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Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Alexandre Martins de Araújo


Aurélio Inácio Faria
Renilson Pereira de Freitas Junior
Leandro Garcia Costa
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

QUASE UM LIVRO:
narrativas didáticas para o ensino de história

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2022
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Ilustrações: Gustavo P. Lima
Revisão: Os Autores

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CATALOGAÇÃO NA FONTE

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização


Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506

Q1

Quase um Livro: narrativas didáticas para o ensino de história / Alexandre Martins de


Araújo, Aurélio Inácio Faria, Renilson Pereira de Freitas Junior, Leandro Garcia Costa – Curitiba :
CRV, 2022.
226 p.

Bibliografia.
ISBN Digital 978-65-251-2335-6
ISBN Físico 978-65-251-2334-9
DOI 10.24824/978652512334.9

1. Educação 2. Ensino de História 3. Ensino Fundamental 4. Formação de Professores


I. Araújo, Alexandre Martins de. II. Faria, Aurélio Inácio III. Freitas Junior, Renilson Pereira de
IV. Costa, Leandro Garcia V. Título VI. Série

CDU 930 CDD 907


Índice para catálogo sistemático
1. Educação – ensino de história – 907

ESTA OBRA TAMBÉM SE ENCONTRA DISPONÍVEL EM FORMATO DIGITAL.


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2022
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Adriane Piovezan (Faculdades Integradas Espírita)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Alexandre Pierezan (UFMS)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Andre Eduardo Ribeiro da Silva (IFSP)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Antonio Jose Teixeira Guerra (UFRJ)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Carlos de Castro Neves Neto (UNESP)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Carlos Federico Dominguez Avila (UNIEURO)
Celso Conti (UFSCar) Edilson Soares de Souza (FABAPAR)
Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional Eduardo Pimentel Menezes (UERJ)
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Três de Febrero – Argentina) Euripedes Falcao Vieira (IHGRRGS)


Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Fabio Eduardo Cressoni (UNILAB)
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Élsio José Corá (UFFS) Jussara Fraga Portugal (UNEB)
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Karla Rosário Brumes (UNICENTRO)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Leandro Baller (UFGD)
Gloria Fariñas León (Universidade Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO)
de La Havana – Cuba) Luciana Rosar Fornazari Klanovicz (UNICENTRO)
Guillermo Arias Beatón (Universidade Luiz Guilherme de Oliveira (UnB)
de La Havana – Cuba) Marcel Mendes (Mackenzie)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ) Marcio Jose Ornat (UEPG)
João Adalberto Campato Junior (UNESP) Marcio Luiz Carreri (UENP)
Josania Portela (UFPI) Maurilio Rompatto (UNESPAR)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS) Mauro Henrique de Barros Amoroso (FEBF/UERJ)
Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO) Michel Kobelinski (UNESPAR)
Lourdes Helena da Silva (UFV) Rafael Guarato dos Santos (UFG)
Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US) Rosangela Aparecida de Medeiros
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar) Hespanhol (UNESP)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC) Sergio Murilo Santos de Araújo (UFCG)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA) Simone Rocha (UnC)
Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG) Sylvio Fausto Gil filho (UFPR)
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG) Valdemir Antoneli (UNICENTRO)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES) Venilson Luciano Benigno Fonseca (IFMG)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Vera Lúcia Caixeta (UFT)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO
BATE-PAPO COM OS PROFESSORES ....................................................... 9
Os autores

APRESENTAÇÃO
UM ENCONTRO PRA LÁ DE DIDÁTICO .................................................... 11
Alexandre Martins de Araújo
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PARTE I
AS BASES PARA UMA HISTÓRIA AMBIENTAL
NO ENSINO FUNDAMENTAL ...................................................................... 17
Alexandre Martins de Araújo

PARTE II
A HISTÓRIA COMO OFÍCIO E O ENSINO
DA HISTÓRIA INDÍGENA NA ESCOLA ....................................................... 67
Aurélio Inácio Faria

PARTE III
ADOTANDO A TEMÁTICA GÊNERO E
SEXUALIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA............................................. 113
Renilson Pereira de Freitas Júnior

PARTE IV
PARA ENSINAR HISTÓRIA DAS
DOENÇAS NO ENSINO FUNDAMENTAL................................................. 145
Leandro Garcia Costa

REFERÊNCIAS E ANEXOS

REFERÊNCIAS PARTE I ............................................................................ 179

ANEXO A
QUESTIONÁRIO PARA ALUNOS DO 8º E 9° ANO .................................. 185

ANEXO B
BATE-PAPO COM OS ALUNOS E
ALUNAS ENVOLVIDOS NO PROJETO..................................................... 187

ANEXO C
MINI CAUSOS ............................................................................................. 191
ANEXO D
MAPA ETNOBOTÂNICO ............................................................................. 197

REFERÊNCIAS PARTE II ........................................................................... 203

REFERÊNCIAS PARTE III .......................................................................... 207

REFERÊNCIAS PARTE IV .......................................................................... 211

COLEÇÕES DIDÁTICAS DO PNLD 2019 ................................................. 213

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ANEXOS PARTE IV ..................................................................................... 215

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................... 223


BATE-PAPO COM OS PROFESSORES
A vocês, professores e professoras de história, que nos leem agora, que-
remos dizer, inicialmente, que muito nos honra a presença de vocês nesse
nosso brevíssimo enredo didático, cujas tramas se desenrolam no cotidiano
escolar de quatro professores de história, mais especificamente, durante suas
tentativas de produzirem alternativas didáticas para o ensino de História na
educação fundamental.
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Por coincidência, só depois que iniciamos nosso trabalho, foi que nos
demos conta de que as quatro temáticas que nos propomos a ensinar, e que
compõem esta nossa trama, sofrem de um mesmo infortúnio, qual seja, sem-
pre estiveram às margens nos livros didáticos. Tais temáticas são as seguintes:
ensino de história ambiental; história indígena; gênero e sexualidade; e his-
tória das doenças.
Desnecessário comentar aqui as formas como, atualmente, as questões
intrínsecas a esses quatro eixos temáticos têm ganhado as várias agendas
em nossa sociedade. Por isso, a urgência em incorporá-los, com a devida
importância que merecem, nas práticas do ensino de história no âmbito da
educação fundamental.
Os quatro autores deste ensaio, ou melhor, as quatro personagens, se
acham ligadas ao PROFHISTÓRIA – Mestrado Profissional em Ensino de
História, por meio dos seguintes vínculos: Alexandre, na condição de professor
do programa; Renilson, Aurélio e Leandro, os mestrandos.
Por fim, esperamos que a leitura das experiências que aqui deixamos
registradas possa contribuir tanto com a valorização dessas temáticas na
prática do ensino de História, como na construção de novas e renovadas
inventividades didáticas.

Os autores
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APRESENTAÇÃO
UM ENCONTRO PRA LÁ DE DIDÁTICO
Alexandre Martins de Araújo

Em meados de maio de 2021, recebi da professora Heloisa Capel um


carinhoso convite para produzir um livro a fim de compor a coletânea do
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PROFHISTÓRIA, especificamente, o volume II dos Cadernos Didáticos.


Imediatamente após aceitar o convite, comecei a matutar sobre qual
formato deveria dar ao livro. Embora eu ainda não tivesse a menor ideia de
onde começar, me animava o fato de ter recebido “carta branca” para criá-lo
da maneira que achasse melhor.
A concepção de uma obra é sempre a parte mais difícil. Disso, eu já sabia.
Então, pensei: já que eu ainda não tenho uma ideia sobre como deverá ser o livro,
quem sabe, pelo menos, tenha alguma ideia sobre como eu não quero que ele
seja. Quanto a isso, nem precisei me esforçar, pois, tudo o que eu não queria era
dar vida a um daqueles livros, pra lá de acadêmico, em que você (organizador),
estabelece um tema contextual, estende o convite para submissão de artigos,
seleciona aqueles que julgar mais adequados e pronto, tá feito o livro.
Ter a certeza sobre o tipo de livro que eu não queria me ajudou a definir
quem eu deveria convidar para esta empreitada. Convidei, então, Renilson,
Leandro e Aurélio: três amigos, constantemente enveredados educação aden-
tro, caçando melhores maneiras de criar e lidar com o bicho do conhecimento.
Marcamos, então, uma primeira reunião, a fim de discutir tanto sobre a
estrutura do livro, como sobre a distribuição de nossas tarefas.
E lá estávamos, 14 h em ponto, no maior-menor lugar do mundo, uma
sala virtual.
O pontapé inicial de nossas conversas se deu quando Leandro levantou a
questão sobre como deveríamos adequar os temas escolhidos às expectativas
do programa. Sobre o projeto do ProfHistória, Renilson destacou quatro obje-
tivos do projeto que, na sua opinião, eram de grande importância: A “formação
continuada aos professores docentes de história da educação básica”; a “busca
por inovação na sala de aula”; os “diferentes usos da informação de natureza
histórica” e a “superação dos distanciamentos entre o ensino escolar de história
e as inovações trazidas pelas pesquisas dos programas de pós-graduação”.
Refletimos bastante sobre a importância de darmos materialidade a cada um
daqueles quatro objetivos como caminhos para superação dos profundos défices
de qualidade acumulados pelo ensino de história no âmbito da educação básica.
12

Um de nós, então, matutou:

Se esses objetivos estão na base do


programa, certamente deve haver
uma boa quantidade de artigos e
livros discutindo cada um deles.
Podemos fazer um levantamento
bibliográfico, para termos uma ideia
sobre como essas questões têm sido

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abordadas na academia.

Na sequência, outro colega completou:

Boa ideia! E após fazermos


esse levantamento,
poderemos pensar num eixo
temático capaz de
contemplar todas essas
questões

Nos detivemos em torno dessa ideia, mas, por fim, concluímos que o seu
produto não se afastaria muito daquele padrão de livro organizado em torno de
algum tema contextual. No máximo, produziríamos um tipo de inventário crítico
ancorado em alguns estudos dedicados ao enfrentamento de algumas questões
ligadas a um ou outro daqueles quatro objetivos. Assim, voltamos à estaca zero.
Naquela altura da reunião, nos vimos diante de uma encruzilhada desa-
fiadora: optar pelo modelo acadêmico convencional de “livro organizado”, ou
apostar as nossas fichas na criação de um livro que, não apenas transgredisse
tal modelo, mas, e principalmente, pudesse converter tal transgressão numa
ferramenta apropriada à provocação de inventividades didáticas.
Aquela situação me fez lembrar das primeiras visitas que fiz, no iní-
cio de 2013, a algumas escolas municipais de Aparecida de Goiânia, por
ocasião do início das atividades de um projeto de extensão que coordenei
(e ainda coordeno) denominado Reativar: agroecologias e interculturali-
dades. Trata-se de um projeto de extensão em educação e História Ambien-
tal, voltado para a reativação de memórias bioculturais entre populações
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 13

periféricas, e sua recirculação nos espaços escolares por meio da inter-


venção no currículo da escola.
Assim, partilhei com os três colegas algumas de minhas lembranças,
especialmente aquelas sobre as enormes tensões que o projeto Reativar me
rendera durante os dois primeiros anos de sua implantação.
Foi divertido poder recordar das inúmeras e hilárias situações de resis-
tência que tive que enfrentar no âmbito das escolas. Mas, também, me encheu
de orgulho relembrar das saídas que eu e minha equipe encontramos para
contornar tais resistências, e, principalmente, das estratégias que criamos para
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manter escola e comunidade integradas ao projeto.


Na sequência, Leandro nos revelou situações análogas à nossa, e foi
emocionante ouvi-lo contar sobre os caminhos que percorreu até se tornar pro-
fessor de história. Ele nos disse que já assistia aulas de história antes mesmo
de vir ao mundo, acomodado no ventre de sua mãe, também professora de
História. E não deu outra. Ainda muito novo, se tornou professor de história
na rede estadual de ensino do estado de Goiás. Começou fazendo algumas
substituições, sempre incentivado por sua mãe a seguir a carreira docente. Em
1999, conseguiu o seu primeiro contrato no estado como Pró-labore (professor
estagiário), perdurando até a sua formação, em 2001. Em 2007, passou em
um concurso e foi lecionar em Águas Lindas de Goiás. Atualmente, Leandro
leciona história em uma escola de tempo integral em Goiânia (CEPI Joaquim
Edson de Camargo), no mesmo setor onde reside, Jardim Novo Mundo.
Depois, foi a vez de Aurélio contar pra gente sobre a sua história de
professor de história. Suas andanças como professor começaram em 1998,
nas redes particular e pública de ensino. Atualmente, é professor concursado
da rede estadual de ensino do estado de Goiás nas áreas de História, Língua
Portuguesa, Geografia e Educação Física, sendo lotado no Ensino fundamental
II e Ensino Médio, no Colégio Estadual Padre Nestor Maranhão Arzola, na
cidade de Buriti Alegre, Goiás. Embora tenha trabalhado na Educação Infantil
e no Ensino Superior, Aurélio optou por trabalhar com adolescentes, pois
considera essa faixa etária fundamental para o desenvolvimento da criticidade
e do exercício da cidadania, questões imprescindíveis ao ensino de história.
Sua formação plural e seu gosto pela arte têm lhe propiciado um amplo diá-
logo com outras áreas do conhecimento e outras linguagens na busca pela
inovação no ensino de História.
Por fim, foi a vez do jovem Renilson contar sobre as suas peripécias como
professor de história da rede de ensino básico do Distrito Federal.
Ele nos falou sobre o seu gosto pela profissão e dos problemas, de toda
ordem, que vê aflorar numa escola da periferia de Brasília. A respeito do ensino
de história, Renilson se lembrou, com pesar, daquela parcela de estudantes
14

desinteressados que ainda insiste em ver o ensino da história como uma mera
formalidade para conclusão de seus estudos.
Refletiu também sobre os níveis de interesse demonstrado pelos estudan-
tes em relação a determinados conteúdos de história e as possíveis relações
que isso teria tanto com questões de ordem pedagógica, quanto com questões
ligadas à formação continuada do próprio professor.
Ao final, Renilson recordou das muitas estratégias e recursos que pre-
cisou adotar em sala de aula, como forma de ampliar o interesse e desem-
penho de seus alunos.

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As recordações dele também nos arrancaram boas gargalhadas, pois nos
fizeram relembrar dos malabarismos que, invariavelmente, precisamos fazer em
nossas salas de aula, a fim de garantir uma ampla participação de nossos alunos.
Conversa vai, conversa vem, fomos redescobrindo, entre nós, experiên-
cias educacionais “do arco da velha”. Eram nossas próprias caminhadas pela
estrada da educação, repletas de escorregões, quedas e soerguimentos, coisas
que não se veem tão facilmente em livros que se ocupam de questões ligadas
à didática do ensino de história.
Tal percepção atravessou a nossa reunião como uma faca amolada: a
concepção que tanto buscávamos para o livro havia acabado de saltar, bem
ali na nossa frente, feito bicho acuado. Juntos, acumulávamos um manancial
de registros e experiências educacionais ligadas ao ensino de história, capaz
de inundar todos os espaços do nosso livro: Renilson, Leandro e Aurélio, com
suas incríveis vivências em sala de aula, e o projeto Reativar com, pelo menos,
oito anos de experiências em Pesquisa-Ação, pautadas por intervenções em
dezenas de ambientes reais (escolas e comunidades), produzindo diagnósticos,
materiais didáticos e soluções educacionais compartilhadas para a solução
dos problemas encontrados.
Numa palavra, o livro estava ali, chamando a gente para escrevê-lo. Sua
composição temática, ou mesmo a divisão de nossas tarefas, tornaram-se
etapas secundárias diante do vaivém de nossas narrativas, antes mesmo de
se tornarem partes efetivas de uma obra.
E para realização de tal empreitada, sabíamos que seria imperativo que
o seu conteúdo não fosse apresentado por meio de uma escrita do tipo aca-
demicamente depurada, ou seja, naquela tradicional sequência de ilações,
laconicamente distribuídas e teoricamente substanciadas, portanto, prontas
para serem consumidas por um tipo de leitor acostumado a conteúdos cuida-
dosamente emoldurados.
Estava decidido: ofereceríamos aos leitores a oportunidade de caminhar
pela pré-escrita do livro, por uma verdadeira narrativa de bastidores. Exa-
tamente por aqueles momentos tensos, escorregadios e criativos surgidos
nos momentos de nossas intervenções educacionais no âmbito das nossas
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 15

Pesquisa-ação. Um livro que não pode ter começo e nem fim, uma vez que
transforma o seu leitor numa personagem a mais de sua trama desafiando-o
a continuá-lo dentro do espaço escolar onde atua.

Então, quem será


o primeiro? Que tal por
ordem de idade?
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É isso aí, o mais velho


tem o direito. É de lei!

Tô vendo que não tenho escapatória.


Começarei, então, contando a vocês
sobre como surgiu o projeto Reativar:
agroecologias e interculturalidades.

É um projeto de
extensão?

Sim. E foi justamente durante a sua


execução, que comecei a preparar as
bases didáticas para se atuar com a
história ambiental no ensino
fundamental.
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PARTE I
AS BASES PARA UMA
HISTÓRIA AMBIENTAL NO
ENSINO FUNDAMENTAL
Alexandre Martins de Araújo
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Bem, em meados de 2009, submeti, para aprovação no conselho diretor


de minha unidade acadêmica, a criação de um núcleo de pesquisa denominado
NUHAI – Núcleo de História Ambiental e Interculturalidades. A necessidade de
criação de tal núcleo, foi caudatária de, pelo menos, duas situações: Uma feroz
batalha que precisei travar no âmbito do nosso programa de pós-graduação,
para que fosse aprovada a inserção do campo de História Ambiental na linha
de pesquisa a qual eu fazia (e ainda faço) parte, e a feliz coincidência de ter na
mesma linha de pesquisa dois amigos, os professores Leandro e Elias, ambos
amigos de longa data, e também colegas de trabalho no NTFSI – Núcleo Taki-
nahakỹ de Formação Superior Indígena. Particularmente, eu já havia dividido,
com esses dois colegas, importantes experiências de pesquisa em inúmeras
terras indígenas e comunidades quilombolas. Assim, sentimos que era chegado
o momento de juntarmos e darmos vazão a todas essas experiências.
O NUHAI foi uma espécie de travessia, sem a qual eu não teria chegado
ao projeto Reativar.

Como assim?

É que, por meio do núcleo, nos foi possível ministrar disciplinas espe-
cíficas, tanto na graduação como na pós, cujos eixos temáticos giravam em
torno de fenômenos interculturais e ambientais, a maioria deles, fruto de nos-
sas próprias experiências de campo. E um dos resultados mais satisfatório,
18

foi ver, a cada ano, mais e mais alunos e alunas desenvolvendo suas disser-
tações e teses, com base nas discussões e abordagens instrumentalizadas
em nossas disciplinas.

Entendi, mas, onde é que


entra o projeto Reativar?

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Na verdade, Renilson, o projeto Reativar surgiu de um incômodo que pas-
sou a me perseguir, à medida que avançávamos com as atividades do NUHAI.

O que deu errado?

Nada! O projeto ia bem até demais. O fato é que comecei a me per-


guntar sobre o grau de influência que todas aquelas atividades e produ-
ções, geradas no interior do núcleo, teriam sobre as realidades as quais
nos debruçávamos. Minha percepção era a de que nossas experiências de
campo, após serem literalmente usinadas, dentro da academia, acabavam
se perfilando em artigos, dissertações, teses e discussões acaloradas em
sala de aula, ou seja, “produtos” teorizados e condenados a viverem, pelo
resto de suas vidas, habitando o interior do espaço acadêmico, tal como
um gás freon circula o interior das serpentinas de uma geladeira, servindo
apenas aqueles que dela se servem.
Por aquela época, eu havia acabado de publicar um artigo sobre comu-
nidades impactadas pela agroindústria, como resultado de um EIA RIMA do
qual fiz parte, em algumas regiões pertencentes à bacia do rio Parnaíba, entre
os Estados do Piauí e Maranhão.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 19

Deve ter sido uma


experiência e tanto,
mas, e o projeto
Reativar?

Então, foi exatamente durante o tempo que passei junto àquelas comunida-
des, que tive o insight. Nos grupos mais afetados, muitas pessoas, principalmente
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as idosas e as mães de filhos ainda pequenos, nos contavam histórias sobre seus
maridos e parentes que precisaram migrar para outras regiões do País em busca de
melhores condições de vida. Numa certa manhã, entrei em uma casa para entre-
vistar uma senhora, e ela me narrou a história de seus dois filhos mais velhos, que
migraram para Goiás, precisamente para o Município de Aparecida de Goiânia.

Entrevista realizada por Alexandre, com uma moradora local, em Piauí, 2010

Daquele momento em diante, comecei a pensar sobre como eu poderia


desaquartelar todos aqueles conhecimentos que colocávamos em circulação no
interior do ambiente acadêmico, lançando-os sobre outros espaços, principal-
mente aqueles onde, atualmente, residem pessoas como os dois filhos daquela
senhora e tantos outros que, há muito, habitam nossas narrativas acadêmicas.
E foi assim, que surgiu a ideia que culminou na criação do projeto
Reativar, ou seja, percebendo que somente ajudar na mitigação de impactos
socioambientais participando de um EIA RIMA, e contribuir com a academia,
escrevendo sobre esses complexos processos históricos ambientais, não era
20

o bastante, eu precisaria também estender essas compreensões, de maneira a


intervir nos processos que tendem a impactar essas populações migrantes em
seus espaços de reterritorialização.
Assim que voltei para Goiânia, comecei a rabiscar o projeto. E para
fazer parte dele, chamei o meu amigo Marco Aurélio, gerente administrativo
do PPGH que, à época, iniciava seu mestrado, aliás, dois mestrados, um em
educação e outro em ciências ambientais. E hoje, prestes a defender seu dou-
torado em ciências ambientais.
Me lembro de que, entre conceber o projeto e submetê-lo à apreciação

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do Conselho Diretor da Faculdade, foi um processo longo e difícil, mas nada
comparado às dificuldades que passamos para que ele fosse aceito em algu-
mas escolas, entre as quase 60 unidades escolares pertencentes à Secretaria
Municipal de Ensino de Aparecida de Goiânia.1

Por que, exatamente,


escolheram o Município de
Aparecida de Goiânia?

Bem, porque Aparecida tinha tudo o que precisávamos: Ela tem suas
origens ainda no último quartel do século XIX, e compõe a chamada “grande
Goiânia”. Atualmente, irrompem, no interior de seus limites municipais,
centenas de novos núcleos de habitação, comércios e indústrias que foram,
literalmente, empurrados para fora da capital, devido a esta última já ter
esgotado suas reservas de áreas não edificadas, restando somente algumas
porções de terras pertencentes, na sua maior parte, a especuladores imobi-
liários. Tal processo de conurbação revela-nos realidades multifacetadas e
complexas, principalmente porque naquele município, outrora rural, eviden-
ciam-se intricados campos de tensão marcados pela coexistência assimétrica
entre, pelo menos, três diferentes grupos que formam seus, aproximadamente,

1 Segundo dados do IBGE (2015), a Rede Municipal de Aparecida de Goiânia é composta por 56 unidades
escolares de ensino fundamental, registrando, em 2012, um total de 30.127 matrículas.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 21

600 mil habitantes: um primeiro grupo, originário da população tradicional


do município; outro, constituído por milhares de migrantes, a maioria deles
provenientes das regiões Norte e Nordeste do Brasil; e um terceiro, composto
por uma população flutuante, oriunda do Município de Goiânia e adjacências,
igualmente atraída pelas possibilidades de emprego, seja na construção civil,
ou em um dos seus vários parques industriais.

Vista parcial de Aparecida de Goiânia


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Foto: Secom/Aparecida de Goiânia.

Penso, inclusive, que, se não tivéssemos percebido esses campos de


tensão entre a população de Aparecida, dificilmente o projeto teria alcançado
essa dimensão, tanto em termos de sua complexidade, como da quantidade
de ações que conseguimos planejar e desenvolver até o presente momento.

Em que sentido, a
percepção sobre essas
tensões ajudou na
concepção do projeto?

Bem, todas as experiências e conhecimentos desenvolvidos no âmbito


do NUHAI, nos davam certa autonomia intelectual para pensarmos a res-
peito dos tipos de impactos que poderiam atingir as populações migrantes
que escolhiam Aparecida como destino. Apesar disso, tínhamos receio de
22

planejar ações, envolvendo escola e comunidade, que não fossem capazes


de contemplar seus problemas cotidianos em termos de suas especificidades.
Assim, decidimos elaborar o projeto concomitante a uma imersão entre os
moradores daquele Município, no sentido de conhecer, de forma participativa,
seus verdadeiros problemas socioambientais.

Neste ponto, vocês agiram com prudência, pois, não

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raramente, lá na unidade onde leciono, já nos vimos
enredados por projetos educacionais, visivelmente,
planejados, desenhados e costurados somente pelo
pessoal do andar de cima, ou seja, do MEC. Na maioria
das vezes, tais projetos são impostos, sem que antes
tenha existido qualquer tipo de debate junto às
comunidades escolares, no sentido de garantir a elas
sua participação e posicionamento, com base nas
realidades socioambientais onde se acham inseridas.

Pois é. E assim fizemos: passamos a visitar aquele Município semanal-


mente. E à medida que íamos conhecendo a realidade de algumas de suas loca-
lidades, mais entusiasmados ficávamos diante da complexidade encontrada.
Eram centenas de setores, cada um com suas peculiaridades, a maioria deles
povoados por migrantes das mais diferentes partes do Norte e do Nordeste.
Anotávamos tudo o que víamos e ouvíamos. Foram quase seis meses de idas
e vindas e de intermináveis discussões, até que nos foi possível entrever a
problemática a partir da qual definiríamos nossas ações: Evidenciamos que
os problemas decorrentes do enorme fluxo de migração para Aparecida eram
historicamente percebidos de maneira tão superficial, a ponto de ter gerado

2 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de história do ensino fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “Identificar e discutir as diversidades identitárias e seus significados
históricos no início do século XXI, combatendo qualquer forma de preconceito e violência” BRASIL. Ministério
da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 435.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 23

tanto entre a sua população, como entre seus gestores, duas perigosas e sim-
plificadoras ideias: A primeira é a de tomar suas periféricas como sendo meros
espaços destinados ao assentamento de pessoas deslocadas e malogradas em
seus lugares de origem, ou seja, pobres e suscetíveis a toda sorte de descami-
nhos; a segunda, consiste em acreditar que as possíveis respostas e soluções
para os impactos socioambientais decorrentes de tal fluxo migratório, devem
ser buscadas somente no âmbito das questões ligadas a infraestrutura, como
por exemplo, sistemas de distribuição de energia, transporte, saneamento
básico, educação, segurança pública, saúde, entre outros.
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E que outras ideias


poderiam substituir
essas duas, já tão
entranhadas na
população?

Boa pergunta Aurélio. Durante nossas andanças pelo Município, conhece-


mos muitas famílias de migrantes. Á proporção que as ouvíamos contar sobre
como organizavam suas vidas em seus respectivos setores, mais conscientes
ficávamos quanto ao fato de que, apesar da grave condição de vulnerabilidade
social a que estavam submetidas, também eram capazes de recriar complexos
sistemas adaptativos envolvendo uma série de recursos e estratégias que iam
desde a reprodução de suas memórias bioculturais, sob a forma de cultivo de
plantas medicinais em seus diminutos quintais, até a recriação de importantes
práticas sociais entre a vizinhança capazes de lhes assegurarem seus impres-
cindíveis sentidos e sentimentos de mundo.
Deste modo, concluímos que aquelas duas ideias simplificadoras deve-
riam ser substituídas por duas importantes percepções: Primeiro, a de que
os setores periféricos de Aparecida não deveriam mais serem vistos como
simplesmente uma espécie de etapa final de histórias tristes que começam
em algum lugar do sertão, e terminam sob a forma de migração para alguma
periferia de uma grande cidade. Antes, devem ser vistos como espaços
fronteiriços onde ocorrem turbilhões de encontros entre múltiplos saberes,
ou seja, espaços interculturais de grande potência criativa e de emergência
de novos e renovados sistemas complexos adaptativos; segundo, que os
impactos socioambientais que ora afetam tais populações de migrantes, só
poderiam ser eficazmente mitigados se, para além da atenção aos problemas
de infraestrutura, também fossem criadas ferramentas adequadas capazes
24

de substituir as virulentas práticas de negação, discriminação, racializa-


ção e inferiorização dos múltiplos saberes do migrante, por outras que
valorizassem a circulação e o uso desses saberes, com o fim de propiciar
entre essas comunidades a reativação de suas memórias e práticas biocul-
turais, proporcionando a recriação de redes de reciprocidade voltadas para
alternativas de desenvolvimento humano com base em modelos do tipo
socioeconomias solidárias.

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E como lidaram com
essas duas
percepções?

Daí por diante, fizemos dessas duas percepções, o motor das ações do
nosso projeto.
Tudo estava pronto: O programa havia sido aprovado pelo nosso Conce-
lho e estava devidamente cadastrado no SIEC da UFG. Os passos seguintes,
seriam preparar uma convincente apresentação e marcar uma reunião com a
equipe pedagógica da SME de Aparecida.
Assim que chegamos na SME, fomos prontamente atendidos e conduzi-
dos a uma sala, onde cinco professoras da equipe de coordenação pedagógica
já nos aguardavam. Estávamos muito entusiasmados, afinal haviam sido meses
de preparação.
Naquela manhã, demos o nosso melhor. Todo o escopo do projeto foi
apresentado à luz de nossas percepções obtidas durante nossas incursões a
alguns setores daquele Município. Em seguida, discutimos sobre as abor-
dagens e enfoques utilizados e suas relações com algumas das importantes
experiências de pesquisa desenvolvidas no âmbito do NUHAI. As professoras
se mostraram bastantes interessadas.
Ao final da apresentação, uma das professoras fez a pergunta: “Qual é
o custo disso?” Informando-nos que aquela Secretaria já não dispunha de
mais nenhum centavo para o custeio de projetos durante aquele ano letivo. A
tranquilizamos, dizendo a ela que todos os custos correriam por nossa conta.
No correr dos dias, o projeto foi apresentado à equipe de projetos da SME e
ao Secretário de Educação do Município.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 25

E aí, a SME adotou


o projeto?
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Sim. Mas, não sem um pouco de resistência e até eu diria, excesso


de precaução.
Esperamos, por algumas semanas, até que a SME nos chamou para uma
discussão sobre as possibilidades de iniciarmos nossas atividades. Assim, a
equipe técnica propôs que iniciássemos por meio de uma “experiência piloto”
em uma de suas unidades, ainda naquele bimestre de 2013. Aceitamos e defi-
nimos que a data para o início seria a semana seguinte.
No dia marcado, fomos à unidade designada na companhia de uma pro-
fessora, membro da superintendência da SME, que nos apresentou aos pro-
fessores e professoras daquela escola. Após expormos o programa, fizemos
questão de ressaltar que as atividades propostas, além de não sobrecarregar
os professores em suas atividades diárias de sala de aula, também, conforme
combinação com a SME, qualquer professor que resolvesse dele tomar parte,
poderia usá-lo para compor parte das avaliações daquele bimestre letivo.
Tratava-se de uma escola voltada para o ensino fundamental I e II, com
mais de mil alunos matriculados e localizada em um dos setores mais afastados
em relação à região central do Município.
Logo de início, fizemos uma descoberta, no mínimo, desconcertante:
aquela escola, escolhida para ser a nossa “experiência piloto”, estava, lite-
ralmente, sem piloto e as voltas com graves problemas relacionados ao mau
comportamento de alunos, inclusive com recorrentes casos de violência entre
eles. Por não terem chegado a um consenso sobre quem poderia ser o seu novo
diretor, a SME havia nomeado um interventor temporário.
Nessa mesma semana, fomos convidados a participar de uma reunião
pedagógica com toda a equipe de professores do fundamental II, já que a nossa
experiência piloto seria em todas as turmas do oitavo ano.

Por que escolheram as


turmas do oitavo?
26

Bem, durante a reunião, nada nos foi dito a esse respeito; e não quisemos
perguntar para não parecermos indelicados. Só depois é que fomos informados
de que eram nas turmas do oitavo, onde residiam os maiores desafios para os
professores, quanto aos problemas de comportamento.
Ao final de nossa exposição, fomos muito elogiados por todos. Con-
tudo, alguns professores se mostraram confusos e até incomodados com
algumas questões inerentes ao projeto, o que para nós era algo perfeitamente
natural, principalmente por se tratar de um programa com pretensões tão
amplas como aquele nosso.

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E quais foram
essas questões?

Bem, algumas se referiam a coisas bem pontuais, como por exemplo,


como cada um deles poderia tomar parte no projeto, se haveria algum mate-
rial específico, como iriam gerar avaliações pelo programa etc. Entretanto,
nos chamou a atenção a fala de um professor em especial. Ele falou de seu
aborrecimento em relação aos inúmeros projetos, sempre rotulados como
interdisciplinares que, nas suas palavras, “surgem lá do MEC, ou sabe-se lá de
onde, são despejados nas escolas e empurrados nos professores goela abaixo,
apenas para satisfazer as instâncias superiores”. Seu desabafo ganhou o apoio
dos demais colegas. Para nós, foi um momento meio constrangedor, já que
vimos o nosso plano contemplado em sua fala. Por outro lado, nada poderia
ter sido mais oportuno do que aquele desabafo, foi como um recado em luz
neon piscando bem diante de nós. Pois, durante a volta para a Faculdade,
ao refletirmos, profundamente, sobre o desabafo do professor, concluímos
que, para além das questões de ordem burocrática e de hierarquia institucio-
nal, também estava implícito em sua fala uma crítica quanto a natureza dos
projetos, ou seja, no momento em ele mencionou que os programas eram
“despejados nas escolas e empurrados nos professores goela abaixo”, ele se
referia aos distanciamentos entre os temas propostos pelos referidos projetos,
e a realidade dos alunos daquela escola.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 27

Vocês foram astutos


em fazer essa
leitura. E como
usaram isso em
favor do Reativar?
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Tava na cara! Da mesma forma que as conversas que tivemos com todas
aquelas famílias nos propiciaram construir a problemática do projeto, um
mergulho na realidade dos alunos nos ajudaria a elaborar atividades capazes
de provocar um bom diálogo entre alunos, professores e comunidade. Além do
mais, concluímos que tal mergulho nos revelaria, também, até em que medida
as ideias equivocadas sobre as periferias de Aparecida estariam influenciando,
ou não, na construção da visão de mundo daqueles alunos.
Assim, elaboramos um questionário e o apresentamos à coordenação da
escola como sendo a nossa primeira atividade.
Tal questionário, continha 11 perguntas semiestruturadas, elaboradas de
maneira tal, que suas respostas só poderiam ser consideradas válidas, caso
fossem respondidas na parceria entre pais e filhos. Com isso, mataríamos dois
coelhos com uma cajadada só, ou seja, além de captar as percepções das duas
gerações, também seria uma forma de mostrar aos pais alguns importantes
aspectos do escopo do nosso projeto, principalmente aqueles inerentes às
interconexões entre escola, família e comunidade.

Vocês disseram que as


turmas de oitavo ano
daquela escola tinham a
fama de impor grandes
desafios aos professores,
certo? Como foi, então,
que conseguiram a adesão
dos alunos à ideia do
questionário?

Não vou mentir para você. Foi pedreira! Em algumas turmas, tivemos
que entrar, pelo menos, umas três vezes, tanto para explicar como deveriam
responder às questões, como para falar sobre a importância que tinha aquele
questionário para a definição das atividades futuras do projeto.
28

Então,
conseguiram a
adesão dos
alunos?

Felizmente, sim. Podemos dizer que 95% dos alunos responderam. Só

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não nos foi possível saber quantos responderam, porque se sentiram atraídos
pela atividade e quantos o fizeram, apenas, porque “valia nota”. O mais impor-
tante é que tínhamos, a partir daquele momento, uma quantidade significativa
de questionários para analisar.

Você disse que o


objetivo era captar
percepções das
duas gerações. Que
tipo de percepções
esperavam obter?

Bem, organizamos as 11 questões com base na problemática central do


projeto, ou seja, os impactos socioambientais que as ideias simplificadoras
sobre as periferias e seus moradores poderiam gerar na população3. Assim,
distribuímos as perguntas em torno de quatro temas contextuais: Paisagem;
alimentação; saúde e causos. Nosso objetivo era o de, ao cruzar esses quatro
temas no interior do questionário, obter respostas capazes de revelar suas
percepções a respeito de coisas como os processos de construção de suas
territorialidades em relações aos diferentes espaços de Aparecida, os níveis
de autonomia alimentar que conseguiam alcançar em relação às suas condi-
ções socioeconômicas, as circunstâncias de acesso aos sistemas formais de
tratamentos de saúde, e a coexistência de formas alternativas de curas e a
construção de suas sociabilidades.

3 Veja: Anexo A.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 29

E o que conseguiram
captar?

As respostas apresentadas revelaram situações surpreendentes. Depois


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de separá-las por eixo temático e tabulá-las, nos foi possível identificar a


presença de alguns padrões de percepção bem definidos.
Vou começar pela geração dos jovens. Havia um consenso entre os alu-
nos e alunas, quanto à condição de inferioridade a que estavam destinados
aqueles setores onde residiam, a maioria deles, circunvizinho à escola. Por
conta disso, havia entre eles uma espécie de cartografia simbólica a respeito
dos setores para os quais desejavam se mudar, caso “melhorassem de vida”,
sendo Goiânia o destino mais desejado. Outro padrão encontrado, era a ten-
dência a dissimular e invisibilizar tanto as origens de seus familiares, como
as memórias que delas carregavam. Um quarto padrão encontrado, era a
completa ausência de inclusão das regiões onde moravam, em qualquer um
de seus projetos de vida quando atingissem a idade adulta.
Já entre a geração dos pais, ao contrário do que foi visto entre seus filhos,
as memórias que carregavam de seus lugares de origem, ainda possuíam
grande valor. Outro padrão entre eles, era o grande apego aos novos ciclos
de amizade estabelecidos na região. Um terceiro padrão, era a importância
que atribuíam a remédios caseiros e raizadas no auxílio a problemas de saúde.
Tais padrões de percepção identificados, poderiam servir de base para vários
tipos de pesquisas ligadas às dimensões socioespaciais e ambientais de Aparecida.
Contudo, para os propósitos de nosso projeto, consideramos de grande relevância
os altos graus de indiferença e negação demonstrados por aqueles jovens tanto
em relação as histórias de suas famílias, como aos ambientes dentro dos quais
passavam a maior parte de suas vidas. Para nós, não havia mais dúvidas quanto
ao fato de que aqueles jovens estavam sendo, diretamente, atingidos pelas ideias
equivocadas sobre as periferias de Aparecida e seus moradores.

E o que fizeram, após


chegarem a tal
conclusão?
30

Aprontamos um relatório com o diagnóstico sobre os resultados pre-


liminares das análises dos questionários, e o apresentamos aos professores
do fundamental II. No diagnóstico, além dos padrões identificados entre os
alunos, também estavam os detectados entre os pais, interpretados como
sendo importantes fontes de memórias bioculturais, e histórias ambientais
apropriadas à promoção de uma educação ambiental de qualidade. À título
de conclusão, fechamos o relatório com o seguinte questionamento: Como é
possível alcançar algum resultado satisfatório em educação ambiental local,
se os próprios alunos aos quais se pretende educar, não nutrem qualquer tipo

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de sentimento de pertencimento em relação ao território onde vivem?
Por fim, todos concordaram com a gente sobre a necessidade urgente
de despertar naqueles jovens os sentidos e sentimentos de territorialidade.
Com base no diagnóstico e em outros dados que tabulamos, nos reunimos
com os professores de Geografia, Matemática e Português, e propomos a eles
uma ação conjunta, na qual a atividade resultante de tal ação seria desdobrada
no âmbito das três disciplinas.
A atividade consistia em produzir, em cada uma das turmas de oitavo ano,
um quadro geral de dados sobre alimentação e paisagem para que pudessem
ser trabalhados pelas três disciplinas, em consonância com seus respectivos
conteúdos programáticos. O objetivo central da atividade era envolver as
realidades paisagísticas, alimentares e econômicas, vividas cotidianamente
por esses jovens no processo de aprendizagem de seus conteúdos regulares.

Como coordenaram
essa ação?

Tomamos o cuidado de levantar os quadros gerais com os alunos e entre-


gá-los aos professores de Matemática e Geografia, já com tudo definido,
inclusive com sugestões de atividades. Por exemplo, no caso da Matemática,
propomos que as relações entre renda familiar e despesas com alimentação,
fossem matematizadas e discutidas à luz do conteúdo sobre “grandezas e
medidas”. Tal atividade possuía uma dupla finalidade: trabalhar o referido
conteúdo e, ao mesmo tempo, provocar a reflexão sobre os usos inadequados
daquela parte da renda familiar destinada à alimentação. Com isso, estaríamos
entrecruzando Matemática com educação alimentar e ambiental. No caso da
Geografia, sugerimos que os dados sobre paisagem fossem trabalhados no
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 31

conteúdo de cartografia. Os alunos deveriam montar uma cartografia do setor,


apontando os espaços com os quais possuíam maior afinidade.
Tal atividade, também, possuía uma dupla finalidade: Ensinar o conteúdo
de cartografia e, ao mesmo tempo, provocar a reflexão sobre os graus de per-
tencimento e vínculos que estabeleciam com determinadas partes do setor ao
longo de suas vidas. Além da abordagem interdisciplinar, essa atividade atingia
um dos pontos cruciais entre os padrões identificados nos questionários, ou
seja, a autonegação de pertencimento ao território onde vivem.
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E a disciplina de
Português?

Ela foi crucial, pois foi durante as suas aulas que construímos os docu-
mentos. A professora adaptou a atividade ao ensino do conteúdo sobre pro-
dução de textos com utilização dos tipos expositivo e argumentativo.

Atividades do Projeto Reativar, em Aparecida, ano de 2013


32

As atividades
fluíram bem?

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No início, não foi nada fácil. E por incrível que pareça, desta vez, as
dificuldades encontradas estavam menos nos alunos e mais nos professores.

Como assim nos


professores?

Não é uma coisa tão simples de explicar. Deixe-me ver por onde começo.
Bem, se lembram do desabafo daquele professor?
Então, tinha um pouco disso também. Embora as atividades propostas
ajudassem a acelerar o ensino desse ou daquele conteúdo programático, o sim-
ples fato da nossa presença na sala de aula acendia uma “luz de advertência”,
sinalizando para aqueles professores o risco de que a nossa presença atendia
meramente a satisfação de projetos específicos da UFG e, por extensão, de
algumas pessoas ligadas à Superintendência da SME.
Havia, também, uma questão de fundo não menos complicada, ou seja, o
fato de que as atividades propostas, devido às reflexões que suscitavam, acaba-
vam sendo vistas menos como uma estratégia didática inovadora para a condu-
ção do ensino, e mais como um fator de complicação e geração de sobrecarga.

Será que isso não era


devido à falta de preparo
dos professores em lidar
com estratégias daquela
natureza?
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 33

Penso que no caso de alguns, talvez. Mas, à época, preferimos pensar


que as difíceis condições de trabalho a que estavam submetidos nos dava uma
explicação mais apropriada.

E como lidaram com


tais objeções?
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Não tínhamos uma estratégia para isso, apenas não desistimos. Me lembro,
inclusive, de muitas situações embaraçosas que enfrentamos naquela escola.

Poderia nos contar alguma?

Sim. Às vezes, quando chegávamos na sala dos professores, alguns


faziam questão de fingir que não existíamos. Aquilo era muito constran-
gedor. Sabíamos que não era nada pessoal, apenas enxergavam a nossa
presença como sendo professores numa condição privilegiada observando
colegas numa condição inferior sem nada poderem, ou quererem, fazer
para mudar tal assimetria.
Mas, felizmente, nem tudo estava perdido. Algumas professoras e pro-
fessores perceberam nossos esforços e as possibilidades que o nosso projeto
abria àqueles jovens.
Assim, no início de 2014, a coordenação da escola propôs que esten-
dêssemos a outras turmas do fundamental II aquelas mesmas atividades que
desenvolvemos junto às turmas de oitavo ano.
Àquela altura do campeonato, além do fato de toda a escola já se sentir
bastante familiarizada com a nossa presença, nossas atividades haviam rendido
interessantes debates durante as reuniões pedagógicas.
Tal era o clima de confiança, que decidimos pôr em prática duas outras
ações previstas em nosso projeto: Visitação na reserva ambiental Parque Serra
das Areias e nas circunvizinhanças da escola. A Serra possui aproximadamente
900 metros de altitude, é composta por variadas formações típicas do bioma
34

Cerrado e pode ser considerada a principal reserva ambiental do município


de Aparecida, com uma área total de 2.890 hectares.
A proposta foi muito bem aceita tanto pela coordenação da escola como
pela SME, que nos apoiou enviando ônibus escolares para o transporte de
alunos e professores. Formamos as equipes e escalonamos as viagens por
turmas que iam do 6º ao 9º ano.

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Que tipo de atividades
foram propostas?

Basicamente, duas: uma determinada pelo professor ou professora res-


ponsável pelo acompanhamento da turma naquele dia; e outra orquestrada
por nós, do Reativar, durante o nosso tempo de permanência na Serra das
Areias. Geralmente, o professor ou professora acompanhante pedia aos alu-
nos que observassem determinadas características locais, ou simplesmente
que prestassem atenção em todos os momentos da visita, para depois, em
sala de aula, produzirem um relatório. Já a nossa atividade, consistia em dois
momentos: um primeiro, durante a subida da Serra, onde fazíamos algumas
paradas para observarmos e discutirmos algumas questões sobre os aspectos
fisionômicos da vegetação. No segundo momento, este já bem mais demo-
rado, era quando chegávamos ao ponto mais alto da Serra, um mirante de
onde se podia enxergar todo o município de Aparecida. Nesse local, depois
de descansados, hidratados e alimentados, fazíamos uma palestra sobre o
processo histórico de ocupação humana da região, envolvendo questões sobre
conurbação, migração e impactos socioambientais, sendo a própria Serra das
Areias um importante exemplos desses impactos.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 35

Visita com alunos da SME, Serra das Areias, ano de 2014


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Essas visitas à Serra das


Areias devem ter sido muito
gratificantes, não foram?

Foi, sim. E foram tantas, que envolveram praticamente a metade daquele


ano de 2014.

Coincidentemente, essas visitas


que fizeram com os alunos à Serra
das Areias estão, diretamente,
associadas à unidade temática
História, tempo, espaço e formas
de registro descritas na BNCC

4 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de história do ensino fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “Descrever modificações da natureza e da paisagem realizadas por
diferentes tipos de sociedade [...] e discutir a natureza e a lógica das transformações ocorridas”. BRASIL.
Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 420.
36

Na opinião de vocês, que


efeitos essas visitas
causaram nos alunos?

Mesmo sem termos tido acesso aos relatórios, produzidos pelos alunos a
respeito de suas experiências na Serra, podemos dizer que os efeitos foram bastante

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positivos, pois muitas professoras e professores nos contaram, com muito entu-
siasmo, sobre como aquelas idas haviam mexido com a cabeça de seus alunos, e
sobre como seus relatórios, de tão interessantes que ficaram, acabaram sendo apro-
veitados em outras atividades em sala de aula com efeitos, igualmente, positivos.
De nossa parte, percebíamos esses efeitos assim que começávamos a
subir a Serra. Os momentos mais extraordinários, entretanto, eram quando
chegavam ao mirante e viam a cidade de Aparecida de uma forma que nunca
haviam imaginado. A maioria deles sentia um enorme espanto ao enxergar,
lá de cima, as centenas de setores, completamente atravessados por uma
infinidade de ruas e avenidas, impossível de serem separados um do outro e
se prolongando até se misturarem à Goiânia, formando uma cidade única. E
quando alguns deles conseguiam localizar seus setores no interior daquele
tabuleiro gigante, gritavam eufóricos: “Gente?! Olha lá o meu setor!” Naqueles
momentos de espanto e espontaneidade, os estereótipos sobre a periferia e
seus moradores davam lugar a um inocente ato de territorialização.

Visita com alunos da SME, Serra das Areias, ano de 2014


QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 37

Cara, que experiência legal! No cotidiano escolar: normatizado


pela rigidez dos muros, das salas de aula, das sirenes que
controlam a hora de entrar e sair, pelos regulamentos e,
sobretudo, pelos rituais pedagógicos tradicionais e
consagrados, pouco espaço parece existir para que a própria
unidade de ensino possa se desencastelar de si mesma e
ganhar o mundo lá fora. Presos à crença de que é unicamente
na escola que se constrói os conhecimentos mais importantes,
professores, estudantes e suas famílias perdem a
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oportunidade de experienciar as múltiplas possibilidades de


relações entre os conhecimentos escolares, e os tantos outros
que afloram em espaços não escolares

E quanto à segunda
ação proposta para
aquele ano?

A segunda ação foi uma espécie de complemento das visitas que fizemos
à Serra das Areias. Consistia em caminhar pelo setor conhecendo algumas
residências, seus proprietários e seus quintais.

Como organizaram
essa atividade?

Olha, isso nos deu bastante trabalho. Foi preciso fazer um amplo reconhe-
cimento do setor e convencer alguns de seus moradores a abrirem os portões
de suas casas, para que os alunos pudessem conhecer as muitas maneiras com

5 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de história do ensino fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o de
garantir que o aluno seja capaz de “identificar os processos de urbanização e modernização da sociedade
brasileira, e avaliar suas contradições e impactos na região em que vive” BRASIL. Ministério da Educação.
Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 429.
38

as quais manejavam seus quintais no cultivo de plantas úteis. Dependendo do


tamanho de cada área, definíamos a quantidade de alunos que poderiam entrar
de cada vez. Todos deveriam caminhar em silêncio, sem tocar nas plantas, e
dirigir suas perguntas ao proprietário da casa de forma ordenada. Deveriam,
também, carregar com eles um caderno de campo para as anotações.
Com essa ação, buscávamos conectar os alunos àqueles padrões iden-
tificados na geração de seus pais. Era uma grande oportunidade para perce-
berem que não havia nada de errado, ultrapassado ou vergonhoso naquelas
práticas. E que, portanto, deveriam, a partir daquela experiência, valorizarem

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os conhecimentos e práticas mantidos por seus pais, tios e avós.

Visita com alunos da SME a setores próximos à escola, ano de 2014

No ano que se seguiu, nossas ações caminharam com muito mais


fluidez. Pois, nosso projeto havia conquistado a admiração da maior parte
dos professores daquela escola. Tanto é verdade, que fomos convocados a
participar já da primeira reunião pedagógica do ano, a fim de discutirmos
com o colegiado como seriam distribuídas as ações do Reativar nos dois
primeiros bimestres.
Pressentimos, então, que aquele era o momento de sermos ainda mais
propositivos, no sentido de ampliar as relações entre escola e comunidade.
Desaquartelar os alunos por meio de atividades como as visitas à Serra das
Areias e aos quintais da vizinhança, já haviam provado ser de enorme potencial
educativo. Contudo, sentíamos que ainda faltava algo.

E o que faltava?
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 39

Até aquele momento, ainda não estava tão evidente. Foi, então, que,
durante uma reunião para o planejamento da semana cultural, veio a ideia.
Estávamos em uma sala de aula onde professora e alunos preparavam mate-
riais para o evento. E um detalhe nos chamou muito a atenção: Um grupo
de alunos havia escolhido o tema “cultura nordestina”, e outro “sustentabili-
dade”. O primeiro preparou vários cartazes, alguns deles esboçando imagens
de homens paramentados com as vestes do cangaço, sob o título “resgate da
cultura tradicional nordestina”. A segunda equipe caprichava nas colagens,
oferecendo lindas paisagens de montanhas, florestas, rios e praias.
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Atividade em sala de aula, ano de 2015

No caso dos cartazes sobre cultura nordestina, de imediato, vimos que


tanto o título do cartaz como a figura nele colada, reforçavam distorções e
equívocos que mais deseducavam, do que educavam.

Como assim?

Primeiro, porque o uso da ideia de “resgate da cultura tradicional” para se


referir a ações de valorização de uma dada cultura é demasiadamente impre-
ciso. Qualquer estudioso do tema sabe que as culturas ditas “tradicionais”, não
podem ser vistas como entidades emolduradas em algum lugar de um passado
40

tradicionalizado e idílico, e muito menos como alguém que se encontra impos-


sibilitado de se mover, portanto, à espera de um “resgate”. Ao contrário! As
culturas são organizações autopoiéticas, cuja dinamicidade de suas estruturas
lhes permite metamorfosearem-se, no tempo e no espaço, mantendo-se vivas
sob as mais severas condições. Segundo, porque a imagem de um cangaceiro
está muito longe de representar a tão diversa e, incrivelmente, rica cultura nor-
destina. Ao contrário, reforçam estereótipos de atraso, machismo e brutalidade.
Já os cartazes sobre sustentabilidade, reproduziam paisagens naturais de
tirar o fôlego. No entanto, além de se tratar de lugares completamente apar-

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tados da realidade ambiental daqueles jovens, também nada traziam, além de
simples apelos do tipo “vamos cuidar da natureza”.

Qual foi, então, a ideia


que tiveram?

Bem, a ideia era a de aproveitar o espaço da semana cultural para provo-


car a reflexão sobre o fato de que as culturas nordestinas, para serem festejadas
e valorizadas no âmbito do espaço escolar, não precisavam de artificialismos,
já que elas estavam ali mesmo e por toda a parte. Entranhadas nos sotaques, na
alimentação e, principalmente, sob a prática da recriação de padrões culturais
dotados de grande poder de resiliência e adaptabilidade, ou seja, adequados
ao enfrentamento de situações socioambientais extremas.

E de que maneira colocaram


a ideia em prática?

Propomos uma ação envolvendo alunos e comunidade. A atividade tinha


por objetivo identificar diferentes tipos de pensamento ambiental, capazes
de produzir ações positivas, diante de situações extremas da vida. Assim,
alunos dos 8º e 9º anos foram separados em grupos, e receberam a missão
de fazerem listas contendo princípios da educação ambiental, com ênfase na
noção de sustentabilidade, que lhes foram ensinados na escola. Em seguida,
convidamos a mãe de uma aluna da escola, que se dispôs a contar para os
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 41

alunos parte da história de sua infância, passada na cidade de Bodocó, no


interior do Pernambuco, entre as décadas de 1960 e 1970, quando tinha 12
anos de idade, exatamente a média de idade dos alunos e alunas presentes.
À medida que suas lembranças fluíam, sua narrativa se direcionou para as
práticas socioambientais ligadas à busca de recursos para sobrevivência. A
ênfase recaiu sobre os longos períodos de estiagem, nos quais a sobrevivência
das famílias só era possível, a partir do funcionamento de uma complexa rede
de interações estabelecidas entre os vizinhos mais próximos, e estruturada
em torno de sistemas de trocas, parcerias produtivas e ajudas espontâneas.
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Tô aqui, pensando. Na escola onde leciono,


muitas pessoas da comunidade local transitam
por lá, diariamente, e nunca acontece de
serem convidadas a partilharem seus saberes
por meio de uma atividade como essa
6

E essa ação não parou por aí. Depois, tomei parte na atividade e reproduzi
para os alunos, em plano imaginário, uma situação de colapso envolvendo toda
a região circunvizinha à escola. Tratava-se de um cenário dentro do qual os
moradores enfrentariam enormes dificuldades, tanto de se manterem alimenta-
dos, quanto seguros. Em seguida, pedi aos grupos que expusessem suas listas
contendo os princípios listados. Fizemos um rápido inventário e percebemos
que a maioria das equipes havia registrado, de diferentes maneiras, os mesmos
princípios, como por exemplo: “não jogar lixo na rua”, “não matar os animais”,
“não desperdiçar a água, “não matar as baleias” e “não destruir a Amazônia”.
A partir daí, lancei o seguinte desafio: perceber, tanto nas lembranças
narradas pela mãe da aluna como nas listas apresentadas pelos grupos, os
elementos que poderiam se converter em ações mitigadoras dos impactos oca-
sionados por aquela situação imaginária de colapso. A conclusão a que todos
chegaram, foi a de que, apesar de as listas elaboradas pelos alunos conterem
elementos significativos, em termos de uma perspectiva ambiental global,
era nas experiências narradas por aquela senhora migrante nordestina, que
estavam os componentes que poderiam ser postos em prática como estratégia
de enfrentamento de tal situação de colapso.
6 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de história do ensino fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o de
garantir que o aluno seja capaz de “Identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos,
culturas e povos com relação a um mesmo contexto histórico, e posicionar-se, criticamente, com base em
princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” BRASIL. Ministério da Educação. Base
Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 402.
42

Então, aproveitamos aquele momento para provocar um debate entre


todos os presentes.

Atividade no pátio da escola, ano de 2015

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E como foi a participação
do pessoal?

Bem, no início foi meio constrangedor, pois a conclusão a que chegamos


sobre a importância dos princípios de sustentabilidade contidos na narrativa
da mãe da aluna, em detrimento daqueles listados pelos alunos, como forma
de enfrentamento da situação imaginada, causou um silêncio total. Nenhum
dos presentes se encorajou a fazer qualquer tipo de comentário sobre.
Aquele silêncio, entretanto, de cara, nos revelava duas questões: A pri-
meira relacionada às formas e os níveis de aprofundamento com os quais os
conteúdos sobre educação ambiental eram pensados no currículo daquela
escola; a segunda, sobre a evidente presença de perspectivas dicotômicas e
hierárquicas, por meio das quais as diferenças entre os conhecimentos consi-
derados científicos daqueles “não científicos” eram percebidas.
Contudo, não podíamos perder aquela oportunidade. Então, improvisa-
mos. Tomamos o microfone e lançamos perguntas a eles.
Primeiro, fiz uma provocação. Os desafiei a me responder sobre qual o
lugar, entre todos que conheciam em seus respectivos bairros, aquele onde
residia o conhecimento? A resposta foi unânime: Na escola. E para o espanto
geral, disse a eles que todos estavam errados. Imediatamente, respondi dizendo
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 43

que o conhecimento não estava somente no colégio, mas em qualquer lugar


de seus bairros onde houvesse pessoas. Pois, qualquer um de seus moradores,
incluindo eles próprios e suas famílias, todos eles, possuíam conhecimentos
incríveis. Portanto, competia a cada um dos presentes descobri-los.
Uma aluna do 8º ano se encorajou, levantou a mão e me perguntou:
“como todas as pessoas do meu bairro podem possuir conhecimentos incríveis,
se a maioria delas sequer concluiu seus estudos?”
Aquela pergunta era tudo o que eu precisava, naquele momento, para
iniciar o debate. De pronto, respondi a ela que o conhecimento científico,
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aquele que é ensinado dentro da escola, era apenas uma forma de entendimento
entre tantos outros não científicos.
Imediatamente, uma colega, que estava ao seu lado, ergueu o braço e
disparou: “Professor? Mas não é o conhecimento científico o mais importante
de todos?” Devolvi a sua pergunta para a turma: “O que vocês acham?” A
questão causou inquietação; uns diziam que sim, outros que não. Então, para
aumentar a provocação, perguntei a eles sobre como definiriam os conhe-
cimentos presentes na narrativa da mãe da aluna, como científicos ou não
científicos? A interrogação os deixou ainda mais alvoroçados.
Naquela hora, percebi que havia conseguido atrair a atenção da turma.

E qual foi o resultado?

O efeito foi que conseguimos transmitir a eles a ideia de que indepen-


dente da forma como os conhecimentos são concebidos, ou seja, científicos,
não científicos, tradicionais ou populares, todos eles são construídos por meio
das mesmas ações, quais sejam, motivações, buscas, experimentação, com-
provação, socialização dos resultados e uso prático. Seja ele um simples ato
de produzir um remédio a partir de uma raiz, ou a construção de um foguete.
Assim, foi muito gratificante vê-los compreender que toda forma de conhe-
cimento é um ato científico. 7

7 Com base nos resultados obtidos por meio desta atividade foi gerado um documento informativo padrão
para ser distribuído a alunos das outras escolas envolvidas. Veja: Anexo B.
44

Essa dinâmica que promoveram tem tudo a


ver com um dos objetos de conhecimento
do 7º ano do fundamental, denominado “A
construção da ideia de modernidade e seus
impactos na concepção de História”. Uma
atividade assim, ajuda os alunos a
refletirem sobre como o status social do
conhecimento científico e disciplinado pode
ser usado para fortalecer processos de

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marginalização social e epistêmica.

Ao final do ano de 2015, devido aos bons resultados alcançados na escola


piloto, a equipe pedagógica da SME propôs estender o nosso projeto a outras
unidades de ensino. Embora conscientes de todas as nossas limitações opera-
cionais, a ideia de podermos expandir nossas ações a outras escolas era muito
tentadora. Então, aceitamos. Nossa equipe era formada por, apenas, eu e Marco
Aurélio, não contávamos com nenhum tipo de recurso financeiro como bolsa ou
ajuda de custo e, ainda, dispúnhamos de tempo limitado para gerenciar todas as
ações propostas, já que precisávamos cumprir com a nossa carga horária na UFG.
Tínhamos, então, pela frente, quatro escolas: a escola piloto, com os
compromissos já agendados com a sua coordenação, e mais três, que nem
sequer conhecíamos.
Assim, agendamos com as coordenações das novas escolas e as visitamos,
uma a uma, só que, dessa vez, sem a companhia de alguém da superintendên-
cia, pois queríamos evitar que pensassem que o nosso projeto fizesse parte de
algum acordo velado entre nós e alguma gerência da SME.

E essa estratégia deu certo?

8 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de história do ensino fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “Explicar o significado de ‘modernidade’ e suas lógicas de inclusão e
exclusão, com base em uma concepção europeia” BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, 2018. p. 423.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 45

Em parte, pois alguns professores esboçaram aquele mesmo ar de des-


confiança e desinteresse. De todo modo, nos sentíamos muito mais seguros e
confiantes, pois, àquela altura do campeonato, já havíamos desenvolvido um
discurso afinadíssimo sobre os propósitos do nosso projeto. Afinal, aqueles
quase dois anos de experiências na escola piloto, foi como um grande labo-
ratório socioambiental a céu aberto. Assim, as três escolas aceitaram que
apresentássemos uma proposta de atividades para aquele bimestre letivo.
Dispúnhamos de pouco mais de uma semana até a primeira reunião. Pre-
cisávamos preparar as propostas. Mas, quando nos reunimos para elaborá-las,
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ficamos muito decepcionados ao constatar que não havia a mínima chance de


conseguirmos reproduzir, nos outros três colégios, as mesmas atividades que
havíamos realizado na escola piloto. Era óbvio. Por mais que a SME pudesse
disponibilizar os ônibus para as visitas à Serra das Areias, e as coordenações
das escolas as liberações para as incursões aos quintais das vizinhanças, éra-
mos apenas dois para conduzir todas aquelas atividades em quatro escolas,
em um único bimestre. Decididamente impossível.

E o que fizeram para


contornar essa situação?

No início, não fizemos nada. Ficamos paralisados. Pensávamos apenas nos


obstáculos. Era muito frustrante olhar para o projeto e ver apenas duas condi-
ções, uma animadora, e outra nem tanto: A primeira era a de que os propósitos
e as ações do plano se fundamentavam em percepções empíricas relevantes e
que, se conduzidas com empenho, poderiam, em médio prazo, provocar, nos
milhares de jovens estudantes daquela rede de ensino, a construção de um pen-
samento histórico ambiental complexo, capaz de alterar suas relações com os
entornos socioambientais aos quais se achavam ligados; a outra, era a de que só
poderíamos tornar isso real em apenas uma unidade de cada vez, algo do tipo
um ano em cada escola. Assim, só nos restava uma opção: comunicar àquelas
três escolas que, “por motivos de forças maiores”, teríamos que abandonar,
temporariamente, o início de nossas atividades em suas respectivas unidades.
Na verdade, estávamos diante de um grande desafio didático: Embora
tivéssemos um diagnóstico bem fundamentado sobre os impactos socioambien-
tais em Aparecida, e um projeto cujas ações poderiam mitigá-los; sabíamos,
46

todavia, que para executarmos tais ações em várias escolas, em um único


bimestre letivo, seria preciso que nos multiplicássemos.
Pensamos até em uma alternativa meio radical, do tipo cada escola envol-
vida destinando uma semana inteira só para as atividades do Reativar. Só
assim, seriamos capazes de atuar em quatro escolas ao longo do bimestre.
Mas isso implicaria mexer em todo o calendário letivo da SME, ou seja, algo
completamente fora de questão.
Ficamos imaginando o quanto não seria incrível poder realizar, naque-
las outras três escolas, as mesmas experiências realizadas na escola piloto.

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Então, relembramos cada momento daquela atividade que envolveu aquela
mãe nordestina. Para nós, aquele momento havia sido o mais revelador, tanto
em relação ao nível de intervenção alcançado pela atividade no currículo da
escola, como em relação ao espanto causado nos alunos.
E foi no exato momento em que relembrávamos daquela atividade, que
deu um Click: Invadir as escolas com centenas de mães e pais migrantes.

Como assim, invadir?!

Criar uma atividade única e integradora com base em causos como


aquele narrado pela mãe da aluna. Então, lançamos a ideia do “campeonato
de mini causos”.

E quanto a impossibilidade
de atuarem nas quatro
escolas?

Então, o campeonato de minicausos foi uma estratégia didática criada,


exatamente, para contornar esse problema. Basicamente, a ideia era a de fazer
com que os alunos produzissem narrativas sobre suas próprias experiências,
envolvendo pais, parentes, amigos e vizinhos, desde que fossem práticas vivi-
das no âmbito do Município de Aparecida. Uma vez produzidos, esses causos
participariam do campeonato e depois seriam distribuídos entre os professores
envolvidos, a fim de serem trabalhados a luz de seus conteúdos curriculares.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 47

Com isso, mataríamos não apenas dois, mas três coelhos de uma só vez:
Inundaríamos as disciplinas envolvidas com causos reais sobre o cotidiano das
famílias; criaríamos um cenário intercultural, intergeracional e interepistémico
de trocas de conhecimentos e sensibilidades; e, de quebra, aglutinaríamos,
por meio de uma única atividade, várias ações orientadas à mitigação dos
impactos socioambientais apontados no diagnóstico.

E os alunos poderiam
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escolher qualquer tema


para os seus causos?

Não. Era importante que os assuntos tivessem total interface com os


padrões encontrados nas respostas dos alunos ao questionário. Assim, elabo-
ramos quatro temas contextuais para que pudessem escolher.

E quais foram?

Bem, o tema um foi saúde doméstica. O aluno que o escolhesse, deve-


ria escrever sobre situações do dia a dia em que pessoas da sua família,
ou conhecidos, se utilizavam da medicina “popular” – plantas; garrafadas;
chás; benzeções etc., para se curarem de algum problema de saúde. O obje-
tivo estratégico desse tópico era o de valorizar as memórias bioculturais dos
migrantes, seus conhecimentos e suas práticas. O tema dois era alimentação
simples, criativa e nutritiva. Escolhendo esse, o aluno, com ajuda de seus pais
e avós, ou pessoas mais velhas de convívio da família, deveria escrever sobre
tipos de comidas feitas a partir de ingredientes não industrializados. A ideia
principal era a de despertar os alunos para situações de adaptabilidade e de
autonomia alimentar. Situações como aquelas em que uma mãe, mesmo não
encontrando quase nada na dispensa, consegue, com criatividade e amor, fazer
uma comida saborosa e nutritiva. O tema três era intitulado cenários do meu
bairro. Escolhendo esse assunto, o aluno deveria escrever sobre as transforma-
ções sofridas pelo bairro ao longo do tempo. Nesse caso, ele poderia produzir
48

o causo com base nas lembranças e impressões de moradores que presencia-


ram tais transformações. O objetivo central desse tema, era o de provocar no
aluno um sentimento de co-pertencimento entre ele e a região onde mora. O
último tema era brinquedos e brincadeiras. Escolhendo essa abordagem, o
aluno deveria escrever sobre os tipos de brinquedos e brincadeiras que ele,
seus amigos e vizinhos já criaram para se divertirem em seu bairro. A ideia
central desse tema é análoga ao assunto dois, ou seja, despertar os alunos para
situações de adaptabilidade e de autonomia. Situações como aquelas em que
as crianças, mesmo não possuindo brinquedos industrializados, conseguem

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criar brincadeiras divertidas usando a imaginação, e aproveitando coisas e
objetos que se encontram ao seu redor.

Achei essa iniciativa de contação de


causos completíssima! Nem dá pra
calcular quantos elementos culturais
e históricos podem atravessar esses
causos, não é mesmo?

Mas, por que a ideia


de campeonato?

Ora, aqui é não é o País do futebol? Então, nada mais familiar do que a
palavra campeonato, não é mesmo? Além do mais, a competição seria inte-
rescolar. Todos os alunos participantes receberiam brindes e um certificado
emitido pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFG; e os 30 melhores
causos selecionados, comporiam um livro de causos, que seria organizado pela
SME, para ser utilizado pelos professores nas suas atividades em sala de aula.
Assim, colocamos tudo isso no papel e apresentamos o projeto para
equipe da SME.

9 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de história do ensino fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o de
garantir que o aluno seja capaz de “Compreender acontecimentos históricos, relações de poder e processos
e mecanismos de transformação e manutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais ao
longo do tempo e em diferentes espaços para analisar, posicionar-se e intervir no mundo contemporâneo”
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 402.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 49

E o grupo aprovou?

Sim. Gostou muito da ideia. Porém, caberia a nós convencer as coordena-


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ções das escolas e acertar com elas um calendário para a realização das atividades.
Felizmente, as quatro escolas concordaram em participar, contudo, foram
necessárias várias e várias semanas de idas e vindas àqueles colégios, até
podermos dar início ao campeonato. Foi preciso entrar em cada uma das turmas
envolvidas para explicar aos alunos os detalhes da atividade, e reunir com cada
coordenador e suas equipes de professores para discutir, tanto sobre os temas
contextuais e suas interfaces com o diagnóstico socioambiental, como também
sobre as possibilidades inter e transdisciplinares que tal atividade oferecia.

E como foi o
campeonato?

Apesar do fato de somente alguns poucos docentes, de cada uma das


quatro escolas, terem aderido à atividade, os resultados foram surpreendentes.
Os alunos apresentaram causos interessantíssimos envolvendo os quatro temas
contextuais. Quase sempre, as apresentações deixavam os espectadores muito
emocionados. Eram as diversas vozes, transpostas pelas mãos de alunos e
alunas, sem filtros ou controles, se materializando diante de todos.
Mais surpreendente ainda, foi ver, depois de algumas semanas, aqueles
causos percorrendo alguns caminhos didáticos em sala de aula. Visitamos
algumas turmas e ouvimos, de alunos, relatos de tirar o fôlego a respeito das
impressões que tiveram ao compartilharem seus minicausos. Alguns deles,
falaram sobre a enorme satisfação e orgulho que sentiram ao verem as memó-
rias de seus pais e avós, seus conhecimentos e suas práticas, ganhando impor-
tância nas atividades desenvolvidas em sala de aula. Igualmente surpreendente,
foi ouvir professores e professoras falando sobre como viram suas identidades
saltando de dentro daquelas narrativas. Pois, a maioria deles era migrante
nordestino ou filho de migrante. Inclusive, alguns deles admitiram sentir um
50

profundo pesar por terem, durante tantos anos, se rendido às ideologias que
os obrigavam a silenciar suas histórias.10

Entrega de certificado, campeonato de minicausos, Aparecida, 2015

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As experiências vividas no âmbito do campeonato de minicausos nos
deixaram muito entusiasmados. Em nossa opinião, elas conseguiam açam-
barcar, praticamente, a totalidade das realidades sócio-histórico-ambientais
necessárias à produção de práticas didáticas capazes de mitigar os impactos
apontados no diagnóstico.
Vislumbramos, inclusive, a possibilidade de estender tal experiência a
um número bem maior de escolas. Contudo, ao refletirmos sobre os caminhos
didáticos encontrados pelos minicausos em cada uma das turmas envolvidas,
percebemos que muitos dos professores e professoras envolvidos nas ativida-
des, apesar do interesse e da dedicação, apresentavam grandes dificuldades
no aproveitamento dos conteúdos dos minicausos.

Que tipo de
dificuldades?

10 Anexo C. Os minicausos aqui arrolados foram retirados da dissertação de mestrado de um dos membros do
projeto Reativar. Veja: NEVES, Marco Aurélio F. Da Colonialidade à Decolonialidade: a prática pedagógica
dos professores da rede municipal de Aparecida de Goiânia na implementação do projeto Reativar/
UFG. 2017. Mestrando em Educação, Linguagem e Tecnologias – Universidade Estadual de Goiás.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 51

Identificamos uma enorme fragilidade em termos de suas formações, espe-


cialmente, no que diz respeito à questão ambiental. Ora, o nosso projeto partia
de uma História Ambiental ancorada numa “concepção sistêmica da vida”,
especialmente na abordagem da “ecologia profunda”. Tratavam-se, portanto,
de concepções de cujas epistemologias ainda não haviam encontrado o devido
assento na maior parte dos processos de formação continuada dos professores.
Neste sentido, como poderíamos alcançar os resultados pretendidos, por mais
que conseguíssemos estender essas atividades a outras escolas, se os professores
que as conduziriam não se encontravam devidamente capacitados para tanto?
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Assim, mais uma vez, nosso entusiasmo, se converteu em desafio.

E o que fizeram?

Não desistimos. E só nos restava uma única coisa a fazer: Oferecer um


curso de capacitação aos professores interessados. Então, convidamos o pro-
fessor Sérgio Loiola, que, à época, era nosso parceiro na disciplina Introdução
à História Ambiental, oferecida a alunos da graduação e da pós-graduação da
Faculdade de História, e a professora Gislene Auxiliadora, coordenadora do
Centro Primavesi de Agroecologia, da Escola de Agronomia da UFG. Elabora-
mos um curso de cinco módulos, quatro em sala de aula e o último em campo,
no Centro Primavesi. Assim, escrevemos o projeto e o apresentamos à SME,
sob o título Curso de aperfeiçoamento em práticas educativas socioambientais
e condições de adaptabilidade. Ao final do curso, os professores receberiam
um certificado de 60 horas, emitido pela PROEC, que poderia ser utilizado
pelos professores em seus processos de progressão.

E como a SME recebeu


a ideia do curso?

Receberam com muita satisfação. Afinal, além do curso proporcionar aos


docentes a competência necessária para tomarem parte no projeto Reativar, tam-
bém seria uma oportunidade de oferecer uma formação continuada, inteiramente
organizada e conduzida por uma equipe da UFG. Tudo o que precisariam fazer
52

para tornar isso possível, seria apenas liberar um espaço para a realização dos
encontros, facilitar um escalonamento para que os professores inscritos pudes-
sem se ausentar de suas salas de aula durante os eventos, e providenciar um
ônibus para transportá-los até a Escola de Agronomia para o último encontro.

Folder do curso oferecido a professores da SME, 2016

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Foto tirada durante o curso de capacitação, Aparecida, 2016

Por falta de agenda, só conseguimos formar uma turma, pois as aulas


se iniciaram já no último bimestre de 2016. Contudo, as professoras e pro-
fessores, que dele tomaram parte, ficaram maravilhados com a experiência.
Embora, no início, as abordagens sistêmicas lhes parecessem um pouco
estranhas, o perfil prático do curso facilitou a compreensão dos conteúdos
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 53

tratados. A maior parte dos professores, entretanto, fez questão em nos


dizer da indignação que sentiram por não terem sido apresentados àquela
abordagem durante o tempo da faculdade.

Aula prática ministrada pela professora Gislene, CEPA/UFG, 2016


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Finalizamos aquele ano muito esperançosos. Os esforços tinham valido


a pena. Tudo indicava que estávamos no caminho certo. A SME se mostrava
favorável, tanto a expansão de nosso projeto em sua rede de ensino, como da
manutenção do curso de capacitação. Vislumbrávamos um processo circular
envolvendo capacitação de professores, multiplicação das ações do projeto
e produção de material didático.
E falando em material didático, no apagar das luzes daquele mesmo
ano, recebemos a notícia da premiação do livro O Giro de Bolon, História
Ambiental para Grandes Crianças e Pequenos Adultos. A criação do livro
também foi uma estratégia para contornar os desafios didáticos surgidos ao
longo de nossas experiências em Aparecida. A ideia era a de produzir uma
ferramenta didática capaz de divulgar os resultados de nossas pesquisas por
meio do cotejamento entre a escrita científica e a linguagem narrativa ficcio-
nal. Além de se constituir numa forma alternativa de educação ambiental para
os alunos daquela rede de ensino, também buscava atender a comunidade
local, no sentido de levar, a uma imensidão de pessoas não acadêmicas, a
oportunidade de alcançar a compreensão acerca de importantes fenômenos
socioambientais que as atingem muito, diretamente, em seu dia a dia.
54

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Porém, no início de 2017, veio a bomba...

Bomba?!

Isso mesmo. A bomba. Preocupados em não perder o time do calendário


letivo da SME, tratamos de agendar uma primeira reunião com a equipe pedagó-
gica, a fim de programarmos as ações do Reativar para aquele ano. Tudo certo.
Reunião agendada, e lá estávamos. Só não sabíamos de uma pequena novidade
para aquele ano: Estava começando a gestão do novo secretário de educação.
Bem, sem maiores delongas, aquela foi a reunião mais constrangedora
de nossas vidas. As mesmas professoras que apoiavam o nosso projeto, só se
deram ao trabalho de nos apresentar ao novo secretário, ou seja, não disse-
ram uma só palavra sobre os três anos de operação do Reativar naquela rede.
Aquilo foi, para nós, como uma “mensagem na garrafa”.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 55

E o que aconteceu?

Foi horrível. Uma das assessoras pedagógicas pediu que explicássemos


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o projeto ao novo secretário. Era como se estivéssemos ali pela primeira


vez. Mesmo assim, o descrevemos nos seus mínimos detalhes: Sua trajetó-
ria nas escolas, os diagnósticos, os desafios, as saídas encontradas, o curso
de capacitação, e por último, as nossas intenções em continuar investindo
naquela rede de ensino.
Ele, simplesmente, olhou para nós com ar de desinteressado, e disse
que iria, junto às suas assessoras para assuntos pedagógicos, analisar a nossa
proposta. Contudo, antes de nos retirarmos, fez questão de nos avisar que
tinha “outros planos para sua gestão”. Para nós, não restavam dúvidas de que
aquela reunião assinalava o fim de nossas ações naquele Município.

A que vocês atribuem


esse desfecho?

Ainda tentamos falar com algumas professoras da equipe pedagógica


que haviam se mostrado muito entusiasmadas com os resultados alcançados
pelo projeto, mas, foi em vão. Elas não souberam nos dar uma resposta mini-
mamente plausível para aquela situação. Por fim, concluímos que tudo não
passara de uma desgastada e equivocada prática de cunho político, ou seja,
apagar projetos que carregam as marcas da gestão anterior.
Aquela expulsão nos pegou de surpresa, pois, durante todo os anos em
que estivemos atuando em Aparecida, pensávamos que uma eventual para-
lização de nossas atividades naquele município poderia vir tão somente por
motivos ligados à nossa própria incapacidade de superar desafios, e nunca
por uma situação como aquela. Ainda mais, depois de termos alcançado um
modelo capaz de manter a sustentabilidade entre as ações pretendidas, ou seja,
56

o entrecruzamento entre os conhecimentos tradicionais, as práticas escolares,


a formação continuada de professores e a produção de material didático. Em
suma, foi muito decepcionante ver uma secretaria de ensino dar as costas a um
projeto como o Reativar, apenas, para não contrariar as motivações políticas
de gestores recém-empossados.
Embora decepcionados, deixamos Aparecida com a certeza de que não
poderíamos abrir mão de todas aquelas experiências. Se, por um lado, tínhamos
consciência das nossas limitações operacionais, no que diz respeito a nossa
incapacidade em atender muitas unidades escolares ao mesmo tempo, por outro,

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sabíamos das importantes possibilidades metodológicas que abrimos em relação
às estratégias didáticas voltadas tanto para a condução dos alunos à conquista
de habilidades e competências no âmbito do ensino de História, como para a
mitigação dos impactos socioambientais derivados de processos de migração.
Então, decidimos levar o projeto para uma outra localidade. Mas, qual?
Agendamos um sábado e saímos para uma prospecção. Deixamos o
Campus da UFG rumo ao norte. Nossa ideia era a de ir até o último setor
habitado da região. Tomamos, então, a GO–462, saída para Nova Veneza.
Ao chegarmos no extremo da região, encontramos os dois últimos setores
habitados: Os residenciais Orlando de Moraes e Antônio Carlos Pires.
Ambos os setores, receberam suas primeiras levas de habitantes, a partir
do ano 2000, atraídos pelo programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida”,
sendo uma parte dos moradores provenientes das chamadas “áreas de risco”,
especialmente do bairro Urias Magalhães. In suma, trata-se de uma ocupação
relativamente recente cujos moradores, assim como no caso dos setores de
Aparecida onde atuamos, têm suas histórias ligadas a processos de migração
das regiões Norte e Nordeste para Goiânia.
Iniciamos pela elaboração de um checklist das possíveis ações a serem
empreendidas, nos dois setores, com base nas nossas experiências vividas em
Aparecida. Os setores contavam com duas instituições municipais de ensino:
um CMEI, que oferece creche e pré-escola; e uma escola para educação
infantil, fundamental I e II.
Diferente da maneira como iniciamos em Aparecida, ou seja, indo pri-
meiramente às escolas, optamos por começar realizando uma imersão na
comunidade. Nos primeiros dois dias, caminhamos pelos dois setores, fazendo
o reconhecimento de todo o perímetro, tirando fotos e fazendo anotações.
Em ambos os setores, apenas partes das ruas haviam recebido pavimentação
asfáltica. Os dois setores eram atravessados por uma avenida central, chamada
por seus moradores de “linha do ônibus”. Ainda havia muitos terrenos não
edificados. A maior parte das casas eram simples, seguindo o padrão “minha
casa, minha vida”. Também havia muitíssimas que, embora habitadas, ainda
precisavam de revestimentos e muros. Nas quadras que margeavam a avenida
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 57

central e naquelas próximas à rodovia, havia vários estabelecimentos comer-


ciais e um número significativo de residências, cuja qualidade da obra atendia
a um padrão intermediário de construção.
Após aqueles dois dias de reconhecimento, realizamos uma série de mais
dez visitas antes de irmos às escolas. Nesses encontros, procuramos estabe-
lecer contatos com algumas pessoas que poderíamos chamar de informantes
locais ou “pessoas chave”, como por exemplo, donos de comércio, líderes de
bairro e agentes de saúde.
Entre todas as pessoas contatadas, duas, em especial, se destacaram e,
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desde então, se tornaram grandes parceiras do nosso projeto: Reinaldo, líder de


bairro; e a Dona Pita Soares. Ambos, moradores locais, migrantes nordestinos
e muito populares ente os habitantes. Dona Pita, inclusive, é uma profunda
conhecedora de plantas medicinais.
Na companhia de D. Pita e Reinaldo, realizamos uma peregrinação
pelos dois setores, onde nos foi possível conhecer inúmeros moradores e
seus quintais. Tais incursões fez surgir uma verdadeira cartografia etnobotâ-
nica: na base do improviso, uma parte dos residentes conseguia aproveitar
os escassos espaços de terra, que restavam em seus diminutos terrenos, para
cultivar pequenas hortaliças e plantas medicinais. Outros, no entanto, apesar
de atribuírem importância à tal iniciativa, já não mais cultivavam; apenas
lembravam, com nostalgia, de outros tempos e lugares em que o plantar era
indissociável de seus viveres.

Quintal de um morador, 2017. Da direita para esquerda: Eu;


Marco Aurélio, D. Pita; a proprietária da casa e Reinaldo
58

Quintal de uma moradora, 2017

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Após a nossa peregrinação pelos quintais, decidimos convidar todos os
moradores visitados, tanto os que ainda cultivavam, como aqueles que já haviam
abandonado a prática do cultivo. Nossa intenção era a de propor a eles uma inter-
venção compartilhada na escola do setor onde seus filhos estudavam. E devido à
impossibilidade de reunir todos num mesmo dia e horário, foram necessários três
dias até conseguirmos discutir a nossa proposta com todos os residentes listados.
Embora alguns tenham se mostrado indiferentes à nossa proposta, a maior
parte aprovou com entusiasmo.
Aprontamos um relatório de tudo o que vimos e ouvimos naqueles 12
dias de imersão na comunidade, e agendamos uma reunião com a profa. Katia,
coordenadora do CMEI João Navega de Aguiar.

Reunião entre a equipe do reativar, D. Pita,


Reinaldo e a coordenadora Katia, 2017
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 59

A profa. Katia e sua equipe nos receberam com muita presteza, e a reu-
nião demorou, aproximadamente, cinco horas.

Cinco horas?!
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Sim. Cinco horas. Além de discutir sobre o resultado de nossas andanças


pelos dois setores, também demos voz a Reinaldo e Dona Pita, para que pudes-
sem expor suas ideias a respeito de nossa proposta. Por último, apresentamos
um balanço geral de nossas experiências junto às escolas de Aparecida.

E qual foi a reação do


pessoal do CMEI?

A melhor possível! Acataram o nosso projeto com muito entusiasmo.


Ficou claro para nós, entretanto, que o fato de termos, inicialmente, apresen-
tado, tanto o relatório de nossas visitas, como as opiniões de D. Pita e Reinaldo
foi algo determinante para a decisão de Katia e sua equipe. Pois, diferente-
mente do que ocorrera em Aparecida, onde, primeiramente, apresentamos
o projeto e depois o diagnóstico socioambiental, ali, naquela reunião, era a
própria comunidade que estava apresentando a sua demanda. Nossa equipe
era tão somente uma representante técnica das possibilidades educacionais
construídas pelas dinâmicas socioambientais no âmbito da comunidade.

Como iniciaram as atividades?


60

Sob a orientação da profa. Gislene, projetamos a implantação de uma


hortaliça para o cultivo de plantas alimentícias e medicinais. A ideia era a de
envolver escola e comunidade.

Espaço do CMEI escolhido para o projeto da horta, 2017

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E como foi?

Foi uma experiência intensa, produtiva e muito gratificante. Conseguimos


envolver escola, comunidade e alunos da UFG.

Preparação do terreno envolvendo comunidade, equipes da UFG e do CMEI, 2018


QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 61

Alunos do CMEI em atividade coordenada na horta, 2018


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Nesta fase do projeto, concentramos nossas baterias em duas ações: a


promoção da mudança de hábitos alimentares, entre as crianças, por meio de
atividades que iam desde o plantio, até a preparação dos alimentos na can-
tina; e a construção de consciência ambiental, relacionando as experiências
vividas na horta com as práticas escolares, como por exemplo, o letramento,
a matemática e o ensino de ciências.

E as ações envolvendo
a comunidade?

Boa pergunta. Nós buscamos intensificá-las: Além de incentivarmos a


participação da comunidade na manutenção da horta, também promovemos
a participação da professora Gislene e seus alunos da Escola de Agronomia
em importantes ações, como por exemplo, visitas a quintais, atividades de
plantio dentro da escola e o oferecimento de cursos de capacitação, ou dias de
campo, no Centro Primavesi de Agroecologia da UFG, tanto para professores
e servidores das escolas, como para pessoas da comunidade.
62

Profa. Gislene e seus alunos durante atividade no CMEI, 2018

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Profa. Gislene e seus alunos em visita a uma residência
no residencial Orlando de Moraes, 2018

No ano seguinte, estendemos nossas atividades à escola municipal Orlando


de Moraes, vizinha ao CEMEI. Lá, como muitos dos pais de alunos já sabiam
das intenções do nosso projeto, pois também tinham filhos matriculados no
CEMEI, a adesão foi quase que unânime. Nossa primeira ação foi a de pro-
vocar um encontro envolvendo servidores da escola e pais de alunos, a fim
de debatermos a importância da reativação das memórias bioculturais entre a
comunidade e a urgência em fazê-las circular no interior das práticas escolares.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 63

E como foi a participação


das pessoas durante o
encontro?

Para ser honesto, excedeu completamente as nossas expectativas. No iní-


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cio, pareceu meio maçante, pois precisamos apresentar o escopo do projeto, as


ações pretendidas etc., mas, depois que abrimos para a comunidade falar sobre
suas memórias bioculturais, foi algo assim, impagável: muitos deles narraram
acontecimentos de suas infâncias, passadas em zonas rurais pelo Brasil afora,
relembrando de práticas de cultivo, produção de alimentos e de medicamentos
caseiros. As lembranças que revisitavam pais e avós já falecidos, arrancavam
sorrisos e lágrimas. Naquele momento, materializava-se diante de todos a alma
do projeto Reativar, ou seja, a recriação de uma sociabilidade biocultural.

Primeira reunião com a comunidade da escola


municipal Orlando de Moraes, 2019

Devido ao grande interesse demonstrado pelas pessoas durante aquele


encontro, decidimos estruturar um curso de agroecologia aplicada a quintais
e a espaços escolares, e oferecê-lo à toda comunidade. E em junho daquele
mesmo ano, conseguimos realizá-lo.
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Paralelo à edição daquele curso, foi também realizado, por Marcos Bric-
cius, um dos membros de nossa equipe, um levantamento etnobotânico com
o registro de memórias bioculturais entre moradores da comunidade.11

Início das atividades de plantio na Escola Municipal Orlando de Moraes, 2019

11 Veja Anexo D.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 65

E como parte das ações do nosso projeto, continuamos a produzir mate-


riais didáticos alternativos, votados para educação e História Ambiental. Em
2020, a UFG lança a coleção Reativar.
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Atualmente, eu e minha equipe estamos preparando os documentos


necessários à consolidação de um acordo de parceria entre o projeto Reativar e
o Instituto Federal de Inhumas, em razão de um convite que nos fizeram para
implantar um núcleo multiplicador de nossas ações no interior de um amplo
projeto de extensão que estão iniciando naquele município.

Cara, isso é
muito bom!
66

Pois é! Na verdade, esse sempre foi o nosso


sonho, ou seja, poder adaptar as bases do
nosso projeto, em outras localidades do
Estado, por meio da troca de experiências
com docentes e comunidades.
Nossa! Me perdoem. Acho que acabei
falando demais, não foi?

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Relaxa, professor. Foi
ótimo! E pela quantidade
de experiências que
relatou, acho até que
conseguiu resumir bem

E agora, de quem é
a vez?

Adivinhe: Você! Não


decidimos que seria
por ordem de idade?
PARTE II
A HISTÓRIA COMO OFÍCIO E O ENSINO
DA HISTÓRIA INDÍGENA NA ESCOLA
Aurélio Inácio Faria
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Tudo bem. Mas, já vou


avisando: serei mais
breve do que o Alexandre.

Então, no final da década de 1990 do século passado, eu, um jovem de


17 anos, iniciava minha trajetória como professor de História em um colé-
gio da cidade de Buriti Alegre, o extinto Colégio Paroquial Nossa Senhora
D’Abadia, do qual havia sido aluno. Naquele momento, acabara de entrar
para a faculdade de História na Faculdade de Educação, Ciências e Letras
de Morrinhos (FECLEM), hoje UEG – Morrinhos. Não era o curso superior
pretendido, mas o que “a vida” ofereceu naquele momento a um pretenso
médico. Não que a licenciatura nunca tivesse passado pela minha cabeça,
visto que no ensino médio, o antigo segundo grau, havia cursado o técnico
em Magistério concomitantemente ao técnico em Contabilidade, no Colégio
Estadual Padre Nestor Maranhão Arzola, também em Buriti Alegre.
Sempre morei na cidade de Buriti Alegre, localizada no sul do estado
de Goiás e com aproximadamente dez mil habitantes, que tinha apenas duas
escolas que ofereciam o ensino fundamental II e o ensino médio. Naquele
momento, a cidade não contava, ainda, com nenhum professor com gradua-
ção em História. Juntamente com dois colegas que haviam ingressado na
68

licenciatura em História um pouco antes de mim, enfrentaria muitos desafios


sobre o “ensinar história”. O desafio principal seria desconstruir visões tradi-
cionalistas que se perpetuaram ao longo dos anos no ensino de história. Maior
ainda para nós, em uma cidade do interior de Goiás, que pouco contato tinha
com as “inovações” acadêmicas.
Com a cabeça cheia de sonhos e projetos para mudar o mundo, a partir do
contato com o materialismo histórico, que estava em voga na minha faculdade,
via na sala de aula um espaço de debate onde poderia possibilitar aos meus alu-
nos o desenvolvimento de uma visão crítica a partir do conhecimento histórico.

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A empreitada não era das mais fáceis, pois além dos alunos estranharem aquela
“nova maneira” de aprender história, encontrei vários pais que procuravam
a direção da escola para questionar meu trabalho. Com questionamentos do
tipo: “onde já se viu, esse professor nem passa questionário para os meninos
estudarem para a prova”, ou ainda... “e esse negócio de mandar os meninos
lerem outros textos, e ficar escrevendo linhas e linhas com opiniões deles sobre
o que leram? Meu filho vai tomar bomba! Não gosta de escrever!”. E quando
propunha os temidos “seminários” e os “GV-GOs” (grupo de verbalização e
grupo de observação)”, aí sim, quase apanhava, porque segundo a maioria dos
pais (aqueles que gostavam do questionário para estudar para a prova) os filhos
não conseguiriam falar aos colegas e debater sobre os temas estudados, pois
eram muito tímidos e tinham “vergonha” de falar em público.
Vez ou outra, aparecia uma mãe, que também era professora, questio-
nando meus métodos de ensino e apresentando um ou outro manual didático
de ensino que trazia “verdades incontestáveis”, das quais eu não deveria fugir
na minha prática. Eu ouvia, logicamente com uma paciência de Jó, e depois
fazia do meu jeito. Isso, sem contar quando propunha trabalhos com teatro,
dança, jogos lúdicos, semanas culturais e música nas aulas de história. Os
alunos adoravam, mas alguns pais e colegas de trabalho torciam o nariz e
pelos corredores comentavam: “isso é aula ou brincadeira?”
Meus projetos tinham tudo para não serem aceitos. Mas graças a duas
grandes parcerias, conseguiria, aos poucos, levá-los adiante. Tive, dos alunos
e da direção da escola, o apoio e incentivo que precisava. Fato que considero
relevante a ser destacado, pois apesar de ser um colégio tradicional, as duas
gestoras com as quais trabalhei, tinham uma visão à frente de seu tempo e
com muita sabedoria, souberam me lapidar, aproveitando e canalizando meus
sonhos e “loucuras” para um trabalho, até então, diferente do que era entendido
e aceito na sociedade sobre como o ensino de história deveria ser conduzido.
Claro, com muitos erros também, mas com uma vontade imensa de trazer outras
perspectivas de aprendizagem para os alunos. Dando cabeçadas daqui e dali,
lendo, investigando, experimentando e dialogando, buscava atualizar minha
formação e levar meus aprendizados para o “chão da escola”. Estas experiências
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 69

seriam levadas também para a escola pública, na qual ingressaria como contrato
temporário e depois como concursado pela rede estadual de ensino.
Meu primeiro contato com a escola pública, enquanto contrato tempo-
rário, seria numa turma de alfabetização (o antigo pré-alfabetização), onde,
confesso não ter tido muito sucesso, pois além de ter uma turma com quase
30 alunos para alfabetizar, não me identificava em trabalhar com aquela faixa
etária. Foi quando, após quatro meses trabalhando nessa turma, recebi um
convite para substituir uma professora que acabava de entrar de licença no
Colégio Estadual Padre Nestor Maranhão Arzola. De início, não eram aulas
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de história, e sim de ciências. Não era a formação na qual eu havia ingressado,


mas naquele dado momento, era uma oportunidade de ter contato com a sala
de aula e, mais à frente, pensei, caso surgissem aulas de história na escola,
eu já estaria ali. Somente no ano de 2004, ingressaria, através de concurso
público, como professor de história nesse mesmo colégio.
Além da licenciatura em História, resolvi cursar outras áreas para ampliar
meus conhecimentos e, principalmente meu campo de atuação na escola, visto
que ao longo dos anos, o número de aulas de História na “famosa” grade cur-
ricular foi sendo reduzida. Cursei a licenciatura em Geografia, em Educação
Física, em Letras e por último, em Artes Cênicas. Recebi algumas críticas
por isso, quando muitos me perguntavam se eu queria colecionar diplomas.
O que parecia um desatino foi, na verdade, um grande aprendizado, pois ao
acessar outras áreas do conhecimento, tive contato com outras linguagens que
enriqueceram notoriamente minha atuação em sala de aula, inclusive nas aulas
de história. O contato com os conhecimentos geográficos, por exemplo, me
fizera perceber a importância de relacionar tempo e espaço, além do valoroso
trabalho com mapas, tabelas e gráficos, o que havia apenas sido introduzido,
brevemente, em uma disciplina denominada “geo-história” na licenciatura em
História. Na interlocução com a Educação Física, muito me enriqueceram os
conhecimentos ligados aos jogos, à dança e à ludicidade muito pertinentes
também nas aulas de história. No contato com a Letras, os conhecimentos
relativos à nossa língua e o uso e interpretação de diferentes textos muito
me ajudariam no trabalho de interpretação de documentos diversos com os
alunos em sala de aula, desde os escritos até as charges, e outros. No contato
com as artes cênicas, o mundo do teatro, o trabalho com a voz, a capacidade
do improviso e a sensibilidade que a arte nos proporciona, agregaram vários
saberes à minha prática docente. Após esse longo percurso, estava eu nova-
mente tomando posse em um novo concurso na rede estadual, dessa vez na
área de Educação Física/Dança, já no final da primeira década do século XXI.
Essa formação diversificada possibilitou outros olhares, outros diálogos
e trocas com diversas áreas de conhecimento e linguagens. Quando entro para
a sala de aula, não está ali apenas o professor de história que se fechou e se
70

restringiu em um campo de saber, mas que buscou nessas interações novas pos-
sibilidades metodológicas para atuar na sala de aula e que, percebe tal fato não
como uma simples diversificação, mas como contribuições que me permitem
tanto lançar outros olhares para a prática do ensino de história, como lançar mão
de abordagens renovadas e plurais, capazes de romper com certas perspectivas
tradicionais que me eram oferecidas no tempo da minha formação em História.
Este breve relato inicial com um pouquinho da minha história de profes-
sor de História, e outras disciplinas, mostra angústias vividas em um passado
não muito distante. O mais surpreendente é que, depois de quase 25 anos,

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essas angústias ainda fazem parte da minha atuação profissional e de outros
tantos professores de história espalhados por esse Brasil: deficiências em
nossa formação, que se desdobrariam em dificuldades com os aspectos teóri-
co-metodológicos e didáticos para atuar na sala de aula; distanciamento com
as discussões acadêmicas e, mais ultimamente, os negacionismos e outros
“ismos” presentes na sociedade, têm nos tirado o sono. Essa amplitude de
questões nos leva a reflexões necessárias quanto ao nosso papel de professores
de história. Por mais que a coisa esteja ficando feia para o nosso lado: com
salários defasados, desvalorização da profissão, esvaziamento da carga horária
das aulas de história; não somos daqueles que desistem facilmente (sem querer
usar aquele velho jargão do “somos brasileiros...”). Nesse diálogo que estamos
tendo agora, entre amigos professores de História, podemos compartilhar
angústias e vislumbrar caminhos e descaminhos. Apontando possibilidades e
não soluções, um tipo de exercício importante, pois nos permite a ampliação
de nossa autopercepção no âmbito da nossa prática do ensino de história.
Cara, quando a gente percorre a história do ensino de história12, fica
fácil entender como que as concepções tradicionais, dentro de uma visão
colonialista, foram construídas ao longo do tempo. Esse jeito de pensar e
ensinar a história fez parte da vida de muitas gerações, inclusive da minha.
As práticas mais comuns se concentravam em decorar datas, identificar os
grandes heróis e seus feitos, e ignorar a participação de grupos minoritários
como mulheres, negros e indígenas, por exemplo, enquanto sujeitos históricos.
Lembro-me, como se fosse hoje, de uma professora que tive no ensino fun-
damental, que levou como trabalho para a sala de aula uma imagem mimeo-
grafada de D. Pedro I, montado em seu lindo cavalo, para colorirmos e colar
no caderno. O objetivo era estudar sobre a “independência” do Brasil. Algo
“normal” para o ensino de história que se pensava nos anos de 1980, nas salas
de aula da educação básica. Naquele período, já existiam outras discussões
no ambiente acadêmico, mas elas ainda não haviam chegado ao “chão da

12 Para saber sobre os processos históricos de surgimento e consolidação do ensino de história no Brasil veja:
(BITTENCOURT, 2003; CAIMI, 2008; FONSECA, 2003; GUIMARÃES, 1998; KALLÁS, 2017; MONTEIRO,
2007; NADAI, 1993; PEREIRA, 2008).
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 71

escola”. Esse caminho ainda seria percorrido de forma lenta, permanecendo


as concepções tradicionais e colonialistas do que é ensinar e aprender história
no Brasil durante muitos anos. Apesar das rupturas significativas que ocorre-
ram na legislação educacional e discussões acadêmicas, vez ou outra, ainda
encontramos práticas tradicionais no ensino de história da educação básica,
como, por exemplo, o culto aos grandes “heróis”, a invisibilização do papel
das mulheres, dos negros, dos indígenas e de tantos outros temas, relevantes
para a historiografia, que merecem novas releituras.
Nesse exercício de entender como se construiu o ensino de história no
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Brasil, fica claro que essas concepções do que seja ensinar história, desde o
século XIX até a última década do século atual, serviram a interesses diversos,
construindo e afirmando ideologias. Nossas aulas de história não podem ser
desvinculadas desse contexto de disputas. Quando deixamos de refletir sobre
aquilo que estamos levando para nossos alunos, corremos o risco de reforçar
práticas tradicionais construídas historicamente. Ao voltarmos ao final do
século XIX, e analisarmos a fundação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) e sua ligação com um projeto de uma história nacional,
podemos perceber que muitas das características inerentes àquele período,
ainda, podem ser vistas no ensino de História na atualidade. É perceptível, em
várias questões, que a História não fugiu muito ao modelo tradicional criado
no século XIX. Vê-se muito dessa história sendo reproduzida em sala de aula.

Mas como se deu


esse início?

Boa pergunta! O IHGB e suas “propostas” foi, até o ano de 1931, o único
centro de referência, baseando-se em histórias biográficas. Tinha como modelo
o Instituto Histórico de Paris, trazendo a influência da civilização francesa para
o Brasil. Percebe-se como ideário, voltado à formação da nação brasileira,
um projeto geográfico e historiográfico que buscava conhecer e divulgar a
natureza brasileira, além de definir limites e territórios. À história, caberia o
papel de escrever sobre a mescla das três raças e a diminuição das diferenças
regionais (buscando-se uma ideia de nação – unidade nacional).
Destaca-se uma concepção de história linear em que se fixa a ideia de
progresso fundamentada nas concepções iluministas, articulando futuro,
presente e passado. Além disso, é creditado ao IHGB o papel de “única e
72

legítima instância” capaz de escrever sobre a história do Brasil e identifi-


car suas especificidades, atribuindo-lhe o caráter de nação brasileira. As
biografias históricas utilizadas pelo IHGB, tinham por objetivo apresentar
“grandes vultos”, exemplos de heróis nacionais, os quais serviriam para
assegurar aquilo que deveria ser seguido pelas gerações vindouras, a fim de
colaborarem para o “progresso da nação”.
A quem caberia o papel de mudar tais concepções? Nesse caso, caberia,
então, ao historiador de ofício (enquanto esclarecido) apontar os caminhos
para a sociedade através de seu trabalho. Logo, legitimando o presente, tendo

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a história um sentido político. Atualmente, ainda nos deparamos, muitas vezes,
com uma história ensinada e publicamente divulgada a partir desses heróis que
supostamente simbolizam (dentro de um ideário europeu) uma nação homo-
gênea, perdendo de vista a diversidade que marca nosso País. É só sair pela
cidade, que encontraremos monumentos, nomes de ruas, rodovias, praças e
outros espaços públicos homenageando esses grandes heróis que, supostamente,
construíram sozinhos a nação brasileira.
Essa é notadamente a história que tive contato durante minha vida escolar
na educação básica e que apresentava, ainda, algumas permanências durante
minha formação acadêmica e de outros colegas contemporâneos. Mesmo depois
que foram surgindo novas discussões no debate histórico acadêmico, aquela
velha história ainda era reproduzida nas salas de aula da educação básica. Ques-
tões como o “mito da democracia racial”, por exemplo, presentes na obra de
Varnhagen no século XIX, inclusive premiada pelo IHGB, tiveram um caráter
político e ideológico que, além de atuar sobre o seu presente, também atua-
riam no futuro de um ensino de história que ignoraria a multiplicidade cultural
brasileira e suas especificidades regionais. Imagine o quanto nossas gerações
passadas deixaram de aprender sobre as contribuições das populações africanas
e dos povos originários de nossa terra. Tudo isso, porque a esses grupos, assim
como às mulheres e outras minorias, não foram dados o protagonismo em nossa
história. Prova cabal disso é a quantidade enorme de livros didáticos que sempre
traziam em suas imagens “os grandes heróis da nação” e seus feitos.
Estou entre muitos professores que, após o término da licenciatura, aca-
bam se distanciando das discussões acadêmicas. Como são poucos os cursos de
formação continuada oferecidos, ficamos, de certa forma, parados no tempo.
Isso é algo muito comum em nossa realidade enquanto professores. Muitos,
após terminarem a graduação, acabam estacionando por ali, seja por falta de
oportunidade ou mesmo de interesse. Além disso, os cursos de pós-graduação
em stricto sensu como mestrado e doutorado não eram de tão fácil acesso,
principalmente quando se fala em relação à área de ensino de história.
Somente no início do século XXI, quando me ingressei em um curso de
especialização em “História e Sociedade: temáticas, metodologias e produção
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 73

historiográfica”, pela Universidade Federal de Uberlândia, tive uma nova opor-


tunidade em atualizar minhas leituras e me inserir novamente dentro do que
estava sendo discutido sobre os rumos das pesquisas acadêmicas na área de
História. Me lembro de uma situação engraçada, e que marcou muito, pois me
mostrou o quanto estava desatualizado em relação às discussões acadêmicas:
Foi quando, em uma das aulas inaugurais do curso de especialização, uma
professora citou e analisou as contribuições de Roger Chartier para os estudos
da história cultural, dizendo – “Vamos retomar Chartier... vocês já devem estar
cansados de ler os textos dele na graduação, mas sempre é bom retomar!”. Os
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colegas riram, concordando com a professora, e eu dei aquele sorriso ama-


relo, consentindo com a cabeça, mas perguntando lá no meu íntimo... quem
era aquele tal de Chartier tão famoso para os colegas, e que eu desconhecia
totalmente? Fiquei, honestamente, um pouco desconcertado, mas ao mesmo
tempo intrigado e desafiado. Vi ali, naquela situação, o quanto a formação
continuada é importante para quem está na sala de aula. Aos poucos, fui lendo
os textos propostos, inclusive os de Chartier, e me inteirando das discussões
sobre a Nova História”, especialmente o campo da História Cultural e suas
contribuições para a ampliação do pensamento histórico.
Essas discussões, das quais eu e muitos professores nos encontrávamos
“apartados”, refletem mudanças que ocorreram na escrita da História a partir
de meados do século XX, mas que demoraram um pouco para chegarem nas
salas de aula da educação básica. Creio que com vocês, também não deve
ter sido diferente. Não estávamos acostumados a ver as mulheres, negros e
indígenas como sujeitos históricos. Estes, até então, ocultados, principalmente
em muitos livros didáticos, começam a ser inseridos, com certo protagonismo
nos conteúdos de História, a partir da segunda metade da década de 80.
Essas mudanças que a gente percebia na academia precisavam chegar até
a educação básica, e o caminho para isso seria realizar mudanças no currículo.
Os programas de história, que fundamentaram a formação de muitos de nós,
apresentam como característica a concepção de um País homogêneo e irreal,
camuflando as desigualdades sociais existentes em uma sociedade marcada
por uma dominação oligárquica e sem democracia social. Prevaleceu, de forma
duradoura, a concepção de um ensino positivista que privilegiou, dentro da
“história oficial”, o Estado e as elites.
As alterações começam a acontecer quando a História começa a ser pro-
blematizada e se aproxima de outras Ciências Humanas. Vários historiadores
passam a incorporar em suas pesquisas outras abordagens, como foi o caso
da História Ambiental, que se consolidou a partir de meados dos anos 70.
Inicia-se um processo de aproximação entre ensino e pesquisa, e busca-se
uma autonomia na organização de programas de ensino. Uma das grandes
novidades é a diversificação dos documentos e outras fontes históricas.
74

Vejam que interessante, amigos. No período da ditadura militar no Brasil


(1964 – 1985), por exemplo, destaca-se a inserção dos estudos marxistas,
que buscam “dar voz” àqueles que foram silenciados anteriormente, há um
alargamento do conceito de História e a incorporação de novos temas. Nesse
momento de grande repressão política e cultural de nossa história, muitas
barreiras são transpostas, e mesmo com todas as dificuldades, nossos colegas
historiadores conseguem realizar uma releitura da historiografia brasileira.
Buscam a identidade nas diferenças e desenvolvem inúmeras pesquisas ligadas
à história regional e local. O problema é que tais transformações, acabam se

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restringindo aos estudos ligados à pesquisa (pós-graduação), não atingindo
o ensino de educação básica e o que se entende por “história pública”. Os
professores da educação básica, por exemplo, têm um retrocesso em sua for-
mação (que é encurtada e empobrecida em termos de conteúdo). O Estado
autoritário usa de suas artimanhas para fazer da história ensinada na educação
uma aliada de seus interesses ideológicos. Ela não acompanha as mudanças
que ocorriam na academia, ao contrário, parece retroceder.
Não sei se vocês também vivenciaram o mesmo período que eu,
enquanto aluno da educação básica, mas me lembro muito bem que no
ensino fundamental I não estudei história, e sim uma disciplina denominada
“Estudos Sociais”, que ainda era um dos resquícios do currículo implan-
tado durante o regime militar. Olha que não sou tão velho, mas ainda me
deparei com outras “pérolas” provenientes de um currículo ultrapassado e
que demoraria um tempo para ser renovado, pois ainda convivíamos com
disciplinas como a OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e a
Educação Moral e Cívica no Ensino Fundamental II, e ainda o EPB (Estudos
dos Problemas Brasileiros) no curso de Licenciatura Plena em História. E
não se assustem, mas tem gente defendendo a volta do militarismo em nosso
País. Já ouvi até na sala de professores da escola, que “bom, era o tempo
em que se estudava Moral e Cívica na escola, pois os alunos, pelo menos,
sabiam cantar todos os hinos e amar a pátria”.
Como as mudanças demoram a acontecer na educação de nosso País,
né, meus caros! Somente na década de 1990, que se observa uma multiplici-
dade de mudanças nas propostas de ensino e abordagens. Algo que considero
bastante positivo é que se começa a perceber que o ensino do conteúdo de
História deve estar intimamente ligado ao seu método, buscando reflexões
(pensar historicamente). Finalmente, começaríamos a dar passos para fugir
do famoso decoreba.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 75

Nem gosto de lembrar! Quantas


noites eu passei em claro,
tentando decorar questionários
com mais de 100 perguntas para
fazer uma prova de história e no
dia posterior, já não lembrava de
mais nada!
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Há uma “conjuntura de ‘crise da história historicista”, que promove e


viabiliza outras concepções de História, ampliando os debates sobre o ensino
dessa disciplina, bem como tentando-se diminuir o distanciamento entre o
conhecimento produzido na “academia” e o que se ensina nas escolas de edu-
cação básica. A, até então, distante academia começa a debater a necessidade
de reformulações curriculares nas áreas de Ciências Humanas. Se atentam
para a emergência de redefinição da História em relação aos seus objetivos
e critérios para seleção de conteúdo, além da inclusão das abordagens meto-
dológicas e incorporação de novas linguagens. Com a consolidação das pes-
quisas relacionadas ao ensino de História, há uma diversificação dos estudos
que apontam para as ausências de grupos sociais nos conteúdos escolares de
História. E as pesquisas que começam a ser desenvolvidas, já se direcionam
para nosso trabalho na educação básica, abordando temas como “a cultura
escolar”, o currículo e a história do livro didático no Brasil.

Essas mudanças
chegaram rapidamente
na escola de vocês?

Na rede de ensino onde eu trabalhava, assim como em vários rincões


desse nosso Brasil, as inovações surgidas na academia, a partir da segunda
metade dos 80, demoraram um bom tempo até ganharem as agendas da edu-
cação básica. Só para vocês terem uma ideia, muitos dos meus professores,
durante a minha graduação, insistiam numa história tradicional e positivista.
Outros, permaneciam estacionados nas abordagens do materialismo histórico.
76

Somente alguns, se aventuravam pela chamada “Nova História Cultural”,


apresentando alguns textos isolados de autores franceses como os de LE
GOFF. Então, vejam: se no âmbito das academias de história, já havia esse
delay, imaginem entre a academia e a educação básica!
Outra questão interessante ao estudarmos sobre a produção historiográfica
relacionada ao ensino de História em nosso País é que até a década de 1970, os
pesquisadores nessa área eram predominantemente estrangeiros. Tal situação
começou a mudar entre as décadas de 1980 e 1990, e mais atualmente, com a
ampliação das pesquisas. Fruto dos programas de pós-graduação, da promo-

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ção de eventos, ampliação do mercado editorial e a inclusão das disciplinas
teórico-metodológicas nos currículos acadêmicos do curso de História (o que
não existia na minha época de acadêmico).
Então, de lá para cá, tem surgido um campo fértil de investigação sobre o
ensino de história. Confesso a vocês, que me encho de esperanças quando vejo
essa renovação com grupos temáticos de estudo, vários eventos nacionais, onde
nós, educadores, podemos comentar sobre o que estamos estudando e trocar
experiências significativas com outros colegas. E nem precisamos ir muito
longe: basta olhar para o que nós quatro estamos fazendo aqui, e agora, neste
nosso encontro, não é mesmo? Estamos engrossando a fileira daqueles que se
debruçam sobre o tema do ensino de história. E apesar dos delays é muito ani-
mador ver todo esse esforço ganhar materialidade no âmbito da educação básica.
Essa nossa troca de ideias é resultado de todo esse processo. Vemos aqui,
trabalhos com temas diversificados sendo desenvolvidos em relação a questões
tão carentes de ampliação nas escolas brasileiras. Discutimos sobre gênero no
trabalho de Renilson, sobre a questão das doenças na pesquisa desenvolvida
por Leandro (tão atual nesse período de pandemia) e no meu trabalho, abordo
a temática indígena. Quando optei por esse assunto, tão polêmico e necessário,
comecei a revirar minhas experiências pedagógicas, construídas ao longo
desses 23 anos de profissão, na esperança de encontrar o melhor caminho
a propor, no sentido de atrair a atenção dos meus alunos. Ao concluir que,
entre todas a minhas estratégias didáticas, o uso de linguagens artísticas tinha
sido, de longe, a mais enriquecedora e produtiva, me veio aquele insight: por
que não usar o potencial didático da música, como linguagem e como fonte,
para ensinar história indígena? Mas como fazer isso, sem correr o risco de
reproduzir as velhas e já desgastadas abordagens da história tradicional que
tanto criticamos? E foi justamente durante a minha passagem pelo mestrado,
que pude perceber como novas e renovadas perspectivas, como foi o caso
dos estudos decoloniais, poderiam contribuir com essa minha empreitada.
Não sei com vocês, mas quando reflito sobre minha prática em sala de aula,
e contextualizo o ensino de história na educação básica como um todo, percebo
que ainda persistem alguns problemas. É certo que houve um crescimento na
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 77

profissionalização dos pesquisadores e um maior diálogo, afinal, somos exem-


plos disso. Entretanto, ainda é preciso que os resultados das pesquisas sejam
aplicados na realidade da escola, o que já estamos fazendo. Mas precisamos
engrossar esse caldo, e termos mais colegas que “ensinam” história envolvi-
dos no processo de transformação. Assim, veremos mais Aurélios, Renilsons,
Leandros, Alexandres, Marias e Joanas efetivando suas reflexões em práticas
cotidianas dentro da sala de aula. Se sentindo confortáveis para construírem,
junto com seus alunos, o conhecimento histórico. Superando as narrativas
tradicionais e ultrapassadas, e incorporando novos saberes e tecnologias.
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Só para “cutucar a onça com a vara curta”... Quando vão trabalhar os


conteúdos em sala de aula, vocês se atentam e esclarecem aos alunos que
a disciplina escolar é resultado de lutas entre interesses e visões distintas?
Ou simplesmente lançam as ideias, sem questioná-las? Sejamos sinceros,
caros colegas: enquanto professores, cabe-nos refletir sobre a importância da
nossa formação e a relação disso com o desenvolvimento dessa disciplina. O
professor, não só propaga conhecimentos, mas também o produz. Às vezes,
não temos noção do relevante papel social que temos ao colaborar para a for-
mação de alunos críticos e conscientes, acerca de sua realidade. Além disso,
não basta que tenhamos acesso ao saber acadêmico, é preciso conectá-lo ao
saber ensinado, senão, tudo isso é em vão. Ao ligarmos o saber ensinado
ao saber acadêmico, devemos ter ciência de que há uma seleção cultural
de conteúdo a ser ensinado, bem como na forma como o apresentamos. Os
fatos e as narrativas são expressões de perspectivas diversas resultantes de
opções e posicionamentos, quando se elege o que deve ser ensinado. Há uma
postura ética revelada nesse aspecto. Cabe a nós professores (de acordo com
as subjetividades que nos cercam), reinventar a história ensinada a cada aula.
E aquele nosso velho amigo, o livro didático? Seria grosseria de minha
parte não falar desse camarada, sempre companheiro na alegria e na tristeza.
Não vamos negar as evidências, né. Durante muito tempo, o livro didático foi
a única fonte utilizada na sala de aula por grande parte dos professores, sendo
visto, na maioria das vezes, como verdade incontestável. A ampliação da noção
de documento e fontes históricas, trouxe para os professores inúmeras possi-
bilidades. Através do exercício de crítica a um documento histórico, seja ele
escrito, iconográfico, pictórico ou de outro tipo qualquer, o professor realiza
o ato de criar e recriar, com intervenções nos vestígios do passado. Não que
a gente deva desprezar o livro didático, não se trata disso. A ideia aqui é a de
não mais nos obrigarmos a utilizá-lo de capa a capa, e buscarmos outras fontes,
tanto para ampliar as reflexões sobre os seus conteúdos, como para contrastá-lo.
Pensem no quão enriquecedora pode se tornar uma aula, ao fazermos isso.
Na era da internet, há uma gama de informações disponíveis. Com
um simples clique em qualquer site de busca, nossos alunos, ou qualquer
78

outra pessoa, têm acesso a vários assuntos. E, confesso, cá entre nós, eles
nos dão aula quando o assunto é tecnologia (nossos nativos digitais). Mas
a informação por si só, não assegura uma reflexão crítica. E é aí, que nós
damos o xeque-mate. É a hora certa de levantarmos, junto com os alunos,
todas essas informações e representações disponíveis sobre o passado.
Não só na internet, mas também no cinema, rádio, televisão, publicidade e
outros tantos veículos, e mostrar como essas representações são historica-
mente construídas. É nessa parte da “receita do bolo”, que entra a função
social do ensino de história em nosso presente, refletindo sobre os docu-

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mentos históricos. Não é uma missão fácil e simples. Existem dificuldades
epistemológicas encontradas no trato do professor com os documentos na
sala de aula. Não basta apenas “usar por usar”, faz-se necessário romper
com a ideia tradicional de verdade histórica, pensando na possibilidade
de contemplar outra noção de ciência e de verdade. Quando um aluno,
por exemplo, questiona a veracidade de uma determinada fonte, esse é o
momento ideal para fazermos aquele precioso exercício de reflexão sobre
os limites e possibilidades da nossa ciência. E aí que vemos surgir, na
prática, aquele nosso velho anseio “de que nós, professores de história,
devemos desenvolver alunos críticos e reflexivos”. É animador pensarmos
na possibilidade de vermos nossos alunos, ao pegarem uma foto, uma
reportagem, um filme ou mesmo um discurso de uma autoridade, pode-
rem desconfiar desses documentos e olhar para eles, enquanto fragmentos
históricos de realidades socialmente construídas.
Esse exercício, que já realizei várias vezes em sala de aula, trata o
documento enquanto “monumento”13. Traz uma discussão muito enrique-
cedora, porque é possível perceber como estes documentos, que foram
construídos em um dado momento, se consolidaram e chegaram até nós
(seja pelo senso comum ou mesmo através dos livros didáticos). E mais
ainda, influenciando em nossas decisões e posicionamentos no presente. Os
alunos vão fazendo perguntas e entendendo que nem sempre os documen-
tos são evidências do que tencionavam ser no momento de sua produção.
Conseguimos fazer na sala de aula o exercício da pesquisa, e entender os
limites do conhecimento. É muito comum ficarem intrigados quando per-
cebem que os resultados aos quais se chegam, dependem da seleção das
fontes e as perguntas que se faz às mesmas.

13 Para mais informações sobre a ideia de monumento/documento, sugiro a leitura de: LE GOFF, Jacques.
“Documento/ Monumento”. In: História e memória. Campinas: Unicamp, 1996.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 79

Vejam, que bacana! Um exercício


que, teoricamente, seria difícil de
explanar aos alunos, mas que na
prática, torna-se uma proposta
metodológica de trabalho com fontes,
bastante prazerosa e elucidativa
sobre o que faz a História
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Todas essas situações nos permitem fazer uma autoavaliação de nossas


práticas educacionais. É quando olhamos para o próprio processo histórico de
construção da prática do ensino de História no Brasil. E ali, nos vemos como
se fosse o espelho mais límpido, e até mais sincero do que aquele da rainha
má da historinha da Branca de Neve. Vemos refletidas nossas práticas na sala
de aula e o quanto elas podem fazer a diferença em nosso fazer pedagógico, já
que apresentam outras possibilidades, concepções e posturas quanto ao “ensi-
nar”. Diante de tanta coisa que experimentamos no dia a dia da sala de aula,
com resultados bons e ruins, coleciono algumas experiências didáticas, que
foram utilizadas em minha caminhada pedagógica como professor de história,
durante mais de duas décadas. Quando confrontado ao desafio de criar uma
proposta didática para a dissertação do mestrado profissional em História, tais
experiências passaram a sussurrar em meus ouvidos. E foi exatamente por
meio desses sussurros, que escolhi misturar o potencial didático da música
com os estudos decoloniais, para discutir a temática indígena.
Ao longo da minha caminhada como professor, vários foram os proje-
tos realizados, sempre buscando o diálogo com outras linguagens e áreas do
conhecimento, com metodologias de ensino que motivassem os alunos. Mas
o que me levou a buscar essa rota? A partir destas experiências vivenciadas,
identifiquei que o que mais despertava interesse dos meus alunos, eram as
aulas em que eu usava coisas diferentes do cotidiano escolar tradicional como
a música, encenações teatrais, gincanas, ludicidade e tantos outros recursos
que exercem motivação. Pessoalmente, também aprecio essas linguagens e
me sinto confortável em utilizá-las. Nada melhor do que estar motivado, para
também motivar. Como dizia uma antiga coordenadora regional que tive na
CRE de Itumbiara, “tem que haver o encantamento dos alunos, senão a apren-
dizagem não acontece”. Assim, quando vou realizar meus planejamentos das
aulas, já penso logo: o que dá pra eu fazer de diferente, aqui? Poderia lançar
mão de uma música, de um jogo, de uma dança, um trabalho de campo... ou
até um júri simulado. A ideias vão surgindo e aos poucos, se materializam na
80

execução dos projetos. Confesso, no entanto, que correr atrás dessas inovações
não é nada fácil. Não é mesmo! Principalmente, na realidade escolar em que
vivemos, na qual os afazeres burocráticos, além da exacerbada carga horária
que temos que desenvolver na escola, acabam tomando um tempo precioso
que poderia ser dedicado ao desenvolvimento de aulas mais “encantadoras”.

Tipo aquela coisa que os


americanos chamam de

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“ócio produtivo”?

Exatamente, meu amigo!


Senti que eu deveria ter como hábito, em meu dia a dia escolar, a ino-
vação: independente da natureza da atividade que eu fosse desenvolver, com
meus alunos, eu deveria “mexer” as coisas. Deveria sair da área de conforto,
e enfrentar as dificuldades que são inerentes a todos nós professores: falta
de material pedagógico, falta de motivação e incentivos próprios do “ser
professor” em nosso País, desinteresse de grande parte dos alunos, falhas
em nossa formação, enfim, escreveria várias linhas apontando os problemas
com os quais nos deparamos em nossa jornada pedagógica diária. Ao me
lançar neste desafio, eu sabia que seria um caminho sem volta: me tornei
um cão farejador de alternativas e inovações. E assim, passei a buscar, tam-
bém, parcerias junto à comunidade. Trabalhei no convencimento da equipe
pedagógica e tive algumas longas noites e finais de semana de dedicação:
preparando material, realizando ensaios e outras tantas invenções, que tinham
como foco principal “encantar” os alunos.
Compreendi que essa minha trajetória, tão parecida com a de milhares
de outros professores de ofício, é, na verdade, a matéria-prima para minhas
construções no âmbito do mestrado profissional em História, ao qual me
encontro atualmente. Vejo agora, os meus 20 e poucos anos de chão de escola
brotar neste solo acadêmico, regado, dia após dia, com a prática escolar.
Me lembro, como se fosse hoje, de alguns projetos que desenvolvi
nas minhas aulas de História e em parceria com outras disciplinas, e outros
professores das unidades escolares em que trabalhei ao longo da minha car-
reira. Isso foi no Colégio Paroquial Nossa Senhora D’Abadia e no Colégio
Estadual Padre Nestor Maranhão Arzola, ambos localizados na cidade de
Buriti Alegre, GO.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 81

Então, Aurélio, poderia


contar pra gente sobre
algumas dessas
atividades que criou?
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Claro! Me alegra muito poder compartilhá-las com vocês. E um dos


projetos mais marcantes, foi o que chamamos de Júri Simulado. Ele foi
desenvolvido repetidas vezes com os alunos, a fim de fomentar o debate e
a argumentação sobre determinados temas. As turmas são divididas em três
grupos, sendo dois debatedores e um que compõe o júri popular. O professor
faz a mediação das equipes estimulando o debate, inclusive, com perguntas
direcionadas aos debatedores. Os temas devem ser previamente repassados
aos alunos, para que se aprofundem sobre os mesmos e criem argumentos
para defenderem sua tese. Ao final dos debates, o júri popular (também
composto por alunos da turma) dá o veredicto final sobre qual dos grupos
foi o mais convincente em seus argumentos relativos à tese defendida. Um
dos júris realizados, por exemplo, foi sobre o conteúdo da Guerra Fria no 9º
Ano do Ensino Fundamental, onde os grupos debatedores se dividiram para
defender o capitalismo e o socialismo. Neste conselho, em especial, houve
um momento muito importante, do ponto de vista da crítica histórica: uma
aluna, que estava na condição de advogada de acusação contra o capitalismo,
trouxe imagens mostrando as desigualdades sociais resultantes desse sistema
e em contrapartida, apresentou cenas de países socialistas que mostravam o
contrário. O aluno, que estava na condição de advogado de defesa, lançou
mão de uma discussão que havíamos feito em sala sobre fontes históricas e
arrematou: “caros jurados, essas fotos não refletem a realidade dos países
socialistas. A nobre colega utiliza de imagens que não retratam a verdade.
Só mostram as coisas boas. Vocês estão vendo, por exemplo, as persegui-
ções da ditadura stalinista nessas fotos, nobres jurados? Claro que não! Essa
historinha com fotografias foi, dissimuladamente, montada para ludibriá-los
vocês sobre a história que realmente aconteceu!” Foi um momento ímpar!
Deu vontade de aplaudir o aluno de pé, porque vi ali, naquele posiciona-
mento, mesmo que encenado, o resultado de nossas atividades sobre crítica
e interpretação de fontes históricas.
82

Júri Simulado 9º Ano Colégio Paroquial Nossa Senhora D’Abadia

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Nossa, que atividade
legal! Vou usá-la com
a minha turma do 9°
ano também

Obrigado! Me lembro de outra atividade que também foi muito marcante,


e que a chamamos de Arte Tumular. Bem, no início, causou certo espanto,
já que o tema tratado era a morte. Depois, a coisa foi fluindo e envolvendo a
todos. Porém, ao apresentar a proposta na sala de aula e explicar que se tratava
de uma questão ligada à análise do patrimônio histórico e cultural a partir da
arte tumular existente no cemitério municipal da cidade de Buriti Alegre, os
alunos puderam entender o objetivo do trabalho. Foi destacado, inicialmente,
que os cemitérios, além de lugares onde são sepultados os corpos de pessoas
falecidas, podem ser entendidos também como lugares de memória, cultura e
arte. Logo, entendidos também como patrimônios históricos e culturais, pois
fazem parte da sociedade material.
Após essa contextualização, veio o momento mais esperado: a visita ao
cemitério municipal identificando a arte presente nos túmulos, e as caracterís-
ticas destes. Muitos confessaram que tinham medo, e até carregavam algumas
superstições em realizar uma visita ao cemitério. Pra ficar ainda mais carregado
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 83

de dramaticidade, no dia planejado para a visita, caía uma chuva fina e o tempo
estava bastante fechado e sombrio, mas isso não nos intimidou, e lá fomos nós.
Com olhares atentos, os alunos fizeram observações para além da proposta ini-
cial: identificaram, por exemplo, que na parte mais antiga do cemitério, havia
uma divisão em dois ambientes distintos, sendo que em um deles concentravam-
-se túmulos mais luxuosos e em outro, os mais simples, fato que consideraram
como reflexos da desigualdade social presentes, também, no ato de sepultar os
mortos. Tivemos, inclusive, uma situação que, no início, pareceu constrange-
dora, mas que depois foi contornada: entre os túmulos visitados, estavam os
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de bisavós e avós de alguns alunos, sendo que um era bastante luxuoso e com
aspecto mais rico, e o outro mais simples. E um dos alunos comentou, em tom
irônico: “olha gente, até aqui no cemitério os parentes da fulana são mais ricos
do que nós. Será que até depois de morto eu vou continuar sendo pobre?”. O
comentário, logicamente, despertou risos, mas serviu para refletirmos sobre a
questão da desigualdade refletida socialmente, inclusive após a morte. Naquele
momento, outro aluno se lembrou de que em outro cemitério que conhecia, na
cidade de Goiânia, não havia esse tipo de distinção. Já que lá, não se construíam
túmulos parecidos com os do cemitério de nossa cidade. Em tal cemitério, todos
os locais de sepultamento eram identificados apenas com uma pequena placa.

Visita ao cemitério de Buriti Alegre – 9º Ano


84

Atividade sobre arte tumular e patrimônio

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Achei essa atividade o máximo! Vocês sabiam
que há um seguimento do turismo chamado
“turismo de cemitério”, que é uma tendência
super procurada por viajantes de todo o
mundo? Os cemitérios são locais, com grande
potencial histórico, não é mesmo?

Exatamente! E este tipo de atividade, tão comum no meio escolar, sem-


pre traz resultados muito positivos. Quem de nós, aqui, nunca realizou uma
“excursão pedagógica”? Contudo, prefiro chamá-las de aulas de campo, pois
dá um caráter de especificidade à atividade. No caso de nossa prática de
ensino de história, elas proporcionam aos alunos conhecerem, in loco, sobre
conteúdos que foram abordados na sala de aula. No caso da visita ao cemi-
tério, exploramos temas sobre os aspectos materiais e imateriais da cultura.
Como disse antes, já fizemos uma porção delas, mas trago aqui, dois
exemplos realizados com turmas de Ensino Fundamental II e Ensino Médio,
respectivamente com visitas à Cidade de Goiás, GO, Ouro Preto e Mariana,
MG. Nelas, visitamos locais que são conhecidos nacionalmente como patri-
mônios históricos, por apresentarem relação com os estudos sobre o período
colonial brasileiro e as áreas urbanas de mineração, além da “inconfidência
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 85

mineira”. No Ensino Médio, o trabalho contou com a parceria das áreas de


literatura e Artes, que tratou, de forma interdisciplinar, sobre conteúdo do
Barroco e do Arcadismo, além da arte sacra de Aleijadinho e Veiga Vale.
Essa parceria com outras áreas trouxe perspectivas diferentes, pois os alu-
nos verificaram que as linguagens artísticas dialogam com o período histórico
em que estão inseridas. Quando visitaram as igrejas, por exemplo, que são inú-
meras tanto na Cidade de Goiás, quanto em Ouro Preto, lhes chamou a atenção
a forte presença do catolicismo nesses locais, o que determinava, inclusive, a
predominância da arte sacra. Perceberam, também, que existiam igrejas espe-
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cíficas para a população branca e outras construídas pelas irmandades negras,


demonstrando o quanto aquela sociedade era marcada pelo preconceito racial.
Outra situação que chamou a atenção de todos, foi o comportamento
inesperado de uma aluna durante a visita que fizemos às minas de exploração
do ouro em Ouro Preto: no momento em que percorríamos os túneis escava-
dos pelos escravos, além da sensação de fadiga e claustrofobia que atingia
a todos, uma das alunas se sentiu muito emocionada, se pondo a chorar. Ao
perguntarmos a ela a razão daquele seu estado, ela nos respondeu, dizendo
que se colocou no lugar dos escravos que ficavam ali várias horas por dia,
trabalhando de maneira forçada, e ainda sofrendo castigos físicos. Apesar
de constrangedora, aquela situação me fez perceber, ali, a ocorrência de um
exercício de empatia que muito nos ajuda a compreender o lugar do outro na
história e entender determinados contextos.

Trabalho de campo na cidade de Goiás, GO


86

Trabalho de campo em Ouro Preto, MG

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Achei o caráter interdisciplinar, que
deu a essas visitas, muito importante.
Uma oportunidade única para os
alunos perceberem a importância das
especialidades em História, como por
exemplo, a História da Arte e
literatura e a História Colonial

Pois é, nas minhas aulas de campo faço sempre questão de “arrastar”


comigo alguns colegas de outras áreas. E assim fiz numa outra experiência
de campo, que quero contar a vocês. Desta vez, contei com o apoio de três
colegas professores: Geografia; Arte e Biologia. Isso, foi durante a visita que
fizemos ao complexo arqueológico da cidade de Serranópolis, GO. Além
do conteúdo relacionado à ocupação humana no planalto central brasileiro,
tratando sobre os povos caçadores-coletores e agricultores-ceramistas, as
atividades desenvolvidas focaram a arte rupestre, enquanto patrimônio histó-
rico, presente no local de visitação, bem como as características do solo, das
rochas, e da vegetação local onde se identifica o bioma cerrado.
Nessa visita, exatamente quando analisávamos as pinturas rupestres,
surgiu uma situação inusitada: um dos alunos notou que algumas das pinturas
traziam, principalmente em suas extremidades, uma variação na sua coloração
em relação às demais espalhadas pelos paredões do abrigo. Tratava-se de
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 87

uma coloração diferente, um pouco mais escura, como se fosse mais recente.
Diante do fato, e para surpresa de todos, o guia que nos acompanhava nos
contou que havia acontecido um acidente em que um dos trabalhadores do
parque, “na maior das boas intenções”, completou com uma tinta, que ele
mesmo prepara usando cascas de madeira e outros elementos retirados do
cerrado local, algumas representações que, já tão desgastadas pelo tempo,
lhes faltavam alguma parte, como por exemplo, uma patinha em um réptil,
ou partes da asa de uma arara. Aquilo causou aos alunos grande inquietação,
pois tal atitude havia sido julgada como algo “imperdoável”. Aproveitei
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aquela situação e chamei os alunos para a seguinte reflexão: Que nos seria
possível olhar a atitude daquela pessoa por outro ângulo, ou seja, perceber
em seu ato, não apenas a bom intensão que teve em restaurar aqueles animais
retratados, mas, também, uma espécie de continuidade viva das potenciali-
dades artísticas e adaptativas desenvolvidas por aqueles nossos ancestrais
caçadores e coletores. Naquele momento, nos foi possível pensar as pontes
entre o nosso presente e um passado longínquo.

Trabalho de campo no sítio arqueológico de Serranópolis, GO


88

Apreciação da Arte Rupestre no sítio arqueológico de Serranópolis, GO

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Tava pensando aqui, como teria sido rico se
vocês tivessem encontrado com esse tal
funcionário do parque e pedido a ele para que
mostrasse todo o processo de preparação de
sua tinta. O cara não fez a coisa certa, mas,
vamos combinar, ele é um artista, é ou, não é?

Falando em artista, eu não quero puxar a brasa para a minha sardinha,


mas, como um pretenso artista da música e do teatro, vejo nas atividades com
linguagens artísticas um grande trunfo para nossas aulas de história. É claro
que a minha formação artística e experiência muito têm me ajudado. Contudo,
hoje em dia, graças aos vários recursos disponíveis, ligados à arte, professores
de diferentes áreas podem fazer uso dessas linguagens sem grandes esforços,
o que não significa usá-las de qualquer forma, né pessoal? Simplesmente,
levar uma música ou um filme para a sala de aula, não significa que teremos
bons resultados. Abro um parêntese aqui, para contar um caso que circulou
entre os “fatos e boatos” dos bastidores pedagógicos aqui na minha cidade
(caso esse, que classifico como não muito bem-sucedido). Ocorreu que, em
uma turma bastante agitada do ensino fundamental I, a professora pediu à
coordenadora que providenciasse os equipamentos de mídia, pois ela ia passar
um filme para acalmar toda aquela agitação. Para a surpresa da coordenadora,
ao passar pelo corredor percebeu que a turma, tradicionalmente agitada,
realmente estava muito calma durante a transmissão do filme. Porém, para
sua “ingrata” surpresa, ao resolver entrar na sala para observar mais de perto
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 89

o trabalho da professora, verificou que o filme se tratava de “Anaconda”14.


Pensem na reação da coordenadora! Ela entendeu por que a turma estava
tão quieta e atônita: era o medo diante de um filme de terror. (Eis aqui, um
bom exemplo a não ser usado em nossas aulas).
Mas, voltando ao nosso assunto sobre o uso das linguagens artísticas nas
aulas de história, acredito que a arte é elemento fundamental para se pensar a
história de um povo e suas contribuições. Sem contar que o uso de linguagens
artísticas é muito atrativo para os alunos, enquanto ferramenta pedagógica,
no processo ensino-aprendizagem. Nas nossas aulas sempre utilizamos tais
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linguagens, como metodologia, para trabalhar vários conteúdos.


O teatro foi utilizado como mecanismo de aprendizagem, para que os
alunos pudessem aprender de forma prazerosa os conteúdos: trabalhando o
corpo e a interpretação, a partir de uma dramaturgia construída a partir de
temas históricos. Um dos trabalhos foi um flash mob, realizado durante o
recreio da escola. Os alunos encenadores surgiram entre os demais estudantes
da escola e, a partir de uma montagem musical, previamente preparada, ence-
naram a música Rosa de Hiroshima (poema de Vinícius de Moraes, musicado
por Gerson Conrad). Nesse caso, utilizando dança e expressão corporal. Outra
encenação foi realizada na abertura da JEMAB (Jogos regionais da AABB),
em Buriti Alegre, GO. Nela, foi retratada a história e a cultura da cidade sede
dos jogos, contando também com danças.

Encenação sobre a história de Buriti Alegre – abertura da JEMAB

14 Filme do diretor Luis Llosa (1997)


90

Grupo de teatro na escola – parceria com o professor André Ruas

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Olha que experiência simples e bacana... o teatro de fantoches. Fizemos
uma montagem teatral, em parceria com a professora de Arte. O texto foi
criado a partir de uma releitura da obra de George Orwell, “A Revolução dos
Bichos”. Com o uso da técnica teatral, manipulação de fantoches, destacamos
o conteúdo da ditadura stalinista na ex-URSS de forma satírica, com alunos
do 9º Ano do Ensino Fundamental. Além da discussão do conteúdo em sala,
os alunos realizaram a adaptação das falas e a construção do cenário. No
caso dos fantoches, foram utilizados alguns que já existiam na unidade esco-
lar. Isso é algo importante, pois, muitas vezes temos materiais nas escolas
que desconhecemos. Quando conversei com a professora de Arte sobre a
proposta, pensamos inicialmente em uma montagem teatral convencional:
com atores em cena e seus respectivos figurinos. Porém, como o tempo e
o “dinheiro” eram poucos, buscamos outra solução. Quem contribuiu para
resolver a questão foi a coordenadora pedagógica, que lembrou de uns fanto-
ches que a escola havia adquirido há muitos anos, e, estavam lá, encaixotados
no almoxarifado do colégio.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 91

Montagem com teatro de fantoches sobre o livro “A Revolução dos Bichos”


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Alunos do 9º Ano envolvidos na atividade e prof.ª Ana


Cristina da disciplina de Artes (parceira no projeto)

Driblando, mais uma vez, os poucos recursos materiais que tínhamos


na escola, tratamos de improvisar novamente outra encenação. Dessa vez, o
tema foi a história regional de Goiás. Os alunos montaram uma encenação
da procissão do fogaréu, que acontece tradicionalmente na cidade de Goiás,
na qual se encena a perseguição e prisão de Jesus. Os alunos improvisaram
seus figurinos: com lençóis trazidos de casa e papel cartão (para as máscaras);
para tanto, foi realizado um trabalho de pesquisa histórica, referente a essa
manifestação cultural. Também, realizaram uma encenação sobre a presença
das entradas e bandeiras no estado de Goiás, nesse mesmo projeto.
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Encenação da procissão do fogaréu

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Encenação sobre as entradas e bandeiras em Goiás

Cá entre nós: vocês também já deram aquela mexidinha nos quadris ou,
pelo menos, nos ombros quando ouvem um batuque? Tá aí o potencial da
dança! É algo meio que instintivo entre nós, desde as sociedades mais antigas.
Por que não utilizar esse mecanismo na sala de aula? Pensando nisso, e a partir
de minha formação na área de Educação Física, sempre utilizo as danças nas
aulas de história, trabalhando a questão cultural. Com certeza, vocês também
vivenciam isso nas instituições em que trabalham, principalmente com as
mais comumente usadas danças étnicas. Seja nos festivais culturais da escola,
ou mesmo para retratar as contribuições dos povos indígenas, africanos e
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 93

europeus e outros imigrantes na formação cultural do povo brasileiro. Mas,


um dos trabalhos que marcaram essa experiência com a dança e o ensino de
história, foi o da “quadrilha junina estilizada da copa do mundo”.
Vocês devem estar se perguntando: Mas como assim? Quadrilha Junina
e Copa do mundo? Que relação poderia existir entre coisas tão distintas? Sim
meus caros, buscamos uma forma de relacioná-las. Ao trabalhar na sala de
aula a ideia de “tradição” na história, os alunos pediram que alguns exem-
plos fossem citados. Como estávamos prestes às festas juninas e os famosos
ensaios de quadrilha já se aproximavam (e eles tradicionalmente caberiam a
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mim, pois além de professor de História, era também o de Educação Física),


citei a tradição das festas juninas em nossa cidade, dentre suas manifestações
estava a quadrilha. Daí, questionaram o que seria tradicional em uma quadri-
lha? Logo respondi: as roupas em estilo caipira, os passos marcados, dentre
outros. E ainda disseram: não poderíamos fazer uma quadrilha rompendo
com as tradições? Já que é ano de copa do mundo, por que não fazermos
uma quadrilha envolvendo esse tema? Achei a ideia um barato. Seria uma
excelente oportunidade para gente discutir o conceito de tradição, pensei.
Porém, na aula posterior, uma aluna disse estar um pouco incomodada
com a situação. Ela revelou que seus pais acharam a ideia absurda, e o que
estávamos fazendo era uma afronta, porque queríamos destruir uma grande
tradição. Os outros alunos, que já estavam empolgados com o conceito de
“inovação”, resolveram partir para o debate sugerindo, inclusive, que os
pais da aluna eram “retrógrados e atrasados”. Em meio àquela situação, foi
preciso mediar a conversa, inclusive, para que chegássemos a uma solução
se iríamos, ou não, realizar a tal quadrilha estilizada. Felizmente, após uma
calorosa discussão, todos perceberam que, o ato de inovar e ressignificar as
coisas, na verdade, não significa sua destruição, mas a garantia de permanên-
cia das tradições na sociedade presente. Após nossa conversa, apresentamos
a proposta para o grupo gestor da escola e aos responsáveis. Esclarecimentos
à parte, topamos o desafio e fizemos uma quadrilha toda com as cores da
bandeira do Brasil. Como inovações, entre os tradicionais passos marcados,
incluíam-se, por exemplo, o “Olé” da torcida e a comemoração do gol. Foi
muito importante para que os alunos entendessem esses aspectos da cultura,
entendimento que, talvez, não alcançariam por meio de uma simples leitura
e aula tradicional.
94

Projeto sobre “tradições”, quadrilha temática da copa do mundo

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Quando aprendemos a misturar Arte com História, as coisas se tornam
produtivas e prazerosas, e a gente não para mais nunca! E, num dia desses,
resolvi levar o violão para sala de aula e, durante a atividade, me veio um insight:
pensei em parodiar algumas músicas, utilizando na letra conteúdos de história.

Mas as paródias servem


é para fazer algo jocoso,
do tipo engraçado... não?

Não necessariamente, Renilson. Elas também têm um potencial didático,


no sentido de estimular a participação dos alunos a fixarem os conteúdos tra-
balhados. Já usei esse tipo de metodologia em várias turmas. Uma das formas
que apresentou resultados excelentes, foi quando montamos mapas conceituais
dos conteúdos estudados e, a partir deles, os alunos criavam as letras das paró-
dias, pois já estavam ali os conceitos mais relevantes a serem destacados. Era
só encaixar na melodia de músicas que eles mesmos escolheram, e cantar. O
trabalho com música é sempre muito divertido. Não só as paródias, mas também
outras músicas, têm grande potencial na interpretação de conteúdos e enquanto
documento histórico. Nesse exercício, os alunos também percebem que é possí-
vel discutir os conteúdos das formas diferentes da convencional aula expositiva
e dialogada. Para estimular ainda mais a produção das paródias, criamos um
festival de música na escola, onde elas foram apresentadas.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 95

Festival musical e apresentação de paródias


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Aurélio? Adorei essa


ideia de usar a paródia.
É um recurso infinito!

Tem razão Leandro! Agora, imagine vocês, quando a gente conse-


gue juntar diversão com competição. Se tem uma coisa que estimula o
ser humano é o ato de competir. Quando utilizada, qualquer dinâmica na
sala de aula que envolve competição, desde um simples “Quizz” ou uma
dinâmica de grupos, os alunos ficam com “sangue nos olhos”. Tendo como
foco estimular a aprendizagem dos estudantes, o lúdico e os jogos também
são amplamente utilizados em nossas aulas de História. Para tanto, são
realizadas gincanas que permitam a inclusão de todos os alunos, através de
jogos e brincadeiras, envolvendo conteúdos de história. Uma delas, foi a
“gincana rural”, realizada com o Ensino Fundamental II, em parceria com
as disciplinas de Geografia, Ciências e Educação Física. Foi escolhida uma
propriedade rural próxima à cidade de Buriti Alegre, onde pudéssemos pas-
sar o dia com os alunos e desenvolver, além de bate-papos sobre temáticas
ambientais, brincadeiras, jogos e apresentações artísticas, ligados à vida
no campo e aos saberes indígenas. Nosso auditório para o ciclo de debates,
96

por exemplo, se fez sob a sombra de um bambuzal. Já nas competições,


incluímos jogos coletivos e colaborativos para o cumprimento de tarefas.
Criamos brincadeiras baseadas em costumes indígenas, como, por exemplo,
carregar pequenos troncos de árvores, realizar danças circulares e outros.

Gincana Rural (auditório verde no bambuzal)

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Gincana rural – corrida dos troncos e balões

É como eu disse antes, amigos: a música é a melhor parceira do ensino


de História. Quero partilhar com vocês um caso muito bacana, em que eu
e meus alunos puxamos a música para o lado da História. Bem, às vezes,
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 97

torcemos o nariz para projetos que são implantados na escola. Mas também,
podemos nos surpreender com os resultados que eles podem nos oferecer.
Não sei se nas escolas de vocês esse projeto, denominado “Rádio Escola”,
também aconteceu. Ele foi implantado em várias instituições da rede estadual
de ensino de Goiás, inclusive com remuneração específica para os professores
que os desenvolviam. Na unidade escolar em que trabalho, fui “agraciado”
como responsável pela execução do projeto, que teve grande aceitação. Cria-
mos um formato com um programa musical, diário, apresentado durante os
recreios. O programa trazia, além das músicas, notícias relacionadas ao coti-
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diano escolar. O plano foi ganhando amplitude e modificando seu formato.


Uma das inovações foi a realização de programas relacionados à história &
música brasileira. Por meio dessas músicas, falávamos de seus contextos
históricos e dos gêneros musicais de suas épocas.
Os alunos participantes, resolveram inovar mais ainda: realizando,
durante o recreio, desfiles de moda temáticos. Estes desfiles eram rela-
cionados ao período histórico e estilo musical retratados no programa da
rádio escola e, contavam com a participação de alunos e professores. Tá
aí, algo que mudou a cara do projeto: a participação dos professores nes-
sas atividades. Quando os alunos viam os professores caracterizados, se
sentiam mais à vontade em participar e, literalmente, “vestiam a camisa”
do projeto. Dentre os temas mais lembrados pelos alunos, estão os relacio-
nados ao “rock’in roll” dos anos 60 e 70, a música caipira e sertaneja, e a
música “brega”. O projeto teve muita popularidade entre a comunidade.
Fomos convidados, inclusive, para assumir um horário na Rádio Clube
FM de Buriti Alegre. O programa era apresentado aos sábados, e trazia
temas da história & música brasileira (sendo os alunos, os locutores-apre-
sentadores). Durante a programação, além de tocar músicas relacionadas
a períodos e fatos que marcaram a história brasileira, interagiam com os
ouvintes através de ligações telefônicas. Nesse caso, estes faziam pedidos
musicais e comentavam os assuntos debatidos.
98

Projeto Rádio Escola & História (alunos locutores, tema dos anos 60 e 70)

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Projeto Rádio Escola & História – Música Caipira e Sertaneja
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 99

Projeto Rádio Escola & História – Música “Brega”


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Amigos, me desculpem se me empolguei demais com minhas lembranças,


mas, tá me fazendo muito bem relatá-las para vocês. Posso contar mais dois
casos? Prometo que vai ser rapidinho.

Claro! Você não faz ideia


do quanto essas suas
experiências estão sendo
iluminadoras. Não é
pessoal?

Obrigado! Pois bem, vou começar por uma atividade sobre História
Antiga. Queria algo que tornasse o conteúdo sobre Grécia antiga mais atra-
tivo. Tanto para os alunos de 6º Ano do Ensino Fundamental, quanto para os
da 1ª Série do Ensino Médio. Veio a ideia de desenvolver um trabalho inter-
disciplinar entre História e Educação Física. O foco principal era trabalhar as
contribuições do povo grego para a humanidade. Destacamos, em particular,
os Jogos Olímpicos, pois, desde o seu advento aos dias atuais, trazem questões
que vão para além do esporte: de ordem política, cultural, gênero e etnia. Além
de discutir sobre a temática, foram realizados os “jogos olímpicos da escola”.
100

Estávamos, mais uma vez, diante de uma dinâmica que envolve competição. Já
que os alunos disputaram modalidades presentes nas olimpíadas, tanto coleti-
vas, quanto individuais. Trouxemos também o lado artístico, pois, realizou-se
também uma abertura dos jogos com apresentações que narravam, através da
dança e do teatro, a história dos jogos e sua relação com os deuses do Olimpo.

Projeto Olimpíadas e História – Dança de abertura


(apresentando a ginástica rítmica)

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Projeto Olimpíadas e História – Encenação sobre os deuses do Olimpo
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 101

A seguinte atividade foi sobre história Local e memória. Bem, não sei
se vocês já enfrentaram a mesma dificuldade que eu quando o assunto é
História Local. Talvez, não seja o caso para aquele que precisa falar sobre a
História de Goiânia, mas, no meu caso, aqui em Buriti, encontramos muitas
dificuldades relacionadas, principalmente, à falta de materiais, visto que a
produção historiográfica sobre temáticas locais ainda está em seu germinar.
Assim, precisamos criar estratégias de ensino buscando fontes históricas alter-
nativas. Assim é que construímos alguns projetos de história local em nossa
caminhada, considerando, principalmente, a importância de se preservar o
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patrimônio material e imaterial de nosso município.


No projeto “nosso patrimônio, nossos tesouros”, os alunos realizaram
visitas a prédios históricos da cidade de Buriti Alegre. Além das visitar, pes-
quisaram sobre cada um dos locais, e sua relação com a história do município.
Após esse trabalho, fizeram uma exposição na escola com fotos dos locais
visitados. Durante a exposição, fizeram painéis, e comentaram sobre as pes-
quisas realizadas e os aspectos observados. A partir do projeto, os alunos
destacaram que vários desses locais encontravam-se em situação de abandono.
Poucos, estavam preservados ou restaurados. Logo, concluíram que, naquele
momento, havia um descaso em relação ao patrimônio histórico local. Isso
fez com que despertasse nos alunos a consciência de se preservar os locais
enquanto patrimônio cultural, e lugares de memória.

Projeto patrimônio e história local – Primeira casa da cidade de Buriti Alegre, GO


102

Projeto patrimônio e história local – Igreja do Rosário, fachada principal

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Projeto patrimônio e história local – Altar da Igreja do
Rosário esculpido em mármore de Carrara
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 103

Projeto patrimônio e história local – Em destaque vitral da Igreja do Rosário


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Para aqueles que moram em pequenas cidades, como eu, fica fácil
entender o quanto nossa missão de professores de história é importante para
preservar o passado dessas localidades. Nesse processo de valorização da
memória para compreender a história local, foi desenvolvido um trabalho
com o uso de fontes orais. Pois, ao tratarmos da importância da história local
e da falta de materiais existentes para trabalhá-la, os alunos questionaram
como poderíamos, então, criar um material relacionado à História Local. Foi
daí, que surgiu a ideia de realizarmos um trabalho com fontes orais entre-
vistando os moradores mais antigos da cidade. A partir destas entrevistas,
foi produzido um livro com os alunos do 9º Ano, intitulado “Nossas raízes,
nossa história. Nosso povo, nossa memória”. No lançamento da obra, foram
realizadas apresentações artísticas relacionadas à cultural local e depoimentos
dos alunos que realizaram o trabalho.
É impossível não lembrar de uma das reuniões que fizemos para discutir
o material das entrevistas, em que um aluno comentou que achava que uma de
suas entrevistas não serviria pra muita coisa, já que o seu entrevistado havia
“inventado umas histórias meio absurdas”. Imediatamente, os outros concorda-
ram que aquela entrevista não teria validade, porque não seria uma fonte oral de
valor. Foi um momento ímpar para que eu entrasse com eles na discussão sobre
memória e que os faria entender que, em história oral, o que está em jogo não é
104

a apuração de verdades absolutas, mas, antes, o registro vivo das subjetividades


contextualizadas, imaginários coletivos e construções de identidades.

Projeto memória e história local (capa do livro escrito a partir das fontes orais)

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Festa de lançamento do livro de memórias (na foto, alunas homenageiam
os tradicionais bailes de debutante da cidade de Buriti Alegre)
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 105

Aurélio, os casos que acabou de


nos contar são muito ricos! Se
quiser contar mais alguns, não
se sinta constrangido, somos
todos ouvidos, não é pessoal?

Acho que já está bom. Quero, agora, falar um pouco sobre nossas expe-
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riências no ProfHistória. O que acham?

Beleza! Manda vê.

Bem, como todos aqui sabem, na nossa profissão, não podemos ficar para-
dos no tempo, pois corremos o risco de ficar alheios às inovações e debates
mais atuais. Por isso, e por questões pessoais e profissionais, resolvi tentar o
ingresso no mestrado profissional de história pela Universidade Federal de
Goiás, no Profhistória. Estava eu de volta ao mundo acadêmico, após um longo
período afastado das novidades e discussões do campo de debates relacionado ao
conhecimento histórico. Seria mais um grande desafio a ser enfrentado, porém,
trazendo na bagagem a rica experiência da sala de aula, construída ao longo de
minha carreira de 23 anos enquanto professor. Experiência essa que poderia,
através do diálogo com a teoria, fundamentar uma proposta de trabalho que
servisse tanto para minha prática, quanto para outros professores de história.
Nossa prática é realmente fundamental, mas seria um devaneio pensar
nosso ofício sem as contribuições teóricas. A produção do conhecimento his-
tórico, seja na academia ou na sala de aula é um exercício que não se dissocia
das reflexões teóricas. Estas, estão presentes em nosso fazer. Visões tradicio-
nalistas são pouco a pouco superadas e, cada vez mais, precisamos tornar o
conhecimento histórico “mais prático” para o entendimento de nossos alunos.
Provavelmente, vocês já devem ter ouvido na sala de aula aquela inquietante
pergunta: Por que estudamos isso professor? Serve pra quê? Eu, por exemplo,
perdi a conta de quantas vezes ouvi, e lá no meu íntimo, repetia a pergunta para
mim mesmo. Essas simples perguntas me fazem refletir sobre meu trabalho,
não apenas enquanto acadêmico, mas, e principalmente, como alguém que
no seu dia a dia de sala de aula, faz uso da história pública.
106

Não consigo imaginar minha prática na sala de aula sem dominar essas
discussões que nos incomodam enquanto historiadores. Para que eu reflita em
cada aula com meus alunos tenho que, no mínimo, perceber questões funda-
mentais em relação ao conhecimento histórico. Desde assuntos como a história
enquanto ciência, a objetividade e subjetividade em história, o particular e o geral,
a verdade e as fontes, a questão da memória, a narrativa, o método, a retórica, a
construção da narrativa historiográfica, o lugar social da história, dentre outros.
Entrar para sala de aula e trabalhar os conteúdos de história tem se tor-
nado, cada vez, mais complicado no contexto atual da sociedade brasileira. Me

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deparo, e acredito que os colegas também, com várias observações de alunos
que trazem ideias distorcidas, fake news e até negacionistas, por exemplo... Vejo
nestas oportunidades um campo fértil para atuarmos, entendendo que são nesses
momentos, que devemos intervir de maneira substancial em nossa sociedade,
a fim de ajudá-la a refletir sobre essas e outras questões que nos inquietam.
Até que chega aquele momento decisivo de nossa passagem pelo mes-
trado, em que precisamos definir o famoso “objeto de estudo”. A partir daí,
várias ideias mirabolantes começam a passar pela nossa cabeça. Mas o tempo é
como a água que escorre pelos dedos das mãos, e tive que me decidir. O contato
que tive com diferentes teorias e abordagens do saber histórico me propor-
cionou enxergar, no âmbito de minhas próprias experiências em sala de aula,
os caminhos que me levariam rumo à construção de meu “produto didático”.
Percebemos que nossas crianças e adolescentes, munidos de seus celu-
lares conectados ao mundo, acabam pinçando notícias e revisionismos his-
tóricos baratos em sites e redes sociais, e tomam isso como “verdades”. Nós,
professores de história, ainda temos, muitas vezes, que “rivalizar” com o
espaço midiático onde têm se disseminado, com grande alcance, narrativas
equivocadas sobre o passado. A influência da TV, blogs, rádio, cinema, pla-
taformas colaborativas, dentre outros meios, está cada vez mais presente no
dia a dia da de nossos alunos.
Para fazer frente a todas essas “ilustres presenças virtuais” no cotidiano
de nossos alunos, precisamos nos reinventar, usar os recursos disponíveis,
nos atualizar. O conhecimento histórico acadêmico tem que se transpor para
o saber escolar e as formas de transmiti-lo devem ser muito bem pensadas.
Só assim, ocupamos nosso espaço na sociedade, indo além da sala de aula,
nos fazendo presente na História Pública, por meio do uso alternativo dos
espaços midiáticos e todo seu emaranhado de mecanismos, hoje, disponíveis
para divulgar informações e conhecimento. É nesse intuito, que vejo o poder
da linguagem na construção do conhecimento histórico em sala de aula.
Depois de quebrar a cabeça por longos dias, refletindo sobre a teo-
ria e a prática de historiador/professor, resolvi pensar em uma proposta
pedagógica que poderia ser aplicada na sala de aula do ensino básico. Tal
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 107

plano deveria, além de atender às minhas expectativas, também colaborar


com outros colegas professores.
O programa que fiz tem a ver com a temática indígena. Claro, eu poderia
escolher qualquer outro tema, mas, esse, sempre foi para mim um desafio, pois
nunca me senti preparado para abordá-lo com meus alunos. E imagino que
tal despreparo não seja minha exclusividade. Só para vocês terem uma ideia,
durante toda a minha graduação, sequer tive alguma disciplina voltada para esse
assunto; e nem muito menos nos cursos, que participei, de formação continuada.
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Tâmo junto nessa, meu


amigo. História Indígena
nem passou perto da minha
formação em História.

Quando tive contato com a disciplina “História como Diferença: História


e Cultura Indígena”, durante o mestrado profissional, percebi a oportunidade
de conhecer melhor sobre a temática e me aprofundar, o que que me motivou
a pesquisar e desenvolver um projeto relacionado a ela.
Mas, eu ainda não fazia ideia do como eu poderia trabalhar esse tema
com meus alunos. Foi então, que me veio a ideia de fazer uso da música
como ferramenta didática. Claro! Afinal, pensei, além de fazer parte de minha
formação, eu já fazia uso desse recurso durante todos os meus 23 anos de
magistério, e com muitos bons resultados, diga-se de passagem.
Não era um desafio fácil! Mas, vi nessa escolha a oportunidade de “matar
dois coelhos com uma única cajadada”: me qualificar em uma temática que
sempre me desafiou, e, ao mesmo tempo, abrir caminhos didáticos para enfren-
tar os grandes dilemas que envolvem a temática indígena, como por exemplo,
as generalizações, a superficialidade como o tema é tratado no ensino básico,
os estereótipos e, sobretudo, os preconceitos de toda ordem que ainda afloram
na nossa sociedade.
Parece incrível, mas, mesmo depois de tantos anos de críticas e revisões
históricas, a percepção que a nossa sociedade tem sobre os povos indígenas
ainda continua completamente equivocada e, o mais grave ainda, esses equí-
vocos estão presentes nos espaços educacionais. Isso é imperdoável!
Exatamente por essa razão, que se faz urgente “decolonizar” essas per-
cepções equivocadas. Levar essa discussão para a sala de aula é muito impor-
tante. Quanto antes levarmos esses novos conhecimentos sobre a temática
108

indígena para nossas salas de aulas, mais rápido serão os reflexos no cotidiano
dos alunos. A maioria deles desconhecem, por exemplo, a diversidade de cul-
turas indígenas que temos em nosso País. Historicamente, a educação nunca
se preocupou em aprofundar nessa temática, era como se fosse importante
manter os mecanismos de distanciamento social.
A tarefa é árdua, porém, necessária. Muitas estradas ainda precisam ser
abertas. Estradas que levem a um maior conhecimento e valorização da his-
tória indígena. Para isso, as cercas do preconceito e da ignorância precisam
ser derrubadas, sensibilizando os alunos sobre a importância de se conhe-

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cer, estudar e compreender a diversidade de culturas indígenas existentes
em território brasileiro. Quando damos essa visibilidade à história indígena,
evidencia-se as perdas e processos de violência colonizadora. Entendemos
como representações sociais foram construídas sobre esses povos se materia-
lizando, inclusive, nos livros de história. Refletimos sobre o lugar do indígena
no processo histórico de construção de identidades no Brasil e, além disso,
desenvolvemos a empatia. Esta, que nos leva ao engajamento na defesa de
políticas públicas voltadas aos indígenas. Sinceramente, acredito que, do ponto
de vista metodológico, essa aproximação se tornará ainda mais fértil à medida
que fizermos uso dos discursos e reflexões, produzidos pelos próprios indíge-
nas, em relação ao que sentem sobre suas experiências de ser índio no Brasil.

Aurélio, suas preocupações e


intensões são legítimas e
urgentes. Mas, me diga: Você já
pensou nas estratégias didáticas
que vai usar para envolver seus
alunos em torno dessa temática?

Alexandre, minha ideia é a de produzir um material que seja fácil de ser


usado pelos professores e, ao mesmo tempo, divertido, envolvente e eficaz.
Um material didático diversificado, que seja uma alternativa ao livro didático
convencional. Pensei em algo com uma dinâmica diferente e que faça uso da
linguagem musical. Será um livreto de apoio pedagógico contendo um passo
a passo sobre o uso do rap indígena na sala de aula, facilitando, assim, a aná-
lise e interpretação das músicas de artistas indígenas como os Brô MC’s, MC
Kunumi e Oz Guarani. Nas indicações do folheto, teremos não só as letras,
mas também análises referentes à questão rítmica e instrumental, e o contexto
em que se inserem esses grupos. O professor utilizará esses grupos como
exemplos de um movimento de resistência da cultura indígena que, ao mesmo
tempo, dialoga com a cultura ocidental em uma perspectiva intercultural.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 109

Toda a minha trajetória de professor, sempre puxando a arte pra dentro


da sala de aula, me fez perceber e acreditar no grande potencial das lingua-
gens artísticas, e, principalmente, da música na sala de aula. Não somente por
despertar o interesse e a participação dos alunos, mas também porque amplia
a noção de documento histórico, e seu uso na sala de aula. Não é só chegar
na sala de aula e colocar uma musiquinha lá só para ilustrar um conteúdo.

Verdade Aurélio! Neste


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caso, assim como as


imagens, a música
pode ser considerada
uma narrativa
histórica.

Isso mesmo, Renilson. E tenho certeza de que vocês devem estar com
vontade de me perguntar, inclusive, eu mesmo me fiz essa pergunta: qual a
novidade em se utilizar a música para o ensino de história?
Respondo: em usar a música em sala de aula, nenhuma. Mas, e como eu
mesmo apontei agora pouco, a novidade está em fazermos dela tanto um docu-
mento histórico, como um recurso didático. A música tem inúmeras potencialida-
des didáticas para o historiador/professor que, às vezes, passam despercebidas. Ela
serve para abordar temas nem sempre lembrados e relativos a sujeitos históricos
ligados a “setores subalternos e populares”, além de dialogar com movimentos
históricos e culturais. Traz em sua complexidade muito mais do que a letra e a
melodia, assim o todo que envolve a música, deve ser compreendido como criador
de sentidos para os ouvintes. As percepções em relação à canção não estão só
na letra, mas também no ritmo, no jeito de cantar, no timbre, nas características
dos instrumentos utilizados, na sua sonoridade, no contexto em que se insere
sua produção e veiculação. Daí, sua importância enquanto instrumento didático.

Bacana Aurélio! Mas, e os


“estudos decoloniais”? Qual o
papel deles nessa proposta?
110

Boa pergunta, Leandro. Para se pensar o ensino da temática indígena a


partir de uma pedagogia decolonial, recorremos a autores que abordam os
conceitos de decolonialidade e de interculturalidade. São eles quem irão nos
ajudar a romper com determinados pensamentos ocidentais, aos quais estamos
vinculados, no sentido de desconstruir estereótipos e preconceitos. Os indíge-
nas devem ser pensados como sujeitos partícipes na construção da história de
nosso País, em todos os aspectos, além de possuírem conhecimentos plurais
e tão legítimos quanto qualquer outro existente no mundo.
Ainda sobre a abordagem decolonial, o livreto didático que propo-

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nho trará para o leitor inúmeras indicações, para que ele obtenha acesso
ao pensamento dos principais autores ligados ao movimento denominado
Modernidade/Colonialidade.
Sei que não se trata de uma discussão simples, portanto, será uma longa
caminhada. Mas, se conseguirmos dar o primeiro passo, ou seja, fazê-los
perceber como que, historicamente, se estruturou (e se reestrutura) as for-
mas de colonialidade; saber que ela foi criada no, e pelo, sistema colonial,
justamente com o intuito de subalternizar e inferiorizar povos e culturas, já
será uma grande conquista pedagógica. É importante que os nossos alunos
saibam, por exemplo, que a colonialidade gerou um processo que levou à
hierarquização da cultura ocidental, tornando-a hegemônica em detrimento
dos saberes, histórias, memórias, manifestações artísticas e línguas dos povos
nativos. Por isso, foram inferiorizados e desconsiderados a partir de uma
visão científica eurocêntrica. Quando temos consciência disso, entendemos
o quanto é importante a emergência de uma outra visão, capaz de promover
a descolonização no seu sentido mais amplo.

Isso é muito importante! E o professor


deve assumir essas práticas
educativas emancipadoras como um
dever ético em seu dia a dia de sala
de aula. Não é mesmo, Aurélio?

Justamente, Leandro. Somos nós, professores, que estamos ali na


labuta diária, imbuídos na ressignificação de currículos, materiais didáticos
e metodologias de ensino. Se não começarmos a mudar nossas práticas,
essa situação nunca mudará.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 111

E esse tal de rap


indígena? De onde você
tirou isso, rapaz?

Interessante, né Leandro? Não tenho vergonha de assumir que também


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nunca tinha ouvido falar. Foi quase igual a história do Chartier, que contei lá
bem no início da nossa proza. Mas, quando o professor Alexandre me contou
sobre os grupos indígenas que faziam rap, fiquei empolgado com os caras e
comecei a pensar se eu não seria capaz de inseri-los na minha proposta didá-
tica. Vi ali, a questão da interculturalidade. O rap indígena é um exemplo muito
bom para a gente pensar sobre trocas de saberes e práticas culturais entre as
pessoas. Porque neles é possível identificar a atribuição de novos sentidos a
partir das diferenças. Onde não se ocultam, mas se discutem, se confrontam
e se reconhecem os conflitos sociais de ordem política, social e econômica.
E através do rap indígena, a gente identifica uma fonte para se compreender
como esses povos se posicionam e se articulam.

Essa sua proposta, além de muito


criativa é muito oportuna! Pois ela
atende o que está proposto na Lei
11.645/2008, sobre a obrigatoriedade
de se trabalhar conteúdos relativos à
temática indígena na educação básica.

Sim, Alexandre. Tenho a certeza de que esse livreto didático ajudará


muitos colegas a lidar com essa temática. Como eu disse, ele vai trazer infor-
mações, fundamentações e referências sobre o tema. Trará uma apresentação
sobre os grupos de rap indígena elencados, além das letras das músicas e uma
explicação didático-metodológica para trabalhar esse recurso em sala de aula,
por meio de uma sequência didática de atividades para serem desenvolvidas
junto aos alunos.
Posso dizer aos colegas que o projeto do livreto didático representa o
encontro entre minhas experiências interdisciplinares no ensino de história,
e as vividas no âmbito do coletivo do programa do Profhistória.
112

Agora é a vez do
Renilson

Por que eu? Quem é o


mais velho entre nós?

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Tudo bem.
Minha vez
PARTE III
ADOTANDO A TEMÁTICA GÊNERO E
SEXUALIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA
Renilson Pereira de Freitas Júnior
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Deixe-me ver, por


onde começo...

Comece contando pra


gente sobre o seu projeto
no ProfHistória

Então, tá. Bem, minha pesquisa é sobre


como abordar, didaticamente, a temática
sobre gênero e sexualidade, no âmbito
do ensino de história, no fundamental

Que bacana! E diz


aí: por que escolheu
esse tema?

Isso é uma longa história, meu


amigo. E tem a ver com uma
situação que vivi na escola
onde leciono, e que deu “pano
pra manga...”
114

Agora vai ter que contar!


É ou não é pessoal?

Isso aconteceu em 2020, quando tive a ideia de ensinar relações de gênero


e sexualidade15 a meus alunos, por meio do ensino de História. Os relatos que

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recebi dos estudantes sobre a atividade foram animadores, pois, segundo eles,
passaram a refletir mais e melhor sobre assuntos como masculinidade hegemônica,
machismo, LGBTfobia, identidades de gênero, identidades sexuais, dentre outros.
Contudo, e para a minha tristeza, encontrei forte resistência por parte da direção
da escola, que me advertiu sobre a realização de tal atividade, devido a um pai
de aluno tê-la procurado por não ter aprovado aquela minha iniciativa, chegando
a dizer, inclusive, que eu estaria ensinando a seu filho “ideologia de gênero”. 16

Nossa! Que paia né?

15 A sexualidade, apesar de ser produzida de forma prolixa por meio de nossos discursos, como nos lembra Michel
Foucault (1988), ainda é um tabu moral para professores e estudantes. Existe uma grande pressão de parte
dos pais de estudantes, e mesmo da equipe diretora das instituições de ensino, para que o assunto não seja
abordado na educação. Além disso, a formação inicial e a formação continuada de docentes em nosso País,
são particularmente deficientes neste assunto, e o currículo de História é rígido demais, pois dificilmente abre
espaço para se debater estas questões, o que ajuda a explicar o estranhamento, e até mesmo a negação de
nossos alunos quando abordamos sexualidade, assim como gênero, de forma aberta na escola.
16 “Ideologia de gênero” é um termo não reconhecido pela academia, pois surgiu entre reacionários como meio de
polemizar os estudos de gênero. De acordo com setores sociais que utilizam o termo, a “ideologia de gênero” tem
como objetivo destruir a família nuclear, formada por pai, mãe e filho. Como estratégia, a “ideologia de gênero”
faria apologia à homossexualidade e ataques ao gênero masculino e ao feminino. Segundo Miskolci & Campana
(2017), a “ideologia de gênero” começou a ser alardeada com mais força por grupos conservadores depois de 2008,
inicialmente na Europa, e depois na América Latina e nos Estados Unidos, mas suas origens são anteriores ao século
XXI, dando-se em 1997, na igreja católica, mais especificamente por meio do papa emérito Bento XVI, que, à época,
ainda era o cardeal Joseph Aloisius Ratzinger (1927). Para o cardeal, a teoria de gênero representaria uma insurreição
da humanidade contra os seus limites biológicos. O objetivo desta ideologia, segundo esta autoridade católica, seria
tornar o ser humano seu próprio criador, sem intervenção divina, motivo pelo qual ele se posicionou contrariamente
ao feminismo e à existência de direitos sexuais e reprodutivos. O cardeal reagia, então, à Conferência Mundial de
Beijing sobre a Mulher, organizada pelas Nações Unidas, em 1995. A partir desta, o termo “gênero” substituiu o de
“mulher” para justificar uma perspectiva integral de gênero, em que a desigualdade entre homens e mulheres deveria,
a partir daquele momento, ser abordada, não tratando o assunto puramente como uma questão feminina.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 115

Pois é, mas confesso que não fiquei tão surpreso com aquela situação.
No fundo, eu até esperava que em algum momento aquilo pudesse acontecer,
afinal, pouquíssimas vezes falamos abertamente sobre relações de gênero e
diversidade sexual no ambiente escolar. Além disso, em nossa sociedade, o
ambiente político está recheado por grossas camadas de moralismos e pole-
mizações17 envolvendo questões comportamentais. E como sabemos, essas
coisas sempre acabam respingando na educação.
E já prevendo reações adversas, tratei de me antecipar, pensando sobre
quais seriam as minhas posições e as minhas respostas para situações como
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aquela, pois, apesar de ser um assunto que, há muito, já deveria estar sendo
tratado no ambiente escolar, ainda hoje se mostra espinhoso. Por isso mesmo,
para me precaver, eu sabia onde estava pisando.

E o que você fez?

À direção, respondi que eu não ensinava “ideologia de gênero” aos estu-


dantes, mas, sim, estudos de gênero, por meio do ensino de História. Também a
provoquei dizendo que, caso quiséssemos tratar da existência de uma “ideologia
de gênero”, precisaríamos considerá-la como um sistema fechado de produção
de verdades sociais inquestionáveis sobre gênero e sexualidade nos moldes
do bordão “menino veste azul, menina veste rosa”18, cujo objetivo vai muito
além de, simplesmente, ditar um padrão de vestimenta para cada gênero. Visa
17 É bastante constrangedor falar sobre isso, mas pelo alcance que teve na época, é necessário apontar as
situações. Durante a campanha presidencial de 2018, surgiu o boato e as imagens nos grupos das redes
sociais virtuais bolsonaristas, principalmente no WhatsApp, do que ficou popularmente conhecido como
“mamadeira de piroca”, que seria distribuído nas escolas e creches de São Paulo, como parte do “plano” da
“ideologia de gênero”, por determinação do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), então candidato a presidente
da República. Tratava-se, na verdade, de um produto erótico vendido para adultos em sex shops, nada tendo
a ver com estudantes e escolas, mas que serviu para objetivos eleitorais (RODRIGUES, 2019). Durante esta
mesma campanha presidencial, o então candidato Jair Bolsonaro, (PSL) deu uma entrevista ao Jornal Nacional,
mostrando para as câmeras o livro Aparelho sexual e cia, de Hélène Bruller & Zep, cuja capa mostra um
menino olhando assustado para o que tem dentro da própria calça. Bolsonaro “acusou” a esquerda política
de incluir este livro no kit anti-homofobia – um conjunto de materiais produzidos em torno do Projeto Escola
sem Homofobia, que, por pressão de grupos conservadores, foi vetado por Dilma Rousseff, em 2011, antes
mesmo de sua utilização nas escolas. A verdade é que o livro Aparelho sexual e cia, apesar de bastante
elogiado pela imprensa e pela academia por promover educação sexual a adolescentes, nunca fez parte do
kit anti-homofobia, apelidado como “kit gay” por Bolsonaro (COLETTA, 2018).
18 Em vídeo divulgado em janeiro de 2019, logo após a posse do Presidente da República Jair Bolsonaro, a
Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou que uma “nova era” começava a
partir daquele momento em nosso País, uma em que “menino veste azul, menina veste rosa” (G1, 2019).
116

também, e principalmente, limitar a liberdade de pessoas em suas formas e


maneiras de pensar, agir e existir no mundo, a fim de que se encaixem em mol-
des predeterminados e essencializados. Portanto, a atividade que realizei em
minha aula era exatamente o oposto de qualquer tipo de “ideologia de gênero”.

Seu posicionamento junto


à direção, então, resolveu
o impasse?

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Não, completamente. Embora a direção tenha reconhecido a importância das
questões de gênero e de sexualidade para a sociedade, não achou adequado que
eu as tratasse nas aulas de História, sugerindo, inclusive, que eu lecionasse aos
alunos somente os conteúdos curriculares da disciplina, como se ensino de História
e estudos de gênero devessem ser vistas como práticas opostas entre si. E para
piorar ainda mais a sua justificativa, disse-me que bastava aos alunos conhecimen-
tos técnicos sobre as disciplinas escolares para alcançarmos um mundo melhor.
Rebati a direção, dizendo a ela que essa mesma linha de pensamento já havia
levado muitos profissionais a direcionarem suas formações universitárias para práti-
cas destrutivas e egoístas, como foram os casos dos engenheiros ligados aos projetos
genocidas da Alemanha nazista e de outros que, atualmente, ajudam a maximizar
o lucro de empresas em detrimento do meio ambiente. Contudo, e infelizmente,
minhas argumentações não foram suficientes para sensibilizar aquela direção.

E o que você fez? Paralisou


suas atividades sobre
gênero e diversidade sexual
com os alunos?

Bem, não desisti. Apesar da indiferença por parte da direção, insisti em


mostrar-lhes a legitimidade e importância de se abordar aquela temática na
escola. Por fim, após expor a ela os aspectos legais19 que permitem ao professor

19 *Constituição Federal, 1988. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas
de ensino; [...]
VI – Gestão democrática do ensino público, na forma da lei (BRASIL, 1988)
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 117

e à escola ensinar relações de gênero e sexualidade a seus alunos, incluindo o


direito à liberdade de cátedra, que permite ao docente ensinar e divulgar o plu-
ralismo de saberes, ideias e concepções pedagógicas, ela acabou mudando a sua
postura; talvez, receosa com a possibilidade de ter que enfrentar embates legais.

E, depois disso,
finalmente a direção
se mostrou sensível à
sua demanda?
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Sim e não.

Como assim?!

*Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, 1996. Art. 3º O ensino será ministrado com base
nos seguintes princípios:
I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III – Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – Respeito à liberdade e apreço à tolerância; [...]
VIII – Gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
(BRASIL, 1996).
*Já os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1997-1998), documentos do Ministério da Educação
voltado para o ensino básico, trazem um volume específico para professores tratarem o tema transversal
de Orientação Sexual sob três eixos: corpo humano, prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/
AIDS e relações de gênero. Diz este documento que: “as manifestações da sexualidade afloram em todas
as faixas etárias. Ignorar, ocultar ou reprimir, são respostas habituais dadas por profissionais da escola,
baseados na ideia de que a sexualidade é assunto para ser lidado apenas pela família [...] O fato de a família
ter valores conservadores, liberais ou progressistas, professar alguma crença religiosa ou não, e a forma
como o faz, determina em grande parte a educação das crianças e jovens. Pode-se afirmar que no espaço
privado, portanto, que a criança recebe com maior intensidade as noções a partir das quais vai construindo
e expressando a sua sexualidade. [...] A sexualidade no espaço escolar não se inscreve apenas em portas
de banheiros, muros e paredes. Ela “invade” a escola por meio das atitudes dos alunos em sala de aula e
da convivência social entre eles. Por vezes, a escola realiza o pedido, impossível de ser atendido, de que os
alunos deixem sua sexualidade fora dela [...] todas essas questões são expressas pelos alunos na escola.
Cabe a ela, desenvolver ação crítica, reflexiva e educativa” (BRASIL, 1997, 1998, p. 292, 293).
*O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em agosto de 2020, que é inconstitucional a Lei Escola Livre
(LEI 7.800/2016), de Alagoas, baseada no projeto de lei do programa Escola Sem Partido (PL 867/15)
(AMORIM; OLIVEIRA, 2020). A lei alagoana, enquanto durou, proibiu a prática de “doutrinação” política e
ideológica em sala de aula, o que incluiu a abordagem das questões sobre gênero e sexualidade, como
meio para garantir a hegemonia da ideologia conservadora na escola.
118

É porque, mesmo tendo se sensibilizado com a questão, isso não resultou


numa mudança concreta de postura, pois numa das reuniões entre direção e pro-
fessores, por exemplo, escutei um professor contar, com um sorriso estampado
no rosto, sobre um de nossos alunos, que, em sua opinião poderia ser considerado
um “pegador”, já que conseguia manter relacionamentos amorosos com diversas
meninas da escola, o que foi motivo de gargalhadas entre os demais professores.
Minutos depois, o mesmo professor, agora em tom de reprovação, relatou
que uma de nossas alunas mantinha relacionamentos amorosos com outras meni-
nas. Tal relato chamou a atenção da equipe diretiva da escola, que, imediatamente,

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prometeu advertir a referida aluna buscando, inclusive, ajuda psicológica a ela.

E a tal menina, foi advertida?

Não fosse a minha contestação e de outros colegas, com certeza, a dire-


ção teria cumprido a sua promessa. Depois disso, não havia mais dúvidas,
pelo menos para mim, de que havia uma necessidade urgente naquela escola:
criar espaços destinados a discussões sobre como enfrentar, didaticamente,
as questões ligadas às relações de gênero e diversidade sexual.

E de lá pra cá, como anda


a discussão que iniciou?

Bem, desde que iniciei minha pós-graduação no ProfHistória, que, por


coincidência, foi no mesmo ano em que vivi aquela experiência com a direção
da escola, minhas percepções sobre questões de gênero e sexualidade deram
um enorme salto: muitíssimos aspectos, por mim desconhecidos, e que são
essenciais para a compreensão dessa temática, tornaram-se para mim reali-
dade, tanto por intermédio das disciplinas que cursei, como pelas leituras que
fiz sob orientação de meus professores, além das incontáveis trocas de ideias
entre colegas e orientadores.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 119

Todas essas compreensões, alcançadas na pós-graduação, encorajaram-


-me não apenas a seguir firme com o tema de minha pesquisa, mas também
a fazer da minha própria turma de História do ensino básico, um importante
laboratório didático de minha pesquisa.

Como fez isso?


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Planejei duas aulas para as minhas turmas de 9º ano do ensino funda-


mental, especificamente, sobre o tema das relações de gênero e sexualidade.
Minha esperança era a de que, com aquelas aulas, eu pudesse visualizar um
padrão de reações e de feedbacks entre os meus alunos, capaz de me auxiliar
na criação de uma sequência didática possível para tratar desse tema.

E você conseguiu
atingir esse objetivo?

Bem, parcialmente, pois eu diria que estou ainda em fase de produção da


maior parte desse resultado, pois preciso confrontar os dados levantados e inter-
pretá-los. De toda forma, essas aulas foram reveladoras devido à quantidade de
elementos que gerou, o que tornou possível a realização de algumas atividades.

Poderia nos falar um


pouco sobre como
foram essas aulas?
120

Uma aula, em especial, no 9° ano B, me marcou muito, e foi central para


reunião desses elementos. Se quiserem, posso contar a vocês.

Por favor, meu amigo,


manda vê!

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Bem, cheguei na sala entusiasmado: discurso pronto, material preparado, e
até Power point. Comecei explicando à turma o que estudaríamos e, no momento
em que comecei a abordar o assunto, fui interrompido pelo aluno Manoel, amigo
inseparável, adivinhem de quem, daquele aluno cujo pai havia ido à direção
reclamar que eu estava ensinando “ideologia de gênero” a meus alunos. Manoel
perguntou-me se eu era comunista e se ensinaria marxismo à turma.20
Parei, respirei e, então vi no questionamento de Manoel uma ótima oportuni-
dade de começar a aula, pois apesar de concordar com os comunistas sobre a neces-
sidade de combater a desigualdade social, não compartilhava com eles sua visão
de mundo e de sociedade. Respondi então, a Manoel, que eu não era comunista e
que aquela aula não era sobre o comunismo, mas que aquele seu questionamento
poderia nos ajudar a compreender as relações sociais de gênero e sexualidade.
Expliquei que os comunistas, de forma geral, enxergam o poder como
algo que o Estado seja capaz de deter e concentrar, e que uma revolução
comunista buscaria tomar este poder, que pertenceria às elites, em favor da
classe trabalhadora. Por outro lado, esclareci que, pessoalmente, compartilho
a visão de que o poder não deveria ser concebido como um objeto que pode
ser pego, detido, guardado ou concentrado, seja nas mãos do Estado, de um
grupo ou de um indivíduo. Em vez disso, o poder flui pela sociedade como o
sangue circula em nossas veias, capilarizando-se e chegando a todo e qualquer
tipo de relações sociais, desde as que se passam no poder político institucional,
até as que a gente vive no cotidiano.21
Aproveitando a deixa de Manoel, a aluna Maria interferiu, incomodada,
dizendo não concordar com a minha explicação, pois, segundo ela, nem eu,
seus colegas, ela própria, ou qualquer outra pessoa que não fosse um político

20 Segundo setores sociais reacionários, “marxismo cultural” seria uma forma de dominação comunista, a partir
de transformações culturais nas sociedades ocidentais. “Ideologia de gênero”, então, faria parte deste plano
de dominação cultural para subverter os conceitos de gênero e sexualidade tradicionais. Para grande parte
do mundo acadêmico e da mídia profissional, “marxismo cultural” não passa de uma teoria de conspiração
utilizada para fins políticos conservadores.
21 Conceito de poder desenvolvido por Michel Foucault (1979).
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 121

profissional ou trabalhasse no Estado, teria poder para mudar nada na sociedade,


pois o domínio estaria somente com quem nos governa, faz leis ou decide judi-
cialmente, então estas pessoas teriam o poder exclusivo de melhorar ou piorar
as coisas no País.

E o que você fez para


contornar essa situação?
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Bem, tentei ser o mais didático possível, fazendo alusão às relações


sociais que se dão no âmbito das famílias. Expliquei a eles que, quando seus
pais exigem deles obediência à determinada regra, naquele exato momento,
acontece uma relação de poder, tal como ocorre entre eles e seus irmãos
quando disputam entre si o direito de usar o computador, ou quando estão
disputando quem, entre eles, deve escolher qual filme assistir pela TV.22
Concluí dizendo que cada um sofre e exerce o poder de forma desigual
nas relações sociais, mas que também o poder não pode ser aprisionado por
ninguém, nem dura para sempre de forma fixa e constante, inclusive nas
relações sociais que envolvem o Estado, pois para cada exercício de domínio,
existe uma resistência.23 Assim, depois daqueles exemplos, a turma se mostrou
mais receptiva àquele conceito de poder que eu pretendia trabalhar.

De que maneira você abordou


com eles o conceito de poder
no âmbito da discussão sobre
gênero e sexualidade?

22 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o de
garantir que o aluno seja capaz de “compreender acontecimentos históricos, relações de poder e processos
e mecanismos de transformação e manutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais ao
longo do tempo e em diferentes espaços para analisar, posicionar-se e intervir no mundo contemporâneo”.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 402.
23 Discussão baseada em Foucault (1979).
122

Aproveitei o questionamento da aluna Maria para fazer essa relação. Iniciei


uma discussão sobre a importância de se compreender o poder, no sentido de
tornar possível, por exemplo, a busca por igualdade nas relações entre mulheres
e homens. Expliquei a eles que devemos deslocar o poder de lugar contestando a
compreensão tradicional que temos dele, ou seja, a de que o poder é um monopó-
lio do Estado, e que, portanto, somente pela sua retomada e transferência para os
setores subalternizados da sociedade é que, então, poderemos conquistar maior
justiça social. Depois disso, foi mais fácil refletir com eles sobre como devemos
nos posicionar e agir no plano das relações sociais no dia a dia, incluindo as de

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gênero e sexualidade, no intuito de transformá-las.
Em seguida, retomei as dúvidas do aluno Manoel quanto ao fato de eu
ser um marxista, para esclarecer que a tomada do poder do Estado entre as
nações comunistas não representou a garantia das tão sonhadas mudanças
nas relações sociais, em seu mais amplo sentido, já que em tais nações ainda
persiste ou persistiu a existência de instituições e de modos de pensar e lidar
com o mundo semelhantes àquelas que existem em nossas sociedades liberais:
grupos privilegiados; escola disciplinadora; prisão para os pobres e opositores;
polícia repressora; hospitais psiquiátricos para retirar da vista os “loucos” e
desagradáveis; leis para regular cada canto da vida das pessoas, e relações de
gênero e sexualidade padronizadas para manter desigualdades entre homens
e mulheres, e combater os “anormais” que escapavam das normas sexuais.24
E essa foi a minha deixa para poder explicar aos alunos que as conquistas
femininas e de pessoas LGBTQIA+, por exemplo, não dependem exclusivamente
do poder do Estado. São necessárias reivindicações coletivas e lutas organizadas,
como também mudanças no plano de nossas relações de poder vividas no coti-
diano por pessoas “comuns”, incluindo as relações de poder na escola.25 Somente
a instalação de um governo comandado por pessoas supostamente benevolentes
e bem-intencionadas, não é capaz de melhorar nossa vida em sociedade.

Interessante. Como o diálogo


com seus alunos se
desenvolveu a partir daí?

24 Discussão baseada em Foucault (1979).


25 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “relacionar as conquistas de direitos políticos, sociais e civis à atuação
de movimentos sociais.”. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,
2018. p. 429.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 123

Bem, em seguida, a estudante Beatriz exaltou-se, indignada, dizendo que


acreditava na existência de um patriarcado que, ainda hoje, seria tão violento
contra as mulheres como foi no passado, e que, na sua opinião, homens e
mulheres são como “água e óleo” e nunca se misturariam, já que o homem
seria violento, enquanto a mulher, delicada. A indignação dela foi reveladora
da ausência de abordagens sobre questões de gênero no âmbito escolar.
Então, respondi a ela que apesar da insistência da reprodução de normas
sociais, é impossível que a sociedade não mude em muitos aspectos com o
passar do tempo, pois, apesar das tradições, a vida que levamos hoje é bastante
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diferente daquelas em que viviam, por exemplo, sua mãe e sua avó quando
tinham a sua idade. Disse ainda, que precisamos transformar muitas coisas
nas relações entre mulheres e homens. Se acreditarmos que nada mudou a
respeito dessas questões, daremos as costas a todas as lutas que o feminismo
promoveu e a todas as suas conquistas ao longo do tempo.
Também aproveitei a oportunidade para dizer a eles que é um tremendo
erro acreditar que mulheres e homens sejam opostos entre si, e que, portanto,
todas as relações de gênero sejam, necessariamente, marcadas por conflito e
guerra. Caso fosse assim, a luta feminista, que reivindica igualdade entre os
gêneros, e não superioridade feminina, tornar-se-ia, então, desnecessária.26
Naquele momento, o aluno Pedro entrou na conversa e concordou comigo,
dizendo que a natureza masculina não é oposta à feminina, pois ambas se com-
pletariam, já que homens e mulheres teriam sido feitos “um para o outro”.
Prontamente, corrigi Pedro, dizendo a ele que não existe algo como “natureza
masculina” e “natureza feminina”. Para explanar a questão, perguntei a ele se
conhecia a famosa frase “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”27, da francesa
Simone de Beauvoir.28 Ele respondeu que sim, pois havia a lido na prova do
Enem29 do seu irmão, mas disse que não sabia o que significava.
Expliquei a ele que Beauvoir percebeu, entre outras coisas, que o que
tradicionalmente chamamos por “natureza feminina” é, na verdade, para
além de diferenças biológicas, uma força opressora construída histórica e
socialmente contra as mulheres, que são ensinadas e treinadas desde o nas-
cimento em casa, na escola e nas relações sociais, em geral, por meio de
comportamentos, posturas, ideias e sentimentos para cumprir seu papel social
como mães cuidadosas, esposas obedientes e pessoas de segundo escalão ou
de um “segundo sexo”30.

26 Discussão baseada em Scott (1995).


27 BEAUVOIR (1967, p. 9)
28 Simone de Beauvoir (1908-1986). Teórica feminista, escritora, filósofa e ativista.
29 Na da prova de Ciências Humanas, no Enem de 2015, a frase de Beauvoir apareceu numa das questões
(LIMA, 2015).
30 Discussão baseada em Beauvoir (1970).
124

Completei dizendo também que, no entendimento de Beauvoir, não se


trata de “natureza”, mas, sim, de construção histórica e social de gênero,
ensinada a todos, homens e mulheres, desde que nascemos, motivo que a leva
parecer “natural”. Dessa maneira, para Beauvoir, somente pela compreensão
de sua condição na civilização e pela luta coletiva feminina é possível que a
mulher alcance independência social e igualdade perante o homem.31

E como seus alunos encararam

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essas informações?

Grande parte deles se mostrou desconfiada. Mas, o aluno Gabriel quebrou


o gelo, e até nos proporcionou boas gargalhadas, quando afirmou que aquilo
que eu havia explicado seria impossível, porque existiam “provas materiais”
de que homens e mulheres fossem naturais e não construções históricas sociais,
como eu havia dito. E quando eu o perguntei sobre quais provas materiais
seriam estas, ele respondeu, meio embaraçado, que as provas estavam entre
nossas pernas, pois seriam pênis e vaginas.
Aproveitei aquele momento para esclarecer a diferença conceitual
entre sexo e gênero. Disse que o sexo é um dado biológico: machos e
fêmeas têm diferenças cromossômicas, hormonais e, como o Gabriel tam-
bém nos lembrou, anatômicas. E para explicar as diferenças entre sexo e
gênero, sem ampliar muito a discussão, afirmei a eles que podemos dizer
que sexo é natural e produz fêmeas e machos, enquanto gênero é construção
histórica e social, e produz mulheres e homens. Contudo, procurei deixar
claro que essa diferença sexual é utilizada no dia a dia para justificar as
relações desiguais entre os gêneros, como se a natureza produzisse, por si
só, o mundo social em que vivemos.
A estudante Beatriz, então, retornou à discussão e disse que ainda não
estava convencida de que homens e mulheres fossem construções sociais.
A aluna apelou ao discurso de que mulheres são naturalmente delicadas,
emotivas e cuidadoras do lar e das crianças, enquanto os homens seriam
essencialmente racionais e firmes, desenvolvendo o gosto pelo trabalho fora
de casa e não possuindo “instinto” para se dedicarem tanto aos seus filhos,
como fazem as mães.

31 Discussão baseada em Beauvoir (1970).


QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 125

Respondi a ela, dizendo que esses papéis sociais que tradicionalmente


atribuímos a meninos e meninas, homens e mulheres, não representavam
verdades naturais, mas, sim, frutos da forma como organizamos a sociedade.
Exemplifiquei, dizendo que a brincadeira com bonecas pode servir para treinar
meninas a serem boas mães no futuro, mas, muitas vezes, meninos chegam a
ser proibidos por seus pais de brincarem com casinhas e bonecas.
Prossegui com a explicação, afirmando que homens adultos podem se
adaptar a qualquer tipo de atividade doméstica como cuidar de seus filhos,
passar roupas e tantos outros. Isso prova que as nossas construções sociais de
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gênero, e não uma suposta natureza biologicamente predeterminada, cumprem


um papel decisivo nas relações de gênero.
Argumentei que relações de poder mais justas entre mulheres e homens
deveriam passar por uma transformação profunda na sociedade. Perguntei,
então, aos alunos sobre o que, em suas opiniões, os homens deveriam fazer
para serem considerados “superpais”. A maioria respondeu que um pai maravi-
lhoso seria aquele que, além de trabalhar, ao menos de vez em quando trocasse
fralda, desse banho e preparasse “papinha” para seus filhos.32
Então, perguntei se eles consideravam mães “supermães” devido ao fato
de elas fazerem a seus filhos muito mais coisas do que haviam apontado no
“superpai”. A maioria silenciou-se, mas concordou comigo quando eu disse
que homens deveriam ir além de eventuais “favores” prestados às suas com-
panheiras e a seus filhos, e dividir igualmente o planejamento, as tarefas e as
responsabilidades domésticas com as mulheres, a fim de não as sobrecarregar.33
Percebi que aquele seria o momento ideal para que os alunos compreendes-
sem que a natureza não determina a forma como mulheres e homens vivem.

E os alunos compreenderam o
papel das relações de gênero em
suas experiências pessoais?

Sim. Eles até mencionaram alguns materiais que rolaram na mídia e


que denunciavam essas construções de gênero. Numa delas, um homem e
uma mulher surgiam na tela trabalhando, exatamente na mesma função, num
escritório, porém, enquanto o homem se mostrava racional, forte e eficiente
quando colocado sob pressão, a mulher se mostrava tecnicamente incapaz de

32 Discussão baseada em Coelho (2020).


33 Discussão baseada em Coelho (2020).
126

concluir seu trabalho, e prestes a perder o controle psicológico e a se tornar


histérica, como se estivesse sendo castigada por ter tentado escapar de seus
“instintos naturais”, do serviço doméstico e do cuidado das crianças.34

Que interessante! E como


a conversa se desdobrou
a partir daí?

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Pra começar, a aluna Beatriz que, até então, mostrava ter uma visão natu-
ralizada sobre as relações de gênero, a partir daquele momento, começou a se
convencer de que as relações entre mulheres e homens eram profundamente
influenciadas por fatores históricos e sociais. Contudo, Beatriz posicionou-se
de forma extrema e passou a defender uma luta da mulher contra o homem
na sociedade, começando ali pela escola. Então, eu a perguntei sobre qual
mulher ela agora passava a defender. Ela respondeu que não havia divisões
entre as mulheres, pois havia percebido que todas são oprimidas, e que a luta
das mulheres contra os homens era apenas uma única luta.
Novamente, lembrei à turma que as importantes lutas feministas não se
dão contra os homens, como comumente escutamos de grupos reacionários,
mas, sim, pela igualdade entre os gêneros. Portanto, os homens têm papel
decisivo na transformação dessas relações de poder. Além disso, argumentei
com Beatriz que, apesar da importância da existência de uma luta coletiva
entre todas as mulheres, não existe somente um único feminismo, que é plural
e diverso. Dessa maneira, os interesses e as necessidades de algumas mulheres
podem, inclusive, não importarem e até serem opostos aos de outras.
Para exemplificar, dei a eles um exemplo sobre o que levou o feminismo
negro a ser criado para dar voz aquelas mulheres que nem sempre tiveram suas
reivindicações escutadas no âmbito de movimentos feministas brancos: nos
Estados Unidos, em 1976, cinco mulheres negras processaram a fabricante de
automóveis General Motors por discriminação racial e de gênero, mas acabaram
não tendo sua acusação validada pela Justiça porque a fabricante, de fato, havia
contratado, naquela época, funcionários negros e mulheres, fazendo com que a
denúncia caísse por terra. Todavia, o que a Justiça, predominantemente branca
e masculina, não percebeu, era o fato de que todas as mulheres contratadas pela
34 Discussão também presente no texto de Beleli (2007).
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 127

fabricante de automóveis eram brancas, e que todas as pessoas negras que lá


trabalhavam eram homens, o que fazia com que a discriminação contra mulheres
negras transcendesse as categorias de gênero e de raça.35
Aproveitei aquele exemplo para explicar aos alunos que nem todas as
mulheres sofrem as mesmas discriminações e que, portanto, nem sempre elas
lutam pelas mesmas reivindicações, já que entre as próprias mulheres existem
hierarquias e desigualdades, como as que se baseiam em raça, classe, sexuali-
dade e localização geográfica. Disse também, que não poderíamos imaginar que
a vida e as necessidades de mulheres brancas, heterossexuais, de classes abas-
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tadas e de países ricos, pudessem ser as mesmas de mulheres negras, latinas,


lésbicas, transgênero, imigrantes e de países pobres. Para muitas destas, por-
tanto, pode acontecer de terem como principais aliados os próprios homens.36
Finalizei, explanando que esses diferentes marcadores sociais, como os
de raça, classe, sexualidade e localização geográfica, são tão importantes para
compreendermos a realidade quanto os de gênero. Dessa forma, ninguém seria
somente mulher ou homem, já que todos nós incorporamos diversas identi-
dades que se entrecruzam e que tornam nossas intersubjetividades bastante
complexas. A essa rede de relações entre várias identidades e marcadores
sociais, como a que vimos no caso das mulheres negras contra a General
Motors, chamamos de interseccionalidade.37

É realmente muito complexa essa


realidade. E você abordou, também,
questões que envolvem pessoas
LGBTQIA+?

35 Discussão baseada em Akotirene (2019).


36 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “identificar e discutir as diversidades identitárias e seus significados
históricos no início do século XXI, combatendo qualquer forma de preconceito e violência.”. BRASIL. Ministério
da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018, p. 433.
37 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o de
garantir que o aluno seja capaz de “identificar direitos civis, políticos e sociais expressos na Constituição de
1988 e relacioná-los à noção de cidadania, e ao pacto da sociedade brasileira de combate a diversas formas
de preconceito, como o racismo.”. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília, 2018. p. 431.
128

Claro! O aluno Paulo, ao escutar minha explicação sobre intersecciona-


lidade, chamou-me a atenção para algo que ele não compreendia: a situação
das mulheres transgênero, que eu havia comentado anteriormente. Paulo não
sabia do que se tratava e me pediu para que eu falasse a respeito. Respondi
que mulheres transgênero nasceram com o sexo biológico masculino. O aluno
ficou confuso com o que eu disse, e afirmou que não seria possível que um
homem pudesse se transformar em mulher.
Mais uma vez, recorri à frase de Simone de Beauvoir, que diz “ninguém
nasce mulher: torna-se”, para abordar a questão. Comentei que Beauvoir,

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apesar de diferenciar o sexo daquilo que hoje chamamos de gênero, prova-
velmente não pensou em todas as consequências dessa ideia. Então, muito
tempo depois, nos anos 1990, a norte-americana Judith Butler foi além e disse
que, se homens e mulheres são construções históricas e sociais, e não seus
corpos masculinos e femininos, então, possuir um corpo biológico de macho,
por exemplo, não significa que sobre ele esteja determinado que apenas um
homem possa ser construído, pois, uma mulher também poderia existir num
corpo masculino. Concluí dizendo que, definitivamente, os gêneros: homens,
mulheres, e outros, independem da natureza biológica dos corpos38.

Como seus alunos


reagiram a isto?

Após aquela explicação, a turma se mostrou muito surpresa: enquanto


alguns comentavam com o colega ao lado sobre o que eu havia acabado de
falar, outros até protestaram; como foi o caso da aluna Andreia, que disse,
em tom de revolta, que eu estava passando dos limites, pois ela poderia até
entender que homens e mulheres são culturalmente construídos, mas, que não
aceitava a ideia de que mulheres poderiam existir em corpos masculinos, e
homens em corpos femininos. Eu pedi calma à estudante, e disse a ela que,
apesar de concordar com a autora, aquela ideia não era minha, era de Butler.
Imediatamente, a aluna me pediu para desenvolver melhor aquele raciocínio
porque, até aquele momento, ainda lhe soava absurdo.
Para esclarecer melhor, recorri, mais uma vez, à Judith Butler e ao exemplo
das drag queens do sexo masculino: homens que, de forma artística, performam
mulheres se vestindo e se comportando como elas, na maior parte das vezes até de

38 Discussão baseada em Butler (2003).


QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 129

forma extravagante, o que demonstraria não existir uma ligação predeterminada


entre sexo e gênero, já que, do contrário, seria impossível a indivíduos do sexo
masculino falar, gesticular, andar, vestir-se e aparentar-se como mulheres. Os
lembrei, também, de que homens e mulheres não são seres criados pela natureza,
mas, sim, pela sociedade humana39. Aproveitei para ressaltar a ideia de que a
realidade a nossa volta é, em grande medida, construída por meio de discursos.
Concluí o raciocínio dizendo que os gêneros podem ser construídos em
qualquer tipo de corpo humano, que mulheres e homens transgênero são pessoas
completamente normais, e que, além do mais, seria uma maneira muito pobre e
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limitada pensar que a biologia determinaria a forma de vivermos em nosso mundo,


uma vez que este se estrutura também pelas culturas, pelas políticas e pela história.
Além disso, expliquei aos estudantes que a própria ciência, apesar de sua
importância para a humanidade, não é neutra e até pode servir como ferra-
menta política para a reprodução de preconceitos e de normas sociais sob um
discurso de produção de verdades, como ficou claro, por exemplo, na decisão
da Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2019, de retirar a tran-
sexualidade da classificação de doenças mentais que, uma vez, a psiquiatria
a havia incluído.40

E a turma, como reagiu


a essas ideias?

Bem, o aluno Manoel se opôs a essa visão de mundo porque, num docu-
mentário que havia assistido, era explicado que a natureza moldava a história,
a cultura, o pensamento e as sociedades humanas. Chamei Manoel à reflexão,
lembrando a ele que também os nazistas acreditavam que a biologia dividia a
humanidade em raças “puras”, como a ariana, e raças “degeneradas”, como
os judeus. Argumentei que os nazistas confiavam na ideia de que existia uma
biologia, uma “natureza” própria em cada raça que determinava a forma de
um povo pensar, agir e existir no mundo. Para Hitler e sua ideologia, judeus
e homossexuais, pessoas com deficiência, ciganos e poloneses deveriam ser
eliminados devido a suas “naturezas” inferiores.41
39 Discussão baseada em Butler (2003).
40 Discussão baseada em notícia veiculada pelo Conselho Federal de Psicologia (2019).
41 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “descrever e contextualizar os processos da emergência do fascismo
e do nazismo, a consolidação dos estados totalitários e as práticas de extermínio (como o holocausto)”.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 433.
130

Nesse momento, a aluna Maria interveio e recordou de aulas anteriores


que poderiam servir àquela discussão. A estudante disse que nem precisaría-
mos ir tão longe, pois a própria história do Brasil nos mostrava que a escra-
vidão de pessoas não brancas, também, foi baseada nessa ideia de “natureza”
racial que dividia brancos, negros e índios, como se cada povo tivesse uma
essência diferente. Maria lembrou-se também de suas aulas de Ciências, em
que aprendeu que não existem raças na humanidade, apesar de o preconceito
e a discriminação racial existirem.

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E essas noções suscitaram
questionamentos entre os alunos?

Muitos! A aluna Beatriz, por exemplo, perguntou-me se, já que o gênero é


social e historicamente construído, as pessoas poderiam escolher entre mante-
rem-se mulher ou se transformarem em homem. Respondi que não poderíamos
compreender gênero como uma aquisição voluntária, como se pudéssemos
escolhê-lo conscientemente, já que gênero é aprendido desde o nascimento.
Argumentei que os pais tratam o seu bebê atribuindo a ele o gênero dito
masculino ou feminino. No seu desenvolvimento, a criança tem o gênero
internalizado no seu corpo, e na sua mente, por meio das respostas de apro-
vação, de reprovação e até de punição dos pais, dos familiares, dos amigos
e da sociedade em geral. Continuei dizendo que há meninos, por exemplo,
que se tornam alvo de piada e até de violência, por não atuarem conforme a
construção social que tradicionalmente atribuímos ao sexo masculino. A este
processo, denominamos por performatividade de gênero.42
Naquele momento, o aluno Paulo se encorajou, nos lembrando de que,
dentro de nossa própria escola, era corriqueiro tal processo performativo,
relatando que já havia visto meninas e meninos fazendo chacota com vários
alunos gays devido às suas formas de andar, falar e se vestir. Aproveitei a
deixa para dizer que essas piadas e reprovações, quanto ao modo de ser e de
existir de pessoas não heterossexuais, partem, justamente, daquelas ideias
equivocadas segundo as quais existe uma natureza que produz aparências
e comportamentos “corretos” para homens e mulheres. Concluí, afirmando
que tais ideias são, na verdade, criadas por meio de visões estereotipadas e

42 Discussão baseada em Butler (2003).


QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 131

preconceituosas que visam limitar as pessoas. Além do que, o preconceito


contra meninos que não performatizam uma masculinidade padrão, parte de
uma premissa machista, que atribui a feminilidade uma condição característica
somente das mulheres.

Pelo que eu tô vendo, essas aulas


foram bem movimentadas. E sobre a
bandeira arco-íris, alguém comentou?
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Não especificamente, mas, o aluno Pedro interessou-se em saber o que


significava a sigla LGBTQIA+, pois já a havia visto em vários lugares, mas,
não sabia ao certo o que cada uma das letras significava. Então, esclareci que
a primeira parte, “LGB”, refere-se a orientações sexuais, ou seja, ao desejo e
à atração física que uma pessoa tem por outras. Este trecho da sigla significa
lésbica, gay e bissexual: lésbicas são mulheres que sentem atração sexual
por outras mulheres; gays são homens que sentem atração sexual por outros
homens; e bissexuais são tanto homens quanto mulheres, que sentem atração
sexual por pessoas de ambos os gêneros.
Seguindo com a explicação, informei que a letra “T” está ligada à iden-
tidade de gênero, não se referindo mais ao desejo sexual, mas, sim, às formas
a partir das quais as pessoas se auto reconhecem e se apresentam ao mundo.
Ainda sobre a letra “T”, emendei dizendo que ela se refere a pessoas
transgênero, ou seja, pessoas que vivem sob uma identidade de gênero dife-
rente da que tradicionalmente atribuímos ao sexo biológico. Neste ponto,
enfatizei que o sexo biológico, por si só, não torna ninguém homem ou mulher,
pois para isto é preciso aquela construção histórica e social sobre a qual já
falamos. Além disso, também disse que um homem transgênero, por exemplo,
não necessita ter um pênis, para assim ser considerado. Da mesma forma,
uma mulher transgênero existe mesmo não possuindo vagina, como acontece
no caso de travestis, que não sentem desconforto em relação a seus órgãos
genitais masculinos, o que também não a impede de buscar cirurgias médicas
para alteração genital.
Já sobre o “Q”, esclareci que se refere a queer, uma palavra da língua
inglesa que significa “estranho”, “esquisito”. Há centenas de anos, a palavra
foi usada de forma pejorativa contra pessoas da “ralé” e depois como xinga-
mento a pessoas não heterossexuais, algo como “viado”.
132

Assim que disse esta última palavra, a aluna Beatriz interrompeu-me,


dizendo que eu não deveria falar aquele tipo de coisa. Respondi a ela, dizendo
que eu repudiava, não apenas aquela palavra, quando utilizada de forma gros-
seira, mas qualquer outro tipo de ofensa. Contudo, naquele contexto da aula,
era necessário que eu a usasse.
Também expliquei à Beatriz que os xingamentos podem ser ressignifi-
cados, fazendo com que palavras historicamente degradantes sejam transfor-
madas, ganhando um novo significado e apagando seus sentidos ofensivos
anteriores. Dei o exemplo de homens homossexuais que foram xingados e

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marginalizados, por séculos, mas que, atualmente, no Brasil, utilizam a palavra
“viado” como forma de fazer piadas entre si. Da mesma forma, as lésbicas
fazem com a palavra “sapatão”. Nos Estados Unidos, por exemplo, pessoas
LGTBQIA+ se utilizam da mesma estratégia, transformando a palavra queer
para minar o seu potencial ofensivo original.
Ainda quanto à palavra queer, expliquei a eles que se refere a uma teoria
que critica a visão binária de gênero e de sexualidade, que nos restringe às
nossas identidades tradicionais: homem ou mulher; heterossexual ou homos-
sexual. Na perspectiva queer, existem múltiplas experiências que podem ser
exploradas para além do que normalmente concebemos.
Sobre o “I”, disse que se refere a questões biológicas e significa inter-
sexual. Explicitei aos alunos que, apesar de a maioria de nós acreditar que
existem apenas dois sexos na espécie humana, o masculino e o feminino, na
verdade, existem mais. A intersexualidade, por exemplo, apesar de não ser um
sexo específico – já que é composta por mais de 40 tipos de combinações dife-
rentes, que podem se dar, de forma variada, nos cromossomos, nas gônodas,
nos hormônios e até nos órgãos externos e internos do corpo – demonstra como
a sexualidade humana vai além dos padrões conhecidos. Também expliquei
aos alunos que, no passado, pessoas intersexuais já foram vítimas de cirurgias
para “corrigir” o seu sexo, pois a nossa mentalidade binária, muitas vezes,
só nos permite enxergar machos e fêmeas, homens e mulheres. A turma se
surpreendeu quando eu disse que, só no Brasil, em 2016, viviam mais de 167
mil pessoas intersexuais.43
Prossegui falando da letra “A”. Se o “LGB” se liga ao desejo sexual de
uma pessoa por outras, o “A”, então, refere-se à ausência deste desejo, pois
significa assexual. Assexuais são pessoas que, em diferentes níveis, não sentem
atração sexual por quem quer que seja, o que também deve ser respeitado e
visto como normal. Por fim, concluí explicando que o “+” é utilizado para
designar outras variações de gênero e de sexualidade.

43 Discussão baseada em Sodré (2016).


QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 133

Uma questão que surge com frequência quando


se fala em movimentos LGBTQIA+, mulheres e
negros é a do “identitarismo”. Como você tratou
isso com a turma?

É interessante você questionar sobre isso, Aurélio, porque o estudante


Jonathan, após me escutar falando sobre o que significava LGBTQIA+, afir-
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mou que, como o Brasil nunca havia tido um ou uma presidente declarada-
mente gay, certamente votaria num candidato ou numa candidata homossexual
“fora do armário”, caso ele pudesse votar. Concordei com o aluno, dizendo que
eu também gostaria de ver maior diversidade de gênero e sexualidade entre
nossos representantes políticos, mas adverti que a identidade de gênero ou
a orientação sexual de uma pessoa não a torna qualificada ou desqualificada
para realizar qualquer tipo de atividade.
Falei também sobre a existência de políticos LGBTQIA+ que apoiam ou
já apoiaram pessoas abertamente homofóbicas e transfóbicas, mas que depois
se assumiram LGBTQIA+ como forma de transformar essa identidade em
votos para si. Alguns desses políticos LGBTQIA+ podem promover políticas
extremamente prejudiciais.44
Em seguida, o aluno Jonathan questionou sobre o papel da identidade,
julgando ser algo de menor importância. Respondi que se tratava de algo muito
importante, pois tem a ver com as maneiras com as quais damos sentido a
nossas próprias existências e ao mundo em que vivemos. Contudo, completei,
algumas identidades, a exemplo daquelas que tratamos a pouco, tem sido,
historicamente, alvos de repulsa social e de repressão, de modo que, ainda
hoje, precisam lutar por seus devidos reconhecimentos.
Aproveitei o momento para explicar sobre políticas centradas na ideia de
identidades. Falei que essas políticas são importantes e positivas, porque leva-
ram (e levam) reconhecimento social para grupos com identidades marginaliza-
das como negros, mulheres, imigrantes e pessoas LGBTQIA+. Contudo, alertei
para o fato de que, como vivemos coletivamente entre pessoas com diferentes

44 Como exemplo disso, temos o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que, apesar de se
declarar publicamente gay pela primeira vez em julho de 2021, havia sido apoiador igualmente declarado
do Presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, mesmo durante a gestão negacionista do governo federal
frente à pandemia de COVID-19 que assola o País. A declaração de Leite sobre sua orientação sexual foi
vista, por boa parte da mídia, como forma de catapultar sua candidatura para Presidente da República
na eleição de 2022. Apesar disso, Leite nunca trabalhou ativamente por direitos de pessoas LBTQIA+ e
governa seu estado, o Rio Grande do Sul, por meio de políticas neoliberais que prejudicam o interesse
público (DOREA, 2021).
134

identidades, é necessário que defendamos também um projeto comum a todos


nós. Terminei dizendo que, além de diversidade sexual e de identidade de
gênero na política institucional, também necessitamos de representantes que
trabalhem por justiça social e distribuição econômica de nossas riquezas.

E como ficou a questão


da historicização da
própria sexualidade?

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Bem, a aluna Jéssica pegou um gancho na discussão iniciada por Jonathan
sobre homossexualidade, e aproveitou pra dizer que respeitava as pessoas bisse-
xuais, gays e lésbicas. Para ela, toda e qualquer pessoa merecia ser feliz da forma
como se é, pois, nasceríamos com nossas próprias sexualidades predefinidas.
Fui obrigado a discordar de Jéssica, pelo menos com a última parte de sua
fala, mas, isso foi importante, pois lembrei à turma sobre como a ideia de natu-
reza foi utilizada para justificar a vida social, inclusive a ideia de desejo sexual.
Recorri as ideias de Michel Foucault, para quem este tipo de desejo, apesar de
ser real, também não é natural, mas historicamente construído. Expliquei o que
disse o autor sobre como na Europa, de 200 anos atrás, surgiram nas socieda-
des burguesas as ciências do sexo, que produziram uma grande quantidade
de discursos, saberes e “verdades” sobre a sexualidade humana. Foram elas,
por exemplo, que criaram a identidade do homossexual, pois, na mentalidade
daqueles cientistas, seria no sexo que encontraríamos a “verdade” das pessoas.45
Os estudantes se mostraram intrigados com aquela explicação, e muitos
perguntaram sobre qual seria o motivo para se criar uma identidade homosse-
xual. Como resposta, recorri, mais uma vez, às ideias de Foucault, especifica-
mente, aquilo que ele chamou por “biopolítica”, ou seja, maneiras encontradas
pelo Estado com o fim de controlar a vida da população por meio do uso
de uma grande quantidade de saberes, como a economia, a demografia e a
psiquiatria, além da grande quantidade de leis e de regras. O objetivo último
da biopolítica é o de fazer a sociedade maximizar-se, produzir cada vez mais
e, por consequência, também pensar, sentir, agir e desejar de forma sempre
controlada e disciplinada pelo governo.46

45 Discussão baseada em Foucault (1988).


46 Discussão baseada em Foucault (1988).
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 135

Arrematei a explicação, dizendo a eles que a noção de homossexual foi


criada por aquelas ciências do sexo como sendo um tipo de identidade pato-
lógica: um doente que deveria ser tratado por médicos e psiquiatras, uma vez
que se tratava de algo que ia na contramão de um projeto de sociedade que
deveria crescer e se reproduzir.47
Naquela hora, a aluna Andreia interveio, dizendo que eu estava “forçando
a barra”. Segundo ela, existiria sim uma “natureza gay”, já que em diversos
povos e em diferentes épocas sempre existiram homossexuais. Percebi nos
rostos dos alunos que a maioria parecia concordar com a afirmação de Andreia.
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Então, fiz daquela intervenção uma ótima oportunidade de avançar no assunto.


Comecei explicando que a prática homossexual, tanto entre mulheres
como entre homens, provavelmente existe desde que a humanidade surgiu na
face da Terra, e que já havia sido alvo de perseguição entre diferentes povos
muito antes do século XIX. Porém, o sujeito homossexual que teve sua verdade,
sua natureza e sua identidade social definida em razão da pessoa com quem ele
mantinha relações sexuais é uma construção recente na história da humanidade.
Os alunos se mantinham incrédulos sobre o que eu estava falando, o que
não me surpreendeu. Então, novamente recorri à história, explicando que na
Grécia Antiga, por exemplo, o desejo, seja em relação à alimentação, ao sexo
ou a qualquer outra prática, era considerado natural se fosse satisfeito de forma
moderada, pois, na visão da época, apenas o excesso poderia enfraquecer a
mente ou envenenar a alma. Por isso, tanto a relação homossexual como a hete-
rossexual, eram consideradas naturais, a ponto de não existir uma identidade
especificamente homossexual para determinar um sujeito, como acontece hoje.48
Então, o aluno Manoel ergueu a mão e rebateu, afirmando que os gregos
eram todos gays. Respondi a ele que aquela era uma ideia que distorcia com-
pletamente a realidade grega daquele período. Expliquei que não existiam gays
na Grécia Antiga, pois a homossexualidade era considerada apenas uma prática
sexual, que não definia a “verdade sexual” de uma pessoa. Continuei dizendo
que, como a Grécia Antiga não era uma sociedade monogâmica como a nossa,
homens casados com mulheres também tinham parceiros sexuais mais jovens do
sexo masculino, um tipo de relação comum nas famílias mais ricas, pois havia
um acordo social para que estes jovens fossem educados em diversas áreas pelos
homens mais velhos considerados mais sábios e importantes na sociedade.49
Outra aluna, a Fernanda, ajuizou que a Grécia Antiga seria um tipo de
sociedade sem preconceitos onde o amor era livre. Prontamente, respondi
a ela com uma negativa, explicando que, na verdade, os gregos antigos

47 Discussão baseada em Foucault (1988).


48 Discussão baseada em Foucault (1984).
49 Discussão baseada em Foucault (1984).
136

estiveram longe de construir, para os nossos padrões ocidentais modernos,


uma sociedade daquele tipo, pois se tratava de uma sociedade escravocrata
e que negava direitos às mulheres.
Finalizei o assunto sobre os gregos antigos, dizendo que não deveríamos
idealizar para o nosso presente modelos de sociedade e épocas do passado,
pois isto faz parte de um desejo reacionário de fazer retroceder a história, ao
invés de encarar de forma honesta nosso mundo e nossos problemas presentes.
E lá do fundo da sala, Pedro ergueu a mão, dizendo estar ainda um pouco
confuso sobre o fato de, realmente, existir, ou não, uma natureza homossexual.

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Respondi que não há registro na história de que as ciências biológicas tenham
descoberto a existência de um gene ou uma natureza gay – ou de um gene ou uma
natureza heterossexual -, e que, por essa razão, não fazia o menor sentido acre-
ditar que identidades, criada social e historicamente, pudessem ter a sua origem
associada a algum fator inerente ao campo da biologia ou das ciências médicas.
Aproveitei a reposta que dei a Pedro, para refletir com a turma sobre como
ainda é usada essa ideia de natureza gay para fins inescrupulosos. Devido ao fato
de o preconceito e a discriminação social contra pessoas LGBTQIA+ ainda serem
muito fortes, a ideia de que as pessoas nascem com suas próprias identidades
sexuais e de gênero acaba servindo como escudo contra os discursos de grupos
reacionários, religiosos fundamentalistas e de pessoas homofóbicas e transfóbicas
que defendem o uso de torturas psicológicas, como a chamada “cura gay”, com
o objetivo de mudar o comportamento e o desejo das pessoas.50

Muito legal puxar essas discussões para a


História. E se podemos historicizar para
nossos alunos essas identidades sexuais de
grupos socialmente marginalizados, podemos
fazer o mesmo com as identidades sexuais
hegemônicas, não é?

Sem dúvida! Tanto é que, logo depois que discutimos sobre a homosse-
xualidade, eu disse aos alunos que a própria heterossexualidade também deve
ser desnaturalizada. Imediatamente, muitos deles ficaram revoltados quando
fiz essa afirmação. O aluno Gabriel, por exemplo, esbravejou, dizendo que ele
era heterossexual desde que se entendia por gente. Novamente, assim como eu
50 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo
é o de garantir que o aluno seja capaz de “discutir e analisar as causas da violência contra populações
marginalizadas (negros, indígenas, mulheres, homossexuais, camponeses, pobres etc.) com vistas à tomada
de consciência e à construção de uma cultura de paz, empatia e respeito às pessoas”. BRASIL. Ministério
da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 431.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 137

havia feito em relação à identidade de gênero, expliquei aos alunos que o desejo
sexual, apesar de ser historicamente construído, como demonstrou Foucault,
certamente não se dá de forma voluntarista, como se pudéssemos escolher
conscientemente por quais pessoas ou gêneros devemos sentir atração sexual.
Depois da minha tentativa de desnaturalizar a heterossexualidade, os alunos
pareceram ter se convencido de que, eles mesmos, nunca haviam optado por sua
própria sexualidade. Isso foi bom, pois me deu a oportunidade de prosseguir
com a discussão. Então, disse eu a eles que as pesquisas de Jonathan Ned Kats
desvelaram que, nos Estados Unidos do século XIX, mesma época em que surgiu
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o conceito de homossexualidade, também a heterossexualidade surgiu como


identidade patológica nas ciências médicas, pois, até aquele momento, o instinto
sexual era identificado somente como um desejo de procriação da espécie.51
Com base nessas discussões, prossegui a explicação, surgiu a ideia de
uma nova ética do prazer em relação ao sexo diferente, alusivo ao desejo
erótico de homens e mulheres, uns pelos outros, independentemente do seu
potencial reprodutivo. Tratou-se de um padrão completamente novo e que
abalou as “verdades sexuais” cristalizadas do passado. Por isso, o novo termo
“heterossexual” nem sempre se associou a algo bom, mas a doente e anormal.52
Prossegui, explicando que o Dr. James G. Kiernan, por exemplo, clas-
sificou a identidade heterossexual como sendo um tipo de perversão moral e
uma “manifestação anormal do apetite sexual”. Isso acontecia porque o Dr.
Kiernam, que influenciou médicos europeus, acreditava que pensamentos
tinham sexo, por isso, ao desejar pessoas do sexo diferente ao seu, o hete-
rossexual manifestava pensamentos pertencentes também ao sexo oposto, o
que representava um “hermafroditismo psíquico”, que, por sua vez, levava a
um comportamento antinatural e a um “desvio sexual”. Somente muitos anos
depois, a heterossexualidade ganhou um status de naturalidade.53

Qual foi a reação da turma


ao escutar essa história?

A turma caiu na gargalhada. O aluno Marcelo, por exemplo, disse que,


para ele, aquilo lhe parecia totalmente ridículo e sem noção. Aproveitei,
então, a oportunidade para dizer que, apesar disso, até poucos anos esse

51 Discussão baseada em Katz (1996).


52 Discussão baseada em Katz (1996).
53 Discussão baseada em Katz (1996).
138

tipo de ideia, sob o ideal da reprodução da espécie, era levada a sério nas
ciências médicas para condenar a homossexualidade e a bissexualidade
como formas de perversão sexual e anormalidade, e que até hoje, grupos
religiosos fundamentalistas e setores reacionários, na política e na socie-
dade, a utiliza como justificativa para barrar a conquista de direitos sexuais
e reprodutivos de mulheres e pessoas LGBTQIA+. Então, os sorrisos dos
estudantes foram se desvanecendo.
Por fim, refleti com os alunos sobre o fato de que, conhecer melhor a
historicidade da própria sexualidade não torna ninguém homo, hetero ou

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bissexual, como temem os conservadores. Nada disso! Buscar tais reflexões
os tornariam mais conscientes sobre si mesmos e sobre suas relações sociais
com os outros, possibilitando uma maior abertura para o diálogo e, por con-
seguinte, um melhor convívio com aquilo que, tradicionalmente, foi (e ainda
é) considerado “antinatural”, “anormal” ou “pecaminoso”. Lembrando que as
próprias noções do que hoje é considerado “normal”, “natural” e “correto”,
são construções históricas, ou seja, sempre sujeitas a ressignificações, cujos
processos e contextos a ciência da História é capaz de deslindar.54

E você realizou alguma ativi-


dade sobre essa temática com
seus alunos?

Sim. Aquele dia, realizei uma sequência didática simples. Mas, para
criá-la, precisei primeiro refletir, cuidadosamente, sobre todos os diálogos
que tivemos durante a aula expositiva: era importante saber o quanto conse-
guiram compreender do conteúdo, e quais as posições que tiveram a respeito.
Eu tinha bem claro o objetivo da atividade: ajudar os alunos a se tornarem
mais conscientes da historicidade das relações de gênero e das sexualidades
por meio da desnaturalização de noções preconcebidas. Para isso, escolhi
trabalhar com o conteúdo da ditadura civil-militar brasileira.55 Os alunos

54 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “compreender a historicidade no tempo e no espaço, relacionando
acontecimentos e processos de transformação e manutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas
e culturais, bem como problematizar os significados das lógicas de organização cronológica.”. BRASIL.
Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018, p. 402.
55 Referente ao objeto de conhecimento “a ditadura civil-militar e os processos de resistência” da unidade
temática “modernização, ditadura civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946”, do currículo de
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 139

conheciam bem o conteúdo, pois já o havíamos abordado anteriormente, o


que facilitou o meu trabalho sobremaneira.
Na atividade, abordei o tema das masculinidades hegemônicas. Para
tanto, foi reproduzido um vídeo56, gravado em Brasília, em 1983, que mostra
o general Newton Cruz agredindo o repórter Honório Dantas. No início das
imagens, Cruz aparece em trajes militares, rodeado por oficiais, concedendo
entrevista a um grupo de jornalistas, entre eles, Dantas. Este último, de forma
contida, diz ao general que o Distrito Federal nunca esqueceria as medidas de
emergência decretadas pelo regime militar na capital federal.
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Então, de forma agressiva, o general responde que o repórter teria vivido


tão bem os 60 dias referentes ao período do estado de emergência que Dantas
não o esqueceria mais. Cruz diz, também, que o repórter não teria sofrido
nada durante aqueles dias. O vídeo prossegue e mostra o general, claramente
incomodado com a presença de Dantas, gritando e ordenando que este “calasse
a boca”. Logo depois, o repórter recolhe seu gravador, e Cruz, indignado com
a atitude do repórter, encerra a entrevista, ordenando, com palavras chulas,
que o repórter desligasse o seu equipamento.
Cruz, rodeado por outros militares, começa a se afastar. No entanto, logo
em seguida, retorna às pressas e chama o repórter. Uma confusão se inicia,
por parte do general, que, descontrolado, começa a gritar. Dantas se afasta do
local, mas é agarrado por homens fardados, que o empurram até a presença
de Cruz. Este ordena, então, repetidamente e aos berros, que o repórter lhe
peça desculpas por tê-lo irritado durante a entrevista.

Que tipo de atividade


você realizou após a
reprodução do vídeo?

Bem, esclareci aos alunos o contexto político e social que envolvia aquela
situação57 e pedi a eles que se dividissem em grupos, tomassem dez minutos para
História 9º Ano do Ensino Fundamental. Entre as habilidades desenvolvidas na sequência didática, estão:
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 430.
56 PODER 360. General Newton Cruz agride repórter ao vivo. Youtube. 2020. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=taEmBwCLXxc Acesso em: 20 ago. 2021.
57 Como forma de frear a defesa pela redemocratização do País, em 24 de outubro de 1983 o regime militar
submeteu o Distrito Federal a uma série de restrições às liberdades, como a proibição de reuniões políticas,
tendo o general Newton Cruz como executor dessas medidas. No dia anterior, a OAB-DF promoveu o I
140

discutir entre si o que haviam percebido na produção audiovisual e, ao final,


escolhessem um representante em cada grupo para explicar à turma um ponto
que havia lhes chamado à atenção em relação à valorização de uma masculini-
dade “forte”58, questão que havíamos abordado ao longo da nossa aula anterior.

General Newton Cruz: masculinidades hegemônicas

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Fonte: Aventuras na história Disponível em: https://aventurasnahistoria.
uol.com.br/noticias/reportagem/jornalista-que-foi-agredido-ao-vivo-
durante-ditadura-militar.phtml. Acesso em: 25 ago. 2021.

Maria representou o primeiro grupo e compartilhou conosco a percepção


de como o general Newton Cruz parecia investido de uma autoridade inaba-
lável vestido em suas fardas. Ela também se recordou de que havia aprendido
que, durante a idade medieval europeia, os cavaleiros, que representavam
uma função predominantemente masculina, faziam parte da nobreza, a elite
da época. Concluiu, dizendo que acreditava existir uma ligação histórica entre
homens, forças militares e dominância política, como a ditadura civil-militar
brasileira demonstrava.59
O segundo grupo foi representado por Paulo, que estranhou a palavra
utilizada pelo general Newton Cruz para se referir ao repórter Honório Dan-
tas, pois, apesar de se tratar de um homem já adulto, o militar o chamou

Encontro de Advogados do Distrito Federal, encarado pela ditadura como ameaça política. Como resposta
ao evento, militares invadiram a sede da OAB-DF e o regime decretou as medidas de emergência.
58 Masculinidades hegemônicas.
59 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em
relação a documentos, interpretações e contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens
e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito”. BRASIL.
Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018, p. 402.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 141

por “garoto”. Paulo, então, nos contou que ele tinha 14 anos de idade e que,
comumente, em casa, seus pais o chamam pelo nome, mas, nos momentos
em que se acham zangados com ele, o chamam de “garoto”, como forma de
demonstrar autoridade e superioridade. Paulo emendou, dizendo que o gene-
ral rebaixava, propositadamente, o repórter ao tratá-lo como um moleque.
Encerrou seu pensamento, fazendo um paralelo entre a atitude do general
Cruz com o que já havia estudado sobre a ditadura civil-militar, concluindo
que o regime militar, ao negar direitos à sociedade, acaba, da mesma forma,
tratando-a como se fosse uma criança.60
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A aluna Andreia representou o terceiro e último grupo. Ela disse que lhe
chamou à atenção a diferença entre o comportamento do repórter Honório
Dantas e o comportamento do general Newton Cruz. Explicou-nos que, por
mais que o repórter se mostrasse visivelmente contrariado com o general
e com o que ele representava, mostrou-se calmo e moderado, enquanto o
general, com sua masculinidade “forte”, sustentada física e moralmente por
outros homens fardados, mostrava-se completamente histérico e violento, o
que ficava claro pela observação de seu comportamento afetado pelo orgulho,
pelos berros e pela violência.61
Então, logo após meus comentários finais a respeito da apresentação dos
alunos, e com a sensação de termos dado um passo importante naquele dia,
finalizamos a aula.

60 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que
devem ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo
objetivo é o de garantir que o aluno seja capaz de “produzir, avaliar e utilizar tecnologias digitais de
informação e comunicação de modo crítico, ético e responsável, compreendendo seus significados para
os diferentes grupos ou estratos sociais”. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, 2018. p. 402.
61 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas competências e habilidades que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “discutir os processos de resistência e as propostas de reorganização
da sociedade brasileira durante a ditadura civil-militar”. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional
Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 431.
142

Momentos de descontração com alunos na escola


onde leciono, em Brasília, DF, 2020

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E quais foram as reações das famílias


em relação a esse seu trabalho?
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 143

Bem, como vocês puderam perceber, lá no início dessa minha história,


alguns poucos pais se mostraram reticentes quanto à abordagem de gênero e
sexualidade na escola. Contudo, isso não foi um problema para a maioria, que
compreendeu não se tratar de aulas meramente opinativas, mas, sim, frutos
de pesquisas, reflexões e planejamento, no sentido de tratar essas questões de
forma ética, didática e não invasiva.
Além disso, abordar temáticas como essa é uma forma de descolonizar o
espaço escolar, no sentido de evitar que a escola reproduza discursos que sacra-
lizem a família nuclear, formada por pai, mãe e filhos, pois tal sacralização
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poder gerar situações graves em toda a sociedade e, principalmente, na vida de


crianças e adolescentes. No âmbito da escola, sacralizar a família possibilita
que grupos como o Movimento Escola sem Partido (MESP) ganhem força e
eliminem as formas democráticas de educação, além de perseguirem profes-
sores, pelo simples fato de não concordarem com o conteúdo de suas aulas,
tornando as vozes de pais conservadores hegemônicas e absolutas na escola.
Crer na existência de poderes totais da família sobre a vida de crianças
e adolescentes tem o potencial de trazer riscos à saúde física, psicológica
e à própria vida destes jovens, pois, vistos sob esta ótica, os filhos podem
ser considerados como propriedades familiares, correndo, assim, o risco de
sofrerem todo o tipo de violência, como não raramente acontece em casos de
LGBTfobia e machismo.
Portanto, meus amigos, penso que reconhecer a grande importância das
famílias na vida de crianças e adolescentes não significa sacralizar a família
nuclear, a ponto de torná-la um tipo de instituição completamente soberana e
independente. É necessário que, tanto a escola, o Estado, como a sociedade, não
abram mão de seu papel na formação intelectual e social da juventude, podendo,
também, intervir nas organizações familiares em casos de abusos e violências.

Cara, isso foi demais! Posso te


chamar para fazer essa abordagem
na minha turma de 9° ano?
144

Será um prazer, Aurélio

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Aí Leandro, agora é a
sua vez, manda vê

Por onde quer que


eu comece?

Sei lá, pode começar


pela sua entrada no
ProfHistória. Que tal?
PARTE IV
PARA ENSINAR HISTÓRIA DAS
DOENÇAS NO ENSINO FUNDAMENTAL
Leandro Garcia Costa
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Então, lá vou eu.

A entrada no mestrado me proporcionou uma grande oportunidade


de crescimento intelectual e profissional, sempre foi um grande sonho
realizar tal feito. Mas, era um projeto de vida que sempre protelei: além
de já estar um pouco acomodado, possuía pouquíssimo tempo para rea-
lizá-lo. Tentei tirar uma licença para me dedicar exclusivamente ao mes-
trado, mas, infelizmente, não obtive êxito, já que, à época, a Secretaria
da Educação estava limitando esse tipo de liberação devido ao baixo
quantitativo de professores na rede.
E logo no início de meus estudos no programa, em meio a tantas des-
cobertas e empolgação, surge o mais inesperado dos desafios escolares: a
pandemia da Covid-19 se agrava no Brasil, paralisando as aulas presenciais
e desafiando a todos, professores, pais e alunos, a criarem as condições de
enfrentamento necessárias ao cumprimento das agendas educacionais, com
o mínimo de prejuízos à formação dos estudantes.
146

Foi organizado, então, no Estado de Goiás, o REANP62 (Regime Especial


de Aulas Não Presenciais), a partir do qual seriam ofertadas aulas online para
os alunos que tivessem condições de participação delas. Foram orquestrados
pelos professores, como exigência do REANP, planos de estudos, planeja-
mentos de aulas e atividades impressas, planos de nivelamento, organização e
execução das aulas no SIAP (Plataforma online de planejamento), atividades
em plataformas como o Classroom e muitas aulas online, e mais inúmeras
coisas repetitivas e burocráticas. Agora imaginem, mesmo com tanto pla-
nejamento, nem metade dos alunos foi atendido pelo programa. Um dos

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fatores da baixa demanda, foi a falta de aparelhagem por parte dos discentes,
assim como a falta de sinal de internet para que eles participassem das aulas.
Talvez, na cabeça do governo, o acesso ao REANP fosse possível. Mas na
realidade, isso foi bem diferente.
No início, foi uma bagunça generalizada, pois embora as aulas fossem
remotas, não aceitaram que fôssemos trabalhar em casa, deveríamos cumprir
o horário na escola, com uma internet precária, ou seja, as aulas eram minis-
tradas, mas sempre com falhas e interrupções de conexão de rede. Certa vez,
uma tutora educacional me questionou como estava a internet na escola. Fui
franco: disse que não funciona. Mas ela rebateu: “mas você pode usar sua inter-
net 4g não é, você vai quebrar esse galho, não é?”. Preferi nem responder para
evitar a fadiga. Mas, aos trancos e barrancos, fomos enfrentando tal desafio,
até porque estávamos sendo ameaçados de corte salarial. Só esqueceram de
verificar que questões salariais, no governo do atual governador, já existem
desde o primeiro dia de governo.
A situação do professor era de medo e despreparo frente à nova reali-
dade, pois muitos temiam a doença e outros não conseguiram se adaptar, de
prontidão, à inesperada nova proposta de ensino. Aqueles que tinham maior
facilidade, iam auxiliando os outros que mal conheciam os aplicativos de
conectividade ou macetes básicos para gravar aulas ou, simplesmente, ligar o
microfone para que os alunos pudessem ouvir. Mas professor é bicho esperto,
e logo, a grande maioria já estava a postos para dar continuidade ao ano
letivo, e os coordenadores iam auxiliando aqueles que ainda não conseguiam.

62 Resolução CEE/CP N. 15/2020 – Autoriza o REANP até o final do ano letivo e estabelece normas para
realização das avaliações.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 147

Infelizmente, a educação pública em nosso País não é


valorizada, não é?! Esse tempo de pandemia escancarou
as desigualdades sociais e deficiências que já existiam nas
escolas, pois, conheço muitos colegas que, além da rede
pública de ensino, também lecionam em colégios
particulares. Segundo o que alguns deles me disseram, nos
particulares, a adaptação para as aulas remotas foi
relativamente tranquila por lá, devido ao poder aquisitivo
das famílias, que têm acesso facilitado à internet, à
manutenção de seus empregos e até mesmo à alimentação
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adequada durante o período que atravessamos. Porém,


completamente alheios e insensíveis a essas nossas
necessidades e as de nossos alunos, o atual governo,
enquanto concede benefícios fiscais a determinados
setores, nega ajuda financeira para garantir acesso à
internet a escolas, e a alunos da educação pública

63

Pois é, outro grande problema para o professor naquele momento, foi


a relação com o grupo gestor, tutores e com a SEDUC; em muitas vezes, as
cobranças eram muito maiores do que a composição do trabalho e, com isso,
forçavam os professores a fazer a mesma coisa várias vezes.

Como Assim?

Fazia parte do cotidiano dos professores, ao menos nas escolas de tempo


integral, uma composição de atividades e obrigações, sendo que a cada dia
compunha-se uma nova atividade a ser desenvolvida. Vejam o meu caso:
eu sou professor de história, sociologia, iniciação científica e eletiva; tenho
reuniões com coordenadores de áreas, as demandas pedagógicas; tenho o
planejamento no SIAP para cada disciplina; a execução de aulas na mesma
plataforma; planejamento no papel para as disciplinas que não estão no SIAP;
o trabalho de tutoria junto aos alunos que são meus tutorandos e, às vezes, é
63 JÚNIOR, Janary. Bolsonaro veta ajuda financeira para internet de alunos e professores das
escolas públicas. Agência Câmara de Notícias, 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/
noticias/737836-bolsonaro-veta-ajuda-financeira-para-internet-de-alunos-e-professores-das-escolas-
publicas. Acesso em: 30 ago. 2021.
148

necessário substituir algum colega quando lhe ocorre um eventual problema.


A SEDUC (Secretaria da Educação – Metropolitana), começou a exigir que
fizéssemos o mesmo serviço duas vezes, tanto no virtual, quanto no papel, pois
acredita que assim, o controle das atividades seria mais simples e fácil para a
tutora pedagógica conseguir acompanhar. Portanto, os muitos que dizem nas
redes sociais que professor é vagabundo, deveriam viver ao menos 1/3 das
coisas que desenvolvemos. E outra, o que eu mencionei é apenas a ponta do
iceberg, visto que nem citei a composição de atividades, provas, simulado e
tudo mais, tendo que suportar as diversas cobranças diárias.

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As aulas virtuais eram, no momento, o grande desafio a ser enfrentado,
visto que contaram com a participação de pouquíssimos alunos. Então, a
dificuldade era valorizar aquelas presenças e oferecer aulas diversificadas. A
cada planejamento, procurávamos valorizar as exigências da BNCC, por meio
do DC/GO, e estabelecer bastante relação entre o conteúdo ministrado e o
cotidiano dos alunos, para que o ensino se tornasse gradualmente adaptativo
à distância que passou a existir entre alunos e professores. Além das aulas,
contávamos com o acompanhamento via WhatsApp e buscávamos, sema-
nalmente, as atividades impressas realizadas pelos alunos, a fim de diminuir
essas distâncias e oferecer aos estudantes uma atenção especial.
Com o aumento do número de mortes e a expansão da pandemia, tornou-
-se mais concreta a ideia de que as aulas presenciais demorariam um maior
tempo para seu retorno. Uma dúvida era sempre presente nas colocações
dos alunos: “Quando serão retomadas as aulas presenciais?” A resposta era
sempre a mesma: “Não faço ideia!”. Os alunos sempre incisivos, sempre
questionavam o porquê disso tudo.

E qual era sua reação


a essas perguntas?

Além da conscientização básica, sempre procurei apresentar, em meus


conteúdos, momentos históricos para explicar a duração da pandemia; uma
das citações que eu, geralmente, mais usava, era a questão da pandemia de
meningite que ocorreu em 197064, que durou cerca de quatro anos. E quando
eu ressaltava os quatro anos, ocorria um silêncio geral, pois ninguém ali queria
viver esse período de isolamento. Foi então, que um dos alunos perguntou:

64 (BARATA, 1988).
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 149

“Mas, professor, se já houve uma epidemia desse jeito no Brasil, que durou
tanto tempo, por que só estamos ouvindo falar dela, agora?”.
Essa inquietação relevou a problemática central da minha dissertação
de mestrado. No caso, a ausência da história das doenças nos livros didáti-
cos de história. Voltei-me ao aluno que me fizera o questionamento e disse
que o conteúdo, em si, não é bem abordado nos livros didáticos, cabendo ao
professor incluir isso, ou não, nas aulas, por meio de outros mecanismos de
acesso, mediante a necessidade de uma abordagem mais aprofundada, visto
que ali, no livro didático, o tema é trabalhado de forma rudimentar. Não é
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obrigação do aluno ter conhecimento do currículo estudantil, mas é dever dos


órgãos, responsáveis pela educação, melhorar a cada vez esse instrumento.
E foi a partir desse ponto de observação que estabeleci, juntamente com a
minha orientadora, a ideia de trabalhar esse questionamento.
Acredito que o primeiro impulso para desenvolver essa proposta foi
compreender melhor o que eu deveria pesquisar. O questionamento na sala
de aula, foi bem elucidativo para isso. Para iniciar qualquer conversa, de
pronto, procurei estabelecer uma compreensão maior do assunto, priorizando
o levantamento de fontes de pesquisas que me levassem, ao menos, a uma
resposta parcial aos meus questionamentos.

Quais fontes iniciais você


procurou para fazer a
verificação do seu problema?

Os dois aportes iniciais foram o banco de dados do Profhistória e o


portal EDUCapes. Ambos possuem muitas dissertações, então presumi que
algumas delas poderiam ser analisadas e utilizadas como referência para o
desenvolvimento da parte embrionária do meu projeto de pesquisa. Mas,
para minha surpresa, não existiam obras ou artigos que fossem relacionados
a essa temática na área do ensino de História. Passei a procurar referen-
ciais pela internet. Contudo, encontrei apenas duas obras que analisavam
a abordagem das doenças em livros didáticos, mas essa análise ocorria em
relação a livros de outras áreas, como Ciências e Biologia; não encontrei
nenhuma pesquisa de como esse estudo ocorre em livros de História. Um
bom início, considerei, pois refleti a possibilidade de verificar, nessas obras,
a abordagem realizada por seus autores e fazer uma adaptação para a área
a que pretendo, isto é, a de História.
150

Após realizar a leitura desses livros, passei a pensar no próximo passo


e comecei a analisar a BNCC (Base Nacional Curricular Comum), os PCN’s
(Parâmetros Curriculares Nacionais) e o DC/GO (Documento Curricular de
Goiás), em busca de referências aos conteúdos voltados à saúde e a doenças,
para ver a viabilidade do problema que havia desenvolvido. Durante a lei-
tura da BNCC, verifiquei que existe apenas uma menção à possibilidade de
se desenvolver a temática em sala de aula: respeito à análise dos “diferentes
impactos da conquista europeia da América para as populações ameríndias, e
identificar as formas de resistência” 65. Ainda assim, essa “chave de habilidade”

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mencionada no documento não está contemplando, diretamente, as doenças
que ocorreram durante esse período. A mesma chave é utilizada no DC/GO,
não viabilizando o uso da temática dentro do ensino de História.

Interessante. A pesquisa que você está realizando a respeito da história


das doenças é super relevante, além de oportuna: nunca se falou tanto
sobre doenças e pandemias, como agora. O mundo todo está sendo
afetado pela pandemia da Covid-19. Duvido muito que os livros de
História deixem para segundo plano, como fizeram outras vezes, esse
momento tão dramá�co em que vivemos atualmente. Possivelmente,
devido a esse cenário atual, marcado pela tragédia da pandemia,
aumente o interesse pela história das doenças e, por conseguinte, a
inclusão dessa temá�ca nos livros didá�cos. Seja como for, se não
houver um esforço conjunto, e em escala mundial, as pandemias serão
cada vez mais frequentes

66

Mas, se não existem menções as doenças e


epidemias nos livros didáticos, como esse
conteúdo é trabalhado no currículo de
história?

Apenas de forma interdisciplinar, pelo que compreendi nas obras que


analisei,67 e pelas leituras voltadas ao BNCC e o DC/GO, os conteúdos
voltados a doenças/epidemias são exclusivamente trabalhados por meio

65 Para saber mais a respeito, veja a chave de conteúdo EF07HI09, do BNCC (2021, p. 423).
66 SILVEIRA, Evanildo. Por que uma nova pandemia nos próximos anos é praticamente inevitável. BBC,
2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-53758807. Acesso em: 30 ago. 2021.
67 A bibliografia referente as coleções didáticas constam nas Referências.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 151

da interdisciplinaridade, logo a disciplina de história se une ao escopo


das matérias biológicas para desenvolver o proposto. Evidentemente, os
livros de história abordam a temática, visto que fazem parte das narrativas
históricas, até mesmo para complementar o estudo dos alunos. Mas a parte
abordada sempre é bem superficial, sendo mais bem trabalhada a parte
iconográfica, do que a textual. O que se desenvolve nas narrativas, geral-
mente, é uma conurbação entre o conteúdo geral trabalhado, indicado pelo
currículo, e pequenos fragmentos históricos complementares. As imagens
fazem a contextualização, que é o diálogo com o fragmento histórico, que
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compõe a parte textual, para desenvolver a visualização do aluno do que


foi trabalhado em sala de aula.
Uma das propostas do Profhistória é justamente desenvolver conteúdos
que diminuam essas lacunas, oferecendo alternativas para que o professores
do ensino fundamental e médio possuam opções de materiais didáticos desen-
volvidos diretamente pela academia, com o respaldo de outros professores
que compartilham o chão escolar. Por meio disso, o banco de dissertações
vem, aos poucos, sendo preenchido por professores de todo o Brasil, que ao
mesmo tempo que se qualificam, conseguem oferecer propostas e conteúdos
diferenciados, que vão auxiliar docentes e discentes em quesitos de melhoria
no ensino/aprendizagem.

O que dizem os PCN’s com


relação ao ensino relacionado
às doenças?

Quando iniciei minha pesquisa, vi que existia a necessidade de buscar


uma orientação quanto à presença da história das doenças na base curricular.
Como percebi que não encontraria pontuações referentes a isso na BNCC, por
já ter feito uma análise prévia, imaginei: por que não observar essa presença
nos PCN’s? Busquei a versão digital e iniciei as análises referentes ao motivo
da minha pesquisa. Embora o PCN de história aborde a questão das doenças,
esses apontamentos são superficiais e não denotam qualquer imersão a esse
tipo de conteúdo dentro do ensino de história. Foi em uma conversa com a
professora Sônia, que ocorreu a indicação ao PCN transversal de saúde. Essa
versão já é mais próxima ao que eu iria desenvolver no mestrado.
152

E quais são as principais


diferenças entre o PCN de
História e o PCN transversal de
saúde em relação ao tema?

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Enquanto o PCN de história faz uma abordagem mais distante sobre a his-
tória das doenças, o PCN Transversal de Saúde insere o tema no currículo, mas
não diretamente no de história. As questões pontuadas nesse PCN abordam mais
questões de saúde pública, do que o ensino da história das doenças. Direcionam
a questão para outras disciplinas (biologia ou ciências), fazendo uma abordagem
mais de prevenção, do que um estudo sobre a história das doenças. O PCN de
saúde aborda assuntos que a escola deve trabalhar de maneira a suscitar nos
alunos uma consciência para o combate a determinados vícios, o cuidado com
o corpo, a prevenção de acidentes, a higienização do corpo, e visa proporcionar
a interdisciplinaridade desse tipo de conteúdo nas diversas disciplinas escolares.
Um ponto que ficou claro para mim ao ler esse PCN, refere-se à relevância da
disciplina de Educação Física como carro chefe ao trabalhar as questões de saúde
e que as disciplinas biológicas fariam um trabalho etiológico sobre a questão
das doenças, não havendo sequer alguma menção para que a historicização das
doenças fosse discutida na grade curricular do ensino de história.
Sendo a saúde contemplada na forma do trabalho preventivo, as demais
disciplinas serviriam como apoio à aplicação dos conteúdos e projetos rea-
lizados nas escolas. Uma das tratativas exemplificadas no PCN Transversal
de Saúde é que se desenvolvam, na escola, projetos que combatam os vícios
das drogas permitidas publicamente e aos tóxicos proibidos, ao trânsito e seus
perigos, assim como os considerados comportamentos de risco e acidentes.
Atualmente, na unidade escolar em que trabalho, são desenvolvidos pro-
jetos voltados à Educação no Trânsito e aos primeiros socorros. O primeiro
é trabalhado anualmente, com uma culminância de atividades entre os meses
de setembro e outubro, em que a própria Secretária de Educação participa
enviando materiais, e/ou aceitando ofícios que convidem o corpo de bom-
beiros / polícia militar para exercer palestras, entregar material educativo
voltado para trânsito, entre outras atividades que contemplem o período. O
segundo tema, volta-se para o desenvolvimento de uma eletiva que ensine
os primeiros socorros básicos, como uma campanha para reduzir a autome-
dicação, arrecadação de absorventes para as meninas em período de fluxo,
e aos cuidados com a higiene corporal. Em relação à higiene, são dedicados
momentos nas turmas de horário de almoço quanto aos cuidados voltados
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 153

para a higienização antes e depois da alimentação, assim como a orientação


para uma alimentação saudável.
A historicização do tema favorece o entendimento das questões voltadas
às doenças e à saúde, pois não são atuais, merecendo mais importância para
que o aluno compreenda que desde o surgimento do homem, as doenças já
estavam presentes em seu cotidiano. Os enfrentamentos destinados às doenças,
o medo, os flagelos, a compreensão que doenças surgem e desaparecem, fazem
parte de sua história, assim como os cuidados tomados para que as doenças
não se proliferassem. Desenvolver conteúdos e meios de se explorar essas
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questões elevariam as abordagens educacionais, formando cidadãos conscien-


tes e preparados para enfrentar epidemias e pandemias, no sentido de extirpar
os fantasmas dos negacionismos e dos preconceitos. Digo isso, pois, alguns
alunos, até mesmo das séries iniciais, têm trazido de casa visões equivocadas,
carregadas de negação e preconceito. Um dos alunos do 6º ano, por exemplo,
mostrava-se, visivelmente, empoderado diante dos coleguinhas ao defender o
“mito” das acusações de prática de “Fake News” a ele imputadas.
Certa vez, esse mesmo aluno, chegou à escola dizendo que iria gravar os
professores esquerdistas gayzistas, e postar na internet para que o presidente
tomasse medidas enérgicas, no sentido de retirar essas pessoas da escola, tor-
nando-a, assim, um “ambiente familiar”. Seus discursos pioraram com o passar
do ano. Depois, na série seguinte, quando a pandemia atingia níveis alarmantes,
esse aluno passou a proferir discursos negando a existência da doença e até ridi-
cularizando o distanciamento social, a utilização de máscaras e o uso do álcool
em gel. Contudo, foi transferido para outra escola, retirando, assim, a nossa
chance de tentar mudar à sua maneira de pensar e conviver com a pandemia.

Durante esse período pandêmico, antes


da suspensão definitiva das aulas
presenciais, como eram trabalhadas as
questões voltadas a saúde? Foi
desenvolvido algum projeto em
especial?

Nesse período de transição entre as aulas presenciais e as aulas do


REANP, ocorreram aconselhamentos dentro das quatro paredes escolares,
assim como para a vida fora da escola. Esses cuidados envolviam o uso do
álcool em gel, a prática de lavar as mãos, o não compartilhamento de gar-
rafas d’água e materiais estudantis. A parte escolar fazíamos, mas faltavam
produtos de higiene básica nas escolas, ou seja, o governo, durante o início
da pandemia, não forneceu o material básico para se evitar a transmissão da
154

doença entre os alunos. Existia muita propaganda, mas não tinha material
suficiente na escola. Uma das exigências para frequentarem as aulas, era o
uso de máscaras. Entretendo, por falta de conhecimento da importância do
material, muitos pais ignoravam esse protocolo e enviavam os alunos para as
escolas sem os materiais básicos de higiene. Fornecíamos o material, porém,
era insuficiente, e os próprios alunos descartavam, ignorando quaisquer pro-
tocolos. Felizmente, as aulas foram suspensas, iniciando-se o REANP.
Esse período de pandemia e de aulas remotas serviram para exibir as
carências do sistema educacional e do negacionismo estrutural que existe no

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País. Os alunos comprovavam, durante as aulas, as necessidades que suas
famílias atravessavam devido ao desemprego, falta de itens básicos para
enfrentar esse período, desconhecimento básico referente à doença e a não
aceitação de que ela realmente fosse letal. Alguns alunos adotavam o discurso
negacionista do governo, e atribuíam as mortes a outros fatores, ou que a
doença era algo encomendado para destruir a nação.
Aproveitando esse momento de opiniões diversas, me apropriei desse
período para desenvolver em meus planejamentos um momento para a dis-
cussão sobre o período pandêmico. 68 A partir de então, passei a dedicar, uma
aula por semana, a conteúdos voltados, exclusivamente, à temática da saúde
e das doenças. Entre outras coisas, meu intuito era o de motivar os alunos a
refletirem sobre o grave período pandêmico pelo qual estávamos passando.

Você teve algum tipo de apoio para executar


essa proposta na sua unidade escolar? Você
disse, anteriormente, que esse conteúdo deveria
ser trabalhado de forma interdisciplinar, algum
outro professor comprou essa proposta?

Quanto ao apoio, Aurélio, foi algo bem “meia boca”, entende? Existia
um determinado apoio pedagógico, mas, todos nós estávamos com muito
medo e possuíamos poucos conhecimentos sobre como lidar com toda aquela
situação. Resolvi fazer a minha parte, convidando as professoras de ciências
e língua portuguesa para colaborarem comigo na construção de um diário de
relatos sobre a pandemia. Expliquei a metodologia do esquema de trabalho
68 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o de
garantir que o aluno seja capaz de “identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos,
culturas e povos com relação a um mesmo contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base em
princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”. BRASIL. Ministério da Educação. Base
Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 402.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 155

e desenvolvemos aulas com a participação mista de professores, cada um


fazendo a abordagem referente a sua respectiva área. Foi aplicado um ques-
tionário como forma de avaliação para verificar o cotidiano do aluno e o
conhecimento sobre o assunto, a fim de compreendermos melhor a situação
em que o estudante e sua família estavam inseridos.
Tô lembrando aqui, de um componente curricular de Ciências cujo inte-
resse é o de fazer com que o aluno reflita sobre a importância da vacinação.
Penso que seria, extremamente, interessante trabalhar esse componente de
forma interdisciplinar. 69
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Foram obtidas 87 respostas, em sua maioria, os alunos demonstraram


desconhecimento sobre a doença, desesperança em relação ao futuro e difi-
culdades para atravessar o período pandêmico. Contudo, alguns apresentaram
ter consciência sobre a gravidade pandêmica que se iniciava.
Alguns textos surpreenderam, enquanto outros não denotavam a mesma
preocupação. Meu foco foi transmitir aos alunos, por meio de reportagens e
estudos, que a pandemia avançava e deveríamos nos cuidar, conscientizando
aqueles que desconheciam os fatores de transmissão, ou não acreditavam na
doença, guiados pelos disseminadores de Fake News, que eram tão presentes
em grupos de WhatsApp e em outras redes sociais. Alguns pais, pelo que eu
soube, ligaram na escola para questionar o porquê das atividades, e que não
queriam que seus filhos respondessem ao questionário. Em conversa com a
diretora, foi explicado que já havia dialogado com a coordenação, e a atividade
serviria apenas como conscientização.

Qual foi a atitude da diretora? Ela propôs alguma


alternativa, sugeriu alguma atividade? Pergunto
isso, pois, sabemos que o envolvimento da
gestão em projetos dessa natureza é
fundamental na escola, não é mesmo?

Fez “cara de paisagem”, encerrando o assunto. Acredito que se tivessem


existido anteriormente, na escola, tratativas a respeito desses temas, ou constru-
ções didáticas que amparassem esse tipo de estudo, e/ou projetos que ofereces-
sem o encaminhamento necessário, não teríamos esse tipo de questionamento.
Felizmente, por meio das minhas aulas no mestrado, que ocorriam concomitan-
temente ao meu trabalho na escola, os preâmbulos do meu projeto auxiliariam a

69 Para saber mais, veja a habilidade EF07CI10: “Argumentar sobre a importância da vacinação para a saúde pública,
com base em informações sobre a maneira como a vacina atua no organismo e o papel histórico da vacinação
para a manutenção da saúde individual e coletiva e para a erradicação de doenças” (BRASIL, 2018, p. 347).
156

responder a esses questionamentos e a ter sinalizações positivas da comunidade


escolar a respeito do que eu me propunha realizar. Minha proposta de trabalho
visa sanar a falta de amparo no quesito de compreensão sobre a história das
doenças. O primeiro passo para a superação do anseio de organizar bem o tra-
balho, foi o desenvolvimento do Diário da Pandemia70, que possibilitou aliar
o momento pandêmico à história das doenças e à conscientização exigida pelo
PCN de saúde, de forma interdisciplinar. Essa atividade71 conseguiu evidenciar
as principais carências que o alunado enfrentava até então, como a falta de
mecanismos para acompanhar as aulas online (celular, notebook ou internet),

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e expor as carências básicas da comunidade (desemprego, má alimentação,
falta de produtos de higiene, gás de cozinha e, em poucos casos, acesso à água
tratada). Esse primeiro passo didático possibilitou também a inserção da história
das doenças no plano de ensino da escola, sanando as ausências de conteúdos
relacionados a esse tema no currículo do ensino de história, bem como nas
coleções didáticas de história, contempladas no PNLD 2019.
Como já havia analisado as bases curriculares necessárias, faltava-me
analisar a de formação do PNLD e as obras contempladas para o triênio.
Evidentemente, um dos momentos mais importantes para o sucesso escolar
é a escolha da coleção didática que formará, praticamente, a fonte principal
de estudo dos professores e alunos. Felizmente, devido ao período pandê-
mico, quase todas as coleções didáticas estão de maneira gratuita na internet,
facilitando a pesquisa. Apenas duas coleções não apresentavam essa forma
digital gratuita, mas consegui as versões físicas na biblioteca do meu traba-
lho. Estavam guardadas em caixas lacradas de livros para doação/descarte,
resolvendo a dificuldade inicial.

Qual o tipo de análise que você


desenvolveu com as coleções?
Você analisou as narrativas, as
imagens, enfim, como foi?

Desenvolvi um banco de dados72, em busca das palavras-chave “doença,


saúde e epidemia”. Conforme eu analisava cada coleção, fazia citações das
narrativas, imagens, fascículos, verbetes, notas etc., destacando as páginas
de localização. Algumas coleções eram bem mais compostas que outras, já

70 Veja anexo 1.
71 Veja anexo 2.
72 Veja anexos 3 e 4.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 157

em algumas, a temática era inexistente. Alguns aspectos nem eram aborda-


dos, mesmo com a contextualização exigida pela BNCC. As coleções, em si,
seguiam praticamente a mesma linha de enfoque, destoando, uma ou outra,
dos assuntos oferecidos. Mas uma das observações indicava que as coleções
priorizavam o conteúdo geral exigido e ofereciam temas transversais em textos
complementares, finalizando esse tipo de abordagem com atividades direciona-
das a esses fragmentos, sempre orientando os alunos a fazerem pesquisas extras.
A composição do banco de dados permitiu maior clareza das abordagens
sobre saúde, doenças e epidemias que são realizadas nos livros didáticos. A
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respeito de algumas análises, uma delas é o enfoque a determinados períodos


de doenças, como a Peste Negra e a Revolta da Vacina, em todas as coleções.
O primeiro tema é tratado praticamente em todas as coleções focando, em
grande parte, nas ações sociais da doença, morte e formas iconográficas para
expressar o conteúdo. Em algumas coleções, as narrativas contemplam uma
explanação completa sobre o período epidêmico, utilizando belas iluminuras
sobre período, oferecendo mais de uma página de explanação.

Fonte: História.doc (2019).


158

O trabalho com imagens é muito rico, né Leandro?


Principalmente, quando a gente consegue analisar com os
alunos o papel que elas exercem na narrativa como um todo.
É muito bom ajudá-los a perceber que as ilustrações não
estão ali apenas para “enfeitar o texto”, não é mesmo? Mas,
diz aí: além da questão sobre o uso de imagens, o que mais
você pôde observar nessa análise dos livros didáticos quanto
as abordagens sobre as doenças?

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Então, Aurélio, os livros didáticos de história seguem, geralmente, uma
determinada linha de tempo, sendo concretizada pelos conteúdos básicos
delimitados pela BNCC e organizados pelos autores e editoras, gerando uma
padronização do que é oferecido. Por meio disso, as narrativas históricas sobre
as doenças, durante a construção do livro, podem ser menos evidenciadas, ou
omitidas, conforme seu editorial, podendo ser eclipsada pelo conteúdo princi-
pal ou transformada em complemento, mediante a intenção de abordagem do
autor, principalmente no que tange alguns conteúdos. No caso da Peste Negra,
sua temporalidade pôde ser encontrada no final do livro do 6º ano, já em outras
coleções, esse conteúdo fora encontrado inserido no início dos livros de 7º
ano. Geralmente, quando se encontra o conteúdo nestes livros, a tendência
é a de um conteúdo abreviado ou agregado a outras narrativas, diminuindo
ainda mais os espaços dedicados à história das doenças nos livros didáticos.

Que coisa, né? Sei que é muito comum a referência à


Peste Negra nos livros didáticos, sendo inclusive
colocada como uma das causas da desintegração do
Feudalismo na Europa, não é mesmo? Mas, além da
Peste Negra, há algum outro conteúdo relacionado às
doenças que também é abordado com frequência nos
livros didáticos que você analisou?

Sim, Aurélio, a Revolta da Vacina. Mas, esse conteúdo não trabalha unica-
mente a história das doenças. O enfoque maior é em relação à disputa de poder,
negacionismo, movimento vacinofóbico, respostas governamentais e movimentos
sociais. Logo, assim como dito antes, a tendência é que a história das doenças
fique em segundo plano. Pois, os capítulos analisados não fazem um histórico
da doença no Brasil, muito menos abordam as questões voltadas ao desenvol-
vimento da vacina. Apenas, tratam que o procedimento era doloroso e invasivo.
Provocando, assim, toda a comoção social exercida durante a revolta, gerando
a negação à vacina, com o pretexto de que ocorria uma invasão de privacidade.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 159

Durante o 31º Simpósio Nacional de História, do qual participei recen-


temente, no ST 45 – Ensino de História e Imagens: experiências de pesquisa
e formação, organizada pela professora Heloísa Capel, pude apresentar “As
imagens da Saúde e das doenças”. Nele, compartilhei com os demais parti-
cipantes as minhas inquietações sobre as ausências das temáticas de saúde
e doenças nos livros didáticos de história, por meio de um banco de dados
desenvolvido com base nas coleções didáticas da mesma disciplina do PNLD
2019. Optando por abordar temas que evidenciassem essas ausências durante
os períodos pré-colonial e colonial no Brasil, assim como a revolta da vacina.
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E como o conteúdo é
apresentado durante
esses períodos?

Assim como as questões voltadas à Peste Negra, as doenças no Brasil


pré-colonial e colonial, são abordadas de maneira quase nula; raramente,
quando surgem, são tratadas de forma superficial. O que é uma pena, pois
esse conteúdo geralmente é o que mais atrai a atenção dos alunos, pois se bem
explorado, conjuntamente com o campo iconográfico, é possível desenvolver
ótimos trabalhos. Certa vez, em uma mostra cultural no Colégio Estadual Ary
Ribeiro Valadão Filho, no setor Finsocial, reproduzimos uma sala de tortura
medieval, sendo um dos cantos da sala reservado à exposição de trabalhos
sobre as vítimas da Peste Negra. Fizemos dois bonecos estranhíssimos e
maquiamos um dos alunos, e sempre que alguém se aproximava para apreciar,
ele se levantava. Assustamos muitas crianças naquele dia, foi bem divertido e
didático, aglutinando-se as concepções das doenças e torturas, pois os locais
em que eram exercidas, geralmente eram insalubres, ocasionando pestilências.
Quando vejo em um livro didático, que o autor se utilizou de um pará-
grafo apenas, acompanhado de uma única gravura, para tratar de aconteci-
mentos históricos sobre doenças, saltando imediatamente para outras questões
pertinentes ao período tratado, penso logo em duas situações: o professor tendo
que fazer uma verdadeira ginástica para aprofundar o conteúdo e o empo-
brecimento causado ao livro por não ter tratado o assunto com a importância
histórica que ele merece. Outra característica, que atesta a baixa importância
dada aos estudos sobre a história das doenças nos livros didáticos, e a repetição
das ilustrações nas diferentes coleções. 73

73 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em
160

Como assim? Diferentes coleções


fazendo uso das mesmas imagens?

As imagens parecem ser reaproveitadas pelos editoriais. Um exemplo

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disso foi uma atividade que fiz com alunos em Águas Lindas de Goiás, na
qual eles utilizariam livros, revistas e jornais de descarte para fazerem recortes
sobre a revolta da vacina. Como existiam coleções didáticas mais antigas, os
alunos possuíam várias opções para escolherem suas imagens, fomentando
assim, seus cartazes explicativos para apresentação. Para a minha surpresa,
muitas imagens se repetiram, ou seja, são as mesmas cenas usadas para ilus-
trarem os livros didáticos de história atuais.

Vaccina obrigatória, Leônidas

Fonte: Charge extraída da revista O Malho, Rio de Janeiro (1904).

relação a documentos, interpretações e contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens


e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito”. BRASIL.
Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 402.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 161

E você já finalizou o banco


de dados?

Sim, foi um trabalho árduo, pois foram 44 livros didáticos, quatro em


cada uma das 11 coleções, mais alguns manuais de orientação ao professor.
Fui orientado a fazer um glossário remissivo com essas informações, por
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parte da minha orientadora, para ser acrescido à proposta de produto que eu


ainda desenvolveria.

Que legal! Vai ser um trabalho muito interessante.


Fiquei curioso a respeito disso. Mas, afinal, como
você pretende desenvolver a sua parte
propositiva?

O objetivo geral é desenvolver um material pedagógico que dê suporte ao


professor e aos alunos para o ensino de história e a história das doenças. Esse
material contemplará as narrativas referentes aos malefícios que foram levan-
tadas, previamente, por meio de um banco de dados das coleções didáticas do
PNLD 2019, no caso, Varíola, Cólera, Febre Amarela, Tuberculose, Influenza,
Poliomielite, Meningite, HIV/AIDS e a Covid-19. Esse material será ricamente
ilustrado com peças iconográficas que abordem as doenças, e contará com QR
Codes que oferecerão aos alunos viagens virtuais que complementem sua expe-
riência, seja com museus, vídeos ou dicas de estudo de diversas temporalidades
históricas. 74
É importante ressaltar que a temática das doenças deve ser repensada
como um marco importante para a compreensão do que se vive hoje. Devido
a esse avanço desenfreado da Covid-19, toda a rotina de vida da sociedade
se transformou em algo inimaginável. E coisas simples, se tornaram grandes

74 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é
o de garantir que o aluno seja capaz de “produzir, avaliar e utilizar tecnologias digitais de informação e
comunicação de modo crítico, ético e responsável, compreendendo seus significados para os diferentes
grupos ou estratos sociais”. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,
2018. p. 402
162

desafios. O impacto da pandemia metamorfoseou o sistema educacional para


algo que ninguém estava preparado, isso de ambos os lados, docentes e dis-
centes. Os professores precisaram aprender, em tempo recorde, como trabalhar
exclusivamente em ambiente virtual. E os alunos precisaram se adaptar a essa
nova realidade, muitos sem ter como participar devido à falta de equipamento
ou internet. Isso sem contar com os impactos na saúde mental de alunos e
professores, que tiveram que se isolar. Ouvi de vários alunos, por meio de
WhatsApp, que seus pais estavam desempregados, sem os víveres básicos
para se manter e com pagamentos de aluguel, água e luz atrasados.

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Essas doenças são citadas nos
livros didáticos das coleções
que foram analisadas?

Algumas doenças sim, outras não. No caso da cólera, ela é citada


em quatro livros diferentes. Porém, conteúdo abordado nas obras não é
desenvolvido de forma que os alunos compreendam o contexto histórico da
doença. São apenas palavras soltas nos capítulos, sem desenvolver a história
da cólera, sem contextualizações simples, ou ao menos uma atividade trans-
disciplinar com ciências ou biologia, sem algo que concretize o simples ato
de lavar as mãos como combate à doença. Felizmente, sempre é possível
realizar atividades complementares de pesquisa e seminários, a partir das
quais podemos aprofundar algumas questões. Embora sejam tarefas sim-
ples, a possibilidade de contextualizar o assunto com o conteúdo curricular
obrigatório diminui as ausências das narrativas das doenças, oferecendo
aos alunos o conhecimento voltado aos impactos sociais e quais foram as
medidas sanitárias para barrar o avanço dos malefícios, ampliando ao aluno
o conhecimento em detrimento ao conteúdo central do capítulo.75

75 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências
que devem ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela
cujo objetivo é o de garantir que o aluno seja capaz de “compreender e problematizar os conceitos
e procedimentos norteadores da produção historiográfica.”. BRASIL. Ministério da Educação. Base
Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 402.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 163
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Fonte: (INSPIRE, 2019).

Outra doença negligenciada foi a Meningite, ocorrida de forma epidê-


mica no Brasil, entre os anos de 1970 e 1974. A enfermidade é mencionada
em apenas uma coleção didática, tratada da mesma forma como a cólera é
citada acima, e suas interligações com o período militar, sequer, são mencio-
nadas. As informações a respeito do período epidêmico ainda são limitadas,
havendo poucas fontes que debatem o ocorrido, sendo estas, encontradas
mais facilmente em material midiático. As narrativas sobre essa epidemia
foram fortemente restringidas pelo governo militar, que tentava a todo custo
desinformar a população sobre a existência da doença, assim como o seu nível
de letalidade, proibindo a divulgação de seus dados, por considerar o que
estava em jogo e escondendo da população civil todo e qualquer problema
que pudesse atingir a imagem da gestão do governo militar. Neste caso, uma
epidemia descontrolada poria em dúvida a capacidade dos militares em lidar
com questões de saúde pública. O avanço da doença só foi barrado quando
ocorreu vacinação em massa na população, resultando em poucos surtos
posteriores, porém de forma controlada. Nos livros didáticos, esse conteúdo
aparece de forma muito superficial, quase ilustrativa. Não se vê nenhum
tipo de aprofundamento ou leitura crítica sobre como a população brasileira
reagiu ao problema, bem como do papel exercido pelo governo militar no
desdobramento dos acontecimentos.
164

E por uma infeliz coincidência, mais uma vez, temos hoje militares
envolvidos nas decisões de governo sobre questões de pandemia.
Não que eu desconsidere a importância dos militares para o País,
mas, o fato é que tem havido um grande equívoco, por parte de
alguns setores da sociedade, que insistem na ideia de que militares
são mais capacitados que a população civil para o enfrentamento
de questões como essa na qual estamos vivendo. Militares
deveriam se limitar a serviços militares, pois a história vem nos
mostrando, repe�damente, o estrago que são capazes de fazer
quando interferem na vida política, na Educação e na Saúde do País

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76

Pois é. E seria riquíssimo trabalhar as informações ligadas à meningite em


sala de aula, até porque é possível, desde a perspectiva da história, desenvol-
ver comparações entre a epidemia de Meningite, à época do governo militar,
e o que vem ocorrendo atualmente com a epidemia de Covid no Brasil. As
questões voltadas ao negacionismo, a resistência à vacinação, hospitais super-
lotados, números de mortalidade elevado, principalmente entre as pessoas de
baixa renda. Essas questões, poderiam elucidar paralelamente ao que a Covid
provoca atualmente. Ao que tudo indica, alguns setores do atual governo vêm
assumindo a mesma posição que o governo militar durante a epidemia de
Meningite: faz a sociedade refém de suas normatizações, oculta informações
médicas sobre os níveis de propagação e letalidade da moléstia, e direciona
o foco da opinião pública para outros eventos ligados à sua gestão.
Com base nessas observações e na pesquisa bibliográfica, até aquele
momento realizada, passei a desenvolver duas ações concomitantes: a cons-
trução do meu primeiro capítulo e a utilização de minhas reflexões sobre
a pesquisa na realização de aulas virtuais para algumas de minhas turmas,
sob o tema história das doenças. Como trabalho com turmas de 6º a 9º ano,
organizava o histórico das doenças em cada ano, conforme a escrita ia avan-
çando. Era possível incluir a história das doenças a cada conteúdo, conforme
o bimestre avançava, mesmo que fosse de maneira interdisciplinar. Buscando
cumprir o que é exigido pela BNCC e DC/GO, contextualizando com as pos-
síveis epidemias que existiram nos períodos históricos abordados nas aulas.

76 STRUCK, Jean-Philip. Caos, omissão e explosão de mortes: o legado de Pazuello na Saúde. Deutsche
Welle, 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/caos-omiss%C3%A3o-e-explos%C3%A3o-de-mortes-
o-legado-de-pazuello-na-sa%C3%BAde/a-56890646. Acesso em: 30 ago. 2021.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 165

Mas, não ficaria muito complicado


fazer duas coisas ao mesmo tempo?
Porque, para montar esse histórico,
você precisaria de muito tempo. Como
foi sua metodologia para fazer isso?

Com toda certeza, o primeiro passo já havia ocorrido, que era justamente
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o levantamento das principais doenças abordadas nos livros didáticos, e outras


epidemias que considerei importantes na história do Brasil. Passei a pesquisar
em bancos de dissertações, artigos científicos e teses o material necessário
para aumentar meu conhecimento sobre as doenças selecionadas. Minha
orientadora indicou uma coleção importante que me auxiliou muito, tanto
no desenvolvimento do projeto como na escrita do histórico das doenças:
“Uma História Brasileira das Doenças”. Por meio dessa coleção, pude fazer
o levantamento de grande parte do material que precisava para começar a
compor o primeiro capítulo; os artigos ofereciam vastas referências que me
orientariam a novas leituras e conclusões. Consegui desenvolver outro banco
de dados, mas esse foi composto especificamente para citações. Conforme
ia lendo a bibliografia selecionada, ia contemplando as passagens de maior
importância em minha database.
Quando percebi que possuía um bom material, passei a aplicá-lo na con-
fecção de meu primeiro capítulo. Neste, resolvi fazer um histórico das doenças,
e por meio disso, apontar as principais narrativas históricas das enfermidades
e epidemias, fazendo o uso de uma linha de tempo textual. Decidi trabalhar
de forma transversal com os alunos do 6º ano. A composição da pesquisa
sobre as doenças poderia proporcionar, didaticamente, um material muito
rico, se organizado e contextualizado para o Ensino Fundamental, conforme
o bimestre fosse se encaminhando. Pois, a escrita organizaria os conteúdos
abordados pelo DC/GO que são voltados à antiguidade.
Com o andamento da pesquisa, essa adaptação poderia ocorrer para outras
turmas, desenvolvendo, assim, um acompanhamento didático sobre a história
das doenças nos grupos em que eu estivesse presente naquele ano. No caso,
as turmas de 7º e 8º anos, também, seriam contempladas com esse trabalho
transversal e interdisciplinar, visto que já existiam algumas atividades que
permeavam outra disciplinas.
166

E qual narrativa que foi usada


para trabalhar a antiguidade?

Durante a antiguidade, as enfermidades faziam parte do cotidiano das


pessoas, fazendo com que o homem tivesse que se adaptar a essa realidade

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da melhor forma possível. Um dos pontos principais evidenciados nas aulas,
era que as pessoas naquele tempo não possuíam um conhecimento de como as
doenças surgiam, logo elas imaginavam que as moléstias eram um malefício
gerado por forças sobrenaturais. Os alunos do sexto ano têm, em média, de 10
a 12 anos, e o contexto chama bastante sua atenção, principalmente quando
as figuras históricas fazem parte das narrativas. Uma das passagens que pude
trabalhar na história das doenças e as artes plásticas, foi a civilização egípcia.

Desenvolvimento da sala ambiente: Tema Egito e história das doenças

Quando abordei a Deusa Sekhmet, liguei sua essência às pestilências, doen-


ças, malefícios. Sekhmet iniciava períodos difíceis, e quando agradada, os extin-
guia, trazendo prosperidade. Outros atributos da deusa eram: patrona da guerra,
da medicina e da vingança. Auxiliava soldados durante as guerras, tratando
de suas feridas, diminuindo febres e expulsando doenças tenebrosas. Como os
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 167

alunos gostam muito do Egito, principalmente dos deuses, trabalhei com eles,
de maneira textual, as questões relacionadas à história das doenças e desenvolvi
atividades voltadas às pinturas, em que os alunos poderiam desenvolver em
casa, com material cedido pela escola (papel pardo, lápis de cor e tinta guache).
Esse tipo de atividade era usada, antes do período da pandemia, para
decoração da sala de história, com todas as pinturas desenvolvidas e, geral-
mente, mudávamos de tema conforme o bimestre se alternava. As melhores
produções eram expostas na mostra cultural de meio de ano, sendo os alunos
premiados pelo desenvolvimento histórico/artístico.
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Desenvolvimento da sala ambiente: Tema Egito

Você chegou a abordar a


história das doenças em
alguma mostra cultural?

Sim, outra atividade desenvolvida para a mostra cultural foram as Narra-


tivas das Doenças. Seu objetivo era fazer uma análise de um dos capítulos do
livro “A História do Medo no Ocidente”, de Jean Delumeau, especificamente
no capítulo “Tipologia dos comportamentos coletivos em tempos de peste”.
Essa parte é muito rica em fragmentos narrativos sobre a peste negra e o
comportamento socioeconômico das pessoas durante a epidemia. Estávamos
iniciando o período pandêmico, era importante retratar algumas falas do livro,
devido à realidade em que vivíamos no momento.
168

Meu primeiro passo foi separar algumas citações do capítulo escolhido e


preparar uma aula para dez alunos que se interessaram em participar do mini-
projeto. Antes de marcar o encontro com eles, convidei as duas professoras de
ciências para embarcarem comigo na produção do projeto. Elas desenvolveriam a
temática das doenças dentro da sua disciplina, paralelamente, para reforçar o tema.
Após o meeting com as professoras, realizei, no mesmo dia, uma reunião
online com o os alunos que participariam do projeto. Fiz uma apresentação
sobre a história das doenças e sobre o livro que usaríamos para desenvolver
o trabalho. Acredito que a melhor parte era ler os fragmentos e observar a

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reação dos alunos a cada fato narrado. Alguns ficavam espantados, outros
não acreditavam que a realidade passada poderia ser tão parecida com a que
ocorre hoje. Após apresentar e explicar cada citação, orientei-os a produzir,
juntamente com seus responsáveis, vídeos em que eles explicariam como os
fatos passados podiam ser semelhantes aos atuais.
Para mim, a participação dos pais era fundamental, pois além de colabo-
rarem com a atividade, também seria uma forma de os integrarem ao processo
educacional de seus filhos. Esse tipo de ação desenvolve, mais que o ensino/
aprendizagem, estreita laços e ensina lições. E o principal objetivo era que o aluno
repassasse aos seus responsáveis o conhecimento adquirido na escola, debatendo,
ao mesmo tempo, as incoerências que vivemos em meio à pandemia, que pode-
riam ser superadas facilmente, se houvesse uma compreensão básica sobre outras
epidemias já sobrepujadas. As produções tinham em média de 5 a 8 minutos, e
foram muito importantes para a conscientização sobre a pandemia da Covid 19,
como o envolvimento dos pais e responsáveis no desenvolvimento escolar de
seus filhos. Ao final, foram exibidos cinco vídeos de história e três de ciências.

Mostra cultural: A Narrativa das doenças


QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 169

Muito rico esse trabalho de produção de


vídeos. Pena que ocorrem quase que
somente em escolas de tempo integral, não
é mesmo? E você continuou a desenvolver
com seus alunos atividades relacionadas ao
seu tema de mestrado?

Sim, dando continuidade ao conteúdo relacionado à minha dissertação


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e discutindo as relações entre o povo egípcio e hebreu, por meio das pragas
cristãs, que eram creditadas ao Deus do povo Hebreu. Trabalhando de forma
interpretativa algumas passagens contidas no livro Êxodo, que versavam sobre
punição, transmitindo a ideia de penalidade às más condutas e desobediência
aos desígnios divinos. Tal atividade, motivou os alunos a refletirem sobre as
relações entre o desconhecimento das causas de uma dada doença e a busca
por explicações mágico-religiosas.
Olha que interessante essa proposta: hoje em dia é muito comum vermos
como uma parcela significativa de nossa sociedade ainda busca explicações
para fenômenos de toda ordem nas religiões a qual pertencem. E vejam,
podemos enfrentar tais simplificações em nossas aulas de história, fazendo
com que nossos alunos reflitam sobre, por exemplo, a influência exercida pelo
catolicismo sobre as culturas e sobre os modos de organização social, durante
e após o período medieval por toda a Europa. 77

E As crianças? Passaram a ver


as doenças para além das
questões religiosas?

Sim, foi o que eu pensei, imediatamente. Visto que a escola está inserida
em uma comunidade inteiramente cristã (evangélicos e católicos), achei muito
interessante os alunos começarem a fazer ligações entre a interpretação do
pensamento religioso por meio da visão histórica. E devido a esse aspecto
mostrado por eles, encontrei um fôlego maior para oferecer mais conteúdos
voltados ao meu estudo. 78

77 Identificar a gênese da produção do saber histórico e analisar o significado das fontes que originaram
determinadas formas de registro em sociedades e épocas distintas (BRASIL, 2018, p. 421).
78 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o de
garantir que o aluno seja capaz de “analisar o papel da religião cristã na cultura e nos modos de organização
170

Apresentei a eles, ideias de alguns pensadores que não creditavam as


doenças fatores mágico/religiosos, mas, sim, às condições naturais do
ambiente, como o ar, o calor, a putrefação do corpo ou do meio ambiente.
Heródoto, por exemplo, compôs a ligação de epidemias e as guerras em
seus apontamentos, a Guerra do Peloponeso. Por meio disso, elaborei um
planejamento para discutir com os alunos, de forma textual e iconográfica,
os autores, teorias e epidemias que ocorreram naquele episódio de guerra.
Outra forma encontrada, foi oferecer as imagens de algumas esculturas
voltadas a esses pensadores, no caso Heródoto, Asclépio, Hipócrates e
Galeno, por meio de um material que seria o esqueleto da minha parte

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propositiva da dissertação; um protótipo, digamos assim79.

Essa conexão que você propôs com esses


pensadores é muito pertinente. A gente
pode adequar isso também em nossas
turmas do Ensino Médio. Já tô até
pensando em algo interdisciplinar com a
Filosofia. Mas, me conta aí, como foi a
recepção dos alunos a esse material?

A princípio, descrentes, pois um dos principais problemas que encontramos


no ensino de história é realizar leituras. Mas, alguns começaram a comentar
sobre os QRcodes inseridos no fascículo e isso favoreceu muito ao desenvolvi-
mento do trabalho, pois tive o cuidado de selecionar museus virtuais que ofere-
ciam visitas gratuitas, e os alunos tiveram acesso a mais imagens do que teriam
nos livros didáticos, conseguindo expandir sua visualização sobre o conteúdo. A
grande vantagem em mesclar esse tipo de estratégia ao cotidiano dos alunos é a
de podermos direcionar seu, quase incontornável, vício do celular para assuntos
escolares. Geralmente, os alunos buscam na internet conteúdo atrativo, que possa
distraí-los das coisas rotineiras. Os QRcodes vão direcioná-los a vídeos, museus,
jogos educativos, notícias e diversos tipos de informação, além de contemplar,
por meio desse dispositivo, a base curricular exigida: a história das doenças e
personagens históricos que colaboraram para o desenvolvimento das teorias;
que explicassem o surgimento das doenças ou que estivessem relacionados à
área da saúde e medicamentos por meio das religiões antigas.
Evidentemente, esse produto é fruto direto do histórico que iniciei em
meu primeiro capítulo, e acredito que consegui alcançar, de certa forma, aquilo
que havia me proposto quando desenvolvi o projeto. Obviamente, teria muito

social no período medieval”. Veja a habilidade EF06HI02 da BNCC de História em: BRASIL. Ministério da
Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 421.
79 Veja anexos 5, 6 e 7.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 171

caminho pela frente, visto que o meu foco eram as doenças e epidemias no
Brasil, e o meu texto caminhava na parte inicial da pesquisa. Os alunos desen-
volveram relatórios sobre as visitas virtuais e atividades escritas sobre os pen-
sadores e figuras que têm representações na história da saúde e das doenças.
Resolvi compartilhar o momento com os alunos por meio de uma roda de con-
versa virtual, na qual debatemos os pontos principais estudados no fascículo.
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Acho esse tipo de relatório muito interessante,


Leandro. Além de nos ajudarem a perceber o nível
de apreensão do conteúdo trabalhado pelos
alunos, também os auxiliam na capacidade de
escrita e narrativa. Agora, quanto à roda de
conversa virtual, não sei se acontece o mesmo
com você, mas, comigo, muitos de meus alunos
têm tido dificuldades de acesso à internet, e outros
não se sentem à vontade para ligar a câmera.
Seus alunos ligam as câmeras durante as aulas?

Alguns, sim. Mas eu não cobrava que fizessem isso, pois nem todos pos-
suíam wi-fi em suas residências. A maioria fazia acesso por 3g, e o áudio das aulas
gastavam menos o seu pacote de dados. Fiquei sabendo, por parte da coordenação
da escola, que alguns alunos colocavam R$ 20 de crédito para passar o mês, e essa
falta de recurso era o que ocasionava sua grande quantidade de faltas às aulas.
Por isso, grande parte das atividades ficavam dispostas na unidade escolar, onde
eles poderiam buscá-las a qualquer momento, especialmente aqueles alunos que
não tinham aparelhos celulares. Essa atividade, em que passei a minha proposta
de produto, foi bem complicada, pois necessitava que as cópias fossem coloridas,
e a escola não possuía tinta para esse fim. Então, imprimi em casa, com o papel
cedido pela escola e deixei na coordenação para serem distribuídas.

Nós, professores, estamos sempre buscando


soluções, não é mesmo? Mas, e em relação à
devolutiva, como isso ocorria para aqueles
alunos que não tinham acesso ao ensino
remoto?

Semanalmente, eu pegava na escola as atividades impressas já devolvidas


pelos alunos para as correções, deixando recados motivacionais e indicações
de leitura ou filmes. Era como se conversássemos por cartas, foi o único meio
possível devido às circunstâncias. As mesmas devolutivas na correção das
172

atividades ocorriam no aplicativo do Classroom, onde fazíamos as postagens


das mesmas atividades, para os alunos que participavam das aulas online. É
certo que esses conseguiram um desenvolvimento muito maior do que aqueles
que apenas buscavam e devolviam as atividades na escola. Em algumas aulas,
as atividades eram corrigidas pelas videochamadas, gerando uma qualidade
maior no ensino/aprendizagem.
Atualmente, foi adotado um sistema para recuperar o conteúdo perdido,
mas apenas para aqueles que participam das aulas online. Espero que no
retorno das atividades, ocorra uma reunião que delibere um meio de diminuir

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essa defasagem. É bem evidente que alguns alunos realmente estagnaram,
mesmo que tenham tomado parte nas videoaulas. Mas, o trabalho tem que
continuar. Acredito piamente que vamos mudar esse cenário, assim que reto-
marmos as aulas presenciais. Mas, para que isso ocorra, precisaremos reverter
esse quadro pandêmico, não é mesmo?

Com certeza! E será preciso um esforço coletivo


para recuperarmos todos os prejuízos que
tivemos pela interrupção das aulas presenciais.
Muitos projetos paralelos deverão ser realizados
para nos auxiliar na recuperação dos conteúdos.
Falando nisso, existe algum projeto atual sendo
desenvolvido na sua escola?

Além de continuar desenvolvendo essa atividade paralela com o mes-


trado, fui convidado, pela professora de língua portuguesa, para dois projetos.
O primeiro, seria desenvolver com alunos a temática das doenças que atingi-
ram as sociedades indígenas e o segundo é sobre o loteamento e a depreciação
dos valores imobiliários devido à proximidade da Colônia Santa Marta.
Na construção da pesquisa, contemplei vastamente as questões ligadas
à história das doenças trazidas pelos europeus. Apresentando as doenças que
alcançaram um maior índice de transmissão e de letalidade nas Américas. A
princípio, abordei o genocídio ocorrido em Tenochtitlán, por meio da invasão
espanhola e a disseminação de um agente pestilento que agia de maneira silen-
ciosa, no caso, a varíola. Como havia tratado anteriormente com minha colega
de trabalho, me empenhei basicamente em oferecer leituras diversificadas sobre
o tema, e trabalhei com perguntas interpretativas sobre os textos utilizados. 80

80 Nesta parte é possível entrever importantes interfaces com algumas habilidades e competências que devem
ser alcançadas pelos alunos de História do Ensino Fundamental, especificamente aquela cujo objetivo é o
de garantir que o aluno seja capaz de “analisar os diferentes impactos da conquista europeia da América
para as populações ameríndias e identificar as formas de resistência”. BRASIL. Ministério da Educação.
Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. p. 423.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 173

O segundo texto, foi voltado as doenças e indígenas dentro do território


brasileiro. Esse mesmo ciclo de pestilências, também aconteceria aos indí-
genas da América do Sul. Como o contato entre os portugueses e as tribos
ocorria de forma direta, a troca de microrganismos se dava de maneira mais
acelerada. Uma teoria apresentada aos alunos nas aulas virtuais, foi a da troca
de doenças, visto que os indígenas eram suscetíveis às doenças europeias,
assim como os europeus eram suscetíveis às pestes da América. Contudo,
tratei de trabalhar mais as questões indígenas. Utilizei a pesquisa na internet
como forma de atividade para esse novo texto, no qual os alunos deveriam
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pesquisar os principais malefícios vivenciados pelos índios, apresentando na


aula seguinte o resultado da pesquisa.
Os conteúdos presentes nos livros didáticos variam unicamente sobre os
dois aspectos acima. Mas fiz uma abordagem diferenciada, utilizando como
base o material que já possuía e os texto que desenvolvi, para traçar uma linha
além da bolha que o livro didático oferecia. Acontece com essa temática, exa-
tamente o que expliquei anteriormente sobre a revolta da vacina, uma repetição
de imagens e a narrativa voltada aos aspectos do “descobrimento”, me levando
a trabalhar a desconstrução desse elemento, visto que foi uma invasão e os
índios escravizados. Uma das teorias existentes sobre o colapso demográfico
das sociedades indígenas era ligada à ideia do solo virgem81, que atribuía
a falta de imunidade biológica a doenças desconhecidas. A disseminação
ocorria desenfreada, pois os nativos desconheciam o maléfico, promovendo
o alastramento de forma acelerada, aumentando a curva de mortes.
Ao trabalhar com os alunos essa temática do solo virgem, elenquei
algumas sociedades indígenas, destacando os Tupis, Aimorés, Tremembés
e os Goitacazes. E as epidemias de gripe, sífilis, varíola, disenterias, tétano,
sarampo e a coqueluche como as mais letais entre essas populações. Afir-
mando que essas sociedades eram “naturalmente sadias”, e que conviviam
relativamente bem nas florestas, mas que seu sistema biológico era inerte aos
microrganismos trazidos pelos europeus. Contextualizando esses aspectos aos
cuidados que devemos ter com doenças desconhecidas, elencando a Covid-19,
H1N1, SARS e a MERS.
A segunda temática foi mais específica. Fui convidado por minha colega
de ofício para desenvolver, juntamente com alguns alunos, um vídeo sobre
questões voltadas à Colônia Santa Marta, que é um local de tratamento da
Hanseníase. Como a Escola estaria participando das Olímpiadas de Língua
Portuguesa, seria necessário realizar uma sequência de atividades, sendo
uma delas, a gravação de um vídeo e o desenvolvimento do conteúdo em
sala de aula.

81 Crosby (2001, p. 179).


174

Na construção de minha dissertação, reservei um espaço para tratar as


questões endêmicas, construindo um histórico dessa doença. O mais pertinente
era levar esse conhecimento para sala de aula por meio de debates, diálogos
e questionamentos. Seria uma excelente oportunidade de trabalhar com os
alunos esses aspectos, elucidando sobre as questões fundadoras da Colônia
Santa Marta; apresentando como era realizado o tratamento compulsório das
pessoas que possuíam tal doença, assim como a mudança da nomenclatura
dela, antigamente chamada de lepra.
Muitos alunos que estudam na unidade escolar em que trabalho, são pro-

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venientes de setores próximos, um deles é o Valéria Perillo. Esta parte é colada
à Colônia Santa Marta e, com o fechamento de duas escolas próximas ao local,
os alunos migraram para esta unidade, devido à proximidade ao Terminal do
Jardim novo Mundo, que interliga facilmente essas duas localidades. Alguns
alunos conhecem a história da Colônia, até porque são moradores de lá.
Fiz alguns slides para trabalhar a respeito da doença desde seu momento
bíblico até a atualidade, escolhi trechos de filmes como Ben-Hur, o qual
exemplifica o vale dos leprosos; Cruzada, que apresentava o rei leproso; e
algumas narrativas de como os leprosos eram tratados da antiguidade até a
atualidade. O interessante de se trabalhar essa temática com os alunos é que
eles valorizam muito os detalhes que envolvem essas narrativas, passando a
dar valor ao que você diz em aula, analisando de maneira diferenciada, a partir
do seu próprio conhecimento a respeito da doença. Alguns alunos chegaram
a contar alguns casos do que veem na Colônia, e corroboraram com algumas
questões presentes no texto.

Com certeza, devem ter trazido


vivências importantes. Mas, que tipo de
questões eles abordaram?

As formas de preconceito com as pessoas doentes, o medo delas em


se aproximar, conviver, ter círculos de amizade. Acredito que os alunos
devem ter parentes que comentam isso ou vivem isso. Não sei ao certo, e
não procurei me aprofundar nessas questões. Contudo, ofereci a eles as nar-
rativas que desenvolvi na pesquisa. Contei-lhes, um caso, que ocorria com
muita frequência, a queima das casas dos doentes como forma coercitiva
dele se tratar em âmbito de confinamento. Que a queima da casa significava
a morte daquele indivíduo, daquela família, da sua identidade, para uma
nova vida, a vida do confinamento e tratamento compulsório. Percebi que
alguns alunos ficaram mais em silêncio que o normal. Tentei amenizar esses
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 175

questionamentos, voltando-me ao assunto do tratamento da doença, dizendo


que as novas medicações permitem que a pessoa tenha vida normal e uma
cura mais rápida, em vista dos medicamentos desenvolvidos a alguns anos.
O encerramento dessa temática ocorreu com a gravação de podcasts sobre
o assunto. Utilizando os relatos trazidos pelos alunos e trabalhados em grupo,
gravei o vídeo para ceder à outra professora, que trabalharia a composição
final das atividades – um documentário – que foi entregue para a banca das
Olímpiadas de Língua Portuguesa.
Bom pessoal, acho que isso é tudo que eu tinha para dizer a vocês sobre
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o meu projeto e sobre como eu tenho lidado com essa temática no meu espaço
de trabalho.

Achei muito promissora a forma como tem


enfrentado esse assunto com seus alunos. Sabemos
que não é fácil trabalhar com temas polémicos,
ainda mais um como esse, sobre doenças, que
normalmente suscita tanta repulsa nas pessoas. E
alunos nessa faixa etária, por serem tão jovens e
gozarem de plena saúde, dificilmente param para
pensar em doenças, não é mesmo?

Gente, não sei quanto a vocês,


mas, eu estou supersatisfeito
com esse nosso encontro.

Eu também. Sei que não


estamos “inventando a roda”,
mas, pelo menos, estamos
tentando colocá-la pra girar
176

Boa! Gostei dessa sua colocação. Eu


completaria, dizendo que estamos não só
colocando a roda pra girar, mas, também,
tirando-a do atoleiro: me refiro ao atoleiro do
desprezo como vêm sendo tratados esses
nossos temas nos currículos

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Isso mesmo! Então, bora
estruturar o nosso livro?

Bora!
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REFERÊNCIAS E ANEXOS
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REFERÊNCIAS PARTE I
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ANEXO A
QUESTIONÁRIO PARA
ALUNOS DO 8º E 9° ANO
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QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS DO 8º e 9° ANO

Perguntas sobre o tema contextual Paisagem

1) Qual o lugar de origem de nossa família?

2) Qual a maior diferença que a(o) senhor(a) sentiu entre o lugar de onde
veio e o Bairro [...]? Quais coisas boas e as coisas ruins?

3) De quando vocês chegaram até hoje, o que mudou no Bairro? O que


melhorou e o que piorou?

4) Se você fosse mudar do Bairro [...], para qual outro Bairro você gos-
taria de ir? Por quê?

5) Quando te perguntam sobre onde você mora, você responde o quê?


Você responde que é de Goiânia, de Aparecida ou do [...]?

6) Como é a relação com os vizinhos do setor? Com que frequência as


pessoas se encontram? Há alguma festa que ocorre no setor?

Perguntas sobre o tema contextual Alimentação

1) Você tem criação ou horta em casa? Já teve algum dia? Se não teve pre-
tende? Por quê você não tem? Se tivesse o que você criaria ou plantaria?
186

2) Que diferença a senhora poderia dizer entre a alimentação do lugar


que veio e a alimentação praticada aqui na região?

Perguntas sobre o tema contextual Saúde

1) Quais os maiores problemas de saúde enfrentados no bairro?

2) Quando alguém adoece na família quais as providências que vocês

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tomam? Que tipo de remédio caseiro vocês usam em casa? Há alguém
no bairro que faz remédio caseiro?

Perguntas sobre o tema contextual Causos

1) Tem algum causo engraçado ou triste que aconteceu na região, que


você se recorde ou gostaria de contar?
ANEXO B
BATE-PAPO COM OS ALUNOS E
ALUNAS ENVOLVIDOS NO PROJETO
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Bate-papo com os alunos e alunas envolvidos no projeto

Olá pessoal! Querem saber por que o projeto REATIVAR é tão importante
para você e sua comunidade?
Vamos começar fazendo a vocês sete perguntas, porém, há somente uma única
resposta para todas elas.
Então, vamos lá.
1) Onde se localiza a escola onde estudo?
2) Onde se localiza a minha casa?
3) Onde se localizam os lugares onde passo a maior parte da minha vida?
4) Onde estão os lugares, além da minha casa, que são para mim mais
familiares?
5) Onde posso encontrar os lugares em que há o maior número de pessoas
que me conhecem?
6) Quando eu estiver com a idade dos meus avós e quiser me lembrar da
época em que comecei conhecer o mundo, onde minha memória vai buscar
tais lembranças?
7) Entende-se que “qualidade de vida” se refere a certos benefícios aos quais
as pessoas precisam ter acesso, como por exemplo, boa qualidade de água;
segurança; transportes eficazes; escolas com ambiente humanizado; boa
iluminação pública; ruas e calçadas limpas; árvores para amenizar o calor
etc. Agora, se tivesse que escolher para qual lugar todos esses benefícios
deveria chegar primeiro onde você escolheria?

Já sabe qual é a resposta? Você ainda não descobriu?! Então, confira abaixo.
Questão 1) Resposta: No meu bairro; Questão 2) Resposta: No meu bairro;
Questão 3) Resposta: No meu bairro; Questão 4) Resposta: No meu bairro;
188

Questão 5) Resposta: No meu bairro; Questão 6) Resposta: No meu bairro;


Questão 7) Resposta: No meu bairro.

Viram só! Agora fica fácil para vocês responderem a esta pergunta
seguinte: Qual é o lugar mais importante para o projeto REATIVAR?
Estava “na cara”, não estava? É claro! A resposta só pode ser O
MEU BAIRRO!
Pois bem, agora que você já sabe que o seu bairro é o espaço mais
importante para o nosso projeto, tentaremos explicar a razão do seu bairro

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ser tão importante. Antes, porém, queremos que você responda a mais uma
pergunta. Mas cuidado, preste bem atenção sobre o que você vai responder.
Entre todos aqueles lugares do seu bairro, qual o lugar onde você acha
que reside o conhecimento?
Você respondeu NA ESCOLA? Que peninha... Você ERROU! E sabe por
que você errou? É muito simples... É por que o conhecimento não está somente
na escola, está em todos os lugares do seu bairro onde houver pessoas. Isso
mesmo! As pessoas que formam a comunidade do seu bairro, seus vizinhos,
seus pais, os pais de seus amigos, e outros tantos, possuem conhecimentos
incríveis. Basta você descobri-los!
Alguns de vocês podem até perguntar: “Mas, como todas essas pessoas
do meu bairro podem possuir conhecimentos incríveis se a maioria delas
sequer concluiu seus estudos?”
Essa pergunta também é fácil de responder. Então lá vai:
É por que o conhecimento escolar, aquele que você conquista dentro da
escola, é apenas uma forma de conhecimento entre tantas outras não escolares.
Outros de vocês podem também perguntar: “Mas não é o conhecimento
escolar o mais importante entre todas as demais formas deconhecimento?”
Felizmente não. Sabe por quê?
Embora o conhecimento alcançado dentro da escola lhe proporcione
uma formação que lhe garantirá acesso à escolha de uma profissão futura,
todos os conhecimentos possuem o mesmo valor. Não importa de onde veio,
pra onde vai, nem tampouco a forma que escolheu para assumir; seja na
figura de um livro, de uma música, de uma receita caseira, ou mesmo num
daqueles causos que os mais velhos gostam de contar aos seus netos; o que
realmente importa é que todos eles são formados por profundas experiências
entre pessoas e mundo.
A esta altura, alguém poderá perguntar: “Se o conhecimento construído
dentro da escola me proporcionará uma formação capaz de me garantir a esco-
lha de uma profissão, então, por que devo me preocupar com as outras formas
de conhecimento, já que elas nada tem a ver com o meu futuroprofissional”?
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 189

Pronto. Com a pergunta acima chegamos ao coração do projeto REATI-


VAR, pois, a resposta correta a ela só poderá ser encontrada caso possamos
responder a seguinte questão: Por que os profissionais que atualmente atuam
no mercado, sejam eles do comércio, do governo, da indústria, da saúde etc.,
não estão conseguindo garantir o mínimo de qualidade de vida que almejamos
alcançar nos bairros onde moramos?
Assim, queridos alunos e alunas, o projeto REATIVAR deseja que vocês
descubram a enorme riqueza de conhecimentos que há dentro do bairro onde
moram, e a usem na construção de um conhecimento escolar mais amplo,
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capaz de produzir profissionais que jamais terão que responder a perguntas


como a que fizemos anteriormente
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ANEXO C
MINI CAUSOS
192

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QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 193
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194

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QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 195
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ANEXO D
MAPA ETNOBOTÂNICO
Local onde
Local de Descrição da Recomendação
Planta a Planta é Jeito de Preparo Memória relacionada a Planta
Origem Planta Medicinal Popular
encontrada
Me lembro da casa da minha vó materna,
quando íamos pescar com ela, a maior diversão,
Uma plantinha
Para remédio Cortava ela em pedacinhos chegavamos e minha vó ia preparar o peixe, e
“Cuentro” pequena com as Nos lugares
Zé Doca - MA e também para pequenos e colocava junto ao lembro dela me pedindo pra ir buscar o “Cuentro
Caboclo folhas largas e úmidos.
“tempera” comida. peixe. Caboclo” (o certo é caboclo, mais minha vó
verdes.
chamava de caboclo mesmo) CABOLCO.
Momentos etertnizados em minha memória.
Umas folhas bem Nos lugares Coloca água para ferver e
Guanabara/ E toda fez que tem alguém gripado, eu falo para
“Ortelão” verdinha e pequena assim no meio do Gripe. colocar as folhas no copo e água
Goiânia - GO fazer o chá de “ortelã” que ele é muito bom.
e bem cheirosa cerrado bem quente, e abafa.
Colorir uma
comida pela Na casa em que eu morava com minha família, meu
sua cor amarela Se mistura mel, limão e açafrão pai costumava plantar o fruto no quintal de casa e
Mara Rosa no
e também ser e dar para a pessoa tomar várias como ele sabia o tempo certo que já estava com
estado de Goiás,
Folhas “cumpridas”, misturado junto vezes ao dia, possui habilidade de para colher, ele fazia a colheita da plantação, retirava
Jardim mais conhecida
larga, plamnta ao mel servia de aumentar a serotonina no cérebro. a raiz que era o fruto do açafrão, colocava no sol
Guanabara - Açafrão como terra do
pequena, cujo seu “charope” para Hormônio que influencia o nosso por diversos dias até que ele estivesse totalmente
Goiânia - GO Açafrão, mas
fruto era a raiz. tosse, perca apetite, uma dewscoberta mostrou seco, tinha improvisado um pilão de madeira no qual
também no
de peso, ossos que ao ingerir açafrão as pessoas colocava os frutos do pé de açafrão dentro e socava
quintal.
massa muscular, sentiram menos fome. até que virasse pó. Separava também uns frutos
anti-depressivo, para plantá-los novamente.
entre outros.
continua...
continuação
Local onde
198
Local de Descrição da Recomendação
Planta a Planta é Jeito de Preparo Memória relacionada a Planta
Origem Planta Medicinal Popular
encontrada
Goiânia- GO Alfavaca Uma arvorezinha Nos quintais de Fazer chá para Pega umas folhinhas vedinhas e Uma vez fiquei resfriado e minha mãe fazia o
bem verdinha, algumas casas curar gripe e faz um chá e bebe, umas trés ou chá de alfavaca pra eu tomar pela manhã, na
umas maiores do vizinhas e às resfriados e quatro vezes por dia. hora do almoço, de tarde e antes de dormir. Isso
que eu e outras vezes até nas também para durante uma semana. E o resultado veio (a griep) o
menores calçadas. aliviar o estresse, resfriado foi embora e o mal estar também. Quando
há também quem minha mãe vê alguém resfriado ja vai falando: chá
diz que ajuda na de alfavaca, se quiser lá em casa tem , pode ir
digestão. buscar
Cavalcante- Go Arnica Uma plantinha Lá no alto dos Sinusite, dores de Colocava-se a planta em um Me lembri de minha irmã do meio, quando ela
rasteira, comum do morros, entre as cabeça, náuseas recipiente com tampa e cobria-se tinha crises de hipoglicemia, pois se alimentava
cerrado, com caule pedras. e até pequenas com álcool, ou cachaça mal. Certa vez, desmaiou e mamãe pediu aos
que mais parecia inflamações gritos para que eu pegase o vidro com arnica e
veludo e folhas que o trouxesse até ela mesma, derramou o álcool
também lembrava presente, nos braços, pernas e colocou minha
caules finos. irmã para cheirar o líquido, a mesma recobrou a
consciência.[..] Também lembro de cheirar qaundo
tinha dores de cabeça devido a sinusite e ajudava a
aliviar o sintoma. Tempos bons!...
Aparecidada de Assa- Peixe Na parte da frente Tipo cerrado, Fazer chá ou 10 folhas lavar e colocar na Uma vez quando era pequeno minha irmã e eu
Goiânia- GO Branco das folhas era onde tem “charope” panela 8 copos de açúcar, tivemos um início de bronquite e estavamos
verde clara e na bastante mato derreter o açúcar com a folha tomando remédios de farmácia mais minh
parte de trás era até ficarem muchas colocar água amãe não viu melhoras então resolveu fazer
esbranquiçada. ferver coar. Depois colocar 2 um “charope” de Assa_Peixe e depois de tomar
colheres de açúcar ferver até algumas colheradas tivemos melhoras .
“engroçar”.
continua...

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continuação
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Local onde
Local de Descrição da Recomendação
Planta a Planta é Jeito de Preparo Memória relacionada a Planta
Origem Planta Medicinal Popular
encontrada
Qunado eu mesma tive o meu primeiro filho[...],
com dez meses de vida ele ficou internado com
O uso de chás Com as folhas fazia o chá ou pneumonia e bronquite asmática, não tinha
Um pouco alta Como nas beiras
e xaropes, por batia no liquidificador com água remédio que curava ele por isso ficiu internado
Carmo do Rio Assa- Peixe de folhas meio dos córregos ou
ser uma planta para tomar o sumo, e com a quase 20 dias até que um dia minha vó chegou
Verde - GO Branco aveludadas e rios ou em pastos
anti-inflamatória e casca fazia o xarope depois dela de viagem e soube que o [neto] estava internado
média (cerrado).
expectorante seca com pneumoonia, ela correu atrás do Assa-Peixe
Branco quando sai com ele do hospital rapidamente
ela fez o xarope e também o chá.[...]
Era uma planta
Usos agrícolas Para fazer suco, nós
suculenta que
e medicinais, descansamos duas folhas e
media mais ou
De clima tropical, também usado retirar a polpa, tirando inclusive
menos uns 10
Araripina- PE Barbosa crescendo para fins a parte amarelada deixando -
centímetros,
selvagemente . decorativos e apenas o gel transparente. Bata
e cresce com
também usado no liquidificador com um litro de
sucesso dentro de
para fazer suco água e uma colher de mel
casa
Uma grande árvore Que meus parentes mais velhos usam muito para
Ouro Verde No meio do mato
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história

Barbatimão que tiramos a casa Infecções Ferver a casca dela. curar animais machucados banhando a ferida com
- GO fechado .
dela e fervemos. o chá de Barbatimão
Dor de estômago,
Uma planta um
São João do Lugares altos e dor de barriga para Pega as folhas e faz o chá e Toda vez que a comida me faz mal faço o chá de
Boldo pouco alta e dificil
Paraíso- MA secos. comida que faz mal, bebe e logo sara. boldo, e logo logo fico boa
de encontrar
e várias coisas.
Para melhora dor
Uma planta Encontra ela em
no estõmago e Coloque as folhas em um copo Me lemnro quando minha mãe preparava o boldo
Campos pequena, com a vários lugares
Boldo quando a comida com água quente e abafe quando pra gente tomar, é muito amargo mas é muito bom
Belos- GO folhas camuda e principalente
não faz bem e dor esfriar é só tomar melhora rápido.
amarga quintais
de barriga
199

continua...
continuação
Local onde
200
Local de Descrição da Recomendação
Planta a Planta é Jeito de Preparo Memória relacionada a Planta
Origem Planta Medicinal Popular
encontrada
A Quina é amarga
Uma vez passavamos no local onde se encontra a
e por isso é usada Coloca um porção em um copo
Uma planta ou Quina e perto lá existem muitos pés de Cajueiros,
Tasso para muitas com a casca e água e dexa por
Quina seja uma árvore de Na mata aquele bem pequeno. Então quando era época de
Fragoso- MA doenças e dentre um tempo, até que tenha gerado
porte médio cajú costumávamos colher aqueles bem docinhos,
delas a gastrite, pelo uma cor meio amarelada.
“Heim”tempo bom.
fato de ser amarga
Um tronco de uma Meu pai quando bebia umas e outras ou algum de nós
Em um copo com água pelava-se
arvorezinha que pequenos comia ultrapassdo minha avó corria para
Rabo de Meio que deserto Combater males o tronco como se estivesse
Goiás continha raíz, e fazer o Rabo de Tatú. Eita que era amargo de mais
Tatú tipo sertão dos estômago. amassando olho até espumar,
tinha ser arrancada então ela mandava “nois” fechar os olhos e beber de
deixar de molho e é tomado. uma só vez. Credo era horrível mais resolvia o problema
e esperar secar
Pegava a casca, quebrava em
Na casa das Me lembrava da minha mãezinha não podia ver
Meio amarela e ia Infecção de pedalos e colocava no vinho
Jaraguá - GO Romãzeira pessoas mais alguém falar que estava doente da garganta que
ficando rosada garganta branco para curtir e depois fazia
velhas. logo ia ensinando esse remédio.
gargarejo
Uma vez me “alembro” que um rapaz que morava no
Nos lugares interior, teve um ferida na perna causada por picada
Uma árvore alta Dor de estômago, Pegar um punhado de folhas e
Fortaleza dos úmidos e de inseto, tomou un sremédios da farmácia e nada
Boldo das folhas grandes gastrite e quando o põe abafado para cozinhar em
Nogueiras- MA aquecidos com adiantou, daí a mãe dele tirou umas “foia” de boldo e
e amargas. “dicumer” fazia mal “tiquinho” de água e esperar esfria fez uma espuma bem grossa e passava sobre a ferida
calor do sol
e deixava secar, “por” num é que sarou.
Orlando Uma plantinha Pegava as chá calmante era Colocava numa panela com água Minha vozinha estava com muita dor no corpo e
de Morais / Capim Santo pequena tamanho mudas com meus muito bom para e açúcar e deixar ferver uns 10 cansada e fazia esse chá para mim e para ela pois
Goiânia - GO médio. vizinhos. relaxar. minutos. é muito gostoso
Quando estava
Uma folha verde com o pé da
Onde tem mato Ranca com a raíz lavar bem e Toda mulher que usa é smepre limpinha nem mau
Imperatriz-MA Chanana meio cabeludinha e barriga doendo até
capim. por para ferver com raíz e tudo. cheiro tem...
uma flor amarela hoje “fasso” o uso
dela é muito boa.
continua...

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continuação Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Local onde
Local de Descrição da Recomendação
Planta a Planta é Jeito de Preparo Memória relacionada a Planta
Origem Planta Medicinal Popular
encontrada
Uma planta de
Tira as folhas, lava e depois põe Eu lembro smepre da minha terrinha natal, lembro
tamanho médio, Ela é mais facil ela é usada
para cozinhar, depois de cozida, da casa da minhamãe dos tempos de infância,
Zé doca- MA Cuchá com galhos finos e de encontrar no principalmente
escorre a água, bate e refoga qaundo cercavamos a mesa para comer uma
com grandes folhas nordeste. como alimento.
junto com cebola, cheiro verde cuchazada tempos bons
verdes.
Os mais velhos
Erva Pega algumas folhas do capim e
Capim com folhas No quintal no dizem que o capim Me lembro que minha vó sempre fazia esse chá
Goiânia-GO Cidreira lava e coloca pra ferver, fazendo
bem grandes. fundo de casa. cidreira serve para para a gente lancha comendo bolacha.
(Capim) um chá
acalmar os nervos.
Uma plantinha
Problemas Bate no pano e bate com a mão
Presidente Erva Santa verdinha pequena Em lugares
respiratórios de pilão e depois coa com a
Kennedy- TO Maria que tem um cheiro úmidos.
gerias, cicatrizante. peneira e bebe.
forte,
Quando estava Até hoje no Tocantins nas roças as pessoas
Coloca as folhas dentro de uma
Qualquer lugar doente com fazem esses remédios naturais, que nos lembra
Folha de Uma árvore grande panela e cozinhe depois deixa
Araguatins- TO se encontra suas catarro [...] muitas da natureza com força de curar algumas
Manga com folhas longas esfriar. Lave a cabeça e beba um
folhas. dores na cabeça e “infermidades”. O cheiro é muito bom que traz a
pouco do chá.
gripado. lembrança de cuidado de vó.
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história

Auxilia no Minha mae não podia ver uma criança desnutrida


Uma árvore na tratamento
A casca: ralar 2 colheres e ferver como dizia ela, que ela jpa dava o diagnóstico “está
qual sua madeira e Encontrada no de bronquite,
Tocantins Jatoná em 1Lt de água, deixar esfriar e com verme/”. Então já receitava Jatobá, não tem
as frutas são bem cedrrado. antiflamatório,
tomar. A semente: só comer. remédio melhor. E não é que, muitas das vezes
aproveitadas. usado também
como laxante resolvia, inclusive pra mi que já comi bastante.

De muita grtama
Uns raminhos finos Fervia a água e colocava ela Quando eu era pequena eu tinha muita dor de
no mato baixo e Dor de barriga,
Capanema e longo com folhas dentro e abaforava com tampa e barriga e minha mãezinha fazia para eu minhas
Macela existia uma época dor de estômago,
- PA pequenas e umas logo estava pronta e tomavamos irmãs.. Fazia até para os vermes, lombrigas minha
que colhia em vermes.
florzinha amarelas. frio. mãe falava (kkk).
jejum.
201

continua...
continuação
Local onde
202
Local de Descrição da Recomendação
Planta a Planta é Jeito de Preparo Memória relacionada a Planta
Origem Planta Medicinal Popular
encontrada
Uma “pranta” bem
Quando eu sentir dor de cabeça eu ia lá no pé e
pequena mais De “prantas” Dor de cabeça e Pega um punhado ponha pra
Paraná Manjericão pegava uns galhos e cheirava a dor de cabeça
pequena do que as naturais. febre. ferver e faz o chá e toma.
passava.
“pranta”.
Uma plantinha Lá ela se De uma tia que caiu e quebrou a perna e ela
Juntavam bastante e batia no
Imperatriz - MA Mastruz rasteira e fina, um encontra em Para infecções. sempre tomava dizia que era muito bom pra sarar
liquidificador e se tomava o suco.
cheiro bem forte. todos os lugares. logo.
Amaçar bem e tirar o “insumo”,
Uma árvore por sobre o inchaço e amarrar
Brasília -DF Mastruz Quintais de casa. Dor e inchaço. Eu via muito minha mãe fazer.
pequena. com um pano até a dor passar e
acabar o inchaço.
Inflamação de
Dava uns Terrenos baldios, “muié”, quando
Pé de Bater no liquidificador com água
Tocantins cachinhos de dava em qualquer ganha nenêm, -
Algodão e coar, tomar três vezes ao dia.
algodão. lugar. quando fazia qual
tipo de cirurgia.
Minha mãe juntava as sementes,
Pé de Uma planta Lugar onde a Gripe, tosse e
Lucinópolis as flores do mamão macho e Meus filhos quando adoeciam lenbro desse remédio
Mamão qualquer, nasce em terra era mais também xarope no
- TO colocava no mel de abelha e que minha mãe fazia para mim e meus irmãos.
Macho qualquer lugar. adubada. resfriado
deixava curtir pra dar para “nois”.
Uma árvore Coloque 3 pepinos no pote de
Comer e retirar Minha irmã se queimou com água quente quando
Pé de pequena e sua Nos fundos do vidro e os enterre durante alguns
Goiânia - GO manchas de ela era mais nova, e meu pai curou as manchas
Pepino base feita de nosso quintal. dias, logo após passe no local da
queimadura. dela com pepino “prode”.
arames. queimadura.

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REFERÊNCIAS PARTE II
ALBERTI, Verena. “Ensino de história e fontes históricas”. Palestra apre-
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BITTENCOURT, Circe. Os confrontos de uma disciplina escolar: da história


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BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. v. 2. 2.


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Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização


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UJVARI, Stefan Cunha. A história e suas epidemias: a convivência do


homem com os micro-organismos. Rio de Janeiro: SENAC Rio Editora, 2005.
COLEÇÕES DIDÁTICAS DO PNLD 2019
ARARIBÁ MAIS: história. São Paulo: Editora Moderna, 2018. (6º ao 9º ano;
Obra coletiva).

BOULOS JR, Alfredo. História, sociedade & cidadania. São Paulo: EFII,
FTD, 2018.
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BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar história: das origens do homem à era


digital. São Paulo: Moderna, 2018. (6º ao 9º ano).

CAMPOS, Flávio de; DOLHNIKOFF, Miriam. História: escola e democracia.


São Paulo: Ed. Moderna, 2018. (6º ao 9º ano).

COTRIM, Gilberto. Historiar, 6º ao 9º ano. EFAF. Saraiva, 2018.

DIAS, Adriana Machado. Vontade de Saber – História EF anos finais. São


Paulo: Quinteto Editoria, 2018.

GERAÇÃO ALPHA – história: EF anos finais. Organização: SM Editora,


obra coletiva. São Paulo: Edições SM, 2018.

MINORELLI, Caroline Torres. Convergências história: ensino fundamental,


anos finais. São Paulo: Edições SM, 2018.

SERIACOPI. Gislane Campos Azevedo. Inspire História: Ensino Funda-


mental, anos finais. São Paulo: FTD, 2018.

VAINFAS, Ronaldo. História.doc: EF anos finais. São Paulo: Saraiva, 2018.

VICENTINO, Cláudio. Teláris EF, anos Finais. São Paulo: Ática, 2018.
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ANEXOS PARTE IV
1.

CONHECIMENTO AO ALCANCE DE TODOS

PROFESSOR LEANDRO GARCIA TURMA: 6,7,8 e 9º EF - 1º EM


SEMANA/PERÍODO:
CIÊNCIAS COMPONENTE
AREA DE CONHECIMENTO: HUMANAS CURRICULAR HISTÓRIA Enquanto durar o Período
Pandêmico
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Mediante ao surto pandêmico que estamos vivendo, venho com uma nova proposta de atividade para os alunos de história do CEPI
Joaquim Edson de Camargo. Essa atividade visa compor um diário de relatos do que estamos vivendo, logo todos os alunos podem
participar e enriquecer esse trabalho. Para participar, o aluno deve seguir os seguintes passos.

1. O relato deve conter características obrigatórias, como Nome, turma, data e título.
2. O relato pode ser por período (diário, semanal ou período).
3. O relato deve ser narrativo (no caso, você contando os fatos).
4. O relato deve ser de no máximo 1 folha, podendo ser mais de um, desde que respeite os critérios anteriores.

Irei a partir desse ponto, fazer algumas perguntas que vocês podem utilizar para compor seu relato.
a) Quais são as lembranças mais recentes sobre o tempo vivido na escola a partir do surto pandêmico?:
b) Como passou a ser sua relação com seus colegas, professores e funcionários?
c) Quais as lembranças que mais marcaram esse período? Essas lembranças podem ser boas ou ruins, conforme o seu critério.
d) Qual foi a reação da sua família em relação a pandemia e quais os cuidados que seus pais pediram para que vocês tivessem ao ir
para a Escola?
e) Seus professores, enquanto ainda havia aula, qual foi sua postura tomada mediante a Pandemia? Eles alertaram, falaram sobre,
pediram para que vocês se cuidassem? Qual foi a postura desses profissionais? (não precisa citar nomes)
f) Agora, já em casa, após a suspensão das aulas, como é seu comportamento como Estudante?
g) Você considera positiva a postura do governo em suspender as aulas para proteger alunos, professores e funcionários da escola
da SARS-COVID19?
h) Qual é seu entendimento geral dessa doença? (Como contrair, sintomas, tratamentos)
i) Como sua família está convivendo com essa pandemia? Seus pais estão trabalhando? Estão se cuidando quando saem as ruas?
Vocês estão usando máscaras?
j) Aquilo que você vê na tv, jornais e internet, contempla e explica bem o que vem acontecendo?
k) Como está sua relação com a escola durante essa pandemia? Você está fazendo suas atividades? Como é o papel do professor
nesse período?
l) Quais são suas expectativas para o futuro pós-pandemia? Você acredita que tudo voltará ao normal? Tudo será como antes?
3.
2.
216

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QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 217

4.
LIVRO CITAÇÃO PÁGINA

CAMPOR, Flávio de; DOLHNIKOFF, Miriam. História:


escola e democracia. Ed. Moderna, 6º ao 9º ano. São PG. 02
Paulo, 2018.

No séc. CIV quando a peste se alastrou por diversas


Pg. 24 - Peste Negra.
partes do continente, morreram mais de 13 millhões de
Página toda dedicada
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pessoas. Havia dois tipos de peste, um era transmitido


a Fala da peste negra.
pela pulga dos ratos; matava as pessoas infectadas
Dita-se o conto de
em menos de um mês. O outro era transmitido pela
Hamelin.
saliva humana, matava a pessoa em 3 dias
Farmácia natural - [...] nos remédios, nas misturas
empregadas em cultos religiosos, as especiarias
eram procuradas e cobiçadas. [...] o óleo retirado do
Pg. 34 - farmácia narual.
seu grão contém uma substância química que possui
propriedades anti-inflamat´´orias e analgésicas. Uma
conhecida receita médica.

“[...] Trabalhos exaustivos, violências de todo tipo


e doenças como varíola e malária dizimaram os Pg. 119
indígenas.
1. História e Democracia - 7
ano - moderna.

Os Xamãs - texto define suas atribuições e não cita


Pg. 135
doenças.

O autor faz menção aos núcleos colonizadores


franceses no Brasil, 1555, mas não faz menção a
Pg. 169
epidemia de varíola no mesmo ano (CHALLOUB,
Cidade Febril).

Subtítulo - Inferno a bordo faz apenas menção a falta


de higiene, e em momento algum aborda as doenças
Pg. 193
e práticas utilizadas de descarte de pessoas doentes
nos tumbeiros.

“À falta de um sistema de água e esgotos nas cidades


obrigou o escravizado a ter como função carregar os
excrementos dos snehores até a praia. Eram os Tigras,
Pg.205
porque a matéria fecal sujava seu corpo, produzindo
manchas parecidas com as do animal. (não faz
menção a doenças)
218

5.
BANCO DE DADOS PARA CITAÇÕES
REFERÊNCIA
CITAÇÃO PÁGINA OBS INFO LEGENDA
BIBLIOGRÁFICA
A palavra de origem latina salute – salvação,
conser vação da vida – vem assumindo
significados muito diversos, pois a concepção
de saúde permeia as relações humanas não
pode ser compreendidas de maneira abstrata

IMPORTANTE
ou isolada. Os valores, recursos e estilos de

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PCN
vida que contextualizam e compõem a situação p. 249 SAÚDE
TRANS
de saúde de pessoas e grupos em diferentes
épocas e formações sociais se expressam
por meio de seus recursos para a valorização
da vida, de seus sistemas de cura, assim
como das políticas públicas que revelam as
prioridades estabelecidas.

Conteiro de saúde assumido em 1948 pela

ESSENCIAL
BRASIL
Organização Mundial de Saúde: “Saúde é o
Secretaria
estado de completo bem-estar físico, mental e
de Educação
social e não apnas a ausência de doença”.
Fundamental.
Parâmetros O fato é que saúde e doença não são valores
Curricular5es abstratos ou situações absolutas, entre os quais
Nacionais: se possa interpor uma clara linha divisória, da
terceiro e mesma maneira, não são condições estáticas,
quarto ciclos: já que a mudança, e não a estabilidade, é
apresentação predominante na vida, tanto do ponto de vista
dos temas individual quanto do ponto de vista social. O que
transversais/ se entende por saúde depende da visão que se
Secretaria tenha do ser humano e de sua relação com o
NOTAS PESSOAIS

de Educação ambiente, e este entendimento pode variar de


Funamental. - um indivíduo para outro, de uma cultura para
Brasília: MEX/ p. 250
outra e ao longo do tempo. A diversidade de
SEF, 1998. expressões idiomáticas e artísticas relacionadas
ao assunto pode ilustrar a enorme variedade de
maneiras de sentir, viver e explicitar valores e
padrões de saúde ou doença. É necessário
reconhecer que a compreensão de saúde tem
alto grau de subjetividade e determinação
histórica, na medida em que indivíduos e
coletividades consideram ter mais ou menos
saúde dependendo do momento, do referencial
e dos valores que atribuam a uma situação.

Saúde é, portanto, produto e parte do estio de


ANALISAR

vida e das condições de existência, sendo a


p. 252
vivência do processo saúde/doença uma forma
de representação da inserção humana no mundo,
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 219

6.
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7.
220

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QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 221

8.
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ÍNDICE REMISSIVO

A
Alunos 7, 14, 18, 22, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 39,
40, 41, 42, 43, 44, 46, 47, 48, 49, 51, 53, 56, 60, 61, 62, 68, 69, 71, 74, 76,
77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 89, 90, 91, 93, 94, 95, 96, 97, 98,
99, 100, 101, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 114, 116, 117, 118, 119,
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120, 121, 122, 125, 127, 129, 130, 132, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141,
142, 145, 146, 147, 148, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 159, 160, 161,
162, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 185, 187, 189
Aulas de história 13, 68, 69, 70, 71, 80, 88, 89, 92, 95, 116, 169

B
Buriti Alegre 13, 67, 80, 82, 83, 89, 95, 97, 101, 104

C
Conhecimento 11, 13, 42, 43, 68, 69, 75, 77, 78, 79, 105, 106, 108, 138, 149,
154, 155, 162, 165, 166, 168, 174, 180, 188, 189, 203, 212

D
Didática 14, 32, 46, 53, 79, 107, 111, 119, 138, 139, 143, 156, 163, 180
Ditadura 74, 81, 90, 138, 140, 141
Diversidade 72, 108, 115, 118, 133, 134, 218

E
Educação básica 11, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76
Ensino de história 3, 4, 7, 9, 11, 13, 14, 56, 68, 70, 71, 72, 75, 76, 78, 79,
84, 93, 96, 109, 111, 113, 114, 115, 116, 149, 150, 151, 152, 156, 159, 161,
170, 177, 203, 204, 205
Ensino fundamental 4, 7, 13, 17, 20, 22, 25, 35, 37, 41, 44, 48, 67, 70, 74,
81, 84, 88, 90, 95, 99, 119, 121, 122, 127, 129, 136, 138, 139, 140, 141, 145,
151, 154, 159, 161, 162, 165, 169, 172, 178, 211, 213
Experiências 9, 14, 17, 18, 21, 24, 36, 41, 45, 46, 50, 53, 56, 59, 61, 68, 76,
79, 105, 106, 108, 111, 132, 159, 188
224

F
Feminismo 114, 123, 126, 208, 209

G
Gênero 7, 9, 76, 99, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 122, 123, 124,
125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 136, 137, 138, 143, 208, 209

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História ambiental 7, 9, 12, 17, 51, 53, 65, 73, 177, 180, 181
História das doenças 7, 9, 145, 149, 151, 152, 156, 158, 159, 161, 164, 165,
166, 167, 168, 170, 172
História indígena 7, 9, 67, 76, 108
História local 101, 102, 103, 104
Homossexualidade 114, 134, 135, 136, 137, 138, 210
Humanidade 99, 114, 129, 130, 135

I
Identidade 74, 131, 133, 134, 135, 137, 174, 207, 208
Indígenas 17, 70, 71, 73, 92, 95, 96, 107, 108, 110, 111, 136, 172, 173,
178, 217
Interculturalidade 110, 111, 177, 181, 203, 205

L
Linguagens 13, 69, 75, 76, 79, 85, 88, 89, 109, 140, 160
Livros didáticos 9, 72, 73, 78, 149, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 165,
170, 173

M
Minicausos 46, 49, 50

P
Pandemia 76, 133, 145, 148, 150, 153, 154, 155, 156, 162, 167, 168
Parâmetros Curriculares Nacionais 117, 150, 178, 208, 211
Patrimônio 82, 84, 86, 101, 102, 103
Preconceito 22, 85, 108, 127, 130, 131, 136, 153, 174
QUASE UM LIVRO: narrativas didáticas para o ensino de história 225

Professores 4, 7, 9, 11, 17, 25, 26, 27, 30, 32, 33, 34, 36, 38, 45, 46, 48, 49,
50, 51, 52, 53, 56, 61, 70, 72, 73, 74, 75, 77, 78, 80, 86, 88, 97, 103, 105,
106, 107, 108, 110, 114, 117, 118, 143, 145, 146, 147, 148, 151, 153, 155,
156, 162, 204
Projeto Reativar 13, 14, 17, 18, 19, 31, 50, 51, 63, 65, 187, 188, 189

R
Revolta da vacina 157, 158, 159, 160, 173
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

S
Sala de aula 11, 14, 18, 25, 32, 34, 36, 39, 48, 49, 51, 68, 69, 70, 71, 73, 76,
77, 78, 79, 82, 84, 88, 92, 93, 94, 95, 105, 106, 107, 108, 109, 111, 117, 149,
150, 151, 164, 173, 174, 203, 204
Serra das Areias 33, 34, 35, 36, 37, 38, 45
Sexualidade 7, 9, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 122, 127, 132, 133,
134, 137, 138, 143, 208
Sociedade 9, 35, 37, 68, 70, 72, 73, 82, 85, 93, 106, 107, 115, 116, 120, 121,
122, 123, 125, 126, 127, 129, 130, 134, 135, 136, 138, 141, 143, 161, 164,
169, 179, 213
Sustentabilidade 39, 40, 42, 55, 179
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

SOBRE O LIVRO
Tiragem: Não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5/11,5/13/16/18
Arial 8/8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

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