histórias e personagens e, para não
ter essa “influência” sobre si, afasta-se de suas leituras costumeiras e de qualquer outro
formato de narrativa, principalmente as de cunho romântico.
Sue Hecker, também, acredita que essa influência possa existir e compreende que
é necessário focar naquilo que está criando para que não haja demasiada influências.
Eu não gosto que nada interfira naquilo que está acontecendo. Eu acredito que,
na minha escrita, cada personagem tem a sua voz, tem a sua personalidade, sem
influências, e, quando você não faz isso, de viver somente aquela história, você
acaba dando muitas vozes ao seu personagem, você acaba atribuindo várias carac-
terísticas a eles (Sue Hecker, 2018).
Mas, não se pode negar que, mesmo que procurem manter certa neutralidade
quando estão criando as histórias, as influências existem e seguem, de algum modo,
contidas em suas memórias, construídas por um conjunto de representações das
quais se apropriaram, até mesmo em momentos anteriores daquele em que estão
a escrever. Talvez, elas não identifiquem diretamente como isso pode ocorrer, mas
dão a perceber, em seus relatos, que isso ocorre, mesmo que de forma inconsciente.
Eu tento não escrever o que todo mundo está escrevendo. Se todo mundo está
escrevendo determinada história que os mocinhos se conhecem de tal forma, então,
eu tento não seguir aquele padrão. E, para isso, eu me forço a ler vários livros que
tenham o mesmo assunto em comum. E isso vai me inspirando, vou fazer isso
diferente, não vou seguir por esse caminho (Carol Dias, 2018).
Ainda que a intenção seja não repetir o que já fora produzido sobre uma determi-
nada temática (e a leitura de vários romances com assuntos semelhantes proporciona-
ria saber o que até o presente não foi feito e, assim, poder seguir por este caminho na
tentativa de ser o mais autêntica possível), fica subentendido que a somatória dessas
94
92 CHARTIER, Roger. “O mundo como representação”. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 11,
p. 173-191, 1991.
93 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 3. ed., 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2014.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas95
que estavam a escrever novas histórias. Muitas vezes, as observações que fizeram de
determinadas situações do campo social e as percepções que tiveram sobre elementos
culturais dos quais se apropriaram, sensibilizaram-nas, causaram algum impacto sobre
elas, mexendo com seus sentimentos, causando sensações e lhes fazendo ressignifi-
carem a maneira própria de cada uma, o que testemunhavam. O que, posteriormente,
acabou servindo como elemento de inspiração para a constituição de suas histórias.
É nesse sentido que seus romances podem ser observados como uma das formas de
manifestação de suas sensibilidades.
Adentrar no campo do sensível, ou seja, das emoções, não é uma tarefa simples,
pois o plano do sensível, dada a sua relatividade e abstração, requer que façamos uma
tradução de experiências e maneiras de sentir94. No caso das autoras, este estudo propõe
que seus romances podem ser a chave para a tradução de suas emoções. O que também
caracteriza a especificidade deles no presente.
Portanto, suas produções literárias podem ser interpretadas como um fazer-se,
um modo de se exprimir e de se colocar diante do mundo. Como define Margareth
Rago, citando o historiador francês Philipe Artières, “inscrever-se, é fazer existir
publicamente, o que no caso das mulheres assume uma grande importância, já que o
anonimato caracterizou a condição feminina até algumas décadas atrás”95.
Indagá-las sobre os seus processos de criação literária e seus sistemáticos
momentos de escrita tornou-se importante para perceber e compreender, a partir
de suas memórias, seus sentimentos e seus anseios, que são a base da literatura que
produzem e que, também, configuram todo o campo literário no qual atuam. As
leituras que fazem do mundo social e os sentimentos que expressam em seus escri-
tos não estavam dados de forma objetiva em suas falas, foi necessário olhar o que
estava implícito e procurar os indícios das formas de manifestação de suas emoções
e percepções no seu campo literário.
Campo este que é compartilhado por elas com muitas outras autoras brasileiras
que estão presentes em todo o território nacional e que, igualmente, seguem publicando
nesse mesmo segmento literário dedicado às mulheres. Isso permite compreender que,
assim como as autoras entrevistadas pela pesquisa, outras mais estão, também, a registrar
suas leituras de mundo e de seus sentimentos, trazendo-os para a forma do romance.
Fomentam um segmento literário que reflete suas subjetividades, olhares e concepções
em verdadeiras operações imaginárias de sentido e de representação do mundo que
traduzem suas experiências em múltiplas dimensões. E, como propõe Pesavento,
Toda a experiência sensível do mundo, partilhada ou não, que exprima uma sub-
jetividade ou uma sensibilidade coletiva, deve se oferecer à leitura enquanto
fonte, precisando ser objetivada em um registro que permita a apreensão dos seus
significados. O historiador precisa, pois, encontrar a tradução das subjetividades
94 PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Sensibilidades: escrita e leitura da alma”. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy;
LANGUE, Frédérique (org.). Sensibilidades na História: memórias singulares e identidades sociais. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 15.
95 RAGO, Luiza Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade.
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013. p. 32.
96
96 PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Sensibilidades: escrita e leitura da alma”. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy;
LANGUE, Frédérique (org.). Sensibilidades na História: memórias singulares e identidades sociais. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 19.
LITERATURA DE MULHER
Um aspecto que parece não ter se alterado na longa trajetória dos romances de
amor é o fato deles serem considerados, da sua origem até os dias atuais, como lite-
ratura de mulher. É comum encontrar referências a essa produção literária como de
mulherzinha, feminina ou mesmo cor de rosa, numa associação da cor às mulheres. A
socióloga Jaqueline Sant’ana Martins dos Santos considera essas denominações como
pejorativas, pois acredita que possuem um sentido que fora historicamente construído
para desqualificar e inferiorizar essa literatura, em especial o termo mulherzinha, visto
que “-inha no final, denota o diminutivo que marca tão profundamente o esforço e
o trabalho das mulheres nos mais diversos campos sociais”97. Os romances de amor
não são exclusivos às mulheres, entretanto, nota-se que elas são a maioria em sua
autoria, e, no que se refere ao gênero romance em geral, pesquisas demonstram que
são, também, as mulheres as que mais os leem.
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2019), realizada pelo Instituto Pró-li-
vro, revela que as mulheres, de diferentes faixas etárias, são as que mais leem o gênero
romance (54%). E que o gosto por sua leitura é iniciado ainda no núcleo familiar,
passando de geração em geração, em sua maioria, de mães para filhos. A figura da
mãe é, portanto, bastante importante na influência da leitura, especialmente quando
se comparada à influência do pai ou de outro parente. Isto, provavelmente, ocorre
porque, no conjunto da população brasileira, as mulheres são as que mais leem (59%),
e a própria percepção dos filhos sobre o hábito de leitura dos pais identifica as mães
como as que estão sempre lendo no ambiente doméstico98. Esse cenário nos ajuda
a compreender o fato de muitas editoras atuais manterem, em seus catálogos, uma
linha de publicação de romances destinados às mulheres, justamente por entenderem
que são elas o potencial público leitor dessas publicações.
A editora Coerência, por exemplo, com sede em São Paulo, possui, em seu
catálogo, as coleções Romance Contemporâneo, Romance de Época e Romance
Hot. A editora Charme, localizada na cidade de Campinas, no estado de São Paulo,
informa em seu site ser uma editora especializada para as mulheres, feita por mulhe-
res e de conteúdo cem por cento feminino. Seu catálogo é dividido entre autoras
nacionais e internacionais, e todos os livros comercializados são romances de estilos
e de temáticas variados99. Outra editora que atua neste segmento é a The Gift Box,
sediada na cidade do Rio de Janeiro. Seu catálogo é composto por autoras nacionais
e internacionais, e publica somente romances destinados às mulheres.
O selo editorial Harlequin, por sua vez, pertencente ao grupo HarperCollins,
com sede em Nova York, também publica no mercado editorial brasileiro, além de
outros países. A sede da filial da editora no Brasil está localizada na cidade do Rio
97 SANTOS, Jaqueline Sant’ana Martins dos. Literatura de mulherzinha: gênero e individualismo em romances
chick lit. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2018. p. 23.
98 Zoara Failla (org.). Retratos da Leitura no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2019.
99 Editora Charme. Sobre a Charme. 2020. Disponível em: https://loja.editoracharme.com.br/empresa. Acesso
em: 20 jul. 2020.
98
A maioria são mulheres, eu diria que uns 90%, na faixa etária de 20 a 40 anos de
idade. Meus livros são mais voltados para as mulheres, elas consomem mais a
minha literatura do que os homens (Amanda Bonatti, 2019).
Minhas leitoras são mulheres adultas, de 18 anos para cima, algumas mais novas e
outras mais velhas. Para definir a minha leitora, eu diria que ela é uma mulher de
20 e poucos anos, acabou de se formar na faculdade e gosta muito de ler romances.
Essa é a minha leitora (Carol Dias, 2018).
Meu público leitor são as mulheres com idade entre 18 e 50 anos. No Wattpad, a
gente tem a possibilidade de ver um gráfico com a idade dos leitores que a gente
alcançou com os nossos livros. E eu percebi que a maioria do meu público é femi-
nino e está dentro desta faixa etária. E, de fato, a minha escrita corresponde mais
aos interesses femininos, à questão do erotismo, e pelo fato de ser um romance
mesmo, as mulheres se interessam mais do que os homens (Mary Oliveira, 2019).
São mulheres adultas, de 28 a 40 anos, mas com variações, têm mais velhas, mais
novas, têm casadas, têm solteiras. É um público bem variado mesmo, eu vejo
quando eu vou aos lançamentos (Nana Pauvolih, 2019).
É difícil ter uma definição. Por exemplo, eu tenho muitos leitores adolescentes, e
tenho um público adulto também. Não é um público muito definindo. Eu escrevo
romance, que nem são muito para adolescentes nem adultos. É um público que
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas99
começa com 14 anos, mas tenho leitores de 40 e 60 anos. Mas o meu público é
95% feminino, isso sim. É raro leitores masculinos (Paula Toyneti Benalia, 2018).
São mulheres entre 40 e 60 anos, algumas trabalham, outras são donas de casa;
há várias com escolarização de nível superior e que atuam em diversas áreas:
médicas, advogadas psicólogas, professoras...É um público de mulheres bem
variado, é difícil defini-lo (Sue Hecker, 2018).
100 VASCONCELOS, Sandra Guardini Teixeira. A formação do romance inglês: ensaios teóricos. São Paulo:
Fapesp, 2007. p. 114.
101 WATT, Ian. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo: Companhia
das Letras, 2010.
100
e pela família, verdadeiras lições de vida e de conduta para o bem de seu destino
e honradez102.
Maria Rita Kehl compreende que, nos séculos XVIII e XIX do mundo ocidental,
a mulher lia nos romances o que deveria praticar em seu cotidiano, era uma forma de
se moldar, preparar-se para o convívio social, familiar e, posteriormente, matrimonial.
Os romances tidos como sentimentais, ainda, cuidavam de enaltecer as emoções, as
sensibilidades e o amor romântico. Criava um culto à relação conjugal, colocando-a
como condição almejada para todas as filhas de classe média e alta, gerando o ima-
ginário da relação possível e feliz entre um homem e uma mulher que se amam e
conseguem vencer as adversidades da vida. Apresentava, ainda, para as mulheres,
um ideal de feminilidade a ser seguido, delineando comportamentos e funções103.
Imaginário esse que adentrou o século XX e permaneceu, com poucas alterações
nas últimas décadas, deixando, como legado para os dias atuais, a crença de que a
literatura que versa sobre o amor romântico é uma literatura exclusiva às mulheres.
É importante frisar que as mulheres, também, são as principais autoras do
segmento, grande parte dos livros de romances de amor na contemporaneidade são
escritos por elas. Essa predominância pode, justamente, estar atrelada ao fato de a
literatura sentimental ter sido considerada, em períodos precedentes (e assim per-
manecer), como uma literatura recomendada para as mulheres, logo, escrita por elas
principalmente. Contudo, nem sempre foi assim. Em sua origem, os romances sen-
timentais eram escritos por homens. De acordo com Maria Rita Kehl, foi no século
XIX, que as mulheres passaram a ter participação na escrita de romances. A uma
parcela reduzida de moças, a literatura começava a acenar como uma possibilidade
de ocupação para além do casamento. Em suas palavras: “houve uma feminização
daquele domínio até então reservado aos homens; a literatura foi invadida por mulhe-
res, tanto leitoras quanto autoras”104. Nos séculos seguintes, essa invasão tornou-se
campo conquistado para as mulheres, que se mantiveram, majoritariamente, atuando
na escrita dos romances sentimentais.
Adélia Rocha Cruz, pesquisadora que analisou uma das variantes dos roman-
ces sentimentais, chick lit, em Portugal, na década de 1990, ali denominados de
“literatura light”, considera que, ao se estabelecer o que é “literatura canônica”,
isto é, a literatura reconhecida pela academia, por críticos literários e constante-
mente debatida em círculos culturais, foram deixados de lado os romances de amor,
sobretudo aqueles escritos por e para as mulheres. Em sua tese de doutorado, a
pesquisadora defende que essa literatura não foi legitimada enquanto produção
artística e intelectual, sendo considerada, por determinados grupos sociais e insti-
tuições culturais, como uma “literatura menor”105.
102 LEITES, Edmund. A consciência puritana e a sexualidade moderna. São Paulo: Brasiliense, 1987.
103 KEHL, Maria Rita. Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a modernidade. São
Paulo: Boitempo, 2016.
104 Idem. Ibidem, p. 57.
105 ROCHA, Adélia Cruz. A literatura não legitimada e a variante portuguesa da Chick Lit. 2016. Tese (Doutorado
em Letras) – Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2016.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas101
106 No Brasil, por exemplo, ainda hoje, há diferenças quantitativas e qualitativas entre a produção literária mas-
culina, em maior número e reconhecida, e a feminina, em menor número e com críticas a sua legitimação.
Um estudo da Universidade de Brasília (UnB), em 2012, revelou que a maioria dos autores nacionais são
homens (72,7%), brancos (93,9%) e vivem nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo (47,3% e 21,2%
respectivamente). DALCASTAGNE, Regina. Literatura Brasileira Contemporânea – Um território contestado.
Rio de Janeiro; Vinhedo: Editora Horizonte; Editora UERJ, 2012.
107 ANASTÁCIO, Vanda. Uma antologia improvável: a escrita das mulheres (séculos XVI a XVIII). Lisboa: Relógio
D’Água, 2013.
108 ROCHA, Adélia Cruz. A literatura não legitimada e a variante portuguesa da Chick Lit. 2016. Tese (Doutorado
em Letras) – Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2016. p. 80.
102
feminina e sua associação às mulheres fizeram com que se elegessem alguns autores,
alguns gêneros e algumas maneiras de ler como os melhores, chamando-os, assim,
de “literatura”, e o que estava à margem dessa acepção era considerado “literatura
menor”, por exemplo, os romances de amor109.
O protagonismo das mulheres no campo das letras deve ser sublinhado numa
tentativa de romper com essas interpretações, pois atividades como ler, escrever e
expressar ideias publicamente foram consideradas, por muito tempo, restritas às
mulheres. Situações como esta estiveram presentes na história de muitas escritoras.
Mary Ann Evans escreveu romances na Inglaterra oitocentista, porém os publicou
sobre o pseudônimo masculino de George Eliot, para que seus romances fossem
considerados sérios e para se manter afastada da opinião pública da época. Na era
vitoriana, a escrita ficcional não era vista como uma atividade adequada às mulheres.
Amantine Dupin, na França, no mesmo período, também escreveu romances e os
publicou sobre o pseudônimo masculino de George Sand. Seus textos eram críticos
à sociedade de sua época. Além de romances, escreveu contos, peças teatrais e tex-
tos com discussões políticas. Jane Austen e as irmãs Brontë, também, são exemplos
de escritoras que utilizaram deste subterfúgio para verem seus textos lidos e suas
reputações preservadas.
Escritoras brasileiras igualmente se depararam com essa barreira e usaram o
recurso do pseudônimo, ou da publicação anônima, para não serem criticadas na
esfera pública, ou mesmo para que seus escritos fossem recebidos sem prejulgamentos
pelos grupos literários, pelo simples fato de ser uma autora. Constância Lima Duarte
coloca como exemplo o romance de Maria Firmina dos Reis, Úrsula, publicado em
1859. A assinatura original da obra dizia apenas “uma maranhense” 110. Sua verdadeira
autoria foi descoberta tempos depois.
Mesmo na atualidade, algumas dessas barreiras ainda não foram totalmente
superadas. Exemplo recente está nos relatos das escritoras britânicas Joanne Rowling,
mais conhecida por seu pseudônimo J.K. Rowling, e E. L. James, citada anterior-
mente. Joanne Rowling escreveu a famosa série de aventuras do bruxo adolescente
Harry Potter, cujo primeiro livro da coleção foi lançado em junho de 1997. Hoje, os
livros chegaram à marca de 500 milhões de cópias vendidas em mais de 50 países e
com adaptações para o cinema. Erika Leonard James escreveu a famosa triologia 50
Tons de Cinza, mencionada anteriormente.
Apesar do sucesso editorial, as duas escritoras se depararam com a mesma bar-
reira no início de suas carreiras. Sempre que concedem entrevistas, em que relatam
suas trajetórias como escritoras, Joanne Rowling e Erika Leonard James advertem
sobre o fato de que tiveram de publicar seus primeiros livros, e assim permanecem,
com pseudônimos ambíguos, conforme a orientação de seus editores, para que a
identidade da autoria se mantivesse neutra e os livros tivessem maior aceitação entre
109 ABREU, Márcia et al. Caminhos do romance no Brasil: séculos XVIII e XIX. Disponível em: http://gg.gg/
dz74b. Acesso em: 9 abr. 2019.
110 DUARTE. Constância Lima. Imprensa feminina e feminista no Brasil: século XIX: dicionário ilustrado. Belo
Horizonte: Autêntica, 2017.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas103
111 COSTA, Camila. As escritoras que tiveram de usar pseudônimos masculinos e agora serão lidas com seus
nomes verdadeiros. BBC Brasil, Brasil, São Paulo, 15 abr. 2018. Disponível em: http://gg.gg/lo0p5. Acesso
em: 18 ago. 2020.
112 8 motivos para você incluir estas escritoras em suas leituras. Portal Raízes, Literatura, 15 ago. 2020. Dis-
ponível em: http://gg.gg/lo0vd. Acesso em: 18 ago. 2020.
113 Leia Mulheres. Sobre nós. Disponível em: http://gg.gg/lrtea. Acesso em: 24 ago. 2020.
114 CHEE, Alexander. Gender Genre. The NewYork Times. Books. Book Review. 10 out. 2014. Disponível em:
http://gg.gg/lslu4. Acesso em: 25 ago. 2020.
115 TEIXEIRA, Mariana. Projeto Leia Mulheres celebra obras literárias escritas por autoras. O Globo Rio. Bairros.
10 mar. 2020. Disponível em: http://gg.gg/lsn02. Acesso em: 25 ago. 2020.
104
A alta literatura tem um preconceito muito grande com a nossa literatura. Nossa
literatura de romances para mulheres, no meu caso, erótico, não é uma literatura
muito bem reconhecida. Prova disso é que o mercado literário, somente agora, está
investindo em autoras; sendo que tem autoras, aí, de 20, 30 anos de estrada, que, até
hoje, nem conseguiu publicar um livro por uma grande editora (Sue Hecker, 2019).
A noção de que os livros hoje podem ser escritos e lidos por todos que desejarem,
apesar de ser em tese verdadeira, não é o que chamamos em sociologia de fato
total. O preconceito, por exemplo, é um elemento importante para criar barreiras
imaginárias que, de certa forma, constrangem as pessoas a não adentrarem em
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas105
Essa questão não se restringe somente aos homens. Simone Meirelles, em sua tese
Romances Com Coração: leitura e edição de romances sentimentais no Brasil (2008),
entrevistou leitoras que relataram diversas situações preconceituosas que sofreram,
em grupos de amigos, no círculo familiar, na universidade e nos lugares de trabalho,
simplesmente por reconhecerem, publicamente, que leem romances de amor. De acordo
com a pesquisadora, sobre o conjunto das leitoras que entrevistou, as que têm nível
de escolaridade superior “assumem sem restrições o gosto pela leitura dos romances
sentimentais”. Na percepção de Meirelles, “aquelas com mais estudo se sentem res-
paldadas por seus diplomas universitários e se investem de autoridade para assumir o
gosto pela literatura sentimental, sem se importar se isso irá agregar alguma impressão
negativa à sua imagem perante amigos e/ou parentes”. Para aquelas sem o mesmo nível
de escolaridade, por sua vez, Meirelles conclui que em suas falas transparece “uma voz
envergonhada, que busca nas entrelinhas a afirmação. Convivendo com o estigma da
escolha da leitura à margem do cânone, as leitoras procuram justificar o gosto pelos
romances açucarados apontando neles valores que consideram importantes”116.
Pode-se considerar que as plataformas de publicação online se configuram como
um espaço de superação de algumas dessas questões, pois permite certa liberdade de
atuação para as autoras. Elas podem publicar com seus próprios nomes, há comunidades
de leitores e leitoras que podem se interessar e se apropriar de seus escritos, é um espaço
voltado para toda a forma de produção literária, sem qualquer vínculo com círculos
acadêmicos ou culturais específicos que possam restringir ou desqualificar suas obras
de alguma maneira, ao menos no espaço interno da plataforma. Todavia, mesmo que
essa forma de publicação possibilite mais autonomia para as autoras, ainda persistem
questões que estão enraizadas em nossa cultura, e que somente um recurso tecnológico
não pode alterar totalmente, como relataram as autoras Nana Pauvolih e Kalie Men-
dez, que utilizam pseudônimos femininos, mas que são totalmente desassociados de
seus nomes verdadeiros. Elas optaram por essa forma de apresentação como autoras
porque escrevem romances eróticos, uma literatura que aborda questões sexuais, que
fala, principalmente, sobre o prazer da mulher durante o ato sexual, suas fantasias e
desejos, mas sentiram que falar abertamente sobre essa questão traria críticas a elas, de
seu núcleo social e familiar. Por isso o pseudônimo, como se ele gerasse a separação
116 MEIRELLES, Simone. Romances com o coração: leitura e edição de romances sentimentais no Brasil.
2008. 399 f. Tese (Doutorado em Letras) – Área de Estudos Literários, Setor de Ciências Humanas, Letras
e Artes – Universidade Federal do Paraná, 2008. p. 222-223.
106
da autora que escreve, também, sobre sexo, da mulher que figura no convívio social.
Essa preocupação das autoras ocorreu, principalmente, no momento inicial de suas
carreiras, quando não eram nacionalmente reconhecidas como autoras de sucesso.
Atualmente, Nana Pauvolih, por exemplo, participa de eventos literários, concede
entrevistas e fala abertamente aos interessados sobre seus romances eróticos, mas foi um
processo para que isso se naturalizasse. Kalie Mendez, por sua vez, prefere se manter
no anonimato, pois considera que, em seu núcleo familiar fortemente influenciado por
questões religiosas, uma mulher que escreve abertamente sobre sexo não será facilmente
compreendida. Essas colocações das autoras demonstram os muitos obstáculos ainda
presentes na trajetória das mulheres que se lançam nas muitas atividades que requerem
o seu protagonismo intelectual.
No que se refere à noção literatura de mulher, na qual os romances de amor estão
contidos, ainda persistem interpretações restritivas à escrita e à leitura desses roman-
ces. Nessa perspectiva, a contribuição das mulheres para o estado da arte da literatura
em geral ainda requer muitos avanços na tentativa de superação das barreiras outrora
impostas. Por isso, as considerações proferidas por Virginia Woolf em outubro de 1928,
quando discursou para um público de mulheres universitárias do Newnham College e
do Girton College (duas escolas para mulheres da Universidade de Cambridge), ainda
são necessárias no presente. Naquele momento, sua fala tinha como tema As Mulheres
e a Literatura, uma reflexão da escritora sobre a condição das mulheres no campo lite-
rário. Dentre os aspectos destacados em seu discurso, estavam o alerta para a ausência
de escritoras no mundo literário; a ausência da fala das mulheres sobre as mulheres; a
inexistência de uma poesia feminina, em diferentes períodos; e a necessidade de con-
dições minimamente favoráveis, como espaço físico individual e recursos financeiros
que permitissem, às mulheres, autonomia para escreverem.
Woolf ressaltou em seu discurso que a limitação social, educacional e a dependên-
cia econômica das mulheres em relação aos homens, sempre subordinadas aos seus pais
e maridos, numa condição imposta a elas ao longo do tempo, foram fatores prejudiciais
ao desenvolvimento da escrita das mulheres. Indagou, ainda, sobre como as mulheres
poderiam pensar para além do espaço doméstico e como poderiam escrever para além
das questões que circundavam esse delimitado universo ao qual estavam encerradas.
Nas palavras de Woolf, “somente com quinhentas libras por ano e em um quarto só seu”,
as mulheres teriam o pensamento livre para poder escrever, desfrutariam de liberdade
intelectual e poderiam seguir em qualquer direção, por onde a criatividade ousasse
germinar. Mas, para isso, elas deveriam escrever sem dúvidas, receios ou temores, e
sobre o tema que desejassem, e somente assim, ampliariam suas contribuições para a
arte da literatura. Encaminhando-se para o encerramento do seu discurso, Woolf enco-
rajou a plateia de mulheres ali presentes a se lançarem na aventura da escrita literária
e fez um pedido que soou como um estímulo para que as mulheres escrevessem mais
e modificassem o cenário da parca produção literária feminina daquele tempo. Seu
pedido parece ecoar ainda hoje: “peço-lhes que escrevam livros de todas as espécies,
sem hesitar diante de tema algum, por trivial ou vasto que seja”117.
117 WOOLF, Virginia. Um quarto só seu. Tradução: Denise Bottmann. Porto Alegre: L&PM, 2019, p. 149.
PARA ENTRETER E INSTRUIR
Ao falarem sobre os temas que abordam em seus romances, os elementos que
trazem para compor as histórias e sobre o que buscam retratar, de forma muito pare-
cida, todas as autoras pararam por um segundo, demonstraram pensarem a respeito,
como se estivessem buscando em suas lembranças os temas dos romances que já
escreveram. Logo após, apresentaram suas percepções sobre eles e disseram:
Tem assuntos super atuais. O último livro que lancei já aborda a questão do
racismo e sobre o poder de escolha da mulher, quando ela quer, se ela quer. Gosto,
também, de criar personagens masculinos que respeitam este poder de escolha da
mulher, que apoia a mulher (Kalie Mendez, 2020).
Eu gosto, sempre, de colocar uma temática um pouco diferente, algo que fuja um
pouco do comum do que já tem em todos os livros. Neste livro que estou escre-
vendo agora, a personagem é cega, algo que não é muito comum em romances de
época; e procuro, sempre, trazer alguma coisa que seja relevante para a trama, e
não apenas o romance de um casal. Gosto de colocar temas um pouco mais com-
plexos e criar personagens mais fortes e representativos. No caso de “Bosque de
Faias”, a minha personagem Joana é mulher, mas ela é revolucionária para época
108
dela, ela não aceita algumas situações. Eu falo sobre a literatura naquela época,
pois muitos livros eram proibidos para as mulheres. Então, eu gosto de abordar
temas como a violência feminina, e mostrar a realidade da vida da mulher como
era no século XIX, entre outros (Amanda Bonatti, 2019).
Eu puxo muitas coisas, assim, do romance, mas com coisas baseadas em relacio-
namentos traumáticos na infância. Eu trago muito isso, principalmente, devido
aminha profissão. Eu trabalho muito com psicologia infantil, então, todos os meus
livros, os personagens sempre tiveram algum problema na infância, e como esses
personagens carregam isso para a vida adulta. Então, todos os meus livros, sem-
pre, trago essa temática, de traumas da infância e como isso afeta a vida adulta.
Geralmente, meus livros, sempre, discutem isso de alguma forma. Problemas
familiares, abandono de pai e mãe, sempre essas questões de família e como isso
afeta a vida adulta. Acho que, devido eu trabalhar com isso, por eu ver muito, no
meu consultório, como as crianças são afetadas por traumas e, assim, eu tento
conscientizar as pessoas para essa questão, de como é importante a base familiar
na infância (Paula Toyneti Benalia, 2018).
Por ser romance ele trata sim de uma temática mais leve, mas também, não é
apenas sobre isso. Eu tenho romances que abordam a questão do relacionamento
abusivo, violência doméstica. Tenho romances que abordam abuso sexual, pedo-
filia, então, assim, apesar de ter o romance, por trás sempre tem um assunto que
vai fazer com que o leitor reflita, entende? Então, por mais que o leitor busque
ler meus livros para relaxar, sempre tem, no fundo, um assunto que é pertinente,
um tema que lhe faz parar um pouco e refletir sobre isso. Meu último livro aborda
abuso sexual, é uma comédia romântica, mas tem esse assunto de fundo, porque
eu acho importante a gente abordar coisas que estão na nossa cara. Abuso sexual
e estupro são assuntos que precisam ser falados e refletidos, e eu acredito que
a literatura, por mais que o meu gênero seja o romance, ele também tem como
obrigação informar os leitores e fazer com que os leitores pensem um pouco,
sabe? (Tamires Barcellos, 2020).
Os temas são variados e, de um modo geral, todos são percepções das pró-
prias autoras sobre questões que julgam relevantes e decidem retratá-las. Temas
dos quais são presentes em suas vidas, de forma direta ou não, como Karina Dias
que enxerga o seu fazer literário, também, como uma forma de militância sobre a
temática LGBTQIA+, ou como Paula Toyneti Benalia que discute, em seus livros,
questões familiares que percebe em sua prática clínica. Entendem esses elementos
como os aspectos sociais abordados por seus romances. O que sobressai em suas
falas é a preocupação que possuem com o tema das mulheres e o cuidado que dizem
ter ao retratá-las sempre numa posição de tomada de decisão, demonstrando força
e superação, acompanhadas de parceiros que as respeitem e as tratem bem, num
sentido de produzir imagens de mulheres que rompem com as noções de fragilidade
e submissão outrora impostas pela cultura patriarcal. Possivelmente, esse seja mais
um aspecto social que as autoras percebem em seu entorno e buscam trazer como
ponto de reflexão para seus romances.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas109
Nós temos que considerar que o Brasil não é um país de leitores. O brasileiro não
tem o hábito de ler. Então, quando eu vejo os críticos da academia mencionando
que é uma literatura menor, com perdão da expressão bem popular, eu acho que
eles estão dando um tiro no pé. O que nós precisamos fazer, no Brasil, é formar
leitores. Tudo bem, agora, você passa pelos clássicos, você cursou universidade,
você lembra. Às vezes, a lista de vestibular é uma chatice, são livros necessários,
mas lista de vestibular não forma o leitor, ela não desperta o interesse naquele
jovem, naquela criança. Agora, se for pensar que essa literatura “menor”, essa
literatura de banca trouxe, para esse universo literário, uma imensa gama de
mulheres que não tinha o hábito de ler, né? E aquela criança que vê a mãe lendo
“Julia”, “Sabrina”, “Bianca”, vê a mãe com o livro na mão, de repente vai se
interessar. Então, eu acho que essa literatura dita menor, ela é uma porta de entrada
para alguma coisa de qualidade, um pouco melhor no sentido de mais pesquisa,
mais discussão de temas mais profundos (Silvia Spadoni, 2020).
110
Eu acho que a literatura dita menor vem contribuir para aumentar o número de
leitores, para incentivar a literatura, nem todo mundo vai ter paciência de ler os
clássicos sempre. E é melhor que se leia alguma coisa do que nada. Eu discordo
totalmente dessa interpretação. É claro, faça-se uma ressalva, existe muita gente
que se jogou nessa literatura sem ter nenhum tipo de cuidado com a sua escrita,
com o desenvolvimento do seu tema e pesquisa. Mas eu estou falando daquela
autora de romance de época que tem todo um cuidado com a sua pesquisa, com
o fato histórico, com a forma da sua narrativa, com a revisão do seu texto, com a
gramática, essa autora vem para contribuir na formação de novos leitores.
O cuidado com a escrita correta do texto, as pesquisas para abordagem dos temas
e períodos históricos e a construção narrativa são os aspectos que, quando bem-feitos,
parecem legitimar a validade literária dos romances de amor e a sua contribuição
no fomento à leitura. Talvez, por entenderem que, por trás de cada livro, existe um
trabalho de elaboração, leituras, pesquisas, correções e revisões, consideram que seus
romances não podem ser, simplesmente, rotulados como uma “literatura menor”.
De acordo com Marisa Lajolo, ao surgirem novas formas de escrever e veicular
textos, como a conjuntura digital contemporânea demonstra, surgem, também, novos
leitores, novas formas de leitura e concepções sobre literatura. Por isso, há várias
interpretações sobre o que é literatura, sobre seu valor estético e qualidade literária.
Cada grupo social, em seu tempo e contexto, tem suas próprias definições sobre
esses aspectos. Nesse sentido, ao longo do tempo, novos autores e leitores podem
estabelecer novas discussões e definições, ampliando ou modificando por completo
os critérios de validação que outrora limitaram o entendimento de um texto enquanto
produção literária118. Certamente, para as autoras, apesar das críticas que percebem,
são as leitoras que as acompanham nos canais digitais que se apropriam de suas obras
e fomentam o seu fazer literário, que legitimam seus romances enquanto literatura.
Há que se considerar que recai, ainda, sobre os romances de amor, a chancela
“literatura de entretenimento”, uma classificação que designa a existência de uma
literatura produzida pela indústria cultural, para um grande público, com o objetivo de
118 LAJOLO, Marisa. Literatura: ontem, hoje, amanhã. São Paulo: Editora Unesp, 2018. p. 25-37.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas111
119 ECO, Umberto. O Super-Homem de Massa: retórica e ideologia no romance popular. Tradução: Pérola de
Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1991; AVERBUCK, Lígia (org.). Literatura em tempo de cultura de massa.
São Paulo: Nobel, 1984; SODRÉ, Muniz. Teoria da literatura de massa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1978; CALDAS, Waldenyr. Literatura da Cultura de Massa: uma análise sociológica. São Paulo: Editora
Musa, 2000.
120 SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015.
121 BOSI, Ecléa. Cultura de Massa e Cultura Popular – leituras de operárias. Petrópolis: Vozes, 1986.
122 ZILBERMAN, Regina. “A literatura e o Apelo das Massas”. In: AVERBUCK, Lígia (org.). Literatura em tempo
de cultura de massa. São Paulo: Nobel, 1984. p. 13.
112
que aumentou a venda de livros e impulsionou, ainda mais, a sua produção123. Vale
reforçar que o surgimento dos livros de bolso na década de 1950, popularizado em
1970, produzidos em menor tamanho e com papel de baixa qualidade, facilitou o seu
acesso e consolidou o livro como um produto cultural.
Nesse contexto, foram criadas, entre os gêneros de ficção (ou seja, os livros de
lazer, conforme indica Zilberman), narrativas semi-estruturadas, contendo poucas
variações em sua forma e conteúdo, tornando-se um modelo para reprodutibilidade
técnica pelas editoras. A grande quantidade de obras estrangeiras traduzidas e publi-
cadas no mercado editorial nacional no período é exemplo desse cenário.
Assim, a produção literária voltava-se para o grande público, porém sendo
interpretada por acadêmicos e críticos literários como literatura de massa, destinada
somente ao entretenimento e ao divertimento desse público, um produto de consumo
da indústria. Consideravam, ainda, que as narrativas das coleções de livros em séries
não possuíam valoração estética, intelectual ou mesmo artística, e o leitor desse
segmento literário era visto como um consumidor.
No conjunto dessas interpretações, estavam os romances populares, vendidos
em bancas de jornal, produzidos em larga escala por grupos editoriais ao longo de
várias décadas do século XX, somados aos livros de aventura, suspense e policial.
Eram coleções, em grande parte, traduzidas de obras portuguesas, inglesas, francesas
e espanholas. E por conterem, como principal elemento narrativo, o amor romântico
entre um casal, sem oscilações em sua estrutura, com uma linguagem acessível,
enredo curto e de fácil assimilação, podendo ser adquiridos em bancas de revista e
supermercados124, essa literatura foi considerada como de entretenimento, voltada
para as massas. Portanto, uma “literatura menor”.
A acepção da literatura de entretenimento como uma “literatura menor” é tema
de estudo de vários teóricos desde as últimas décadas do século XX. Em síntese,
esses estudos defendem a ideia de que a literatura produzida pela indústria cultural é
desprovida de reconhecimento literário por parte da crítica especializada, justamente
por essa produção literária obedecer a uma lógica de mercado que a concebe a partir
da demanda de oferta e procura e não ter algum valor artístico. Dessa maneira, essa
narrativa seria um produto menor em seu sentido estético, oposta a uma literatura
criada para fins de aprimoramento intelectual, considerada superior, reconhecida por
instituições acadêmicas, círculos literários e identificada como canônica.
Consideram, também, que a literatura de entretenimento apresenta, em sua
composição, estruturas narrativas repetitivas tendo poucas variações, elaboradas
para serem um passatempo dos leitores, caracterizando-se como uma fórmula pronta
a proporcionar divertimento ou, como define Umberto Eco, “consolação”, pois os
enredos apresentam conflitos, mas sempre são superados pelas personagens centrais,
encerrando a história com um final feliz que satisfaz e consola o leitor, distanciando-o
123 HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: sua história. 3. ed., I. reimpr. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2017.
124 MEIRELLES, Simone. Das Bancas ao Coração: Romances sentimentais e leitura hoje. Dissertação (Mestrado
em Letras) – UFP, Curitiba, 2002.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas113
de sua realidade, por vezes, insatisfatória. Assim, o leitor que procura a literatura de
entretenimento busca fugir da sua realidade por meio da fruição.
A marginalização da literatura de entretenimento estaria, também, relacionada
à ausência de uma proposta emancipatória em seu conteúdo. A literatura reconhecida
como superior pela academia e pelos críticos literários é valorizada por conter refle-
xões de caráter ideológico, social e cultural. Já a literatura produzida pela indústria de
forma massificada ocupa-se, apenas, em atender os gostos de seu público consumidor,
acarretando, assim, um esvaziamento discursivo e uma superficialidade psicológica
em toda a sua estrutura narrativa. Essa configuração teria contribuído para cristalizar
a noção de que os livros de entretenimento possuem menor valoração literária.
Termos como paraliteratura, subliteratura e infraliteratura foram e são empre-
gados para especificar a produção literária de entretenimento destinada aos grande
público. Esses termos servem para caracterizar e diferenciar essa produção literária
de uma literatura dita superior, portanto, oposta, legitimada pela academia e pelos
críticos literários125.
Mas, se por um lado pesquisas sobre literatura de entretenimento apontaram-na
como uma “literatura menor” em decorrência das condições de sua produção, forma
e conteúdo; por outro, a sua popularização entre os grupos sociais e permanência
em diferentes temporalidades, inclusive no presente, contribuíram para que outras
interpretações fossem elaboradas sobre essa produção literária. Assim, novas teorias
do texto literário e do processo de leitura têm sido apresentadas.
Estudos culturais que abrangem História literária, História do livro e da leitura
compreendem que a literatura de entretenimento, vista, também, como literatura
popular, deve ser analisada não apenas pela ótica da produção literária (tida como
superior ou clássica, em um sentido de comparação e classificação), mas sim, tendo
em consideração as apropriações que os leitores fazem dos textos que leem. Sinali-
zam para a compreensão de que os leitores não são apenas receptores dos produtos
da indústria cultural, eles são responsáveis pelo que é feito do texto literário. Os
bens culturais destinados às massas são internalizados, ressignificados e circulam
em diferentes meios sociais. Nesse sentido, os grupos que se apropriam desses ele-
mentos culturais, produzem outras culturas e as expressam em suas práticas sociais,
atribuindo outros sentidos126.
125 Para um aprofundamento sobre essas questões consultar: ECO, Umberto. O Super-Homem de Massa:
retórica e ideologia no romance popular. Tradução: Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1991;
AVERBUCK, Lígia (org.). Literatura em tempo de cultura de massa. São Paulo: Nobel, 1984; SODRÉ, Muniz.
Teoria da literatura de massa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978; CALDAS, Waldenyr. Literatura da
Cultura de Massa: uma análise sociológica. São Paulo: Editora Musa, 2000; ROCHA, Adélia Cruz. A literatura
não legitimada e a variante portuguesa da Chick Lit. 2016. 205f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade
da Beira Interior (UBI), Covilhã, Portugal, 2016.
126 Para um aprofundamento sobre essa perspectiva consultar: EAGLETON, Terry. A função da crítica. Tradução:
Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1991; CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas:
estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução: Ana Regina Lessa, Heloisa Pezza Cintra. São
Paulo: Edusp, 1997; CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução: M.
Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 1990.
114
As experiências de leitura das autoras com idade acima de 40 anos, por exem-
plo, corroboram essa interpretação. Ao narrarem sobre suas referências de leitura,
recordaram-se dos livros que eram vendidos nas bancas de revista e dos quais se
apropriavam na fase da adolescência, assim como dos clássicos: “comecei lendo
com Júlio Verne, Monteiro Lobato, Machado de Assis e Graciliano Ramos, mas
eu sempre gostei dos romances policiais. Sempre fui muito fã de Agatha Christie”
(Silvia Spadoni). As autoras mais jovens, também, mesclam suas leituras entre os
livros canônicos e os romances em séries vendidos em livrarias ou disponibilizados
nas plataformas de publicação online.
Esse cenário demonstra que, por mais que construções literárias apresentem
especificidades em sua forma e tenham propostas narrativas distintas, seja para a
distração ou para o aprimoramento intelectual, pesquisas sobre literatura popular
devem ter em consideração as apropriações dos grupos leitores, tendo por objetivo
compreender o sentido que determinada narrativa pode ter na experiência dos leitores.
Isto é, uma análise cultural mais completa, que não se restrinja à atribuição de um
determinado valor estético fixado por algum grupo social.
É o que propôs a crítica literária norte-americana Janice Radway, em seu estudo
sobre uma comunidade de leitoras de romances para as mulheres em Smithton, no
estado da Pensilvânia, desenvolvido entre 1980 e 1981. De acordo com Radway,
grande parte dos estudos de teoria e crítica literária sobre romances destinados às
mulheres não levavam em consideração o contexto real no qual os textos se inseriam
no cotidiano das leitoras, como essas leituras ocorriam e porque esses textos eram
lidos por elas. Para a pesquisadora, os estudos de teoria e crítica centravam-se, ape-
nas, na análise do texto, isolando-o das leitoras, pontuando somente classificações
e diferenciações literárias. Portanto, falhavam em elaborar explicações sobre os
significados dos textos para as leitoras. Nesse sentido, Radway propôs investigar
exatamente o que o ato de leitura de um romance de amor significa para as mulheres,
mas, a partir das mulheres e de suas apropriações e não dos textos127.
Ainda que essas perspectivas tenham avançado no objetivo de observarem as espe-
cificidades das produções literárias no contexto de inserção e apropriação dos sujeitos
ou das comunidades leitoras, as autoras entrevistadas sentem que, sobre a sua produção
literária, permanece certo “preconceito”. Em suas percepções, esse pré-julgamento
estaria relacionado ao entendimento de que, para determinados grupos – intelectuais
principalmente –, elas não escrevem romance. Apenas criam histórias fantasiosas, com
enredos fracos, sem originalidade, recheadas de questões amorosas, servindo às leitoras
que procuram apenas se entreter, ou melhor, relaxar e se aprazer com uma leitura rápida,
mas sem quaisquer pretensões ou expectativas intelectuais maiores.
Essa identificação relega suas obras a uma posição que parece estar à margem
da noção de literatura, esvaziando-as de valor qualitativo. Exemplo recente, está
na ação do Prêmio Jabuti, promovido anualmente pela Câmara Brasileira do Livro
(CBL), que, em 2020, fez alterações nas categorias do prêmio com o objetivo de
127 RADWAY, Janice A. Reading the Romance: womem, patriarchy and popular literature. Revised Edition. North
Carolina: The University of North Carolina Press, 2009.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas115
A minha ideia é que seja um momento de tranquilidade dela. Ela trabalhou o dia
inteiro, então, ela chega em casa, pega o meu livro e pode relaxar. Minha ideia
com os meus livros é que eles sejam essa distração para as pessoas. Isso, até, influi
na minha escrita mais leve. A ideia é que seja um respiro para a minha leitora. Ela
vive a vida dela, tem os problemas dela, mas, quando ela pega o meu livro, ela
pode relaxar e ler uma história de romance (Carol Dias, 2018).
Mary Oliveira, por sua vez, considera que “com as minhas histórias, eu quero
passar mensagens, recados para as mulheres, é quem eu quero atingir”. Inclusive, essa
percepção, está presente na fala de quase todas as autoras. Acreditam que cada história
que criaram possui uma mensagem específica, algo que sentiram a necessidade de “falar
sobre” e, buscaram fazer individualmente em cada nova história. Não existe um padrão
nessas mensagens. Conforme elaboram um entendimento próprio sobre uma determinada
situação ou questão, oriunda de suas experiências, observações ou apropriações culturais,
traduzem-no para as histórias, problematizando-os na construção física e psicológica das
personagens e no desenvolvimento da trama. Posteriormente, tornam público para as
leitoras, na expectativa de que compreendam aquilo que desejaram transmitir.
Busco passar em todos os livros é a mensagem do não desista, você vai conseguir
o que você quer, corra atrás dos seus sonhos. Todas as minhas mocinhas são assim,
desde as menos afortunadas, às mais afortunadas. Eu sempre busco mostrar isso.
Nós vivemos inseridos em um mundo bem complicadinho, então, eu acho que
passar essa mensagem positiva, e dizer: “olha, não desista, você pode conseguir”,
é muito bacana. Então, essa é uma temática que vai ter em todos os meus livros.
Eu diria que outra temática é a de colocar os rapazes sempre respeitosos. É uma
época bem complicada, né? Então, eu sempre busco que os mocinhos sejam
assim, respeitadores, que aceitem o tempo delas, respeitem as escolhas. Esta é
uma temática que, também, tem em todos os livros (Kalie Mendez, 2020).
[...] não é só o final feliz com a mocinha deslumbrada, sempre tem pinceladas de
questões densas. Não é o objetivo do livro, mas assim, fica aquela mensagem subli-
minar, e eu acho que a função do autor, embora eu me considere só uma contadora
de histórias, eu acho que ainda falta muito para eu chegar a ser uma autora. Mas
a função de uma contadora de história é isso, é passar uma mensagem positiva,
mesmo que, no período em que ela escreva, todo o clima seja negativo, em relação
à mulher, em relação a respeito, em relação a tudo isso (Silvia Spadoni, 2020).
também, contribuem para isso, o que faz concluir que seus livros são mais editados
e lidos na versão digital. Sue Hecker, por exemplo, atingiu a marca de 6 milhões de
leituras no Wattpad com o romance O Lado Bom de Ser Traída (2016). Kalie Mendez
publicou alguns capítulos do romance O Advogado (2018), também no Wattpad e, em
poucas semanas, alcançou mais de 30 mil leituras, disponibilizando-o, posteriormente,
na Amazon, onde alcançou alta vendagem.
A maior disponibilidade de seus livros na versão digital, talvez, explique a
forma de ordenação das histórias, pois quando se observa o conjunto de seus livros,
nota-se que a organização delas obedece a uma lógica estrutural, com a sua divisão
em vários capítulos, todos curtos, com uma linguagem direta, sem muitas abstrações
e com frases e parágrafos reduzidos também. Essa forma de organização e compo-
sição sugere uma leitura fragmentada, em que cada parte pode ser lida como uma
cena individual, que não deixa de estar relacionada à cena anterior ou à seguinte. Há
um senso de continuidade, porém a fragmentação da narrativa propicia que se siga
com a leitura em partes, num tempo oportuno, podendo, assim, sair e voltar ao texto
sempre que necessário, pois cada parte (capítulo) narra um trecho específico que vai
compondo a história como um todo. Essa disposição dos textos, decerto, adequa-se
à leitura dos livros realizada majoritariamente pela tela de dispositivos eletrônicos,
que dão suporte ao formato do livro digital. Ela não é nova. Os romances folhetins
dos novecentos já apresentavam uma forma de divisão nas histórias, modelo que se
manteve ao longo do tempo. Mas, no presente, parece corresponder ainda mais à
conjuntura digital, muito porque, na maioria das vezes, os livros digitais são lidos
quando se está a caminho de algum lugar, utilizando transporte coletivo ou, quando se
está aguardando em algum ambiente. Assim, os muitos e breves capítulos que abrem
e encerram fragmentos da história, ajudam a inserir a leitura desses romances num
cotidiano que é fortemente marcado pela mobilidade e pela conectividade daqueles
que leem nas telas128.
Seus romances são prosas de ficção, com uma linguagem estruturada em forma
de narrativa que apresenta personagens vivenciando acontecimentos fictícios, mas
que possuem certo grau de reconhecimento e identificação com a realidade, estabe-
lecendo a noção de verossimilhança, uma das principais características do gênero
romance129. Como construção literária, enraizada no meio social e cultural que a
engendra, refletem temporalidades e espacialidades, valores e comportamentos, num
jogo mimético de palavras que gera representações sobre a realidade130. São comu-
mente classificados pelas próprias autoras, por editoras e pelo público leitor como
romances de época, erótico, contemporâneo, chick lit e lésbico. Essas classificações
estabelecem uma categorização de seus livros dentro do universo de romances de
128 LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A tela global: mídias culturais e cinema na era hipermoderna. Porto
Alegre: Sulina, 2009.
129 Noção de que a literatura passa a imitar a realidade, cria uma correspondência, em que todo tipo de
experiência humana é retratada na ficção, o que se lê é o que se vive. WATT, Ian. A ascensão do romance:
estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
130 FERREIRA, Antonio Celso. “Literatura: a fonte fecunda”. In: PINSK, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina
de (org.). O Historiador e suas fontes. 6. reimp. São Paulo: Contexto, 2020.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas119
amor. Romances de época são aqueles cujas histórias se passam em um dado momento
histórico, as personagens e o enredo são ambientados num período remoto, porém, a
narrativa não tem a preocupação com a realidade dos fatos históricos em si, não busca
retratá-los em sua complexidade e numa perspectiva histórica, apenas situa enredo
e personagens num certo contexto do passado. Os romances eróticos, geralmente,
possuem histórias ambientadas na contemporaneidade, mesclam, em sua narrativa, o
amor romântico entre um casal, com momentos de sedução e erotismo, apresentando,
por vezes, a descrição detalhada de relações sexuais; levando as leitoras do segmento
a acompanharem esses momentos de clímax, dispersos entre os demais elementos
que compõem os enredos.
Os romances contemporâneos, como a própria classificação sugere, abordam
histórias que se passam em períodos recentes, também são histórias de amor romântico
entre um casal, mas que não adentram em questões sexuais de maneira detalhada,
apesar de haver algumas descrições de momentos íntimos entre as personagens,
porém essas partes são em menor proporção nesses romances que se ocupam mais de
dramas pessoais. Chick lit são histórias apresentadas de forma leve, sem densidade
dramática, com situações engraçadas. Normalmente, as histórias são ambientadas no
espaço urbano. Retratam, também, o contemporâneo. Apresentam as protagonistas,
mulheres, de forma independente, sexualmente ativas, imersas em conflitos amorosos
e familiares, inclusive, esses conflitos são a principal peça dos enredos. Lésbico, é
assim denominado por apresentar narrativas em que a história de amor ocorre entre
duas mulheres. Diferentes temporalidades podem ser apresentadas, bem como outras
temáticas no enredo, além do relacionamento amoroso entre duas mulheres, porém
sua definição primária é essa. Os termos lésbico, erótico e contemporâneo podem
aparecer conjuntamente na classificação de algumas obras, quando essas mesclam
as temáticas.
Para além dessas descrições sumárias e meramente classificatórias sobre o
formato e o conteúdo de seus romances, passa-se a um aprofundamento sobre as
histórias que escrevem, a partir da seleção de alguns títulos publicados pelas auto-
ras. No processo das entrevistas, foi perguntado quais títulos elas poderiam sugerir
para que se pudesse conhecê-las como autoras, conhecer sobre o que escrevem e,
assim, poder tecer um olhar sobre suas obras. Todas responderam com indicações,
algumas até indicaram mais de um título. Sue Hecker propôs a leitura de Pertinácia,
um romance erótico, lançado em 2018, pelo selo editorial Harlequin, disponível na
versão impressa e digital. Nana Pauvolih indicou vários títulos, pois não conseguiu
definir uma única obra que pudesse representá-la. Em suas palavras, “eu escrevo
muito, são muitas histórias, é difícil escolher”. Dentre os títulos que citou, selecio-
nou-se Pecadora, publicado em 2017, pela editora Essência. Está disponível tanto na
versão impressa quanto digital. A escolha desse livro veio de um encontro ao acaso.
Estava à venda em um quiosque de livros, na área central de um shopping center da
cidade de São Paulo, junto a outros exemplares, dispostos de maneira empilhada,
sendo folheados por possíveis leitoras. Observar a disponibilidade desse título num
espaço de comércio e grande circulação de pessoas fez a pesquisa elegê-lo dentre as
obras de Nana Pauvolih. Esse, também, é um romance erótico.
120
Clichê O Advogado
(Carol Dias) (Kalie Mendez)
Marina Duarte está no vermelho. Dona de dupla Carla é uma moça pobre, que vive sozinha desde que
graduação nas melhores faculdades públicas do Rio sua mãe faleceu. Após procurar emprego, teve como
de Janeiro, seu sonho de construir a vida nos States única solução, ser empregada doméstica. Sua vida
não está funcionando. Decidiu se mudar para ficar tinha tudo para melhorar tendo um serviço estável,
perto da tia, sua única família, mas a crise não está mas o contrário acontece e ela só desce a ladeira
ajudando em nada sua carreira. Sem saber como sofrendo humilhação e sendo pressionada por todos
pagar as contas do próximo mês, Marina aceita os lados. Até que, em um dia aleatório, sua patroa
uma vaga de babá na mansão da família Manning. te pede um favor que pode mudar a sua vida. Este
Ela só não podia imaginar que sua vida mudaria livro faz parte de uma série onde os personagens se
completamente, apenas por conhecer duas crianças conhecem, porém é livro único, não tem continuação.
e um chefe viúvo – e gato, maravilhoso, cheiroso e
gostoso –, que precisa urgentemente de sua ajuda.
A vida de Rafaela nunca foi fácil. Da “Todos nós éramos pecadores. Hannah é princesa de uma
infância passada em um orfanato Somente uma coisa diferenciava sociedade machista, possui uma
à mudança para São Paulo, ela um pecador: as escolhas. Saber o coroa que não lhe dá poderes, é
sempre teve que superar diversos certo e escolher seguir pelo caminho a única herdeira de uma dinastia
obstáculos que surgiam em seu errado em vez de fazer o que era e o maior problema com o qual
caminho. Quando tudo parecia correto. Fechei os olhos apesar de o Conselho de seu principado
entrar nos trilhos e a jovem tudo que tinha naquela noite não me precisava lidar... até se livrarem
enfermeira pensava ter encontrado arrependi. Era pecado, era perdição, dela com um casamento. Privada
o amor, um erro lhe tirou tudo, e mas também era mais do que eu já de sua liberdade e escolhas, ela
ela não sabe como recomeçar. É tinha sonhado em ter”. Entre a rígida é obrigada a se casar com Henry,
exatamente em seu momento mais criação religiosa e o desejo que que a surpreende em sua noite de
frágil que Rafaela conhece Jonas, sempre a consumiu, Isabel precisa núpcias, oferecendo um acordo.
um advogado confiante, sexy e se encontrar. Casada há quatro O problema inicia quando ela
vaidoso, que parece determinado anos com Isaque, seu namorado de começa a descobrir os perigos
a seduzi-la. Mas, depois de uma adolescência, a jovem sabe que a e conspirações que estavam por
grande desilusão, Rafaela não relação está longe de ser satisfatória. trás de seu casamento, entende
quer ceder à atração que sente Mas é só quando Isaque fica amigo os motivos que levaram Henry
por Jonas e correr o risco de se de Enrico, um publicitário solteiro e a oferecer-lhe aquele acordo
machucar de novo. Será que bem-sucedido, que a situação começa e admite que o sorriso dele a
essa jovem inocente e pertinaz a ficar insustentável. Agnóstico, sem desestrutura com mais facilidade
conseguirá resistir aos encantos de amarras e cheio de mulheres, Enrico do que consegue impedir.
um homem experiente? Pertinácia é tudo o que Isabel acredita rejeitar, Escolher entre sua liberdade,
é uma história sobre conquista: mas ela não consegue deixar de se suas responsabilidades com seu
de confiança, de objetivos e, sentir interessada pelas histórias que povo e seu casamento parecia
especialmente, de amor. o marido conta dele. Para piorar, ela simples... até seus sentimentos
consegue um emprego na agência e desejos entrarem em conflito.
dele, e agora terá de passar os dias
ao lado do homem que traz à tona
seus sentimentos mais proibidos.
122
Lolla é a jovial e sagaz filha do Tudo o que Sebastian Whrigt, conde “algumas coisas estão escritas
meio da família Gibbons. De origem de Nottinghan, deseja é trazer à para acontecer e por mais que se
humilde, eles residem na vila de vida de sua jovem irmã um pouco de esquive, os olhares se cruzam, os
Bincombe, na Inglaterra. Para alegria e interesse pela temporada sorrisos se tocam e mesmo que o
Lolla nada falta e a felicidade é na Corte. Para isso está disposto coração não saiba naquele instante,
sua companheira. Obstinada, com até mesmo a aturar os caprichos o dia para se amar está marcado
uma mente vivaz e personalidade de uma petulante professora de para acontecer.” quando o duque
forte, ela vê sua paz e destino piano. Flora precisa de trabalho. de Misternham entrou em um
serem afetados quando em sua Com um inverno rigoroso a frente, salão de baile no seu regresso em
casa aparece um senhor e oferece ela não será capaz de suportar Londres, depois de anos ausente
trabalho para seu pai em sua rica meses com pouco carvão e lenha viajando em busca de sua irmã
propriedade de campo apenas insuficiente. O convívio com desaparecida, estava disposto a
com o interesse de convencê-lo a doce Emma compensaria a encontrar uma noiva, mas sua única
a entregar Lolla para ser sua arrogância e o orgulho de Lorde exigência era que essa fosse a dama
esposa. A diferença de idade e Sebastian, símbolo de tudo que mais imprópria da sociedade. Não
ideais formam um grande abismo ela mais menospreza na nobreza. procurava amor, buscava vingança
entre eles, evidenciando as O que ambos não esperavam é e a encontrou na forma de uma
dissemelhanças que a aterrorizam, a inexplicável atração que surge gargalhada. Tudo nela era impróprio.
além do comportamento abominável quando a convivência se intensifica Tudo nela ultrajava a mais alta
que o homem apresenta. Diante e explode numa situação imprevista. classe social. Da sua gargalhada
de tais conflitos, a situação só Porém a aristocracia possui suas até os seus dedos dos pés. Já na
piora quando Lolla conhece o exigências e o casamento com uma sua terceira temporada, Helena
filho do seu indesejado noivo e se jovem malnascida não está entre os não compreendia por que o homem
apaixona por ele, se entregando a planos de um conde. Por outro lado, mais desejado de Londres pediria
um amor arrebatador que os levará Flora jamais se permitiria viver como alguém como ela em casamento
a vivenciar tormentas inconcebíveis amante depois do exemplo que teve e iria descobrir isso da pior
em nome da prometida felicidade. dos pais. Será possível a nobreza forma possível. George esperava
de caráter ser mais valorizada vingança, Helena colecionava
do que a nobreza do sangue? vergonhas e juntos seriam o
Poderá a beleza da alma cativar maior escândalo de Londres. O
mais do que a aparência física? que nenhum dos dois esperavam
era o que o destino desse
casamento oportuno e destruidor
poderia reservar para os dois.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas123
Helena Antunes acreditava apenas em uma coisa: O ano é 1968. Aos 17 anos, Vilma, a filha perfeita e
ela necessitava de paz. Seu mundo havia virado de despolitizada do coronel Solano aceita um convite
cabeça para baixo depois de um acontecimento terrível, que mudará a sua vida. Decide acompanhar a amiga
que tirou o seu chão e a desestruturou. Precisava se Maristella em um passeio no restaurante estudantil
afastar de tudo e todos que a lembravam do que havia Calabouço, no Rio de Janeiro. Queria ver de perto como
passado e que a sufocavam com uma preocupação eram os cabeludos comunistas que o pai tantas vezes
que só a colocava ainda mais para baixo. Com isso em praguejava. Viu muito mais. Testemunhou a invasão
mente, largou sua vida no Rio de Janeiro e se mudou policial do restaurante e foi resgatada do terror por Alda,
para Santa Catarina, esperando que o Sul do país a militante da UNE, por quem se apaixonou perdidamente.
isolasse e desse a ela a paz que tanto necessitava. E a saga começa... Entra para o Movimento Estudantil.
Seu plano era se manter dentro da casinha que havia O pai descobre e a manda para São Paulo. Na terra da
alugado, sem muito contato com o mundo exterior garoa, a menina se torna mulher; se entrega à militância
e as pessoas a sua volta. Mas logo no primeiro dia, contra a ditadura e desfruta de um grande amor,
seus planos vão por água abaixo quando conhece recheado de reviravoltas. Quando você abrir este livro,
um homem de tirar o fôlego. Poderia ser apenas perceberá que as linhas tênues de um diário unirão para
um encontro por acaso, daqueles em que você vê sempre a vida de Miguel, Vilma, Hanna, Anita e a sua.
a pessoa apenas uma vez e depois, nunca mais.
Poderia, mas não foi. Porque o homem em questão,
era seu vizinho. Um homem diferente de tudo o que
ela já havia conhecido. Daniel Huberman era um
homem de beleza magnífica, mas simples, educado,
gentil, prestativo e com um humor invejável. Sem
que ela perceba, uma amizade nasce entre eles e,
conforme ela vai conhecendo ainda mais a faceta do
homem que mora ao lado, ela também descobre uma
coisa: corria o sério risco de se apaixonar por ele.
131 TOLEDO, Maria Thereza. Uma discussão sobre o ideal de Amor Romântico na Contemporaneidade – do
Romantismo aos padrões da Cultura de Massa. Revista Mídia e Cotidiano, v. 2, n. 2, p. 303-320, 2013.
Disponível em: http://gg.gg/wa4ac. Acesso em: 20 out. 2021.
126
132 COSTA, Jurandir Ferreira. Sem Fraude Nem Favor – estudos sobre o amor romântico. Rio de Janeiro:
Rocco, 1998.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas127
133 SAMPAIO, Leticia. Billarubia, Eco e Narciso: ressonâncias do amor romântico na contemporaneidade. São
Paulo, 2020. 169f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano) – Instituto
de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2020. p. 158-169.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas129
134 BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
135 SAMPAIO, Leticia. Billarubia, Eco e Narciso: ressonâncias do amor romântico na contemporaneidade. São
Paulo, 2020. 169f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano) – Instituto
de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2020. p. 158-169.
130
136 PRIORE, Mary Del. História do Amor no Brasil. 3. ed., 3. reimp. São Paulo: Contexto, 2019.
TEMAS, TRAMAS E PERSONAGENS
Quando se inicia a leitura dos romances, a inserção nas histórias se dá por meio
de prólogos, uma herança cultural grega que tem, por finalidade, apresentar o tema de
uma determinada obra. Dos dez romances analisados, oito possuem prólogos como
forma de abertura. Os outros dois se iniciam diretamente com capítulos. Nos prólogos,
as autoras descrevem a trama, o contexto em que ela se desenvolverá, e fazem uma
sumária apresentação das personagens principais. Ingressa-se no universo imaginário
criado por cada autora, mas que possuem elementos realistas em sua essência, que
geram, de imediato, certo grau de reconhecimento e empatia sobre o que é narrado.
Nos romances Pecadora, Clichê, Pertinácia, De Repente, Você, Princesa Impla-
cável, As Rosas e a Revolução e O Advogado, as histórias se passam em períodos
contemporâneos. Tramas, personagens e ambientações são descritas com elemen-
tos e características que remetem a questões atuais. Os romances Nas Colinas de
Dorsetshire, O Que Toca O Coração e O Dia Em Que Te Amei, por sua vez, têm
a Inglaterra oitocentista como pano de fundo, por esse motivo, apresentam seus
enredos ambientados num contexto histórico. Todos os romances têm, como forma
de organização das histórias, vários capítulos, inclusive, são todos curtos, em média
oito páginas. Cada capítulo narra um momento da história, uma pequena parte que,
somada às demais, ao passo que a leitura avança, completa o quadro fragmentado
das histórias. Essa é uma característica comum nas obras das autoras, pois, quando
observadas em conjunto, a organização em vários capítulos se configura como um
modelo narrativo, uma estrutura que parece servir, de um modo geral, às autoras
de romances de amor. Observando outros romances, além dos selecionados para
análise e, também, de outras autoras que não foram entrevistadas, mas que atuam
no segmento, nota-se essa mesma característica de divisão das histórias em muitos
capítulos. Como pontuado anteriormente, esse modelo pode estar relacionado ao
principal meio de publicação das autoras – as plataformas online – que permitem a
publicação em partes, bem como a própria leitura em telas de suportes eletrônicos,
que sugerem essa fragmentação.
Além de dividirem as histórias, os capítulos apresentam os narradores, ora um
capítulo é narrado pela personagem principal feminina, a heroína, ora ele é narrado
pela personagem principal masculina, o herói. Há um jogo de vozes que segue por
toda a narrativa, pois quando narram, herói e heroína, fazem-no a partir de sua pers-
pectiva, isto é, sob o seu ponto de vista dos acontecimentos. Portanto, os romances
têm como característica apresentarem dois narradores que se intercalam e geram,
para os leitores, duas perspectivas sobre a história. Esse, também, é um modelo que
se repete em quase todos os romances analisados. Apenas na obra As Rosas e a Revo-
lução, a personagem principal feminina é a única narradora em todos os capítulos.
Entretanto, os capítulos iniciais, que trazem o fio condutor das histórias, são sempre
narrados pelas personagens principais femininas. São as mulheres de papel, criadas
pelas autoras, que narram suas histórias e, por mais que seus parceiros amorosos, ao
longo da trama, tenham voz e narrem alguns trechos, as histórias contadas são delas.
132
137 ROUGEMONT, Denis. O Amor e o Ocidente. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1972. p. 15.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas133
companheira. Isabel sente-se infeliz em seu casamento por não poder expressar os
desejos e as fantasias que possui. Ela gostaria de explorar sua sexualidade com seu
companheiro, mas reprime a si mesma e a seus sentimentos pela falta de abertura para
o diálogo sobre essa questão em seu casamento, e por ter crescido em um ambiente
familiar parecido com o de seu marido. Seu pai é pastor de uma igreja pentecostal
e a ensinou que suas vontades pessoais deveriam ser suprimidas para dar espaço,
unicamente, a uma vida conduzida pela devoção religiosa. Assim, encontra-se num
impasse entre se manter casada com um homem que a faz seguir os mesmos princí-
pios morais e religiosos que aprendeu a enxergar como corretos (porém, que lhe traz
descontentamento), ou se cede aos seus impulsos carnais e experimenta a liberdade
sexual de sentir e poder dar prazer com o seu corpo. Além disso, está desempregada
e busca uma recolocação profissional. Ainda teve de trancar a matrícula na faculdade,
justamente por não conseguir pagar, e ajuda no sustento de sua casa fazendo limpeza
em casas vizinhas.
Outro exemplo está em Helena, personagem de De repente, Você, que se muda
do Rio de Janeiro para a cidade de Joinville, Santa Catarina, após viver um trauma
em seu último relacionamento. Era casada com um companheiro violento que a agre-
dia, chegando a uma situação de violência extrema, em que teve de agir em legítima
defesa e tirar a vida de seu marido para conseguir manter a sua. Após essa tragédia,
decide mudar de ares e iniciar um novo capítulo de sua vida, tentando esquecer os
abusos que sofreu, porém, leva consigo traumas psicológicos que precisa superar.
Há, também, a história de Carla, personagem de O Advogado, empregada domés-
tica na casa de uma importante família, onde sua mãe também trabalhou na mesma
condição antes de falecer e lhe deixar órfã. Trabalhando exaustivamente por uma
remuneração que considera baixa, parcialmente comprometida com o pagamento do
aluguel de sua casa, numa região periférica da cidade onde mora (mas que a história
não menciona o nome), sente-se desgastada diante das dificuldades econômicas que
enfrenta. Desgaste que se acentua quando a proprietária do imóvel que aluga exige
sua saída, pois pretende passar a ocupação do lugar a um parente próximo, levando
Carla a procurar outra residência que atenda à sua situação econômica e lhe permita
poupar parte de seu salário para estudar e tentar mudar os rumos de sua vida. Carla,
também, sofre assédio sexual de um colega de trabalho e uma tentativa de estupro da
qual consegue escapar, mas que a deixa numa condição de extrema vulnerabilidade.
Situações semelhantes se repetem em Pertinácia. A personagem Rafaela, demi-
tida de seu trabalho como enfermeira particular por ter declarado o amor que sentia
por seu patrão, precisa de um novo emprego para arcar com seu sustento, além de ter
que superar a desilusão de um amor que a princípio lhe parecia ser correspondido. Ela
cresceu em um orfanato, e, após atingir a maioridade, teve de enfrentar muitas difi-
culdades, como fome e a falta de moradia, até conseguir se formar como enfermeira
e atuar na área. Em Princesa Implacável, a personagem Hannah, princesa consorte de
um principado europeu fictício, depara-se com uma crise política e social por questões
134
ainda, conferir-lhes uma posição de destaque em seu círculo social. Após relutar,
Lolla aceita casar-se pensando, exclusivamente, no futuro de sua família. Muda-se
para Londres e, na residência de seu futuro marido, conhece o filho dele, James, um
jovem da mesma idade que a sua. Ambos se apaixonam. Lolla precisa decidir entre
viver esse amor, superando os desafios que essa relação acarreta, ou aceitar o destino
traçado por seus pais.
Por último, há outra Helena, essa, personagem de O Dia Em Que Te Amei.
Durante um baile costumeiro da sociedade de corte, no qual moças em idade de se
casarem comparecem para se apresentarem aos seus pretendentes, Helena é tirada para
dançar por George, um duque muito cobiçado entre as jovens casadoiras, visto como
o candidato perfeito ao título de marido. George escolhe Helena para lhe acompanhar
na dança por perceber que a jovem apresenta um comportamento contrário às demais
moças do baile. Ela permanecia sentada, aparentemente não buscava com o olhar
algum pretendente, ria sozinha com seus pensamentos, uma risada alta e que não era
de bom tom. Ele a elege não só para a dança, mas, também, para a ser a sua esposa,
contrariando os desejos de Helena de se casar tão jovem. Após a união, Helena des-
cobre que as intenções de George para com o casamento envolviam outras questões,
ligadas à uma vingança familiar que seu recém marido tramava contra seus próprios
pais. Helena deve, então, conviver com o sentimento de que seu marido a usa para
atingir outros objetivos. Assim, vivência inúmeros conflitos em que manifesta suas
repulsas por aquela união, porém, ao mesmo tempo, das desavenças entre o casal,
emerge a paixão.
Guardadas as particularidades de cada história, em seu conjunto, nota-se que
em todas elas há um ponto em comum: os obstáculos a serem superados pelas per-
sonagens femininas. São enredos distintos, mas todos construídos com base nesse
elemento, com questões que elas precisam solucionar, em menor ou maior grau de
dificuldade, para conseguirem sua realização. A insatisfação com suas posições/
condições é, justamente, o que desejam alterar em seus destinos, e os enredos se
desenvolvem a partir dessa tentativa de mudança, do agir dessas mulheres fictícias
na resolução de seus impasses.
Em quase todos os romances, as personagens principais são mulheres jovens,
com vinte e poucos anos de idade. São descritas como donas de uma beleza única,
corpos magros, cabelos sempre perfeitos (lisos ou cacheados). Algumas são des-
critas como brancas, outras morenas, nenhuma negra. São naturalmente sensuais
e sempre elogiadas por outros personagens – masculinos principalmente – por sua
bela aparência física. Esses são aspectos que geram a imagem de um estereótipo
de mulher: linda, jovial e atraente. De Repente, Você e As Rosas e a Revolução são
os únicos romances em que as heroínas, Helena e Vilma, respectivamente, não têm
suas aparências físicas exaltadas de forma a torná-las mulheres deslumbrantes aos
olhos dos outros. Tamires Barcellos e Karina Dias, autoras dessas obras, elaboraram
a imagem de mulheres com corpos que destoam de um padrão magro. Seus cabelos,
136
por vezes, estão desgrenhados, e suas aparências físicas são pouco mencionadas e
não são supervalorizadas ao longo das tramas. Contudo, prevalece, nos romances, a
imagem da mulher sempre jovem e bela. A inerente juventude das personagens pode
ser observada sob diversos ângulos, por ser esse o momento de pouca maturidade,
em que se está diante de importantes escolhas da vida – os caminhos a seguir, a
profissão e os relacionamentos amorosos – logo, as incertezas, ou seja, os conflitos
(exatamente aqueles que movimentam as histórias) são mais marcantes nessa fase da
vida. A juventude, talvez, seja utilizada pelas autoras como uma alegoria da inexpe-
riência, da tentativa e do erro, que o tempo e a maturidade, em tese, tendem a superar.
Possivelmente, seja mais factível ver jovens mulheres buscando, experimentando e
tentando alcançar seus objetivos e, justamente a pouca idade seja o momento mais
lúdico para isso, em que há maiores possibilidades. Decerto, é o cenário ideal para
as autoras explorarem, em seus romances, sonhos e fantasias.
A juventude das personagens femininas, também, pode ser utilizada pelas auto-
ras como uma metáfora que representa a fase da vida em que as paixões avassaladoras,
os amores proibidos e as aventuras com o parceiro dão a tônica dos relacionamentos.
Como se a juventude autorizasse o ousar, o atrever-se, a maior liberdade e a busca
pelo prazer e pela satisfação pessoal. Se os romances de amor são uma forma de
“sonhar acordada”, como define Patrícia Amparo138, o sonho de viver um amor que
fora idealizado se projeta mais facilmente no destemor da juventude. No tocante à
beleza sempre marcante das personagens, diversos aspectos podem ter influência
sobre essa questão. O mais provável é o fato de as autoras reproduzirem imagens de
mulheres que elas, também, veem projetadas nos meios midiáticos e nos romances
que leem, pois o modelo de mulher sempre “linda e atraente” é um padrão que se
repete em muitos romances de amor de diversas autoras; operando como uma fórmula,
quase que comercial, na construção física das personagens femininas.
Sobre as personalidades que formam as características psicológicas, as autoras
constroem um quadro multifacetado das personagens femininas, apresentando-as
com atitudes e comportamentos relacionados às questões temáticas de cada história,
entretanto, é possível traçar um perfil dessas características. No geral, as heroínas
dos romances são mulheres com personalidades fortes e são questionadoras. Nas
relações com os demais personagens, impõem seus pontos de vista e não aceitam
serem subjugadas. Mesmo nos romances de época, em que as mocinhas estão inseridas
num contexto fortemente marcado pelo patriarcado e que o único destino possível
para elas é o matrimônio, elas são descritas com um temperamento fleumático, são
otimistas, práticas, decididas e, em alguns casos, independentes, como a personagem
Flora, do romance O Que Toca O Coração. Ela vive e se sustenta sozinha desde o
falecimento de seus pais, trabalha como professora de piano, leciona para alunas
de uma sociedade aristocrática, circula entre a nobreza, tem seus ideais e, quando
138 AMPARO, Patrícia Aparecida do. Sonhando Acordada: um estudo sobre as práticas de leitura da coleção
de romances clássicos históricos. 2012. 331 p. Dissertação (Mestrado em História da Educação) – FE-USP,
São Paulo, 2012.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas137
perguntada, faz questão de dizê-los. É descrita como cordial e discreta, mas não aceita
que outras pessoas, homens ou mulheres, destratem-na ou a outros em sua presença.
É estudiosa de música clássica, conhece histórias de compositores e composições,
demonstra sua erudição nos círculos sociais que frequenta. Em resumo, as autoras
constroem imagens de mulheres firmes e íntegras em suas ações, exímias no que
fazem, possuem ética e são reconhecidas por essas virtudes, são verdadeiros exemplos
de heroínas de qualquer romance.
Nos enredos, estão sempre às voltas com seus próprios pensamentos, refletem
sobre o que desejam e o que devem fazer, seja em relação ao amor, ao trabalho ou a
outras questões pessoais. São representadas como seres pensantes, cujos feitos são
pautados, justamente, por esse ato. Suas reflexões soam como um fluxo de consciência
no interior das narrativas, momentos em que as personagens colocam para si ques-
tionamentos das mais diversas naturezas, sobre a vida, mas sobretudo, questionam
sobre o amor e sobre o sentimento que nutrem pela pessoa que amam. Em Pecadora,
Isabel, casada com Isaque, questiona-se sobre os afazeres domésticos que sempre
precisa realizar: a limpeza da casa, o cuidado com as roupas, as refeições. Em algu-
mas passagens, enquanto realiza essas tarefas, pergunta-se o porquê de seu marido
não a auxiliar. Responde a si mesma, dizendo que ele trabalha fora, ganha o dinheiro
para pagar as contas, mas não se satisfaz com a sua própria resolução. Questiona-se,
ainda, se mesmo assim, ele não poderia ajudá-la. Conclui que o fato de cuidar da
casa é porque está momentaneamente desempregada, mas que essa não deve ser uma
tarefa só sua, precisa ser compartilhada entre ambos. Em outras passagens, sentada
em sua sala de estar com seu marido ao lado assistindo televisão, começa a refletir
sobre aquela situação e como gostaria que ele conversasse sobre qualquer assunto,
e não apenas jantasse, assistisse televisão e fosse dormir. Começa a se questionar se
aquela relação e condição na qual se encontra é o que deseja para si. Por diversas
vezes, Isabel sai de seu quarto, no escuro da noite, com Isaque na cama dormindo,
e vai para o sofá, acomoda-se, pega seu celular, busca vídeos de sexo na internet e
se masturba. Após se deleitar de prazer, reprime-se por questões religiosas, mas em
seguida, novamente, questiona-se se aquele é um desejo do seu corpo e se seu com-
panheiro não a satisfaz como ela gostaria, porque não pode buscar uma forma de ter
prazer. Suas indagações se ampliam quando Isabel conhece Enrico, seu par romântico
na história, após confessar a ele aspectos de sua vida, não diretamente, pois cria um
pseudônimo, Pecadora (título do romance), e fala com ele por meio de mensagens
trocadas pelo celular, valendo-se desse escudo para proteger sua identidade. Nas
mensagens, desabafa sobre suas inquietações. Enrico, provocando-a, sugere que ela
leia mais, como forma de ampliar seus horizontes e encontrar respostas, e recomenda
a leitura de Jean-Paul Sartre, o que ela faz vorazmente. Em passagens como essa,
as autoras demonstram que procuram apresentar as personagens em um processo de
pensar e agir, explorando aspectos mentais e até emocionais, elaboram a imagem de
mulheres racionais que se sentem incompletas em sua existência, porém, conscientes
dessa incompletude, se demonstram dispostas a alterarem o que as incomoda.
138
mesmo, para os leitores) de que se está na cama com o “verdadeiro amor”. Logo,
o prazer descrito não é apenas carnal, ele vem da alma, como se tomasse todos os
sentidos e preenchesse todos os vazios, noutras palavras, é o que se pode chamar de
sexo com amor.
Amor e sexo, nos romances eróticos e contemporâneos, soam como uma espécie
de conjugalidade, o casamento que se pretende perfeito entre a junção da tradição do
enlace matrimonial, clássico dos contos de fada, com as relações contemporâneas
que se configuram, também, pela busca por maior liberdade sexual e prazer entre
os amantes. Elementos que as autoras mesclam em seus romances e dão, ao seu
público leitor, como metáfora da felicidade, em que o amor sublime, puro e ver-
dadeiro, romântico por natureza, completa-se tanto pelo estabelecimento da união,
quanto pela possibilidade da realização dos desejos e fantasias mais íntimas com o
ser amado. Nos romances de época, por sua vez, dada a temporalidade histórica e
as limitações impostas às mulheres, não se percebe essa junção de forma explícita,
mas ela também ocorre. Mesmo sem as descrições sexuais entre o par romântico, as
autoras deixam a impressão de que eles se sentem completos, emocional e fisicamente,
ainda que o encontro físico dos corpos seja sútil, minimamente citado e sempre após
o matrimônio. Apesar disso, narram a sensação de realização do casal, numa alusão
a todos os sentidos da relação.
Um ponto de vista crítico sobre as histórias de amor apresentadas nos romances
precisa ser acrescido no tocante às condições socioeconômicas das personagens prin-
cipais femininas em relação às masculinas. Ao passo que as mulheres são apresentadas
como fortes, que buscam superar desafios e enfrentar os dilemas de suas próprias
vidas, os homens, são apresentados numa posição social e econômica superior e de
maior estabilidade. Desse modo, o protagonismo das personagens femininas, suas
ações e intenções, esbarram na figura de poder de seus parceiros, principalmente nos
romances cujo casal principal é heterossexual. No romance lésbico, As Rosas e a
Revolução, independente dos relacionamentos que tem, primeiramente com Alda e
depois com Hanna, Vilma mantém, em toda a narrativa, a ação de decisão sobre as
diferentes situações que vivencia e sobre a sua condição financeira. O oposto ocorre
nos demais romances, a figura de mulheres decididas e desimpedidas se altera quando
conhecem seus pares românticos, os homens. Em alguns capítulos, elas se aproxi-
mam da noção de mocinhas frágeis e suscetíveis que se deixam conduzir por seus
príncipes encantados. Nesse ponto, a figura masculina exerce certo domínio sobre
a figura feminina e reproduzem um modelo considerado como típico dos romances
de amor, em que o herói salva a heroína.
Os mocinhos dos romances são descritos como homens de porte físico muscu-
loso, são atraentes, jovens, exalam masculinidade e virilidade, são sedutores e objeto
de desejo de muitas mulheres. São todos brancos, alguns descritos como morenos,
nenhum é negro, e têm uma posição socioeconômica elevada. Nos romances con-
temporâneo, erótico e chick lit, são donos de seus próprios negócios, advogados,
empresários, executivos, todos bem-sucedidos em suas carreiras; nos romances de
época, são nobres, proprietários de muitas terras e com grande influência política
e econômica em seu meio social. São imagens de homens em condição superior às
142
mulheres, com poder e dinheiro que lhes permite serem e fazerem o que desejam.
Nesse quesito, as autoras reproduzem um padrão que se encontra repetidamente nos
romances de amor, de outrora e atuais, em que os personagens masculinos represen-
tam não apenas o parceiro, mas também, a pessoa que traz as soluções econômicas
para os problemas enfrentados pelas mocinhas. São a fonte de amor e prazer, que
acalentam os corações e saciam os desejos e, ao mesmo tempo, são os empregadores,
os que providenciam as mudanças e os acontecimentos, aqueles que, com uma ordem,
um telefonema ou e-mail, suprem, também, as necessidades materiais das persona-
gens femininas. O que se observa é a reprodução de um padrão de dependência das
mulheres, em especial a econômica, em relação aos homens, uma estrutura que se
preserva nos romances.
De Repente, Você é o único romance que inverte esse padrão. Na história,
Helena é proprietária de uma loja com sua irmã no Rio de Janeiro, obtém êxito em
seu trabalho e conquista uma condição financeira que lhe permite certa estabilidade.
Quando se muda para Santa Catarina e conhece seu par romântico, Daniel, ele não
propicia nenhuma melhora na condição socioeconômica de Helena. O envolvimento
entre os dois se dá, unicamente, no que se refere aos aspectos sentimentais, inclu-
sive, é Helena que possui uma condição financeira mais favorável que a de Daniel.
Nos demais romances, além do amor que sentem um pelo outro, os personagens
masculinos estão sempre promovendo algum tipo de ascensão econômica às per-
sonagens femininas, seja no auxílio de suas empregabilidades, com oportunidades
de viagens, jantares, presentes, passeios, dinheiro, seja, até, em moradia. A relação
entre ambos, apesar de ser sustentada pela paixão, é, também, financeira e material,
em que esses dois elementos são, exclusivamente, de domínio masculino. São os
personagens masculinos que fornecem a possibilidade de uma vida material mais
confortável e próspera às personagens femininas. Portanto, cabe refletir sobre esse
ponto nas histórias, momentos em que as autoras constroem personagens femininas
que não são totalmente senhoras dos seus destinos, uma vez que, quase todas elas,
dependem economicamente de seus parceiros para obterem parte de suas conquistas
pessoais e materiais.
Novamente, pode-se pensar nas influências externas que, de certo modo, ope-
ram sobre as autoras na construção de suas personagens, pois o que se observa na
leitura do gênero é o fato de este ser um padrão presente, outra fórmula nos enredos
dos romances de amor. Tomando como exemplo o best seller 50 Tons de Cinza, ou
qualquer romance de época de Julia Quinn, obras que são referências para as auto-
ras, encontra-se o mesmo modelo: personagens principais masculinas representadas
com muito poder e dinheiro, propiciando, às suas parceiras, o acesso a um universo
luxuoso. Há que se considerar que esse padrão evidencia a reprodução de uma estru-
tura patriarcal no imaginário coletivo de muitas mulheres, em que o poder político
e econômico está centrado nas mãos dos homens. Autoras e leitoras que escrevem e
se apropriam dessas obras, respectivamente, compartilham de um campo simbólico
que reforça a imagem masculina como figura de autoridade e poder no mundo social.
A questão a ser colocada sobre esse aspecto seria pensar se a manutenção desse
modelo é, de algum modo, intenção das autoras, que idealizam o par romântico na
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas143
Nós, autoras, utilizamos muito como tática, após escrever um livro, ou quando,
ainda, se está no processo de escrita, ir divulgando partes da obra no Wattpad,
como uma degustação. Assim, os leitores vão entrando em contato com a obra,
gostando. Depois, a gente põe o livro completo para vender na Amazon, e muitos
leitores adquirem para terminar de ler as histórias. Eu, às vezes até, publico na
íntegra no WattPad, e depois, vendo na Amazon. E, mesmo assim, os leitores
adquirem. Eu tenho 30 livros publicados, então, quando eu coloco um livro no
WattPad e os leitores gostam, eles vão na Amazon em busca de outros livros meus
e os compram (Nana Pauvolih, 2019).
Hoje e eu vou até a capista profissional, eu tenho uma que faz as minhas capas,
chego para ela e conto a ideia que eu tive. Eu mando, para ela, um pouco da
história e da ideia que tive. Geralmente, a minha capista acerta de primeira, ela
consegue me entregar como eu idealizei. Quando não acontece, ela refaz ou
eu procuro outra pessoa até dar certo. Mas, geralmente, ela acerta de primeira.
Então, assim, eu escolho quem vai fazer minhas capas, depois eu contrato outro
profissional de designer para criar banners, fotos de divulgação. Essa parte é um
trabalho terceirizado, mas eu sempre estou em cima de cada profissional. Mas no
começo era tudo eu que fazia (Tamires Barcellos, 2020).
elas alcançaram nas plataformas online, e as convidam para integrarem seus catálogos.
Nesse processo, a relação que se estabelece entre autoras e editoras é bem específica,
cada qual estipula as condições contratuais e de publicação de suas obras. Podem
acordar o lançamento exclusivo de um título; lançarem primeiro nas plataformas e
depois na versão impressa ou, como citou Nana Pauvolih, após escrever um romance,
sua agente literária o apresenta às editoras, ouve as propostas comerciais e, posterior-
mente, decide qual o melhor meio de publicação. O que se evidencia é um panorama
em que as autoras exercem total liberdade no que se refere aos seus romances e à
sua carreira literária. Aprofundando um pouco mais essa percepção, nota-se, tam-
bém, que o mercado editorial de romances de amor está, em parte, condicionado às
iniciativas particulares das autoras, pois, se um número significativo de leitoras se
apropria dos títulos nacionais em plataformas online (onde as autoras atuam de forma
predominante e autônoma), é possível concluir que esse segmento está fortemente
vinculado a elas. Elas estabelecem os títulos e períodos de publicação, as condições
de comercialização e as estratégias de divulgação. Corroborando esse cenário, estão
as editoras que as cooptam para, também, publicarem com elas. Ou seja, as editoras
têm acompanhado o movimento de crescimento das autoras.
Não quer dizer que as editoras não tenham uma parcela de controle sobre as
condições desse mercado, ao contrário, conforme discutido anteriormente, muitas
editoras nacionais mantêm em seus catálogos suas próprias linhas de romances de
amor. Além do mais, permanece no mercado editorial nacional uma grande quanti-
dade de traduções de obras estrangeiras, publicadas exclusivamente por editoras, um
aspecto que é característica marcante dessa produção literária. Nesse sentido, autoras
nacionais competem com autoras internacionais entre as preferências das leitoras e,
as editoras, igualmente, utilizam-se de recursos digitais e da sua cadeia produtiva
(gráficas, livrarias e sites) para promoverem a oferta de seus títulos. Sendo assim,
há várias direções e possibilidades de atuação no segmento dos romances de amor,
seja de forma independente ou não. A novidade consiste no fato de esse campo não
ser mais exclusivo das editoras. Há um processo de descentralização em curso, com
a entrada de autoras nacionais, que passam a ter uma significativa participação.
Nessa conjuntura, em seu campo literário, existem três possibilidades de atuação
para as autoras: de maneira independente nas plataformas online, exclusivamente
com as editoras ou, mesclando as duas, pois, dentro das condições contratuais que
estabelecem, há flexibilizações que lhes permitem publicar de ambas as formas e até
com mais de uma editora.
Quando selam contratos com as editoras, as questões comerciais para a publi-
cação, como preço e canais de venda, são assuntos tratados exclusivamente pelas
editoras. As autoras mencionaram que os livros lançados pelas editoras possuem um
valor de capa que pode não ser acessível para muitas pessoas. Consideram que, dentro
da realidade brasileira, o livro, como um bem cultural, deveria ser mais barato. O que
elas procuram fazer com a versão digital, sobre a qual podem definir o preço, “nos
e-books, sou eu quem define os preços. Eu tenho e-books por R$ 5,99, já fiz promo-
ções e coloquei e-book por R$ 1,99. O meu e-book mais caro independente custa
R$12,00. É mais acessível” (Nana Pauvolih). Todavia, compreendem que existem
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas149
Quando você avalia todo o processo que está por trás do livro, todo o trabalho que
é feito (a verba de marketing, os livros destinados para a divulgação, os profis-
sionais que estão envolvidos: capistas, diagramadores, revisores), enfim, quando
a gente vê o produto em si, a gente sabe que ele não é barato. Infelizmente, nós
estamos em um país de impostos. Nós mesmos, autores, temos um desconto de
27,5% sobre o que a gente publica. Então, assim como pagamos muitos impostos,
a editora acaba agregando o valor de todos esses custos sobre o preço de capa do
livro. Eles têm departamento financeiro e comercial e sabem os preços que devem
cobrar. Eles não extrapolam e colocam preços muito altos, pois sabem que não
irá vender. Mas eles fazem um estudo envolvendo os custos de produção e tiram
uma margem viável de lucro. Por isso, eu não questiono muito, eu vejo tudo o que
existe por trás e o quanto isso custa e acho justo (Sue Hecker, 2018).
Com relação aos romances em si, as editoras não interferem na criação literária
das autoras, quando muito, fazem apenas sugestões de correções e supressões, em
decorrência do próprio processo de revisão e edição dos textos. Na percepção das
autoras, quando atuam diretamente com as editoras, elas permanecem com a mesma
liberdade que possuem quando publicam de forma independente. Até mesmo o design
do livro, elaborado por profissionais das editoras, é definido por elas. Cada versão
passa por seus crivos, o que caracteriza a relação de parceria que estabelecem com
as editoras.
Livro é filho, o livro está aqui dentro (apontando para a cabeça), eu tenho que
pôr no papel o que está aqui dentro, e a leitora beta e a editora não sabem. O
que acontece, a minha editora atual, no primeiro livro, ela não mexeu nada. No
segundo livro, ela achou que eu tinha alguns furos na história. É uma história que
é um crime, então, nós discutimos juntas. São detalhes, detalhes mesmo, bem
pequenos, como: “naquele momento o personagem não sabia disso, então ele não
poderia ter tal reação”. Então, é importante porque, para mim, passa, para qualquer
autora passa, porque você está tão empolgada. Na sua cabeça, o personagem sabe,
só que você não colocou no papel, então, ela sempre me dá esse feedback, esse
retorno. Não muito mais do que isso. Eu sou bem chatinha, até as capas eu gosto
de escolher as imagens. Eu tenho alguns vícios, algumas manias, toda autora tem.
A personagem da capa tem que refletir as características físicas, a imagem da
capa tem que ser fiel. Isso me incomoda nos outros livros. Os romances de época
têm que ter a mocinha, o mocinho na capa. E se eu estou contando a história de
uma mocinha que é ruiva, eu não posso pôr uma castanha ou uma loira na capa,
por mais bonita que seja a imagem. Eu sou muito chata com isso. Eu acho que
dou mais trabalho para editora do que a editora para mim (Silvia Spadoni, 2020).
de Sue Hecker, uma autora que atingiu altos índices de leitura de seus romances em
plataformas online e, por consequente, chamou a atenção de um selo editorial que
mantém exclusividade sobre seus lançamentos desde 2016. No relato sobre sua relação
com a editora, a autora demonstra como se configura essa parceria. Há nuances entre
os papeis desempenhados, por vezes, ambas exercem certo grau de protagonismo,
atuam juntas, por outras, cada qual cumpre um papel. Ao ser questionada sobre as
possíveis intervenções da editora em seu trabalho, a autora respondeu:
Eu amo ver o meu livro impresso. Adoro vê-los nas prateleiras das leitoras, é
muito gostoso isso. Mas, numericamente falando, é muito mais rentável para nós
autoras, as publicações online. Na Amazon, por exemplo, é muito melhor em
relação ao retorno financeiro. O custo é baixíssimo e o retorno é maior. E você
conquista até mais leitores, a Amazon dá mais visibilidade (Mary Oliveira, 2019)
O e-book tem a facilidade de não ocupar o espaço físico, pois a casa não tem
mais nem espaço para tantos livros, e eles, também, são mais baratos. Claro que
o autor tem a paixão pelo formato impresso, é muito bom ter seu livro impresso
nas mãos, mas o e-book é mais prático (Carol Dias, 2018).
152
Eu, como leitora, eu gosto do livro de papel para ter na minha cabeceira, mas
eu confesso que tenho me adaptado muito bem ao digital. Eu tenho o kindle,
estou lendo digital e tenho gostado. Como autora, a versão em papel me dá mais
satisfação, mais realização, são os meus xodós, mas a versão em e-book me dá
retorno financeiro. Então, cada uma no seu segmento me agrada, na sua maneira,
cada uma me agrada (Silvia Spadoni, 2020).
139 O termo rede social é aqui empregado a partir da definição de Barry Wellman sobre as características ine-
rentes aos processos de interação humana no mundo social. A palavra online foi acrescida com o objetivo
de se referir às relações entre sujeitos sociais que compartilham valores e objetivos em comum, também, no
espaço virtual, no sentido empregado por Pierre Lévy. Sobre essas questões consultar: WELLMAN, Barry.
Networks in the global village. Boulder, CO: Westview Press, 1999. p. 1-47; LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3.
ed. Tradução: Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2010.
140 Lançado em 2004, o Facebook alcançou popularidade, somente, a partir de 2012. É um espaço virtual
(atualmente denominado de mídia social devido ao seu poder de alcance, projeção e interação social), onde
os usuários podem postar textos, áudios, vídeos, imagens em diversos formatos, marcar pessoas, lugares e
atividades que estejam desenvolvendo; além de compartilhar todas essas ações em uma rede de conexões
com outros usuários associados aos seus interesses. A rede social online Instagram surgiu em 2010, apenas
como ferramenta de compartilhamento de fotos e vídeos entre os seus usuários. Porém, a popularização da
ferramenta fez com que, nos dias de hoje, ela seja, também, um espaço virtual para postagens de textos,
troca de mensagens e lives, vídeos feitos em tempo real. Em abril de 2012, o Facebook adquiriu o Insta-
gram. As duas redes são conectadas, as postagens realizadas em uma rede podem ser disponibilizadas
simultaneamente na outra. Para se ter uma compreensão da importância das redes sociais na vida cotidiana
das pessoas, pode-se observar o significativo número de usuários. Somente no Brasil, são 130 milhões no
Facebook e 95 milhões no Instagram, segundo levantamento realizado em 2020 pela agência britânica We
Are Social Inc. Disponível em: https://wearesocial.com/digital-2020. Acesso em: 20 fev. 2021.
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas153
Aqui, retoma-se a noção da função autor formulada por Michel Foucault. Os perfis
das autoras no Instagram integram a noção de que suas obras, igualmente veiculadas
nessa mídia, circulam, são lidas e apropriadas pelas leitoras e pelo mercado editorial,
independente de suas individualidades. Desse modo, o espaço virtual, constituído
pelas conexões em rede, torna-se mais um canal de propagação e legitimação de seus
escritos, porém este amplificado, no sentido em que projeta, para um número ainda
maior de pessoas, suas funções enquanto autoras.
O Instagram permite criar uma cadeia de conexões com outros perfis (pessoas)
que, em tese, acompanham de forma síncrona ou assíncrona as postagens realizadas
pelas autoras, sobre os romances e suas carreiras literárias. Desse modo, a ferramenta
opera como uma vitrine virtual que expõe o que elas publicam. Nas palavras de
Sue Hecker, “é o espaço onde eu consigo fazer um trabalho de divulgação”. Após
escreverem as histórias e publicá-las, rapidamente as autoras as divulgam em seus
perfis no Instagram. É por meio dessa rede social online que os romances, também,
são vistos. As leitoras tomam conhecimento dos lançamentos, podem se interessar e
adquiri-los, além comentarem sobre eles nesse canal.
Enquanto sujeito deste tempo e testemunha dessa história, por diversas vezes, o
autor deste estudo se deparou, em seu próprio perfil no Instagram, com as postagens
realizadas pelas autoras sobre os livros que lançavam, os resumos das histórias que
criavam, a apresentação das personagens que viveriam as tramas elaboradas em suas
imaginações, enfim, foram muitos os momentos em que autoras apresentaram tex-
tos, vídeos, imagens que expressavam suas práticas com a literatura que produzem.
É possível inferir que muitas pessoas, ou seguidores, para usar o termo próprio da
rede social online, visualizavam aquelas publicações e entravam em contato com
as narrativas das autoras, contato esse totalmente mediado pela rede social online.
Como forma de observar o poder de alcance do Instagram e o impacto que ele
exerce na divulgação dos romances para as autoras, a pesquisa realizou o processo
de extração de dados dessa rede social online utilizando hashtags, isto é, palavras
chaves, que são utilizadas pelos usuários do Instagram quando desejam indexar
sua postagem ou comentário a um tópico ou assunto, acompanhado da utilização
do símbolo #. Foi observado que hashtags com os nomes das autoras são utilizadas
por leitoras quando realizam publicações referentes aos romances em seus perfis
no Instagram, até mesmo as autoras e editoras as utilizam. Desse modo, um recorte
temporal foi definido para a extração dos dados, o período selecionado foi entre
setembro e dezembro de 2020. Esse recorte viabilizou a constituição de uma base de
dados com um número considerável de postagens para serem analisadas, 180.281, no
total. A georreferenciação de cada postagem possibilitou aglutinar essas informações
e, posteriormente, distribuí-las entre os estados. Assim, se pôde elaborar um mapa
e traçar um panorama sobre a quantidade de pessoas que publicaram algo sobre os
romances das autoras no referido período.
154
A leitura dos mapas revela que grande parte das publicações no Instagram com
as hashtags com o nome das autoras estão na região Sudeste, concentrando 73.741
(40,90%), com destaque para os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Inclusive,
são os lugares em que a maioria das autoras entrevistadas reside. A região Nordeste,
também, apresenta um número alto de publicações, 63.340 (35,13%), com destaque
para os estados do Ceará, Pernambuco e Bahia. Em sequência, vem a região Sul com
36.474 (20,23%). Nessa região, Santa Catarina é o estado com o maior número de
publicações, seguido do Paraná. As regiões Norte 3.209 (1,78%) e Centro-oeste, 3.517
(1,95%), incluindo o Distrito-Federal, são os locais em que o número de publicações
com as hashtags são mais baixos, com destaque para os estados do Amapá e Goiás.
Essas informações permitem perceber que, para as autoras, o Instagram é uma
forma de estarem conectadas com aquelas que se apropriam de seus romances,
fazendo com que eles sejam divulgados e circulem ainda mais. Faz, também, com
que as autoras sejam assunto para comentários, curtidas e compartilhamentos, sejam
marcadas em hashtags, enfim, são divulgadas por seu público leitor. Nesse processo,
as autoras constituem seu próprio campo literário, agindo de forma totalmente inde-
pendente, nas plataformas de publicação e nas redes sociais online.
Mary Oliveira, por exemplo, usou seu perfil no Instagram para informar às
leitoras, que no dia 2 de novembro de 2020, seria lançado seu livro, Srta. Wrigth, na
versão e-book pela Amazon e, também, na versão impressa pela 3DEA Editora. Essa
publicação é apenas um exemplo de muitas outras realizadas pelas autoras com esse
objetivo, demonstrando que a utilização do Instagram está totalmente relacionada à
ação de promover os livros. Em resposta, as leitoras fazem publicações. Geralmente,
trata-se de um comentário sobre a história que acabaram de ler. As autoras procuram
responder a essas publicações, interagem com as leitoras, tanto para observarem a
repercussão de seus livros, quanto para estabelecerem o contato com elas.
As leitoras gostam dessa interação, procuro sempre responder, pois elas gostam
de ter seus comentários respondidos, elas ficam na expectativa. Então, sempre
que posso, paro, leio as postagens e comento. Hoje, eu publico o livro, e ele não
é mais meu. Elas tiram fotos, elas criam situações, elas me divulgam, eu acho
muito bacana essa relação que elas têm com os autores, e mais bacana, ainda, é
ver como isso é importante para elas. Muitas trabalham, fazem várias coisas, e
aquilo acaba sendo um momento de diversão para elas. Criar um blog, falar sobre
livros para outras pessoas e suas experiências e como isso é importante para elas
(Carol Dias, 2018).
Eu faço uma seleção anual dos Igs Literários com os quais irei trabalhar. Envio os
meus livros físicos para eles e alguns brindes também: marcadores, botons. É uma
parceria, mas sem relação financeira, apenas envio os livros, brindes; em troca, eles
fazem resenhas, comentários e postagens entre grupos de leitoras de romances, e
isso ajuda na divulgação das obras. Forneço, a eles, informações sobre próximos
lançamentos, eventos para que eles tenham conteúdo para postarem, mas tudo
isso sem nenhum tipo de remuneração. É apenas uma parceria (Carol Dias, 2018).
Imagina que você tem um produto e você precisa destinar parte desse produto
para divulgação. Os Igs Literários fazem isso: eles divulgam os nossos livros.
Hoje, a editora tem vários Igs parceiros, ela envia os livros para eles resenharem
e divulgarem. Mas eu, também, tenho os meus Igs raízes, aqueles que estão
comigo desde o início da minha carreira. Então, sempre, envio, para eles, meus
livros. Eles estando ou não nas parcerias com as editoras, eu trabalho com eles
(Sue Hecker, 2018).
serve não só como divulgação, mas ele, também, faz o papel desse crítico, desse
crítico enjoadinho aí, da academia, que não quer ler o romance de época (Silvia
Spadoni, 2020).
Eu tenho as minhas leitoras betas, que são aquelas primeiras leitoras que eu vou
mandando para elas capítulo por capítulo, conforme eu vou escrevendo, porque
elas são, meio que, a minha amostra. Eu sei que, se elas gostarem, o meu público,
de uma forma geral, irá gostar; se elas não gostarem, o meu público não irá gostar.
141 Aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones. Além de
mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e documentos em diferentes formatos,
além de fazer ligações e chamadas de vídeo por meio da conexão com a internet.
160
Então, eu trabalho com as betas em todos os meus livros, elas me dão sugestões
(Carol Dias, 2018).
Eu tenho algumas leitoras betas que me ajudam muito, e é muito legal, porque tem
coisas que você escreve que você não está vendo naquele momento, e aí, quando
outra pessoa acaba lendo, consegue te dizer os trechos que precisam ser melho-
rados. Isso é superimportante, principalmente quando a gente está escrevendo na
internet. Ali, normalmente, você posta um capítulo por semana ou um por dia,
e aí, dependendo dos comentários sobre aquele capítulo, servia de termômetro
para o decorrer da história. Então, esse retorno é muito utilizado, sempre gostei
muito de ouvir. Geralmente, eu escrevo a história inteira, eu faço os capítulos.
Na medida em que eu vou escrevendo, eu vou submetendo à análise das minhas
betas. Eu tenho duas ou três betas e elas me dão um feedback sobre a história
(Karina Dias, 2020).
Mais do que interferir, ela participa, eu paro para ouvir. Eu tenho a minha leitora
beta, na verdade, eu tenho duas leitoras betas só. Eu não gosto muito de espalhar,
existem os grupos, fanpages, as leitoras que me seguem. Mas é sempre uma situa-
ção que a gente discute o livro depois. Eu tenho um grupo que a gente se reunia
em São Paulo e, todo o ano, ao final do ano, a gente se encontrava e comentava o
livro que eu tinha escrito, e eu comentava o livro que eu ia escrever para a gente
analisar um ano depois no novo encontro. Mas eu mando para as minhas leitoras
betas sim, eu mando pronto, ou no finalzinho, e elas fazem as críticas delas. Às
vezes, eu aceito, às vezes não, mas eu procuro ouvir, porque esse feedback da leitora
é muito importante. É ali que eu “to” sabendo se eu estou conseguindo atingir o
que eu quero, se eu estou conseguindo passar o recado que eu quero. Então, eu só
não passo para mais leitoras, pois, aí, eu acho que vira uma confusão. A leitora se
apropria um pouco do personagem, e ela quer que aquilo aconteça daquela forma
às vezes, então, aí não pode. O autor tem que ser fiel ao que o personagem conta
para ele. Eu escuto as expectativas das minhas betas. Eu, às vezes, faço ajustes,
mas eu não fujo da personalidade nem do fio condutor da minha história (Silvia
Spadoni, 2020).
Todos esses recursos mencionados pelas autoras, utilizados por elas em seu
cotidiano, fazem parte do seu modo de fazer literatura. São mecanismos fundamentais,
até mesmo, para que elas sejam autoras, com livros publicados e um vasto público de
leitoras que se apropriam de suas obras. Interessante observar que eles se configuram
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas161
como caminhos que foram abertos pelas tecnologias digitais existentes na contempora-
neidade. Por esses caminhos, essas e outras centenas de outras autoras estão trilhando
suas trajetórias no campo literário dos romances de amor. As plataformas de publicação
e redes sociais online, as novas relações com as editoras, a interação com as leitoras,
por meio de recursos digitais e as parcerias literárias que se estabelecem, são elemen-
tos em comum na experiência de autoras contemporâneas que fazem essa literatura.
Suas práticas, nesse campo literário, são semelhantes, igualam-se em muitos aspectos,
principalmente no fato de serem as protagonistas na condução de suas carreiras como
escritoras. Por meio dos recursos digitais disponíveis, elas estão conseguindo criar o
seu próprio campo de atuação, dinamizando seu segmento literário, conciliando-se
ao mercado editorial (quando lhes é benéfico) e promovendo transformações. De um
modo geral, são novos caminhos que se fixam na produção, na difusão e na circulação
dos romances de amor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A expressão “romances de amor” foi utilizada ao longo deste estudo como forma
de referenciar a literatura produzida pelas autoras entrevistadas, possivelmente, ela
tenha transmitido a impressão de que se falava de um único modelo de literatura.
De fato, há muito mais semelhanças do que diferenças entre a produção literária das
autoras. A estrutura dos seus romances, como as formas de narrar, a composição das
personagens e os enredos, têm muitas similitudes. Entretanto, uma das característi-
cas principais de suas obras são as diferentes denominações que possuem: erótico,
contemporâneo, chick lit, lésbico, de época, e outros mais, como faroeste e dark.
São termos empregados pelas autoras, leitoras e editoras, que geram classificações
e especificam as temáticas apresentadas nas histórias. Esses termos, associados aos
romances, caracterizam a sua fragmentação e diversificação, isto é, a pluralidade dessa
literatura na cena literária contemporânea. Agrupá-los na expressão “romances de
amor” se justifica pelo fato de todos eles se centrarem em histórias de amor entre um
casal que se apaixona, simbolizando a essência dessas narrativas. Contudo, quando
se buscam esses livros para ler, nas plataformas online ou nas livrarias, lojas físicas
e virtuais, a identificação deles não está descrita como romances de amor, mas sim,
como as referidas classificações anteriormente citadas. As autoras, também, apre-
sentam-se dessa maneira: “eu escrevo romances eróticos”, “eu escrevo romances de
época”, “escrevo romances contemporâneos” etc. Como se cada um dos substanti-
vos e adjetivos empregados correspondesse a existência de um subgênero literário.
Todavia, suas respostas foram unânimes quando perguntadas sobre qual o principal
aspecto abordado em seus romances: “é, sempre, o amor, uma história de amor”.
A compreensão de seus romances como uma literatura que fala de amor, tam-
bém, relaciona-se ao fato de elas serem, a princípio, leitoras e fãs do gênero, logo,
despertaram em si o desejo de integrarem essa cena literária. A entrada delas nesse
campo se deu, justamente, por serem grandes apreciadoras, no passado e atualmente.
Continuam a se apropriar dessas narrativas, tendo-as como horizonte, além de outros
elementos, para constituírem seus próprios escritos. Participam da produção de uma
literatura que não é totalmente nova, sua natureza descende de outras épocas e luga-
res, trata-se de um elemento cultural que permanece ao longo do tempo. Como des-
tacado anteriormente, as narrativas sentimentais têm uma extensa trajetória, foram
elaboradas e reelaboradas em diferentes contextos sociais e culturais, atendendo aos
interesses de grupos de indivíduos e, principalmente, do mercado editorial. Nesse
processo, sentidos lhe foram atribuídos, dentre eles, a noção de que são “literatura de
mulher”, aspecto que perdura na contemporaneidade. Naturalmente, os romances de
amor de ontem (de séculos passados) não podem ser comparados à luz dos romances
de amor de hoje, pois a literatura é, em certa medida, reflexo de seu tempo e de sua
gente. Como define Antonio Candido, ela expressa o “espírito de sua época”. E,
mesmo que se mantenha a compreensão de que os romances de amor são destinados
às mulheres, eles não são totalmente iguais, nem ontem e nem hoje. Sendo assim,
164
Campo este que começa a ser delineado quando elas ainda estão escrevendo os roman-
ces. Como seus relatos demonstraram, suas escritas são, de certa forma, expressão
de suas subjetividades, seus olhares sobre o mundo social e o universo cultural que
as cercam e as influenciam de múltiplas maneiras. As autoras têm, como parâmetro
para o desenvolvimento de seus romances, todo o repertório de leituras e produções
audiovisuais das quais se apropriam, além, é claro, das vivências suas e daquelas
observadas. Esse panorama caracteriza como os romances de amor contemporâneos
carregam as marcas pessoais de suas autoras. Seria essa a especificidade dessa lite-
ratura no presente? Os romances de amor atuais, em alguns aspectos, são uma forma
de expressão de si? Ao lê-los, entra-se em contato com uma narrativa literária que,
também, expressa os sonhos, os desejos, as idealizações e as inquietações das autoras
que os escreveram? Uma coisa é certa, pelo que se pôde observar das histórias que
criaram, há muitas semelhanças com as coleções de romances de amor lançadas por
grupos editoriais no século passado, como as histórias de amor, nas quais há repre-
sentações desiguais entre as personagens principais, em que as masculinas possuem
poder e dinheiro, e as femininas, geralmente, são retratadas numa condição de depen-
dência em relação às masculinas. Possivelmente, a especificidade de seus romances
está nos temas que abordam, dentre eles, o amor romântico e apaixonado, a descrição
das relações sexuais entre o casal protagonista das histórias, o erotismo que permeia
algumas narrativas, o amor entre mulheres e, as ambientações espaço-temporais no
presente. Esses elementos, de certo, são as marcas dos romances de amor de hoje.
Mesmo com as autoras tendo mencionado que seus romances são tidos, pelo
meio acadêmico e por alguns círculos culturais, como uma “literatura de menor
importância”, voltada exclusivamente para o entretenimento de seu público leitor,
não se pode deixar de considerar que, ao mesmo tempo, elas os reafirmam enquanto
literatura, com seu devido valor e qualidade literária. Foram unânimes, também, em
dizerem que escrevem romances, numa referência à relevância que o gênero possui no
campo das letras, que produzem uma literatura apropriada e amplamente prestigiada,
tanto por elas quanto por muitas leitoras desse país. Se seus romances entretêm ou se
instruem, para elas, não importa, o que prevalece é o entendimento que possuem de
que suas narrativas propiciam a leitura, a fantasia, reflexões e o desejo de ler, mais e
mais. Por isso, elas se mantêm na escrita de romances, pensando na próxima história,
nos temas que irão abordar e nas mensagens que desejam transmitir. Dedicam-se a
isso, até mesmo aquelas que se ocupam de outras atividades profissionais que não
só a escrita. Assim o fazem, porque há um público a sua espera, de mulheres princi-
palmente, aspecto este que as próprias autoras reconhecem: são leitoras ávidas pela
próxima história, pelo próximo romance de amor que desejam ler.
Certamente, são as leitoras que legitimam a existência e a permanência dos
romances de amor na atualidade. O campo literário dessa literatura é composto,
também, por todas aquelas que se apropriam dessas histórias, que as fazem circu-
lar no espaço físico e virtual. No desenvolvimento deste estudo, um dos objetivos
iniciais era compreender as apropriações de leitoras do gênero, tentar enxergar os
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas167
dois lados dessa literatura, tanto daquelas que escrevem quanto daquelas que leem.
Contudo, no exercício de recortar o objeto de estudo para um aprofundamento
mais rico sobre ele, optou-se por concentrar a análise dos romances de amor por
meio dos depoimentos das autoras sobre suas práticas. Ainda assim, entrevistas
com algumas leitoras já haviam sido realizadas, dentre elas, Janaina Dos Santos
Ferreira, uma mulher negra, moradora da cidade de Osasco, em São Paulo, com
35 anos de idade, formada em Letras, professora de Língua Portuguesa e tradutora
de textos em inglês, casada e sem filhos. Janaina estava em sua casa, sozinha,
e a entrevista ocorreu no formato online, por vídeo chamada. O roteiro com as
questões lhe foi enviado previamente. Em seu depoimento, ela expressou muitos
dos elementos que foram apontados pelas autoras. Explicou por que lê romances
de amor, o que percebe dessa literatura na atualidade, mas, principalmente, o que
esses romances representam em sua vida. Suas considerações são relevantes e, por-
tanto, são transcritas a seguir, no sentido de demonstrar como um livro, ou muitos
(pois, para ela, a leitura é uma prática cotidiana), é capaz de ampliar horizontes,
questionar realidades e, ainda, fazer sonhar, mesmo aqueles cujas narrativas são,
essencialmente, sobre o amor.
ela não encontrou alguém que valha a pena. E ela sempre fala como os livros a
ajudaram. Como essa evolução foi ajudando-a. Ela lia, inicialmente, romances
de mocinhas, mais cordatas. Aí, as mocinhas começaram a dar o grito de inde-
pendência e a buscarem por mais chances. E ela seguiu isso e foi atrás de uma
progressão. Então, houve essa mudança nos livros e na vida dela também. Isso é
muito interessante, pois quando a gente se senta para conversar, eu e outras lei-
toras, a gente vê que isso impacta a gente. Que o romance tem essa função, não
só de entreter e de ensinar, mas de fazer com que a gente tome posturas na vida
que vai fazer toda uma diferença. E no crescimento que vamos obter com isso.
Por isso que, intitular os livros só como literatura de entretenimento, chega a ser
ofensivo, pois os livros impactam e salvam vidas de pessoas.
Janaina: A busca por vivenciar algo que eu não estou vivendo naquele momento.
Janaina: Não diria direcionado para as mulheres, mas as mulheres são as que mais
consomem, isso é fato. Acho que 98% dos consumidores desse tipo de romance
são mulheres, é um nicho bem feminino. E dentro desses 2% que sobram, a gente
tem alguns homens que leem por curiosidade, tipo: “ai, eu quero saber o que
essa mulher tanto lê”, ou então, “eu quero ver o que diacho esse Grey tem que eu
não tenho”. E ainda nisso, tem a nossa comunidade LGBTQIA+ que lê sem um
preconceito. Leem porque falaram que é legal e decidem ler, independente de ser
um romance hétero ou não. Leem, simplesmente, porque acham a história bacana.
172
Eu acredito que a mulher cria alguns estereótipos, cria algumas ilusões que só
esse tipo de livro fornece. Por exemplo, você está em um relacionamento ruim,
você sabe que se você pegar um livro desses, você vai encontrar: um mocinho
que é cavalheiro, um mocinho que vai puxar a cadeira para você se sentar e não
para você cair dela, um mocinho que vai abrir a porta do carro. Então, assim,
tudo o que falta no mundo real para os homens é o que a gente busca quando lê
esse tipo de história. Além da possibilidade de viajar para lugares diferentes, de
viver histórias de muitas pessoas e muitas situações diferentes, que a gente, como
ser humano, só temos a possibilidade de viver uma única história em uma vida.
Então, quando se busca esse tipo de literatura, a gente busca viver várias emoções,
várias situações, várias vidas. Essa é a opinião que eu tenho. Quando eu comecei
a ler, lá atrás aos 11 anos, foi por curiosidade, porque a capa era bonita. Aí, eu fui
aprendendo, aprendendo novas expressões, fui conhecendo países que eu nunca
imaginei visitar. Alguns eu tenho vontade de visitar, outros não, justamente pela
descrição tão apurada que se dá nesses livros. Mas eu acho que, principalmente,
o público feminino busca esse tipo de literatura porque algo falta na vida. Ou na
vida sentimental, ou na vida profissional, ou alguma grande emoção.
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p. 91-105, jul./dez. 2010. Disponível em: http://gg.gg/xi6g5. Acesso em: 10 abr. 2019.
TOLEDO, Maria Thereza. Uma discussão sobre o ideal de amor romântico na con-
temporaneidade – do Romantismo aos padrões da cultura de massa. Revista Mídia
e Cotidiano, v. 2, p. 303-320, 2013. Disponível em: http://gg.gg/wa4ac. Acesso em:
20 out. 2021.
A
Amazon 15, 16, 44, 50, 51, 52, 55, 57, 58, 64, 65, 66, 92, 118, 120, 145, 146,
147, 151, 155, 159, 165
Amor romântico 13, 15, 22, 26, 30, 31, 33, 34, 41, 53, 69, 100, 109, 112, 119,
125, 126, 127, 128, 129, 130, 140, 144, 166, 176, 184, 185
Autoras 3, 4, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 29,
31, 34, 35, 37, 39, 40, 41, 43, 46, 47, 48, 49, 52, 53, 55, 56, 57, 58, 59, 60,
61, 63, 64, 65, 66, 67, 69, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 83, 84, 86, 87,
88, 89, 90, 91, 92, 94, 95, 96, 97, 98, 100, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109,
110, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 123, 125, 126, 127, 128, 129, 130,
131, 132, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 145, 146, 147, 148,
149, 150, 151, 152, 153, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 164, 165,
166, 167, 172
C
Campo literário 10, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 28, 46, 47, 48, 49, 58, 75, 91,
94, 95, 96, 101, 103, 106, 146, 148, 155, 161, 166
Casamento 13, 33, 37, 89, 93, 100, 101, 121, 122, 132, 133, 134, 135, 139, 141
Cinema 54, 84, 102, 111, 118, 125, 156, 170, 179, 180
Comercialização 30, 36, 40, 42, 44, 45, 59, 80, 148, 165
Comportamento 13, 34, 78, 122, 134, 135, 139, 146, 185
Contemporaneidade 10, 13, 15, 67, 87, 94, 100, 119, 125, 128, 129, 130,
134, 143, 161, 163, 184, 185
Coração 15, 27, 28, 30, 31, 34, 35, 37, 43, 48, 49, 52, 105, 112, 120, 122,
130, 131, 134, 136, 139, 174, 181
D
Desejo 30, 49, 53, 56, 66, 80, 101, 115, 121, 125, 126, 127, 128, 130, 137,
140, 141, 163, 164, 166
F
Fantasia 10, 33, 41, 69, 87, 90, 129, 143, 156, 166
188
I
Internet 9, 12, 15, 16, 20, 21, 43, 44, 45, 46, 47, 57, 58, 59, 61, 62, 64, 66,
67, 94, 103, 117, 137, 159, 160, 164, 173, 174, 175, 181, 182, 183, 184
L
Liberdade 11, 34, 53, 58, 74, 78, 105, 106, 121, 128, 129, 130, 133, 136,
141, 143, 145, 148, 149, 177
Linguagem 25, 28, 34, 66, 87, 112, 118, 130, 170, 179, 181
Literatura de entretenimento 39, 110, 112, 113, 144, 169, 170
Literatura de mulher 22, 25, 97, 101, 104, 106, 163
M
Mercado editorial brasileiro 15, 36, 40, 42, 44, 53, 97, 146, 183
Mulheres 9, 10, 13, 15, 16, 17, 19, 21, 22, 23, 26, 29, 32, 33, 34, 35, 36, 41,
50, 54, 55, 70, 75, 76, 77, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 106,
108, 109, 114, 116, 117, 119, 121, 123, 127, 129, 131, 132, 135, 136, 137,
138, 139, 141, 142, 143, 144, 157, 163, 164, 166, 169, 171, 173, 178, 182,
183, 185, 186
P
Personagens femininas 34, 129, 132, 135, 136, 138, 141, 142, 143, 144,
168, 178
Plataformas de publicação online 15, 25, 46, 55, 57, 59, 66, 67, 105, 114
Popularização 29, 32, 43, 45, 67, 101, 113, 115, 152, 164
Preconceito 9, 10, 11, 13, 50, 104, 107, 114, 170, 171
Princesa 49, 51, 88, 107, 120, 121, 131, 133, 139
Processos de escrita 18, 25, 69, 76, 78, 87
Produções literárias 21, 22, 95, 96, 103, 104, 109, 110, 114, 115, 123
Pseudônimo 43, 49, 50, 53, 102, 105, 137
Público leitor 12, 16, 22, 28, 29, 31, 40, 41, 47, 49, 53, 58, 60, 62, 65, 81, 97,
98, 99, 103, 109, 118, 130, 132, 141, 145, 146, 155, 159, 166
R
Redes sociais online 15, 18, 20, 25, 47, 48, 94, 109, 152, 155, 159, 161, 165
Romances de amor 3, 4, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24,
25, 26, 27, 31, 36, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 56, 58, 64, 66, 80,
OS ROMANCES DE AMOR NA CULTURA DIGITAL: autoras e suas práticas189
92, 96, 97, 100, 101, 102, 104, 105, 106, 110, 118, 120, 123, 130, 131, 136,
139, 141, 142, 144, 145, 146, 148, 151, 156, 157, 159, 161, 163, 164, 165,
166, 167, 170, 172, 174
Romances de época 17, 51, 77, 78, 91, 92, 107, 118, 119, 120, 134, 136, 139,
141, 143, 149, 163, 171
Romances sentimentais 9, 11, 15, 27, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 43, 45, 100,
105, 112, 174, 176, 181, 182, 183
S
Segmento literário 16, 17, 22, 23, 28, 35, 36, 37, 41, 43, 64, 66, 92, 95, 98,
112, 150, 152, 161
Sensibilidades 20, 25, 83, 86, 94, 95, 96, 100, 182
Sociedade 23, 24, 25, 67, 75, 83, 102, 111, 120, 121, 122, 126, 127, 128,
135, 136, 139, 176
Subjetividades 25, 83, 86, 88, 94, 95, 126, 129, 166
V
Visibilidade 64, 74, 145, 147, 151, 152
W
Wattpad 12, 15, 16, 44, 48, 49, 53, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 86,
98, 118, 145, 146, 165, 174, 177, 179, 184
SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)