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Ivana Guilherme Simili

Guilherme Telles da Silva


(Organizadores)

AS ROUPAS NA HISTÓRIA: Pesquisar,


narrar e ensinar

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2024
Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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S762

Simili, Ivana Guilherme.


As roupas na história: pesquisar, narrar e ensinar / Ivana Guilherme Simili, Guilherme Telles da
Silva (organizadores). – Curitiba : CRV, 2024.
202 p.

Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-5667-5
ISBN Físico 978-65-251-5672-9
DOI 10.24824/978652515672.9

1. Educação 2. História da Moda 3. História das Roupas 4. Educação – Ensino de História 5.


Técnica de Pesquisa. I. Silva, Guilherme Telles da, org. II. Título III. Série.

CDU 391 CDD 741.6720904


Índice para catálogo sistemático
1. História da Moda – 741.6720904
2024
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Tel.: (41) 3029-6416 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Ivana Guilherme Simili
Guilherme Telles da Silva

INCROYABLES ET MERVEILLEUSESS. A MODA COMO OBJETO DE PESQUISA E


ENSINO DE HISTÓRIA
Gabrielle Mello
Carlo Romani

A HISTÓRIA DA MODA COMO RECURSO DIDÁTICO NO CONTEXTO DO NOVO


ENSINO MÉDIO: o vestir e a modernização das cidades
Guilherme Telles da Silva

MODA, ENSINO DE HISTÓRIA E A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL


Letícia Fernochi

EVA PERÓN COMO PROPOSTA DE ELETIVA NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS DA


MODA
Ivana Aparecida Marques Cunha
Larissa Klosowski de Paula

O CARNAVAL DAS ESCOLAS DE SAMBA E O ENSINO DE HISTÓRIA


Pedro Covre Marchiori

TECNOLOGIAS NO ENSINO DE HISTÓRIA E MODA NA CIBERCULTURA


Mari Vandete Almeida

AS ROUPAS COMO MODELOS EXPLICATIVOS NAS MÁQUINAS DE TECER A


HISTÓRIA
Ivana Guilherme Simili
Paula Link

O USO DAS FONTES HISTÓRICAS NA CONSTRUÇÃO DA PESQUISA EM


VESTUÁRIO
Laiana Pereira da Silveira
Frantieska Huszar Schneid

LYGIA CLARK E HELENA ALMEIDA: vestir a obra de arte


Flavia Jakemiu Araujo Bortolon

ÍNDICE REMISSIVO

SOBRE OS AUTORES
APRESENTAÇÃO
Como usar as roupas para pesquisar e ensinar história? De que maneira
os vestuários usados pelas pessoas e que estão nas imagens das obras
pictóricas, nas gravuras, nas fotografias podem ser os veículos para explicar
a história, contribuindo para a compreensão de conceitos como de espaço e
tempo e as diferenças que acompanham as noções de passado e de
presente? Como as temáticas e questões sociais, culturais, políticas e até
mesmo de saúde, que compõem a grade do conhecimento histórico em suas
temporalidades e fenômenos podem ser acompanhados pelas
transformações nas visualidades, nas aparências das pessoas? Como captar
e entender as variações nos padrões estéticos, as relações entre os artefatos
e os mecanismos de consumo com o crescimento das tecnologias virtuais?
Não menos importante, como usar as fontes impressas, os arquivos pessoais
e públicos, as plataformas virtuais e todo o arcabouço tecnológico presente
na sociedade contemporânea para pesquisar e ensinar história? E a moda,
que lugar ocupa ou pode ocupar nas narrativas históricas?
O desafio que propomos aos autores (as) foi o de responder a essas
interrogações de forma muito particular: transformar os conhecimentos das
pesquisas desenvolvidas durante a graduação, o mestrado e o doutorado ou
aquelas em curso, em quaisquer daqueles níveis, em insumos para a escrita
dos textos que auxiliassem os profissionais do ensino médio e superior de
história, a absorverem as roupas que formatam as aparências e visualidades
das pessoas no tempo para o ensino e a pesquisa. Nas respostas, os
encaminhamentos teóricos e metodológicos sobre como problematizar os
documentos, como deles extrair informações e obter pistas para evidenciar
os papéis desempenhados pelas roupas nas dinâmicas sociais, culturais e
políticas.
De certa maneira, o desafio lançado faz parte de um projeto maior que
vem sendo desenvolvido junto à Universidade Estadual de Maringá no
Laboratório de estudos e pesquisas em Moda. O La-moda, laboratório de
estudos e pesquisas em história, moda e cultura teve atuação ativa nos
últimos anos junto à graduação e pós-graduação em História (PPH-UEM),
na formação de estudantes e no desenvolvimento de pesquisas voltadas para
as temáticas da moda, dos gêneros e das aparências na história, inserindo as
roupas como fonte e objeto de múltiplas análises. Foi e é deste modo que o
La-Moda vem contribuindo para os avanços nos estudos sobre as roupas e a
moda no Brasil.
Durante os anos de 2020 e 2022, ocorreu uma significativa expansão do
laboratório. Com a pandemia do Covid 19, a realização de palestras pelo
Google Meet, com convidados(as) de diversas instituições de Ensino
Superior que pesquisavam temáticas da moda fez com que o laboratório
ficasse conhecido no Brasil. A difusão de informações sobre as palestras no
Instagram (@lamodauem), despertou o interesse e a curiosidade de
estudantes, pesquisadores e de pessoas em conhecer o que é a moda e como
esta podia ser estudada.
O estabelecimento de parecerias com estudantes, mestres e doutores(as)
de diversas universidades brasileiras foi crucial para o crescimento do
laboratório. Profissionais que atuavam no ensino de moda e de
historiadores/as que haviam construído suas trajetórias pessoais como
pesquisadores(as) sobre a história do vestir e das roupas ao serem
convidados(as) para palestrar, puderam apresentar os resultados de seus
estudos e oferecer uma rica coleção de temas que podiam se tornar novos
objetos de pesquisa. Assim, eram criadas as condições para muitas trocas de
experiências teóricas, metodológicas e historiográficas entre palestrantes e
participantes.
Foi no decorrer dos eventos do LA-moda que surgiu a ideia de produzir
o livro “As roupas na história: pesquisar, narrar e ensinar”. A ideia surge
quando o público presente nos encontros comentava sobre o interesse ou o
desejo de concretizar estudos, que considerassem como princípio basilar de
que a roupa é história e que por meio delas estudamos e conhecemos o que
é história. Segundo afirmavam, as graduações em História não contribuem
com as formações dos estudantes no sentido de ensinar a atentar, a observar,
a olhar e a valorizar as roupas nos documentos. Com isso, nas narrativas
produzidas como conhecimento histórico o que as pessoas vestiram ou
vestem passam desapercebidas, constituindo-se em meras ilustrações de
suas existências e presenças históricas. A carência na preparação durante a
graduação e pós-graduação se transformam, assim, em círculo vicioso. Isso
porque, se a formação pecou em não fornecer os subsídios para a leitura e
interpretação das imagens das vestimentas, o despreparo se espraia para as
salas de aulas, quando, como professores(as), devem e ensinar o que
aprenderam. Embora os livros didáticos e todo o arsenal pedagógico como
os filmes, os jornais, as revistas, os conteúdos televisivos possam ser
mobilizados para o ensino, o fato de o(a) professor(a) não saber lidar com
os conteúdos do vestir e dos usos que podem ser feitos das vestimentas
vestidas pelos(as) personagens na sala de aula faz que um rico material de
ensino seja inutilizado ou sequer considerado.
Para este público, que chamamos de interessado e que enfrenta
dificuldade em saber como executar os projetos de pesquisa e de ensino que
priorizem o que é dado a ver e a conhecer sobre os corpos dos personagens
que transformamos em históricos porque integrantes e atuantes nas
situações e circunstâncias que, no presente, são concebidas como
pertencentes ao passado é que o livro se dirige.
A narrativa do primeiro capítulo, “Incroyables et Merveilleuses. A moda
como objeto de pesquisa e ensino de História”, de Gabrielle Mello e Carlo
Romani pode ser lida como documento-depoimento dos interesses que o
conhecimento histórico-político desperta e as maneiras como orientanda e
orientador equacionaram as fontes e criaram um roteiro teórico,
metodológico e historiográfico para analisar as imagens da Revolução
Francesa adotando como foco de análise Les Incroyables et Merveilleuses.
É o resultado de trabalho acadêmico que tem aplicabilidade na sala de aula
para tratar de tópicos sobre os movimentos políticos e as roupas. Os
conceitos-chave das análises históricas, por exemplo, as lutas e as
correlações de forças, as disputas pelo poder, as diferentes posições
políticas, os embates entre as classes e/ou segmentos sociais e políticos, as
caracterizações de masculino e feminino, os pertencimentos às camadas
pobres e ricas da população quando examinados sob a perspectivas das
roupas podem ser exercitados, compreendidos e ensinados.
O capítulo descrito faz parte do conjunto de textos que integram a
primeira parte do livro. Denominada de “Pesquisar e ensinar”, a separação
tem uma razão de ser, dialogar mais diretamente com os profissionais de
história que atuam no ensino médio. Embora os recortes temáticos e
temporais ofereçam ideias e sugestões de encaminhamentos direcionados às
práticas pedagógicas, neles estão pistas significativas para futuras pesquisas
acadêmicas, tanto no aspecto bibliográfico quanto ao manuseio de fontes
primárias que podem conduzir a novos aproveitamentos, mediante novas
leituras e interpretações.
É preciso esclarecer que o livro foi pensado e organizado no amplo
debate sobre as Diretrizes educacionais para o ensino médio. Por isso, o
cuidado que tivemos foi o de tentar evitar o debate aprofundado sobre o
assunto, optando por oferecer estratégias de ensino que podem ser
ajustadas, adaptadas, remodeladas sem perder de vista o objetivo central, a
mobilização das práticas de vestir e das roupas como elemento fundamental
das análises e das narrativas.
No segundo capítulo, “A História da Moda como recurso didático no
contexto do novo Ensino Médio: O vestir e a modernização das cidades”,
conforme sugerido no título apresenta algumas reflexões que ajudam a
entender o debate atual. Escrito por Guilherme Telles da Silva, o panorama
traçado para o ensino e por meio do qual alguns pontos do debate se tornam
claros serve para costurar a proposta didática que tem por princípio de que a
moda pode ser o veículo para acompanhar as transformações das cidades,
decorrentes do processo de urbanização, da formação de rede comercial e
de serviços para a população, da ampliação das ofertas de estudo, trabalho e
lazer que exigem novas roupas, novos comportamentos, novos estilos de
vida.
Trata-se de texto que traz a experiência do pesquisador que durante o
mestrado escreveu a história da cidade de Maringá, adotando as lentes das
modificações que o crescimento urbano provocou nas aparências dos
homens, de como os motores da moda foram acionados na cidade para
favorecer a elegância e a beleza masculinas. A leitura pode oferecer muitas
ideias de como os(as) professores(as) de história podem aproveitar a
história da cidade para levar os(as) estudantes a pensarem de como as
passagens do rural para o urbano ou os compassos observados nos modos
como surgiram e cresceram transformaram as roupas e as aparências das
pessoas. É uma maneira de transformar as ideias contidas em uma proposta
pedagógica em outras tantas intervenções didáticas com o objetivo de
desenvolver o gosto e o interesse dos estudantes pela disciplina de História.
Dois capítulos que trilham os caminhos de projeto didático-pedagógico,
indicando os benefícios que os(as) professores(as) podem extrair das roupas
e da moda na sala de aula para ensinar história são: Eva Perón como
proposta de eletiva na perspectiva dos estudos da moda, de Ivana Aparecida
Marques Cunha e de Larissa Klosowski de Paula e o capítulo Moda, Ensino
de História e a Primeira Guerra Mundial, de Letícia Fernochi.
O ponto de partida que fundamenta a proposta sobre Eva Perón (1919-
1952), traz algo, como pano de fundo, de suma importância que é o papel
das primeiras-damas na política ou os poderes que delas emanam como
esposas dos Presidentes da República. A consideração que sustenta a
argumentação para levar Evita para a sala de aula é a de que a personagem
não ocupa lugar de destaque nas narrativas dos livros didáticos, aparecendo
como apêndice da figura de Juan Perón (1895-1974). Todavia, a ideia
defendida para construir a dinâmica pedagógica que visa aproximar os(as)
estudantes da personagem é o de reconhecer o significado que a moda
praticada pela primeira-dama foi parte integrante da política peronista.
Acompanhar as transformações corporais de Eva Perón conectadas à
moda que praticava e disseminava, influenciando as mulheres argentinas faz
parte do método de ensino de história desenvolvido pelas autoras.
Levantando questões e posicionando-se sobre o ensino de história e, ao
mesmo tempo, oferecendo um roteiro para integrar Evita ao conhecimento
histórico como parte da história da América latina são estabelecidas as
etapas e as estratégias didáticas. Elas são orientadas pela instrumentalização
das roupas, das aparências, os modos de vestir e de usar os artefatos pela
personagem para produzir efeitos de beleza e elegância sobre o corpo. É
assim que a moda se torna em recurso explicativo para a compreensão do
significado que a personagem para a história das mulheres e do primeiro-
damismo.
De certo modo, o texto oferece uma pauta de análise que pode ser
mobilizada para o estudo de personagens na história, particularizando e
estudando trajetórias de homens e mulheres e os papéis que as aparências,
os cuidados estéticos, as intervenções sobre os corpos com adornos e
enfeites tiveram nas produções e perpetuações de imagens. Merece
destaque, ainda, os benefícios que as metodologias biográficas podem
extrair das aparências para entender as trajetórias quando examinadas sobre
o enfoque das mudanças resultantes do tempo. O corpo e a roupa são
históricos. Empregado como princípio pode ser ensinado e explorado para a
percepção da passagem do tempo e das sucessivas mudanças físicas,
medidas pelos tipos e estilos de roupas. As roupas se tornam, assim, em
marcadores biográficos que permitem dimensionar a passagem do tempo e
as transformações operadas sobre as aparências, delimitando a infância, a
juventude e a velhice em suas múltiplas faces, familiares, escolares,
profissionais etc.
Outra face da relação entre os fenômenos políticos e a moda é deslindada
pela Letícia Fernochi ao deter-se sobre as transformações na moda feminina
durante os anos da Primeira Guerra mundial. Foi a constatação da falta de
abordagens sobre a moda e o ensino de história que movimentou a pesquisa
desenvolvida no mestrado do ProfHistória polo da Universidade Estadual
de Maringá (UEM) e cujos resultados, como soma de levantamento de
informações no Jornal das Moças (1914-1918), e de aportes históricos e
historiográficos sobre/para a Primeira Guerra Mundial, com foco nas
mulheres, forneceram as condições para o desenvolvimento da sequência
didática destinada ao terceiro ano do ensino médio. Além da sequência, o
retorno obtido, como resultado/resposta do público discente faz parte do
relato da professora-autora.
Como relato da experiência, como prática pedagógica, os pontos altos da
narrativa estão na descrição pormenorizada acerca de como usar as fontes
impressas na sala de aula, quais mecanismos de leitura e de interpretação
podem ser mobilizados para que os(as) estudantes captem as diferenças
entre as abordagens encontradas nos livros didáticos e em outros artefatos
históricos, como os jornais e as revistas. Associado a este aspecto, é a
potencialidade das roupas e da moda para facilitar a compreensão das
mudanças nos vestuários que acompanham e traduzem os tempos de
conflitos mundiais que se mostra bem-marcada no texto. Ao enfocar as
mulheres, as roupas e a moda são instituídas a pauta da estratégia narrativa
e pedagógica que traz para a cena dos fatos, o feminino, preenchendo
lacunas presentes em outros artefatos pedagógicos bem como ajudando
os(as) estudantes a entenderem que os assuntos e as questões dos homens
são veículos para mudanças nos visuais e nos comportamentos dos
segmentos femininos.
Finalmente, fechando a primeira parte do livro, os capítulos sobre o
carnaval e as tecnologias de ensino tratam de aspectos relativos à história
do tempo presente. No capítulo, “O carnaval das escolas de samba e o
ensino de história”, Pedro Covre Marchiori sugere encaminhamentos para
utilizar os materiais produzidos nos desfiles das escolas de samba, em
particular, da Mangueira, como recurso didático-pedagógico. Nas
entrelinhas, a noção de desfile feito de música e fantasias sobre o corpo
servem para relacionar os conteúdos musicais e imagéticos que, levados
para a sala de aula, possibilitam a reflexão de temáticas políticas, sociais e
culturais do tempo presente, aproximando os estudantes da realidade
brasileira.
Um ponto que aparece de forma tangencial no texto do Pedro e é
esmiuçado no capítulo da Vandete Almeida [Negavan], “Tecnologias no
Ensino de História e Moda na Cibercultura” diz respeito às difusões de
informações nas redes de comunicação virtuais e como elas beneficiam as
pesquisas na contemporaneidade, facilitando o acesso e o levantamento de
dados necessários às investigações, como é o caso dos Carnavais. Os sites,
as plataformas virtuais que permitem o acesso aos jornais e revistas são
ferramentas que contribuem com as pesquisas e o ensino de História.
Além disso, e de forma precisa, Negavan analisa a tecnologia no tempo
presente da educação e da moda. Ao enfocar o Cibermoda, como relação
entre moda e tecnologia, são detalhadas as mudanças na produção e
consumo de roupas físicas e digitais. Um campo de pesquisas de grande
interesse para o/a historiador(a) da moda. Não somente. É campo e
instrumento de investigação para os/as estudantes que, acostumados/as com
as redes sociais podem entender os usos da tecnologia da moda para
estimular as práticas de consumo, para expandir e globalizar o mercado e,
portanto, a internacionalização do gosto e do estilo de vestir.
Chegamos, assim, a segunda parte do livro Explicar e narrar. Composto
por três capítulos, “As roupas como modelos explicativos nas máquinas de
tecer a história”, de Ivana Guilherme Simili e Paula Linke; “O uso das
fontes na construção do vestuário”, de Laiana Pereira da Silveira e
Frantieska Huszar Schneid; “Lygia Clark e Helena Almeida: vestir a obra
de arte”, de Flavia Jakemiu Araujo Bortolon.
Nesta parte, o foco central é o de ajustar as lentes mediante a retomada e
o incremento de pontos tratados na anterior, porém, ampliando-os com o
objetivo de enriquecer conceitos, práticas de pesquisa e de ensino, como
complementares e associadas para o bom desempenho dos(as)
estudantes(as) na realização de investigações acadêmicas e dos(as) docentes
que, estimulados pela leitura queiram aproveitar as ideias com as quais
entraram em contato e queiram desenvolver outras dinâmicas pedagógicas
na sala de aula.
Se em alguns textos da primeira parte a proposta da narrativa foi a de
construir um guia para as intervenções pedagógicas, esta face não está
ausente na segunda. Todavia, como o(a) leitor(a) perceberá, é possível a
partir das sugestões oferecidas numa parte, encontrar outros apoios teóricos,
metodológicos, históricos e historiográficos na outra.
Isto posto, “As roupas como modelos explicativos nas máquinas de tecer
a história”, instrumentaliza duas peças indumentárias, o vestido e o tailleur
para relacionar as transformações históricas com as mudanças no vestir.
Logo, nas roupas, as autoras encontram os suportes materiais para explicar
a história. A lógica é, o surgimento de um estilo indumentário, como o
vestido e as subsequentes alterações que nele se processam é a própria
história se fazendo, introduzindo mudanças, ajustando-as e adequando-as de
acordo com o tempo, com as exigências sociais, culturais e políticas que
repousam sobre os indivíduos como homens e mulheres. Como
consequência, as roupas, como conjunto de peças que se alteram com o
tempo, explicam a história, como períodos feitos por indumentárias, com os
surgimentos, as permanências, as mudanças, as manutenções, os
redimensionamentos e as atualizações.
Laiana Pereira da Silveira e Frantieska Huszar Schneid oferecem vários
caminhos para os usos das fontes nas investigações sobre vestuários. Os
cuidados conceituais e o detalhamento minucioso sobre os empregos das
fontes, transformados em documentos são os pontos altos da narrativa. O
olhar detido sobre o jornal Diário Popular, as operações e estratagemas
criados para o levantamento e sistematização das informações sobre o vestir
em Pelotas nos anos 1980 e todo o aparato desenvolvido para confrontar e
explicar as imagens, com ênfase nas fotografias de casamento faz que o
leitor(a) acompanhe a metodologia que amparou o processo de pesquisa.
Memória, cultura material, fotografias, vestir de forma geral e nos
casamentos, em particular, são conceitualmente e empiricamente
explicados. Na narrativa, os parâmetros como critérios e ações
desenvolvidas durante a pesquisa contribuem para a compreensão e
inspiração para futuros estudos e manuseios pelos docentes no ensino de
história.
E a arte, o que tem a dizer sobre o vestir e as roupas? A resposta é dada
por Flávia Jakemiu Araujo Bortolon, por intermédio de duas personagens,
Lygia Clark e Helena Almeida. Nas trajetórias das mulheres-artistas e
produtoras visuais, a autora esmera-se por explicar como a arte é um
veículo para a exploração do corpo, do espaço e as complexidades do que
podemos chamar de experiências feminino no tempo e nas produções
artísticas. Entre os méritos do texto, os potenciais que o estudo apresenta
para refletir os significados da arte, o que é arte e como a arte é vestida nas
produções artísticas e visuais de mulheres e os matizes das diferenças
quando confrontadas com aquelas produzidas pelos homens. Outro ponto a
destacar é como as mulheres-artistas instrumentalizam a arte para
denunciar, questionar e reivindicar direitos, combater as violências e se
posicionarem no enfrentamento das desigualdades sociais, culturais e
políticas. Sem dúvida, um leque de temas se abre por meio da arte como
objeto de pesquisa e de ensino de história pautada na explicação das
mulheres e seus fazeres e afazeres na sociedade e na cultura.
Esperamos que o livro seja lido e compreendido como conjunto de
ideias, sugestões, propostas que contribuam para fortalecer o interesse e a
vontade de conhecer a história por meio de algo que faz parte de nossas
vidas, desde que nascemos e que nos acompanham a vida toda, que são as
roupas com as quais caminhamos pela vida, contando a nossa história e das
pessoas que o habitam.
Acreditamos que levar a roupa e a moda para a sala de aula pode
contribuir para que a história ganhe formas e cores, para que os enredos
históricos ganhem vida. Isto porque as roupas dão vida, é a vida que se faz e
que se narra por meio do que usamos, quando e como usamos, para quem e
com que objetivo. Por intermédio das roupas, os personagens do passado e
do presente deixam de ser anônimos, adquirindo as identidades dos
contextos sociais, culturais e políticos em que viveram ou vivem e, com
eles, suas ações no tempo e no espaço.

Ivana Guilherme Simili

Guilherme Telles da Silva


INCROYABLES ET MERVEILLEUSESS.
A MODA COMO OBJETO DE PESQUISA
E ENSINO DE HISTÓRIA
Gabrielle Mello
Carlo Romani

“Em tempos difíceis, a moda é sempre ultrajante”

(Elsa Schiaparelli).

Quando o vocábulo “moda” é trazido à tona em um contexto casual, é


normal e até esperado que as pessoas o relacionem às marcas de alta-
costura e seus shows de moda extravagantes com convidados ilustres.
Talvez, porque as pessoas que se intitulam “blogueiras de moda” – ofício
relevante para muitos atualmente – e as notórias revistas de moda realmente
deleguem uma grande importância às marcas sofisticadas, com peças de
preços exorbitantes, o que afasta a maioria da população da possibilidade de
pensar em adquiri-las. Entretanto, mesmo com todas essas impressões, não
é verdade que a moda seja um conceito tão exclusivo assim. A moda está
presente em todos os lugares, desde os uniformes que são usados em
escolas até no traje escolhido para conquistar um emprego. A moda é
comunicação.
O uniforme escolar por si só, por exemplo, carrega uma grande carga de
informações e motivações suficientes para se tornar protagonista de uma
reflexão exclusiva sobre ele. Katiene Nogueira da Silva discorre sobre esse
vestuário com o qual temos grande contato no dia a dia e quais seriam as
motivações para sua inserção no ambiente escolar. Ao longo do texto fala
sobre uma possível moralização dos alunos por meio do uso do uniforme e
de uma tentativa de implementar o que poderíamos chamar de igualdade
entre os alunos, uma forma de camuflar diferenças e carências, mas que
também pode acabar tendo o efeito contrário, tornando-se empecilho para
alguns frequentarem a escola por conta da dificuldade em adquiri-lo (Silva,
2015, p. 197-227). Para a autora, “ao instituir o uso dos uniformes, a escola
imprime a sua identidade nos corpos dos seus alunos e desfila seus
símbolos dentro e fora desse espaço, percorrendo outros lugares e
estendendo suas normas para fora de seus muros” (Silva, 2015, p. 223).
Identidade: diferente dos demais, mas idêntica a si mesmo. Segundo
Ivana Simili, um fato que fundamentou efetivamente a eclosão da moda foi
a classificação dos vestuários em femininos e masculinos e as ferramentas
utilizadas para demarcar as diferenças de um tipo de roupa para outra
(Simili, 2016, p. 239). A relação entre as roupas e um conceito identitário,
quando se trata de separar os tipos de vestuários pelo sexo, foi um dos
responsáveis por legitimar o que chamamos hoje de moda. Tendo
justamente a escola e os uniformes escolares como ponto de partida, vamos
tratar de pensar o uso da moda como uma ferramenta útil no ensino da
história e apresentar um caso específico de pesquisa histórica que trata das
vestes usadas por um grupo de jovens aristocratas durante a Revolução
Francesa.
*

Quando se procura a palavra “moda” no dicionário surgem várias


definições, dentre elas: “maneira ou estilo de agir ou de se vestir”,
“sistemas de usos ou de hábitos coletivos que caracterizam o vestuário, os
calçados, os acessórios etc., num determinado momento”, “estilo próprio ou
maneira típica de agir; maneira, modo”1. Entretanto, quando se fala da
moda como um conceito, é difícil chegar a conclusões concretas. Existem
várias definições, diversas possibilidades de como e onde esse conceito
começou a revelar-se e isso torna ainda mais difícil o reconhecimento da
moda como um objeto de estudo pertinente em termos de trabalhos
científicos. Nas palavras do sociólogo francês Pierre Bourdieu, a moda
sofre o que ele chama de a censura específica de um campo determinado
por ser vista como fútil e, como consequência, não ser digna de receber um
tratamento científico (Bourdieu, 1983, p. 39). A solução para esse
impedimento seria aplicar “um método considerado legítimo para a análise
de um objeto tido por ilegítimo” (Silva, 2015, p. 200-201).
É em 1988 que surge o primeiro curso de moda em terras brasileiras
(Maia, 2022, p. 204) e faz setenta anos que A moda no século XIX, tese feita
por Gilda de Mello e Souza, considerada como precursora da utilização da
moda como objeto de estudo, foi defendida na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (Silva, 2015, p. 200).
Assim dizendo, os estudos envolvendo a moda no Brasil são um
acontecimento relativamente recente e acabam por se apoiar e serem
moldados em função do que se utiliza no estrangeiro, fazendo com que haja
diversas brechas e informações apagadas relacionados à cultura brasileira
(Maia, 2022, p. 204-205).
De um ponto de vista da história global, há também divergências sobre o
significado e o conceito da moda e de como tratá-la. Isso se dá por conta da
dificuldade em se decifrar um ponto de partida, marcar onde roupas
deixaram de ser apenas peças para cobrir o corpo ou protegê-lo e se
tornaram uma forma de expressão de um determinado grupo social. Fred
Davis, autor de Fashion, Culture and Identity e Valerie Steele, historiadora
da moda, consideram o Renascimento e o século XIX, em geral, como os
períodos em que a moda conquista uma certa importância na história. Já
Sarah-Grace Heller, autora do livro Fashion in Medieval France, considera
que as teorias sobre a origem da moda são contestáveis por conta da falta de
fontes para estudá-las2. O grande historiador francês Fernand Braudel, em
estudo pioneiro feito na década de 1970, descreveu a moda como uma
característica peculiar da história ocidental. Por outro lado, Antonia Finanne
(2008, p. 6-7) faz a crítica a esse eurocentrismo e à ideia de que a natureza
da moda seria um aspecto relacionado ao desenvolvimento da modernidade
ocidental. Com isto, o que queremos dizer é que não existe um consenso
sobre em qual época da história a moda passou a ser significativamente
importante na construção social de um povo ou em quais lugares do planeta
podemos considerar que isso tenha se tornado mais relevante.
Gilles Lipovetsky (2009) conceitua a moda como um feito que torna
possível ligações entre seres humanos em um dado contexto social e que
evidencia traços sociais e estéticos dentro de um cenário de poder
monopolizado. Seguindo sua análise temporal, podemos, ao observar as
cortes europeias do Antigo Regime, notar as relações de identidade de cada
povo com seus monarcas. Em 1623, logo após tomar posse do reino de
Espanha, Felipe IV instituiu que para se apresentar na Corte era necessário
estar com trajes pretos, isso porque a cor preta era considerada uma cor
valiosa por conta de seu processo de tingimento. A Corte espanhola
apresenta-se com muita elegância com a ajuda dos trajes negros. A Corte
Francesa foi marcada pelos seus excessos perfeitamente representados por
Luís XIV, o célebre Rei Sol (De Lourenço, 2020, p. 274). A cultura do luxo
acabou por representar essa França absolutista. O luxo era uma questão de
Estado, com suas extravagâncias ele demonstrava o poder de sua nação
(Luglio, 2012, p. 6).
Se no período monárquico, o exagero e elegância eram símbolos
importantes para a imagem da nação francesa, os revolucionários de 1789
empenharam-se em afastar-se desses costumes. A simplicidade ganhou o
protagonismo da vez e as roupas, mais do que nunca, serviram como
instrumento de exposição do posicionamento político individual e
prestaram-se à demonstração de civismo dos novos cidadãos. A roseta
tricolor foi transformada em acessório do vestuário, e quem tinha recursos,
como os burgueses, vestiam-se com as cores listradas da nação. A
Revolução Francesa é um dos eventos mais ricos em materiais documentais
para a pesquisa histórica e tratando-se da história da moda também não
seria diferente. Podemos encontrar diversos textos e fontes iconográficas
para escrever sobre a relevância do vestuário na construção de uma cultura
política revolucionária (Hunt, 2007). Pensando na construção dos símbolos
revolucionários, como indica Lynn Hunt, nas imagens mais utilizadas
podemos sempre avistar o branco, o vermelho e o azul da bandeira francesa,
sinônimos de igualdade, fraternidade e liberdade. Não só as imagens e
nomenclaturas comprovam a importância da moda como símbolo da época,
mas também leis impostas pelos revolucionários guiando a população em
relação à vestimenta a ser usada, até chegarmos à proibição, em 29 de
outubro de 1793, do uso dos trajes oficiais da monarquia (Morais-
Alexandre, 2008, p. 6).
Ter esse primeiro contato com a apropriação da moda pela política
durante a Revolução Francesa pode despertar a curiosidade de como essa
concepção se reconfigura e aparece, ecoando a revolução, desde os anos
seguintes ao evento até os dias atuais (Vovelle, 1989). Podemos assistir a
moda indo e voltando diversas vezes no tempo, peças de roupas sendo
reaproveitadas e modelos de roupas voltando como se fossem lançamentos,
depois de vários anos, em gerações posteriores. Não só as roupas, mas
também os estilos e os aspectos revolucionários atrelados a muitos desses
eventos passados são ressignificados e reapropriados de acordo com a
situação e necessidade no futuro, como novas formas de protesto. Em 1984,
o então jovem estilista John Galliano se formou na Central Saint Martin de
Londres com uma coleção chamada “Les Incroyables”, inspirada nos
aristocratas franceses que não se contentavam com a situação
revolucionária em que se encontravam. Tanto os Incroyables, em 1795,
quando John Galliano, em 1984, buscaram chocar suas respectivas
sociedades com suas roupas extravagantes como forma de rebelião (assim
Galliano caracterizou sua coleção) e mesmo em situações completamente
diferentes, tiveram sucesso o suficiente para perdurarem na história.
Figura 1 – John Galiano Les incroyables, 1984

Fonte: https://www.minniemuse.com/articles/art-of/graduation-collections (Creative connections).

2022! Ano de eleição e ano de copa, dois eventos com suas diferenças e
uma peça de roupa em comum o marcaram: a camisa da seleção brasileira
de futebol. A famosa camisa canarinho teve um novo significado agregado
a ela. Apoiadores do presidente Bolsonaro puderam ser identificados por
utilizá-la nas situações mais diversas e na maioria das vezes eles realmente
queriam ser assim reconhecidos. Nos últimos anos essa peça de roupa, tão
comum no guarda-roupa da população, foi vetada por alguns e vangloriada
por outros. Entretanto, com a realização da Copa do Mundo no Catar, em
novembro de 2022 após a derrota de Bolsonaro nas urnas, o uso dessa peça
de roupa, um verdadeiro símbolo do país, continuou entrando em pauta nas
várias conversas cotidianas. Nesse contexto, alguns até cogitaram trajar a
versão azul da camisa para não haver nenhum tipo de problema ou de
identificação com o governo Bolsonaro3.
Esse caso da camisa amarela da CBF exemplifica claramente o peso e o
simbolismo que uma peça de roupa pode carregar. A moda está próxima de
todos nós sempre, cada decisão de roupa para ser usada em um evento ou
para seus fazeres diários é uma escolha de como queremos nos apresentar
para a sociedade. Quando, por exemplo, vemos um álbum de família, na
maioria das vezes conseguimos reconhecer os eventos ocorridos pelos trajes
das pessoas em cada foto e ainda especular a época e situação que elas
retratam. É isso que a história e a moda, quando misturadas, nos permitem
trilhar: caminhos para explorar mais detalhes sobre o passado e suas
repercussões no presente.
Retornando à França, lugar de onde surgiu a motivação para este texto,
diferentemente de outras edições, nas quais os mascotes escolhidos foram
animais, para as Olimpíadas de 2024, a serem sediadas em Paris, o “barrete
frígio” foi escolhido como mascote dos jogos olímpicos. Tony Estanguet,
presidente dos Jogos de Paris 2024 justificou a escolha das “Phryges” com
o intuito de representar um ideal e a visão do país, expandindo essas ideias
para o mundo junto com a identidade e o espírito francês. A história da
França com os famosos tipos de chapéu nos leva de volta à Revolução
Francesa. Os barretes frígios não foram uma exclusividade da República
francesa, provieram dos escravos libertos na Grécia e Roma antigas e de
marinheiros e condenados das galés navegando no Mediterrâneo. Foi
justamente essa conexão com o ideal de liberdade contido em um simples
chapéu que inspirou os revolucionários franceses a adicioná-lo à sua própria
história. Segundo Paulo Morais-Alexandre, ao usá-lo “os revolucionários
estabeleciam uma comparação com a própria libertação do que
consideravam ser a opressão do Antigo Regime e o próprio rei Luís XVI
teria sido forçado a usá-lo” (Morais-Alexandre, 2008, p. 6).
Quando se estuda a Revolução Francesa, muitos professores e os livros
didáticos colocam ênfase nos sans-culottes, os homens e mulheres francesas
das camadas baixas, revolucionários por excelência. O apelido destes,
dados por membros da aristocracia francesa, devia-se à diferença das calças
utilizadas pelas duas classes. Os sans-culottes vestiam calças mais simples e
com um corte reto bem diferente daquelas das classes mais altas, que
usavam calças justas na altura do joelho. Junto com o barrete e a insígnia
tricolor esses homens se tornaram um dos símbolos da luta revolucionária.
As mulheres sans-culotte também se caracterizavam pelas seus vestidos
simples, cobrindo todo seu corpo e pelo uso de toucas na cabeça e de
tamancos nos pés.
Figura 2 – The Pretty Sans-Culotte under Arms with The Sans-Culotte of August 10th

Fonte: Augustin Challamel, Histoire-musée de la république Française, depuis l‘assemblée des


notables, Paris, Delloye, 1842. http://commons.wikimedia.org/ (Public Domain).

Trazendo o exemplo acima dos sans-culotte pode-se identificar e até


mesmo contar e explicar toda a história da Revolução Francesa, seu pré e
até seu pós por meio das roupas; desde a extravagância da Corte, até a
drástica mudança para a simplicidade nos cortes e nas cores representando o
emergente nacionalismo naquele país. Nosso interesse neste texto, contudo,
vai em direção oposta e dirige-se ao movimento contrarrevolucionário que
emergiu após o final do período do Terror, em 1795. Os Incroyables e a
parte feminina do grupo denominada as Merveilleuses (Incríveis e
Maravilhosas, em português) por meio de suas roupas e modos exagerados,
buscaram influenciar a política e os meios sociais de sua época.
A Revolução Francesa é conhecida por suas figuras ilustres como, por
exemplo, Maria Antonieta cujo estilo Rococó causou sua fama e sua queda,
embora não tenham sido somente figuras ilustres da antiga monarquia que
escreveram as páginas da moda na história (Poletto, 2019). Ao analisarmos
os Incroyables et Merveilleuses, antagonistas dos jacobinos, a moda por
eles utilizada abre diversas questões sobre a indumentária, reforçando a
importância dos trajes e de seus diferentes usos políticos durante o período
Revolucionário e após o término dele. A existência desse grupo social
mostra-se restrita à época do Diretório, num período bem curto da história,
mas sua representação se estende até os dias atuais. Além do já citado
desfile de John Galiano, Alexander Fury fez uma pequena análise do desfile
do designer de moda Rei Kawakubo na temporada de Outono de 2016, que
descreveu seu desfile como “Punk do século XVIII” e explicou que aquele
show seria como ele imaginava as pessoas punks vivendo naquele tempo.
Alexander Fury, entretanto, atenta os leitores para um ponto central: punks
de fato já existiam no século XVIII, ou, pelo menos, a inspiração para tal
movimento já existiria (Fury, 2016). E, dito isso, os Incroyables et
Merveilleuses entram em cena.
Em julho de 1794, Robespierre é executado, o período do Terror tem seu
fim, um grupo de jovens franceses surge causando impacto com seus cortes
de cabelo, formato de seus corpos, pelas suas formas de se vestirem,
andarem e até falarem. Não poderíamos usar o termo revolucionários para
esse grupo, eles iam totalmente contra os ideais da Revolução, tampouco
poderíamos classificá-los do ponto de vista social de punks, eram filhos da
elite rica francesa. Entretanto, com suas exageradas roupas extravagantes
mostravam sua insatisfação com o que a França havia se tornado e ao
mesmo tempo apoio a uma possível volta da realeza. O grupo não durou
muito, logo quando Napoleão chegou ao poder o movimento já não tinha
força, porém, foi relevante o suficiente, como vimos, para seguir inspirando
gerações futuras.
Quando estudamos assuntos referentes ao Império do Brasil, ou à Crise
de 1929, dois exemplos distintos e aleatórios da história, seja numa sala de
aula escolar ou num curso de graduação, não necessariamente teremos
contato com as peças de roupa usadas pelos personagens envolvidos
naquele contexto histórico. No caso do estudo da Revolução Francesa, no
entanto, muito dificilmente é viável ensiná-la sem ao menos mencionar um
de seus símbolos, que se estende aos trajes usados, e isso acontece por conta
da importância fundamental do simbolismo em seu contexto. Desde a
bandeira tricolor, bandeira francesa que substituiu a antiga bandeira da
realeza, estampando a combinação do branco, tida como cor do rei, com o
azul e o vermelho, representando as cores de Paris4, e Marianne, a
representação da mulher usando o barrete frígio e primeiro símbolo da
República5, os símbolos da Revolução Francesa foram extremamente
necessários para legitimar e propagar seus ideais (Duprat, 2007, p. 45).
Como nos mostrou Lynn Hunt em sua pesquisa sobre a emergente
cultura política na França revolucionária, “diferentes trajes significavam
diferentes políticas [...] Durante a revolução, até os mais ordinários objetos
e costumes tornaram-se emblemas políticos e potenciais fontes de conflito
político e social” (Hunt, 2007, p. 77). Os símbolos cumpriam o papel de
trazer a sensação de que o povo realmente estava fazendo parte de algo
maior, dando longevidade à experiência revolucionária. A vida cotidiana foi
politizada e os indivíduos vinculados ao passado ficaram estigmatizados.
Um panfleto datado de 1793 definia o moderado e o aristocrata como
aquele que não melhorou a sorte da humanidade miserável e patriota, tendo notoriamente os
meios para isso. Aquele que não usa por ruindade uma Roseta de três polegadas de
Circunferência; Aquele que comprou roupas que não são nacionais, e Principalmente os que
não se orgulham do título e do Barrete de Sans-Culotte6 (Hunt, 2009, p. 19).

Hunt coloca a seguinte questão: “Como chegar à igualdade se a distinção


social continuava a se manifestar no vestuário?” (Hunt, 2009, p. 23) A
indumentária foi objeto de grande disputa desde o início da Revolução.
Através das roupas os cidadãos podiam provar seu patriotismo e não
demorou muito para que esses símbolos fossem oficializados por meio de
leis. Em maio de 1794, é pedido a David, o grande pintor da Revolução e
deputado, que fossem criados projetos e sugestões para aprimorar os trajes
da nação. Foram feitos oito desenhos, dos quais seis eram para oficiais e
dois para civis, porém não havia grande distinção entre os dois tipos. O
esboço do traje o concebia como uma túnica curta e aberta com uma faixa
prendendo-a na cintura, acompanhado de calções apertados, inspirado na
Antiguidade e Renascença. Os figurinos teatrais não chegaram a ser de fato
abraçados e usados amplamente pela população, mas somente o fato de a
ideia desse uniforme existir, nos mostra a importância da vestimenta nesse
período histórico.
Ainda sobre a força dos símbolos na história, na França do século XVIII,
um nome extremamente comum: Marianne. Não é coincidência que o
mesmo nome tenha sido escolhido, primeiro como ironia e depois adotado
com carinho, para personificar a nação e representar a República. Para
entender melhor o significado de Marianne temos que nos ater à cultura
clássica, já que para a construção desse símbolo presente até hoje houve a
apropriação de um símbolo anterior, já bastante conhecido pela população,
a Deusa da Liberdade. O dia 10 de novembro de 1793 foi a data marcada
para um festival com o objetivo de honrar a Liberdade. Primeiro nomeado
como “Festival da Razão”, depois “Triunfo da Razão” como uma afronta à
Igreja Católica, foi sediado em Notre Dame. Em determinada parte do
evento, uma mulher, de bela aparência e vestida de Liberdade, surgiu do
Templo para receber as devidas homenagens. Esse evento se repetiu várias
vezes e de diferentes formas, entretanto uma coisa era clara: a mulher
representando esse símbolo e tudo ao redor deveria ser comum, feito de
forma a impedir que qualquer possibilidade de idolatria acontecesse em
torno a ela (Hunt, 2009, p. 23).
“Não pensei que me tivesse casado com um plebeu”, foi o comentário de
Maria Antonietta sobre seu marido, o rei Luís XVI, quando ele surgiu com
um cocar vermelho e azul presenteado a ele pelo prefeito da cidade com
uma multidão à sua frente no Hôtel de Ville, em Paris, no dia 17 de julho de
1789 (Lee, 2018, p. 1). Junto com o cocar branco representando a realeza, o
blanc et rouge acabou por formar a mistura de cores tricolores muito bem
conhecida mundialmente. A ação acabou por consolidar o pequeno adorno
como outro símbolo da nação francesa. A cor do cocar e seu estilo era
extremamente relevante, até porque ostentar uma roupa de estilo todo
branco durante a República significava apoiar a monarquia. Havia também
uma versão do cocar verde, simbolizando uma revolta popular liderada por
Camille Desmoulins, entretanto, tal cocar foi renegado após a descoberta de
que verde era a cor pessoal do irmão do rei, o conde d’Artois. Ao apresentar
o cocar para a prefeitura, Lafayette fez a promessa de que o emblema
cruzaria o mundo junto com uma instituição cívica e militar, derrotando as
antigas estratégias europeias e diminuindo os governos arbitrários.
No período do Diretório, após o término da fase do Terror e em reação a
ela, a burguesia moderada retomou o poder político e, embora ainda
mantivesse o caráter revolucionário republicano como direção a ser seguida
pela nação, abriu espaço para o ressurgimento político e estético da
aristocracia destituída. Nesse contexto o grupo dos Incroyables ganhou
contornos de contestação do modelo instituído. De acordo com Christine
Adams, “a atmosfera de Paris era muito diferente da que se viveu durante o
Terror. Apoiados na riqueza, na beleza, no estilo, em meios de comunicação
social de grande fôlego e num público fascinado (e por vezes hostil), as
Merveilleuses (as Maravilhosas) e os Incroyables (os Incríveis) moldavam
as relações sociais parisienses e influenciavam o discurso político, embora
também fossem objeto de sátira” (Adams, 2014, p. 599-600). Entre seus
integrantes sobressaiu a figura de Madame Tallien.
Figura 3 – Portrait of Thérésa Tallien (1773-1835 ) François Gerard, Musée Carnavalet, Paris
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gerard_-_Madame_Tallien.JPG (wikicommons).
La reine du Directoire, como diz o título do livro de Guilherme Gilles
(1999), foi uma figura célebre antes, durante e após o cenário
revolucionário. Seu senso de moda e capricho com a aparência, que
revelava a perfeita maneira com que ela conduzia sua imagem, chamava
sempre muita atenção da imprensa e com isso, sua presença, ou a ausência
dela, tinha o poder de aumentar ou destruir a reputação dos eventos da elite
francesa (Adams, 2014, p. 614-615). Nascida Juana Maria Ignazia Thérésia
Cabarrus, em 31 de julho de 1773, em Madrid, era filha de Maria Antónia
Galabert, filha de um industrial francês, junto com o financista François
Cabarrus, fundador do Banco de San Carlos, precursor do Banco Central de
Espanha7.
Aos 14 anos, casou-se com o Marquês de Fontenay, porém seu primeiro
casamento não durou muito e logo conheceu aquele que forneceria seu mais
conhecido sobrenome: Jean Lambert Tallien. Em Bordeaux, casada com
Tallien e com grande influência sobre ele, salvou inúmeras pessoas da
guilhotina durante a época do Terror. Com isso ganhou o apelido de Notre-
Dame de Thermidor (Nossa Senhora do Termidor) ou Notre-Dame des
Bonsecours (Nossa Senhora do Bom Socorro). No entanto, esses apelidos
também podem ter outro significado, já que Madame Tallien é vista como
um dos motivos da queda de Robespierre, principalmente por ter
participado da Convenção Nacional em julho de 1794. Não só seus
casamentos elevaram sua influência como também seus amantes, sendo um
deles Paul Barras, poderosa figura do Diretório (Adams, 2014, p. 609). O
casamento com Tallien também teve um fim, em 1802. Seu último
casamento foi em 1805 com o Conde de Caraman, que viria a ser o Príncipe
de Chimay, com quem mais tarde seguiria para a Bélgica quando sua
influência política fora atenuada pela ascensão de Napoleão Bonaparte
(Huguenaud, 2005).
Christine Adams alega que a historiografia sobre a Revolução que trata
desse período pós-termidoriano falha ao desprezar a interação entre política,
cultura e gênero que ocorria na época. A favor da monarquia mas contra o
absolutismo, desde o começo da revolução Thérésia Tallien mostrou-se
interessada nos acontecimentos do cenário político. Mas foi na época do
Diretório, quando Tallien moveu mais peças no grande jogo de poder do
país, que lhe é creditada forte influência para o fim do Terror e na
consolidação do período que viria em seguida (Adams, 2014, p. 603). Sua
beleza, sua imagem atraente e a sua maneira de vestir-se foram suas
maiores ferramentas e aliadas, que fundamentavam toda sua influência. Em
dois episódios distintos, noticiados por jornais da época, podemos ter uma
noção de como a vestimenta se mostrava relevante nesse ambiente. Por
conta de uma visita do embaixador turco a Paris, o Courrier des spectacles
noticiou a elegância das pessoas presentes, com destaque para a Madame
Tallien que chamou a atenção do embaixador, enchendo-a de cumprimentos
pela sua escolha do penteado e vestes em um estilo à la turque8 (Adams,
2014, p. 615). Em outra ocasião, dessa vez um jantar em comemoração à
queda de Robespierre, Thérésia foi citada pelo jornal Moniteur com seu
traje como destaque: um vestido ateniense, transparente9 (Adams, 2014, p.
614).
Uma das pessoas que se fascinou com os encantos de Tallien foi
Napoleão Bonaparte quando jovem, que se casou com Joséphine, uma
amiga que Thérésia conhecera na prisão quando ainda era casada com Jean
Lambert Tallien. A proximidade com Napoleão, entretanto, não trouxe
vantagens para Thérésia; sua visão conservadora não admitia que alguém
tão mundana, com vários filhos de pais diferentes e diversos amantes
tivesse tanta influência no governo. Napoleão proibiu Joséphine de manter
contato com Tallien e baniu Thérésia da corte (Adams, 2014, p. 624).
Madame Tallien viveu os altos e baixos dentro da Revolução, tendo grande
protagonismo político, era a rainha dos Merveilleuses et Incroyables.
Aileen Ribeiro, historiadora da moda, defende que as roupas exageradas
e sugestivas usadas após a época do Terror pelas mulheres ligadas à moda,
eram, na verdade, uma sátira diretamente relacionada à moralidade e ao
puritanismo que Robespierre e os jacobinos pregaram durante aquela fase
da revolução (Ribeiro, 2003, p. 117). Nesse novo contexto social, as
Merveilleuses e os Incroyables com todo seu glamour e graciosidade,
representavam o recente estado de espírito dessa jovem aristocracia
parisiense, ao mesmo tempo que essa excentricidade era motivo de
escárnio. Seus costumes luxuosos com
a compra e exibição de cosméticos, roupas caras e o luxo e o conforto do espaço físico
moldaram a imagem da França Diretorial, enquanto a elite política trabalhava para reavivar
uma economia e um estado de espírito nacional, abalados pela guerra e pela privação (Adams,
2014, p. 614).
A aparição pública desse novo grupo social causava temor no governo
do Diretório. Como seus excessos e luxos assemelhavam-se aos do passado
havia um grande receio de um retrocesso às velhas influências corruptoras
do Antigo Regime. Para um membro do governo do Diretório eles haviam
introduzido em uma França purificada pela Revolução um veneno terrível: o luxo” e ainda
mais receoso acusa que “essas criaturas diabólicas são escravizadas por uma verdadeira
insanidade, atividade sem descanso [impulsionada] pelo desejo de gastos e prazer10 (Adams,
2014, p. 617).

Depois da experiência assustadora e sinistra que haviam sido os tempos


do Terror, os franceses queriam uma nova forma de identificação que
fugisse daquilo e a moda e a aparência foram mecanismos usados para
alcançar seus objetivos. A aparência era especialmente importante nesse
novo ambiente cultural (Adams, 2014, p. 625-626).
Em 1880 foi editada por Georges d”Heilly, Le Directoire: portefeuille
d’un incroyable, obra com a visão de Roger de Parnes – pseudônimo do
editor, historiador e crítico de arte Édouard Rouveyre – sobre o período que
vai desde o ano de 1795 até o 18 Brumário. Nesse livro, podemos nos
deparar com sua concepção do Diretório, “fraco e incapaz”, além de uma
perspectiva de seu cotidiano por meio de histórias de ilustres figuras da
época, mostrando seus hábitos, costumes, trajes e romances e como tais
itens citados se entrelaçavam e influenciavam politicamente. O livro
contém composições e desenhos de M. J. Le Natur gravados por M. L.
Rouveyre, De Maval, Puyplat e Prunaire. Vamos analisar três desenhos. Na
página VII, onde de fato começamos a ter contato com o texto, o prefácio
de d’Heylli é ornado por duas gravuras.
Figura 4 – Le Directoire: portefeuille d’un incroyable
Fonte: Bibliothèque municipale de Lyon (SJ IF 339/101). Droit d’utilisation: Domaine public
Licence Ouverture-Open Licence.

No primeiro desenho (Figura 4 acima), vemos sete pessoas socializando


em um ambiente que parece ser um jardim. Todos os homens, que são três
das sete pessoas no ambiente, vestem enormes chapéus e todos estão
ornados com peças sobrepostas de roupas, diferenciando-se apenas pelo
tamanho do sobretudo, estampa da calça ou blusa e acessórios; um deles
porta um leque na mão enquanto outro ostenta uma enorme gravata, quase
como um laço. Enquanto isso, as quatro mulheres apresentam vestidos
fluídos, que aparentam ser claros e grandes, quase que exagerados, todas
com acessórios no cabelo.
Esse desenho apresenta um estilo semelhante a dois cartões que se
encontram disponíveis na biblioteca digital da Biblioteca Nacional da
França, “Les Mérveilleuses” (Figura 5 abaixo), gravura de Louis Darcis e
design de Carle Vernet, e “La Faction Incroyable” (Figura 6 abaixo). Em
“Les Merveilleuses” podemos observar um homem, trajando uma bota com
um bico exageradamente fino, com uma amarração detalhada, calça
apertada a partir das coxas com três botões que parecem ser decorativos,
coletes com o mesmo tipo de botões da calça além de uma blusa cujo
pescoço era todo coberto, até a boca, além de um sobretudo mais escuro
seguindo o tom do chapéu. Como acessório usa o que parece ser um colar
com uma pedra quadrada enorme e carrega uma bengala com detalhes sutis.
Também temos na figura duas mulheres, uma acompanhando o cavalheiro,
com um vestido com um pouco mais de tecido e cheio de babados na ponta,
acompanhado pelo que parece ser uma de tecido muito fino com um capuz
bastante grande. De acessório, um laço enorme na cabeça, enquanto a outra
mulher está trajada com um vestido levemente mais fluído, com detalhes
estampados em sua borda, listras e o que parecem ser flores, uma echarpe
com a mesma estamparia do vestido, além de um grande chapéu com um
laço com as pontas caídas com pequenas bolas no final. Ambas as mulheres
calçam sapatilhas de bico fino e expõem suas canelas de forma a trazer-lhes
a atenção.
Figura 5 – Les Merveilleuses. 1797, Paris

Fonte: Gallica BNF (public domain).

Já em “La Faction Incroyable”, temos uma figura totalmente masculina.


Na imagem, que vem acompanhada de um diálogo fazendo jus ao seu teor
humorístico – “é horrível! Em um clima como esse... - Bem, amigo, por que
você não coloca a capa?”11 – vemos dois membros da guarda e mais um
homem que parece ser o “incroyable” em questão. Enquanto os membros da
guarda estão trajados com seu uniformes, um deles com uma espada, sapato
de bicos redondos, calça levemente larga e escura, assim como seu colete
interno e chapéu e sobretudo simples levemente mais claro e outro com um
chapéu redondo que parece um pouco com metal, colete e calças um tanto
largas e bem simples, de cor clara, sapato também de bico redondo, a capa
comentada no diálogo e a arma no braço. O homem restante segurava sua
arma trajando um sobretudo escuro levemente acinturado, blusa até o
pescoço, calça com botões decorando, um cachecol listrado, chapéu maior
do que o necessário e uma bota com bico fino e diferente texturas e tecidos.
Figura 6 – La Faction Incroyable. Anônimo, 1797 circa. Musée Carnavalet, Paris

Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:La_Faction_IncroyableC%27est_affreux_par_un_tems_co
mme_cela_._G.26213.jpg (wikicommons).

Na segunda figura, também da página VII de Le Directoire (Figura 7


abaixo), agora um pouco menor e com menos destaque, aparece como
decoração da primeira letra do parágrafo – coisa que se repete no decorrer
das páginas – temos uma mulher sentada envolta em plantas e um anjo, que
também aparece outras vezes no livro. Essa mulher é retratada com o cabelo
preso, com uma pena como acessório além de colares cobrindo seu busto e
luvas longas de tecido claro ou talvez transparente. Suas sandálias têm
amarrações até a panturrilha e seu vestido fluido e claro parece ter uma
fenda justamente nesse local. O vestido chama mais atenção pelo decote
que vai até depois do umbigo, e por dentro dele um top tomara que caia.
Figura 7 – Le Directoire: portefeuille d’un incroyable
Fonte: Bibliothèque municipale de Lyon (SJ IF 339/101).

Droit d’utilisation: Domaine public, Licence Ouverte-Open Licence.

O teor sensual desse desenho pode ser encontrado de novo na página 93


(Figura 8 abaixo). Mais uma vez nos deparamos com uma mulher sentada
em meio a decorações, mas com diferenças que valem a pena serem trazidas
à tona. Dessa vez, mesmo que ainda cercada por plantas e anjos, vemos
mais livros e folhas, com palavras que se conectam aos assuntos do livro ao
seu redor, e as figuras angelicais conectadas a elas. Um deles, que carrega
como acessório, parece ser um barrete frígio, tocando uma trombeta com
folhas saindo dela ao invés da música e os outros dois anjos presentes
segurando cartazes. A figura feminina, dessa vez com menos acessórios,
usa um chapéu com uma viseira grande e decorada, sandálias com fitas
também até a panturrilha e seu vestido é fluído com uma fenda, no busto,
uma parte do vestido está abaixado, deixando um de seus seios
completamente exposto. Sua expressão mostra serenidade.
Figura 8 – Le Directoire: portefeuille d’un incroyable
Fonte: Bibliothèque municipale de Lyon (SJ IF 339/101)

Droit d’utilisation: Domaine public, Licence Ouverte-Open Licence.

Ambos os desenhos, principalmente o da página 93 nos remetem à


célebre Merveilleuse Madame Tallien, rainha do diretório. Nessas imagens
isso acontece principalmente pelas claras inspirações em túnicas gregas e
toda sua leveza e transparência. Esse grupo social de mulheres era
fascinado pelos estilos antigos e pelo que vinha de fora, mais
especificamente pelo que vinha da Inglaterra, entretanto, não era
exatamente esse fator que chamava a atenção, de forma boa ou não, da
maioria, e sim como as roupas valorizavam o corpo feminino. Essa
vestimenta era tida como ofensiva e muito criticada por aquela burguesia
mais próxima do puritanismo, principalmente porque as mulheres usavam
da sexualidade – chamada de vulgaridade por aqueles que se opunham –
exalada por meio de suas vestes, e dos gastos extravagantes para alcançar
lugares de poder e influência a que os homens não lhes permitiam chegar.
Madame Tallien foi o melhor exemplo do protagonismo dessas mulheres.
*

Antes de encerrar este texto propomos a leitura de um código de


vestimenta (regras de como se vestir em determinadas ocasiões) de um
grande evento, postado pela revista Marie Claire, em maio de 2018. Nesse
código, as mulheres deveriam usar vestidos diurnos e chapéus e os homens
deveriam trajar seus uniformes, casacos diurnos ou traje de passeio, a
anfitriã provavelmente usaria um designer britânico, não poderia usar unhas
que fugissem do neutro e a aliança deveria conter ouro galês. Entretanto, se
solicitassem também uma ficha perguntando coisas como horário, tipo de
evento ou local, com esses indícios poderíamos chegar bem perto de
conceber toda a história desse evento apenas com essas informações. A
aliança mostra-nos que se trata de um casamento, a necessidade de um
designer britânico e o ouro galês delimita as partes britânicas do mapa, os
trajes, todos diurnos, nos situam sobre o possível horário do evento e por
fim, a necessidade dos uniformes para os homens nos faz pensar que o
evento seria de um oficial militar ou, pelo menos, de alguém envolvido com
esse meio. Para que não haja dúvidas e aplaquemos a curiosidade, o
casamento real de Príncipe Harry e Meghan Markle, agora Duque e
Duquesa de Sussex, era o evento mencionado na revista Marie Claire
britânica (Goldstone, 2018).
Se usamos cartas, fotos, contos de determinadas épocas, alguns objetos
específicos e histórias contadas passadas de boca em boca como objetos de
análise sem estranhar isso, por que não utilizar os trajes de roupa e o modo
de se vestir para estudar e pesquisar a história? A moda comunica, e não é
preciso muito para entender o que está sendo transmitido, dependendo do
que e de como aquilo está sendo passado. Mesmo uma pessoa com pouca
instrução vai saber reconhecer quem são os noivos em uma festa de
casamento cheia de desconhecidos. A roupa é um dos primeiros símbolos
com que temos contato e consciência. Quando crianças, quando começamos
a poder escolher nossas roupas é que temos a chance de mostrar o nosso
“eu” formando-se pouco a pouco. Através das roupas conseguimos
representar e, mais tarde, revisitar diversas fases da nossa vida.
A moda e a história são uma combinação explosiva que merece ser mais
valorizada. Esperamos com este texto ter podido auxiliar, contribuir,
divulgar e dar maior visibilidade aos estudos sobre a história da moda.
1 Verbete MODA. In: MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em:
https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/moda.
2 Balanço dos estudos sobre história da moda efetuados por Patrick Aspers e Frederick Godart (2013, p. 172).
3 Ver dois artigos escritos na época: “‘Amarela está encostada’: política põe camisa azul da Seleção no pódio”,
e “Mulheres em alta e Bolsonaro em baixa: camisa azul toma lugar da amarelinha”. UOL. São Paulo.
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/10/29/amarela-esta-encostada-
politica-poe-camisa-azul-da-selecao-no-podio.htm. Acesso em: 30 ago. 2023.
4 Le drapeau français. Elysée, 2022. Disponível em: https://www.elysee.fr/la-presidence/le-drapeau-francais.
Acesso em: 30 ago. 2023.
5 Marianne. Elysée, 2022. Disponível em: https://www.elysee.fr/la-presidence/marianne. Acesso em: 30 ago.
2023.
6 O texto original foi adequado para a gra a atual da Língua portuguesa.
7 Madame Tallien, une vie étonnante, très mouvementée et unique en son genre... Bordeaux – Gironde. Grand
Sud Insolite. Disponível em: https://www.grandsudinsolite.fr/2199-33-gironde-madame-tallien--une-vie-
etonnante—tres-mouvementee-et-unique-en-son-genre.html. Acesso em: 30 ago. 2023.
8 O Courrier des spectacles, com primeira edição de 1797, era um jornal diário de teatro e literatura.
9 Moniteur. Jornal cotidiano francês com primeira edição em 1789.
10 No original: A “member of the government” claimed that the Merveilleuses had “introduced into a France
puri ed by the Revolution a fearsome poison: luxury. At a time when work and frugality are the only
remedies for a crisis which could culminate in general disaster and deliver us into the unknown [à l’étranger],
these diabolical creatures are enslaved by a veritable insanity, activity without respite [driven] by the desire
for expenditure and pleasure.
11 No original: c’est affreux ! par un tems comme cela... - eh ! ben camarade endosse la capote ?
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A HISTÓRIA DA MODA COMO
RECURSO DIDÁTICO NO CONTEXTO
DO NOVO ENSINO MÉDIO: o vestir e a
modernização das cidades
Guilherme Telles da Silva

A moda pode ser uma importante ferramenta didática para entender as


transformações sociais e os papéis dos indivíduos na sociedade. Homens,
mulheres e crianças ao longo da história, utilizaram as roupas para
comunicar diversos aspectos das particularidades de seu tempo. Poder,
trabalho, lazer, padrões de beleza e relações com o meio ambiente fazem
parte dessa gama de possibilidades de análise histórica que podem ser
levadas para a sala de aula. Entendemos que ao envolver os alunos da
educação básica em investigações históricas sob a perspectiva das roupas,
estas que os alunos têm contato cotidiano, ou por documentos históricos
que as representam e que eles também possuem em seus acervos familiares,
contribuem para a assimilação dos conteúdos históricos pelos educandos na
medida em que pensarem o vestir de outras formas.
Para tal proposta, iremos trabalhar a história da consolidação do espaço
urbano da cidade de Maringá/ PR, tendo como referência o consumo de
roupas e de prestação de serviços estéticos e o seu fortalecimento mediante
o aparecimento de lojas de tecidos, de confecções e de espaços destinados
aos cuidados com as aparências masculinas, como por exemplo, as
alfaiatarias e as barbearias, na cidade que marcam a transição do mundo
rural para um espaço urbano, mudanças essas que podem ser percebidas por
meio de imagens fotográficas e notícias da imprensa que narram as
transformações urbanas durante a década de 1950.
Por intermédio do vestir dos homens foram captados os mecanismos de
distinções sociais e culturais entre os segmentos masculinos proporcionados
pelas roupas e pela moda durante a consolidação do espaço cotidiano. Essas
transformações em compasso com o crescimento da cidade que se urbaniza
e se moderniza com o incremento do comércio, ampliação da oferta de
trabalho e do surgimento de espaços voltados para as atividades de lazer e
diversão, são presentes nos documentos memorialísticos e na memória dos
habitantes.
Assim a história dos homens nas cidades permite dimensionar as ações
destes nos espaços urbanos, assim como os investimentos que fizeram na
urbe para modernizá-la. Este processo anda paralelo à própria
modernização das maneiras de vestir e de viver a cidade que são percebidos
dentro do tempo e espaço. Sendo assim, este texto busca a implementação
da história da moda como um possível recurso didático para pensar
determinados contextos históricos, como a relação da história dos homens e
a modernização da cidade de Maringá no estado do Paraná, podendo
também ser replicado para outras cidades que viveram transformações
similares na década de 1950. Desta forma pretende-se apontar caminhos e
possibilidades de ensino que amparados pela nova BNCC, possam
instrumentalizar docentes a levar a história da moda para a educação básica.
A Base Nacional Comum Curricular12 (BNCC), dispositivo regulador da
educação, presente em todas as escolas do país, é um documento de caráter
normativo que orienta a formulação dos currículos dos sistemas e das redes
escolares do país, que em via de regra deveria assegurar a qualidade da
educação e suavizar os desafios da equidade de ensino. Visto que o
documento traz também um compromisso com a Educação Integral a partir
da compreensão das singularidades e diversidades dos sujeitos envolvidos
no processo educativo.
Para além de críticas devidas à diretriz curricular nacional atual, dado
seu caráter reducionista no que tange as ciências humanas, iremos nos ater a
realidade imposta pela mesma e o percurso de sua implantação, dando
ênfase nas possíveis mudanças propostas, principalmente no componente
curricular de História. É nítido que a proposta da reforma desvela-se na
tentativa de controlar discursos sobre o passado, ou silenciá-los por meio do
esvaziamento do ensino e da diminuição da carga horária da disciplina,
neste sentido a proposta é utilizar a eletiva, como um meio de suprir a
carência que a redução da carga horária, transformando essa eletiva em uma
ferramenta de ensino interessante aos educandos.
Essa nova dinâmica instalada no contexto escolar com as disciplinas
eletivas, se direcionada pelo professor, pode permitir uma aproximação
entre a escola, cotidiano e história local dos educandos ao propor processos
pedagógicos que favoreçam a construção de valores sociais, conhecimentos,
habilidades, competências e de atitudes voltadas para a construção da
cidadania, na medida em que a reflexão sobre a história das cidades e dos
seus sujeitos históricos oferecem as condições para exercícios de pesquisa
histórica. Aja visto que em paralelo vemos também um movimento nas
redes sociais de resgate memorialísticos das cidades, com páginas
destinadas aos habitantes dos centros urbanos, nos quais estes são
convidados a rememorar sua história através da veiculação de jornais e
revistas digitalizadas do passado, acervos familiares doados, de modo que
os próprios habitantes das cidades podem contribuir com os acervos de
documentos imagéticos, dinâmica essa que pode e deve ser levada para a
sala de aula.
A disciplina eletiva, teria assim como estrutura o trabalho com
questionários elaborados e aplicados com os estudantes e investigação dos
documentos disponíveis para consulta, como via a responder as seguintes
questões: Como a população vivia em Maringá nesse período? Essa
população foi protagonista da profunda transformação de um universo rural,
marcado pela década de 1940, para a modernidade dos costumes e dos
espaços públicos, na década de 1950? O desenvolvimento da cidade
demandou novas práticas de vestir e de novas formas e espaços para
sociabilidade dos habitantes da cidade?
Possíveis diálogos entre a História da moda, BNCC, Iniciação
Científica e as disciplinas eletivas
Ao propor uma visão plural e multidimensional da criança e do
adolescente, a BNCC ampara sua diretriz no trabalho com as dez
competências gerais para a educação básica, sendo estas: Conhecimento;
Pensamento científico, crítico e criativo; Senso estético e repertório
cultural; Comunicação; Cultura digital; Autogestão; Argumentação;
Autoconhecimento e autocuidado; Empatia e cooperação; Autonomia.
Essas competências abrangem diversos aspectos da educação brasileira,
são assim compostas de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores
essenciais para a vida contemporânea. Nesta nova perspectiva os educandos
têm oportunidade de levar à prática os conhecimentos adquiridos nas aulas,
dentro do seu contexto histórico e social. Essa dinâmica pode ser executada
por meio de projetos e disciplinas eletivas, previstos na BNCC e que têm
como objetivo trazer ao estudante a oportunidade de ser protagonista e
participar ativamente de sua aprendizagem.
O próprio documento nos leva a entender essas competências como
sendo definidas pela mobilização de conceitos, métodos e práticas
cognitivas e socioemocionais, assim como atitudes e valores para resolver
demandas complexas da vida cotidiana, das perspectivas de trabalho e o do
pleno exercício da cidadania (BNCC, 2018, p. 8). Neste sentido, por mais
que ainda estejamos muito ligados há uma narrativa histórica tradicionalista
na educação básica, o atual currículo permite abordagens históricas mais
próximas da história cultural e sua multiplicidade de objetos e narrativas.
A partir do texto da diretriz, entendemos que o componente curricular de
Iniciação científica evidencia a abordagem do conhecimento científico
numa perspectiva ampla, propiciando reflexões no âmbito social e natural,
numa possível abordagem histórica crítica em que teoria e prática
dialoguem. Nesse componente curricular, em específico, podemos pensar
que uma atuação consciente do professor poderá levantar várias
problematizações, fomentar o debate e a construção de conhecimentos com
base em análise de fontes e evidências, dispondo o estudante como o sujeito
no processo.
Sabe-se que em decorrência dessa diretriz curricular, a disciplina de
História está perdendo seu espaço. Cabendo, assim, ao professor de História
a “busca de brechas” para exercer a sua autonomia, se utilizando de “táticas
de resistência” cotidianas (Sacristán, 2000, p. 119), como exemplo, sua
atuação nas disciplinas eletivas.
As disciplinas eletivas, segundo a BNCC, serão formadas por turmas que
congreguem alunos de várias classes, proporcionando ao estudante a
escolha da disciplina que deseja cursar. De caráter inovador, as disciplinas
eletivas propõem em teoria, integrar a comunidade e a realidade local,
assim como uma avaliação, não baseada em provas e testes, mas tendo
como critérios avaliativos, a frequência dos alunos e análise de desempenho
nas atividades propostas.
Levantada a questão do currículo, iremos propor neste texto, levar para a
sala de aula, estudos vinculados a histórica cultural, sendo mais específico,
iremos utilizar a moda e a indumentária como ponto de partida para
trabalhar história local com os alunos do ensino médio, por meio de um
projeto a ser desenvolvido pelo professor de história responsável pela
disciplina eletiva intitulada: “Tópicos sobre cultura, moda e espaço urbano
na cidade de Maringá durante a década de 1950”.
Para essa proposta iremos nos apoiar nessa possibilidade de oferta de
disciplinas eletivas com viés histórico, mais especificamente linkados à
história da moda. Visto que esse incentivo à produção artística e cultural,
individual e coletiva dos estudantes, proposto pela BNCC, é uma ótima
oportunidade de reconhecimento e recriação estética de si e do mundo, bem
como a valorização das questões do patrimônio material e imaterial
produzidos historicamente pela humanidade, que podem ser dimensionados
para a história local de uma cidade, no sentido de garantir processos de
pertencimento ao local e à sua história.
Sabemos que a própria característica da História, constituída de saberes,
fronteiras, espaços, tempos históricos dinâmicos e em constante
movimento, que há muito tempo se desvinculou da engessada história
tradicional, possibilita ao professor na educação básica, criar brechas e
apostar nas diferenças, na diversidade sociocultural e étnica, na qual a
escola está inserida e promover a inclusão discursiva de sujeitos e
identidades silenciados e negados ao longo do processo de escolarização,
trabalhar perspectivas fluídas partindo de documentos históricos próximos a
realidade dos alunos.
Assim a memória dos grandes homens da cidade, os empresários, os
políticos, os homens de negócios trabalhadores, pioneiros, barbeiros,
alfaiates e demais sujeitos históricos são objetos das narrativas das cidades,
essa gama diversa de pessoas fizeram parte da história da cidade, e podem
ser encontradas nos museus quando existem, nos nomes das ruas e nos
jornais que tratam de seus atos e feitos heroicos, financiários e políticos.
Colocando os homens em cena, é possível aos estudantes perceber as
relações que foram estabelecidas entre eles para promover a moda
masculina na cidade, os investimentos recíprocos em torno da beleza e da
elegância, os poderes conquistados pelos trabalhadores, ou seja, que a moda
foi também fator de promoção social e política.
Voltando a Base Nacional, essa nos traz o conceito de “Atitude
historiadora”, para pensar o trabalho docente e discente em sala de aula por
meio de diferentes fontes e objetos históricos. Entendemos assim, que:
“Proporcionar o exercício da atitude historiadora é combater a “História
Única”, afinal, passamos a compreender que: “a ação do historiador é uma
construção discursiva baseada na interpretação de uma realidade” (Ralejo;
Mello; Amorim, p. 15, 2021), de maneira a contribuir para inúmeras
possibilidades de análises históricas, como a possibilidade de análise da
história dos homens, das roupas, cidades e as relações entre essas
abordagens.
Tomando a “Atitude historiadora”, como base para desenvolvimento da
disciplina eletiva, utilizaremos o livro: “Homens, Roupas e Elegância na
Cidade (Maringá, anos 1950)”, na qual o autor (Silva, 2021), reconstrói a
história da consolidação do espaço urbano da cidade de Maringá-PR através
da análise dos registros históricos presentes no acervo da própria cidade.
Essa análise histórica da história da cidade pela perspectiva da moda
abre muitas possibilidades de estratégias didáticas, como a comparação
entre imagens das ruas centrais e comerciais do passado e como estas estão
no presente, a percepção do que sobreviveu e desapareceu. Fato é que toda
cidade tem as suas ruas e avenidas que se constituem como centro
comercial, o centro é onde a moda habita nas cidades, porque é onde se
encontram as lojas, as vitrines, é por onde se passeia para o lazer. Os nomes
das ruas que criam a região central e comercial podem ser utilizados como
recurso pedagógico para a compreensão do espaço como centro e periferia.
Ou seja, noções que estão diretamente relacionadas ao consumo de moda,
às referências simbólicas da relevância que ocupam na vida das pessoas
como espaço de conhecimento sobre roupas e costumes de uma época,
sobre a qual a imprensa no período e a realidade espacial se juntam e se
explicam mutuamente.
Tratando-se de uma história local, pelo viés da história da moda, por
intermédio de um acervo físico e virtual que os alunos poderão acessar, e
também, confrontar com documentos pessoais de cunho familiar. O projeto
assim pode servir como base para ser adaptado para outras cidades,
realidades e inclusive tratar de sujeitos ausentes nessa história patrimonial,
utilizando a história local e diversas ferramentas de pesquisa que podem ser
aplicadas pelos próprios alunos com seus familiares durante a execução do
projeto.
Referenciais Teóricos Para Pensar a Moda e a Indumentaria
Como Documentos Históricos
Partindo da perspectiva de Roche (2007, p. 52), de que o historiador que
estuda a indumentária tem que lidar com aspectos culturais relevantes,
como o luxo, o consumo ostentatório, a representação simbólica das
hierarquias econômicas, sociais e culturais, entre outros elementos que
marcam as relações das pessoas com as roupas e aparências. Consideramos
muito rica a utilização dessa perspectiva para pensar os tempos históricos
pelo viés da moda com os estudantes.
Este pensamento, o qual pode ser constituído em princípio teórico e
metodológico a abordagem das “imagens”, por exemplo, estão presentes no
cotidiano dos alunos, nos álbuns familiares e nos arquivos de memória da
cidade em que vivem. Podem ajudar a entender como as hierarquias entre
os homens foram construídas e instrumentalizadas pelas roupas como
processo de identidade, compreendidas na acepção de Elias (1980), de que
“o sentido que cada um tem de sua identidade está estreitamente
relacionado com as relações de nós e de eles no nosso próprio grupo e com
nossa posição dentro dessas unidades que designamos nós e eles”, foram
forjadas pelas visualidades, em particular, das roupas para dizer/mostrar.
Assim, por exemplo, podemos apresentar através desses documentos
históricos os diversos sujeitos envolvidos na consolidação do espaço urbano
de uma cidade.
Roche (2007) ao tratar sobre as indumentárias e relações de poder como
cultura material e imaterial, as roupas e objetos e os seus significados para
os seus agentes, entende que: “A aquisição e a propriedade dos objetos
remetem ao funcionamento dos mecanismos sociais, revelando importantes
alterações no comportamento econômico” (Roche, 2007 p. 504), e também,
morais, sociais, políticos e religiosos, no sentido material e imaterial em
que, pensada também como Stallybrass (2012) de que roupa é memória e
significado pelos usos que dela fazem as pessoas.
Ainda sobre as roupas, Roche (2007, p. 47) ressalta: “A roupa, signo de
adesão, de solidariedade, de hierarquia, de exclusão, é um dos códigos de
leitura social. Mas ela também baliza o percurso da utilidade e da
inutilidade, do valor mercantil e do valor de uso”. Sendo assim, a roupa
pode nos dizer a respeito dos meios material e imaterial quais os sujeitos
históricos irão efetuar a consolidação do comércio na cidade. Visto que O
comércio no centro, vai expandir a rede de lojas e de serviços, pontuando
nos espaços das ruas as suas localizações e a noção de região central.
O período histórico proposto para o projeto que será desenvolvido pela
disciplina eletiva tem por característica as novidades em todos os setores,
na esfera pública, privada, no âmbito dos transportes, relações sociais e
consequentemente no vestuário, visto que: “As mudanças nas
telecomunicações e nos transportes encurtaram as distâncias, trazendo as
mais diversas influências, para a cultura e para a moda” (Raspanti, 2013 p.
206-207).
Dentre as diversas mudanças no cotidiano da cidade durante a década de
1950, soma-se a expansão do mercado masculino com novos produtos,
como cremes de barbear e a Gillette, que revoluciona as práticas de higiene
e asseio do homem em seu cotidiano. As roupas para a prática de esportes,
uma expansão do mercado de moda masculino, este que produziu novos
sentidos para o masculino e as masculinidades, em que a beleza e o asseio
também se tornaram uma prática de poder, neste sentido trazemos a
reflexão de Hollander: “Na moda moderna, a sexualidade das roupas é a sua
primeira qualidade; as roupas dirigem-se em primeiro lugar ao eu de cada
pessoa, e somente depois ao mundo” (1996, p. 17).
Portanto, em concordância com esses referenciais teóricos, entenderemos
as roupas e acessórios masculinos como objetos nos quais registram-se as
relações de poder entre os homens e mulheres, que serão analisadas com os
estudantes nas fotografias e documentos históricos do período de
consolidação do espaço urbano.
Etapas Para o Desenvolvimento da Eletiva
A Eletiva será desenvolvida ao longo de um semestre letivo, com um
encontro semanal, totalizando ao final vinte e dois encontros. Nos primeiros
seis encontros o professor deverá apresentar ao aluno a proposta, contexto
histórico desta, fontes bibliográficas sobre a história da cidade e os acervos
disponíveis para consulta. Nestes primeiros encontros, ao menos uma visita
guiada ao patrimônio histórico da cidade deve ser agendada com os alunos,
pois será de extrema importância para aproximar esses alunos do universo
da pesquisa histórica, será solicitado também aos alunos que anotem os
nomes das lojas onde os pais, mães e avós compravam roupas e demais
utilidades. De modo a relacionar onde compravam quando jovens e onde
compram agora, quais lojas permanecem e quais deixaram de existir e o que
compravam nesses locais.
Apresentada a bibliografia e acervos disponíveis, os alunos podem ser
divididos em grupos de pesquisas para desenvolvimento do trabalho nos
próximos seis encontros, nos quais estarão responsáveis por aplicação de
questionários com a comunidade sobre o período analisado e pela
contextualização histórica dos períodos, relacionando a história local com o
contexto histórico nacional e global.
Para posterior cruzamento de dados coletados pelos alunos, com os
expostos pela bibliografia e acervos analisados, teremos um total de quatro
encontros, de maneira que todos os alunos possam apresentar suas
impressões sobre a proposta de pesquisa histórica e consigamos, em grupo,
formular uma apresentação comum sobre a história da cidade, que poderá
ser apresentada para a comunidade escolar.
Os encontros finais da disciplina serão utilizados para a organização da
exposição dos resultados da pesquisa, com apresentação dos alunos dos
dados sistematizados oriundos dos questionários aplicados, além de
documentos imagéticos familiares sobre o período analisado que possam vir
a serem coletados no decorrer da pesquisa e irão compor a apresentação.
Materiais e Documentos Para Instrumentalizar a Execução do
Projeto
A proposta terá como ponto de partida, como foi mencionado no tópico
anterior, apresentar aos alunos as diversas camadas de memórias que estão
nos arquivos e nos acervos do patrimônio histórico de Maringá, na
imprensa e internet. Demonstrando que por meio das informações visuais,
torna-se possível observar em que medida a indumentária e a moda de um
tempo histórico, representada nas imagens e fotografias dos diferentes
acervos da cidade, podem ser um elemento mediador entre o homem e a
cultura, interferir na economia, nas relações sociais e nas convivências
culturais nos espaços públicos e das sociabilidades para pensar a
consolidação do comércio, dos bares e clubes na cidade. Para tal
utilizaremos como guia o recorte histórico da década de 1950, visto que
neste período será possível analisar as transformações nos espaços da
cidade, de um universo rural para o mundo urbano.
Para a abordagem proposta que será desenvolvida na eletiva, o foco será
no papel dos homens desempenhado na fundação da cidade e consolidação
do espaço urbano, visto seu protagonismo nos acervos de memórias da
cidade, enquanto pioneiros. Assumiremos como princípio de análise o
entendimento desse momento histórico como determinado por Sant’Anna
(2013, p. 21), quando diz: “Na segunda metade do século XX, uma nova
poética do parecer foi constituída na mesma proporção em que o sistema de
moda alterou seu funcionamento e, logo, produziu sujeitos-moda
apropriados para esse tempo”.
Assim, a moda, as roupas, irão constituir-se como via de acesso para
perceber as relações estabelecidas pelos homens por meio de suas
aparências, com o consumo de bens e produtos para a estética e a estilística,
tais como roupas, sapatos, acessórios e de práticas de embelezamento do
corpo, de cuidados com os pelos do corpo como cabelos e barba, fabricando
assim sentidos para a moda masculina e, por conseguinte, para as
construções das masculinidades nos espaços da cidade na década de 1950
que fomentam as diferenças e distinções sociais de classe e gênero.
Propondo aos alunos questionários para serem aplicados com seus avós
sobre a percepção deles sobre esse tempo histórico e a relação desses
homens com as barbearias, alfaiatarias e demais seguimentos ligados a
beleza masculina que são identificados no período através dos documentos
históricos.
Com foco específico nas fotografias que narram as aparências dos
homens, mulheres e crianças nos espaços públicos da cidade, encontradas
nos jornais veiculados no período, ou nos acervos dos familiares dos
barbeiros, alfaites e sapateiros pioneiros na cidade, quando indicados e
conhecidos quando do levantamento inicial junto aos familiares dos
estudantes, assim como também as fotografias que estão nos sites da cidade,
em páginas virtuais como o FaceBook o Instagram. Sendo possível assim
tomar essas imagens e analisá-las sob a perspectiva de seu uso, pensar
roupas e acessórios em seus fazeres e atuações cotidianas, que associadas às
propagandas da imprensa direcionadas ao consumo de “coisas e modos de
homens” (Silva, p. 46, 2021), permitindo dimensionar as práticas de vestir e
de visibilizar a beleza e elegância, desenvolvidos pelos segmentos
masculinos na década de 1950 na cidade de Maringá.
Uso das Fotografias Como Materiais de Pesquisa e Aporte
Didático
De certa forma, ao analisar um acervo imagético, as potencialidades das
fotografias como artefato da memória se expõem nas lentes das reflexões,
como aponta Kossoy (2001, p. 36): “A imagem do real retida pela
fotografia (quando preservada ou reproduzida) fornece o testemunho visual
e material dos fatos aos espectadores ausentes da cena”, transmitem a
memória de um tempo passado, sinais de como se comportavam e se
apresentavam os sujeitos das imagens.
Neste sentido: “Através das fotografias dialogamos com o passado,
somos os interlocutores das memórias silenciosas que elas mantêm em
suspensão”, escreveu Kossoy (2005, p. 35). Por conseguinte, toda fotografia
é um documento e “instrumento de fixação da memória” (Kossoy, 2005 p.
36), pois nos mostra como eram objetos, pessoas, cenários, ao passo que é
também representação, e assim revelam seus significados para além da
iconografia, permitindo a recuperação das histórias implícitas entre os
homens, inclusive com as mulheres, como linguagens simbólicas das
masculinidades. Por meio dessas linguagens, “aprendemos, recordamos e
sempre criamos novas realidades”.
Na análise da mensagem que carregam as fotografias, estas entendidas
como um fenômeno de produção de sentidos os conceitos de cultura e
ideologia são fundamentais para o domínio do conteúdo da proposta, tendo
em vista que “tudo nas sociedades humanas é constituído segundo códigos e
convenções simbólicas a que denominamos Cultura” (Mauad, 1990, p. 34).
Ao interpretar as imagens dos acervos, tidos primeiramente como
familiares do ponto de vistas que hoje permeiam a construção da memória
da cidade, mas que são doações constantes das famílias tradicionais ao
patrimônio público e ao blog, esta análise exige um conhecimento implícito
sobre as ações, objetos e as regras de uma época.
Desse modo, interpretar o significado das Culturas implica em reconstruir, em sua totalidade
o modo como os grupos se representam, as relações sociais que os definem enquanto tais, na
estruturação interna e nas suas relações com outros grupos e com a Natureza, nos termos e a
partir dos critérios de racionalidade desses grupos (Arantes, 1987, p. 34).

Nesta análise proposta da mensagem que carrega as fotografias, em que


o que não está dito é o que dá para observar por meio dos códigos e signos
que as roupas, objetos, posturas e demais elementos das imagens revelam,
estes produzidos pelos homens ou pela natureza; se tomarmos como fator
relevante que as roupas e objetos exigem no seu uso, gestos, movimentos e
comportamentos que são sensíveis a análise imagética e que permitem
conhecer os códigos de cultura operacionalizados por esses homens.
Assim, as fotografias serão compreendidas e analisadas pelos estudantes
como artefatos produzidos pelos homens como lembranças, levando em
conta sua mensagem e significados quanto à própria composição como
imagem fotográfica e registro de um momento a ser preservado, para isto
encaminho a análise do ponto de vista de Mauad:
Desde a sua descoberta até os dias de hoje a fotografia vem acompanhando o mundo
contemporâneo, registrando sua história numa linguagem de imagens. Uma história múltipla,
constituída por grandes e pequenos eventos, por personalidades mundiais e por gente
anônima, por lugares distantes e exóticos e pela intimidade doméstica, pelas sensibilidades
coletivas e pelas ideologias oficiais (Mauad, 1996, p. 5).

Neste sentido, as fotografias coletadas pelos estudantes devem ser


entendidas como uma ferramenta para captar a evolução urbana, instruindo
os mesmos durante a análise dos documentos a notar como a nitidez e
enquadramento das fotografias podem proporcionar noções do bem vestir,
aspectos do desenvolvimento urbano da cidade de Maringá e
consequentemente das sociabilidades dos homens e seus sujeitos, formando
um conjunto onde as programações sociais do que é ser homem, o que
vestir e usar, aonde ir enquanto homem, são algumas das mensagens que as
imagens fotográficas presentes nos acervos de memória da cidade
carregam.
Ao olhar par ao passado os alunos devem compreender que as praças
recém-construídas, as ruas planejadas, largas e modernas, vão influenciar a
maneira como esses homens frequentaram esses novos espaços públicos,
pois percebe-se nas fotografias, avançando as pastas do acervo de memória
da cidade relativas à década de 1950, uma uniformização dos homens já
com poucos elementos rurais e regionais em sua indumentária.
Ao inferir sentido, nesse mecanismo de mudança e evolução que o ato de
vestir provoca na sociedade ocidental, entendo que escolher uma roupa
acaba por modificar diversos setores da sociedade, para citar alguns, em
Maringá, nota se um comercio forte e a presença de muitos clubes de
convivência voltados ao universo masculino no período que se segue a
década de 1950.
Assim, os alunos poderão entender a moda e as roupas como um
fenômeno do comportamento humano em sua interação e relação com a
sociedade em que está inserida e suas relações com seu tempo histórico.
Lipovetsky (1989), neste sentido aponta como que vinculada à cultura
específica de cada sociedade, a indumentária usada em cada período
histórico acaba por refletir seus hábitos e costumes, as roupas atuam, neste
sentido, como um reflexo da cultura do período histórico analisado, em vez
de unificar as aparências, a moda amplia as possibilidades de com ela lidar,
nesta ampliação é que as distinções, as posições dos sujeitos são reveladas
pelos modos de vestir, pelos usos que fazem das roupas para produzir e
comunicar quem são.
Porque a década de 1950?
Consideramos que nos anos 1950 a modernização das cidades e a moda
masculina caminharam de mãos dadas (Silva, 2021). Se investigarmos para
além da história regional fica claro que o próprio processo da moda esteve
ligado ao surgimento das cidades, pois na vida urbana das cidades mais
pessoas partilham espaços comuns e consomem produtos do vestuário nas
socializações e sociabilidades (Feijão, 2009, p. 1). Busca-se, portanto, que
os alunos compreendam a relação dos homens com as roupas no início do
século XX, percebendo através dos documentos como está era intrínseca a
sua identidade e lugar social, sobre o período argumenta Crane (2013, p.
337-338): “As roupas são uma ferramenta de suma importância na
construção da identidade”.
Nesse período proposto, as transformações no espaço urbano foram
feitas em nome e em benefício da moda como elemento fundante das
relações sociais, a moda é urbana, desde o seu surgimento em finais do
século XIV ela traz essas transformações sociais em seu modo de operar,
por meio da necessidade do vestir, do apresentar-se no espaço público.
Cuidar disso é uma exigência histórica e social que se efetiva nas cidades
com o comércio de artefatos e cuidados voltados para o vestir. Sendo assim
a moda é parte do processo de modernização das pessoas nas cidades
propiciando mudanças de comportamento, estética, valores sobre cuidado
corporais, com isso emergem novas exigências com relação ao parecer, “as
roupas são destinadas a ser usadas no espaço público; nós nos vestimos para
os outros, não para nós mesmos” (Crane, 2006, p. 456). O crescimento do
mercado de trabalho e lazer e/ou das sociabilidades será acompanhado por
outro, do comércio e serviços – barbearias, alfaiatarias, sapatarias entre
outros segmentos para o consumo dos bens culturais da moda.
Em outras palavras, “uma ação direta dos modos de vida da existência
cotidiana, que provocou mudanças profundas no comportamento social”
(Giddens, 1990, p. 21), com uma velocidade surpreendente as relações entre
a consolidação e desenvolvimento do espaço urbano a expansão do
comércio – de lojas de tecidos, de roupas; a criação de espaços para as
sociabilidades dos homens, tais como os bares, os clubes, lugares de
convívio e das trocas de informações é propiciada pela modernização da
cidade na transição da década de 1940 para os anos 1950. Modernidade,
aqui entendida não apenas como a experiência de convivência com a
mudança rápida, mas de forma abrangente e contínua, na qual: “as práticas
sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz das informações
recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando, assim,
constitutivamente, seu caráter” (Giddens, 1990, p. 37-38).
Transformações essas, que os homens, suas roupas e aparências
produziram na cidade, em um período histórico marcado por intensas
mudanças no mercado nacional de produção e consumo de roupas.
Mudanças no vestir que se localizam em um período de progresso
econômico mundial conhecido como “os anos dourados” (Hobsbawm,
2014), que sucede o período marcado por guerras e escassez de alimentos e
produtos de consumo de moda, e que no Brasil se intensifica a partir da
década de 1950 com o crescimento das cidades, neste sentido podemos até
fazer um link com alguns dos conteúdos base do ensino médio que são a
primeira e segunda guerra mundial.
Através desse exercício histórico, acreditamos que os alunos consigam
perceber que as maneiras de ser, de viver, de conviver, de se comportar, de
consumir, vestir roupas e cuidar das aparências desses homens que povoam
os acervos de memória da cidade. Visto que a figura dos pioneiros nas
cidades pode levantar questões dos primeiros personagens muitas vezes
esquecidos, como os alfaiates, sapateiros, barbeiros, isso porque a imagem
de pioneiro é sempre oficial e são os homens da elite econômica, social e
política. Os primeiros ficam implícitos na memória visual dos segundos
visibilizando os primeiros, assim as aparências conquistadas pelos segundos
ou as maneiras como são recordados em seus belos ternos são explicadas
pelo trabalho daquele que escreveram a história da moda, sob a perspectiva
da beleza e da elegância dos homens nas cidades. Os trabalhos da moda
sobre os homens, no aspecto da profissionalização masculina e da
necessidade dos novos tempos de cuidados e esmeros com o vestir e
mostrar-se nos espaços públicos pelos homens dos negócios no sentido
amplo, econômicos, culturais e políticos permite aos alunos
compreenderem que quem se vestia bem e precisa ser bem-vestido eram os
segmentos da elite por ostentar posições de importância social no período.
Esses homens conhecidos como pioneiros, construíram uma história para
a moda masculina e para as masculinidades num determinado espaço e
tempo – em uma cidade do norte paranaense e numa dada temporalidade, os
anos 1950. Transformações históricas que fundamentam a consolidação do
espaço urbano e deixaram vestígios nos documentos dos acervos
memorialísticos – do Patrimônio Histórico e nos sites de memória, caso do
Blog Maringá Histórica, na forma de fotografias e materiais da imprensa,
jornais e revistas, que serão investigados pelos alunos no decorrer da
eletiva.
Entende-se que os acervos públicos organizados pelas cidades têm a
função de preservar e contar a sua história e de sua população, fabricando
assim documentos de memória, fazendo lembrar a reflexão de Nora (1985)
acerca dos “lugares da memória”. Diz o autor:
A curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligado a este
momento particular da nossa história. Momento de articulação onde a consciência com a
ruptura do passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o
esfacelamento desperta ainda memória suficiente para que possa colocar o problema de sua
encarnação. O sentimento de continuidade torna-se residual aos locais. Há locais de memória
porque não ha mais meios de memória (Nora, 1985, p. 5).

Neste sentido, em uma sociedade contemporânea como a nossa, marcada


pela predominância de imagens, é certo que os registros fotográficos serão
uma das bases documentais na reconstrução da história dessas cidades que
surgem ao longo do século XX, tornando-se um lugar de memória por onde
os habitantes das cidades vão reconstituir sua “memória esfacelada” (Nora,
1985). Como os registros fotográficos que os acervos de memória da cidade
de Maringá, que, organizados com fins memorialísticos, como no caso dos
arquivos imagéticos patrimoniais e da imprensa se encontram disponíveis
para consulta.
Ao definirmos a investigação sobre a história dos homens e suas relações
com as roupas, objetos e serviços ligados a aparência, as fotografias
analisadas ajudarão os alunos a entender que a história e a memória de uma
cidade são formadas por diversas construções e representações. É para esses
aspectos que acena Pesavento (2008), nesta reflexão: “esse tempo contado
dá-se sempre a partir de um espaço construído”. Logo, quando se trata de
“representar” a memória ou a história de uma cidade, a experiência de
tempo é indissociável da sua representação no espaço.
Esses homens que viveram este processo de transição entre o mundo
rural e o mundo urbano nas décadas de 1940 e 1950 vão sentir as mudanças
de um universo hostil e rural para uma cidade urbana e moderna e através
dos documentos, essa experiência de tempo vivida pelos sujeitos históricos
se dá a ver sob a forma de vestígios das transformações sobrevindas com
suas atuações, podendo assim situar a história dos homens, escrita por meio
de suas ações e suas atuações, com seus atos e feitos sobre a terra e a
edificação urbana.
Essa constante volta a memória da cidade, faz-se então no cotidiano da
mesma, na escolha no presente de manter viva a memória de um
personagem do passado em um espaço público da cidade, conforme afirma
Dias (2012, p. 8): “A memória é, afinal, o suporte da identidade”.
A década de 1950, como já mencionada como justificativa para o recorte
histórico anteriormente, foi profundamente marcada pela ideia de progresso
e desenvolvimento, com a incorporação de novas tecnologias em vários
ramos da indústria incluindo a automobilística, a de alimentos, têxtil e
cosmética, que desenvolveram, ou muitas vezes criaram, novas maneiras de
viver em sociedade, que combinadas a algumas permanências como
regionalidades em culturas especificas e que se mantêm, desenham o perfil
das modas vigentes neste momento histórico no Brasil:
Entre 1945 e 1964, vivemos os momentos decisivos do processo de industrialização com a
instalação de setores tecnologicamente mais avançados, que exigiam investimentos de grande
porte; as migrações internas e a urbanização ganham um ritmo acelerado (Melo; Novaes,
1998, p. 1).
A maneira como as mudanças nacionais refletiram-se na cidade de
Maringá deverá ser aqui um importante ponto para trabalho em sala de aula
ao contrapor a realidade nacional com a realidade histórica local.
Para pensar essas transformações será necessário o entendimento de que
no primeiro momento do povoamento, quase que em sua totalidade, têm-se
a cultura do café como predominante na cidade. Para Gonçalves (1999, p.
101), a intervenção dos gestores na tentativa de conduzir a uma
identificação entre interesses paranaenses, interesses cafeeiros e interesses
nacionais não foi exclusiva, visto que a elite regional estava aparelhada no
estado e com ampla influência quando não muitas vezes ligada a empresa
CTNP/CMNP13. Isto quer dizer que, o estado não esteve à margem do
processo de colonização do norte do Paraná, mas sim, subordinado aos
interesses da elite dominante que estavam intimamente ligados à
Companhia. Esse aspecto veio a colocar a economia da região à mercê do
ciclo econômico do café até a década de 1960, sendo as terras mais férteis
destinadas ao seu cultivo e o restante aos demais produtos, em específico,
de subsistência.
Com suporte nas informações que serão coletadas, espera-se que os
alunos possam compreender que o desenvolvimento de Maringá e seu
núcleo urbano se fizeram de maneira acelerada, passando em seu
desenvolvimento, de um estado de natureza bruta para uma arquitetura
arrojada e planejada, com rotatórias e avenidas largas, bairros delimitados
por classe social, tendo em vista que um dos primeiros bairros da cidade,
chamado Vila Operária, era destino dos trabalhadores urbanos e as classes
menos favorecidas, assim como zonas comerciais e de lazer, tudo foi
pensado e planejado, como ressalta Luz (1999, p. 135).
Um dado importante e que pode ser constatado com os questionários que
serão aplicados pelos alunos com a comunidade, é o fato de que, dada a
especificidade da situação de uma terra em colonização, tanto mulheres
como homens trabalhavam na atividade da família. O acesso à cidade era
difícil e os moradores do campo adquiriam pequenas mercadorias de
vendedores ambulantes, muitas vezes, pelo processo de troca. A vida
cultural se dividia em atividades do campo e da cidade, com festas, bailes e
quermesses. Segundo bibliografia sobre o período, esforços para
movimentar a vida cultural com grupo de teatro de artistas moradores,
existiam, mas as condições estruturais dificultavam a sistematização destas
iniciativas (Tait, 2003), com as questões aplicadas pelos alunos, poderemos
levantar mais dados acerca dessas dificuldades cotidianas enfrentadas pelos
primeiros habitantes da cidade. Assim como resgatar o papel desempenhado
pelas mulheres, visto que nas fontes oficiais e locais de memória da cidade,
elas pouco aparecem.
Silva (2021) identifica que a revista Maringá Ilustrada, digitalizada pelo
blog Maringá Histórica14, utilizada como suporte à sua pesquisa, explicita a
dominação masculina nos registros imagéticos da revista, em 181 páginas
há apenas 5 delas direcionadas a figura das mulheres, com somente duas
propagandas ligadas ao universo feminino tratando de utensílios
domésticos, para Bassanezi (1996, p. 64):
As revistas tentam corresponder à demanda do público leitor, considerando seu modo de agir
e pensar, ao mesmo tempo em que procuram discipliná-lo e enquadrá-lo nas relações de poder
existentes, funcionando como um ponto de referência, oferecendo receitas de vida,
impingindo regras de comportamento, dizendo o que deve e principalmente o que não deve
ser feito.

Bassanezi (1996 p.65) mostrou que as revistas femininas nos anos


dourados endossavam a representação da mulher como esposa, mãe e dona
de casa e que consoante às mudanças na sociedade de consumo, o ideal de
feminino e feminilidade era construído por meio da divulgação de imagens
na imprensa em que a felicidade feminina estava na casa e na aquisição de
bens e produtos domésticos tais como os liquidificadores, fogões,
geladeiras, cortinas e, também, sofás como o que a propaganda apresenta:
nele uma elegante dona de casa sorri enquanto serve seu chá. Para Simone
de Beauvoir (1967), é necessário refazer a mulher, para que seja igual ao
homem, conquistar direitos iguais juridicamente e participar da atividade
pública, da produção e não somente do trabalho doméstico.
O grande acerto no desenvolvimento desse tópico durante o projeto será
o entendimento por parte dos alunos de que o ‘masculino’ e o ‘feminino’
são criações culturais e, como tal, são comportamentos apreendidos através
do processo de socialização que condiciona diferentemente os sexos para
cumprirem funções sociais específicas e diversas. Aprendemos a ser
homens e mulheres e a aceitar como ‘naturais’ as relações de poder entre os
sexos. A menina, assim, aprende a ser doce, obediente, passiva, altruísta,
dependente e cuidadora do lar e dos que lá habitam; Enquanto isso, o
menino aprende a ser agressivo, competitivo, ativo, independente, o
financiador dos recursos, o provedor. Como se tais qualidades fossem parte
de suas próprias “naturezas”.
Assim, a natureza da moda é transformar-se conforme mudam os tempos
e as vontades. Da mesma forma, a identidade feminina, bem como seu
corpo, ao longo da história, vem sendo construídos de acordo com os
aspectos sociais, estéticos, culturais, entre outros. Como bem coloca Gilda
de Mello e Souza (1987), as roupas até o século XX, modularam de modo
diferente a voz e os movimentos da mulher, segregando-a e criando mundos
opostos para o feminino e masculino, deixando para as mulheres atividades
mais sedentárias, e para os homens aquelas que requerem maior
movimento.
Tendo em vista a segregação feminina ao mundo doméstico no período
que será analisado:
[...] de um lado uma moral masculina ‘contratual’, um código de honra originado nos
contratos da vida pública, comercial, política e das atividades profissionais – e de outro uma
moral feminina, relacionada com a pessoa e os hábitos do corpo ditada por um único objetivo,
agradar os homens (Souza, 1987, p. 58).

A história da moda assim nos viabilizara o entendimento de que esse


antagonismo de papéis sexuais foi acentuado pelas roupas, criando formas
bastante distintas para homens e mulheres, que podem ser claramente
visualizadas pelos alunos da eletiva nos arquivos de memória da cidade.
Considerações Finais
Almeja-se com o projeto, operacionalizar os alunos a trabalharem como
as narrativas visuais selecionadas, na forma de imagens fotográficas, na
perspectiva da moda, pois consideramos que o vestir é uma dimensão da
vida social e cultural, permeado pelas dinâmicas das mudanças históricas,
sociais e culturais, que se inscrevem e se refletem nas roupas,
comportamentos e aparências, assim como exercitarem a “Atitude
Historiadora”, presente na BNCC (2018), no que tange ao exercício de
pesquisa, armazenamento, cruzamento de dados, aplicação de questionários,
desenvolvimento da oralidade, trabalho em equipe e envolvimento com a
comunidade a partir da execução do projeto proposto.
Compreendendo as camadas de memórias presentes nos acervos da
cidade, pensando o recorde histórico de transição entre o mundo rural e
urbano, com foco em particular, na consolidação do espaço urbano, no
aspecto comercial, social e empresarial, voltados à circulação de produtos
de moda – roupas, sapatos e acessórios, bem como de prestadores de
serviços, que serão constituídas em pistas, almejando permitir compreender
a história da cidade de Maringá, por um diferente prisma de análise.
Portanto, levando o pensamento na contribuição das roupas para a
produção de significados para a memória de uma cidade, assim como para a
reconstrução de seu passado. O mundo separado e compartilhado pelos
habitantes da cidade e que refletem as faces das sociabilidades de um
grande centro urbano em formação, no período analisado, somado as
práticas de uso e de consumo de roupas, possibilitarão aos alunos a partir
deste olhar sobre o passado sobre o prisma da moda e sua história, entender
sobre as relações que os primeiros habitantes da cidade estabeleceram entre
si e com as indumentárias próprias ao seu tempo, lugar e aos seus grupos
sociais, ficando essa possibilidade de reflexão aberta em seu saber cientifico
para outros períodos históricos nos quais venham a se interessar no decorrer
de sua vida acadêmica.
12 A Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017b) é um documento curricular desenvolvido pelo
Ministério da Educação para toda a Educação Básica. Previsto no artigo 210° da Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988) e no artigo 26° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (BRASIL, 1996),
esse documento começou a ser desenvolvido a partir do Plano Nacional da Educação (PNE) em 2014
(BRASIL, 2014), sendo apresentado ao público pela primeira vez em setembro de 2015, é uma norma
o cial que deve abranger todos os estados e municípios do Brasil (Ralejo; Mello; Amorim, p. 2, 2021).
13 A Companhia de Terras Norte do Paraná, começou a atuar no norte do Paraná, em 1928, tendo o primeiro
núcleo urbano formado em Londrina em 1929. Na década de 1940, a companhia é vendida pelos ingleses a
investidores brasileiros e passa a se chamar Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná, a qual passa
a promover a venda das terras com foco na produção agrícola cafeeira, e em decorrência do apogeu
agrícola é fundado em 10 de maio de 1947, a 127km de Londrina, o núcleo urbano de Maringá (Luz, 1999).
14 Se trata de uma iniciativa privada no intuito de preservar e manter a história da cidade viva. O blog Maringá
Histórica disponibiliza todos os dias em sua plataforma online imagens referentes à história da cidade,
imagens essas do patrimônio histórico, também de outros acervos públicos e pessoais com os quais
mantém ligação.
REFERÊNCIAS:
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Adriana Soares. BNCC e Ensino de História: horizontes possíveis. In:
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MODA, ENSINO DE HISTÓRIA E A
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Letícia Fernochi

Este capítulo é fruto da dissertação de mestrado “Moda e Ensino de


História: a Primeira Guerra Mundial por meio do Jornal das Moças”
vinculada ao programa ProfHistória polo da Universidade Estadual de
Maringá (UEM) orientada pelo professor Dr. Márcio José Pereira. No
decorrer da pesquisa, leitura, discussões para escrever a dissertação nos
deparamos com muitos trabalhos relacionados a moda e História, História
da moda mas nunca com algo relacionado a moda e o ensino de História na
educação básica. A partir daí pensamos em como a moda pode ser uma rica
fonte de estudos também para os estudantes do ensino básico,
especificamente do 3° ano do ensino médio (o trabalho foi elaborado antes
da implementação do Novo Ensino Médio). A ideia desse capítulo é
apresentar o produto, uma sequência didática que estará disponível no fim
do capítulo, desenvolvida para a obtenção do título de mestre e alguns dos
resultados da sua aplicação.
A análise de fatos históricos a partir das mudanças ocorridas na moda é
possibilitada pelos materiais que ficaram conservados, sendo eles as roupas
propriamente ditas ou, no caso desse estudo, pela conservação dos
periódicos que traziam esse tipo de informação. Usar a moda para ensinar
História é mostrar para os estudantes uma nova linha de pensamento,
aproximando a fonte histórica da sua aprendizagem sobre o tema. O
objetivo é fazer com que ele(a) reflita que a História não é apenas composta
de fatos oficiais, mas tudo que envolve a composição da sociedade em
determinado período se torna relevante para compor a aprendizagem. Nessa
perspectiva, investigamos vestígios não usuais do passado e dessa forma os
estudantes podem vir a perceber que a História se desdobra de inúmeras
formas e que todas elas são importantes para a reconstrução dos fatos e a
sua compreensão integral.
A moda tem muito a acrescentar afinal segundo Daniela Calanca (2008,
p. 16) é um fenômeno completo pois propicia um discurso histórico,
econômico, etnológico e tecnológico. E devido as transformações das
roupas ao longo dos anos, onde os mínimos detalhes podem levar a
interpretações de ideias que circulavam na sociedade e impactavam na vida
daquelas pessoas. E mais: como foi possível a adaptação às mudanças,
aceitando-as ou recusando-as. Como toda e qualquer experiência humana
em sociedade, as transformações são fáceis para alguns e difíceis para
outros. A adaptação pode ser um desafio e os periódicos deixam isso claro,
muitas vezes retratando favoravelmente as novas tendências, mas em
seguida criticando-as duramente.
Através dos periódicos disponíveis da época podemos analisar sobre a
mentalidade e as discussões que monopolizavam os corações e mentes. O
Jornal das Moças (fonte desse trabalho) deixa claro que a sociedade era
machista e conservadora, contudo, as mulheres lutavam por espaço e a
Primeira Guerra Mundial deu a elas a oportunidade de mostrar a sua
capacidade diante de todo o mundo, o que tornava quase impossível não
reconhecer o seu papel fundamental para cada país durante o
desenvolvimento do conflito.
A moda produzida durante os anos da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918) ficou registrada nos periódicos que circulavam na época. No caso do
Brasil alguns deles direcionados exclusivamente para o público feminino
estão digitalizados na Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Para esse
trabalho o periódico escolhido foi o Jornal das Moças nas seções “A arte de
ser elegante” e “Modos e Modas” entre os anos de 1914 e 1918, para assim
entendermos como os acontecimentos ocorridos na sociedade daquele
momento influenciaram as roupas utilizadas pelas mulheres. Além do fato
de terem tomado para si postos até então ocupados por homens, com isso a
moda efetivamente mudou a partir dos eventos históricos e das mudanças
sociais que ocorreram no período.
Os papéis sociais ocupados majoritariamente pelas mulheres sofreram
incontáveis transformações e uma das mais importantes foi a entrada de um
número muito grande delas no mercado de trabalho para substituir a mão de
obra masculina que lutava nos campos de batalha. Para se adequar às novas
tarefas e à escassez de materiais, as mulheres precisaram modificar as
formas de se vestir, passo esse que nem sempre é mencionado durante as
aulas. Deste ponto de vista, podemos explorar também outros aspectos
como fonte de reflexão para os estudantes partirem da observação das
roupas e assim compreenderem quais os efeitos de uma guerra na vida em
sociedade. Com sua participação ativa na guerra as mulheres conquistaram
direitos e independência financeira que mais uma vez se reflete na moda,
pois as roupas passaram a se moldar para o trabalho, prática esportiva e
divertimento (Teixeira; Silva, 2018, p. 66).
No contexto do período contemplado nesse trabalho existem alguns
eventos relevantes no Brasil, e no mundo, que sempre eram estudados nas
aulas de História do Ensino Fundamental e Médio, mais especificamente
nos 9° e 3° anos, agora com a reforma do Ensino Médio e a implantação do
Novo Ensino Médio (NEM) o conteúdo relacionado a Primeira Guerra
Mundial está contemplado na matriz curricular do 2° ano do NEM.
No Brasil do início do século XX, as grandes influências em relação à
moda vinham da Europa, especificamente de Paris, que era considerada o
grande centro criador de tendências, onde os grandes estilistas ditavam o
que deveria ser usado por todos, e todas naturalmente. As novidades
chegavam aqui exatamente pelo aumento da circulação de periódicos
destinados ao público feminino, um dos exemplos é o Jornal das Moças.
Esse periódico ilustrado teve origem em 1914, era produzida no Rio de
Janeiro e tinha circulação nacional, que no início foi quinzenal e depois se
tornou semanal. Não foi encontrada uma explicação objetiva para a
mudança de periodicidade, mas podemos evidenciar que o público leitor
formado por mulheres de classe média e alta cresceu expressivamente no
período. Para as mulheres foi permitido circularem pelos salões onde se
podiam ler novos textos. Assim, a valorização desse segmento em ascensão
fez aumentar as publicações destinadas a elas no intuito de instruí-las e
torná-las educadoras dos filhos da pátria (Almeida, 2014, n.p.).
Para o desenvolvimento do trabalho foram analisadas as edições de
número 1 até a 184 do Jornal das Moças que vão do ano de 1914 até 1918,
com enfoque voltado para as seções já mencionadas: “A arte de ser
elegante” e “Modos e Modas”. No entanto, outros artigos da revista foram
utilizados quando considerados relevantes para a discussão do tema
proposto. Nesses artigos eram publicadas, por exemplo, dicas de como
adaptar a moda parisiense ao clima brasileiro, o que era tido como elegante,
o que era esquisito ou exagerado e deveria ser dispensado pelas leitoras,
além de informações sobre culinária, comportamento, dicas de beleza e
anúncios de produtos variados. As edições da revista Jornal das Moças que
foram utilizadas como fonte desse trabalho foram dirigidas por seus
fundadores: Álvaro Menezes (diretor e redator) e Agostinho Menezes
(diretor responsável), mas não explicitam algumas informações que
poderiam ser relevantes para identificar os autores dos artigos das seções,
eles se identificam apenas por um nome (não utilizam sobrenome), que
pode ser verdadeiro ou um pseudônimo. Os artigos escritos nas seções
exploradas por essa pesquisa mudavam constantemente, o periódico era
publicado com uma tiragem para todo o território nacional, cobrindo assim
as capitais. Chegava as mãos das leitoras todas as quartas-feiras, nas bancas
ou pelo correio para quem solicitasse sua assinatura (Soares; Silva, 2013,
n.p.).
Com esse material digitalizado levar a moda, as roupas e suas influências
para serem estudadas como fonte histórica em sala de aula tornou-se uma
possibilidade real, pois com o uso da internet, computadores, celulares,
projetor podemos mostrar ao estudante algo que realmente foi produzido no
período trabalhado trazendo mais clareza para as explicações dos
professores. É claro que a tecnologia não é a mesma em todas as escolas,
mas as possibilidades de adaptações existem, como por exemplo, imprimir
algumas páginas do periódico para trabalhar com os estudantes, além do
fato de algumas edições originais do Jornal das Moças estarem disponíveis
em sebos com preços bem acessíveis, podendo assim realizar as adequações
para o uso da sequência didática que será proposta no fim do capítulo.
Lembrando que uma sequência didática nada mais é que: “Um conjunto de
atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um
gênero textual, oral ou escrito” (Dolz, Noverraz, Schneuwly, 2004 apud
Zaqueu, 2015, p. 9).
Na sequência didática sugerida, une-se moda e a análise do Jornal das
Moças para que os estudantes possam se sentir mais próximos da História,
pois estariam em contato com a fonte (Jornal das Moças) que está toda
digitalizada e disponível na internet no site da Hemeroteca da Biblioteca
Nacional. Com este recurso pedagógico, poderão perceber como eles
mesmos também são fruto da História e como a influência de diversas
culturas e conflitos se aplicou para a constituição da sociedade em que
vivemos. Nesse contato próximo com a fonte, a construção da História
deixaria de ser algo distante para esses estudantes e assim teriam mais
vontade de interagir com ela (ECCO, 2007, p. 132). É possível transformar
esse contato em uma investigação dos estudantes junto à fonte e observar o
que e como isso impacta na discussão e produção de conhecimento.
Nesse sentido, Kátia Simioni Martins Bondan (2014) assevera que o uso
de análise documental pode colaborar para que os estudantes busquem
referências sobre o tema abordado, realizem leitura qualificada do material,
relacionem diferentes temporalidades, demarquem aspectos comparativos
entre as fontes analisadas e, assim, estabeleçam relações com o seu
cotidiano. A análise da moda em um determinado período pode trazer ao
estudante a curiosidade de refletir também sobre a constituição da sua
própria roupa, sua tendência em seguir estilos, onde se inspira e de onde
vem a origem dessa moda. Cria-se uma estratégia para despertar o interesse
no seu alunado pelo período abordado e também mostra uma outra forma de
abordar a História, fugindo da maneira tradicional de explicar as mudanças
e permanências em uma sociedade. A fonte na qual a pesquisa se baseia
(Jornal das Moças) está digitalizada e tem fácil acesso a partir de
computadores ou celulares conectados à internet, além da possível
impressão das edições ou páginas avulsas para manuseio dos estudantes.
Em resumo,
[...] à medida que é necessário levar o/a estudante a perceber porque ele/ela precisa da
História e como esta pode ser ferramenta de leitura do mundo no qual está inserido
propiciando sua autonomia diante da cultura midiática, resistindo à sua manipulação,
capacitando-o a conhecer a si e aos outros no tempo (Catelão, 2020, p. 64).

Essa sequência didática foi trabalhada com os estudantes do 3° ano do


Ensino Médio em 2021 do Colégio Estadual Dr. Lauro Portugal Tavares
localizado no município de Rolândia distrito de São Martinho. Devido a
pandemia da covid-19 as aulas na época estavam remotas, uma parte da
turma por morar em locais distantes e sem acesso a internet não puderam
participar ativamente, no entanto uma parcela da turma realizou essa
proposta didática de forma adaptada ao circunstâncias do momento. As
atividades contidas na sequência foram trabalhadas pela professora no
modo de compartilhamento de tela via Meet (Google Meet). Assim as
imagens sugeridas na proposta foram apresentadas pela professora e os
estudantes apontavam suas percepções levando as discussões sobre o tema.
A atividade avaliativa foi realizada de forma individual, onde alguns
estudantes apenas explanaram sobre seu tema escolhido e outros
produziram materiais como slides no Power Point e/ou painel no jamboard.
Através da participação nas aulas e da apresentação final os estudantes
foram avaliados.
A percepção na implementação da sequência didática foi positiva pois os
estudantes conseguiram apontar mudanças nas roupas apresentadas nas
imagens, em alguns momentos para um olhar mais minucioso foi necessário
a interferência da professora para a análise dos detalhes. No geral o
resultado foi satisfatório, os estudantes envolvidos na implementação da
sequência didática perceberam as transformações das roupas no período
trabalhado, conseguiram ligar essas mudanças a fatos ocorridos na Primeira
Guerra Mundial, mas principalmente se atentaram ao fato da moda
difundida atualmente ser um reflexo dos acontecimentos sociais, políticos,
econômicos e culturais que vivemos.
Há muito tempo se discute como estimular o interesse dos estudantes
pelo conteúdo das disciplinas, como aproximar o científico do cotidiano,
trazer o contexto vivido pelos estudantes para dentro da sala de aula e, a
partir disso, ensiná-lo. A moda é uma dessas opções, uma fonte histórica
rica que está presente no dia a dia de todos e que muda na velocidade que a
própria sociedade se transforma. Discutir esse tema, que parece banal para
alguns, pode trazer valiosas percepções que devem ser aproveitadas e
incorporadas pelos professores na discussão do tema trabalhado em sala de
aula. Os estudantes têm muito a acrescentar se os caminhos do
conhecimento lhe parecerem mais próximos. A escola sempre será um
espaço profundo para a produção de saberes históricos.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Nukácia Araújo de. Revistas femininas e educação da mulher:
o jornal das moças. In: SIMPÓSIO ALB, 2014. Anais [...].
BONDAN, Kátia Simioni Martins. Metodologias diversificadas para o
ensino de História: cotidiano, formas de vestir, comer e narrar na
antiguidade romana. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação.
Superintendência de Educação. Os Desafios da Escola Pública
Paranaense na Perspectiva do Professor PDE: Produção Didático-
pedagógica, 2014. Curitiba: SEED/PR, 2016. v. 2. (Cadernos PDE).
CALANCA, Daniela. História social da moda. Tradução: Renato
Ambrosio. São Paulo: Editora Senac, 2008.
CATELÃO, Sidney de Melo. História em revista: as narrativas de seleções
do Reader`s Digest em sala de aula (1942-1949). 2020. 214 f. Dissertação.
Campo Mourão: Unespar, 2020.
ECCO, Idanir. O ensino de história: evidências e tendências atuais. R.
ciências humanas, v. 8, n. 10, p. 123-141, jun. 2007.
JORNAL DAS MOÇAS. Rio de Janeiro. Menezes, Filho & C. Ltda. 1914-
1920. Disponível em: http://bndigital.bn.br/acervo-digital/jornal-
mocas/111031. Acesso em: 25 mar. 2023.
SOARES, Diego dos Santos; SILVA, Ursula Rosa da. O Jornal das Moças:
uma narrativa ilustrada das mulheres de 30 a 50 & sua passagem por
Pelotas nas décadas. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA ARTE, 3., 2013,
Pelotas. Anais [...]. Universidade de Pelotas: 2013.
TEIXEIRA, D. P; SILVA, S. R. A. A moda em tempos de guerra: da saia
sino à androgenia. Revista eletrônica de moda, v. 6, n. 1, p. 49-68, set.
2018.
ZAQUEU, Aline Aparecida Pereira. Proposta de uma sequência didática
que trate da história rural do Brasil e da formação da consciência
histórica. 2015. 28 f. Dissertação – Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências. Bauru, 2015.
Proposta de Sequência Didática
Título: Belle Époque no Brasil e as mudanças ocorridas na moda entre
1898 e 1914.
Disciplina: História
Público alvo: 3° ano do Ensino Médio
Objetivo geral: Nessa sequência didática, o objetivo geral é levar os (as)
estudantes a compreenderem as mudanças que ocorreram na moda durante
a Primeira Guerra Mundial e como as roupas destinadas às mulheres são
capazes de mostrar nas suas formas essas transformações.
Conteúdos a serem trabalhados: Período denominado Belle Époque;
motivações e início da Primeira Guerra Mundial; reformas no Rio de
Janeiro no início da República; imprensa feminina e educação destinada às
mulheres; roupas e sua relação com os acontecimentos da sociedade.
Habilidades da BNCC a serem desenvolvidas:
(EM13CHS101) Analisar e comparar diferentes fontes e narrativas
expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão e à crítica de
ideias filosóficas e processos e eventos históricos, geográficos, políticos,
econômicos, sociais, ambientais e culturais.
(EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor
argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais,
culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e
informações de natureza qualitativa e quantitativa (expressões artísticas,
textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos, gráficos, mapas,
tabelas etc.).
(EM13CHS104) Analisar objetos da cultura material e imaterial como
suporte de conhecimentos, valores, crenças e práticas que singularizam
diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.
(EM13CHS106) Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica e
de diferentes gêneros textuais e as tecnologias digitais de informação e
comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas
práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e
exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

Tempo de
10 aulas
execução:
Materiais
Conforme disposto em cada uma das atividades
necessários:

ATIVIDADE 1

Conteúdo Belle Époque e suas características


Tempo estimado 2 aulas
Objetivos específicos
• Caracterizar o período denominado Belle Époque;
• Identificar as mudanças ocorridas no Brasil nesse período;
• Refletir sobre acontecimentos relevantes no mundo durante esse
período;
• Identificar características das roupas usadas pelas mulheres no Brasil
desse período.
Metodologias e estratégias
Nessa aula o(a) professor(a) deverá explicar aos alunos a proposta da
sequência didática, as etapas que compõe o trabalho e qual será a atividade
final. Após sanar todas as possíveis questões dos estudantes, o(a)
professor(a) irá iniciar uma explicação sobre o período da Belle Époque
deixando claro os anos que compreendem, suas características principais e
a motivação para esse nome. Deverá elencar no quadro essas informações
e os(as) estudantes devem registrar tudo em seus cadernos.
Então o(a) professor(a) irá esclarecer para os(as) estudantes que o
Brasil também viveu esse período e que muitas transformações
aconteceram por aqui, citando a reforma do Rio de Janeiro inspirada na
cidade de Paris, a ocupação dos espaços públicos para fins de lazer, as
mulheres conquistando espaço no mercado de trabalho e sendo permitido a
elas frequentar os salões de leitura. Também deve fazer esclarecimentos
sobre a educação destinadas às mulheres nesse momento.
Em seguida, o(a) professor(a) apresentará imagens contendo
vestimentas do período trabalhado e junto com os(as) estudantes fará a
caracterização das diferenças das roupas da época com as roupas usadas
atualmente. O(a) professor(a) poderá usar como apoio o artigo Moda
feminina e imprensa na Belle Époque carioca de Rosane Feijão.
Essas são algumas sugestões de imagens a ser utilizadas pelo(a)
professor(a)

Disponível em: https://modaehistoriadaarte.wordpress.com/2013/05/31/moda-no-periodo-la-belle-


epoque/. Acesso em: 14 jan. 2021.

Disponível em: https://demodeweb.wordpress.com/2016/06/03/o-vestuario-na-belle-epoque/.


Acesso: 14 jan. 2021.

Disponível em: http://modahistorica.blogspot.com/2013/05/seculo-xix-parte-3-moda-na-belle-


epoque.html. Acesso: 14 jan. 2021.
Recursos didáticos
Quadro, giz, tv pen drive ou projetor multimídia e texto de apoio (Moda
feminina e imprensa na Belle Époque carioca de Rosane Feijão)
Referências
ARAÚJO, Rosa Maria Barboza de. A vocação do prazer: a cidade e a
família no Rio de Janeiro republicano. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
FEIJÃO, Rosane. Moda feminina e imprensa na Belle Époque carioca.
IARA – Revista de moda, cultura e arte, v. 5, n. 1, p. 5-21, maio 2012.

ATIVIDADE 2
Imprensa feminina no Brasil durante o período da
Conteúdo
Belle Époque
Tempo estimado 1 aula
Objetivos específicos
• Caracterizar a imprensa feminina no Brasil durante o período da
Belle Époque;
• Refletir sobre o papel das revistas destinadas ao público feminino;
• Evidenciar a revista Jornal das Moças.
Metodologias e estratégias
Nessa aula o(a) professor(a) poderá iniciar indagando aos(às)
estudantes sobre seus conhecimentos a respeito de periódicos em geral e
por meio das colocações dos(as) estudantes levar a reflexão sobre a
origem deles, chegando ao momento da Belle Époque. Nesse período
existe um grande aumento dos periódicos destinados às mulheres,
principalmente revistas com conteúdos sobre casa, moda, culinária,
eletrodomésticos, conselhos amorosos ou sentimentais etc., uma dessas
revistas que vale a pena o(a) professor(a) destacar seria o Jornal dos
Moças.
O(a) professor(a) pode basear essa aula no artigo Revistas femininas e
educação da mulher: o Jornal das Moças de Nukácia M. Araújo de
Almeida. E assim, através de reflexões realizadas em conjunto com os(as)
alunos(as), debateriam as temáticas dessas revistas e as motivações para
seu crescimento no período trabalhado pela sequência didática, deixando
as hipóteses anotadas no quadro e os(as) estudantes iriam registrando no
caderno.
O(a) professor(a) poderia selecionar uma ou duas edições da revista
Jornal das Moças. Aqui sugerimos as edições n.4 e/ou n.14, levando para a
sala de aula através do projetor multimídia, ou página imprensa se houver
a possibilidade. Tudo para que os(as) estudantes tenham contato com o
material, analisem seu conteúdo e consigam elencar quais das hipóteses
levantadas na discussão acima eram verdadeiras, quais não eram temas
colocados em publicações destinadas às mulheres. O(a) professor(a) pode
estimular os(as) estudantes a relatarem aquilo que mais os surpreenderam
na revista original.
Recursos didáticos
Quadro, giz, projetor multimídia ou TV pen-drive, texto de apoio.
Referências
ALMEIDA, Nukácia Araújo de. Revistas femininas e educação da
mulher: o jornal das moças. Anais do Simpósio ALB, 2014.
BUITONI, Dulcília Shroeder. Imprensa feminina. São Paulo: Editora
Ática, 1986.
JORNAL DAS MOÇAS. Rio de Janeiro. Menezes, Filho & C. Ltda. 1914-
1965. Disponível em: http://bndigital.bn.br/acervo-digital/jornal-
mocas/111031. Acesso em: 14 jan. 2021.

ATIVIDADE 3
Conteúdo Introdução à Primeira Guerra Mundial
Tempo estimado 2 aulas
Objetivos específicos
• Contextualizar a situação dos principais países do início do século
XX;
• Debater os motivos que motivaram a Primeira Guerra Mundial e
eclodir;
• Como estava o Brasil no mesmo período;
• A situação de vida das mulheres nesse mesmo momento.
Metodologias e estratégias
Nesse momento, o(a) professor(a) irá introduzir para os(as) estudantes
o tema Primeira Guerra Mundial, começando pela contextualização dos
anos antes da guerra começar, os fatores que geravam tensões entre os
países, os motivos das rivalidades, a formação das alianças, entre outros
aspectos. Também fará uma breve explanação sobre a situação do Brasil
no período, relembrando junto aos estudantes as aulas anteriores. Refletirá
junto com os(as) estudantes sobre o papel atribuído às mulheres naquele
momento e como seria a rotina de mulheres de classe baixa e mulheres de
classe média e alta. Assim, o(a) professor(a) irá anotando no quadro as
principais indagações e constatações e juntos aos estudantes vai
analisando e refletindo sobre o tema. Nesse momento, pode-se fazer uso
do livro didático no capítulo sobre o tema para ler junto com os(as)
alunos(as) e destacar os pontos considerados mais importantes.
Em seguida, o(a) professor(a) poderá colocar como a guerra se iniciou e
os primeiros passos dados pelas alianças a partir daí. Para auxílio
pedagógico nessa temática e também como uma forma de mostrar aos
estudantes características da época trabalhada, como as roupas por
exemplo, o(a) professor(a) poderá usar uma parte do documentário
Primeira Guerra Mundial: o fim de uma era que é facilmente encontrado
no Youtube (sugiro os primeiros 20 a 30 minutos).
Recursos pedagógicos
Quadro, giz, TV pen-drive ou projetor multimídia, livro didático.
Referências
Livro didático utilizado pelo Colégio.
PRIMEIRA Guerra Mundial: o fim de uma era. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=s25JGNCSu4M. Acesso em: 18 jan.
2021.
EVA PERÓN COMO PROPOSTA DE
ELETIVA NA PERSPECTIVA DOS
ESTUDOS DA MODA
Ivana Aparecida Marques Cunha
Larissa Klosowski de Paula

O currículo, as Escolas de Tempo Integral e os estudos da Moda


De acordo com Militão e Kill (2015), a trajetória de implementação da
escolarização de Tempo Integral no Brasil, remonta aos anos de 1950, tendo
como sua primeira experiência o Centro Educacional Carneiro Ribeiro
(CECR), concretizado por Anísio Teixeira, na cidade de Salvador, na Bahia.
Nos anos de 1960, experiências em Brasília e São Paulo foram mapeadas
pelos/as referidos/as pesquisadores/as, sendo seguidas pela implementação no
Rio de Janeiro e, nos anos de 1990, pelo anúncio do então presidente da
República, Fernando Collor de Melo, da ampliação do programa para cerca de
5.000 escolas pelo Brasil.
Destacam os/as autores/as que, inicialmente, a proposta de escolarização em
Tempo Integral compreendia uma espécie de auxílio às famílias carentes pelo
fato de ofertar, junto ao ambiente escolar, atendimento médico e odontológico
para os/as jovens e crianças matriculados/as, bem como alimentação,
uniformes e materiais. Porém, apenas em 1996, com a incorporação da
proposta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96), que a
escolarização em Tempo Integral conquistou maior abrangência no Brasil,
sendo incluída nos Planos Nacionais de Educação dos anos de 2001 e 2014,
assim como, no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Com o
surgimento do PME (Programa Mais Educação, Decreto Nº 7.083/2010), as
discussões sobre a implementação das Escolas de Tempo Integral somaram
mais esforços às propostas de concretização da escolarização integral já
previstas nos PNE de 2001 e 2014, para os quais a intenção era de que, até
2024, cerca de 50% das escolas brasileiras ofertasse essa tipologia de
educação. Em uma das estratégias mencionadas no PME, está a iniciativa de se
ofertar componentes optativos para garantir a ampliação do currículo das
Escolas de Tempo Integral.
Em relação à questão curricular, Galin e Sampaio (2012), utilizando como
base as Diretrizes das Escolas de Tempo Integral: Tempo e Qualidade,
elaboradas pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria
do Estado de Educação de São Paulo, bem como uma ampla bibliografia que
trata da temática, chamam atenção para a necessidade de se pensar na
estruturação dos currículos para a efetividade das propostas das Escolas de
Tempo Integral, de modo que se some ao currículo básico componentes
distintos destes, mas que tenham suporte enriquecedor para a formação do/a
estudante. Como exemplo, as autoras mencionam a articulação do currículo
com os Estudos Culturais, e as possibilidades que essa articulação pode
alcançar quando se trata da construção de uma educação democrática e focada
na formação social, haja vista que a cultura é ponto fulcral para regulação de
condutas, ações e práticas sociais. Com base nessa afirmativa, estudos
centrados na história da moda e/ou em alguns/algumas dos/as protagonistas
dessa história, poderiam colaborar para a ampliação do repertório cultural e
formativo dos/as estudantes das escolas de tempo integral.
Inter-relacionando essas premissas com as propostas das Escolas Integrais,
que, de acordo com Santos e Malheiros (2020), os quais analisam o caso das
escolas do Espírito Santo, têm como foco a formação de quatro princípios
(protagonismo, quatro pilares da educação, pedagogia da presença e educação
interdimensional), as eletivas atuariam como forma de diversificar o currículo
escolar. Tais componentes são ministrados semanalmente e devem ser
elaborados de maneira conjunta entre os/as professores/as dos diversos
componentes.
Assim sendo, o texto que segue tem por objetivo trazer uma proposta de
eletiva exequível, utilizando a centralidade política da figura de Eva Perón
como temática, de modo que, através da proposta, resolver-se-á o apagamento
da figura política de Evita utilizando-se, também, dos estudos da moda para tal.
Para tanto, além de se recorrer ao resgate bibliográfico focado na primeira-
dama, também se trará aspectos legais destacados na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) para fundamentar a proposta de eletiva em sequências
didáticas flexíveis que podem ser utilizadas pelos/as professores/as desse
componente. Vale destacar que as eletivas também fazem parte da proposta de
currículo para as escolas regulares em discussão na Lei Nº 13.415/2017, bem
como, da Medida Provisória 746, que compõem o chamado “Novo Ensino
Médio” (NEM), ainda em revisão, e justamente por isso a etapa a qual se
destina a proposta é do Ensino Médio.
As áreas de concentração, as competências e as habilidades em
destaque: justificando o uso de Eva Perón como temática para
eletiva
Antes de apresentar propriamente as sequências didáticas, faz-se necessário
localizar o/a leitor/a acerca da possibilidade de focar em Evita como tema de
eletiva. De acordo com a BNCC, um dos documentos norteadores da educação
brasileira na atualidade, a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
contempla os componentes de História, Geografia, Sociologia e Filosofia de
maneira integrada, ao mesmo passo em que “[...] concentra-se na análise e na
avaliação das relações sociais, dos modelos econômicos, dos processos
políticos e das diversas culturas” (BRASIL, 2018, p. 471). Indo ao encontro
dessa premissa, o uso da figura política de Eva Perón colabora para o
desenvolvimento das propostas da área à medida que seu protagonismo político
seria evidenciado, adentrando temáticas que compreendem a relação entre
sujeito e história, participação política ativa, dentre outros. Isso porque,
segundo Marques (2020), Evita foi uma importante personagem política
principalmente para as mulheres, os idosos, as crianças e os descamisados,
colaborando, por exemplo, para a conquista do voto feminino na Argentina.
A autora destaca também a vasta produção que possui Evita como temática,
que contempla fontes iconográficas, expressas em diversos suportes, dentre os
quais se encontra a Revista Mundo Peronista; obras fílmicas que a colocaram
como personagem principal, tal como o filme Evita, de Alan Parker, lançado
em 1996; documentários, tais como A Tumba Sem Paz, de Tristán Bauer, de
1997; e as biografias La Razón de mi Vida, escrito pela própria Eva Perón, e
Eva Perón: a Madona dos Descamisados, escrito por Alicia Dujovne Ortiz.
Assim sendo, não faltam tipologias de fontes históricas que dão suporte ao uso
da figura política da primeira-dama como temática para a construção de uma
eletiva aplicada ao Ensino Médio e que contempla a área de Ciências Humanas
e Sociais Aplicadas. E além das produções mencionadas, há, ainda, uma vasta
produção acadêmica que usa de suporte estas produções.
Além do mais, por figuraram em suportes distintos, tais produções também
contemplariam a Área de Linguagens haja vista que dialogam com tipologias
textuais (quando se fala das biografias), com as produções artísticas (no caso
das fontes imagéticas e das obras fílmicas), bem como dos usos da linguagem
enquanto instrumento de poder. Importante ressaltar que a Área de Linguagens
contempla os componentes de Língua Portuguesa, Artes, Educação Física e
Língua Inglesa. Para esta proposta, seriam utilizadas competências e
habilidades que se interligam aos componentes de Língua Portuguesa e Artes,
bem como na Língua Estrangeira que, por se tratar de uma personagem mais
ligada à América Latina, maiores são as produções acadêmicas nessa língua.
Vale destacar também que os usos dessas tipologias de fontes contemplam o
sugerido na BNCC, tal como fica evidente no trecho abaixo que afirma que:
É necessário, ainda, que a Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas favoreça o
protagonismo juvenil investindo para que os estudantes sejam capazes de mobilizar diferentes
linguagens (textuais, imagéticas, artísticas, gestuais, digitais, tecnológicas, gráficas, cartográficas
etc.), valorizar os trabalhos de campo (entrevistas, observações, consultas a acervos históricos
etc.), recorrer a diferentes formas de registros e engajar-se em práticas cooperativas, para a
formulação e resolução de problemas (BRASIL, 2018, p. 562).

Neste sentido, utilizar as fontes disponíveis sobre Evita em virtude da


realização de uma eletiva que a utiliza como temática principal colabora, ao
mesmo tempo, para atender à demanda advinda da BNCC, para destacar o
papel político por ela exercido e para conquistar espaço para se trabalhar um
componente, mesmo que eletivo, que tenha sua base teórico-metodológico
alinhada com as contribuições dos estudos da moda e, consequentemente, da
História. Neste sentido, o uso da figura de Eva Perón garantiria ao componente
de História mais espaço no arranjo curricular das Escolas de Tempo Integral e,
em caso de continuidade da proposta, no NEM.
No que se refere às competências e habilidades dispostas na BNCC e que
podem ser aplicadas à essa proposta de eletiva, pode-se citar, da área de
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, as competências 1 e 6. No que se
refere à competência 1, lê-se que nesta competência pretende-se:
1. Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local,
regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos
epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente
em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em
argumentos e fontes de natureza científica (BRASIL, 2018, p. 571).

Como o objetivo desta proposta compreende dar ênfase ao papel político de


Eva Perón, consequentemente fazer-se-á uma análise do fenômeno do
peronismo na Argentina, de modo que a questão dos processos políticos,
econômicos e sociais mencionados na competência acima seriam satisfeitos.
Além disso, a proposta também contemplaria a pluralidade de procedimentos,
haja vista o uso de diferentes fontes acerca da temática, o que pode levar,
também, ao posicionamento crítico por parte do/a estudante que cursar a
eletiva. Vale ressaltar ainda que a pluralidade de procedimentos também seria
contemplada ao se focar a análise na perspectiva da história da moda, haja vista
que, de acordo com Simili e Vasques (2013) a moda, vista e documentada nos
corpos dos sujeitos que perpassam a história, também é suporte para a
compreensão das representações sociais, políticas, culturais e históricas. Sendo
assim, “Dá para sentir e perceber [...] que estudar a moda é prazeroso; que
pesquisar e conhecer a moda educa o olhar e a sensibilidade” (Simili; Vasques,
p. 13-14). Essa perspectiva está contemplada na proposta de eletiva, ao passo
em que Eva Perón fora símbolo de vitalidade mesmo enquanto enfrentava o
câncer, como destacado por Marques (2020). E, além da questão midiática e
política, a indumentária de Eva destacava esse papel.
Em relação à BNCC, vale destacar que a etapa Ensino Médio se utiliza das
terminologias “competências” e “habilidades” para direcionar o/a professor/a.
Cada competência vem acompanhada de algumas habilidades à ela associada.
No caso da competência mencionada acima, as habilidades que permeiam a
proposta são:
(EM13CHS101) Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em
diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos
históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.

(EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a


processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na
sistematização de dados e informações de diversas naturezas (expressões artísticas, textos
filosóficos e sociológicos, documentos históricos e geográficos, gráficos, mapas, tabelas, tradições
orais, entre outros).

(EM13CHS104) Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar


conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural
de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço (BRASIL, 2018, p. 571).

A primeira das habilidades mencionadas estaria articulada com o uso das


distintas fontes históricas sobre Eva Perón, tais como as imagens presentes na
Revista Mundo Peronista, as biografias, as obras cinematográficas, entre
outros, mencionadas anteriormente e estudadas por Marques (2020). O uso
dessas fontes permitiria aos/às estudantes, já adentrando a segunda habilidade
mencionada acima, selecionar as evidências para compor os argumentos, ao
passo em que uma das iniciativas desta proposta de eletiva compreende,
também, a criação de produtos finais para a culminância das eletivas
(momentos nos quais se expõem tudo que fora apreendido durante a realização
do componente). A última das habilidades acima mencionadas seria possível à
medida queas fontes que se pode utilizar para evidenciar o papel político de
Eva Perón, com ênfase nos estudos da moda, permite o trato com a cultura
material e imaterial produzida em torno de sua figura.
Utilizar essa variabilidade de fontes permitiria trabalhar esta proposta de
eletiva de maneira interdisciplinar com a Área de Linguagens, haja vista que
compete ao currículo do Ensino Médio criar condições para que o/a estudante
possa:
4. Compreender as línguas como fenômeno (geo) político, histórico, cultural, social, variável,
heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo suas variedades e vivenciando-as
como formas de expressões identitárias, pessoais e coletivas, bem como agindo no enfrentamento
de preconceitos de qualquer natureza (BRASIL, 2018, p. 490).

Adentram à essa perspectiva as linguagens verbais e não verbais, tais como


os discursos, as diversas produções escritas e imagéticas que circundam a
figura política de Eva Perón. Assim sendo, há a possibilidade de
interdisciplinaridade nesta proposta de eletiva, adentrando também o uso das
“ciências auxiliares” mencionadas por Bloch (2001) que, neste caso, seriam
alocadas na Área de Linguagens.
Outra competência da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
contemplada nessa proposta seria a de número 6, para a qual é importante ao/a
estudante do Ensino Médio “6. Participar do debate público de forma crítica,
respeitando diferentes posições e fazendo escolhas alinhadas ao exercício da
cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência
crítica e responsabilidade” (BRASIL, 2018, p. 578). Para contemplar essa
competência na proposta que segue, seriam utilizadas as seguintes habilidades:
(EM13CHS602) Identificar e caracterizar a presença do paternalismo, do autoritarismo e do
populismo na política, na sociedade e nas culturas brasileira e latino-americana, em períodos
ditatoriais e democráticos, relacionando-os com as formas de organização e de articulação das
sociedades em defesa da autonomia, da liberdade, do diálogo e da promoção da democracia, da
cidadania e dos direitos humanos na sociedade atual.
(EM13CHS603) Analisar a formação de diferentes países, povos e nações e de suas experiências
políticas e de exercício da cidadania, aplicando conceitos políticos básicos (Estado, poder, formas,
sistemas e regimes de governo, soberania etc.) (BRASIL, 2018, p. 579).

Estas habilidades seriam utilizadas à medida em que, para se estudar o papel


político de Eva Perón enquanto sujeito histórico sob a perspectiva dos estudos
da moda, há, também, a necessidade de se compreender o fenômeno do
peronismo na Argentina e os aspectos que evidenciaram os usos políticos do
corpo de Eva Perón, bem como de suas indumentárias. Assim sendo, a
proposta de se ter uma eletiva que possua Evita como temática é verossímil.
Sequências Didáticas
Assim sendo, a proposta que segue busca auxiliar o/a professor/a de eletiva,
encurtando o caminho no que se refere ao planejamento dela, haja vista que tal
componente, que, na proposta, deve ser preparado pelo/a professor/a, não
possui hora atividade adicional para esse preparo. Para contemplar as diretrizes
de protagonismo e inserção digital, seria interessante que os/as estudantes
elaborassem maneiras de divulgar suas produções em plataformas digitais por
eles/as criadas e manejadas, de modo que, a cada aula, os/as estudantes
pudessem desenvolver um estudo inicial sobre a temática e, posteriormente,
produzir um conteúdo a respeito que alcançasse outros/as estudantes.
Para idealização desta proposta o cenário de implementação seria um
componente eletivo semestral de 40 horas, que conta com duas horas semanais,
haja vista que, por exemplo, no Estado do Mato Grosso, as eletivas são
semestrais e possuem duas horas semanais. Para atender essa proposta e, ao
mesmo tempo, considerar as dinâmicas de protagonismo estudantil e inserção
digital, a ideia é que os/as estudantes trabalhem em grupo com o objetivo de
construir um portfólio digital com produções relacionadas aos estudos
desenvolvidos sobre Eva Perón durante as aulas. Para tanto, considerou-se
tanto estudos dirigidos, aqui compreendidos enquanto uma dinâmica onde o/a
professor/a separa alguns materiais para os/as estudantes realizarem as
pesquisas do tema em discussão e elabora um roteiro com as principais
características a serem buscadas pelos/as estudantes no estudo; quanto aulas
expositivas sobre a temática.
No que se refere ao andamento da proposta, o seguinte cronograma poderia
ser considerado:
Quadro 1 – Cronograma de aplicação
Competência
Tema Desenvolvimento da Proposta Produto
da BNCC
Competência
Tema Desenvolvimento da Proposta Produto
da BNCC
- Formação
dos grupos
pelos/as
estudantes;
- Criação do
- Apresentação do/a professor/a proponente e da turma inscrita; ambiente
- Estudo dirigido ou aula expositiva sobre por que estudar a moda para
na perspectiva histórica; elaboração
Apresentação
- Apresentação do cronograma de desenvolvimento e das formas dos portfólios
da eletiva e
de avaliação; - (sugestão
das formas de
- Formação dos grupos pelos/as estudantes e criação do ambiente para uso do
trabalho
para catalogação dos portfólios; Google
- Escolha, por parte dos grupos, do meio digital de divulgação dos Drive);
produtos dos estudos. - Criação do
ambiente
para
divulgação
dos
resultados.
-
Catalogação
básica dos
dados
apresentados
no formato
- Estudo dirigido ou aula expositiva sobre o peronismo na América
O peronismo (EM13CHS602) digital
Latina, de nindo o que foi o fenômeno, quando ocorreu e quais as
na Argentina (EM13CHS603) escolhido
motivações, e como a gura de Evita se relaciona com o peronismo.
pelos/as
estudantes;
- Criação de
conteúdo
sobre a
temática.
-
Catalogação
básica dos
dados no
formato
- Conceituação de quem foi Eva Perón e qual a sua importância (EM13LGG101)
digital
Quem foi Eva para a história da Argentina por intermédio de aula expositiva ou (EM13LGG202)
escolhido
Perón? estudo dirigido; (EM13CHS101)
pelos/as
- Início da construção de portfólios de catalogação por grupos. (EM13CHS603)
estudantes;
- Criação de
conteúdo
sobre a
temática.
Competência
Tema Desenvolvimento da Proposta Produto
da BNCC
-
Catalogação
La razón de básica dos
mi vida (2016) dados
apresentados
- Apresentação geral da biogra a; (EM13CHS101) no formato
- Solicitar que os/as estudantes escolham uma das passagens da (EM13CHS104) digital
La razón de obra para traduzir e apresentar em formato digital. (EM13LGG101) escolhido
mi vida (2016) Para acessar: (EM13LGG201) pelos/as
http://upcndigital.org/~ciper/biblioteca/Eva/Evita+- (EM13LGG202) estudantes;
+La+razon+de+mi+vida+(completo)+(1).pdf (EM13LGG401) - Criação de
conteúdo
sobre a
La razón de temática.
mi vida (2016)

Eva Perón: a -
madona dos Catalogação
descamisados básica dos
(1997) - Apresentação geral da biogra a; dados
(EM13CHS101) apresentados
- Solicitar que os/as estudantes escolham leiam uma produção
Eva Perón: a (EM13CHS104) no formato
acadêmica sobre a obra bibliográ ca.
madona dos (EM13LGG101) digital
Sugestão:
descamisados (EM13LGG201) escolhido
https://domalberto.edu.br/wp-
(1997) (EM13LGG202) pelos/as
content/uploads/sites/4/2017/06/Representatividade-dos-media-na-
(EM13LGG401) estudantes;
Eva Perón: a biogra a-de-Eva-Per%C3%B3n.pdf - Criação de
madona dos conteúdo
descamisados sobre a
(1997) temática.
Análise
imagética – -
Revista Catalogação
Mundo básica dos
Peronista dados
- Apresentação das 18 capas da Revista Mundo Peronista em que
apresentados
Análise Eva Perón é representada; (EM13CHS101)
formato
imagética – - Solicitar que os grupos de estudantes selecionem pelo menos (EM13CHS104)
digital
Revista duas capas de revista para analisar e representar em conteúdo (EM13LGG101)
escolhido
Mundo digital. (EM13LGG201)
pelos/as
Peronista Acesso à revista: (EM13LGG202)
estudantes;
Análise https://www.upcndigital.org/micrositios/CIPER/ciper2/politics/mp.html
- Criação de
imagética – conteúdo
Revista sobre a
Mundo temática.
Peronista
Competência
Tema Desenvolvimento da Proposta Produto
da BNCC
Documentário -
A Tumba sem Catalogação
Paz (1997) básica dos
Documentário - Assistir ao documentário; dados
A Tumba sem - Solicitar que os/as estudantes façam uma apresentação do (EM13CHS101)
apresentados
Paz (1997) documentário em formato digital (vídeo, colagens, entre outros); (EM13CHS104)
no formato
- Apresentação, pelos/as estudantes das cenas que mais os/as digital
(EM13LGG101)
impactaram. escolhido
(EM13LGG201)
Acesso em: pelos/as
Documentário https://www.youtube.com/watch? (EM13LGG202)
estudantes;
A Tumba sem v=Wp3vStUKt9A&ab_channel=TomGil - Criação de
Paz (1997) conteúdo
sobre a
temática.
A conexão -
entre Eva Catalogação
Perón e as básica dos
mulheres dados
trabalhadoras - Tradução e leitura de texto acadêmico que aborda as temáticas; apresentados
(EM13LGG101) no formato
- Divisão do texto entre os grupos para tradução;
A importância - Criação de conteúdo para compartilhamento. (EM13LGG202) digital
da inserção Sugestão de texto: (EM13CHS101) escolhido
de Eva Perón https://www.econstor.eu/bitstream/10419/84327/1/663858399.pdf (EM13CHS603) pelos/as
no espaço estudantes;
público - Criação de
conteúdo
Criação de sobre a
conteúdo temática.
- Preparação
do produto
Preparação
para Competências nal com
Momento para os grupos prepararem os produtos idealizados e auxílio do/a
culminância gerais 2 e 7 da
concretizados por eles/as, relacionando o que fora apreendido com professor/a
Área de
formas de apresentação para os/as demais estudantes e a
Linguagens regente.
comunidade escolar.
Preparação (EM13CHS103) - Alinhamento
para nal das
culminância propostas
Competência
Tema Desenvolvimento da Proposta Produto
da BNCC
-
Apresentação
dos produtos;
- Realização
das
Competências
avaliações
Momento de demonstração das produções estudantis para os/as gerais 2 e 7 da
Culminância das formas
demais estudantes da unidade escolar e comunidade Área de
de
Linguagens
apresentação
propostas
(pelos/as
próprios/as
estudantes)
Fonte: As autoras.

A sequência apresentada acima não tem o objetivo de enrijecer o trabalho


do/a professor/a, mas apenas apresentar uma das propostas que pode ser
considerada para se trabalhar a temática ora em questão. Sobre as temáticas
mencionadas acima, nas seções que seguem buscou-se delinear alguns pontos
principais a serem considerados em cada um dos blocos sugeridos, bem como
justificar a escolha por eles.
O Peronismo na América Latina
Como uma “eminência parda”, ou ainda, como uma figura que agia nos
‘bastidores’ do poder político, Juan Perón (1895-1974) ascendeu à presidência
argentina em 04 de junho de 1946 (Prado, 1981), e o fez como membro do
Partido Laborista (PL), organização que tinha suas origens vinculadas aos
direitos dos trabalhadores.
Entre o final da década de 1930 e começo da de 1940, Perón esteve na Itália,
que, naquele momento, vivia sob os princípios do fascismo de Mussolini. Essa
experiência parece ter contribuído para a construção de sua versão como
homem público, expressada, inicialmente, com a sua participação no Grupo de
Oficiales Unidos (GOU), movimento responsável por liderar o golpe argentino
antidemocrático ocorrido em 1943.
Nesse empreendimento, como parte de um governo golpista, Perón foi
agregando muito poder, chegando a acumular as funções de comandante da
Secretaria do Trabalho e Previsão; Ministro do Exército e vice-presidente da
Argentina. Porém, essa sua ascensão foi interrompida em 1945, por um “golpe
dentro do golpe”, que retirou Perón do poder e o colocou na prisão. Para
Ferreras (2011), esse acontecimento gerou um levante popular que, em 17 de
outubro daquele mesmo ano, lotou a Praça de Maio reivindicando a libertação
de Perón, o que é sintomático de como o peronismo viria a ser um mobilizador
das massas, inclusive femininas.
Sobre isso, a singularidade da manifestação peronista se encontra na atuação
política de uma mulher: Eva Perón. Por meio de seu casamento com Juan,
ocorrido em 1945, e a futura vitória dele nas eleições presidenciais argentinas,
Evita (apelido carinhoso dado à Eva pelos peronistas), passou a exercer uma
efetiva atividade sindical, tendo contato direto com trabalhadores e
trabalhadoras e chegando ao comando da Secretaria do Trabalho e Previsão
(Díaz, 2005).
Considerando essas características, iniciar a temática abordando o
peronismo colaboraria para evidenciar o contexto vivenciado na Argentina no
momento de ascensão dessa tipologia de política, bem como, aquele no qual o
foco da eletiva se construiu enquanto sujeito histórico. Dessa forma, os/as
estudantes poderiam levantar hipóteses acerca da conjuntura política e social
com as demandas dos sujeitos do período, evidenciando os percalços que
elevaram a figura de Perón como um dos alicerces das massas e de Evita como
baluarte desse processo. Neste sentido, além de cumprir as competências
mencionadas no quadro 01, galgar-se-ia de espaço no currículo do/a estudante
para o componente de história e para a evidenciar as conjunturas sociais que
antecederam o peronismo e lhe abriram espaço de demanda. No seguimento da
sequência, a figura de Evita seria introduzida após a compreensão da
conjuntura da qual fez parte.
Ao final dessa parte, solicitar aos/às estudantes que elaborem uma forma de
catalogar e que preparem um material para divulgar o que aprenderam durante
essa aula completaria a sequência e cumpriria com a necessidade de elaboração
de produtos da eletiva.
Quem foi Eva Perón?
Conceituado o que fora o peronismo e seus impactos na Argentina, a
sequência teria seguimento apresentando quem viria a ser Evita Perón, e por
que essa personagem histórica é tão importante para o peronismo, para a
Argentina, para as mulheres trabalhadoras e para a história da moda. Vale
destacar que Evita nasceu como Maria Eva Duarte, em 1919, na província de
Los Toldos. Teve quatro irmãos mais velhos, sendo filha de uma relação
extraconjugal entre a costureira Juana Ibarguren e o estancieiro Juan Duarte.
Aos 15 anos, em 1935, se mudou para Buenos Aires, buscando a realização
do sonho de ser atriz, objetivo que não foi bem-sucedido, uma vez que,
segundo Sarlo (2005), Eva só obteve protagonismo nesse universo entre fins de
1942 e início de 1943, a partir de mudanças realizadas nas radiocomunicações
por parte dos militares, dos quais Perón fazia parte.
Assim, foi só na esfera política, a partir de seu casamento com Juan Perón,
que Eva elevou-se cultural, política e socialmente, e parece ter conquistado o
seu maior papel: o de primeira-dama da Argentina. Nessa trajetória, liderou o
movimento pela conquista do voto feminino no país, conquistado em 1947 e
garantido pela Constituição Justicialista, de 1949, a qual assegurou que as
mulheres votassem pela primeira vez em 1951.
Eva defendia a igualdade do direito de voto para homens e mulheres, mas
compreendia que o público feminino deveria integrar o espaço público
exercendo e reproduzindo funções consideradas próprias da esfera privada do
lar, como, por exemplo, a prática do cuidado. Entre outras coisas, essa sua
concepção (fortemente adotada pela sociedade da época) se refletiu nos
sentidos dados às suas obras sociais, voltadas com frequência para o
acolhimento de crianças e mulheres.
De qualquer modo, foi por intermédio do casamento e, consequentemente,
das estruturas formais do poder político argentino, que Eva se destacou,
chegando a postos que até então seriam inalcançáveis para ela (Silva, 2004).
Numa organização político-social marcada pelas desigualdades entre os sexos
(Chartier, 1995), essa primeira-dama, sustentada por outras mulheres, se
movimentou e se projetou num campo hegemonicamente masculino.
Em meio à uma configuração machista que reservava apenas o âmbito
privado às mulheres, Evita, de maneira estratégica, se manifestou expondo o
que pensava, mas nivelou o seu discurso ao de Perón, de modo que ela
parecesse solícita. Esses posicionamentos e conduções de Eva podem ser
analisados a partir da contribuição das produções biográficas sobre tal figura,
as quais são ferramentas importantes na reconstrução da narrativa de vida
dessa primeira-dama.
Ao fim desta etapa, os/as estudantes poderiam elaborar conteúdos que
destacassem os principais aspectos da vida de Evita e estariam preparados,
conhecendo o sujeito em foco, para esmiuçar as bibliografias e alguns escritos
sobre elas, que compõem a sequência seguinte.
As biografias escritas
A produção biográfica é um mecanismo que permite a compreensão do
vínculo existente entre indivíduo e sociedade (Zimmermann; Medeiros, 2004).
No caso de Eva Perón, ela pode colaborar no entendimento das nuances e
reveses que marcaram a sua trajetória.
Tratando do uso do gênero biográfico para as pesquisas feministas, Soihet
(2003) propõe que não existe uma verdade histórica absoluta, uma vez que os
textos são atravessados por aspirações dos grupos dominantes, os quais
reproduzem dicotomias e noções fixas, inviabilizando as possibilidades
interpretativas e buscando colocar as mulheres numa posição de inferioridade.
Para esse trabalho, foram consideradas as obras La Razón de Mi Vida (1951)
– A Razão da Minha Vida, no português -, de autoria de Eva Perón; e Eva
Perón: a madona dos descamisados (1997), da jornalista Alicia Dujovne Ortiz.
O primeiro livro trata-se de uma autobiografia que ganhou grande dimensão na
Argentina, convertendo-se em manual didático e sendo considerado um
material indispensável em escolas e universidades.
Sua circulação foi tão positiva que Souza (2016) esclarece que a obra teve
uma tiragem de 1.388.852 exemplares. Mesmo que sua escrita seja atribuída à
Eva, o texto do livro foi produzido por Manuel Penella de Silva, com o
auspício e averiguação de Perón. Atravessando as fronteiras argentinas, La
Razón de Mi Vida fora traduzido para o árabe, português e inglês, alcançando o
número de 150.000 cópias vendidas já no primeiro dia de publicação.
A versão em português desse livro, cujo conteúdo é analisado na presente
seção, foi lançada em 2016 e traduzido por Gabriela Maltempo Perez, e esse
trabalho de tradução para outro idioma é indicativo de que a obra suplantou
demarcações, alcançando leitores estrangeiros.
Entre outras coisas, em La Razón de Mi Vida é possível examinar como Eva
enxergava o espaço político e o papel que as mulheres deveriam desempenhar
nele. Por meio da mensagem apresentada no livro, percebe-se que a primeira-
dama entendia que elas estavam tentando agir como homens, o que seria um
erro. A solução, segundo a narrativa de Evita, seria tornar o voto feminino uma
porta para a conquista de outros direitos para as mulheres, mas que elas
assumissem a esfera pública exercendo a sua verdadeira natureza, a função
maternal.
Todos os dias milhões de mulheres abandonam o campo feminino e começam a viver como
homens. Trabalham quase como eles. Preferem, como eles, a rua à casa. Não se resignam a ser
mães nem esposas [...]. Isso é feminismo? Eu penso que deve ser mais bem o masculinizar do
nosso sexo (Duarte de Perón, 2016, p. 273).
As mulheres não poderiam exercer funções tidas como masculinas, posto
que estavam presas ao seu verdadeiro dom que era o de ser ‘senhoras do lar’,
lugar onde a mulher era naturalmente cuidadosa, protetora, amável e bondosa.
Assim, ao sair do âmbito doméstico, elas deveriam reproduzir no espaço
público o que faziam na esfera privada: serem doces e maternais. “Por isso nós,
mulheres de toda a terra, temos, além de nossa vocação criadora, outra, de
conservação instintiva: a sublime vocação da paz” (Duarte de Perón, 1951, p.
279).
Já na obra Eva Perón: a madona dos descamisados, livro que analisa, entre
outras coisas, a vida, o percurso político, o falecimento e o post mortem de
Evita, Ortiz (1997) ratifica que Eva buscava para si a notoriedade, de maneira
que seu casamento com Perón, um militar renomado, pode ser visto como uma
estratégia para a sua ascensão político-social.
A partir do matrimônio, Eva obteve reconhecimento, especialmente com sua
investida à favor da conquista do voto feminino na Argentina, processo que fez
com que seus discursos fossem difundidos pelas rádios de todo o país,
alcançando as massas e os legisladores.
Com isso, em 1949 foi fundado o Partido Peronista Feminino (PPF), e
apesar de se nomear como uma frente política formada por mulheres, seria,
segundo Eva, um instrumento de adoração e proteção de Perón e suas
propostas: “Para a mulher, ser peronista é antes de tudo manter-se fiel a Perón
e depositar nele uma confiança cega” (Ortiz, 1997, p. 316). Então, Ortiz (1997)
analisa que foi sendo uma fiel representante de Perón, que Eva chegou até às
populações mais carentes da Argentina, já que ela seria apenas um caminho
transitório entre as necessidades do povo e seu líder maior. “Sou uma ponte
entre Perón e o povo. Passem sobre mim” (Ortiz, A., 1995, p.168 apud Silva,
2004, p. 35) (Tradução livre das autoras).
Em relação a estas biografias, a proposta para desenvolvimento da eletiva
seria de, primeiramente, selecionar, traduzir e representar em forma de
conteúdo digital nuances escolhidas pelo/as estudantes da biografia La Razón
de Mi Vida. Posteriormente, para que se possa ter acesso a mais de uma forma
de considerar as biografias, seria interessante que os/as estudantes pudessem
acessar uma produção acadêmica realizada através do texto biográfico Eva
Perón: a madona dos descamisados. A intenção é que compreendam como os
textos biográficos se constituem enquanto ferramentas para aprendizagens
históricas distintas.
Posteriormente, a sequência se volta para outra tipologia textual, que
consiste no recurso imagético amplamente disponível em Mundo Peronista
(MP), revista argentina do governo de Perón e Evita, que pode ser um veículo
importante para a compreensão das relações estabelecidas entre a primeira-
dama e as camadas marginalizadas do país.
Análise imagética: Revista Mundo Peronista
Eva e o povo argentino eram conectados por um vínculo identitário, que
fazia com que as massas se reconhecessem na trajetória de pobreza e sucesso
da primeira-dama. Com base nessa constatação, a imagem de Evita era
difundida, a partir de seu consentimento, como um símbolo propagandístico
que mirava a fabricação de uma opinião pública favorável em relação ao
peronismo. Conforme aponta Becker (2003), a noção de opinião pública se
trata da mecânica das condutas sociais, mutáveis à medida que se alteram os
contextos e as mentalidades.
Nesse processo de busca pela construção de uma opinião pública positiva
para o projeto do peronismo, destaca-se, como instrumento, a revista oficial
Mundo Peronista. Criado em 1951 e produzido pela editora Haynes, esse
periódico era elaborado por meio da Escola Superior Peronista (ESP),
organização vinculada ao Estado. Era publicada quinzenalmente, contando
com 91 edições, lançadas até 1º de setembro de 1955, sendo que as 25
primeiras publicações, entre julho de 1951 e julho de 1952, estão incluídas no
rol de fontes usadas neste trabalho.
A imprensa, quando num contexto livre e democrático, pode ser um
dispositivo que manifesta a opinião pública (Becker, 2003). Não obstante, se
valendo da concepção de propaganda como difusora de ideologias, Gonçalves
(2010) esclarece que quando ela está associada à influência de regimes
nazifascistas (como é o caso da inspiração de Mussolini sobre Perón), possui
caráter negativo, uma vez que se utiliza da manipulação para o controle das
massas e para a perseguição e silenciamento dos grupos de oposição.
No caso do peronismo, a propaganda e as expressões culturais revelam os
ingredientes que constituíam a doutrina e o movimento de tal projeto, os quais
visavam, entre outras coisas, a uniformização dos princípios morais, o
abrandamento da oposição e o alcance da coesão social. Por outro lado,
corroboram, didaticamente, que esse regime era direcionado ao
desenvolvimento, à modernidade e à inclusão social.
Em Mundo Peronista, Eva era reproduzida como uma mulher do povo, que
ouvia e se preocupava com as demandas das populações carentes e
trabalhadoras. Além disso, era reconhecida por sua atuação em defesa da
conquista de direitos políticos para as mulheres. Ela se colocava como
mediadora entre Perón e os pobres porque seria um alguém acessível que
levaria as reivindicações populares diretamente ao General.
No que tange à análise das revistas – em geral -, pode-se dizer que a capa
desempenha um papel central, já que apresenta um resumo didático, visual
e/ou verbal, do que se propõe tal edição. Para tanto, ela exerce uma função
evocativa e atrativa, buscando obter a atenção do observador e persuadir os
possíveis leitores a consumi-la. Segundo John e Eberle (2010, p. 59): “Scalzo
diz que a capa deve ser ‘o resumo irresistível de cada edição, uma espécie de
vitrine para o deleite e a sedução do leitor’”.
A capa possui concretude e discursividade, componentes verbais e não
verbais atraentes, os quais costumam se conectar às problemáticas e ideologias
de dada historicidade (Silva; Hashiguti, 2013, p. 39). Assim, no caso da MP,
para além dos textos, Eva era constantemente representada em imagens, o que
pode ser constatado ao se considerar o número significativo de capas em que a
primeira-dama aparece: das vinte e cinco edições analisadas, Evita é retratada
em dezoito.
Para Pesavento (2004), a imagem, em suas variadas versões (cinema,
pintura, fotografia, computação gráfica etc.), consiste numa forma de
linguagem que antecede a grafia, sendo um veículo de comunicação humana
preenchido por significados superficiais ou profundos. Posto isto, o fato é que
as capas da MP transmitiam mensagens visuais que foram essenciais para o
engendramento da figura política de Eva, como é o caso da austeridade e
espírito de liderança de Evita, resumidos em seu penteado ‘de trabalho’, o
coque; o clima de jovialidade e descontração da primeira-dama, representadas
em seus cabelos soltos; e a assinatura de papéis, a presença em reuniões e os
discursos direcionados ao povo, imagens que balizaram a sua centralidade na
esfera pública.
Para esta etapa, ao solicitar que os/as estudantes selecionem as capas para
descrever e engendrar a descrição com o que fora até então apreendido sobre a
personagem históricas e as formas de alicerçamento de sua figura permitirá o
desenvolvimento de postura crítica, reflexiva e fundamentada frente à análise
da personagem. Além disso, essa metodologia pode colaborar para a
preparação para a análise de documentário e que dá seguimento à sequência
didática.
Evita, o túmulo sem paz
Pela sua grande importância político-social, especialmente para a América
Latina, Eva Perón continua a ser revisitada e reapropriada pela historiografia e
pela indústria cultural. O documentário Evita, o túmulo sem paz (1997), do
cineasta Tristán Bauer, por exemplo, é um material que pode ser utilizado
como instrumento didático-pedagógico para contemplar fatos sobre a vida e
morte dessa primeira-dama, e principalmente acerca do roubo de seu corpo
morto e o roteiro macabro percorrido por ele.
Eva morreu em 26 de julho de 1952, e, com isso, Perón contratou Pedro
Ara, um médico espanhol, para embalsamar o cadáver. O corpo foi exposto na
sede da Confederação Geral do Trabalho (CGT), mas com o golpe militar que
depôs Juan, ele foi roubado sob o comando do general Pedro Eugênio
Aramburu, e esteve desaparecido por cerca de 16 anos, tempo pelo qual foi
escondido por grande parte do tempo em Milão, na Itália, com a anuência da
Igreja Católica.
O cadáver de Eva só foi devolvido em 1971, para Perón, que estava exilado
em Madrid, na Espanha. Em 1974, Juan retornou para a Argentina, mas morreu
meses depois de conseguir se reeleger para a presidência do país. Em seu lugar,
assumiu sua vice e viúva, Maria Estela Martínez de Perón (popularmente
conhecida como Isabelita), que exige que o corpo de Evita seja trazido de
volta.
Eva está enterrada no cemitério de La Recoleta, em Buenos Aires, lugar que
se converteu em ponto turístico, de visitação e devoção. O fato desse cadáver
ter sido enterrado a 8 metros do chão é sintomático de que, mesmo morta,
Evita era um perigo emblemático para o status quo.
Assim, como ferramenta cinematográfica, esse documentário pode ser um
suporte relevante para o ensino de História e também para a compreensão de
como a figura de Evita era avaliada pelo povo argentino, de um lado, e por
aqueles que ocupavam o poder, de outro. Porém, vale lembrar que ele é apenas
um apêndice, e não objeto central nesse processo, uma vez que é preciso que o
professor suscite, por meio dele, contestações, indagações e problemáticas, ou
seja, a análise e reflexão sobre a fonte.
A conexão entre Eva Perón e as mulheres trabalhadoras e sua
inserção nos espaços públicos
Para finalizar, os dois penúltimos blocos de aulas, que compreendem 4
horas aulas no total, podem ser utilizados para fomentar as discussões sobre a
importância de Evita para as mulheres trabalhadoras e a ocupação dos espaços
públicos. Para começar, é importante destacar que, de acordo com Palermo
(2007), o termo descamisada se referia à mulher trabalhadora peronista. Era
para esse grupo que Eva falava, e para quem defendia que ocupar o espaço
público não significava renegar as supostas virtudes – conservadoras –
femininas.
Nesse sentido, é interessante pensar como Evita se valeu de um discurso
cauteloso e aquiescente com as normas masculinas dominantes, de tal modo
que, assim, ela pudesse lograr seus objetivos (Soihet, 2000). Dessa forma, é
certo que ter o apoio dessa nova massa votante serviu para o enrijecimento do
projeto político do peronismo, porém, para além disso, essas mulheres deram o
suporte necessário para que a primeira-dama, num intento individual, pudesse
obter notabilidade num campo predominantemente controlado por homens.
Num contexto pós Segunda Guerra Mundial, em que as estrelas do cinema
eram consideradas, também, parâmetros da moda, Eva Perón se destacou no
cenário nacional e internacional, se tornando um modelo de beleza e bem-
vestir. Assim, associada à sua atuação política, suas aparências fizeram com
que as mulheres, especialmente as operárias, vissem em Evita um padrão a ser
seguido, exemplo de figura que saiu da pobreza, alçou à espaços de poder, e
neles, desfrutou e ostentou de muito luxo e elegância.
No começo do século XX, a Argentina passava por um nascente processo de
industrialização, e a ampliação da indústria têxtil demandou maior número de
mão-de-obra, inclusive feminina (Rocchi, 1998). Nesse contexto, a quebra da
bolsa de valores de Nova York, de 1929, gerou transformações no setor
econômico, freando parte das importações argentinas. Esse foi um dos
estímulos para que o país se industrializasse, o que resultou,
consequentemente, num movimento migratório vindo do interior para os
centros urbanos do país, grandemente formado por mulheres que buscavam
trabalho nas fábricas (Díaz, 2005).
Fora do espaço do lar e vestindo roupas para o trabalho, essas operárias
era2m vistas pela alta sociedade argentina como figuras que desrespeitavam as
noções de feminilidade. Assalariadas e dependentes do trabalho braçal das
fábricas, elas eram rotuladas como masculinizadas e atípicas (Weinstein,
2010).
Mesmo que o peronismo não afirmasse que o espaço público deveria ser
negado às mulheres, defendia que os salários dos homens fosse suficiente para
que não precisasse haver uma mobilização feminina entre a redoma do
ambiente privado e o mercado de trabalho.
Nesse sentido, virtuosa seria a mulher que tivesse o lar como prioridade.
Todavia, apesar dessa concepção, Eva era admirada pelas operárias, que a viam
como um modelo de triunfo, já que, além de ter enfrentado a pobreza, ocupava
o espaço público de forma determinada e determinante. Se a elite julgava Eva e
a enxergava como uma desonra para a sociedade e a política argentinas, e uma
afronta aos padrões de feminilidade, as operárias, recorrentemente atacadas, se
reconheciam nela, o que pode também ter sido um componente importante para
a consolidação do peronismo.
A atuação de Eva Perón no espaço público (por meio de seus discursos,
feitos, comportamentos, indumentárias, gestualidades etc.), fortaleceu o
peronismo, formalmente liderado apenas por Juan. Entretanto, a participação
política não é composta apenas por vínculos institucionalizados, mas
contempla manifestações simbólicas dos grupos e sujeitos sociais (Prado e
Franco, 2012), como é o caso das mulheres argentinas que, mesmo sem ainda
poderem votar, estavam presentes nas ruas em 1945, reivindicando a libertação
de Perón e apoiando a sua candidatura para a presidência do país.
Assim, Silva (2009) propõe que Evita inaugurou um modelo de primeira-
dama que atravessa as fronteiras do lar e se faz presente na esfera pública,
comparecendo ao Congresso Nacional e participando de reuniões com figuras
importantes do universo político, como ministros e legisladores.
No que se refere às propostas para os/as estudantes, nesta etapa seria
interessante que os/as mesmos/as novamente tivessem contato com textos
acadêmicos sobre essa perspectiva, no sentido de se aproximar da escrita
acadêmica e compreender que a pesquisa em história são vivas, possuem
finalidades e trabalham com métodos precisos.
Considerações Finais
Assim sendo, pensando na proposta das eletivas como mecanismo de
enriquecimento e diversificação dos currículos das Escolas de Tempo Integral
brasileiras, bem como, de fundamentação do arranjo curricular nas escolas
regulares, visto o debate em torno do engendramento do “Novo Ensino
Médio”, a ideia é a de apresentar um rol de fontes (impressas, biográficas,
fílmicas etc.,) que possam compor uma disciplina eletiva – numa perspectiva
interdisciplinar – que contemplará a figura da primeira-dama Eva Perón,
considerando o aporte dos estudos históricos e da moda. Parte-se do princípio
de que estudar o projeto peronista por intermédio da centralidade de Eva,
permitiria aos/às alunos/as compreender a conjuntura político-social e
econômica da Argentina, sob os auspícios do peronismo, como também o
protagonismo público e estilístico desenvolvido por Eva em meio a história das
mulheres, especialmente das latino-americanas. Tudo isso somado ao contato
com as diversas fontes e textos acadêmicos, propiciaria aos/as estudantes o
aprimoramento de suas dimensões críticas e interpretativas, uma vez que essas
interações demandariam método e questionamento por parte dos/as alunos/as,
incrementando e aquecendo o plano da disciplina.
REFERÊNCIAS
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O CARNAVAL DAS ESCOLAS DE
SAMBA E O ENSINO DE HISTÓRIA
Pedro Covre Marchiori15

O carnaval brasileiro, em suas diferentes manifestações, permeia nossa


vida de diferentes formas. O frevo, as marchinhas, as máscaras e fantasias,
o axé no trio elétrico, os desfiles das escolas de samba, entre outras
manifestações presentes na história de nosso imenso país. A variedade e as
diferentes relações dessa festa com a comunidade em que ela é celebrada
abrem um campo com infinitas possibilidades de análises e estudos, em
diferentes áreas do conhecimento.
Dentro deste cenário, destaco o carnaval das escolas de samba. Os
desfiles das escolas de samba chamam a atenção pela riqueza artística
envolvida do processo, pois há neles elementos visuais, como os carros
alegóricos e as fantasias, elementos musicais, como a bateria e o canto
vocal do samba-enredo, elementos poéticos, filosóficos e conhecimentos
gerais, presentes nas criação de cada enredo, refletidos nos elementos
citados anteriormente, além de elementos sociais que permeiam a
comunidade que constitui a escola de samba. Tendo em vista a riqueza de
elementos que os desfiles das escolas de samba englobam e nos apresenta, a
proposta deste texto é apresentar o carnaval das escolas de samba como
instrumento para o ensino de história.
No Rio de Janeiro, as festas carnavalescas de rua, através da cultura do
povo preto e pobre, receberam o samba e o desfile das escolas de samba no
carnaval. Estas são práticas culturais que nasceram da influência da cultura
africana no Brasil, consequência da diáspora africana e tráfico negreiro, que
forçou, por mais de 300 anos, a vinda de africanos e africanas para o nosso
território para serem escravizados. E a ressignificação necessária de seus
costumes e tradições, como forma de resistência, originaram a cultura afro-
brasileira (Da Silva, 2019).
O samba é uma das expressões da cultura popular negra, este gênero
musical está intimamente relacionado à ancestralidade africana, ao ritmo, ao
estilo de produção cultural, à memória, às lutas e às resistências de
africanos e africanas, do povo negro no Brasil. O samba pode versar sobre
diferentes temáticas e não deixará de ser expressão da cultura popular negra
(Da Silva, 2019, p. 37).
Nesse contexto, o carnaval das escolas de samba é uma forma artística
que, a partir de pesquisas, cria seu enredo, que é um texto narrativo que
justifica o tema proposto para o desfile que vai acontecer através das esferas
plásticas – fantasia e alegoria – e musicais – samba-enredo, canto e dança.
“O enredo é a base textual que fornece norteamento para todo o processo
criativo e para tudo aquilo que a escola quer transmitir enquanto
mensagem” (Silva, 2021, p. 43).
Num desfile, as escolas percorrem a passarela narrando o enredo através de simultâneas
linguagens expressivas, com o “visual” – as fantasias coloridas e os carros alegóricos; e com
o “samba” – o canto do “puxador” acompanhado do canto coral de toda a escola e da bateria.
O movimento dançado das alas, grupos com fantasias alusivas a subtemas do enredo, conduz
a evolução linear. Os carros alegóricos pontuam esse alinhamento, elaborando os principais
tópicos do enredo. A dança ritmada e coletiva dos corpos conduz a escola em movimento
linear, integrando o “visual” ao “samba”, unindo as dimensões festiva e espetacular do desfile
(Cavalcanti, 2006, p. 20).

De acordo com Ana Lúcia da Silva, 2019,


na festa do carnaval carioca as escolas de samba além de promoverem o entretenimento aos
amantes do samba e/ou aos turistas, podem se constituir em espaços de contestação, produzir
emoções e a vontade de dançar, difundir pedagogias culturais, ou seja, ensinamentos acerca
dos temas que versam nos sambas-enredo e enredos apresentados nos desfiles (Silva, 2019, p.
230).

A princípio, o desfile acontecia nas ruas do centro do Rio de Janeiro, RJ,


mais especificamente nas Avenidas Rio Branco e Presidente Vargas. Em
1984, foi criado o Sambódromo, a Avenida Marquês de Sapucaí, a Passarela
do Samba, onde acontece até hoje os desfiles no Rio de Janeiro. Nesse
sentido, podemos dizer que a festa continua a acontecer na rua, porém,
devido à estrutura do Sambódromo, e à consolidação do carnaval das
escolas de samba como um grande espetáculo, a festa se tornou mais
privatizada, com arquibancadas, camarotes exclusivos e ingressos vendidos
em dólar, refletindo e se beneficiando da globalização e da inserção do
Brasil na economia global, e atingindo, por meio da televisão e meios
digitais, principalmente, um público incontável, presente em toda parte do
planeta (Victorio, 2010).
Ana Lúcia da Silva, 2019, diz que:
As escolas de samba são espaços de encontro e de conhecimento, estas geraram e geram
saberes, promoveram e promovem a construção e reconstrução de laços de solidariedade, de
identidade e subjetividades, de celebração da vida, da festa e da morte, onde se pensa também
práticas e/ou projetos sociais para se preservar a tradição do samba como também para se
encontrar caminhos para a resolução de problemas sociais de sua comunidade (Silva, 2019, p.
68).

Neste cenário está inserida a Escola de Samba Estação Primeira de


Mangueira. A escola de samba Estação Primeira de Mangueira foi fundada
no dia 28 de abril de 1928 como “Grêmio Recreativo Escola de Samba
Estação Primeira de Mangueira”. Angenor de Oliveira (Cartola), Saturnino
Gonçalves (Seu Saturnino), Abelardo da Bolinha, Carlos Moreira de Castro
(Carlos Cachaça), José Gomes da Costa (Zé Espinguela), Euclides Roberto
dos Santos (Seu Euclides), Marcelino José Claudino (Seu Maçu) e Pedro
Paquetá foram os responsáveis pela fundação.
A nova escola de samba teria sido fundada no dia 28 de abril de 1928, na casa de Euclides
Roberto dos Santos, na rua Saião Lobato, número 21, no Buraco Quente. Constam na ata de
fundação os nomes de sete Arengueiros: além de Euclides - o dono da casa -, Saturnino,
Maçu, Cartola, Zé Espinguela, Pedro Caim e Abelardo da Bolinha. A primeira sede da Escola
foi instalada na rua Saião Lobato, número 7, [...] no Buraco Quente (Silva; Oliveira Filho,
2003. p. 55).

A Mangueira se desenvolveu composta majoritariamente por indivíduos


negros, ex-escravizados, descendentes de ex-escravizados, desfavorecidos
social e economicamente. A região se tornou associada com as expressões
culturais e religiosas típicas desses grupos. Dessa forma, a trajetória da
comunidade se entrelaça com a história do samba e dos rituais de
candomblé, oriundos da cultura afro-brasileira (Costa, 2002).
No início da história da Estação Primeira de Mangueira, a escola tinha
dificuldades em montar seus carnavais, principalmente por falta de
dinheiro. “Foi um longo período até que a Escola saísse de sua precária
sede no Buraco Quente, passasse para o clube da fábrica Cerâmica, até
conseguir construir sua quadra atual, conhecida como o Palácio do Samba,
em 1972” (Constant, 2007, p. 51).
A partir dos anos 1930, em que as escolas de samba passam a receber
verba do Estado para os desfiles de carnaval, “o samba passa a contar com
um público cada vez mais heterogêneo, que o consome não só através dos
espetáculos dos desfiles, mas também através dos novos meios de
comunicação de massa, como o rádio, a indústria fonográfica tecnicamente
aperfeiçoada e o cinema” (Naves, 1998, p. 104).
Desde então, de acordo com Constant (2007, p. 52), “a Estação Primeira,
a partir de sua expressão no samba carioca, consolida uma identidade muito
particular e forte para a favela da Mangueira”. De tal modo que símbolos,
como as cores verde e rosa, foram suficientes naquele tempo para remeter
os cariocas à favela da Mangueira, e hoje todo o país à essa grande escola
de samba.
Ao estudar o carnaval, abordando a história das escolas de samba,
depreende-se que as escolas, por sua vez, se constituem em espaços
pedagógicos, para além de sua atuação no desfile de carnaval. Conhecer a
história de uma escola de samba é também conhecer a história de uma
comunidade, de uma cidade.
A escola de samba Estação Primeira de Mangueira, no carnaval do Rio
de Janeiro, RJ, em 2019, sob direção do carnavalesco Leandro Vieira, levou
para Avenida Marquês de Sapucaí seu desfile cujo enredo intitulava-se
“História para ninar gente grande”. O enredo, que deu o título de campeã do
carnaval de 2019 para a Mangueira, foi pensado e pesquisado por Vieira,
que, naquele ano, estava em seu quarto ano seguido como carnavalesco da
escola verde e rosa, na qual ficou até o ano de 2022. Atualmente, Leandro é
o carnavalesco da atual campeã do carnaval, a Imperatriz Leopoldinense.
Leandro é formado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e começou sua trajetória no Carnaval em 2007. Foi colorista, figurinista, desenhista e
estreou como carnavalesco em 2015, na Caprichosos de Pilares. Depois disso, defendeu seis
carnavais com a Mangueira, até chegar à Imperatriz (Almeida, 2023).

As temáticas que Leandro Vieira abordou em seus seis anos de


Mangueira estão relacionadas a temas como a cultura brasileira e as
religiosidades, como em 2016, que a escola foi campeã com um enredo que
homenageou a cantora Maria Bethânia, e o ano de 2020, em que o enredo
foi uma releitura da história de Jesus Cristo, relacionando a imagem da
figura religiosa com grupos oprimidos e marginalizados e as minorias
sociais.
Voltando a nos ater ao enredo de 2019, de acordo com a sinopse,
“HISTÓRIA PRA NINAR GENTE GRANDE é um olhar possível para a
história do Brasil. Uma narrativa baseada nas ‘páginas ausentes’. Se a
história oficial é uma sucessão de versões dos fatos, o enredo que proponho
é uma ‘outra versão’” (Liesa, 2019). Segue a letra do samba-enredo:
“História para ninar gente grande”
Autores: Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie
Oliveira e Danilo Firmino.
BRASIL, MEU NEGO DEIXA EU TE CONTAR A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO
CONTA O AVESSO DO MESMO LUGAR NA LUTA É QUE A GENTE SE ENCONTRA

BRASIL, MEU DENGO A MANGUEIRA CHEGOU COM VERSOS QUE O LIVRO


APAGOU DESDE 1500 TEM MAIS INVASÃO DO QUE DESCOBRIMENTO

TEM SANGUE RETINTO, PISADO ATRÁS DO HERÓI EMOLDURADO MULHERES,


TAMOIOS, MULATOS EU QUERO UM PAÍS QUE NÃO TÁ NO RETRATO
BRASIL, O TEU NOME É DANDARA E A TUA CARA É DE CARIRI NÃO VEIO DO
CÉU NEM DAS MÃOS DE ISABEL A LIBERDADE É UM DRAGÃO NO MAR DE
ARACATI

SALVE OS CABOCLOS DE JULHO QUEM FOI DE AÇO NOS ANOS DE CHUMBO


BRASIL CHEGOU A VEZ DE OUVIR AS MARIAS, MAHINS, MARIELLES E MALÊS

MANGUEIRA, TIRA A POEIRA DOS PORÕES Ô, ABRE ALAS PROS TEUS HERÓIS
DE BARRACÕES DOS BRASIS QUE SE FAZ UM PAÍS DE LECIS, JAMELÕES SÃO
VERDE E ROSA AS MULTIDÕES.

Os versos do samba-enredo mangueirense muito nos tem a dizer sobre a


temática do ensino de história. Em primeiro lugar pela reafirmação da
potencialidade pedagógica de um samba-enredo de uma escola de samba.
Em segundo lugar pela temática tão clara, assertiva e atualizada deste
samba-enredo, que, ainda que esta ferramenta seja por si só difusora de
sentidos e conhecimentos, útil ao ensino de História, “História para ninar
gente grande”, versa e questiona esse mesmo ensino em sua letra.
Com base na análise do enredo, com enfoque na letra do samba-enredo,
que será desenvolvida nos próximos parágrafos, objetiva-se a apresentação
de uma forma de utilização do carnaval como ferramenta pedagógica e a
proposição de subsídios aos profissionais da história, professoras e
professores, para tratar das temáticas abordadas nos enredo em sala de aula.
Na primeira estrofe, “BRASIL, MEU NEGO / DEIXA EU TE CONTAR
/ A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA / O AVESSO DO
MESMO LUGAR / NA LUTA É QUE A GENTE SE ENCONTRA” fica
claro o intuito principal do enredo, que é questionar a História Oficial, que é
aquela que se encontra nos livros didáticos, sendo, de acordo com Oliveria
(2020, p.433), “possível afirmar que ela corresponde aos interesses dos
governantes, das classes dominantes em suas várias esferas, como por
exemplo, a classe econômicas, políticas, militar e religiosa”.
Ao se referir ao “avesso do mesmo lugar”, à história que não é contada
nas escolas, nos livros didáticos, é pressuposto que é uma história que foi
varrida para debaixo do tapete, uma história que as classes dominantes não
se interessam em contar, ou mais, que preferem esconder. E ao dizer “na
luta que é que a gente se encontra”, a Mangueira se coloca ao lado das
classes oprimidas, reafirmando seu lugar e seu papel. Os versos, “BRASIL,
MEU DENGO / A MANGUEIRA CHEGOU / COM VERSOS QUE O
LIVRO APAGOU”, na segunda estrofe confirmam.
Portanto, fica claro que mais do que narrar fatos históricos, a proposta do carnavalesco parte
de uma premissa que dialoga com uma das possibilidade da história pública, que é apresentar
para o grande público temas invisibilizados, sensíveis à sociedade e, de grande impacto na
forma de pensar o papel da História na construção da memória e da identidade de uma
comunidade, uma região, um país (Oliveira, 2020, p. 429).

A segunda estrofe ainda conta com a parte “DESDE 1500 / TEM MAIS
INVASÃO DO QUE DESCOBRIMENTO / TEM SANGUE RETINTO,
PISADO / ATRÁS DO HERÓI EMOLDURADO / MULHERES,
TAMOIOS, MULATOS /EU QUERO UM PAÍS QUE NÃO TÁ NO
RETRATO”, que questiona o termo usado para a chegada dos portugueses
ao Brasil, afirmando que esse processo foi de invasão e não de descoberta,
uma vez que aqui já estavam presentes povos indígenas, lançando luz ao
processo colonial violento.
A história brasileira foi escrita pelo olhar do homem branco colonizador, assim, o seu ponto
de vista foi usado para descrever fatos históricos do Brasil e a narrativa dessa escrita colocou
esse personagem como aquele que venceu na história, como o herói nacional (Silva, 2021, p.
42).

Para Ana Lúcia da Silva (2019, p.76) é necessário destacar que “a


construção do Brasil, ou seja, a colonização portuguesa nestas terras não foi
uma história idílica, esta foi permeada pelo encontro de povos e culturas, de
trabalho, de conflitos e tensões sociais, de lutas e práticas de resistências de
indígenas, de negros e negras”, e esse destaque é encontrado na letra do
samba-enredo mangueirense:
Ao dizer que o Brasil foi descoberto e não dominado e saqueado; ao dar contorno heroico aos
feitos que, na realidade, roubaram o protagonismo do povo brasileiro; ao selecionar heróis
“dignos” de serem eternizados em forma de estátuas; ao propagar o mito do povo pacífico,
ensinando que as conquistas são fruto da concessão de uma “princesa” e não do resultado de
muitas lutas, conta-se uma história na qual as páginas escolhidas o ninam na infância para
que, quando gente grande, você continue em sono profundo (Liesa, 2019).

Na terceira estrofe “BRASIL, O TEU NOME É DANDARA / E A TUA


CARA É DE CARIRI / NÃO VEIO DO CÉU / NEM DAS MÃOS DE
ISABEL A LIBERDADE / É UM DRAGÃO NO MAR DE ARACATI /
SALVE OS CABOCLOS DE JULHO / QUEM FOI DE AÇO NOS ANOS
DE CHUMBO / BRASIL CHEGOU A VEZ /DE OUVIR AS MARIAS,
MAHINS, MARIELLES E MALÊS”, são levantados grandes nomes da
história de nosso país. Talvez seja essa a estrofe com maior potencial
didático.
Por exemplo, ao afirmar “Brasil, o teu nome é Dandara”, é inevitável a
pergunta “quem é/foi Dandara?”, abrindo possibilidades de explorar a
história do Brasil escravagista e a luta do povo negro pela abolição, já que
“não veio do céu, nem das mão de Isabel a liberdade”, e sim da luta dos
africanos forçados a virem ao nosso país para serem escravizados, e foram
protagonistas de suas próprias lutas. Dandara dos Palmares, afinal, foi
esposa de Zumbi dos Palmares e viveu no quilombo dos Palmares.
Participou junto com ele das lutas armadas contra soldados e também contra
líderes e membros do quilombo que se rendiam a acordos com a coroa
portuguesa. Dandara sobreviveu ao fim do quilombo de Palmares e o
motivo mais conhecido sobre sua morte foi seu suicídio em 1694, saltando
em um abismo para que não lhe fizessem escrava.
Ao apresentar a história de Marielles, Zumbis, Dandaras e Cunhambebes, a agremiação nos
convida a olhar para as concepções de currículo que permeiam o meio educacional, com
lentes que permitam olhar essas imagens para além da névoa. E experimentando e abrindo-se
para os movimentos implementados no cotidiano sem medo de arriscar; e aventurando e
partilhando com outras pessoas afetos, sensações, desejos, aprendizagens. E quando o sujeito
entoa o samba, essa dinâmica acontece. Não apenas na Sapucaí, mas também no lar, no
trabalho, na rua, na escola. A transmissão pela oralidade dessas narrativas através das
imagens e do samba permite que no presente e no futuro outros contadores de histórias
possam recuperar a luta da população que foi negligenciada pelos ditames oficiais e, mais do
que isso, possam legitimar e continuar as pautas que foram obstruídas pelos “famigerados
vencedores” (Junior, 2020, p. 385).

Outro grande exemplo está contido em “a liberdade é um dragão do mar


de aracati”. Nascido em 1839 no Ceará e criado numa família de
pescadores, Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, foi
jangadeiro, atuante no porto de Fortaleza. Devido à grande seca e cólera de
1877 a 1879, o Ceará estava devastado, e, por não conseguir mais sustentar
os escravos que ainda não tinham morrido nas senzalas, os senhores
começaram a vendê-los para fazendeiros do sudeste, onde o cultivo de café
requisitava mão-de-obra. Para fazer o transporte dos escravos vendidos era
necessário usar o porto de Fortaleza, mas, liderados por Dragão do Mar, os
jangadeiros bloquearam o porto impedindo que qualquer negro fosse
comercializado por aquele meio. Sem mais alternativas, os fazendeiros
tiveram que conceder a liberdade aos cativos e o estado do Ceará aboliu a
escravidão em 1884, quatro anos mais cedo que o resto do Brasil.
Ainda temos referência aos “caboclos de julho”: o povo pobre, os negros
e indígenas que lutaram para Independência da Bahia, marcada pelo dia 2
de Julho de 1823. Em seguida, referência também à uma história mais
recente, com um “quem foi de aço nos anos de chumbo”, em alusão ao
período da ditadura militar no Brasil.
E, por fim, a estrofe é fechada com um verso forte: “BRASIL CHEGOU
A VEZ /DE OUVIR AS MARIAS, MAHINS, MARIELLES E MALÊS”,
reforçando a mensagem de que é hora de darmos voz aos que foram
silenciados, como, à exemplo de Luiza Mahin e Marielle Franco, mulheres
pretas, do passado ao presente.
“Sem saber quem somos, vamos a ‘toque de gado’ esperando ‘alguém pra fazer a história no
nosso lugar’, quiçá uma ‘princesa’, como a ISABEL, a redentora, que levou a “glória” de
colocar fim ao mais tardio término de escravidão das Américas. Nunca esperaremos ser
salvos pelos tipos populares que não foram para os livros. Se ‘heróis são símbolos poderosos,
encarnações de ideias e aspirações, pontos de referências, fulcros de identificação’ a
construção de uma narrativa histórica elitista e eurocêntrica jamais concederia a líderes
populares negros uma participação definitiva na abolição oficial. Bem mais ‘exemplar’ a
princesa conceder a liberdade do que incluir nos livros escolares o nome de uma ‘realeza’ na
qual ZUMBI, DANDARA, LUIZA MAHIN, MARIA FELIPA assumissem seu real papel na
história da liberdade no Brasil” (Liesa, 2020).

Em relação à Luiza Mahin, não se sabe se ela nasceu na Costa da Mina,


na África, ou na Bahia, no Brasil. Ela pertencia à nação africana nagô-jeje
da tribo Mahin. Segundo seu filho, Luiz Gama, ela teria sido princesa.
Escravizada na Bahia, comprou sua liberdade e passou a sobreviver como
quituteira em Salvador, onde participou de todas as revoltas escravas das
primeiras décadas do século XIX, como a Revolta dos Malês em 1835, a
primeira grande rebelião urbana de escravos da história do Brasil, da qual
ela é um dos principais nomes, e também a Sabinada em 1837-38. Negra
livre da nação nagô, Luiza sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.
Segundo Luiz Gama, sua mãe teve mais um filho e seu destino é
desconhecido. Provavelmente Luiza teria sido capturada em alguma revolta
e deportada para a África ou mesmo morta.
Marielle Franco, foi uma política brasileira, assassinada à tiros no dia 14
de março de 2018, no Rio de Janeiro, RJ, por motivação política ainda
desconhecida, enquanto exercia seu mandato de vereadora eleita pelo PSOL
(G1, 2018). Mulher negra, periféria e LGBTQIAPN+, trazia em seu corpo e
em sua voz política as bandeiras das minorias políticas e sociais (CNN,
2023). Ao trazer esses personagens, a Mangueira aproxima o povo
brasileiro da história. O povo pobre, preto, mulheres, LGBTQIAPN+,
passam a se reconhecer e enxergar seu pertencimento na história.
As narrativas do ponto de vista do homem branco estão presentes nessa perspectiva que
coloca como subalterno todas as formas culturais e grupos sociais opostas ao homem branco
heteronormativo cis gênero, ou seja, o índio, o negro, a mulher, os LGBTs, entre outros.
Dessa forma, a luta social desses grupos minoritários busca a valorização que lhes foi negada
ao longo da história para que possíveis novas mudanças sociais aconteçam. Lutas contra o
preconceito racial, de gênero, classe social, sexualidade são maneiras de lutar contra a
narrativa colonial que coloca o homem branco cis gênero e heteronormativo como o centro do
poder social (Silva, 2021, p. 43).

Na quarta estrofe “MANGUEIRA, TIRA A POEIRA DOS PORÕES /


Ô, ABRE ALAS / PROS TEUS HERÓIS DE BARRACÕES / DOS
BRASIS QUE SE FAZ UM PAÍS DE LECIS, JAMELÕES / SÃO VERDE
E ROSA AS MULTIDÕES”, a escola de samba, reafirma, mais uma vez, o
que veio fazer na avenida com esse enredo: tirar a poeira dos porões, e levar
para o público o que a história deixou guardado, escondeu, os heróis de
barracões, o povo “comum”, público e partícipe do espetáculo do carnaval,
a multidão verde e rosa (cores da escola) de um país que é feito de pessoas
como Leci Brandão e Jamelão, grandes baluartes da Mangueira.
“Cientes de que nossa história é de luta, teremos orgulho do Brasil. Alimentados de leite novo
e bom, varreremos de nossos “porões” o complexo de “vira-latas” que fomenta nossa crença
de inferioridade. Veremos tanta beleza na escultura de ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA
quanto no quadro que eterniza o sorriso da Monalisa. Nos orgulharemos do “tupi” que
falamos – mesmo sem saber. Daremos mais cartaz ao saci do que à “bruxa”. Brincaremos
mais de BUMBA MEU BOI, CIRANDA E REISADO. Nossas crianças enxergarão tanta
coragem no CANGACEIRO quanto no “cowboy”. Vibraremos quando SUASSUNA estrear
em “ROLIÚDE” sem tradução para o SOTAQUE de João Grilo e Chicó. Não estranharemos
caso o Mickey suba a ESTAÇÃO PRIMEIRA, troque “my love” por “minha nêga” e mande
pintar o “parquinho” da Disney com o VERDE E O ROSA DA MANGUEIRA.” (Liesa,
2020).

Desse modo, conclui-se, então, que o samba-enredo, neste caso, o


samba-enredo da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, para o
desfile do carnaval de 2019 no Rio de Janeiro, se apresenta como
possibilidade potente de ensino de História, tanto como contador de uma
história a ser transmitida para o público no espetáculo do carnaval, quanto
como uma ferramenta pedagógica a ser trabalhada em sala de aula.
“Esses artefatos culturais possibilitam repensar a Educação e o ensino de História, visto que
crianças, jovens e adultos também aprendem a conhecer o mundo, além dos muros da escola.
O samba ensina e permite aos pesquisadores e as pesquisadoras, aos professores e as
professoras outros olhares e caminhos para se revisitar a diáspora africana, a História dos
africanos, das africanas e seus descendentes no Brasil, como preconiza a Lei n. 10.639/2003,
que tornou obrigatória o estudo da História, cultura afro-brasileira e africana nas instituições
de ensino públicas e privadas brasileiras” (Silva, 2019, p. 105).

Silva (2021), propõe três fatores que influenciaram o enredo da


Mangueira de 2019, e que ilustra a potencialidade dele enquanto ferramenta
pedagógica decolonial, que são a relação do tema com o contexto social,
político e econômico da comunicada à qual as escolas de samba pertencem,
a perspicácia dos carnavalescos em escolherem temas extremamente
importantes e atualizados, e os significados difundidos através da arte.
Em suma, percebemos que os três fatores – o olhar que dialoga com as necessidades da
comunidade; a pesquisa de referências com obras que questionam o sistema social na
construção do discurso dos enredos e a plástica artística de forma reflexiva – podem
contribuir para a ruptura com as narrativas coloniais (Silva, 2021, p. 55).

Para além disso, pensando ainda na temática que o samba mangueirense


de 2019 versou, Silva, 2021, p.49, vem nos lembrar que:
Essas histórias de lutas e do protagonismo do negro e indígena não estão nos livros de história
mais antigos. Muitos dos personagens pesquisados no enredo foram tirados de uma pesquisa
feita pelo carnavalesco com base em teses e dissertações nacionais. Conhecimento que
precisa sair da esfera universitária e adentar a esfera das escolas (Silva, 2021, p. 49)

A fim de que estudos como esse, que questionam o ensino da História


Oficial, que rompe os muros da escola ao levar o carnaval e as escolas de
samba para dentro da sala de aula, cheguem até lá, também é necessário
pautar questões como investimento em capacitação e formação de
professores e professoras, atentos à essas demandas decoloniais.
E, por fim, parafraseando um verso do samba-enredo de 2019 da Estação
Primeira de Mangueira, ano em que a Escola se consagrou como campeã do
carnaval carioca, que justifica o intuito deste trabalho e apreço pela
temática abordada: “na luta é que a gente se encontra”.

15 Universidade Estadual de Maringá - UEM. Graduado em História e mestrando em História, Cultura e


Narrativas pelo Programa de Pós-graduação em História (PPH) na Universidade Estadual de Maringá.
Email: covremarchioripedro@gmail.com
REFERÊNCIAS
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pela Imperatriz em 2023 no Rio”. GSHOW, 2023. Disponível em:
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TEIXEIRA, Patrícia. “Vereadora do PSOL, Marielle Franco é morta a tiros
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Programa de Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela
ENCE/IBGE, 2010.
TECNOLOGIAS NO ENSINO DE
HISTÓRIA E MODA NA
CIBERCULTURA
Mari Vandete Almeida16

“A História,− talvez a menos estruturada das ciências do homem, aceita todas as lições de
sua múltipla vigilância e esforça-se por repercuti-las”

(BRAUDEL, 1965).

Introdução
A grande tecnologia do século XX, uma máquina que se convencionou
denominar computador ou personal computer17, destinada ao tratamento e
armazenamento de informações, acoplada a outros meios de comunicação,
como a televisão e o cinema, originou novas linguagens, códigos, conceitos
e produtos que influenciaram em diferentes campos e em diversificadas
atividades se políticas, econômicas, sociais e culturais, também
educacionais.
No campo da cultura, alterou as formas de comunicação e interação
humanas, constituindo mudanças nas produções artístico-culturais
transformando, significativamente, comportamentos e costumes
considerados seculares como a produção e os padrões de consumo, a
transmissão e disseminação de informações e de códigos históricos,
congregando em um mesmo espaço (cibernético ou ciberespaço), as
faculdades orais, escritas e audiovisuais da escrita e das linguagens naturais,
matizando novas terminologias como cibercultura e cultura da virtualidade
real (Lévy, 1999; Castells, 2000).
Na área educacional, já não é recente o uso de tecnologias em processos
que impliquem transmissão de saberes, práticas de ensino e atividades
cognitivas de aprendizagem inerentes ao raciocínio humano. A Informática
Aplicada à Educação, ou o ensino mediado por tecnologia, datam da década
de 1950 com trabalhos e abordagens em torno da aprendizagem humana,
cuja evolução acompanhou processos de desenvolvimento e
aperfeiçoamento de novos produtos tecnológicos, de hardwares e softwares,
com a incorporação de técnicas de inteligência artificial e a origem de
novos métodos educacionais.
Daí por diante, ou mais recentemente, a espécie humana passou a dispor
de um complexo arsenal tecnológico que a atende não somente no ato de
registrar a passagem dos tempos, mas, e, sobretudo, tem sido atendida em
condições que exige o processar, o armazenar, o distribuir e transmitir os
resultados de sua produção material e intelectual. Atingindo várias faces das
atividades humanas a tecnologia, ou mais contemporaneamente, as
tecnologias de informação e comunicação, tem e vem revolucionando as
condições nas quais atuam os profissionais das mais diferentes áreas do
saber-fazer, da produção e transmissão do conhecimento, do ensinar e do
aprender.
Assim, se o uso de novas tecnologias tem provocado mudanças nas
formas e meios de registro da “evolução” humana, produção, transmissão e
aquisição de novos conhecimentos, também as roupas e o vestuário, por
intermédio da moda, tornaram visíveis e palpáveis os avanços em
tecnologia e as transformações e mudanças pelas quais se tem registrado a
passagem dos tempos e os códigos culturais que imprimiram mutações em
diferentes instâncias da criação e do consumo, material e imaterial,
ocasionado alterações no funcionamento de grupos e, consequentemente,
alterando processos de organização e originando diferentes conotações e
denominações para as sociedades humanas, como sociedade industrial, do
conhecimento, da informação ou, a recém sociedade em rede18. Termos que
ressaltam a histórica relação e interação entre sociedade e tecnologia, bem
como, a pujante presença e mediação dos sistemas midiáticos de
informação e comunicação que contribuíram com a origem e a emergência
de novos paradigmas contemporâneos, denominados eletrônicos ou
designados virtuais. De paradigmas, que se relacionam com a evolução de
técnicas e o desenvolvimento de tecnologias, com o estudo histórico dos
meios de comunicação e das diferentes mídias que influenciaram e se
desenrolaram em sincronia com cenários e contextos de transformações
sociais, culturais, educacionais, econômicas e políticas.
Considerando, portanto, um tal cenário de mudanças e transformações, o
que sucintamente se propõe explorar nesta sumária proposta de análise
histórica e socioeducacional, consiste em discorrer sobre uma realidade
mediada por distintas teorias que buscam captar os efeitos, ou as mudanças,
que diferentes tecnologias têm e vêm provocando nos padrões de
sociabilidade, nas relações que os indivíduos estabelecem com as distintas
áreas da educação, do ensino e transmissão do conhecimento. Sobre teorias
e tecnologias que imprimiram consideráveis alterações em vários aspectos
das formações educacionais e profissionais, em especial no ensino de
história que, além de outros objetos de ensino e aprendizagem também
contempla linguagens, conceitos e temas diversos, como o estudo do uso de
roupas e a moda na evolução das sociedades humanas, ora mediadas por
ferramentas tecnológicas emergentes. Por tecnologias de informação e
comunicação tanto suscetíveis da investigação historiográfica, quanto do
fazer didático e pedagógico. Assim, e não menos relevante, também busca
aludir sobre o ensinar, o aprender e o fazer humanos, seja em um mundo
real, ou virtual, por onde perpassam espaços de produção e transmissão de
saberes que viabilizam ímpares possibilidades de construções narrativas,
bem como, alguns níveis de entendimento da relação ou conexão entre
passado e presente, ou entre passados-presentes.
Sistemas de Informação na Educação e Tecnologias na História
Ao final do século XX e início do século XXI, o valor e poder da
informação se evidenciaram tendo como substrato a exploração e utilização
de equipamentos eletrônicos que provocaram a origem e o aparecimento de
novas ciências multidisciplinares, de novas tecnologias e de novos sistemas
para a produção e acúmulo de conhecimentos, determinando e definindo a
atual organização social mais tradicional, ou convencionalmente,
denominada Sociedade da Informação19.
Sob este devir social, científico e tecnológico, estudos e registros de
diferentes áreas do conhecimento apontam que as pesquisas e a utilização
de computadores, recursos da informática e de sistemas informatizados no
âmbito da educação surgem com trabalhos e abordagens em torno da
aprendizagem humana. Sua evolução acompanhou processos de
desenvolvimento, aperfeiçoamento, propagação e comercialização de novos
produtos tecnológicos, como softwares e hardwares, a incorporação de
técnicas de inteligência artificial (IA) que resultaram no estabelecimento de
paradigmas educacionais.
Sob o paradigma educacional baseado em tecnologia, os primeiros
sistemas e abordagens que contemplavam o uso de computadores para fins
educacionais foram classificados de Instrução Assistida por Computador ou
Sistemas CAI (Computer Assisted Instrucion). No entanto, essa abordagem
apresentava deficiências do ponto de vista pedagógico, dentre elas, a
inadequação às características específicas dos aprendizes.
Com o avanço tecnológico e aplicação de inteligência artificial, surgem
os sistemas denominados de ICAI (Intelligent Computer Assisted
Instruction) ou Sistemas Tutores Inteligentes (STI). As abordagens
denominadas de Instrução Assistida por Computador (IAC) fundamentaram
os primeiros sistemas e softwares educacionais. Considerados apenas como
simples programas “viradores de páginas eletrônicos”, esses sistemas foram
denominados de programas lineares por terem sido desenvolvidos segundo
as teorias comportamentalistas behavoristas estímulo-resposta de Skinner20.
Dentre as principais deficiências apresentadas pelos sistemas CAI
apontava-se, dentre outros aspectos, a rigidez pedagógica, a falta de
capacidade de adaptação às características dos diferentes aprendizes e a
escassez de recursos didáticos.
Ainda nesta linha de evolução, a abordagem Micromundos21 e a
linguagem de programação Logo22 desenvolvida ao final dos anos 1960,
também foram “ferramentas” que abriram caminhos para a inserção de
computadores e tecnologias emergentes na Educação e em processos de
ensino-aprendizagem. Desenvolvida no Massachussets Institute of
Tecnology (MIT), pelos cientistas americanos da computação Wallace
Feurzeig (1927-2013) e Daniel Bobrow (1935-2017), e pelo matemático e
educador sul-africano Seymour Papert (1928-2016), inspirava-se nos
modelos construtivistas do psicólogo e biólogo suíço Jean Piaget (1896-
1980)23 tendo Papert como o principal incentivador para o uso da linguagem
enquanto recurso de aprendizagem, sendo daí a estrutura filosófica
implementada à Logo.
Nos anos de 1970 e 1980 a revolução informacional, ou tecnológica, se
intensificou com os primeiros computadores à base de microprocessadores
e silício e o aperfeiçoamento das telecomunicações, se fortalecendo nos
anos de 1990, com a popularização da comunicação em rede de
computadores, propagação da Internet e concepção do sistema hipermídia
para obter e disponibilizar informações, a World Wide Web ou rede mundial
de computadores interligados.
Ainda na década de 1970 surgem, no campo da instrução assistida por
computador, os programas denominados de adaptativos ou gerativos. Eram
sistemas que apresentavam capacidade em gerar problemas ao nível de
conhecimento, adaptar o conteúdo e apresentar respostas ao aprendiz; muito
utilizados em áreas como a Aritmética.
Em decorrência das deficiências e limitações apresentadas pelos sistemas
CAI ocorre, em 1980, o nascimento dos Sistemas Tutores Inteligentes
(STI). Incorporando técnicas de Inteligência Artificial (IA), tratava-se de
programas de computador com propósitos educacionais e com
“inteligência” suficiente para decidir métodos de ensino, modelar e avaliar a
aprendizagem do aluno, ou seja, aproximar-se do comportamento de um
professor humano e de proporcionar um ensino adaptado ao perfil de cada
aprendiz, para o qual a arquitetura clássica do sistema era composto por
quatro entidades básicas, ou módulos, em cujo funcionamento, visava-se a
transmissão de conhecimento ao usuário-aprendiz.
Nesta mesma linha ou sequência evolucionista de tecnologias projetadas
para fins educacionais, a história recente do e-Learning, ou da educação
online, registra que a constituição de sistemas para o gerenciamento da
aprendizagem está diretamente relacionada com a formação de equipes de
trabalho compartilhando das mesmas informações e recursos
computacionais – os groupwares24.
Considera-se que o primeiro sistema eletrônico desenvolvido com
objetivo de propiciar a comunicação entre pessoas nas mais diversas
localidades e apoiar o processo de gestão do ensino e da aprendizagem foi o
EIES (Electronic Informationand Exchange System – Sistema de Troca de
Arquivos e Informações Eletrônicas) projetado em 1973 por Murray
Turoff25. Desde então, muitos foram os sistemas e aplicações desenvolvidas
para dar suporte às ações de implementação, planejamento, execução e
avaliação de processos inerentes à aprendizagem. Tais sistemas de gestão da
aprendizagem apresentavam, dentre as características próprias da
organização e execução de cursos, funcionalidades que permitiam a
constituição de salas de aulas virtuais e a realização de atividades
interativas, utilizando-se da estrutura de banco de dados para recuperação
de informações armazenadas, relativas aos cursos e respectivos aprendizes.
Com a expansão da Internet, do e-learning e consequente utilização do
ambiente Web, outros termos também são atribuídos aos LMS´s, como
CMS (Content Management System – Sistema de Gerenciamento de
Conteúdo) e LCMS (Learning Content Management Systems - Sistema de
Gerenciamento de Conteúdo de Aprendizado).
Terminologias que inauguram uma nova categoria de sistemas projetados
e incrementados para a criação, publicação e gestão eletrônica de conteúdos
e informações, em formatos diversos, como textos, imagens e som, de modo
integral ou progressivamente na forma de objetos de aprendizagem26. Um
aparato tecnológico, representado pelos recursos da Telemática27, pelos
derivados e associados da informática, como computadores, periféricos e
softwares, que atende as necessidades de processamento, armazenamento e
distribuição da criação artística, científica e cultural.
Sistemas de informação e “novas” tecnologias que provocaram impactos
e transformações nos processos de produção do conhecimento, de ensino-
aprendizagem; nos processos de comunicação e transmissão de
informações. Equipamentos ou sistemas e tecnologias de informação e
comunicação responsáveis pela emergência de plataformas de
aprendizagem, bibliotecas digitais, arquivos online, museus e ambientes
virtuais, dentre outras conexões e alternativas em transmitir e receber
conhecimento que afetaram e que alteraram significativamente o
aprendizado, a leitura, a pesquisa e a escrita, do mesmo modo,
competências e formações profissionais, além de influenciar nas atuais
necessidades humanas em produzir conhecimento e transmitir informação,
em ensinar e aprender, em aprender a aprender28; em registrar, ensinar e
disseminar os estudos da ciência que registra a passagem dos tempos.
Técnicas ou tecnologias29 que também implicaram mudanças na criação,
fabricação e uso de roupas. No vestuário e na história da moda que, em
contrapartida, também caracterizaram transformações no desenvolvimento e
organização das sociedades humanas.
Tecnologias no Ensino de História e Moda na Cibercultura
Muito embora ainda sejam relativamente recentes as transformações
provocadas pela revolução digital das tecnologias reunidas sob a
terminologia da informação e comunicação e as inovações daí advindas,
suas múltiplas formas de utilização produziram alterações significativas nos
processos de produção e de desenvolvimento científico e tecnológico das
nações, impulsionando tudo e todos rumo à um novo cenário de
organização social, produção cultural, formação educacional e profissional.
A caminho deste cenário, novos conceitos, práticas educacionais, processos
de ensino-aprendizagem e “novos” padrões culturais geram mudanças nas
relações pessoais, sociais e políticas, in loco, ou em conexão mundial via
redes mundiais de computadores e das redes sociais.
Essas transformações, em direção ao avanço tecnológico, resultaram em
mudanças que se constituem como desafios, não apenas no campo da
educação, do ensino e da aprendizagem, como também da pesquisa, do
resgate e registro histórico das organizações, dos percursos e percalços
humanos ao longo do tempo, e mais ainda, em categorias socioestruturais
como trabalho, saúde e lazer. Em desafios do presente, que se apresentam
reais e significativos com a incorporação e a “existência”, mesmo que
intangível, das tecnologias de informação e comunicação, digitais e virtuais,
como também, nas atuais formas e meios de produção, aquisição,
preservação e produção de novos conhecimentos.
Sob tal perspectiva, a educação na atualidade, bem como o ensino de
história enquanto disciplina, ou mesmo, enquanto área do conhecimento
que se dedica em compreender o ser humano e registrar os rumos de suas
sociedades já não pode, como também não deve, ignorar as “atuais”
realidades mediadas por novas ou renovadas tecnologias. Enquanto
disciplina, com as atuais ferramentas digitais, se faz preciso rever as
tradicionais formas de ensino que ainda se baseiam, ou se mantém,
enfatizando metodologias que privilegiam tão-somente transmissão de
dados e de informações (Pavanati, 2009, grifos nossos).
Sendo assim, e tendo que lidar com diferentes temáticas e novas
realidades “irreais”, como também preparar alunos e novos profissionais
para os desafios de um mundo em constante transformação, especialmente
quando se trata das origens, das possibilidades, potencialidades e
finalidades que “novas” tecnologias, e mesmo metodologias, assumem com
a emergência de novas temáticas ou de campos de estudo ainda muito
pouco privilegiados no leque de interesses ou arcabouço teórico da
historiografia, se torna necessário considerar a relevância que a cultura, mas
especificamente a cultura digital, que emerge dos espaços e mundos
virtuais, tem e vem assumindo nas diferentes áreas do conhecimento, e não
menos relevante, para a escrita narrativa e o ensino da história.
Sob tais aspectos, em especial aqueles que considerem os fenômenos que
implicam mudanças na sociedade, ou daqueles que afloram da evolução de
novas tecnologias, com o consequente desenvolvimento das mídias
eletrônicas, a cultura contemporânea e digital, que tem o poder de alterar
comportamentos e costumes, a cultura da virtualidade real (Castells, 2000)
ou a cibercultura30 (Lévy, 1999), se explicam as recém-dinâmicas sociais,
econômicas e políticas que emergiram do advento das tecnologias digitais,
também exemplificam o conjunto das manifestações e fenômenos culturais
que, se configuraram novos moldes, ou padrões, ainda romperam com os
tradicionais meios e formas de expressão, representação e comunicação,
seja na literatura, na música, no cinema ou na moda.
Na moda, com os atuais e “onipresentes” recursos tecnológicos, as
roupas e o vestuário passaram a dialogar com os espaços cibernéticos31 da
cultura contemporânea e da cibercultura. Na convergência entre tecnologia
e moda, novas tendências são amplamente anunciadas, desde tecidos
“inteligentes”32, computadores “vestíveis”33 e os recentes desfiles de moda
digitais que, além de digitalizar a cenografia, tem se realizado em mundos
virtuais.
Amplamente anunciada e divulgada pelas revistas “top” do mundo no
setor, a recém primeira Semana de Moda do Metaverso (MVFW) aconteceu
em março do ano de 2022 como um “grande experimento da moda digital”.
Aberta ao público, a primeira Metaverse Fashion Week, foi realizada em
quatro dias de desfiles, showroons, lojas, palestras e eventos virtuais.
Hospedada na plataforma de realidade virtual Decentraland34, o evento
reuniu marcas famosas, além de grifes emergentes e criadores digitais.
Considerando a plataforma do mundo virtual como um meio de teste
para as marcas, avatares35 desfilaram itens que, tanto podiam ser
comprados, como vestidos no mundo virtual, com a possibilidade de
aquisição das versões das peças no mundo físico. Mas as novidades e
inovações em tecnologia ainda estão longe de cessar no mundo da moda
digital, é o que prometem as grandes marcas.
No entanto, a realização do grande experimento em uma plataforma ou
em um mundo virtual tridimensional só se tornou “executável”, ou viável,
graças à evolução das tecnologias que “materializaram” a internet e suas
redes de informação e comunicação.
Sob tais signos evolucionistas, e refletindo sobre mundos virtuais em
terceira dimensão, a cientista e antropóloga social Débora Leitão (2012),
além de buscar compreender os saberes e fazeres, a aprendizagem dos
usuários do mundo virtual, como também procurando melhor discutir os
modos de participação no ciberespaço e a relação dos sujeitos
contemporâneos com as tecnologias digitais, elege o Second Life36 enquanto
ambiente virtual para direcionar suas reflexões para o que tem se
denominado de antropologia digital ou ciberantropologia, o estudo das
comunidades virtuais.
No que concerne à aprendizagem, ainda esclarece a antropóloga, que a
mesma acontece por meio da socialização, e em suas palavras observa que:
A socialização no SL acontece através dos encontros iniciais com outros residentes, das trocas
de objetos e roupas, das trocas de informações e de aprendizados de como se vestir ou ajustar
sua aparência. Também é nessa fase que o novato entra em contato pela primeira vez com
outros aprendizados, como aqueles que dizem respeito aos padrões estéticos, às regras de
conduta, à linguagem empregada nas conversas, e uma série de outras noções que regem as
interações na plataforma. Por ainda estar aprendendo, o noob (novato) torna explícitos – pela
ausência – hábitos e regras normalmente naturalizados [...] Esse saber fazer é transmitido de
modo difuso, em contextos que não são imediatamente identificados como de aprendizagem,
dizendo respeito mais a vivências do que propriamente ao recebimento direto de informações
(Leitão, 2012, p. 276).

Neste caso, ou sob tais perspectivas, o que se pode considerar é que há,
em metaversos, a exemplo do Second Life, a possibilidade de se praticar
pedagogias “inovadoras”, que auxiliem docentes e discentes no trabalho
com conteúdos ou objetos diversos, de forma interativa, sem obstáculos,
livres para novas possibilidades de praticar o saber e o fazer, o ensinar e o
aprender, em tempo real, online ou blended37.
Em se tratando do ensino de História, todo esse aparato tecnológico pode
prescindir e resultar em um melhor preparo de docentes e discentes
mediante o “aprender a aprender” de novos e atualizados conhecimentos
que os prepare para os desafios das recentes “realidades” reais e virtuais,
para o potencial informacional digital produzido e compartilhado,
ininterruptamente, nos ambientes de sociabilidade eletrônicos.
Sendo assim, e mediante os avanços das tecnologias e alavancagem de
novos temas e problemáticas sociais, muitos são os profissionais da
docência que tem buscado por novas formas, meios ou métodos de ensino
que aproximem seu alunado do conhecimento histórico. Dentre outros
métodos, se sobressaem na literatura e no leque de possibilidades, além das
metodologias ativas, o ensino híbrido ou blended e o trabalho colaborativo
que são, em certa medida, os de maior recorrência ou que se fazem mais
presentes nos espaços formais de ensino na atualidade.
Assim, e mesmo que haja controvérsias, dentre ímpares possibilidades,
as metodologias ativas com as salas de aula invertida, as aulas pautadas em
desafios, os projetos interdisciplinares, a pesquisa de campo, o trabalho em
colaboração, os jogos ou a gamificação são e estão, a cada dia, mais e mais
presentes no fazer docente, nos ambientes educacionais formais e informais,
como também em diferentes atividades que envolvam ensino e
aprendizagem. Neste ínterim, o que se tem buscado com tal cabedal
metodológico é oportunizar ao aluno, individual ou coletivamente, sob a
supervisão e orientação docente, o aprendizado em seu próprio tempo, de
modo que se considerem as especificidades de sua aprendizagem.
Avanços ou inovações de relevância para o ensino de História que,
mesmo mediado tecnologicamente, se por um lado tem transposto os limites
da sala de aula, por outro, tem oportunizado e potencializado as reflexões e
as vivências do aprender a aprender, do aprender a fazer, e do pensar sobre
e para a vida. E, não menos relevante, para o desenvolvimento e
amadurecimento de uma “atualizada” consciência histórica, tanto para as
crueldades quanto para as sensibilidades e mazelas humanas. Para as reais
condições de evolução da sociedade mediada por novas e potenciais
tecnologias que requerem, a todo instante, serem observadas, analisadas e
avaliadas com educação, conhecimento, informação, criatividade e
criticidade.
Considerações Finais
No atual contexto de organização social, é inegável e irreversível o uso
de tecnologias, em especial, das tecnologias reunidas sob o arcabouço de
informação e comunicação. Na educação, o protagonismo de tais
tecnologias tem e vem definindo novos rumos e contornos para o que se
concebe como educação, ensino, aprendizagem, conhecimento, informação
e sociedade.
Intrinsicamente inseridas no contexto educacional, o que se tem
percebido e registrado é que os profissionais de diversas disciplinas do
conhecimento científico ainda apresentam dificuldades no uso de
tecnologias em sua prática e atividade docente. Deste modo, o que se faz
possível perceber, em especial nos estudos que tratam do tema, é que os
problemas e dificuldades abordadas, revelam a necessidade e importância
em adequar o conteúdo, ou o objeto de aprendizagem, ao planejamento
pedagógico considerando, neste sentido, que o professor possa planejar e
desenvolver estratégias diferenciadas de atividades didáticas e pedagógicas
estimuladas pelo acesso e uso de tecnologias e que, ainda assim, também
possam incentivar a capacidade, a autonomia, curiosidade, criatividade e,
portanto, uma melhor aprendizagem de seus discentes.
Com a irreversibilidade que a presença imaterial de tecnologias de
informação e comunicação provocam na práxis social se faz, urgente e
emergente, rever seu uso na educação, não somente como recurso didático
mas, sobretudo, como prática pedagógica ou “ferramenta” para novas
formas de pensar e agir, de educar para uma formação cidadã e profissional,
que conscientize sobre si e sobre o mundo em seu entorno, se real ou
virtual.
Na Cibermoda, ou na indissolúvel união e recente combinação entre
moda e tecnologia, já se fazem perceptíveis as mudanças que tendem a
influenciar o produzir e o consumir roupas, sejam estas peças físicas ou
digitais. Uma tendência que tem evoluído sob a apreciação e aprovação das
grandes marcas, que investem grandes somas em marketing e lojas virtuais,
focadas em reverter seus produtos físicos em NFTs38, constituindo o que a
mídia especializada do setor tem denominado de “cyberespaço utópico”.
Uma tendência que corrobora com as assertivas de que “novas”
tecnologias têm e vêm invadindo a “realidade real” com pouca ou nenhuma
resistência consciente. Uma realidade virtual que tem ressaltado a
relevância de uma cultural visual e digital para uma geração altamente
conectada e que, com efeito, mantém relação “naturalizada” com o uso de
tecnologias.
Sobre tais perspectivas, o historiador francês Roger Chartier ao tratar de
uma cultura comunitária e criadora, no século XX, para uma cultura das
massas imposta pelos meios de comunicação, alega que:
[...] uma cultura dominada consegue preservar algo de sua coerência simbólica, mesmo que
seja diante a força de modelos culturais dominantes, e encontra uma brecha, segundo o
pensamento de deCerteau (1990), por onde se insinuam as reformulações, os desvios, as
apropriações e as resistências (Chartier, p. 46-47).

Por estas brechas espera-se que o ensino de história, enquanto área de


estudos ou de pesquisas, independente de recortes temáticos ou áreas
específicas, possa contemplar e modelar, mesmo com a presença quase
tangível de tecnologias, um ensino e aprendizagem pautados na
metodologia do “aprender ensinando”; em abordagens pedagógicas que
valorizem a produção individual e coletiva de conhecimentos, em função
das estruturas cognitivas, contextos sociais e referenciais simbólicos da
cultura, se reais, digitais ou virtuais.
16 Licenciada em História pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduada em Desenvolvimento de
Sistemas para Web, Mestre e Doutoranda em História pela Universidade Estadual de Maringá. Atua como
professor formador e conteudista na modalidade da educação a distância.
17 Do Eniac (o primeiro computador) aos atuais smartphones, já se contabilizam mais de setenta anos de
história de evolução tecnológica e do que então se reuniu sob a denominação de tecnologias de informação
e comunicação.
18 O termo “sociedade em rede” foi inicialmente cunhado pelo professor de Sociologia e Ciências da Natureza,
o holandês Jan Van Dijck, na obra The Network Society publicada em 1991. Em 1996, o sociólogo espanhol
Manuel Castells remodela o termo na obra The Rise of the Network Society (Faleiros Júnior, 2019).
19 A denominação surgiu no século XX, após a expansão das telecomunicações e da informática na década de
1970 (Takahashi, 2000).
20 Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) foi um psicólogo behaviorista, inventor e lósofo norte-americano. Em
sua teoria, defende que o processo de aprendizagem se efetiva por meio de reforços positivos e negativos.
Desse modo, no Behaviorismo o comportamento é in uenciado pelo condicionamento, ou seja, cada atitude
do indivíduo é mediada pelo reforço e contingências que o cercam. Neste caso, as pessoas procuram ou
tendem a repetir comportamentos que são grati cados de forma positiva e evitar comportamentos que
tenham consequências negativas ou punitivas (Skiner, 2003).
21 Em linhas gerais, micromundos representam ambientes de aprendizagem exploratória, onde os alunos
podem realizar simulação, fazer descobertas, testes e desenvolver empiricamente e ativamente
competências e conhecimentos novos (Papert, 1985).
22 Em suas primeiras versões, a linguagem foi muito utilizada para iniciar em crianças os primeiros conceitos de
programação, matemática e grá cos, controlando os movimentos de um pequeno robô, conhecido como
“tartaruga”. Em terminais grá cos, a tartaruga tornou-se o cursor que dialoga com o usuário. Também
possuía recursos alternativos como jogos e programas para estimular a interação do homem com o mundo
via computador (Almeida, 2007).
23 O procedimento didático mais adequado à aprendizagem de determinado conteúdo é aquele que ajuda o
estudante a incorporar novos conhecimentos de maneira ativa, compreensiva e construtivamente, de forma
que estimule seu pensamento operatório, de acordo com Piaget, em sua obra Psicologia e Pedagogia
(1970).
24 Softwares colaborativos, com uma interface criada para apoiar pessoas que atuam em grupos, sejam para
cumprir com tarefas, propósitos ou com metas em comum.
25 Murray Turoff (1936 – 2022) foi um professor do Instituto de Tecnologia de Nova Jersey (NJIT) e um dos
principais fundadores da comunicação mediada por computador. A CMC ou Computer Mediated
Communication, que pode ser entendida como uma comunicação interpessoal que utiliza a tecnologia
computacional para transmitir, armazenar ou apresentar informações. Com uma grande variedade de
ferramentas provê uma comunicação do tipo um para um (comunicação privada), um para muitos
(dispersão), e muitos para muitos (discussão em grupo), capazes de oferecer suporte à colaboração em
ambientes de ensino permitindo que haja interação entre pessoas localizadas em espaços físicos diferentes
possibilitando a troca de idéias, informações e conhecimentos de forma rápida e e ciente (Pereira, 2002
apud Almeida, 2007).
26 Materiais didáticos produzidos em diversos formatos e com diferentes propostas de uso.
27 Pode-se entender Telemática como a comunicação à distância dos meios informáticos associados aos
recursos das telecomunicações (Almeida, 2007).
28 Um dos pilares da Educação instituídos em 2010 pela Unesco, no relatório Educação um Tesouro a
descobrir produzido pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI.
29 Pra alguns historiadores, a maquinofatura surgiu graças às invenções que se consolidaram no século XVIII,
com a invenção da lançadeira volante, em 1733 por Jonh Kay, dando início a Revolução Industrial. A nova
tecnologia, ou instrumento, adaptado aos teares manuais, aumentou a capacidade da tecelagem. Poucos
anos depois, James Hargreaves inventou a spinning jenny e logo depois Richard Arkwrigth, inventou a
water frame. A primeira produzia os nos e quebradiços, e a segunda, os grossos. Em 1779, combinado
as duas máquinas, Samuel Crompton construiu a spinning mule que produzia os nos e resistentes. Para
cada problema, uma nova invenção, ou tecnologia surgia. No entanto, com a invenção e disponibilidade de
tais máquinas, a moda passou a mudar com mais e maior frequência (Arruda; Pilleti, 1996).
30 A cibercultura nasceu nos anos de 1950 com a informática e cibernética. Tornou-se popular na década de
1970 com o surgimento do micro computador, se estabelecendo completamente nos anos 1980 com a
informática de massa e em 1990 com as redes telemáticas, especialmente após a rápida expansão e
abrangência da internet (Lemos, 2004). O termo é um neologismo que aponta para o conjunto de técnicas
(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço, segundo conceitua Pierre Lévy (1999).
31 Em sua obra Cibernética e Sociedade: o uso humano de seres humanos, o matemático Norbert Wiener
de niu a cibernética em 1948 como “o estudo cientí co do controle e comunicação no animal e na
máquina”. Em suas palavras, dirá que se trata do estudo cientí co de como humanos, animais e máquinas
controlam e se comunicam, defendendo a tese de que, em futuro, “as mensagens entre o homem e as
máquinas, e entre a máquina e máquina, estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante”
(Wiener, 1956, p. 16).
32 A história dos tecidos inteligentes, ou técnicos, se inicia com a fabricação dos primeiros os de poliéster, ao
nal do século XIX na Alemanha. Em 1935 criou-se o náilon; em 1950 se inventou o acrílico, e em 1958
surge o elastano (lycra). Nos anos de 1980, a lycra ganha o gosto popular com a onda tness que cria um
novo segmento de moda. Em meados da década de 1990 surge a micro bra, e nos anos 2000 surgem os
primeiros tecidos a base de nanotecnologia. Mas recentemente, surgem os tecidos eletrônicos, introduzindo
nas roupas componentes que se conectam com a internet, dispondo de capacidade para receber, mostrar e
enviar dados e informações (Bush, 2017).
33 Wearables computers, computação ou tecnologia vestível consiste em dispositivos tecnológicos que podem
ser utilizados pelos usuários como peças do vestuário e que rede nem a interação humano-máquina
(Ferreira, 2011).
34 Plataforma de realidade virtual que vem investindo na moda e já é uma das referências mais conhecidas no
metaverso. Por lá, os usuários podem comprar e vender imóveis digitais enquanto exploram, interagem e
jogam dentro deste universo virtual. Para ter uma experiência completa na plataforma, se faz necessário
uma carteira digital, que funcione como uma conta pessoal (Portal Guia JeansWear, 2022).
35 Termo cunhado em 1992 pelo romancista americano Neal Stephenson na obra de cção cientí ca Snow
Crash. Em informática, avatar é um cibercorpo inteiramente digital, uma gura grá ca de complexidade
variada que empresta sua vida simulada para o transporte identi catório de cibernautas para dentro dos
mundos paralelos do ciberespaço (Kliass, 2023).
36 O SL é “um mundo virtual 3D aberto ao público em 2003 pela empresa norte-americana LindenLabs, e que
até novembro de 2010 possuía 21 milhões de contas registradas. Relatórios econômicos e demográ cos
periódicos divulgados pela LindenLabs indicam que nos anos de 2010 e 2011 o número de contas
efetivamente ativas no Second Life girava em torno de 1 milhão de usuários por mês” (Leitão, 2012).
37 Híbrido, misturado. “O ensino é híbrido porque não se reduz ao que planejamos institucionalmente,
intencionalmente; porque todos somos aprendizes e mestres, consumidores e produtores de informação e
conhecimento” (Moran, 2015).
38 Non-fungible Token ou tokens não fungíveis são símbolos eletrônicos, criados para representar algum bem
considerado único, do tipo item colecionável, obra de arte, um imóvel virtual, uma peça de vestuário e etc.
(MeioeMensagem, 2022).
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AS ROUPAS COMO MODELOS
EXPLICATIVOS NAS MÁQUINAS DE
TECER A HISTÓRIA
Ivana Guilherme Simili
Paula Link

Os modelos explicativos da história vêm se beneficiando com a inclusão


das roupas nas abordagens dos documentos e nas narrativas históricas.
Quando se olha para a história enfocando as roupas ou os vestuários/ trajes/
vestimentas/ indumentárias usadas pelas pessoas, um amplo leque de temas
e de questões podem ser inseridas nas máquinas de tecer as narrativas para
o conhecimento histórico do passado e do presente ou trazendo o passado
no presente considerando aquilo que veste o corpo como modelo
explicativo para o conhecimento histórico. Ou ainda, do que é feita e por
quem é feita: pessoas vestidas em temporalidades e espacialidades diversas.
Olhar a história a partir das narrativas do vestuário significa conhecer os
códigos culturais e simbólicos que regem as regras do vestir e como isso se
altera com o tempo em função de elementos sociais, políticos, culturais,
econômicos e estéticos. É preciso olhar para a roupa, para além de um
objeto que cobre o corpo, mas como uma segunda pele escolhida pelo
indivíduo, cuidadosamente construída para representá-lo perante os demais
(Lipovvetsky, 1989). Assim sendo, devemos compreender a roupa como
“emaranhado de pedaços confeccionados juntos para cobrir, enfeitar e
valorizar as partes do corpo humano: mangas, corpetes, colarinhos, saias ou
calças”. Como tal, transforma-se em “representação sintética e simultânea
de muitos acontecimentos pessoais e coletivos, econômicos, sociais e
políticos” (Sorcinelli, 2008, p. 29).
Compreender a complexidade do objeto roupa e sua representatividade
em nossa sociedade é um desafio, pois envolve conhecer códigos de
conduta, comportamento, posições e papéis sociais, além de elementos
simbólicos utilizados para representar o indivíduo perante os demais.
Podemos dizer então, que a roupa, esse emaranhado de pedaços de tecido
confeccionados, é cuidadosamente planejada, pois “as imagens das pessoas
com seus modos peculiares de trajar consistem em um imenso acervo móvel
e mutante, absolutamente acessível, que pode, portanto, servir para os mais
diversos exercícios de leitura de imagens” (Oliveira, 2007, p. 42).
Pode-se dizer, então, que as roupas são artefatos que cumprem múltiplos
papéis e funções sociais e culturais. Elas criam comportamentos por sua
capacidade de impor identidades sociais e permitir que as pessoas afirmem
identidades sociais latentes. [...] . Por essa razão, elas podem ser vistas ou
concebidas na pesquisa histórica com um vasto reservatório de significados,
passíveis de ser manipulados ou reconstruídos de forma a acentuar o senso
pessoal de influência (Crane, 2006, p. 22).
Ao se pensar a roupa como elemento significante, representativo de um
determinado período e sociedade, é possível utilizá-la como artefato que
inserido nas análises históricas colocam as pessoas no viver a história por
aquilo que vestem.
Como artefato, entende-se então que a roupa é mais do que um objeto
ligado à vaidade e à futilidade, mas um meio significante da existência.
Moda, indumentária e traje são práticas significantes, modos de gerar significados. Produzem
e reproduzem aqueles grupos sociais ao mesmo tempo em que suas posições de poder relativo
(BARNARD, 2003, p. 64).

Por conseguinte, as dimensões da vida social, tais como as


diferenciações, distinções, as relações e práticas políticas, religiosas, de
gênero, de trabalho estão inscritas em roupas. Conceitualmente, nas roupas
os indícios das segmentações sociais, dos lugares ocupados pelas pessoas,
as restrições, as relações de dominação e poder, as estratégias de controle
dentre outros elementos.
Nesse caso, deve-se compreender que a roupa em si, faz parte de um
sistema de códigos de vestir mais amplo, a moda. Desde que a moda, como
fenômeno econômico, social, político e cultural, foi observada no Ocidente,
suas influências são nítidas nos “[...] comportamentos, gostos, idéias, artes,
móveis, roupas, objetos e linguagem [...]” (Calanca, 2008, p. 3).
Temporalidades breves e mudanças rápidas ditam o ritmo da moda,
envolvendo os diferentes e múltiplos setores da vida coletiva (Calanca,
2008). Para Lipovetsky (1989) a moda é um fenômeno social complexo que
envolve escolhas pessoais e coletivas.
Assim, um dos sentidos da moda aproxima o uso das roupas às vivências
das pessoas, às representações que orientam a relação delas com as
vestimentas. É nisto que repousa a compreensão de seu sentido: como algo
que sinaliza, que aponta cotidianamente direções, significados e
instrumentos de julgamento para as roupas (Bergamo, 1998).
Compreender esse fato é de extrema importância, pois a moda, enquanto
fenômeno social surge como ferramenta de diferenciação, ligado as
frivolidades e efemeridade, expressa valores, códigos de conduta e acesso a
determinados objetos como representativos de status social, por exemplo
(Lipovetsky, 1989).
Portanto, ao se pensar em narrar a história a partir da roupa, é preciso
considerá-la como objeto significativo, dotado de valor simbólico,
representativo de uma cultura e cuidadosamente elaborado para caracterizar
o indivíduo socialmente. Sendo assim, precisamos compreender que
marcamos nossa trajetória de vida por meio de objetos, entre os quais, as
vestimentas que usamos. “Através dessa tendência humana a atribuir
significados aos objetos, aprendemos desde tenra idade que as coisas que
usamos veiculam mensagens sobre quem somos e sobre quem buscamos ser
[...] (Gonçalves, 2009, p. 68).
O ser humano, enquanto sujeito produtor da cultura, constrói, cria e
recria diferentes práticas culturais, se apropria, traduz e reinventa sua
identidade e mesmo sua cultura por meio do que podemos chamar de
atribuição de significados aos artefatos, aos objetos que o circundam, que o
vestem. A cultura, como processo dinâmico, permite uma constante
reinvenção dos signos e seus significados, pois diferentes visões de mundo
estão presentes dentro dela que, apesar de compartilhar códigos, permite
aos sujeitos reinterpretá-los, atribuindo-lhes novos valores (Barthes, 2005).
Dentre as diversas práticas e manifestações que compõem a cultura,
sejam elas tradicionais ou não, utilizam-se objetos que dão corpo às ideias e
guardam memórias, que fazem parte de rituais, ou então, que se fazem
presente no dia a dia. De fato, o homem usa-os para dizer quem é, para
marcar relacionamentos, momentos, enfim, eles fazem parte da dinâmica do
cotidiano e se fazem presentes em todas as ações.
Entre esses objetos, destaca-se o vestuário como elemento significante e
comunicativo presente nas práticas culturais, apresentando uma função
específica enquanto elemento tradicional, que traz consigo uma carga
ritualística e simbólica. No entanto, seu uso mostra-se mais vasto, pois
mesmo no cotidiano ele é utilizado para revelar identidades, a
individualidade, preferências etc. Em outras palavras, o vestuário é um
documento que revela as escolhas coletivas e individuais, marca territórios,
culturas, temporalidades, gênero e posição social. Assume papéis diversos
em função de seus usos.
Códigos do vestir: como abordar o consumo das aparências
Ao se pensar a roupa enquanto artefato histórico por meio do qual
explicamos e narramos a história, é importante se ater ao fato de que é
possível ter acesso a elas de diferentes formas, por meio de retratos, fontes
jornalísticas, fotografias, museus, dentre outros. A partir de diversas fontes
historiográficas que trazem tais informações é possível fazer diversos
recortes temáticos que abordem as relações simbólicas do ato de vestir, e
não apenas o que se veste em determinada época, é preciso entender por
que se veste algo e quais as implicações disso.
“Embora seja importante conhecer as técnicas de produção, as matérias-
primas, os usos comerciais”, (Sorcinelli, 2008, p. 20), a atenção do
pesquisador/a na abordagem histórica dos vestuários deve incidir sobre a
relação entre uma dada sociedade, portanto, uma temporalidade e o sistema
de vestuário. “Este último deriva da estrutura social, representa-a e, em
certa medida, exerce influência sobre ela” (Sorcinelli, 2008, p. 20).
A colocação de Sorcinelli (2008) enfatiza um fato importante, o processo
de historização do vestuário, não se trata de fazer uma narrativa sobre as
características dos trajes, sua descrição, mas sim problematizá-los,
compreender seus símbolos, sua estrutura e repercussão social,
evidenciando como ele expressa valores culturais e sociais. Portanto, “a
história do vestuário configura-se como um espelho do entrelaçamento
articulado dos fenômenos socioeconômicos, políticos, culturais e de
costumes que caracterizam determinada época” (Sorcinelli, 2008, p. 50).
As roupas oferecidas pela documentação são, desse modo, examinadas
para que se argumente e mostre como as formas e os tecidos dos trajes, bem
como os detalhes das peças, desenham espaços de atuação, atitudes e
comportamentos. O trabalho do/a historiador/a se volta para entender o
porquê de certas escolhas estéticas em uma determinada sociedade, como as
cores, tecidos e acessórios são combinados para formar um traje que
representa um indivíduo perante os demais, diferenciando-o, marcando sua
posição social e ideologias, por exemplo. Mais do que compreender esses
aspectos, o/a historiador/a precisa ir ainda mais longe, relacionar o ato de
vestir-se a economia, política, cultura e com o passar do tempo, ou seja,
compreender de que forma a moda se altera com o tempo e quais elementos
a influenciaram nessas mudanças e permanências., (Calanca, 2008).
É este exercício teórico e metodológico que os/as historiadores/as da
cultura vêm realizando ao transformarem as roupas oferecidas pelos
documentos de diversos formatos e origens, tanto as imagéticas como as
escritas, caso da literatura, em fontes para narrar o passado.
Desse modo, cabe ao historiador decifrar os códigos que regem a moda
em determinados períodos e compreender como eram usados. Como
pondera Calanca (2008) a moda está associada a linguagem do corpo, não
se trata do que se usa, mas como se usa, como se explora o simbolismo do
ato de vestir.
Porém esse processo de problematização das roupas e aparências vistas e
obtidas nos documentos não é algo simples, requer uma análise mais
complexa e detalhada relacionada à organização da estrutura social, dos
padrões estéticos e culturais vigentes, assim como os conflitos que se
manifestavam, sejam eles de ordem política, militar, religiosa dentre outros
aspectos.
Logo, os usos das roupas na história apoiam-se na historiografia
temporal e espacial visto que, uma roupa não diz nada sobre a sociedade e a
cultura se separada do contexto que a constituiu como segunda pele que
veste o corpo das pessoas em determinadas situações, ocasiões,
circunstâncias. Ou seja, dentro de um dado período e no interior de
determinado recorte temático e/ou problemática da pesquisa que norteia o
narrar.
Assim, é preciso compreender o vestuário para além do óbvio, ou seja,
quais os significados que carregam ou quais sinais emitem sobre o passado
no presente, sobre o que era ser e viver como aquela pessoa que vemos
vestida nos documentos?
Uma pauta extensa e rica de propostas para os interessados em conhecer
a história mediante a transformação das roupas no artefato para o acesso e o
conhecimento do passado.
Como levar as roupas e as aparências para a escrita da
história?
Face ao exposto, podemos afirmar que as roupas e as aparências podem
proporcionar aos estudantes de história abordagens inovadoras dos
documentos, como explicações do passado no presente ou presentificar o
passado com narrativas enriquecidas pelos visuais, pelas aparências, pelas
maneiras de os sujeitos históricos se darem a ver e se fazerem conhecer
como tais. Isso porque, qualquer que seja o objeto de pesquisa em história,
ele será constituído por pessoas, cujas ações no tempo e no espaço serão
representadas nos documentos constituídos em fontes, pelas imagens de
seus rostos e de seus corpos.
“As representações de corpo são as das pessoas” (Le Breton, 2007, p.
27). Nessas representações, as maneiras como as pessoas se apresentam, e
se dão a ver ao olhar do/a pesquisador/a estão as pistas das várias operações
de sentidos para o corpo proporcionados pelas roupas, adornos, ornamentos
e maquiagens que os ligam aos contextos de suas existências e de suas
atuações como sujeitos históricos.
Aliás, esse é um aspecto importante a considerar, ao se falar em narrar a
história por meio do vestuário, há que se considerar tudo que envolve o
corpo, peças íntimas, os penteados, joias, maquiagem, sapatos, e demais
acessórios, além das normas que regem quando e onde se utilizar
determinadas peças. Outro elemento importante a se analisar se refere ao
modo de manipulação dos objetos, como a delicadeza ao carregar a calda de
um vestido, de abanar um leque, caminhar graciosamente com saltos,
cumprimentar adequadamente cada indivíduo segundo sua posição.
Portanto, além do vestir, era necessário conhecer todos os códigos de
conduta referentes ao uso do vestuário, seus acessórios e comportamento,
assim como a própria noção estética, do belo. Ao identificar tais códigos,
o(a) historiador(a) será capaz de compreender mais profundamente de que
modo a moda era usada como objeto de expressão de poder, posição social
e distinção narrando as transformações da sociedade ao longo do tempo.
Para Barthes (2005) compreende o funcionamento desse complexo sistema
simbólico ligado ao ato do vestir representa decifrar uma parte das
engrenagens que regem a sociedade de um determinado período.
No amplo leque de abordagens possíveis das imagens que chegam do
passado no presente ao olhar do pesquisador consideramos que um dos
fundamentos que marcaram a origem da moda pode se tornar o princípio
teórico e metodológico para o desenvolvimento da análise. Este princípio
está relacionado ao fato de que o surgimento da moda entre fins do século
XIV e XV foi marcado pela incorporação da categoria de gênero nas
práticas de vestir. A estruturação das roupas em masculinas e femininas fez
parte do amplo processo de transformações políticas, sociais e culturais que
assolam a Europa ocidental, modificando os papéis que os trajes e as
aparências desempenhavam na vida das pessoas e em suas relações com o
mundo. São partes integrantes das mudanças o Renascimento, a formação
dos estados modernos, o crescimento das cidades e o processo de
urbanização e novas formas de civilidade e sociabilidades. Foi nesse
contexto que se observa a incorporação do sexo pela moda, instituindo
práticas de vestir e modos de lidar com as aparências que transformavam as
roupas em dispositivos reguladores dos conceitos de masculino e feminino
presentes nas sociedades e culturas (Lipovetsky, 1989).
Como consequência, podemos considerar que, se o “gênero não é uma
decorrência natural das diferenças sexuais, mas uma categoria imposta a um
corpo sexuado” (Scott, 1995, p. 75 ), as roupas usadas pelas pessoas do
passado e do presente oferecidas pelas imagens em quaisquer tipos de
suportes materiais, como as pinturas, as gravuras, as fotografias que
circulam nos livros, nos jornais, nas revistas e até mesmo na literatura, cuja
construção para os personagens é realizada por meio da maneira como se
vestem em suas ações oferecem ao/à pesquisador/a as representações com
os significados de masculino e feminino, fabricados em diferentes contextos
sociais, culturais e políticos.
Logo, o trabalho sobre as imagens pode ser operacionalizado por meio
de observações empíricas sobre a incorporação e a tradução dos conceitos
de masculino e feminino em roupas. Neste sentido, um programa de análise
pode considerar a história da moda masculina e feminina como eixo
interpretativo, de modo a identificar como em diferentes períodos históricos
as roupas foram instrumentalizadas para distinguir e definir os papéis
sociais atribuídos aos homens e às mulheres ou sobre como as
indumentárias acompanharam a história dos gêneros na perspectiva de
significar corpos e atuações como caracterizadoras das masculinidades e
feminilidades como expectativas sociais, culturais, políticas nas dimensões
temporais e espaciais.
A perspectiva de análise de Simone de Beauvoir (1980), de que ninguém
nasce mulher mas se constrói na história, além de poder ser estendida para o
homem, é esclarecedora quando inserimos as roupas no centro da narrativa
histórica. Por intermédio daquilo que os homens e mulheres vestem estão os
processos de separação e da incorporação do sexo às vestimentas, os
múltiplos aproveitamentos das indumentárias pelas sociedades e culturas
para promover as distinções e segmentações sociais entre os gêneros. Elas
servem para caracterizar a pluralidade de sentidos contidos nos conceitos de
homens e mulheres, de masculino e feminino, de masculinidades e
feminilidades, alinhando-os aos contextos, aos movimentos e mudanças na
história.
Deste modo, uma pauta de análise para as roupas pode ser estabelecida
com base em alguns princípios:
1. O que os sujeitos/pessoas/personagens oferecem ao/à pesquisador/a
são imagens das roupas usadas num determinado contexto,
circunstância, ocasião ou situação temporal e espacial. Como tais, elas
representam as escolhas feitas pelos/as usuários/as de acordo com o
seu gosto, estilo, motivação, desejos, objetivos (Barthes, 2005, p.
265). Ou seja, o que se usa e o motivo pelo qual as pessoas se vestem
intersecionam escolhas pessoais e as razões pelas quais se vestem.
2. Como decorrência, em quaisquer imagens ou representações de
pessoas vestidas o que se obtém são escolhas e modos de vestir que
conectam o indivíduo ao coletivo. Ou nas palavras de Barthes
(Barthes, 2005, p. 265), é o sistema indumentário que opera sobre os
indivíduos, como instituição coletiva e instrumento de ligação entre as
pessoas com a sociedade e a cultura por meio da moda, a qual atuaria
na regulação dos usos das roupas, com imposições, proibições,
tolerâncias e transgressões [...]”.
3. Faz parte do sistema indumentário ou no centro de seu modo de
operar como moda, a ligação das pessoas com as normas do vestir de
acordo com o sexo. Desde o surgimento da moda em finais do século
XIV e início do XV, como fenômeno ocidental que vai acompanhar a
história do vestir de homens e mulheres até a atualidade é a
instrumentalização das roupas para significar os corpos como
pertencentes a um dos gêneros. É o sistema de regulação da moda,
como masculina e feminina que pode ser identificado nas vestimentas
usadas pelas pessoas e é por meio delas que podemos captar os papéis
das roupas nas formações e comunicação dos valores sociais, culturais
e políticos envolvidos nos conceitos de homens e mulheres.
4. Logo, o que as pessoas usam como homens e mulheres são os meios
pelos quais podemos caracterizar os sujeitos e perceber naquilo que
usavam as influências das roupas da moda para definir e distinguir os
gêneros, para significar suas existências e atuações como integrante de
um tempo histórico, com maneiras de viver, sentir e consumir como
masculino e feminino.
5. Neste que podemos chamar de projeto de análise para as
indumentárias, o argumento de Barthes (2005), segundo o qual, o
sistema indumentário regula, impõe o uso das roupas e também se
modifica, com as tolerâncias e transgressões, portanto, alterando-se no
compasso das dinâmicas históricas, permitem que dois estilos
indumentários, os vestidos e as calças como simbólicos do feminino e
do masculino sejam os meios para o desenvolvimento das observações
empíricas e princípio narrativo para a escrita da história.
Os vestidos e as calças
Os usos de vestidos pelas mulheres e das calças pelos homens fornecem
pistas de como a moda atua nas sociedades e culturas estudadas. É
importante ter claro que embora todas as sociedades e culturas tenham
criado mecanismos de diferenciação entre os homens e mulheres e que as
roupas, em seus detalhes de bordados e ornamentos eram os instrumentos
empregados para caracterizar e separar as pessoas por sexo, foi entre fins do
século XIII e início do XIV que a moda vai incorporar e traduzir as
distinções de gênero nas vestimentas. A estruturação das roupas em
masculina e feminina se transformou no próprio motor da moda. A partir
desse momento ou do que podemos chamar de fato da moda, as roupas que
vestem os homens e as mulheres serão os vetores de comunicação e de
difusão das ideias e representações sobre o que era pertencer a um dos
gêneros, dos papéis desempenhados em seus contextos, das expectativas
sociais, políticas e culturais que permeavam suas existências e suas relações
sociais.
Nesse sentido, as considerações a seguir devem ser lidas como
conhecimentos necessários para a abordagem das roupas sob o enfoque dos
gêneros, na medida em que ajuda a entender muitos dos usos que delas
foram feitas no passado e no presente, marcando não somente o surgimento
da moda, mas as questões centrais que permeiam as análises envolvendo os
conceitos de masculino e feminino.
Entre os séculos XIV e XV, o surgimento do “gibão” estofado e curto
para os homens, um tipo de jaqueta que destacava o tórax, o qual era
acompanhado por calções longos, apertados nas pernas e com braguilhas
que, por vezes, tinham formas fálicas foi a conformação que as roupas
masculinas adquiriram entre finais do século XIV e início do XV. Na
estruturação deste estilo indumentário, as partes destacadas pelas roupas
como o tórax e o pênis, as operações de sentidos para os corpos como
masculinos que vão atuar como dispositivos simbólicos da moda para
significar a masculinidade/virilidade, em diferentes períodos históricos.
Masculinidades e virilidades são processos que envolvem a construção
de hábitos, representações sobre habilidades e competências atribuídas
pelas sociedades e culturas como atributos ou atribuições dos homens. Elas
podem ser definidas como o “conjunto de disposições físicas e psíquicas
que se iniciam na infância e lhe permitirão desempenhar o papel de homem
uma vez chegada a maturidade” (Baubèrot, 2013, p. 191).
Nas calças dos homens, como representações das/para as masculinidades
e virilidades, as pistas dos significados atribuído ao pênis pelas sociedades e
culturas para definir o papel masculino, a posição que deviam ocupar nos
espaços de poder e de conquista, as ações e condutas consideradas
compatíveis como adequadas ao gênero, as habilidades desenvolvidas de
força, coragem, valentia, os comportamentos esperados no exercício da
sexualidade heterossexual e no acasalamento. Deste modo, os calções e as
calças que os meninos usam e que acompanham as trajetórias dos jovens,
dos senhores e os velhos são pistas que seguidas permitem elucidar as
construções históricas da moda como masculina. Os estilos indumentários
quando conectados à história e à historiografia dos homens permite que os
significados do que era ser e viver como pertencente ao sexo/gênero
masculino e as masculinidades como significações que acompanham os
percursos etários e geracionais, as mudanças nos status sociais decorrentes
do casamento, do trabalho, a vida escolar e profissional, as distinções entre
os segmentos masculinos decorrentes do poder econômico, político e
cultural, da cor da pele, os usos das indumentárias para os controles dos
masculinos e das masculinidades nas relações sociais. Assim, os calções e
as calças usadas pelos meninos, os uniformes dos soldados, as calças que
acompanham os ternos desde o século XIX vão designar novos valores e
comportamentos na vida pública e política, como recurso estético da
diplomacia, da elegância, da racionalidade e controle das emoções e
sentimentos se tornam nas mãos dos/as pesquisadores/as na matéria-prima
para perceber os usos das roupas nas construções de ser, agir e viver como
homens, colocando em cena as múltiplas formas de pertencer e viver o
gênero como masculino.
Do lado das mulheres, as coisas se passam do mesmo modo. Entre fins
do século XIV e início do XV, o vestido usado pelas mulheres passou a
moldar seus corpos, destacando partes corporais entre visíveis e invisíveis.
Os primeiros vestidos sublinhavam as ancas, ou seja, os quadris e os seios
por meio dos decotes. No século XVI, a introdução do espartilho, cuja
armação afinava a cintura e erguia o colo, aos seios e aos quadris se juntam
o meio do corpo que adquire destaque (Lipovetsky, 1989, p. 66). Com o
espartilho, a cintura se torna a medida do corpo feminino, separando a parte
inferior da superior e comprimindo a barriga. Um novo significado para a
barriga é assim inserido na moda por meio do dispositivo do controle do
espartilho.
A moda, em sua separação entre masculina e feminina, dava vazão no
plano estético a outros discursos, entre os quais os médicos. O sexo
biológico para os médicos renascentistas era concebido como único,
manifestando-se culturalmente como dois sexos sociais. O pênis do lado de
fora do corpo era interpretado como um tipo certificado social que
qualificava o homem a um tipo de atuação nas diversas esferas da sociedade
e da vida pública, inclusive na procriação. Do lado das mulheres, a
concepção de que a vagina era um pênis invertido; os lábios o prepúcio; o
útero, o escroto e os ovários, os testículos masculinos (Laqueur, 2001),
portanto, que os órgãos se localizam na barriga, transformavam as saias dos
vestidos em dispositivos de destaque e ocultamento entre os panos dos
tecidos. Ou seja, as concepções que destinavam um papel significativo para
o pênis como representação da sexualidade masculina na reprodução e a
barriga como lugar da genitália feminina ganhavam destaques pela
exposição, no caso dos homens e pela cobertura dos tecidos, como panos da
saia, no caso das mulheres.
Nas estruturações das roupas como masculinas e femininas, as ações dos
dispositivos médicos, sociais, culturais e políticos, a valorização do peito e
do ventre que está na origem da estruturação do traje feminino entre os
séculos XIV e XV, ajudam a entender não somente o surgimento da moda,
mas de como as representações para o vestir feminino, com produto e
processo das apropriações, das intervenções e das significações sobre os
corpos, encontraram, nos cortes e nos volumes, os instrumentos para
controlar as sensibilidades e as subjetividades das mulheres para o
desempenho das funções concebidas como natural, o casamento e a
maternidade.
Foi no século XV que, junto com o destaque do peito pelo decote dos
vestidos, o ventre é “sublinhado por saquinhos proeminentes escondidos
sob o vestido” ou, “a abundância de tecido era presa por uma cinta sobre o
seio”, os trajes criavam efeitos de gravidez, ao aumentarem a barriga com
volumes concentrados na parte da frente das roupas (Lipovestky, 1989, p.
29). Entre os séculos XV e XVIII, as linhas indumentárias com essas
características arquitetônicas de amplitudes no ventre são renovadas como
roupas da moda. Permanências e mudanças nos “detalhes de forma nas
nuanças de amplidão”, mediante acréscimos e ressignificações que são
“torrentes de ‘pequenos nadas’” e “pequenas diferenças que fazem toda a
moda” (Lipovetsky, 1989, p. 31), transformando as roupas em simbólicas
dos papéis históricos das mulheres que era o de engravidar e tornar-se mãe.
Princípio este que conformava o significado para o feminino e para a
feminilidade como papel social atribuído ao sexo/gênero feminino.
“A história do traje nos mostra, é verdade, como dois grupos sempre se
diferenciaram através das roupas” escreveu Gilda de Mello e Souza (1987,
p. 59). Diferenciações que transformadas em categoria de análise dos
documentos permitem acompanhar por meio do que os personagens vestem,
sejam sozinhos ou acompanhados, como casal, o desenrolar da história sob
o enfoque do/s gênero/s. No caso das mulheres, o uso do espartilho, no
século XIX, é significativo do ponto de vista de indicar como ocorrem os
alinhamentos sociais dos papéis de gênero às mudanças históricas.
O estudo de Gilda de Mello e Souza (1987) pode ser o fio condutor para
a compreensão dessa relação sob a perspectiva da construção de espaços de
atuação para o feminino e masculino sob o enfoque do público e do
privado. Para as mulheres a forma X, com as suas cinturas comprimidas por
espartilhos, com as sedas dos trajes, as rendas, os babados, os fricotes, os
laçarotes, os xales e os decotes em múltiplas tonalidades; e a forma H para
os homens, com seus ternos de fazendas ásperas e pretos. Nas
diferenciações indumentárias, os sinais do tipo e modelo de casal: o
burguês, que se submetia às noções de casamento, família e papéis sociais a
serem desempenhados por cada um do par. Esposa, mãe e os espaço da
domesticidade da família, de outro, o marido e pai de família, o provedor, o
homem de negócios.
Para as primeiras a restrição da cintura, a imobilização pela quantidade
de tecidos nos vestidos, para o outro, a mobilidade para se movimentar com
as calças. Reforço do simbolismo de limitação e dependência das mulheres
aos homens.
São para esses aspectos que Vigarello (2018) chama a atenção ao enfocar
o século XIX. O retorno do espartilho é da tradição. As vantagens obtidas
pelas francesas do direito civil revolucionário desaparecem. A autonomia
civil e social dá lugar a dimensão existencial da dependência. O acesso das
mulheres à profissão é limitado e a posição de desigualdade entre os
homens e mulheres no casamento é mantida. As obrigações de manutenção
e de proteção do marido e a obediência por parte da mulher é o modelo
conjugal.
Cintura e vida que se estreitam e constringem ao doméstico, separando
espaços femininos e masculinos. Para os homens, as calças modelam e as
linhas simplificam-se. O universo burguês mira o dinamismo, a
funcionalidade requerida para o trabalho, para o mundo dos negócios e de
atuação no espaço público (Vigarello, 2018).
Estilos indumentários que demonstram que as masculinidades e as
feminilidades são construídas por meio de processos sociais e culturais e
que as roupas da moda são os motores para as construções das
diferenciações nos papéis dos gêneros. Nesses processos, as masculinidades
serão construídas como sendo o oposto à feminilidade (Sabat, 2001).
Como escreveu Lipovetsky (1989, p. 31). “A moda muda, mas nem tudo
nela muda”. Frase que pode ser lida que a estrutura dos vestuários em
masculino e feminino ou vestidos/saias para as mulheres e calças para os
homens continua entre nós, direcionando o olhar e criando as diferenciações
entre roupas para uns e outros. São “formas gerais são muito estáveis”. Para
o autor, as mudanças na moda foram movimentadas pelos “adornos e
bugigangas”, pelas cores, fitas, rendas, pelos “detalhes de forma, nuanças
de amplidão e comprimento que não cessaram de ser renovados”, aspectos
que se constituem em “torrentes de ‘pequenos nadas’ e pequenas diferenças
que fazem toda a moda”.
Face ao exposto, uma pauta de análise das imagens em diferentes
suportes e temporalidades pode partir de algumas premissas para modelar a
explicação daquilo que se vê ou se observa nas visualidades/aparências. O
primeiro seria o de descrever/detalhar como as indumentárias criam as
diferenças entre masculino e feminino. Num segundo momento, os detalhes
observados pelo pesquisador/a podem ser esclarecidos por meio da
literatura histórica sobre a moda e historiográficos sobre os estudos das
mulheres e dos gêneros no período enfocado. Consideramos, assim, que
qualquer trabalho sobre as fontes deve partir do conhecimento temporal dos
fatos, eventos, acontecimentos, circunstâncias narradas pelos documentos.
Portanto, recortes temáticos e temporais que formatam as problemáticas
serão os fios condutores das análises e explicações.
Um bom exercício para iniciar uma pesquisa histórica
instrumentalizando as roupas é a consulta aos sites que disponibilizam
revistas e jornais, caso da hemeroteca da biblioteca nacional. O contato
visual com os materiais permitirá perceber e acompanhar o que se usava
com o quê e onde, ou as “usanças”, como escreveu Burke (2004). Isso
porque, seja em quaisquer tipos de materiais impressos, a moda se faz notar
e observar tanto nos personagens históricos em suas ações e atuações, como
em propagandas e páginas dedicadas ao assunto. A imprensa, tem uma
trajetória histórica marcada por mecanismos de difusão de informações
sobre vários aspectos da vida social, cultural e política (Lucca, 2005). Além
das seções e páginas específicas sobre moda e comportamento, os usos
sociais das roupas se fazem presentes de múltiplas formas porque
integrantes de quaisquer tipos de práticas de presença, de comparecimento
aos eventos e solenidades de diversos cunhos, como sociais, culturais e
políticos. A moda, concebida deste modo, vai além das notícias a ela
dedicadas e permite que todas as ações humanas possam ser compreendidas
como atuações com roupagens com as quais podemos escrever a história.
Nas diferenças entre as roupas é o sentido histórico que se fabrica, em
suas mudanças e permanências, em suas temporalidades do ontem e hoje,
do passado e do presente. Um modo de entender as diferenças são os
reordenamentos no sistema indumentário como decorrência das
transformações sociais, culturais e políticas nas relações entre os gêneros. A
abordagem, a história do tailleur no guarda-roupa feminino pode ser o
caminho para entender as negociações sobrevindas na história para que a
separação entre roupas e papéis de gênero sofrem mudanças, ajustes e
adequações. Separação do vestido em saia e blusa e dos rearranjos
observados durante a Segunda Guerra Mundial, momento em que os ideais
de feminilidade gerados pelo conflito mundial incorporam as diferenças
entre as roupas masculinas e femininas, aproximando-as para delinear os
papéis dos homens e das mulheres com incumbências patrióticas.
O tailleur para as mulheres: os trânsitos entre moda masculina
e feminina
O corte masculino é uma realidade, principalmente para as toialletes de inverno. Esse corte
encontra-se, principalmente, com frequência muito maior do que se pode realmente imaginar,
não só nos tailleurs, como em capas, shorts e até vestimentas de interior, como nos amplos
chambres que dão à mulher uma graça tão moderna e uma linha de fascinante elegância (O
CRUZEIRO, 26 abr. 1941, p. 41)

O fragmento é expressivo dos usos da imprensa na coleta de pistas sobre


as mudanças históricas nas roupas concebidas socialmente e culturalmente
como masculinas e femininas em decorrência dos fenômenos políticos,
como é o caso das Guerras e de outros tantos acontecimentos histórico-
políticos que atingem os países e modificam as percepções das pessoas e de
seus vestuários.
Na narrativa em questão, a defesa de que o corte masculino dos tailleurs
conferia graça e beleza às mulheres pertence ao período da participação do
Brasil na Segunda Guerra Mundial. Um indício importante sobre as
mudanças que se processam no país, entre os anos 1942 a 1945, quando
ocorre a atuação brasileira no front de guerra europeu. Indício que, lido sob
a perspectiva dos estudos das mulheres e da moda naqueles anos, torna-se
esclarecedor de como o fenômeno político-militar afetou as roupas e pode
ser examinada por seus intermédios.
Nas descrições para a moda durante o conflito mundial, no Brasil e em
outros países, a emergência do tailleur como traje da moda é explicada
partindo-se da premissa das influências do fenômeno político nos trajes. Na
França, os novos tempos são sinalizados pela multiplicação das mulheres
fardadas, vestindo tailleur preto, camisa branca e gravata preta, e pela
transformação do guarda-roupa em sóbrio, marcado pelo fim dos vestidos
vistosos, dos bonezinhos excêntricos, das joias extravagantes e das unhas
cor de sangue, restringindo-se ao tailleur, quando muito acompanhado por
um casaquinho de crepe, um chapeuzinho de feltro e uma bolsa grande.
Mudanças decorrentes da carestia de matérias-primas, os quais alteram os
padrões de consumo e do vestir mediante várias práticas de aproveitamento
e de aproximação com as roupas militares (Veillon, 2004).
Mendes e La Haye (2003), observam que na Grã-Bretanha, para
contornar os problemas de restrições de matéria-prima e mão de obra
especializada, em 1941, o Conselho de Comércio introduziu o “esquema
utilitário”, para produzir bens de consumo de baixa e média qualidade com
os mais elevados padrões e a preços razoáveis para o consumo. A palavra
“utilitário” era aplicada para os trajes feitos com tecidos utilitários,
dimensionados pela qualidade mínima de peso e de conteúdo por jarda
quadrada, vendidos a preços de varejo dentro do valor máximo permitido
pelo governo. Os panos utilitários eram identificados pelos característicos
CC41 (CivilianClothing [vestuário civil] 1941).
O esquema utilitário repercutiu nas linhas dos vestuários, de vestidos e
de outros itens das indumentárias das britânicas. A silhuetas das mulheres
ficaram estreitas e ajustadas, com ombros pronunciados e cintura marcada.
As jaquetas eram curtas e quadradas ou longas e próximas ao corpo. Os
quadris, por sua vez, eram acentuados com linha de túnica, drapeados com
bolsos inclinados e chapados. Já as saias, retas, com pregas invertidas ou
com porções rodadas para facilitar o movimento. As bainhas ficavam a
dezoito polegadas do chão – geralmente abaixo do joelho. Criava-se
interesse adicional na superfície com um desenho imaginativo e a colocação
de botões, como os que exibiam patrioticamente o motivo CC41. Detalhes
militares ficavam evidentes no uso de cintos, bolsos peitorais, golas altas e
colarinhos pequenos; um toque alegre era conseguido por meio de cores
brilhantes e contrastantes.
Na Itália, comentam Mendes e La Haye (2003, p. 114), “a escassez foi
severa e a silhueta da moda para as mulheres foi similar à criada na Grã-
Bretanha, com trajes de ombros quadrados, razoavelmente justos, chegando
pouco abaixo do joelho”. No entanto, advertem as autoras, “o estilo italiano
tendia a ser mais refinado do que as linhas de alfaiataria, um tanto
masculinizadas, do esquema utilitário”. Nos Estados Unidos, a escassez de
materiais foi menos aguda do que na Europa. Entretanto, as medidas
restritivas se fizeram sentir na moda. Em 1942, a Secretaria de Produção de
Guerra emitiu a ordem geral de limitações L-85, que proibia detalhes não
essenciais. A coleção criada por Adrian, em 1942, estilista que se lançava
no mercado da moda, já com longa trajetória como figurinista de
Hollywood nos anos de 1930, era composta por “conjuntos distintos,
exibindo ombros largos, com ombreiras, e inserções de tecidos chamativas.
Os vestidos-camisa, feitos em tecidos utilitários para o uso durante o dia e
com tecidos mais luxuosos e acessórios decorativos para a noite, deram o
tom da moda no período (Mendes; La Haye, 2003, p. 116-117). Na
literatura para a moda brasileira, as mudanças no visual feminino
acompanharam a tendência mundial. Para Moutinho e Valença (2005), a
moda feminina na guerra teria se modificado, tornando-se mais
“comportada e séria”. As saias ficaram seis dedos abaixo do joelho e não se
usava mais a cintura baixa. Para o dia, os trajes oficiais eram o tailleur e os
vestidos trespassados, com pregas ou drapés. Para trabalhar, a brasileira
costumava vestir saia de cor sóbria e blusa de jérsei, com gravata do mesmo
tecido da saia, além de portar uma carteira, chapéu de feltro e luvas de
pelica. É notório nas narrativas para a história da moda na guerra, que a
linha tailleur fornece as bases da moda feminina. Nesse sentido, é
importante lembrar que na Primeira Guerra Mundial (1914 a 1917), tal
como aconteceria na Segunda, observam-se mudanças significativas na
criação de moda, nos tecidos para as roupas e nos métodos de produção de
vestuários, os quais estão diretamente relacionados às posições e aos papéis
assumidos pelas mulheres. Em 1915, na Europa, vários estilistas
introduziram referências militares em suas coleções, notadamente para o
dia. “Houve uma voga da cor cáqui. Jaquetas e conjuntos de corte sóbrio
com silhuetas providas de uma leve cintura tornaram-se componentes do
guarda-roupa feminino”, mencionam Mendes e La Haye (2003, p. 42).
“As jaquetas tinham corte largo até a altura dos quadris, com cintos
largos presos folgadamente acima da cintura.” Um detalhe surge na
indumentária: os bolsos. Mendes e La Haye (2003, p. 42) descrevem que
“tradicionalmente, as roupas da moda feminina raramente incluíam bolsos
chapados, espaçosos e práticos, os quais se tornavam uma característica
proeminente, ecoando o funcional uniforme militar. A esse detalhe
associam-se outros, como os galões e alamares, usados para decorar paletós
e conjuntos”.
Em sintonia com os novos tempos e com as exigências de maior
participação feminina na vida econômica, social e política, mediante a
atuação das mulheres no mercado de trabalho e no esforço de guerra, a
indumentária modifica-se e aproxima-se das roupas masculinas, em
particular o terno e o uniforme militar, um de seus desdobramentos. Uma
aproximação marcada por diferenças nítidas. Embora modelados pela
silhueta da moda, as roupas das mulheres tornavam-se distintas por “causa
do padrão e da cor do tecido e de detalhes interessantes, como os colarinhos
adornados com cetim, guarnições e meio cinto nas costas, detalhamento de
botões e formato de bolsos e lapelas”.
Não podem ser esquecidas as estolas e casacos, como complementos
indumentários por meio dos quais as feminilidades eram visivelmente
marcadas. Tampouco devem ser esquecidas as contribuições de Gabrielle
Chanel na transformação dos modelos de guerra em tendências de
vestuários informais e esportivos, marcados principalmente pela
simplicidade das formas e com nítidos diálogos com a moda masculina. Na
coleção de outono de 1916, ela apresentou “roupas despojadas e esportivas,
formadas por conjuntos de duas peças, capas e paletós de jérsei”, um tipo de
tecido até então empregado nas roupas íntimas masculinas (Mendes; La
Haye, 2003, p. 46).
No Brasil, nas décadas iniciais do século XX, Rosane Feijão (2011)
observou que, por volta de 1910, era usual o tailleur, conjunto formado por
saia e casaco com gola, para passeios na cidade. A inspiração no vestuário
masculino torna-se nítida nas práticas de vestir das brasileiras, nas viagens e
nos ambientes de trabalho. Não obstante a gama variada de cores das saias,
blusas, vestidos, os tailleurs seguiam as tonalidades neutras características
dos casacos e calças usados pelos homens, geralmente em tons de cinza.
Do exposto, o que precisa ser retido é que as narrativas para a história da
moda masculina e feminina envolvendo o tailleur sinalizam para as
diferenças e os diálogos produzidos em sintonia e no ritmo dos processos
históricos. No balanço desenvolvido por meio da historiografia com
recortes sobre a moda e a guerra, o caráter informativo que permite explorar
um fenômeno em suas generalidades e especificidades de forma a
identificar o todo e o particular, no caso, um período histórico e as
diferenças observadas entre e nos países quando olhamos para as alterações
sobrevindas nos modos de produzir, consumir e vestir roupas.
Em nossa leitura e interpretação, as influências dos uniformes dos
soldados na moda feminina, narradas pela história da moda, em particular
durante a Segunda Guerra Mundial, mostram de que maneira o tailleur
transforma-se em simbólico para expressar como os trajes foram revestidos
pelas ideologias de gênero. A hegemonia masculina inscreve-se na principal
tendência da moda feminina, pois é a partir do modelo e desenho da roupa
do “homem” que o traje feminino é pensado e fixado como tendência da
moda. O que as narrativas pontuam é isso: o conflito mundial “afetou” as
mulheres e ditou a moda feminina, com roupas e comportamentos que
definiam a mulher, o feminino e as feminilidades.
Aproximando as lentes para a realidade brasileira por intermédio das
reflexões de Cytrynowcz (2000), a interpretação parece plausível. O autor
observou que a ideologia de guerra desenvolvida pelo governo Vargas tinha
como modelo a aproximação entre os sexos, a “união de esforços entre
homens e mulheres”, para a ajuda mútua e coletiva em prol do país, com
definições claras e precisas para cada um acerca do papel a desempenhar:
para os primeiros, o front externo de luta, que se efetiva em junho de 1944,
com a partida para a Itália do primeiro batalhão da Força Expedicionária
Brasileira e, para os segmentos femininos, o front interno, sob a forma de
“cuidados” e preservação dos bens materiais e simbólicos – a família,
edifícios, patrimônios etc. –, o que sugere o investimento governamental na
aproximação dos homens e das mulheres, aspecto estendido também para as
roupas. Enquanto os soldados são preparados física e espiritualmente para
usar as calças dos uniformes em defesa da pátria, as mulheres são ensinadas
a usar as saias para ajudar o país. Os uniformes das voluntárias da Legião
Brasileira de Assistência, instituição criada pela primeira-dama Darcy
Vargas, em 1942, serão os tailleurs. Estilo indumentário que inserido no
seio da ideologia de guerra é usado para designar a contribuição e
participação feminina no conflito mundial.
Um dos simbolismos das relações de gênero quando pensado pelas
roupas: as calças dos homens precisam das saias das mulheres é reiterado.
A moda, assim, instrumentaliza as roupas para distinguir e aproximar
homens e mulheres, dotando os corpos e as aparências com os sentidos e
sentimentos das masculinidades e das feminilidades necessários à Guerra.
Sem dúvida, os trajes das mulheres da LBA, tanto das voluntárias quanto
aqueles usados pela primeira-dama Darcy Vargas como presidente a
instituição e coordenadora do projeto político-assistencial aos soldados
transformaram os tailleurs nos registros da “feminilidade hegemônica”
(Crane, 2006, p. 198), fabricando versões e visões femininas dos “soldados
da Pátria”, com o propósito de “cuidar e amparar os soldados”. Em seu
contexto, os tailleurs expressavam e comunicavam o apoio às normas e
valores culturais dominantes, segundo os quais as mulheres tinham um
papel social a desempenhar na política assistencial brasileira.
A história do tailleur com recorte temporal na Segunda Guerra Mundial e
de sua transformação em uniforme feminino ou roupa para atuação de uma
personagem e representante da elite, no caso de Darcy Vargas pode ser
considerado estratégica aos estudos de gênero, indumentárias e moda. Isso
porque, a história desse tipo de traje pode lançar luz sobre várias práticas de
vestir no passado e no presente (Simili, 2012).
Sob a perspectiva dos uniformes, as fontes escolares, em particular
usados pelos estudantes no passado e no presente podem servir de suportes
para as análises. As práticas de vestir das instituições empresariais, algumas
das quais, o uso do famoso terninho e até mesmo pelas mulheres que atuam
na vida pública e política que transformam a indumentária masculina em
versão feminina, quer pelas cores ou pela manutenção do design sugerem
caminhos para as pesquisas acerca dos aproveitamentos das roupas para fins
pedagógicos e empresariais.
No caso ora descrito, a transformação dos uniformes militares na versão
feminina de tailleur, permitiu captar os “hibridismos culturais” (Burke,
2010) presentes nas roupas, em seus trânsitos, rearranjos, negociações que
permearam os usos pelas mulheres. Conforme observado anteriormente, as
influências do conflito mundial sobre o vestir além de nítidas, deixaram
rastros em vários tipos de documentos. Além dos citados, jornais e revistas,
o arquivo de documentação da história política brasileira – CPDOC –,
permite que muitas das questões lançadas neste texto sejam expandidas para
novos enfoques.
Considerações finais
A utilização do objeto roupa, como fonte de pesquisa abre amplos
caminhos para a investigação, compreensão e o esclarecimento de
diferentes aspectos e características relacionadas a uma determinada
sociedade, localizada no tempo e no espaço.
A partir do momento em que se compreendem os códigos do vestir,
tecidos, texturas, cores, adornos, formas e modos de uso de uma
determinada peça como fato histórico, somos capazes de visualizar as
normas e símbolos que regem a estrutura social.
Isso nos permite compreender como viveram e vivem os sujeitos em
diferentes momentos históricos, seus anseios e representatividade social. As
vestes, enquanto elementos significantes constroem imagens individuais
que expressam valores, hora em concordância ou discordância dos valores
estéticos vigentes.
É preciso compreender a roupa com elemento simbólico pensado
conscientemente, como é o caso do vestido branco da noiva ou das roupas
do movimento hippie dos anos de 1960/1970 utilizadas como antimoda,
como protesto ao estilo de vida e a estética vigente no período.
Ao compreender o vestuário como reservatório de significados, o
historiador tem em suas mãos ricos acervos imagéticos que permitirão a ele
ter um olhar mais completo sobre a trajetória dos indivíduos, da sociedade e
seus códigos.
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2004.
VIGARELLO, Georges. L’ abito femminile. Una storia culturale. Einaudi
Editore: Torino, 2018.
O USO DAS FONTES HISTÓRICAS NA
CONSTRUÇÃO DA PESQUISA EM
VESTUÁRIO
Laiana Pereira da Silveira
Frantieska Huszar Schneid

Considerações iniciais
O capítulo tem como principal objetivo apresentar as formas de
utilização de diferentes fontes históricas na construção dos estudos acerca
do vestuário, para tanto, as bases conceituais desta pesquisa são a memória
(Candau, 2019) e a cultura material (Riello, 2011). Partimos da ideia
apresentada por Peter Stallybrass (2016) que “pensar sobre roupa, sobre as
roupas, significa pensar sobre a memória [...] a roupa tende, pois, a estar
fortemente associada à memória” (Stallybrass, 2016, p. 16), sendo o
vestuário um suporte material para nossas memórias.
Joel Candau (2019) evidencia que a memória é algo reconstruído sobre o
nosso passado, mas de uma forma sempre atualizada (Candau, 2019),
enquanto para Giorgio Riello (2011), “a cultura material é a atribuição de
significado aos objetos pelas pessoas que os produzem, usam, consomem,
vendem e colecionam” (Riello, 2011, p. 3). Reforçamos a linha de
raciocínio optada por seguir com relação a objetificação, onde Jan Assmann
(2016) aponta que, “coisas não “têm” uma memória própria, mas podem
nos lembrar, podem desencadear nossa memória, porque carregam as
memórias de que as investimos” (Assmann, 2016, p. 119), portanto, a
mediação realizada pelo indivíduo é de suma importância.
O vestuário enquanto fenômeno de produção de sentidos e articulador
das relações entre indivíduo e sociedade, é uma das formas mais visíveis de
consumo e possui um papel importante na construção das sociedades
(Crane, 2006), representando a cultura de origem do indivíduo (Miller,
2013), sendo também um ato de significação (Barthes, 2005). As
possibilidades de estudos acerca do vestuário são diversas, bem como as
fontes que podem ser utilizadas. Neste capítulo vamos ver como o uso de
fontes históricas do tipo: documental e visual auxiliaram nos estudos sobre
as formas de sociabilidade de determinadas épocas.
É importante observar as descobertas nas relações existentes entre o
vestuário, a memória e a cultura material a partir destas fontes históricas.
No caso das fontes documentais, aqui o jornal Diário Popular ao longo do
ano de 1980, servirá de base para o estudo; quanto a fonte visual é referente
a um acervo particular composto por fotografias de família e fotografias
órfãs (1920-1969).
Diante do exposto, o capítulo estará dividido em três momentos, onde
cada um deles terá como foco um dos tipos de fontes históricas
mencionados acima, e será exemplificado através de um passo a passo
metodológico as formas de utilização de tais fontes para estudos voltados à
história do vestuário. Tornando possível através de estudos já realizados,
demonstrar, unindo teoria e prática, como pesquisar em fontes históricas
pode ser positivo para conhecer um pouco mais sobre os modos de vestir de
determinada sociedade.
A pesquisa documental em fonte primária, neste caso, o jornal local
Diário Popular, forneceu através de suas colunas diárias e também das
esporádicas, informações acerca do lazer, dos lugares de sociabilidade, das
práticas de consumo, o que era comercializado na cidade, entre outros
elementos importantes para a história do vestir do lugar. Sabemos da
importância que o jornal enquanto documento fonte de pesquisa possui, a
partir disso, foram traçados alguns pontos importantes de análise que serão
expostos ao longo do estudo.
Quanto as fotografias, demonstrando através de fichas de sistematização
de dados, como observar todas as informações visuais e técnicas que podem
constar num só objeto. De caráter ilustrativo, as fotografias são suportes
para o estudo dos modos de vestir, neste caso, voltado ao rito do casamento.
Em vista disso, a última parte deste estudo, oferece essa possibilidade de
visualizar um momento já no passado, não existente mais, mas ancorado
nesse suporte físico.
Logo, reforçamos que o capítulo terá como objetivo fundamental,
elucidar as diversas formas do uso de fontes históricas nos três suportes
apresentados acima, como meio para se aprofundar nos aspectos
vestimentares de determinada sociedade e período. Acima de tudo,
possibilitando instruir o leitor através dos diferentes caminhos
metodológicos trilhados.
Pesquisando em fontes históricas: o jornal local Diário Popular
A realização da pesquisa documental em fonte primária como o jornal,
auxilia nos estudos de vestuário pois, através das observações feitas nas
leituras, podemos identificar elementos que caracterizam a sociedade na
época estudada. Para além de aspectos culturais, sociais e econômicos, é
possível descobrir as práticas de consumo de determinada região através
desse tipo de estudo. No caso aqui apresentado, a pesquisa documental no
jornal foi realizada como forma de complementar o levantamento
bibliográfico da pesquisa de mestrado O vestuário como suporte de
recordação: lembranças da juventude pelotense (1980-1989), desenvolvida
entre os anos de 2020-2022, no Programa de Memória Social e Patrimônio
Cultural, da Universidade Federal de Pelotas, com financiamento da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
A pesquisa teve como recorte espacial a cidade de Pelotas, no interior do
Rio Grande do Sul, e como recorte temporal a década de 1980. Diante
disso, a coleta de dados foi realizada no Acervo de Documentação da
Bibliotheca Pública Pelotense, onde o material está disponível para consulta
local gratuita mediante agendamento, dentre outros diversos tipos de
suportes documentais. Considerando o período do recorte temporal e o
objetivo da pesquisa documental, optamos por investigar no jornal local
Diário Popular39, fundado em 1980 (Silveira, 2022). Outro ponto importante
é que, “a partir da década de 1980 os jornalistas ficavam incumbidos de
investigar o cotidiano da sociedade” (Barbosa, 2007 apud Silveira, 2022, p.
48).
O jornal, ao fornecer informações do cotidiano diário nos mais diversos
aspectos, possibilita que conheçamos a sociedade em diferentes
perspectivas. Desde os hobbies, como eventos pontuais de determinadas
épocas do ano. No verão, por exemplo, nesta década havia concursos de
beleza para Miss Pelotas e Rainha do Carnaval, e a nível estadual havia o
Garota Verão, organizado pela afiliada da Rede Globo no estado, a RBS
(Jornal Diário Popular, Pelotas, 1980), trazendo possibilidades de conhecer
as vestimentas da época através de desfiles. No verão havia também um
movimento muito grande na praia de água doce da cidade, o Laranjal como
é chamada, “o verão de 1980 trazia recorde de público para praia do
Laranjal, maior número de turistas dos últimos anos” (Jornal Diário
Popular, Pelotas, 19 de janeiro de 1980, p. 04), recebia turistas de diversas
cidades da volta, e dos países vizinhos.
Conforme o que pode ser analisado a nível nacional e local, cada região
estava adotando diferentes práticas de vestir dos banhistas, como o topless.
Enquanto nas praias de outros estados era permitido a prática, vista como
revolucionária para as mulheres, em Pelotas ainda não havia sido adotada
(Figura 1). Através do estudo realizado no jornal, descobrimos que “nas
praias do laranjal o topless não chegou ainda, em compensação, enquanto
os seios estão levemente cobertos – nem tanto – a parte inferior foi sofrendo
uma redução brusca. Chegou à tanga e ela, já está sendo segura por finas
tiras coloridas ou de contas brilhantes e espelhadas” (Jornal Diário Popular,
Pelotas, 17 de janeiro de 1980, p. 4).
Figura 1 – Notícia referente ao movimento na Praia do Laranjal, 17 de janeiro de 1980, p. 4

Fonte: Acervo de Documentações da Bibliotheca Pública Pelotense (2021).

No dia seguinte, ainda se falava sobre o topless no jornal, mas não mais
sobre a praia do Laranjal, e sim sobre algumas praias em Salvador onde a
prática estava sendo liberada, ainda evidenciada no jornal como uma
atividade revolucionária das mulheres (Jornal Diário Popular, Pelotas, 18 de
janeiro de 1980). Nessa situação, é importante ressaltar a reflexão que
Riello (2011) faz sobre trajes de praia:
O biquíni não é apenas um pedaço de pano que a mulher veste para se bronzear, mas é um
objeto-chave em uma determinada prática social da segunda metade do século XX: refere-se a
um determinado estilo de vida, à emancipação da mulher, à oposição contra o preconceito de
direta nas décadas de 1950 e 1960, mas também ao olhar de glamour de Brigitte Bardot ou as
curvas de Pamela Anderson mais recentemente. Enquanto a história da vestimenta inscreve
um objeto como o biquíni dentro de um curso estilístico e evolutivo de maiôs, que vai dos
long-johns do final do século XIX ao topless, a cultura material busca, em vez disso, entender
o papel desse traje dentro de uma sociedade específica e tempo e pergunta, por exemplo, de
que maneiras essa vestimenta ajudou a promover a mudança social ao escandalizar os
puritanos na sociedade e divertir os mais ousados (Riello, 2011, p. 6, tradução nossa).

Ou seja, a presença de tais práticas de veraneio pelo público feminino


nas praias ou a ausência delas, diz muito sobre a sociedade local e pode ser
estudada através das matérias informativas trazidas nos jornais. Estudos
referentes à cultura material do vestuário são possíveis de trazer essas
informações referente ao significado que os objetos recebem das pessoas
que estão usando, ou a ausência de tais objetos num ambiente específico.
Ainda assim, no jornal e período em questão, foi descoberta uma coluna
nomeada Feminina, definida pelo veículo de comunicação como uma
coluna de moda voltada ao público feminino, mas nem só sobre roupa se
falava nessa coluna. Dentre as tendências de moda apresentadas na coluna,
vinham informações sobre a importância dos cuidados domésticos e
familiares. Contudo, foi possível estudar a história da moda da região
através das fontes locais. Portanto, de forma ampla, podemos observar três
categorias referentes ao vestuário através do jornal em questão: o vestuário
feminino apresentado nas páginas do jornal; a coluna de moda Feminina; e
os anúncios de lojas.
Sobre a imprensa de moda, Michelle Perrot (2019) esclarece que:
As revistas femininas tiveram um papel crescente nos séculos XIX e XX, como bem notou
Évelyne Sullerot. Os patrocinadores procuram, principalmente, captar consumidoras
potenciais, guiar seus gostos e suas compras. A indústria dos cosméticos, a das artes
domésticas, visam, de início, às mulheres mais sofisticadas (Perrot, 2019, p. 34).

Sendo assim, observamos nessa coluna que, para além de assuntos sobre
os modos de vestir feminino, outras questões como: sugestões de receitas
culinárias, dicas de como recepcionar as visitas, orientação de como cuidar
dos filhos, do marido e da casa, entre outros assuntos que não se encaixam
na temática do vestuário, porém, era para ser visto pelo público feminino.
Mas questões sobre como utilizar o blazer, informações referentes a seda, o
veludo, o tweed, a malha e o nylon como tecidos da década também
estavam presentes (Jornal Diário Popular, Pelotas, 13 de abril de 1980).
Portanto, apesar desses assuntos diversos estarem nessa coluna - o que
diz muito sobre a sociedade no período -, a relação da coluna de moda
voltada ao público feminino neste período remete a um dos apontamentos
levantados por Perrot (2019), no século XX todas as mulheres podem ser
belas, através do uso de maquiagens e cosméticos, de acordo com revistas
femininas (Perrot, 2019), e também por meio do vestuário e da moda, que
modela as aparências.
Enquanto, também foi possível através da pesquisa em jornal, identificar
quais lojas de vestuário estavam em funcionamento durante o período,
através de anúncios admissionais, por exemplo, as lojas Mesbla e Hermes
Macedo foram duas identificadas, sendo a primeira com vaga para vitrinista
(Jornal Diário Popular, Pelotas, 13 de abril de 1980). Já outras lojas mais
conhecidas, como a Loja Renner, tinham no jornal um aliado para veicular
suas novidades. Como um meio de chegar ao seu público exibindo os novos
produtos que tinha a oferecer, além de aproveitar do uso de imagens e de
um slogan criativo.
Sendo a sazonalidade um aspecto importante para a indústria do
vestuário, na sua produção e comercialização de novas coleções, a
propaganda no jornal é fundamental para essa divulgação. A loja Renner,
além de apresentar no verão de 1980 sua nova coleção, como observado na
edição de 10 de janeiro de 1980, através da chamada de anúncio “Verão
numa boa” (Jornal Diário Popular, Pelotas, 10 de janeiro de 1980, p. 06),
em outros momentos apresentava junto a imagens dos produtos por meio de
um editorial de moda, um release de sua coleção bem atraente como é
possível visualizar na imagem abaixo.
Em setembro de 1980, com a chegada da nova estação - primavera - a
loja propagandeou: “a primavera já está florindo em Lojas Renner. Nos
tailleurs, nos macacões em seda e em algodão, nas calças de brim, nos
vestidos e blusas alegres como você. Vista a moda de Lojas Renner para
esta temporada e deixe a vida mais bonita” (Jornal Diário Popular, Pelotas,
9 de setembro de 1980, p. 7).
Figura 2 – Propaganda Lojas Renner, 9 de setembro de 1980, p. 7

Fonte: Acervo de Documentações da Bibliotheca Pública Pelotense (2021).

Refletindo sobre o uso da propaganda pela loja, no jornal em questão,


que era um dos principais veículos de comunicação local, a mensagem
direcionada às leitoras do jornal pode ser considerada atrativa. Portanto,
como observado a propaganda, a loja além de vender um produto, vendia
um modo de viver ideal através do consumo do seu vestuário. Nery (2020)
em sua pesquisa de doutoramento sobre as propagandas de uma fábrica de
biscoitos relata que, “as propagandas demonstram uma série de fatores
“invisíveis” e simbólicos, que permitem o investigador um leque de
oportunidades de abordagens” (Nery, 2020, p. 237). Através da observação
feita no jornal, foi possível notar os produtos comercializados pela loja da
cidade e uma propaganda além de visualmente atrativa, pois constam 4
modelos vestida com as roupas da coleção de primavera, complementando
com uma chamada textual atrativa. Ainda assim, a autora complementa,
“convém lembrar que o intuito de uma publicidade é convencer o público
de comprar e consumir o produto” (Nery, 2020, p. 247).
Nas publicações mensais abrangidas pela estação do verão, podemos
notar que as colunas anteriormente mencionadas, traziam informações sobre
as tendências de moda praia que estavam em alta. Havia informações de
modelagens, cortes, cores e estamparia. Alguns elementos que puderam ser
identificados foram: maiô com a presença de recortes que valorizassem a
silhueta do corpo feminino; a mistura de tonalidades contrastantes como
preto e branco; o uso de cores fortes como roxo, vermelho e turquesa;
estamparias irregulares; alças finas; drapeados; etiquetas em evidência
como detalhe da peça; tomara-que-caia; “engana mamãe”, modelo que de
trás parece que é biquíni, mas de frente é maiô; modelos cada vez mais
cavados, com decotes profundos. O objetivo era aumentar a área descoberta
em nome de um bronzeado mais uniforme (Jornal Diário Popular, Pelotas,
07 de dezembro de 1980).
Ao chegar nas publicações de dezembro, era recorrente encontrar nas
colunas de moda do mês, sugestões festivas para passar a virada do ano
bem-vestida. Em 28 de dezembro de 1980, a coluna Feminina trazia no
enunciado “o brilho é a palavra de ordem da moda nesta virada do ano”
(Jornal Diário Popular, Pelotas, 28 de dezembro de 1980, p. 17), além do
brilho, as sugestões de look em dourado e prateado predominavam, assim
como a presença de peças mais sofisticadas.
Pesquisando em fontes históricas: a fotografia
Pouco problematizadas ainda, as fotografias são fontes importantes para
os pesquisadores, pois podem ser o caminho para o entendimento de algum
momento, estabelecendo relações do passado com o presente. Novaes
(2005) afirma que o valor documental sobre recursos imagéticos e não
textuais continua sendo pouco explorado e mesmo contestado em vários
círculos acadêmicos, partindo do pressuposto que os textos escritos são
superiores à imagem. Porém, a imagem, também pode ser lida, ela própria
como um texto. A mesma autora ainda fala que: “Podemos pensar na
fotografia como algo que tem a ver com um efeito físico-químico, algo
ligado a um tempo de viagens, a questões sociais, identificações de pessoas,
coisas, eventos ocorridos” (Novaes, 2005, p. 111).
É fundamental transformar as imagens em documentos aptos a
constituírem-se em fontes históricas. Medeiros (2005) enfatiza as
possibilidades que a fotografia pode trazer como fontes para estudos atuais.
As fotos tem sido uma fonte importante para os historiadores. A fotografia, enormemente
difundida no século XX, destaca-se pela sua possibilidade de reproduzir o real. Os cenários
históricos e os atores, registrados em fotografias, passam a ser importantes fontes para o
estudo de temas contemporâneos. As fotografias podem ser trabalhadas como documentos
que contam a história de um determinado momento, sendo representações do real (Medeiros,
2005, p. 64).

As fotografias, neste estudo, são vistas como documentos, e além de


imagem, são vistas também como objeto, pois são portadoras de
materialidade. Samain (2006) elucidam, dizendo: “Posso tocar a imagem
fotográfica, apalpá-la. Ela tem uma textura, um peso, uma materialidade,
mesmo se ela é, também, achatada, bidimensional, corte e golpe no tempo e
espaço” (2006, p. 54). Além de ser documento, imagem e objeto, ela
também é fonte.
E para a utilização delas como fonte, é necessário analisá-las com rigor
metodológico, pois não são meras ilustrações. As fotografias do acervo
analisado, fazem parte de um contexto, foram produzidas pela mesma razão
em formatos semelhantes e todas elas representam o mesmo rito. As
imagens, portanto, devem ser interpretadas pelo pesquisador como
mensagens que se elaboram ao longo do tempo como
documento/monumento (Le Goff, 2003). Zamboni (1988) fala também
destas mensagens,
[...] a fotografia não é apenas uma ilustração, é um documento direcionado. Cada fotografia
tem um significado e gera significantes, cada pessoa que olha uma fotografia ou um desenho,
passa a lê-los com um determinado olhar e busca, nestas representações, uma mensagem
(ZAMBONI, 1998, p. 89).

Rouillé (2009) apresenta as funções da fotografia-documento: arquivar,


ordenar, fragmentar, unificar, modernizar os saberes, ilustrar e informar.
Peter Burke (2004) ainda salienta alguns cuidados que se deve ter ao
trabalhar com imagens: conhecer e compreender os “elos da cadeia de fatos
ausentes da imagem”; buscar condições de recuperar “micro-histórias
implícitas nos conteúdos das imagens e, assim, reviver o assunto registrado
no plano do imaginário”; buscar a conexão com as mais diversas fontes que
informam sobre o passado, conjugando essas informações ao
“conhecimento do contexto econômico, político e social, dos costumes, do
ideário estético refletido, nas manifestações artísticas, literárias e culturais
da época retratada” (p. 117-118).
Jean Pirotte (2005) apud Novelli (2011) traça alguns tópicos
fundamentais na investigação histórica do documento visual: a) datar,
mesmo que de forma aproximada, o documento; b) precisar a natureza do
documento, ou seja, definir seu estatuto iconográfico, considerando a
distinção de dois tipos de documentos: os que aparecem como traços diretos
(imediatos de sua época) e os que pretendem reconstituir uma época ou um
acontecimento; c) definir o meio de produção da imagem, ou seja, pesquisar
o(s) seu(s) autor(es), situar as obras analisadas na produção de seus
criadores, observar com atenção a evolução das reproduções, buscar o nome
do fabricante para as imagens produzidas em grande escala (impressas) etc.
Ao pesquisador cabe questionar a imagem no “campo de sua
intertextualidade e interconicidade40, o que a torna agente histórico e como
tal fonte de pesquisa” (Sant’Anna, 2014). Haskell (1995), ao analisar como
as imagens são estudadas, propõe que seja observado o que há sob os olhos
do pesquisador e que este faça um longo diálogo com elas. Tais imagens
não são textos autoexplicativos, e desta maneira, podem e devem ser
investigadas sob diferentes aspectos e/ou categorias: representação,
discurso, ilustração, circulação, guarda, recepção, apropriação etc.
Entretanto, e apesar das peculiaridades, a produção e a acumulação de documentos
fotográficos com finalidades instrumentais – provenientes de atividades institucionais ou
relacionadas a funções exercidas no domínio mais privado de uma trajetória de vida pessoal –
tem sua própria ‘economia’ sua racionalidade de produção, devendo se investigar, nesse
contexto de origem, as razões de sua gênese (Lacerda, 2008, p. 56).

As imagens despertam sentimentos e as fotografias comunicam,


ressignificam, simbolizam e representam (Borges, 2005, p. 37). Funcionam
como uma espécie de “relicário” de história e memória.
Neste momento serão apresentadas as estratégias metodológicas para a
aproximação das teorias, com o objeto empírico do estudo, as fotografias de
casamento. Aqui, é o espaço para a descrição do trabalho41, apresentando e
justificando as técnicas e os métodos utilizados. Santos e Sant’Anna-Muller
(2011/2012) se apropriam dos estudos de Mauad (2004, p. 19) para afirmar
que a metodologia para quem trabalha com imagens fotográficas é um
trabalho interdisciplinar, pois considera-se “que os processos de análise e
interpretação de um documento polifônico, como a fotografia, exige, de seu
investigador, o diálogo intenso com diferentes saberes e possibilidades de
indagações teóricas e metodológicas” (Santos; Sant’Anna-Muller, 2011-
2012, p. 292).
Não se optou apenas por um autor, ou abordagem metodológica, mas
sim, construir caminhos com embasamento suficiente para suprir a
necessidade de um tema com caráter multidisciplinar (memória,
museologia, antropologia, sociologia e moda). Mauad defende que “a
metodologia, longe de ser um receituário estrito, aproxima-se mais a uma
receita de bolo, na qual, cada mestre cuca adiciona um ingrediente a seu
gosto” (1996, p. 14). Utiliza-se da ideia de Mauad para adicionar
ingredientes e criar a própria “receita do bolo” para a leitura das fotografias
de casamento. Tal receita pode e deve ser à gosto de cada pesquisador, pois
aqui não se tem a pretensão de criar um manual metodológico que deve ser
seguido à risca, pois cada pesquisa, cada temática e cada pesquisador deve
construir a sua forma de contribuir com a pesquisa científica.
Na pesquisa citada trabalha-se com o conceito de fotografia de família
(Barros, 1989; Leite, 1993; Ormen-Corpet, 1999; Kossoy, 2005; Cruz,
2013; Schneid, 2018) inseridas em álbum de família (Silva, 2008), onde as
noivas contam/narram as lembranças do casamento, memórias de família e
de suas vidas, mas também trabalha-se com o conceito de fotografias órfãs
(Bruno, 2018) que pertencem aos atlas de família, onde as fotografias são
vistas e experimentadas, construindo uma experiência de formas visuais.
Bruno (2019) ancorada no conceito de atlas Mnemosyne de Aby Warburg
fala que: “Refletir sobre a imagem e sua habilidade de insurgir
pensamentos, gestando narrativas sobre o mundo, soberana aos tempos e
tantas vezes, aos ditames impostos às suas múltiplas peles e camadas de
supervivências” (Bruno, 2019, p. 105) é o objetivo do atlas de família.
Quando se fala de fotografia, entende-se ela como objeto e não apenas
como imagem, ou seja, sua materialidade e qualquer informação inserida,
também entram como elementos intrínsecos. Primeiro criou-se um código
de 3 dígitos para identificação de cada fotografia, “um elemento
fundamental na organização é a atribuição de um número. Por meio do
número as peças são ordenadas e encontradas facilmente” (Pavão, 1990, p.
9); depois um campo para inserir a data, quando a foto traz esta informação;
e após, um local para colocar a miniatura digitalizada de cada fotografia -
apenas frente (Figura 3).
Figura 3 – Ficha de sistematização das fotografias - código, data, foto digitalizada,
materialidade

Fonte: Schneid (2020).

Para a descrição das fotografias procurou em Albuquerque (2006) como


se dá este detalhamento nos documentos fotográficos:
A descrição de documentos fotográficos nos códigos de catalogação dá grande ênfase à
descrição física, que trata de indicar o suporte, qual foi o procedimento técnico empregado,
estado físico do documento, ou seja, todas as características que formam o objeto em si, e
essas características também estão no ângulo dado às figuras, nos planos escolhidos, tipo de
luz, etc, que caracterizam o suporte e sua composição em um documento com seu formato
próprio (Albuquerque, 2006, p. 126).

Campos foram criados para melhor visualização e segmentação das


informações extraídas, são eles:
a) Materialidade (Figura 3)
Em relação ao formato: suporte primário (apenas fotografia), secundário
(cartão) e terciário (passepartout42).
Quanto à apresentação e composição do objeto fotografia: apenas foto,
cartão, cartão dobrável e papel barreira. Posição da fotografia: vertical ou
horizontal. Dimensões da fotografia e cartão (se houver). Tamanho da
embalagem: PP, P, M, G. Referente às bordas da fotografia: lisa, trabalhada,
branca e se conta passe-partout.
b) Papel (Figura 4)
Segundo Pavão (1997):
O papel de relevação é um papel de barita, de fabrico industrial. Foi produzido em várias
gramagens, desde o fino ao acartonado e numa tal variedade de cores (branco, creme,
amarelo, etc.) e superfícies (brilhante, mate, semimate, perlado, texturado, etc.) que ainda
hoje nos deixa impressionados (s/p).

Cores: marrom, creme, verde e cinza. Superfícies: brilhante, mate,


semimate e perlado. Outras informações: se o papel é texturado ou não e se
conta no verso do papel a marca dele. Pavão (1997), fala que o papel de
revelação: “foi produzido com emulsão de cloreto de prata, brometo de
prata, brometo de prata e cloro-brometo de prata, com características
ligeiramente diferentes entre si” (s/p). O autor cita marcas como Velox,
Agfa Brovira, Ilfobrom, Kodak Elite, Agfa Portiga Rapid e Record Rapid,
Forte e Porturex Rapid.
Figura 4 - Ficha de sistematização das fotografias - papel

Fonte: Schneid (2020).

c) Conservação (Figura 5)
Quanto ao estado de conversação: Utilizou-se o conceito de Cândido
(2006, p. 55-56): ótimo – a peça encontra-se em excelentes condições de
conservação, estando totalmente na íntegra, bom – a peça apresenta
características físicas e estéticas originais em boas condições, mesmo que já
tenha sido restaurada, regular – a peça possui sujeira aderida, pequenas
perdas e/ou passa por processo inicial de deterioração e péssimo – a peça
apresenta-se em processos graves de degradação, tais como grandes e
irreversíveis perdas de sua matéria original.
Segundo Pavão (1990) as formas de deterioração das fotografias são:
Da imagem de prata: amarelecimento, espelho de prata, desvanecimento. “Sobretudo nas
extremidades, o negativo apresentava cor de chumbo e um brilho prateado”. Da imagem a
cor: alteração do equilíbrio cromático, desvanecimento, mancha amarela. Do meio ligante:
abrasão, aderências, perdas. Do suporte papel: rasgos, sujidades, vincos, fragilização (Pavão,
1990, p. 8).

Imagem de prata: amarelecimento, espelho de prata, desvanecimento.


Meio ligante: abrasão, aderências, perdas. Suporte em papel: rasgos,
sujidades, vincos, perfurações. Marcas: tinta, carimbos, ferrugem, cola,
outras. Perdas de suporte: parcial, total. Se está descolada e onde. Aqui foi
inserido um campo para observações, onde explica-se melhor o estado de
conservação e deterioração da fotografia.
Figura 5 – Ficha de sistematização das fotografias - conservação

Fonte: Schneid, 2020.

d) Informações (Figura 6)
Em relação ao fotógrafo e ateliê fotográfico, se está identificado e de que
forma: assinatura, carimbo, cartão, etiqueta, marca d’água, ou não
identificado. Neste local também há um campo para inserir o nome do
fotógrafo ou ateliê quando houver.
Transcrição da dedicatória/legenda: quando consta na fotografia (frente
ou verso) ou no cartão a mensagem é transcrita neste espaço. Candido
(2006) fala sobre marcas e inscrições e orienta como deve ser feita a
transcrição: “Transcrever, entre aspas, inscrições, legendas, gravações e
marcas simbólicas, conforme redação, ordem e grafias existentes na peça”
(p. 55).
Figura 6 - Ficha de sistematização das fotografias - informações.
Fonte: Schneid, 2020.

e) Local (Figura 7)
Onde a fotografia foi tirada: igreja, estúdio, festa, rua ou não
identificado. Aqui há uma lacuna para a descrição do cenário. Lembrando
mais uma vez que para a descrição das fotografias utilizou-se Albuquerque
(2006; 2012; 2015), Cândido (2006), dicionários e glossários de termos
usados em conservação (Pavão, 1990) e termos têxteis (Costa, 2004; Cruz,
2013), além dos Tesauros para acervos museológicos (Ferrez, 1987) e
Tesauro de objetos do patrimônio cultural brasileiro (Ferrez, 2016).
Em relação aos tipos de fundo que apareceram: liso, cortina, painel-
desenho e papel/tecido de parede. Os elementos cênicos que
frequentemente estão presentes nas fotografias: almofada, cortina,
esculturas, flores, móveis, tapete, velas.
Figura 7 – Ficha de sistematização das fotografias – local

Fonte: Schneid, 2020.


f) Retratados (Figura 8)
Quanto à posição dos noivos: noiva esquerda, noiva direita, noivo
esquerda, noivo direita. Expressão corporal: noiva em pé, noiva sentada,
noivo em pé, noivo sentado. Lado do ângulo da noiva: frontal, ¾ , perfil
(Albuquerque, 2006, p. 134). Lado do ângulo do noivo: frontal, ¾, perfil.
Expressão facial: noiva sorrindo, noiva séria, noivo sorrindo, noivo sério.
Mãos: Apropriando-se dos conceitos de Riffel e Gevaerd (2013) utilizou-se
os conceitos de “mãos que enlaçam” e “mãos que dominam” ou não
aparente. Elementos corporais da noiva: cabelo solto, penteado, indefinido.
Elementos corporais do noivo: barba, bigode, topete.
Figura 8 – Ficha de sistematização das fotografias – retratados

Fonte: Schneid (2020).

g) Traje (Figura 9)
Este campo servirá de base para a construção da ficha de sistematização
específica do traje. Em relação ao vestuário da noiva: vestido, duas peças,
indefinido, véu e grinalda. Quanto aos acessórios: joias, luvas, óculos,
terço/rosário, meias. Vestuário do noivo: terno, smoking, fraque,
camisa/calça, colete, farda. Quanto aos acessórios do noivo: gravata, lenço,
óculos, luvas, relógio, joias, chapéu. Aliança: se está aparente no noivo, na
noiva, se não consta ou não está aparente. Bouquet da noiva: redondo,
cascata, braçada, flor única, com fitas, indefinido ou não consta. Flor no
traje do noivo: sim ou não. Gravata: social, kipper, borboleta.
Figura 9 – Ficha de sistematização das fotografias – traje
Fonte: Schneid (2020).

h) Palavras-chave (Figura 10)


Campo para inserir alguma palavra-chave para fácil acesso à fotografia.
Ex. Noiva de preto.
Figura 10 – Ficha de sistematização das fotografias – palavras-chave e observações

Fonte: Schneid (2020).

i) Observações (Figura 11)


Alguma observação que seja relevante, mas que não aparece nos outros
campos acima citados.
Figura 11 – Ficha de sistematização das fotografias – palavras-chave e observações

Fonte: Schneid (2020).

Assim como foi feito com as fichas de sistematização das fotografias,


parte-se para o momento de aprofundar a análise sobre o traje dos noivos.
Na primeira etapa já se obtiveram alguns resultados gerais, porém optou-se
por construir fichas específicas de sistematização dos trajes para aprofundar
a análise (figura 12).
Figura 12 - Ficha de sistematização dos trajes
Fonte: Schneid (2020).

Para a escolha das categorias criadas, foi utilizado como base o livro
Termos para a Catalogação de Vestuário (Benarush, 2014), porém apenas
ele não foi suficiente para contemplar todas as categorias e assim, se
recorreu para o livro Modelagem: organização e técnicas de interpretação
(Osório, 2007), que descreve com melhor precisão todos os componentes de
uma roupa. Nestas fichas não constam todas as categorias citadas nestes
livros de referência, mas foram feitas adaptações de acordo com o acervo
analisado.
Na sessão dos vestidos, por exemplo, Benarush (2014) cita balonê,
chemisier, império, sereia, tubo, túnica, vestido-avental, vestido-casaco e
vestido de chá, porém estes modelos não aparecem em nenhum nos trajes
analisados, então estes termos não constam nas fichas na categoria: estilo de
vestido. Insere-se da bibliografia de Osório (2007) os estilos: princesa,
painel e baby look (o que Benarush chama de trapézio). Ainda nesta
categoria adaptou-se o que Benarush (2014) chama de transpassado, para
cache-coeur e de reto para anatômico.
Neste momento a fotografia foi dissecada para se trabalhar com cada
parte dos componentes separados: traje da noiva – acessórios, decote,
manga, saia, bouquet – e traje do noivo: lapela, casaco, gravata – conforme
mostra a figura 13.
Figura 13 – Fotos (des)fiadas
Fonte: Schneid (2020).

Na ficha de sistematização dos trajes foi utilizado o mesmo número das


fotos inseridas na ficha de sistematização das fotografias e, também, um
campo disponível para inserir a data quando se apresentava (figura 14).
Figura 14 – Ficha de sistematização dos trajes: código, data e fotografia (des)fiada

Fonte: Schneid (2020).


A ficha foi dividida em dois grandes campos: traje da noiva e traje do
noivo e estes foram desmembrados.
1. Traje da noiva (figura 15): descrição do modelo, sempre seguindo a
mesma ordem – modelo do vestido, comprimento, textura, detalhes,
estilo do vestido, decote, mangas, saia, acessórios.
Figura 15 – Ficha de sistematização dos trajes – descrição do traje da noiva

Fonte: Schneid (2020).

a) Vestuário noiva (figura 16): duas peças (saia e blusa), vestido ou


indefinido;
b) Cor (figura 16): clara ou escura;
c) Acetinado ou não? (figura 16)
d) Peça complementar (figura 16): possui? Sim, não? Qual? Em alguns
momentos a noiva aparece com uma anágua, casaco, ou outra peça que
complemente o traje.
e) Renda: sim ou não (figura 16). Muitos dos vestidos apresentam
rendas, seja na sua totalidade, ou em alguns detalhes.
f) Estilo do vestido (figura 16): anatômico, baby look, cache-coeur,
Charleston, coquetel, evasê, godê, painel, princesa, não apresenta, não
identificado. Este estilo é o nome dado na área de modelagem, que é a
partida (moldes) para a construção de qualquer traje.
Figura 16 – Ficha de sistematização dos trajes – vestuário, cor, acetinado, peça complementar,
renda, estilo do vestido

Fonte: Schneid (2020).


g) Decote (figura 17): assimétrico, canoa, careca, cavado, cavado
profundo, coração, drapeado, frente-única, quadrado, tomara que caia,
redondo, transpassado, decote U, decote V, não apresenta (nos casos que
apresenta gola), não identificado.
h) Abotoamento (figura 17): apresenta? É comum aparecer vestidos com
abotoamentos no centro da frente do vestido, com botões forrados de tecido.
i) Gola (figura 17): alta, chinesa, colarette, colarinho, esportiva, fichu,
fraque, laço, marinheiro, polo, rulê, xale, não apresenta, não identificado. A
maioria dos trajes é com o peito bem coberto e muitos dos vestidos
apresentam gola.
j) Colarinho, lapela, jabô (figura 17): apresenta? Qual estilo? Caso
apresente gola colarinho, qual é o seu estilo?
Figura 17 – Ficha de sistematização dos trajes – decote, abotoamento, gola, colarinho, lapela ou
jabô

Fonte: Schneid (2020).

k) Manga (figura 18): abotoada, afunilada, com babado, balão, bispo,


bufante, capa, curta, dólmã, dupla, drapeada, extralonga, japonesa, longa,
morcego, presunto, raglã, sem manga, três quartos, não identificada.
l) Punho (figura 18): sim, não, abotoado, botão duplo, com elástico, não
identificado.
Figura 18 – Ficha de sistematização dos trajes – manga e punho

Fonte: Schneid (2020).

m) Saia – comprimento (figura 19): abaixo do joelho, extralonga, longa,


midi, no joelho, não identificado
n) Saia – estilo (figura 19): balonê, com babados, com pregas, drapeada,
evasê, franzida, godê, lápis, plissada, reta, semigodê, não identificada.
o) Cauda (figura 19): altar, capela, imperial, longa, real, watteau, não
identificada, não apresenta.
p) Armação (figura 19): sim, não, não identificada. Quando o vestido
apresenta uma saia de armação não aparente, mas que insere um volume
considerável no traje.
Figura 19 – Ficha de sistematização dos trajes – saia (comprimento e estilo), cauda e armação

Fonte: Schneid (2020).

q) Acessórios – cabeça (figura 20): grinalda, véu, não identificado, não


apresenta
r) Tipos de véu (figura 20): ballet, capela, catedral, cotovelo, juliet cap,
mantilha, ombro, ponta do dedo, valsa, voillete, não apresenta, não
identificado. Não foi encontrado na bibliografia consultada, todos os tipos
de véus citados aqui, para isso utilizou-se sites da internet para consultar o
nome adequado de cada tipo deste acessório que apareceu nas fotografias.
s) Acessórios (figura 20): joias, luvas, meias, óculos, terço/rosário, não
apresenta, outros.
Figura 20 – Ficha de sistematização dos trajes – acessórios – cabeça, tipos de véu, acessórios

Fonte: Schneid (2020).

t) Bouquet (figura 21): braçada, com fitas, cascata, flor única, redondo,
não apresenta, não identificado. Em relação aos bouquets também não se
encontrou nada referente às suas nomenclaturas na bibliografia consultada e
novamente recorre-se aos sites de internet que abordam temas relacionados
ao casamento. Esta categoria não apresenta todas as nomenclaturas
encontradas nos sites, mas apenas aquelas que aparecem nas fotografias do
acervo.
Figura 21 – Ficha de sistematização dos trajes – bouquet
Fonte: Schneid (2020).

2. Traje do noivo (figura 22): descrição, tipo do vestuário, cor,


acessórios.
Figura 22 – Ficha de sistematização dos trajes – descrição do traje do noivo

Fonte: Schneid (2020).

a) Vestuário – noivo (figura 23): colete, fraque, smoking farda, terno, não
identificado. Em relação ao estilo da roupa do noivo ela pode ser social
(fraque, smoking ou terno) ou militar (Marinha, Exército, Aeronáutica ou
Polícia Militar) e ainda ter uma peça extra que é o colete.
b) Abotoamento do casaco (figura 23): duplo, simples, não identificado.
Abotoamento é a maneira como os botões do casaco se apresenta, sozinhos
ou em duplas.
c) Cor (figura 23): calça escura, casaco escuro, calça clara, casaco claro.
Aqui o que se pretende é descrever se há diferença na cor do casaco para a
calça, ou seja, se a calça é mais clara que o casaco e vice-versa. Já que não
se pode precisar as cores das peças, se tenta saber se há diferenças entre
elas.
d) Padronagem (figura 23): na calça, no casaco, não apresenta. Se utiliza
o termo padronagem para se referir a alguma estampa, desenho ou padrão
de tecimento que não seja liso, como por exemplo, uma calça risca de giz.
e) Acessórios (figura 23): chapéu, gravatas, joias, lenço, luvas, óculos,
relógio, não apresenta, não identificado, outros.
Figura 23 – Ficha de sistematização dos trajes – vestuário do noivo, abotoamento do casaco,
cor, padronagem, acessórios
Fonte: Schneid (2020).

a) Lapela (figura 24): cravo, chanfrada, curta, virada, não identificada,


não apresenta
b) Colarinho (figura 24): americano, inglês, mao, quebrado, simples, não
identificado
c) Acessórios – lapela/bolso (figura 24): flor, lenço, joia, não apresenta,
não identificado
Figura 24 – Ficha de sistematização dos trajes – lapela, colarinho e acessórios

Fonte: Schneid (2020).

a) Gravata (figura 25): social, kipper, borboleta


b) Padronagem – gravata (figura 25): sim, não
Figura 25 – Ficha de sistematização dos trajes – gravata e padronagem
Fonte: Schneid (2020).

Finalizado a descrição das fichas de sistematização dos trajes, se repete o


mesmo processo das fichas de sistematização das fotografias, inserir os
dados nos formulários do Google Forms para se obter os resultados desta
etapa. Para encerrar este subcapítulo, apresenta-se o painel geral das
fotografias (des)fiadas, onde constam todos os elementos presentes na cena
retratada, conforme mostra o exemplo da figura 26.
Figura 26 - Painel geral das fotografias (des)fiadas

Fonte: Schneid (2020).


O último painel permite a visualização de todos os componentes em
detalhes, – mãos que enlaçam e mãos que dominam, a presença da
almofada, elementos corporais, expressão facial tanto da noiva quanto do
noivo.
Sendo assim, após os painéis apresentados e explicado cada etapa das
fichas de sistematização das fotografias e dos trajes, de forma detalhada,
terminamos a explicação do passo a passo metodológico referente a
investigação realizada com as fotografias.
Considerações finais
Desse modo, foi possível apresentar duas formas de utilização de fontes
históricas como método de estudo relacionado ao vestuário. Ainda que
ambas as fontes sejam materiais, ambas auxiliam como técnicas
mnemônicas de recuperar o passado, reforçando ao que foi apresentado por
Candau (2019) sobre o ato de lembrar de ser uma reconstrução sempre
atualizada sobre o passado, do que o momento em si.
O vestuário como parte fundamental dos estudos da cultura material,
pode ser analisado tanto pela investigação documental realizada em jornal
como no primeiro tópico explicado neste capítulo, onde imagens e textos
auxiliaram na identificação da moda de um ano específico. Como no caso
das fotografias de casamento, onde foram desenvolvidas as fichas de
sistematização – de fotografias e de trajes.
Portanto, através de ambas as pesquisas realizadas, fica evidente a
essencialidade de preservar as fontes, pois, é através destas que, podemos
conhecer os modos de sociabilidade de um período histórico já distante. Os
modos de vestir, a cultura, as práticas de consumo, as formas de
comemoração, podem ser investigadas por meio dos documentos, sejam
eles em diferentes suportes, para além dos dois aqui apresentados.
No caso das fotografias investigadas, a sistematização das fontes
realizada por meio das fichas foi fundamental para a organização dos dados
e análise. Schneid (2020) defende que “a sistematização é método e sendo
método, ela é a ferramenta principal do trabalho” (Schneid, 2020, p. 336).
Dessa forma, os caminhos metodológicos escolhidos para analisar as fontes
são de extrema importância. As fontes podem mudar, os métodos também,
mas cada escolha nessa etapa é essencial para uma análise eficaz, onde trará
resultados relevantes para a área em questão.

39 Através do site o cial do jornal, “o Diário Popular é o jornal mais antigo do Rio Grande do Sul e o terceiro do
Brasil com circulação diária ininterrupta. Sua trajetória está diretamente ligada ao desenvolvimento de
Pelotas e região. [...] circula nos 23 municípios da Zona Sul” (DIÁRIO POPULAR, 2022). Caetano (2013)
ainda diz que, “a data de sua fundação remonta ao ano de 1890, quando surgira propondo-se a ser um
jornal “independente”. Contudo, logo nos primeiros meses de circulação, foi vendido ao Partido Republicano
Rio-grandense (PRR) [...] e desta forma, como órgão do PRR, tornou-se veículo o cial do da governança já
em seu primeiro ano. Nesta condição permaneceu até o início dos anos 1930, quando perdeu o posto para
O Liberal, marcando aproximadamente 40 anos de ligação partidária o cialmente declarada, de nindo seu
per l inicial e tornando-se especialmente interessante para aqueles que buscam na imprensa escrita de
Pelotas algumas de nições da ideologia republicana e suas relações com as demais” (Caetano, 2013, p.
361).
40 Quando uma imagem é prenhe de outras imagens.
41 Tese de doutorado: Memórias Costuradas: O traje da noiva em fotogra as de casamento (1920-1969) de
Frantieska Huszar Schneid.
42 Passepartout com costas: embalagem protetora para provas fotográ cas e outros objetos planos. É
geralmente formada por um par de cartões ligados ao longo do lado maior por uma ta adesiva, exível e
resistente que atua como dobradiça. Em geral o cartão da frente tem uma abertura ou janela que permite
ver a fotogra a sem abrir o artefato. O cartão traseiro é inteiriço. A prova fotográ ca pode estar colada ao
cartão traseiro, ou presa apenas pelos cantos, ou suspensa por charneiras. O cartão da janela pode cobrir
as margens ou não, dizendo-se então que a prova utua (Pavão, 1997).
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Pelotense.
Diário Popular, Pelotas, RS, 28 dez. 1980. Acervo Bibliotheca Pública
Pelotense.
LYGIA CLARK E HELENA ALMEIDA:
vestir a obra de arte
Flavia Jakemiu Araujo Bortolon

A partir da metade da década de 1950, esse paradigma começou a perder


força com a dissolução das fronteiras entre arte e cultura, e com a
emergência de obras artísticas que não mais se conformavam aos critérios
da arte moderna. Juntamente com essa nova compreensão do conceito de
arte, também surgiu a necessidade de examinar o panorama artístico e,
consequentemente, a história da arte, sob uma perspectiva de gênero e suas
interseções, incluindo classe e raça. Nesse contexto, as seguintes questões
ganham destaque: a invisibilidade histórica da contribuição das artistas
mulheres, conforme apontado por Linda Nochlin em seu trabalho “Por que
não houve grandes mulheres artistas?” (1971). Nesse contexto mais amplo,
surgem questionamentos sobre as perspectivas socioculturais dos agentes
envolvidos no mundo das artes e como tais análises se interseccionam com
questões de gênero, sexualidade, classe e raça. Um foco particular recai na
construção de olhares generalizados tanto por parte dos artistas quanto do
público.
Portanto, o estudo da trajetória dessas mulheres artistas e produtoras de
conteúdo desempenha um papel crucial na compreensão da história da arte
produzida por elas, destacando nuances e contribuições muitas vezes
negligenciadas. Isso também permite considerar como a produção artística
de mulheres pode ser abordada no contexto do ensino de arte ou história da
arte. Em última análise, a produção artística revela camadas significativas
das nuances da expressão artística feminina, trazendo à tona uma narrativa
rica e diversificada que enriquece a compreensão mais ampla da história da
arte. Ao explorar a vida e a obra dessas artistas, conseguimos desvelar
nuances cruciais da produção artística feminina que frequentemente ficam
ocultas nas narrativas dominantes.
Trajetórias de pesquisadora e mulheres artistas
Ao final de meu Mestrado em História na Universidade Federal do
Paraná (Curitiba, Brasil) apresentei a dissertação intitulada A nostalgia do
corpo: a construção do corpo na obra de Lygia Clark, em que analisei
como as obras da artista passaram de direcionadas a um espectador passivo
a proposições participativas, em que a obra somente faria sentido quando
tocada, vestida ou adentrada pelo público. A intenção de Lygia Clark era
proporcionar experiências sensoriais que mudassem as perspectivas
espaciais e corporais (e mais tarde psicológicas) dos participantes de suas
obras. A questão do gênero, em específico, se apresenta naquela dissertação
no capítulo “Série nostalgia do corpo e objetos sensoriais de Lygia Clark” e
no subcapitulo “Os limites do gênero: corpo sexual”, onde apontei
brevemente como as obras vestíveis da artista propunham a exploração por
parte dos participantes de ambos os sexos biológicos e de experiências
como o parto, unicamente feminina.
Na pesquisa do pós-doutorado na Universidade Nova de Lisboa,
Portugal, busquei relacionar as produções artísticas de Lygia Clark com as
da portuguesa Helena de Almeida, que na década de 1960 e 1970
semelhantemente tomava o corpo e outros objetos em suas propostas
artísticas, além de estabelecer relações entre suas produções artísticas e
questões de gênero. Enquanto Lygia, por exemplo utiliza-se dos macacões
de O eu e o tu (1967) para possibilitar ao espectador a escolha livre de
vesti-los com o sexo biológico “trocado”, autorizando a fluidez, Helena, em
Tela Rosa para vestir (1969), declarava que “Eu vejo-me, e vejo os outros
colegas meus, sem género feminino ou masculino, ou melhor, vejo-os com
uma sensibilidade hermafrodita” (Almeida, 2008). refletir sobre como
determinadas propostas artísticas atuaram na construção de novas
definições de sujeitos e sexos, tendo como ponto de partida as obras de
Lygia Clark, no Brasil, e de Helena Almeida, em Portugal. A escolha foi
estabelecer pelos paralelos entre os contextos sociopolíticos vivenciados
pelas duas artistas, de que forma, pode ter influenciado suas respetivas
produções, também pode se refletir sobre as relações dos experimentos das
duas artistas e o desenvolvimento de modalidades artísticas contemporâneas
como a performance, a instalação e a body-art. As contribuições de figuras
como Lygia Clark e Helena Almeida foram revolucionárias, desafiando
paradigmas convencionais e redefinindo a maneira como a arte é concebida,
produzida e experimentada.
A análise crítica de suas obras pode ser vista como uma lente através da
qual podemos examinar a produção artística feminina de maneira mais
abrangente. Essa lente revela não apenas a riqueza das perspectivas e
técnicas empregadas por artistas mulheres, mas também a forma como elas
navegaram pelas complexidades de gênero, identidade e expressão dentro
de um contexto historicamente dominado por visões masculinas.
Ao incorporar a produção artística de mulheres como parte integrante do
currículo de ensino, estamos abrindo portas para uma compreensão mais
completa e equilibrada da história da arte. Isso, por sua vez, desafia e
enriquece a própria definição de arte, ampliando as fronteiras do que é
aceito e celebrado no cânone artístico. A contribuição desse estudo não
apenas enriquece o ensino de história da arte, mas também convida os
educadores a reexaminarem suas próprias percepções e preconceitos em
relação à arte, gênero e criatividade.
Dessa forma, ao investigar a expressão artística de mulheres,
exemplificada pelas trajetórias de Lygia Clark e Helena Almeida, é possível
não apenas reconstruir uma narrativa mais abrangente e equitativa, mas
também questionar as convenções predominantes e estimular as gerações
vindouras. Por exemplo, nas obras “Superfícies Moduladas” e “Contra-
relevos” (1956 a 1958), Lygia Clark proclama que “a pintura atingiu o fim
de sua jornada enquanto representação, declarando a morte do plano como
base da expressão” (Clark apud Milliet, 1992, p. 52). Da mesma forma, na
primeira exposição individual de Helena Almeida na Galeria Buchholz, em
1967, as pinturas exibem a tela desnuda, parcialmente encoberta ou
enriquecida com outros objetos, como se a pintura recusasse suas fronteiras
e ansiasse transcender suas condições originais. Através das obras de
Helena Almeida, evidencia-se uma tentativa física de romper com a tela,
instaurando uma indagação sobre a natureza e a função dos suportes e das
molduras, perpetuamente reconfigurando o significado e a representação da
arte.
O vestuário nas obras de Lygia Clark e Helena de Almeida
Umas das possíveis conexões entre a artista brasileira Lygia Clark e a
portuguesa Helena Almeida é que ambas pertenceram às vanguardas da
década de 1960/70, que trouxeram novas relações para o campo da arte por
meio da visão fenomenológica francesa, na qual o objeto artístico
deslocava-se do lugar tradicional e procurava novas relações espaciais com
os sujeitos, tanto com os artistas, como, posteriormente, no caso de Lygia
Clark, com o espectador. As peças de vestuário estão presentes nas obras
dessas duas artistas, costurando propostas diferentes. Para Lygia Clark é a
relação do material vestível com o corpo do participante, por meio das
sensações que podem ser provocas através de estímulos que a interessam.
Indo por outra via, o vestuário apresentado por meio dos retratos
fotográficos nas obras de Helena Almeida surge como modo de estudo da
arte, do artista e do espaço arquitetônico.
Lygia Clark terá por objetos vestíveis peças comuns do vestuário para a
série denominada Nostalgia do Corpo, realizada entre 1967 e 1969. Fazem
parte dessa série, entre outras, as obras Roupa-Corpo-Roupa (1967),
Óculos (1968); Luvas Sensoriais (1968); Camisa de Força (1969); e
Luvas Sensoriais, Lygia descreve a sensação que pretendeu comunicar ao
participante:
O trabalho consistia na pessoa se utilizar de diversos materiais, tamanhos e tipos para tentar
pegar bolas de dimensões e texturas diversas. Após combinar todas as possibilidades,
utilizando-se inclusive de luvas grandes para pegar bolas pequenas, ela retirava a luva e
segurava as bolas normalmente. Este renascimento do tato é sentido como uma alegria, como
se a pessoa estivesse vivendo novamente a descoberta do próprio tato (Clark, 1980. p. 29).

As luvas, apresentando variados tamanhos e materiais sejam mais


espessas, mais finas, porosas, feitas de lã ou borracha densa – alteravam a
percepção da bolinha. O participante concebia uma bolinha “imaginária”
por meio das sensações proporcionadas pelas diferentes luvas. No entanto,
ao tocar a bola diretamente com a mão, ele se deparava com a verdade, uma
nova realidade desprovida de mediação.
A obra Roupa-Corpo-Roupa consiste em macacões com pelos e
enchimentos que causam (ou podem causar) a sensação de vivenciar o sexo
oposto, como quando a mulher veste uma roupa com preenchimentos que
sugerem órgãos genitais masculinos ou, ao contrário, quando a roupa do
homem simula órgãos femininos, possibilitando ao participante trocar de
sensações com o outro, homem-mulher, mulher-homem, sem contar a
possibilidade de construção simbólica e sensível do sexo oposto por meio
do toque no corpo do outro.
Trata-se de uma relação estrutural (homológica e não analógica). Meu trabalho não está longe
da violência sexual porque libera instintos reprimidos, mas não está forçosamente ligado ao
prazer. Tudo depende, logicamente, dos participantes: o erotismo pode ser negado em favor
do lúdico, e vice-versa (Clark, 1998. p. 232).

A sensibilidade dos gêneros como fixos é questionada por Lygia Clark


por meio das sensações corporais modificadas com as roupas/obras. A
sensação provocada pelos pesados macacões não era então somente o tocar-
se e o descobrir o outro, mas, também, a de ser invadido, aberto pelo outro
e, simultaneamente, poder fazer o mesmo. No texto “Breviário do corpo”, a
artista remonta à sensação do tocar e descobrir o sexo, descrevendo como
ele poderia ser percebido por meio dos toques-cegos causados pelas
indumentárias do Eu e o Tu.
Assim como ilustrado na imagem, que revela um close da área interna do
macacão, o indivíduo está explorando seu próprio corpo por meio do tato.
De maneira poética, Clark descreve essa exploração sensorial na citação
anteriormente mencionada. São as mãos que, ao entrar em contato com as
roupas e a pele, evocam uma gama de sensações e contribuem para a
construção de uma nova compreensão do eu
Pode-se relacionar a arte de Clark com as questões de gênero, quando ela
tenta entender o corpo generificado, mulher ou homem, masculino ou
feminino, usando enchimentos e pelos nas vestes, pensando em como os
corpos e as sensações podem ser alterados com macacões, máscaras e
zíperes? É o que o participante se pergunta ao vestir a obra de Lygia Clark.
Segundo Lucia Santaella (2004), muitas artes participativas no século XX,
entre as quais estão as obras de Lygia Clark, são obras que apelam para a
entrada do receptor na obra, sem o que elas não aconteceriam. O corpo
volta às artes, como um problema à procura de respostas (Santaella, 2004).
Lygia Clark escreve sobre o corpo em relação ao sexo feminino:
O corpo que no ritual se põe de joelhos, expressando assim com toda a reverência de que é
possuído pelo mistério do outro corpo que a ele se oferece: pênis que num gesto soberbo de
sociabilidade se transforma num braço estendido pelo prazer de encontrar o outro. O corpo
que se transforma na própria vagina, para receber este gesto de entendimento do
conhecimento, abrigo poético, onde o silêncio vem cheio de propostas e a escuridão e o
esquecimento da autonomia do um (Clark, 2004. p. 123).

Lygia Clark quer o corpo do participante - o espectador - vestindo as


peças/obras, e, por meio delas, construindo um novo sujeito e uma nova
espacialidade da obra, até que ela desapareça como objeto e o corpo
sensibilizado torne-se a arte e a cura do sujeito. Assim, é a roupa em
contato com o corpo (o qual se percebe dentro de uma roupa) que constrói
relações de gênero, a partir da relação com o mundo externo, e que o
ressignifica.
Em 1969, na obra Tela Rosa Para Vestir Helena Almeida passa da
pintura para a utilização da fotografia como suporte (meio), não para
abandonar totalmente o quadro e a pintura, mas como uma tentativa de
mostrar como a pintora e a obra estão interligadas. No caso, vestindo-se
com o quadro, como se fosse uma camisa de mangas, assumindo a
unicidade de obra-artista, além de criar um espaço possível para a criação
artística. Em entrevista ao canal RTP, para a jornalista Raquel Santos, em
2005, a artista Helena Almeida, em seu ateliê, afirmou que, ao tornar a obra
vestível e ao ser fotografada com ela, não pretendia mostrar uma possível
relação do espectador com a artista ou com a obra e que, por esse motivo,
escolheu como fotógrafo seu companheiro Artur Rosa, pois assim seria
como ser fotografada por ela mesma. Ou seja, não existe relação da obra
com o público, naquele momento, mas sim entre ela própria (pintora) e o
quadro (obra), que passariam a ser unos, a mesma coisa. De acordo com
Sardo (2009), em Tela Rosa Para Vestir Helena Almeida cria
possibilidades dentro da arte em relação ao corpo do artista, como por
exemplo:
Se a pintura se transubstanciasse num corpo? E se esse corpo materializasse o eterno
problema da arte, a relação entre o que é representado e o processo de representação, a partir
do mecanismo mais evidente, fazendo com que o tema fosse convertido no próprio método
por si personificado? Essa possibilidade, tão clara que a sua complexidade parece poder
passar despercebida, abre-se a partir desta imagem, na qual o corpo representado ainda possui
uma identidade – e, portanto, a felicidade da descoberta (Sardo 2009, p. 2).

Ainda segundo este autor, mesmo quando Helena Almeida escolheu


outro método de interagir com a pintura (primeiro vestindo um quadro e
depois mostrando para o espectador uma imagem fotográfica), a artista não
pretendia um abandono da pintura, pois ela continuou a usá-la. Todavia, o
seu processo artístico foi sendo orientado para a utilização da fotografia
como forma de materializar os temas que lhe seriam perenes: a
corporalidade, o espaço real e a relação com o espaço de representação, o
lugar e a ação.
A tela converte-se numa figura antropomórfica. Comecei até colocar a tela sobre mim, a
vestir-me com ela. Eu era o meu trabalho. Não existia distinção entre a tela, o plano da tela e
eu. Não havia distinção entre o exterior e o interior. Tudo estava em tudo, e eu compreendi
isso, que era global, que a tela estava totalmente em mim, do mesmo modo que eu estava
totalmente na tela (Molina, 2005, p. 12).

A artista portuguesa está apontando para o outro sujeito da pintura, que


pretendia não ser visto com a forma tradicional do pictórico, mas que se
constitui, no entanto, como um vínculo com a realidade do material do
suporte. Helena Almeida começa a situar-se face ao dentro e ao fora da tela
- contudo o “lado de fora” não é, exatamente, o contrário do “lado de
dentro”, assim como o objeto não será o contrário da pintura. Em Tela Rosa
Para Vestir (1969) ocorre uma nova disposição da artista e da tela no
espaço, surge uma tela habitada e absorvida por um corpo que se apresenta
como uma possível fuga e, ao mesmo tempo, um abraço aos limites do
formato da tela.
Na série Seduzir (2000-2002), o vestuário pode ser analisado novamente
a partir dos retratos, nas imagens de Helena de vestido e com sapatos de
salto alto, por vezes também descalça ou com os sapatos amarrados nas
pernas, com os pés pintados e entrelaçados com fios, imagens que podem
provocar no espectador reflexões sobre as “obrigações femininas”, por
vezes cruéis, como usar saltos altos que machucam, ou como a sedução que
exige sacrifícios e prende a mulher com arames. Helena calça e descalça os
sapatos, faz poses, enrola-se e deixa-se enrolar, reduzindo a própria
mobilidade; há tinta na sola de seus pés e no chão. O conjunto é formado
por fotografias com dimensões grandes, impressas em escala próxima
àquela de quem supostamente as observa; as imagens oferecem um
repertório conciso de movimentos feitos pela artista, em pé e calçando
sapatos de salto alto.
A intenção primeira e declarada de Helena Almeida em Seduzir é
mostrar a leveza, os movimentos e os pesos por meio das imagens
fotográficas43. Contudo, pode-se perceber um outro viés, ligado à
representação feminina cultural e social, pois o sujeito da imagem está
inserido em um contexto no qual o espectador tem relação com o corpo e
com o vestuário, tornados obras de arte, quando acontece que as aparências
do corpo vestido podem ser tomadas como alicerces de construções
identitárias.
Nos palcos de exposição do sujeito, integram a cena não somente os modelos prescritos de
corpo, mas também os prescritos para a indumentária, e os tipos de articulação que o sujeito
realiza no processamento do corpo vestido vão talhar a construção de sua aparência, na qual
intervém a sua concepção de mundo, de vida, seus anseios e seus valores (Oliveira; Castilho,
2008, p. 94).

Assim, a relação do corpo com o vestuário estaria ligada à definição da


aparência, da identidade e dos valores que expressam um determinado
conteúdo para os demais corpos. Um signo convencional de feminilidade
que, de acordo com Butler (2003), “não há como recorrer a um corpo que já
não tenha sido sempre interpretado por meio de significados culturais.”
(Butler, 2003, p.27), como no caso do salto alto e do vestido que Helena
Almeida usa e com os quais se apresenta nas imagens fotográficas. O salto
alto tem a caraterística feminina, inteligível ao espectador quando
relacionada ao título da obra: Seduzir. O espectador assim recebe a
autorização para a afirmação de um estereótipo de mulher sensual, mesmo
que o salto não seja tão alto e o vestido usado não seja tão curto, próximo
ao corpo ou que nem mostre demais algumas partes do corpo.
O sapato de salto alto altera a postura corporal, ele ergue o calcanhar e
com esses saltos os calçados imprimem, esteticamente, a ilusão de pernas
longas, mais esguias, supostamente mais femininas. De acordo com Diana
Crane (2006), socióloga do vestuário e da moda, algumas peças constroem
simbolicamente atitudes de determinados gêneros:
Judith Butler teoriza que o gênero é comunicado através de desempenhos sociais que
envolvem, por exemplo, a adoção de certos estilos de vestimenta e tipos de acessórios e
maquiagem, mas que o Eu não é inteiramente masculino ou feminino. Entretanto, no final do
século XX, os ideais hegemônicos de comportamento e aparência de gênero apropriados
ainda permaneciam bastante diferentes para cada um dos gêneros. Algo central para o
conceito de hegemonia é a ideia de que as definições hegemônicas de realidade, normalidade
e dos padrões parecem “naturais” e incontestáveis (Crane, 2006, p. 51).

O salto alto é uma peça pertencente hegemonicamente ao guarda-roupa


feminino44, e pode alterar significados conforme aparece ao público que
observa quem está vestido e como. Assim, quando Helena está usando salto
alto está representando, no imaginário social, uma mulher forte e sexy, e,
quando descalça os sapatos, a mesma mulher muda sua posição contextual,
pode estar sugerindo descanso, entrega ou o desnudar-se. O que não se
altera é a representação da feminilidade dada a partir do sapato de salto e,
igualmente, do vestido.
Na mesma série, numa outra imagem de Helena Almeida (imagem 6),
dentre outras fotografias, um fio de arame é enrolado em um de seus
tornozelos e sua extremidade livre e longa é deixada estendida sobre o piso,
desaparecendo do campo das imagens criadas. Esses fios de arame
¨Sugerem, dessa forma, quase uma extensão protética que desdobra o corpo para um lugar
além daquele que as fotografias podem captar. Em ao menos uma delas, porém, a ponta solta
do arame é vista amarrada ao pé de um banco alto de madeira, numa alusão mais clara à
proximidade entre as naturezas da carne viva e de matérias inertes. Outras dessas imagens
exibem, ainda, um fio menor de arame envolvendo suas pernas (sejam as duas, seja uma só
delas), tendo as extremidades, no mais das vezes, seguras por suas mãos ou nelas enroscadas.
Em vez de ferir, o arame aqui se adocica e acaricia a pele, sugerindo o desfazer simbólico dos
limites de mãos, fio e pernas, e a recriação do que é a superfície corpórea (ANJOS, on-line,
2018).

Apesar do título da série (Seduzir) e das imagens de uma mulher sexy


com salto alto, onde Helena Almeida pretende explorar o espaço e as
formas, associando o título do trabalho às estratégias de encanto corporal -
posto que encenam poses que, convencionalmente, buscam atrair a atenção
de quem as contempla – existe algo mais, além do óbvio. Em entrevista, a
artista Helena explica o uso da cor vermelha que aparece em algumas cenas
pintadas na sola do pé:
Uso o vermelho para especificar outras situações, como a de peso. É a mão que leva o
vermelho até à tela que vou tocar, porque quero explicar que há dois espaços. Há este espaço
e aquele espaço. O espaço do espectador e o meu, que também é o do espectador. Aí tinha de
ser vermelho para haver peso (ALMEIDA, entrevista Expresso).

Juntamente com as imagens apresenta-se um vídeo em que Helena


mostra o processo “Abdicando da tentação de construir uma narrativa”. Nas
imagens filmadas ela parece apenas medir e apreender, com a representação
repisada de gestos comuns, a extensão da área imprecisa que seu corpo
ocupa:
Demonstra, por meio dessa operação simples, que as fotografias que formam a
série Seduzir são apenas momentos de um embate maior e incessante em que mãos, pés, a
roupa que veste e os sapatos que calça e tira são usados para demarcar, relacionalmente, um
espaço que, a despeito de todo esforço, não se deixa apreender totalmente. Espaço, entretanto,
que ela teima em percorrer e registrar, como se empenhada em seduzir aquilo que não se
entrega por inteiro (ANJOS, on-line, 2018).

A pretensão de estudo dos movimentos, do espaço arquitetônico, da


discussão sobre espacialidade na arte é o que parece realmente importar
quando a artista apresenta o vídeo, bem como em sua fala na entrevista ao
jornal Expresso, para a jornalista Cristina Margato, em 2016, ao dizer que,
mesmo com toda situação que estava vivenciando quando realizou esta
série, ainda o que restara ao espetador era trabalho artístico pretendido
(estudo do peso e do espaço na arte). O momento a que Helena Almeida se
refere é importante para relacionar sua obra com as questões de gênero45,
percebendo como algumas imposições sociais às mulheres podem ser
cruéis, como no caso da doença terminal da sua irmã, que a própria artista
Helena relata:
É verdade. Sim, sim, pensava muito nela. Foi nessa altura. Até lhe dediquei a exposição do
CCB. Lembro-me de ela deitar sangue da boca. De estar a falar com ela e de ela estar toda
aprumada, toda arranjada, toda pintada e a deitar sangue. Foi horrível. Ela teve uma morte
horrível. No entanto, esteve sempre muito aprumada (Margato; Carvalho, Expresso, 2016).

A mulher de salto alto, que parece presa, ou enrolada nas pernas,


impossibilitando seu caminhar e, ainda, a relação dessa prisão com a
sedução, se parece, de forma cruel, com a necessidade social de estar
sempre “arranjada”, bem-vestida, mesmo em uma situação de grave doença.
Se, historicamente, as mulheres tinham como uma maneira de poder a
beleza, em comparação com a força masculina, segundo a escritora Naomi
Wolf (1992), mesmo após as revoluções feministas e o aumento de alguns
direitos das mulheres, a imposição estética continua forte contra e sobre a
mulher.
A reação contemporânea é tão violenta, porque a ideologia da beleza é a última das antigas
ideologias femininas que ainda tem o poder de controlar aquelas mulheres que a segunda
onda do feminismo teria tornado relativamente incontroláveis. Ela se fortaleceu para assumir
a função de coerção social que os mitos da maternidade, domesticidade, castidade e
passividade não conseguem mais realizar. Ela procura neste instante destruir
psicologicamente e às ocultas tudo de positivo que o feminismo proporcionou às mulheres,
material e publicamente (Wolf, 1992, p. 13).

A pressão sobre a necessidade de estar “toda pintada”, maquiada e bem-


vestida sobressai e se impera sobre a situação da saúde feminina. Como nas
imagens de Helena, a mulher calça sapatos altos e enrola-se em fios, está
impossibilitada de maior movimento, de certo modo limitada e aprisionada.
Assim, mesmo que somente na obra Sim, depois a pessoa esquece-se, algo
passa a ser um trabalho. “Já não se vê mais a minha irmã. Já é o trabalho” –
diz Helena. A respeito da imposição da sedução, da beleza feminina nos
símbolos do sapato e do vestido, ainda falando sobre a irmã, Helena
comenta, na mesma entrevista: “Ela teve uma morte horrível. No entanto,
esteve sempre muito aprumada. Talvez fosse isso, sim. Acho que deve ter
sido.”
Duas mulheres e potenciais abordagens para explorar a arte e o
corpo
Nas criações das artistas, Lygia Clark e Helena Almeida, o corpo e o
espaço da arte convergem e se afastam, delineando duas abordagens
distintas para explorar significados ligados às questões individuais e
coletivas das mulheres. Enquanto Lygia Clark atuou como professora na
Faculté d’Arts Plastiques St. Charles, em Sorbonne, onde se dedicou a
trabalhos focados nas vivências criativas com ênfase no sentido grupal e
pesquisa de objetos sensoriais com seus alunos (Carneiro, 2004. p. 191),
Helena Almeida, por sua vez, explorou a interação entre arte e artista,
desafiando os limites físicos do pintor e de sua tela.
As aulas de Lygia Clark tinham um caráter de livre discussão, onde todos
os participantes tinham suas opiniões ouvidas e aplicadas, promovendo um
ambiente sem hierarquia. Ela desempenhava o papel de orientadora para
seus alunos, usando objetos como instrumentos para alcançar uma
compreensão inovadora do corpo. Tal abordagem se alinha com o teor de
seu texto “Somos os Propositores”, publicado pela artista em 1968, no qual
ela enfatiza: “Nós somos os propositores: nós fornecemos o molde, e cabe a
você preencher com o sentido de nossa existência”. Isso destaca o papel do
artista em instigar a reflexão, enquanto ao público é conferida a
responsabilidade de contribuir com significados e ações.
Por outro lado, Helena Almeida explora a interseção entre o corpo e a
obra de arte de maneira distinta. Em suas obras, ela se veste como parte da
obra, quebrando as fronteiras entre artista e arte. Em “Seduzir”, a presença
de peças de vestuário nos quadros/fotografias oferece uma análise dos
espaços arquitetônicos, da fluidez dos movimentos e das conotações
culturais associadas às roupas. Além disso, essas obras exploram a relação
estética da mulher com a moda e com a sociedade em geral. Helena
Almeida também compartilha histórias pessoais que ecoam na composição
de suas obras, como quando ela relembra a situação de sua irmã e como
essa experiência influenciou seu processo criativo.
Através de suas distintas abordagens, Lygia Clark e Helena Almeida
revelam como a arte pode ser um veículo para a exploração do corpo, do
espaço e das complexidades da experiência feminina. Suas obras ressoam
com as interseções entre criação artística, identidade de gênero e contexto
social, destacando a importância das múltiplas perspectivas na arte.
existência de um mundo da arte significava que arte era uma atividade
coletiva baseada em compromissos comuns às convenções artísticas que
definiam o que era considerado como arte em um período específico e
como deveria ser produzida (Crane, 2009, p. 333).
A presença de um universo artístico implicava que a arte constituía uma
atividade coletiva fundamentada em compromissos compartilhados pelas
convenções artísticas. Essas convenções definiam o que seria reconhecido
como arte em um período específico e como deveria ser concebida. A
história da arte, quando examinada através da pesquisa sobre artistas
mulheres, está contribuindo para a introdução de uma perspectiva renovada
e para a inclusão de um grupo que estava marginalizado das discussões.
43 Conversa galeria Filomena Soares.
44 Os homens usavam saltos altos antes das mulheres. Eram usados tanto para aumentar a estatura como em
botas para cavalgadas (Cox; Klepac, 2013, p. 65).
45 Quando a ‘cultura’ relevante que ‘constrói’ o gênero é compreendida nos termos dessa lei ou conjunto de
leis, tem-se a impressão de que o gênero é tão determinado e tão xo quanto na formulação de que a
biologia é o destino. Nesse caso, não a biologia, mas a cultura se torna o destino (Butler, 2003, p. 26)
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WOLF, Naomi. O mito da beleza. Tradução: Waldéa Barcellos. Rio de
Janeiro: Rocco, 1992.
SOBRE OS AUTORES
Carlo Romani
É doutor em História Cultural pela Universidade de Campinas, Unicamp
(2003). Desde 2010 é professor de História do Mundo Contemporâneo no
Departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Unirio, atuando nos cursos de graduação e de pós-graduação.
Coordena o Grupo de Pesquisa em História Global na mesma instituição.
Foi pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Cebrap,
com estágio pós-doutoral no Centre des Archives d’Outre-Mér, CAOM, na
Universidade de Aix-en-Provence (2006). Trabalha com o período
contemporâneo da História Global, com ênfase nas áreas de história social e
cultural, pesquisando, entre outros temas, a migração transatlântica, as
fronteiras sul-americanas e o transnacionalismo do movimento anarquista.
Flavia Jakemiu Araújo Bortolon
Doutora e Mestre em história pela Universidade Federal do Paraná, com
pós-doutorado em História da Arte na Universidade NOVA de Lisboa, pós-
graduação em Moda: comunicação e produto pela Universidade Estadual de
Maringá, Bacharelado em Comunicação Social- Jornalismo pela
Universidade Cesumar de Maringá e licenciatura em História pela
Universidade Estadual de Maringá. Na área de moda possui curso técnico
em Desenho de Moda pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
de Maringá, curso de Branding e Marketing de Moda Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial, ministrou também a disciplina de História da
Moda no Ciclo de Minicursos Online da Universidade Federal do Paraná e
realizou trabalho voluntario no Museu Nacional do Traje em Lisboa.
Frantieska Huszar Schneid
Doutora (2020) e Mestre (2015) em Memória Social e Patrimônio Cultural
pela Universidade Federal de Pelotas. Especialista em Docência na
Educação Profissional pela Faculdade de Tecnologia Senac-Rs. Possui
graduação em Curso Superior de Tecnologia em Moda e Estilo pela
Universidade de Caxias do Sul (2007). Atualmente é docente dos Cursos:
Técnico em Vestuário e Tecnólogo em Design de Moda, ambos do Instituto
Federal Sul-rio-grandense. Desenvolve pesquisas em fotografias, com
enfoque na relação memória e indumentária. Representante local da cidade
de Pelotas - RS do movimento Fashion Revolution. Autora do livro
“Vestidos da Memória: registros de casamento em um álbum de família”.
Gabrielle Mello
Obteve sua Licenciatura em História pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro, Unirio, (2023). Atualmente está concluindo o curso de
Design de Moda pela Escola Britânica de Artes Criativas & Tecnologia,
EBAC. Acredita que a moda detém o poder da expressão e
representatividade que a História se propõe a desvendar. Atua
profissionalmente em áreas relacionadas à arte, dança e idiomas. Gabrielle
Mello também é professora de inglês com o método CLIL, acreditando que
o aprendizado pode ser adquirido por diversos métodos e de formas
diferentes.
Guilherme Telles da Silva
Historiador e Pedagogo. Doutorando pelo programa de Pós graduação em
História da Universidade Estadual de Maringá (CAPES, Conceito 4), linha
de pesquisa: Fronteiras, Populações e Bens Culturais. Possui graduação e
mestrado pela mesma instituição (2010) e pós graduação em Gestão Escolar
pelo instituto Rhema (2016). Coordenador do Laboratório de Estudos e
Pesquisa em História, Moda e Cultura (LA MODA).
Ivana Aparecida Marques Cunha
Graduada em História pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) –
Campus de Paranavaí (2014 - 2017) e mestre (2018-2020) e doutoranda
(2021-2024) pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Desenvolve pesquisas nas áreas de história
das mulheres e história da América Latina. Integrante do Laboratório de
Estudos e Pesquisa em História, Moda e Cultura (LA MODA).
E-mail: ivanamarquess19@gmail.com
Ivana Guilherme Simili
É doutora em História pela Unesp (Assis, SP). É professora do programa de
pós-graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (PPH-
Uem), atuando na linha de História, cultura e narrativas. Desenvolve
pesquisas e orientações nas áreas temáticas de indumentárias, moda e
gênero, explorando fontes e metodologias de análises em documentos
escritos e imagéticos. Fez pós-doutorado em Design de moda na IUAV
(Universitá di Venezia, Itália). Coordena o Laboratório de Moda, História e
Cultura (LA-Moda, UEM).
Laiana Pereira da Silveira
Doutoranda em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPel), pesquisa
financiada pela CAPES (2023-2026). Mestre em Memória Social e
Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (2022), pesquisa
financiada pela CAPES (2020-2022). Possui graduação no Curso Superior
de Tecnologia em Design de Moda pelo Instituto Federal Sul-Rio-
Grandense campus Pelotas Visconde da Graça (2018) e é formada no curso
Técnico em Vestuário (2012) pela mesma instituição. Pesquisa os seguintes
eixos temáticos: vestuário e memória, vestuário e cultura material, vestuário
e identidade, vestuário esportivo.
Larissa Klosowski de Paula
Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal da Grande Dourados / UFGD (Turma 2018/2022).
Mestre em Ensino pelo Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Ensino:
Formação Docente Interdisciplinar da Universidade Estadual do Paraná /
PPIFOR (UNESPAR - Campus de Paranavaí). Integrante Grupo de Estudos
e Pesquisas em Ensino, História e Educação (GEPEHED) da Universidade
Federal da Grande Dourados / UFGD e do Laboratório de Aprendizagem e
Ensino de História (LAEH) da Universidade Federal de Pernambuco /
UFPE. Desenvolve pesquisas nas áreas de ensino de história, história e
historiografia do ensino de história, e suas interfaces com a história das
mulheres. Professora da Rede Básica de Ensino do Estado do Mato Grosso.
E-mail: larissa_klosowski@hotmail.com
Letícia Fernochi
Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Londrina
(2009). Especialização em Metodologia do Ensino Superior (2010) pela
Universidade Norte do Paraná e especialização em Educação Especial:
atendimento às necessidades especiais (2012) pela Faculdade Integradas do
Vale do Ivaí. Desde 2010 leciona a disciplina de História em Colégios
Estaduais no Paraná atualmente está vinculada como quadro próprio do
magistério (QPM) ao Colégio Estadual Olavo Bilac na cidade de Cambé
(PR). Mestre em Ensino de História pelo programa ProfHistória polo da
Universidade Estadual de Maringá desenvolvendo a pesquisa “Moda e
ensino de história: a Primeira Guerra Mundial por meio do Jornal das
Moças”. Doutoranda em História pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM) com pesquisa relacionada a moda e imprensa: a presença feminina
nos periódicos durante a participação brasileira na segunda guerra mundial.
Maria Vandete de Almeida
Licenciada em História pela Universidade Federal de Alagoas (2003).
Especialista em Desenvolvimento de Sistemas para Web (2007), Mestre em
História (2014) e atualmente doutoranda em História pela Universidade
Estadual de Maringá. Atua em projetos de ensino, pesquisa e extensão.
Possui vivência no desenvolvimento de pesquisas, participação e assessoria
na organização de eventos, elaboração e execução de projetos educacionais
e socioculturais. Experiência na área de Educação, com ênfase em
Educação e informática, atuando principalmente nos seguintes temas:
educação, educação a distância, comunicação digital, extensão e cultura,
conhecimento e arte, sociedade contemporânea, sociedade da informação,
tecnologias da informação e comunicação, inclusão social e digital,
cibercultura, história e política, movimentos e redes sociais.
Paula Piva Linke
Atua como docente do curso de Moda da Universidade Estadual de
Maringá, no campus de Cianorte. Doutora em Ciência Ambiental pelo
Procam (USP) com bolsa Capes, desenvolve pesquisa na área do Moda e
Sustentabilidade. Mestre em História pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Graduada em Moda pelo Cesumar, com especialização em
História e Sociedade (UEM) e, Especialização em Moda (CESUMAR).
Atua como professora nas áreas de gestão ambiental em administração,
assim como design, tecnologia têxtil e história da moda em cursos de moda.
Pedro Covre Marchiori
É graduado em História pela Universidade Estadual de Maringá - UEM e
atualmente mestrando em História, Cultura e Narrativas pelo Programa de
Pós-graduação em História (PPH) da Universidade Estadual de Maringá -
UEM. A área de pesquisa em que está inserido é a História Cultural,
englobando temas como cultura popular, carnaval brasileiro, escolas-samba,
o samba, cultura afro-brasileira, e religiosidades.
ÍNDICE REMISSIVO
A
ADAMS, Christine 25, 26, 27, 28, 29, 35
Área de linguagens 73, 75, 76, 79
C
Carnaval das escolas 13, 93, 94
Consolidação do espaço 37, 41, 42, 43, 44, 49, 53
Culturais e políticos 16, 49, 128, 129, 132, 134
D
Década de 19, 37, 38, 39, 40, 43, 44, 45, 47, 48, 50, 51, 80, 107, 109, 111,
114, 145, 174, 177, 178, 179
Diário popular 15, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 175
E
Ensino de história 10, 12, 13, 14, 15, 17, 55, 56, 59, 64, 86, 93, 97, 102,
105, 107, 109, 113, 116, 117, 118, 120, 173, 175, 178
Ensino médio 9, 11, 13, 37, 40, 48, 59, 60, 62, 65, 72, 73, 75, 76, 88, 89, 90
Escolas de samba 13, 93, 94, 95, 96, 102, 103, 105
Espaço público 48, 50, 79, 81, 83, 87, 88, 133
Espaço urbano 37, 40, 41, 42, 43, 44, 48, 49, 53
Eva Perón 12, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 86, 87,
88, 89, 90, 91
G
Guerra mundial 12, 13, 48, 59, 60, 63, 65, 69, 70, 87, 135, 137, 138, 139,
141, 142
H
Helena Almeida 14, 15, 18, 177, 178, 179, 181, 182, 183, 184, 185, 186,
187, 188, 189, 190, 191
História da cidade 11, 41, 43, 44, 52, 53
História da moda 11, 19, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 49, 53, 55, 59, 72, 74,
81, 113, 128, 137, 138, 147
História dos homens 37, 38, 41, 50, 56, 57
J
Jornal das Moças 13, 59, 60, 61, 62, 64, 68, 69
L
LA HAYE, Amy 136, 137, 138, 142
Lygia Clark 14, 15, 177, 178, 179, 180, 181, 186, 187, 188, 189, 190
M
Madona dos descamisados 73, 78, 82, 83, 84, 89
Material e imaterial 40, 42, 65, 75, 108
MELLO E SOUZA, Gilda 18, 52, 56, 133, 142
Memória da cidade 42, 46, 47, 49, 50, 51, 53
MENDES, Valerie 5, 56, 136, 137, 138, 142
Modos de vestir 12, 47, 129, 144, 147, 170
N
Novo ensino médio 11, 37, 59, 60, 72, 88, 89
P
Primeira guerra 12, 13, 59, 60, 63, 65, 69, 70, 137
R
Revista Mundo Peronista 73, 75, 78, 84, 90
Rio de Janeiro 35, 55, 56, 61, 64, 65, 66, 68, 69, 71, 89, 91, 93, 94, 96, 101,
102, 104, 105, 120, 121, 141, 142, 171, 172, 173, 188, 189, 191
S
Sala de aula 10, 11, 12, 13, 14, 16, 23, 37, 39, 40, 41, 50, 61, 63, 64, 68, 98,
102, 103, 117
São Paulo 18, 21, 36, 55, 56, 57, 64, 69, 71, 72, 90, 91, 119, 120, 121, 123,
141, 142, 171, 172, 173, 174, 175, 188, 189, 190
SCHNEID, Frantieska Huszar 14, 15, 143, 151, 152, 153, 154, 155, 156,
157, 158, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 174
Século XX 44, 47, 49, 53, 60, 69, 87, 91, 107, 109, 118, 138, 142, 146, 147,
150, 180, 183
Segunda guerra 48, 87, 135, 138, 139, 141, 142
Sistematização das fotografias 153, 154, 155, 156, 157, 158, 162, 168, 169
Sistematização dos trajes 159, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168
Sociais e culturais 13, 37, 42, 53, 107, 124, 128, 133
Sociedades e culturas 128, 129, 130, 131
U
Universidade Estadual de Maringá 9, 13, 59, 90, 93, 107, 119
SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)

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