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Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

AMAZONIZAR
E D U C A Ç Ã O , P E S Q U I S A E C U LT U R A
Albert Alan de Sousa Cordeiro
Adalberto Carvalho Ribeiro
Alexandre Adalberto Pereira
(organizadores)
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Albert Alan de Sousa Cordeiro
Adalberto Carvalho Ribeiro
Alexandre Adalberto Pereira
(Organizadores)
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AMAZONIZAR:
Educação, Pesquisa e Cultura

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Revisão: Os Autores

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CATALOGAÇÃO NA FONTE

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Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506

A479

Amazonizar: Educação, Pesquisa e Cultura / Albert Alan de Sousa Cordeiro, Adalberto


Carvalho Ribeiro, Alexandre Adalberto Pereira (organizadores) – Curitiba: CRV: 2023.
280 p.

Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-5758-0
ISBN Físico 978-65-251-5757-3
DOI 10.24824/978652515757.3

1. Educação 2. Culturas – Diversidades 3. Amazônia - Cultura Escolar 4. Interculturalidade


I. Cordeiro, Albert Alan de Sousa, org. II. Ribeiro, Adalberto Carvalho, org. III. Pereira, Alexandre
Adalberto, org. IV. Título V. Série.

CDU 37 CDD 370


Índice para catálogo sistemático
1. Educação - 370

2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela Editora CRV
Tel.: (41) 3029-6416 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
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Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Ana Chrystina Venancio Mignot (UERJ)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Andréia N. Militão (UEMS)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Anna Augusta Sampaio de Oliveira (UNESP)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Barbara Coelho Neves (UFBA)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Cesar Gerónimo Tello (Universidad Nacional
Carmen Tereza Velanga (UNIR) de Três de Febrero – Argentina)
Celso Conti (UFSCar) Cristina Maria D´Avila Teixeira (UFBA)
Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional Diosnel Centurion (UNIDA – PY)
Três de Febrero – Argentina) Eliane Rose Maio (UEM)
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
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Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Francisco Ari de Andrade (UFC)
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Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Ilma Passos A. Veiga (UNICEUB)
Gloria Fariñas León (Universidade Inês Bragança (UERJ)
de La Havana – Cuba) José de Ribamar Sousa Pereira (UCB)
Guillermo Arias Beatón (Universidade Jussara Fraga Portugal (UNEB)
de La Havana – Cuba) Kilwangy Kya Kapitango-a-Samba (Unemat)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ) Lourdes Helena da Silva (UFV)
João Adalberto Campato Junior (UNESP) Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira (UNIVASF)
Josania Portela (UFPI) Marcos Vinicius Francisco (UNOESTE)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS) Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO) Maria Eurácia Barreto de Andrade (UFRB)
Lourdes Helena da Silva (UFV) Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Luciano Rodrigues Costa (UFV) Míghian Danae Ferreira Nunes (UNILAB)
Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US) Mohammed Elhajji (UFRJ)
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar) Mônica Pereira dos Santos (UFRJ)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC) Najela Tavares Ujiie (UNESPAR)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA) Nilson José Machado (USP)
Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG) Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG) Silvia Regina Canan (URI)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Sonia Maria Ferreira Koehler (UNISAL)
Simone Rodrigues Pinto (UNB) Sonia Maria Chaves Heracemiv (UFPR)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA) Suzana dos Santos Gomes (UFMG)
Sydione Santos (UEPG) Vânia Alves Martins Chaigar (FURG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA) Vera Lucia Gaspar (UDESC)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
AMAZONIZAR A EDUCAÇÃO A PARTIR DO “MEIO DO MUNDO” ........... 11
Albert Alan de Sousa Cordeiro
Adalberto Carvalho Ribeiro
Alexandre Adalberto Pereira

PARTE I – EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA AMAZÔNIA


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INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO EM CONTRAPOSIÇÃO ÀS


PRÁTICAS PEDAGÓGICAS MONOCULTURAIS....................................... 19
Cirlene Damasceno Picanço
Arthane Menezes Figueirêdo

A DISCUSSÃO DA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA


PERSPECTIVA DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA INFÂNCIA:
uma revisão de literatura ................................................................................. 31
Daniele Pelaes Damasceno
Ângela do Céu Ubaiara Brito

EDUCAÇÃO MUSICAL INTERCULTURAL:


reflexões sobre a formação docente em música ............................................. 41
Raisa Ribeiro de Souza
Albert Alan de Sousa Cordeiro

CULTURA POPULAR E INTERCULTURALIDADE


NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR ............................................................. 53
Márcia Kelly Fonseca da Costa
Gustavo Maneschy Montenegro

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA


E A INTERCULTURALIDADE CRÍTICA:
um diálogo acerca da valorização e visibilização cultural ............................... 67
Keila Cristina Barata dos Santos

A RELEVÂNCIA DO MULTICULTURALISMO
NO ÂMBITO EDUCACIONAL ....................................................................... 81
Alan Farias Sales
Raimundo Erundino dos Santos Diniz
PARTE II – EDUCAÇÃO DOS GRUPOS, POVOS
E POPULAÇÕES AMAZÔNICAS

ALUNOS SURDOS LGBTQIA+: os entraves na contemporaneidade em


vivências de surdos em seus processos formativos ....................................... 95
Tiago Ruan Pereira e Silva
Alexandre Adalberto Pereira

CULTURA ESCOLAR E AS DISCUSSÕES DE NORMA, GÊNERO E


SEXUALIDADE NA ESCOLA...................................................................... 107
Marina de Almeida Cavalcante

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Alexandre Adalberto Pereira

A VALORIZAÇÃO DAS LÍNGUAS MATERNAS NA EDUCAÇÃO


ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL ............................................................ 117
Rosa Maria Vilhena Farias Dias
Tadeu Lopes Machado

JUVENTUDES DO CAMPO, MOVIMENTOS SOCIAIS E A


VALORIZAÇÃO DA CULTURA ................................................................... 133
Solange dos Santos Conceição
Débora Mate Mendes

A VALORIZAÇÃO DOS CENTROS DE CULTURA NA PROMOÇÃO E


MANUTENÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL NEGRA........................... 147
Delcirene Videira da Silva
Eugénia da Luz Silva Foster

CULTURA, EDUCAÇÃO E PENSAMENTO DECOLONIAL:


práticas da educação escolar quilombola ..................................................... 155
Marques Ferreira Barbosa
Raimundo Erundino Santos Diniz

PARTE III – IDENTIDADES E CULTURAS ESCOLARES NA AMAZÔNIA

PROCESSOS SOCIALIZADORES DISCIPLINARES:


dualidades na formação de sujeitos em uma escola pública civil
militarizada de Macapá-AP............................................................................ 171
Leonor Barbosa Rocha
Adalberto Carvalho Ribeiro

A CULTURA RIBEIRINHA AMAZÔNICA E A SUA RELAÇÃO COM A


EDUCAÇÃO ESCOLAR .............................................................................. 187
Ediléa Morais de Oliveira
Eliana do Socorro de Brito Paixão
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A CULTURA ESCOLAR: fator contribuinte
no processo de transformação das atitudes e comportamento para o
meio ambiente ............................................................................................... 203
Marise dos Santos Nunes
Raimunda Kelly Silva Gomes

AS PERCEPÇÕES DE JOVENS
ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
um estudo sobre formação escolar e expectativas profissionais .................. 217
Carina dos Santos Reis
Adalberto Carvalho Ribeiro
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CONSTRUINDO IDENTIDADES CULTURAIS POR MEIO DA


LUDICIDADE NA ALFABETIZAÇÃO .......................................................... 231
Stephany Dantas de Freitas Furtado
Ângela do Céu Ubaiara Brito

HOMESCHOOLING EM TEMPOS DE POLARIZAÇÃO IDEOLÓGICA:


uma questão de crença e de classe .............................................................. 245
Claudio de Almeida Silva
Adalberto Carvalho Ribeiro

EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA: um diálogo com a pedagogia


freiriana na formação docente ....................................................................... 257
Katiane Coelho dos Santos
Raimunda Kelly Silva Gomes

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................... 267

SOBRE OS/AS AUTORES/AS .................................................................... 271


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APRESENTAÇÃO
AMAZONIZAR A EDUCAÇÃO A
PARTIR DO “MEIO DO MUNDO”
Albert Alan de Sousa Cordeiro
Adalberto Carvalho Ribeiro
Alexandre Adalberto Pereira
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Como escreveu o saudoso geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves


(2017), a região amazônica nos oferece a possibilidade de uma análise crítica
do padrão de poder e saber que foi fundado na ideia de dominação da natureza e
que nos conduziu ao colapso ambiental que vivemos hoje, apontando caminhos
à sua superação. Para o autor, as múltiplas matrizes de conhecimento dos povos/
etnias/nacionalidades que habitam a Amazônia nos oferecem referências para
uma relação de convivência, e não de dominação, com as condições materiais
de vida, negando, portanto, a racionalidade técnica instrumental praticada pelo
“homo economicus” moderno.
Em que pese a desgastada noção “desenvolvimento sustentável”, com
mais tenacidade aplacada a partir da década de 1980, se praticar o desen-
volvimento humano respeitando os limites da natureza é o caminho para se
garantir direitos fundamentais das futuras gerações, então, não precisamos ir
muito longe fazendo contorcionismos teóricos. Bastaria olhar para o modo de
vida dos povos originários que habitam o “meio do mundo”, a faixa tropical
cortada pela linha do equador.
Entretanto, ao estar situada numa posição periférica no interior de países
do sul no sistema mundo capitalista moderno-colonial, escapa da Amazônia
até mesmo o poder de falar de si mesma, prevalecendo visões sobre a região
e, mesmo quando se fala de visões da Amazônia, “não são visões dos ama-
zônidas – principalmente de povos/etnias/nacionalidades e grupos/classes
sociais em situação de subalternização/opressão/exploração – que nos são
oferecidas” (Porto-Gonçalves, 2017, p. 15).
Em interpretação semelhante, a socióloga Violeta Loureiro, ao analisar a
condição amazônica no cenário nacional e internacional, elenca algumas carac-
terísticas como a perda (muito mais tomada) de autonomia sobre seu próprio
território, o que compromete a capacidade decisória das populações locais, no
que se refere à concepção de planos e projetos voltados para empreendimentos
econômicos da Amazônia (Loureiro, 2019).
12

É necessário que transformemos este cenário. As soluções para a


crise climática, colapso ambiental, exaustão dos recursos naturais, além
dos vergonhosos índices de concentração de renda e, consequentemente,
extrema pobreza que acometem o planeta, não serão encontradas nas mesmas
referências políticas, econômicas, epistemológicas que nos trouxeram à beira
do abismo.
O sociólogo venezuelano Edgardo Lander (2005) afirma que nos debates
políticos e em diversos campos das ciências sociais são evidentes as dificul-
dades para formulação de alternativas teóricas e políticas à primazia total
do mercado, cuja defesa mais coerente foi formulada pelo neoliberalismo.

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Essas dificuldades, diz o autor, devem-se, em larga medida, ao fato de que o
neoliberalismo é debatido e combatido como uma teoria econômica, quando
na realidade deve ser compreendido como o discurso hegemônico de um
modelo civilizatório:

[...] isto é, como uma extraordinária síntese dos pressupostos e dos valores
básicos da sociedade liberal moderna no que diz respeito ao ser humano,
riqueza, natureza, história, ao progresso, ao conhecimento e boa vida. As
alternativas às propostas neoliberais e ao modelo de vida que representam
não podem ser buscados em outros modelos ou teorias no campo da eco-
nomia, visto que a própria economia como disciplina científica assume,
em sua essência, a visão de mundo liberal (Lander, 2005, p. 21).

Nós acrescentamos! No modo de produção capitalista, no estágio atual


denominado neoliberalismo, seus defensores praticam uma teoria econômica
que foge aos limites da ciência, tornando-a uma verdadeira religião: ninguém
pode contrariar o “Deus mercado”. Economistas liberais são evangelizadores
doutrinando as pessoas na sua perspectiva “bíblica”.
Ainda Lander (2005), assevera que a busca de alternativas à conformação
profundamente excludente e desigual do mundo moderno exige um esforço
de desconstrução do caráter universal e natural dado à sociedade capitalista-
-liberal, pois, devido à naturalização destas relações sociais, se torna difícil
a compreensão de seu caráter histórico e contingencial. O sociólogo afirma
que precisamos recorrer a outras perspectivas culturais, que nos permitam
desfamiliarizar-nos e, portanto, desnaturalizar a objetividade universal destas
formas de conceber a realidade.
É a partir desta compreensão que somos convidados, neste livro, a Ama-
zonizar. Povos indígenas e populações tradicionais da região sempre estabe-
leceram formas de sociabilidade e de relação com o meio ambiente muito
distintas aos modelos constituídos e impostos pela modernidade ocidental.
É uma Outra racionalidade. Não coincidentemente nos territórios e indígenas
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 13

e quilombolas, por exemplo, pode se observar muitas técnicas de produção


econômica baseadas no seu estilo de vida (para usarmos uma expressão da
modernidade) cujos resultados pautam-se na preservação ambiental. Suas
culturas têm muito a nos ensinar, apontando possíveis caminhos à superação
do dramático quadro social e ambiental que vivemos hoje.
Amazonizar representa acolher e aprender com esse conjunto de conhe-
cimentos desenvolvidos por estes povos e populações que produzem história
e cultura na Amazônia. Saberes que não podem mais ser ocultados, e dada a
urgência dos nossos tempos, precisam ser trazidos à baila e profundamente
debatidos e aprendidos. Neste livro, os esforços dos autores e autoras cami-
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nham neste sentido.


Corrêa e Hage (2011, p. 92) nos dizem o seguinte:

As populações tradicionais amazônidas desenvolveram as suas matri-


zes histórico-culturais em íntimo contato com o meio ambiente, com a
natureza, adequando os seus modos de vida às peculiaridades regionais
e oportunidades econômicas oferecidas pela floresta, várzea e rio, deles
retirando através de atividades extrativistas, da roça, da caça e da pesca,
os recursos materiais de sua subsistência. As práticas de cultivo desses
grupos não impedem o funcionamento do sistema regenerativo da floresta
e o impacto dos mesmos não ultrapassam os impactos provocados pelos
distúrbios naturais de pequena escala em tamanho, duração e frequência.

Portanto, amazonizar é um chamado à implementação de outros mode-


los econômicos, outros arranjos produtivos, outras formas de uso da terra,
onde o antropocentrismo seja superado, além de questionado, pois, como
afirma Solón (2019), esta visão antropocêntrica que já existia em sociedades
pré-capitalistas e que advoga a superioridade humana perante o restante da
natureza, cresceu exponencialmente após o desenvolvimento do capitalismo,
em especial, a partir da revolução industrial, e, com o neoliberalismo estamos
chegando a patamares que colocaram a vida do planeta sob profunda ameaça.
Leite (2019) nos diz que valorizar horizontes utópicos de outras formas
sociais não é expressão de impotência política, tampouco irracionalismo.
Trata-se de um resgate de bússolas indispensáveis para direcionar e estimular
novas e antigas lutas ao campo da esquerda, construindo perspectivas estra-
tégicas que ultrapassem o imediatismo, o economicismo e o pragmatismo de
um suposto realismo político.
Não se trata de inaugurar ou criar um novo modelo civilizatório, alter-
nativas sistêmicas já existem. Na Amazônia elas permanecem existindo, per-
maneceram apesar do colonialismo, da sanha imperialista, dos ditos modelos
de desenvolvimento, das incontáveis empreitadas genocidas que continuam a
ocorrer sobre seus povos, populações e seus territórios. Trata-se de reaprender,
14

reorganizar, (re)existir a partir de um diálogo intercultural com estes sistemas


culturais históricos, edificados inclusive como resistência ao capitalismo e ao
sistema-mundo moderno/colonial.
Streck (2012, p. 19) afirma que não se pode viver em outro mundo a
não ser aquele que foi herdado e do qual a conquista colonial fez parte, o
que implica o desenvolvimento da consciência de que não precisamos viver
ou desejar viver neste mesmo mundo da conquista e das independências do
século XIX. Em termos epistêmicos, o autor explica “importa dar visibilidade
a saberes encobertos pelos currículos oficiais e hegemônicos e dar ouvidos
às vozes silenciadas que constroem seus conhecimentos à margem em movi-

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mentos de sobrevivência ou resistência”.
O campo da educação formal precisa voltar-se, cada vez mais, a estas
reflexões e se refundar a partir destes marcos culturais, políticos e epistê-
micos, os quais, durante muito tempo, encobriu e contribuiu para dispersar.
Se a escolarização foi instrumento de invasão cultural e de conformação de
subjetividades voltadas às sociedades capitalistas, hoje ela é instada a auxiliar
nesta tarefa descolonizadora.
Neste sentido, amazonizar a educação não significa, de modo algum,
afirmar regionalismos educacionais, mas, na verdade, denunciar que “histórias
locais” foram universalizadas como “projetos globais”, como reflete Walter
Mignolo (2003), através de relações de poder e profunda violência. Agora, não
negando os legados positivos herdados desta tradição histórica, amazonizar a
escolarização conclama a reaprender o significado do que seja educação e suas
finalidades sociais, a partir dos marcadores culturais dos grupos e populações
que foram silenciadas por estas violências.
Amazonizar a educação formal representa estabelecer um diálogo inter-
cultural crítico com distintas matrizes culturais, em estrita consonância com
as realidades opressoras que historicamente os povos amazônidas estiveram/
estão submetidos, para então refletirmos sobre práticas formativas que nos
permitam, além de compreender os mecanismos de dominação implementados
pelo sistema-mundo moderno-colonial, qualificar-nos à luta política contra as
estruturar opressivas e exploratórias que ainda vigoram, na radicalidade que
ela exige, assumindo a luta anticapitalista, antirracista, antipatriarcal.
Este livro é um esforço dos docentes e discentes da linha de pesquisa Edu-
cação, Culturas e Diversidades do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Amapá – PPGED/UNIFAP em contribuir com todo este
debate, discutindo as problemáticas educacionais dos povos, grupos e populações
que formam a Amazônia amapaense, advogando a conformação de processos
educativos interculturais e críticos, a partir da região, e assumindo a produção
científica em educação como um mosaico em que diferentes tradições culturais
e epistemológicas contribuem para a compreensão e transformação da realidade.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 15

REFERÊNCIAS
CORRÊA, Sérgio; HAGE, Salomão. Amazônia: a urgência e necessidade da
construçãode políticas e práticas educacionais inter/multiculturais. Revista
Nera, ano 14, n. 18, jan/jun, 2011.

LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos.


In: LANDER, Edgardo (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e
ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, Argentina:
CLACSO, 2005.
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LEITE, Prefácio à edição brasileira. In: SOLÓN, Pablo (org). Alternativas


sistêmicas: bem viver, decrescimento, comuns, ecofeminismo, direitos da
mãe terra e desglobalização. São Paulo: Elefante, 2019.

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: da dependência a uma nova


situação colonial. In: CASTRO, Edna. Pensamento crítico latino-americano:
reflexões sobre políticas e fronteiras. Belém: Anablume, 2019.

MIGNOLO, Walter. Histórias locais/projetos globais: Colonialidade, saberes


subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Amazônia: encruzilhada civilizatória,


tensões territoriais em curso. Rio de Janeiro: Consequência, 2017.

SOLÓN, Pablo. Introdução. In: SOLÓN, Pablo (org). Alternativas sistêmi-


cas: bem viver, decrescimento, comuns, ecofeminismo, direitos da mãe terra
e desglobalização. São Paulo: Elefante, 2019.

STRECK, Danilo. Qual o conhecimento que importa? Desafios para o currí-


culo. Revista Currículo sem Fronteiras, v. 12, n. 3, p. 8-24, set./dez. 2012.
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PARTE I – EDUCAÇÃO
INTERCULTURAL NA AMAZÔNIA
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INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO
EM CONTRAPOSIÇÃO ÀS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS MONOCULTURAIS
Cirlene Damasceno Picanço
Arthane Menezes Figueirêdo
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Introdução

Este capítulo apresenta uma discussão sobre a temática Educação contra-


-hegemônica e as Práticas escolares, identificando os desafios de uma educação
intercultural e teve por finalidade trazer contribuições acerca da discussão em
torno da importância de uma educação intercultural, enfatizando a cultura
como forma de aumentar a relevância do processo educacional voltado a
uma formação humanizada e contra-hegemônica, em contraposição à insti-
tuição da homogeneização e padronização do ensino presente nas políticas
educacionais atuais.
A abordagem metodológica da presente pesquisa é de cunho qualitativo
e elaborada de acordo com o pensamento de Minayo (2015, p. 21), ao afir-
mar que “a pesquisa qualitativa corresponde a questões muito particulares,
nas ciências sociais, com nível de realidade que não pode e não poderiam
ser quantificáveis”. Nessa perspectiva, entendemos que o conjunto de fenô-
menos humanos, crenças, valores e atitudes, fazem parte da realidade social
que dificilmente serão traduzidos em números e indicadores quantitativos.
Quanto aos procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica foi
realizada a partir dos conceitos de cultura, interculturalidade e multicultura-
lidade presentes nas obras de autores como Candau (2016, 2019), Cortesão e
Stoer (1996), Cordeiro (2022), Coppete (2012), Fleuri (2018), Hage (2011),
Veiga-Neto (2003), dentre outros. A partir da conceituação, fora realizada
a leitura e analisados artigos de periódicos, além de capítulos de livros que
discutem a relação entre os conceitos abordados e as práticas pedagógicas.
O trabalho foi dividido em duas sessões, sendo a primeira, uma busca
em compreender os conceitos básicos de Culturas, Multiculturalismo e
Interculturalidade, e a segunda apresenta uma discussão sobre as práticas
pedagógicas da cultura escolar com foco na interculturalidade como possi-
bilidade para uma educação contra-hegemônica, que visa superar as práticas
pedagógicas monoculturais.
20

As concepções de culturas, multiculturalismo e interculturalidade:


aspectos históricos e educacionais

O interesse pelas questões culturais tem sido crescente, tanto no âmbito


acadêmico, político, educacional quanto nas questões da vida cotidiana.
Em qualquer desses contextos, a cultura manifesta-se como aspecto central
e com o intuito de contribuir para que se possa compreender o mundo. Vale
ressaltar que esta centralidade não a torna superior a outras epistemologias
tendo em vista que tudo que a envolve é social.
O termo cultura sofreu modificações quanto ao seu significado, princi-

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palmente no período de transição de formações sociais tradicionais para a
modernidade. Segundo Canen e Moreira (2001, p. 17-18), o primeiro e o mais
antigo significado de cultura encontram-se na literatura do século XV, em que
a palavra se refere ao cultivo da terra, de plantas e animais. No início do século
XVI, o conceito de cultivo da terra, de plantas e de animais, estende-se para
mente humana, pois fala-se em mente humana cultivada, chegando a concluir
que apenas alguns indivíduos, grupos ou classes sociais apresentariam a mente
e maneiras cultivadas, e que algumas nações apresentam elevado padrão de
cultura ou civilização, sendo consolidado o caráter classista da ideia de cul-
tura, no século XVIII, no qual somente as classes privilegiadas da sociedade
europeia aspirariam ao nível de refinamento, caracterizando-se como cultas.
A partir desta concepção, consolida-se também o sentido de cultura asso-
ciado às artes, onde as elites concebem a apreciação de músicas, teatro, pin-
tura, cinema, filosofia, esculturas etc., enquanto que as noções e concepções de
cultura popular, só foram definidas no século XX, acentuando as distorções e
tensões entre o significado de cultura elevada e cultura popular, estabelecendo
uma hierarquização entre culturas (Canen; Moreira, 2001).
De acordo com Cortesão e Stoer (1996) com o advento do iluminismo,
o sentido da palavra cultura passou a ser associada a um processo secular de
desenvolvimento social, tornando-se comum no âmbito das ciências sociais,
enveredando para a crença de um processo unilateral e histórico de autodesen-
volvimento da humanidade, o que se assemelhou a processos seguidos pelas
sociedades europeias, que se consideravam as únicas a atingirem o grau mais
elevado do desenvolvimento.
A partir de então, diversas concepções para o termo “cultura(s)” passaram
a ser criadas e conceituadas, de forma que, no contexto atual, existem vários
conceitos de cultura(s), que irão referir-se a diferentes modos de vida, valores
e de significados compartilhados por diferentes grupos e períodos históricos,
incorporando novas e diferentes possibilidades de sentido, podendo assim
nos referir a vários significados, como: cultura de massa, culturas indígenas,
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 21

culturas juvenis, culturas surdas, culturas negras entre outras, expressando a


diversificação e a singularidade que cada conceito comporta.
Os termos multiculturalismo e interculturalidade, por muitas vezes são
usados como sinônimos. Porém, existe uma diferenciação entre os dois,
segundo Candau (2019). Para esta autora, o multiculturalismo é empregado
para dar significado a uma realidade social, ou seja, refere-se à presença de
diferentes grupos culturais numa mesma sociedade, logo, o multiculturalismo
reconhece que cada grupo social e cada povo historicamente desenvolve uma
identidade cultural, bem como considera que cada cultura é válida em si
mesmo, na medida em que corresponde às necessidades e ao relativismo
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coletivo. Entretanto, também pode justificar a fragmentação ou a criação de


guetos1 culturais, que reproduzem desigualdades e discriminações sociais
(Fleuri, p. 36, 2018).
A interculturalidade, por sua vez, propõe a inter-relação entre diferentes
culturas, marcando uma reciprocidade, um processo dinâmico atravessado
pelas representações sociais construídas em interação, de forma que

A interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento


do direito à diversidade e a luta contra todas as formas de discriminação
e desigualdade social e tentam promover relações dialógicas e igualitária
entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes
(Candau, p. 56, 2019).

Trata-se, portanto, de um processo inacabado, em constante intenção de


promover uma relação dialógica e democrática entre as culturas e os grupos
envolvidos, não apenas uma coexistência pacifica num mesmo território.
Tavares e Gomes (2018), corroboram com o pensamento de Catherine
Walsh, que afirma “que a interculturalidade é diferente no que diz respeito
a complexas relações, negociações e trocas culturais, e procura desenvolver
uma interação entre pessoas, conhecimentos e práticas culturalmente diferen-
tes”, pois possui uma perspectiva para além de uma simples mistura, fusão
ou mesmo combinação de elementos tradicionais, característico de práticas
culturalmente diferentes.
Neste contexto, a interculturalidade apresenta uma dimensão incontes-
tável e importante para discussão e análise da atual realidade da sociedade,
tendo como basilar o processo dinâmico e permanente das relações entre cul-
turas, respeito mútuo, construindo entre os conhecimentos, saberes e práticas
culturalmente diferentes um desenvolvimento dando um novo sentindo entre
elas e na sua diferença.
1 Área de uma cidade ocupada por um grupo de raça, religião ou nacionalidade minoritária, que nela se
instalam por pressão econômica ou social. Qualquer grupo, estrato social ou modo de viver que resulte de
algum tipo de discriminação.
22

A interculturalidade, segundo Tavares e Gomes (2018, p. 55) configura-se,


por sua vez, como “uma tarefa social e política que interpela o conjunto da
sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta
criar modos de responsabilidade e solidariedade”, garantindo assim a convi-
vência de todos os seres humanos para além de uma dominação sociocultural.

A cultura escolar numa perspectiva intercultural como proposição


de superação das práticas pedagógicas monoculturais

Cultura e educação ao longo dos últimos três séculos, não tiveram seus

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conceitos questionados pela modernidade, de modo geral tem sido aceito o
conceito de cultura como o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia
produzido de melhor no âmbito artísticos, cientifico, filosófico, literário etc.,
ou seja, a cultura por tempos foi pensada como única e universal. Nesse sen-
tido, cultura “se referia àquilo que de melhor havia sido produzido; universal
porque se referia à humanidade, um conceito totalizante, sem exterioridade”
(Veiga-Neto, 2003, p. 7).
Imergida neste conceito, a modernidade passou a desenvolver uma episte-
mologia monocultural, isto é, a valorização de uma determinada cultura sobre
as demais que foi aplicado à educação, a partir do entendimento de que seria o
melhor caminho para atingir as formas mais elevadas da cultura, tendo como
exemplo as conquistas já realizadas pelos grupos socias considerados mais
cultos, processo que instaura uma cultura escolar baseada na superioridade
das sociedades hegemônicas (Veiga-Neto, 2003). O atual modelo hegemônico,
além de se converter a um processo monocultural do conhecimento, também
tenta instaurar a monocultura das mentes2, estabelecendo a ideia de um pen-
samento único e padronizado, vai de encontro com a diversidade e pluralidade
cultural de uma determinada sociedade. Para Camargo et al. (2022), “numa
perspectiva hegemônica, a educação e os currículos se vincularam aos pro-
jetos de colonização e se mantiveram entre as cercas das ideias e das linhas
estabelecidas pelo pensamento abissal3 criado pela modernidade”.

2 Vandana Shiva (2002) diz que a monocultura inicia-se na mente para só depois chegar ao solo. Isso ocorre
quando um grupo ou um sistema se autodetermina superior, sobretudo em termos de conhecimento e
cultura, e crie mecanismos para imprimir em outras sociedades as formas de pensar e de estar no mundo.
A principal ameaça à vida em meio à diversidade deriva do habito de pensar em termos monoculturas, o
que chamei de ‘monocultura das mentes’. As monoculturas da mente fazem a diversidade desaparecer da
percepção, e consequentemente do mundo.
3 Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que estas últimas fundamentam as primeiras.
As distinções invisíveis são estabelecidas por meio de linhas radicais que dividem a realidade social em dois
universos distintos: o “deste lado da linha” e o “do outro lado da linha”. A divisão é tal que “o outro lado da
linha” desaparece como realidade, torna-se inexistente e é mesmo produzido como inexistente. A caracte-
rística fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença dos dois lados da linha. O
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O termo hegemonia, ressaltado por Gramsci (apud Silva 2016, p. 4), refe-
re-se à “capacidade de direção, não apenas à capacidades da classe dominante
de subordinarem as classes inimigas por meio da violência jurídico-estatal,
mas também à sua capacidade simultânea de direção com a primazia do con-
senso sobre o uso da força direta”, ou seja, ela é usada de forma a equilibrar
força e direção.
Atualmente, existe uma desconexão entre cultura escolar e cultura social
de referência dos alunos e alunas, que segundo Candau (2019) refere-se em
geral ao fato de que a cultura escolar apresenta um caráter monocultural, que
contribui para o engessamento em uma cultura homogeneizada, pouco per-
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meável ao contexto em que está inserida, aos universos culturais das crianças
e jovens a que se destina e desqualifica a multiculturalidade presente nas
diversas sociedades.
Apple (1989) afirma que as escolas ajudam a manter o caráter mono-
cultural pois,

Ajudam a manter o privilégio por meios culturais, ao tomar a forma e


o conteúdo da cultura e do conhecimento dos grupos de maior poder e
defini-los como um conhecimento legítimo a ser preservado e transmitido
a todos na sociedade. Atuando como agentes no processo de “tradição sele-
tiva”, as escolas são também agentes no processo de criação e recriação de
uma cultura dominante eficaz. Elas ensinam normas, valores, disposição e
uma cultura, que contribuem para a conquista da hegemonia na sociedade,
(Apple, 1989, p. 45 apud Hage, 2011, p. 72)

Nesse sentido, a escola apresenta uma enorme dificuldade de incorporar


os avanços do desenvolvimento científico e tecnológico, diferentes formas de
aquisição do conhecimento, bem como as diversas expressões culturais pre-
sentes de modo especial nas novas gerações e dos diferentes grupos culturais.
Partindo deste pressuposto, a escola precisa estar vinculada “à perspectiva de
avanço do processo de emancipação humana e social” (Hage, 2011, p. 73)
para que as pessoas consigam ampliar suas capacidades de compreensão da
realidade. A sala de aula é, presumidamente, lugar que se aprende e se ensina,
ou seja, um espaço de lidar com o conhecimento como forma de construir
significado, proporcionar reflexões, construir interesses sociais, porém, para
Gimeno Sacristán (1995 apud Candau, 2019, p. 52):

A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de deter-


minados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem

universo “deste lado da linha” só prevalece na medida em que esgota o campo da realidade relevante: para
além da linha há apenas inexistência, invisibilidade e ausência não-dialética.
24

poucas vezes a cultura popular, as subculturas dos jovens, as contribuições


das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais, e dos povos desfavore-
cidos (exceto os elementos de exotismo), o problema da fome, do desem-
prego ou dos maus-tratos, o racismo e a xenofobia, as consequências do
consumismo e muitos outros temas problemas que parecem “incômodos”.
Consciente e inconscientemente se produz um primeiro velamento que
afeta os conflitos sociais que nos rodeiam quotidianamente.

Para o rompimento de uma educação monoculturalista, faz-se neces-


sário e urgente considerar o papel da escola, em que esta não seja “apenas
de transmitir um determinado conhecimento, e sim de se comprometer com

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atitudes que favoreçam a produção e a (re)significação dos saberes e dos
conhecimentos dos diferentes grupos sociais” (Silva; Rebolo, 2017, p. 181).
A escola possui um grande desafio para o desenvolvimento de um traba-
lho com a diversidade e sua transformação em aliados pedagógicos, ou seja,
desenvolver de forma ativa a heterogeneidade, com o intuito de legitimar as
diferenças valorizando o outro, pois a abordagem em uma educação intercul-
tural consiste em auxiliar as pessoas a aprenderem e compreenderem o uni-
verso do outro, através de uma ótica diferenciada, proporcionando mudanças
cognitivas e emocionais.
A relação intercultural indica uma situação em que pessoas de culturas
diferentes interagem, pois, um traço da relação intercultural é a intencio-
nalidade, reciprocidade e trocas entre sujeitos de diferentes culturas. Nesta
perspectiva a interculturalidade, torna-se uma alternativa contra-hegemô-
nica que, para Romão (2003), é definida como sendo “aquelas orientações
que não apenas não conseguiram se tornar dominante, mas que buscam
intencional e sistematicamente colocar a educação a serviço de forças que
lutem para transformar a ordem vigente visando a instaurar uma nova forma
de sociedade”, possibilitando assim criar uma base de entendimento que
considere cada especificidade.
Fleuri (2018), faz três distinções entre uma proposta de educação multi-
cultural e da educação intercultural, a primeira é a intencionalidade que motiva
a relação entre os diferentes grupos culturais, onde o educador constrói um
projeto educativo com intenção de promover a relação entre pessoas diferentes.
A segunda distinção refere-se aos diferentes modos de se entender a relação
entre culturas e práticas educativas, pois, educadores e educandos não reduzem
outra cultura a um objeto de estudo, mas passam a considerar como modo
próprio de um grupo social interagir com a realidade. A terceira distinção,
diz respeito à ênfase nos sujeitos da relação, valoriza propriamente os sujeitos
que são criadores e sustentadores das culturas, promovendo a relação entre
as pessoas, enquanto membros de sociedades históricas.
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A educação intercultural, portanto, não pode ser limitada a um conjunto


de atividades esporádicas sem interação com o currículo escolar, como uma
série de palestras, espetáculos musicais, comidas, danças, vídeos etc. sobre
diferentes culturas; também não deve ser apenas um conjunto de atividades
ou um currículo específico, dirigido exclusivamente a determinado grupos
socioculturais e/ou escolas onde há uma presença significativa de alunos “dife-
rentes”, tornando-se uma abordagem da educação compensatória; e por fim,
não deve ser uma preocupação exclusiva de determinadas áreas curriculares
(Candau, 2019).
De acordo com a autora, é preciso um enfoque global que afete a
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cultura escolar e a cultura da escola como todo, todos os atores e todas as


dimensões do processo educativo, do contrário recai-se no reducionismo
realizando atividades em momentos específicos, focando em determinados
grupos sociais ou determinadas áreas curriculares. Nessa direção, percebe-
mos que uma educação pautada na interculturalidade tem se apresentado
como uma nova tendência de um processo educativo plural e pautado na
valorização das diferenças culturais, e que combate a educação que se apre-
senta isenta de sentido crítico, político, construtivo e de transformação.
Coppete (2012) destaca duas perspectivas teórico-epistemológicas diferentes
nos processos educativos:

De um lado estão aquelas que reduzem as relações interculturais indivi-


duais, desconsiderando os contextos sócio-políticos de subalternização.
De outro, sugere perspectivas de interculturalidade crítica que aponta para
a descolonização do saber, do poder, do ser e do viver. Essa perspectiva
conclama a elaboração e mobilização de formas de saber, poder, ser e viver
que garantam a convivência de todos os seres humanos (2012, p. 206).

A partir desta perspectiva a interculturalidade apresenta significado,


impacto e valor, pois como ação ou processo busca-se intervir na estrutura
da sociedade de forma a não inferiorizar as relações, pois ela contempla uma
abordagem emancipatória, construída através da percepção da multiplicidade
de olhares, nas relações e interações de culturas diversas.
Diante dessas questões, observamos que é na escola que crianças, jovens
e adultos podem interagir de maneira criativa, a fim de compartilhar experiên-
cias e processos formativos. A escola contribui ainda, para que os sujeitos ou
grupos modifiquem o seu horizonte de compreensão da realidade na medida
em que lhe possibilita compreender pontos de vistas diferentes da interpretação
da realidade em que estão inseridos.
A educação intercultural, portanto, é um processo cuja premissa
básica reside na promoção deliberada de inter-relações críticas e solidárias
26

entre distintos grupos culturais existentes em uma determinada sociedade.


Tal perspectiva concebe as culturas um contínuo processo de construção e
reconstrução, ou seja, um permanente processo de elaboração e compreensão
de suas raízes como processo histórico e dinâmico, desta não fixando as
pessoas em um determinado padrão cultural. Vale ressaltar que esta perspec-
tiva crítica não desvincula as questões das diferenças e das desigualdades
existentes, tanto em nível mundial, quanto em cada sociedade em particu-
lar, ela é “focada na descolonização do saber, do poder, do ser e do viver”
(Coppete, 2012, p. 212).
Dessa forma, a educação numa perspectiva intercultural consegue criar

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contextos educativos capazes de oportunizar a integração e a interação,
tanto criativa, quanto cooperativa, crítica e afetiva entre sujeitos diferentes,
em diferentes contextos sociais e culturais. Esta relação baseia-se na troca e
na reciprocidade entre as pessoas, pois amplia o olhar sobre o pedagógico a
partir da interação entre experiências realizadas em distintos espaços.

Considerações finais

Neste artigo buscamos traçar um debate acerca da importância de uma


educação intercultural, para a construção de uma educação mais justa e igua-
litária, com ênfase na diversidade cultural, na construção de uma escola vol-
tada para uma formação humanizada, que consiga superar a instituição da
homogeneização e padronização do ensino presente nas políticas educacionais
atuais. Nossa preocupação esteve centrada no debate sobre a temática, pois a
mesma se apresnta de forma urgente no âmbito acadêmico, social e político.
A leitura dos textos utilizados para a construção deste trabalho nos pos-
sibilitou uma compreensão sobre a importância de possibilitar uma educação
dentro da perspectiva intercultural, traçando concepções acerca de cuturas,
multiculturalismos e interculturalismo, bem como identificando a educação
intercultural como geradora de sensibilidade a partir da reflexão das trocas
entre as pessoas, com o objetivo de construir uma educação emancipatória.
A discussão sobre a educação intercultural é uma necessidade para a
sociedade que, cada vez mais traz à tona seu caráter multicultural e onde dife-
rentes grupos socioculturais conquistam maior espaço nos cenários públicos
como a escola. A educação na perspectiva intercultural, portanto, apresenta-se
como conceito de extrema potência contra-hegemônico, uma vez que foca
em uma construção de uma sociedade plural, democrática e humana, capaz
de articular políticas de igualdade com políticas de identidade.
Nesse sentido, a educação intercultural em sua complexidade, propor-
ciona um repensar aos diferentes aspectos e componentes dos sistemas de
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ensino, na qual a escola tem função relevante de reconhecer, dar valor e poder
a todos os sujeitos socioculturais, no sentido de reconhecer a diferença cultural
como expressão positiva.
Para tanto, a escola deve realizar um trabalho que vise o desenvolvimento
de ações que dialoguem com diversos conhecimentos e saberes, diferentes
linguagens, distintas estratégias e recursos pedagógicos, percebendo e esti-
mulando o reconhecimento das diferenças sociais, em defesa dos direitos de
todos/as/es, evitando preconceitos e discriminações, oportunizando a cons-
trução de uma sociedade melhor, com respeito à diversidade sociocultural.
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A DISCUSSÃO DA EDUCAÇÃO
INTERCULTURAL NA PERSPECTIVA
DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA
INFÂNCIA: uma revisão de literatura
Daniele Pelaes Damasceno
Ângela do Céu Ubaiara Brito
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Introdução

O presente trabalho trata de discussões acerca da Educação Intercultural


enquanto um componente crucial nos processos de mudança e transformação
social, com foco na construção do reconhecimento dos sujeitos, por meio
da utilização de práticas conscientes e intencionais frente às discussões da
Educação Sexual e Violência Sexual na infância.
A questão que norteia a discussão parte de investigar quais pesquisas
acadêmicas estão abordando sobre práticas acerca da temática da violência
sexual e como a concepção intercultural aparece nas práticas analisadas com
o foco na infância? Os objetivos estão focados em: averiguar pesquisas que
abordam sobre práticas acerca da temática da violência sexual na perspectiva
intercultural e refletir sobre a abordagem da educação intercultural para ensino
e prevenção da Violência Sexual na infância.
A metodologia situa-se em abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico
em seu caráter exploratório-descritivo. Para tanto, o presente trabalho tem
a intenção de direcionar as buscas, reflexões e discussões acadêmicas mais
recentes e relevantes sobre as temáticas que são foco da investigação.

A relação entre a Interculturalidade crítica e a Educação Sexual

A presente discussão se aprofunda na perspectiva crítica da intercultu-


ralidade, como um instrumento ético e político nas práticas educacionais,
haja vista, que tal componente é compreendido como indicador de caminhos
possíveis para a valorização e reconstrução de práticas para a diversidade
cultural, ou seja, uma educação capaz de compreender e respeitar os corpos
e suas complexidades individuais e coletivas.
Para tanto, entende-se em sua perspectiva crítica, como uma ação e/ou
um projeto que visa intervir na reconstrução das estruturas da sociedade que
32

promovem a exclusão, a inferiorização e a desumanização de corpos e conhe-


cimentos. Assim, Coppete (2012), expõe que a interculturalidade crítica é:

[...] abordagem traduz a reivindicação de povos e grupos sociais his-


toricamente subalternizados; representa também setores de luta a eles
associados, na construção de uma sociedade justa, equitativa, igualitária
e plural. Trata-se, portanto, de um projeto de vida que implica formas de
viver e estar neste mundo; um projeto político, social, ético e epistêmico
(Coppete, 2012, p. 207).

Cabe então, enquanto prática educacional, baseada na interculturalidade

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crítica, às ações de refletir e agir intencionalmente, com foco no reconheci-
mento dos sujeitos e suas mazelas em justiça e equidade social, especialmente
no ocultamento das violações de seus corpos. Para tanto, Candau e Russo
(2010) afirmam que:

[...] a perspectiva intercultural no âmbito educativo não pode ser reduzida


a uma mera incorporação de alguns temas no currículo e no calendário
escolar. Trata-se, de modo especial, da perspectiva crítica, que conside-
ramos ser a que melhor responde à problemática atual do continente lati-
no-americano, de uma abordagem que abarca diferentes âmbitos – ético,
epistemológico e político -, orientada à construção de democracias em que
justiça social e cultural sejam trabalhadas de modo articulado (Candau;
Russo, 2010, p. 167).

Nesse sentido, entende-se que a interculturalidade em educação não


pode ser separada das problemáticas sociais e políticas vivenciadas pela
infância, sendo a escola um local essencial para a apropriação dessa estra-
tégia ética e política, pois Candau (2013, p. 253) reafirma que “a escola
tem um papel importante na perspectiva de reconhecer, valorizar e empo-
derar sujeitos socioculturais subalternizados e negados”, especialmente
por ser capaz de explorar as diversas estratégias pedagógicas para com-
bater toda forma de preconceito, discriminação e violação entre os sujei-
tos multiculturais.
Entende-se porquanto, que a educação intercultural tem o poder de impul-
sionar mudanças e avanços nas práticas pedagógicas, por compreender a inten-
ção de cada ação e debate exposto em sala de aula, com foco em considerar
as exclusões históricas e atuais de corpos desumanizados.
A partir de tal concepção, elenca-se as discussões e práticas da Edu-
cação Sexual na perspectiva da Violência Sexual, pois ainda há escassez e
receios, especialmente quando se trata da sexualidade na infância. Outrossim,
a abordagem, as conversas e as informações relacionadas à sexualidade são
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amplamente proibidas para crianças. Além disso, muitos pais e professores


evitam dialogar e responder às perguntas dos pequenos devido ao constran-
gimento ou a fatores culturais (Sanderson, 2005).
Nesse sentido, à luz da concepção intercultural, Coppete (2012) afirma
que no âmbito educacional, a interculturalidade tem o poder de agir e reagir
como uma ação contínua de intervenção diante de movimentos sociais comple-
xos, a partir das intervenções e interações “entre sujeitos e sua diversidade, de
maneira que promova atitudes abertas ao confronto” (Coppete, 2012, p. 202),
para capacitar as pessoas, mesmo diante de conflitos em temáticas estereoti-
padas, a entenderem e apropriarem-se dos códigos/saberes que outrora lhes
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foram negados.
Mais ainda, a interculturalidade crítica aparece como projetos intercultu-
rais para articular políticas educativas e práticas pedagógicas comprometidas
com o princípio da não discriminação e voltadas à desconstrução de subalter-
nidades, à emancipação e à liberdade, e também está à frente de discussões
que foram historicamente excluídas e colonizadas. De modo que abordar sobre
o corpo, sexualidade, violações sexuais e até mesmo sobre a infância foi-nos
negado o acesso ao conhecimento por muitos períodos históricos, por isso a
prática intercultural se apresenta como uma crítica à “construção de e a partir
das gentes que têm sofrido um histórico de submissão e subalternização”
(Walsh, 2009, p. 9).
Haja vista que a Educação Sexual é um processo que visa promover o
desenvolvimento de recursos e conhecimentos educacionais relacionados
à sexualidade, a qual envolve um conjunto de estratégias que auxiliam na
prevenção e enfrentamento da violência sexual. Através da educação sexual,
são abordados aspectos individuais e coletivos relacionados ao corpo, aos
sentimentos e comportamentos individuais e coletivos. Essa abordagem busca
fornecer ferramentas e informações que contribuam para a promoção de rela-
ções saudáveis, respeitosas e consensuais, além de fortalecer e capacitar as
crianças a protegerem-se contra a violência sexual.
Para Figueiró (2010), a Educação Sexual define-se:

[...] como sendo toda ação ensino-aprendizagem sobre a sexualidade


humana, seja no nível do conhecimento de informações básicas, seja
no nível do conhecimento e/ou discussões e reflexões sobre valores,
normas, sentimentos, emoções e atitudes relacionadas à vida sexual
(Figueiró, 2010, p. 3).

Assim, a Educação Sexual ministrada nas escolas promove aprendizagens


fundamentais para a formação cidadã no sentido crítico e conscientizador de
saberes complexos e reais da sociedade, e ao mesmo tempo em que cria um
34

ambiente seguro, baseado em relações de confiança e comunicação entre os


educadores e outros profissionais da instituição escolar. Nesse contexto, é
crucial investir e implementar ações preventivas contra a violência sexual
infantil principalmente por meio da educação, da sensibilização e da promo-
ção da autodefesa.

Análise e Resultados: as práticas interculturais para a abordagem


da temática da Violência Sexual na infância

Com base no caráter exploratório-descritivo da pesquisa bibliográfica,

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a análise do presente trabalho dedicou-se em atender ao objetivo: averi-
guar pesquisas que abordam sobre práticas acerca da temática da violência
sexual na perspectiva intercultural. As buscas ocorreram em três (3) plata-
formas de artigos, dissertações e teses acadêmicas, sendo: SciELO Brazil,
Catálogo de dados e teses da CAPES e na Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações, utilizando o descritor: “Violência Sexual Infantil”
que se encontrassem na área de Ciências Humanas, de modo que ao total
foram selecionados 58 trabalhos, sendo que todos passaram pela primeira
triagem, mas que somente 4 trabalhos atendiam ao objetivo de busca, sendo
três (3) dissertações e uma (1) tese, com base nos seus objetivos, metodo-
logias e resultados.
Vale destacar que a estrutura de organização dos dados está baseada
na bibliografi a sistemática de Morosini, Santos e Bittencourt (2021)
as quais afirmam que esse processo é essencial para a “[...] identificação,
registro e categorização que levem à reflexão e síntese sobre a produção
científica de uma determinada área, em determinado espaço de tempo,
congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática
específica” (Morosini; Santos; Bittencourt, 2021, p. 23). O quadro 1 apre-
senta os trabalhos selecionados.
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Quadro 1 – Bibliografia sistematizada
Tipo de
ANO Autor Título Objetivos Resultados
Documento
Como resultado, foi possível observar que as
Sheila
Contação de histórias como Compreender como esse tipo de literatura (Livros de crianças que participaram das intervenções com
Maria
2014 Dissertação estratégia para a prevenção do Abordagens Preventiva- LIAP) pode auxiliar crianças a se o livro específico sobre abuso sexual obtiveram
Prado
abuso sexual infantil protegerem do abuso sexual infantil. desempenho geral superior em comparação ao
Soma
desempenho das crianças dos outros grupos.
Avaliar se o jogo “Trilha da Proteção” pode ser considerado um O somatório dos pontos pelo sistema LORI 1,5
Análise do jogo “trilha da
objeto de aprendizagem para crianças no ensino fundamental correspondeu a mais de 85% da pontuação total.
Fabricio proteção”- como auxiliar na
2017 Dissertação (de 6-12 anos) na temática da violência sexual contra a Foi, portanto, considerado um resultado muito
Meyer diminuição da vulnerabilidade para
infância de acordo com a metodologia Learning Object Review satisfatório, podendo classificá-lo de Objeto de
a violência sexual infantil
Instrument 1.5 (LORI). Aprendizagem.

Compreender as principais contribuições da pedagogia


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feminista para o enfrentamento da violência sexual infantil no


Os resultados apontam ainda a ausência do viés
território escolar na perspectiva da pesquisa-intervenção. Os
Pedagogia feminista no território interseccional nas práticas pedagógicas quanto às
Laís objetivos específicos consistiram em: caracterizar o fenômeno
escolar: devires cartográficos no categorias de gênero, raça, classe, sexualidade etc.,
2020 Dissertação Oliveira da violência sexual infantil e suas principais implicações
enfrentamento da violência sexual demandando reinvenções. Assim, o coletivo vê na
Abreu nas infâncias das crianças; mapear ações pedagógicas,
infantil Cartografia de Afetos uma possibilidade de ação
ancoradas na pedagogia feminista, que contribuam para a
concreta no território escolar.
prevenção da violência sexual infantil no território escolar e
construir colaborativamente uma cartografia de afetos.
Como resultado, percebemos que o questionário
Investigar teoricamente a temática proposta, além de elaborar,
gamificado possibilitou o envolvimento das crianças
Rita De Prevenção da violência sexual aplicar e avaliar um questionário gamificado, averiguando
com o tema da Prevenção da Violência Sexual
Kássia infantil: desenvolvimento e estudo sua viabilidade e suas incompletudes enquanto ferramenta
2022 Tese Infantil, o que corrobora com a hipótese inicial, a de
Cândido de viabilidade de um questionário para desenvolver habilidades autoprotetivas em crianças,
que um instrumento construído a partir de recursos
carneiro gamificado sobretudo no que se refere à identificação de situações
tecnológicos pode contribuir para a construção de
abusivas e à busca por ajuda em casos de perigo.
habilidades autoprotetivas.
Fonte: Dados da pesquisadora, 2023.
35
36

A pesquisa de Soma (2014) tem como intuito compreender como a litera-


tura infantil pode auxiliar como prática de ensino sobre a temática da violên-
cia sexual, desse modo, a autora subdivide seu trabalho em três (3) estudos:
primeiro com uma revisão sistemática da literatura científica sobre estudos
analisando tais LIAPS por critérios pré-estabelecidos; o segundo estudo ava-
liou as LIAPs de autores brasileiros sobre abuso sexual infantil, utilizando
critérios estabelecidos na literatura, na tentativa de determinar seu potencial
na prevenção do abuso sexual infantil e o terceiro foi um estudo empírico
onde o tema central do trabalho foi avaliar a eficácia da contação de histórias
como meio de aquisição de habilidades de autoproteção frente ao abuso sexual

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entre crianças com uma turma do ensino fundamental, utilizando a contação
de histórias como estratégia para prevenção e formação da temática.
Assim, Soma (2014) apresenta resultados comparativos entre as crianças que
participaram das intervenções utilizando o livro infantil “O segredo da tartanina”
aos que não tiveram esse contato, afirmando que a literatura infantil é uma prática
eficaz para ensinar habilidades protetivas. Nesse sentido, infere-se a perspectiva
intercultural na intenção da pesquisa em oferecer informações a respeito da posse
e consciência do corpo, bem como o ensino acerca dos tipos de toque afetivos
ou abusivos, para não perpetuar estereótipos nas discussões, de modo a auxiliar
as crianças de maneira respeitosa a se protegerem da violência sexual.
Mayer (2017) apresentou uma proposta apostando nos jogos e no lúdico
como ferramentas pedagógicas, o qual buscou avaliar se o jogo “Trilha da Prote-
ção” poderia ser considerado um objeto de aprendizagem para crianças no ensino
fundamental (de 6-12 anos) na temática da violência sexual contra a infância
de acordo com a metodologia Learning Object Review Instrument 1.5 (LORI).
Nesse sentido, de acordo com o autor, deve-se considerar a utilização de estraté-
gias modernas no processo de aprendizagem, pois as avaliações da metodologia
utilizada no jogo foram consideradas satisfatórias pelos avaliadores. A intercul-
turalidade fora encontrada no trabalho nos aspectos que enfatizam a importância
da criatividade, do desenvolvimento da sensibilidade, da busca pela afetividade
e empoderamento dos corpos, para oferecer aos futuros educadores e alunos
experiências lúdicas e vivências corporais que se baseiam na interação entre o
pensamento e a linguagem, tendo no jogo uma fonte dinâmica e inspiradora.
Abreu (2020) destacou em sua pesquisa, as ações e compreensões dos pro-
fessores e coordenação pedagógica de uma escola, a qual buscou compreender as
contribuições da pedagogia feminista para o enfrentamento da violência sexual
infantil no território escolar na perspectiva da pesquisa-intervenção, utilizando
um trabalho de construção colaborativo por meio da cartografia, pois a mesma
cita que a Cartografia de Afetos é uma possibilidade de ação concreta no território
escola, haja vista que a perspectiva intercultural aparece na tentativa de enfrentar
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 37

a dureza e tabus que permeiam o ensino para enfrentamento da violência sexual


infantil: gênero, sexualidade, educação sexual dentro do ambiente escolar.
Carneiro (2022) apostou na busca de respostas acerca da viabilidade
de um questionário gamificado, com nome de “Joy e Mia”, um questionário
gamificado que visa orientar as crianças sobre procedimentos a serem toma-
dos em situações de perigo para trabalhar a Prevenção da Violência Sexual
Infantil com crianças entre 9 e 10 anos, a qual evidencia a viabilidade da
utilização de recursos tecnológicos como instrumento eficaz para o ensino
da Prevenção da Violência Sexual Infantil e também para a construção de
habilidades autoprotetivas. Assim, a perspectiva crítica da interculturalidade
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está nas ações intencionais dos criadores do questionário, a fim de abordar


questões que transpõe a descoberta e interação entre os envolvidos.
As pesquisas analisadas apresentam possibilidades de práticas inter-
culturais para a abordagem da temática da Violência Sexual na Infância, por
compreenderem a necessidade de capacitar os indivíduos, mesmo em situa-
ções desafiadoras, a compreenderem e internalizarem os códigos que lhes
foram anteriormente negados, afinal, segundo Coppete (2012), tais práticas
interculturais não envolvem apenas a descoberta de si mesmo e do outro, mas
também a adoção de ações pensadas e interativas, baseadas no respeito, na
solidariedade, na afetividade e na perspectiva de justiça e equidade social.

Considerações finais
A interculturalidade foi explorada nesta pesquisa como uma concepção
capaz de possibilitar conhecimentos e apropriações de debates que persistem
em ser excluídos do currículo escolar, para tanto, a presente pesquisa dedi-
cou-se em apresentar investigações cujas ações abordassem práticas de ensino
intencionais, interativas e respeitosas para desenvolvimento de habilidades
para lidar com a diversidade cultural de forma construtiva.
Vale destacar que a interculturalidade é um processo contínuo de apren-
dizado e transformação, na busca de promover espaços de troca e colaboração
entre diferentes culturas, que capacita as pessoas a reconhecerem e valorizarem
suas vivências individuais e coletivas, mesmo naquelas temáticas e vivên-
cias que ainda carregam estereótipos, preconceitos e discriminação, como na
inclusão da Educação Sexual na perspectiva da Violência Sexual na infância.
Além disso, sabe-se que a escola deve ter consciência de que seu papel
é abranger, na educação, debates que abordem questões da sexualidade rela-
cionada à vida, à saúde e ao bem-estar, à prevenção de quaisquer violações
contra dignidade humana, afinal, é necessário que implementem ações que
não ignorem os riscos possíveis que a criança poderá vivenciar, mas sim
ensiná-las e empoderá-las para lidar com tais questões.
38

REFERÊNCIAS
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artigo/767/textoCompleto. Acesso em: 28 jun. 23.


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EDUCAÇÃO MUSICAL
INTERCULTURAL: reflexões sobre
a formação docente em música
Raisa Ribeiro de Souza
Albert Alan de Sousa Cordeiro
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Não aguento ser apenas um sujeito que abre


portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,
que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Manoel de Barros

Introdução

Trouxemos na epígrafe deste trabalho os versos de Manoel de Barros,


porque o poeta nos provoca a questionarmos práticas historicamente instituí-
das e automatizadas. Ele nos convida à realização de coisas novas, a renovar
nossa humanidade. Este é também, amiúde, o intuito deste texto.
Este trabalho tem o objetivo de compreender como a perspectiva intercul-
tural pode contribuir na formação docente em música e refletir sobre práticas
pedagógicas musicais que rompam com modelos canonizados de ensino, que
em seu cerne trazem vinculações com o colonialismo. Conclamamos para a
renovação da prática de ensino em que o Outro tenha lugar de enunciação
e (re)conhecimento. O texto foi construído a partir das leituras e reflexões
oportunizadas ao longo da disciplina Educação, Culturas e Diversidades,
componente curricular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uni-
versidade Federal do Amapá – PPGED/UNIFAP.
Quanto a organização, o capítulo conta com duas seções teóricas, além
desta introdução. Inicialmente debatemos os conceitos referentes à intercul-
turalidade e educação intercultural. Na segunda seção discorremos sobre a
formação docente em música a partir da perspectiva da interculturalidade.
Finalizamos com nossas considerações finais.
42

Esperamos que este texto apresente alguns indicativos à construção de


processos educativos de ensino de música interculturais, em que a diversidade
de sujeitos e mundos musicais sejam reconhecidos e os processos de opressão
que envolvem o campo cultural sejam compreendidos e combatidos.

Interculturalidade e Educação Intercultural

No mundo contemporâneo, em que prevalece o cenário da globalização


neoliberal, tem sido recorrente o discurso sobre o papel das tecnologias da
informação e comunicação na supressão de fronteiras e viabilização da inte-

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ração cultural. Entretanto, autoras como Silva e Brandim (2008) tem revelado
o caráter opressivo deste fenômeno às identidades culturais, pois partem do
pressuposto que globalizar, nesta perspectiva, pode significar homogeneizar,
diluindo identidades e apagando as marcas das culturas ditas inferiores pelas
narrativas hegemônicas.
É neste contexto, conforme as autoras, que surge um movimento
teórico e de prática social que defende a convivência das diferenças, em que
a unidade humana é a base, a partir da existência da diversidade cultural, o
Multiculturalismo. Este surge nos Estados Unidos, a partir dos movimentos
sociais de defesa dos direitos de minorias étnico-culturais e, simultaneamente,
com a proposta de abordagem curricular avessa ao preconceito e discriminação
no espaço escolar. Este extrapola territórios e fronteiras e chega no Brasil na
década de 1980, a partir da redemocratização política (Silva; Brandim, 2008).
Queiroz (2017), ressalta que a discussão sobre multiculturalismo fez
emergir um movimento acadêmico abrangente e polissêmico sobre a multi-
culturalidade. Desta maneira, Silva e Brandim (2008), sustentam, a partir da
obra de Peter McLaren (1997), as quatro vertentes do Multiculturalismo, sendo
elas: conservadora ou empresarial, humanista liberal, liberal de esquerda,
crítica e de resistência. Resumindo:

[...] a vertente conservadora ou empresarial sustenta a ideia de que o déficit


cultural dos grupos não-brancos pode ser superado com a ajuda dos grupos
culturais brancos, em prol de uma cultura comum, padronizada [...] A ver-
tente humanista liberal por “ingenuidade” ou “idealismo” ressalta a existên-
cia de uma igualdade natural entre as diversas etnias, sem se preocupar em
evidenciar a falta de oportunidades iguais em termos sociais e educacionais.
A vertente liberal de esquerda é a favor da pluralidade cultural, acreditando
que a igualdade racial contribui para acumular a diversidade. [...]. Quanto
à vertente crítica e de resistência, trata a questão da diferença a partir da
dimensão política, considerando-a sempre como resultado da história, da
cultura, do poder e da ideologia (Silva; Brandim, 2008, p. 62-63).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 43

No entanto, observou-se que, historicamente, o conceito, em suas diversas


posições ou vertentes, não argui devidamente sobre o isolamento e a hierar-
quização que estão na base das diferenças humanas e da diversidade cultural.
Tanto que, para Walsh (2009, p. 20), o multiculturalismo “é uma estratégia
política funcional ao sistema/mundo moderno e ainda colonial” e analisa ele
como parte de um projeto para a “recolonialidade”.
Dussel (2016) alerta que, politicamente, o Estado liberal multicultural,
tal como está institucionalizado, é a expressão da cultura ocidental e restringe
a possibilidade de sobrevivência das demais culturas. Já para Flores (2009),
o multiculturalismo não acrescenta nada aos debates culturais vivenciados
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hoje, pois partem de um ponto de vista universalista abstrato.


Fleuri (2018, p. 37) afirma que “para além da posição reducionista entre
o monoculturalismo4 e o multiculturalismo surge a perspectiva intercultural”,
que advém de um contexto de lutas dos movimentos sociais, reconhecendo a
identidade cultural e que busca desenvolver a interação e a reciprocidade entre
cada grupo, a qual Candau (2012) conceitua como a deliberada inter-relação
entre as diferentes culturas.
Para Walsh (2009), a interculturalidade é o termo usado para se denun-
ciar os discursos, políticas, estratégias de corte multicultural-neoliberal, e
ressalta a diferenciação substancial que há entre a interculturalidade funcio-
nal e a interculturalidade crítica, em que a primeira não questiona o modelo
neoliberal, enquanto a segunda é compreendida como projeto político, social
epistêmico e ético que busca suprimir a assimetria social e cultural por meios
políticos não violentos.
Neste entendimento, Josef Estermann (2009) propõe uma filosofia inter-
cultural crítica que permita não sermos capturados pelo discurso pós-moderno
do diálogo e do respeito, e sim da verificação de uma assimetria entre culturas,
da existência da hegemonia da “cultura ocidental” globalizante neoliberal
sobre as outras, nos ajudando a discernir cenários e conceitos.
Quanto ao âmbito pedagógico, observa-se que a perspectiva intercultural
se desenvolveu com abordagens e metodologias diferentes, a depender dos
contextos, sendo que na América Latina essa perspectiva inicialmente esteve
relacionada às lutas das populações indígenas. Candau (2012) afirma que
em nosso continente, a interculturalidade se deu de forma original e anterior
as pautas do movimento internacional, como é o caso brasileiro, quando se
observa a Educação Popular na década de 1950. Atualmente, a intercultura-
lidade não se restringe a populações específicas, mas busca agir como um
princípio orientador aos sistemas educacionais.

4 Para Fleuri (2018), o monoculturalismo entende que todos os povos e grupos compartilham, em condições
equivalentes, de uma cultura universal.
44

Fleuri (2018) ressalta que o preceito fundante da educação intercultural


repousa no documento da Declaração sobre Raça e sobre Preconceitos Raciais
da UNESCO de 1978, quando reconhece a diversidade cultural e determina
que a identidade cultural é um direito a ser resguardado tanto em contexto
nacional quanto internacionalmente, viabilizando um projeto educativo que
estabeleça a relação entre grupos culturais diferentes, que não reduza a cultura
a um objeto de estudo, mas, sim, a considere como um modus operandi à
realidade, enfatizando aos sujeitos da relação.
Deste raciocínio, Fleuri (2018), afirma que a educação intercultural
se configura numa pedagogia do encontro, pois promove uma experiência

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complexa em que o encontro/confronto das narrações diferentes propiciam o
crescimento do sujeito, podendo ocorrer ou não ao que ele chama de “tran-
sitividade cognitiva”, que são os possíveis efeitos da interação cultural na
matriz cognitiva do indivíduo.
Concluímos que a interculturalidade assume o caráter político que
envolve as relações culturais, centrando sua atenção às manifestações de poder
que geram as assimetrias e marginalizações no campo cultural, qualificando
os indivíduos e populações na luta pelos direitos culturais e direitos sociais.
A educação intercultural, por sua vez, protagoniza processos educativos que,
para além do necessário discurso de valorização da diversidade cultural, debate
e visa discernir estes mecanismos opressivos que marcam o campo cultural e
afetam determinados sujeitos, grupos e populações.

Por uma Educação Musical Intercultural

Partindo desta exposição é que se questiona como a Educação Musical


tem dialogado com a interculturalidade na formação docente em Música. Neste
sentido, achamos necessário realizar um prognóstico a respeito da produção
intelectual referente à formação de professores de música, em relação aos
temas da interculturalidade e da educação intercultural.
Para tal, buscou-se, a partir de levantamento bibliográfico, inicialmente,
na Revista da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM), e na
Revista OPUS, pertencente à Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Gradua-
ção em Música (ANPPOM), a paulatina construção de um estado do conhe-
cimento sobre o tema em questão. Buscamos, enquanto palavras-chave, as
seguintes expressões: “formação docente em música + intercultural”, “edu-
cação musical intercultural”, “interculturalidade + música”.
Não foram encontrados artigos publicados sobre a temática no repositório
da Revista da ABEM. No site da Revista OPUS encontrou-se dois resultados:
“A Ginga de Marisa Rezende: processos composicionais em uma de suas
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 45

obras para grupo de câmara” de Meneses (2021); e o artigo de Brasil e Bar-


cellar (2020): “A comprovisação Hiatos: perspectivas contemporâneas sobre
a interação entre improvisação e composição”. Entretanto ambos trabalhos
não tinham como objeto a educação musical.
Continuando a pesquisa, buscou-se no Google Acadêmico por estas pro-
duções. Das obras encontradas, selecionamos os três principais artigos que
constam em sua trend em português, sendo eles Queiroz (2017), Almeida e
Araújo (2022) e Souza (2014).
Em seu artigo “Formação intercultural em música: perspectivas para uma
pedagogia do conflito e a erradicação de epistemicídios musicais”, o autor
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Luís Queiroz (2017) propõe a interculturalidade na educação formal como


meio para erradicar os epistemicídios musicais.
Há de se ressaltar que os epistemicídios para este autor são “crimes come-
tidos contra um conjunto amplo de expressões culturais que, por processos
históricos de exclusão, foram expulsas de lugares destacados da sociedade”
(Queiroz, 2017, p. 108).
Isto ocorreu devido ao que foi identificado pelo teórico Aníbal Quijano
(2009) como a colonialidade. A partir do processo de colonização, os europeus
deixaram como legado um padrão de poder que se impôs pela sua hegemonia,
gerando controle sobre os modos de produção de conhecimento e se impondo
sobre as subjetividades. Os mecanismos de controle epistemológico – que
envolvem a produção, disseminação e valorização de diferentes níveis de
conhecimento – ficaram conhecidos como colonialidade do saber e são res-
ponsáveis pelo encobrimento e marginalização de todo e qualquer saber que
destoe e desinteresse à matriz colonial de poder.
Para compreendermos como esse fenômeno alcança a educação musical,
se faz necessário caracterizar que a música é compreendida pelas dimensões
sonoras e não sonoras que permeiam uma cultura, logo, um fenômeno univer-
sal, uma linguagem culturalmente construída que se diferencia em seu modo e
tempo para cada povo ou grupo, uma forma de pensamento, um conhecimento
(Queiroz, 2017; Penna, 2012; Swaniwick, 2004).
Assim podemos situar que a história da educação musical no Brasil
tem traços de colonialidade do saber, pois destaca-se que as manifestações
musicais não europeias são marcadas por tentativas de negação, substituição e
sobreposição das experiências da cultura musical da metrópole sobre o saber
local (Araújo, 2020).
A título de exemplo, extraímos do livro História da Música Brasileira,
de Bruno Kiefer (1976), os seguintes parágrafos sobre o entendimento da
contribuição dos povos indígenas e populações africanas à música brasileira:
46

Embora a música dos indígenas não deixasse vestígios em nossa música,


constituindo até hoje um fenômeno exótico, não se pode iniciar uma his-
tória da música brasileira sem breves referências a seu respeito (Kief,
1976, p. 9).

É sabido que os jesuítas adaptavam o cantochão ao idioma dos indígenas


e, ao mesmo tempo, ensinavam-lhes instrumentos europeus [...] Como
decorrência da ação “civilizadora” dos jesuítas, a música dos índios,
expressão de povos mais fracos culturalmente, cedeu lugar à música
europeia (Kief, 1976, p. 12).

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Naturalmente a música dos índios não civilizados ou que se afastaram do
contato com a civilização ocidental [...] conservou, ao longo do tempo suas
características fundamentais. Mas, esta música, que ainda hoje está sendo
recolhida e estudada, não pertence à música brasileira (Kief, 1976, p. 13).

Quanto a contribuição das populações africanas à música brasi-


leira, este diz:

A contribuição inicial do negro escravo para a cultura musical não se


limitou, no entanto, apenas a este esforço indireto5, como já dissemos,
por ora destacaremos somente uma das contribuições diretas- talvez muito
mais ampla do que se possa pensar – para a história da música brasileira.
Referimo-nos ao negro-escravo-músico-erudito (ou semi-erudito). Músico
aqui significa: executante da música europeia, importada ou criada aqui.
(Kief, 1976, p. 14).

Apesar dos escritos serem da década de 1970, o autor sustenta em seu


preâmbulo que o livro tem o objetivo de contribuir a uma consciência histó-
rica sobre a música brasileira, e destaca que o Brasil tem sua prática musical
ligada a uma consciência europeia, “basta examinar as escolas superiores de
música”. Apesar do autor afirmar que a obra busca se desprender do “colonia-
lismo cultural alienante”, é óbvio que este não consegue romper com a lógica
da colonialidade que há por trás da retórica da modernidade, ao associar o
etnocentrismo colonial e a classificação racial universal, ambos os fenôme-
nos do moderno sistema-mundo. Mas, já acentuava sua preocupação com a
hegemonia do pensamento eurocêntrico no currículo de formação superior
em Música (Kief, 1976, p. 7).
Souza (2014) também se preocupa e busca pensar uma possibilidade outra
de formação do professor da área, a partir de um paradigma intercultural. Ao

5 O esforço indireto que o autor se refere é a “contribuição a partir do trabalho escravo garantindo a possibilidade
de expansão econômica e sua consequência para o desenvolvimento cultural” ocorrida no século XVI.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 47

observar a Lei nº 11.769/2008, que se refere a obrigatoriedade do ensino de


música na educação básica, o autor, que compreende a escola enquanto um
espaço plural, afirma que para atuar neste, a própria formação docente deve
ser constituída de um processo de criação de identidade crítico-reflexiva que
vise validação de saberes e flexibilização de conteúdo.
O autor aponta a necessária superação da supremacia atribuída às pro-
duções europeias em música e suas estéticas e a entrada, no meio acadêmico,
dos produtos artístico-sociais dos grupos “subalternizados”, “invisibilizados”,
buscando desestabilizar a ordem instituída e contribuir para a legitimação de
outras formas de manifestações artístico-culturais (Souza, 2014).
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Queiroz (2017), por sua vez, propõe uma perspectiva de formação musi-
cal intercultural com base na interculturalidade crítica e assim a caracteriza:

[...] visa estabelecer diálogos e interações de diferentes culturas, mas


objetiva também fazer emergir, no ensino de música, estéticas musicais,
repertórios, estruturas sonoras e, principalmente, sujeitos que, por diversas
outras exclusões, tiveram suas práticas musicais negligenciadas no processo
de institucionalização da música no Brasil (Queiroz, 2017, p. 106-107).

Este pesquisador nota que as instituições formais de ensino de música


ainda hoje excluem os diferentes grupos culturais existentes no país e que
essas exclusões estão nos currículos, conteúdos, estratégias de ensino, nos
modelos disciplinares, enrijando a expressão musical (Queiroz, 2017).
Almeida e Araújo (2022) em seu artigo “A (in)visibilidade da intercul-
turalidade no Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de
Roraima” verificam que há uma mobilização para se reconhecer e estudar
a diversidade cultural e musical nos espaços formativos. Porém, ao ana-
lisarem em quais momentos essa diversidade é trabalhada em disciplinas,
na estrutura do curso, os conteúdos, abordagens etc. esta se apresentou
de maneira sutil e pouco delineada, sendo que a oferta deste curso ocorre
em Roraima que é um Estado de tríplice fronteira e tem nos últimos anos
recebido muitos imigrantes.
Queiroz (2017) ressalta que a perspectiva da formação musical inter-
cultural é imprescindível, pois ela abrange a dimensão ética. Para o autor, a
formação musical intercultural não só questiona a hegemonia dos conhecimen-
tos e saberes musicais no processo de formação, ou as formas que ocorrem o
ensino de música, mas, sim, compreende que a música, por ser uma dimensão
simbólica, pode provocar assassinatos simbólicos que infelizmente podem
gerar assassinatos físicos.
Assim, Queiroz (2017) ressalta que se deve pensar os direitos humanos
como interculturais e que, a partir do confronto, do diálogo e no conflito da
48

interação que, de fato, é possível construir perspectivas compartilhadas em


que os diferentes sujeitos possam fazer soar suas vozes.
Flores (2009, p. 26) afirma que os direitos humanos são os “meios discur-
sivos, expressivos e normativos que pugnam por reinserir os seres humanos no
circuito de reprodução e manutenção da vida, permitindo-lhes abrir espaços de
luta e de reivindicação”. Assim, a interculturalidade se faz necessária, quanto
ao reconhecimento do outro, e também ao transferir poder aos excluídos,
promovendo a criação de mediações políticas, institucionais e jurídicas que
garantam reconhecimento e transferência de poder.
A partir destas reflexões, Queiroz (2017) propõe a pedagogia do conflito

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em educação musical:

Almejo uma pedagogia do conflito em educação musical que debata temas


e questões fundamentais para minimizarmos as exclusões e os epistemi-
cídios musicais que marcaram a nossa sociedade, sobretudo no âmbito da
institucionalização do ensino (Queiroz, 2017, p. 112).

A pedagogia do conflito não dá continuidade aos conhecimentos e sabe-


res monoculturais, questiona estratégias pedagógicas elaboradas em modelos
hegemônicos, consolidados para culturas musicais unilaterais, rebela-se sobre
a incorporação passiva de conhecimentos e saberes que perpetuem a “boa con-
vivência”, quanto as práticas de ensino de música, tem coragem de trabalhar
e ensinar músicas relacionadas aos conflitos do mundo contemporâneo como
racismo, xenofobia, homofobia etc. e outros aspectos presentes na expressão
humano-musical (Queiroz, 2017).
A formação de professores de música numa perspectiva intercultural
entende a música como um fenômeno universal, portanto, busca formar indi-
víduos que reconheçam a importância desta universalidade, entendida nas
suas múltiplas e históricas expressões, logo, na sua diversidade. O ensino de
música, então, deve abranger estas inúmeras expressões e não se restringir ao
que foi identificado como canônico, através de assimetrias políticas e sociais,
inclusive educacionais.

Considerações finais

A interculturalidade reivindica a diversidade cultural numa dimensão


crítica, compreendendo que uma genuína convivência entre grupos culturais
distintos só se dará quando os históricos mecanismos de opressão, exploração
e marginalização que acometem determinados grupos forem superados.
Para tanto, a interculturalidade assume o caráter político da produção cul-
tural, compreendendo que discursos e práticas políticas jamais são desprovidas
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 49

de intencionalidades. Ao contrário, tais ações buscam sedimentar ideários


que, numa sociedade classista, tendem a favorecer a perpetuação do poder
dos grupos hegemônicos.
Por esta razão, a interculturalidade denuncia as ações do multicultura-
lismo neoliberal que se valem do discurso da diversidade cultural como forma
de controle, esvaziamento político e formação de novos mercados consumi-
dores, sob alcunha de respeito e tolerância às diferenças.
A radicalidade do pensamento intercultural repousa na sua crítica con-
tundente ao sistema-mundo moderno/colonial, deste modo, uma sociedade
plural só será edificada quando os padrões de poder erigidos pela modernidade
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ocidental forem destituídos, para que novos marcadores culturais, epistemo-


lógicos, estéticos, políticos, econômicos e éticos sejam assumidos.
A música, enquanto discurso e/ou linguagem ocupa um lugar privilegiado
na luta pela construção de sociedades interculturais, pois, como fenômeno
universal, deixa evidente que a produção de cultura não está restrita a deter-
minados grupos e populações.
A formação de professores de música numa perspectiva intercultural deve
assegurar que a diversidade musical integre os currículos das instituições de
ensino superior em Música. Mas, para além disso, deve garantir instrumen-
tos teóricos que auxiliem aos professores a compreenderem os processos e
mecanismos que produziram epistemicídios musicais.
A Educação musical intercultural desenvolve genuínos processos educa-
tivos de valorização da pluralidade musical, justamente por abordar as assi-
metrias e processos de exclusão que acometem aos grupos produtores dessa
diversidade. É a politização da produção cultural que qualifica os grupos para
a construção de autênticas sociedades plurais, em que os diferentes mundos
musicais sejam celebrados.
50

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CULTURA POPULAR E
INTERCULTURALIDADE NA
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Márcia Kelly Fonseca da Costa
Gustavo Maneschy Montenegro
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Introdução

A cultura popular é composta por elementos que representam uma socie-


dade e a escola é um espaço de interação e propagação de diversas práticas
culturais, mas que muitas vezes são pouco evidenciadas ou deixadas apenas
dentro do currículo oculto da escola. E quando trabalhadas, são questionadas
sobre sua importância e legitimidade desses saberes em detrimento de outros
que compõem o contexto educativo.
De acordo com Dutra (2013) o repertorio cultural popular brasileiro é
riquíssimo, principalmente em contos e brincadeiras, além de jogos, dan-
ças entre outros, porém muitas dessas práticas acabaram ficando restritas ao
imaginário popular e não estão presentes em registros escritos. Desta forma,
isso dificulta a vivência e o exercício destas práticas culturais populares por
diferentes grupos dentro de nossa sociedade.
E a escola neste contexto por meio da interculturalidade torna-se um
lugar propício para o debate e vivências dessas manifestações presentes na
cultura popular, além de provocar o resgate do papel dos sujeitos na trama
social os quais estão inseridos.
Para Silva e Rebolo (2017) a escola tem como finalidade (re)conhecer,
dar valor e poder a todos os sujeitos socioculturais, com intuito de reconhecer
a diversidade cultural como algo positivo. Ainda segundo os autores a escola
precisa realizar um trabalho que promova o desenvolvimento de ações que
conversem com diferentes conhecimentos e saberes, diferentes linguagens,
diferentes estratégias e recursos didáticos pedagógicos, compreendendo assim
a relevância de promover o reconhecimento das desigualdades sociais, de
defender e buscar os direitos, de impedir ações de preconceitos e discrimina-
ções culturais, enfim, assim tornando a escola um lugar plural.
No campo da Educação Física escolar, podemos considerar que está
por décadas, sofreu influencias diretas das tendências higienistas, militaris-
tas, tecnicistas e esportivistas, as quais tinham por base conhecimentos das
54

ciências biológicas. Atualmente, mesmo com diferentes debates e produções


cientificas que buscam romper com este pensamento hegemônico de grupos
privilegiados, ao se tomar as ciências humanas e sociais como alicerce para
a produção de conhecimentos em Educação Física, observar-se que ainda é
muito forte a predominância de conteúdos esportivos ligados aos modelos
euro-estadunidenses, em detrimento dos conteúdos que compõem a cultura
popular (Neira, 2014)
Desta forma, este artigo parte da seguinte problemática: quais os conheci-
mentos produzidos sobre a cultura popular e a interculturalidade na Educação
Física escolar dentro do GTT Corpo e Cultura do Congresso Brasileiro de

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Ciências do Esporte (CONBRACE) nas últimas 5 edições do evento?
O Congresso Brasileiro de Ciências dos Esporte (CONBRACE) é um dos
eventos mais importantes da área da Educação Física e ciências dos esportes e
reúne a cada 2 anos uma gama de pesquisadores, estudantes de educação física,
professores, entre outros sujeitos, para debater temas diversos e de relevância
ligados aos grupos de trabalhos temáticos (GTT). Sendo assim, o objetivo
de trabalho é analisar a produção do conhecimento das últimas 5 edições a
respeito da cultura popular e Interculturalidade na educação física escolar a
partir do GTT corpo e cultura do CONBRACE6.
Esta pesquisa é do tipo exploratória e busca identificar o que vem sendo
debatido nos trabalhos do GTT corpo e cultura do CONBRACE nos últimos
5 anos de evento (2013 a 2021) ligados aos temas de cultura popular e Inter-
culturalidade relacionados à educação física escolar.
Como instrumento de coleta de dados foi realizado uma pesquisa biblio-
gráfica com abordagem qualitativa. De acordo com Sousa, Oliveira e Alves
(2021, p. 65) a pesquisa bibliográfica “tem a finalidade de aprimoramento e
atualização do conhecimento, através de uma investigação científica de obras
já publicadas”. Sendo assim, o levantamento dos dados foi realizado nos anais
dos 5 últimos de eventos do CONBRACE que corresponde aos anos de 2013,
2015, 2017, 2019 e 2021. Fizeram parte do escopo desta pesquisa trabalhos
publicados nas modalidades de resumo simples, resumo expandido e trabalho
completo (comunicação oral).
Quanto a seleção das pesquisas, este se deu por meio dos trabalhos que
apresentavam temática relacionada a cultura popular, Interculturalidade e
Educação Física no título, no resumo ou palavras-chave e leitura do texto na
íntegra. Buscou- se focar na análise dos trabalhos que foram desenvolvidos e

6 O GTT Corpo e Cultura está assim descrito: “Estudos que visam destacar o corpo, a corporalidade/cor-
poreidade, as práticas corporais com redes de culturas (tradicionais e/ou contemporâneas) enfatizando
discussões teórico metodológicas que dissertem acerca de questões que enfoquem a indissociabilidade
corpo/cultura a partir de diversas possibilidades nos campos das ciências humanas, sociais e das artes”.
Disponível em: https://www.cbce.org.br/gtt/gtt03-corpoecultura
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direcionados ao ambiente escolar e que tipo de debate estes trabalhos fazem


a respeito da cultura popular e Interculturalidade na educação física escolar.
De 272 trabalhos presentes nos anais do GTT Corpo e Cultura, 20 estavam
relacionados ao objeto de pesquisa deste trabalho.
Como critério de exclusão, levou-se em consideração os seguintes que-
sitos: trabalhos que não estavam relacionados a cultura popular e Intercultu-
ralidade; trabalhos realizados em ambientes não escolares. Vale ressaltar que
foi realizado a análise de conteúdo a qual buscou-se atentar a intensidade,
repetição e relevância em que o assunto emergia dos dados.
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Cultura popular e interculturalidade em contexto escolar

Podemos considerar cultura como tudo aquilo que produzimos como


pratica social, o homem produz conhecimento por meio de sua vivencia his-
tórica, e este processo de criação e transmissão de conhecimento compõem
o que chamamos de processos culturais. De acordo com Valente (1999), este
processo se apresenta inseparável da condição social do homem, pois se trans-
forma ao longo do tempo.
Para Brandão (2002) cultura é o mundo que criamos para aprender a
viver, ela configura a representação da própria possibilidade da vida social,
portanto cultura é a soma das descrições disponíveis pelas quais a sociedade
dá sentido e reflete suas experiências comuns e ainda remetem suas ideias,
assim cultura é a inter-relação sobre os elementos que compõem a sociedade.
Ainda vale ressaltar que a cultura é um fenômeno coletivo, porém esta
não é absorvida totalmente de forma individual. Para Dutra (2013) no decorrer
da história, é possível perceber que a cultura como o cerne diferencial entre os
povos, e esta foi motivo de muitos conflitos, e usada como justificativa para ações
arbitrarias e instrumentos de dominação sobre o povo e o outro, assim entende-se
que a cultura não é livre ela está entrelaçada a questões de poder e usada como
instrumento de repressão e dominação. De acordo com Abib (2019, p. 2):

Palco de disputas e conflitos no âmbito das relações de poder e domina-


ção, a cultura pode também se tornar um importante terreno de luta de
povos e comunidades que se utilizam de sua ancestralidade, sua língua
materna, suas tradições, memórias, mitos, celebrações, danças, cantos, ritos
e, sobretudo, de seu imaginário como forma de resistência a processos
de dominação política, econômica e ideológica, constituindo dessa forma
estratégias de sobrevivência social.

Assim, é possível olhar, também, para a cultura como um movimento de


resistência do povo colonizado e historicamente marginalizado e invisibilizado
56

perante sua cultura popular, em detrimento de uma cultura hegemônica. Por-


tanto é possível compreender a cultura popular como uma manifestação das
classes populares e de suas ações que, para Dutra (2013), seria a forma de
demonstrar que o homem simples, ao qual é negado o conhecimento ao capital
cultural da humanidade, também possui leitura de mundo e produz conheci-
mento sobre sua cultura e sobre a realidade que o cerca.
Cultura Popular para Abib (2019) é entendida como um conteúdo político
que se articula em volta das relações de poder, as quais definem a luta cultural
protagonizada por grupos sociais e comunidades que reivindicam seus direi-
tos e sua dignidade. Ainda segundo o autor, a cultura popular e os processos

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educacionais provocam um terreno de luta, os quais a memória, tradições e
identidades são colocadas como força motriz em busca de reconhecimento e
autotomia perante uma cultura hegemônica.
Segundo Cordeiro (2022), a cultura popular é invisibilizada na escola,
principalmente quando se trata da cultura urbana produzida pelas popula-
ções periféricas pobres e na sua grande maioria negra, e quando é vista,
é abordada apenas pelo viés do folclore, dentro de um calendário festivo.
Este fato encontra suas raízes históricas ligadas à modernidade e ao colonia-
lismo, visto que os modelos social, político e cultural da burguesia europeia
eram difundidos mundo a fora como modelos de uma narrativa universal do
desenvolvimento humano.
O autor argumenta ainda que o folclore e a escolarização tiveram papel
fundamental na propagação dos valores advindos da Europa, haja vista que
o folclore surgiu como um campo de estudo dos costumes populares euro-
peus, já a escolarização por sua vez tinha como tarefa auxiliar as camadas
populares a superarem as crendices que faziam parte de sua cultura. Sendo
assim, o conhecimento escolar nesta percepção colonialista tinha como fina-
lidade o dever de retirar os indivíduos de sua ignorância, e preparando sua
mente e corpo para a civilização, reforçando assim que somente algumas
sociedades produziam conhecimentos validos e importantes para sociedade
(Cordeiro, 2022).
Silva (2006) ressalta que a forma em que a escola se organiza tem refor-
çado mecanismos geradores de adaptação e dominação. Já para Dutra (2013)
a escola neste contexto se apresenta como representante da cultura hegemô-
nica, e repassa ao aluno uma realidade o qual não é sua, pois a cultura escolar
concebe os interesses da classe dominante.
Silva (2006, p. 206) ainda afirma que “a escola tem desenvolvido um
padrão cultural, não apenas pela repetição de comportamentos, mas de desen-
volvimento mesmo raciocínio para solução dos diferentes problemas e para
a convivência”. Assim a escola neste viés tem papel produção e reprodução
cultural. De acordo com Brandão (2002):
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Educar é criar cenários, cenas e situações em que entre elas e eles, pessoas,
comunidades aprendam de pessoas, símbolos sociais e significados da vida
e do destino possam ser criados, recriados, negociados e transformados.
Aprender é participar de vivencias culturais em que, ao participar de tais
eventos fundadores, cada um de nós se reinventa as si mesmo (Brandão,
2002, p. 26).

Neste contexto a escola deve proporcionar aos alunos diferentes vivencias


culturais, principalmente que estejam presentes em seu cotidiano, em seus
domínios pessoais de interações, de sentimentos e saberes.
Segundo Cordeiro (2022) perspectivas interculturais no campo educa-
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cional têm contribuído na construção de práticas pedagógicas que valorizem


a diversidade cultural, assim abrindo espaço para os conhecimentos, formas
de sociabilidades presentes na cultura popular.
Portanto, a Interculturalidade no contexto educacional abre caminhos e
cria oportunidades de se debater a cultura popular na escola. De acordo com
Candau (2013), a Interculturalidade proporciona o reconhecimento ao direito
à diversidade e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade
social, além de buscar relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos
que pertencem a universos culturais diferentes. Sendo assim, a Interculturalidade
nesta perspectiva se apresenta como um processo dinâmico, de diálogo perma-
nente e conhecimento e aprendizagem entre culturas em condições de respeito.

A produção do conhecimento sobre a cultura popular e


interculturalidade na educação física no GTT Corpo e Cultura

A análise e discussão deste trabalho aconteceu em dois momentos. No


primeiro buscou-se agrupar em forma de quadro todos os trabalhos selecio-
nados na coleta de dados, a fim de categorizar, por meio do título, quais as
principais temáticas de discussão, assim como qual o ano em que mais se
publicou conhecimento relacionado à cultura popular, Interculturalidade e
educação física. Já no segundo momento, realizou-se um diálogo com os
autores e as temáticas que mais se repetiram.

Quadro 1 – Trabalhos selecionados na coleta de dados


TÍTULO ANO DE
AUTORES
DA PUBLICAÇÃO PUBLICAÇÃO
OS SENTIDOS PEDAGÓGICOS DAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Araújo, Coffani e Grando 2013
PARA OS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DO CEJA/ACFN
A TRADUÇÃO DA TRADIÇÃO NO ENSINO DAS DANÇAS
2015
Côrtes BRASILEIRAS: possibilidades e discussões.
continua...
58
continuação
TÍTULO ANO DE
AUTORES
DA PUBLICAÇÃO PUBLICAÇÃO
BELEZA TEM RAÍZES: Relato de uma
Ribeiro, Campos e Grando 2017
Experiência exitosa com a Dança na Escola
PRÁTICA DE ENSINO NO ENSINO FUNDAMENTAL I: Brincadeiras
Silva e Silva 2017
Populares
Farias e Freitas COTIDIANO E CULTURAS INFANTIS: As Brincadeiras em Foco 2017
Duarte e Silva CULTURA POPULAR NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA 2017
POR UMA DESCOLONIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:
Carvalho et al. 2017
A Dança em Cena
A DANÇA COMO LINGUAGEM EXPRESSIVACRIADORA: Uma

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Marques et al. 2017
Abordagem Fenomenológica
Silva e Soares CORPO E CULTURA TAPAJÓ: Entre o Jogo e o Jogo da Tradição 2017
PEDAGOGIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E
Drumond 2017
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM CRIANÇAS DE 5 A 7 ANOS
PROJETO INTEGRAÇÃO PET E ESCOLA: Primeiras Incursões no
Garozzi et al. 2017
Ensino da Capoeira
PROJETO INTEGRAÇÃO PET E ESCOLA: Primeiras Incursões no
Gama et al. 2017
Ensino da Dança
Nascimento QUEIMADA: O Currículo Cultural em Ação 2017
O FREVO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: Experiências a partir
Santos et al. 2019
do Estágio Supervisionado
EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: Ressignificando a Educação do Corpo
Grando e Ojeda 2019
na Escola
AS BRINCADEIRAS POPULARES: Regastes e Vivências em
Santos, Tabayara e Silva 2019
Inhangapi, PA
PRÁTICAS CULTURAIS, EDUCAÇÃO E O ENSINO DE DANÇA:
Rodrigues et al. 2019
Conhecimento, Saberes e Poderes em Movimento
EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E CULTURA INDÍGENA NA
Carioca et al. 2021
EDUCAÇÃO FÍSICA
CULTURA POPULAR E EDUCAÇÃO: Experiências Formativas com
Delmondes et al. 2021
o Grupo Andora/UFES
POR UMA ETNOGRAFIA DAS PRÁTICAS CORPORAIS INFANTIS
Ferreira 2021
NA ESCOLA
Fonte: Autores

Como podemos observar no quadro 1, o ano de maior publicação ocorreu


durante o CONBRACE DE 2017, que aconteceu em Goiânia/GO, com um
quantitativo de 10 trabalhos relacionados à temática, e se teve uma queda
significativa nos anos anteriores, vale ressaltar que dos 20 trabalhos analisados
13 são relatos de experiência.
Entre as temáticas mais evidenciadas nos trabalhados publicados estão
relacionados à dança no contexto da cultura popular, a qual é considerada um
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elemento da cultura corporal7, faz parte da identidade social e sua prática sofre
influências interculturais. Todavia, o ensino da dança na escola, conforme
ensina Gama et al. (2017), é secundarizada como conteúdo da educação física
em detrimento das práticas esportivas.
Quanto a produção do conhecimento em dança, Jordan, Marani e Sbor-
quia (2022) relatam que foi a partir de 2015 que a produção cientifica em
dança na educação física brasileira começou a crescer, tendo neste ano o seu
maior crescimento, por meio da produção de 17 artigos científicos. Porém,
logo após esse ano, percebeu-se uma queda de mais da metade da produção
em 2016, com retorno de publicações nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.
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Tal fato remete-se a ideia de que houve um espelhamento na priorização


da temática da dança nas ultimas cinco edições do Congresso Brasileiro de
Ciências do Esporte.
Para Ribeiro, Campos e Grando (2017) a dança na escola não se cons-
titui apenas de gestos técnicos, mas também da partilha de conhecimentos,
valorização e reconhecimento das identidades culturais. O ensino das danças
populares na escola contribui com a valorização das danças locais e regionais
onde a escola está inserida que em muitos casos acabam sendo silenciadas
nos currículos tradicionais das escolas.
Para Barbosa e Favere (2013), elementos da cultura popular na escola
recebem tom fortuito e turístico, como é o caso das danças populares, que
acabam sendo evidenciadas na escola somente no dia do folclore ou nas
comemorações das festas juninas, muitas vezes de forma superficial e com
poucos aprofundamentos de conhecimento aos alunos.
De acordo com Cordeiro (2022) sobre a realização das festas juninas
na escola este afirma que, “poucas escolas explicam a origem das festas e
a importância do cidadão campesino e resguardam sua dignidade”. O autor
afirma que não se trata de inviabilizar as festas juninas na escola, mas sim
mostrar para os alunos seu potencial lúdico, artístico e cultural, como no caso
da dança que muitas vezes é ridicularizada com passos desengonçados para
representar o cidadão campesino.
Outra temática evidenciada nas publicações dentro do GTT Corpo e
Cultura está relacionada aos jogos e brincadeiras populares. No trabalho pro-
duzido por Silva e Soares (2017), os autores buscaram realizar um resgate e
fortalecimento da cultura da Aldeia Garimpo8, por meio dos jogos indígenas

7 [...] acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer de sua história,
exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo,
contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como formas de representação simbólica
de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas (Soares et al.,
1992, p. 38).
8 Aldeia Garimpo, localizada na Margem Esquerda do Rio Arapiuns, no Território Cobra Grande, na Aldeia
Garimpo Etnia Tapajó – Município de Santarém-Pará (Silva; Soares, 2017).
60

como conteúdo nas aulas de educação física, ao perceberem que os jogos mais
evidenciados nas aulas eram os dos “não indígenas”, os quais desconsideravam
as diferenças culturais.
De acordo com Rodrigues, Ferreira e Ramos (2012), os jogos tradicionais
nas aulas de educação física proporcionam uma vivência motora saudável,
além de ser uma forma de cultivar a cultura popular na escola. Considerando
que a escola é um espaço de encontro de diferentes culturas e que, na maioria
das vezes, esses jogos e brincadeiras estão presentes no cotidiano dos alunos
fora da escola.
Segundo Santos, Tabayara e Silva (2019) as brincadeiras e os jogos

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podem ser entendidas como um meio das crianças fortalecerem suas práticas
culturais. No trabalho realizado pelas autoras, elas constataram que a prática
de jogos e brincadeiras populares na escola favoreceu uma troca de experiên-
cia entre os alunos. Na pesquisa realizada por Nascimento (2017), é afirmado
que os jogos populares, como a queimada, eram utilizados apenas como uma
atividade pré-desportiva ou recreativa na escola, e que os professores não
evidenciavam ela enquanto prática cultural.
Outra manifestação cultural secundarizada nas aulas de educação física
escolar são os blocos de conteúdos “lutas”. No trabalho realizado por Garo-
zzi et al. (2017, p. 890) os autores buscaram “trazer significados em relação
a polissemia imanente da capoeira, que pode ser caracterizada como uma
dança, uma luta, um jogo, ou uma brincadeira”. Com o ensino da capoeira
na escola é possível compreender todo o contexto histórico e social por trás
desta prática cultural. Além disso, a capoeira pode ser um tema que traz à
tona debates críticos acerca da resistência das minorias, como também pode
ser um meio para se abordar questões étnicos raciais na escola.
O trabalho com temas da cultura popular e interculturalidade na escola
pode contribuir com a decolonialidade do currículo nas aulas de educação
física, que durante anos tem predominância de conteúdos ligados aos esportes
euro-estadunidenses. Diante disso, corrobora-se com Simon e Giroux (1994,
p. 60) quando afirmam: “situada no terreno do cotidiano, a cultura popular
quando valorizada e legitimada no currículo escolar é apropriada pelos alunos
e ajuda a validar suas vozes e experiências”.
Outro destaque a se observar nos trabalhos analisados é a ausência de
um enfoque sobre cultura popular e a Interculturalidade na Educação Física
escolar. A partir da análise dos textos, ficou evidente que estes temas não
vinham sendo contemplados no currículo das escolas pelos professores dire-
tamente, mas só foram trabalhados em projetos ou estágios pelos próprios
pesquisadores que, ao conhecerem a realidade e o currículo da escola, sentiram
a necessidade de trabalhar estes temas.
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Considerações finais

Diante do exposto no presente trabalho podemos observar que a maioria


das produções científicas sobre o tema da cultura popular, Interculturalidade
e educação física escolar presentes nos anais do GTT Corpo e Cultura do
CONBRACE advém de produções do tipo relato de experiência. Os elementos
da cultura popular mais evidenciados nos trabalhos estavam relacionados a
dança, lutas, jogos e brincadeira.
Durante a coleta de dados foi preceptivo uma diminuição das publica-
ções submetidas no congresso relacionadas a temática da cultura popular,
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Interculturalidade e a educação física escolar. Vale ressaltar que é de suma


importância a presença destes no currículo da escola. Em alguns trabalhos foi
apontada a dificuldade dos professores em inserir conteúdos sobre a cultura
popular, o que indica a necessidade de discutir o tema em tela.
Consideramos que a busca por um currículo que abranja temas liga-
dos à cultura popular e Interculturalidade na educação física escolar ainda
é um desafio, que para ser enfrentado precisa passar por mudanças não só
no currículo da escola, mas também na prática pedagógica dos professores,
assim como nos cursos de formação docente, pois as próprias abordagens e
concepções que fundamentam a área da educação física são inspiradas em
teorias colonizadoras e eurocêntricas.
Entendemos que trabalhar temas da cultura popular e Interculturalidade
na escola é um movimento de resistência é luta por um currículo cultural, haja
visto que a escola deve ser um espaço que ofereça aos seus alunos condições
de acesso a diferentes conhecimentos e visões de mundo.
62

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EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA
E A INTERCULTURALIDADE
CRÍTICA: um diálogo acerca da
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Keila Cristina Barata dos Santos
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Introdução

Neste artigo proponho uma reflexão acerca da educação escolar quilom-


bola e a importância da interculturalidade crítica no âmbito desta educação.
O Objetivo é propor um diálogo e não finalizar uma discussão, ou seja, o
intuito deste artigo é levantar reflexões sobre os benefícios da interculturali-
dade crítica no âmbito da educação escolar quilombola.
Para construção deste trabalho, utilizamos como recurso metodológico
a realização de Pesquisa bibliográfica, a partir de leituras que tratam sobre
o tema proposto: Educação escolar quilombola e Interculturalidade crítica.
É válido ressaltar que este tema faz parte da minha pesquisa de dissertação, e a
partir das discussões propostas na disciplina Educação, Culturas e Diversida-
des, no âmbito do Programa de Pós-Grauação em Educação da Universidade
Federal do Amapá, pretendo incluir a discussão sobre a interculturalidade
crítica, por entender sua importância no âmbito educacional.
O artigo em questão está dividido em duas seções, a primeira seção trata
sobre uma discussão macro acerca da educação escolar quilombola e a segunda
seção é a proposta de uma discussão sobre a educação escolar quilombola e
a interculturalidade crítica.

Educação escolar quilombola

Nesta sessão realizamos uma revisão de literatura sobre educação escolar


quilombola, buscando mapear os sentidos da educação quilombola e seus desa-
fios materiais e pedagógicos. Inicialmente, cabe-nos trazer uma inicialização
a respeito do termo quilombo, que constantemente vem sendo submetidos a
mudanças. Segundo Arruti (2017), o conceito de quilombo é presente desde
os tempos da Colônia, sendo transformado ao logo de cada período político
da história do Brasil.
68

Contemporaneamente as escolas brasileiras são obrigadas a transmitir


a história dos quilombos e de seus ancestrais. Todavia, essa obrigatoriedade
foi fruto de inúmeras lutas dos movimentos negros. A Lei nº 10.639/2003 que
estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana na educação básica foi sancionada pelo então presidente Luís Inácio
Lula da Silva. A lei enfatiza o debate sobre a importância de uma educação
multicultural e a implementação de novas práticas de ensino referentes a
inclusão da temática no ambiente escolar.
A Lei nº 10.639/03 alterou o artigo 26 da lei de Diretrizes e Bases da
Educação brasileira – 9.394/96. Segundo Nunes (2015), parte desta lei já se

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encontrava nas pautas reivindicatórias do Movimento social Negro em 1950.
A inclusão da Lei nº 10.639/03, segundo o autor, não significa que sua apli-
cabilidade na sala de sula não enfrentará obstáculo, inclusive decorrentes da
leitura equivocada da lei, da formação profissional insuficiente para colocá-la
em prática e até mesmo pela falta de diálogo concernente a educação e relações
étnico-raciais que seja capaz de demonstrar os educadores a importância da
aplicabilidade da lei.
Campos e Gallinari (2017), ao dialogarem acerca da educação escolar
quilombola e as escolas quilombolas no Brasil, expõem que as escolas qui-
lombolas foram regulamentadas com a criação de Diretrizes Curriculares
Nacionais específicas no ano de 2012. Segundo as autoras, o seguinte docu-
mento foi fruto de uma série de discussões realizadas a partir da década de
1980, com objetivo de reconstruir a função social das escolas que atendem
tais comunidades. Foi através deste documento que houve a determinação que
a educação escolar quilombola ocorresse em escolas inseridas nas próprias
comunidades quilombolas, e o currículo deveria ser relacionado à cultura e
às especificidades étnicas e culturas de cada comunidade quilombola.
As autoras ressaltam a importância dos movimentos negros nesse pro-
cesso, através das ações afirmativas, denúncias referentes ao papel que a
escola representava perante o racismo, além das discriminações presentes na
organização curricular e no livro didático (Campos; Gallinari, 2017).
Ao discutir os desafios da educação escolar quilombola no Brasil, Carril
(2017) afirma que a proposta pedagógica da educação escolar quilombola
necessita de pesquisas que envolvam os saberes dessas comunidades. A autora
sugere que pensemos a educação quilombola com base nos contextos do uso
do território, da etnicidade e da memória presentes nas narrativas dos sujeitos,
com o objetivo de construir metodologias que possibilitem aprendizagens que
tenham foco nas realidades locais das comunidades quilombolas, para que a
educação escolar faça relação dos sujeitos com suas práticas culturais e dessa
forma contribua com a formação da identidade étnica dos alunos quilombolas.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 69

Ao discutir sobre a educação quilombola, Moura (2007) fala sobre a


importância dos valores culturais, tradicionais e religiosos de tais comuni-
dades. Ressaltando que tais aspectos devem ser considerados no contexto
educacional desses povos, pois segundo ela, apresentam relações de perten-
cimento, relacionadas com a consciência da identidade quilombola. A autora
também evidencia a importância do ensino escolar para essas comunidades,
dialogando sobre os desdobramentos da Lei nº 10.639/2003 nas escolas qui-
lombolas, destacando que tais escolas devem ofertar um ensino que considere
a realidade do estudante quilombola.
Dentro desse constructo, Ferreira e Castilho (2014), apontam através
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de pesquisas realizadas, que a Educação escolar quilombola ainda caminha


de forma excludente, baseada em currículos que se baseiam na vida urbana.
Conforme as autoras, as escolas quilombolas precisam de novo olhar sobre a
inserção do povo negro, considerando-os como fazedores do conhecimento,
respeitando suas práticas culturais e suas histórias. Segundo elas, é fundamen-
tal que as escolas quilombolas garantam a criação e recriação física e cultural
de comunidades que, por muito tempo, foram excluídas da sociedade e que
ainda enfrentam tantos desafios.
Machado, Hage e Pereira (2018), ao dialogarem sobre a educação escolar
quilombola na Amazônia paraense, apresentam a educação escolar quilombola
como fruto do movimento negro quilombola que não aceitaram o projeto de
escolarização que não levava em consideração as diferentes formas de educar
no quilombo. Os autores em questão, da mesma forma que Ferreira e Castilho
(2014), evidenciam os tantos desafios que a educação escolar quilombola
necessita superar, para que possa estar além das paredes da escola, destacando
a importância do diálogo entre escola e comunidade quilombola, para que
dessa forma a educação escolar quilombola possa traçar novos caminhos, com
práticas pedagógicas alinhadas com a comunidade quilombola.
Outro autor que faz importante discussão acerca da educação escolar
quilombola é Arruti (2017). Ao dialogar sobre os indicativos numéricos, res-
significação do conceito quilombo e evidenciar a defasagem e os impasses
da educação escolar quilombola, Arruti (2017), nos leva a refletir sobre o
destaque que o movimento negro teve nesse processo de implementação da
legislação educacional específica à comunidades quilombolas, sobre a impor-
tância da reforma educacional iniciada com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei nº 9.394/1996), que causaram mudanças na abordagem da
cultura na escola e da escola.
Arruti (2017), pontua importante diálogo sobre o Plano Nacional de
Educação quilombola, do quão necessária é uma educação que dialogue com
a comunidade quilombola, com o movimento negro, que possibilite formação
70

adequada aos profissionais e principalmente não impunha uma educação


urbana e eurocêntrica que reforce o discurso do negro dominado e submisso.
Ainda sobre Arruti (2017), é relevante mencionar os dados apresentados
pelo autor acerca da defasagem na escolarização de quilombolas das áreas
rurais, principalmente em crianças em fase de alfabetização e em adultos
provedores da família. Tratam-se de dados que nos fazem refletir sobre os
motivos da tamanha defasagem e reafirmar que a escola quilombola necessita
adequar-se às especificidades de cada comunidade, para que assim seja atrativa
ao quilombola, caso o contrário, o efeito será o inverso, alunos desmotiva-
dos, aprendizagem não significante ao modo de vida, do fazer, do saber e do

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relacionar do estudante quilombola.
A Educação escolar quilombola também é discutida por Batista, Bezerra
e Foster (2018), os autores dialogam sobre as Diretrizes nacionais da educação
quilombola, dando ênfase à luta em desfavor de uma educação hegemônica e
exaltando uma educação escolar quilombola contra-hegemônica que se baseia nas
peculiaridades locais das comunidades quilombolas, reconhecendo os saberes,
valores e o patrimônio cultural das comunidades tradicionais. Os autores ainda
destacam a ambivalência da origem da divisão de classes enquanto meio que
permeia todo o processo educacional, diferenciando grupos. Os autores eviden-
ciam o cenário da educação básica no Brasil concernente aos povos tradicionais.

Observa-se, da realidade brasileira, que o sistema de ensino do país não favo-


rece o desenvolvimento social, cultural e educacional de populações excluí-
das socialmente, cabendo a esses grupos árduas lutas em busca de direitos
negados, sendo que suas conquistas só ganham força com a participação da
comunidade, envolvendo: professores, alunos, pais, intelectuais orgânicos e
líderes da comunidade local (Batista; Bezerra; Foster, 2018, p. 70).

Com base na citação acima exposta, os autores apontam à necessidade de


uma educação escolar quilombola com um currículo elaborado na perspectiva
freiriana, onde as preservações dos valores, saberes e fazeres das comunida-
des quilombolas sejam colocadas à frente dos desafios do modo de produção
capitalista. É valido ressaltar que os autores utilizam referenciais teóricos da
dialética marxista para amparar as categorias hegemonia e contra hegemonia,
pois, segundo eles, tal pensamento problematiza as relações sociais, os confli-
tos e as classes dominantes e subalternizadas, para um processo de afirmação
da identidade étnico-racial.
Concernente a educação escolar quilombola, Batista, Bezerra e Foster
(2018), defendem uma educação possuidora de um currículo diferenciado,
que seja usado como ferramenta de emancipação social dos sujeitos, mas
para tanto, segue os autores, é imprescindível que as escolas quilombolas
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 71

sejam reconhecidas como espaços de firmação e afirmação de identidades


étnicas- raciais. Dessa forma, os autores frisam a importância da aproximação
das escolas quilombolas com os movimentos sociais, a realização de ações
coletivas que sejam instrumentos de resistência e de luta pela inclusão social.
Nesse contexto, Batista, Bezerra e Foster (2018), ressaltam as Diretrizes
Curriculares para a Educação Escolar Quilombola, como fruto de um processo
de resistência dos movimentos negros diante de um currículo eurocêntrico,
afirmando que essas Diretrizes são importantes ferramentas à construção de
uma educação contra- hegemônica, conceituada por eles como a educação
que escuta as vozes de negros quilombolas.
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Monteiro e Reis (2020), ao proporem discussão sobre patrimônio afro-


-brasileiro no contexto da Educação escolar quilombola, defendem a perspec-
tiva já expostas acima por outros atores, destacando que a educação escolar
quilombola necessita oferecer aos estudantes maiores estímulos à edificação
dos seus conhecimentos, levando em consideração as particularidades do
grupo, sem descartar a importância dos ensinamentos concernentes aos saberes
universais. As autoras seguem abordando sobre a importância do estudante
ser sujeito crítico e ativo na sua própria história.
A importância das Diretrizes curriculares para educação escolar quilom-
bola também é enfatizada por Monteiro e Reis (2020). As autoras evidenciam
que apesar do documento ser um direito aos estudantes quilombolas, na prá-
tica, a realidade das escolas é distante do que estabelecem as diretrizes curricu-
lares. Fazem abordagem também concernente aos dados do censo escolar, no
que tange aos números de escolas quilombolas, pois segundo elas, são dados
controversos e vão de encontro ao estabelecido pelas diretrizes, ao que diz
respeito ser uma escola quilombola. Dentre desse contexto as autoras expõem:

Reflete, isto sim, uma distorção do que está estabelecido no documento.


Se, por um lado, a Educação Escolar Quilombola compreende tanto escolas
quilombolas (localizadas em territórios quilombolas) quanto escolas que
atendem estudantes oriundos de territórios quilombolas; por outro lado,
estar em território quilombola ou atender a estudantes quilombolas não
bastam. A Educação Escolar Quilombola pressupõe o desenvolvimento
de todas as ações mencionadas nas diretrizes por meio de política pública
de educação. Entretanto, esta política tem que estar articulada a outras
políticas públicas, como a garantia da terra, de sua titulação, pois sem a
concretização desse direito fica difícil, inclusive, garantir a permanência
de escolas nestes espaços (Monteiro; Reis, 2020, p. 12-13).

Na citação exposta, as autoras despertam à reflexão sobre os direitos dos


quilombolas e à importância das políticas públicas para a implementação de
72

fato desses direitos, indicando que os fatores se interligam. A educação qui-


lombola, para permanecer no território necessita da asseguridade do direito
à terra aos quilombolas, ou seja, a efetivação dos direitos aos quilombolas
necessita ocorrer em todos os âmbitos.
Custódio e Foster (2019), ao analisarem a produção de materiais didá-
ticos à educação escolar quilombola nos estados brasileiros, evidenciam a
incipiência na produção de tais matérias. Os autores demonstram a ausência
tal de produção em muitos estados, inclusive no Amapá. Os poucos esta-
dos que apresentam alguma produção, são com produções vagas e restritas,
limitando-se em abordagens superficiais referente a historiografia do negro

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no Brasil. Os autores seguem destacando que essas produções devem ser
construídas coletivamente, envolvendo todos os segmentos da comunidade
regional e local.
A preocupação com o material didático concernente a educação escolar
quilombola disponível ao professor, também é mencionada pelos autores:

Pensar num material didático de EEQ para subsidiar os professores em sala


de aula torna-se um desafio, pois, é necessário refletir que muitas vezes o
docente desconhece ou nunca ouviu falar sobre essa temática, ou seja, há
de se pensar que além de se realizar um produto pedagógico para aluno,
torna-se fundamental elaborar um direcionado ao professor como forma
de suprir a deficiência da formação inicial ou continuada sobre a EEQ no
Brasil (Custódio; Foster, 2019, p. 208).

No contexto da educação escolar quilombola, ao que tange as Diretri-


zes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola, de acordo
com Custódio e Foster (2019), alguns elementos são cruciais, a construção
do projeto político pedagógico de forma participativa, englobando escola e
comunidade, a formação dos professores atuantes na educação escolar qui-
lombola e o currículo que, segundo os autores, deve seguir os eixos nortea-
dores gerais da educação brasileira, e também se referenciar nos valores das
comunidades quilombolas.
Dentro desse constructo da Educação escolar quilombola, Jesus e Mar-
ques (2017), ao discorrerem sobre a importância do ensino de história na
educação escolar quilombola, apontam a referida disciplina escolar como
um dos instrumentos formadores da identidade étnica dos sujeitos quilom-
bolas. Evidenciando que o diálogo entre o ensino de história e as Diretrizes
curriculares Nacionais à educação escolar quilombola, tidas como conquistas
dos movimentos negros, podem possibilitar perspectivas de novas orienta-
ções didáticas, que possibilite a descolonização do currículo, e a valorização
dos conhecimentos, trajetórias e experiências da comunidade quilombola
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 73

e dos indivíduos que a constituem. Os autores evidenciam que a comuni-


dade quilombola e o espaço escolar, são agentes formadores da identidade
étnica quilombola.
No bojo da discussão acerca da educação escolar quilombola, De Oliveira
(2018), discute a questão partindo da reflexão sobre identidade quilombola no
quilombo de Mangal, no estado da Bahia. A autora evidencia a afirmação da
identidade quilombola naquela comunidade, no bojo da luta pela terra. Segundo
a autora, a luta pela posse de terras daqueles sujeitos, impulsionou a afirma-
ção da identidade do ser quilombola, mesmo que diante daquele cenário, os
moradores daquela comunidade desconheciam o significado de ser quilombola.
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O importante no diálogo proposto por De Oliveira (2018) é o desta-


que sobre a importância das políticas educacionais voltadas à valorização
da população negra, expondo que a defasagem dessas políticas ocasiona a
inferiorização e até mesmo a criminalização da cultura afro-brasileira, fatores
que contribuem para a construção de estereótipos e consequentemente a des-
valorização do negro na sociedade. Ainda sobre a educação escolar brasileira,
afirma a autora:

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola


na Educação Básica são mais um instrumento na luta contra o racismo,
contra o preconceito, bem como por reparação histórica e social. Sua
implementação é instrumento potencializador na construção de uma his-
tória diferente para a população brasileira e na construção de uma outra
educação nos quilombos. Para tanto, faz-se necessário a instrumentalização
didático pedagógica de suas escolas, investir na formação dos professores
que atuam nessas comunidades e, principalmente, criar as condições para
a formação de quadros qualificados que estejam enraizados nos quilombos
(De Oliveira, 2018, p. 58).

Trazendo a discussão ao âmbito do estado do Amapá, Custódio (2019),


evidencia que educação quilombola nas escolas precisa ser discutida e cons-
truída em diálogo com a comunidade, haja vista que a educação escolar qui-
lombola necessita fazer sentido a realidade dos quilombolas, reconhecendo
sua história, sua cultura, sua identidade, religiosidade e ancestralidade.
Custódio (2019) expõe o quanto a educação quilombola no Amapá está
fragilizada, e que vários fatores contribuem para tanto. Um dos pontos apon-
tados, é o fato de grande parte das escolas quilombolas estarem localizadas
na área rural, sendo difícil inclusive lotar professores em algumas regiões, a
pouca valorização do profissional que se capacita também é um dos fatores
que causam a desmotivação de tantos e profissionais e ocasionam a saída das
escolas quilombolas.
74

A fragilidade apontada pelos autores Custódio (2019) e Custódio e Foster


(2019), no que tange a educação escolar quilombola no Amapá, é presente
no quilombo do Cunani, Calçoene, AP, onde, através do exercício da minha
profissão, numa escola que recebe um grande número de alunos oriundos
do quilombo de Cunani, nunca tive contato com nenhum material didático
fornecido pelo estado, tampouco pelo munícipio, que apresentassem qual-
quer abordagem sobre o quilombo em questão. Os saberes adquiridos pelos
quilombolas daquela região são provenientes da convivência com familiares
e dentro da própria comunidade.
Nesta revisão concluímos que a educação quilombola tem por objetivo

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oportunizar uma educação significativa e relevante aos estudantes quilombo-
las, valorizando os saberes e fazeres da comunidade, evidenciando o protago-
nismo dos antepassados, que através das lutas e resistências, foram oposição
ao regime escravocrata. Ressaltando que apesar dos direitos assegurados, a
educação escolar quilombola necessita de fato ser executada a partir do diá-
logo, do conhecimento e da participação da comunidade quilombola.

Educação escolar quilombola e a interculturalidade crítica

Nesta seção iremos discutir as possibilidades da prática de educação


escolar quilombola a partir da aplicação da interculturalidade crítica no espaço
escolar. É necessário apontar, que tomamos como interculturalidade crítica,
o conceito fornecido por Candau (2019), apontando que interculturalidade
crítica é uma construção feita a partir das pessoas que sofreram uma histórica
submissão e subalternização. Segundo a autora, a interculturalidade crítica
tem suas raízes nas discussões políticas postas em cena pelos movimentos
sociais, o que salienta seu sentido contra-hegemônico e sua orientação com
relação ao problema estrutural-colonial-capitalista.
Para Candau (2019), a interculturalidade crítica se constrói de mãos dadas
com a decolonialidade, como ferramenta que ajude a visibilizar os dispositivos
de poder e como estratégia que tenta construir relações de saber, ser, poder e
da própria vida radicalmente distintas da ordem colonial imposta.
Nesse sentido, entendendo que as comunidades quilombolas no Brasil
representam uma importante demonstração de resistência à opressão promo-
vida pelo sistema escravista, desde o início do período colonial. Considerando
que tais populações foram e ainda hoje são a prova viva da resistência ao
processo de subalternização dos afrodescendentes no Brasil, a proposta de tra-
balhar a interculturalidade crítica na educação escolar quilombola, possibilita
a oferta de uma educação de luta e resistência, que vai contra a colonialidade
epistemológica imposta pelo sistema eurocêntrico.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 75

Segundo De Araújo e Nazareno (2013, p. 272):

No processo de racialização das diferenças, pensado desde a perspectiva


do conceito de “colonialidade do poder”, de acordo com o sociólogo
peruano Aníbal Quijano, ocorre a subalternização e o encobrimento do
outro, ou dos outros indígenas e afrodescendentes, não apenas em termos
econômicos e políticos, mas, sobretudo, de seus conhecimentos, ocorrendo
um verdadeiro epistemicídio. Os saberes indígenas e afrodescendentes
foram desprezados durante séculos de colonialismo ao serem considerados
formas menores ou inferiores de conhecimento.
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Os autores citados acima, explicitam o desprezo com o qual os saberes dos


povos tradicionais sofreram e sofrem até os dias de hoje, desprezo esse que foi
herdado do colonialismo. Conhecer e valorizar esses saberes possibilita cons-
truir relações de saber e de poder que vão de oposto à lógica colonial. Dessa
forma, a prática da interculturalidade crítica na educação escolar quilombola
é uma ferramenta de resistência, luta e valorização dos povos subalternizados.
Araújo e Nazareno (2013) afirmam que por meio da interculturalidade
crítica, é possível o reconhecimento e respeito às diferenças, viabilizando
uma ruptura com a perspectiva epistemológica ocidental unidimensional,
criando espaços de interação pluriepistemológicos, evidenciando formas de
conhecimento que historicamente foram negligenciadas e subalternizadas.
Ferreira e Silva (2020), ao discutirem sobre a Interculturalidade na edu-
cação escolar quilombola, afirmam que a aprendizagem é formada pelas rela-
ções com o outro, pelas trocas interculturais, pelas trocas locais e familiares,
pela escuta sensível, pelo silenciamento de si e observação do outro e, pelo
compartilhamento de saberes e fazeres dos membros mais experientes das
comunidades, detentores de conhecimentos tradicionais, no caso os líderes,
mestres ou os mais antigos.
Sobre a interculturalidade na aprendizagem da educação escolar quilom-
bola, Ferreira e Silva (2020, p. 75288) afirmam:

Walsh (2005), expõe que a interculturalidade é central na reconstrução


do pensamento-outro. Segundo as autoras, interculturalidade é concebida,
nesta perspectiva, como processo e projeto político. A partir dessa proposta
intercultural, a noção e visão pedagógica se projeta além de processos de
ensino-aprendizagem e/ou transmissão de saberes, ela concebe a educação
quilombola como política cultural.

Cordeiro (2022), ao discutir a Interculturalidade e a cultura popular no


espaço escolar, expõe que, historicamente, as perspectivas interculturais de
76

educação têm ajudado a construção de práticas pedagógicas que valorizam a


diversidade cultural, possibilitando abertura de espaço para os conhecimentos,
formas de sociabilidade, modos de relação com a biodiversidade presentes
nas culturas populares.
Conforme Cordeiro (2022, p. 318):

Nascidos de uma cultura dominadora e colonizadora, diz Vandana Shiva


(2003), os sistemas modernos de saber são, eles próprios, colonizadores.
Sendo assim, a função deles é fazer “desaparecer” os sistemas locais de
saber do mundo inteiro e, assim como as monoculturas destroem as pró-

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prias condições de existência das diversas espécies, eles destroem alterna-
tivas ao modelo civilizatório hegemônico. Assim, Vandana Shiva (2003),
como metáfora, elabora o conceito Monoculturas da Mente.

Através da citação de Cordeiro (2022), podemos analisar a intercultu-


ralidade como ferramenta de enfretamento a tentativa de “apagamento” dos
saberes provindos das comunidades tradicionais, com o objetivo de impor
um ensino homogêneo e eurocêntrico. Desse modo, implementar um ensino
intercultural dentro da educação escolar quilombola, priorizando o ensino
oriundos do modo vida da própria comunidade, contando o protagonismo
dos ancestrais negros, ensinando aos estudantes sobre os quilombos a partir
de uma perspectiva de luta e resistência, possibilitando ao estudante quilom-
bola uma educação que auxilie a formação da identidade étnico-racial e o
reconhecimento das diferenças culturais.
Todavia, para que a educação escolar quilombola seja construída a par-
tir da interculturalidade crítica, é necessário constante diálogo entre escola
e comunidade, para que dessa forma, os fazeres da comunidade, o modo de
vida, as práticas culturais e religiosas sejam de fato inseridas no contexto
educacional, partindo do viés da interculturalidade crítica e dialogando com
a decolonialidade, para que desse modo, a escola seja um espaço de contri-
buição a formação da identidade quilombola.
Alexandre e Rocha (2020), ao dialogarem sobre a Educação na Comu-
nidade Quilombola do Imbé-PE, tendo como princípio uma educação deco-
lonizada e intercultural, apontam que a Educação Escolar Quilombola é uma
conquista das lutas do movimento negro e quilombola que necessita acontecer
tanto em escolas localizadas em território quilombola, quanto em escolas
localizadas fora desses territórios, mas que atendem estudantes oriundos de
tais comunidades. Portanto, trata-se de uma educação diferenciada que visa
a valorização dos conhecimentos históricos, culturais e locais quilombolas a
partir de seus antepassados e, por isso, pode ser relacionada com o referencial
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 77

decolonial, pois o mesmo propõe a consideração da pluralidade de tipos de


conhecimento, que não se limita, apenas, à hegemonia do científico.
Nesse constructo, é importante mencionar o dialogo proposto por Mis-
siato (2021), ao discutir sobre o memoricídio das populações negras no Brasil,
o autor expõe acerca do apagamento sobre a história dos ancestrais negros,
realizada através de diversas estratégias criadas pelo estado. Segundo o autor, a
criança negra desde o nascimento é assombrada pelas heranças da colonização,
que induz a pessoa negra a afastar-se de sua ancestralidade, tentando torna-se
uma pessoa branca, fato inalcançável. Segundo Missiato (2021, p. 256):
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A diferença colonial trata da construção de trajetos geo-históricos de cli-


vagem discursiva que atijolaram os valores eurocêntricos e impuseram
aos não europeus um lugar marginal na história humana. Local em que as
falas das vidas subalternizadas são desprestigiadas, reticentes, lacônicas
e tratadas como se primitivas fossem.

O lugar subalternizado que foi imposto aos povos tradicionais, segundo


Missiato (2021), teve por base o princípio colonial de negar as narrativas
emanadas das diferenças, organizando uma sofisticada rede de anulamento e
invisibilização das narrativas subalternizadas que resilientemente ainda per-
dura. Segundo ele, com o apagamento social da presença física e simbólica
das diferenças dentro da literatura, das ciências, da filosofia, dos espaços de
produção das linguagens, da lei e da justiça, das artes, da política, enfim, das
áreas de prestígio e poder social, tudo foi transformado numa única lingua-
gem, a colonial.
O autor vai além, e nos fornece exemplos dessa tentativa de memoricídio,
durante o desastroso governo recém terminado, Missiato (2021, p. 259-260):

Não é por outra razão que as mais altas chefias do executivo nacional, o
presidente e o vice-presidente da República, Jair Bolsonaro e Hamilton
Mourão, respectivamente, negaram a existência do racismo no Brasil ao se
referirem à morte brutal de João Alberto, cidadão negro que foi executado
por seguranças do supermercado Carrefour na cidade de Porto Alegre/RS
(FOLHA DE SÃO PAULO, 2020). Os discursos de Bolsonaro e Mourão
não se tratam de descuido ou equívoco de quem desconhece a história
brasileira, mas estão inscritos em uma ordem tradicional que secularmente
vem operando para a negação dos intensos e extensivos processos de
produção das muitas mortes às quais estão sujeitas as populações negras
do país. Trata-se, portanto, de políticas do esquecimento engendradas pela
colonialidade estrutural, que força, ao longo da história desta nação, ao
sucumbimento dos afrodescendentes brasileiros.
78

Na citação acima, os autores evidenciam a importância do reconheci-


mento de outros saberes para a emancipação epistêmica, outras formas de
produção de conhecimento, não negando o conhecimento ocidental, mas sim
reconhecendo um conhecimento dialógico, na visibilidade de outros sabe-
res e experiências. Partindo dessa perspectiva, destacamos a importância da
interculturalidade crítica no âmbito da educação escolar quilombola, como
ferramenta de conhecimento e reconhecimento de saberes outros, para que
desse modo, os quilombolas também tenham a percepção de si mesmo.
Através das contribuições propostas por Missiato (2021), podemos
entender a importância da interculturalidade à valorização das comunidades

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tradicionais, para que não ocorra o risco do “apagamento” sobre tais culturas.
Entendo que por tantos anos as práticas culturais das comunidades subalter-
nizadas foram silenciadas e invisibilizadas pelo colonialismo.

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo propor uma reflexão acerca da educação
escolar quilombola e os benefícios do uso da interculturalidade crítica em
favor da valorização e visibilização das práticas culturais dos povos subal-
ternizados. Destacando que no âmbito dos povos sulbalternizados, estão as
comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhos e outros povos tradicionais
que sempre apresentaram resistências ao colonialismo imposto.
Desse modo, acreditamos que a interculturalidade crítica na educação
escolar quilombola pode ser utilizada como ferramenta para afirmação da
identidade quilombola, que aliada ao diálogo constante com a comunidade,
e uma educação que esteja em consonância com o universo do aluno, muito
poderá contribuir.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 79

REFERÊNCIAS
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na Comunidade Quilombola do Imbé-PE: Por uma Educação Decolonizada
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A RELEVÂNCIA DO
MULTICULTURALISMO NO
ÂMBITO EDUCACIONAL
Alan Farias Sales
Raimundo Erundino dos Santos Diniz
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Introdução

A atual relação entre educação e cultura criou a necessidade de pensar


o multiculturalismo em nível global. Levando em consideração a riqueza da
diversidade cultural brasileira, que se traduz na multiplicidade de povos e
comunidades tradicionais, grupos que são culturalmente diversos e que car-
regam consigo a capacidade de produzir saberes/fazeres responsáveis pela
preservação de suas identidades, constituindo-se em instrumentos poderosís-
simos de resistência e luta por reconhecimento e direitos, percebemos que tal
diversidade não é valorizada nas mais variadas relações que se estabelecem
em nossa sociedade, o que torna o Brasil um país extremamente excludente,
resultado de nossa origem histórica colonial.
É importante que a educação seja interdisciplinar relacionada às questões
culturais, ou melhor, interculturais, porque educação também é cultura.
E, sem dúvida, é muito importante formar valores éticos e sociais como a
tolerância, a cidadania crítica, a alta valorização da diversidade cultural,
conceitos e valores cada vez mais raros na sociedade atual e que devem
ser sempre estimuladas como balizas para construção de práticas sociais
verdadeiramente transformadoras.
O multiculturalismo passou despercebido pelas sociedades, mas seus
traços deixaram uma posição muito positiva nas páginas da história brasileira.
Como a nação brasileira é notavelmente miscigenada, ela deve admitir a fusão
de conhecimentos outros, adquiridos no seu processo de formação. Não se
pode negar que os diversos grupos sociais que existem em nosso país, deixa-
ram como legado histórico um complexo patrimônio de saberes, que mesmo
tendo sofrido com processos de esvaziamento de sentidos, de apagamento e
silenciamento, guardam relevância indiscutível na formação da identidade
sóciocultural desses povos.
O principal motivo da escolha deste tema foi construir uma visão abran-
gente do multiculturalismo no currículo da escola e seu funcionamento, bem
82

como um novo aprendizado baseado no respeito mútuo e na valorização das


diversas matizes culturais.
O desrespeito e a desvalorização são apresentados como um problema neste
estudo, que tem como foco as diferentes culturas presentes na escola, seguidas
da desinformação sobre o funcionamento e a criação de uma matriz curricular
que inclua aspectos do multiculturalismo. E também enfatizar que a educação
só é completa quando há respeito mútuo por todos os sujeitos históricos que
compõem a nossa sociedade. Os métodos de tratamento deste artigo são a leitura
e a pesquisa, seguida de um levantamento bibliográfico de autores relacionados.
O referencial teórico desta pesquisa é baseado em pesquisas que destacam

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esse importante debate sobre currículos e culturas nas quais eles têm contri-
buído para uma aprendizagem muito mais efetiva. Os dados foram coletados
por meio da análise bibliográfica onde esse tema foi transcrito nas ideias
aqui desenvolvidas.

As culturas no ambiente escolar

A escola é o sistema aberto mais adequado depois da família, que faz


parte da superestrutura social, da qual fazem parte crianças e jovens que
pertencem a classes sociais com hábitos, características étnicas e culturais
diversas. Atende aos padrões de graus cada vez mais elevados, o que significa
que é um espaço que garante a prevenção e mitigação efetiva de preconceitos.
Por meio de seu projeto político-pedagógico, a escola deve apresentar ações
que mostrem a importância do multiculturalismo na sociedade (Magalhães,
Martins, Resende, 2017).
As instituições de ensino devem responsabilizar-se por disseminar fer-
ramentas que promovam a redução do preconceito ou da discriminação em
todas as suas dimensões. Não basta, ao falar do negro no Brasil, ressaltar
exclusivamente seu papel na economia escravocrata do período colonial, mas
considerar o valor do legado cultural herdado da ação transformadora desses
povos. O preconceito em nosso país é uma relíquia secular, uma relíquia da
colonização portuguesa e da escravidão de negros e índios (Silva, 2019).
A exclusão social é um fenômeno que se inicia na infância, na família
e na escola, pois as diferenças físicas e a diversidade de costumes, valores e
práticas não são consideradas nas normas sociais e não são amparadas por
uma única lei. A discriminação e o preconceito excluem as pessoas da socie-
dade, privam-nas dos seus direitos e afastam-nas das atividades intelectuais
e profissionais. São atos anti-humanos que desencadeiam estímulos terríveis,
privam o sujeito do reconhecimento e reconhecimento do mérito, desperso-
nalizam-no enquanto cidadão (Raimundo, 2019).
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Observa-se que as diferenças estabelecidas entre o que se ensina na escola


e o que os alunos aprendem são bastante acentuadas, pois a realidade fora da
escola é bem diferente. A maioria dos alunos pertence a grupos considera-
dos inferiores e por isso são, desde muito cedo, privados das oportunidades
necessárias de obterem protagonismo social. Por isso é importante estimular
a reflexão e a pesquisa em relação ao cruzamento de culturas entre grupos,
onde ocorre a construção mútua do conhecimento.
Muitas vezes encontramos histórias que reescrevem a discriminação,
que as crianças negras querem ser brancas, adotam suas atitudes e modos
simplesmente porque se sentem excluídas dos aspectos culturais, políticos,
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econômicos e sociais da sociedade. Alguns estudos relataram esse achado


porque os colegas, principalmente os da sala de aula, têm preconceito contra
essas crianças. Eles podem até ter acesso à matrícula e à sala de aula, mas
o sucesso na sociedade fica aquém de suas expectativas, levando a ressenti-
mentos (Reis, 2018).
No entanto, identificou-se a necessidade de uma cultura educacional
que atenda às realidades de cada sociedade e proporcione aos educadores a
possibilidade de dar protagonismo, em sala de aula, aos sujeitos portadores
das mais diversas histórias de vida, valorizando suas experiências cotidianas,
suas identidades construídas nos ambientes em que vivem. A escola não pode,
no dizer Cordeiro (2022) atuar numa perspectiva monocultural, cujo reflexo
principal é subsunção, no ambiente escolar, dos conhecimentos relacionados
aos modelos civilizatórios alternativos existentes nas mais variadas culturas.
Segue o autor, ao analisar a obra de Candau (2013) afirma que a escola mão
pode ser mera reprodutora de uma cultura escolar padronizada, pedagogica-
mente inflexível, pautada na transmissão rasa de conteúdos que refletem a
realidade cultural de determinados grupos sociais.
Segundo Lamego e Santos (2019):

A escola é um ambiente que muitas vezes busca homogeneizar e padronizar


os indivíduos, justificando, assim, a igualdade entre os sujeitos envolvidos
no processo educativo. Ações assimilacionistas na escola não valorizam
vozes subalternizadas e têm negado a diversidade cultural neste espaço,
tendendo a silenciar ou neutralizar as diferenças pela dificuldade de lidar
com a diversidade ali existente (Lamego; Santos, 2019, p. 10).

A reversão dessa imagem sombria e antissocial só é possível se a escola


e a sociedade investirem na criação de métodos que atendam às demandas
sociais históricas de alunos pertencentes a grupos socialmente excluídos.
Educação e multiculturalismo são duas categorias indissociáveis, haja
vista que, embora a escola trabalhe com hibridações culturais, ela dá uma
84

compreensão da norma aceita de que as pessoas precisam para alcançar a


igualdade social (Texeira Filho, 2022). Alguns estudos com foco no multi-
culturalismo têm demonstrado grande preocupação com a presença contínua
do preconceito, da exclusão social e da discriminação racial, o que exige
comprometimento do governo e das instituições de ensino para minimizar as
diferenças existentes.

A formação dos professores e o multiculturalismo

Inúmeros estudos9 realizados enfatizaram a importância de se discutir

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aspectos atinentes a diversidade cultural e presença nos currículos das insti-
tuições de ensino responsáveis pela formação de professores. Segundo Alves
(2021), a educação multicultural deve estar no currículo pedagógico de todas
as instituições de ensino, incluindo universidades públicas ou privadas, pois
se torna importante na vida profissional de um professor.
A formação balizada por estudos com foco na cultura é de extrema impor-
tância para a compreensão das dinâmicas que constituem sujeitos sociocultu-
rais. O olhar atento para aspectos relevante do multiculturalismo – identidade,
diferenças e tolerância – são fundamentais para a construção de práticas peda-
gógicas que levem em consideração o diálogo entre as distintas formações
culturais dos sujeitos envolvidos no processo educativo. Diante das neces-
sidades que sem impõem, relacionada aos conflitos existentes no âmbito da
escola, é indispensável discutir a formação de professores e os desafios diante
das complexas relações que se estabelecem no espaço escolar.
Que professores são formados com base nos currículos atuais, tanto na
educação básica quanto na educação continuada? Quais professores devem ser
formados? Professores que cumprem as normas vigentes ou que estão abertos
à pluralidade cultural da sociedade mais ampla, bem como às identidades
presentes no contexto específico do desenvolvimento da prática pedagógica?
Professores comprometidos com a ordem social existente ou professores ques-
tionadores e críticos? Professores que aceitam o neoliberalismo como única
saída, ou que estão prontos para criticá-lo e também oferecer alternativas?
Professores capazes de atividades pedagógicas multiculturais?
Muito embora seja extremamente necessário que professores enfrentem
os desafios históricos da cultura escolar excludente e monocultural existentes

9 Podemos citar: CANEN, Ana. Universos culturais e representações docentes: Subsídios para a formação
docente e diversidade cultural. Educação & Sociedade, ano XXII, n. 77, dez. 2001; CANEN, Ana; CANEN,
Gilberto G. Rompendo fronteiras curriculares: O multiculturalismo na educação e outros campos do saber.
Currículo sem Fronteiras, v. 5, n. 2, p. 40-49, jul./dez. 2005; MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. A recente
produção científica sobre currículo e multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões.
Revista Brasileira de Educação, n. 18, set./out./nov./dez. 2001.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 85

no Brasil, ainda existem muitos entraves a serem superados no que diz respeito
a questão de sua formação inicial.
O que se observa na realidade educacional brasileira é um enorme dis-
tanciamento entre a formação teórica dos licenciados e a realidade objetiva
das escolas de ensino básico. Os currículos das instituições de ensino superior
ainda são fortemente influenciados por modelos eurocentrados, que valorizam
o conhecimento acadêmico cartesiano em detrimento dos aspectos culturais
relativos aos estabelecimentos de ensino e o público por eles atendidos. Neste
contesto, para Lamego e Santos (2022):
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Muitos licenciados vivenciam de forma superficial a realidade escolar,


sendo este contato limitado às disciplinas de estágio supervisionado,
previstas como requisito básico para o cumprimento da carga horária
necessária para a conclusão do curso. O modelo de formação docente
ainda se configura pelo distanciamento entre as instituições formadoras
e a educação básica, quando há predominância de estudos teóricos sem
articulação com a prática docente (Lamego; Santos, 2022, p. 12).

Existe um consenso entre estudiosos do campo de pesquisa sobre a for-


mação de professores, os quais podemos citar: Cavalcante (2021), Coelho
(2021), Coelho (2019) e Formiga (2023) referente a necessidade de maior
articulação entre a formação acadêmica e os conhecimentos atinentes a reali-
dade do ambiente escolar, principalmente relacionados a grande diversidade
de grupos e indivíduos atendidos pelas unidades educacionais.
Para Coelho e Coelho (2019) as licenciaturas em história padecem dos
mesmos problemas identificados há muitos anos, partem do pressuposto de que
“o domínio dos conhecimentos historiográficos são suficientemente necessá-
rios para dar conta dos desafios e demandas da história como disciplina esco-
lar”. Assim sendo, as licenciaturas desconsideram 3 fatores muito importantes
segundo os autores: as especificidades do saber histórico escolar; o contexto
da educação brasileira e o público por ela atendido.
Para Formiga (2023) as licenciaturas precisam formar professores cons-
cientes de seu papel social frente a diversidade existente em nossa sociedade.
De acordo com a autora, a função social dos professores está pautada no res-
peito a diversidade e no espírito democrático, capazes de oferecer aos alunos
a condições necessárias para que estes atuem no papel de protagonistas da
construção de uma nova cultura escolar que reconheça e valorizes as diversas
identidades culturais existentes no ambiente escolar.
Neste sentido, a educação com enfoque intercultural oferece ao professor
o melhor desempenho em sua tarefa pedagógica, avaliando o ponto de vista
do aluno e possibilitando a construção dos conhecimentos mais pertinentes e
86

totalmente conectados a sua realidade, pois a educação multicultural dá um


resultado que satisfaz as necessidades da sociedade (Gaeta; Masetto, 2019).
Um professor deve ser atencioso para compreender a natureza da realidade
social, política e cultural de seus alunos e criar oportunidades que favoreçam
uma mudança real para relações que se estabelecem entre os diversos indivíduos.
Reconhece-se que a tarefa do professor é mediar a cultura e os saberes
hibridizados10 do aluno dentro do espaço escolar. A educação multicultural, por
outro lado, auxilia o professor na implementação de estratégias pedagógicas
com o objetivo de enriquecer o aprendizado dos alunos e deixar claro que
sua tarefa é mais do que apenas transmitir conteúdo. Reconhecer e valorizar

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a existência do pluralismo cultural como suporte adicional ao conhecimento
é o que enriquece o contexto social.
É preciso, para além do verdadeiro reconhecimento da existência de
diversas culturas em nossa sociedade, apresentar aos professores referenciais
epistemológicos outros que lhes permitam compreender a importância de
construir uma realidade ideológica que se contraponha a todas as formas de
preconceitos e discriminação que excluem do processo educativo aqueles
considerados não sujeitos deste processo.
A educação multicultural torna-se, assim, objeto de reflexão, cujo obje-
tivo é buscar ideias entre os saberes necessários a uma sociedade plural, que
fortaleçam a legitimidade das culturas nela existentes (Sousa, 2020).
As diferenças entre os indivíduos mostram que ser diferente significa
pertencer ao normal e que deve ser levado em conta em sua emancipação
política, social e cultural. O multiculturalismo favorece mudanças nas relações
interpessoais vivenciadas pelos indivíduos ao agregar contexto, por exemplo,
identidade, diferenças de classe, gênero e etnia.

Multiculturalismo e Educação

O multiculturalismo surgiu nos Estados Unidos no final do século XIX,


com o objetivo principal de combater a discriminação, inclusive contra os
negros no país, organizando lutas por seus direitos civis. Portanto, o multi-
culturalismo não nasceu nas universidades, ele resultou da articulação das
mobilizações por demandas dos movimentos, sobretudo dos movimentos
relativos a questões étnicas. Em um segundo momento, passou a ser relacio-
nado diretamente com professores e doutores afro-americanos que trouxeram
para suas áreas de estudo questões sociais, culturais e políticas de interesse
exclusivo dos descendentes de afro-americanos (Silva, 2019).

10 O termo faz referência ao conceito de culturas hibridas extraído de CANCLINI, Nestor García. Culturas
híbridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade. São Paulo: Edusp, 2003.
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Nas décadas de 1980 e 1990, algumas universidades do país aderiram


ao movimento multicultural, que se fortaleceu pela pressão popular, con-
quistou espaço e criou políticas públicas em todas as áreas do poder público.
Mas nos tempos modernos, esse movimento é influenciado pela globalização,
considerando a necessidade de intercâmbio cultural (Sousa, 2021).
O multiculturalismo crítico levanta a bandeira da multiplicidade, da
heterogeneidade da identidade cultural como característica de cada grupo e
se opõe à padronização e à uniformidade definidas pelos grupos dominantes.
A celebração do direito à diferença nas relações sociais como forma de convi-
vência pacífica e tolerante dos indivíduos é característica de um compromisso
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com a democracia e a justiça social em meio às relações de poder nas quais


tais diferenças são construídas (Anjos, 2022).
A hibridação cultural é um fenômeno que vem sendo discutido nos Esta-
dos Unidos, Portugal e Canadá e, com a influência dos estudos culturais,
o termo foi recentemente incluído em pesquisas no Brasil. Apesar de sua
importância, o conceito de multiculturalismo ainda está se desenvolvendo em
nosso país. É um termo muito amplo que inclui muitas perspectivas opostas
(William, 2019).
No cenário educacional, muito se discute sobre a diversidade cultural no
contexto escolar, referindo-se à educação multicultural, onde ela se tornou
muito mais forte nos últimos anos e cuja importância pode ser vista na forma
de uma educação muito mais ampla e integral. Para melhor compreensão,
Santos (2020) define o multiculturalismo como o reconhecimento efetivo e
respeitoso de outras culturas. E todo sucesso começa com respeito, que é um
princípio importante na construção do processo escolar.
Assim, é preciso entender a origem do multiculturalismo, que segundo
Santos & Casagrande (2021) O multiculturalismo é uma extensa área a ser
pesquisada e pesquisada no ambiente escolar, onde cientistas de diversos
campos do conhecimento: sociólogos, antropólogos e pedagogos têm se inte-
ressado pelo fato do multiculturalismo oferecer referenciais importantes para
a construção de um currículo emancipatório e independente. Este deve ser
o objetivo que a educação deve atingir, principalmente se for uma educação
construtiva onde tais princípios sejam valorizados.
A escola de hoje necessita de várias transformações, das mais simples
às mais complexas, principalmente no que diz respeito à multiculturalidade
das escolas. Valorizar a cultura e suas práticas relacionadas à diversidade da
vida cotidiana, que podem incluir um conjunto de valores, como a igualdade,
a solidariedade e respeito mútuo. Essas prioridades exigem cada vez mais
trabalho e pesquisa (Lira, 2011).
88

Estabelecer uma educação multicultural significa impor fraturas aos


modelos criados pela educação tradicional, cujos pilares são marcados for-
temente por valores eurocêntricos, mudando o atual currículo escolar antigo
e desgastado. Nesse sentido, abre-se espaço para a implantação de um novo
currículo muito mais amplo, de fato, para a transformação do conhecimento
em significados úteis da vida social fora da escola, o que tornaria a aprendi-
zagem muito mais significativa.

Considerações finais

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Torna-se necessária a urgência de uma educação que valorize e inclua a
diversidade cultural para o efetivo convívio entre as sociedades, valorizando
o diálogo, o respeito e os valores contidos em cada indivíduo. O sistema edu-
cacional deve propiciar mudanças eficazes no desenvolvimento de atitudes e
concepções, com a implementação de projetos curriculares que resultem na
sensibilidade essencial do interculturalismo. Reformas pedagógicas devem
acontecer com o intuito de transparecer aos nossos alunos a importância do
respeito e da compreensão, da aceitação, do inter-relacionamento de culturas
entre indivíduos.
A escola é uma instituição social, com grande riqueza de multiplicidades
e diferenças culturais, sociais, econômicas, étnicas e religiosas, que devem ser
trabalhadas dentro desse currículo escolar, no qual se encontra tão deficiente,
onde requer sérias reformulações.
A valorização das múltiplas identidades culturais, deve ser almejada,
principalmente no que se refere a construção dos valores e princípios da cida-
dania. O papel fundamental da arte do educar é propiciar equidade, mesmo
em meio a tantas diferenças, conflitos e desigualdades.
Educar de forma intercultural contribui para a formação de sujeitos cada
vez mais humanos e sensíveis a eles mesmos e aos outros. Já que, certos
princípios foram se perdendo ao longo dos tempos, ou não se tem dado a real
importância para eles na sociedade contemporânea. Quando é desenvolvido
desde muito cedo determinados princípios e valores, as crianças aprendem
a ser mais tolerantes culturalmente, e no futuro teremos um adolescente, um
jovem e um adulto muito mais comprometido e consciente do seu papel,
enquanto cidadão e cidadã.
Essa adaptação de uma nova educação, que valorize as várias identida-
des culturais deve ser processual, respeitando o tempo necessário para aderir
a tantas mudanças. Esse tipo de educação deve propiciar fortes mudanças,
e para isso o currículo escolar, deve ser flexível a essas mudanças. E isso
requer, tempo, comprometimento, amadurecimento e ações interventoras
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 89

e emergenciais de todos que constroem e fazem a educação de fato fluir


e acontecer.
As políticas públicas educacionais devem combater os diferentes tipos
de preconceitos, existente na sociedade atual, um grave problema que, serve
de obstáculo para o êxito da educação multicultural em muitos aspectos.
O currículo escolar, só terá um novo sentido e um novo significado
quando, o mesmo for de fato produtivo, e reformulado visando não apenas
um pequeno grupo e sim a coletividade. O que se nota, que a educação de
qualidade é privilégio para poucos, e existe um número significativo de pes-
soas as margens da exclusão social
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Deste modo a educação deve ser a primeira prioridade e a primeira


preocupação para todas as esferas administrativas de uma sociedade. Quando
ocorrer tais mudanças, haverá novos efeitos. E estes efeitos ajudaram de forma
significativa a construir seres humanos conscientes e capazes de estabelecer
relações sociais equânimes.
Por último, em resposta ao objetivo inicial e a situação problema aqui
proposta, conclui-se que o objetivo foi atingido, pois a partir dessa discussão
foi possível refletir sobre a temática, desconstruindo visões preconceituosas,
acerca das demais culturas existentes, reconhecendo que é necessário esta-
belecer diálogos interdisciplinares em prol de uma educação mais inclusiva
e menos exclusivista. Como sugestão, indica-se que novos estudos, sejam
realizados dentro desse campo de pesquisa, para que sejam aprofundados
outros aspectos que estão contextualizados com a temática.
90

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PARTE II – EDUCAÇÃO DOS GRUPOS,


POVOS E POPULAÇÕES AMAZÔNICAS
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ALUNOS SURDOS LGBTQIA+: os
entraves na contemporaneidade em vivências
de surdos em seus processos formativos
Tiago Ruan Pereira e Silva
Alexandre Adalberto Pereira
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Introdução

Este artigo tem como objetivo discutir sobre a interseção dos preconceitos
e adversidades que surdos LGBTQIA+ sentem em suas vivências e no seu
processo educacional, frente a dois processos opressivos: a condição de pessoa
com “deficiência” – termo atribuído pela cultura ouvinte – e a sua sexualidade.
O “fracasso escolar” da cultura surda possui um encadeamento com o
fato de as próprias instituições escolares, denominadas como “inclusivas”,
terem sido concebidas por meio de perspectivas “não surdas”, que são espaços
que historicamente negaram e patologizaram a surdez. Para que se entenda a
surdez e homossexualidade como algo não patológico, defendido e pautado
ainda como doenças perante crenças e falácias discorridas dentro da sociedade
ouvinte, especificamente de próprios profissionais que ainda não estão aptos
para atuarem com esse público, deste modo, se faz importante compreender
a interseccionalidade desses dois processos opressivos e a forma como se
articulam. Uma vez que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é usada pela
maioria dos surdos brasileiros diariamente, é através dela que a comunidade
surda se expressa
Um dos motivos que levam aos surdos a deterem uma escolarização de
má qualidade é em razão de uma “inclusão excludente”, termos atribuídos por
Kuenzer (2002), representa as estratégias de “inclusão” dos níveis e moda-
lidades da educação brasileira que não reflete nos padrões de qualidade que
deveriam formar identidades autônomas intelectualmente capazes de superar
demandas do capitalismo.
Na escola, o indivíduo surdo pode vir a sentir exclusão e indiferença, uma
vez que nesse ambiente, o professor titular, por não saber trabalhar com esse
aluno surdo em sala de aula, por falta de preparação, acaba desenvolvendo
a exclusão do mesmo, pois a incompatibilidade linguística com os ouvintes
resulta em contextos de desprovimento na formação de surdos, sendo assim,
se faz necessário nos currículos a inclusão da Língua Brasileira de Sinais
(Libras), pois são raros os profissionais que sabem sinalizar nessa modalidade.
96

Situação parecida com o aluno LGBTQIA+, que, na maioria dos casos,


não se sente acolhido dentro da escola, vivenciando discriminações por parte
de colegas de classe, levando aos docentes em dados momentos a não saber
o que fazer, e quando este discente, possui uma orientação sexual conside-
rada “desviante” do padrão heteronormativo, e possa vir a possuir alguma
especificidade, como a surdez, essas discriminações se tornam mais intensas.
Apresentando este termo novo por Jouber Silvestre (2014), ainda desco-
nhecida nos dicionários formais, a surdofobia: o olhar discriminatório sobre
a pessoa surda – é importante contextualizar outro termo, o mesmo traz essas
discussões que também vêm ganhando espaço nas esferas educacionais e

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políticas na região centro-oeste: a homossurdofobia. Para Silvestre (2014.
p.109) “Surdos-homossexuais certamente sofrem discriminações quer pela
condição relacionada à sua ‘deficiência’, quer por sua orientação sexual ‘des-
viante’, é importante problematizar [...]”.

Na tentativa de articular essas duas categorias, homofobia e surdofobia,


ainda em caráter exploratório, faço uso do que no momento acredito ser
possível tratar como homossurdofobia, ou seja, aquilo que transcende
tanto aspectos de origem e ordem física e patológica, quanto aspectos de
orientação sexual (Silvestre, 2014, p. 108)

Assim dizendo, homossurdofobia representa o duplo preconceito que a


pessoa surda LGBTQIA+ enfrenta, por conta de seus marcadores identitários
apresentados acima. Com o foco em discorrer essas duas interseccionalidades de
dois processos opressivos, a surdofobia e homofobia, pegando como representa-
ção o termo que Silvestre (2014) apresentou – a homossurdofobia –, acredito que
retrata de forma soberana os impasses que estes sujeitos sentem nesse processo.
Neste trabalho, o foco da pesquisa bibliográfica incidiu a partir das contri-
buições de Strobel (2006), com essa referência, se busca desenvolver o debate
de inclusão destes sujeitos surdos nas escolas, e as formas como os mesmos
são tratados neste ambiente, tendo em vista a falta de preparo estrutural da
instituição e metodológico do corpo docente que não possui, geralmente,
formação continuada.
No ponto de vista da diversidade que o sujeito surdo-homossexual está
inserido, Silvestre (2014) elenca as adversidades que estes surdos sentem fora
do núcleo educacional por conta de seus marcadores identitários – surdez
e sexualidade. Estes autores e demais citados no trabalho, como Junqueira
(2009), contribuem para discussões ao que concerne as especificidades da
comunidade LGBTQIA+.
Para Crenshaw (2002), a interseccionalidade identifica a percepção de
pertencimento a determinado grupo que são historicamente excluídos, podendo
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 97

torná-los vulneráveis nas mais diversas formas de discriminação. “Umas das


razões pelas quais a interseccionalidade constitui um desafio é que, franca-
mente, ela aborda diferenças na diferença” (Crenshaw, 2002, p. 7). Os sujeitos
deste estudo pertencem simultaneamente a muitos grupos identitários, essas
identidades complexas podem moldar e resultar em maneiras singulares como
estes/as vivenciam diferentes processos opressivos, tais como a homofobia,
surdofobia e o preconceito linguístico. A interseccionalidade será utilizada
como ferramenta analítica para compreender estes diferentes processos opres-
sivos, em sobreposição não hierárquica, a estes sujeitos que pertencem a
inúmeros grupos sociais.
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Idendidades subalternizadas: a (des)colonização e resistências


na contemporaneidade

Na década de 60, as leis oprimiam a comunidade LGBTQIA+, deixan-


do-a excluída do processo de socialização. Intervenções da polícia nos bares
frequentados por estes sujeitos, eram incessantes, seguidas de prisões e humi-
lhações. Em Nova York, em 28 de junho de 1969, os frequentadores do bar
Stonewall Inn se uniram contra as abordagens de policiais, levando uma
série de confrontos por dias no bairro de Greenwich Village. A rebelião de
Stonewall, conhecida mundialmente, é considerada o marco do movimento
moderno pela busca de direitos humanos da comunidade LGBTQIA+.
Em 28 de junho de 1970 foi organizada e comemorada a primeira marcha
do Orgulho Gay, que comemorou os feitos da comunidade um ano após os
protestos da Rebelião de Stonewall. A luta por reconhecimentos dos direitos
da comunidade LGBTQIA+ começou em Stonewall, 5 décadas atrás, e conti-
nua atualmente. Apesar de se ter inúmeras redes e movimentos que trabalham
para assegurar os direitos humanos da comunidade, ainda permeiam muitos
desafios a serem superados.
Na década de 60, a cultura surda, passa por inúmeros processos de
opressão, assim como a comunidade LGBTQIA+, entretanto, nesse mesmo
momento, a língua de sinais americana estava ganhando notoriedade dentro
do campo da linguística como uma língua completa, assim como as línguas
orais. Willian Stokoe, um linguísta americano, contribuiu significamente para
que este feito ocorresse. Os surdos, por décadas, assim como a comunidade
LGBTQIA+, viveram momentos de muito terror, importante frisar que em
1880, houve o congresso de Milão, um evento que marcou negativamente por
100 anos, a vida de milhões de surdos pelo mundo.
Neste evento foi decidido – por professores ouvintes – que todas as
escolas do mundo fossem proibidas de ensinar qualquer sinal ou gesto para
98

alunos surdos, pois estes deveriam aprender a falar, em decorrência disso, o


método adotado foi o método oral11.
Tanto a comunidade LGBTQIA+, como a surda, viveram momentos
dolorosos de negação contra sua cultura, de seus ideais e identidade, o que
nos leva a refletir, como pessoas que possuem estes dois marcadores identi-
tários – a surdez e uma orientação sexual considerada “desviada” do sujeito
norma – constituía sua identidade e quais eram seus mecanismos de defesa
pois o preconceito contra o surdo LGBTQIA+ é prevalecido em decorrência
das pré- noções, concepções preconcebidas e idealizadas sobre o que cultu-
ralmente é aceitável na concepção do que é normal.

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A educação é um mecanismo protagonista na construção dessas discrimi-
nações como modelo comportamental socialmente estabelecido, posto que, a
comunidade surda, como parte das minorias, sempre foi vista e como sujeitos
que “davam pena só de olhar” pela sociedade ouvinte pois, são “menos capa-
zes”. A família é a nossa primeira instituição educacional, a normatividade
social e identitária, pesa nas decisões sobre o processo de alfabetização do
indivíduo surdo, uma vez que se os pais não procurarem aprender a língua
natural do filho surdo, a comunicação torna-se penosa para o desenvolvimento
e educação do mesmo.
Deste modo, nota-se que o preconceito gera preconceito. O processo de
alfabetização do surdo no português, como ocorre na maioria dos casos, não
só constitui como a negação de seus direitos, como ao acesso ao desenvol-
vimento como ser humano e, quando o mesmo possui uma sexualidade que
não segue padronizações como a da heterossexualidade, sofre uma negação
mais densa, ou seja, pode vir a ter probabilidade de não possuir seus direitos
de desenvolvimento como cidadão na esfera escolar e de não possuir o livre
arbítrio para escolher com quem se relacionar e/ou com que viver.
Para que estas opressões não sejam mais presentes na vida desses sujeitos,
como em décadas atrás, se faz necessário a urgência de educação sexual e
de gênero em todos níveis escolares, palestras sobre inclusão e diversidade,
dentro do campo da educação especial, aplicação exemplar dos dispositivos
legais de criminalização do racismo homotransfóbico e capacitista, políticas
públicas que assegurem a cidadania e apelo para que estes sujeitos de tais
violências reajam e denunciem sempre todo tipo de discriminação.

11 Oralismo é um método de ensino para surdos, defendido por Alexandre Graham Bell (1874 – 1922). Este
método considera que a maneira mais eficaz de ensinar o surdo é através da língua oral ou falada, utilizando
o treino da fala, da leitura labial (oralização) e treino auditivo.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 99

Interseccionalidade entre homofobia e surdofobia

Kimberlé Crenshaw (2002), elaborou o conceito das teorias para trabalhar


a ideia de mulher e raça, que se forem analisados separadamente, se tornam
genéricos, essa generalidade, acerca da categoria mulher, faz com que não se
tenha uma boa análise aprofundada de dominação, opressão e discriminação.

Um dos objetivos é identificar mecanismos para que instituições trabalhem


em conjunto para garantir que a discriminação racial que afetam mulheres
e a discriminação de gênero que afeta mulheres negras sejam consideradas
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mutuamente e não de uma maneira excludente [...] meu trabalho também


procura estabelecer pontes entre políticas desenvolvidas para eliminar
a desigualdade racial e de gênero no contexto nacional. Muitas nações,
como o Brasil e Estados Unidos, têm promovido mecanismos de proteção
legal contra as discriminações racial e de gênero. No entanto, as leis não
preveem que as vítimas da discriminação de gênero podem ser mulheres
negras, elas acabam não surtindo o efeito desejado e as mulheres ficam
desprotegidas (CRENSHAW, 2002, p. 8).

Como exemplo dessa mecânica conjunta de opressão de raça e gênero,


podemos destacar a conexão entre o racismo e sexismo, e como essas duas
camadas recaem sobre o que representa ser mulher preta brasileira. A partir
da discriminação racial e a hierarquia já constituída, ter a pele preta é ocupar
uma posição de inferioridade, enquanto o sexismo, aciona a desqualificação do
feminino. Mulheres pretas, em comparação as brancas, se sentem a trabalharem
mais para serem respeitadas, as leis não são tão rígidas e ágeis para seus opres-
sores, infelizmente, a exclusão e desrespeito permanece em suas caminhadas.
Neste viés, pensar na pessoa LGBTQIA+ e nas pessoas com deficiência,
que por séculos, foram, em suma maioria, as mais dizimadas, eram responsáveis
pela não “evolução” da humanidade, perante as concepções dos brancos (ouvin-
tes), o que levou na concepção nessa verdade permeando por séculos. À comu-
nidade surda, por possuir uma cultura visual-gestual, a dificuldade inicia-se
deste ponto, tendo em vista que, as famílias, ao descobrirem o diagnóstico do
filho com surdez, sofrem fases dolorosas de assimilação e aceitação e, quando
o aceitam, podem vir, anos mais tarde, a “sofrer” com outra novidade: o mesmo
se descobrir gay, bissexual ou transexual, ou seja, uma situação complexa, pois
os discursos recaem sobre a lógica da padronização heteronormativa, já que
“ser ‘deficiente’ até vai, mas gay, aí já é demais!” (Silvestre, 2014).
Se atualmente as discussões sobre deficiência e sexualidade estão sendo
mais debatidas no campo da diversidade – em comparação a década passada –,
Mello e Nuernberg (2012) atribuem essa influência por conta do movimento
100

feminista, que nos anos 2000, o modelo social de pessoas com deficiência
passava por uma nova revisão. Sendo assim, autoras feministas, pela primeira
vez na história no campo da diversidade, mencionaram a importância do
corpo que possui uma especificidade e o seu devido cuidado, dando visibili-
dade para dor e repressão daqueles que são considerados “inválidos” perante
a sociedade. “Foram as feministas que introduziram a questão das crianças
deficientes, das restrições intelectuais e, o mais revolucionário e estrategica-
mente esquecido pelos teóricos do modelo social, o papel das cuidadoras dos
deficientes” (Mello; Nuernberg, 2012, p. 639).
Neste sentido, estes estudos deram suporte ao não preconceito, pois

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corpos com deficiência possuem valor e, apesar das limitações em detrimento
dos espaços arquitetônicos, merecem atenção, especialmente em relação aos
debates da deficiência como uma condição de indefensabilidade para os pro-
cessos opressivos de orientação sexual e gênero.

Trabalhos de feministas merecem destaque tanto por problematizarem,


implícita ou explicitamente, a relação entre deficiência e gênero quanto por
apontarem para uma total falta de preocupação dos movimentos feministas
com a questão da deficiência; e dos movimentos de pessoas com deficiên-
cia em relação à importância de outras categorias identitárias, em especial
a de gênero, igualmente significativas para a formação da identidade das
pessoas com deficiência. Tomando o exemplo do trabalho de Ferri e Gregg,
as mulheres com deficiência têm sido historicamente negligenciadas por
esses dois movimentos (Mello; Nuernberg, 2012, p. 639).

Isso significa que mulheres com deficiência passam por dupla desigual-
dade, devido a densa combinação de processos opressivos assentada em defi-
ciência e gênero. O que ocorre nas trajetórias de surdos/as/es LGBTQIA+
que são abrangentemente vulneráveis, em decorrência de sua sexualidade,
barreira linguística, etnia e seu quadro socioeconômico.
“[...] nota-se a existência da subalternidade de categorias de diferen-
ciação, síntese da junção de vários eixos de exclusão e exploração social”
(Abreu et al. 2015, p. 609). Um contexto que se agrava quando combinado as
ideologias de classes hetenormativas e sem deficiência, em razão da surdez ser
tomada como o único marcador identitário desses indivíduos, há uma nega-
ção de que surdos/as/es gays possam ter desejos afetivo-sexuais destoantes
do padrão heterormativo, são contextos que resultam na invisibilidade da
sexualidade dos mesmos.
Partindo dos conceitos de Kimberlé Crenshaw, que conceituou a inter-
seccionalidade, a ideia de mulher e raça unificadamente, para compreender
os impasses da mulher preta, a autora incentivou para a compreensão das
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 101

particularidades pertencentes ao movimento da LGBTfobia, manifestação esta


que representa a interseccionalidade da discriminação e violência a todos os
segmentos que a ela pertence. Bifobia, Lesbofobia, Transfobia, Gayfobia, etc.

[...] o fato de que, tradicionalmente, o entendimento era que quando as


mulheres vivenciam situações de violação dos direitos humanos, seme-
lhantes as vivenciados por homens, elas podiam ser protegidas. No entanto,
quando experimentavam situações de violação dos direitos humanos dife-
rentes dos vivenciados por homens, as instituições de defesa dos direitos
humano não sabiam exatamente o que fazer (Crenshaw, 2002, p. 9).
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Para Collins e Bilge (2020) a interseccionalidade reconhece a com-


preensão do pertencimento a determinado grupo, que os torna indivíduos
vulneráveis de incontáveis formas de opressão, em razão de pertencermos
a muitos grupos, nossas identidades moldam maneiras particulares de como
vivenciamos essas opressões. “A interseccionalidade lança luz sobre esses
aspectos da experiência individual que podemos não perceber” (Collins; Bilge,
p. 30). Essas opressões fazem a parte das vivências desses indivíduos que
não pertencem a padrões hegemônicos, cada sujeito experiencia os processos
opressivos de formas distintas.

Pessoas que “descumprem” as regras socialmente impostas estão passí-


veis de sofrer drásticas consequências, incluindo violências de diversas
ordens. A homofobia transcende valores, mecanismos de exclusão, fere
a moral – dos outros, é verdade –, sistemas de crenças e representações,
padrões sociais e indenitários (Silvestre, 2014, p. 79).

Grupos historicamente excluídos, sofrem consequências em seu contexto,


no caso de surdos(as) LGBTQIA+, são obrigados(as) a se adaptarem numa
cultura majoritariamente ouvinte e heterossexista, que lhe exclui e repreende
não lhe dando voz, obrigando-o a sentir a cultura diminuída e subalternizada.

O ouvintismo está para o surdo como a heteronormatividade está para


o homossexual: o outro decide onde, quando e como o subalternizado
deve se comportar. A soma de esforços, pelo menos por grande parte
da sociedade, é para formar cidadãos que sejam heterossexuais, ou que
pelo menos desenvolvam comportamentos categorizados e aceitos como
heteronormativos (Silvestre, 2014, p. 84).

Strobel (2006) explica que qualquer pessoa que tenha um contato com
a comunidade surda sabe que a definição da palavra surdez, pelos indivíduos
surdos, tem grande influência por sua identidade grupal, é uma comunidade
102

com força política que está ativamente lutando pelos seus direitos, assim
como grupo LGBTQIA+.
O aparecimento da surdez, por vezes, é visto com maus olhos, como se
fosse um contágio, oriundos das más condições sanitárias de uma classe menos
favorecida, pensamentos este que algumas pessoas têm de pessoas homosse-
xuais, vistos como doentes que ainda podem ter uma “cura”, e quando esta
pessoa possui estas duas subjetividades recriminadas pelo padrão hegemônico,
são repreendidas em casa e na escola.
Missiatto (2021) explicita que o branco, hétero, colonizador criou os
entraves das desigualdades, indiferenças, que levou a segregação de milhões

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de pessoas, transformando a injustiça em privilégios.

Os diferentes carregam o peso secular do pecado gerado pela impossi-


bilidade de se adequarem as referências ditadas pelo sujeito-norma.
Esse sujeito, que se fez legítimo por si mesmo, definiu o mundo a partir
de lentes de sua realidade, estabeleceu valores como únicos e construiu a
universalidade da humanidade a partir de síntese dele mesmo (Missiatto,
2021, p. 15).

Para o autor, a normatividade é algo recente, a compreensão sobre este


fenômeno somente é possível entender no contexto colonial/colonialidade,
pois estes termos derivam da afirmação do branco colonizador como o padrão
de humanidade a ser seguido. A colonialidade normativa é o poder, saber e
ser operando em conjunto para a normatização de privilégios de grupos hege-
mônicos. Inter-relacionando com a luta de surdos, essa segregação histórica
é a afirmação de quem não é ouvinte, não possui local de fala.

[...] conversão das identidades em um produto disponível de ser mani-


pulado por uma enunciação produzida e controlada pelos colonizadores,
cujo objetivo foi sempre desumanizar certa parcela da população para que
pudesse ser explorada pelos grupos dominantes (Missiatto, 2021, p. 108).

Esses processos opressivos contra grupos minoritários, produz o sujeito


pós-moderno, contextualizando como uma pessoa que não tem uma identidade
fixa, permanente ou essencial. A identidade é transformada paulatinamente
em relação as formas pelas quais estes sujeitos são representados nos sistemas
culturais que os rodeiam (Missiato, 2021).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 103

Considerações finais

O preconceito intelectual é mais do que presente na vida de sujeitos


LGBTQIA+, especificamente da pessoa surda, pois é um processo opressivo
que oriunda da barreira linguística, para se ter ideia de como os governos
falham com a educação de pessoas com especificidade, nos anos iniciais,
na escola, o(a) surdo/a/e não tem contato com sua língua materna, ou seja,
há grandes chances de possuir uma formação defasada, sem domínio da
escrita, leitura e de sua própria língua — pois grande parte só aprende sua
língua natural com demais surdos, em detrimento da maioria das escolas não
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possuir estruturas para ensiná-los.


Na percepção da homossexualidade, a descoberta também é externa com
uma mistura de acusações e culpas. Por estas questões é que o preconceito no
seio familiar/escolar acerca das experiências afetivo-eróticas de surdos/as/es
parece está longe de se compreender. Sendo assim, família e escola possuem
um papel fundamental no desenvolvimento e na identidade do indivíduo, e
quando há exclusão por parte de uma, ou até mesmo das duas, se torna um
desafio para este/a aluno/a/e em sua trajetória.
Embora a surdez seja vista como uma deficiência “que limita” e a homos-
sexualidade uma doença que possui uma “cura”, a sociedade desconhece o
potencial dos sujeitos que possuem estes dois marcadores identitários. Ainda
que sejam tomadas como marcadores marginalizantes, para surdos/as/es LGB-
TQIA+, são características identitárias consideradas motivo de orgulho.
104

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CULTURA ESCOLAR E AS
DISCUSSÕES DE NORMA, GÊNERO
E SEXUALIDADE NA ESCOLA
Marina de Almeida Cavalcante
Alexandre Adalberto Pereira
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Introdução

Este artigo tem por objetivo apresentar reflexões sobre a cultura escolar
e a sua influência para o debate de gênero e sexualidade dentro da escola, a
qual será tema de uma pesquisa de mestrado em desenvolvimento, no período
entre setembro de 2022 a agosto de 2024, cujo foco é relacionar a LGBT-
QIA+fobia e o estresse de minorias, em adolescentes, do Instituto Federal do
Amapá, campus Macapá. Sendo assim, traçaremos uma breve conceituação de
cultura; em seguida, relacionar-se-á cultura e educação para então chegarmos
à cultura escolar propriamente dita e analisar de que forma ela pode interferir
– seja positiva ou negativamente – no ambiente escolar e de que maneira pode
contribuir proporcionando o debate sobre as questões de gênero nas escolas.
Para Elías (2015), os estudos que envolvem as questões escolares como
as relações entre os diferentes atores, os rituais, os procedimentos, os valores,
as normas, geralmente consideradas partes da cultura escolar, tem uma consi-
derável relevância tanto do ponto de vista acadêmico como desde a definição
de políticas educativas.
Precisamos entender ainda que a norma de gênero12 traz à tona também
que o gênero como herança colonial não serve apenas para punir os sujeitos
destoantes, mas também dirigir a conduta cisheterossexual13 de seus mem-
bros. É um processo pedagógico que atua desde muito cedo na limitação
das liberdades por também organizar previamente a identidade dos sujeitos
cisheterossexuais, e por agir pela dessensibilização dos afetos para que as
pessoas heterossexuais sejam capazes de impor às vidas desviantes a disciplina
adequada. Desta maneira, a norma de gênero trata-se de uma tecnologia de
poder utilizada para legitimar pequenos grupos em campos de privilégios e

12 Missiato (2021) afirma que a norma de gênero acontece em função da produção de sentidos ao redor da
figura do homem branco, burguês e cisheterossexual, sendo esse o sujeito-norma.
13 Cisgênero refere-se ao indivíduo que se identifica totalmente com o seu gênero de nascença. O heterossexual
é aquela pessoa que se relaciona com pessoas do sexo oposto.
108

direitos. Assim, por meandros similares aos do racismo, atua na estratificação


humana hierarquizando as vidas a partir de marcadores que funcionam como
um funil para garantias de direitos de sujeitos absolutizados nos terrenos dos
privilégios sociais (Missiato, 2021).
Este texto trata-se de um ensaio com características de pesquisa biblio-
gráfica. De acordo com Pizzani et al. (2012), a pesquisa bibliográfica é uma
revisão (levantamento bibliográfico) da literatura sobre as teorias norteadoras
do trabalho científico, cujos objetivos são: proporcionar aprendizado sobre
uma área de conhecimento; facilitar a identificação e a seleção de métodos e
técnicas, os quais serão utilizados pelo pesquisador; oferecer subsídios para

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a redação da introdução e revisão da literatura e a redação da discussão do
trabalho científico.
Sendo assim, faz-se necessário compreender a cultura escolar e como a
mesma pode relacionar-se com a questão de gênero e sexualidade no ambiente
escolar. Então, a partir do levantamento bibliográfico realizado, os resultados
foram agrupados e serão discutidos baseados nas seguintes categorias, sendo
elas: cultura, cultura escolar, norma, gênero e sexualidade na escola.

Conceituando cultura e a sua relação com a educação

De acordo com Cuche (2002), para compreendermos o sentido atual


do conceito de cultura e a sua utilização no âmbito das ciências sociais é
necessário olharmos para a sua gênese social e isso significa investigar como
a palavra foi formada e o conceito científico que dela depende, localizando
então, a sua origem e a sua evolução semântica.
No final do século XIII, a palavra cultura surgia para designar uma par-
cela de terra cultivada; no entanto, no início do século XVI, passava a signifi-
car uma ação: o fato de cultivar a terra, mas somente na metade desse século,
formou-se o sentido figurado e cultura poderia ser entendida como o fato de
trabalhar para desenvolvê-la. Vale ressaltar, que tal sentido teve pouco reco-
nhecimento no meio acadêmico até a metade do século XVII. Sendo assim,
até o século XVIII, houve uma evolução do conteúdo semântico da palavra e
que pode ser justificada pelo movimento natural da língua, sendo precedida
tanto pela metonímia (da cultura como estado à cultura como ação) quanto
pela metáfora (da cultura da terra à cultura do espírito) (Cuche, 2002).
Inicialmente, a palavra cultura apontava para um minucioso processo
material, vindo a ser – metaforicamente – transposto para os assuntos do
espírito. A raiz latina da palavra é colere, que abrange o significado desde
cultivar e habitar até prestar culto e proteger. Tratando-se do seu signifi-
cado como habitar, esse evoluiu desde o latim colunus até ao colonialismo
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 109

contemporâneo, pelo que títulos como Cultura e Colonialismo são, uma vez
mais, sutilmente tautológicos. Porém, colere também originaria, através da
expressão latina cultus, o termo religioso culto, precisamente quando, na era
moderna, a própria ideia de cultura é substituída por um efêmero conceito de
divindade e transcendência (Eagleton, 2011).
Para Eagleton (2011), cultura descreve tanto uma transição histórica
como codifica questões filosóficas fundamentais; há em torno dela liberdade
e determinismo, atividade e resistência, mudança e identidade, aquilo que é
dado e aquilo que é criado, todos emergindo de forma difusa. Etimologica-
mente, cultura sugere uma dialética entre o artificial e o natural, aquilo que
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as pessoas fazem ao mundo e o que o mundo faz com elas.


Ancorado em Raymond Williams, Eagleton (2011) faz um recorte abran-
gendo três grandes sentidos modernos da palavra cultura, tentando marcar as
suas diferenças, sendo eles: 1) em torno do século XVIII, cultura era sinônimo
de civilização, fazendo parte de um processo geral de progresso intelectual,
espiritual e material, estando relacionada então com os costumes e a moral
de um grupo ou indivíduo. Dentro dessa definição, houve uma tensão daquilo
que era civilização e do que era cultura, pois enquanto civilização minimizava
diferenças nacionais, cultura as realçava; tal tensão era devida a rivalidade
entre Alemanha e França.
Cuche (2002) realiza esse debate franco-alemão sobre a cultura ou a
antítese “cultura-civilização”, do século XIX e início do XX, no qual afirma
que a ideia alemã de cultura evoluiu pouco no século XIX sob a influência
do nacionalismo e ligava-se cada vez mais ao conceito de “nação”, sendo
definida como um conjunto de conquistas artísticas, intelectuais e morais, as
quais formavam o patrimônio de uma nação, considerado como adquirido
definitivamente e fundador de sua unidade. Por outro lado, na França acon-
teceu de forma diferente, cultura enriqueceu-se com uma dimensão coletiva,
deixando de referir-se apenas ao desenvolvimento intelectual do indivíduo,
mas também se referia a um conjunto de caracteres próprios de uma comu-
nidade, em sentido vasto e impreciso.
Prosseguindo com os sentidos de cultura, 2) o segundo sentido tem como
marco os idealistas alemães, no qual a ideia de cultura começou a assumir
algo do seu significado moderno enquanto modo de vida com características
específicas, estando estreitamente relacionada à atração anticolonialista do
Romantismo pelas sociedades exóticas suprimidas. Em meados do século
XIX, com consolidação apenas no início do século XX o termo cultura pas-
sou a ser utilizado na sua forma plural (conceito proposto por Herder), pois
tentava se referir às culturas de diferentes nações e períodos e também às
culturas econômicas e sociais dentro de uma mesma nação. Aqui, cultura é
110

praticamente o antônimo de civilidade. Por fim, 3) o terceiro sentido é reduzir


a categoria geral de cultura a um conjunto de obras artísticas, significando
assim, um corpo de obras artísticas e intelectuais de reconhecido valor, além
de instituições que as produzem, disseminam e regulam (Eagleton, 2011).
Sendo assim, ressalta-se que, a partir de quatro momentos de crise his-
tórica, é que a cultura começa a ter uma certa importância, ou seja, quando se
torna a única alternativa aparente a uma sociedade degradada; quando parece
que, sem uma profunda alteração social, a cultura na acepção das belas-artes
e da excelência de vida já não serão possíveis; quando proporciona os termos
em que um grupo ou um povo procuram a sua emancipação política; e quando

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um poder imperialista é obrigado a transigir com a forma de vida daqueles
que subjuga (Eagleton, 2011).
Trazendo o conceito de cultura para articulá-lo com a educação, pode-se
mencionar Kant, pois para ele educação é entendida como o cuidado, a disci-
plina e a instrução, sendo através dessas duas últimas, que ocorre a formação.
Então, de acordo com Kant citado por Veiga Neto (2003):

Na educação, o homem deve, portanto:


1) Ser disciplinado. Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a animali-
dade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade.
Portanto, disciplina consiste em domar a selvageria.
2) Tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos.
A cultura é a criação da habilidade e essa é a posse de uma capacidade
condizente com todos os fins que almejemos [...].
3) A educação deve também cuidar que o homem se torne prudente, que
ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e que tenha
influência. A essa espécie de cultura pertence o que se chama propriamente
civilidade. Esta requer certos modos cortezes, gentileza e a prudência de
nos servimos dos outros homens para os nossos fins [...].
4) Deve, por fim, cuidar da moralização [...] (p. 9).

Portanto, o indivíduo, dentro do âmbito da educação, deveria abranger


todos esses critérios, inclusive contemplando ao caráter de culto. Então, con-
forme Veiga Neto (2003), a educação escolarizada foi posta para atender a
uma modernidade, a qual teria que ser mais homogênea e menos ambivalente
possível. Com isso, a escola foi colocada a serviço da limpeza do mundo.
Mas o que seria um mundo mais limpo? Para Veiga Neto (2003) seria um
mundo que – junto com a civilidade – desenvolvesse também uma cultura
universalista, no qual as demais manifestações e produções culturais dos
outros povos não passariam de casos particulares. Já no âmbito da cultura, um
mundo totalmente limpo seria uma situação sociocultural em que, no limite,
cada ponto do espaço social tem uma relação de identidade com os pontos
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 111

adjacentes e quando tal limite fosse atingido, o conjunto estaria homogêneo


(de forma inteira) e com um risco social igual a zero. Essa é a denominação
de máxima isotropia.

Cultura escolar: as discussões de norma, gênero e sexualidade


na escola

Com o passar do tempo, os estudos sobre a escola estão cada vez mais
presentes nas pesquisas, com os mais diversos enfoques de análise. No entanto,
um elemento sempre presente nesses estudos é o reconhecimento da existência
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de uma cultura própria da instituição chamada escola, uma cultura cuja prática
social é própria e única (Silva, 2006). Para Elías (2015) os estudos sobre a
cultura escolar atingiram um considerado desenvolvimento na última parte
do século XX, ao passo em que permitiram voltar os olhares para o interior
dos processos escolares para descrever além de compreender os problemas
que tais processos representavam.
Elías (2015) afirma que as escolas possuem uma cultura própria e que
existem complexos rituais de relações pessoais, tradições, costumes, normas
que acabam por constituir um código moral. Assim, considerando a escola
como uma instituição com cultura própria extraem-se dela alguns elementos
ditos como principais: os atores, sendo eles as famílias, os professores, gesto-
res e alunos; os discursos e as linguagens, que seriam as formas de comunica-
ção; as instituições (organização escolar e o sistema educativo); e as práticas,
consideradas como pautas de comportamento, as quais se consolidam durante
um tempo (Silva, 2006).
Além disso, os programas oficiais e os resultados efetivos da ação da
escola são as partes de uma cultura que a escola proporciona para a sociedade.
Isso significa que a cultura escolar é a cultura adquirida no âmbito da escola,
encontrando nela a sua forma de difusão e a sua gênese. Dessa maneira, a
escola tem uma função social básica, a qual ultrapassa a prestação de serviços
educativos e justamente por isso, não pode ser apenas entendida como uma
organização social (Silva, 2006).
Elías (2015) conceitua cultura escolar como sendo padrões de signifi-
cados transmitidos historicamente, os quais abrangem as normas, os valores,
as crenças, as cerimônias, os rituais, as tradições e os mitos compreendidos
pelas pessoas que compõem a comunidade escolar. Em geral, tal sistema
de significados forma aquilo o que as pessoas pensam e a maneira como
agem. Assim, dentro de uma cultura em geral, em especial na cultura escolar,
existem características que são tanto estáticas quanto dinâmicas: o caráter
estático põe-se evidente porque – por um lado a cultura cria um caráter único
112

no sistema social, a medida que promove um sentido de pertencimento e


compromisso, além de participar (de forma ativa) na socialização de novos
membros, inserindo-os em uma particular perspectiva da realidade. Já o seu
caráter dinâmico está nas mudanças que os membros da organização interagem
com novas ideias e enfoques.
Para Silva (2006), a escola é a principal instituição dentro de uma socie-
dade, já que é ela a responsável pela educação formal dos seres humanos e é por
isso que a escola é a base para o conceito de sociedade moderna, considerada
como um dos principais motores de triunfo da modernidade. Sendo assim, a
vida rotineira da escola, a partir da sua dinâmica interna – reelabora as normas,

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valores, práticas comunitárias, proporcionando assim, uma nova aparência, mas
sem se distanciar daquilo que está acontecendo na sociedade a fora.
A cultura adentra em todas as ações da rotina escolar, influenciando os
seus ritos e suas linguagens, determinando as maneiras como deve se orga-
nizar e gerir e compondo os sistemas curriculares. Então, a função da cultura
escolar não é exatamente proporcionar uma incorporação de outros valores
que não sejam os objetivos escolares. É importante ressaltar que a cultura
escolar é fundamental para a formação dos indivíduos, além do desenvolvi-
mento da carreira acadêmica. Por isso, tanto os discursos quanto as maneiras
de comunicação e de linguagens vigentes no cotidiano escolar contribuem
para a sua cultura (Silva, 2006).
Com isso, podemos citar, que muitas vezes a escola acaba por reproduzir
aquilo que é imposto pela sociedade, de forma padronizada e hierarquizada,
influenciando consequentemente, a maneira como a cultura escolar organiza-se,
já que a norma colonial – baseada no humano europeu – construiu abismos de
desigualdades, formou ilhas de indiferenças, segregou populações em campos
de extermínio, ergueu muros atijolados com o preconceito, deflagrou a cida-
dania de papel, transformou a injustiça social em privilégios e a desigualdade
em meritocracia. O grande problema da humanidade é a norma produzida pela
dicotomia ontológica, pela diferença colonial e pela colonialidade que segre-
gam as vidas em humanas e não humanas a partir de princípios normativos
eurocêntricos e nortecêntricos. Não é o sujeito que sofre, nem mesmo aquele
que pratica a norma, o problema é a norma em si mesma em sua arqueologia,
epistemologia, ética e estrutura, já que ela é sistêmica, econômica, estrutural,
filosófica, política, ecológica, pedagógica e poder (Missiato, 2021).
A colonialidade normativa refere-se ao conjunto de normas do ser, poder
e saber que operam interseccionalmente para a sustentação dos privilégios de
grupos hegemônicos enquanto explora e domina os grupos identitários enun-
ciados historicamente pelo colonizador como identidades inferiores, inumanas
e subdesenvolvidas. Além disso, a colonialidade emerge como um produto
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 113

simbólico que se mantém mesmo com a extinção do colonialismo como uma


lógica de relação de poder entre os sujeitos, exercida como um modelo de vida.
O essencial da colonialidade normativa encontra-se no fato de que a produção
de contingentes humanos invisibilizados, desumanizados e permanentemente
tensionados às margens sociais é fundamento necessário para que a estrutura
segmentária de privilégios, historicamente legada à branquitude masculina,
cisheterossexual e burguesa, seja mantida (Missiato, 2021).
Quijano (2005) afirma que a incorporação de tantas e heterogêneas his-
tórias culturais restritas a um único mundo dominado pela Europa fez com
que todas as experiências, histórias, recursos e produtos culturais acabaram
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por ficar articulados em apenas uma só ordem cultural global em torno da


hegemonia europeia ou ocidental. Isso significa dizer que como parte do novo
padrão de poder mundial, a Europa também concentrou – sob a sua hege-
monia – restringiu todas as formas de controle da subjetividade, da cultura e
também, da produção do conhecimento.
Considerando o escopo do presente trabalho cabe destacar que a nor-
matividade do gênero e da sexualidade desenvolve-se no Brasil misturada
nas desigualdades impostas pela raça e pela classe social, não sendo uma
manifestação restrita do poder masculino e heterossexual. Então, embora
pessoas LGBTQIA+ estejam todas sujeitas à exclusão, quando são pessoas
negras, pobres, do Sul-Global e homoafetivas são ainda mais vulneráveis às
violências de gênero que àquelas que, mesmo autodeclarando-se homoafetivas,
interseccionam em si marcadores identitários de privilégios, como a classe
social e a brancura. Assim, quando a norma de gênero intersecciona-se com
outros marcadores de desigualdades torna ilimitadas suas formas de ação,
além de deixar ainda mais complexa a sua rede de exclusão (Missiato, 2021).
Portanto, a cognição racial da colonialidade, que categorizou os seres
humanos em raças e as hierarquizou por meio dos sentidos eurocêntricos,
atravessou os sexos e os gêneros impactando decisivamente no modo como
a pluralidade sexual passou a relacionar-se subjetiva e intersubjetivamente.
É essa razão que manteve os homens negros heterossexuais, embora vítimas do
sistema colonial, leais ao colonizador em seu projeto violento de exploração de
mulheres e LGBTQIA+ negros e negras. Assim, a intersecção do gênero com
a raça é uma manifestação indissociável do caráter colonial de segregação e
hierarquização da vida humana. Permitindo-nos dizer que a norma de gênero
é heterossexual, cisgênera ao mesmo tempo em que é branca. Não é apenas a
pessoa branca que domina e controla os meios de produção e a modernidade
em si, a pessoa que detém o poder é também cisheterossexual (Missiato, 2021).
Segundo Missiato (2021), salienta-se que a lógica produzida pela concep-
ção de ser o homem cisheterossexual um sujeito maior que os demais, gerou
114

uma hierarquização entre os seres humanos cuja finalidade foi colocar em des-
níveis mais acentuados aqueles que divergem do sujeito-norma, a hierarquia é
uma estrutura que em si mesma pune e privilegia os sujeitos em decorrência
de seus ajustes ou desajustes à norma. Com isso, quanto mais feminina e
mais negra for a pessoa, mais indigna será sua existência. O exemplo mais
categórico são as mulheres transexuais e negras, as quais têm as vidas mais
ameaçadas pelas forças da morte. Pessoas trans golpeiam as estruturas nor-
mativas pelo duplo rompimento que promovem com os valores dos gêneros
hegemônicos, primeiro, porque transgredem a cisgeneridade, e, por seguinte,
a noção social de heterossexualidade. O autor ainda enfatiza que a violência

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ao existir de pessoas transexuais é uma forma de coalização produzida pelas
normativas de gêneros que buscam – no aniquilamento das diferenças – uma
forma de legitimar principalmente o poder da masculinidade cisheterossexual.
No Brasil, o movimento homossexual surgiu na segunda metade da
década de 1970, mas era um período em que as pessoas tinham pouco conheci-
mento sobre sexo, gênero e orientação sexual, consequentemente, era incomum
entender sobre a homossexualidade. Mas, foi nos anos 2000 que se ampliou
as discussões em torno do movimento LGBTQIA+, devido ao aumento da
produção acadêmica e a propagação das paradas sobre a diversidade em todo
o país. A partir de então, o movimento LGBTQIA+ passou a ser tratado com
mais naturalidade nas produções culturais (peças de teatro, filmes, telenove-
las). Apesar do significativo avanço, os grupos heteronormativos continuam
pressionando com o intuito de reduzir ou fragilizar as pautas LGBTQIA+
(Carvalho; Lisboa Filho, 2019).
Dentro desse contexto, a escola possui papel fundamental para promover
as discussões sobre a diversidade sexual e as questões de gênero. No entanto,
Pinho; Pulcino (2016) afirmam que a escola tanto reproduz como produz as
concepções de gênero e sexualidade que circulam na sociedade. Com isso, a
escola – como uma instituição social – é responsável pelo controle e correção
dos chamados “anormais” ou “desviantes”, colocando em prática os disposi-
tivos disciplinares de poder. Além do mais, ao legitimar determinadas identi-
dades e práticas sexuais, automaticamente reprime e marginaliza outras, pois
ao produzir a heterossexualidade, rejeita-se a homossexualidade, evidenciada
pela homofobia declarada ou disfarçada. Assim, a escola torna-se um espaço
de violência contra outras identidades de gênero e sexualidade.
Ressalta-se que a escola pode ser entendida como uma arena cultural,
que seria um local onde existem diferentes sujeitos e diferentes modos de
significação do mundo, os quais estão em constante confronto e em diálogo,
constituindo modos diversos de criar sentido tanto para a sexualidade quanto
para o gênero e para si e para o outro. Dessa forma, é na escola que as normas
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 115

são construídas, no qual há desigualdades, opressões, contradições e enfren-


tamentos (Bortolini, 2011).
Sendo assim, Pinho; Pulcino (2016) afirmam que há a necessidade de se
repensar a lógica e desvelar os mecanismos de exclusão tão presentes na cultura
escolar, por entenderem que a escola controla – de forma intensa – a hetero-
normatividade, sendo essa presente nos discursos, nos silêncios e nas práticas.
Portanto, para tratar a diversidade sexual na escola, é imprescindível que
se vá para além das discussões sobre a homossexualidade ou da transgressão
de gênero como um capítulo curricular adicional, sendo necessário repensar a
própria construção das normatizações de gênero e sexualidade, ou seja, deba-
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ter a problematização que está inserida no processo de heterossexualização


compulsória e adequação às normas de gênero, as quais a escola continua
cultivando no seu cotidiano (Bortolini, 2011).

Considerações finais

A partir das reflexões realizadas acerca da cultura escolar e como ela


acaba por influenciar nas relações de gênero e sexualidade dentro das escolas,
Silva (2006) afirma que a escola é uma instituição da sociedade, que possui
suas próprias formas de ação e de razão, as quais foram sendo construídas ao
longo da sua história, tendo por base os confrontos e conflitos oriundos do
embate entre as determinações externas a ela e as suas tradições, refletindo
assim na sua organização e gestão, nas suas práticas mais elementares e coti-
dianas, nas salas de aula e nos pátios e corredores, em todo e qualquer tempo,
segmentado, fracionado ou não.
Com isso, é necessário considerar – no âmbito da cultura escolar – a
perspectiva de se debater as questões de gênero e sexualidade, pois se eviden-
cia que existem outras possibilidades para além do masculino e do feminino,
para além da heterossexualidade, as quais requerem que sejam validadas e
legitimadas, sem que as pessoas tenham que sofrer algum tipo de preconceito
por não estarem dentro do padrão cisheteronormativo imposto pela sociedade.
Além disso, ressalta-se que essa é uma ação e uma responsabilidade de todos
os atores que compõem a escola e a sua cultura.
Portanto, as discussões em torno do gênero e da diversidade sexual pre-
cisam ser cada vez mais ampliadas, para que todas as formas de sexualidade
sejam consideradas como normais e a escola é o local por onde essas discus-
sões devam ser iniciadas e intensificadas, já que é ela que formará cidadãos,
e que esses, por sua vez, possam aprender a conviver de maneira respeitosa
com todas as expressões de sexualidade e identidades de gênero.
116

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MATERNAS NA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL
Rosa Maria Vilhena Farias Dias
Tadeu Lopes Machado
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Introdução

Por um período muito longo da história do Brasil, a diversidade linguís-


tica dos povos indígenas não foi considerada. Segundo Luciana Storto (2019),
no início da colonização de nosso país havia entre 600 a 1000 línguas indí-
genas. Hoje, restam aproximadamente apenas 150. Essa redução expressiva
é fruto do violento processo de tomada do território, invasões, espoliações
e massacres trazidos pela colonização do Brasil, já que uma das primeiras
políticas implantadas pela Coroa Portuguesa em nosso território foi a proi-
bição da utilização das línguas indígenas, o que teve como consequência o
silenciamento e o apagamento dessas línguas por séculos na nossa história.
E foi partindo dessa realidade conjuntural que se optou nesse texto em com-
preender a necessidade, mas também os desafios, dos povos indígenas para a
valorização de suas línguas maternas na Educação Escolar em suas aldeias.
É importante apontar que o presente trabalho é fruto das reflexões da
disciplina Educação, Culturas e Diversidades, frequentada pela primeira autora
no segundo semestre acadêmico de 2022, no Programa de Pós Graduação em
Educação da Universidade Federal do Amapá (PPGED/UNIFAP), e dialoga
diretamente com a ideia central do projeto de pesquisa também da primeira
autora, vinculado ao mestrado acadêmico em Educação no mesmo programa.
Assim, levando em consideração as pretensões de pesquisa e a presente
reflexão, direcionamos o problema central deste artigo em entender quais os
desafios enfrentados pelos povos ameríndios para a valorização das línguas
originárias na educação escolar indígena.
Este artigo teve como percurso metodológico a revisão de literatura,
tendo como base as proposições de Candau e Russo (2010), que analisam as
perspectivas da interculturalidade em diversos países da América Latina, con-
centrando o olhar para a riqueza da pluralidade que tem mantido a educação
escolar nesses espaços. Dialogando com as ideias dessas duas autoras, também
trouxemos as reflexões de Gersem Baniwa (2019) sobre os desafios para a
118

implementação da educação escolar indígena nas aldeias a partir da concep-


ção do biliguismo/multilinguismo. Também estamos propondo uma análise
bibliográfica a partir de concepções sobre cultura de forma mais geral para,
então, compreender a importância de perceber a língua indígena como uma
ferramenta elementar para traduzir os complexos educacionais próprios dos
povos indígenas. Aqui dialogamos com Lévi-Strauss (1993), Castro (2016),
Eagleton (2011) e Said (1995).
Considerando que se trata de uma análise teórica preliminar e inicial,
o artigo foi divido em duas seções. A primeira mostra a trajetória histórica
das línguas indígenas na educação escolar indígena no Brasil e os avanços

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nas legislações educacionais no decorrer da história, principalmente após a
promulgação da Constituição Federal de 1988(CF/1988). Já a segunda parte
traz uma abordagem sobre a educação escolar bilíngue/multilíngue como
princípio norteador da Educação Escolar Indígena, analisando o Referencial
Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI/1998) e refletindo
sobre os desafios para a implementação efetiva da revitalização e valorização
das línguas indígenas na educação escolar indígena do Brasil.

Línguas maternas na educação escolar indígena no Brasil: breve


levantamento histórico

Antes de fazermos uma breve trajetória da Educação escolar indígena


e a da valorização das línguas indígenas, é importante diferenciar educação
indígena e educação escolar indígena. A primeira, refere-se à educação reali-
zada pelos próprios indígenas em suas comunidades levando em consideração
suas tradições, costumes e suas formas de viver. Nesta concepção a educação
pauta-se em dar sentido ao mundo por meio da ancestralidade de cada povo,
valorizando a cultura, língua, identidade e seus territórios. Já a educação esco-
lar indígena é a modalidade de ensino formal que está inserida nas aldeias.
É conduzida pelo Estado por meio das secretarias estaduais e municipais de
educação, onde são transmitidos conhecimentos indígenas e não indígenas
por meio da escola, a qual, em tese, busca ser uma educação intercultural,
diferenciada e específica, que reconheça os direitos e as diferenças dos povos
indígenas, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBN Nº 9394/1996).
Nesse sentido, é importante entender que os conceitos de língua, cultura
e identidade são inseparáveis, estão ligados entre si e devem servir de bali-
zamento para compreendermos que as formas de expressão de um povo são
um conjunto de significados que contemplam sua essência de ser e existir.
De acordo com Coelho e Mesquita (2013), “perceberemos que língua, cultura
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 119

e identidade são conceitos intrinsecamente ligados, uma vez que é por meio
da língua que a cultura se constitui e é difundida e é também por meio dela
que ocorrem os processos de identificação” (Coelho; Mesquita, p. 25, 2013).
Portanto, torna-se fundamental a preservação, incentivo e permanência
das línguas originárias de cada povo, pois, entendemos que quando se perde
a língua também se perde a identidade, a memória e, consequentemente, uma
parte da cultura, de forma que não há mais como resgatar ou recuperar o
que foi perdido de patrimônio linguístico de determinado território. Por isso,
a reflexão sobre as perdas que ocorrem a partir do apagamento de línguas
indígenas é fundamental para compreendermos o volume de características
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e artefatos culturais que se perdem ao se invisibilizar uma língua.


Com relação ao processo histórico da educação escolar indígena, Maria
Vera Candau e Kelly Russo (2010) nos mostram que essa modalidade de edu-
cação escolar teve seu desenvolvimento em quatro fases na América Latina,
o que coincide com a realidade brasileira. A primeira etapa aconteceu no
período colonial e foi até as primeiras décadas do século XX. Este momento
foi marcado violentamente pelo etnocentrismo explícito da cultura hegemônica
sobre as populações indígenas.
Nessa primeira fase, não houve nenhum tipo de valorização em relação a
cultura, identidade e muito menos em relação às línguas indígenas, muito pelo
contrário, pode-se dizer que foi o auge da busca pela aculturação dos povos
indígenas, inclusive, a partir da implantação da educação escolar indígena
aos moldes eurocêntricos, onde eliminar o “outro” era o objetivo principal do
período colonial, que, para Said (2011), significava “formas culturais imperiais
reservadas para a subordinação”.
Nessa fase, no Brasil, pode-se citar como exemplo, o Diretório dos
Índios, lei publicada em 1758, que trazia uma série de diretrizes que deviam
ser seguidas pelas colônias portuguesas. Essa lei normatizava também alguns
critérios educacionais, e em relação as línguas indígenas, proibia o uso da lín-
gua materna de cada povo indígena e da Língua Geral (Nheengatú), obrigando
assim o uso da Língua Portuguesa em todo o território brasileiro.
Candau e Russo (2010) destacam ainda dentro dessa primeira fase, que
a partir da primeira década do século XX essa eliminação configura-se como
“assimilação” em que a educação escolar indígena se baseava na aculturação
espontânea do indígena que visava sua progressiva integração à sociedade
nacional, ou seja, continuava o estímulo à mudança cultural dos indígenas
como política de Estado.
Assim, pode-se dizer que essa fase da educação escolar indígena foi
marcada por um processo de desvalorização da cultura, língua e identidade
dos povos indígenas, pois, segundo a visão evolucionista, os indígenas eram
120

considerados povos selvagens, desprovidos de humanidade, entendidos no


mundo moderno como uma espécie de “museu vivo” da história humana
(Castro, 2016).
Mariana Paladino e Nina Paiva Almeida (2012), interpretam esse modelo
assimilacionista, implantado em outros países como na Inglaterra, sendo uma
forma de colonização, o qual também foi imposto no Brasil e um dos principais
meios para alcançar seus objetivos era a escola, a qual buscava impor ideolo-
gias e o uso obrigatório da língua portuguesa trazendo a perda das especifici-
dades culturais e identitárias dos povos indígenas, o que facilitaria a integração
cultural à coroa portuguesa e consequentemente a definitiva “assimilação”.

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Um dos principais meios utilizados para isto foi o sistema de ensino, que
procurou impor a ideologia e a língua nacionais para que as minorias
perdessem suas especificidades culturais e passassem a fazer parte de um
povo concebido de forma homogênea (Paladino; Almeida, 2012, p. 16).

Portanto, pode-se concluir que nessa fase tinha-se como objetivo “civi-
lizar” para dominar, pois havia a ideia de que existia uma cultura melhor e
mais avançada, a europeia. Para Eagleton (2011), o eurocentrismo não passava
de uma cultura ilusoriamente superior. Para o autor: “cultura não significa
uma narrativa grandiosa e unilinear da humanidade em seu todo, mas uma
diversidade de formas de vida específicas, cada uma com suas leis evolutivas
próprias e peculiares” (Eagleton, p. 24, 2011).
Na segunda fase da educação escolar indígena, em meados do século XX,
entre as décadas de 50 e 60, pela primeira vez outras línguas, além da oficial,
iriam integrar o espaço escolar. Foi nessa fase que surgiram as primeiras esco-
las estatais bilíngues que atenderiam os povos indígenas. Entretanto, nesse
primeiro momento, essas escolas viam o bilinguismo apenas como uma etapa
de transição necessária para alfabetizar e “civilizar” de maneira mais rápida
os povos indígenas. Nessa perspectiva, a escola tinha como principal objetivo
usar a língua materna para que as crianças indígenas pudessem transmitir aos
pais mais facilmente os conceitos e valores da cultura nacional, de certa forma
ainda continuava o processo de assimilação aos povos indígenas, mas de uma
forma camuflada na educação escolar desses povos (Bastos; Neto, 2016).
A partir desse momento a concepção do bilinguismo começou a influen-
ciar as políticas educativas voltadas para os povos indígenas em toda a Amé-
rica Latina, nas palavras de Candau e Russo:

Com esse objetivo fundamental, línguas indígenas foram sistematizadas


e transcritas para a escrita e essa concepção de bilinguismo irá influenciar
fortemente as políticas educativas voltadas às comunidades indígenas
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 121

em toda a América Latina até a década de 1970[...] (Candau; Russo,


2010, p. 156).

No Brasil, pode-se citar o Decreto n. 58.824/1966 que instituiu a Conven-


ção nº107 sobre as populações indígenas e tribais, tal documento apresentava
propostas que visavam proteger e integrar as populações indígenas e outras
populações tribais à comunidade nacional; trazia uma nova adaptação ao pro-
grama de educação para os povos indígenas, além de instituir medidas legais
para a adoção da língua indígena em sala de aula. Em seu art. 23, o documento
previa que o ensino deveria capacitar as crianças para ler e escrever em sua
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língua materna ou caso não fosse possível, na língua mais usada pelo grupo
que pertencia (Bastos; Neto, 2016).
Nessa segunda fase da educação escolar indígena, fica evidente que a
cultura e consequentemente as línguas dos povos indígenas do Brasil também
não foram consideradas importantes pelos colonizadores, pois ainda que o
Estado tenha criado decretos e leis para a valorização das línguas indígenas
no contexto escolar, o principal objetivo era a integração e submissão social,
econômica e cultural desses povos à comunidade nacional, carregada ainda
pelo etnocentrismo arraigado do colonialismo, justamente por não reconhe-
cer a diversidade cultural presente no Brasil, o foco era a homogeneidade
da população que habitava o país. Assim, para nos ajudar a compreender os
significados do etnocentrismo, Lévi-Strauss entende:

Parece que a diversidade das culturas raramente surgiu aos homens tal
como é: um fenômeno natural, resultante das relações diretas ou indiretas
entre as sociedades; sempre se viu nela pelo contrário, uma espécie de
monstruosidade ou de escândalo; nestas matérias, o progresso do conhe-
cimento não consistiu tanto em dissipar esta ilusão em proveito de uma
visão mais exata como em aceitá-la ou em encontrar o meio de a ela se
resignar (Lévi-Strauss, p. 3, 1993).

Desse modo, a ideia de etnocentrismo sempre esteve presente no coti-


diano do colonizador, que se constituía como agente de superação das diver-
sidades, e exigia uma sociedade homogênea, que tivesse a Europa como
modelo de Estado e sociedade.
Então, verifica-se ainda que nesta fase o uso da língua indígena no con-
texto escolar era apenas uma estratégia de dominação do Estado sobre os
povos originários, era uma forma de exercer poder sobre eles, visto que,
garantindo o apagamento de suas culturas, o Estado os controla também poli-
ticamente. E esse era o grande objetivo, visto que o colonialismo é um grande
marcador de imposição de poder e a cultura consequentemente está marcada
122

por essas relações (Castro, 2016). Nesse contexto, tem-se como inferir que a
utilização das línguas indígenas na educação escolar servia apenas para faci-
litar a tradução e a aprendizagem sobre a cultura nacional e para afirmação
da nacionalidade brasileira dos povos indígenas.
Após esse período, nas décadas de 60 a 80, inicia a terceira fase, o
cenário começou a mudar, foi quando instituições governamentais e
não-governamentais que lutavam pelas causas indígenas começaram a apa-
recer no âmbito nacional e internacional. Iniciou-se a produção de material
didático e programas de educação bilíngue começaram a reconhecer os direitos
dos povos indígenas para fortalecer e manter a cultura local. Nesta fase, o

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bilinguismo deixou de ser visto apenas como um mecanismo civilizatório e
passou a ser de fundamental importância para a prevalência dos povos origi-
nários e de suas identidades (Candau; Russo, 2010).
Nesse sentido, outros atores sociais entram em cena, é quando começa,
mesmo que de forma tímida, o avanço da valorização da cultura e das línguas
indígenas na educação escolar indígena. Importante destacar que os próprios
indígenas estavam concentrados nessa luta, reivindicando uma educação que
atendesse às suas especificidades e resistindo às imposições do Estado brasi-
leiro. Tais resistências caminhavam no sentido de resgatar e manter a cultura e
as línguas indígenas para que suas tradições e costumes não fossem apagados
pelo processo de colonização. Podemos entender, que tal movimento alinha-se
ao que Said (2011) chama de resistência secundária:

Depois do período de “resistência primária”, literalmente lutando contra


a intromissão externa, vem o período de resistência secundária, isto é,
ideológica, quando se tenta reconstruir uma “comunidade estilhaçada,
salvar ou restaurar o sentido da concretude da comunidade contra todas
as pressões do sistema colonial” (Said, 2011, p. 328).

A quarta fase da educação escolar indígena, segundo as autoras, inicia no


final da década de 80, marcada pelo protagonismo dos povos indígenas nas
definições do setor educativo. Nesta nova etapa, o bilinguismo, deixa de ser
visto apenas como um mecanismo de transição ou meio para manter uma cultura
ameaçada, para fazer parte de um discurso mais abrangente, em que juntamente
com o modelo da interculturalidade pressiona a escola tradicional e inclui nela
não só o uso de diferentes línguas, como também, de diferentes culturas.
No Brasil nesse período, podemos destacar no final da década de 1980,
a promulgação da Constituição Federal de 1988 que reconheceu os direitos
linguísticos, culturais e territoriais dos povos indígenas, sendo um grande
marco para a luta das causas indígenas no Brasil, o que muito contribuiu para
o contexto educacional. Em seu art. 231 dispõe:
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 123

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,


crenças e tradições, os direitos originários sobre as terras que tradicional-
mente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens (Brasil, 1988).

Pode-se citar também no que tange ao campo da educação, a Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB/1996) que garantiu aos
povos indígenas o direito da utilização da língua materna durante o processo
de ensino. Tal Lei, em seu Artigo 32, parágrafo terceiro, dispõe: “O ensino
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às
comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos pró-
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prios de aprendizagem” (Brasil, 1996). Diante do exposto, perante a educação


escolar, pode-se dizer que houve avanço em relação à valorização das línguas
indígenas no Brasil. Entretanto, muito ainda tem a se fazer para a efetiva valo-
rização, salvaguarda e revitalização das línguas indígenas no contexto escolar.
Hoje a política educacional linguística não fala apenas em bilinguismo
no contexto das escolas indígenas, mas também em multilinguismo, visto ser
considerado os contextos bi/multilíngues das populações indígenas brasileiras
que na visão de Gomes, Barbosa e Ferreira (2020) é o suficiente para deixar
o conceito do bilinguismo em favor do conceito multilinguismo em que as
comunidades indígenas estão inseridas. Na fala dos autores:

Os inúmeros contextos multilíngues inerentes às populações indígenas


brasileiras são tratados aqui como suficientes para permitir às escolas
indígenas abandonarem o conceito de bilinguismo, no qual estão presen-
tes a Língua Indígena e o Português Brasileiro, em favor do conceito de
multilinguismo, onde estão presentes e valorizadas as inúmeras línguas
indígenas (Gomes; Barbosa; Ferreira, 2020, p. 276).

Logo, com essa breve trajetória das línguas indígenas na educação escolar
indígena, podemos afirmar que mesmo em passos lentos, a valorização das
línguas indígenas vem avançando, porém, vale considerar que muitas políticas
ainda precisam ser implementadas para garantir o uso das línguas indígenas
no processo educacional dos povos indígenas do Brasil e muitos desafios
precisam ser superados nos contextos escolares indígenas, que vão desde a
educação infantil a Educação Superior, e porque não falar em pós-graduação,
já que os povos indígenas têm direito garantido em todos os níveis de ensino.
Então, vale dizer que esse movimento vem se fortalecendo e ganhando novos
rumos e novas concepções com o intuito de resgatar, revitalizar e manter vivas
as línguas dentro da escola e das comunidades indígenas, visto ser fundamental
para a cultura e identidade dos povos originários do Brasil.
124

A educação escolar bilíngue/multilíngue como princípio norteador


da educação escolar indígena

Como vimos na seção anterior, a Educação Escolar Indígena no Brasil


tem passado por várias etapas, e sempre foi marcada pela luta e resistência
dos povos indígenas, especialmente a partir da década de 80, consolidando-se
com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Isso modificou o cenário
que até então estava posto, o qual era marcado desde o início por uma polí-
tica assimilacionista ou/e integracionista, a qual sempre esteve a serviço do
colonialismo. Nesse contexto, instaura-se uma nova perspectiva em relação à

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educação escolar indígena, que se inicia com um novo olhar de revalorização
e revitalização tanto da cultura como da língua indígena, e a escola passa a
ser reconfigurada pelos próprios povos indígenas, permitindo entendê-la não
como uma política de opressão e sim como uma ferramenta para contribuir
com as demandas das comunidades indígenas. A escola torna-se uma aliada,
no entendimento das comunidades indígenas.
Portanto, essa nova etapa foi ratificada com os dispositivos legais que
foram sendo conquistados, tais como a promulgação da Constituição Federal
de 1988 (CF/1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996), que
posteriormente foi fortalecida com o Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas (RCNEI/1998) e depois com a Resolução nº 5 de 22 de
junho de 2012 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-
ção Escolar Indígena na Educação Básica (2012). Esses foram os principais
documentos para a orientação das ações pedagógicas das escolas indígenas
nos âmbitos federais, estaduais e municipais.
De acordo com Marcinéia Vieira Santos Tupinambá (2018), esse novo
cenário é marcado por novas concepções de sujeito, mundo e educação e ainda
por práticas pedagógicas no interior das instituições de ensino, contemplando
os princípios firmados pelo Movimento Indígena, a saber: Interculturalidade,
Especificidade cultural, diferenciada por etnia e bilíngue/multilíngue.
Porém, não estamos falando que o modelo colonialista implantado está
superado, pelo contrário. Esse modelo ainda persiste com outras estratégias que
não cabe discutir nesse artigo, mas sabemos que os povos indígenas ainda têm
um caminho muito longo a percorrer para conquistar a escola por eles idealizada.
Segundo Tupinambá (2018), a nova escola indígena pós-constituição
só será uma escola verdadeiramente indígena, se alicerçada aos princípios
citados acima, pois foram idealizados pelo próprio movimento indígena em
1991, na cidade de Manaus, no encontro de professores indígenas, em que
resultou em 1994, na Declaração de Princípios que daria o embasamento sobre
as características e os fundamentos para a atual Escola Indígena Brasileira.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 125

Partindo do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas


(RCNEI/1998), no tópico que introduz os princípios da Educação Escolar
Indígena, o documento chama a atenção para a contribuição que a escola-
rização específica e diferenciada pode trazer para o exercício da cidadania
indígena. A escola indígena, que faz parte do sistema nacional de educação,
é um direito que deve ser assegurado, atenta e respeitosa ao patrimônio lin-
guístico, cultural e intelectual dos povos indígenas. Entretanto, faz a ressalva
que tal política apenas será concretizada se trouxer como protagonistas, os
maiores interessados, que são os povos indígenas, por meio de suas comu-
nidades educativas. Além disso, compreende que essa participação deve ser
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efetiva em todo o processo pedagógico educativo, fazendo-se necessária para


a definição dos objetivos, dos conteúdos curriculares e no exercício das prá-
ticas metodológicas, e assim efetivar a educação específica e diferenciada
almejada por esses povos.
O RCNEI/1998 dispõe como características/princípios da Educação
escolar Indígena: uma educação comunitária, intercultural, específica e dife-
renciada, bilíngue/multilíngue. Comunitária porque deve ser conduzida pela
comunidade indígena, de acordo com seus projetos, suas concepções e seus
princípios. Intercultural porque, de forma geral, deve reconhecer e manter a
diversidade cultural e linguística; específica e diferenciada, porque deve ser
concebida e planejada como reflexo dos desejos específicos dos povos indíge-
nas e com autonomia em relação a certos aspectos que regem o funcionamento
e a orientação da escola não-indígena. E bilíngue/multilíngue, objeto de aná-
lise desse artigo, porque as tradições culturais, o conhecimento acumulado,
a educação das gerações mais jovens, as crenças, pensamento e prática reli-
giosa, representação simbólica, organização política, projetos de futuro, enfim,
a reprodução sociocultural das sociedades indígenas se manifesta pelo uso de
mais de uma língua. Mesmo os indígenas que são monolíngues em português
continuam a usar a língua de seus ancestrais como um símbolo poderoso para
onde convergem muitos dos seus traços de identidades.
Para reforçar, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Indígena na Educação Básica (2012) trazem em seu artigo segundo,
inciso III, que a educação escolar indígena objetiva: “assegurar que os prin-
cípios da especificidade, do bilinguismo e multilinguismo, da organização
comunitária e da interculturalidade devem fundamentar os projetos educati-
vos das comunidades indígenas, valorizando suas línguas e conhecimentos
tradicionais” (Brasil, 2012). Logo, esse dispositivo mostra que o princípio
do bilinguismo/multilinguismo deve ser contemplado nos projetos educativos
das escolas indígenas para que cada vez mais haja a valorização das línguas
indígenas e elas não venham a ser substituídas pela língua portuguesa como
126

ocorreu anteriormente. Esse mesmo documento dispõe ainda como objetivo


da Educação Escolar Indígena, a recuperação de suas memórias históricas,
a reafirmação de suas identidades étnicas e a valorização de suas línguas
e ciências. Vale ressaltar que esse documento constitui um dos elementos
básicos para a organização, estrutura e funcionamento da escola indígena,
justamente, porque traz a importância das línguas indígenas como uma das
formas de preservação da realidade sociolinguística de cada povo.
Nesse sentido, Gersem Baniwa (2019) diz que, o processo de valorização
das línguas indígenas deve ser considerado de suma importância, e enfatiza
ainda que não é apenas uma tarefa do professor, como a escola indígena de

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forma equivocada pensa e tenta fazer, mas é função de todos os membros da
comunidade: pais, mães, professores, tios, avós, irmãos mais velhos, comuni-
dade em geral, lideranças, além de tudo o que envolve o contexto não humano
da realidade indígena.
Portanto, todos têm essa responsabilidade que precisa ser feita, porque
a concepção central que merece ser defendida é que é uma tarefa coletiva,
pois são essenciais e insubstituíveis nesta tarefa de ensinar a língua materna e
os valores culturais que dela decorrem. Os professores e lideranças têm uma
tarefa imprescindível, porém, essa responsabilidade não pode ficar somente
sob suas costas.
Gersem Baniwa (2019) também demostra que os povos indígenas têm
várias formas de linguagens e saberes que a escola indígena, de forma geral,
ainda não valoriza. Então, é importante enfatizar que se a escola indígena
atual quer cumprir os princípios apresentados até aqui, ela precisa ter como
pilares fundamentais de sua organização curricular e político-pedagógica as
línguas indígenas.

Assim sendo, as dimensões bilíngue/multilíngue e intercultural preci-


sam ser levadas a sério nas escolas indígenas, pela importância que elas
representam para a continuidade histórica dos povos indígenas e dos seus
saberes e modos de vida. Sem as suas línguas, não é possível garantir a
continuidade dos processos educativos tradicionais desses povos. Muitos
aspectos materiais e imateriais, centrais nas culturas indígenas, só podem
ser transmitidos por meio das lógicas e estruturas das línguas tradicionais
(Baniwa, p. 84, 2019) .

Amanda da Costa Carvalho (2018), no artigo intitulado “O bilinguismo


em aldeias Galibi-Marworno e Karipuna no Amapá”, buscou analisar a situa-
ção sociolinguística do povo Galibi-Marworno nas aldeias Kumarumã e Tukay
e do povo Karipuna nas aldeias Manga e Santa Isabel. A autora busca mostrar
o bilinguismo social dos falantes de Kheuól e Português. Mesmo sua pesquisa
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 127

tendo como objetivo mostrar o bilinguismo no contexto social desses povos,


ou seja, em que situações do cotidiano eles usam mais determinadas línguas,
pode-se inferir que a primeira escola bilíngue somente foi implementada nas
escolas dessas aldeias em 1971, quando, pela primeira vez, buscava incen-
tivar a utilização das duas línguas, o Kheuól e o português. Isso foi possível
com a chegada do Padre Mello Ruffaldi, por meio do Conselho Indigenista
Missionário (CIMI) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) com projetos
relacionados à valorização da cultura indígena.
Nesse contexto, da chegada do CIMI na região de Oiapoque, ocorre a
publicação de um dicionário bilíngue português/kheuól/português, elabo-
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rado pelos missionários, o que impulsionou o início da escola bilíngue, onde


pela primeira vez os alunos puderam ser alfabetizados na língua indígena.
Posteriormente ocorreu a formulação do Currículo de Ensino Fundamental
nas escolas indígenas Galibi-Marworno e Karipuna, porém apenas publicado
em 2006. Esse documento ressalta a importância do ensino bilíngue, para
esses povos, que para eles o ensino bilíngue ideal é justamente aquele em
que os professores e alunos expressam e transmitem seus conhecimentos com
competência comunicativa nas duas línguas.
Por fim, Carvalho (2018) conclui que as duas línguas estão presentes nas
quatro aldeias pesquisadas, entretanto, entre os Galibi-Marworno, a língua
mais usada é Kheuól, pois todas as atividades do cotidiano são feitas nessa
língua, inclusive a escolar, e utilizam o português mais para o contato com
os não-indígenas. Já para os Karipuna a língua mais utilizada é o Português,
sendo o Kheuól mais usado na escola e em eventos religiosos. Então vejamos
o quanto é necessário a implementação do ensino bilíngue/multilíngue, pois
traz a possibilidade de que as línguas indígenas sejam valorizadas na escola
e em outros contextos sociais, e assim não sejam esquecidas e apagadas.
Isso reforça o que Baniwa (2019) diz, que a valorização das línguas
indígenas não é função somente da escola por meio de seus professores, pois
depende de todos os indivíduos que fazem parte do convívio social do aluno,
pois muitas vezes passam mais tempo com os pais, avós, irmãos e outros
parentes, do que na própria escola com o professor. Porém, a escola é uma
das instituições mais fortes para incentivar e propagar o uso das línguas.
Assim como a escola foi utilizada para proibir o uso da língua materna, em
que teve um êxito extraordinário, ela também pode fazer o processo reverso,
ou seja, uma das ferramentas que apoie os povos indígenas, na busca do
resgate, permanência, revitalização e valorização das línguas maternas dos
povos originários.
Outro estudo importante para dialogar nesse aspecto, é o artigo intitu-
lado “Do bilinguismo ao multilinguismo: um caminho para a escola indígena
128

brasileira” (2020). Nesse texto, seus autores mostram a realidade sociolinguís-


tica da Escola Indígena Estadual Imakuana Amajarehpo, que fica no Complexo
do Tumucumaque, norte do Estado do Pará, onde quatro línguas distintas
fazem parte do contexto diário dessa escola. As populações indígenas dessa
região convivem com distintas línguas, classificadas genericamente como
pertencentes à família linguística Karib. São elas Tiriyó, Apalai, Wayana,
Kaxuyana. Além destas, encontram-se as línguas Akuriyó e Xikiyana, tam-
bém genericamente classificadas como membras da família Karib e, mar-
cadamente, possuidoras de um grupo pequeno de falantes, como também o
Wajãpi (Tupí-Guarani), língua do povo homônimo que vive majoritariamente

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na Terra Indígena Wajãpi.

O caminho que perfazemos aponta para a necessidade de que a Escola


Indígena assuma sua natureza multilíngue, trazendo para seu interior todas
as línguas que perfazem seu contexto local e regional. Nesse sentido, a
escola valoriza cada uma das mesmas línguas (Gomes; Barbosa; Ferreira,
2020, p. 277).

Como verificou-se, as escolas indígenas do Brasil estão inseridas em


contextos bilíngues e/ou multilíngues, e esses contextos devem ser valoriza-
dos no cotidiano escolar. Porém, para se chegar a um efetivo nível de resgate
e valorização das línguas indígenas no Brasil, é necessário enfrentar muitos
desafios políticos-pedagógicos para se pensar políticas públicas educativas
que contribuam para esse processo.
Nesse sentindo, Baniwa (2019) menciona três grandes desafios políti-
cos- pedagógicos que ainda precisam ser superados pela educação escolar
indígena para o efetivo resgate e valorização das línguas indígenas no Brasil.
O primeiro, segundo sua concepção, é o problema histórico e mental da cul-
tura colonialista equivocada e preconceituosa que foi implementada ao longo
dos mais de cinco séculos na relação entre o Estado e os povos indígenas.
Aqui vale acentuar que foi uma relação desrespeitosa, cruel e desumana com
os povos originários.
O segundo, é como superar a outra face perversa e histórica dessa tradição
colonial do Estado, que continua sustentando e legitimando uma relação de
poder profundamente desigual de dominação, negação, opressão, inferioridade,
discriminação, racismo em relação aos povos indígenas e também de outros
grupos subalternizados. Baniwa (2019) diz ainda que o próprio Estado, por
meio das escolas e das universidades degrada e subordina saberes, valores
e culturas, sendo o principal responsável pela morte e desvalorização das
línguas indígenas.
Nas palavras de Baniwa (2019), para que
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 129

O bi/multilinguismo não seja uma faceta da cultura e prática colonial,


precisa ser desenvolvido com base em uma relação simétrica de poder.
Do contrário, estará se praticando um bilinguismo ou multilinguismo da
subalternidade, ou seja, uma colonialidade linguística, que só vai contribuir
para aprofundar ainda mais a relação assimétrica entre as línguas e os seus
falantes, que gera toda sorte de dominação, subalternização, negação e
extinção das línguas (Baniwa, 2019, p. 89).

O terceiro, é como e o que fazer para que a escola indígena possa se


tornar a grande aliada na valorização das línguas e das culturas indígenas,
o que deve ser feito de maneira estratégica, em que seja primordial o enfren-
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tamento e superação das práticas e culturas coloniais. O autor pontua que


a questão não é o que fazer, mas o problema está em o que fazer do ponto
de vista da natureza político institucional da instituição escolar, ou seja,
a escola como instituição é um instrumento ideológico do Estado, logo,
tende a seguir a visão dominante, ainda eurocêntrica e branqueocêntrica
do estado brasileiro.
Assim, Baniwa (2019) destaca que além dos direitos já garantidos aos
povos indígenas por meia da Constituição Federal (CF/1988) e de outras
leis e resoluções que garantem aos povos indígenas o reconhecimento e
a valorização de suas línguas e culturas, precisaria também de decisão e
vontade política de fazer ou pelo menos deixar fazer, do próprio Estado,
porém, além disso, traz algo que também considero importante e talvez o
ponto chave da questão, é justamente a decisão e a vontade política dos
próprios povos indígenas, que pode-se dizer que nos últimos anos tem sido
admirável, para fazerem valer seus projetos educativos e seus direitos à
luz de suas autonomias etnopolíticas e dos seus direitos conquistados na
forma da lei.
Nesse contexto, percebemos que a escola indígena é hoje protagonizada
e gerida, em sua maioria, pelos próprios indígenas. Isso é um potencial trans-
formador em relação ao seu processo educativo na sociedade, e sobretudo
nas comunidades indígenas. Porém, essa mesma escola, que é gerida em
sua maioria por indígenas, não consegue atender em sua plenitude o caráter
bilíngue/multilíngue que necessita.
Desse modo, entendemos que seja importante ter o bilinguismo/multi-
linguismo como princípios norteadores da educação escolar indígena, para
auxiliar na busca da ampliação da revitalização, resgate e vivencias das lín-
guas e culturas indígenas em contextos indígenas, pois “As línguas carregam
e sustentam mundos, valores e existências humanas e não humanas únicas,
porém, diversas, interdependentes” (BANIWA, 2019, p. 93).
130

Considerações finais

Diante dessa breve trajetória histórica da educação escolar indígena,


tendo como centro a valorização das línguas maternas, com base no texto
de Candau e Russo (2010), pode-se observar que inicialmente a cultura e as
línguas indígenas foram totalmente desconsideradas no contexto escolar, pois
eram uma ameaça ao novo modelo de cultura implantado pelo colonialismo,
no caso a cultura eurocêntrica, onde a língua portuguesa era única e seu uso
era imposto nas escolas das aldeias. Posteriormente, as línguas indígenas e
a língua portuguesa, já com o termo bilinguismo, foram utilizadas apenas

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como um pretexto para alfabetizar e “civilizar” de maneira mais rápida os
povos indígenas. Depois o bilinguismo deixou de ser visto apenas como um
mecanismo civilizatório e passou a ser de fundamental importância para a
prevalência dos povos originários. E hoje, as línguas indígenas passaram a
fazer parte de um discurso mais abrangente em que o modelo intercultural
pressiona o modelo escolar tradicional e inclui nele não só o uso de diferentes
línguas, como também, de diferentes culturas.
Em relação ao princípio do bilinguismo/multilinguismo como norteador
da educação escolar indígena, depreendeu-se que após a Constituição Federal
de 1988 (CF/1988) ganhou considerável espaço na educação escolar indígena,
e isso se faz necessário para a valorização e revitalização das línguas, memó-
rias e identidades dos povos originários.
Assim sendo, pode-se compreender como as línguas são importantes
para a cultura indígena e como devem fazer parte do contexto educacional
desses povos, visto que sem essa integração entre cultura e língua, é retirado
de forma violenta a identidade desses povos, pois como foi dito anteriormente,
ela faz parte da cultura e não pode ficar de fora da educação escolar dos povos
indígenas. Assim, tem-se a perspectiva de que cada vez mais elas possam estar
presentes na educação escolar das aldeias, mostrando que o princípio do bilin-
guismo/multilinguismo é o caminho para continuar e reafirmar a importância
da valorização das línguas indígenas em nosso país
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 131

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JUVENTUDES DO CAMPO,
MOVIMENTOS SOCIAIS E A
VALORIZAÇÃO DA CULTURA
Solange dos Santos Conceição
Débora Mate Mendes
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Introdução

A finalidade desse estudo é compreender o vínculo entre a juventude


do campo, movimentos sociais e cultura. Para tanto, busca levantar concep-
ções teóricas a respeito das ações das juventudes do campo em movimentos
sociais que fortalecem a cultura, analisar se as formas de organização da
Juventude do Campo, das Águas e das Florestas em âmbito nacional por meio
do 4º Festival Nacional da Juventude Rural, e em âmbito local a partir das
práticas dos jovens do município de Vitória do Jari, no Amapá, demostram
que os movimentos sociais são vias que possibilitam a valorização da cultura.
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa “que prima pela com-
preensão dos fenômenos nas suas especificidades históricas e pela interpre-
tação intersubjetiva dos eventos e acontecimentos” (Gamboa, 2003, p. 2).
Do ponto de vista do procedimento técnico a qual esclarece a forma como
os dados são coletados para o estudo, utiliza-se os delineadores da pesquisa
bibliográfica que “se valem das chamadas fontes de papel... principalmente de:
livros, revistas, publicações em periódicos e artigos científicos” (Prodanov;
Freitas, 2013, p. 53). A pesquisa analisa também, documentos do site dos(as)
jovens Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da CONTAG.
A cultura se desenvolve nos saberes e práticas dos povos em um constante
movimento, imprimindo o pensar, sentir, saber e agir da realidade. Veiga-Neto
(2003) explica que o pensamento moderno inventou um conceito de cultura como
forma de dominação, quando tanto lógico, quanto ontologicamente as culturas
fundamentam-se em si mesmas. Dessa forma, o autor pondera que “desde que
no século XVIII alguns intelectuais alemães passaram a chamar de Kultur a sua
própria contribuição para a humanidade” (Veiga-Neto, 2003, p. 7), todos os seus
feitos religiosos, literários, artísticos e filosóficos, eram o único significado de
cultura elevada, já as demais eram consideradas como cultura baixa.
Ao pensar a juventude do campo é importante atentar para os estudos
realizados sobre os termos juventude e campo. Para Leão e Antunes-Rocha
134

(2015), a expressão juventude excede a concepção de recorte etário ou geracio-


nal, uma vez que, trata-se de juventudes, isto é, de contextos sociais diferentes,
de modos de vida diversos, e é nesse sentido que se discute a condição juvenil.
Conectado a isso, está o termo campo que para os autores engloba as práticas,
os saberes, os sujeitos (inclusive os jovens), as lutas e resistências, a confi-
guração do lugar, que supera a ideia atrasada de campo como simplesmente
um espaço rural, que serve a lógica do capital, ou seja, onde se desenvolve
as atividades agrícolas que abastecem os mercados da cidade.
Os movimentos sociais são formados a partir de ações coletivas que
visam transformar ou manter algo na sociedade. Para Gohn (2011, p. 335), eles

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são “[...] de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de
a população se organizar e expressar suas demandas”, assim, se determinado
problema social exigir uma ação, como de manifestação, marcha, concentra-
ção, o grupo se organiza para reivindicar o direito. Segundo a autora, o histó-
rico de existência dos movimentos sociais remente a anos atrás, eles significam
aprendizagens quando constituem nas pessoas sentimento de empoderamento,
sociabilidade, pertencimento, compartilhamento, criatividade, participação,
e de movimento de identidade cultural. Nesse sentido, seguimos com uma
breve análise das concepções teóricas a respeito das ações das juventudes do
campo em movimentos sociais que fortalecem a cultura

Concepções teóricas a respeito das ações das juventudes do


campo em movimentos sociais que fortalecem a cultura

Os estudos, nos últimos anos, vêm abordando que há um número maior


de pesquisas realizadas a respeito das juventudes urbanas, se comparadas às
do Campo. Como concordam Leão e Antunes-Rocha (2015), as juventudes
do campo passam por momentos de invisibilidade social, na medida que as
instituições não se interessam em analisar sua realidade. Os autores pontuam
ainda que a explicação para isso pode estar relacionada a ideia do campo
como lugar em que somente se desenvolve a produção agrícola para abastecer
o mercado, e para além disso, significa atraso. Nesse sentido, é como se não
houvesse jovens no campo, isto é, como se não fosse necessário estudar as
condições juvenis no campo, quanto à educação, o direito à terra e de melhores
possiblidades de vida.
A discussão sobre a condição juvenil no campo levanta a questão das
diferentes percepções da realidade humana. Como afirma Martinazzo (2020),
os problemas sociais da educação no mundo se diferem um dos outros, pela
complexidade que envolve a realidade de cada grupo, sociedade. É possível
inferir, a partir do pensamento do autor que dependendo do território de
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 135

onde falam os jovens, soarão vozes com níveis de percepções diversificadas,


com culturas, saberes e práticas diversas. Nessa linha de argumento, Galindo
(2015) afirma que as lideranças jovens do Movimento dos Trabalhadores e
das trabalhadoras da Agricultura, a exemplo, se organizam nacionalmente,
como também reivindicam direitos que são de cunho local que diz respeito a
pequenas áreas rurais pelo país.
Os jovens do campo e remanescentes de quilombo tem se organizado para
reivindicar direitos políticos que vão desde a regulamentação de seu território
até a resistência de mostrar sua cultura e o processo histórico de opressão.
O autor Veiga-Neto (2003) pondera que a naturalização dos fenômenos sociais,
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como não reconhecer que o povo negro foi subalternizado é um passo para
normalizar injustiças culturais e sociais. Apesar das dificuldades, como afirma
Galindo (2015), as juventudes negras do campo vêm se movimentando através
da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas. Nesse sentido, sabe-se que o desafio é fazer o movimento polí-
tico de conscientização chegar nas comunidades mais distantes.
Os jovens do campo devem ser pensados enquanto categoria social, uma
vez que vem se organizando e mostrando suas especificidades e, com isso,
propondo novas formas de configuração do campo. Assim, destaca-se a fala
de Silva (2006), quando discute a questão dos saberes e práticas dos estudan-
tes que formam a cultura escolar, desse modo, é fundamental que a cultura
do jovem do campo seja relevante quando o currículo da escola é elaborado.
A escolarização desse jovem se não considera as práticas de lidar com a terra,
o tempo que levam para o plantio, a colheita, não garante o direito à educa-
ção. Leão e Antunes-Rocha (2015), mostram que o ProJovem Campo tentou
mediar essa ação trazendo nos seus objetivos o estudo de qual escolarização
é possível para o jovem do campo.
Percebe-se que os movimentos sociais têm defendido a bandeira dos
valores culturais, do direito à diferença, da diversidade e dos direitos humanos,
como afirma Galindo (2015), o movimento dos jovens do campo por meio
das suas práticas como extrativistas, agricultores, pescadores, ribeirinhos,
exigem o direito de articular as políticas públicas do campo, visto que, se tra-
tam de suas experiências. Os jovens estão dentro dos sindicatos, associações,
cooperativas, desenvolvendo atividades que fortalecem a cultura, organizam-se
como grupo social em movimento.
A organização sindical da juventude do campo vem se materializando
a partir das experiências dos grupos nas comunidades, como as comissões e
reuniões de jovens. Leão e Antunes-Rocha (2015) citam a Pastoral da Juven-
tude Rural (PJR) como um espaço de participação social que organiza os
jovens enquanto movimento e permite que revigore aspectos de identidade,
136

de resistência, de luta pelo direito à terra. Os autores relatam que desde 1990,
os jovens vêm se destacando como lideranças dentro do Movimento Sindi-
cal dos Trabalhadores(as) Rurais – MSTTR, na medida que foram sendo
considerados categoria social. Dessa forma, as conferências realizadas pelo
MSTTR passaram a garantir que os jovens do campo tivessem suas deman-
das discutidas.
As organizações dos jovens do campo se configuram a partir da realidade
local. Leão e Antunes-Rocha (2015) apontam algumas vivências pelo país,
como a constituição da Comissão Estadual de Jovens Trabalhadores e Tra-
balhadoras Rurais do Rio Grande do Sul, em 1992, que nasceram das ações

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da PJR. Trata-se de iniciativas que apresentam as percepções dos jovens,
marcando sua existência no campo político, assim como, contando o histórico
cultural do território, a maneira como produzem saberes e práticas. Ademais,
os encontros nacionais dos jovens rurais, como experiências que reafirmam o
direito à diferença, em que jovens de todo o país evidenciam a diversidade dos
valores culturais, das subjetividades, e ao mesmo tempo das complexidades
que envolvem a vida no território.
Nas agendas políticas, como reiteram Leão e Antunes-Rocha (2015),
que a juventude do campo discute a questão da sua participação em todos os
seguimentos que desenvolvem o campo, seja no processo cultural, produtivo,
econômico, social, político, ela se faz presente. Os autores citam a Contag
(2009) ao destacar que os Festivais da Juventude marcaram os anos de 2006
e 2007 no âmbito nacional, mas também regional e estadual promovendo
iniciativas que integram atividades tradicionais da agenda sindical como a
mobilização e as negociações por políticas públicas com ações de valorização
das expressões culturais da juventude.
Para Leão e Antunes-Rocha, “A dimensão lúdica adotada pelos festivais
demostra um jeito novo, um jeito jovem de manifestar suas ideias e expressar
sua agenda política dentro de uma organização tradicional” (Leão; Antunes-
-Rocha, 2015, p. 117). Nessas pautas, são defendidas situações que marcam
os contextos e subjetividades da condição juvenil do campo, a exemplo, o 2º
Congresso Nacional Extraordinário do MSTTR que reconhece a juventude dos
16 aos 32 anos, por entender que os jovens iniciam tardiamente os estudos,
visto que, enfrentam diversas dificuldades quanto ao acesso à escola.
Como ponderam Leão e Antunes-Rocha (2015), está é uma forma que
garante direitos a determinada faixa etária que estava sendo invisibilizada,
no momento de participar de programas sociais para a juventude do campo.
Nesse sentido, os (as) jovens Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da
CONTAG inserem-se também no movimento que fortalece suas identidades
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 137

culturais que, como pontua Veiga-Neto (2003), encontram fundamentos lógi-


cos e ontológicos em si mesmos.
Em espaços de socialização, como o sindicato, os jovens além de com-
partilharem experiências das atividades no campo, também desenvolvem o
sentimento de pertença. De acordo com Galindo (2015), o sindicalismo alarga
a coletividade devido ao trabalho em conjunto, que compreende desde a lida
na roça até a organização do movimento sindical. Os encontros, estudos,
seminários, oportunizam que os jovens do campo percebam o processo de
desumanização ao qual foram inseridos, o que contribuiu para resistirem à
imposição de padrões culturais. Os movimentos sociais assumem nas suas
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estruturas valores culturais, interpretações subjetivas e, como afirma Marti-


nazzo (2020), níveis de percepções da realidade.
A juventude do campo, ao longo do tempo, vem discutindo, de acordo
com Leão e Antunes-Rocha (2015), que suas lutas sejam reconhecidas e que
a partir delas garantam o direito à diferença, de ocuparem lugares estratégicos
nos espaços de discussões e decisões das políticas públicas para o campo.
Os autores apresentam que os movimentos sociais são vias possíveis dos
jovens do campo se organizarem, afirmando sua identidade cultural.

Festival nacional da juventude rural

As lideranças jovens no contexto do sindicalismo é um acontecimento


recente, no que se refere a ocupar espaço de destaque, tendo direito a pautas
que tratassem de forma diferenciada a condição juvenil e suas várias configura-
ções pelo país. Sobre este assunto Galindo (2015, p. 112) afirma que “embora
sejam comuns as afirmações de que lideranças jovens sempre participaram
da luta do MSTTR, é possível afirmar que só nos anos 90 ganha corpo uma
identidade juvenil-camponesa”, a década de 80, é marcada pelo surgimento
de novos movimentos sociais que, na maioria, levantavam bandeiras que
denunciavam a invisibilidade e subalternização da classe trabalhadora rural.
Para a autora, que se incluí na luta pelos direitos da juventude rural a
partir de sua atuação no movimento sindical jovem, a ausência das lideranças
jovens no movimento pode ser analisada nos documentos oficiais resultantes
das conferências, congressos da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura – CONTAG. Quando a juventude passa a ser discutida como cate-
goria, reivindicando seus espaços, linguagens, é que então começa a florescer
uma organização sindical, de onde passam a soar as vozes das juventudes do
campo. Junto aos novos movimentos sociais, da década de 80, Galindo (2015)
afirma, que o Movimento Sindical dos Trabalhadores(as) Rurais – MSTTR
passou a incluir pautas específicas da juventude do campo.
138

Da década 80 até o ano de 2023, o movimento da juventude rural vem


ocupando seus espaços, resistindo a relações de poder controversas que
insistem em desvalorizar a categoria da juventude. E é nesse movimento de
(r)existência que surgiu o Festival Nacional da Juventude Rural, um evento
que apresenta o protagonismo da juventude do campo, das águas e das flores-
tas. Neste ano de 2023, entre os dias 25 e 27, ocorreu o 4º Festival Nacional
da Juventude Rural (ver na Figura 1) como exposto a seguir:

Figura 1 – Cartaz do evento

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Fonte: https://www.instagram.com/p/CpxayMmO3hs/?img_index=2

O festival trouxe como lema “Semeando resistência e cultivando um


mundo novo”, que fez um resgate na história de luta pelo protagonismo da
juventude do campo. Este evento é coordenado pela CONTAG, em especial
a Secretaria de Jovens, em articulação com a Comissão Nacional de Jovens
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNJTTR, com as Comissões Esta-
duais, Diretorias das 27 Federações e com os Sindicatos filiados. Desde a
sua primeira edição, ocorrida no ano de 2007, lutando por políticas públicas
articuladas a partir dos olhares das juventudes do campo. Das reivindica-
ções dos festivais já foram alcançados os seguintes resultados: o Consórcio
Social da Juventude Rural – Rita Quadros; assinaturas de editais de fomento
para projetos de cooperativas e associações de jovens e o Plano Nacional de
Juventude e Sucessão Rural.
A presença dos jovens no movimento sindical tem resultado na defesa
pelo compartilhamento de espaços de poder, que segundo Galindo (2015),
rendeu, no de 2005, que os jovens alcançassem a cota de participação de 20%
no movimento. A autora afirma também, que com isso os jovens ganharam
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 139

poder de decisão, mesmo que mínimo e, que os festivais de 2006 e 2007,


em nível regional, estadual e nacional, são resultados deste marco. Pondera
ainda, que os festivais possuem muitos significados (ver na Figura 2), como
demostrado a abaixo:

Figura 2 – O que é o Festival Nacional da Juventude Rural


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Fonte: https://www.instagram.com/p/CpxayMmO3hs/?img_index=2

O festival é um momento que a juventude do campo manifesta os aspectos


culturais que marcam a regionalidade, visto que, encontram-se nesse espaço
jovens de todo o país. Como mostra Galindo (2015), trata-se de um evento
articulado pela agenda sindical também, mas que conta principalmente com
a atitude da juventude que tem se organizado e discutido nos mais variados
eixos temáticos a condição juvenil no campo. Nesse sentido, o festival além
de valorizar a cultura, um jeito jovem de se mobilizar, expressa “atividades
formativas, negociações com o governo em torno das políticas públicas para
a juventude do campo e mobilização de rua” (Galindo, 2015, p. 117).
No ano de 2023, estão entre as pautas do 4º festival a Educação do
campo e a cultura. No que se refere as reivindicações do eixo da Educação
do Campo, de acordo com o caderno de respostas ao 4º Festival Nacional da
Juventude Rural elaborado pela Secretaria-Geral da Presidência da República.
Seguem as pautas encaminhadas pelos(as) jovens, bem como, a resposta do
Governo Federal:
Pauta: 5.1 Realizar estudo sobre a situação atual, rearranjo e manutenção
das escolas do campo, acompanhado de uma proposta de reforma e construção
140

de novas escolas, com infraestrutura adequada, garantindo transporte esco-


lar seguro e de qualidade, materiais e livros didáticos, biblioteca, áreas de
lazer e desporto. Resposta: O Ministério da Educação, por meio da Diretoria
Ministério da Educação de Políticas de Educação do Campo e outros, fará: •
Contratação de consultoria para realização de pesquisa sobre as situações de
oferta e funcionamento da educação em escolas públicas localizadas em áreas
rurais; Encaminhamento do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE
Campo e PDDE Água (2021 e 2022 entre os meses de maio e junho de 2023);
• Levantamento e discussão com o Ministério sobre construção de escolas.
No que se refere as reivindicações do eixo da Cultura, temos:

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Pauta: 6.1 Retomar a política de Pontos de Cultura, com financiamento,
por meio de editais, de projetos locais e itinerantes de produção cultural
voltados para música, dança, artes plásticas (pintura, desenho e escultura),
audiovisual (cinema, rádio e fotografia), artes cênicas e literatura. Resposta:
Retomada da Política Nacional de Cultura Viva; O Ministério da Cultura
elaborou uma estratégia para zerar o passivo de prestações de contas de anos
anteriores até o final de 2023, vai fomentar 50 Pontões de Cultura, premiar 1
mil Pontos de Cultura, Pontos de Memória, Pontos de Leitura, mestres e mestra
das culturas populares, ações de diversidade cultural e investir no fomento a
projetos continuados de Pontos de Cultura de todo Brasil (via LAB 2).
O festival tem aspectos importantes que reúnem a juventude do campo
na busca por políticas públicas, pela defesa do direito de participar ativamente
nas decisões políticas, ocupando os espaços de luta, como os sindicatos de
trabalhadores rurais. Esse movimento tem garantido, a exemplo da iniciativa
do festival, que resulta em um comprometimento dos órgãos públicos em
investir com qualidade na educação do campo e cultura.

As práticas dos jovens do rio das castanhas

A ação coletiva dos jovens ribeirinhos é uma forma de buscar o direito


à diferença, de afirmar a culturalidade presente em seus modos de vida.
Ela manifesta os saberes e práticas da comunidade, e como afirma Maria da
Glória Gohn, no texto “Os movimentos sociais na contemporaneidade”, as
ações das pessoas em grupos sociais organizados foram gerando a ideia dos
movimentos sociais, e estes historicamente vem fortalecendo culturas locais.
Nesse sentido, é que se destaca ações como do coletivo de jovens pela educa-
ção ambiental do município de Vitória do Jari, Amapá, que como relata Gohn
(2011), são atitudes que visam também formar os indivíduos politicamente, já
que se encontram em processo de reconhecimento do lugar de subalternização
cultural ao qual foram posicionados.
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Assim como os jovens da PJR, da CONTAG, exposto na seção acima,


os jovens de Vitória do Jari estão em movimento, são estudantes do Ensino
Médio, professores e professoras, educadores e educadoras populares da Rede
de Educação Cidadã, estudantes de escola família, trabalhadores industriais,
coletores de castanha, Associação das Mulheres Artesãs, Sindicato das traba-
lhadoras e trabalhadores rurais e Associação dos pescadores Z15, que, como
relata Santos e Diniz (2022), são exemplos dos movimentos sociais na Ama-
zônia Amapaense. Estes, realizam atividades que visam o cuidado com o
rio Jari, de onde é captada a água que utilizam diariamente. Para os autores,
os círculos de culturas presentes nas vivências desses jovens são vias de
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valorização da cultura local.


Nos círculos participativos de saberes culturais, os jovens, criaram
a prática “Encanteiros”, resultando em espaços onde cultivam hortaliças.
Para Santos e Diniz (2022, p. 119) os espaços dos movimentos sociais opor-
tunizam “[...] troca de experiências, vivências para doar e receber, todas pon-
teadas numa trama de diálogos, reflexões, conscientização e transformação
do meu/seu/nosso mundo a partir da realidade concreta, o que dialoga com
a educação popular”. Dessa forma, os jovens com a arrecadação de pneus,
tambores, baldes, que estavam descartados no rio, incentivaram uma prática
que é comum do ribeirinho que são os canteiros, com pequenas plantações de
cebolinha, cheiro-verde, pimentinha, bem como, um destino para os objetos
que não seja o rio.
Os jovens, a partir de saberes e práticas mostram, como afirma Veiga-
-Neto (2003), o quanto as culturas encontram-se fundamentadas dentro de
seus próprios princípios e não fora destes. Para o ribeirinho, como reiteram
Gohn (2011) e Santos e Diniz (2022) referente as resistências coletivas que
geram os movimentos sociais, o rio é a sua rua, assim, entendem que trabalhar
a educação ambiental é uma forma de cuidar de si e do outro, de pensar/sentir
a relação com o rio, de onde vem seu sustento. No movimento, os jovens, se
percebem sujeitos conscientes e conscientizadores da necessidade de ter um
rio saudável. Nesse sentido, percebe-se as contribuições que os movimentos
sociais reverberam:

Observa-se que têm contribuído para organizar e conscientizar a sociedade;


apresentam conjuntos de demandas via práticas de pressão/mobilização;
têm certa continuidade e permanência. Não são só reativos, movidos ape-
nas pelas necessidades (fome ou qualquer forma de opressão); podem
surgir e desenvolver-se também a partir de uma reflexão sobre sua própria
experiência. Na atualidade, apresentam um ideário civilizatório que coloca
como horizonte a construção de uma sociedade democrática. Hoje em dia,
suas ações são pela sustentabilidade, e não apenas autodesenvolvimento.
142

Lutam contra a exclusão, por novas culturas políticas de inclusão. Lutam


pelo reconhecimento da diversidade cultural. Questões como a diferença
e a multiculturalidade têm sido incorporadas para a construção da própria
identidade dos movimentos (Gohn, 2011, p. 336).

São suas próprias experiências, que compreendem sua formação cultural


que lhes caracterizam como movimento social, tendo seu nascedouro nos
saberes e práticas comunitárias, como pondera a autora, integram identidade
ao movimento. Santos e Diniz (2022, p. 132) explicam que “os círculos de
cultura cuidando da Amazônia, assim chamado pelo pertencimento e pela

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identidade amazônida, se reconfiguram em um encontro de vidas, culturas,
línguas, ritmos, saberes, fazeres, ancestralidade e modos de vida”, assim,
está identificada a ação da produção das lixeiras comunitárias, direcionada
pelos jovens. Resultando na arrecadação de tambores e baldes descartados
no rio Jari ou rio das castanhas, como também é conhecido e, transformados
em lixeiras, que em seguida foram fixadas em 7 (sete) bairros do município.
As práticas e os saberes culturais dos jovens do campo, das águas e das
florestas propõem formas de socialização, aprendizagens, conscientização,
que se encontram fortalecidos nos movimentos sociais, como reitera Gohn
(2011), entender que a participação de cada um, cada uma, nos problemas da
sociedade é fundamental para a saída do lugar de subalternização cultural que
a Modernidade demarcou nos países colonizados. O fazer/saber que envolve
as suas práticas e saberes “propõem como se educam, aprendem, socializam,
se afirmam, e se formam como sujeitos sociais, culturais, cognitivos, éticos,
políticos que são” (Arroyo, 2012, p. 27). Dessa forma, percebe-se o quanto
a juventude do campo encontra-se em movimento.
A juventude do campo vem buscando se articular a partir da realidade em
que vive, discutindo questões sociais que desejam transformar ou preservar,
envolvendo suas produções culturais, artísticas, epistemológicas, ontológicas
e políticas, pontuando que o campo é o lugar da juventude viver, com digni-
dade, direito à terra e à diferença.

Considerações finais

A compreensão do termo “campo” está diretamente relacionado com


as práticas dos sujeitos que nele habitam, visto que há um acúmulo cultural
formado a partir da organização coletiva, como bem nos lembram Leão e
Antunes-Rocha (2015). Essa coletividade é expressada pela juventude do
campo a partir das atividades que realizam nos movimentos sociais, que tem
buscado a organização coletiva, para resistir a imposições sociais que insistem
em marcá-los como sujeitos atrasados devido estarem afastados da cidade.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 143

A juventude do campo se articula enquanto movimento social e mostra o


quanto tem a contribuir para as demais experiências coletivas seja no campo
ou na cidade, como exemplo de formas de trabalho coletivo e participativo.
O que vincula a juventude do campo, movimentos sociais e a cultura é o
fato dos jovens terem suas vozes ecoadas pela via dos movimentos sociais, que
por sua vez, permitem que a cultura através dos saberes e práticas da juven-
tude do campo seja afirmada. Seja qual for o campo, no Brasil, a juventude
se mostra como atuante e participativa nos sindicatos, associações, conselhos,
redes de apoios comunitários, discutindo formas que elevem ainda mais a valo-
rização da cultura. As seções acima, pontuaram que as juventudes do campo
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vêm desenvolvendo ações que fortalecem a cultura, seja em âmbito nacional


ou local, como os movimentos dos(as) jovens trabalhadoras e trabalhadores
rurais, as pautas levantadas no 4º Festival Nacional da Juventude Rural, e/ou
as práticas dos jovens do município de Vitória do Jari, que vem se destacando
como lideranças sindicais.
Nesse sentido, os(as) jovens do campo, que lutam pelo reconhecimento
de seus territórios e resistem, ao longo dos anos, às imposições de outras
culturas que se posicionam como superiores, a exemplo, a invenção sobre o
conceito de cultura elevada. Esta, cunhou a expressão Kultur que foi formu-
lada pelos alemães onde se consideravam como únicos produtores de cultura
e conhecimento. Quando estes jovens se movimentam buscando suas ances-
tralidades, fazem resistência ao processo de subalternização ao qual foram
expostos historicamente. As pressões que organizados em coletivos realizam,
são modos de confrontar a lógica perversa presente no pensamento daqueles
que negam a cultura dos povos do campo, das águas e das florestas.
144

REFERÊNCIAS
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Ed. Vozes, 2012.

CONTAG. 4º Festival Nacional da Juventude Rural. Brasília, 24 Abr. Insta-


gram: @contag_brasil. Disponível em https://www.instagram.com/p/CpxayM-
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CONTAG. O que é o Festival Nacional da Juventude Rural. Brasília, 14 Mar.
Instagram: @contag_brasil. Disponível em https://www.instagram.com/p/
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Editora, 2015.

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GOHN, M. G. M. Movimentos Sociais na Contemporaneidade. São Paulo:


Edições Loyola, 2011.

LEÃO, Geraldo; ANTUNES-ROCHA, Maria Isabel. Juventudes no/do


Campo: questões para um debate. In: LEÃO, Geraldo; ANTUNES-ROCHA,
Maria Isabel (org.). Juventudes do Campo. Belo Horizonte: Autêntica Edi-
tora, 2015.

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real e os desafios educacionais e planetários. Educar em Revista, v. 36. 2020.

PRODANOV, Cleber; FREITAS, Ernani. Metodologia do trabalho cientí-


fico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Nova
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Educação, n. 23., maio/jun./jul./ago. 2003.
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A VALORIZAÇÃO DOS CENTROS
DE CULTURA NA PROMOÇÃO E
MANUTENÇÃO DA IDENTIDADE
CULTURAL NEGRA
Delcirene Videira da Silva
Eugénia da Luz Silva Foster
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Introdução

O interesse em pesquisar sobre os Centros Culturais, especificamente pelo


Centro Cultural Raízes do Marabaixo de Mazagão Velho (CCRMV), surgiu
ao observar as crianças que participam das atividades promovidas no Centro,
durante as apresentações nos eventos culturais realizados na escola onde está
pesquisadora é professora e as crianças são estudantes. Elas demonstram nes-
sas apresentações uma relação de conhecimentos tradicionais que aprendem
durante as oficinas promovidas no centro cultural, e que a escola ainda parece
não dar a devida importância.
Essa constatação instigou nosso interesse para a necessidade de conhe-
cer melhor e mais de perto o trabalho que o CCRMV desenvolve, bem como
aquilatar a importância desse espaço de cultura para a valorização da iden-
tidade negra. Como professora e pesquisadora nosso ponto de partida e de
chegada é buscar compreender as relações entre esses espaços de valorização
dos saberes tradicionais negros e a própria escola. Não podemos esquecer
que estudos vêm indicando que a questão da diversidade étnica e racial e
seus desdobramentos vem ganhando espaço nas discussões realizadas sobre
o trabalho educativo, embora tensionadas, ainda, por significativas situações
de discriminação racial nem sempre explícitas e quase sempre muito sutis.
Por outro lado, a escolha da temática se deu em virtude e com apoio dos
estudos abordadas na disciplina Educação, Culturas e Diversidades, compo-
nente curricular do curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da Universidade Federal do Amapá – PPGED/UNIFAP,
além de compor o objeto de investigação de nossa dissertação.
Diante dessas considerações preliminares, A referida pesquisa pretende
trabalhar com o Centro Cultural Raízes do Marabaixo, que foi criado a par-
tir das necessidades do “Grupo Folclórico Raízes do Marabaixo”, como
espaço para realização de atividades culturais que o grupo, em parceria com
148

o Projeto Emplacando14, vinha desenvolvendo na comunidade de Mazagão


Velho. Vale ressaltar que o Centro Cultural representa a resistência da cultura
negra mazaganense.
Conceitualmente, de acordo com Milanesi (1997), os centros culturais são
espaços para cultivar a capacidade de criar as atividades culturais realizadas
com e para as pessoas. A relação estabelecida entre as pessoas nesses espa-
ços é o que define um centro ou casa de cultura, sendo que neles é refletida a
diversidade cultural do país.
Partindo do estudo da definição de cultura em sua complexidade, per-
cebemos que é uma palavra antiga que continua a ser aplicada a realidades

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diversas e sentidos diferentes, de modo que evolui com o processo histórico
e social, relacionando-se com as manifestações de poder da classe dominante.
A palavra é originada do latim “colere”, que significa “cuidado e cultivo da
terra”. O termo “cultura” e sua evolução nas ciências sociais apontam para uma
grande diversidade de usos das populações humanas. Sobretudo, “o homem
é essencialmente um ser de cultura. Ao longo do processo de hominização,
começado há mais ou menos quinze milhões de anos” (CUCHE, 2002, p. 9).
Para Terry Eagleton (2011), a palavra “cultura” significa tudo, desde
cultivar e habitar a Terra, até prestar e proteger culto. A palavra ainda descreve
uma decisiva transição histórica, sendo que do latim ela é relacionada a várias
questões filosóficas fundamentais, como questões de liberdade e determinismo,
atividade e resistência, mudança e identidade.
Esta inter-relação no fazer e na vida de um povo, no sentido coletivo,
seguindo a visão de Stuart Hall (2019), está relacionada aos padrões compor-
tamentais adquiridos com a experiência e vivência em sociedade. Trata-se da
cultura nacional unificada e homogênea que marginaliza as demais culturas,
costumes e tradições, ou seja, estabelece uma estrutura de poder cultural.
Este artigo pretende empreender breve reflexão a respeito da relevância
dos centros de cultura na valorização da identidade cultural negra, bem como
aquilatar sua importância educativa nesse processo. Para responder a esta
questão-problema, foi necessário fazer um estudo exploratório de natureza
qualitativa, a partir da revisão da literatura pertinente a respeito da temática
centros de cultura e sua importância na valorização da identidade cultural
(Minayo, 2015).
Quanto aos procedimentos metodológicos, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica de artigos e livros disponíveis na internet que discorrem sobre
a tematica Centros de Cultura como símbolo de resistência negra em nosso
país. Os dados foram analisados através da discussão teórica traçada pelos

14 Ponto de cultura da Banda Placa, aprovado em 29/10/2008, edital nº 001. Devido ao grande trabalho que
a banda vinha executando desde 1997, recebeu o nome de “Emplacando”.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 149

autores abordados, tais como: Terry Eagleton (2011), Denys Cuche (2002),
Milanesi (1997), Ramos (2007), Videira (2014), Hall (2006), Fleuri (2018),
entre outros.
A fim de alcançar o objetivo suscitado acima, estruturamos este artigo
em duas seções. Na primeira traçaremos uma discussão sobre o contexto
histórico dos Centros de Cultura no Brasil e a importância que esses espaços
representam para manter viva a história, os saberes e os fazeres culturais
relativos à população negra. Na segunda seção teceremos considerações a
respeito do nosso projeto de dissertação que tem como objetivo analisar o
protagonismo do Centro Cultural Raízes do Marabaixo em Mazagão Velho-AP,
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como forma de manter viva a história, os saberes e fazeres culturais, assim


como a promoção e manutenção da identidade negra local.

Aspectos históricos dos centros de cultura negra no Brasil

Partimos da indagação de Milanesi (1997, p. 11), “o que é um centro de


cultura, e o que pode ser identificado como esse espaço?”. O objetivo de erguer
um centro ou casa de cultura é mais pela sua forma que por sua função, já que
as funções da “cultura são tão complicadas quanto discutir o transcendente”.
A ideia de “centro de cultura” não é do Brasil, surge na Europa e chega ao
Brasil com a edificação dessas instituições como bibliotecas, museus e teatros;
essas instituições, com perfis semelhantes em lugares diferentes, recebem
nomes iguais. “Um centro de cultura pode ser um museu municipal, em outra
cidade pode se chamar Casa de cultura e a Casa de cultura em uma localidade
é exatamente como uma biblioteca pública de outra” (Milanesi, 1997, p. 24).
De acordo com Ramos (2007), não há uma definição única do nome
desse espaço, pois essas instituições são reconhecidas com diferentes nomes,
como “Centros de cultura, casa de cultura ou centros culturais”, ou ainda são
bibliotecas expandidas, ampliadas e reformuladas. De qualquer maneira, são
locais de conhecer, de pensar, de elaborar e de criar; espaços de ação con-
tínua de fazer a cultura viva, concebida pelo próprio indivíduo em contato
com outros indivíduos em um processo dinâmico, elaborando a cultura com
“as próprias mãos”. Dessa forma, os centros culturais foram criados para
produzir, elaborar e disseminar práticas culturais; além disso, estes espaços
são bens que ganham status de local privilegiado para práticas informacionais
que dão subsídio às ações culturais.
Os Centros de Cultura, ou casas de cultura, chegam ao Brasil no final
da década de 1970 e início dos anos de 1980, mas houve um crescimento
autêntico na quantidade nos últimos vinte anos. A origem desses espaços,
como já mencionado anteriormente, se deu nos países de primeiro mundo,
150

sendo a França a pioneira na construção do Centro Nacional de Arte e Cultura


“Georges Pompidou”, inaugurado em 1975, o qual serviu de modelo para o
resto do mundo (Ramos, 2007, p. 75).
Vale ressaltar que os centros de cultura negra também surgem nesse
período histórico, entre eles o Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN),
organização que atuou em São Paulo na década de 1970 e acompanhou o
movimento negro, que simboliza a resistência histórica do negro paulista do
Brasil. Nesse período as associações negras desenvolviam trabalhos volta-
dos para recriação, lazer e formação profissional do negro. Além disso, foi o
CECAN a primeira entidade negra na capital de são Paulo a trabalhar a ideia

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de negritude, valorização da consciência étnica, afirmação do negro como
sujeito histórico de cultura e recuperação da identidade racial (Silva, 2012).
Silva (2012) afirma ainda que o CECAN tinha um diferencial das demais
associações de cultura negra: a liderança apresentava discursos e práxis que
almejavam construir uma consciência e identidade negra atuando no teatro.
Dessa forma, o objetivo deste local era mostrar no teatro a história do negro
e a importância da consciência étnica para a superação da problemática racial
no Brasil.
Um novo estatuto do CECAN foi elaborado em 1976, com ênfase na
multiplicidade de expressões e consciência étnica, com objetivo de pesquisar
outros tipos de cultura. Assim, passaram a promover cursos, seminários e con-
ferências de cunho cultural ligados a outras culturas e, em especial, a cultura
afro-brasileira, como atividades artísticas, culturais, sociais e desportivas em
todas suas manifestações (Silva, 2012).
Uma das responsabilidades que os centros culturais têm é a distribuição
dos bens culturais e a circulação de informação. Ou seja, um bem cultural
produzido deve ser socializado e tornado público através de ações coletivas
de eventos que possibilitem a participação da sociedade. A circulação do bem
cultural e da informação, vinculada aos meios de comunicação, cria demandas
culturais e informacionais, sendo que esta é uma condição básica do trabalho
cultural (Milanesi, 1997).
Vale destacar que os centros de cultura trabalham com culturas diver-
sas, em especial de matriz negra, para além da folclorização que é comum
nas escolas; importante considerar que “os processos históricos e produção
intelectual contribuíram para a marginalização da cultura popular dentro do
espaço escolar” (Cordeiro, 2022, p. 308).
Os centros de cultura negra são bens simbólicos que ganham status de
um local privilegiado para práticas educativas que estão além da educação
formal e que dão subsídio às ações culturais.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 151

Centro de Cultura Negra Raízes do Marabaixo de Mazagão Velho

O CCRMMV está localizado na rua Dom Macedo Costa, nº 99, Distrito


de Mazagão Velho – município de Mazagão, estado do Amapá. O espaço
de cultura foi fundado para atender os anseios das atividades do grupo de
nome “Grupo Folclórico Raízes do Marabaixo”, que mesmo antes do espaço
de cultura já desenvolvia encontros e rodas de conversa para discutir e pro-
duzir caixas e músicas de marabaixo. Ou seja, nesse espaço de cultura são
desenvolvidas variadas atividades culturais. Jozué Videira é o coordenador e
administrador do CCRMMV.
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A fundação do grupo e do espaço físico é resultado do projeto “Empla-


cando”, da Banda Placa, do músico Carlos Augusto Gomes, popular Carlitão.
O ponto de cultura da banda Placa foi aprovado em 29 de outubro de 2008,
pelo edital de nº 001. Portanto, o ponto de cultura da banda Placa foi instalado
na comunidade de Mazagão Velho, em parceria com o grupo Cultural Raízes
do Marabaixo, em 21 de fevereiro de 2010.
A motivação e parceria das entidades resultou em várias ações na área
cultural: a festa de aniversário de Fundação da Vila de Mazagão Velho; a pri-
meira oficina de construção de Caixas de Marabaixo, capacitando 28 pessoas;
e o início do “trabalho com as crianças e adolescentes, ensinando de forma
continuada, o canto, a dança e o toque do marabaixo e do batuque” (Gomes;
Gomes, 2019, p. 93).
Atualmente o CCRMV e o grupo Raízes do marabaixo infantil continuam
sob coordenação do Jozué Videira; ele preferiu seguir com o grupo de mara-
baixo das crianças, e não mais o grupo dos adultos, o qual também direcionava.
No Centro continuam sendo desenvolvidas atividades culturais como ensaios
de percussão e canto para as apresentações culturais e artísticas e aulas de judô.
No espaço também são realizadas palestras e eventos culturais, festas
de aniversário, confraternizações do grupo e até Halloween (dia das bruxas
norte-americano). De acordo com Hall (2019, p. 12), as identidades sofrem
fusão entre distintas culturas, pois “o sujeito pós moderno assume identidades
diferentes em diferentes momentos”, como sujeito histórico.
Segundo Videira (2014), “o Marabaixo é uma tradição afro-amapaense
festivo/religiosa que une ciclos geracionais num período anual chamado de
Ciclo do Marabaixo, que acontece logo após os festejos religiosos da Qua-
resma e Semana Santa dentro da religião católica” (Videira, 2014, p. 19).
Esta manifestação cultural é realizada por comunidades negras do estado do
Amapá e desenvolvida de acordo com o calendário cultural local.
Em Mazagão Velho, o marabaixo ocorre no mês de agosto, com a Festa
do Divino Espírito Santo, com o tradicional marabaixo de rua – cortejo que sai
152

nas ruas na vila de Mazagão Velho no dia 24 de agosto para louvar o Divino
Espírito Santo, contendo comitivas das foliãs do Divino Espírito Santo, inte-
grantes do grupo raízes do Marabaixo, adulto e infantil, demais grupos de
outras localidades e apreciadores.
A dança do marabaixo é uma das manifestações presente nas ativida-
des que o centro de cultura realiza com as crianças que, durante as aulas de
percussão e musicalidade, aprendem a tocar as caixas e cantar os versos de
marabaixo. Os ensaios são realizados a cada apresentação que o grupo é
convidado a participar. Desse modo, o Centro Cultural se esforça para manter
viva as tradições locais e sua ancestralidade negra. Portanto, “o Marabaixo

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como conteúdo educacional oportunizará aos educandos o conhecimento de
outras formas de saberes, outras formas de ser/existir como sujeitos históricos,
sociais e corpóreos [...]” (Videira, 2014, p. 17).
De acordo com Cordeiro (2022), os folcloristas brasileiros, influencia-
dos pelos europeus do século XIX, não davam a devida valorização à cultura
popular, tendo como válido somente o conhecimento moderno, considerado
universal, ou no máximo, tratado de forma “descontextualizada, reforçando a
marginalização ao promover o ideário de cultura válido da sociedade moderna”
(Cordeiro, 2022, p. 317). Dessa forma, a cultura popular é desvalorizada e
discriminada no ambiente escolar, que segue uma lógica de calendário/fes-
tivo e datas comemorativas, sem abordagem aprofundada e contextualizada
desses conhecimentos.
O pensamento de Fleuri (2018) nos revela que, através da construção de
práticas educativas, podemos oferecer oportunidades de conhecimentos a todos
sujeitos, em suas diversidades. Desse modo, a educação intercultural propõe
construir uma relação concreta entre pessoas que decidem construir contextos
e levem em conta a complexidade das relações humanas entre indivíduos e
culturas diferentes, para o aprimoramento do conhecimento.
Para Cordeiro (2022), a educação intercultural tem sido um recurso
inestimável na construção de modelos pedagógicos que sinalizam essa aber-
tura epistemológica para uma educação que considere os saberes populares
como conhecimentos válidos na formação humana. Ou seja, que valo-
rize a diversidade cultural, na promoção de uma educação mais humano
e transformadora.
Deste modo, acreditamos que a experiência e o trabalho desenvolvido
pelo Centro de Cultura Negra Raízes do Marabaixo possam oferecer muitos
indicativos à construção de uma educação intercultural nas escolas regulares,
pois a valorização da diversidade cultural, em especial a cultura afro-brasileira,
é um dos marcadores deste espaço, auxiliando a edificação da identidade de
crianças negras no estado do Amapá.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 153

Considerações finais

O presente artigo teve como objetivo analisar o protagonismo dos Centros


de Cultura, mais especificamente o Centro de Cultura Raízes do Marabaixo,
como forma de manter viva a história, os saberes e os fazeres culturais, assim
como a promoção e a manutenção da identidade negra. Durante o desenvol-
vimento da pesquisa foi possível perceber a relevância dos centros de cultura
que trabalham para a manutenção da cultura popular e de matriz negra como
forma de resistência, preservação dos saberes culturais e resgate da identidade
cultural negra, frente a uma sociedade cuja cultura hegemônica tenta apagar
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as culturas populares.
Atualmente os centros de cultura trabalham com culturas diversas, em
especial a cultura de matriz negra, como forma de resistência e preservação
da identidade cultural negra, valorizando os saberes culturais locais. Portanto,
esses centros revelam-se importantes enquanto espaços educativos, para o
desenvolvimento e preservação da história e memória coletiva de uma nação
e da vida humana.
154

REFERÊNCIAS
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folclorização dentro da educação escolar. Revista da FAEEBA – Educação
e Contemporaneidade, Salvador, v. 31, n. 67, p. 308-324, 16 ago. 2022.

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MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: Teoria, método e


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VIDEIRA, Piedade Lino. O Marabaixo do Amapá: encontro de saberes, his-


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CULTURA, EDUCAÇÃO E
PENSAMENTO DECOLONIAL:
práticas da educação escolar quilombola
Marques Ferreira Barbosa
Raimundo Erundino Santos Diniz
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Introdução

Este trabalho objetiva provocar diálogos e reflexões sobre as relações


entre cultura e educação escolar com as pedagogias críticas, assim como
identificar, caracterizar o pensamento decolonial e suas contribuições pos-
síveis para o ensino de história, ampliar as possibilidades pedagógicas para
a prática da legislação contida na Lei nº 10.639/03 e resolução 08/2012 do
conselho nacional de educação. Socializar ações pedagógicas em escolas
quilombolas no Estado do Amapá pautadas no pensamento decolonial e suas
possibilidades para uma educação dialética, crítica e reflexiva. O Percurso
metodológico pauta-se na pesquisa com abordagem qualitativa no sentido
que enfoca o social como um mundo de significado passível de investigação
e a linguagem comum ou a “fala” como matéria prima desta abordagem, para
tentar compreender o significado das ações humanas em suas subjetividades
(Minayo, 2010).
A abordagem qualitativa fornece a possibilidade de intepretação atra-
vés de fontes que acrescentem qualidade à pesquisa, ou, seja, a orientação
de quem realiza a pesquisa se centra no processo histórico, possibilitando
a análise do contexto em que o objeto de estudo está inserido (Ferreira;
Franco, 2009). Dialoga com bibliografias sobre cultura e cultura escolar,
pedagogias críticas, com autores do grupo modernidade/decolonialidade,
com a legislação educacional brasileira como a Lei nº 10.639/03 e resolução
do CNE de nº 8/2012 e com a práxis de ensino desenvolvidas de algumas
das escolas quilombolas de Macapá, capital do estado do Amapá. O artigo
está organizado da seguinte forma: apresenta-se uma breve discussão da
relação cultura e educação e seus horizontes possíveis; a socialização sobre
pensamento decolonial e ensino de história; por fim, demonstra-se práticas
de educação escolar quilombola no município de Macapá, capital do Estado
do Amapá, seguido das considerações finais.
156

Cultura e educação um diálogo necessário

Os muitos entendimentos atuais do que seja cultura e educação e sobre


as relações entre ambos se encontram no centro de vários debates. Veiga Neto
(2003) discorre sobre a historicidade do termo “Cultura” com C maiúsculo
que por muito tempo foi a visão surgida no século XVIII quando intelectuais
alemães passaram a chamar de Kultur todo aquele conjunto de coisas que eles
consideravam superiores os de alta Cultura e que os diferenciava do resto do
mundo das outras sociedades que seriam a “baixa cultura” que seria a cultura
daqueles menos cultivados. Tal diferenciação entre a dita alta Cultura e baixa

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Cultura gerou a justificação para a dominação e a exploração entre povos.
Grande parcela do pensamento pedagógico moderno foi vinculado a levar
as populações conhecimentos advindos da alta Cultura eurocêntrica, ou seja
da civilidade como um modelo de vida a se alcançar, recheado de atitudes e
ações humanas que eram da ordem do comportamento tais como gesticulação,
cortesia, recato, elegância, boas maneiras, amabilidade, delicadeza, cavalhei-
rismo e até afetação, maneirismo e simulação.
Com o surgimento de novos estudos, cultura com c minúsculo, passou
a ter significados distintos sendo entendida como um conjunto de produções
e representações que eram da ordem dos saberes, da sensibilidade e do
espírito. Apresenta-se então discussões vogando o multiculturalismo com
noção de significados outros, uma questão epistemológica e uma questão
de poder, por isso, uma questão política, quando se trata de significações
no campo da cultura, o campo onde hoje se dão os maiores conflitos, seja
das minorias entre si, seja delas com as assim chamadas maiorias (Veiga
Neto, 2003, p. 5).
Veiga Neto (2003) revela-nos a importância de se potencializar pers-
pectivas voltadas para o conhecimento de culturas onde se torna possível
identificar as diversas maneiras que grupos humanos desenvolveram suas
vidas, seus modos de tratar o meio ambiente e modos de relacionamentos
entre si, bem diversos do que foi chamado um dia de alta cultura. Ou seja,
deve-se ter a percepção que não há somente um jeito de viver e sim diversos
modos culturais de viver a vida.
Levemos em voga neste artigo a concepção de educação dita contra
hegemônica para ser aplicada em educandários brasileiros e amapaenses,
ligada com algumas vertentes tidas como a pedagogia histórico-crítica, peda-
gogia da libertação, pedagogia dos oprimidos, dos subalternizados, sistema-
tizadas a partir da década de 1980 por meio de debates, encontros, artigos e
de lançamentos de livros com ênfases na busca de práticas de ensino contra
hegemônicas de educação (Saviani, 1999).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 157

Para a pedagogia crítica, a educação é entendida como o ato de produzir,


direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Para Saviani
(2013, p. 13) o objeto da educação diz respeito a humanizar, municiar cada
pessoa com os conhecimentos historicamente produzidos pelos diversos gru-
pos humanos que nos diferenciam das outras espécies e nos tornam seres
capazes de reflexão sobre o existir da vida. Tal reflexão pode ser melhor
explorada dentro da instituição escola cujo papel consiste na socialização
do saber sistematizado. Atualmente, esse saber é guiado pelos currículos de
cada rede de ensino, sendo aqui utilizado o conceito abrangente formulado
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por Saviani, onde o currículo se constitui como a organização do conjunto


de atividades nucleares distribuídas no espaço e tempo escolares. Porém em
se tratando de currículos escolares tivemos ao longo da estruturação do fazer
escolar brasileiro a disseminação do ideal eurocêntrico a ser alcançado, o que
não privilegia as classes exploradas historicamente.
Primamos aqui pela ideia de que, por meio do ensino de História,
se atinja uma formação que abrange reflexões e estudos sobre as atuais con-
dições humanas, mas que se fundamenta nas singularidades e no respeito pelas
diferenças étnicas, religiosas, sexuais das diversas sociedades. A perspectiva
histórica permite uma visão não apenas abrangente ao estabelecer as relações
entre passado-presente na busca de explicações do atual estágio da humani-
dade, como permite também, identificar as semelhanças e diferenças que têm
marcado a trajetória dos homens no planeta Terra (Bittencourt, 2009, p. 123).
bell hooks (2013), ressalta a importância do fazer educativo com vistas
a autonomia dos sujeitos sociais, propõe abordar as diferentes disputas de
sentidos acerca da educação e o papel dos(as) professores(as) nesse processo.
Destaca que a educação deve ser construída em uma perspectiva crítica sobre a
realidade social para a construção de ações transformadoras, vinculadas a um
projeto democrático e político, isso significa intervir com reflexões e respostas
concretas junto aos diferentes grupos sociais subalternizados, mas para isso
se torna necessário questionar a estrutura eurocêntrica que criou o racismo
institucional, isso é a educação como prática de liberdade.

O pensamento decolonial e o ensino de história

De relevância fundamental para o ensino de história o pensamento


decolonial se dispõe a romper com a colonialidade (o que permaneceu
enraizado, nos países colonizados, o fim da colonização, não significou o
fim do aparato do conteúdo já enraizado a séculos nas terras da África, da
Ásia e das Américas), pensamentos perpetuados em gerações, ideologias,
158

comportamentos, valores greco-romanos, eurocêntricos. Sugere que sejam


incorporados, valorizados, o pensamento de povos indígenas e de povos que
foram forçados a deixar a África e outros lugares do planeta para serem mão
de obra em colônias, nas regiões exploradas pelos europeus (Costa Neto,
2016). O pensamento decolonial objetiva problematizar a manutenção das
condições colonizadas da epistemologia, buscando privilegiar os elementos
epistêmicos locais em detrimento dos legados impostos pela situação colonial
(Andrade; Reis, 2018).
Contribuem para o pensamento decolonial como práticas que fazem
resistir, insurgir e transpor os limites da colonialidade, nas dimensões do Ser,

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do Saber, do Poder e da Natureza (Dussel, 2005; Maldonado-Torres,2007;
Mignolo, 2005; Quijano, 2005), entre outros e outras pertencentes a um grande
grupo de estudiosas/os denominado modernidade/colonialidade surgido em
1998 na América Latina. Para Ballestrin (2013) a rede decolonial conta com
“Dussel e a Filosofia da Libertação, Quijano e a Teoria da Dependência, e
Wallerstein e a Teoria do Sistema-Mundo”. Diante de todo o conhecimento
histórico “é descabido atribuir às altas culturas não europeias uma mentalidade
mítico-mágica como traço definidor, em oposição à racionalidade e à ciência
como características da Europa” (Quijano, 2005, p. 119).
Para Mignolo (2014) a colonialidade opera em três diferentes níveis:
colonialidade do poder (político e econômico); colonialidade do saber (epis-
têmico, filosófico, científico e em relação às línguas com o conhecimento)
e colonialidade do ser (subjetividade, controle da sexualidade e dos papéis
atribuídos aos gêneros). Achille Mbembe (2017) alerta se referindo a um
“devir-negro do mundo”, em que toda a Humanidade subalterna corre o risco
de se tornar negra, e em que as desigualdades em que todo o processo assenta
correm o risco de se disseminarem rapidamente. No atual contexto de crise,
alarga o conceito de “negro” a uma condição universal a que todos estarão
sujeitos pelo fato de o neoliberalismo, na sequência dos novos modelos de
exploração que o caracterizam, olhar para todos enquanto negros, com a
consequente ideia de submissão associada.
Candau e Russo (2010) nos esclarecem que: A colonialidade do poder
refere-se aos padrões de poder baseados em uma hierarquia (racial, sexual) e
na formação e distribuição de identidades. Nas relações sociais as populações
afrodiaspóricas foram as mais exploradas, já que a economia funcionava
baseada na exploração desumana do trabalho destas. Para Nogueira (2020)
esse padrão de poder parece ser o mais forte e presente na sociedade em que
vivemos em dias atuais, e é tão fortemente enraizado na mentalidade humana
que muitos sequer refletem sobre as condições sociais, valores culturais dos
mestiços, índios, negros e outras populações.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 159

Quanto à colonialidade do saber, refere-se ao caráter eurocêntrico e oci-


dental como única possibilidade de se construir um conhecimento considerado
científico e universal, negando-se outras lógicas de compreensão do mundo
e produção de conhecimento, consideradas ingênuas ou pouco consistentes,
ou seja, colonialidade do saber é a imposição dos pensamentos europeus e
norte-americanos sobre as mentalidades dos povos locais dos países invadidos.
(Candau; Russo 2010). Para Nogueira (2020) para atingir seus objetivos os
colonizadores impuseram aos nativos o cristianismo, tornaram seu idioma
oficial e o único legítimo, impuseram as regras de linguística. Diante de toda
imposição certamente haveria resistência, em “virtude de que os saberes das
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populações originárias não foram totalmente sobrepostos, pelo contrário sem-


pre resistiram às margens, nas fronteiras” (Lander, 2000, p. 13).
A colonialidade do ser supõe a inferiorização e subalternização de deter-
minados grupos sociais, particularmente os indígenas e negros (Candau;
Russo, 2010, p. 15). Para Nogueira (2020) notadamente a colonialidade está
vinculada com a experiência da modernidade e nessa relação as terras das
Américas sofreram guerras, genocídios, epistemicídios, perdas de territórios
ou seja exploração, domínio e opressão. Resultando nas suas relações sociais
“doenças” coloniais, patriarcais e racistas. Ao pensamento decolonial cabe
a missão de fazer, pensar, refletir e agir como uma cura para o querer ter e
ser. “O conceito da colonialidade como constitutiva da modernidade é já o
pensamento decolonial em curso” (Mignolo, 2008, p. 249), pois demonstra a
permanência de um modelo totalizante, homogeneizante e hierárquico, onde
a Europa seria o modelo de civilização que estaria no topo.
Para Campos e Souza (2015) é preciso estabelecer uma prática educativa
decolonial/intercultural fundamentada na horizontalidade e respeito mútuo,
superando a pedagogia pautada num padrão hierarquizante.
No pensamento de Walsh (2013) a pedagogia decolonial é construída
a partir das pessoas invisibilizadas, valorizando seus saberes ancestrais, sua
corporeidade, identidades e histórias. Nesta perspectiva Walsh (2013, p. 26)
sugere a interculturalidade crítica “como projeto político, social, epistêmico
e ético [...]” que origina pedagogias decoloniais, produzidas em contextos
de luta e, portanto, não se restringe ao “sistema educativo, do ensino e trans-
missão do saber”, mas que emerge “como processo e prática sociopolíticos
produtivos e transformadores assentados nas realidades, subjetivas, histórias e
lutas das pessoas, vividas num mundo regido pela estrutura colonial”. Assim,
a interculturalidade pode ser compreendida como “um intercâmbio que se
constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente dife-
rentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença”.
E a escola deve ser o local de enorme importância para amplos setores da
160

população que não possuem internet, biblioteca, laboratórios, além de ser uma
instituição para o convívio multidisciplinar rico em saberes, e socialização
de conquistas educacionais de professores e alunos (Silva; Fonseca, 2010).
Diniz e Marte (2022) afirmam que o ensino de História deve reaprender
a motivar os sujeitos enquanto partícipes de sua própria história na ressigni-
ficação do papel atribuído a disciplina História na busca de novos elementos
teórico-metodológicos afrocentrados. A partir de práticas pedagógicas fomen-
tadas pelas estratégias metodológicas inerentes ao Ensino de História (fontes
e eixos temáticos) e outras dinâmicas a luz da pedagogia griô por exemplo,
permite-se aos sujeitos em processos formativos dialogarem com outros cam-

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pos do saber e do conhecimento em práticas pedagógicas verdadeiramente
interdisciplinares. “Nestes espaços afrodiasporizados compreendidos aqui
como campos pedagógicos são demonstrados o reconhecimento de suas raí-
zes, riquezas de territórios, linguagens, cosmologias” (Diniz; Marte, 2022).

Ensino e práticas da educação escolar quilombola

A luta do movimento negro produziu diversos resultados para Domingues


(2007) relevante foi este Movimento Social no processo da constituinte de
1988, que instituiu o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias, no qual garante “aos remanescentes das comunidades dos quilombos
que estejam ocupando suas terras o reconhecimento a propriedade definitiva,
devendo o estado emitir os títulos respectivos” (Brasil, 1988).
No arcabouço jurídico brasileiro voltado para conquistas de direitos qui-
lombolas o Decreto 4.887/2003, estabelece:

Art. 2º – Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos,


para os fins deste Decreto, os grupos étnico raciais, segundo critérios de
auto – atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada
com a resistência à opressão histórica sofrida (Brasil, 2003).

A Lei nº 10.639/03 passou a complementar as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional de 1996 e passou a vigorar desde 2003 adicionada dos
subsequentes artigos:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, ofi-


ciais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cul-
tura Afro-brasileira.
§ 1ª – O Conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá
o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil,
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 161

a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,


resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2ª – Os Conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas
de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra (Brasil, 2003).

No ano 2004, houve a regulamentação das Diretrizes Curriculares Nacio-


nais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (DCNERER) e para o
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Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, estabeleceu que o


Estado e a sociedade providenciem reparações sociais a quem descende de
africanos, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais
sofridos sob o regime de escravidão. Visa também que tais medidas se concre-
tizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações
(Brasil, 2004, p. 11).
Em 2012, por meio da Resolução nº 8, de 20 de novembro, do CNE
(Conselho Nacional de Educação), ocorreu a regulamentação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, com objetivos de
orientar os sistemas de ensino e as escolas de Educação Básica da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na elaboração, desenvolvimento
e avaliação de seus projetos educativos; visando garantir a Educação Escolar
Quilombola nas diferentes etapas e modalidades. Além de zelar pela garantia
do direito à Educação Escolar Quilombola às comunidades quilombolas rurais
e urbanas, respeitando a história, o território, a memória, a ancestralidade e os
conhecimentos tradicionais imprescindíveis para a compreensão da história,
da cultura e da realidade brasileira (Brasil, 2012).
Na abordagem para implementação da educação escolar quilombola há
a necessidade de valorizar os conhecimentos tradicionais de cada quilombo
embrenhado nos mais diversos recantos do Brasil (Custódio, 2018). Levando
em consideração a necessidade de praticar um ensino de história significante
é necessário um projeto docente diferenciado, com a implementação de um
currículo que articule o conhecimento escolar e os conhecimentos construídos
pelas comunidades quilombolas, proporcionando uma formação a partir da
realidade dos discentes (Videira, 2017). Diniz e Marte (2022) afirmam que
o ensino de História deve reaprender a motivar os sujeitos enquanto partíci-
pes de sua própria história na ressignificação do papel atribuído a disciplina
História na busca de novos elementos teórico-metodológicos afrocentrados
que dialoguem com outros campos do saber e do conhecimento em práticas
pedagógicas verdadeiramente interdisciplinares.
162

Elenca-se adiante projetos educacionais desenvolvidos a anos em Escolas


Quilombolas Estaduais, atendem discentes do 1º ano do ensino fundamental,
a 3ª série do ensino médio. No Quilombo do Mel da Pedreira a escola desen-
volve um projeto cujo objetivo geral do é analisar como ocorreu o processo
de territorialidade do Quilombo do Mel da Pedreira através de narração oral
e pesquisa bibliográfica, assim como desenvolver atividades pedagógicas que
valorizem a realidade das crianças.
O projeto é desenvolvido por meio de aulas dialogadas e ações pedagógi-
cas visando identificar semelhanças e diferenças entre comunidades da cidade
de Macapá, de outros estados comparando a organização entre espaços rural

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e urbano, reconhecer a importância das comunidades quilombolas, e com-
preender as características da comunidade do quilombo do Mel da pedreira
no passado e no presente, identificando e conhecendo lugares de relevância
histórica para a formação da cidade/comunidade/aldeia onde vive.
A metodologia do projeto acontece inicialmente com a motivação/provo-
cação pelos professores sobre o tema: “O lugar onde vivemos- espaço urbano
e rural e comunidades quilombolas amapaenses”. Em outro momento ocorre
a roda de conversa entre os alunos e morador mais antigo do quilombo do
Mel da pedreira. Nesta prática objetiva-se conhecer as origens do Quilombo
do Mel da Pedreira, assim como a existência de diversos Quilombos localiza-
dos no Estado do amapá como os Quilombos do Curiaú, Quilombo do Rosa,
do Ambé, do São Pedro dos bois, Lagoa dos índios, Torrão do Matapi entre
outros. Compreender as origens dos Quilombos no Brasil e as características
das comunidades quilombolas no passado e no presente. Em outra atividade
ocorre a aula é uma visita guiada a um local chamado meliponário, onde
alguns moradores do Quilombo do Mel da Pedreira desenvolvem a apicultura
criando abelhas (Custódio, 2018).
Na escola do Quilombo de São Pedro dos Bois há o “Projeto Batuque”
manifestação artística marcante da cultura local, sendo estudada e colocada
em prática, especialmente, pelos(as) discentes com vias a recuperar e reavivar
entre os jovens o respeito pela tradição do seu povo. Com o projeto, conhecem,
escrevem, aprendem, visualizam e produzem, criam e recriam, atualizando
ladainhas e rodas de Batuque. Nas elaborações das ladainhas problematizam
temas como: racismo e religião no intuito de reconhecer e valorizar essa cul-
tura por meio de processos educativos (Diniz; Coelho, 2022).
Os autores notaram o Projeto Batuque congrega discentes do primeiro ao
quinto ano e outro bloco, do quinto ao oitavo ano, reunindo docentes em três
etapas: Fase teórica (pesquisa bibliográfica e etnográfica); Fase prática (ofici-
nas, pesquisas de campo e produções artísticas); e na fase final (culminância
dos trabalhos). As vestimentas, os instrumentos, algumas letras de músicas e
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 163

a ornamentação da escola, são elaboradas, preferencialmente, pelos discentes


e docentes com materiais apropriados da região e a outra parte é comprada
com recurso previsto no orçamento da escola. A última fase é a avaliação do
projeto feita com a participação de toda a comunidade escolar.
As etapas de elaborações do Projeto Batuque são acompanhadas por
diversas estratégias de apropriações das riquezas socioculturais e ambientais
inerentes à comunidade, traduzidas no desenrolar do processo de culminância
através da apresentação do casal cultural, venda de comidas típicas, declama-
ções de versos, elaborações de letras de músicas, criações de ritmos, percus-
sões e danças devidamente ensaiadas. Além de promover a interação com a
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comunidade, valoriza outros sujeitos entre quais os idosos são incluídos pela
importância da memória viva para a preservação da cultura.
Já o Projeto intitulado: “Curiaú Mostra Tua Cara”, desenvolvido na escola
localizada na Comunidade quilombola do Cria-ú, tem um grande destaque
como referência pedagógica, para toda a sociedade amapaense, na busca
de uma educação escolar quilombola e antirracista (Videira; Santo, 2017).
É justamente nessa conjuntura que se enquadra o projeto Curiaú Mostra Tua
Cara, como estratégia pedagógica, que propicia uma nova proposta de escola,
através da construção de um indivíduo completo, que respeite as diferenças,
reconhecendo-as como produto de sua realidade.
Este projeto começou a ser realizado no ano de 2000, a partir da neces-
sidade que algumas professoras perceberam de se trabalhar dentro da escola a
temática referente a educação étnico-racial, quando em uma atividade a pro-
fessora pediu que os alunos pintassem a imagem da família, de sua cor. Visto
que nenhum dos alunos pintou a imagem da cor preta e nem marrom. Assim,
o projeto tem como objetivo afirmar positivamente a identidade quilombola
de seus estudantes, em que a criança valorizasse a sua cor e desconstruísse
estereótipos negativos sobre sua história. Dentre as diversas atividades do
projeto ocorrem encontro de moradores para uma oficina de construção de
instrumentos percussivos para em seguida realizar os encontros festivos de
danças, com os ritmos locais, em que cantores e dançarinos do bairro são
convidados para uma intervenção com os alunos, há apresentações artísticas
dos alunos, sendo danças, poesias, apresentações de ladrões de marabaixo
com autorias dos discentes. Exposições de obras artesanais tradicionais como
bancos, mesas, lustres, brinquedos diversos e musicais.

Considerações finais

Este artigo buscou provocar diálogos e reflexões sobre as relações


entre cultura e educação escolar com as pedagogias críticas, identificando,
164

caracterizando o pensamento decolonial e suas contribuições possíveis para


o ensino de história, ampliar as possibilidades pedagógicas para a prática
da legislação contida na Lei nº 10.639/03 e resolução 08/2012 do conselho
nacional de educação. Assim como socializar ações pedagógicas em escolas
quilombolas no Estado do Amapá que coadunam com o pensamento deco-
lonial e suas possibilidades para uma educação dialética, crítica e reflexiva.
Para incentivar, contribuir, motivar a reflexão sobre a práxis pedagó-
gica destacou-se algumas atividades desenvolvidas em forma de projetos
escolares em instituições de ensino localizadas na área rural de Macapá, AP.
Estas práticas contribuem na aplicação de conteúdos que contemplam diver-

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sos aspectos da educação voltada para as relações étnico-raciais dentro da
modalidade de educação quilombola. Infere-se a importância de continuar
a produção intelectual e prática no tema cultura, educação e pensamento
decolonial nos educandários brasileiros, por uma educação emancipatória,
crítica, reflexiva, inclusiva.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 165

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PARTE III – IDENTIDADES E CULTURAS


ESCOLARES NA AMAZÔNIA
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PROCESSOS SOCIALIZADORES
DISCIPLINARES: dualidades na
formação de sujeitos em uma escola
pública civil militarizada de Macapá-AP
Leonor Barbosa Rocha
Adalberto Carvalho Ribeiro
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Introdução

Os aspectos da cultura estão presentes em todos os campos da sociedade.


São inúmeros processos que desvelam influências socioculturais, interco-
nexões, mudanças e paradigmas socioculturais representados ao longo do
tempo. Assim, é fundamental conceber a importância e as implicações que
os processos culturais – já que a cultura não é una – representam por sobre/
sob a estrutura social, especialmente quando se observa o campo educacional.
Nessa perspectiva, o presente estudo tem como tema a cultura escolar
com foco para os processos socializadores disciplinares presentes na forma-
ção de sujeitos do 6º ao 8º ano, aos quais estudam em uma escola pública
civil militarizada. Este capítulo apresenta resultados em andamento de uma
pesquisa stricto sensu que vem sendo desenvolvida no âmbito do Curso de
Mestrado em Educação, da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
A partir da presente temática, o objetivo principal aqui consiste em dis-
cutir a formação de sujeitos a partir dos processos socializadores disciplinares
presentes em uma escola pública civil militarizada em Macapá, no estado do
Amapá. Desse modo temos o seguinte problema de pesquisa: quais processos
socializadores disciplinares estão presentes na formação de sujeitos de uma
escola pública civil militarizada em Macapá, no estado do Amapá?
Metodologicamente, trata-se de um estudo de caso com abordagem etno-
gráfica (GEERTZ, 1978), na perspectiva qualitativa, com análise detalhada
de forte poder descritivo, fundamentada na análise de conteúdo de Bardin
(2016). A etnografia, nesse caso, permitiu a utilização de técnicas subjetivas
utilizadas na descrição de forma minuciosa da realidade cultural constante na
escola em análise. Para Geertz (1978) fazer etnografia [...] é como tentar ler
um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas
suspeitas e comentários tendenciosos, [...], mas com exemplos transitórios
172

de comportamento modelado” (GEERTZ, 1978. p. 20). São elementos que


se relacionam diretamente com o estudo, o qual apresenta a categoria Cultura
como elemento fundamental na compreensão dos processos socializadores
destacados neste trabalho.
A pesquisa contou com revisão bibliográfica que forneceu elementos
teóricos fundamentais para o desenvolvimento do presente texto. As revisões
bibliográficas foram feitas através de fichamentos de teses e dissertações,
artigos científicos, livros e capítulos de livros. Além delas, fizemos análise
documental do Regimento Escolar Interno da escola, do Acordo de Coopera-
ção Técnica de nº 004/2017, bem como foram realizadas observações, escuta e

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registro no diário de campo, a fim de se compreender os principais fenômenos
socializadores presentes na organização cultural da escola analisada.
Os sujeitos da pesquisa foram os alunos do 6º ao 8º ano, do turno matu-
tino. O lócus da pesquisa é a Escola Estadual de Gestão Compartilhada Pro-
fessora Risalva Freitas do Amaral, escola pública a qual está situada na zona
norte de Macapá, localizada na Avenida Cecília Vicente da Paixão, nº10, no
bairro Pantanal, zona Norte de Macapá, no estado do Amapá, atualmente,
atende alunos com oferta educacional para o Ensino Fundamental II (6º; 7º;
8º e 9º anos) e Ensino Médio (1ª; 2ª; e 3ª série).
Importa destacar que a pesquisa foi protocolada na Plataforma Brasil,
em seu comitê de ética, tendo recebido o aceite sob o Parecer nº 5.863.475.
Também obtivemos a carta de aceite da unidade escolar, por meio de sua
diretora que tomou conhecimento dos termos da pesquisa, dos aspectos éticos,
e concordou com sua realização.
A escola é uma das instituições civis do sistema de ensino amapaense que
foi “militarizada” no ano de 2017, através de acordo celebrado pelo Termo
de Cooperação Técnica nº 004/2017 publicado no Diário Oficial do Estado
de nº 6412/2017 de 30 de março de 2017. No Termo entre governo estadual
e os órgãos militares, neste caso específico, com o Comando do Bombeiro
Militar do Amapá (CBMAP), denominou-se Escola Militar de “Gestão Com-
partilhada”, cuja administração deveria ser compartilhada entre Secretaria
Estadual de Educação (SEED) e Corpo de Bombeiros Militar do Amapá.
Nesse novo15 modelo de educação, a SEED continua disponibilizando
a infraestrutura física da unidade escolar, recursos humanos como profissio-
nal para o cargo de Diretor Adjunto, técnicos para a constituição do corpo
pedagógico, e todo o corpo docente. O CBMAP fica com a incumbência de

15 A inovação é no sentido do arranjo institucional, do desenho jurídico, porque reúne corporação militar com
sua filosofia institucional, mas no âmbito de uma escola civil vinculada à Secretaria de Estado da Educação.
Do ponto de vista pedagógico é a tentativa de implementar a conhecida Pedagogia Tradicional, calcada no
Positivismo, para, especialmente, por meio da disciplina coercitiva buscar resultados escolares considerados
importantes.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 173

realizar a gestão institucional da escola, bem como, inserir na matriz curri-


cular disciplinas e diretrizes, seguindo os princípios da corporação militar
com destaques para a hierarquia e a disciplina. As figuras principais da gestão
institucional da escola, os cargos de Diretor e Vice-Diretor, são ocupados16
por uma bombeira militar Major e por um Capitão. O Regimento Escolar foi
reformado e alterado passando a conter vários dispositivos que observam as
regras próprias das corporações militares. Ao todo são 19 militares que se
encontram desempenhando funções na unidade escolar pesquisada, a maioria
deles exercendo a função de Monitores de Disciplina cujo trabalho é manter
a ordem, controlar comportamentos e condutas dos alunos/as e “vigiar” todo
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o ambiente da unidade.
O presente estudo está estruturado em duas seções, além dos aspectos
introdutórios e conclusivos. A segunda seção trata de aspectos conceituais
que se referem centralmente à categoria Cultura. A segunda aborda sobre a
relação entre educação, cultura e formação de sujeitos com foco de análise
no caso ora investigado.

Cultura: aspectos histórico-conceituais e contemporâneos

A categoria Cultura é central e importante para compreender o tipo de


educação e de sujeitos que as escolas almejam formar, sejam em unidades
civis, militares ou militarizadas. Ela é a base para compreender a realidade,
os hábitos, a rotina, os costumes, as regras, as relações de poder que existem
nos indivíduos de qualquer grupo social. Porém, é relevante destacar que
o conceito de Cultura não é unânime no conjunto dos estudos e análises
antropológicas que estudam este objeto/fenômeno sócio histórico. Além disso,
os desenhos conceituais da categoria Cultura são múltiplos na sociedade con-
temporânea, o que implica em uma compreensão holística e diversificada sobre
o conceito em questão. Embora exista sua múltipla abordagem, buscar-se-á
apresentar aqui, brevemente, algumas vertentes conceituais que tratam da
Cultura de modo geral e situando-a sob a perspectiva educacional contem-
porânea, a qual se encontra ligada de modo indissociável.
De acordo com Boas (2004) para se compreender cultura é preciso ana-
lisar as particularidades de cada contexto social para se entender as espe-
cificidades de cada grupo e/ou região, sua história de desenvolvimento,
os significados e as ressignificações que cada povo dá a diferentes objetos e
práticas e somente após um árduo estudo sobre as culturas individuais é que
se poderia ir para terrenos coletivos mais firmes.

16 Informações colhidas em julho de 2023.


174

Veiga-Neto (2003, p. 9), por outro lado, destaca o caráter diferenciador


e elitista presente na abordagem acerca da cultura, assim como a ideia de
que seria única e unificadora, nesse campo de análise histórica, “a Cultura
era entendida como um conjunto de produções e representações que eram da
ordem dos saberes, da sensibilidade e do espírito”. Sob este contexto, estava
posto um alicerce

E, sob o manto de um pretenso humanismo universal, o que estava em


jogo era a imposição, pela via educacional, de um padrão cultural único,
que era ao mesmo tempo branco, machista, de forte conotação judaico-
-cristã, eurocêntrico e, é claro, de preferência germânico (VEIGA-NETO,

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2003, p. 10).

Nota-se o caráter assumido pela cultura em seu primeiro estágio de


expressão social, a qual visava demonstrar um padrão único com perspectivas
eurocêntricas, unilateral, que denota um caráter hegemônico de compreensão
e manifestação acerca dos processos histórico-culturais.
Gertz (1978, p. 15), por sua vez, compara a cultura como “teia de signifi-
cações tecidas pelo próprio homem...” por entender que o indivíduo é um ser
social que estabelece relações sociais com o meio e com outros seres, assim
suas ações, dependendo do contexto cultural, podem apresentar significados
diferentes, logo, o pesquisador ao adentrar no universo pesquisado deve ter
a sensibilidade para compreender esses significados como elementos impor-
tantes para a análise dos estudos culturais.
Seguindo essa lógica, Stuart Hall (2014) em seus estudos aponta que
com o advento da globalização, entre final do século XX e início de XXI,
houve uma “crise de identidade” que acometeu os sujeitos, alterando, desequi-
librando e abalando alguns conceitos que se tinham como “inalterados” tais
como, gênero, raça e etnia traçados pela sociedade até o início deste século
XXI, alterando também os conceitos que se tinha de identidades culturais e do
próprio indivíduo. Essa espécie de “perda de sentido do próprio eu”, o autor
denominou de “descentramento” ou “fragmentação”. A descentração foi oca-
sionada por conjuntos de fatores que surgiram com o processo de globalização.
Hall (2014) ainda traz como reflexão as consequências que a globalização
incide sobre o sujeito e sua identidade nacional, descrevendo algumas pos-
síveis consequências desse contexto sobre as identidades, tais como: homo-
geneização das identidades, pois, parte-se do princípio de que ela “torna o
mundo menor e as distâncias mais curtas” (HALL, 2014, p. 40). Acrescenta,
ainda, o fortalecimento das identidades locais e a produção de identidades
híbridas, que ao passarem pela diáspora são obrigados a aceitar, a traduzirem
a cultura de outros povos.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 175

Veiga-Neto (2003), ao discutir os processos socioculturais presentes no


campo educacional, destacando algumas considerações de ordem históri-
co-genealógica, de modo a mostrar o atrelamento da Pedagogia e da escola
moderna à invenção do conceito de Cultura, revela a expressão de uma onda
norte-americana com traços que destacam o “American way of life”, ou seja,
que o estilo de vida norte-americano está presente a partir da emergência e
dos avanços de uma epistemologia multicultural.
Para Ortiz (2009) os processos existentes na perspectiva global não for-
jam a existência de uma multiculturalidade, mas expressa diferenças entre as
relações construídas e, nesse caso, a cultura, a mundialização, a globalização
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também tendem a se apresentar de modo diversificado e desigual na socie-


dade contemporânea. Ainda na perspectiva de compreensão de Ortiz (2009),
a globalização se realiza na diferenciação e na homogeneidade das relações,
explicita ele, ainda, que todas as diferenças são construídas socialmente,
e que estas construções são identitárias e representam relações de poder. Nesse
caso, sinaliza que a identidade é sempre uma construção simbólica e que ela,
no campo da modernidade-mundo, está associada ao pluralismo, à negação
do multiculturalismo e a presença da diversidade como elo determinante nas
relações sociais identitárias construídas atualmente.
A questão não é, de fato, simples. Para Canclini (2011) a ideia de que,
na América Latina há uma fusão de culturas, em que a miscigenação inter-
classista é resultado dessas inter-relações, gerando formações híbridas em
todos os estratos sociais da sociedade latino-americana, especialmente sob
esse contexto globalizado.
Canclini (2011), ainda, apresenta algumas reflexões sobre hibridação
cultural em diferentes campos de uma sociedade urbana (cultura erudita,
cultura popular e cultura de massa) como também os meios massivos de
comunicação e os processos de recepção e apropriação dos bens simbólicos e
conceitua hibridação como processos culturais que se fundem e geram novas
formas culturais, que se dão através das relações de poder, o objeto de análise
não é feito somente no produto (na hibridez), mas nos processos geradores.
Considerando esse aspecto de hibridização cultural, convém lembrar que
Horkheimer e Adorno (2002) descrevem a indústria cultural como produtora
de bens culturais e que ela existe para atender as necessidades da produção
capitalista. Neste sentido, a cultura de massa está vinculada a produção da
cultura industrial (está vinculado ao setor mercadológico), o que é diferente
de cultura popular. A cultura industrial visa à padronização, o consumo, a
produção do produto. Destacam, ainda, que para ser cultura de massa tem
que está vinculado a uma cultura de indústria e que o produto, nesse caso,
tem a finalidade de massificar o povo. A televisão, por outro lado, seria o
176

maior instrumento da cultura de massa. Todavia, se percebe atualmente, que


mesmo no campo da indústria cultural não tem sido possível estabelecer sepa-
rações clássicas entre o que seria cultura de massa e cultura popular. Com a
globalização, de fato, as escalas de interações em todos os campos e níveis,
alcançaram efeitos inovadores em especial com o advento das redes sociais e
os mais diversos aplicativos de interações virtuais. Não esqueçamos, portanto,
que as atuais gerações (inclusive o discente da escola militarizada Risalva do
Amaral) são consumidores das informações que circulam pela internet sendo
impactados de modo direto pelos fenômenos culturais atuais.
Em vista desses processos e mediações que favorecem a hibridização

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cultural contemporânea, fortalecida pela globalização e pela publicidade anco-
rada nos aparatos tecnológicos atuais, notam-se eventos altamente dispersos
e difusos.
A militarização das escolas públicas civis (ancoradas em um desejo de
“retorno ao passado”), por outro lado, objetiva criar mecanismos de fortale-
cimento da cultura militar que pretendem contribuir para a construção de um
ideário social hegemônico calcado na captura da subjetividade do sujeito e,
sobretudo, na alienação, de modo a convencer e a transpor aspectos conside-
rados como os “mais viáveis” para a vida ou para a formação humana. Assim,
a ideia de educação militar tem se apresentado como forma de melhoria da
conduta, de comportamentos e do próprio desenvolvimento do ser humano.
A seção a seguir trata sobre a relação entre educação, cultura e a formação de
sujeitos, problematizando tais aspectos no lócus deste estudo.

Educação, cultura e formação de sujeitos: o caso de uma escola


militarizada em Macapá/AP
Quando passamos a analisar a educação pública e a função que ela exerce
na sociedade capitalista, vemos o quanto ela está ideologizada em virtude da
complexidade do mercado capitalista, dos ataques que sofre, e dos próprios
interesses da classe dominante atrelada aos interesses do Estado17. As propos-
tas de ensino, por exemplo, visam à alienação, a submissão, a não criticidade,
a padronização dos sujeitos com vistas à manutenção das bases ideológicas
da elite onde os alunos passam a ser manipulados e direcionados a seguir
determinados padrões pré-estabelecidos pela classe dominante. É o caso da
recente política pública educacional denominada por nós de “militarização
das escolas públicas civis”.
Gramsci (1988) ressalta que a educação/escola/ensino está de tal forma
condicionada pela sociedade dividida em classes que, ao invés de democratizar,

17 Segundo Gramsci (1988), a aliança entre Estado e classe dominante é com a intenção de se articularem
para se manter cada vez mais no poder.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 177

reproduz as diferenças /desigualdades sociais, perpetuando o status quo da


estrutura social. Dessa forma, adverte que a educação apresenta duas funções
ético-política: 1) de manter a situação vigente, forjando nas massas o consenso
em relação à visão de mundo da classe dominante e 2) adequando o compor-
tamento dos subalternos e/ou quando utilizada para disputar o poder, ela pode
criar condições objetivas e subjetivas para romper com hegemonia em vigor e,
assim, reformular a consciência das classes subalternas, no sentido de levá-los
a terem clara consciência dos detalhes constituídos das relações societárias.
Como dissemos na seção anterior, estamos diante de múltiplas culturas,
e Bourdieu (2007) nos ajuda a compreender que a escola pode desempenhar
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um papel nocivo reproduzindo as mazelas e as desigualdades que a socie-


dade em que vivemos se propõe a produzir. A escola, segundo o autor, tenta
introduzir valores, princípios, mas dentro daquilo que está pré-definido pela
sociedade, e o indivíduo até pode se contrapor ao pensamento, a filosofia e
a ideologia por ela imposta, porém, é tolhido, e confinado e, de certa forma,
obrigado a aceitar as regras e condutas estabelecidas.
Todavia, em sendo o contexto de múltiplas culturas, Silva (2006),
ao tratar de cultura escolar destaca que a escola é percebida como uma insti-
tuição que apresenta uma cultura própria e que ela (a cultura da própria escola)
existe a partir das relações sociais construídas entre famílias, professores, ges-
tores e alunos, as quais são embasadas em discursos, linguagens, instituições
e nas próprias práticas. Nessa perspectiva, a autora cita que

[...] a escola é uma instituição da sociedade, que possui suas próprias for-
mas de ação e de razão, construídas no decorrer da sua história, tomando
por base os confrontos e conflitos oriundos do choque entre as deter-
minações externas a ela e as suas tradições, as quais se refletem na sua
organização e gestão, nas suas práticas mais elementares e cotidianas,
nas salas de aula e nos pátios e corredores, em todo e qualquer tempo,
segmentado, fracionado ou não (SILVA, 2006, p. 206).

Noutro giro, Paulo Freire (1996) traz a ideia sobre concepção de edu-
cação bancária, uma prática de ensino que reproduz claramente a sociedade
opressora, onde o professor é o detentor do conhecimento e se coloca em uma
posição superior ao aluno, este visto como objeto, receptor da aprendizagem,
em uma relação “aluno-professor” onde um é visto como o que “sabe de tudo”
e o outro que “não sabe nada”.
Porém, cultura se manifesta e se configura em lugares, e nesse sentido,
vale a pena trazer Silva (2006) que destaca a categoria “espaço escolar” des-
veladora de processos de reconstrução histórica da cultura escolar, quer seja
pelos aspectos da microfísica, ou pela função simbólica que a escola representa
178

em seus múltiplos aspectos socioculturais. Nesse caso, implica destacar que


em uma escola pública civil que foi militarizada

Na perspectiva da microfísica, o espaço escolar apresenta chaves de aná-


lises inseridas na tecnopolítica disciplinadora, a qual conta com dispo-
sitivos para fazer dóceis os corpos e as consciências. Quando se trata de
sua função simbólica e estética, é possível apreender os espaços escolares
dotados de dimensões semânticas, constituindo-se em referente de um
modo de vida e civilização e de semiologias capazes de desconstruir e
codificar elementos que expressam um sistema de intenções, valores e
discursos que são próprios de determinada tradição cultural, por exemplo:

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os muros escolares, o pátio escolar, a separação arquitetônica das salas de
aulas, etc. (SILVA, 2006, p. 211) (Grifos nossos).

Um dos primeiros estudos no estado do Amapá sobre militarização de


escolas foi o de Ribeiro e Rubini (2019). Eles destacam que os sistemas de
ensino cívico-militares, escolas que seguem um ensino pautado no positivismo
de Émile Durkheim (2008; 2011), apresentam características neoconservadoras
de uma sociedade em que visa priorizar os valores morais-cívicos, impondo
coercitivamente a ordem, disciplina, meritocracia, manutenção da ordem
social, a verticalidade educacional, em que os alunos devem prender a como
“se portar” em suas relações sociais.
Dias e Ribeiro (2021) também pactuam dessa concepção, mas vão um
pouco à frente. Segundo os autores, essas instituições seguem um modelo
didático-pedagógico conservador, regido pela ordem, disciplina coercitiva,
temor à autoridade docente, simbologia ao hino nacional como valor patriótico
e, entre outros aspectos, o modelo lembra um saudosismo ao passado em que
transfiguram a existência de um modelo pedagógico tradicional configurado,
muitas vezes, na relação autoritária dos gestores da unidade e o corpo dis-
cente, especialmente: um verdadeiro retrocesso. Seria o retorno à “educação
bancária”, na perspectiva de pensamento de Paulo Freire (1996).
Na presente pesquisa, assim, estamos encontrando evidências com base
na revisão de literatura, que nas instituições escolares que foram militarizadas
objetiva-se a coexistência de um parâmetro de normalidade para a “padroni-
zação do outro”, através da tentativa de moldar identidades, comportamen-
tos e pensamentos. Trata-se de um processo de dominação cultural (ou sua
tentativa), fortemente vinculado ao modelo ocidental positivista, que busca
por uma padronização social que transfigura os corpos, remodela o perfil
subjetivo dos sujeitos e transforma-os em pessoas homogeneizadas – quer
seja pela manifestação fenomênica do corpo (aparência) ou pela captura de
seus pensamentos (subjetividade) (BHABHA, 1998).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 179

Tais eventos estão sendo constatados na escola-lócus por meio das aná-
lises documentais do Regimento Interno da escola, do Termo de Cooperação
nº 004/17, das técnicas utilizadas como as observações, escutas, conversas
informais e as anotações registradas no caderno de campo referente às múl-
tiplas relações sociais que ocorrem através dos processos socializadores que
se dão no ambiente escolar.
No cotidiano escolar, nota-se que a rotina se baseia em vários em pro-
cessos socializadores disciplinares coercitivos, os quais desvelam a natureza
sociocultural que a escola passou a assumir após o processo de militarização,
ocorrido em 2017.
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No início do turno matutino podemos verificar que a rotina se baseia


na recepção dos educandos, os quais são recebidos no portão, por um agente
militar a partir das 6h30min às 7h00min, já contendo os quinze (15) minutos
de tolerância, não sendo permitida a entrada após as 7h00min.
A apresentação individual diária do aluno na escola é feita de acordo
com os uniformes previstos no Regulamento de Uniformes que são de três
tipos: a) o agasalho usado no dia a dia, composto por calça, camisa e sapato
preto fechado, uniforme padrão, de uso comum para todos os educandos;
b) uniforme de educação física, composto por short, camisa e tênis preto e;
c) uniforme social, uso obrigatório uma vez por semana, a critério da escola
ou da ocasião (AMAPÁ, 2017).
Pontualmente às 07h00 os portões são fechados. Os alunos que che-
gam depois do fechamento retornam para suas residências, salvos aqueles
que apresentam algum atestado médico ou declaração de comparecimento
médico, os quais se juntam aos colegas que se encontram na formatura matinal
(já iniciada) que ocorre das 6h50min às 7h25min na quadra poliesportiva.
A formatura matinal é o momento em que os alunos são enfileirados
para a prática da “ordem unida”. Trata-se da verificação de frequência,
orientações, averiguação de vestimentas, avisos e a escolha do chefe de
turma (por turma), aluno ou aluna que deverá auxiliar os Monitores Dis-
ciplinares na rotina da sala de aula, da recepção à apresentação do turno.
Em seguida, uma turma18 [6] por dia é direcionada para o hall da escola,
onde os alunos são organizados, perfilados e em posição de continência,
em silêncio, visualizam o hasteamento das bandeiras Nacional, do Amapá e
da escola. Caso o aluno não participe da formatura inicial, implicará o não
acesso dele a escola que deverá ser justificada pelo responsável do aluno à
Coordenação Disciplinar.

18 O critério de escolha da turma é feito com base na hierarquia de maior tempo de estudos de cada “Com-
panhia” na escola: anos superiores seguindo para os anos inferiores (nesse caso, especialmente no turno
matutino, do 8º ao 6º ano). A companhia representa a divisão hierárquica existente entre os anos, ou seja,
Companhia 5: 8º ano; Companhia 6: 7º ano; Companhia 7: 6º ano.
180

Após esse momento de hasteamento das bandeiras, ao comando de voz do


chefe de turma ou do monitor militar, os alunos marcham, em filas indianas, em
direção às suas salas de aula, para aguardar a entrada do professor. Os monito-
res militares se deslocam para as suas companhias (três turmas em média para
cada monitor), ficando, os mesmos, sentados nos corredores da escola, a fim
de que possa auxiliar os docentes em uma eventual necessidade, e, sobretudo,
para manter a ordem, a disciplina e o silêncio nos corredores da escola.
Ao toque da campainha as aulas iniciam. Aulas de 50minutos que serão
encerradas com o novo toque da companhia. No geral, às 9h00min, inicia o
primeiro ciclo de lanche em que a “Companhia 6”, ou seja, com alunos do

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7º ano são levados ao refeitório. O início do segundo ciclo ocorre às 9h45min,
ao toque de nova campainha. No segundo ciclo, são dirigidos a “Companhia
7”, ou seja, com alunos do 6º ano. Às 10h00min, ao toque do apito do moni-
tor, encerra-se o primeiro e segundo ciclo de lanches e os alunos são levados,
enfileirados, para suas salas. O terceiro ciclo inicia às 10h15min, ao toque da
campainha. Por fim, às 10h30min finaliza o terceiro e último ciclo de lanche,
o qual atende alunos do 8º ano (“Companhia 5). A cada ciclo, os alunos são
levados, em fila indiana, ao refeitório, acompanhados de seu monitor respon-
sável. Controle completo dos grupos evitando quaisquer tipo de euforia ou
“baderna” discente.
Após todos lancharem, a rotina de estudos é retomada. O silêncio, em
parte, tende a retornar em vários espaços da escola, especialmente nas salas
de aula. Após o encerramento do 6º horário, a campainha toca pela última vez
no turno da manhã, sinalizando que os alunos podem sair. Os alunos que vão
sozinhos para seus lares seguem em direção ao portão, já os alunos que vão
com seus responsáveis são colocados novamente em formação e, em seguida,
são direcionados para aguardarem sentados à chegada de seus responsáveis.
Em que pese os fatos acima, notamos a existência de processos socia-
lizadores duais, os quais refletem na formação de sujeitos. São ações que
destacam uma dupla vertente por parte dos discentes, ora de aceitação des-
ses padrões, ora de negação, sobretudo, através de atos considerados como
“indisciplinares”. Existem casos na escola, documentados, de alunos que
foram enquadrados nas regras regimentais por indisciplina: alunos que não
aceitam facilmente os padrões regimentais exigidos. Tais aspectos, oriundos
dessa dualidade, refletem uma perspectiva cultural múltipla dentro do espaço
escolar, através de relações culturais concebidas como híbridas (CANCLINI,
2011), especialmente pela fusão entre as culturas, as quais vão ocorrendo no
conjunto de ações, “positivas ou negativas”, expressadas pelos educandos.
No que tange aos documentos analisados, por meio da análise de con-
teúdo, deixam claro a disposição da instituição escolar militarizada em
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 181

padronizar os educandos através de três grandes aspectos, a saber: o regula-


mento disciplinar, o regulamento de uniformes e o regulamento de promoção
e condecorações (a meritocracia), que constam no regimento interno escolar.
Quanto ao regulamento disciplinar, esse, tem por objetivo especificar
e classificar os atos de indisciplina, enumerar as medidas disciplinares apli-
cáveis, os recursos disponíveis e classificar o comportamento dos alunos.
O enquadramento para os atos indisciplinares é feito por uma equipe de
militares: coordenador disciplinar, coordenador disciplinar adjunto, chefe de
monitoria e monitores disciplinares que, juntos, mediante o fato observado
relatado pelo professor, “apuram” o ato indisciplinar mediante a presença
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dos envolvidos e da família para a observância dos artigos do regulamento


disciplinar, ficando o discente “culpado” proibido de participar de algumas
atividades curriculares e/ou extracurricular.
No tocante ao regulamento de uniformes, o regimento interno cita que a
revista geral de uniforme, da vestimenta, do corte do cabelo, das unhas, dos
adereços, acontece quinzenalmente, de acordo com a data prevista pela Coor-
denação Disciplinar-CODIS, informado com 72 horas de antecedência para
os responsáveis legais. E o aluno que não se apresentar dentro dos padrões
previstos ou sem justificativa prévia do responsável fica impedido de participar
das aulas. A propósito, um dos autores deste trabalho escutou de uma colega
professora que trabalha noutra unidade amapaense militarizada: “a escola não
é lugar de desfile de moda, as alunas devem ir de uniformes e sem adereços”.
Por fim, o regulamento de promoção e condecorações que visa desta-
car aqueles que se sobressaem em relação aos demais por suas boas notas
e comportamento. Todavia, o aluno que cometeu um ato indisciplinar pode
recuperar os pontos que perdeu se exercer boas condutas.
A etnografia escolar por nós praticada nesta pesquisa permite inferir
que o corpo discente, com seus habitus, mesmo parecendo estar aprisionado,
contraditoriamente, encontra formas de burlar as regras formais do regimento
disciplinar militar, o que pode denotar, por um lado, que se pretendem “liber-
tos” de uma matriz que gostaria de se impor, e por outro, que, teoricamente,
a força do hibridismo cultural é maior que a tentativa de padronização de
comportamentos e condutas. No cotidiano escolar observamos um conjunto de
práticas dos alunos e alunas que sutilmente ferem a tão perseguida disciplina
escolar militar: eles riem inadvertidamente, sentam nas carteiras de modo
relaxado, zoam uns com os outros, fazem gestos sutis que não fariam se, de
fato, fossem militares, enfim, grande parte deles não é facilmente transfor-
mando em “robô” (talvez nunca venham a ser!).
Do exposto neste trabalho até o presente momento, cabe a pergunta: quais
aspectos são considerados fundamentais no processo de formação sociocultural
182

e educacional dos sujeitos? A militarização das escolas públicas civis seria


um caminho promissor no enfrentamento das mudanças geracionais que vem
ocorrendo (sempre ocorreram!) no mundo? Afinal, qual é a função da Escola?
Uma das respostas possíveis reside no hibridismo cultural (CANCLINI, 2011),
associado aos múltiplos eventos que ocorrem não somente no âmbito das
instancias tradicionais (SETTON, 2005), como Família e Escola, mas em
outros espaços, sobretudo os que são influenciados pela cultura de massa
(HORKHEIMER; ADORNO, 2002), e atualmente com a internet e as redes
sociais, tudo isto, é que repercute fortemente na formação dos sujeitos.
Não obstante, não se pode esquecer, a despeito da disposição de gover-

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nantes de ideologia de direita e/ou populistas – em implantar uma educação
militarizada em escolas públicas civis – que o processo pedagógico para a
formação humana, crítica, reflexiva, que problematiza os atuais elementos
presentes na realidade cultural, social, política e escolar na contemporaneidade
não se coaduna com filosofias unilaterais, verticais, baseadas na obediência
passivamente aceita.

Considerações finais

A educação de viés neoconservador das escolas públicas civis militari-


zadas – no estado do Amapá denominadas de “gestão compartilhada” – teo-
ricamente, se associam à corrente filosófica positivista de ensino cujo maior
expoente é Émile Durkheim. Esta corrente trata-se de um modelo teórico de
“Educação Moral” que contribui para se compreender na fatos que levam as
pessoas a se apegarem a um modelo socioeducacional pautado na ordem e
na disciplina, em um retorno ao passado.
As evidências encontradas neste estudo, até o momento, revelam a exis-
tência de uma dualidade socioeducacional presente na cultura educacional
militar da escola-lócus, ou seja, a existência de duas vertentes que respondem
a questão-problema destacada.
A primeira vertente refere-se aos processos socializadores disciplinares
que seguem o “padrão” cultural educacional militar, ou seja, manifesta-se
claramente a tentativa de se impor a ordem, hierarquia, disciplina, comando,
respeito às regras, ao “sim, senhor!” e ao “não senhor!”, como forma subjetiva
de que tal padrão possa ser impresso nos processos socializadores a na for-
mação dos sujeitos. Essa padronização, ali no espectro cotidiano escolar sob
a vigilância dos agentes militares, surte efeito contribuindo para o ambiente
controlado e harmonioso. Certamente grupos de alunos se enquadram melhor,
subjetivamente, a essas regras do que outros. Há discentes que cumprem a
regra dos ritos disciplinares militares apenas para não conturbarem o status
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 183

quo presente na estrutura e organização militar-educacional sem, contudo,


concordar veementemente, totalmente, com tais padrões.
A segunda representa o contrário da vertente anterior, pois revela fatos
que fogem ao “padrão” cultural educacional militar. São ações mais sutis
que, de certo modo, sinalizam processos socializadores indisciplinares ou que
vai de encontro ao regulamento disciplinar presente no Regimento Interno
da escola. São atitudes discentes que “burlam” os aspectos regimentais da
disciplina coercitiva, da ordem, da hierarquia, aspectos fundamentais para a
manutenção do “espírito militar” presente nos ritos sociais realizados coti-
dianamente na escola-lócus. Em consequência, quando flagrados em ações
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indisciplinares os mecanismos de “padronização dos sujeitos” entra em ação


para a correção comportamental. O não cumprimento das ações presentes nos
artigos do Regimento Interno traz consigo implicações que vão resultar em
medidas disciplinares aplicáveis aos alunos e alunas, através de correções e
punições que podem chegar à expulsão da unidade escolar.
A escola militarizada, assim, se revela como um apêndice da classe
dominante, cujo desenho institucional é marcado pelo forte gerencialismo,
competividade, meritocracia, entre outros aspectos. A defesa da disciplina
nesse modelo ganha dimensões doutrinárias como valor relevante na formação
de “bons cidadãos”, na construção formativa de sujeitos passivos, submissos
às hierarquias estratificadas, competitivos e individualistas, diante de um
sistema sociocultural de disciplina escolar coercitiva. A escola, nesse sentido,
torna-se um mecanismo de manutenção do status quo da ordem e da “harmonia
social”, em que os alunos deveriam aprender como “se portar” em sociedade.
Diante deste fato e tendo em vista a temática discutida, acredita-se ser
necessário observar os elementos vinculados à militarização, a concepção
de educação que essas escolas defendem e os tipos de sujeitos que desejam
formar, observando, sobretudo, os reflexos para a aprendizagem e para a real
função social assumida pela Escola.
184

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2017b. Acordo que entre si celebram, de um lado, a Secretaria de Estado
da Educação – SEED/AP, e de outro lado, o Corpo de Bombeiros Militar
do Estado do Amapá – CBMAP, para os fins abaixo declarados. Diário Ofi-
cial do Amapá, Macapá, n. 6412, p. 37-38, 2017b. Disponível em: https://
sead.amapa.gov.br/diario/DOEn6412.pdf?ts=1621021943. Acesso em: 17
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A CULTURA RIBEIRINHA
AMAZÔNICA E A SUA RELAÇÃO
COM A EDUCAÇÃO ESCOLAR
Ediléa Morais de Oliveira
Eliana do Socorro de Brito Paixão
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Introdução

O presente artigo, que é resultante da disciplina “Educação, Culturas e


Diversidades” e, consequentemente, será parte da dissertação de mestrado
em construção, tem como objetivo geral discutir como a educação escolar
ofertada aos povos ribeirinhos aborda a cultura destas populações.
A Amazônia, além de sua rica biodiversidade, possui um acervo socio-
cultural que tem sido acumulado ao longo de décadas, em razão da estreita
relação com a miscigenação e vivência da população local. A população
ribeirinha acumula saberes culturais que marcam os contextos sociocul-
turais nos quais se insere; estes saberes são intergeracionais e traduzem a
sua forma de ser e de viver dessas populações. Ademais, no saber cultural,
bem como na materialização prática desses conteúdos, há um processo
pedagógico que poderá se estender para a educação escolar. São conteúdos
que podem ser explorados pelo professor de forma que a aprendizagem
se torne mais atrativa e influencie no desenvolvimento da conscientiza-
ção crítica (FREIRE, 2011) para a preservação dos saberes pelas atuais e
futuras gerações.
A pesquisa foi de abordagem qualitativa. Segundo Minayo e Sanches
(1993), esta abordagem é favorável ao pesquisador quando pretende investigar
em um espaço mais aprofundado das relações, dos processos e dos fenômenos
sociais, os quais não podem ser quantificados – ou seja, seriam, na verdade,
seus significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes –, o que
vai ao encontro do objetivo que se pretendeu alcançar no desenvolvimento
da pesquisa realizada.
Ao mesmo tempo em que se direcionou o pensamento para este ponto
de vista, refletindo sobre a abordagem qualitativa, foi possível vislumbrar
que na pesquisa, ao aproximar o pesquisador do objeto pesquisado, surge a
possibilidade de um contato mais próximo da realidade pesquisada, utilizando
um diálogo na construção e interpretação da cultura ribeirinha, o que se faz
188

presente por meio da linguagem que permite a aproximação e abertura do


outro. Oliveira (2007, p. 60) reforça esse pensamento quando afirma que as
abordagens qualitativas “exigem uma relação dinâmica entre o mundo real,
objetivo, concreto e o sujeito; portanto uma conexão entre a objetividade e
a subjetividade”.
Quanto ao tipo, adotamos a pesquisa bibliográfica. Köche (2011, p. 122)
afirma que: “a pesquisa bibliográfica é a que se desenvolve tentando explicar
um problema, utilizando o conhecimento disponível a partir das teorias publi-
cadas em livros ou obras congêneres. Na pesquisa bibliográfica o investigador
irá levantar o conhecimento disponível na área, identificando as teorias produ-

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zidas, analisando-as e avaliando sua contribuição para auxiliar a compreender
ou explicar o problema objeto da investigação”.
Como fontes da pesquisa foram utilizados os seguintes, dentre outros:
Abreu et al. (2013); Albarado e Vasconcelos (2015); Bourdieu (2007); e Lou-
reiro (2015). Alguns discutem questões socioculturais e outros a educação
em uma perspectiva crítica, cujos pensamentos se entrelaçam a aspectos edu-
cacionais e socioculturais na Amazônia. São autores que suscitam reflexões
acerca do modelo de currículo aplicado na educação escolar e de implicações
e possibilidades educacionais a partir do acervo sociocultural acumulado
pela população amazônica. Eles discutem como a cultura dessas populações
pode ser abordada no currículo escolar, em especial nas escolas situadas em
regiões ribeirinhas.
Esta pesquisa indica relevância no aspecto educacional por discu-
tir questões educacionais estruturais históricas em contextos ribeirinhos
amazônicos, no intento de que possa subsidiar uma possível reformulação
curricular, de modo que os saberes socioculturais possam ser incluídos
na educação escolar formal e, consequentemente, na prática pedagógica
dos professores. Verificamos que há relevância sociocultural por expressar
possibilidades de preservação dos saberes socioculturais por meio da edu-
cação escolar, com vistas à preservação dos saberes e o fortalecimento do
sentimento de pertencimento.
O artigo está estruturado da seguinte forma: primeiro, esta parte intro-
dutória; na segunda seção tratamos sobre a educação ribeirinha na Amazônia,
com ênfase na diversidade dos povos que nela vivem; na terceira discorremos
sobre a educação escolar e a interrelação com a cultura Amazônica, eviden-
ciando a cultura do ribeirinho a partir da sua vivência e dos ensinamentos
que são intergeracionais; na quarta seção abordamos o currículo escolar na
educação ribeirinha tecendo reflexões acerca da necessidade de aproximar o
currículo oficial escolar aos saberes sociais e culturais dos povos ribeirinhos;
e na quinta apresentamos as nossas considerações finais.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 189

A educação ribeirinha na Amazônia

A educação para populações ribeirinhas na Amazônia, assim como para


outras populações, seja rural ou urbana, deve estar acessível de modo que
auxilie na formação humana e na melhoria de vida. No caso dos povos
ribeirinhos, há particularidades evidentes que não devem ser desconside-
radas na educação escolar, e que são inerentes ao modo de ser e de viver
destas populações.

[...] os ribeirinhos são sujeitos rurais que possuem modos próprios de vida
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e organização social diferenciados, portanto, devem ter uma educação


pautada em suas especificidades. Assim, a busca pelo resgate sociocultural
dos ribeirinhos na escola é atividade que pode permear as práticas peda-
gógicas dos educadores de comunidades ribeirinhas, nas quais a realidade
educacional paute fatores/valores sociais, econômicos, políticos e culturais
dos sujeitos que vivenciam experiências diferentes dos centros urbanos
(OLIVEIRA, 2015, p. 89).

A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN)


nº 9.394/1996, em seu art. 28 (BRASIL, 1996), prescreve que a educação
escolar deverá estar acessível à sociedade e estabelece a necessidade de ofertar
uma educação própria ao espaço rural, levando em consideração as caracte-
rísticas e necessidades da escola, baseado no contexto em que o educando
vive e está inserido.
Porém, quando observamos o contexto ribeirinho amazônico percebemos
que “os currículos escolares reproduzem uma lógica de uniformidade, onde as
individualidades culturais dos alunos são negadas, por meio de uma seleção
cultural” (ABREU et al., 2013, p. 77) que, por vezes, não está em sintonia com
a deles. O currículo deveria fazer uma ponte entre os sujeitos, suas crenças,
seus valores e seus saberes, visando suas necessidades e individualidades,
pois o conhecimento precisa fazer sentido para eles. Como dizem os autores:
“o conhecimento das informações ou dos dados é insuficiente se tomados de
forma isolada: contextualizá-los é condição indispensável para que adquiram
sentido” (ABREU et al., 2013, p. 110).
O pensar desses autores nos fazem compreender sobre a importância de
os saberes construídos cotidianamente ou acumulados ao longo de décadas,
pelo caboclo-ribeirinho, serem incorporados no currículo. Essa é uma forma
de instigar o interesse dos alunos pela educação escolar e a aprendizagem,
sobretudo quando se trata de educação do campo, na qual deve haver uma
alternância entre a permanência na escola e os afazeres rurais e vivências
em comunidade.
190

Os saberes e conhecimentos abordados no currículo das escolas do campo,


além de terem uma relação direta com as vivências e as experiências dos
jovens, devem possibilitar o desenvolvimento de competências e habili-
dades voltadas para o desenvolvimento das atividades sociais, culturais e
produtivas no meio rural (LIMA, 2013, p. 4)

A educação para as comunidades ribeirinhas é fundamental para a


formação intelectual de seus habitantes, pois permite que eles tenham
acesso ao conhecimento sistematizado e, a partir deste, à produção de
novos conhecimentos, sem se distanciarem de seus saberes socioculturais.
A educação deve manter a interligação entre a família, a cultura local e o

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aprendizado escolar.

[...] os ribeirinhos vivem, em pequenas comunidades localizadas a beira


dos rios, dispersos em casas de madeira, construídas em palafita. As famí-
lias ribeirinhas são estabelecidas pelo trabalho na roça e a participação
da vida social e religiosa da população construindo sua própria organi-
zação, estratégia de adaptação, identidades e instituições [...] Através da
mestiçagem adquiriram conhecimentos, valores de diversos povos e isso
possibilitou desenvolver uma cultura flexível e até mesmo cosmopolita
(SILVA, 2017, p. 3).

Neste sentido, se deve interligar os saberes empíricos das comunidades


sobre a natureza e o saber científico representado pela escola, cabendo, por-
tanto, à escola viabilizar e proporcionar aos alunos ribeirinhos essa inter-re-
lação de conhecimentos, uma vez que “os ribeirinhos possuem uma dinâmica
própria, permeada por um arcabouço cultural variado de saberes e linguagens
que não podem estar afastados dos processos de escolarização, visto que
refletem a identidade destes sujeitos” (ABREU et al., 2013, p. 81).
Para Loureiro (2007, p. 41), “a escola precisa voltar-se para o aluno,
enxergando-o como pessoa inserida numa sociedade viva, dinâmica e exigente.
E ensinar esse aluno, tomando como ponto de vista os requisitos que a socie-
dade exige dele”. Concordamos com esse autor e reforçamos que as escolas
ribeirinhas devem levar em consideração o contexto em que estes alunos estão
inseridos, seus conhecimentos e sua bagagem cultural, trazendo-os para dentro
da sala de aula. Dessa forma, podem contribuir com o fortalecimento com a
identidade e a preservação da cultura desses povos.
É preciso compreender que na região Amazônica, onde há uma
ampla diversidade sociocultural, as práticas educativas são múltiplas, na
medida em que os sujeitos são indígenas, quilombolas e outras populações
ribeirinhas, carregados de culturas de saberes que produzem práticas
educativas próprias.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 191

Não existe uma cultura, uma identidade amazônica no singular. A concep-


ção deste espaço é plural. As diferentes manifestações culturais trazem
marcas do hibrido e da mestiçagem e reconhecem as presenças indígenas,
africanas, libanesas, nipônicas, entre tantas outras. São essas vozes poéticas
de múltiplos sotaques e línguas que fundam a Amazônia, mesmo sem ser
necessário comprovar quais os desenhos mais fortes e os rascunhos mais
claros (FARES, 2008, p. 86).

Nas palavras de Souza, Oliveira e Campos (2018), a região amazônica por


muito tempo tem sofrido na construção de sua identidade, por negação de sua
diversidade de saberes, de características próprias, que a torna subalternizada
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por determinados saberes que não estão adequados aos “padrões” oficiais de
produção de conhecimento. Por esta razão, mediante suas culturas e diferentes
saberes, não fazem parte das práticas culturais e educativas institucionalizadas.
“Ao invés de conferir à educação ribeirinha um tratamento diferenciado, que
atente para suas especificidades e sua monumentalidade, a União e mesmo o
País, que dela tanto se orgulham, não encaram, nem assumem programas com-
patíveis com sua grandeza e suas peculiaridades” (LOUREIRO, 2007, p. 44).
Ao refletir sobre as abordagens desses autores acerca dos saberes cul-
turais amazônicos e a relação com a escola, o que percebemos é a evidente
desigualdade no tratamento com os sujeitos ribeirinhos da Amazônia. Estes são
vítimas de um modelo histórico e perverso de desenvolvimento que beneficia
somente os detentores do poder, empresas nacionais e multinacionais, que se
apropriam de suas riquezas culturais, florestais e minerais, sob o discurso de
que suas ações se desdobram “em benefício do crescimento econômico do
país”, porém, o que se percebe é que pouco se tem feito por essas comunidades
que vivem à margem da sociedade.
A educação ribeirinha deve ser vista a partir da concepção de uma edu-
cação contextualizada, que considere a diversidade dos povos que nela vivem,
respeitando suas diferenças e contemplando sua igualdade. Ou seja, uma
educação para além do que é perpetuado pelo sistema, tendo como princípio
a inclusão dos diversos atores que vivem nas regiões ribeirinhas, de maneira
que sejam reconhecidos como sujeitos de direitos, e depois como protagonistas
de seus processos educacionais (CARMO; PRAZERES, 2013).
Segundo Albarado e Vasconcelos (2015, p. 60):

A educação ribeirinha precisa ser valorizada enquanto espaço de cons-


trução do conhecimento; a partir da valorização dos saberes culturais
ribeirinhos; despertando-os para uma leitura de mundo e para construção
de novos sujeitos políticos e sociais sintonizados com a sua territorialidade
e identidade cultural.
192

Neste sentido, entendemos que a Educação não se concretiza apenas no


chão da escola, ela está presente na igreja, no lazer à beira do rio, nas reuniões
da associação de moradores, nas festividades da comunidade, na caça, na
pesca, no plantio, enfim, em todos os espaços da comunidade. Assim, trazer
esses conhecimentos e saberes culturais para dentro da sala de aula implica
no fortalecimento da identidade desse povo.
Tomamos, assim, as palavras de Loureiro (2015, p. 104) ao afirmar que
“na sociedade amazônica, é pelos sentidos atentos à natureza magnífica e
exuberante, que os envolve, que o homem se afirma no mundo objetivo e é por
meio deles que aprofunda o conhecimento de si mesmo”. Então, é através da

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vivência, da contemplação da natureza, da observação, do contato diário e das
narrativas deixadas pelos antepassados e vivenciadas por eles, que esses povos
podem conhecer-se melhor e perceber quão rica é a sua história. Entretanto,
é preciso que os saberes culturais dessas comunidades sejam alcançados pelo
currículo escolar e inseridos na prática pedagógica dos professores.

Educação escolar e a interrelação com a cultura amazônica

Segundo Loureiro (2015), na Amazônia a cultura apresenta características


bem definidas que podem ser reconhecidas em dois espaços sociais tradicio-
nais: o da cultura urbana, que se expressa na vida das cidades, principalmente
naquelas de porte médio e nas capitais da região, e o da cultura rural.

As trocas simbólicas com outras culturas são mais intensas devido à


velocidade das mudanças serem maior no ambiente urbano. No ambiente
rural, principalmente ribeirinho, a cultura mantém sua expressão mais
tradicional, está mais ligada à conservação dos valores decorrentes de sua
história e está mergulhada num ambiente onde predomina a transmissão
oralizada, reflete a relação do homem com a natureza e se apresenta imersa
numa atmosfera em que o imaginário privilegia o sentido estético dessa
realidade cultural (LOUREIRO, 2015, p. 77).

Há vários significados para o termo “cultura”. Não se tem um conceito


único, pois as interpretações variam de acordo com as perspectivas. Porém,
o que há de mais comum entre os vários conceitos é que geralmente são
representados por um conjunto de costumes, práticas e modos de vida que
caracterizam uma determinada comunidade.
Geertz (1989) justifica seu entendimento de conceito de cultura como
semiótico, segundo o qual se estuda os fenômenos culturais e a construção de
significados, afirmando que a cultura é pública e o comportamento humano é
uma ação simbólica, assim como a forma que uma sociedade toma é reflexo
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 193

substancial da cultura deste povo. Logo, para ele, a cultura se transforma e


está em constante modificação.
Para este autor,

“O homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo


teceu”. Dessa maneira, a cultura representa essas teias, bem como o seu
significado, não da mesma maneira que uma ciência experimental se mani-
festa, mas sim como um saber interpretativo em busca de significado
(GEERTZ, 1989, p. 4).

Porém, o autor reforça que a cultura tem peculiaridades, por isso não
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pode ser considerada globalizante. Para entendê-la é preciso conhecer peque-


nos detalhes inerentes a determinado contexto, imergir nas subjetividades e
decifrar as particularidades – o dito e o não dito.
Bourdieu (2007), por sua vez, enfatiza que “a cultura não é apenas um
código comum nem mesmo um repertório comum de respostas a problemas
recorrentes. Ela constitui um conjunto comum de esquemas fundamentais
previamente assimilados [...]”. Assim, para que seja introduzido um deter-
minado currículo, se faz necessário levar em consideração os conhecimentos
culturais dos ribeirinhos.
Para Brandão (2002, p. 22),

Nós somos aquilo que nos fizemos e fazemos ser. Somos o que criamos
para efemeramente nos perpetuarmos e transformarmos a cada instante.
Tudo aquilo que criamos a partir do que nos é dado, quando tomamos as
coisas da natureza e as recriamos como os objetos e os utensílios da vida
social, representa uma das múltiplas dimensões daquilo que, em outra,
chamamos de: cultura.

Portanto, a cultura do ribeirinho é resultante da sua relação que tem com


a natureza; ou seja, a forma como interage nesses espaços, criando e recriando
a partir da sua vivência e dos ensinamentos que são repassados de geração
em geração. O homem, diferente dos outros animais, tem a capacidade de
criar e recriar, atribuindo sentido a tudo que lhe é dado, e na educação, não
é diferente: cada ensinamento precisa ser vivenciado de acordo com a reali-
dade dos ribeirinhos, para que tenha significado e possa contribuir para que
se sintam parte do processo.
Para Candau (2008, p. 26), um “[...] dos grandes trunfos da legitimação
da escola tem sido o seu papel de formadora de identidades, sejam estas indi-
viduais, sociais e, principalmente, culturais”. A escola é desafiada a refletir
o processo de construção da identidade cultural de crianças e jovens com os
194

quais trabalha e a realidade cultural desses. Assim, a escola das comunidades


rurais/ribeirinhas da Região Amazônica, inseridas em um contexto de múlti-
plas representações e saberes, é desafiada a considerar as peculiaridades locais
que nascem do cotidiano das pessoas que moram nas margens dos rios, lagos,
igarapés, no interior das florestas e nas cidades dessa região.
As discussões perpassam pelos significados de cultura Amazônica que,
no conceito de Loureiro (2015, p. 77):

A Cultura Amazônica, em que predomina a motivação de origem rural-ri-


beirinha, é aquela na qual melhor se expressam, mais vivas se mantêm as

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manifestações decorrentes de um imaginário unificador refletido nos mitos,
na expressão artística propriamente dita e na visualidade que caracteriza
suas produções de caráter utilitário – casas, barcos etc.

Em outras palavras, é através das narrativas míticas, da poética estetizante


e das produções de objetos que são utilizados no dia a dia que essa população
tem vez e voz – e mostra suas características relacionadas com o meio em
que vive, levando em consideração as tradições socioculturais de seu povo.
Ainda sobre esse assunto, Furtado e Carmo (2020, p. 7) asseveram que,

A cultura é um conjunto de significados socialmente construídos, que,


por meio das tradições, produz um processo de transformação em que
novos conceitos, compreensões e caminhos, que permitem o surgimento
de novos sujeitos. Esses processos de transformações permitem refletir
sobre o caminho de tradições percorrido sendo codificado a partir das
intervenções do cotidiano, pois o “fazer” pressupõe reconstruir-se a partir
de debates advindos da contestação da tradição e a nova forma de pensar
contemporaneamente a cultura.

Dessa forma, os conhecimentos sistematizados precisam ir muito além


dos livros didáticos, pois estes estão longe da realidade ribeirinha, com inci-
piente contribuição para uma aprendizagem significativa e que faça realmente
sentido na vida desses alunos ribeirinhos. Isso fica evidente quando Machado
(2008) afirma que se tem priorizado no contexto do espaço escolar brasileiro
o modelo tradicional de ensino, não reconhecendo a multiculturalidade do
saber-fazer das populações do campo. Isto tem provocado o rebaixamento
do saber popular dos alunos das classes populares, com suas peculiaridades
físicas e geográficas, em decorrência da primazia de que o saber escolar é o
que se deve ensinar; ou seja, prevalecem as “políticas autoritárias e concen-
tradoras de renda e de terras, que excluíam ou ignoravam a vida e os costumes
locais, as culturas e os interesses das classes mais pobres, rurais e urbanas,
da Amazônia” (MACHADO, 2008, p. 25).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 195

De acordo com Silva e Brandim (2008, p. 60-61),

[...] o multiculturalismo é uma estratégia política de reconhecimento e


representação da diversidade cultural, que não pode ser concebido dis-
sociado dos contextos das lutas dos grupos culturalmente oprimidos;
questiona os conhecimentos produzidos e transmitidos pelas instituições
escolares, evidenciando etnocentrismos e estereótipos criados pelos gru-
pos sociais dominantes, silenciadores de outras visões de mundo. Busca,
ainda, construir e conquistar espaços para que essas vozes se manifestem,
recuperando histórias e desafiando a lógica dos discursos culturais hege-
mônicos [...].
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Esses autores mostram que pensar e viver no mundo atual passa pelo
reconhecimento da pluralidade e diversidade de sujeitos e de culturas com
base no respeito e tolerância recíproca, concebendo as diferenças culturais não
como sinônimo de inferioridade ou desigualdade, mas equivalente a plural
e diverso.
Dessa forma, considerando que as pessoas têm suas culturas e suas identi-
dades próprias as escolas devem repensar suas práticas pedagógicas no sentido
de criar estratégias, como trabalhar com o Multiculturalismo, para aproximar
seus alunos da realidade e do contexto em que estão inseridos, transformando
essa educação em um momento significativo e prazeroso, de maneira que
venha a contribuir com uma sociedade mais heterogênea e menos padronizada.

O currículo escolar na educação ribeirnha

Como já mencionado anteriormente, a Amazônia é marcada por uma


ampla diversidade sociocultural, representada e caracterizada por suas variadas
populações – dentre elas, a população ribeirinha, que possui modo de ser e
viver diferenciado, segundo os saberes culturais locais. A especificidade típica
dessa população traduz a necessidade de uma educação distinta, que absorva
a vivência e a realidade cultural dos ribeirinhos.
Oliveira (2015) assevera que o modo de vida dos ribeirinhos, com sua
cultura de ser, estar, fazer e saber, é capaz de proporcionar o enfrentamento
da realidade social mediante a complexidade dos indivíduos ao se organiza-
rem socialmente. Sendo assim, é necessário que se compreenda a expressiva
ligação que estes têm com a natureza. É a partir dela que eles constroem todo
o seu modo de vida e adquirem conhecimento empírico que é repassado de
geração em geração. É por meio dessa vivência com a natureza, da floresta
de onde adquirem diversas frutas e caças, dos rios que possibilitam a pesca,
do manejo com a terra para o cultivo de suas plantações, que eles retiram o
196

sustento para a subsistência de suas famílias. Além disso, os rios servem, por
vezes, como o único meio de transporte para se locomoverem.
No entanto, explicam Moreira e Silva (2013), que os saberes do currículo
“oficial” são os que prevalecem na construção do conhecimento dentro da
escola, ignorando os saberes construídos historicamente pelas populações
ribeirinhas. A esse respeito, Torres Santomé (1995, p. 165) afirma que:

Os currículos planejados e desenvolvidos nas salas de aula vêm pecando


por uma grande parcialidade no momento de definir a cultura legítima, os
conteúdos culturais que valem a pena. Isso acarreta, entre outras coisas,

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que determinados recursos sejam empregados ou não, mereçam nossa
atenção ou nossa displicência.

Nesse sentido, os currículos planejados pelas instituições de ensino se


apresentam como importantes espaços de legitimação de conhecimento e
de ideologias, por meio de conteúdos e formas culturais voltadas às classes
dominantes, os quais influenciam ou determinam quais culturas devem ser
estudadas e trabalhadas nas escolas (TORRES SANTOMÉ, 1995).
Hage (2005), que discute sobre os desafios da educação do campo na
Amazônia, expõe que uma das características fundamentais dessa região é a
heterogeneidade. Entretanto, essa diversidade, quando analisada no âmbito
das políticas públicas, é desconsiderada. É o que se constata quando percebe-
mos a realidade da educação que é ofertada para o meio rural, onde um único
modelo pedagógico, uma única forma de entender e trabalhar os processos
formativos, é utilizado (um currículo deslocado da realidade). Isto se opõe
ao que vem sendo defendido pelos movimentos sociais que discutem e lutam
por uma educação do campo em que as especificidades desse povo possam
ser valorizadas enquanto saberes adquiridos de geração em geração.
Desta forma, inserir na educação das comunidades ribeirinhas os con-
teúdos curriculares englobando o contexto local, sem que se perca de vista as
peculiaridades e particularidades do modo de vida desses sujeitos, faz com
que a aprendizagem passe a ser considerada através da interação e mediação
entre educador e o educando como uma via de “mão dupla”. Esta forma de
interação favorece para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra diale-
ticamente. Desse modo, o currículo se torna mais atrativo e o sentimento de
pertencimento tende a ser fortalecido, posto que nessas comunidades, exis-
tem crenças, tradições, hábitos e saberes populares que são perpassados de
geração em geração.

[...] as práticas curriculares aplicadas nas escolas ribeirinhas deveriam


se caracterizar por meio das relações entre os saberes, as experiências
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 197

e a cultura ribeirinha, fortemente interligada à construção do saber, a


fim de revelarem práticas pedagógicas que influenciam na construção da
identidade dos alunos ribeirinhos. Contudo, os estudos têm evidenciado a
singularidade da cultura ribeirinha nos processos de ensino, de modo que
seja possível gerar nas populações do campo o anseio de um currículo que
integre a cultura, os saberes e as experiências diariamente desenvolvidas
por esses sujeitos no território ribeirinho, onde vivem, trabalham e cons-
troem as suas relações sociais (Furtado; Carmo, 2020, p. 3).

A compreensão e a conscientização desta percepção torna-se imprescin-


dível. A escola tem o dever de oferecer aos educandos ribeirinhos, uma educa-
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ção diferenciada, explorando o contexto local para adentrar ao seu universo,


integralizando a educação aos seus saberes socioculturais, de modo que este
não se afaste da sua realidade, isto é, a educação ribeirinha deve embasar seu
direcionamento de acordo com a peculiaridade de onde a escola está inserida,
não devendo ignorar o contexto.

Nesta perspectiva: A experiência pedagógica implica sujeitos que vivam a


prática, que a experimentem. Quando digo sujeitos, já tenho nessa afirma-
ção uma opção político-ideológica. De um lado tenho o sujeito educador,
enquanto formador, e do outro o sujeito educando-sujeito do processo de
se formar. Quando o educando é reconduzido a pura incidência da ação
do educador, temos aí uma distorção autoritária, já não é mais uma prática
democrática (Freire, 1994, p. 7).

Desta feita, é necessário que a escola relacione suas atividades a par-


tir dos saberes socioculturais dos ribeirinhos, evidenciando o extrativismo,
a pesca, a caça, as safras de apanhar açaí, suas colheitas, suas crenças e suas
tradições, de forma que sejam representados na escola através de cartazes,
fotografias, alegorias em ambientes, nas lições, na linguagem escolar e na
forma do professor ensinar. A escola precisa:

[...] se fazer mais presente na vida do estudante ribeirinho, se ela estivesse


voltada para compreender e analisar a realidade do estudante, procurando
valorizar o saber local associado ao saber universal formal. Para que ela
possa se integrar cada vez mais, é necessário fazer mudanças, principal-
mente no que diz respeito ao currículo oficial, onde aprender não seja visto
como uma obrigação ou dever a cumprir, mas como possibilidade de ver
o mundo com outros olhos [...] (Souza, 2006, p. 65).

Neste sentido, esses conhecimentos precisam ir muito além dos livros


didáticos. Para que se promova aprendizagem significativa, é necessário
198

aproximar o currículo oficial escolar aos saberes sociais e culturais dos povos
ribeirinhos, ou seja, incorporar na matriz curricular conteúdos relativos aos
saberes tradicionais desses povos, contemplando o fortalecimento da identi-
dade cultural desses povos.
Assim, por meio dessa relação entre saberes socioculturais e saberes
educacionais, a escola deve trabalhar seu currículo baseado nessas refle-
xões, principalmente quando adentra aos espaços da comunidade. A escola
não pode se ausentar de tal responsabilidade e agir como se estivesse em
um espaço urbano, pois a educação ribeirinha tem as suas especificidades
e particularidades.

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Para Oliveira (2015), os saberes locais dos ribeirinhos são vivenciados
a partir da exploração e das experiências que estes têm com o uso de seus
espaços e com o que compõe a vasta natureza ao seu redor; são saberes
estabelecidos através da relação do uso dos recursos naturais. Os ribeirinhos
constroem seus modos de vida na terra, na floresta e nos rios, e assim forjam
costumes, valores, práticas, saberes e linguagens.
Nesta concepção, ignorar os saberes das populações ribeirinhas, não os
considerar dignos de atenção ou merecedores de um olhar diferenciado, tendo
em vista a aplicação do conhecimento dito científico, é silenciar sua identi-
dade cultural, por meio de um tratamento legitimado através de instrumentos
oficiais, como os livros didáticos e as práticas pedagógicas e curriculares
efetivadas nas instituições escolares, sem considerar o contexto amazônico
(Lima, 2013).

Considerações finais

O objetivo da pesquisa realizada foi discutir como a educação escolar


ofertada aos povos ribeirinhos aborda a cultura destas populações. Partimos
da compreensão que temos sobre os desafios que permeiam a educação Ama-
zônica, e de como o currículo é formatado por forças hegemônicas que, histo-
ricamente, se mantêm distanciadas dos saberes que marcam o conhecimento
tradicional dos povos ribeirinhos.
Ao buscar compreensão de como a educação escolar é ofertada aos povos
ribeirinhos e de que forma aborda a cultura destas populações, observamos,
na literatura, que as práticas curriculares aplicadas nas escolas ribeirinhas
não estão em consonância com interrelação entre os saberes, as experiências
e a cultura ribeirinha.
As práticas pedagógicas, que poderiam influenciar na construção da iden-
tidade dos alunos ribeirinhos e na preservação dos saberes tradicionais, têm
priorizado no contexto do espaço escolar o modelo tradicional de ensino, ou
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 199

seja, um único modelo pedagógico; uma única forma de entender e trabalhar


os processos formativos. Nesse sentido, o currículo se distancia da realidade
ribeirinha, quando não se reconhece a multiculturalidade do saber-fazer des-
sas populações.
Contudo, os estudos têm evidenciado a singularidade da cultura ribeiri-
nha e a possibilidade de inserção nos processos de ensino, de modo que seja
praticado um currículo que integre a cultura, os saberes e as experiências,
diariamente desenvolvidas por esses sujeitos.
Vale ressaltar que não se trata de separar o currículo oficial escolar de
um currículo “popular”. O que defendemos é a construção de um currículo
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que incorpore todas as culturas e identidades, com as suas especificidades e


singularidades, que de forma sistematizada possa ser implementado na escola
sem que o educando ribeirinho perceba a sua realidade contextualizada, em
contraste a um currículo hierarquizado, imposto e dissonante da realidade dos
povos ribeirinhos amazônicos.
Na nossa compreensão, o Estado deve oferecer uma educação que pos-
sibilite ao educando se apropriar da dinâmica que permeia o seu contexto
sociocultural, a fim de que possa participar ativamente das mudanças coti-
dianas, visando o bem comum. No bojo desse processo, comunidades, pro-
fessores, técnicos e gestão escolar devem ser envolvidos para que se construa
um currículo que possa ser praticado, conforme as especificidades dos povos
ribeirinhos, em atenção ao que dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional, no que tange à necessidade de ofertar uma educação própria
ao espaço rural.
É preciso implementar um currículo que traduza nas práticas pedagógicas
dos docentes sentidos e significados à aprendizagem através da cultura desse
povo, de sua história, seus costumes, suas crenças e suas experiências vividas;
um currículo que não contemple trabalhar aspectos socioculturais somente
em datas comemorativas, de forma que em nada contribui para a formação,
crescimento e educação dos ribeirinhos; tampouco que a escola adote somente
livros didáticos direcionados a outra região e a outra realidade.
200

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ED UCAÇÃO AMBIENTAL E A
CULTURA ESCOLAR: fator contribuinte
no processo de transformação das atitudes
e comportamento para o meio ambiente
Marise dos Santos Nunes
Raimunda Kelly Silva Gomes
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Introdução

A temática sobre o meio ambiente tornou-se uma das maiores preocu-


pações nas últimas décadas, inúmeros setores da sociedade vêm buscando
desenvolver atividades e projetos no intuito de educar as comunidades, na
intenção de sensibilizá-las quanto aos agravantes ambientais. Essa mobiliza-
ção tem como proposito as mudanças comportamentais nas atitudes nocivas,
juntamente com a apropriação de posturas benéficas ao equilíbrio ambiental.
E quem melhor que a escola, para desempenha um dos papéis mais importantes
nesse direcionamento, pois a ela cabe informar, pesquisar e formar futuros
gestores da sociedade humana (Loureiro, 2002).
Nessa perspectiva, pode-se dizer que a Educação Ambiental tem um
papel de extrema relevância no âmbito escolar, pela possível capacidade de
transformação do comportamento e atitudes dos alunos. No entanto, precisa
ser transmitido de forma que o aluno tenha a competência de compreender
que o ser humano é o agente transformador do mundo em que vive, colabo-
rando dessa forma, para que a sociedade seja ambientalmente sustentável e
socialmente justa, na proteção e preservação de toda e qualquer manifestação
de vida no planeta (Asano; de Souza Poletto, 2017).
O objetivo do estudo propõe descrever a relevância da educação ambien-
tal em convergência com a cultura, como fator contribuinte no processo de
mudanças de valores, comportamentos e atitudes, para a preservação ambien-
tal. A questão que orientou o estudo pode assim ser apresentada: Como a
Educação Ambiental alinhada com a cultura pode contribui para a construção
de valores, conceitos, atitudes e habilidades que aproximam da realidade
ambiental? Dessa forma, busca-se propor uma reflexão crítica das relações
sociais voltadas a uma conscientização pautada em uma nova ótica da relação
sociedade-natureza (Loureiro, 2002).
204

A metodologia fundamentou-se em uma pesquisa de revisão bibliográfica,


dos textos sobre a Cultura escolar; Cultura, culturas e Educação; Educação
ambiental; Meio ambiente; Saber ambiental: sustentabilidade e, racionalidade,
complexidade e poder. A pesquisa está dividida em duas sessões principais
com dois subitens. Na primeira sessão está sendo abordado dados sobre o meio
ambiente, de forma sucinta, e ao mesmo tempo abrangente para melhor enten-
dimento do conteúdo. A seção dois, traz dados sobre a educação ambiental,
ou seja, aqui está sendo realizado uma abordagem sobre Educação Ambiental,
seu surgimento no contexto de uma crise ambiental que fora reconhecida no
final do século XX. Na seção seguinte, faz-se referência sobre a influência

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cultural na prática da educação ambiental, nessa abordagem fala-se sobre como
a cultura influencia em nossos cuidados ou não com as questões ambientais.

Metodologia

Para identificar a influência da cultura na relação entre o homem e a natu-


reza , considera-se a seguinte análise: Compreender o homem como um ser
social que interage com o meio e com outros seres, o conhecimento adquirido
por este sobre a natureza das coisas e o comportamento humano vêm sendo
constantemente acrescidos por pesquisas sociais que, por sua vez, podem ser
entendidas como aquelas que abordam o conjunto de expressões humanas
constantes nos processos, nos sujeitos, nos significados e nas representações
(Minayo, 2013).
Conforme Gil (2010), um problema é relevante em termos científicos à
medida que conduz a novos conhecimentos. Nesse caminho, esta pesquisa se
classifica em uma abordagem qualitativa, pois há a preocupação em enten-
der os significados a partir da compreensão da realidade em que os sujeitos
estão inseridos.
Quanto ao procedimento metodológico, este artigo fundamenta-se em
uma pesquisa de revisão bibliográfica, que consiste no levantamento, sele-
ção, fichamento e arquivamento de informações relacionadas ao tema pro-
posto (GIL, 2010). A fim de buscar compreender a relevância da educação
ambiental em convergência com a cultura escolar como fator contribuinte no
processo de mudanças de valores, comportamentos e atitudes, para a preser-
vação ambiental.

Resultados e discussão

O objetivo do estudo propõe descrever a relevância da educação ambien-


tal em convergência com a cultura escolar como fator contribuinte no processo
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 205

de transformação das ideias e atitudes dos alunos para a preservação ambien-


tal. A princípio, a Educação Ambiental era concebida como um saber e uma
prática fundamentalmente conservacionista, no qual, pode ser descrita como
uma prática educativa que tinha como priores horizontal do despertar de uma
nova sensibilidade humana para com a natureza, desenvolvendo-se a lógica
do “conhecer para amar, amar para preservar”, orientada pela conscienti-
zação “ecológica” e tendo por base a ciência ecológica (Layrargues; Lima,
2014, p. 27).
Para Layrargues (2014) não é de hoje que a educação se constitui em
um dos principais bens da humanidade. O autor descreve, que as gerações
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vão ampliando as experiências, os conhecimentos e a cultura acumulada ao


longo da história, permitindo tanto a elevação do saber sistematizado quanto
a produção de bens necessários à satisfação das necessidades humanas.
Sob esse contexto, é inegável a importância e influência que as escolas
têm na formação humana, possibilitando a socialização humana, o acesso aos
bens culturais, promovendo a formação da cidadania. Assim, “a educação é
essencial no processo de formação de qualquer sociedade e abre caminhos para
a ampliação da cidadania de um povo” (BRASIL, 2004, p. 7). Portanto, cabe
à escola municiar-se de novas estratégias ambientais que possam favorecer
novas atitudes, de forma que sejam desenvolvidos de forma significativa e
contextualizada, em um processo de sensibilização pela Educação, rompendo
com o ensino sem nexo causal, que apenas reproduz o currículo e não promove
um processo de conscientização e de leitura de mundo
Em conformidade com o que fora descrito de Sauvé e Layrargues, os
autores mencionaram que a Educação Ambiental é de extrema importância
no dia a dia escolar, tem a capacidade de transformar o comportamento das
gerações futuras. Deve ser transmitido de forma com que o aluno tenha a com-
petência de compreender como que o ser humano pode ser o agente transfor-
mador do mundo em que vive, e ele possa se enxergar como um colaborador,
para que a sociedade seja ambientalmente sustentável e socialmente justa, na
proteção e preservação de toda e qualquer manifestação de vida no planeta.
Para Leff (2009), a concepções de educação ambiental e de cultura estão
interligados como bem mencionado pelos participantes de seu estudo, sendo
inseridas e desenvolvidas dentro da escola voltadas para o comportamento
sociocultural, favorecendo novas atitudes e comportamento com relação aos
cuidados com o meio ambiente. Ou seja, não se pode negar a existência da
relação entre a educação ambiental e a cultura, pois, está inserida no tempo
e espaço, onde vivências cotidianas são trazidas como temas a serem tra-
balhados. Nessa perspectiva, somos todos agentes de mudanças, refletindo
gradativamente na realidade social e ambiental que estamos inseridos.
206

Algumas reflexões sobre o meio ambiente

O assunto predominante em todos os seguimentos da sociedade atual,


é o da preservação do meio ambiente, ou seja, existe uma preocupação no
consumir sem agredir a natureza, com intuito de preservar para que não falte
para essa e para as gerações futuras. No entanto, conforme dados expressos
pelo Ministério do Meio Ambiente, o aquecimento global, o degelo das calotas
polares, o calor e o frio em demasiado, a falta de água, a reciclagem, dentre
outros, são temas ambientais importantíssimos, que estão cada vez mais em
evidências nas mídias televisivas e impressas, nas rodas de discussões, nas

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escolas, nas repartições públicas e privadas, em todo o mundo (Oliveira da
Silva; Bezerra, 2017).
Com essa perspectiva, a Educação Ambiental, nasceu com o objetivo
de gerar uma consciência ecológica em cada ser humano, preocupando-se
em oportunizar o conhecimento, ao qual permita o reflexo de mudança no
comportamento humano quanto à proteção de seu habitat natural. E a Lei
Federal nº 9.795, de 1999, em consonância com o artigo 225 da Constituição
Federal de 1988, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e define
a Educação Ambiental como sendo o processo por meio do qual o indivíduo e
a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes
e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso
comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade
(Oliveira da Silva; Bezerra, 2017).
Para o Programa Nacional de Educação Ambiental (Brasil, 2005),
se os sistemas sociais tiverem o conhecimento para atuarem na promoção
da mudança ambiental, então a educação assume posição de destaque para
construir os fundamentos da sociedade sustentável, apresentando uma dupla
função a essa transição societária: propiciar os processos de mudanças cultu-
rais em direção à instauração de uma ética ecológica e de mudanças sociais
em direção ao empoderamento dos indivíduos, grupos e sociedades que se
encontram em vulnerabilidade face aos desafios da contemporaneidade.
Asano (2017), explica que, a reflexão sobre a atuação social dos indi-
víduos, em uma sociedade marcada pela degradação contínua do meio
ambiente e de seu ecossistema trouxe à tona a importância de uma reflexão
e ação para os cuidados com o meio ambiente. A dimensão dessa questão
envolve não só os atores do processo de ensino e aprendizagem, mas tem
em vista o engajamento dos diversos sistemas de conhecimento, a capa-
citação profissional e o envolvimento da comunidade universitária, de
modo interdisciplinar.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 207

Um breve contexto da investigação

A Educação Ambiental surgiu no contexto de uma crise ambiental reco-


nhecida no final do século XX, e estruturou-se como fruto da demanda para
que o ser humano adotasse uma visão de mundo e uma prática social capazes
de minimizar os impactos ambientais. Nesse sentido, houve uma constatação
de que a educação ambiental deveria ser compreendia como um universo
pedagógico multidimensional, girando em torno das relações estabelecidas
entre o homem, o social, o cultural, a educação e a natureza, os quais, foram
demandado um aperfeiçoamento em sucessivas análises e aportes teóricos de
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crescente sofisticação, tornando essa prática educativa mais complexa do que


se poderia imaginar (Layrargues; Lima, 2014).
Assim, Educação Ambiental se designa sob as diferentes concepções ou
representações dadas para o termo meio ambiente, que permitem o reconheci-
mento de sua identidade, diante de uma Educação que antes não era ambiental
(Layrargues, 2004; 2014). Para o autor, a diversidade de nomenclaturas hoje
enunciadas, retrata um momento da educação ambiental que aponta para a
necessidade de se resignificar os sentidos identitários e fundamentais dos
diferentes posicionamentos político pedagógicos. Entre as inúmeras nomen-
claturas utilizadas para referenciar a EA, tem-se: Educação Ambiental Crítica,
Transformadora ou Emancipatória; Alfabetização Ecológica; Ecopedagogia;
Educação no Processo de Gestão Ambiental.
Para Tozoni-Reis & Campos (2014), utilizaram-se dos estudos de Saviani
(2005), referindo que se precisa levar em conta o papel da educação escolar,
segundo o referencial que orienta o estudo, é a sistematização dos saberes
elaborados pela cultura. Portanto, é preciso considerar entre os condicionantes
da inserção qualitativa da educação ambiental na educação básica no Brasil,
na perspectiva da transformação social, aqueles relacionados às formas his-
tóricas de sua inserção.
Portanto, embora a educação ambiental não esteja nas diretrizes curri-
culares como uma disciplina, já existe um consenso no campo da educação
ambiental que está sendo muito questionada por aqueles que se orientam por
paradigmas mais complexos de organização da vida social e da educação
escolar, para que a EA se insira como saber sistematizado é fundamental
encontrar seu espaço nos currículos escolares (Tozoni-Reis; Campos, 2014)
De acordo com Loureiro (2014), os cuidados com o meio ambiente
não é uma tarefa simples. O homem exerce grande influência sobre o meio
ambiente e a sua ação ocasionou sérios problemas ambientais. É inescapável
a necessidade de se compreender o mundo em que vivemos. Porém, é preciso
entender quem são as instituições e sujeitos sociais que com seus valores,
208

crenças, culturas e interesses particulares, reúnem e articulam sinergicamente


o volume necessário de poder cultural, ideológico, político e econômico, para
prover o mundo na direção a que nos encontramos (Loureiro, 2014).
Pensar em preservar o meio ambiente limitando os efeitos que o uso
não sustentável dos recursos naturais, requer repensar fundamentalmente, na
nossa relação com o meio ambiente. É inescapável a esse projeto de sociedade
vigente, ainda, realizar a desconcertante afirmação de que o mundo atual é
fruto de um acidente da ação humana. Ao contrário, constitui-se intencio-
nalmente, por obra direta das ambições, do consumismo e do interesse de
determinados e poucos sujeitos e suas instituições sociais, que criam zonas

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de sacrifícios, obstáculos, adversidades e riscos a todo instante, para muitos
(Loureiro, 2014).
Se o mundo atual é fruto de uma reconstrução histórica e que se mantem à
custa de mecanismos ideológicos de reprodução social, então é possível crer na
possibilidade de se alterar o rumo e as regras das coisas. Mas desde que com-
preendidas os fundamentos, expressões desses modelos de sociedade vigente,
para saber como alterá-lo, como superar os desafios que pairam no cotidiano.
No âmbito educacional brasileiro, a educação ambiental formal, teve
sua normatização a partir da Constituição Federal, sendo apresentada com
fins de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (Brasil, 1988.
Art. 225, § 1º, inciso VI).
Sua oficialização só foi instituída a partir da promulgação da Política
Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/99), definindo os processos
pelos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conheci-
mentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do
meio ambiente, enfatizando o ambiente como um bem de uso comum do povo,
sendo essencial para a qualidade de vida e sua sustentabilidade. Com essa
perspectiva, o assunto meio ambiente ou educação, foi é aqui visto como sendo
um componente essencial e permanente da educação nacional que deve estar
presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades de processo
educativo, em caráter formal e não formal (Brasil, 1999; Backes; Lindino, 2023).
Essa preocupação com o meio ambiente deve iniciar já na sala de aula,
pois é papel da educação escolar implantar uma cultura que valorize o meio
ambiente e os recursos naturais, de modo que esta seja problematizadora e
interdisciplinar tendo em vista a construção de conhecimentos, atitudes, com-
portamentos e valores pelos sujeitos escolares. Isso reforçado pelas Diretrizes
Curriculares para a Educação Ambiental:

A Educação Ambiental é uma dimensão da educação, é atividade inten-


cional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 209

um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres


humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade
de torná-la plena de prática social e de ética ambiental (Brasil, 2012, p. 2).

Essa reflexão mostra que a escola deve trabalhar as questões ambientais


tanto de forma cotidiana como por projetos, o que está de acordo com a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), segundo essa normativa, a compreensão
do que seja sustentabilidade pressupõe que os alunos, além de entenderem a
importância da biodiversidade para a manutenção dos ecossistemas e do equi-
líbrio dinâmico socioambiental, sejam capazes de avaliar hábitos de consumo
que envolvam recursos naturais (Brasil, 2017).
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Dessa maneira, a Educação Ambiental desvela as questões que envolvem


os agravantes da crise socioambiental e suas implicações na sociedade, sobre-
tudo no contexto escolar é necessário compreender o conceito de cultura e a
forma como as relações culturais perpassam o contexto da questão socioam-
biental, ou seja, a forma como essas relações se estabelecem na sociedade e
determinam as causas e os efeitos da crise ambientais causadas pelo modo de
vida dos indivíduos (Layrargues; Lima, 2014; Layrargues, 2004).
Nesse sentido, essa abordagem se apresenta a partir da ideia de que a
cultura enquanto, categoria teórica, nos proporciona dois vieses de análise:
a decodificação dos aspectos que caracterizam a relação homem e natureza
em diferentes sociedades, questões que explicam as implicações ambientais
e sociais da crise ambiental. E o processo de enfrentamento da degradação
ambiental sobre a perspectiva de sustentabilidade com a efetiva prática da
Educação Ambiental, enfatizando o papel da cultura enquanto mediadora
na transformação da relação homem e natureza (Layrargues; Lima, 2014;
Layrargues, 2004).
Dessa forma, é através da cultura escolar que práticas voltadas para
mudanças comportamentais que o conhecimento acerca do meio ambiente
se sobressai de forma mais evidente. Sendo assim, a cultura também está
relacionada com toda a ação, gestos, comportamentos, expressões e crenças
que ditam as condutas de um grupo em sociedade. Isso trará significância dos
instrumentos de expansão e transmissão da cultura.

A influência cultural na educação ambiental

Segundo Leff (2009), degradação ambiental está expressando os limi-


tes de uma racionalidade homogeneizante que excluiu há muito tempo o
valor da diversidade cultural. O contexto globalizante e complexo dos pro-
blemas ambientais, trouxe a necessidade de encontrar mecanismos capazes
de articular as questões sociais e ambientais de diferentes escalas espaciais
210

e temporais, e de diferentes ordens conceituais, em enfoques compreensivos


que expliquem os fenômenos multicausados e heterogêneos que constituem
os sistemas ambientais.
Um desses enfoques aqui discutido, é como a cultura influencia em nos-
sos cuidados ou não com as questões ambientais. Dentre todos os seres vivos,
“nós é que somos corpos dotados da capacidade de reagirem ao ambiente em
que vivem e onde reproduzem, enquanto isto é possível, a vida individual e
coletiva de sua espécie” (Brandão, 2006, p. 39). De acordo com o autor, entre
todos os seres vivos, somo nós com todas as nossas variedades de vivências
capazes de ter uma consciência reflexa da relação entre o “ser e o seu mundo”.

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Pois sendo, como todos os outros seres vivos, sujeitos da natureza, acabamos
nos tornando uma forma da natureza que se transforma ao aprender a viver,
sem cessar a uma exceção, entre todas as comunidades humanas do passado
e de agora, transformamos seres do mundo de natureza: e unidades de uma
espécie: indivíduos, em sujeitos do mundo da cultura: pessoas. Em seres de
direitos e de deveres e, portanto, agentes culturais e atores sociais.
Para explicar as questões que envolvem os graves problemas socioam-
bientais, e suas implicações na sociedade, sobretudo no contexto escolar,
nas constatações de Leff (2009), é necessário compreender a forma como as
relações culturais perpassam o contexto da questão socioambiental, ou seja,
a forma como essas relações se estabelecem na sociedade e determinam as
causas e os efeitos da degradação ao meio ambiente.
Nós somos aquilo que fizemos e fazemos ser. Somos o que criamos para
efemeramente nos perpetuarmos e transformarmos a cada instante. Tudo aquilo
que criamos a partir do que nos é dado, quando tomamos as coisas da natureza
e as recriamos como os objetos e os utensílios da vida social representa uma
das múltiplas dimensões daquilo que, em outra, chamamos de: cultura. Nessa
linha de raciocínio, pode-se dizer que, é com o seu trabalho que o ser humano
vem alterando o mundo natural de acordo com as suas necessidades, e estas
mediações propiciam não apenas a emergência da transformação da realidade
socioambiental, mas também o processo de conhecimento, que é cultural.
Nesse sentido a influência da cultura na educação ambiental, também,
está centrada num processo de cidadanização defendida por Leff (2001), que
configura uma cultura política fundada no reconhecimento dos direitos huma-
nos, onde se inscreve as lutas, os movimentos sociais, que reivindicam novos
direitos culturais, seus usos e costumes tradicionais e seus ancestrais estilos
de vida. Assim, constituindo seus direitos para o usufruto de seu patrimônio
e de recursos naturais.
Como nos mostra o autor Leff (2001), esses novos direitos cidadãos
reconhece a diversidade e a diferença como princípio constitutivos do ser e
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 211

da vida como base de uma democracia plural e uma equidade social aberta à
diversidade cultural. Nesse sentido a cultura está “lavrando caminhos rumo
à sustentabilidade, fundados numa racionalidade ambiental que vem impul-
sionando e legitimando monos direitos ambientais culturais e coletivos”
(LEFF, 2001, p. 347). Como resposta ao capitalismo, forjado na ideologia
das liberdades individuais, que privilegia os interesses privados, a cultura
tem convulsionado o mundo atual e ganha força com o enfraquecimento da
lógica unificadora que guiou os destinos de uma sociedade homogeneizante,
não equitativa e insustentável, porém, ainda é um processo lento.
De acordo com Sauvé (2005), a educação ambiental ajuda a estreitar a
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relação homem-natureza, levando-nos a explorar os estreitos vínculos exis-


tentes entre identidade, cultura e natureza, e a tomar consciência de que, por
meio da natureza, reencontramos parte de nossa própria identidade humana,
de nossa identidade de ser vivo entre os demais seres vivos.
Em se tratando da relação homem-natureza na, evidencia-se que diante
desse predomínio de uma sociedade unificadora e desigual, a educação ambien-
tal, assim entendida por Sauvé (2005), “visa a induzir dinâmicas sociais”, que
de início na comunidade local e, posteriormente, em redes mais amplas de
solidariedade, promovendo a abordagem colaborativa e crítica das realidades
socioambientais e uma compreensão autônoma e criativa dos problemas que
se apresentam e das soluções possíveis para eles.
Nesse sentido, debater novas abordagens da educação ambiental a partir
de uma reconfiguração das relações homem – natureza, isso implica dizer que
os conflitos ambientais surgem da confrontação de interesses e estratégias
diferenciadas de apropriação e aproveitamento da natureza. Dessa forma os
significados culturais atribuídos ao meio ambiente ajudam na construção da
racionalidade ambiental aberta a diversidade cultural.

Considerações finais

No decorrer desse artigo foi possível notar que a cultura e a educação


ambiental estão relacionadas diretamente nossos cuidados ou não com as ques-
tões ambientais. O estudo propõe uma descrição sobre a relevância da educação
ambiental em convergência com a cultura como fator contribuinte no processo de
mudanças de valores, comportamentos e atitudes, para a preservação ambiental
Os conceitos que foram descritos ao longo do texto indicam como os
autores atestam as ideias sobre a Educação Ambiental no âmbito escolar, tal
feito, constituem um processo contínuo de aprendizagem das questões que
dizem respeito ao espaço onde se forjam as interações dos indivíduos e seus
costumes, os quais regem a vida em suas mais diferentes formas.
212

De fato, os dados agrupados sobre a EA, revelam às questões que envol-


vem os agravantes da crise socioambiental e suas implicações na sociedade,
sobretudo no contexto escolar, se fazendo necessário a compreensão do con-
ceito sobre cultura e a forma como as relações culturais perpassam o contexto
da questão socioambiental. Os autores abordaram a forma como essas relações
se estabelecem na sociedade e determinam as causas e os efeitos da crise
ambientais sendo resultado do modo de vida dos indivíduos.
Nesse sentido, essa abordagem se apresenta a partir da ideia de que a
cultura enquanto, categoria teórica, nos proporciona dois vieses de análise:
a decodificação dos aspectos que caracterizam a relação homem e natureza

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em diferentes sociedades, questões que explicam as implicações ambientais e
sociais da crise ambiental, enfatizando o papel da cultura enquanto mediadora
na transformação da relação homem e natureza.
Nesse sentido, a inclinação educacional, percebe a inter-relação entre
homem-natureza, que valoriza a diversidade cultural. Ou seja, defender uma
educação voltada para a inserção dos educandos em um processo de ensino e
aprendizagem que os constitua como sujeitos no mundo e que gire em torno
das relações existentes entre sociedade culturas e natureza. Nessa direção
situamos que o trabalho dos professores sejam de compreenderem a complexi-
dade da questão ambiental e suas implicações na vida cotidiana dos indivíduos,
o que nos remete a compreender a relação entre a forma como os professores
constroem seus saberes, e os integram a sua prática docente, como elementos
fundamentais para entender e repensar a inserção da EA no ensino formal.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 213

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AS PERCEPÇÕES DE JOVENS
ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO
FÍSICA: um estudo sobre formação
escolar e expectativas profissionais
Carina dos Santos Reis
Adalberto Carvalho Ribeiro
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Introdução

A Educação Física desempenha um papel fundamental na formação dos


jovens, pois seu objeto de estudo, a cultura corporal de movimento, refere-se
ao conjunto de práticas corporais historicamente construídas e socialmente
compartilhadas por um determinado grupo ou sociedade. Essas práticas envol-
vem não apenas os aspectos técnicos e habilidades motoras, mas também os
valores, os significados simbólicos e as representações associadas ao movi-
mento humano (Betti, 2001). Nesse contexto, os acadêmicos de Educação
Física representam um grupo importante para se compreender as suas per-
cepções e a cultura relacionadas a essa área. Compreender como esses jovens
acadêmicos veem a Educação Física e como a cultura acadêmica os influencia
é crucial para melhorar os processos de ensino e formação desses profissionais.
Este capítulo objetiva explorar as percepções e a cultura dos jovens
acadêmicos de Educação Física em relação à sua formação, ao papel da área
e as suas expectativas futuras, por meio de uma pesquisa bibliográfica “ela-
borada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros,
artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na Internet”
(Silva; Menezes, 2005, p. 21), e de abordagem qualitativa, pois este tipo de
abordagem “é de particular relevância ao estudo das relações sociais devido
à pluralização das esferas de vida” (Flick, 2009, p. 20).
Dentro desse contexto, propomos as seguintes questões de partida: como
ocorrem as interações entre acadêmicos de Educação Física e a cultura aca-
dêmica? Quais percepções carregam esses acadêmicos quando da escolha
do curso superior? Quais as expectativas e desafios desses jovens para sua
formação e para o exercício da profissão?
Esperamos que os resultados deste estudo possam contribuir para uma
reflexão crítica, ainda que inicial, sobre os processos de ensino e formação em
218

Educação Física, visando contribuir com o debate e com o desenvolvimento


dos futuros profissionais.
Com efeito, compreender as percepções e a cultura dos jovens acadê-
micos de Educação Física é fundamental para promover uma formação mais
alinhada com suas expectativas e necessidades. Este estudo pode ajudar for-
necendo insights para o desenvolvimento de estratégias de ensino, aprimo-
ramento curricular e políticas educacionais mais adequadas à formação de
profissionais da Educação Física.
Esse trabalho está estruturado, além desta introdução, em uma primeira
seção que trata dos aspectos gerais acerca das percepções dos jovens, bus-

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cando compreender de que forma os jovens veem o mundo e quais variáveis
influenciam nessas percepções; em uma segunda seção abordamos de maneira
mais específica a cultura acadêmica de jovens estudantes de Educação Física;
e, nas considerações finais procuramos retomar as questões de partida para
indicar, objetivamente, o que a pesquisa aponta.

Percepção e cultura: como jovens costumam ver o mundo

A juventude é uma fase da vida humana que não possui uma definição
exata, isso porque muitas pessoas percebem essa fase apenas como uma pas-
sagem para a vida adulta, um período de experimentação e liberdade, basean-
do-se nos estereótipos de que a juventude é um “problema social”, ignorando
assim as formas que os jovens constroem suas experiências, a partir de seus
questionamentos e propostas para resolução de problemas experienciados em
seus cotidianos (Santos, 2015).
A percepção é um fenômeno psicológico complexo que influencia como
os indivíduos interpretam e compreendem os estímulos do meio externo. Essas
percepções são influenciadas pelas experiências individuais, construídas a
partir de “suas vivências anteriores e suas necessidades presentes, constituindo
um ato de perceber” (Oliveira, 2014, p. 78). Nesta seção, exploraremos como
os jovens costumam ver o mundo, investigando as percepções que eles desen-
volvem em relação a diversos aspectos, como sociedade, cultura, política,
ambiente, tecnologia, entre outros.
As percepções dos jovens são formadas por influências sociais que ocor-
rem em diferentes níveis, desde o ambiente familiar até o contexto social
mais amplo. As interações com familiares, amigos, professores e colegas
desempenham um papel significativo na construção das percepções dos jovens.
De acordo com Erikson (1968), durante a adolescência, os jovens estão em
busca de uma identidade e tendem a ser mais suscetíveis às influências do
grupo social ao qual pertencem.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 219

Para Amazonas et al. (2003, p. 11) a família configura-se como o mais


importante ambiente social no qual os jovens estão inseridos, pois é nessa
esfera que a identidade do jovem começa a ser formada e a produção de
comportamentos é direcionada. As percepções dos jovens estão relacionadas
aos valores, crenças e atitudes transmitidos pelos pais e outros membros do
seio familiar, Santos (2017, p. 10) corrobora que “todo processo de socializa-
ção que ocorre no meio familiar é permeado por códigos culturais presentes
na sociedade”. A estrutura familiar, a qualidade das interações familiares, a
comunicação aberta etc., desempenham um papel crucial na formação das
percepções dos jovens.
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No que diz respeito às influências dos meios sociais nas percepções


juvenis, Silva (2011, p. 4) afirma:

O jovem costuma se angustiar profundamente com as relações afetivas,


com os vínculos dos relacionamentos grupais. Não existe uma maneira
única de ser jovem. Cada um constrói, a sua maneira, um modo de ser, de
agir, de confabular e de fazer sua história, em uma circunstância dada. Se,
de um lado, o jovem tem expectativas, de outro, as instituições, o mercado,
a família e a sociedade também têm seus projetos. A dificuldade do jovem
é integrar essas dimensões, uma vez que sua subjetividade se constrói e é
construída no conjunto das relações sociais e de acordo com seu modo de
assimilar e de responder às solicitações objetivas do cotidiano e da história.

Os amigos e os grupos de pares também estão relacionados ao que tange


as percepções dos jovens. Os grupos de pares fornecem um contexto no
qual os jovens compartilham experiências, discutem ideias e constroem suas
percepções sobre si e sobre o mundo. Depois do âmbito familiar, o ambiente
escolar caracteriza-se como um lugar emblemático para a socialização das
crianças, que posteriormente tornam-se os jovens cujas percepções são objeto
deste estudo. A interação com colegas de escola, professores, funcionários e o
ambiente educacional, em geral, têm um impacto significativo nas percepções
dos jovens quanto a si próprios e quanto aos aspectos do convívio social,
sejam estes positivos ou não. Afinal, o aprender não é uma aquisição e sim
“uma transformação em coexistência com o outro” (Maturana, 1999, p. 5).
O aprender é uma relação entre professor, estudante e dadas circunstâncias,
muitas vezes, circunstâncias específicas. A existência e a convivência são
fundamentais para a formação da identidade pessoal e coletiva dos jovens
e é no ambiente escolar que percepções acerca da diversidade, equidade,
justiça, etc., são afloradas. A escola forma e influencia, pois, de acordo com
Daryell (2009, p. 2):
220

A escola, como espaço socio-cultural, é entendida, portanto, como um


espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente,
por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar
a ação dos seus sujeitos. Cotidianamente, por uma complexa trama de
relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e con-
flitos, imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de
transgressão e de acordos.

Na esfera educacional as diversidades emergem. Cada indivíduo carrega


consigo os traços do seu lugar de origem, os costumes, os valores, as percep-
ções do que é certo ou errado de acordo com aquilo que lhe foi ensinado até

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então. A escola tenta nivelar tais ações a fim de amenizar e mediar os conflitos
que surgem a partir das diferenças, mas acaba desencadeando, muitas vezes,
um processo de intolerância para com as culturas juvenis, e consequentemente
um desinteresse dos jovens por este ambiente.
É interessante pensar que o nosso conhecimento é dado pelos outros e
que o saber é algo que nós, enquanto professores, damos aos nossos alunos
conforme o que é tido como adequado perante a nossa cultura. Nós, enquanto
cidadãos pertencentes a uma determinada sociedade culturalmente patriarcal,
reducionista e dicotômica, que possui padrões culturais do que é correto/
errado, adequado/inadequado, bom/mau, conscientes ou não, acabamos
propagando esses padrões (Maturana, 1999).
A cultura é fator influenciador na percepção dos jovens, uma vez que
influencia os valores, as crenças e os sistemas de significados comparti-
lhados por determinado grupo ou sociedade. A nossa sociedade considerou
por muito tempo que cultura correspondia às melhores produções da huma-
nidade, seja no ramo artístico, científico, filosófico, etc. Isso desencadeou
a ideia de que a cultura deveria ser universal e que a educação era uma
forma de atingir o mais elevado grau cultural, a exemplo dos grupos mais
cultos e educados que haviam obtido sucesso. Essa Cultura – escrita com
letra maiúscula – passa a representar um status elevado que deveria servir
de modelo para todas as sociedades. Emergiram, então, as diferenciações
entre “alta/baixa cultura”, “cultos/incultos”, status da elite, que evidente-
mente recorre “ao conceito de cultura como um elemento de diferenciação
assimétrica e de justificação para a dominação e a exploração” (Veiga-Neto,
2003, p. 8)
Posteriormente tem-se a mudança do termo Cultura enquanto categoria
analítica, para Culturas, pois passamos a compreender a multiplicidade de
percepções entre as sociedades, seja na forma de falar, de cultivar, de morar
etc.; entende-se ainda que a multiculturalidade não nos torna inferiores, incul-
tos, alheios, mas sim que essa diversidade cultural revelou a existência de um
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 221

paradigma monocultural que durante muito tempo subalternizou e encontrou


na Cultura justificativas para oprimir os Outros sujeitos.
Estamos considerando como Outros sujeitos, nesta pesquisa, as juven-
tudes, que têm suas culturas negadas em diversos âmbitos da sociedade, mas
principalmente no campo estudantil. Tratando especificamente da relação
entre cultura e educação, Veiga-Neto afirma que o pensamento pedagógico
se alimentou bem como alimentou o modelo monocultural que cultivava o
conceito elitista de cultura.
Pensando em culturas a partir do viés da multiplicidade, entendemos
que diferentes culturas podem promover visões de mundo distintas, afetando
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as percepções e interpretações dos jovens. É uma determinada cultura que


fornece uma lente através da qual os jovens interpretam e compreendem o
mundo ao seu redor. Através da assimilação dos valores e símbolos culturais,
os jovens constroem sua identidade pessoal e coletiva e buscam um senso de
pertencimento a um determinado grupo cultural.
As crenças e valores culturais influenciam as prioridades, as atitudes
e as perspectivas dos jovens em relação a diversos aspectos da vida, como
gênero, raça, religião, poder e autoridade. As normas culturais podem afetar
a forma como os jovens percebem e valorizam a diversidade étnica, cultural
e social. Estereótipos e preconceitos culturais podem influenciar suas atitudes
em relação a grupos minoritários e estrangeiros, bem como sua disposição
para interagir e aprender com pessoas de diferentes origens culturais.
À medida que a sociedade evolui e enfrenta transformações
socioeconômicas, políticas e tecnológicas, os jovens são expostos a novas
ideias, perspectivas e formas de vida. Essas mudanças podem desafiar suas
percepções tradicionais e influenciar suas visões de mundo, levando-os a
adotar atitudes e comportamentos diferentes. No estudo de Scalon e Oliveira
(2012, p. 430) acerca da percepção dos jovens sobre as desigualdades sociais
no Brasil, constataram que embora as classes populares e a classe média
“indiquem forte crença na educação como via de inserção e ascensão social,
os agentes de classes menos favorecidas mostram-se mais confiantes nas
características adquiridas, como esforço e educação, do que a classe média,
mais cética em relação a esse cenário”.
A rápida evolução da tecnologia tem impactado diretamente na forma
como os jovens percebem o mundo. A tecnologia é uma invenção humana.
“Na contemporaneidade a junção entre a mídia e a microinformática, aliada
ao crescimento das redes comunicacionais, transformaram não só a cotidia-
nidade, mas também a percepção do próprio homem em relação ao mundo,
a si mesmo e ao Outro” (Sousa, 2011, p. 171) O acesso à internet, redes
sociais e dispositivos móveis tem proporcionado uma ampliação do universo
222

de informações e perspectivas aos quais os jovens são expostos. A tecnologia


também influencia a forma como eles se relacionam com os outros, criando
novas formas de interação e possibilidades de construção de identidade. Essas
mudanças tecnológicas têm o potencial de influenciar as percepções dos jovens
sobre si, sobre os outros e sobre a sociedade.
A tecnologia proporciona aos jovens um acesso rápido e fácil a uma vasta
quantidade de informações e conhecimentos. Por meio da internet, eles podem
pesquisar e explorar diversos temas, ampliando suas perspectivas e aprendendo
sobre diferentes culturas, eventos históricos, questões sociais e científicas (Var-
sori; Pereira, 2020). Esse acesso à informação pode influenciar suas percepções.

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As mídias sociais têm um impacto significativo na forma como os jovens
constroem sua identidade e se relacionam com os outros. Por meio de plata-
formas de comunicação, compartilham momentos de suas vidas, expressam
opiniões e interagem com uma ampla rede de amigos e seguidores. Essas
interações virtuais podem influenciar suas percepções sobre si, suas habili-
dades, aparência e status social. Santos e Mezzaroba (2013) alertam para a
cultura midiática que pode tentar impor padrões de beleza e consequentemente
desencadear uma autoimagem negativa dos jovens com seus corpos.
As redes sociais também desempenham um papel importante na formação
das percepções sociais e políticas dos jovens. Por meio destas ferramentas
de interação virtual, os jovens são expostos a uma série de ideias, opiniões e
perspectivas sobre eventos atuais, questões políticas e sociais. Essa exposi-
ção pode influenciar suas percepções, gerando polarização ou estimulando o
engajamento cívico. Apesar dos benefícios, o uso excessivo e inadequado da
tecnologia também pode ter impactos negativos nas percepções dos jovens.
A exposição a conteúdos prejudiciais, como discursos de ódio e desinforma-
ção, pode distorcer suas percepções sobre si, os outros e o mundo em geral.
Além disso, o uso excessivo da tecnologia pode levar à desconexão social,
ansiedade e baixa autoestima. De acordo com Fagundes (2021), as fake news
ou notícias falsas representam uma preocupação para as juventudes conectadas
que recebem corriqueiramente notícias de cunho inverídico ou enviesado,
e precisam escolher no que acreditar, um exemplo recente da proporção que as
fake news tomaram, foi o baixo índice de vacinação após circularem notícias
falsas sobre efeitos colaterais das vacinas.
Acerca das expectativas quanto à continuidade nos estudos e atuação
no mercado de trabalho, Farias (2013) explicita que jovens cujos pais são
desempregados tendem a manifestar pessimismo em relação ao próprio futuro,
demonstrando uma relutância em fazer planos de longo prazo ou investir em
cursos profissionalizantes/superiores. Por outro lado, quando a família possui
uma forte representação econômica, os jovens tendem a seguir os passos dos
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 223

pais. No entanto, nesse contexto, pode surgir uma pressão vocacional intensa,
caracterizada por uma aceleração no processo de escolha e construção da
carreira do jovem, o que pode desencadear traumas (Farias, 2013).
No contexto dos jovens brasileiros, o planejamento do próprio futuro
parece estar fortemente ligado a questões econômicas, frequentemente men-
cionadas como independência financeira e complementação de renda. Isso
leva muitas vezes à busca pelo primeiro emprego ocorrer já na adolescência, o
que pode comprometer o desenvolvimento acadêmico do indivíduo, conforme
destacado por Frenzel e Bardagi (2014) em seu estudo. As autoras argumentam
que entrar no mercado de trabalho mais tardiamente permite ao indivíduo uma
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melhor preparação, tanto em termos de habilidades sociais e profissionais,


quanto no que se refere à continuidade dos estudos em instituições de ensino
superior e cursos profissionalizantes.

A cultura universitária e os jovens acadêmicos de educação física

Ao iniciarmos o debate desta seção, é válido mencionar que a área da


Educação Física perpassa por um dilema que gera dúvidas nos jovens que
ingressam os cursos desta área: de um lado temos a licenciatura e do outro
o bacharelado. De acordo com Schmitt (2011), independente do enfoque do
curso, a formação em Educação Física de forma geral contempla estudos
advindos de várias áreas do conhecimento, como Ciências Humanas, Ciências
Biológicas, Ciências da Saúde, Linguagens, Letras e Artes e conteúdos prove-
nientes das variadas culturas corporais de movimento. O autor complementa:

Dessas grandes áreas, derivam as disciplinas, as áreas de estudo e os


conteúdos formativos que se orientam para o desenvolvimento das com-
petências e conhecimentos necessários para a profissão. Nesse contexto, o
processo de formação universitária é enfrentado pelos acadêmicos através
do envolvimento com diversas áreas do conhecimento, sendo inúmeras as
relações estabelecidas com os diferentes saberes (SCHMITT, 2011, p. 15).

Para este autor, esse processo significa um percalço para os acadêmicos,


em especial nos cursos de licenciatura, que possuem enfoque nas problemáti-
cas voltadas às relações sociais. Desse modo, não somente os conhecimentos
disciplinares são relevantes, mas também as experiências adquiridas durante
o processo de formação. É comum que entre esse público estudantil, surjam
dificuldades e incertezas na tarefa de articular os saberes necessários para um
bom exercício da área.
Os jovens acadêmicos de Educação Física desenvolvem uma forte cultura
acadêmica/universitária, nas quais as interações sociais desempenham um
224

papel fundamental. Eles compartilham experiências, conhecimentos e ideias,


colaborando em projetos acadêmicos e promovendo a troca de informações e
perspectivas. Essas interações sociais fortalecem seu senso de pertencimento
e contribuem para o desenvolvimento de sua identidade profissional.
Acerca da cultura universitária, Santos (2017, p. 6) elucida que:

A cultura universitária é concebida como um conjunto de símbolos e sig-


nificados com conhecimentos institucionalizados (objetivos) e subjetivos
que possuem normas, conceitos e valores sociais e culturais visíveis e
ocultos, com isso se (re)produzem socialmente identidades e diferenças,

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principalmente na relação entre professores/as e alunos/as, mediante seus
discursos, práticas, condutas e interações sociais e culturais, as quais são
absorvidas individual e coletivamente pelos indivíduos universitários no
decorrer da formação profissional – científica e, consequentemente, pelo
Estado e sociedade civil organizada, caracterizando-se, dessa forma, num
circuito da cultura universitária.

Por constituir-se como um elemento essencial e distintivo das institui-


ções de ensino superior, a cultura universitária engloba uma ampla gama de
valores, práticas e tradições, criando ambientes dinâmicos e diversificados,
nos quais os estudantes têm a oportunidade de expandir seus horizontes aca-
dêmicos, sociais e culturais. A cultura universitária promove a busca pelo
conhecimento, o pensamento crítico, o debate intelectual e a interação entre
os estudantes. Também se caracteriza pelas diferentes formas de manifestação,
como através de eventos festivos ou esportivos, por exemplo, que contribuem
para o senso de pertencimento e identidade dos estudantes. Em suma, a cultura
universitária desempenha um papel fundamental na formação dos estudantes,
oferecendo um ambiente enriquecedor e inspirador para o crescimento pessoal
e acadêmico.
No estudo de Medeiros (2016) realizado com estudantes do curso de
licenciatura em Educação Física da UNICEUB, notou-se que a maioria dos
acadêmicos optou pelo curso em questão devido ao gosto pelos esportes e ati-
vidades físicas de maneira geral, enxergando nessa graduação uma maneira de
prosseguir realizando tais práticas. Outra constatação apontou que uma parcela
destes estudantes revelou o desejo de cursar o bacharelado, em decorrência do
gosto pelo esporte “musculação”. Além disso, os acadêmicos revelaram que
a escolha pelo curso está associada com a perspectiva de uma boa qualidade
de vida, pela possibilidade de praticar esportes, pelo dinamismo e pela ampla
possibilidade de atuação no mercado de trabalho. A prática esportiva caracte-
riza-se como um fator predominante nos gostos entre estudantes de Educação
Física, conforme corroboram os estudos de Krug et al. (2017).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 225

Alguns fatores relacionados à percepção dos jovens quanto à escolha do


curso de Educação Física são identificados por Coutinho et al. (2005), como:
influência da família ou amigos, aquisição de status, frustração em outros
vestibulares. No entanto, a maioria dos estudantes afirma estar no curso por
realização pessoal, em contrapartida, “os indivíduos que ingressam no curso
de Educação Física não têm a menor ideia do que é a profissão e qual sua
importância na sociedade e, portanto, realizam a escolha sem informação
necessária” (Coutinho et al., 2005, p. 28)
No decorrer da graduação em Educação Física os jovens têm oportuni-
dade de participar de atividades físicas, esportivas, recreativas etc. Mas as
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temáticas inerentes à diversidade cultural, as demandas sociais e as novas


abordagens teórico-metodológicas impactam a cultura acadêmica, exigindo
uma reflexão constante e uma abertura para novas perspectivas. Nesse sentido,
componentes de estágios e projetos de pesquisa e extensão relacionados à sua
área de estudo apresentam-se como fatores positivos para colaborar e enrique-
cer sua formação acadêmica, fornecendo-lhes conhecimentos e habilidades
essenciais para sua futura atuação profissional. Menegon et al. (2018, p. 10)
destaca a importância dos Projetos de Extensão no processo de formação
inicial de professores de Educação Física:

É inegável a oportunidade que a Extensão Universitária tende a oferecer


aos alunos universitários: colocar em prática os conhecimentos adquiridos
em sala de aula e, a partir dessa experiência, repensar e reelaborar cada um
daqueles que, no exercício prático, distanciou-se da realidade planejada
e/ou descrita em momentos de atividade teórica. Em outras palavras, isso
significa práxis: a teoria (estudo) que se origina da prática e a prática que
se origina da teoria.

Os jovens acadêmicos de Educação Física frequentemente se deparam


com expectativas e dilemas vocacionais à medida que avançam em sua for-
mação. Podem ocorrer questionamentos sobre a escolha da profissão, já que a
área oferece um leque de possibilidades de atuação na área escolar, esportiva,
de promoção à saúde, dentre outras, requerendo a adequação de suas habilida-
des e interesses, além da incerteza – apesar das diversas opções – em relação
às oportunidades de emprego. Esses desafios influenciam suas percepções
sobre a carreira e podem impactar suas decisões futuras.
A cultura dos jovens acadêmicos de Educação Física inclui a busca
por caminhos de desenvolvimento profissional que vão além da graduação.
Eles podem buscar especializações, como cursos de pós-graduação e certi-
ficações, que ampliam suas competências e os habilitam a atuar em diferen-
tes contextos, como escolas, clubes esportivos, academias e saúde pública.
226

Além disso, o engajamento em pesquisas e a participação em eventos cien-


tíficos contribuem para a construção de uma identidade profissional sólida.
A interação dos jovens acadêmicos de Educação Física com a cultura
universitária oferece perspectivas de transformação e engajamento profissio-
nal através da participação em atividades extracurriculares, como grupos de
estudos, projetos de extensão e ações comunitárias, que proporcionam uma
interação mais ampla com a sociedade e a aplicação dos conhecimentos adqui-
ridos. Dando suporte para que se tornem agentes de mudança, promovendo
uma Educação Física mais inclusiva, participativa e significativa. Por meio da
colaboração com outros profissionais, a atuação em projetos e outras vivências

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oportunizadas através da Universidade, eles podem contribuir para a melhoria
da práxis na Educação Física.

Considerações finais

A percepção dos jovens é formada por suas experiências individuais,


que são influenciadas por acontecimentos do passado e necessidades presentes.
A percepção dos jovens é constituída a partir das experiências vivenciadas
nos diferentes âmbitos sociais, iniciando na família e prolongando-se nas
demais esferas da sociedade. Normas culturais, crenças, valores e sistemas
de significado compartilhados por determinado grupo ou sociedade influen-
ciam as percepções dos jovens. Além disso, a tecnologia também influencia
na forma como os jovens percebem o mundo e si, a partir da facilidade no
acesso a informações e as interações com pessoas geograficamente distantes.
O planejamento do futuro dos jovens está frequentemente ligado aos contextos
familiares e socioeconômicos, influenciando as expectativas e perspectivas
destes para a continuidade ou não dos estudos e para o mercado de trabalho.
A cultura dos jovens acadêmicos de Educação Física é caracterizada por
uma série de elementos que influenciam sua identidade e senso de pertenci-
mento. A cultura acadêmica/universitária exerce influência nas percepções de
jovens estudantes de Educação Física, principalmente no que tange a atuação
profissional, pois é a partir das experiências compartilhadas durante a gradua-
ção que muitos identificam o perfil da carreira que pretendem seguir na área.
As principais percepções que levam estes estudantes a escolherem o curso de
Educação Física, além da satisfação pessoal, são as influências de amigos e
familiares, status e frustrações em outros vestibulares. Compreender a cultura
dos jovens acadêmicos de Educação Física é fundamental para promover
um ambiente de aprendizagem inclusivo e desenvolver estratégias de ensino
adequadas às suas necessidades e experiências.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 227

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CONSTRUINDO IDENTIDADES
CULTURAIS POR MEIO DA
LUDICIDADE NA ALFABETIZAÇÃO
Stephany Dantas de Freitas Furtado
Ângela do Céu Ubaiara Brito
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Introdução

A construção de identidades culturais na alfabetização é explorada neste


estudo, que reconhece o lúdico como uma abordagem pedagógica promissora
no desenvolvimento da leitura e da escrita no processo de alfabetização de
crianças. Por meio de jogos e atividades lúdicas, os alunos podem participar
ativamente na construção do conhecimento, no desenvolvimento de habili-
dades linguísticas e na expressão de suas identidades culturais.
A questão que inspirou este estudo é a necessidade de valorizar e reco-
nhecer a diversidade cultural dentro das salas de aula, ao mesmo tempo,
promover uma educação crítica e libertária. Através da ludicidade, busca-se
oferecer um ambiente inclusivo no qual os alunos possam expressar suas cul-
turas, compartilhar suas vivências e desenvolver um senso de pertencimento.
Além disso, o lúdico na alfabetização possibilita a reflexão crítica sobre as
relações de poder e a descolonização das narrativas culturais dominantes.
Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é investigar o papel do lúdico na
construção de identidades culturais na alfabetização.
Para alcançar esse objetivo, serão abordadas duas sessões teórico-críticas,
onde a primeira sessão discutirá o conceito de ludicidade na alfabetização,
apresentando autores como Kishimoto (2014, 2017), Huizinga (2010), Soa-
res (2019) e Ferreiro (2016) que destacam a ludicidade como uma atividade
cultural e seu potencial para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e
a expressão das identidades culturais; a segunda sessão examinará estratégias
e práticas para promover a construção de identidades culturais por meio da
ludicidade na alfabetização, explorando as contribuições de autores como
Caillois (2013), Geertz (2008) e Freire (2019) para a promoção da reflexão
crítica, resistência cultural e participação ativa dos alunos na construção de
suas identidades culturais.
As considerações finais destacarão a importância da ludicidade na cons-
trução de identidades culturais na alfabetização, resumindo as principais
232

contribuições dos autores discutidos ao longo do artigo, e evidenciará os


benefícios da ludicidade na promoção da diversidade cultural, consciência
crítica e transformação social.
Neste estudo, foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa, pois
ela “considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito,
isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade
do sujeito” (Prodanov; Freitas, 2013, p. 70). Como método de pesquisa foi
utilizado a pesquisa bibliográfica para analisar obras que deem embasamento
teórico, como artigos científicos, livros e outras publicações relevantes (Pro-
danov; Freitas, 2013, p. 78) que abordam a ludicidade, a alfabetização e a

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identidade cultural.
Por fim, esta pesquisa busca contribuir para o campo da ludicidade,
alfabetização e identidade cultural ao explorar o potencial da ludicidade na
construção de identidades culturais. Através de uma abordagem crítica, inclu-
siva e reflexiva, a ludicidade na alfabetização pode promover uma educação
mais equitativa, autêntica e transformadora, na qual os alunos possam se
reconhecer, valorizar suas culturas e se tornar agentes ativos na construção
de uma sociedade mais justa e inclusiva.

A ludicidade como ferramenta na alfabetização

Definição de ludicidade e sua relação com a aprendizagem

A ludicidade é um conceito central no campo da educação e do desen-


volvimento infantil, envolvendo atividades lúdicas e jogos que promovem a
aprendizagem, a criatividade e o desenvolvimento integral das crianças. Diver-
sos estudiosos contribuíram para a compreensão desse conceito, oferecendo
perspectivas enriquecedoras sobre a importância do brincar e da ludicidade
na formação das crianças.
Em sua obra “Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação” (2014),
Kishimoto afirma que a ludicidade refere-se à dimensão lúdica presente nas
atividades humanas, ou seja, é a capacidade que os seres humanos têm de se
envolver em brincadeiras, jogos e atividades recreativas. É por meio dela que
as pessoas exploram sua criatividade, imaginação e capacidade de resolver
problemas, de forma prazerosa e voluntária. Para além disso, a autora aborda
o conceito de ludicidade como uma forma de atividade livre, prazerosa e
espontânea, na qual a criança cria, experimenta e interage com o mundo ao seu
redor. Ela ressalta que a ludicidade proporciona um espaço de aprendizagem
significativo, em que a criança desenvolve habilidades cognitivas, sociais,
emocionais e motoras de maneira integrada.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 233

Huizinga, em sua obra clássica “Homo Ludens: o jogo como elemento


da cultura” (2010), aborda a ludicidade como um fenômeno cultural essencial,
destacando que o jogo está presente em todas as sociedades e desempenha
um papel fundamental na formação das identidades individuais e coletivas.
Ele argumenta que o jogo possui características próprias, como a liberdade
voluntária, a separação do mundo ordinário e a criação de um espaço simbó-
lico que permite às pessoas explorarem suas potencialidades e exercitarem
sua imaginação.
Vygotsky, em “A Formação Social da Mente” (2007), relaciona a ludici-
dade ao desenvolvimento sociocultural das crianças. Ele enfatiza que o brincar
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é uma atividade fundamental na qual as crianças internalizam as regras e os


valores de sua cultura, exploram as relações sociais e constroem significa-
dos. Para Vygotsky, o brincar é um espaço de aprendizagem e desenvolvi-
mento, no qual as crianças podem avançar em seu desenvolvimento cognitivo
e emocional.
Brougère, em “Jogos de Regras e Infância: Ensaio sobre a Ludicidade”
(1995), amplia a compreensão da ludicidade ao enfatizar a importância dos
jogos de regras no desenvolvimento das crianças. Segundo o autor, os jogos
de regras são formas estruturadas de brincadeiras que promovem a sociali-
zação, o respeito às normas, o raciocínio estratégico e a construção de iden-
tidades sociais.
Pode-se afirmar, portanto, que a ludicidade está intrinsecamente ligada ao
desenvolvimento da criança, proporcionando um ambiente de aprendizagem,
experimentação e expressão. Além de promover o desenvolvimento cogni-
tivo, emocional, social e motor, permitindo a construção de conhecimento,
a interação com o mundo ao redor e a formação de identidades individuais e
coletivas das crianças.
A ludicidade, no contexto educacional, refere-se ao uso de jogos, brin-
cadeiras e atividades lúdicas como estratégias de ensino e aprendizagem.
Essa abordagem envolve a criação de um ambiente prazeroso e motivador, no
qual os alunos possam se engajar ativamente na construção do conhecimento.
Segundo Magda Soares, “o lúdico é uma dimensão essencial na aprendizagem
da linguagem escrita, pois envolve prazer, motivação e significado” (Soa-
res, 2019, p. 72). Através dos jogos e atividades lúdicas, as crianças podem
experimentar a linguagem escrita de maneira concreta e real, desenvolvendo
habilidades de leitura, escrita e compreensão de forma mais dinâmica.
Paulo Freire também ressalta a importância do lúdico na aprendizagem,
ao afirmar que a aprendizagem deve ser um processo criativo e prazeroso, per-
mitindo que os alunos construam seu conhecimento de forma ativa e autônoma
(Freire, 2019). A ludicidade proporciona um espaço de liberdade, no qual os
234

alunos podem explorar, arriscar-se, experimentar e refletir sobre o próprio


processo de aprendizagem.
Além disso, a ludicidade na alfabetização estimula a imaginação, a criativi-
dade e a expressão oral e escrita dos alunos. Emília Ferreiro (2016) destaca que
os jogos são uma forma de representação simbólica, permitindo que as crianças
experimentem a linguagem escrita de maneira significativa. Através dos jogos,
elas têm a oportunidade de criar personagens, histórias e situações que envolvam
a escrita, desenvolvendo assim suas habilidades linguísticas e interpretativas.
Nesse sentido, a abordagem lúdica na alfabetização possibilita a contex-
tualização dos conteúdos, tornando-os mais acessíveis e relevantes para os

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alunos. Os jogos e atividades lúdicas proporcionam um ambiente de aprendi-
zagem ativo e participativo, no qual os estudantes são incentivados a interagir,
colaborar e construir conhecimento coletivamente.
Logo, ludicidade desempenha um papel fundamental na aprendizagem da
linguagem escrita na alfabetização ao proporcionar prazer, motivação, signifi-
cado e liberdade, um ambiente propício para o desenvolvimento das habilida-
des linguísticas, estimular a expressão criativa dos alunos e contextualizar os
conteúdos de maneira relevante. A ludicidade, quando devidamente planejada
e integrada aos objetivos pedagógicos, torna-se uma estratégia enriquecedora
e eficaz no processo de alfabetização.

A importância dos jogos na alfabetização

Os jogos atuam como ferramentas pedagógicas que propiciam situações


desafiadoras e estimulantes para que as crianças compreendam e explorem a
relação entre a oralidade e a escrita. Por meio dos jogos, elas podem vivenciar
a construção de palavras, a segmentação sonora, a identificação de letras e a
escrita de palavras, frases e textos. Nesse contexto, Ferreiro (2016) destaca
que os jogos são uma forma de representação simbólica, permitindo que as
crianças experimentem a linguagem escrita de maneira significativa. Kishi-
moto complementa essa perspectiva ao ressaltar que

os jogos são mediadores do processo de alfabetização, pois promovem a


interação social, o desenvolvimento da linguagem oral e escrita, além de
favorecerem a construção de conceitos e o desenvolvimento cognitivo
(Kishimoto, 2017, p. 92).

Durante os jogos, as crianças se engajam em diálogos, negociações e


trocas de informações, o que contribui para a ampliação do vocabulário, a
compreensão das regras da linguagem e a construção de sentidos (Kishi-
moto, 2017).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 235

Além disso, os jogos na alfabetização favorecem o desenvolvimento


cognitivo das crianças. Roger Caillois (2013) destaca que os jogos são ativi-
dades que exercitam a memória, a atenção, o raciocínio lógico, a capacidade
de resolver problemas e a tomada de decisões. Durante as brincadeiras, as
crianças são desafiadas a tomar decisões estratégicas, a planejar suas ações e
a refletir sobre os resultados obtidos, o que contribui para o desenvolvimento
de habilidades cognitivas essenciais para a alfabetização.
Assim, as brincadeiras durante a alfabetização não se limitam apenas a
uma abordagem lúdica, mas têm uma base pedagógica sólida. Elas permitem
que as crianças aprendam de forma ativa e participativa, experimentando
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situações reais de leitura e escrita em um contexto significativo e motivador.


Dessa forma, os jogos promovem a construção do conhecimento de maneira
mais autêntica e prazerosa.
Logo, os jogos desempenham um papel crucial na alfabetização,
proporcionando oportunidades para a vivência e a experimentação da lingua-
gem escrita, quando promove a interação social, o desenvolvimento da lingua-
gem oral e escrita, e contribui para o desenvolvimento cognitivo, constituindo
uma abordagem pedagógica rica e efetiva, que possibilita uma aprendizagem
significativa e prazerosa.

Benefícios da ludicidade para o desenvolvimento da linguagem escrita

Diversos estudiosos destacam os benefícios da ludicidade para o desen-


volvimento da linguagem escrita, dentre eles Caillois (2013) enfatiza que os
jogos estimulam a criatividade, pois fornecem um espaço livre de regras rígi-
das, permitindo que as crianças explorem diferentes possibilidades e soluções.
Durante os jogos, as crianças são incentivadas a pensar de forma flexível,
a encontrar caminhos alternativos e a experimentar diferentes estratégias,
desenvolvendo assim sua capacidade criativa.
A ludicidade também estimula a imaginação das crianças. Huizinga
(2010) afirma que o jogo é uma atividade imaginativa por excelência,
na qual as crianças podem criar e vivenciar situações fictícias, personagens
e narrativas. Durante os jogos na alfabetização, as crianças podem assumir
papéis, criar histórias e explorar diferentes contextos, o que contribui para o
desenvolvimento de habilidades de imaginação e criatividade.
A expressão oral e escrita são outras habilidades beneficiadas pela ludi-
cidade na alfabetização. Os jogos proporcionam um contexto motivador e
significativo para que as crianças se expressem oralmente, compartilhem
ideias, desenvolvam vocabulário e aprimorem sua capacidade de comunica-
ção (Kishimoto, 2017). Além disso, os jogos também promovem a escrita,
236

permitindo que as crianças experimentem a produção de textos, sejam eles


pequenos bilhetes, registros de jogadas ou até mesmo histórias completas.
Essa diversidade de formas de comunicação proporciona um ambiente rico e
desafiador para o desenvolvimento da linguagem escrita, ampliando as pos-
sibilidades de expressão e estimulando a reflexão sobre as diferentes formas
de se comunicar.
No entanto, é importante ressaltar que a ludicidade não deve ser vista
como algo meramente recreativo ou desvinculado dos objetivos pedagógi-
cos. A integração dos jogos e atividades lúdicas deve ser cuidadosamente
planejada, alinhada aos objetivos educacionais, ao nível de desenvolvimento

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das crianças e a diversidade de suas características individuais. É necessário
considerar a sequência didática, a seleção adequada dos materiais lúdicos e o
acompanhamento pedagógico adequado para garantir que a ludicidade esteja
integrada de forma coerente e produtiva ao processo de alfabetização. Os jogos
devem ser desafiadores, porém acessíveis, permitindo que as crianças avancem
gradualmente em suas habilidades e ampliem suas competências linguísticas
e literárias. Além disso, os professores desempenham um papel fundamental
ao criar um ambiente seguro e encorajador, no qual as crianças se sintam à
vontade para se expressar e participar ativamente dos jogos.
Portanto, através da dimensão lúdica as crianças desenvolvem sua cria-
tividade, imaginação, expressão oral e escrita, além de explorar diferentes
formas de comunicação, proporcionando um ambiente estimulante, desafiador
e significativo, no qual elas podem se envolver ativamente na construção de
conhecimento, e no desenvolvimento de suas habilidades linguísticas.

Construindo identidades culturais na alfabetização

O papel da cultura no processo de alfabetização

A ludicidade na alfabetização desempenha um papel crucial na construção


de identidades culturais, pois proporciona um espaço de liberdade e expres-
são para as crianças. Os jogos e atividades lúdicas permitem que os alunos
experimentem diferentes papéis, personagens e situações, o que os incentiva
a refletir sobre suas próprias identidades culturais (Huizinga, 2010). Por meio
da ludicidade, as crianças podem expressar suas culturas, compartilhar suas
vivências e aprender com as experiências culturais dos outros.
Magda Soares destaca que a alfabetização envolve não apenas a aquisição
de habilidades de leitura e escrita, mas também a apropriação de práticas
sociais e discursos específicos de determinados grupos culturais, quando
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 237

afirma que “a escrita é um fenômeno culturalmente situado, e o letramento


implica a apropriação de práticas sociais e discursos específicos de determi-
nados grupos culturais” (SOARES, 2019, p. 125). A ludicidade na alfabe-
tização oferece um ambiente propício para que as crianças expressem suas
culturas por meio da linguagem escrita. Elas podem criar histórias, escrever
poemas, produzir textos que reflitam suas vivências e conhecimentos cultu-
rais, contribuindo para a construção de identidades positivas e autênticas.
Freire ressalta a importância de valorizar as diferentes vozes e experiên-
cias culturais dos alunos. Ele defende que o ato de ler e escrever está intrin-
secamente ligado à compreensão crítica do mundo, às vivências culturais e
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à transformação social (Freire, 2019). A ludicidade na alfabetização permite


que as crianças compartilhem suas tradições, crenças, histórias e costumes,
reconhecendo assim a diversidade cultural presente na sala de aula (Freire,
2019). Esse reconhecimento da diversidade cultural promove o respeito mútuo,
a empatia e o diálogo intercultural entre os alunos, fortalecendo o senso de
comunidade e a construção de identidades culturais positivas.
O lúdico na alfabetização também desempenha um papel significativo na
promoção do respeito à diversidade cultural. Por meio dos jogos e atividades
lúdicas, as crianças têm a oportunidade de conhecer e apreciar as diferentes
culturas representadas na sala de aula (Brougère, 1997). É importante ressal-
tar que a valorização das identidades culturais na alfabetização requer uma
abordagem pedagógica sensível e reflexiva. Os jogos selecionados devem
ser culturalmente relevantes e representar a diversidade étnica, linguística e
cultural dos alunos (Brougère, 1997), proporcionando um ambiente inclusivo
e promovendo a valorização de todas as identidades culturais presentes.
Além disso, a esfera lúdica no processo de alfabetização estimula a
reflexão crítica sobre as questões sociais e culturais. Através dos jogos e
atividades lúdicas, os alunos podem explorar temas relacionados à identi-
dade, preconceito, estereótipos e desigualdades culturais (Giroux, 1992).
Essa abordagem crítica contribui para que os alunos compreendam as estrutu-
ras sociais e culturais que moldam suas identidades e os incentiva a questionar
e transformar as relações de poder presentes na sociedade.
A ludicidade na alfabetização é uma poderosa ferramenta para a cons-
trução de identidades culturais. Por meio dos jogos e atividades lúdicas, as
crianças podem expressar suas culturas, compartilhar suas vivências e reco-
nhecer a diversidade cultural presente na sala de aula. A ludicidade promove
a valorização das identidades culturais, o respeito à diversidade e a reflexão
crítica sobre as questões sociais e culturais, contribuindo para uma educação
mais equitativa, crítica e emancipatória.
238

Desafios e possibilidades de valorização das identidades culturais na


alfabetização

O lúdico na alfabetização pode ser um meio eficaz de promover a cons-


ciência crítica, permitindo que os alunos explorem diferentes perspectivas
culturais, compreendam as relações de poder presentes na sociedade e desen-
volvam a capacidade de questionar e transformar as normas e práticas cultu-
rais. Podemos confirmar isso através do pensamento de vários autores.
Emília Ferreiro enfatiza a importância de valorizar a diversidade cultural
presente na sala de aula ao afirmar que

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[...] as crianças trazem consigo conhecimentos, experiências e formas de
linguagem próprias de suas culturas de origem, e é fundamental respeitar e
incorporar essas diferentes vozes na prática educativa (Ferreiro, 2016, p. 82).

A autora a importância de respeitar e valorizar as diferentes culturas pre-


sentes na sala de aula. A ludicidade na alfabetização proporciona um espaço
inclusivo no qual as crianças podem se reconhecer e se identificar, ao mesmo
tempo em que aprendem sobre outras culturas (Ferreiro, 2016). Os jogos e ati-
vidades lúdicas permitem que os alunos compartilhem suas tradições, danças,
músicas, histórias e idiomas, enriquecendo a experiência de aprendizagem
de todos os estudantes.
Kishimoto complementa essa perspectiva ao destacar que “[...] a diversi-
dade cultural enriquece o processo de alfabetização, permitindo que os alunos
conheçam diferentes modos de pensar, comunicar-se e se relacionar com o
mundo” (Kishimoto, 2017, p. 112).
A participação ativa dos alunos na construção de identidades culturais é
um aspecto crucial para uma educação emancipatória e transformadora. Nesse
sentido, a ludicidade na alfabetização desempenha um papel fundamental,
pois oferece um ambiente motivador e envolvente no qual os alunos podem
expressar, explorar e valorizar suas identidades culturais.
Caillios argumenta que:

[...] a valorização das identidades culturais na alfabetização requer uma abor-


dagem pedagógica sensível e reflexiva, que reconheça as diferentes formas de
conhecimento e linguagem presentes na sala de aula (Caillios, 2013, p. 72).

Os jogos na alfabetização podem proporcionar um espaço de reconheci-


mento e valorização das diferentes culturas presentes na sala de aula. Clifford
Geertz (2008) destaca que a ludicidade permite que os alunos experimentem
diferentes identidades e perspectivas culturais. O autor ainda ressalta que a
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 239

alfabetização deve ser um processo de empoderamento cultural, no qual os


alunos se reconheçam e se sintam valorizados em suas identidades culturais
(GEERTZ, 2008). Durante os jogos, as crianças têm a oportunidade de se
colocar no lugar do outro, vivenciando diferentes realidades e expandindo
sua compreensão sobre as diversas formas de ser e estar no mundo.
A ludicidade permite que os alunos se engajem ativamente na cons-
trução de suas identidades culturais, pois oferecem oportunidades para que
eles compartilhem suas experiências, vivências e conhecimentos culturais.
Por meio dela, as crianças têm a liberdade de expressar suas vozes, de explorar
sua criatividade e de desenvolver um senso de pertencimento cultural, pois
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“através do brincar, as crianças podem explorar suas raízes culturais e desen-


volver um senso de pertencimento” (Winnicott, 2005, p. 76). Isso contribui
para o fortalecimento da autoestima, da confiança e da autoimagem positiva
dos alunos.
Além disso, o lúdico no processo de alfabetização promove a interação
e a colaboração entre os alunos. As brincadeiras incentivam a comunicação,
o trabalho em equipe e a negociação, criando um ambiente propício para a
construção de identidades culturais coletivas (Vygotsky, 2007). Os alunos
podem aprender uns com os outros, compartilhar suas perspectivas culturais
e construir conhecimento de maneira colaborativa.
A participação ativa dos alunos na construção de identidades culturais
na alfabetização não se limita apenas ao contexto da sala de aula. Através dos
jogos e atividades lúdicas, os alunos podem se envolver em projetos comu-
nitários, explorar a cultura local, participar de eventos culturais e estabelecer
conexões com a comunidade em que estão inseridos. Isso amplia as possibili-
dades de aprendizagem e enriquece a experiência dos alunos, permitindo que
eles se tornem agentes ativos na promoção e no fortalecimento das identidades
culturais em seu contexto social mais amplo.
Desta forma, a ludicidade na alfabetização promove a participação ativa
dos alunos na construção de identidades culturais, oferecendo um ambiente
motivador e envolvente no qual os alunos podem expressar, explorar e valo-
rizar suas identidades culturais, compartilhando suas experiências e conhe-
cimentos. A participação ativa dos alunos nas atividades lúdicas possibilita a
construção de identidades culturais coletivas, além de fortalecer a autoestima,
a confiança e o senso de pertencimento.
240

Estratégias e práticas para promover a construção de identidades


culturais na alfabetização

A descolonização na alfabetização implica em questionar e superar a


influência das narrativas e práticas culturais dominantes que perpetuam desi-
gualdades e opressões. A ludicidade na alfabetização pode ser uma ferramenta
poderosa para desafiar essas estruturas de poder e promover uma visão mais
crítica e inclusiva. Huizinga destaca que

o jogo pode ser uma ferramenta poderosa para promover a construção de

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identidades culturais na alfabetização, uma vez que os jogos permitem
que as crianças expressem suas culturas, compartilhem experiências e
conheçam a diversidade presente na sala de aula (Huizinga, 2010, p. 156).

Dewey, seguindo a mesma linha de pensamento, também argumenta que

a prática da reflexão crítica e a criação de espaços de diálogo e colaboração


entre os alunos são estratégias importantes para promover a construção de
identidades culturais na alfabetização (Dewey, 2019, p. 145).

Através dos jogos e atividades lúdicas, os alunos podem explorar diferen-


tes perspectivas culturais, questionar estereótipos e refletir sobre as desigual-
dades presentes na sociedade (Hall, 1992). Eles podem participar de jogos de
papéis nos quais representam diferentes personagens históricos ou fictícios,
permitindo uma análise crítica das narrativas e dos discursos dominantes.
Essa abordagem crítica ajuda os alunos a desenvolver uma consciência das
relações de poder e a questionar as formas como a cultura hegemônica molda
as identidades e experiências culturais.
Paulo Freire (2019) destaca a importância de uma educação que promova
a conscientização crítica e a ação transformadora. A ludicidade na alfabeti-
zação oferece um espaço seguro e desafiador para os alunos desenvolverem
habilidades de análise, reflexão e ação em relação às estruturas de poder e
opressão. Por meio da ludicidade, os alunos podem identificar as injustiças
e desigualdades presentes nas narrativas culturais, discutir alternativas mais
igualitárias e propor ações de transformação social.
Para promover a reflexão crítica e a descolonização na alfabetização, é
importante selecionar jogos e atividades lúdicas que representem a diversidade
cultural, desafiem estereótipos e valorizem as vozes marginalizadas (Santos,
2000). Os jogos podem ser projetados para estimular a reflexão sobre questões
sociais, culturais e políticas, incentivando os alunos a se posicionar diante das
desigualdades e a buscar formas de resistência e transformação.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 241

Além disso, o lúdico na alfabetização pode promover a construção de


identidades culturais plurais e híbridas, que desafiam a noção de uma cultura
homogênea e estática. As atividades lúdicas podem envolver a interação de dife-
rentes culturas, incentivando os alunos a explorar as complexidades das iden-
tidades culturais e a desenvolver uma consciência de suas múltiplas pertenças.
Logo, a ludicidade na alfabetização pode promover a reflexão crítica e a
descolonização ao oferecer um espaço para os alunos questionarem as estru-
turas de poder, desafiar narrativas dominantes e promover uma educação mais
inclusiva e transformadora. Para além disso, os alunos podem desenvolver
uma consciência crítica, refletir sobre as desigualdades sociais e culturais, e
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buscar ações de resistência e transformação para construir identidades culturais


plurais e empoderadas.

Considerações finais

Neste estudo, discutimos a importância da ludicidade na alfabetização


como uma ferramenta para a construção de identidades culturais. Inicial-
mente, abordamos a definição de ludicidade e sua relação com a aprendi-
zagem. Em seguida, exploramos a importância dos jogos na alfabetização.
Analisamos também os benefícios da ludicidade para o desenvolvimento da
linguagem escrita.
Posteriormente, abordamos a valorização das identidades culturais na sala
de aula e o reconhecimento da diversidade cultural, destacando a importância
de considerar a cultura no processo de alfabetização e respeitar as diferentes
vozes e experiências dos alunos. Além disso, exploramos estratégias e práticas
para promover a construção de identidades culturais.
O presente artigo ressaltou a relevância da ludicidade na alfabetização
como uma abordagem que estimula a participação ativa dos alunos, promove a
construção do conhecimento e a valorização das identidades culturais. Através
da ludicidade, é possível envolver os alunos de forma prazerosa e significativa,
incentivando a expressão cultural e o respeito à diversidade.
Considerando a importância do lúdico e da valorização das identidades
culturais na alfabetização, sugere-se a realização de estudos adicionais que
explorem práticas pedagógicas específicas e estratégias eficazes para promo-
ver a construção de identidades culturais de forma mais ampla e inclusiva.
Além disso, é relevante investigar o impacto dessas abordagens no engaja-
mento dos alunos, no desenvolvimento da linguagem escrita e na formação
de identidades positivas.
242

REFERÊNCIAS
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DEWEY, John. Experiência e Educação. 34. ed. São Paulo: Editora Nacio-
nal, 2019. 128 p.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 26. ed. São Paulo: Cor-
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KISHIMOTO, Tizuko M. Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação. 10.


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da experiência. São Paulo: Editora Cortez, 2000. 208 p.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento: caminhos e descaminhos.


9. ed. São Paulo: Contexto, 2019. 296 p.
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VYGOTSKY, Lev S. A Formação Social da Mente. 8. ed. São Paulo: Editora


Martins Fontes, 2007. 168 p.

WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. 40. ed. Rio de Janeiro: Imago,


2005. 184 p.
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HOMESCHOOLING EM TEMPOS
DE POLARIZAÇÃO IDEOLÓGICA:
uma questão de crença e de classe
Claudio de Almeida Silva
Adalberto Carvalho Ribeiro
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Introdução
Os pais devem ser os únicos mestres dos filhos até que eles
cheguem à idade de oito ou dez anos (White, 2021).

Durante a campanha eleitoral de 2018, o então candidato a presidente Jair


Bolsonaro trouxe para o centro do debate público o que chamou de “doutrina-
ção comunista nas escolas” e “erotização de crianças por meio do ‘kit-gay’,
distribuído aos alunos por professores comunistas”; e, não por coincidência,
como uma espécie de antídoto a esses dois “terríveis males”, a Educação
Domiciliar (ED) foi tornada uma das prioridades como política educacional
do seu governo, a partir de 2019.
A epígrafe desta Introdução é de uma obra da escritora cristã protestante
norte-americana Ellen Gould White (1827-1915), editada e publicada pela
primeira vez em 1913 (Castro; Sales, 2020, p. 469), o que mostra que a defesa
da ED não é algo recente, e que embora não se restrinja a este espectro da
sociedade, guarda relação estreita (pelo menos parte ocidental do mundo)
com o pensamento conservador cristão. A diferença entre Ellen White e os
homeschoolers ou pais educadores do presente século, no entanto, é o grau
de desconfiança – chegando a uma espécie de pânico – destes em relação ao
sistema de educação formal, seja ele público ou privado. A citação aludida fixa
entre 8 e 10 anos a idade em que unicamente os pais devem ser os professores
dos filhos. Neste caso, a restrição à frequência de crianças à instituição escola
é parcial, limitando-se à primeira infância. Já os homeschoolers defendem
uma ruptura total com qualquer sistema de ensino escolarizado, até mesmo
os privados e de caráter confessional. Para essas famílias, o único ambiente
pedagogicamente eficaz e moralmente puro, seguro e saudável para seus filhos
é o lar ou, no máximo, grupos de apoio formado por famílias próximas e
lideranças religiosas que, obviamente, compartilhem do mesmo pensamento
delas nesse particular (Vieira, 2021). Em regra, os conservadores se sentem
246

inseguros com a possibilidade de rupturas bruscas, e têm verdadeiro pavor à


ideia de revolução (Bunker, 1982; Scruton, 2020).
De acordo com Andrade19 (2021, p. 322-323), um defensor e entusiasta
da ED, o ideal de escola moderna, como a conhecemos hoje, não é uma pro-
posta exatamente moderna, mas uma apropriação feita pelos iluministas da
“moldura e da estrutura pensadas por teóricos não materialistas, desenvolvidas
no bojo do pensamento religioso das instituições religiosas da Idade Média
e do início da modernidade [...]”.
Assim, o renascimento do fervor religioso que se verifica em parte do
conjunto das famílias praticantes da educação domiciliar deve-se a dois fato-

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res: uma tentativa de retorno ao “estudo das letras clássicas, das artes liberais
e de outros métodos e conteúdos encontrados nos séculos que precedem o ilu-
minismo e o racionalismo moderno” e a suposta frustração dessas famílias com

as inverdades, impossibilidades e corrupções que se apresentam no mundo


atual, inclusive a má qualidade da educação em geral [...], efeito de pro-
postas políticas e educacionais fundadas em princípios e ideias que foram
sendo forjadas em meio ao império do racionalismo, do naturalismo e do
materialismo nos últimos dois séculos (Andrade, 2021, p. 320).

Em defesa dessas cogitações, o autor acima recorre ao filósofo italiano


Norberto Bobbio (1909-2004), para quem, segundo ele, a melhor opção seria
“voltar a apoiar a moral da visão religiosa”, a única com “o poder de impor
com mais força o respeito [...]” (Andrade, 2021, p. 322).
Em direção diametralmente oposta, invocamos Marx (2010) para o debate
deste artigo trazendo à reflexão outra dimensão que não apenas a dimensão
moral. Ele, assevera que “a história da humanidade é a história da luta de
classes”. Para esse filósofo, sociólogo e historiador materialista, o sagrado ou
metafísico inexiste ou, se existe, sua atuação na determinação das condições
materiais de vida na Terra não tem relevância. Tais condições, segundo Marx,
são determinadas única e exclusivamente pela consciente e deliberada ação
humana resultante das interações dos homens com a natureza e destes entre
si (materialismo histórico dialético).
Com dimensões tão diametralmente opostas é que veio se formando no
decorrer do século XX, e com mais evidências objetivas neste século XXI,
o contexto de polarização ideológica atual – que opõe visões conservado-
ras (alinhadas à cosmovisão criacionista cristã) à visões progressistas (em

19 Édison Prado de Andrade é bacharel em Direito, Mestre e Doutor em Educação, advogado, consultor
e procurador judicial de famílias praticantes de educação domiciliar. Idealizador, fundador e gestor da
Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar (ABDPEF) (Vasconcelos, 2021, p. 394).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 247

harmonia com a cosmovisão evolucionista materialista) – em que a ED será


analisada, ainda que com brevidade, no presente texto.
A análise está fundamentada na revisão de literatura, a partir de descri-
tores como: “educação domiciliar”, “homeschooling”, “conservadorismo”,
e nos debates empreendidos ao longo das aulas da disciplina Educação, Cultu-
ras e Diversidades (ECD), da linha homônima do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGED) da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Além
desta introdução, este trabalho está dividido em duas seções para, ao final,
tercemos nossas conclusões.
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Pandemia e educação domiciliar: temporárias, mas nem tanto!


Chegou a nossa hora. [...] é o momento de a Igreja
governar. (Damares Alves apud Noblat, 2020)

No início de 2020, o mundo foi surpreendido com a pandemia de covid-


19, e as medidas de isolamento adotadas em todo o mundo aceleraram o
processo de virtualização do trabalho e da maioria das atividades humanas,
incluindo o processo de ensino-aprendizagem. Famílias tiveram que se adaptar,
e a rotina foi invertida: agora, o aluno não mais vai à escola, a escola vai ao
aluno. No Brasil, mais de 50 milhões de crianças, adolescentes e jovens foram
imersos nessa nova realidade, não necessariamente – muito longe disso, na
verdade – nas mesmas condições, mas foram (Cury, 2021, p. 24).
A urgência da pandemia expôs bem mais do que a aceleração do uso das
novas tecnologias de informação e comunicação. Mostrou da forma mais nítida
[e dramática] possível, a dualidade da escola brasileira, resultante da perma-
nente segregação econômica e social imposta pela ordem hegemônica vigente.
Se, por um lado, a pandemia escancarou a relevância da escola, sobretudo
como local de acolhimento e socialização, principalmente para as crianças
das classes subalternizadas, por outro, ajudou a potencializar a militância por
parte das famílias das classes abastadas em torno da legalização da ED a qual,
segundo argumentam tais famílias, não apenas é viável, como também muito
superior à educação escolar, incluindo a ofertada por escolas do sistema de
ensino privado e privado confessional.
A organização e a militância dos homeschoolers ou pais educadores
através de instituições como a Associação Nacional de Educação Domiciliar
(ANED), Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Fami-
liar (ABDPEF), e de intensa participação político-partidária, além de fazer
crescer exponencialmente a adesão de famílias à proposta por eles defendida
(55% ao ano, segundo a própria ANED), resultou em uma importante vitória
política num dos momentos mais críticos da pandemia: em 19 de maio de
248

2022, a Câmara dos Deputados [e Deputadas] aprovou o Projeto de Lei (PL)


3179/12, que regulamenta a ED, e que estava parado na Casa desde 2019.
Nesse particular, dois fatos são reveladores: 1) em 2018, o Supremo Tribunal
Federal (STF) firmou entendimento de que a ED não é inconstitucional; no
entanto manteve a proibição, justificando que a modalidade carece de regu-
lamentação – era a “deixa” que os parlamentares favoráveis à causa precisa-
vam pra desengavetar o projeto, um dos que tramitavam na Câmara Federal
desde 2001 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2022), e 2) uma das propostas
apensadas ao referido PL é de autoria do próprio Governo Federal na gestão
2019-2022. É importante destacar os dois fatos porque ambos corroboram

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com o entendimento da maioria dos pesquisadores do tema aqui debatido
(Educação Domiciliar) e de outros especialistas e instituições que tratam de
assuntos relativos a crianças, adolescentes e jovens no Brasil e no mundo, os
quais advogam que o debate sobre a ED deixou de ser uma urgência social,
passando a [re]emergência ideopolítica e, colocando em risco direitos primor-
diais de milhões de crianças e adolescentes, além de ampliar o já agigantado
abismo socioeconômico entre a classe burguesa e a classe proletária.
Para a organização não-governamental brasileira Todos pela Educação,
em que pese ser formada essencialmente por representantes do grande capital
nacional, “[...] a Educação Domiciliar não é capaz de atender aos três objetivos
da Educação, dispostos na Constituição Federal em seu artigo 205: ‘pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho’” (Todos Pela Educação, 2022).
Na mesma direção, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNI-
CEF), braço educacional da Organização das Nações Unidas (ONU), demons-
trou preocupação com a aprovação do projeto na Câmara, e pediu que os
senadores priorizem o direito das crianças e adolescentes ao votarem o projeto
(Unicef-Brasil, 2022). Vale ressalvar ainda que certamente a confluência des-
ses dois fatos (a ratificação da constitucionalidade da ED pelo STF/2018 e a
aprovação de sua regulamentação na Câmara dos Deputados [e Deputadas])
em 2022) não é mera coincidência.
A partir das Reformas Pombalinas, que culminaram na expulsão dos
jesuítas do Brasil em 1759, pela primeira vez, a “instrução pública” sai do
controle da Igreja e passa para o Estado (Saviani, 2013, p. 107). Esse fato
histórico marca o início da educação, de fato e de direito, estatal no Brasil –
e talvez não seria exagero sugerir esse marco como, ao menos simbolicamente,
o nascedouro da escola pública por aqui.
Partindo dessa informação trazida por Dermeval Saviani, é possível afir-
mar também que, da chegada dos portugueses (1500) – além da experiência
dos povos que aqui já habitavam, é claro – até as Reformas do Marquês de
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 249

Pombal, predominaram no Brasil três modelos de educação: 1) a comuni-


tária (praticada pelos indígenas); 2) a privada sem fins econômico/religiosa
(sob a responsabilidade da Igreja Católica Romana) e 3) a domiciliar (praticada
pelas famílias colonizadoras).
A partir da proclamação da República – e durante todo o século XX,
no entanto, o predomínio do Estado sobre a Educação, considerando que
normatiza e fiscaliza tanto o sistema público quanto o privado e o comunitário
ou filantrópico, foi absoluto. Mas essa hegemonia sempre foi questionada;
e a partir do começo do século XXI, as contestações se tornam cada vez
mais acentuadas, sendo a reemergência da ED um ponto a ser destacado
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nesse contexto. Segundo Vasconcelos (2021, p. 197) a ED, nessa nova fase,
[re]começa a ser praticada no Brasil no início dos anos 2000, e os projetos
que buscam sua regulamentação, como já informado, começaram a tramitar
no Congresso Nacional a partir de 2001.
No entanto, os desfechos de ambas as questões ocorrem exatamente no
momento da repentina guinada do Brasil na direção do ultradireitismo. Não há,
portanto, como não associar os dois acontecimentos à meteórica ascensão do
presidente Jair Bolsonaro (um ultradireitista e antiprogressista assumido), à
composição, em 2018, do Congresso mais conservador dos últimos 40 anos
(DIAP, 2021) e a clara intenção, por parte de religiosos neoconservadores,
de teocratizar o Estado brasileiro, como explicitado na fala (que epigrafa
a presente seção) da pastora evangélica neopentecostal e, hoje, senadora
Damares Alves.
Por analogia, considerando o atual surto de crise respiratória aguda grave
em crianças e recém-nascidos, que, nesse momento (fim de junho/2023),
atinge vários estados do Brasil, nos permite afirmar que, embora sob controle,
por meio de seus drásticos efeitos (diretos e indiretos), a covid-19 continua
entre nós. E a ED que, como a pandemia, parecia se temporária, no que depen-
der dos seus defensores – que só aumentam a cada dia –, também ressurgiu,
indiscutivelmente, para ficar. Aliás, muitos dos denominados pais educadores
defenderam pública e abertamente que dever-se-ia aproveitar o momento da
pandemia para que se aprovasse, de uma vez por todas, o PL que tornaria
legal a prática da ED no Brasil. Por alguma razão, entre elas, certamente a
resistência dos movimentos sociais e, inclusive, dos empresários educacionais,
a ED prossegue como prática ilegal no País.

Questão de crença e de classe

Embora alguns dos seus defensores demonstrem incômodo com o fato


de se associar a ED tanto com ideologias religiosas quanto com questões de
250

ordem econômica e política, as pesquisadoras e os pesquisadores do tema têm


destacado essa indissociável relação.

A discussão sobre a educação domiciliar, muito mais que o bem-estar de


crianças e jovens ou o amor que se tem a eles, insere-se nessa disputa por
uma hegemonia ideológica e de divisão da sociedade. Não se trata de um
processo de escolha individual que se restringe ao âmbito privado, pois
tem implicações em toda a sociedade (Almeida, 2021, p. 167).

É fato inconteste que a Família tem relevância ímpar na formação do ser


humano. Ocorre que não é menos verdade que muitos dos pais educadores

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não escondem duas preocupações especiais: a manutenção dos valores morais,
neste caso quase impreterivelmente calcados na confissão religiosa hegemô-
nica – o cristianismo (Ribeiro, 2021, p. 262) –, e a “adoção de estratégias
de classe para a transmissão de status para os filhos” (Vieira, 2021, p. 296).
Os estudos sobre ED também convergem para achados como o reconheci-
mento de ser a educação escolar uma empresa relativamente recente (segunda
metade do século XIX) quando comparada com a educação familiar (Salgado,
2021, p. 143). Por outro lado, as diversas e inegáveis crises educacionais
(objetivadas por meio de má gestão, baixo investimento financeiro, falta de
segurança nas escolas aumentando o fenômeno da violência escolar, baixo
preparo e má remuneração docente, descontinuidade de políticas públicas...)
que, há décadas, se abatem sobre o sistema formal de educação, em especial
na parte pública – estes fatores, com justa razão, acendem a desconfiança em
relação à Escola, e afligem muitas famílias, não somente as homeschoolers,
é bom que se reconheça.
O quadro acima é utilizado como argumento ao engajamento em torno da
ED embasados nas pautas do conservadorismo, do ultraconservadorismo (com
fortíssimo viés religioso) e, como sugere Teitelbaum (2020), do tradiciona-
lismo que, não por coincidência, não só no Brasil, mas no mundo (notadamente
no Ocidente), estão em consonância com a nova onda ultradireitista em curso
(Souza, 2020). Ideologicamente, se trata de uma “cruzada anticomunista”
que fica evidente, por exemplo, nos termos empregados por grande parte
dos defensores da ED: “educação clássica”, “valores da tradição”, “valores
cristãos”, “princípios morais” para se referirem ao ensino no lar; e para a
educação escolar, em contraposição a: “contaminação moral”, “intoxicação
moral”, “doutrinação comunista”, “erotização infantil”, “frouxidão moral”...
Caber aqui, porém, duas ressalvas: 1) os homeschoolers brasileiros,
diferentemente dos de outros países, como Estados Unidos da América e
Canadá, por exemplo, não formam um grupo homogêneo (nem ideológica,
nem sociológica e nem economicamente falando) – há entre eles conservadores
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 251

clássicos, neoconservadores, liberais, neoliberais (Ribeiro, 2021), tradicio-


nalistas (Teitelbaum, 2020), anarquistas [ou pelo menos com inspiração]
(Almeida, 2021), religiosos católicos, religiosos protestantes, não-religiosos
(Vasconcelos, 2021) e, dado todo o contexto envolvendo as crises da educação
escolarizada (já aqui mencionado), arriscaríamos dizer que [há entre eles] até
progressistas; 2) a despeito dessa heterogeneidade, um dos aspectos em que
há uma certa, digamos, organicidade de perfil dos homeschoolers brasileiros
é no socioeconômico. Em regra, essa modalidade de ensino tem atraído mais
“famílias de classes médias e/ou altas do que famílias pobres, demonstrando
o caráter elitista que a prática permite” (Ribeiro, p. 3-4).
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Citando Silveira (2009), Vasconcelos (2021, p. 201) explica que, em


suas pesquisas, seu(sua) interlocutor(a) identifica “três grandes grupos como
reivindicantes do direito à educação domiciliar nos diversos países: os cristãos
fundamentalistas, os pais preocupados com o clima moral das escolas e os
‘elitistas’”. E, mais adiante, adverte

O terceiro grupo é formado por famílias de alto nível intelectual, educativo


e econômico, além de pessoas com disponibilidade de passar muitas horas
em casa. Assim, reivindicam, eles próprios encarregarem-se da educação
de seus filhos, tendo em vista poder oferecer-lhes mais recursos e assis-
tência do que a própria escola. Embora esse grupo seja o menos numeroso
dos três, deve-se prestar atenção a ele, pois é o que mais se multiplica sem
que as três características estejam necessariamente conjugadas: alto nível
intelectual, educativo e econômico (Vasconcelos, 2021, p. 202).

Outro aspecto apontado por Vasconcelos (2021, p. 209) que relaciona


a opção pelo homeschooling à classe econômica, tanto no Brasil quanto nos
EUA e no Canadá é a economia que, segundo alegam, conseguem fazer ao
adotar a ED, tendo em vista o alto custo das escolas privadas de referência.

Conclusão

A ascensão de lideranças políticas populistas, ultraconservadoras e reli-


giosas, como do ex-presidente Jair Bolsonaro, a atuação da bancada evangélica
no Congresso Nacional, o forte e qualificado engajamento dessas famílias na
política partidária (sempre em apoio ao espectro da ultradireita conservadora)
e o deliberado e orquestrado ataque à instituição Escola, em especial à pública
e aos seus professores, bem como a militância em violentas campanhas contra
a Ciência e aos cientistas (como no caso da difamação das vacinas contra a
covid-19), evidenciam que, apesar de não ser nenhuma novidade, em sua
fase atual, a bandeira da ED está, indiscutivelmente, inscrita como um dos
252

componentes centrais da fortíssima polarização ideológica que atravessa essa


primeira quadra do século XXI, com um posicionamento claro, aberto e direto
de seus defensores ao lado do espectro ultraconservador.
Os achados da revisão bibliográfica e das discussões na disciplina de
Educação Cultura e Diversidade, ofertada no âmbito do Programa de Pós
Graduação em Educação (PPGED), da Universidade Federal do Amapá
(UNIFAP), demonstram que, para além da dimensão moral/crença, a defesa
do homeschooling é também uma questão de classe, uma vez que a efetivação
de tal modalidade de ensino exigiria sólida formação acadêmica, elevado poder
aquisitivo e disponibilidade dos pais para acompanhamento dos filhos em

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tempo integral, condições que na estrutura da sociedade brasileira deixaria de
fora grande parte, senão todo, do universo das classes populares aprofundando,
ainda mais, o fosso das desigualdades educacionais nacionais.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 253

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AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 255

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA:
um diálogo com a pedagogia
freiriana na formação docente
Katiane Coelho dos Santos
Raimunda Kelly Silva Gomes
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Introdução

A educação ambiental tem sido um importante meio para promover a


conscientização sobre a preservação do meio ambiente. No entanto, a aborda-
gem tradicional de educação ambiental tem sido criticada por não considerar
as desigualdades sociais e culturais que influenciam o modo como as pessoas
interagem com o meio ambiente.
Este trabalho traz como objetivo principal dialogar entre a educação
ambiental crítica e a Pedagogia Freiriana na formação docente, além de nos
ajudar a construir um aporte teórico para uma reflexão, favorecendo um pro-
cesso de pensar práticas que superem a educação tradicionalista.
Considerando este diálogo de fundamental importância para uma edu-
cação crítico libertadora, esses diálogos podem contribuir para uma transfor-
mação da humanidade em relação aos modos de pensar, agir e se relacionar
do homem e natureza.
O estudo traz uma metodologia de revisão de literatura exploratória para
identificar os objetivos a serem alcançados. Para isso, foram utilizadas fontes
bibliográficas como livros, artigos científicos publicados em revistas eletrô-
nicas, todas com a temática ambiental como foco. Os materiais selecionados
foram analisados e as fontes relacionadas às questões levantadas na pesquisa
foram escolhidas. Os resultados obtidos foram organizados e analisados de
acordo com os objetivos propostos.
O resumo estrutura-se da seguinte maneira: introdução, onde faz uma
breve explanação sobre Educação Ambiental, seguindo de um breve aporte
teórico sobre a temática ambiental e a Pedagogia Freiriana, finalizando o tra-
balho com as considerações finais a respeito da temática estudada onde traz a
Educação Ambiental Crítica com reflexões inerentes ao trabalho pedagógico
por parte dos educadores, concentrando-se no desenvolvimento de atitudes
258

de consciência ambiental, e a importância no ambiente escolar da prática da


Educação Ambiental Crítica.

Pedagogia freiriana: libertadora, crítico, reflexiva

Os textos de Freire nos questionam a discutir as práticas educativas, que


vão além de sua escrita. As obras “Educação Como Prática da Liberdade”
(1967, p. 97) nos mostra que educar é um ato de amor. “A educação é um
ato de amor, por isso, um ato de coragem”, na “Pedagogia do Oprimido”
(2013a, p. 76) entendemos que ninguém educa ninguém, “como tampouco

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ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, media-
tizados pelo mundo”. Na “Pedagogia da Autonomia” (1996, p. 12) por sua
vez, esclarece que “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus
sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de
objeto, um do outro”. E a “Educação e Mudança” (2013b, p. 7) nos mostra
a importância do compromisso do profissional com a sociedade, “a primeira
condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser
capaz de agir e refletir”.
As obras citadas acima tornaram-se referências para o repensar dessa
prática educativa e, dialogam por uma educação mais crítica, libertadora
e comprometida com a transformação social e, nos questionam a discutir
as práticas educativas, que vão além de sua escrita. Trazem reflexões de
diversos temas, para uma compreensão de uma Educação Crítica, Trans-
formadora e Emancipatória. Nesse trabalho, buscaremos dialogar com a
Educação ambiental Crítica com Pedagogia Freiriana na reflexão sobre a
formação de educadores comprometidos com a construção de uma sociedade
sustentável e ambientalmente responsável, ações que são necessárias para
um novo mundo.
Para Loureiro (2011) a Educação Ambiental é uma prática educativa e
social que visa ajudar as pessoas a desenvolverem valores, conceitos, habi-
lidades e atitudes que lhes permitam compreender a realidade da vida e agir
de forma consciente e responsável tanto individualmente quanto em grupo
no meio ambiente.
Para Torres, Ferrari, Maestrelli, (2014) uma educação crítico transfor-
madora, requer o investimento na elaboração e na efetivação de abordagens
teórico metodológicas que propiciem a construção de mundo, o que para elas,
precisam vir contrapondo às concepções de que o sujeito é um ser neutro e o
professor apenas transmite ao aluno, uma via de mão única.
No mundo atual, a educação tem um papel fundamental na formação de
indivíduos conscientes e responsáveis. É por isso que a educação libertadora,
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 259

crítica e reflexiva tem se tornado cada vez mais importante. O que torna o seu
ensino de suma importância, pois busca desenvolver nos alunos habilidades
para pensar criticamente, refletir sobre suas próprias ações e tomar decisões
conscientes sobre questões sociais, políticas e culturais. Além de incentivar
o diálogo e a colaboração entre os alunos, estimulando-os a serem criativos
e a buscar soluções para os problemas que enfrentam, e a pensar de forma
independente (FREIRE, 2013).
Os processos de ensinar e aprender são fundamentais para o desenvol-
vimento do processo de aprendizagem, e para a aquisição de conhecimento.
“Quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais
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se constrói e desenvolve o que Freire chama de “curiosidade epistemoló-


gica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto” (FREIRE,
1996, p. 13).
Deste modo, percebe-se assim, a importância do papel do educador,
considerando que sua tarefa docente não é apenas ensinar os conteúdos, mas
também a ensinar a pensar. Uma reflexão sobre o ato de ensinar que Freire
(1996) nos traz, é que ele exige pesquisa, “ensino porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade” (p. 14).
O educador precisa ter um compromisso com a sociedade, compromisso
esse capaz de assumir um ato comprometido, sendo capaz de agir e refletir
diante disso. Apenas um indivíduo capaz de transcender seu contexto, de se
afastar dele para estar presente nele; é capaz de admirá-lo e, com o objetivo
de transformá-lo, se transformar por meio de sua própria criação; um ser que
existe e está em constante evolução no tempo que lhe é dado, um ser histó-
rico, somente esse ser é capaz, por todas essas razões, de se comprometer
(FREIRE, 2013b).

Educação ambiental crítica no ambiente escolar

No Brasil, a Educação Ambiental começou a adquirir um caráter público


abrangente por volta da década de 1980. Isso ocorreu através da realiza-
ção dos primeiros encontros nacionais, do aumento da atuação das ONGs
ambientalistas e dos movimentos sociais que incorporam essa temática em
suas lutas, bem como da expansão da produção acadêmica específica (LOU-
REIRO et al., 2002). A importância da Educação Ambiental para o debate
educacional ficou formalmente explícita com a sua inclusão nos Parâmetros
Curriculares Nacionais e na publicação da Lei Federal que estabelece a Polí-
tica Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/99). Esses instrumentos
260

legais e documentos governamentais garantem que a Educação Ambiental


seja considerada uma questão transversal, indispensável e indissociável da
política educacional brasileira (Loureiro, 2005).
A Educação Ambiental Crítica (EAC), emerge no Brasil, como uma
forma de releitura da Educação Ambiental, a qual, era vista como compor-
tamentalista, tecnicista ou meramente instrumentalista. No entanto, a EAC
não propõe a uniformização do pensamento desse campo que é marcado
por saberes e práticas plurais e diversificadas, o que, nem tampouco, com
ações superiores, ela pretende aguçar o questionamento, o diálogo, a busca
pelo novo e o enfrentamento das situações de desigualdade social e injustiça

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socioambiental (Arrais; Bizerril, 2020).
Apesar do risco de apresentar um quadro parcial e incompleto, é possível
afirmar que atualmente existem três macrotendências como modelos políticos-
-pedagógicos para a Educação Ambiental. Cada uma dessas macrotendências
abrange uma ampla diversidade de posições que variam em maior ou menor
grau de relação ao tipo ideal considerado. Layrargues e Lima (2014) apre-
sentam de maneira detalhada cada uma dessas tendências:
A macrotendência conservacionista, que se identifica por meio das cor-
rentes conservacionista, comportamentalista, da Alfabetização Ecológica, do
autoconhecimento e de atividades de sensopercepção ao ar livre. Associada aos
princípios da ecologia valorizando a dimensão afetiva em relação à natureza
e promovendo uma mudança de comportamento individual em relação ao
meio ambiente, com base na busca por uma mudança cultural que questione
o antropocentrismo. Essa tendência histórica e solida e bem estabelecida entre
seus defensores, sendo atualizada por meio de expressões que relacionam
a Educação Ambiental à “agenda verde”, como biodiversidade, unidades
de conservação, biomas específicos, unidades de conservação, entre outros.
No entanto, não aparece como uma tendência dominante, além de apresentar
um potencial limitado para se unir ao distanciamento das dinâmicas sociais,
políticas e seus respectivos conflitos.
A segunda tendência mencionada por Layrargues e Lima (2014) seria a
macrotendência pragmática, essa tendência considera o meio ambiente como
desprovido de elementos humanos, tratando-o apenas como uma coleção
de recursos naturais em processo de esgotamento. Nessa visão, destaca-se
a necessidade de combater o desperdício e a revisão do paradigma do lixo,
que passa a ser encarado como resíduo, ou seja, algo que pode ser rein-
tegrado ao ciclo industrial. Essa abordagem da E.A. é impulsionada pelo
mercado, pois apela ao bom senso dos indivíduos para que renunciem a parte
de seu padrão de conforto, além de convocar as empresas a renunciarem a
uma receita de seus benéficos em prol de uma governança geral, trazendo
duas caraterísticas complementares, uma: a ausência de reflexão que permita
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 261

a compreensão das causas e consequências dos problemas ambientais, e a


outra, a busca desenfreada por ações realizáveis que tragam soluções para
um futuro sustentável.
As macrotendências conservacionista e pragmática, são conservadoras e
comportamentalista, caracterizadas por uma visão individualista. Essa visão
mais conservadora e até mesmo ingênua, alguns grupos a defendem por acre-
ditar ser a ideal, compreendem a crise ambiental e a Educação Ambiental dessa
maneira. Isso porque esses grupos podem não ter uma reflexão sociológica
aprofundada sobre a questão ambiental ou acreditar que é politicamente mais
adequado não misturar política e ecologia (Layrargues; Lima, 2014).
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Por último, a macrotendência crítica, a que irá direcionar este estudo,


reúne as correntes da Educação Ambiental Popular, Emancipatória, Transfor-
madora e no Processo de Gestão Ambiental. Enfatiza-se fortemente a revisão
crítica dos fundamentos que perpetuam a dominação humana e a revolução da
invasão do capital. Objetiva buscar o enfrentamento político das desigualda-
des e injustiças socioambientais. Todas essas correntes, embora com algumas
variações, se opõem às tendências conservadoras, buscando contextualizar e
politizar o debate ambiental. Elas buscam problematizar as contradições dos
modelos de desenvolvimento e sociedade (Laryrargues; Lima, 2014).
A Educação Ambiental Crítica parte do princípio de que não existe neu-
tralidade ideológica na Educação em uma sociedade estratificada por classes.
Reconhecer-se que o modelo dominante de Educação busca reproduzir a
ordem capitalista, preservando os interesses da classe dominante e mantendo
desigualdades nas relações de poder entre os grupos sociais. Em contraposição
a essa corrente conservadora, a EAC adota uma postura político-pedagó-
gica contraria à hegemonia e situa seu projeto educacional dentro das forças
libertárias e transformadoras da sociedade. Por isso, a EAC esta fortemente
vinculada ao ecossocialismo, à crítica anticapitalista, bem como às pedagogias
freireanas e histórico-crítica (Layrargues; Torres, 2022).
Para Loureiro (2006), “a escola é a principal forma pela qual a educação
se realiza nos moldes configurados na modernidade capitalista, e é indispen-
sável e estratégica nas lutas dos trabalhadores pela emancipação humana”
(p. 20). O autor enfatiza que, não por acaso, várias lutas dos trabalhadores
precarizados em seus processos de trabalho e dos povos tradicionais são
direcionadas à garantia da educação escolar.
Cabe destacar que o educador e o educando são seres inacabados,
uma vez que, como seres humanos, estão constantemente em busca de apri-
morar-se. Ao educador cabe assumir a responsabilidade de guiar o processo
educacional, pois, segundo a perspectiva de Freire, a Educação é um pro-
cesso orientado que requer competência profissional para ser conduzido
262

adequadamente. Nesse sentido, é incumbência do educador envolver-se


como testemunha e agente de transformações sociais – tornando-se, assim,
um agente político, jamais neutro (Dickmann; Carneiro, 2012)
No entanto, Granier e Guimarães (2022) constatam que educadores foram
e estão sendo formados, em sua maioria, em uma perspectiva conservadora
de educação, na qual reproduz na armadilha paradigmática. Ou seja, agem de
forma automática e não reflexiva, seguindo os padrões e normas estabelecidos
pela racionalidade hegemônica. Isso significa que muitas vezes as ações não
são questionadas ou analisadas criticamente, simplesmente são reproduzidas
de maneira automática, sem considerar alternativas ou diferentes perspectivas.

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O que para Freire (1996) “anula o poder criador dos educandos ou minimiza,
estimulando sua ingenuidade e não a sua criticidade” (p. 39).
Mesmo que esses educadores, com a melhor das intenções de contribuir
para uma prática pedagógica crítica emancipatória, acabam por reproduzir
inconscientemente ações que favoreçam para uma segmentação do mundo.
Paulo Freire em toda sua obra, ensina que a superação das relações de
opressão predominantes em nossa sociedade, se dará por uma educação pro-
blematizadora da realidade vivida pelo oprimido. Também nos mostra que o
ensinar exige criticidade (Freire, 1996).
Para Floriano e Loureiro (2022) certamente, as questões objetivas do
cotidiano das escolas tornam mais difícil a construção de uma prática de
Educação Ambiental Crítica. Isso porque, diante de dificuldades materiais,
carga horária inadequada e perda gradual da autonomia, os professores são
submetidos a processos de gerenciamento de suas atividades, muitas vezes
reduzidos a executores de tarefas pré-estabelecidas, o que os leva a adotar
uma visão conservadora de Educação Ambiental.
Assim, os educadores autônomos e conscientes de seu papel têm a res-
ponsabilidade de criar processos educativos que estimulem a conscientização
e a autonomia dos indivíduos, contribuindo para o desenvolvimento de sua
plenitude humana. Além de buscar sempre por sua formação de modo contí-
nuo, sistemático e processual.

A importância da educação ambiental crítica no ambiente escolar

A escola, é um lugar de construção de conhecimento, de valores e, não


só de conhecimentos curriculares. É neste ambiente o local para se construir
e socializar experiências que vão perdurar durante toda vida do indivíduo.
No momento atual, temos uma visão mais plural da escola como esse espaço
de vivencias multicurriculares (Lima et al., 2021).
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 263

Todavia, é nesse ambiente que o professor deve ser mediador de conhe-


cimentos significativos à vida de seus alunos. Que o aprender para a vida,
tenha a força libertadora e modificadora da realidade. É papel e dever da
escola e de todos e todas aqueles(as) que integram seu corpo docente possi-
bilitar essas manifestações de vida. Sejam essas científicas e plurais das mais
diversas realidades.
E apesar das muitas dificuldades, é a escola esse espaço e instrumento de
mudanças das mentalidades. Quando um dia tivermos uma real preocupação
com formação de pessoas ambientalmente conscientes de seus deveres e res-
ponsabilidades estaremos dando passos certos para a construção de um futuro
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com mais qualidade de vida e sustentabilidade. E isso pode ser mudado na


escola, através da Educação Ambiental Crítica, mostrando às crianças e jovens
que conservar o meio ambiente não é um luxo, mas uma necessidade urgente
se quisermos continuar a viver neste planeta (Furtado; Beranger, 2022).
Assim, o ensino de educação ambiental, “concebe-se no meio inter-
disciplinar e que precisa de vários conhecimentos, sejam eles das ciências
da natureza ou das ciências humanas, a fim de que se possam alcançar seus
objetivos”, que seria a Sensibilização; Compreensão, Responsabilidade,
Competência, Cidadania, todos imprescindíveis para o ensino da Educação
Ambiental (Lima et al., 2021, p. 4).
A escola é um lugar de construção de valores e conhecimentos, e é
necessário que esse conhecimento seja libertador e capaz de modificar rea-
lidades. Por isso, torna-se cada vez mais importante a função do educador,
pois ele deve abranger diversas dimensões da vida. É na escola que devemos
incentivar a Educação Ambiental, para que as crianças e jovens entendam
que preservar o meio ambiente é uma necessidade urgente para o futuro de
todos os seres (Narcizo, 2009).
Desde modo, defende-se a importância da inserção da Educação Ambien-
tal Crítica nas escolas, com o intuito de conscientizar nossos alunos e ajudá-los
a se tornarem cidadãos ecologicamente corretos, visto que, a maioria dos
problemas ambientais estão relacionados a fatores socioeconômicos, políticos
e culturais (Dias, 1992 apud Narcizo, 2009).
E que muitas das vezes a humanidade encontra certo “conforto” ao inter-
ferir diretamente na exploração dos recursos naturais de maneira descontro-
lada, não entendendo que tudo está interligado, todos somos e fazemos parte
da natureza, e que os resultados desse processo de exploração irregular nos
trarão graves consequências.
264

Considerações finais

A Educação Ambiental Critica é uma ferramenta imprescindível para a


formação de cidadãos conscientes e comprometidos com a preservação dos
recursos naturais. Foi possível observar por meio das leituras encontradas
que é necessário trabalhar de forma interdisciplinar, pois assim, é possível
abordar tantos os conteúdos teóricos quanto as práticas inerentes à preservação
do meio ambiente.
As reflexões inerentes ao trabalho pedagógico por parte dos educadores
concentram-se no desenvolvimento de atitudes de consciência ambiental,

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onde o professor se torna elemento fundamental na educação. A escolha por
um currículo para o entendimento dos problemas ambientais, com a busca
constante da realidade vivenciada pelos alunos juntamente com conteúdo
pensados na ação direta com o homem e a natureza ajudará a reafirmar ainda
mais essa importância no ambiente escolar com relação a EAC.
Outro ponto de reflexão considerado importante é que os professores este-
jam preparados para lidar com as mudanças rápidas e contínuas que ocorrem
no mundo. Além disso, possuir habilidade de desenvolver práticas pedagógicas
eficazes, que possibilitem o sucesso na mediação dos conteúdos e no processo
de ensino aprendizagem dos alunos, para que este educando possa ter uma
ação e reflexão diante dessa prática apresentada.
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 265

REFERÊNCIAS
COSTA, César A.; LOUREIRO, Carlos F., Perspectivas Interdisciplinares
à Luz de Paulo Freire: Contribuições Político-Pedagógicas para a Educa-
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2018. p. 77-103.

FLORIANO; LOUREIRO. Educação ambiental em Duque de Caxias, RJ:


contradições entre o discurso hegemônico e as questões socioambientais do
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território. Educar em Revista, Curitiba, v. 38, e83004, 2022.

FREIRE, Paulo, Pedagogia do oprimido [recurso eletrônico]. Rio de Janeiro:


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FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade [recurso eletrônico].


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


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FURTADO, N.; BERANGER, J. A educação ambiental nas escolas: rea-


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porâneo: práticas, discussões e relatos de experiências [recurso eletrônico].
Ponta Grossa: Aya, 2022.

LAYRARGUES, Philippe P.; TORRES, Ana Beatriz F. Por Uma Educação


Menos Seletiva: Reciclando Conceitos Em Educação Ambiental E Resíduos
Sólidos. Revbea, São Paulo, v. 17, n. 5, p. 33-53, 2022.

LAYRARGUES, Phillipe P.; LIMA, Gustavo F., As macrotendências políti-


cos-pedagógicas da Educação Ambiental Brasileira. Ambiente & Sociedade,
São Paulo, v. XVII, n. 1, p. 23-40, jan./mar. 2014.

LIMA, F.; ARNAUD, A. C.; QUEIROZ, F. L. Educação ambiental e o cur-


rículo escolar: algumas reflexões. Práticas Educativas, Memórias e Orali-
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266

Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/revpemo/article/view/7179.


Acesso em: 10 set. 2023.

LOUREIRO, Carlos F. B.; LAYRARGUES, Philippe P.; CASTRO, R. S.


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Cortez, 2002.

LOUREIRO, Carlos F. Complexidade Dialética: Contribuições à Práxis Polí-


tica e Emancipatória em Educação Ambiental. Educ. Soc., Campinas, v. 26,
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NARCIZO, K. R. Uma Análise Sobre A Importância De Trabalhar Educação
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SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico [livro eletrônico].


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TORRES, J. R.; FERRARI, N.; MAESTRELLI. S. R. P. Educação Ambien-


tal crítico-transformadora no contexto escolar: teoria e prática freireana. In:
LOUREIRO, C. F. B.; TORRES, J. R. Educação Ambiental: dialogando com
Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 2008.
ÍNDICE REMISSIVO
A
Alfabetização 70, 98, 104, 207, 231, 232, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240,
241, 242, 243, 260, 272, 275

B
Benefícios da ludicidade 232, 235, 241
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C
Centro de cultura 149, 150, 151, 152, 153, 154
Ciências do esporte 54, 59, 62, 63, 64, 275
Ciências sociais 12, 15, 19, 20, 108, 116, 148, 154, 166, 167, 213, 278
Colonialidade 15, 45, 46, 74, 75, 77, 102, 105, 112, 113, 116, 129, 157, 158,
159, 166, 167
Construção de identidades culturais 231, 232, 236, 237, 238, 239, 240, 241
Crise socioambiental 209, 212
Cuidados com o meio ambiente 205, 206, 207
Cultura popular 20, 24, 28, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 65, 75,
79, 90, 150, 152, 153, 154, 175, 176

D
Desenvolvimento da linguagem escrita 235, 236, 241
Diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola 72, 73,
161, 166
Diversidade cultural 26, 31, 37, 42, 43, 44, 47, 48, 49, 50, 53, 57, 65, 76, 81,
83, 84, 87, 88, 90, 91, 121, 125, 140, 142, 148, 152, 195, 202, 209, 211, 212,
220, 225, 231, 232, 237, 238, 240, 241

E
Educação ambiental 140, 141, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211,
213, 214, 215, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 265, 266, 276
Educação domiciliar 245, 246, 247, 248, 250, 251, 253, 254, 255
Educação escolar 28, 38, 50, 62, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 78,
79, 80, 90, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 128, 129, 130,
268

131, 132, 154, 155, 160, 161, 163, 166, 187, 188, 189, 192, 198, 201, 207,
208, 247, 250, 261, 277, 278
Educação física 53, 54, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 179, 217, 218,
223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 272, 275, 276
Educação intercultural 17, 19, 24, 25, 26, 28, 29, 31, 32, 38, 41, 42, 44, 50,
51, 58, 62, 63, 64, 79, 90, 118, 152, 154, 271
Educação musical 41, 44, 45, 48, 49, 277
Educação ribeirinha 188, 189, 191, 197, 198, 200, 201
Ensino de história e cultura afro-brasileira 68, 161, 165, 213

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Escola pública civil militarizada 171
Eurocentrismo 15, 116, 120, 166, 167, 168

F
Festival nacional da juventude 133, 137, 138, 139, 143, 144
Folclorização 28, 62, 90, 150, 154
Formação de professores 44, 48, 49, 84, 85, 90, 214, 272, 276

G
Gênero e sexualidade na escola 107, 108, 111

I
Instituições de ensino superior 49, 85, 223, 224
Interculturalidade 19, 20, 21, 22, 24, 25, 28, 31, 32, 33, 36, 37, 41, 42, 43,
44, 45, 47, 48, 49, 50, 51, 53, 54, 55, 57, 60, 61, 62, 67, 74, 75, 76, 78, 79,
90, 117, 122, 124, 125, 131, 132, 154, 159, 166, 274, 278
Interculturalidade crítica 25, 31, 32, 33, 43, 47, 51, 67, 74, 75, 76, 78, 159

J
Jogos e atividades lúdicas 231, 233, 234, 236, 237, 238, 239, 240
Juventudes 133, 134, 135, 137, 138, 143, 144, 221, 222
Juventudes do campo 133, 134, 137, 138, 143, 144

L
Lei de diretrizes e bases da educação 68, 69, 118, 123, 124, 131, 189, 199
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 269

M
Meio ambiente 12, 13, 156, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211,
213, 257, 258, 260, 263, 264
Movimentos sociais 33, 42, 43, 71, 74, 133, 134, 135, 137, 140, 141, 142,
143, 144, 196, 210, 249, 259, 278
Mudanças de valores, comportamentos e atitudes 203, 204, 211
Multilinguismo 118, 123, 125, 127, 129, 130, 131

P
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Participação ativa dos alunos 231, 238, 239, 241


Pedagogia da autonomia 184, 242, 258, 265
Pensamento decolonial 155, 157, 158, 159, 164, 165
Possibilidades de pesquisa 116, 145, 185
Povos indígenas 12, 45, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126,
127, 128, 129, 130, 158
Prática educativa 159, 184, 205, 207, 238, 258, 265
Práticas pedagógicas 19, 22, 32, 33, 35, 38, 41, 57, 69, 76, 84, 91, 124, 160,
161, 189, 195, 197, 198, 199, 200, 241, 264
Prevenção do abuso sexual infantil 35, 36, 39

Q
Questão socioambiental 209, 210, 212
Quilombo do mel da pedreira 162

R
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas 118, 124, 125, 131
Relação homem e natureza 209, 212
Relações culturais 44, 180, 209, 210, 212
Relações de poder 14, 55, 56, 87, 138, 173, 175, 231, 237, 238, 240, 261

S
Senso de pertencimento 221, 224, 226, 231, 239

V
Valorização das línguas indígenas 118, 121, 123, 125, 126, 127, 128, 130
Violência sexual 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 273
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SOBRE OS/AS AUTORES/AS

Adalberto Carvalho Ribeiro


Doutor em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA). Professor Associado IV da Universidade
Federal do Amapá (UNIFAP) e docente do quadro permanente do Programa
de Pós-Graduação em Educação da UNIFAP. Coordenou o GT 14 – Socio-
logia da Educação – da ANPED no período 2021-2023, sendo atualmente
o Vice-Coordenador. Área de atuação: Sociologia da educação, Culturas e
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Diversidades. E-mail: adalberto@unifap.br

Alan Farias Sales


Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal do Amapá (UNI-
FAP). Mestrando em Ensino de História pelo Programa de Pós-Graduação
Mestrado Profissional em Ensino de História – PROFHISTÓRIA/UNIFAP,
onde desenvolve pesquisa sobre Comunidades Tradicionais de Terreiro. É
bolsista da CAPES, atuando como professor supervisor no Programa Institu-
cional de Bolsa de Iniciação Docente – PIBID. É professor do quadro efetivo
da rede pública estadual, onde atua como professor de História do Ensino
Básico. E-mail: alan.sales79@gmail.com

Albert Alan de Sousa Cordeiro


Docente da Universidade Federal do Amapá, sendo professor permanente do
Programa de Pós-Graduação em Educação e do curso de Pedagogia/Campus
Santana. Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Pará. Mestre em Educação pela Universidade do
Estado do Pará. Especialista em Filosofia da Educação pela Universidade
Federal do Pará. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado
do Pará (2010). Pesquisa sobre Decolonialidade e Educação, processos edu-
cativos não escolares, pedagogias culturais, pedagogias decoloniais, educação
intercultural, culturas populares na escola e temas correlatos. E-mail: albert.
cordeiro@unifap.br

Alexandre Adalberto Pereira


Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Uberlândia (2013). Mestre em Cultura Visual pela
Universidade Federal de Goiás (2008). Graduado em Licenciatura Plena em
Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás (2003). Professor Asso-
ciado da Universidade Federal do Amapá. Atua no Curso de Licenciatura em
272

Artes Visuais e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade


Federal do Amapá. Áreas de atuação: Educação, Decolonialidade e Diferença.
E-mail: pereiraxnd@unifap.br

Ângela do Céu Ubaiara Brito


Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo – USP (2013), Mes-
tre em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade Federal do
Amapá – UNIFAP (2008) e graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia
pela Universidade Federal do Amapá – UNIFAP (1999). Líder do Grupo
de Pesquisa Ludicidade, inclusão e Saúde (LIS). Coordenadora do curso de

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Especialização em Gestão Escolar da Universidade do Estado do Amapá. Pro-
fessora permanente do Programa de Mestrado em Educação da Universidade
do Federal do Amapá (PPGED/UNIFAP). Tem experiência na área de Pesquisa
da Infância e Educação Básica atuando, principalmente, nos seguintes temas:
alfabetização e letramento, Jogos, brinquedos e brincadeiras, Formação de
Professores e Política Públicas para a Infância. Estudos Culturais e infância.
E-mail: angela.brito@ueap.edu.br

Arthane Menezes Figuierêdo


Pedagoga. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia
(UFU). Professora Associada da Universidade Federal do Amapá, lotada no
Departamento de Educação, onde atua no curso de Pedagogia, Licenciatu-
ras e no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED). Desenvolve
pesquisas vinculadas às áreas de Currículo e Formação de Professores, na
Educação Básica e Superior com ênfase nos estudos voltados às Amazônias.
Pesquisadora do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia
(PROCAD/Amazônia). Líder do Núcleo de Estudos em Currículos e Pro-
cessos Formativos de Educadores e Educadoras nas Amazônias (NUCFOR),
Coordenadora Institucional do Programa de Iniciação à Docência (PIBID) da
UNIFAP. Membro da Rede de Estudos em Educação Superior Universitas, da
Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) e da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd).
E-mail: arthane@unifap.br

Carina dos Santos Reis


Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Amapá
(UNIFAP), cursa Mestrado em Educação pelo Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da UNIFAP. É professora de Educação Física do Comitê
Paraolímpico Brasileiro, com atuação no Centro de Referência Paraolímpico
do Amapá. Tem experiência na área de Educação Física para grupos especiais,
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 273

Educação Inclusiva, treinamento esportivo, Educação Física escolar e Edu-


cação do Campo. E-mail: carinareeis@gmail.com

Cirlene Damasceno Picanço


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP),
Pós-Graduação lato sensu em Pedagogia Escolar: Administração, Supervisão
e Orientação Escolar, pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão
(IBEPX). Mestranda do programa de Pós-graduação em Educação (PPGED/
UNIFAP), na linha de pesquisa Educação, Culturas e Diversidades. Pedagoga
do quadro efetivo do Governo do Estado do Amapá. Possui experiência na
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área de educação básica e nível superior; atualmente atua como Coordena-


dora de Assuntos Educacionais no Município de Santana – Amapá. E-mail:
c.lenedpicanco@gmail.com

Claudio de Almeida Silva


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Amapá (PPGED-UNIFAP), na linha de Educação, Culturas e
Diversidades. Especialista em Gestão Escolar e Docência do Ensino Supe-
rior (Faculdade Atual/2011). Licenciado em História (Universidade Estadual
Vale do Acaraú/2009). Professor da Educação Básica do Estado do Amapá.
Escritor amador. Membro da Academia Laranjalense de Letras (ALL). E-mail:
claudiochaveshistoriador@hotmail.com

Daniele Pelaes Damasceno


Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGED) na Uni-
versidade do Estado do Amapá. Especialista em Educação Especial e Inclu-
siva pela Faculdade de Teologia e Ciências Humanas – FATECH (2022).
Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade do Estado do
Amapá (UEAP/2022), Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/CAPES) de
2019-2021. Participante do grupo de Pesquisa: Ludicidade, Inclusão e Saúde
– LIS. Desenvolve pesquisas relacionadas à Educação Sexual, Sexualidade
Infantil, Violência Sexual na Infância, Práticas Lúdicas e Contação de histó-
rias. E-mail: danniplslm.dp@gmail.com

Débora Mate Mendes


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará – UFPA (2020),
mestra em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (2011) e graduada em Pedagogia Anos Iniciais:
Crianças Jovens e Adultos pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
(2006). É professora na Universidade Fe- deral do Amapá (UNIFAP) no curso
274

de Licenciatura em Educação do Campo: Ciências Agrárias e Biologia e no


Programa de Pos-Graduação em Educação – PPGED/UNIFAP. Tem experiên-
cia na área de Educação, com ênfase em Educação do Campo, das Águas e das
Florestas atuando principalmente nos seguintes temas: Juventude, Educação
Popular, Movimentos e Organizações Sociais. E-mail: deboramate@unifap.br

Delcirene Videira da Silva


Professora atuante das Séries Iniciais da Prefeitura Municipal de Mazagão –
AP. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP);
Pós-Graduação lato sensu em Gestão, Supervisão e Orientação Educacional

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pela Faculdade de Teologia e Ciências Humanas (FATECH). Mestranda do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED/UNIFAP). Integrante
do Grupo de Pesquisa, Educação, Relações Raciais e Interculturalidade e
Educação para as Relações Raciais no Brasil/Amapá e na República de Cabo
Verde: um olhar sobre os Referenciais Curriculares e materiais Didáticos.
E-mail: delcivideira74@gmail.com

Ediléia Morais de Oliveira


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED-UNI-
FAP. Possui Graduação em Ciências Naturais pela Universidade do Estado
do Amapá – UEAP (2017) e Graduação em Pedagogia pela Universidade
Federal do Amapá – UNIFAP (2007). É Especialista em Gestão Escolar com
habilitação em Orientação e Supervisão Escolar pela Faculdade Atual (2010)
e Professora da rede pública de ensino. E-mail: proflea.oliveira@gmail.com

Eliana do Socorro de Brito Paixão


Possui Pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal do Pará.
Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (MG). É
professora permanente da Universidade Federal do Amapá no curso de Gra-
duação em Tecnologia em Secretariado e no Programa de Pós-Graduação
em Educação. Tem experiência na área de Educação, atuando nos seguintes
temas: Contabilidade; educação ambiental; educação popular; e uso de tec-
nologias e mídias na educação. É membro associado da ANPED desde 2020.
E-mail: elianapaixao0101@gmail.com

Eugénia da Luz Silva Foster


Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Profes-
sora Associada IV da Universidade Federal Do Amapá (Unifap). Atua como
docente e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Educação da
UNIFAP e no Programa de Doutorado em Educação em Rede na Amazônia
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 275

(PGEDA/Polo Belém/UFPA). Líder do Grupo de Pesquisa sobre Educação,


Interculturalidade e Relações Étnico-Raciais (UNIFAP/CNPq). E-mail: dalu-
zeugenia6@gmail.com

Gustavo Maneschy Montenegro


Doutor em Estudo do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2019). Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Pará (2012).
Licenciado em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará-UEAP
(2009). É professor (Adjunto III) da Universidade Federal do Amapá – UNI-
FAP, vinculado ao Colegiado de Educação Física e docente do Programa de
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Pós-Graduação em Educação da UNIFAP (PPGED/UNIFAP). Membro da


Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Estudos do Lazer –
ANPEL; do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) e da Associa-
ção de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). É líder do Núcleo
de Estudos e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer – NEPEFEL/
UNIFAP, atuando na linha de pesquisa Educação Física e Lazeres. E-mail:
gustavo@unifap.br

Katiane Coelho dos Santos


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade
Federal do Amapá – PPGED/UNIFAP. Especialista em Mídias na Educação
pela Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Especialista em Docência
para Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal do Amapá –
IFAP. Especialista em Educação Especial e Inclusiva pelo Instituto de Ensino
Superior do Amapá – IESAP. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade da
Lapa – FAEL. Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal do
Amapá – UNIFAP. E-mail: santosckatiane@gmail.com

Keila Cristina Barata dos Santos.


Professora de História na rede pública estadual do estado do Amapá. Gra-
duada em História (ESMAC-PA). Especialista em História da África e Cultura
Afro-brasileira. Mestranda em Ensino de História (Prof-História/UNIFAP),
tendo como linha de pesquisa: Os saberes históricos em diferentes espaços
da memória. E-mail: keilcristina@hotmail.com

Leonor Barbosa Rocha


Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)
com habilitação em Coordenação Pedagógica. Licenciada em Letras com
habilitação em Língua Francesa pela UNIFAP. Pós-Graduação lato sensu em
Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade de Teologia e Ciências Humana
276

(FATECH). Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em


Educação (PPGED) da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Professora
da Educação Básica de Ensino de Macapá, AP, com experiências na área de
projetos educacionais, linguagens e alfabetização. E-mail: leonorbar.rocha@
gmail.com

Márcia Kelly Fonseca da Costa


Graduada em Educação Física, atualmente mestranda do Programa de Pós-
-Graduação em Educação – PPGED da Universidade Federal do Amapá (UNI-

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FAP), Especialista em Gestão e Docência no Ensino Superior e Especialista
na Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva na área de Concentração
– Saúde Mental/ Educação Física pela UNIFAP. Atualmente professora da
Rede Pública de ensino em Macapá e preceptora do Programa de Residência
Pedagógica da UNIFAP no núcleo de Educação Física. Realiza pesquisas na
área de Educação Física com ênfase em: Educação, Educação Física Escolar,
Lazer, Cultura, Prática Pedagógica, Formação de Professores, Educação Física
e Saúde Mental. E-mail: marciakelly.costap@gmail.com

Marina de Almeida Cavalcante


Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação (PPGED) da Uni-
versidade Federal do Amapá (2022), linha de pesquisa: Educação, Culturas e
Diversidades. Área de estudo: LGBTQIA+fobia em adolescentes. Graduada
em Enfermagem pela Universidade do Estado do Pará (2010) e pós-graduada
no curso de especialização em enfermagem – modalidade residência em clí-
nica médica do Hospital Ophir Loyola (2014). Atualmente é servidora efetiva
do Instituto Federal do Amapá. E-mail: marina.enf.cavalcante@gmail.com

Marise dos Santos Nunes


Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Amapá, UNIFAP
desenvolvendo a pesquisa “EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Práxis Educativa
de professores dos anos finais do ensino fundamental na Escola Estadual
Nancy Nina da Costa na Amazônia amapaense”. Graduada em Licenciatura
Plena em Pedagogia- Universidade Vale do Acaraú (2011). Especialista em
Gestão do Trabalho Pedagógico – Supervisão e Orientação Escolar (ATUAL
– 2014). Especialista em Educação Especial e Inclusiva (FATECH – 2019).
Especialização em Docência na Educação Profissional e Tecnológica (IFAP
– 2021). E-mail: marisenunes2014@gmail.com
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 277

Marques Ferreira Barbosa


Graduado em História pela Universidade Federal do Amapá (2016), e em
Ciências Naturais pela Universidade do Estado do Amapá (2017), pós-gra-
duado em Educação com ênfase no ensino de história pela Faculdade da Lapa
(2019), pós-graduado em Gestão escolar pela FAVENI (2021). Mestrando em
Ensino de história (PROFHISTÓRIA) na UNIFAP (Universidade Federal do
Amapá). Professor efetivo da rede estadual de ensino do Estado do Amapá.
E-mail: barbosa-marques2010@bol.com

Raimunda Kelly da Silva Gomes


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Professora Adjunta da Universidade do Estado do Amapá, líder do Grupo de


Integração Socioambiental e Educacional (GISAE), onde tem desenvolvido
atividades de pesquisa e extensão. É Docente do Programa de Pós-Graduação
em Educação, da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). É coordenadora
do NUTEX e possui experiência em estudos socioambientais e educação do
campo na Amazônia. É Mãe da Maria Eduarda e da Maria Yasmim, e busca
por construir redes de saberes entre a universidade e os povos tradicionais.
E-mail: raimunda.gomes@ueap.edu.br

Raimundo Erundino Santos Diniz


Doutorado em Ciências Sócio-ambientais e Mestrado do Programa de Pós-
-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU/
NAEA/UFPA). Bacharel e Licenciado em História (UFPA). Professor Adjunto
da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Professor Permanente do Pro-
grama de Mestrado Profissional do Ensino de História- (PROFHISTORIA/
UNIFAP), e do Programa de Mestrado em História da Universidade Federal
do Amapá (PPGH/UNIFAP). Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos
Interdisciplinares em Cultura e Políticas Públicas (CNPq/UNIFAP). Pesquisa
temas relativos ao Ensino de História, História e terras/territórios tradicional-
mente ocupados na Amazônia, História e Cultura afro-brasileira e Africana,
Educação Escolar Quilombola, e História da Educação Brasileira. E-mail:
historiadiniz@gmail.com

Raisa Ribeiro de Souza


Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Amapá-UNIFAP.
Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade META (2010).
Licenciatura em Música pela Universidade do Estado do Amapá (2022). Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Artes/Música atuando prin-
cipalmente com os seguintes temas: Educação Musical, Cultura, Infância.
E-mail: raisa.souza@ueap.edu.br
278

Rosa Maria Vilhena Farias Dias


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) pela Uni-
versidade Federal do Amapá (UNIFAP). Possui graduação em Letras – com
habilitação em Francês pela Universidade Federal do Amapá (2009). Atual-
mente é técnica em assuntos educacionais da UNIFAP e professora da rede
pública do Estado do Amapá. Tem experiência na área de Letras, com ênfase
em português e francês. E-mail: rosavilhena@unifap.br

Solange dos Santos Conceição


Mestrado em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação pela

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Universidade Federal do Amapá (em andamento). Especialização em Gestão
Escolar pela Universidade do Estado do Amapá (em andamento). É graduada
em Filosofia pela Universidade Federal do Amapá. É Bacharel em Administra-
ção pela Universidade Paulistana. Membro do Grupo de Pesquisa Juventude
Rural, Educação do Campo e Movimentos Sociais na Amazônia – JUREMA.
Área de estudos: Educação do campo, das águas e das florestas; o desloca-
mento campo-cidade da juventude para acessar o ensino escolar. E-mail:
ssolangeconceicao@gmail.com

Stephany Dantas de Freitas Furtado


Professora do Magistério Superior da Universidade Federal do Amapá do
curso de Tecnologia em Secretariado Executivo. Mestranda no Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amapá. Possui
graduação em Licenciatura em Letras com Habilitação de Língua Portuguesa/
Língua Inglesa pelo Instituto de Ensino Superior do Amapá (2018). Pós-gra-
duada em Língua Inglesa pelo Instituto de Ensino Superior do Amapá (2018) e
em A Moderna Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (2019). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Línguas
Estrangeiras Modernas. E-mail: stephanydnts@unifap.br

Tadeu Lopes Machado


Tadeu Lopes Machado possui Graduação em Ciências Sociais pela Universi-
dade Federal do Amapá (UNIFAP), mestrado e doutorado em Antropologia
Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Seus interesses de estudo
e pesquisa se concentram em etnologia indígena, especialmente voltados para
educação escolar indígena, interculturalidade, política indígena, intercâmbio,
comércio, parentesco, relações de troca, redes de sociabilidades, territoria-
lidade e estudo de fronteiras. Atua como pesquisador no Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Marxismo, Trabalho e Políticas Educacionais (GEMTE/
UNIFAP) e também no Grupo de Pesquisa Diversidade e Interculturalidade
AMAZONIZAR: Educação, Pesquisa e Cultura 279

na Amazônia: pesquisas colaborativas e pluridisciplinares (DINA/Museu


Paraense Emílio Goeldi). Atualmente é professor Adjunto da Universidade
Federal do Amapá (UNIFAP), vinculado ao Curso de Licenciatura Intercul-
tural Indígena do Campus de Oiapoque (CLII-UNIFAP), como também é
professor permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE-
D-UNIFAP), atuando na linha de pesquisa Educação, Culturas e Diversidades.
E-mail: tadeu@unifap.br.

Tiago Ruan Pereira e Silva


Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação (PPGED) da Uni-
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

versidade Federal do Amapá (2022). Especializando em Psicomotricidade pela


Faculdade Venda Nova do Imigrante (ES) – FAVENI (2022). Graduado em
Pedagogia pela Faculdade Estácio de Macapá – FAMAP (2022). Participou do
Programa de Formação, capacitação, aperfeiçoamento e idiomas – PROFID
(LIBRAS para comunidade) nível I, II e III – UNIFAP (2021). Especialista
em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade Venda Nova do
Imigrante (ES) – FAVENI (2021). Especialista em Educação Especial e Inclu-
siva pela Faculdade de Teologia e Ciência Humanas (AP) – FATECH (2019).
E-mail: tiagoruann5@gmail.com
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo com brilho 250 g (capa)

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