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VOLUME
Coleção Diálogos2da História Ensinada
Coleção Diálogos da História Ensinada
Espaço,
Espaço,
Temporalidades
Temporal
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
idades
Ensino
eeooEns inode
de
HHistór
istóriaia
ANA SARA
ANA CORTEZ
SARA CORTEZIRFFI
IRFFI
DARLAN REIS
DARLAN JUNIOR
REIS JUNIOR
JANAÍNA VALÉRIA CAMILO
JANAÍNA VALÉRIA CAMILO
ORGANIZADORES
ORGANIZADORES
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Ana Sara Cortez Irffi
Darlan Reis Junior
Janaína Valéria Camilo
(Organizadores)
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
ESPAÇO, TEMPORALIDADES
E O ENSINO DE HISTÓRIA
Volume 2
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagens da capa: @Harryarts | Freepik (modificado) | Carta topographica e
administrativa da provincia do Ceará – Villiers de L’Ile-Adam, J. de, Visconde | Mapa
Nova et accurata Brasiliae totius tabula – Blaeu, Joan (1596-1673) | Leito de Rio
Intermitente, Crato, Ceará (2023) – Acervo de Darlan Reis Junior | Inventário post-
mortem (1851) – Acervo do Centro de Documentação do Cariri
E77
Espaço, Temporalidades e o Ensino de História / Ana Sara Cortez Irffi, Darlan Reis Junior, Janaína
Valéria Camilo (organizadores) – Curitiba : CRV: 2023.
340 p. (Coleção Diálogos da História Ensinada, v. 2).
Bibliografia
ISBN Coleção Digital 978-65-251-5262-2
ISBN Coleção Físico 978-65-251-5264-6
ISBN Volume Digital 978-65-251-4933-2
ISBN Volume Físico 978-65-251-4936-3
DOI 10.24824/978652514936.3
2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3029-6416 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Adriane Piovezan (Faculdades Integradas Espírita)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Alexandre Pierezan (UFMS)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Andre Eduardo Ribeiro da Silva (IFSP)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Antonio Jose Teixeira Guerra (UFRJ)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Carlos de Castro Neves Neto (UNESP)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Carlos Federico Dominguez Avila (UNIEURO)
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Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO
Apresentando a série���������������������������������������������������������������������������������������������������9
Apresentação�������������������������������������������������������������������������������������������������������������11
Prefácio���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������13
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Seção I
Teorias e métodos
Seção II
Meios e linguagens
Seção III
Sujeitos e resistências
Povos originários nos sertões do Mato Grosso do Sul: fontes para o ensino
de História� ������������������������������������������������������������������������������������������������ 303
Maria Celma Borges
Vitor Wagner Neto de Oliveira
Índice remissivo������������������������������������������������������������������������������������������������������329
Coordenação ProfHistória-URCA
Apresentação
já tem mais de meio século e, infelizmente, ainda continua válida, não apenas
para determinadas universidades ou determinadas áreas do saber, não apenas
para o ensino universitário ou de alguma forma institucionalizado, apesar das
dissonâncias no coro dos conformados aos poderes locais. A explicitação de um
dos motivos fundantes da persistência desse ímpeto colonizador em vários lugares
de ensino, muitas vezes disfarçados de novidade ou crítica aos modelos estabele-
cidos, também já tem mais ou menos meio século, e pode ser resumido em uma
formulação de Roland Barthes: “[...] o que pode ser opressivo num ensino não é
finalmente o saber ou a cultura que ele veicula, são as formas discursivas através
das quais ele é proposto”3.
Continua, portanto, o desafio de sair das formas discursivas da disputa
disciplinar; continua a campanha de desarmamento do saber; continua o ques-
tionamento sobre as hierarquias, tanto as já conhecidas, quanto as supostamente
novas. Em outros termos: pensar numa “área” como “ensino de história” exige
aprofundamento do debate sobre o modo pelo qual as “áreas” se formam histo-
ricamente, reivindicando legitimidades silenciadas e, ao mesmo tempo, abrindo
espaço para a ladainha das legiões de missionários.
Se ainda estamos longe de tratar a história como crença, estamos ainda
mais longe de admitir a crença no ensino, principalmente quando se supõe que
o ensino pode se reduzir à área da história, ou que a história pode se reduzir à
área de ensino. Nesse jogo colonizador das áreas (dividir para dominar), torna-se
difícil romper o círculo vicioso, até porque parece existir um certo prazer nos
agrupamentos em torno de bibliografias canonizadas e a consequente censura,
pública ou velada, diante dos textos “dos outros”. A questão é complexa. Por
isso limito-me, apenas, a dizer que a questão, tudo indica, relaciona-se com um
temor específico. Refiro-me ao temor, quase sempre disfarçado de boas intenções,
diante da possibilidade de pôr em debate mais sistemático a provocação de Walter
Benjamin a respeito do “capitalismo como religião”. Ainda estamos na sala de
espera de pesquisas sobre a atualidade teimosa de algo que poderia ser chamado
de “pedagogia como religião”.
Isso não quer dizer que estamos parados. Pelo contrário. O debate está na
praça. É certo que o ritmo é lento. E, o pior, raramente se vê um ritmo alterna-
tivo. Mas, há movimento, obviamente não na estridência das frases de efeito,
e sim no sussurro do cotidiano. Não nos microfones dependentes de palmas, e
sim no encontro esperado ou inusitado de vozes que se reconhecem e se escutam
Seção I
Teorias e métodos
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A relação espaço-tempo no
ensino da História Regional e local:
conflitos e resistências no meio histórico
Darlan Reis Junior
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Esta noção mais ampla de região – como unidade que apresenta uma lógica
interna ou um padrão que a singulariza, e que ao mesmo tempo pode ser vista
como unidade a ser inserida ou confrontada em contextos mais amplos –
abrange na verdade muitas e muitas possibilidades. Conforme os critérios que
estejam sustentando nosso esforço de aproximação da realidade, vão surgindo
concomitantemente as várias alternativas de dividir o espaço antes indeter-
minado em regiões mais definidas. Posso estabelecer critérios econômicos
– relativos à produção, circulação ou consumo – para definir uma região ou
dividir uma espacialidade mais vasta em diversas regiões. Posso preferir critérios
18 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Para Ciro Flamarion Cardoso, a única maneira de usar com proveito a noção
O lugar assim definido é uma base de sentido para os que nele vivem; e
torna-se fundamento da inteligibilidade para a pessoa de outra cultura
interessada em observar e entender aquela comunidade em que o lugar em
questão foi construído. O lugar antropológico caracteriza-se por garantir
simultaneamente identidade, relações e história aos membros do grupo cuja
cultura o constituiu. Lugar é a ideia, parcialmente materializada (porque
em parte inscrita concretamente no espaço, no território), que os habi-
tantes têm de suas relações com seu território, com suas famílias e com os
outros. Tal ideia é variável em parte, segundo as posições que indivíduos
e grupos ocupam no sistema; e pode ser transformada em mitologia. Mas
provê e impõe um conjunto de referências que, ao desaparecer, é de difícil
substituição (CARDOSO, 1998, p. 14).
A relação espaço-tempo no ensino da História Regional e Local:
– 21
conflitos e resistências no meio histórico
expressão mais nítida disso. Basta considerar a própria formação do Brasil, cujo
território foi redimensionado ao longo dos anos: no Tratado de Tordesilhas
de 1494, nos Tratados da Colônia ao Império entre 1750-1782, nos tratados
de limite da República, de 1895 a 1909, e na Convenção das Nações Unidas,
em 1992. Além da infinidade de confrontos e disputas judiciais no decorrer,
principalmente, da fronteira oeste brasileira, que a tornava flexível no âmbito
das relações pessoais.
Essa desnaturalização do território brasileiro, no que concerne aos limites
da nação, implica na necessidade de desmistificar da mesma forma a proprie-
dade das terras. Se o Brasil não é grande pela própria natureza, ele também não
tem um proprietário eterno ou em essência. As terras, em geral concentradas
em latifúndios, foram apropriadas em algum momento da história. E a revisão
de documentos históricos, como as cartas de sesmarias, dá conta desse processo
histórico que, em sua ponta, vai expor a expropriação sofrida pelos nativos ‘bra-
sileiros’ pelo colonizador português.
A observação de Pierre Bourdieu é válida – a de que não se pode capturar a
lógica mais profunda do mundo social a não ser submergindo na particularidade
da realidade empírica, historicamente datada e situada. Não se deve transformar
em propriedades necessárias e intrínsecas de um grupo qualquer, as propriedades
que lhes cabem em um momento dado, a partir de sua posição em um espaço
social determinado e em uma dada situação de oferta de bens e práticas possíveis
(BOURDIEU, 2007, p. 15-18).
As identidades regionais alteram-se no decorrer do tempo, ganham sentidos
diferenciados conforme as percepções dos que viveram, vivem, as regiões. Isso é
fundamental para o entendimento da escrita de uma História Regional. Segundo
Erivaldo Neves, região é conceito referente a algo socialmente construído.
As relações de pertencimento não são algo que preexiste ao saber que procura
investigar o ”ser cearense”, e sim um campo de forças que se faz na medida em
que o sentimento de nacionalidade também passa a desenvolver a necessidade
de um patriotismo regionalizado, em conexão com as especificidades das
relações entre o centro e a periferia do poder político do Brasil imperial. Não
bastava delimitar a vasta e pouco conhecida extensão do país e das províncias.
Além do espaço, o poder precisava do tempo (RAMOS, 2012, p. 189).
também, através da legislação que de certo modo lhes favorecia. Mesmo com a
existência do costume de se permitir o acesso à água para moradores e vizinhos,
a questão é que um senhor poderia decidir negar este acesso, por alguma con-
trariedade ou disputa. Aos homens com menos recursos, geralmente restavam
as terras de menor valor, descritas geralmente como “terras secas”. Já as terras
regadias, com a possibilidade de uso das águas correntes, estavam concentradas
nas mãos dos homens mais ricos e poderosos.
Diante de todas as dificuldades, os trabalhadores pobres que viviam das
atividades agrícolas eram a maioria. A luta pela sobrevivência era árdua, exigia
muito trabalho, quase sempre árduo, na lida da terra e demais atividades vincu-
ladas. Não era fácil a sobrevivência no Cariri, não obstante todo o discurso sobre
o “oásis”, banhado por “águas de fontes cristalinas” e com solos férteis, propícios
para os “verdes canaviais”.
Como os trabalhadores entendiam o espaço em que viviam? Até que ponto os
componentes de uma suposta “identidade regional” caririense, elaborados e difun-
didos pela classe senhorial faziam parte da sua própria identidade? E se não faziam,
quais seriam os elementos que compunham o seu mundo? Conforme foi analisado,
a categoria era heterogênea. No entanto, alguns elementos em comum conformavam
uma cultura que lhes era própria, sua experiência, padrões de conduta e valores.
Nem sempre havia uma avaliação pejorativa sobre os hábitos da população
trabalhadora no Cariri. Francisco Freire Alemão narrou uma festividade ocorrida
na localidade de Vargem Grande, no caminho entre a cidade do Crato e a vila
de Lavras da Mangabeira. Tratava-se de um casamento “na casa de uns pardos
matutos” ao qual Freire fez as seguintes observações:
Quando lá chegamos – sete horas da noite – já estava feito o casamento, que foi
feito em casa, pelo padre que também assistia ao samba. A casa coberta de telha
fosca, chão de terra com uma comprida varanda, onde estava armada uma mesa
de mais de 40 palmos. As mulheres sentadas todas do lado de dentro, os homens
do lado de fora; e nós fomos todos convidados a tomar assento, mas só tomamos
uma xícara de café, além de um copo de cerveja preta que me foi oferecido logo
que me apeei. Provei aluá de milho, assim como tomei alguns tragos de genebra
no mesmo copo onde bebia outra gente, e que com a mais ingênua sem-cerimônia
26 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
me ofereciam. Este copo corria também pelo mulherio, entre o qual havia algumas
senhoras e que não desdenham de tocar-lhe. A longa mesa coberta com uma tosca
toalha tinha espalhado pratos com arroz com farinha, com galinha cozida, com carne
assada e com uma sorte de almôndegas, garrafas de vinho. Era bom ver como certas
mulheres comiam e como as outras (meninas) deixavam de comer por vergonha, ou
comiam duas no mesmo prato. Veio depois o café, em que tomamos parte. Acabada
a mesa formou-se o samba no terreiro. Estenderam uma rede nos esteios da varanda
e instaram comigo para que me sentasse nela, o que não aceitei, e não fui mal no
configuração é “sítio”. Tanto pode ter o mesmo sentido que o de bairro assume
em São Paulo, ou seja, uma localidade no meio rural, formando uma comunidade
camponesa, como também a unidade de moradia e produção de uma família:
O Abaixo assignado faz sentir á aquellas pessoas que até hoje hão mantido
relações de negocios com seus escravos, que não podendo tolerar por mais
tempos essa traficancia summamente perniciosa aos interesses do abaixo assig-
nado, declara que qualquer negocio feito com ditos seos escravos será desfeito
30 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Pedro, cabra, com sincoenta e tantos annos de idade, altura regular, secco do
corpo, rosto descarnado, pouca barba, algua coisa calvo, pernas finas, rendido
de uma verilha; fugiu em outubro proximo passado, da Villa de Porto Alegre,
provincia do Rio Grande do Norte; consta que dito escravo monirasse na
cidade do Icò de uma carta falsa em nome de seo Sr. que é o abaixo assignado,
consedendo-lhe licença para andar tirando esmollas afim de sêr liberto, e na
posse desse documento apariceu no sitio Roncador do termo de Barbalha,
havendo toda desconfiança axar-se dito escravo oculto naquelle ou neste
termo. Quem o pegar, ou delle dér noticia no Escretorio da Typographia do
Araripe será pago de seo trabalho. Crato 15 de Janeiro de 1856. Pelo P. Pedro
Leite Pinto; Antº Glz’ de Olivrª (O ARARIPE, 26 jan. 1856, p. 4).
A arte do disfarce era uma estratégia do “cabra” escravizado Pedro, que para
fugir das mãos de seu senhor, utilizara-se de uma carta supostamente falsa. Suposta-
mente, porque pode ser que Pedro não fosse mais escravo, e que, portanto, houvesse
uma tentativa de escravização ilegal, da parte de seu antigo senhor. O anúncio retrata
apenas a tensão existente, além da busca do suposto dono, por um escravo fugitivo.
Várias histórias de luta contra a escravização, que resultavam na fuga dos
escravizados podem ser encontradas nos periódicos da época. A instituição
escravista se fazia presente, revelando as condutas daqueles que a defendiam,
mas também daqueles que apoiavam os fugitivos. Questões pertinentes ao
estudo da História Local.
Histórias que não são apenas locais, mas que aconteceram também na região,
nas localidades, com suas peculiaridades. O pretenso projeto civilizador da classe
senhorial significou o aumento dos estereótipos sobre as classes subordinadas.
Da apropriação injusta dos recursos naturais e da autoimagem de bondade e
civilizada, os senhores estigmatizaram os mais pobres. Enquanto alguns puderam
desfrutar as possibilidades de uma vida de fartura material e de prestígio social,
combinados ao poder político, os trabalhadores procuraram diversas formas
de resistir, muitas vezes, apenas para poder sobreviver no Crato e no Cariri. E
resistindo, estabeleceram laços de solidariedade, amizade, amor, mesmo que esses
sentimentos não surjam na documentação oficial.
O Cariri vivido refletia as contradições das relações sociais existentes. Idealizado
no discurso senhorial como o lugar do refrigério, da fertilidade do solo, da presença
das águas de suas fontes, oriundas da Chapada do Araripe, lugar de descanso para
o viajante, da generosidade dos senhores, mas era, ao mesmo tempo, espaço do
conflito, da diferença de usos da terra, da ociosidade e da propensão à criminalidade
da classe subordinada se não houvesse o controle social. A humanidade e a natureza
determinadas. Da idealização para a representação. Em que pese a identificação desta
construção com um modelo de sociedade pensada pelos senhores ou seus intelectuais,
a historiografia que pretenda abordar o Cariri, não deve partir de uma interpretação
determinista da natureza e, consequentemente, das atividades econômicas. Seria
incompleta se considerasse que somente as relações humanas no âmbito social seriam
históricas, e que, portanto, apenas elas mudassem no decorrer da temporalidade. Ou
que as relações econômicas estariam determinadas pelos recursos naturais existentes,
como se fossem um dado a priori. O resultado levaria a considerar que as atividades
ligadas à pecuária, à agricultura ou ao comércio ocorreriam devido às “oportunidades”
naturais do entorno, do espaço, reafirmando o discurso dominante no século XIX.
Um local com fontes de água e solo fértil, “naturalmente” seria propício à determi-
nada prática agrícola. Já um terreno com solos mais empobrecidos do ponto de vista
da potencialidade produtiva, serviria para as pastagens, por exemplo. A própria ideia
de fertilidade seria permanente, a não ser em caso de desastres naturais.
Nesse tipo de abordagem, também o trabalho humano se apresenta de
tal maneira. Assim, dentro desse raciocínio, algumas atividades fariam uso
32 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Referências
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e
outras artes. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
CORTEZ, Ana Sara Ribeiro Parente. Cabras, caboclos, negros e mulatos: a família
escrava no Cariri Cearense (1850-1884). 2008. Dissertação (Mestrado em História
Social) – Universidade Federal do Ceará, Departamento de História, Fortaleza, 2008.
E spaço. Muitos historiadores têm se voltado a esse termo a partir de uma pers-
pectiva da multiplicidade de sentidos a ele agregados ao longo do tempo. De
acordo com David Harvey (2012, p. 8), entendida como palavra-chave, o espaço
figuraria como uma das palavras mais complicadas da língua inglesa, posto que
carregada de variados significados. Na língua portuguesa, é possível dizer que a
afirmação é igualmente válida. A palavra “espaço” está relacionada a várias signifi-
cações, como distância, lugar, extensão, intervalo, capacidade, entre tantos outros.
“A palavra ‘espaço’ suscita, frequentemente, modificações” (HARVEY, 2012,
p. 8). A primeira e principal variação em sua definição é seu caráter móvel. Espaço
é, antes de tudo, movimento. Sua representação gráfica se atrela necessariamente
à marcação de um ponto a outro – altura, largura, comprimento. Sua medida
é mensurada a partir do deslocamento, do ato de movimentar-se de um ponto
a outro, o que implica necessariamente uma relação com o tempo – e, uma vez
relacionados, determinam a velocidade. De forma que não é possível pensar o
espaço sem considerar outras variáveis. Nas palavras de Milton Santos (2006, p.
69), “as mudanças são sempre conjuntas e cada aspecto ou parte é apenas uma
peça, um dado, um elemento, no movimento do todo”.
É, portanto, o movimento que aponta para o fato de que espaço e tempo
estão necessariamente imbrincados e que não é possível separá-los. O tempo
pode ser, então, caracterizado como a quarta dimensão do espaço, de forma
que é possível afirmar que toda referência espacial parte de instâncias temporais
(BAKHTIN, 2014). Assim, a análise do espaço só faz sentido se considerar as
suas medidas atreladas ao tempo. Ou, nas palavras de Ana Isabel Reis (2015),
no desenhar da modernidade e da ideia de progresso, o “o espaço passou a ser
utilizado a serviço do tempo”.
O espaço, nesse sentido, não pode ser entendido sem a historicidade do
tempo. Um objeto só pode ser definido a partir da relação com o tempo. Uma
estrada podia ser, no período colonial brasileiro, uma “ribeira” de rio; um caminho
de “ferro”, no século XIX; ou uma estrada de rodagem, no início do Novecentos
e mesmo uma via área, em fins dos séculos XX e XXI. De forma que a estrada só
pode ser entendida à medida que vestígios de um processo são a ela agregados.
36 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
De igual maneira, um mapa precisa ser situado temporalmente para seu conhe-
cimento. É dessa perspectiva que este capítulo trata.
7 Formou-se em direito, mas seguiu a carreira do pai Willem Blaeu (1571-1638) como cosmógrafo, produzindo
e imprimindo diversos mapas e atlas.
Desenhos de um Brasil colonial: mapas e ensino de História – 41
Os fortes, por sua vez, foram representados por um símbolo que remetia ao
formato utilizado pela realeza e que figuravam nos demais fortes construídos na
América seiscentista, estando presentes em todo o litoral, principalmente nas cha-
madas capitanias do Norte. Era próximo a eles que iniciavam o povoamento da
região, tendo sido construídos expressamente para a defesa do território. A Paraíba,
por exemplo, que possuía uma localização estratégica e considerável importância
econômica, foi conquistada em 1634, após os holandeses destroçarem a bateria da
42 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Por outro lado, é preciso considerar que, durante todo o período colonial,
a maior parte dos sujeitos que cartografaram esse território nunca haviam atra-
vessado o Atlântico. De fato, os mapas eram construídos a partir de uma série
Desenhos de um Brasil colonial: mapas e ensino de História – 43
8 É valido mencionar que os trabalhos de D’Anville também possuem um caráter mais científico, tendo sido
produzidos num momento em que os ornamentos e elementos figurativos deixaram de ser considerados
essenciais e passaram a ser reservados para o cartucho, que nesse mapa foi desenhado por Hubert François
Gravelot (1699-1773), irmão do cartógrafo.
9 É importante perceber que, até o século XIX, algumas partes próximas ao rio Tietê, em São Paulo, ainda
não tinham sido totalmente cartografadas, sendo ocupada por nativos, escravos fugidos e outros sujeitos
fora do controle do poder imperial. Como a escala utilizada pelo autor é pequena, o número de detalhes
tende a ser menor, fazendo parecer que o espaço era totalmente conhecido.
44 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
A respeito dessa estrada, Charles Boxer (2002, p. 63) afirmou que existia, na
verdade, uma variedade de caminhos vindos de todas as direções do interior da
capitania da Bahia, convergindo para o São Francisco, onde se juntavam numa
fazenda chamada Arraial de Mathias Cardoso – denominada no mapa apenas
como Arrayal de Cardoso – de onde o caminho para as minas de ouro seguia a
margem do rio durante 160 milhas, até a junção com o rio das Velhas. D’Anville,
no entanto, apresentou apenas uma delas, saindo de Cachoeira, na Bahia, de onde
era possível seguir para a cidade de Salvador a partir de pequenas embarcações.
A atenção relacionada à parte sul estava também vinculada aos interesses
portugueses em mapear as fronteiras luso-espanholas, fronteiras essas que haviam
ultrapassado largamente o Tratado de Tordesilhas, constituindo razão de conflito
entre as duas coroas. No mapa, D’Anville apresentou o território português
chegando até a embocadura do rio da Prata “por uma língua de terra, de 10
léguas de profundidade, a partir da capitania de São Paulo; preservava a estrada
fluvial das monções, que ligava aquela cidade a Cuiabá; e, finalmente, unia Mato
Grosso aos territórios da Amazônia” (CORTESÃO, 2006, p. 234-235). E, ainda,
a Colônia de Sacramento, que havia sido fundada em frente a Buenos Aires,
em 1680, para facilitar o acesso à prata espanhola (SANTOS, 2016, p. 446). A
46 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Gusmão não eram as mesmas, a produção dos dois mapas passou por suas indi-
vidualidades, representando o território a partir de suas percepções do espaço,
suas vivências e interpretações sobre os interesses portugueses.
É possível inferir também, a partir das proposições apresentadas no mapa
de D’Anville, que em meados do século XVIII, com o domínio lusitano das
capitanias do norte já recuperado, o alargamento da presença portuguesa no cen-
tro-sul, expandindo suas fronteiras para o oeste, bem como a descoberta de novas
jazidas de ouro e diamante nas Minas Gerais, esse Império teria de redirecionar
os interesses e preocupações para defender o litoral de inimigos externos, mas
também para ocupar o interior do território e a defesa de suas fronteiras terrestres.
A colônia, assim, se tornava cada vez mais essencial para a metrópole, que desde
a restauração passava por uma crise política e econômica que contrastava com
essa intensa atividade e o florescimento das terras do ultramar.
Por essa razão, ao longo da segunda metade do setecentos foi intensificada a
ideia da integração do Império, particularmente no que se referia às relações entre
o reino e o domínio na América, como a solução para as crises enfrentadas por
Portugal (MARTINS, 2017, 569). Conforme Maria Fernanda Martins (2017,
p. 570), a própria ideia da instalação do centro do Império Português na colônia
americana, a partir da transferência da corte para o ultramar, não foi um impulso de
1807. Antes, foi uma política que havia sido considerada ou sugerida em diferentes
momentos, sobretudo quando a soberania do país, de sua posição na Europa ou a
integridade de seus domínios na América sofriam ameaças mais diretas.
De acordo com Júnia Furtado (2009, p. 167), Dom Luís da Cunha, ainda
na primeira metade do século XVIII, salientava a centralidade que o Brasil vinha
adquirindo nos jogos de poder das nações modernas e citava a possível necessidade
de transferência da corte para o Rio de Janeiro. Em uma carta de instruções a
Marco Antônio de Azevedo Coutinho (novo secretário dos negócios ultramarinos
de Portugal), o embaixador afirmou que “o príncipe para poder conservar Por-
tugal, necessita totalmente das riquezas do Brasil, e de nenhuma maneira das de
Portugal [...] é mais cômodo, e mais seguro estar onde se tem o que sobeja, [do]
que onde espera o de que se carece” (FURTADO, 2009, p. 167).
Meio século depois, é possível observar que as antecipações de Dom Luiz
se concretizavam. Diante das chamadas guerras napoleônicas, entre Inglaterra
48 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
De outra parte, os acidentes geológicos comuns de serem representados ao Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
longo do território, nessa carta de 1640, ocuparam também o espaço oceânico:
rochas e baixos que ficavam próximos ao litoral e figuravam com imagens de cru-
zes em “xis”. A ilha de Fernando de Noronha, por sua vez, foi delineada a partir
de um formato “disforme”, em relação ao modo como as ilhas costumavam ser
retratadas pelos cartógrafos da época, e sem indicação a quem pertencia.
Uma rosa dos ventos com dupla orientação foi reproduzida por Blaeu em
muitos dos seus mapas. Nela, além da flor de lis apontando para cima, indicando
o norte, uma pequena cruz foi representada apontando para direita, indicando,
possivelmente, uma referência a Jerusalém – já que o uso da geografia sacra e
o mapeamento do mundo bíblico eram temas comuns na cartografia da época.
Por fim, no canto inferior direito, próximo ao cartucho do mapa, podemos
ver a iluminura13 de um homem deitado na areia com uma coroa, segurando
13 O termo pode ser relacionado verbo latino “illuminare”, sendo conhecido desde pelo menos o século
IX e utilizado por autores medievais para figurar a ornamentação ou ilustração dos manuscritos, mais
Desenhos de um Brasil colonial: mapas e ensino de História – 53
especificamente de suas iniciais. Sua utilização tinha o fim de tornar o manuscrito “luminoso”, porque a
utilização do ouro ou prata era comum. Iluminura também pode significar “miniatura”, posto que pode derivar
da palavra latina minium, isto é, cor vermelha e do verbo miniare que significa escrever a vermelho. Com
a mudança, entre o século I e o século IV d.C., do rolo de papiro para o códice, provocando uma profunda
alteração técnica e implicações significativas no “iluminador”, que passou a ter um espaço mais reduzido,
o do fólio, onde concentraria toda a sua atenção na relação texto/imagem. Ver mais em: MIRANDA, Maria
Adelaide. A produção do livro: do monge ao artesão. A iluminura e o iluminador no contexto de produção
do códice. Coimbra: Câmara Municipal; INATEL; ADDAC, 2001.
54 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
das capitanias do norte que fazem parte de seu Atlas Maior,14 publicado em 1665.
Através de iluminuras, o autor narrou a batalha naval de 1640 entre as armadas
espanhola e holandesa, na qual os espanhóis tentaram desembarcar suas tropas na
praia de Pau Amarelo e recuperar o controle da região (DARÓZ, 2009, p. 55). A
batalha durou do dia 13 ao dia 17 de janeiro, quando ocorreram quatro combates
ao longo da costa das capitanias sob domínio holandês. Esse cosmógrafo foi alo-
cando e narrando cada uma delas no local onde teriam se desenvolvido os conflitos.
Ao cabo, analisando o que foi projetado nos mapas aqui discutidos, é per-
ceptível como esse espaço vai se modificando ao passar dos séculos, deixando de
ser, como explica Nísia Trindade Lima (2013, p. 107), a faixa de terra junto ao
mar para ser principalmente considerado o espaço da civilização. A projeção car-
tográfica, assim, pode ser entendida como uma espécie de bússola dos interesses e
definições de um determinado tempo. Conforme Rolnik (2007, p. 23), a projeção
cartográfica, “acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de
certos mundos – sua perda de sentido – e a formação de outros”.
Referências
ABUD, K. M. Processos de construção do saber histórico escolar. História &
Ensino, Londrina, v. 1, p. 25-34, jul. 2005.
outro lado, longe de serem imagens neutras, puros espelhos de uma dada super-
fície terrestre, é importante entender também como os mapas foram produzidos
historicamente em determinada época e lugar, com base em escolhas imersas em
tramas políticas, econômicas, sob interesses sociais (HARLEY, 2005). Em outras
palavras, os mapas, todos eles, são fontes históricas.
Sob essa perspectiva, os trabalhos do campo da História da Cartografia
não consistem em ver até que ponto os traços do mapa seriam supostamente
15 O mapa e seus dados não apresentam a data de sua publicação. Todavia, adoto aqui a data da 1848 com
base nos escritos de Marcos Antonio de Macedo e nos estudos de Br. de Studart. Ver: MACEDO, Marcos
Antonio de. A canalisação do Rio S. Francisco ao Ceará. Um inédito de Marcos Antonio de Macedo. Revista
da Academia Cearense, Fortaleza, t. II, 1897. p. 202; STUDART, Guilherme. Geographia do Ceará. Revista
Trimensal do Instituto do Ceará, Fortaleza: Typographia Minerva, t. XXXVII, 1923. p. 360-361.
64 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
16 Charles Frederick Hartt (1840-1878) nasceu em New Brunswick, Canadá. Formado no Acadia College, Hartt
se notabilizou pelos estudos de ciências naturais, especialmente na área de geologia e paleontologia.
Diálogos entre História Ambiental e História da Cartografia:
– 65
propostas para pensar as relações com o espaço no ensino de História
nenhum rio no Brasil havia sido tão mapeado e estudado quanto o rio São Fran-
cisco naqueles meados do século XIX (HARTT, 1870, p. 275). Isso não era mero
acaso. O rio São Francisco ganhava naquela época uma importância estratégica
ao Estado imperial brasileiro. Em meio ao contexto de formação da nação, esse
curso d’água atravessava províncias do então chamado Norte e do Sul do Brasil,
como as poderosas Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, além de Alagoas e Sergipe.
O rio São Francisco despontava, dessa forma, como um elemento crucial para
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após o canal projetado para o Ceará (ver Figura 4). Assim, os vastos sertões do vale
do São Francisco teriam um caminho livre, sem empecilhos, para serem conectados
por navios a vapor com a província cearense. Os entraves à navegação escolhidos
para estar no mapa, desenhados sob a forma de três ilhas ou grandes bancos de areia,
foram somente aqueles a jusante do ponto de onde partiria o canal.
Referências
BESINGER, Greg. Google redraws the borders on maps depending on who’s
looking. The Washington Post, Feb. 14 2020. Disponível em: https://www.
washingtonpost.com/technology/2020/02/14/google-maps-political-borders/
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BRASIL, Vanessa Maria. Rio da Terra. Rio Histórico. Rio Santo. Caminho de
Água. Estrada Fluvial. Nilo Brasileiro. Rio da Unidade Nacional. Rio da Inte-
gração Regional. Afinal, quem é você? In: BRASIL, Vanessa Maria; GANDARA,
Gercinair Silvério (org.). Cidades, rios e patrimônio: memórias e identidades
beiradeiras. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2010.
CRONON, William. A place for stories: nature, history, and narratives. The
Journal of American History, v. 78. n. 4, p. 1347-1376, mar. 1992.
OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. A corrida pelo rio: projetos de canais para o Rio
São Francisco e disputas territoriais no Império brasileiro (1846-1886). Recife:
Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2019.
OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. Basta olhar para o mapa: cartografia e histó-
ria ambiental nas disputas pelo rio São Francisco em meados do século XIX.
Revista HALAC, v. 5, n. 1, p. 57-72, Sep. 2015/Feb. 2016. DOI: http://dx.
OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. Um canal para o rio São Francisco: debates e
particularidades do projeto de canalização no século XIX. Almanack, Guarulhos,
n. 25, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/2236-463325ea05118
Fontes
17 TURNER, Frederick J. The frontier in American history. New York: Dover, 1996; KNAUSS, Paulo (org.).
Oeste americano: quatro ensaios de história dos Estados Unidos da América de Frederick Jackson
Turner. Niterói: EdUFF, 2004.
74 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
21 WHITE, Richard. Frederick Jackson Turner and Buffalo Bill. In: WHITE, Richard; LIMERICK, Patricia N.
The frontier in American culture: an exhibition at the Newberry Library, n. 26, aug. 1994, n. 7, jan. 1995.
Essays by Richard White and Patricia Nelson Limerick edited by James Grossman. Berkeley: University of
California Press, 1994.
22 WHITE, Richard. Frederick Jackson Turner and Buffalo Bill. In: WHITE, Richard; LIMERICK, Patricia N.
The frontier in American culture: an exhibition at the Newberry Library, n. 26, aug. 1994, n. 7, jan. 1995.
Essays by Richard White and Patricia Nelson Limerick edited by James Grossman. Berkeley: University of
California Press, 1994.
23 Para mais considerações sobre a trajetória de F. J. Turner e sua importância para a historiografia, ver:
Ávila (2006).
76 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
24 Sobre a construção de mitos e a exploração da imagem de fronteira na cultura estadunidense, ver: WHITE,
Richard; LIMERICK, Patricia N. The frontier in American culture: an exhibition at the Newberry Library,
n. 26, aug. 1994, n. 7, jan. 1995. Essays by Richard White and Patricia Nelson Limerick, edited by James
Grossman. Berkeley: University of California Press, 1994. AVILA, A. L. O Oeste historiográfico Norte-Americano:
a frontier thesis vs, a new western history. Anos 90, UFRGS, v. 21-22, p. 370-413, 2005. Impresso.
Nas fronteiras e nos sertões:
– 77
as contribuições do estudo do espaço e suas ocupações para o ensino da História
25 LIMERICK, Patricia Nelson. “The adventures of the Frontier in the Twentieth Centrury” In: WHITE, Richard;
LIMERICK, Patricia N. The frontier in American culture: an exhibition at the Newberry Library, n. 26, aug.
1994, n. 26, aug. 1994, n. 7, jan. 1995. Essays by Richard White and Patricia Nelson Limerick edited by
James Grossman. Berkeley: University of California Press, 1994.
26 Em artigo acerca dos debates nos Estados Unidos sobre o futuro da história do Oeste, Arthur Ávila mostra
como esta vem perdendo importância como chave para o estudo da história de uma nação, para afirmar-se
atualmente como a história de uma região. ÁVILA, Arthur. Da história da fronteira à história do Oeste:
fragmentação e crise na Western history norte-americana no século XX. História Unisinos, São Leopoldo,
v.13, n.1, p.84-95, jan/abr. 2009.
27 ÁVILA. Da história... op. cit.
78 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
28 LIMERICK, Patricia N. The legacy of conquest: the unbroken past of the American West. New York:
Norton, 1987.
29 WHITE, Richard. The middle ground: indians, empires, and great Lakes Region, 1650-1815. Cambridge:
Cambridge University Press, 1991.
30 WHITE, 1991. Mais especialmente o capítulo 1.
Nas fronteiras e nos sertões:
– 79
as contribuições do estudo do espaço e suas ocupações para o ensino da História
profunda e humana, White nos fornece subsídios para a compreensão das rela-
ções entre os grupos que se encontraram em toda a América.
A obra de White, assim como os debates dos New Western Historians,
descola-se da ideia de que o conceito de Fronteira deva ser entendido como
um processo, tal como propôs Turner, para pensá-lo a partir das relações sociais
envolvidas. A Fronteira passa a ser caracterizada por um conjunto de relaciona-
mentos entre indivíduos e entre indivíduos e o espaço, que se combinam no sen-
tido de transformar o Oeste, ou o sertão, uma região distinta das demais do país.
Tendo especial preocupação em evitar um estudo calcado na vitimização
dos grupos indígenas, White acompanha o comércio de peles para dar conta das
relações sociais envolvidas. Longe de encontrar grupos indígenas dependentes e
submissos, frente aos europeus que ditavam as regras e os termos da aliança pos-
sível, deparou-se com grupos de indivíduos atuando com notável independência.
Apresenta-nos afinal uma rede de relações fluidas, na qual, muito mais do que
superar a natureza selvagem, ou conquistar indivíduos, os europeus também
precisaram se adaptar aos rituais e aos padrões de comportamento. O resultado
definitivamente não está em colonos que são poderosos agressores, tampouco
populações nativas vitimadas e massacradas, mas sim grupos concorrentes que
desenvolveram estratégias específicas para a interação e sobrevivência, ainda
que em condições desiguais.
31 Mader define sertão como todo o espaço não administrado pela Coroa. MADER, Maria Elisa. Civilização,
barbárie e as representações espaciais da nação nas Américas no século XIX. História Unisinos, São
Leopoldo, v. 12, n. 3, p. 262-270, set./dez. 2008. Márcia Amantino ressalta que o sertão era comumente
associado ao interior, à região mais distante da costa, assumindo o mesmo sentido da fronteira,
80 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
que caminhava em direção ao Oeste. Aos sertões restavam a barbárie, a selvageria, as dúvidas e a
necessidade de colonizar, salienta que a fronteira consiste em um exercício soberano de poder sobre o
território, um processo que nos sertões do Brasil é marcado por guerras, extermínios, acordos, compras
e conflitos. AMANTINO, Márcia. O mundo das feras: os moradores do sertão oeste de Minas Gerais;
século XVIII. São Paulo: Annablume, 2008.
32 ALMEIDA, Maria Regina C. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p. 80.
33 HOLANDA, Sérgio B. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Nas fronteiras e nos sertões:
– 81
as contribuições do estudo do espaço e suas ocupações para o ensino da História
34 Vale pontuar que, segundo Robert Wegner, os trabalhos reunidos em Caminhos e fronteiras foram redigidos após
uma viagem de alguns meses de Holanda aos Estados Unidos, que foi de central importância para seu
maior envolvimento com a historiografia desse país. Informações acerca da viagem de Sérgio Buarque
de Holanda aos Estados Unidos e o contato com o trabalho de F. J. Turner são recorrentes em diversos
textos sobre a vida e a obra do autor brasileiro; no presente trabalho, recorremos ao artigo: WEGNER,
Robert. Os Estados Unidos. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Cadernos de sociologia e política. Rio de
Janeiro, v. 3, p. 13-25, 1997.
35 Comparando as reflexões de Holanda com outro célebre trabalho do mesmo autor, Raízes do Brasil publicado
em 1936, fica claro que os interesses do autor se transferem da análise da sociedade litorânea para a
sertaneja, do interior. HOLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
82 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
36 LANGFUR, Hal. The forbidden lands: colonial identity, frontier violence, and the persistence of Brazil
Eastern Indians, 1750-1830. Stanford: Stanford University Press, 2006. p. 5.
37 WHITE, Richard; LIMERICK, Patricia N. The frontier in American culture: an exhibition at the Newberry
Library, n. 26, aug. 1994, n. 7, jan. 1995. Essays by Richard White and Patricia Nelson Limerick edited by
James Grossman. Berkeley: University of California Press, 1994.
84 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
38 MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
Nas fronteiras e nos sertões:
– 85
as contribuições do estudo do espaço e suas ocupações para o ensino da História
interesses, cada grupo colabora, à sua maneira, com essa relação de mútua
dependência. As novas identidades e os novos valores que tantas vezes se dis-
cutem como produto das áreas de fronteira são, na verdade, resultado dessas
negociações travadas entre as partes envolvidas. A fronteira representa, em
suma, uma importante chave de compreensão para a colonização da Amé-
rica, mas pressupõe sobremaneira uma série de outros questionamentos que a
compreendam de forma mais plural. Assim como Richard White, esse texto
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Referências
ALMEIDA. Maria Regina C. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas
aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p. 80.
HOLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003.
KLEIN, Kerwin L. Reclaiming the ‘F’ word, or being and becoming post western.
The Pacific Historical Review, v. 65, n. 2, p. 179-215, May 1996. Disponível
em: http://links.jstor.org/pss/3639983. Acesso em: 18 maio 2017.
KNAUSS, Paulo (org.). Oeste americano: quatro ensaios de história dos Estados
Unidos da América de Frederick Jackson Turner. Niterói: EdUFF, 2004.
WHITE, Richard. The middle ground: indians, empires, and great Lakes Region,
1650-1815. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
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“O Coração da Terra”:
questões de espaço, tempo e
memória em torno do sertão
Ana Paula da Cruz
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Introdução
DCU). O que nele pode ser visto? Macroscopicamente, está ilustrado o contorno
continental que abarca o que se tornou o Brasil e parte da América Latina. Con-
tudo, diante de um jogo de lentes, tomando como base uma perspectiva micro
analítica, é possível perceber um discurso imagético que visava estruturar ideias
coletivas e juízos sobre essas terras.
Dentre tantos elementos contidos no referido mapa, podem ser destacados
dois fragmentos: no primeiro (cf. Figura 1), estão estampados seres fantásticos,
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Fonte: http://hdl.loc.gov/loc.gmd/g5200.rb000009
Nada parece, aliás, quadrar melhor com certa sabedoria sedentária do que a
impaciência de tudo resolver, opinar, generalizar e decidir a qualquer preço,
pois o ânimo ocioso não raro se ajusta com a imaginação aventureira e, muitas
vezes, de onde mais minguada for a experiência, mais enfunada sairá a fantasia
(HOLANDA, 1996, p. 6).
94 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
eram marcadas por nomadismo e tensões que já lhes eram intrínsecas, como
referente aos processos de entradas dos forasteiros chegantes da máquina de
expansão colonial. Contudo, foi com a chegada destes últimos que se intensificou
o que chamo de cultura do movimento, um conjunto de práticas e costumes
marcados pela itinerância impulsionada pela busca de conquista de espaços para
além do conhecido, isto é, voltada para o além do que já havia sido conquistado.
Tal busca, advinda da intencionalidade de conquistas e invasões gerava conflitos
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No princípio do ano de [16]97 veio a esta cidade o Capitão Mor das Pira-
nhas e Piancó, Teodósio de Oliveira Ledo, e me informou o estado em que
se achavam os sertões daquele distrito despovoado [por causa] das invasões
e estrago que os anos passados fizeram neles o gentio bárbaro Tapuia e que
era mui conveniente, que estes se tornassem a povoar com gados e currais,
assim pela utilidade que resultava a real fazenda de V[ossa] Magest[ade]40.
Durante muito tempo, eram através dos rios que o poder do Estado avan-
çava para os interiores. Estradas bem delimitadas, semelhantes às de hoje, não
existiam. Eram os leitos dos rios secos e elementos da paisagem, como as serras
e nascentes de águas, que serviam de pontos de orientações e localização. Aden-
trar os sertões para empreender o avanço do poder colonizador, implicava ter
aguçada as habilidades de percepção do meio, por isso, a Coroa portuguesa se
aliava a forasteiros hábeis como os membros da família Oliveira Ledo ou da
família D’Ávila. Os rios estavam lá, mas eram as pessoas em mobilidade e em
sociabilidades que promoviam a extensão dos tentáculos da Coroa sediada em
Portugal e ramificada em diversos espaços através de redes sociais.
Mor José Gomes de Sá expulsou os Panati que haviam sido aldeados no sertão
do Piancó. Em outras palavras, os indígenas da nação Panati já tinham sido
trazidos de outras áreas dos sertões próximos e naquele ato já estavam sendo
mais uma vez retirados (expulsos) de um lugar. Por esse motivo, os próprios
indígenas recorreram ao Governador da Paraíba que os enviou para o general
do Pernambuco, autoridade maior na região, que ordenou a permanência do
aldeamento. Tal decisão não alterou o estado de tensões que acabaram por se
Este é o fragmento de uma carta que, a pedido dos Panati, por não saberem
escrever, foi feita por Vicente Ferreira Coelho e enviada ao rei D. José I para des-
crever a violência que os moradores lhes tinham infligido. Na violência lançada
contra o corpo44 do Capitão Mor Índio da nação Panati (figura de maior patente
entre os indígenas daquela etnia naquele contexto da administração portuguesa,
visto estar investido de uma patente militar-administrativa concedida pela Coroa
portuguesa) emergem as imagens de um corpo que é transpassado por duas
dimensões de força: micro e macroscópica.
A força de dimensão microscópica se configurava a partir da tensão existente
nas disputas por espaço e por sobrevivência em um âmbito local, envolvendo
sujeitos locais daquele sertão. Havia os interesses dos indígenas, originais da terra,
e dos forasteiros chegantes que se lançavam aos sertões distantes perseguindo
sonhos de riqueza e construção de posses, dado que, em sua maioria, não faziam
parte das grandes famílias latifundiárias (como os Oliveira Ledo). Já a força de
logo, eis como um corpo que estava no sertão das Piranhas, tornava-se em um
corpo mais amplo, através do qual, em sua morte e injustiça, se exprimia a face
destrutiva (da negação da humanidade do outro) do avanço imperialista portu-
guês. Por meio do corpo morto do Capitão Mor Índio Panati, injustiçado pela
prevalência de um cenário “falsíssimo”, dois espaços-tempos se confrontavam: do
sertão caracterizado pela predominância das relações indígenas com a natureza e
do sertão caracterizado pelo processo de capitalização da terra.
Essa carta dos Panati, apresenta um relato que possibilita a rememoração
da experiência de corpos que são movidos de uma parte para outra das terras.
Tal desalojamento tinha, entre outras intensões, a finalidade de desapropriar os
povos oprimidos, não só do espaço, mas de toda a conexão ancestral e histórica
que possuíam com seus lugares de vivência. E esse desenraizamento promovia
uma suspensão dos corpos, desligando-os territorialmente para impor aos opri-
midos, um estado de não pertencimento a um lugar no mundo, logo, este era
um processo de desumanização do outro que desconfigurava o corpo no sentido
extenso, o de nação.
Desterritorializar os sujeitos, significava (como ainda significa em experiên-
cias contemporâneas) negar o seu ser/estar como parte no mundo. Através da
instabilidade de não ter um lugar, era imposto ao outro que era marginalizado,
uma desconstrução de suas possibilidades de atividade e resistência diante do
terror imposto por aqueles que oprimem.
Destarte, à medida que os forasteiros adentravam aos interiores das terras,
os sertões se transformavam em lugares de fronteiras, no qual as forças (dos povos
originários e dos povos chegantes, indígenas e não indígenas, respectivamente)
se confrontavam e teciam modus vivendi conflitivos e, também, de adaptação.
Estes elementos foram representados no mapa intitulado Praefecturae de Paraiba
et Rio Grande produzido em 1647 por Georg Markgraf.
46 Sobre a questão da memória e como esta alimenta a História e é alimentada pela mesma, cf. LE GOFF, 2003.
47 Até no campo da pesquisa histórica, o contato com novas fontes e problemas sobre a América portuguesa
resulta em novas visões, (re)visões sobre esses sertões e terras continentais.
102 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Para se ter uma ideia de como existências e princípios (nesse caso, de domi-
nação e exploração) se envolvem a partir de elementos geográficos dos sertões,
os mesmos rios que serviam para a mobilidade nômade dos povos originais da
terra dentro dos sertões, também serviam para a chegada das forças emanadoras
do poder da Coroa portuguesa, de modo que a hidrografia do lugar ganhava um
novo significado, isto é, passava a ser um mecanismo de expansão das forças impe-
rialistas e recolonizadoras sobre os sertões sem rodagem. Logo, o papel do estudo
48 Tratando sobre a relação da pesquisa e escrita histórica em torno dos sertões, cf. Pesavento, 2005.
“O Coração da Terra”:
– 103
questões de espaço, tempo e memória em torno do sertão
Para concluir, seria interessante retomar o olhar sobre a Carta [mapa] Prae-
fecturae de Paraiba et Rio Grande de Georg Markgraf de 1647. Observar seus
detalhes. Primeiro porque este mapa representa o olhar interpretativo daqueles
que vinham de fora, dos forasteiros, que intentavam dar a conhecer um espaço
que estava sendo tomado, invadido, apontando para duas direções do espaço:
para o que já era conhecido, mas também para o desconhecido, o interior, como
que seguindo um caminho ou seta direcional, voltada para o coração daquelas
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Por essa representação, fica evidente como os rios eram estratégicos naquela
dinâmica da ocupação, como que estradas por onde o poder subjugador dos euro-
peus e/ou dos seus descendentes adentravam os lugares. Uma analogia possível,
seria dizer que os rios eram como veias que penetravam a profundidade da terra,
por meio das quais, o poder reterritorializante e as energias do império português
atingiam as células da terra, que seriam os humanos viventes dos sertões.
Os nomes dos lugares apresentados nos topônimos indígenas (Guiráobíra,
Iuruparibacaí, Itâcoáruçû, ...) aparecem ao lado de outros lugares nomeados, no
mapa, com nomes europeus (Cristalsberg, Magasynsberg, Pyramideberg, ...).
O que aponta para uma marca desse tempo de desterritorialização que se dava
também através da renomeação dos lugares, expressando um campo de disputas
dos sujeitos por serem e estarem no espaço.
106 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
compreender uma semiótica das fontes, dos rastros. Esta competência analítica é
importante para quem está em formação para atuar no tempo presente, na medida
em que tal exercício refina a capacidade de desenvolver leituras dos registros e
questões históricas do tempo presente, podendo qualificar a atividade na vida
política e social de seu tempo.
E nesse exercício de reflexão histórica, o sertão do período colonial (assim
como outras temporalidades), enquanto uma categoria de recorte para a pesquisa
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Referências
ABREU, C. D. Capítulos de história colonial: 1500-1800 & Os caminhos
antigos e o povoamento do Brasil. Brasília: UnB, 1982 [1907].
1982 [1711].
THOMPSON, E. P. La sociedad inglesa del siglo XVIII: lucha de clases sin clases?
In: THOMPSON, E. P. Tradición, Revuelta y consciencia de clase. Barcelona:
Editorial Crítica, 1989. p. 13-60.
Seção II
Meios e linguagens
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A Olimpíada Nacional em História do Brasil
(ONHB): um campo de possibilidades
para ensinar e aprender História
José Gerardo Bastos da Costa Júnior
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Introdução
Nos últimos anos, tem-se observado uma expansão das olimpíadas científi-
cas promovidas por Instituições de Ensino Superior (IES), escolas da Educação
Básica das redes pública e privada, e por Secretarias de Educação municipais e
estaduais. Muitas dessas Olimpíadas são financiadas pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Nessa direção, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) vem orga-
nizando, desde 2009, a Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB).
Entre 2009 e 2012, essa “aventura intelectual” (MENEGUELLO, 2011) esteve
ligada ao Museu Exploratório de Ciências da Unicamp, criado em 2005. De
acordo com o site desse Museu51, a sua missão é “promover a disseminação da
cultura científica, desmistificando antigos paradigmas, estimulando a curiosidade
e a construção do pensamento crítico”. Dessa forma, realiza programações vol-
tadas para os diversos públicos, em especial os escolares, cumprindo um papel
fundamental para a divulgação científica no estado de São Paulo.
A partir da quinta edição, em 2013, esse evento se vinculou exclusivamente
ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e tornou-se um projeto de extensão
desenvolvido pelo Departamento de História da Unicamp com a participação de
docentes e discentes da graduação e da pós-graduação em História.
Nosso objetivo, neste texto, é apresentar a ONHB como um campo de
possibilidades para o processo de ensino-aprendizagem de História do Brasil.
Entretanto, dado ao fato de que já ocorreram doze edições desse evento, não
teríamos como, nesse espaço, fazer uma abordagem ampla sobre todas. Por isso,
selecionamos a 9ª edição, ocorrida em 2017, em face da sua temática ter sido
“Ensinar e aprender História”.
A metodologia constou em um levantamento de informações acerca da
ONHB, realizando uma pesquisa exploratória com documentos escritos e de
A organização da ONHB
continua...
116 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
continuação
Cada fase virtual tem a duração de seis dias e um peso relativamente maior
que a anterior, como também, é ampliado, progressivamente, o grau de dificuldade
das questões. Estas são de múltipla escolha e têm quatro assertivas (A, B, C, D), em
geral, com diferentes valores (0, 1, 4, 5), relacionados aos níveis de compreensão
do processo histórico, referentes aos conteúdos e às fontes analisadas e pesquisadas.
De acordo com Souza e Costa Júnior (2016, p. 70), o estudo coletivo entre
os componentes das equipes para a resolução das questões e das tarefas é um
importante aspecto da ONHB, visto que:
54 O site da ONHB não disponibiliza mais os comentários das questões da 9ª ONHB. Dessa forma, todos os
comentários inseridos nas questões analisadas foram extraídos de Costa Júnior (2017). Nesse comentário
específico, cf. Costa Júnior” (2017, p. 135).
120 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Vemos, nessa questão, o uso da literatura como fonte para o ensino e apren-
dizagem de História do Brasil, uma opção presente também em outras edições
da ONHB. O tema aqui é a sociedade escravocrata do século XIX na qual viveu
Machado de Assis. A obra “Memórias póstumas de Brás Cubas” serve de pano
de fundo para abordarmos a violência e a exclusão social da população negra
ainda presentes no século XXI. De acordo com o Atlas da Violência (2020), em
2018, os negros representaram 75,7% das vítimas de homicídios; a discrepância
122 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
entre as taxas de homicídio dos dois grupos significa que para cada indivíduo
não negro morto, naquele ano, 2,7 negros foram mortos.
Os encontros e desencontros entre a História e a Literatura, enquanto for-
mas de apresentar o ser humano e relações sociais intrínsecas à sua condição de
humanidade, são pontos de altercação sugeridos na academia (MORIN, 2010),
tornando essa relação um assunto polêmico e cheio de desafios.
Abud, Silva e Alves (2013, p. 44) refletem a respeito das características das
Fonte: https://drive.google.com/drive/folders/0B24Pob8ONI7TZkZGVV9PeG9PQ0E.
Considerações finais
Referências
ABUD, K. M.; SILVA, A. C. M.; ALVES, R. C. Ensino de História. São Paulo:
Cengage Learning, 2013.
gráficas. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 21, n. esp., p. 281-298,
jan./jun. 2013.
FARIA, A. L. G. Ideologia no livro didático. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
R
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55 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.
134 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
56 PIBID é o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, ação vinculada à CAPES e à Política
Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação (MEC).
57 Ofereci uma versão adaptada desta disciplina na Licenciatura da UERJ em 2018 sob o nome de Eletiva
Restrita Seminário Especial de Ensino de História I (Cinema, Cidade e Ensino de História).
As ruas, os becos, os patrimônios: os tempos da cidade e o Ensino de História – 135
propostas que apresento a cada oportunidade. Destaco essa disciplina, pois ela
se difere das demais voltadas para prática docente da Licenciatura. No currículo
em vigor até 2021, temos quatro disciplinas de Estágio Supervisionado, ou
seja, voltadas de maneira específica para a prática docente – além de Didáticas
e demais cursos relacionados à Licenciatura59. Todas os Estágios são voltados
para prática em unidades escolares, com a exceção do mencionado acima e sob
responsabilidade do Departamento de História: Estágio Supervisionado II. Seu
A História escritutária, tão bem analisada por Manoel Salgado (2011), per-
passa todo o currículo da licenciatura, pouco aberto para experimentações,
pesquisa e docência com a materialidade ou iconografia, somente para citar
alguns exemplos. Além do currículo rigidamente quadripartite (Chesneaux,
1995), a própria concepção de História-ciência endossa a ênfase nas fontes
escritas. Assim, no último ano de sua formação, os estudantes chegam ao
Estágio com uma escrita embotada, repleta de citações sem significância
pessoal e descrentes de qualquer produção que traga sua autoria em evidência.
A presença de um conjunto de [professoras] autoras certamente motivou a
turma a pensar sobre si e sua escrita, bem como sobre a relevância do estágio
como momento de experimentação significativo (COSTA, 2020, p. 14).
Para além da dimensão citada acima por Carina Costa, também percebi
que para grande parte do corpo discente, um obstáculo inicial era relativo à falta
de conhecimento em discussões empíricas e conceituais sobre cidades, museus
e patrimônios – ponto que vem se alterando nos últimos semestres. Assim, uma
primeira intervenção que fiz no meu curso foi ampliar o espaço para debates
teóricos. Estes, em geral, associados à bibliografia voltada para analisar as cidades,
museus e patrimônios em contextos empíricos diversos, alternando textos mais
amplos com outros voltados especificamente para a área de Ensino de História.
Essa dimensão comprimiu levemente o espaço destinado à prática, mas se mostrou
fundamental, uma vez que não era possível avançar em propostas pedagógicas
138 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
61 A vereadora Marielle Franco (PSOL) foi assassinada a tiros em março de 2018 no centro do Rio de Janeiro.
Na ocasião, seu motorista, Anderson Gomes, também foi morto. Negra, favelada, socióloga e lésbica,
Marielle foi a quinta vereadora mais votada em 2016 com uma plataforma voltada para a defesa dos Direitos
Humanos. Até hoje seu assassinato continua sem resolução e seguimos aguardando respostas.
140 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
lugar que Marielle ocupa no imaginário social para muitos de nós e também para
esses alunos da UERJ, para além do fato de seu assassinato ser lido como uma
afronta à democracia.
Na perspectiva de gerar reconhecimentos, trago a dissertação de Wander
Oliveira (2020), no qual ele discute sua experiência de ensino inspiradora em uma
escola pública na favela Vila Cruzeiro, localizada no bairro da Penha, subúrbio
do Rio de Janeiro. Oliveira foi o criador do Projeto Rolé na Penha, no qual, via
relação que se estabelece entre comunidade e as áreas nas quais ela circula diaria-
mente. Assim, a produção de “place-based narratives”63 poderia estimular maior
“compreensão e apreciação de objetos e lugares”.
Em ambas as experiências citadas, percebemos abordagens interdisciplinares
com as crianças e adolescentes, estimulando sua criatividade, ao mesmo tempo em
que se trabalhavam dimensões curriculares variadas. Karina Echavarria e equipe
destacam que ao longo do processo, foram feitas avaliações que demonstraram que
no geral as crianças envolvidas nas atividades pedagógicas e culturais se sentiram
melhores consigo mesmas (ECHAVARRIA et al., 2019, p. 13). Wander Oliveira
(2020) também observou um aumento de autoestima dos alunos, que passaram
a perceber que não apenas as áreas mais abastadas da cidade eram passíveis de
fazerem parte dos conteúdos escolares, mas que suas histórias e suas vidas eram
igualmente relevantes. Nesse sentido, estou de acordo com Cerri (2013, p. 36)
quando ele salienta que ao se trabalhar com História Local, é preciso que não nos
atenhamos apenas a “referenciais físicos da cidade e de sua História, que podem
continuar não tendo nenhum significado para o aluno”.
Além disso, atividades como essas, que envolvem observação livre dos dis-
centes, mas também supervisionada pelos professores, podem desenvolver nos
alunos capacidades analíticas importantes. Em seu texto, Cerri (2013, p. 36)
argumenta que todos nós podemos citar uma série de coisas que estão nos nossos
caminhos cotidianos “que sempre estiveram em nosso campo visual, e que nunca
existiram para nós, até um certo momento em que nos apercebemos daquilo e
que lhe damos um sentido, e nos aproximamos dele em uma relação que sobre-
puja o mero conhecer”. Nessa perspectiva, Vanessa Araújo (2013) salienta que
em cotidianamente nós naturalizamos a cidade, seus recortes urbanos, opções de
mobilidade, lazer etc., pois a atrelamos à utilidade que ela tem em nossas vidas.
Ao fazermos isso, para a autora, não pensamos sobre o fato dela ter sido criada
e ser dotada de historicidade. Ao dialogar com Paulo Freire, Araújo argumenta
62 No original: “The Augmented Reality (AR) Map concept is proposed to appeal to the user’s curiosity and add
further layers of understanding to the Cultural Heritage (ECHAVARRIA et al., 2019, p. 8).
63 Os autores explicam que « place-based narratives is used to refer to the interpretative stories linked to the
people, objects, sites and events in the urban landscape as told by the community » (ECHAVARRIA et al.,
2019, p. 8).
142 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
que é fundamental que seja desenvolvido nas crianças e jovens uma consciência
problematizadora que os permita perceber e analisar criticamente esses espaços e
as relações sociais neles produzidas. Ainda, a autora defende que a urbe, em toda
a sua complexidade, oferece amplas oportunidades de se trabalhar formação de
consciência histórica nos alunos.
Ainda nessa linha de raciocínio, Araújo, ao se apropriar de propostas de
Miranda e Pagés, defende que a cidade é um espaço privilegiado para se pensar
Como criar pontes entre a História e a vida? Indago-me sobre como pode
a História possibilitar-lhes perceber a multiplicidade de ações dos sujeitos,
do estado e das nações no tempo e no espaço, além de suas formas de entre-
laçamento? Como propiciar-lhes oportunidade de ver e escutar o que nem
sempre é dito, lembrado e comemorado na cena pública da cidade ou pelas
mídias que freqüentam? Como apresentar-lhes uma escrita diferente daquela
que encontramos nos manuais escolares? (SIMAN, 2008, p. 244).
Herança Africana65. Esse não é a única proposta de circuito pensado para a área.
Pode-se citar, a título de exemplo, o roteiro Pequena África do projeto Passados
Presentes66, ou ainda os guiamentos realizados pelo Instituto de Pesquisa e Memó-
ria Pretos Novos (IPN)67. Poderíamos ainda mencionar outras iniciativas, mas o
objetivo é pensar como a região, aos poucos, vai se tornando foco de interesse,
disputa e reflexão de vários grupos, elementos também trabalhados em sala de
aula com meus alunos. Em uma dessas visitas, propus à turma que refletisse sobre
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65 O Circuito foi criado pelo Decreto Municipal 34.803 de 29 de novembro de 2011 e inclui como pontos I –
Centro Cultura José Bonifácio; II – Cemitério dos Pretos Novos (Instituto Pretos Novos); III – Cais do Valongo
e da Imperatriz; IV – Jardins do Valongo; V – Largo do Depósito; e VI – Pedra do Sal.
66 No sítio eletrônico do projeto, consta a informação de que “O projeto Passados Presentes foi elaborado
a partir do Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos
Africanos Escravizados no Brasil, – um trabalho coordenado por Hebe Mattos, Martha Abreu e Milton
Guran, no Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (LABHOI/UFF),
com apoio do Projeto Rota do Escravo, da Unesco, em 2014”. São ainda disponibilizados aplicativos
com os roteiros e demais informações. Disponível em: http://passadospresentes.com.br/site/Site/index.
php Acesso em: 5 mar. 2021.
67 Em seu site institucional, o IPN descreve que “O projeto Circuito de Herança Africana foi criado pelo IPN
em 2016, com o forte propósito de promover e fortalecer a educação patrimonial de seus participantes,
sobretudo dos educadores e alunos da Rede Pública de Ensino. Além dos seis pontos do roteiro oficial, o IPN
inclui outras localidades que fortalecem a narrativa desta atividade e torna este passeio-aula uma atividade
dinâmica e inesquecível”. Disponível em: https://pretosnovos.com.br/educativo/circuito-de-heranca-africana/.
Acesso em: 5 mar. 2021.
144 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
A ressalva de Irons é importante e joga luz para uma das marcas do atual
contexto de crise sanitária iniciada em 2020: o fenômeno de expansão e aceleração
do uso de ferramentas e aplicativos digitais para comunicações e diversas outras
atividades on-line. Apesar dele não ter sido “inventado” neste ano, foi impul-
sionado pelo distanciamento social causado pela pandemia do covid-19. Assim,
o processo de digitalização de variados elementos da nossa vida contemporânea
foi aprofundado – de operações bancárias, passando por consultas médicas, a
visitas virtuais a museus, métodos de pesquisas e conferências acadêmicas e uma
infinidade de outras ações. O ensino, em diversos níveis, da Educação Básica à
Pós-Graduação, público e privado, não ficou à margem desse processo e tem sido
bastante impactado pelo atual contexto. Apesar de encontrarmos um cenário de
Educação à distância que vem se estruturando no Brasil desde finais dos anos
1990 (não sem críticas), milhares de instituições se viram “obrigadas” a lidar com
a oferta dessa modalidade de ensino do dia para noite.
De um lado, portanto, assistimos a processos de digitalização e virtualização
de vários elementos do nosso cotidiano; do outro, percebemos a interdição de
acesso aos espaços públicos e demais locais de encontro e aglomeração, como
museus, centros culturais, festividades etc. Rapidamente, equipamentos culturais
e históricos, buscando algum contato com o público, iniciaram visitas virtuais
e ampliaram o acesso aos seus acervos via internet. Assistimos, igualmente, à
multiplicação de lives de todas as naturezas, assim como uma série de reuniões e
conferências passaram para o modo on-line, fazendo com que todos nós, do dia
para a noite, passássemos grande parte de nossas jornadas conectados a telas de
69 Tradução da autora. No original: “we see that this is not the case at all: infectious disease epidemics have
been co-habiting with human kind for millennia” (IRONS, 2020, p. 87).
70 Tradução da autora. No original: « this quarantine is distinct from historical epidemics in the way that time-
space compression has played a key role. For example, during the 1348 Black Death, the Bubonic Plague of
1665 and the 1918 Spanish Influenza pandemic, people might have been locked down at home and nursing
concerns over health, just like us. However, they were not able to continue working from their computers,
receive instant news updates on the disease, or video call loved ones » (IRONS, 2020, p. 88).
146 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
A informalidade dos usos digitais deixou claro o hiato entre lecionar aulas e
os resultados que deveriam ser apresentados pelos alunos; lacuna essa também
presente na formação dos professores, na qual não se inclui um preparo para
fazer uso dessas tecnologias [...].
75 Tradução da autora. No original: “ejercicio continuo de todo lo que caracteriza la naturaleza convencional
del espacio público: personas, dinámicas y culturas” (MUÑOZ, 2020, p. 46).
As ruas, os becos, os patrimônios: os tempos da cidade e o Ensino de História – 149
suas famílias, entre outras áreas que circulavam e pensar, a partir desses circuitos
análises sócio-históricas desses lugares. Como um dos resultados, percebemos a
animação e felicidade dos alunos em perceberem que suas histórias eram impor-
tantes e também podiam ser tema a ser trabalhado em sala de aula.
São múltiplas as possibilidades a serem exploradas nessas reflexões sobre o
uso de ferramentas digitais e circulação (virtual) pela cidade e suas implicações
para o ensino. Por ora, gostaria de fazer uso da conclusão de Rocha (2017) para
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pensar sobre como essa cidade pode ser experenciada. Ao final de seu artigo, o
autor pontua que
Alguns encaminhamentos
79 Recordo-me, por exemplo, de uma das aulas de campo que fiz com uma de minhas turmas de Estágio
Supervisionado II na região da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Para minha surpresa, uma das alunas se
mostrou perplexa e ao mesmo tempo decepcionada ao perceber, por meio da visão, que a Pedra do Sal,
não era uma pedra feita de sal, por mais que tivéssemos trabalhado em sala de aula a região, os nomes e
usos desses espaços. Em seguida, a mesma aluna, e em seguida outros discentes, parecerem se divertir ao
perceber que a Pedra era feita de escorrega por algumas crianças e, alguns, buscaram tocar a pedra para ver
o quanto era lisa em alguns pedaços – e, inclusive, também escorregaram, mesmo que mais timidamente.
152 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
urbanos com seus trânsitos caóticos, dos quais temos na memória o barulho de
buzinas de automóveis? Por outro lado, alguns parques do qual nos lembramos
do silêncio e do cheiro de mata? Como, então, podemos muitas vezes ignorar
esses elementos ao planejarmos nossas propostas pedagógicas? Para além de fruto
de observações detalhadas dos ambientes urbanos e insatisfações com minhas
próprias aulas de campo, essa abordagem se vê amparada também no movimento
conhecido como “sensual turn” (BOUTIN, 2012).
Não é possível ter uma resposta única para tais questionamentos. E, mais
importante que termos respostas prontas e acabadas, é termos em mente essas
e outras reflexões. Em linhas gerais, tenho procurado encontrar narrativas e
planejamentos próprios para as aulas que se desdobram em espaços urbanos
e em equipamentos culturais como museus, não me limitando a atividades
ilustrativas ou ao repetir as mesmas aulas que daria na escola, apenas em lugar
distinto. Entre saídas que tenho buscado, estão planejamentos que têm como
objetivos estimular que os alunos tragam impressões e considerações para além
dos monumentos e patrimônios mais estabelecidos, procurando desviar seus
sentidos para que eles percebam os becos, os cotidianos, os movimentos das
pessoas que trabalham, se divertem e circulam por esses espaços que tomamos
como objeto de estudo e pesquisa. De certo modo, um dos caminhos que
tenho procurado é o diálogo com campos do saber para além da História e
que podem nos fazer pensar e refletir sobre outros estímulos sensoriais, como
os descritos anteriormente.
No mais, a História não é a única disciplina presente na Educação Básica
a refletir sobre as potencialidades de se trabalhar com crianças e adolescentes
a cidade ou de se produzir conhecimento a partir de experiências vividas em
campo. Neste capítulo, por exemplo, percebemos atividades realizadas com Edu-
cação Artística e Geografia. Cito, ainda, ação instigante desenvolvida de maneira
conjunta nas disciplinas de História e Literatura e Língua Portuguesa. Cibele
Viana (2020), professora de História, relata que os alunos, em conjunto com as
docentes, circularam por espaços citados nos escritos de Carlos Drummond de
Andrade. Os jovens, ainda, declamavam os poemas nos lugares aos quais eles
faziam referência, buscando, ao mesmo tempo, outra experiência dos espaços
e da produção literária. Nessa chave, a cidade, seus espaços, poemas – todos
tomados como fontes históricas e ao mesmo tempo como elementos literários –,
enriqueceram as experiências de ensino-aprendizagem dos dois lados da fronteira.
Nesse sentido, finalizo sugerindo que diálogos inter e multidisciplinares dentro da
própria escola podem gerar propostas criativas, despertando maior curiosidade e
engajamento dos alunos e novas ou distintas apreciações destes espaços urbanos.
154 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Referências
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nização, recursos naturais e propriedade intelectual no Brasil. Curitiba, 2018.
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BOUTIN, Aimée. Rethinking the flaneur: flanerie and the senses. Dix-Neuf, v.
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ROCHA, Rodolfo Rojas. El flaneo virtual a través de Google Street View como
una práctica artística. Escena – Revista de las Artes, v. 76, n. 2, p. 109-124, 2017.
SIMAN, Lana. Memórias sobre a história de uma cidade: a história como labi-
rinto. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 47, p. 241-270, jun. 2008.
80 Este artigo é uma versão modificada de trabalho apresentado no VI Seminário Internacional de História e
Historiografia, numa mesa com o título “Formação docente, currículo e didática da História: usos do passado
para uma História presente”, realizada em Fortaleza, em novembro de 2020.
158 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
História. Dito isso, quero afirmar que não acredito ser possível qualquer reflexão
nesse sentido sem que, primeiro, se leve em consideração um problemático corte
amplamente diagnosticado e que compromete, a meu ver, qualquer tentativa de
ser (re)pensar a produção historiográfica atualmente, qual seja, aquele que separa
as reflexões entre Teoria da História e Ensino de História. Não que essa discussão
seja original – ao contrário, nos últimos anos vários autores vêm tematizando essa
cisão nas suas buscas por saídas proveitosas –, mas queria salientar um aspecto
De longe uma das questões das mais polêmicas que assaltaram o campo
historiográfico ao menos nos últimos 50 anos, a questão da narrativa em Histó-
ria ganhou várias denominações, desde o estigmatizante “debate pós-moderno”
até o pouco preciso, mas altamente funcional, “a virada linguística”. O tema
ainda tem que lidar com certa resistência, de forma que alguns historiadores
afirmam que a chamada “virada linguística” na historiografia profissional nunca
conseguiu fincar de maneira saudável seus questionamentos ou mesmo que ela
é um não acontecimento, haja vista que existe muito mais uma reação na defesa
dos postulados disciplinares do que um debate honesto das questões colocadas
(ÁVILA, 2018, p. 257). Como quer que seja, no Brasil é digno de nota que a
bibliografia dos autores reconhecidamente envolvidos na questão da narrativa
no mundo anglo-saxão – onde o debate ganhou foro de respeitabilidade – ainda
é pouco debatida, conhecida ou levada em consideração – expressão, inclusive,
da inexistência de muitas das traduções desses trabalhos81.
81 Acho importante citar dois trabalhos do mesmo autor, o historiador Marcus Vinícius de Moura Telles, que dá
um quadro bastante interessante desses debates, tanto partindo da filosofia analítica da História (TELLES,
2013), quanto da chamada filosofia existencialista da História (TELLES, 2019). Malgrado a ainda pouca
atenção dada a esses autores no Brasil, há bons artigos e livros publicados de Hayden White e Frank
Ankersmitt. O que pesa em negativo para essa relativa descoberta de suas produções é certo desinteresse
de alguns profissionais da História no Brasil em debater suas polêmicas pontuações ou mesmo uma leitura
castradora de seus textos, cujo objetivo mais relevante é descartá-los sem efetivamente lê-los, a partir
Ensino de História e (de novo?) a narrativa:
– 159
notas para uma reflexão necessária
Literatura, não raras vezes foi recebida como um ataque à disciplina. Obviamente
esse tipo de reação só pode ser entendido se levarmos em conta o longo mal-estar
dos historiadores com termos como “objetividade”, “cientificidade” e “real”. Ora,
com essa inserção do livro de White nos debates, a História, que durante muito
tempo, para sua afirmação como disciplina, teve de desvencilhar-se da Literatura,
em especial do romance, se via impelida a repensar sua distância em relação aos
discursos ficcionais. Ora, isso era algo impensável para alguns praticantes de
uma disciplina que durante todo o século XX buscou sua afirmação através da
sofisticação de seus (?) métodos, de um diálogo forte com áreas mais “objetivas”
(?) – como a estatística –, produzindo trabalhos monográficos de alta complexi-
dade e com um profundo regramento do campo. Voltar a pensar a possibilidade
da História como ficção e como irmã da Literatura soava no mínimo anacrônico
– que pecado! (CERTEAU, 2011, p. 45-70).
Enquanto isso, nas escolas, cotidianamente, a História se viu provocada por
um público que não via mais sentido o estudo do passado, uma vez que havia
uma sensação de que o tempo passado não tinha mais a ensinar sobre um mundo
em mudança esquizofrênica. Diagnóstico que, de resto, se estendia à percepção
que a sociedade em geral – e não só no Brasil – fazia da História como campo
de conhecimento (CRUZ, 2012). O mais paradoxal desse movimento é que, à
medida que a História era desacreditada por uma geração mais jovem, um boom
de produtos sobre o passado que vão desde filmes, até revistas e páginas de redes
sociais, reorientam a questão, nem sempre respondida de maneira satisfatória de
“pra que serve a História?”.
O questionamento sobre “algum sentido para se estudar História” sempre
provocou o desconforto entre os historiadores, afinal buscar o sentido de algo
aproximava a História perigosamente de um entendimento já antigo da sua
função como mestra ou, não menos pior, da História como filosofia. A bem da
verdade, as respostas dos historiadores para o questionamento acerca da função
de demonstrações públicas de trechos ou frases que, muitas vezes fora de seu contexto, colocariam tais
autores no mesmo rol de negacionistas. Na contramão disso, jovens historiadores, como Júlio Bentivoglio,
Rodrigo Oliveira Marquez, Fernando Nicolazzi, Rodrigo Turin e Arthur Ávila, recolocam hoje esse debate,
e, quem sabe, uma oportunidade perdida de repensar a historiografia por essas praias. Sobre isso, ver:
ÁVILA; NICOLAZZI; TURIN, 2019.
160 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
da História sempre foi titubeante e vaga. Por um lado, havia a certeza de que o
passado não servia como mestre, por outro asseverava-se que o tempo não guarda
um sentido, tal como queria a “estigmatizada” Filosofia da História. A resposta
sobre sua função caía numa série de negações e as respostas se circunscreviam
naquilo que a História não é e quase nunca naquilo que ela deveria ser.
O paradoxal disso tudo é que, no Brasil, a História tem seu público cativo nas
escolas e é aí que a pergunta indecorosa dos porquês de se estudar o passado ganha
[...] não pode ser levada a bom termo se a desvincularmos de uma reflexão mais
geral acerca dos problemas de uma escrita da História; portanto, de uma reflexão
em torno da historiografia e da teoria da História. Nesse sentido, pensar o ensino
de história implica necessariamente, segundo meu juízo, articular escrita e
ensino como parte da produção de conhecimento histórico. É bem verdade que
não estou supondo que esses procedimentos são os mesmos, submetidos a regras
e procedimentos da mesma natureza, com objetivos e finalidades semelhantes.
Afirmar suas diferenças igualmente não traz como pressuposto hierarquizá-los
segundo critérios de maior ou menor importância. Mas pensá-los como campo
autonomizados traz enormes prejuízos para a história como campo disciplinar
e de conhecimento [...] (GUIMARÃES, 2009, p. 38).
82 Não é gratuito lembrar que o chamado “anticientificismo” que, segundo alguns estudiosos, marca a crise dos
saberes disciplinados atualmente, encontrou a História, como campo de conhecimento, já em uma posição
Ensino de História e (de novo?) a narrativa:
– 161
notas para uma reflexão necessária
História por vezes foi entendida como uma obviedade, e aí esvaziava-se o potencial
autocrítico da questão proposta considerando-a como sendo algo menor, pois o
entendimento era que a História é vazada geralmente num discurso narrativo,
sendo esse um mero acessório para comunicar a História que se faz como uma
prática regrada por um método e que antecede, inclusive, à sua escrita. Um grande
historiador reiterou esse entendimento há alguns anos atrás, quando afirmou:
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Um passado prático?
das produções historiográficas, passando por aqueles que enfatizam o papel mora-
lizador da narrativa e, como consequência dos dois anteriores, a necessidade da
História absorver as grandes questões que envolvem o seu tempo não apenas com
escolhas temáticas com potencial mobilizador, mas atentando para novas formas
de se produzir o tempo numa narrativa. Essa última perspectiva foi tematizada
por Hayden White em um dos seus últimos trabalhos, justamente aquele em
que reivindicava o caráter prático do trabalho historiográfico, orientação que ele
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83 Vale salientar que a proposta de um “passado prático” como consequência das reflexões desenvolvidas no
decorrer dos anos por Hayden White não é consensual. Muitos acreditam que White nos últimos trabalhos
buscou se afastar das polêmicas que envolviam a questão narrativa esboçada de maneira mais radical em
Meta-História, de forma que o “passado prático” é a expressão dessa distância e, alguns diriam, autocrítica.
Outros enxergam uma coerência em seus escritos, sobretudo pelo aspecto ético que sempre orientou sua
escrita. Um estudo importante para observar essa trajetória é do historiador Herman Paul. (PAUL, 2011). Um
excelente trabalho em português é do historiador Ricardo Marques de Mello, que enfatiza uma perspectiva
ética na obra de White (MELLO, 2017). Também Hayden White esboçou uma resposta à críticos que enxergam
certa incoerência em seus escritos, sobretudo tendo como base o “Meta-História” (WHITE, 2017).
164 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
constrangedoras para um saber que se pretendia objetivo, tais como aquelas que
envolviam sua construção como escrita – e daí sua proximidade com a Literatura
-, sua vocação moralizante – daí sua negação como mestra – e como corolário das
duas uma periferização da reflexão sobre sua atuação como formadora. À rigor,
olhou-se para a história disciplina escolar como repositório de um saber produzido
alhures. Pensar a disciplina escolar passava pela famigerada “transposição didática”,
um nome pouco pomposo que disfarçava ainda menos o papel vulgarizador, sim-
Esse imbróglio deixava de fazer funcionar certa ideia que, de alguma forma,
ensinar traria a cura dos males do tempo: ensinar o holocausto era ensinar que
“nunca mais”, ensinar a escravidão era destruir o racismo, mostrar a miséria de
uma ditadura era formar para uma democracia plena, enfim, a tortura mostrada
e discutida era a certeza de que para aqueles alunos alguns caminhos não pode-
riam se repetir jamais sem causar o desconforto. Isso se resumia à fórmula fácil e
confortante: a educação salvará – e, por que não dizer, a História?
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O que quero propor é que essa ideia de educação salvacionista veio junto
com a ideia de que avanços no campo científico – e a História como disciplina
inegavelmente avança – traria a redenção dos males e, nesse cenário, à escola
se reserva o papel de transmissora desse conhecimento que evolui. Uma ideia
iluminista nada nova, é claro. Daí o apreço dos historiadores disciplinados pela
pesquisa como momento basilar e figurativo do intelectual militante. Daí certo
apego pelo método, entendido como procedimentos investigativos, em detri-
mento da forma, vista como mera comunicação do resultado das investigações.
Dessa maneira, quando o tempo de crise se eleva e a violência e a apologia
ao fascismo se revelam como potência, a saída pensada e admitida é defender os
métodos de pesquisa ou, por outro lado, aqueles que niilisticamente querem negar
tudo, negam ao conhecimento histórico algum tipo de papel formativo – expressa
nas acusações fáceis e, por que não dizer, por vezes pouco explorada em suas impli-
cações, como a de “História eurocêntrica”. A contraface dessa resolução é desdenhar
qualquer saída que chame a atenção para a História como uma narrativa. E narrativa
aqui não como transmissora de um conteúdo apriorístico, mas como momento único
da produção de passados. Para dizer em uma palavra: a narrativa como a História.
Quando penso ser a reflexão sobre a narrativa central para alguma resistência
nesses tempos sombrios, não estou propondo aceitar uma imposição que taxa-
tivamente pense o processo de construção da História como simplesmente uma
narrativa, desdenhando a possibilidade de investigação dos vestígios, ao contrário,
estou propondo pensar que as questões que hoje envolvem a temática da narrativa
tem o potencial de recolocar o caráter moral da História, do sentido que se faz
numa escrita, de deslocar o historiador de seu momento de pesquisa para aquele
que, penso, é o momento de propor novas vivências com o tempo, de repensar a
História como verdade e lançar luz para a História como causadora de desconforto.
É digno de nota, penso eu, que a História em sua leitura marxista nunca
deixou de desconfiar de uma História que se pretende neutra, de uma História
que mira como sua finalidade a verdade do que aconteceu, de uma História
escrava da fonte, de uma História monográfica que, ao desdenhar outras formas
de contar o tempo, se impõe como modelo para um historiador que se vê como
sério, eclipsando a imaginação e, de novo, o sentido. Permito-me reiterar o tópico
do “sentido”, pois que reivindico a necessidade de olharmos com cuidado para
166 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
os desejos que moveram homens como Marx, Hegel, Kant, Condorcet e Comte,
que, embora com todas as limitações no que se refere a apostas de um futuro que
nós, do futuro, já pudemos vislumbrar, tinham em suas práticas a vontade de
orientar, de formar, ao passo que buscavam se afastar – por mais das vezes, sem
sucesso – de outras formas de dar sentido ao mundo, sabidamente a religião. Esse
constructo do passado com objetivos pragmáticos é o que o historiador Hayden
White chama de “Passado Prático” em contraposição ao “Passado Histórico”, ou
Isso não significa que não podemos distinguir entre a boa e a má historiografia,
de vez que, para definir essa questão, sempre podemos recorrer a critérios
como a responsabilidade perante as regras da evidência, a relativa inteireza do
pormenor narrativo, a consciência lógica e assim por diante” para identificar
a boa e a má historiografia (WHITE, 2014, p. 114)84.
Dessa forma, penso que, diante da profunda crise em que nos encontra-
mos e envoltos que estamos em uma barulhenta acusação de que professores
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84 Hayden White já esteve por diversas vezes na posição de responder a essas questões problemáticas. A
mais conhecida delas é o interessante debate com o também historiador Dick Moses, que teceu uma série
de críticas importantes em torno das limitações da proposta de White no encontro com a narrativa. Esse
debate ganhou as páginas da prestigiosa revista History and Theory. Sobre isso, ver: MOSES, 2005a;
WHITE, 2005; MOSES, 2005b.
168 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
já é um tema bem discutido desde o século XIX. O que talvez não o seja é a
narrativa não como um momento do fazer História, mas como todo ele, ou, para
dizer em outras palavras, que não existe História antes da experiência do narrar.
Se temos em nossos alunos das escolas exemplos claros de que o passado
contado como prova ou conhecimento do passado já não sensibiliza mais, isso
é resultado de uma sociedade que não soube exorcizar seus monstros – ou não
quis – e, que nesse espaço de tempo, mesmo a História produzindo ferramentas
fato verificável ao sonho, que é justamente o que nesses tempos duros e sombrios
nos falta, a aptidão para pensar outros futuros possíveis.
E, dado que a história continua sendo vencida pelos inimigos, como nos
chama a atenção Walter Benjamin (BENJAMIN, 2012, p. 12), talvez a função
da História hoje, em tempos que o inimigo nos espreita em cada esquina, seja
aquela que Koselleck dizia ser a conclusão do escritor Henry Adams em um de
seus livros “segundo o qual a única coisa que um professor de História poderia
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Referências
ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Regimes de historicidade: como se alimentar
de narrativas temporais através do ensino de História. In: GABRIEL, Carmen;
MONTEIRO, Ana Maria; MARTINS, Marcus Leonardo Bomfim. Narrativas do
Rio de Janeiro nas aulas de História. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016. p. 21-42.
CERTEAU, Michel de. A história, ciência e ficção. In: CERTEAU, Michel de.
História e psicanálise: entre ciência e ficção. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
p. 45-70.
KNAUSS, Paulo. Uma história para o nosso tempo: historiografia como fato
moral. Revista História, São Leopoldo, RS, Unisinos, v. 12, n. 2, p. 140-147,
maio/ago. 2008.
MOSES, Dirk. Hayden White, traumatic nationalism and the public role of
History. History and Theory, n. 44, p. 311-332, Oct. 2005a.
85 Este projeto foi estruturado a partir dos debates estabelecidos pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em História
e Cultura – GEPHC/UFCG/CNPq, especificamente, aquelas previstas na linha de pesquisa “Patrimônio
Cultural: teorias, métodos e objetos”. E foi inscrito e aprovado conforme as regras do edital 008/2020 (MEC/
UFCG/PRPG).
174 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Importante ressaltar que este projeto tem por objetivo central estudar os
patrimônios materiais tombados no centro histórico de Cajazeiras, motivando
ações de educação patrimonial e, portanto, de preservação das edificações tomba-
das e, também, que o resultado final sirva como material educativo para implan-
tação de políticas públicas na área da Educação Patrimonial e para o Ensino de
História. E do ponto de vista metodológico, seguirá três etapas: primeiramente,
far-se-á pesquisas documental e bibliográfica sobre a história de Cajazeiras e os
Pressupostos teóricos
87 De origem italiana, a palavra disegno, no sentido figurado, significa plano, propósito, intenção, desígnio
(BUENO, 2000, p. 40).
176 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
88 Disponível em http://www.cultura.gov.br/documents/10883/11294/METAS_PNC_final.pdf/.
89 “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus
da sucumbência” (BRASIL, 1988, art. 5º, inc. LXXIII).
178 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
do espaço, mas também sobre a forma de organização social. Estas obras não
se resumem, portanto, apenas à esfera da decoração e do embelezamento, para
além disso, devem ser compreendidas também como importantes fontes sobre
o mundo do trabalho e das tradições culturais.
Percebemos, contudo, que estas construções habitam o imaginário popular,
por serem em alguns momentos, cenários de romances em obras de literatura,
de poesia e de música e, também, palco da ambientação de narrativas populares,
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Por este viés, Sônia Florêncio afirma que a educação é o resultado de uma
construção, incluindo os saberes locais pertencentes à memória local.
Tendo como influência as orientações sobre o papel educativo dos Patrimô-
nios Histórico e Culturais e, também, sob influência dos parâmetros da História
Cultural, acredito que as novas metodologias para o Ensino de História estão
sustentadas em projetos educacionais interdisciplinares, dialogando com dife-
rentes áreas do conhecimento, como a Pedagogia, Filosofia, Geografia, Ciências
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[...] fazer falar as coisas mudas, para fazê-las dizer o que elas por si próprias não
dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram e para constituir,
finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entre-ajuda que
supre a ausência do documento escrito (FEBVRE apud LE GOFF, 1984, p. 98).
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes exis-
tem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não
existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para
fabricar o seu mel, na falta das flores habituais [...]. Numa palavra, com tudo
o que, pertencendo ao homem, depende do homem, demonstra a presença, a
atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem (LE GOFF, 1984, p. 98).
Assim, sob orientação das afirmações de Jacque Le Goff, nossa atuação ensino
e na pesquisa, especificamente, com o projeto “O disegno da cidade: O patrimônio
edificado de Cajazeiras – PB (1920 a 1940)”, apresenta os recortes espacial: a cidade
de Cajazeiras no interior do Estado da Paraíba e o recorte temporal: 1920 a 1940,
período em que – conforme informa Eliana de Souza Rolim – foi marcado por
intenso processo de urbanização da cidade, seguindo a tendência modernizadora
das grandes cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza entre
outras), caracterizado pelo discurso da higienização e modernização dos centros
das cidades, com alargamento das ruas, construções de casarões, prédios públicos,
praças e oferecimento de serviços de iluminação, correios e transporte coletivo
(ROLIM, 2010). Nos interessa observar essas mudanças não somente pela ótica
da monumentalidade dos prédios, mas de como os sujeitos históricos agiram e
sofreram com o processo de modernização da cidade de Cajazeiras.
Objetiva-se, portanto, construir uma narrativa que faça emergir a consciência
histórica, pressupondo “conhecimento do passado e a reconstrução dos cami-
nhos percorridos pelos grupos sociais no traçado de sua história” (ABUD apud
PACHECO, 2017, p. 5). Nesse traçado estão os vestígios que nós historiadores
procuramos e reinterpretamos, sendo uma prática indelével do nosso ofício. E ao
procurarmos os “sinais”, nos deparamos com a cultura material e imaterial, com o
patrimônio histórico e a memória social que, uma vez retirados do esquecimento
pelo historiador, passam a ser documentos histórico e, também, um importante
instrumento para a educação patrimonial.
A relação entre Patrimônio Cultural, História e Educação Patrimonial está
sustentada no uso da cultura material e imaterial como suporte de conhecimento,
porque os objetos, os prédios históricos, as ruas, as praças, as cidades, bem como
os saberes, as tradições culturais, as manifestações religiosas, as músicas e as danças
nos contam sobre as de diferentes personagens: homens, mulheres, negros, negras,
índios, índias, crianças, etc. que deixaram, de forma consciente ou inconscien-
temente, seus registros para outras gerações. O trato desses registros depende do
trabalho do historiador que transforma o Patrimônio Cultural, os bens materiais
(moveis ou imóveis) e imateriais90 – os intangíveis – em suportes da memória e o
profissional da História, por sua vez, transforma-os em suporte de conhecimento.
90 Vale ressaltar que o patrimônio imaterial só muito recentemente, por meio do Decreto nº 3.551, de 4 de
agosto de 2000, é que passou a compor oficialmente a categoria de Patrimônio Cultural Brasileiro
186 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Referências
ABREU, R.; CHAGAS, M. (org.). Memória e patrimônio: ensaios contempo-
râneos. Rio de Janeiro: DP&A; Faperj, 2003.
91 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001. Também contou com apoio recebido do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil, no edital Universal no 28/2018.
190 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
era menos importante do que fenômenos naturais, como a aurora, por exemplo.
Embora seguissem as festas religiosas, o tempo do calendário era tão desimpor-
tante que muitos desconheciam sua idade. Existiram, assim, diferentes formas de
pensar o tempo no medievo. Os clérigos responsáveis pelo calendário pensaram
o tempo de forma diferente dos camponeses.
Entre os historiadores e demais cientistas sociais, também existiram diferen-
tes formas de lidar com o tempo histórico. Cada forma de se relacionar com esta
92 É preciso destacar, seguindo José d’Assunção (BARROS, 2011, p. 69-70), que o historicismo do século
XIX era diverso. Se, por um lado, havia historiadores deste paradigma próximos do que, mais tarde, os
historiadores dos Annales chamariam de factual, é preciso ressaltar a existência daqueles historicistas mais
próximos da reflexão hermenêutica.
Os tempos históricos no Ensino de História
– 193
e nos estabelecimentos escolares
Referências
BARROS, José D’Assunção. Teoria da História: a Escola dos Annales e a Nova
História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011. v. 5.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
REIS, José Carlos. História & Teoria: historicismo. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
202 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Seção III
Sujeitos e resistências
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Agricultura, ciência e instrução
rural no Brasil do século XIX:
aspectos da sociogênese de um campo
Marcio Antônio Both da Silva
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Introdução
94 José Gregório Navarro, “atuava como magistrado no interior de Minas Gerais no final do século XVIII,
momento em que a região vivia a decadência de um ciclo relativamente curto, apesar de historicamente
marcante, de extração de ouro e de diamantes. Pouco se sabe sobre a sua vida, além do fato de ter estudado
direito na Universidade de Coimbra entre 1778 e 1782. Sabe-se também que serviu como juiz de fora em
Paracatu do Príncipe, nos sertões ocidentais da capitania, sendo encarregado, em 1798, da instalação
oficial daquela vila” (PÁDUA, 2004, p. 34).
206 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
95 O padre Antônio Caetano da Fonseca foi vigário da Freguesia de São Paulo do Muriaé́, localizada na
província de Minas Gerais. Lá mantinha uma fazenda em que realizava os experimentos que relata ao longo
do seu livro.
208 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
que ele é realizado está diretamente relacionado ao papel exercido pelo Estado, a
posição que os agentes do discurso ocupam na estrutura social e é proporcional
ao reconhecimento que são capazes de mobilizar. Por conseguinte, quanto maior
a capacidade que um agente tem de utilizar diferentes meios para tornar sua visão
de mundo conhecida e reconhecida, maior é a eficácia dos “enunciados perfor-
mativos” que mobiliza – de modo geral dos discursos que buscam produzir a
coisa ao falar sobre ela. Por sua vez, é nesse âmbito que a “instrução”, em especial
Tais incorporações parciais, por sua vez, não ocorriam porque os fazendei-
ros eram seres iluminados, pessoas que estavam “a frente de seu tempo”, como
algumas literaturas e fontes buscam fazer crer. Na verdade, as inovações intro-
duzidas no setor de beneficiamento redundavam na diminuição da mão de obra
envolvida neste trabalho. Logo, possibilitava o “deslocamento de mais escravos
para o eito, aumentando os pés de cafés cultivados e, em consequência, o mon-
tante produzido” (MARQUESE, 2009, p. 875). Nessa perspectiva, mesmo que
97 Vale destacar que a leitura feita por Lamberg é representativa de como as teorias raciais foram aplicadas
no Brasil, mas ela não é a única. Para aprofundar as discussões sobre esse tema, ver Ivana Stolze Lima
(2003) e Lilia Moritz Schwarcz (1993).
218 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
[...] não se pode dizer, propriamente, que já tenhamos tido uma política
agrária. Através da história administrativa do Brasil, e através do noticiário
antigo, que os cronistas registraram, o máximo conseguível é catar atos des-
conexos, às vezes contraditórios, incoerentes, com respeito à vida rural, sem
obediência a qualquer lineamento preestabelecido.
Logo, a agricultura brasileira no século XIX não era atrasada em si e por si, mas
conheceu o desenvolvimento que poderia conhecer dentro do dinamismo que
configurava o Brasil (sua realidade histórica, social, econômica e geográfica) e a
sua inserção na “economia do mundo” daquela época.
Entre outras circunstâncias que impactaram diretamente a realidade nacio-
nal, está a da sua diversidade regional. Nesta perspectiva, a agricultura praticada
no Pará enfrentava questões que não eram as mesmas que afetavam a agricultura
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Neste trecho temos presente 4 dos 5 fatores elencados por Rebouças. Toda-
via, Pereira Junior também faz referência aos impostos então vigentes, mas centra
Agricultura, ciência e instrução rural no Brasil do século XIX:
– 221
aspectos da sociogênese de um campo
Esse processo de usar a ciência como suporte formar a nação, para conhecer o
Brasil e sua natureza que implicava no próprio desenvolvimento da ciência e na sua
disseminação, era, mutatis mutandis, acompanhado pela expansão da agricultura,
pela conquista do território e pelas tentativas de incorporação, muitas vezes violenta,
dos habitantes do sertão (indígenas principalmente) à nacionalidade brasileira. Con-
tudo, mesmo diante de tudo isso, como venho destacando, a avaliação geralmente
feita é de que os impactos dos processos e medidas postos em curso foram restritos
e de baixa eficácia. Anteriormente apresentei alguns dos motivos que estão na base
dessa conclusão, contudo, considero que ainda existem alguns aspectos que estão
à espera de análises mais detidas e que podem ajudar a entender esse processo em
sua dinamicidade. Minha proposta, neste sentido, é a de que existia uma distância
discursiva muito grande entre o conteúdo e as proposições que estavam presentes
nos projetos de melhoramento da agricultura, seus motivos e objetivos e a realidade
histórica e social do Brasil e de sua população como um todo.
Não havia ressonância entre eles, sendo que grande parte, senão a maior parte
da população brasileira não compreendia o conteúdo dos discursos então veiculados
sobre a agricultura. Na verdade, ao analisarmos esta questão mais detidamente é
verificável que as instituições criadas e alguns dos projetos executados estavam
centrados nas regiões centrais das províncias, geralmente nas capitais e alcançavam
pouca repercussão. Além disso, eram direcionados a certos setores da sociedade,
especialmente aqueles cursos que tinham como foco a formação de especialistas em
agricultura, tais como agrônomos e zootécnicos. No que diz respeito às populações
pobres, a ideia era instrui-las tecnicamente para melhor desempenharem seus traba-
lhos, papel que cabia aos “Asilos de Menores” como o que funcionava no interior do
Instituto Fluminense de Agricultura ou às Colônias Orfanológicas, como a Pedro
Alcântara, a Isabel e a Blasiana. Neste sentido, o ministro da agricultura em 1882,
José Antônio Saraiva, após registrar que a agricultura brasileira era “rotineira em
sua maior parte”, enfatizava a importância de se começar a
226 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
[...] a língua oficial está enredada com o Estado, tanto em sua gênese como
em seus usos sociais. É no processo de constituição do Estado que se criam as
condições da constituição de um mercado linguístico unificado e dominado
pela língua oficial: obrigatória em ocasiões e espaços oficiais (escolas, entidades
públicas, instituições políticas etc.), esta língua de Estado torna-se a norma
teórica pela qual todas as práticas linguísticas são objetivamente medidas
(BOURDIEU, 2008, p. 32).
Referências
ALMEIDA, A. W. B. de. A ideologia da decadência. Rio de Janeiro: Casa 8;
Fundação Universidade do Amazonas, 2008.
cias naturais no século XIX, Brasil. In: HEIZER, A.; VIDEIRA, A. A. P. Ciência,
Civilização e Império nos Trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001. p. 77-96.
98 A CEV-AP esteve representada nessa reunião pelo seu presidente Dorival Santos e por mim, Maura
Leal da Silva. Infelizmente não localizei, além de reportagens de divulgação do evento, demais registros
dessa reunião.
99 A Comissão Estadual da Verdade do Amapá foi criada por iniciativa do Governo do Estado do Amapá,
em 24 de junho de 2013, e teve suas atividades encerradas em junho de 2017. Foi a primeira Comissão
da Verdade criada na Amazônia, objetivando, assim como as demais comissões, oferecer subsídios aos
trabalhos realizados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), bem como contribuir para elucidação das
violações aos direitos humanos cometidas em Território Federal do Amapá (atual Estado do Amapá) durante
a Ditadura Civil-Militar no Brasil.
234 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
É difícil não reconhecer que, nesse universo político pulsante que con-
dicionou minhas escolhas profissionais, o convite para compor o colegiado da
Comissão Estadual da Verdade do Amapá, em 2013, meses depois que me tornei
professora de História do Brasil na mesma instituição e curso em que me graduei,
colocou-me diante de um lugar social, como diz Selva Guimarães (2016), que
compreende que só conseguiremos avançar enquanto estado democrático se as
especificidades, fragilidades e contradições de nossa democracia forem investigadas
101 Essas e outras questões se encontram imbricadas no escopo de inquietações e proposições desenvolvidas
dentro do Grupo de Pesquisa Democracias e Ditaduras (GPDD), sob minha coordenação, na UNIFAP.
Atualmente desenvolvo, em parceria com a professora Júlia Monnerat, o Projeto de Pesquisa intitulado:
“Ditadura e ensino de História no tempo presente” e o Projeto de Extensão: “Memória vai à escola”: a
formação continuada de professores de História e alunos de licenciatura em História (2021). Esse último
foi pensado a partir da experiência da Comissão Estadual da Verdade do Amapá, mas direcionado para a
formação de professores.
“A memória vai à escola”: o que a Comissão Estadual da Verdade do Amapá
– 237
tem a nos ensinar sobre o Ensino da Ditadura Civil-Militar?
É preciso ter em mente que a aluna e o aluno (em particular os jovens e adultos
que não vivenciaram esse período) trazem uma memória social e conhecimentos
prévios sobre esse tema aprendido em diversos espaços, públicos e privados.
É exatamente por isso, por reconhecer a complexidade que envolve o ensino
de temas como o da Ditadura Civil-Militar nas escolas, e por compreender que
o professor e a professora de história possui um papel social importante nesse
processo, é que percebo a necessidade de reflexões e formações que possam sub-
sidiar esse trabalho, pois, como bem lembrado por Selva Guimarães (2016, p.
85): “o professor de história, como cidadão educador, tem um papel estratégico,
pois tem o poder de participar diretamente da formação política e da consciência
histórica dos jovens”. Ter participado do “A memória vai à escola”, no mesmo
momento em que nós fazíamos a escuta dos testemunhos de mulheres e homens
que vivenciaram os anos de 1964 a 1985 no Amapá, possibilitou-nos perceber
essas e outras questões que este texto aborda, o qual pretende menos apontar
caminhos e mais compartilhar experiências de quem também divide as incerte-
zas e as angústias de ensinar o tema da Ditadura Civil-Militar brasileira em um
contexto afetado por um presente bem difícil e desafiante.
102 Ainda durante a implantação da CNV, com o objetivo de subsidiar no Brasil a atuação de comissões da
verdade e mecanismos análogos, bem como de estimular a participação cidadã nos processos de efetivação
do direito à reparação, memória e verdade, o Centro Internacional para a Justiça de Transição, a partir de
um acordo de cooperação técnica entre a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das
Relações Exteriores, realizou um exaustivo estudo sobre o papel de comissões da verdade.
“A memória vai à escola”: o que a Comissão Estadual da Verdade do Amapá
– 239
tem a nos ensinar sobre o Ensino da Ditadura Civil-Militar?
104 Discurso proferido na Audiência Pública do casal João e Janete Capiberibe, em 28 de março de 2014 (Acervo
da CEV-AP).
“A memória vai à escola”: o que a Comissão Estadual da Verdade do Amapá
– 241
tem a nos ensinar sobre o Ensino da Ditadura Civil-Militar?
Como uma ação deliberada de governos ou outros atores políticos para tra-
balhar com a memória coletiva, ou seja, para preservar, transmitir e significar
memórias de determinados eventos considerados importantes para um grupo
específico ou toda uma coletividade (BAUER, 2017, p. 133).
aliado a uma preocupação nas escolas com a preparação para o Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM), em que se acreditava que o tema da redação daquele
ano seria o golpe civil-militar, gerou uma demanda e um ambiente favorável para
se pensar em um projeto como o “A memória vai à escola”.
105 Em razão da rotatividade de membros na CEV-AP é difícil precisar estatisticamente qual era a quantidade de
comissionados com formação na área de educação que faziam parte da equipe em 2013 a 2014, quando da
242 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
elaboração do projeto “A memória vai à escola”, mas de um total geral de dezenove comissionados, incluindo
os presidentes, que fizeram parte da CEV-AP durante a sua vigência até 2017, nove eram educadores.
A maior parte desses comissionados atuaram na CEV-AP entre os anos de 2013 a 2014, no governo de
Camilo Capiberibe. Em 2015, com a não reeleição de Capiberibe a Comissão do Amapá teve suas atividades
paralisadas, e só retornou cinco meses depois de pressão de membros da equipe junto ao governador
Waldez Góis, mas com uma equipe e condições ainda mais reduzidas.
“A memória vai à escola”: o que a Comissão Estadual da Verdade do Amapá
– 243
tem a nos ensinar sobre o Ensino da Ditadura Civil-Militar?
Como diz Luis Alves e Cláudia Ribeiro, importa mesmo saber como
esses aproveitamentos nos ajudam “a refletir sobre o que temos feito de nossos
passados históricos que não queremos lembrar” (ALVES; RIBEIRO, 2016,
p. 12). Em 2014, quando o projeto “A memória vai à escola” foi executado
pela equipe da Comissão Estadual da Verdade do Amapá, junto ao público
escolar, o segmento do Ensino Médio era composto majoritariamente por
“A memória vai à escola”: o que a Comissão Estadual da Verdade do Amapá
– 245
tem a nos ensinar sobre o Ensino da Ditadura Civil-Militar?
Como afirma Tatyana Maia (2016, p. 168): “as formas como as sociedades
constroem representações sobre o passado e as transmitem estão diretamente
relacionadas com as suas expectativas”. Isso implica dizer que a maneira como
a sociedade brasileira se relaciona com seu passado ditatorial tem uma relação
direita com a manutenção das estratégias adotadas pelo Estado brasileiro quando
da sua transição para a democracia, em que prevaleceu a lógica do esquecimento
em um processo negociado pelos próprios militares. Em um país que vivenciou
em atividade. Apesar de longa, ela nos fornece uma descrição bem detalhada das
ações que foram realizadas.
Localmente, a urgência desse tema teve como fator propulsor a ideia muito
propagada no imaginário social amapaense de que não houve ditadura no Amapá,
sustentada, sobretudo, na alegação de que, como não ocorreram mortes e desa-
parecimentos na região nesse período, a ditadura teria se processado a nível local
de maneira muito mais branda do que no restante do país, uma vez que Macapá
não vivenciou a intensidade de prisões, torturas, mortes e desaparecimentos de
cidades como Belém, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Não estou afirmando que concordo com essa visão que abranda a ditadura,
mas compartilho com Caroline Bauer (2020) o mesmo entendimento de que
250 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
precisamos nos dedicar mais a temas que desconstruam essas memórias que circu-
lam no espaço público, que associam a ditadura diretamente à repressão. Não há
como negar a repressão, mas a ditadura foi um estado de coisas muito mais abran-
gente que não tem como ser medido somente pela quantidade de pessoas mortas
e desaparecidas. Com toda certeza, a ditadura brasileira não foi “menos ditadura
porque teve apenas 400 mortos e desaparecidos políticos” (BAUER, 2020, p. 4).
O negacionismo da ditadura sempre ocorreu ainda durante o regime, mas
Eu acredito que não só esse estudo mais aprofundado dos fatos, enfim, dos desdo-
bramentos da Ditadura Civil-Militar, a nível nacional, mas também de perceber
como esses tentáculos da ditadura também aconteceram no Amapá e causaram
uma ferida que ainda está em aberto, uma ferida que precisa ser discutida. Essa
ideia de termos essas discussões dentro das escolas, ela evidencia a necessidade
de conhecermos a história recente do Estado do Amapá, é um fato de nossa
história mais recente, e trazer essa construção dessa memória, de nos transformar
também em agentes dessa reparação histórica. [...] O projeto nos proporcionou
isso, uma visão muito ampliada, necessária de aprendizado naquele momento
que se aliava aos assuntos que a gente já estava estudando dentro do currículo
escolar. Então trazer isso como uma forma de reafirmar [...] a necessidade de
fazer discussões e de ter uma percepção contrária a esse tipo de acontecimento
como a ditadura, eu acho que é o principal legado do “A memória vai à escola”.
“A memória vai à escola”: o que a Comissão Estadual da Verdade do Amapá
– 251
tem a nos ensinar sobre o Ensino da Ditadura Civil-Militar?
para nos dá a dimensão do que foi isso, do que aconteceu, do que sofreram
as vítimas. Essas narrativas orais que são fortes, fazer essa separação do que
você acha que os estudantes podem ler naquele momento, que é ou não
impactante para aqueles estudantes lerem naquele momento. Eu acho que
os projetos trazem essa dimensão muito estruturada do que foi aquele fato
histórico (BARBOSA, 2021).
por essas comissões, com poucas iniciativas e ações nesse sentido. Essa timidez é
reflexo de como o Estado brasileiro lida com o enfrentamento de seus passados
dolorosos. A circulação dos relatórios finais dessas comissões, circunscritos a um
público muito restrito, sinaliza para pouca repercussão que essas instituições
tiveram em um contexto mais amplo de luta pelo direito à memória, verdade e
justiça encampado no Brasil pelas vítimas e familiares dos mortos e desaparecidos
e, muito timidamente, pela sociedade brasileira.
Muito tem se mencionado sobre a importância de uma apropriação mais
ampla pela sociedade brasileira dos resultados obtidos pela CNV e pelas demais
comissões da verdade que foram instaladas pelo país. É consensual que o melhor
caminho para se fazer isso é através da educação, e as escolas são consideradas
campos estratégicos nesse sentido. Porém, a educação não acontece somente
nas escolas, tampouco é um dever somente delas. Um maior alcance público do
trabalho realizado pela Comissão Estadual da Verdade do Amapá, bem como
pelas demais comissões, depende de muitas frentes. Atualmente a UNIFAP
abriga temporariamente o acervo da Comissão Estadual da Verdade do Amapá
até que se construa o Arquivo Público do Estado do Amapá para sua guarda
permanente. Porém, independentemente ou não que isso ocorra, um passo
seguinte a ser dado é fazer chegar ao máximo de escolas os resultados obtidos por
essas comissões, e um bom ponto de partida são através de projetos semelhantes
ao do “A memória vai à escola”, os quais devem ser impulsionados por políticas
públicas geridas pelo Estado e a Universidade.
A quantidade de declarações apologéticas e fantasiosas com relação à dita-
dura e à tortura, por exemplo, que circulam nas redes sociais, sobretudo entre os
mais jovens no Brasil, é reveladora de um universo assustador, o qual precisamos
enfrentar como professores e professoras, e nos coloca diante de um retrato da
sociedade brasileira, na qual a violência não é só banalizada, mas também se
manifesta nas diversas faces de um país profundamente desigual, em que os ódios
de classe, raça e gênero são os marcadores sociais dessa violência (BARBOSA;
SILVA, 2020). Essa forma positiva e banalizada de se enxergar esse passado vio-
lento infelizmente não é algo novo, mas o que chama atenção é o fato de que, logo
após os trabalhos realizados pelas comissões da verdade espalhadas em todo país
(em que se pretendeu a reconstrução de uma memória oficial sobre esse período
254 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
como tentativa de superação desse passado), da mesma forma que, nos últimos
anos, registrou-se um crescimento exponencial das pesquisas sobre a Ditadura
Civil-Militar no Brasil, também se observou o aumento das manifestações favo-
ráveis a esse período (BAUER, 2017).
Esse cenário ascendente de manifestações favoráveis à ditadura é ressig-
nificado no presente por um contexto político que tem à frente do executivo
brasileiro um ex-parlamentar que, em diversas ocasiões, fez e continua fazendo
Referências
ALCÂNTARA, B. [Entrevista cedida a] Maura Leal da Silva. Macapá, 19
jan. 2021.
ALVES, L.; RIBEIRO, C. Ensinar passados dolorosos, aprender com o uso peda-
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Barbosa, Júlia; SILVA, Maura. A história não ensinada sobre a ditadura civil-
-militar: reflexões sobre pesquisa e ensino no contexto amapaense. Fronteiras &
Debates, v. 7, n. 2, p. 199-221, 2020.
Este texto, escrito a quatro mãos, pretende discutir a importância das catego-
rias gênero e sexualidade para a formação de professores e professoras de História
a partir do relato de experiências pedagógicas desenvolvidas, entre os anos de
2018 e 2019, em cinco turmas da disciplina Oficina Pedagógica Extensionista
Educação e Diversidade (DFCH0213), componente curricular do curso de Licen-
ciatura em História da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Pretendemos
defender a necessidade de que estudantes que se preparam para o exercício da
docência reflitam sobre como as violências calcadas em estereótipos de gênero e
de sexualidade se perpetuam dentro do cotidiano escolar.
A experiência que compartilhamos foi construída partir de três eixos distin-
tos: a elaboração do documentário Colorindo, que apresenta depoimentos sobre
a heteronormatividade nas escolas do Amapá; a discussão bibliográfica que foi
acionada para a elaboração do filme e para a realização de atividades pedagógicas
em que o utilizamos como ferramenta; e, por fim, a apresentação das oficinas
pedagógicas que utilizam Colorindo como eixo central para a construção daquilo
que Hooks (2013), denomina de uma “comunidade de aprendizagem”
Nossa experiência pedagógica foi pensada no sentido de destacar a impor-
tância de se articular estratégias de combate a esses tipos de violência dentro das
instituições escolares, bem como de destacar a importância de que uma reflexão
sobre essas temáticas faça parte da formação inicial de profissionais da área de His-
tória. Embora tenha como referência primeira experiências vividas em instituições
de ensino no Amapá – apresentadas e tematizadas no documentário Colorindo – o
que pretendemos colocar em evidência com este texto é a necessidade de compar-
tilhamento de práticas e saberes que permitam uma reflexão sobre a historicidade
desse processo de violências heteronormativas, colocando em foco a importância
das discussões sobre as diferenças para pensarmos no ensino de História a partir
da chave do combate às violências que, como bem demonstram Louro (2009,
2015), Silva (2014) e Miskolci (2016), deve ser pensado em termos mais amplos.
Antes de adentrarmos à discussão, acreditamos que cabe uma breve apresen-
tação nossa, para que essa experiência possa ser contextualizada a partir de nossas
260 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
As análises feitas nos Estudos Culturais não pretendem nunca ser neutras ou
imparciais. Na crítica que fazem das relações de poder numa situação cultural
ou social determinada, os Estudos Culturais tomam claramente partido dos
grupos em desvantagem nessas relações. Os Estudos Culturais pretendem
que suas análises funcionem como uma intervenção na vida política e social
(SILVA, 2007, p. 134).
Sob lógica semelhante, Carla Pinsky, autora profícua nos estudos de gênero
e da história das mulheres no Brasil, define gênero:
A autora aponta uma dificuldade identificada por muitas pessoas que se pro-
põem a desenvolver trabalhos com gêneros e sexualidades: a confusão entre os limi-
tes de ambas as categorias para o senso comum. Essa confusão e a pouca reflexão na
esfera do ensino sobre essas questões talvez esteja no lastro da difundida convicção
de parcela da população de que educadores “de esquerda”, “marxistas culturais”,
“petralhas”, “gayzistas”, “feminazis” (ou qualquer outra identificação pejorativa em
voga no momento) estejam trabalhando nas escolas com o propósito de difundir
uma “ideologia de gênero”, cujo objetivo seria transformar crianças inocentes em
transviados. Esse pânico de que as discussões sobre sexualidade sejam travadas nas
escolas, como indicou Mattos (2020), faz parte de uma estratégia de mobilização das
massas em torno de um projeto de tomada e consolidação de poder de características
bastante conservadoras ou até neofascistas. Como indica Miskolci, são nas escolas
que as crianças são submetidas a um processo de padronização das identidades e
ções nas experiências de discentes do Amapá pudesse ser discutida dentro das
escolas, servindo para que se problematizasse, junto a profissionais do ensino,
as práticas escolares ligadas à heteronormativização. Esse foi o compromisso
que assumimos com aqueles e aquelas que cederam seus depoimentos para a
elaboração do documentário – o compromisso de que Colorindo seria exibido
para o maior número possível de profissionais da educação, para que, a partir
da exposição dessas narrativas, houvesse a possibilidade de desnaturalização das
violências relatadas no filme.
No entanto, as tentativas de estabelecimento de parcerias com escolas para
a exibição do filme em semanas pedagógicas (em 2019) foram infrutíferas. Espe-
rava-se que, tendo o material sido defendido e aprovado, juntamente com a
dissertação, no Programa de Mestrado Profissional em História da Universidade
Federal do Amapá, houvesse um aumento na aceitação da proposta por outras
instituições escolares, o que não se concretizou.
Assim, a partir desses acontecimentos é que resolvemos dar mais um passo
no sentido de divulgação do filme: a tentativa de institucionalização desse mate-
rial didático via Secretaria de Educação Estadual, para que o aval de uma esfera
do poder executivo permitisse que as escolas (nas figuras de diretores e diretoras,
coordenadores e coordenadoras) demonstrassem interesse pelo projeto. Quando
finalmente foi marcada uma reunião para a apresentação da proposta de ofi-
cina de Formação Docente Continuada, a temática do filme e o teor da oficina
foram rejeitados pela Secretaria de Educação governo do Estado do Amapá. Era
início de 2020, o filme já havia participado do Festival Imagem e Movimento
no Amapá e, no YouTube, plataforma onde foi compartilhado em dezembro de
2018, já contava com quase duas mil visualizações. O primeiro encontro com
Secretaria de Educação foi também o último, pois, após propormos nossa oficina,
108 Para isso foram selecionados alguns trechos da gravação bruta para abordar diferentes temas relacionados
e historicamente silenciados nas escolas. Todas as entrevistas foram autorizadas nos termos estabelecidos
pela Comissão de Ética da UNIFAP. As entrevistas, como resultado de trabalho de História Oral, encontram-se
arquivadas como fontes primárias na instituição.
109 Esse percurso de tentativas e negativas faz parte do Capítulo II: “Salas de aula, entrevistas, encontros
pedagógicos”: a pesquisa vai a campo, presente na dissertação: Heteronormatividade e estigmatização na
cultura escolar do Amapá, de 1988 a 2018.
272 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
[...] ouvindo injúrias com relação a si próprias ou com relação aos outros. Na
escola quer você seja a pessoa que sofre a injúria, é xingada, humilhada; quer
seja a que ouve ou vê alguém ser maltratado dessa forma, é nessa situação
de vergonha que descobre o que é a sexualidade (MISKOLCI, 2016, p. 34).
Tão ou mais importante do que escutar o que é dito sobre os sujeitos, parece
ser perceber o não-dito, aquilo que é silenciado – os sujeitos que não são, seja
porque não podem ser associados aos atributos desejados, seja porque não
Colorindo o espaço escolar: gênero e sexualidade na formação inicial
– 275
de professoras e professores de História no Amapá
podem existir por não poderem ser nomeados. Provavelmente nada é mais
exemplar disso do que o ocultamento ou a negação dos/as homossexuais – e
da homossexualidade – pela escola. Ao não se falar a respeito deles e delas,
talvez se pretenda “eliminá-los/as”, ou pelo menos, se pretenda evitar que os
alunos e as alunas “normais” os/as conheçam e possam desejá-los/as. Aqui o
silenciamento – a ausência da fala – aparece como uma espécie de garantia da
“norma”. [...] A negação dos/as homossexuais no espaço legitimado da sala
de aula acaba por confiná-los às “gozações” e aos “insultos” dos recreios e dos
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jogos, fazendo com que, deste modo, jovens gays e lésbicas só possam se reco-
nhecer como desviantes, indesejados ou ridículos (LOURO, 1997, p. 67-68).
sensibilizador para que a discussão sobre uma educação que combata as exclu-
sões e inclua discentes LGBT+ seja integrada aos Projetos Político-pedagógicos
das escolas, aos componentes curriculares, aos seus calendários acadêmicos e às
práticas cotidianas dos ambientes escolares.
O modelo do curso foi pensado para ser desenvolvido em cinco encontros,
de três horas cada, a serem realizados nos sábados de maio de 2021: no primeiro
será exibido o filme e, ao final, pediremos para cada pessoa preparar um relato
sobre ele para ser apresentado no início do próximo encontro; no segundo, as
pessoas trocarão relatos de suas experiências com relação a discriminações vividas/
testemunhadas nas escolas; no terceiro, apresentaremos uma bibliografia sobre
questões de gênero e sexualidade na escola, bem como conceitos-chave para o
entendimento da temática; no quarto encontro, serão apresentados trabalhos
de pesquisa desenvolvidos na UNIFAP sobre gênero e sexualidade; no quinto e
último encontro, trocaremos relatos de como percebemos as questões ligadas à
gênero e à sexualidade, a partir das discussões promovidas durante o curso.
A alternância entre a exposição do filme e de trabalhos acadêmicos com
os relatos das experiências nas escolas foi pensada no sentido apontado por bell
hooks, no último livro de sua trilogia sobre a educação:
A maioria dos professores sabe o que é se sentar em uma sala de aula com
vinte ou mais estudantes, desejando provocar diálogo, e ver que somente
os mesmos dois ou três estudantes flam. O ato de escrever e ler parágrafos
juntos reconhece o poder de voz de cada estudante e cria espaço para todas as
pessoas falarem quando tem comentários significativos a fazer. [...] Quando
todos nos arriscamos, participamos mutuamente do trabalho de criar uma
comunidade de aprendizagem. Descobrimos juntos que podemos ser vulne-
ráveis no espaço de aprendizado compartilhado, que podemos nos arriscar.
A pedagogia engajada enfatiza a participação mútua porque é movimento de
ideias, trocadas entre todas as pessoas, que constrói um relacionamento de
trabalho relevante entre todas e todos na sala de aula (HOOKS, 2020, p. 36).
habilidades a serem desempenhadas por docentes mas, por outro lado, temos
possibilidades reais de abordarmos os temas relacionados a identidades de
gênero e sexuais nos “temas transversais”, para tal é importante perceber a
identidade e a diferença em suas construções sociais (SILVA, 2018, p. 50).
deve e não pode mais ignorar, uma vez que fazem parte do currículo oculto que
embasa as relações nessa instituição, como as questões relacionadas aos gêneros
e sexualidades, as quais não compõem satisfatoriamente o currículo oficial.
É pelo currículo oculto que se aprende e que se ensina, no cotidiano escolar,
a abjeção aos alunos e às alunas percebidas fora da normalidade quanto aos seus
gêneros e sexualidades. Foi através da seleção dessas temáticas como articulantes
de nossas reflexões teóricas e a partir do compartilhamento de nossas práticas
Referências
BENTO, B. “Queer o quê? Ativismo e estudos transviados”. Cult Especial #6
– Queer, 2014.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Educação & Rea-
lidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.
está presente nele todo: subjacente a todas as suas condutas, já que ela é o
princípio insidioso e infinitamente ativo das mesmas; inscrita sem pudor
na sua face e no seu corpo já que é um segredo que se trai sempre.
pelo seu namorado, que após muitas tentativas frustradas de ser penetrado por
ela na relação sexual, resolveu realizar esse desejo com outras travestis, o que foi
compreendido por ela não somente como uma infidelidade, já que ele havia
feito sexo com outras, mas como uma desmoralização, pois ele ao fazer “papel de
mulher” com outras travestis demonstrava que ela não seria feminina o suficiente
para atrair para si um “homem de verdade” (PELÚCIO, 2007, p. 80).
Nesse relato se pode perceber o reforço dos ideais de feminilidade e masculi-
São enunciados como estes que vão forjando proteticamente (PRECIADO, 2004)
os corpos, isto é, completando-os, moldando-os, para que estes reproduzam os
gêneros coerentes e consequentemente a heterossexualidade hegemônica.
Não é possível afirmar que a “inadequação” de Yasmin à performance de
gênero exigida dela, isto é, que ser um “menino afeminado” foi o que causou
o diagnóstico realizado por sua mãe, de que ela seria uma criança com pro-
blemas mentais, mas existe uma relação entre a incapacidade de crianças em
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orientava-se seu desejo sexual, que era para os meninos, e só depois surgiu a per-
cepção de que seu corpo e sua genitália não correspondiam à forma como ela se
sentia quanto ao seu gênero. As primeiras brigas mais sérias com sua mãe se dão
quando ela começa a “andar com algumas bichas” (ANJOS, 2019b):
Percebe-se que Yasmin era um jovem, alguns diriam uma criança, de cerca
de 12 anos de idade, andando com um grupo de amigos cujas idades ela não
identifica e que sua mãe não conhecia, perambulando sozinhos pela noite, mas
a preocupação da mãe de Yasmin é quanto aos rapazes serem “viados”, tamanho
é o terror que as sexualidades e performances de gênero desviantes causam.
Embora não seja possível afirmar que a educação se restringe aos espaços
escolares – há que se considerar ainda os espaços não formais de educação em que
os indivíduos aprendem saberes e valores que serão constitutivos de seu processo
de transformação em cidadãos, tais como os movimentos sociais e as ONGs,
além da família e do grupo religioso –, a escola se destaca enquanto o espaço
responsável por dar continuidade à socialização iniciada pela família quando o
indivíduo nasce (MIRANDA, 2016).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) apresentam pontos comuns
que devem orientar os sistemas de ensino em todo o país, servindo de apoio para
Exclusão e silenciamento: a história de vida de uma
– 291
mulher trans na fronteira Brasil – Guiana Francesa
110 A pesquisa é parte do Dossiê “As fronteiras da educação: a realidade dxs estudantes trans no Brasil”, cuja
apresentação foi feita de maneira geral no segundo capítulo desta dissertação. Intitulada “A realidade das/
dos estudantes trans no Brasil”, a pesquisa consiste na segunda parte do dossiê, e foi realizada por meio
de formulário eletrônico no final do ano de 2018, com um alcance de 250 travestis, transexuais e pessoas
não binárias, estudantes da educação básica e superior. A amostragem abrangeu quase todos os estados
da Federação, à exceção somente do Amapá, Acre, Maranhão, Pará e Roraima.
Exclusão e silenciamento: a história de vida de uma
– 293
mulher trans na fronteira Brasil – Guiana Francesa
Aos 14 anos, Yasmin resolveu contar para os pais que “queria ser viado”
(ANJOS, 2019b), mesmo sem entender o que isso significava de fato. Esse epi-
sódio causou o rompimento de seu pai com ela. A história da chegada de Yasmin
nessa família está diretamente ligada à história do pai: quando seus pais se casa-
ram, a mãe de Yasmin já possuía outros filhos de relacionamentos anteriores. A
adoção de Yasmin foi um “agrado” ao marido que é estéril e nutria o sonho de
ter um filho homem, isso nutriu uma relação de afeto entre os dois durante boa
parte da vida de Yasmin, até aquele dia em que ela se revelara como um garoto gay.
Não demoraria até que Yasmin se descobrisse enquanto mulher trans e o
rompimento familiar revelasse uma face ainda mais radical: a expulsão de sua
casa. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, no Brasil,
a idade média em que uma travesti ou transexual é expulsa de casa é de 13 anos
(ANTRA; IBTE, 2019). Yasmin mais uma vez vem confirmar essas estatísticas
com seu relato:
[...] eu ia sair de casa sem saber pra onde eu ia sair, que lugar eu ia, só que
nessa época eu já tinha feito algumas contas, eu tinha amizade com um rapaz
do salão que ele era amigo do meu irmão, ele era mais amigo do meu irmão
do que meu amigo, que era o João, e eu perguntei pra ele se eu podia morar
com ele, eu ajudava ele no salão, a limpar, porque em casa não estava dando
mais certo [...] Aí morei com ele lá, fazia algumas coisas, limpava o salão pra
ele, não me vestia ainda com roupas femininas, eu já era afeminada, eu andava
com algumas gays, já queria saber o bajubá111, como elas se comunicavam
com o bajubá, mas eu era quaquaquá112 (ANJOS, 2019c).
111 O bajubá é a linguagem própria das travestis, composta por gírias, palavras da língua portuguesa
ressignificadas e termos provenientes do ioruba-nagô. Também pode ser chamado de pajubá ou bate-bate.
112 No bajubá, quaquaquá é como se denominam os gays e/ou pessoas trans iniciantes que ainda não dominam
os códigos próprios de comunicação e comportamento da comunidade LGBTQ, como o próprio bajubá. Eu
não encontrei registros da expressão em publicações acerca do bajubá, o que pode indicar que o termo só
é utilizado localmente, no Amapá, já que não encontrei nenhuma publicação local sobre o bajubá. Na fala
294 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
de Yasmin fica explícita sua tentativa de ser aceita no grupo, aprender a sua língua, no entanto ela ainda
era quaquaquá, ou seja, não detinha o conhecimento dessa linguagem.
Exclusão e silenciamento: a história de vida de uma
– 295
mulher trans na fronteira Brasil – Guiana Francesa
[...] era pela sobrevivência, ficar com dinheiro, comprar roupa, maquiagem,
comida, passei um tempo longe da minha família, não tinha contato. [...]
Deitar com uma pessoa por causa de dinheiro, tu te sente usado, tu te sente
inferior a ela, eu me sinto inferior. É logo no começo, eu até falo para as
meninas que tão começando hoje “mana no começo vai ser flores, mas
depois tu vai descobrir o ruim das ruas, tu vai vendo as travestis morrendo”
(ANJOS, 2019e).
113 Essa é a forma que as travestis se referem à maioria de seus clientes, especialmente aqueles que na relação
sexual são os passivos, isto é, são penetrados. De acordo com Pelúcio, é uma espécie de xingamento dirigido
aos homens que poderiam ser encarados na vida pública como “homens de verdade” (categoria utilizada
também pelas travestis e fortemente apoiada num referencial binário de gênero), mas que na vida privada
suas práticas sexuais o aproximam do desprestigiado polo feminino (2007)
Exclusão e silenciamento: a história de vida de uma
– 297
mulher trans na fronteira Brasil – Guiana Francesa
oral muito boa, conversava, me adaptava pro clima, pra relaxar, algumas
não, eram agressivas quando a gente ia negociar o preço. Uma vez uma me
esmagou na parede do motel, entre o carro e a parede do motel, porque eu
pedi “tanto”, ele disse que não ia me dar “tanto” (ANJOS, 2019e).
Considerações finais
Referências
ANJOS, Y. M. [Entrevista cedida a] Chayenne da Silva Farias Cambraia.
Macapá, 2019a.
Macapá, 2019b.
114 Carvalho (2010), ao discutir as rotinas e rupturas do Escravismo no Recife, aborda o conceito de liberdade
para os negros e negras escravizados, de 1822 a 1850. Ainda que se refira diretamente ao escravismo,
as suas considerações são relevantes para entendermos a liberdade e os seus significados também para
os povos originários: “[...] a liberdade aqui é entendida como um processo de conquistas que podiam ser
graduais ou bruscas, avançarem ou recuarem. A rigor, não existe liberdade, ou não liberdade, absolutas.
O que existe é um permanente vir-a-ser – desdobramentos de conquistas existenciais que têm que ser
contextualizadas no espaço e no tempo” (CARVALHO, 2010, p. 15).
304 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
115 Sobre o “sertão” na história do Brasil ver Janaina Amado (1995). Sobre a construção da imagem de Mato
Grosso do sertão, da fronteira e não civilizado, ver Lilya Galetti (2000).
Povos originários nos sertões do Mato Grosso do Sul:
– 305
fontes para o ensino de História
116 Um marco nesta produção foi a obra coletiva organizada por Manuela Cunha (1992).
306 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
nas formas de organização dos grupos humanos, muito mais numerosos do que
a população de Portugal à mesma época,117 com famílias extensas ou parentelas,
em casas nucleares ou coletivas.
O avanço do constructo ocidental, especialmente com a edificação dos
Estados nacionais na América nos séculos XIX e XX, impôs transformações aos
povos originários, sendo talvez a mais profunda a redefinição de território. As
fronteiras nacionais, ao se constituírem a partir de disputas entre nações ocidentais
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
117 Sobre estimativa da população originária quando da chegada dos colonizadores, ver João Oliveira (2014).
308 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Art. 6.’ Não se haverá por principio de cultura para a revalidação das sesma-
rias ou outras concessões do Governo, nem para a legitimação de qualquer
posse, os simples roçados, derribadas ou queimas de matos ou campos,
levantamentos de ranchos e outros actos de semelhante natureza, não sendo
acompanhados da cultura effectiva, com morada habitual exigidas no Artigo
antecedente”118 (grifo nosso).
121 Quanto a figura dos agregados, chama atenção as considerações de French também ao expor os limites
da vida em liberdade para esses sujeitos: “Como uma classe para a qual muitos ex-escravos migraram,
os agregados viviam em terras controladas por proprietários de escravos e funcionavam como parte
integrante da clientela desses proprietários. Eles eram legalmente livres, porém presos, por suas obrigações
e dependências, às vontades e arbitrariedades dos proprietários e administradores das plantations”
(2006, p. 81).
310 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
vitimas por eles imoladas desde épocas remotas, e os meios suasórios empre-
gados para chamá-los a nossa convivência sem resultado simbolizam um
sério obstáculo ao desenvolvimento da indústria pastoril e agrícola que tem
causado grandes males. Assim, nada de descanso até outubro, muito se poderá
conseguir para corresponder a expectativa do Governo.
122 Para saber mais sobre as monções, consultar Holanda (1990). Em “Relatos Monçoeiros”, Taunay (1953)
traz várias narrativas dos monçoeiros e viajantes do século XVIII que partiam de Porto Feliz – SP, da antiga
Araritaguaba, até as minas de Cuiabá, registrando essas memórias.
Povos originários nos sertões do Mato Grosso do Sul:
– 311
fontes para o ensino de História
[...] Acham-se muito atemorizados com a chegada da Força, pois que repetidas
ameaças dos fazendeiros, refugiados aqui, como em outros lugares, por causa
das reses que eles são obrigados a matar para sua alimentação, tem incutido
312 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Outro dado interessante desta fonte diz respeito à informação acerca dos
Kadiwéu123 que imprimiam, segundo os engenheiros, temor tanto às tropas
[...] essa oposição entre ser e não ser livre deve ser analisada dentro de uma
situação histórica concreta. Se não for devidamente contextualizada no
tempo, a liberdade corre o risco de tornar-se um sonho, ou quando muito
uma abstração de uma condição do presente, imposta sobre o passado
(CARVALHO, 2010, p. 213).
123 Cadiuêos (conforme a fonte) é uma grafia para Kadiwéu, remanescentes dos Mbayá-Guaicurú (Herberts,
1998). No tempo presente os Kadiwéu vivem na Reserva Indígena Kadiwéu no município de Porto
Murtinho-MS (SILVA; KOK, 2014).
Povos originários nos sertões do Mato Grosso do Sul:
– 313
fontes para o ensino de História
124 Uma fonte primordial a tratar das relações de trabalho e o modo de vida na Matte Larangeira é a obra “Selva
trágica”, de Donato (1959). Um romance mural que explicita a forma como os trabalhadores da mate, homens
e mulheres, vivenciavam a violência das regiões ervateiras.
314 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
125 Sobre o “sistema econômico nas sociedades guarani”, consultar José Souza (2002).
126 A política indigenista é caracterizada pelas formas adotadas pelos Estados Nacionais latino-americanos no
trato com os povos originários.
127 A Reserva Indígena de Dourados fora idealizada pelo SPI com 3.600 ha, mas no decorrer do tempo esta
área foi sendo invadida por não indígenas configurando atualmente 3.475 ha, onde vivem cerca de 13 mil
indígenas (VIETTA, 2015, p. 354).
Povos originários nos sertões do Mato Grosso do Sul:
– 315
fontes para o ensino de História
128 Os caminhos percorridos pelo SPI entre os ministérios dos distintos governos republicanos exemplifica
esta noção de “reserva de força de trabalho”: nascido em 1910 como Serviço de Proteção ao Índio e
Localização do Trabalhador Nacional (em 1918 passou a ser SPI), de 1910 a 1930 foi alocado no Ministério
da Agricultura, Indústria e Comércio; de 1930 a 1934 fez parte do Ministério do Trabalho; de 1934 a 1939
estava na estrutura da Inspetoria de Fronteira ligada ao Ministério da Guerra; em 1940 esteve ligado ao
Ministério da Agricultura, depois ao Ministério do Interior.
129 Sobre a cosmologia Kaiowa e a luta dessa etnia pela retomada da terra na região da Colônia Agrícola, ver
Katya Vietta (2015).
316 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
130 O “esparramo” é a denominação dos kaiowa para o processo de dispersão provocado pelo avanço dos não
indígenas sobre o território originário. (BRAND, 1997)
131 Para salvaguardar seus direitos – os índios terenos querem parlamentar com o chefe da nação. Gazeta
do Commercio, n. 476, anno IX, 25 de agosto de 1929, p. 3, Três Lagoas-MT (Arquivo da Diocese de Três
Lagoas-MS). Ainda hoje os Terena reivindicam a homologação da Terra Indígena Buriti.
Povos originários nos sertões do Mato Grosso do Sul:
– 317
fontes para o ensino de História
132 Sobre a luta indígena como movimento social, ver Poliene Bicalho (2010), especialmente tópico “1.4.
Movimento indígena e movimento social”.
133 Disponível em: https://cimi.org.br/2008/07/27614/. Acesso em: 14 nov. 2020.
134 Fruto dessa inserção política da luta indígena como movimento social no período, deu-se a eleição do primeiro
deputado federal indígena no Brasil, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) do Rio de Janeiro, Mário
Juruna Xavante (LEVY, 2008). Sobre a institucionalização dos movimentos sociais na América Latina, ver
Goirand (2009).
135 O CIMI foi criado em 1972 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), guiado pelos preceitos
da Teologia da Libertação e a “opção pelos pobres”, seguindo o Concílio de Vaticano II (1962-1965) e a II
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano ocorrida em Medelin.
318 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
136 Agradecemos pelas dicas de interpretação ao professor Neimar Machado de Sousa, da Faculdade Intercultural
Indígena da UFGD.
Povos originários nos sertões do Mato Grosso do Sul:
– 319
fontes para o ensino de História
137 CIMI – CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Relatório: violência contra os povos indígenas no Brasil
– Dados de 2018. Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2019/09/relatorio-violencia-contra-
os-povos-indigenas-brasil-2018.pdf. Acesso em: 20 nov. 2020.
138 Disponível em: https://pethistoriacptl.ufms.br/caixa-de-historias/. Acesso em: 20 nov. 2020.
320 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
vez que é opcional o trabalho com material didático suplementar ao livro didá-
tico, geralmente adotado pelas escolas públicas. Ao escolher uma fonte, o assunto
tratado deverá fazer parte do conteúdo abordado em sala. Isso quer dizer que a
fonte pode ser usada “para servir como instrumento de reforço de uma ideia”; ou
como “fonte de informação, explicitando uma situação histórica”; ou, ainda, o
documento disponibilizado pode ser o recurso principal para “introduzir o tema de
estudo” e tornar-se um provocador do problema interpretativo, assumindo então
Ficha A – 15
Ficha P – 15
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324 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Referências
AMADO, J. Região, sertão, nação. Estudos históricos, v. 18, n. 15, p. 145-
151, 1995.
HOLANDA, S.B. de. Monções. 3. ed. ampl. São Paulo: Brasiliense, 1990.
Agricultura Brasileira 205, 206, 207, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 218, 219,
220, 222, 223, 225, 228, 229, 231
Alunos 115, 117, 119, 124, 125, 127, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141,
142, 143, 144, 147, 148, 150, 151, 152, 153, 165, 168, 196, 197, 234, 235,
236, 238, 240, 242, 243, 244, 245, 247, 250, 251, 252, 260, 263, 269, 272,
274, 275, 276, 280, 292, 303, 319, 320, 321
Amapá 233, 234, 235, 236, 237, 240, 242, 243, 244, 246, 248, 249, 250, 252,
253, 255, 257, 259, 260, 262, 269, 270, 271, 273, 275, 279, 281, 282, 284,
292, 293, 335, 336, 337
América portuguesa 39, 40, 42, 43, 46, 47, 54, 55, 56, 58, 90, 91, 101,
106, 303
C
Capitanias do Norte 39, 41, 42, 44, 47, 53, 54
Cartografia 11, 36, 37, 38, 40, 46, 52, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 62, 63, 66, 68,
71, 72, 100
Ciência 68, 130, 137, 146, 157, 161, 162, 163, 170, 173, 176, 177, 184, 195,
205, 208, 217, 222, 223, 225, 227, 228, 229, 231, 257, 287, 301, 326, 336
Civilização 24, 34, 55, 56, 57, 58, 79, 84, 87, 190, 201, 206, 216, 220, 229,
230, 231, 304, 310, 314, 325, 326
Colonização 38, 39, 44, 79, 80, 82, 85, 109, 219, 229, 303, 305, 306, 307,
313, 316, 325
Comissão da verdade 11, 233, 237, 240, 241, 250, 252, 256, 257
Comissão Estadual da Verdade 233, 234, 236, 237, 240, 241, 243, 244, 246,
248, 249, 251, 252, 253, 255, 257, 337
Comissões da verdade 233, 237, 238, 239, 240, 241, 244, 246, 252, 253, 257
D
Democracia 58, 74, 77, 103, 127, 140, 165, 198, 200, 233, 235, 236, 246,
249, 253, 255
330 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
Diferenças 9, 10
Discriminação 29, 235, 270, 273, 274, 282, 287, 291, 296, 319
Diversidade 11, 19, 77, 89, 91, 100, 103, 133, 138, 144, 176, 181, 182, 184,
190, 194, 197, 198, 200, 219, 223, 259, 262, 272, 275, 279, 281, 282, 291,
292, 301, 306, 321
62, 63, 66, 68, 69, 70, 71, 73, 75, 78, 79, 81, 82, 83, 84, 89, 90, 91, 93, 95, 97,
98, 99, 100, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 113, 126, 128, 133, 135, 136, 137,
138, 142, 144, 148, 150, 155, 160, 168, 175, 179, 180, 181, 184, 192, 195,
196, 199, 211, 213, 222, 234, 243, 245, 248, 250, 259, 262, 265, 266, 275,
277, 279, 290, 291, 292, 293, 303, 304, 305, 306, 308, 310, 311, 314, 321, 322
Espaço-tempo 17, 38, 91, 304
Estereótipos 12, 21, 22, 31, 259, 262, 276, 295, 306
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F
Força de trabalho 103, 211, 305, 307, 308, 309, 313, 315, 319
Fronteiras 11, 14, 39, 43, 44, 45, 46, 47, 65, 73, 77, 79, 80, 81, 82, 83, 84,
85, 86, 90, 91, 92, 94, 99, 101, 102, 106, 109, 182, 225, 255, 261, 292, 300,
307, 308, 313, 319, 326
G
Gênero 11, 115, 126, 127, 130, 139, 213, 226, 235, 253, 259, 260, 261, 262,
263, 264, 265, 266, 267, 268, 272, 273, 275, 276, 277, 278, 279, 281, 282,
283, 284, 285, 286, 287, 289, 291, 292, 294, 296, 298, 299, 301, 337
Grupos humanos 21, 59, 60, 61, 62, 63, 70, 107, 190, 307
Guarani 303, 309, 313, 314, 315, 316, 317, 318, 319, 324, 326, 327
Guerra cartográfica 65, 66, 68
H
Heteronormatividade 259, 262, 268, 269, 270, 271, 274, 275, 281, 282,
283, 337
História 3, 4, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28, 29, 30, 32, 33, 34,
35, 36, 37, 48, 51, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 66, 70, 71, 72, 73, 74,
75, 76, 77, 78, 79, 80, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 89, 90, 91, 96, 100, 101, 102,
103, 104, 106, 107, 108, 109, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121,
122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 137,
138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 147, 150, 152, 153, 154, 155, 156, 157,
158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 173,
174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189,
191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 201, 214, 218, 229, 230, 231, 234,
235, 236, 237, 238, 240, 241, 242, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251,
252, 254, 255, 256, 257, 259, 260, 261, 262, 263, 266, 267, 269, 271, 272,
273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 280, 281, 282, 283, 285, 288, 291, 293,
300, 301, 303, 304, 305, 306, 307, 310, 311, 313, 316, 319, 320, 321, 324,
325, 326, 327, 335, 336, 337, 338, 339
332 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
K
Kaiowa 303, 313, 314, 315, 316, 318, 319, 326, 327
L
Lavoura 212, 213, 214, 217, 219, 220, 222, 223, 226
M
Mão de obra escrava 32, 39, 211, 220
Mapas 35, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 43, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56,
57, 60, 61, 62, 63, 66, 70, 71, 74, 75, 82, 94, 100, 116, 140, 148, 149
Mato Grosso 45, 219, 303, 304, 305, 306, 308, 309, 310, 311, 313, 314, 315,
316, 317, 318, 319, 320, 321, 324, 325, 326, 327, 338
Meio ambiente 19, 60, 61, 177, 179, 186
Memória social 184, 185, 237, 255
Mercado formal 294, 295, 296, 297, 298
O
Olimpíada Nacional em História do Brasil - ONHB 11, 113, 114, 115, 116,
117, 119, 120, 121, 122, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131
Orientação sexual 262, 291, 294
P
Patrimônio cultural 140, 141, 173, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182,
184, 185, 186, 187, 188
Patrimônio histórico 11, 173, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 184, 185, 186
Índice remissivo – 333
Patrimônios 133, 134, 135, 136, 137, 139, 142, 144, 153, 173, 174, 179, 180,
181, 182, 183
Povos originários 11, 95, 99, 303, 305, 306, 307, 308, 309, 310, 311, 313,
314, 316, 317, 318, 319, 321
Preconceito 115, 116, 127, 152, 260, 273, 282, 287, 291, 292
Preservação 140, 173, 174, 175, 177, 178, 179, 180, 182
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Professor de História 115, 122, 125, 157, 160, 162, 164, 169, 237, 240, 241,
242, 248, 260, 336
Professores de História 9, 32, 36, 166, 167, 236, 242, 248, 259, 262, 278
ProfHistória 9, 10
R
Reforma do ensino 117, 118, 119, 123, 125, 129, 131
Relações de poder 37, 61, 63, 144, 263, 265, 267
Relações Sociais 11, 12, 20, 21, 23, 31, 38, 61, 79, 97, 108, 121, 122, 127,
142, 143, 148, 175, 194, 198, 266, 273, 283
Reterritorialização 91, 94, 99, 103, 107
Rio São Francisco 41, 42, 44, 64, 65, 66, 68, 69, 70, 72
S
Saberes 15, 111, 203
Sala de aula 11, 34, 37, 73, 128, 129, 133, 134, 135, 138, 139, 140, 143, 144,
150, 151, 153, 158, 160, 162, 196, 197, 198, 235, 238, 241, 248, 249, 257,
262, 265, 272, 275, 276, 277, 291, 292, 303, 306, 319, 320, 321, 322
Sertões 11, 23, 61, 65, 66, 69, 70, 73, 79, 80, 81, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96,
97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 205, 303, 304, 305,
307, 310, 315, 321
Sexualidade 259, 260, 261, 264, 265, 267, 268, 269, 270, 272, 273, 274, 276,
277, 278, 279, 281, 283, 284, 285, 289, 291, 292, 299, 300, 337
Sexualidades 263, 265, 267, 269, 270, 273, 274, 278, 280, 289, 297, 337
Sociogênese 205, 228
T
Tempo 11, 13, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 41,
43, 48, 51, 55, 56, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 70, 73, 74, 75, 76, 83, 89, 90, 91,
92, 96, 97, 98, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 114, 120, 122, 127,
334 – Espaço, Temporalidades e o Ensino de História – Volume 2
135, 136, 138, 141, 142, 144, 145, 149, 151, 153, 157, 159, 160, 162, 163,
164, 165, 166, 168, 170, 171, 175, 176, 181, 182, 184, 187, 189, 190, 191,
192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 207, 209, 210, 212, 217,
218, 225, 226, 234, 235, 236, 242, 245, 252, 254, 255, 263, 264, 267, 283,
285, 286, 291, 296, 303, 304, 305, 306, 312, 313, 314, 321, 337
Temporalidade 17, 31, 59, 170, 194, 196, 197, 199
Temporalidades 3, 4, 9, 11, 12, 107, 180, 196, 197, 198, 209
V
Violências 76, 124, 199, 246, 259, 270, 271, 272, 276, 279, 280, 283, 293,
296, 312
Sobre os organizadores e autores
Organizadores
Autores
SOBRE O LIVRO
Tiragem: Não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Adobe Garamond Pro 10,5/11,5/13/16/18
Arial 8/8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)