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Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Foto de Capa: De (a)bscenas a (a)bjetos, de Isabelle Montenegro
Revisão: Os Autores
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-5075-8
ISBN Físico 978-65-251-5079-6
DOI 10.24824/978652515079.6
2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Christiane Carrijo Eckhardt Mouammar (UNESP)
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Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Edson Olivari de Castro (UNESP)
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Três de Febrero – Argentina) University, MMU, Grã-Bretanha)
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Jacqueline de Oliveira Moreira (PUC-SP)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) João Ricardo Lebert Cozac (PUC-SP)
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Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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“Preciso lutar por mim, pela minha avó e pelos meus filhos!” – sobre
efeitos da escuta psicanalítica de uma mulher em contexto de violência.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 11
Leônia Cavalcante Teixeira
Leonardo Danziato
Ana Claudia Coelho Brito
Jean-Luc Gasspard
DUPLO DESAMPARO:
crianças em condição de orfandade por covid-19 e pela ausência (quase
total) de proteção pelo poder público ............................................................ 155
Ângela de Alencar Araripe Pinheiro
e psicológica.
No que diz respeito às questões subjetivas, os setores de atendimento
psicossocial da casa da Mulher Brasileira são fundamentais para que sofri-
mentos, antes não validados, possam ser falados e reconhecidos.
Quando mulheres em situação de violência são escutadas é frequente
narrarem uma via crucis para conseguirem ter suas queixas de sofrimento
legitimadas. Além da revitimização dos aparatos da justiça e de assistência
social, a dor também diz respeito á dor das filhas e filhos, sendo, muitas vezes,
em nome deles que suas mães dizem ter força e coragem para denunciar e
sustentar a decisão de saírem do ciclo de violência.
Este livro contem discussões advindas da clínica psicanalítica e psi-
cossocial, bem como de situações da cultura e de contextos institucionais.
O capítulo “Manifestações da violência doméstica: compreender para
intervir” objetiva produzir conhecimento e estimular reflexões sobre a pro-
blemática da violência, ao definir como parâmetro principal as manifestações
da violência doméstica contra a mulher. Utilizou-se o modelo de abordagem
qualitativa, sendo realizada uma pesquisa exploratória para desenvolver uma
familiaridade com a temática, a partir de uma investigação bibliográfica. O
estudo ressaltou as diferentes formas de violência contra a mulher e eviden-
ciou leis de proteção à mulher no Brasil.
“A Incidência da Violência Doméstica no Corpo das Crianças: Contri-
buições a partir do Trabalho mm Grupo” é título do segundo capítulo e se
destina a abordar a incidência da violência doméstica na constituição psíquica
das crianças, a partir do trabalho clínico grupal, sendo este compreendido
como um dispositivo privilegiado nesses contextos, de modo a possibilitar a
narrativa do sofrimento vivido e as vias para sua elaboração. Para tanto apre-
senta o relato de dois grupos, o primeiro realizado com crianças com idade
de seis a nove anos e o segundo com crianças de 10 a 12 anos. Na clínica
psicanalítica com crianças o corpo se impõe e as narrativas se apresentam
12
Introdução
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Metodologia
(Lei nº 12.650/15).
Carolina Dieckmann Worcman, brasileira, atriz, foi vítima de um hacker
que invadiu o seu computador pessoal e teve acesso a algumas fotos intimas
da atriz, exigindo que a mesma lhe desse dinheiro para não tornar as imagens
públicas, e foi a partir desse marco que se tomou a iniciativa e preocupação
de amparar os crimes dessa natureza, quais sejam, os crimes cibernéticos
(Oliveira & Giordano, 2021).
Nesse mesmo diapasão, porém, com outro tipo de violência, Joanna de
Albuquerque Maranhão Bezerra de Melo, brasileira, ex-nadadora, vítima de
abuso sexual em sua infância, quando tinha 9 (nove) anos, pelo seu treinador,
a lei determinou que o prazo prescricional para os casos de abuso sexual de
crianças e adolescentes seja contado a partir da data em que a criança completa
18 (dezoito) anos, assim, desde a aprovação da lei em 2012, que as vítimas
desse tipo de violência ganham mais tempo para denunciar seus abusadores
(Oliveira & Giordano, 2021).
Em 2021, no cenário pandêmico, foi criada a campanha sinal vermelho
contra a violência doméstica e familiar contra a mulher, com finalidade de
denunciar as violências contra a mulher através de um canal. Referida campanha
levou a criação da Lei nº 14.188/2021, que a definiu como medida de enfrenta-
mento a violência doméstica, bem como alterou, o Código Penal para enrijecer
as penas de lesão corporal simples cometida contra mulher pela condição de
sexo feminino, além de incluir o crime de violência psicológica contra a mulher.
Em relação a inclusão da mulher na política foi inserido através da lei
nº 14.192/21, que alterou o Código Eleitoral, no que dispõe a combater a
violência política contra a mulher, assegurando a participação de mulheres
em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatos. E para
finalizar o aspecto legislativo, houve uma alteração na Lei de Execução Penal
– LEP, pela lei nº 14.326/22, em que garante à mulher gestante ou puérpera
um tratamento humanitário, bem como assistência integral à sua saúde e
do recém-nascido.
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REFERÊNCIAS
Baluta, M. C., & Moreira, D. (2019). A injunção social da maternagem e a
violência. Revista Estudos Feministas, 27.
Krug E.G., Dahlberg L.L., Mercy J.A., Zwi A.B., & Lozano R. (2002). World
report on violence and health. Geneva. World Health Organization.
Lacerda Almeida, E. V., & Borba, F. (2022). A Lei Maria da Penha: uma
política pública brasileira de combate à desigualdade de gênero. Debate Femi-
nista, 64.
26
Lopes, A. P., da Silva, J. M. A., Ferreira, M. M., & dos Santos, V. M. (2020).
Justiça restaurativa e violência doméstica e familiar contra a mulher. Caderno
de Graduação-Ciências Humanas e Sociais-UNIT-ALAGOAS, 6(2), 95-95.
4 Psicanalista, graduada em psicologia pela PUCRS; mestre em Saúde Pública pela FSPUSP; doutora em
Psicologia Social pela PUCSP; pós-doutora em Psicologia Clínica pela USP. Integrante da REDE SUR
psicanálise e intervenção social; autora de diversos livros e artigos em psicanálise.
5 Psicóloga graduada pela PUCSP. Integrante da REDE SUR psicanálise e intervenção social e do Grupo
Reinserir Psicologia.
6 Psicóloga graduada pela PUCSP, psicanalista em formação pelo Instituto Sedes Sapientiae. Integrante da
REDE SUR psicanálise e intervenção social e do Grupo Reinserir Psicologia.
7 Psicólogo graduado pela PUCSP, psicanalista em formação pelo Instituto Sedes Sapientiae, integrante do
Grupo Reinserir Psicologia.
8 Grupo coordenado por Marina Rogano e Patrícia Brandão.
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incomoda, diz que ela estava brincando tranquilamente antes, e que ela havia
feito a mesma coisa com eles. Pedro está eufórico: “Nós vencemos! Ela se
rendeu!” Caio contesta dizendo que não havia vencedores, pois não havia sido
justo, já que eram dois contra um. As coordenadoras convocam a reflexão
dos participantes sobre a cena ocorrida. Surgem temas como guerra, brigas e
formas de resolver conflitos e disputas. As coordenadoras marcam, também,
que a brincadeira saiu do controle. E que elas têm como hipótese que isso
acontece em outras situações da vida deles.
Caio então fala dos filmes de guerra de antigamente que costuma assistir.
Ele se pergunta como são feitos. Parece estar na dúvida se aquelas cenas são
reais. Uma das coordenadoras fala que esses filmes são baseados em fatos
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reais, e a outra diz que às vezes quem está fazendo o filme precisa inventar
um pouco, ser criativo, porque nem sempre é possível saber exatamente o
que ocorre de verdade.
As coordenadoras formularam a hipótese de que a cena de guerra pro-
tagonizada pelos irmãos era uma representação da situação vivida por eles
em casa, uma vez que a mãe havia procurado atendimento para os filhos
depois que estes presenciaram uma cena de violência doméstica, na qual o pai
agrediu fisicamente a mãe. Tal fato provocou a separação do casal, seguida
de reconciliação e separação por alguns meses, até que ela decidiu por se
separar definitivamente.
Questiona-se no grupo se as crianças já haviam presenciado alguma
situação na qual um conflito havia se tornado violência ou agressão. Rapi-
damente Caio diz: “Meu pai uma vez bateu… em um carro”. A história era
pouco precisa. O pai havia batido como? Quem havia feito a denúncia? Caio
parecia confuso. Sugerimos a ele utilizar os bonequinhos de pano da caixa
lúdica para contar a história. Ele imediatamente começa a seguinte narrativa
com os bonecos em punho.
Um dia o pai estava dirigindo, bateu em um carro que estava estacionado,
mas o motorista do carro batido não estava presente. Uma senhora, que morava
em frente ao local do acidente, saiu de sua casa dizendo que havia visto o que
tinha acontecido e que iria denunciar ao dono do carro. O pai de Caio, irritado,
diz a ela que ela poderia avisar, e eles marcam uma briga, para a qual cada
um levaria alguns amigos para ajudar. Caio conta que o pai passou em casa
para deixá-lo, juntamente com Camila, além de falar com a mãe deles sobre
o ocorrido. Nesse momento, fica claro que eles haviam presenciado a cena.
Ele pega dois bonecos, um menino e uma menina, e os representa saindo do
carro e entrando em casa. Ele diz que Camila chorava, e ela? foi se esconder.
A partir desse momento Caio já não sabe dos fatos, pois não acompa-
nhou o pai, e diz que imagina o que aconteceu, baseando-se em alguns fatos
que veio a saber posteriormente. Interpreta com um tom bastante brincalhão
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que Elisa falava aos demais o que havia escrito. Os participantes faziam
comentários sobre o “clima do grupo”: se estava muito “pesado” ou “muito
triste”. Decidiram que, se quisessem, poderiam “jogar um assunto difícil fora”.
Então, o papel era amassado e aquele assunto era deixado de lado, podendo
eventualmente, ser “recuperado”.
Elisa perguntou aos colegas de grupo se eles queriam saber “pouco”,
“médio”, ou “muito” a respeito do que ela tinha a dizer: da “tristeza muito
grande que vem e invade”; de uma dor interna que “às vezes a impede de
ver, ouvir, falar e até se mexer”. Encontra no grupo a possibilidade de falar,
pois não quer machucar sua mãe com sua dor. Então “fica tudo pra dentro,
acumulando até chegar na borda”. O acolhimento do grupo é intenso e ela,
ou afetação do sujeito para com sua história. Compartilhar com outro a própria
vivência foi uma importante condição para que as crianças se apropriassem do
peso narrativo de suas palavras, do excesso que as cenas vividas guardavam.
Caio conta ao final do encontro do primeiro grupo que a cena mais
triste não era aquelas cenas fantásticas que descreveu, mas o fato de que seu
pai bateu em sua mãe. Elisa, integrante do segundo grupo, surpreende-se
com o impacto que a fala sobre o seu sofrimento (e de seus cortes) causou
nos demais membros do grupo. Ao perceber esse efeito pode redimensionar
seu próprio dizer.
No primeiro grupo, evidencia-se ao longo de um único encontro que, de
brincadeira em brincadeira, vai sendo possível para Caio, verbalizar a violên-
alteritária do Outro. Ou seja, o grupo tem que ser condição-suporte para que
as crianças possam endereçar seu sofrimento, vivido como desamparo devido
à violência doméstica.
eram apegadas às mães, irritadas como elas e cuidando dos irmãos como se
fossem seus filhos, por outro lado, se queixavam de cansaço e chateação com
essa tarefa. Ambas apesar disso não confiavam seus sofrimentos a suas mães.
Também Caio apresenta sua ambivalência em relação à figura paterna, ao
questionar-se sobre o que pode ou não, o que é justo ou injusto. Tenta finalizar a
história da batida do carro em um momento em que o pai se mostra arrependido
e cuidadoso, mas é atravessado pela concretude da realidade e ficcionou uma
história fantástica, na qual os pais são super-heróis e o pai agente da destruição,
machuca todos os membros da família. Assumindo a posição de justiceiro –
como fez com o colega Pedro – ele se responsabiliza por uma tarefa que a
princípio compreendia como uma função do pai: a proteção das pessoas que
ama. Em outra cena, ao final de tantos conflitos familiares, retratados com os
bonecos, todos eles perderam algum membro, isto é, uma parte de si mesmos.
No grupo, isso pode aparecer como uma tentativa de elaborar as perdas, e seus
próprios conflitos perante as marcas da violência doméstica. Camila evita entrar
em contato com o conflito que apareceu na brincadeira, e se des-implica de sua
própria atuação, havendo algo de insuportável que enseja essa recusa. Pois é
justamente quando se aproxima do que remete à sua dinâmica familiar que ela
sai da brincadeira, o que demarca seu recuo diante do conflito iminente que
tange o ocorrido, sentido como uma impotência diante da guerra.
Na constituição psíquica do sujeito, ao mergulhar no mundo é-lhe for-
necido um banho narcísico composto pelas fantasias de seus pais a respeito
do que virá-a-ser. Essa alienação é a base sob a qual se solidificará seu eu
ideal, no qual se encontra seu reservatório libidinal. No caso de Caio, ele é
recoberto pela fantasia de que ocupará o lugar do pai. Justamente por isso, é
levado à análise pelo temor que sua mãe tem de que ele será como o pai, pois
ela percebia que ele vinha se tornando cada vez mais explosivo. Já Camila
silencia-se a respeito do ocorrido, e é aí que seu corpo começa a falar, no
roer das unhas, na evitação do assunto. Percebemos então que, diante do ato
violento presenciado pela família, cada um dos filhos lidou com a situação a
40
partir de uma posição própria, o que permite pensar sobre as diferentes manei-
ras que as situações de violência incidem sobre cada integrante da família.
Nesse sentido, faz-se necessário questionar as dinâmicas familiares cujas
manifestações infantis são interpretadas sempre à luz do referencial das figuras
de cuidado. No caso dos irmãos, Camila e Caio, desde o primeiro contato com
a mãe destes, as coordenadoras escutaram a preocupação dela em divorciar-se
para que os filhos não se sentissem compelidos a repetir a dinâmica familiar:
“Me divorciei para que meu filho não se torne um homem que normaliza
bater em mulheres, e para que minha filha saiba que ela não pode tolerar
violências como essa”. Contudo, parece que justamente procurando evitar
tal destino fatídico, a família acaba por traçar uma profecia autorrealizadora,
Para Caio isto se manifesta num estrangulamento de sua raiva, o que fica
evidente quando relata para uma das coordenadoras que tem medo de sentir
raiva. Há, portanto, uma tentativa de isolar os afetos para proteger-se de seu
estranho familiar, a raiva, que inclusive já tomou seu pai algumas vezes. E
no caso de Camila, vê-se que ocorre uma regressão a uma posição na qual
já esteve mais protegida, ao enunciar no grupo seu desejo de retornar ao
útero, lugar que dá contorno e faz continente para a sua angústia. Assim, na
composição das histórias dos casos citados, os grupos oferecem lugar para
que os conflitos em relação aos ocorridos possam aparecer, com a raiva então
ecoando no grupo como um emergente grupal.
A intervenção clínica grupal visa propiciar essas outras trilhas que passam
a ser concebidas entre pares que reeditam a gramática dos acontecimentos
conforme a singularidade do sujeito. Aquilo que fora introjetado por meio do
olhar, das falas, e dos intervalos entre um silêncio e outro, aludem às identifi-
cações que são parciais, e que, portanto, não contemplam uma totalidade. Na
navegação pelas moções pulsionais, é possível observar para onde o desejo
se dirige para que o sujeito delineie outras rotas, podendo desse modo se
diferenciar daquilo que é “predestinado” para ele.
Além disso, o que é transmitido consciente ou inconscientemente pelas
gerações que o antecede constituem o eu por via das identificações, que ocor-
rem na linguagem por meio de alusão. No entanto, dessas heranças, vê-se o
que vai e o que permanece como marca. A questão que fica para a mãe dos
irmãos Camila e Caio é de que ao se processarem essas identificações, restarão
transmissões psíquicas que se referem aos impactos da violência doméstica
que foi testemunhada.
A violência doméstica vivida por Elisa de forma excessiva, ou traumá-
tica, é transmitida no corpo, e deixa marcas que reverberam até o presente
momento, sobretudo num tipo de desconforto que é muito abordado pela
menina e a leva a mutilar-se. Segundo Ferenczi (1931/2011) a “consequência
42
Para nós, grupo operativo e grupo familiar são suscetíveis de uma mesma
definição: conjunto de pessoas reunidas por constantes de tempo e espaço,
articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe, implícita
ou explicitamente, uma tarefa que constitui sua finalidade (p. 216).
Apontamentos finais
REFERÊNCIAS
Birman, J. (2020). O sujeito na contemporaneidade: dor e desalento na atua-
lidade. (3nd ed. Ampliada). Civilização Brasileira.
Dolto, F. (1988). Psicanálise e pediatria (A. Cabral, trad., 4nd ed.). Guanaba-
ra-Koogan. (Trabalho original publicado em 1971).
Ferenczi, S. (2011). Obras completas Psicanálise IV. (A. Cabral, Trad.). Mar-
tins Fontes. (Originalmente publicado em 1929, 1931 e 1932).
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1415-71282006000100004&lng=pt&nrm=iso.
Introdução
À escuta de Ugui
fazia bico, não conseguia mais voltar a brincar, repetindo várias vezes “tô com
raiva!”. Recusando-se a fazer qualquer coisa com o grupo ou individualmente,
sentava-se de costas para todos, expressando-se com bastante indignação:
“Não gosto de perder o tempo todo!” Dado momento, ele pega lápis de cor e
papel e começa a desenhar. Mostra o desenho e diz que fez vários corações
quebrados, porque estava com raiva. Também mostra no desenho um “coração
intacto” que, segundo ele, não está quebrado, mas está preso. Tal “coração
intacto” encontrava-se atrás de grades desenhadas por ele.
Os corações aparecem em outros momentos da oficina. Ao vê-lo dese-
nhar novamente corações quebrados e intactos, as facilitadoras perguntam
para Ugui onde está o coração e ele responde: “O coração está na cabeça.
no final da oficina, pediu para ir fazer xixi no banheiro, disse que aguentava
segurar o xixi até chegar no ônibus e, com alegria, expressou que não estava
mais usando fraldas.
aparentava sentir vergonha por estar de fraldas. Na mesma fala, a mãe de Ugui
revela: “Estou torcendo para que aconteça alguma coisa para que Hugo não
vá para casa do pai”. Ao esclarecer o que havia acabado de falar, se corrige
dizendo querer que o ex-companheiro precise trabalhar no fim de semana para
não ficar com os filhos. Ela parece não se dar conta de que o seu desejo para
que “aconteça alguma coisa” abrange as doenças do filho.
Lacan (1969/2003, p. 369) afirma que o sintoma da criança se acha em
condição de responder ao que existe de sintomático na estrutura familiar,
podendo representar, em alguns casos, a verdade inconsciente do casal parental.
Nesse caso específico, sustentamos a hipótese de que diante da relação dos pais
aos pedaços, de dois desejos inconciliáveis de ter um filho, o menino expressa
no seu brincar o seu despedaçamento, a falta de unidade, também refletida na
preponderância das pulsões orais, manifestadas pelas dificuldades na alimen-
tação e nas lambidas, e excretórias, abrangendo a incontinência urinária.
Diante da análise de uma possível hegemonia do gozo do Outro na rela-
ção da mãe com seu filho, considera-se relevante para o caso situar o conceito
da economia de gozo e a constituição do sujeito em Lacan. Discernindo entre
o gozo do Outro, o gozo fálico e o gozo outro.
O conceito de gozo, para Lacan, deriva da perspectiva abordada por Freud
em Os Chistes e sua relação com o inconsciente (1905) e em Mais Além Do
Princípio Do Prazer (1920), que concebia como gozo uma atividade pulsio-
nal prescindível e repetitiva subordinada à linguagem. Em gênese, o gozo
já se assentava ao significante, como um prazer desprazeroso, um estranho
desarranjo (BRAUNSTEIN, 2007).
Mais adiante, ao desfalcar a supremacia do significante, Lacan (1981)
passa a compreender o gozo tanto como barreira quanto como produto do
significante. Assim, nas diferentes modalidades de gozo em Lacan, partimos
de três posições que situam sua economia: o gozo do vivo, o gozo do Outro,
o gozo fálico e o gozo outro (Valas, 2001).
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
Braunstein, N. (2007). Gozo. Editora Escuta.
Lacan, J. (1999). Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. (p. 77-86). O Semi-
nário, Livro 5. As formações do inconsciente. Zahar.
Lacan, J. (2009). O Seminário, Livro 18. E um discurso que não fosse sem-
blante. Zahar.
Lacan, J. (1985). O seminário, livro 20: Mais, ainda. Jorge Zahar, 1985.
Nascimento... et al.] ; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli ... [et al.].
– (5nd ed.). – Dados eletrônicos. – Artmed, 2014.
De onde falamos
15 E-mail: marjorie.psique@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1572645042258768
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8574-904X
Psicóloga pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus de Santo
Ângelo. Mestranda do PPG Psicanálise, Clínica e Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS e membro do Núcleo de Estudos em Psicanálise e Infâncias – NEPIs/UFRGS
16 ORCID: https://orcid.org/0009-0001-7730-389X
E-mail: karolpsi.b@gmail.com
Lattes:http://lattes.cnpq.br/5754786951499207
Psicóloga pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI Campus de
Santo Ângelo.
17 E-mail: luciane.conti@ufrgs.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1172756538624937
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6022-9259
Docente e pesquisadora do Departamento de Psicanálise e Psicopatologia e do PPG Psicanálise, Clínica
e Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora do NEPIs – Núcleo de
Estudos em Psicanálise e Infâncias, UFRGS.
18 E-mail: rafael.fredii@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5266522653331502
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-6777-2035
Psicólogo e especialista em Psicologia Clínica pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. Realizou percurso em psicanálise pela Associação Psicanalítica de
Porto Alegre – APPOA.
64
com Penna (2019), passaram a ser adotadas medidas protetivas, entre elas
determinar o afastamento do agressor do lar, vedar seu contato com a família,
encaminhar a vítima e seus filhos para um espaço seguro. Com a criação dessa
lei, a violência contra a mulher deixou de ser considerada de menor potencial
ofensivo. Dessa forma, foram criadas as Delegacias da Mulher, para que a
mulher se sinta mais acolhida e busque realizar a denúncia. Também houve
a implementação de políticas públicas e a integração do Poder Judiciário,
Ministério Público e Defensoria Pública nas áreas de assistência social, saúde,
instituições de segurança, educação, habitação e trabalho.
É a partir desse contexto, delimitado por violências de diferentes ordens
e de violação de direitos, que se deu o trabalho de escuta aqui compartilhado.
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...várias lacunas que vão se apresentando ao longo do relato dos casos, o que
gera, na equipe, várias interrogações e angústias. Mas, nesse movimento de
idas e vindas acerca do caso, a equipe tenta montar o quebra-cabeça, con-
figurando uma narrativa “coerente” acerca dos acontecimentos. Em todas
essas narrativas, repetem-se significantes que apontam para um mal-estar
acerca da dificuldade em entender o caso, das relações entre os eventos,
dos motivos de alguns acontecimentos. A angústia que a “confusão” e a
66
Mas, pensamos que essa forma de narrar faz parte da construção do caso
em equipe, em que os narradores sempre fala(va)m pela dor do outro. E tal-
vez seja essa busca por uma certa elaboração disso que se deu no campo das
práticas em equipe, disso que restou como efeito da escuta, que configuramos
nosso escrito nesse capítulo. Para isso, vamos inicialmente situar o caso e, na
sequência, apontar alguns significantes que, na nossa leitura-escuta, se destacam
Fragmentos do caso
Ana Sofia, Ana Clara e Pedro, as crianças, eram filhos da atual com-
posição de casal de Ana Beatriz com Pedro Paulo. Eles foram casados por
12 anos; ele conheceu a filha mais velha, Ana Sofia, proveniente da relação
anterior de Ana Beatriz, quando ela ainda era um bebê, e nos relatos da mãe
ele a criou como sendo sua filha. Aqui indicamos que, em nossa leitura-escuta
do caso, o pronome possessivo “sua” parece denunciar algo da objetificação
dessa filha, o que parece estar presente neste caso.
Primeiramente, gostaríamos de ressaltar que para manter o sigilo dos
sujeitos envolvidos no relato foram escolhidos nomes fictícios. Essa escolha
refere a transgeracionalidade da violência, em que os efeitos do abuso ficam
pulverizados em todos da família, fato esse que associamos a muitas realidades
de famílias brasileiras. Três integrantes dessa família nuclear, representantes
do gênero feminino, de diferentes formas passaram por violência sexual.
Sendo assim, de modo simbólico, escolhemos representar essa transgera-
cionalidade por meio dos nomes: Ana Beatriz (a mãe), Ana Sofia (a filha
adolescente) e Ana Clara (filha com idade ainda condizente à infância). Todas
vivenciaram abuso sexual do marido, do padrasto e do pai, respectivamente.
Porém, já indicamos que a violência também teve seus desdobramentos na
vida do filho Pedro, embora que, para fins desse texto, iremos desenvolver
com mais detalhes os efeitos na vida das duas filhas, Ana Clara e Ana Sofia.
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 67
sem rosto, que apenas ela podia ver. Ele a perseguia. Assombrava seus dias e
noites. Referia que estava quase sempre com ela. Gerava medo e pânico. As
professoras não o enxergavam. Pediram ajuda à equipe do CRAS.
No CRAS, Ana Beatriz, mãe de Ana Clara, relatou que passara a morar
nessa cidade há poucos meses. Ana Clara e os outros filhos, Pedro, 6 anos,
e Ana Sofia, 12, moravam com ela. Tinha familiares neste local. O genitor
das crianças menores ficou na metrópole. Ana Beatriz tinha medida protetiva
contra ele, que era extensiva às crianças.
Ainda na cidade de onde vieram, em uma noite qualquer, o genitor che-
gou em casa, de madrugada, alcoolizado. Trabalhava à noite em um frigorífico.
Foi até o quarto das meninas. Ana Clara estava acordada e, diante do que
A mãe faz uma pausa e volta a falar: “Eu digo: mas porque não me
chamou? Porque não gritou? Mas eu penso que ela devia estar com muito
medo na hora, medo dele fazer o mesmo com ela.” Ana Beatriz para de falar
e volta a sua atenção para a televisão, em seguida o médico nos chama para
fazer o encaminhamento.
Posteriormente, Ana Beatriz vai à unidade e conta como foi a Páscoa.
O ex-marido veio ver os filhos, a filha mais velha estava na casa da avó e os
filhos mais novos ficaram em casa com os pais. Ela conta que o ex-marido
tentou ter relações sexuais com ela, o que provocou uma briga física entre
eles. Então ele contou para ela como foi que violentou a filha e alegou que ela
se insinuou para ele. Isso fez Ana Beatriz perder o controle e expulsar ele de
casa. Ana Beatriz relata que “Ele (o pai) disse que ela sentou no colo dele e
pediu que ele desse mais atenção para ela, porque ele estava muito distante.
Mas, de onde eu vou acreditar que a minha filha ia pedir uma coisa dessas pra
ele? Eu acredito nela, acredito na minha filha. Quando ela me contou eu nem
sei, fiquei em choque.”
Aqui podemos aludir ao conceito de desmentido, de Ferenczi (2011):
desmentido como um descrédito é algo que envolve o outro. No caso em que
ocorre o desmentido, o adulto que ratifica o desmentido afirma que o abuso não
existiu (Canavêz & Verztman, 2021). Porém, Ana Beatriz dá crédito à denúncia
da filha Ana Clara, reconhecendo a denúnica, e conta como foi levar a filha
Ana Sofia para fazer os exames que comprovaram o abuso e em seguida para
a delegacia para prestar queixa. “Sinto que isso não acabou ainda, eu queria
fazer alguma coisa”. “O quê?”, perguntam-lhe. E ela responde: “Matar ele.”
fala psicótica pode gerar uma verborragia, palavras que não cessam de se com-
plementarem, em uma narrativa contínua que nunca satisfaz o sujeito narrador,
sendo uma tentativa de afastamento da angústia trazida pelo trauma.
No seminário intitulado Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise,
Lacan (2008) fala sobre a incidência de uma certa homeostase subjetivante
orientada pelo princípio do prazer, que buscará o tamponamento daquilo que
é da ordem do trauma. Ou seja, a tentativa que o psiquismo faz para manter
uma certa estabilidade, dada a aparição do Real do trauma, desvelado, sem
o tamponamento da fantasia. O psicanalista situa, ainda, que o lugar do Real
vai do trauma à fantasia; sendo assim, trata-se da operação psíquica de tentar
cobrir aquilo que é da ordem do inassimilável.
A fantasia pode solucionar um problema no Real? As narrativas de Ana
Clara, as quais ela não consegue simbolizar, assemelham-se a um conto, no
qual existe um vilão. Como ela não consegue concebê-lo, transforma-o e
projeta-o para fora de si. Maria Rita Kehl (2006), na introdução de Fadas no
Divã, salienta a capacidade dos contos, sejam eles clássicos ou modernos, de
auxiliar a criança a simbolizar e resolver conflitos psíquicos inconscientes; e
aponta, ainda, que a fantasia pode auxiliar na construção da identidade e na
criação de espaços psíquicos.
Assim, pela via dessas duas operações, vemos que o medo do próprio
pai se projeta para fora do corpo, personifica-se em uma figura escura, ocul-
tada por uma capa preta, que perseguia, assustava e estava sempre presente,
principalmente à noite, impossibilitando que Ana Clara pudesse dormir e
72
fazendo com que seu choro acordasse a todos na casa. Além disso, Ana Clara
não permite o oculto, ela conta para a mãe, para a escola e para quem quiser
saber sobre o abuso da irmã; assim como não permite que o homem da capa
seja uma visão particular, ela o denuncia, como denunciou o pai. Portanto,
podemos ler a repetição da narrativa, juntamente com a alucinação manifes-
tada por Ana Clara, como uma forma de tentar recobrir, criar, produzir algo
da fantasia para situar o horror do trauma.
Ainda conforme Ana Beatriz, “ele era um ótimo pai e marido, até que a filha
relatou o abuso”.
Após saber do ocorrido, Ana Beatriz sentiu-se na responsabilidade de ir
a médicos para periciar a filha e foi à delegacia registrar ocorrência, comparti-
lhando o sofrimento psíquico de suas filhas, ambas vítimas na situação do abuso
sexual, sendo Ana Clara quem testemunhou o abuso do pai com a irmã dela.
O atendimento a Ana Sofia foi a pedido da mãe, “quem sabe ela conte
pra você como foi que aconteceu”. A mãe só tinha escutado por meio da
narrativa de Ana Clara, que foi testemunha visual do abuso, de modo que a
confidência de toda a violência estava nas palavras dela. Ana Sofia se recusava
a falar a respeito. Ao falarem com ela, mantinha-se em silêncio; quando lhe
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perguntavam sobre a escola e sobre as aulas, era possível ouvir sua voz. Ao
brincar com ela sobre as aulas de matemática também não serem as favoritas,
ela sorria; no entanto, não chegava a falar sobre o abuso.
Sabemos, pela narrativa de Ana Clara, que após o abuso a irmã segurou
a sua mão com força e chorou, não buscou a mãe, mas fechou-se sobre si
mesma. Quando a mãe, Ana Beatriz, descobre o crime, vai com a filha até a
delegacia e a hospitais, buscando ajuda. Nessa movimentação, as palavras
são da mãe. Quando elas chegam até a UBS, o pedido da mãe para que a
estagiária de psicologia falasse com Ana Sofia ilustra essa posição, mas Ana
Sofia não consegue contar, assim como não conta na escola. E novamente
quem assume essa fala é Ana Clara, por cuja narrativa, que não cessa de
se repetir, buscando significantes, a direção da escola se torna ciente sobre
o caso e intervém, entrando em contato com a Coordenadoria Municipal
da Mulher.
Ana Sofia, após ter sofrido a violência, manteve-se calada e assumiu
essa posição para si. Porém, o silêncio de Ana Sofia falava de algo, era um
silêncio gritante. Após algum tempo, tem-se a informação de que Ana Sofia
estava se automutilando, realizando cortes nos braços e nas coxas com uma
lâmina. Através do acting out19, a adolescente fala sobre a sua dor sem precisar
dizer verbalmente; por meio do fazer ela elucida a sua dor, as suas perdas e
os seus medos.
O acting out se manifesta na necessidade que Ana Sofia tem de nomear
o ocorrido, de dar bordas ao excesso sofrido na carne, no corpo, de falar –
embora não verbalmente –, pois estava inserida em uma família, em uma
escola, em instituições que sabiam da violência que sofreu, espaços onde
todos falavam sobre isso, de diversas posições, seus familiares, amigos, pro-
fessores, profissionais de saúde, e ela era a única que não podia se narrar, que
19 O termo remete à técnica psicanalítica e designa a maneira como um sujeito passa inconscientemente ao
ato, fora ou dentro do tratamento psicanalítico, ao mesmo tempo para evitar a verbalização da lembrança
recalcada e para se furtar à transferência. No Brasil também se usa “atuação” (Roudinesco & Plon, 1998, p. 5).
74
não encontrava espaço subjetivo para a sua fala, e sucumbe a outros meios de
responder à angústia. Ana Sofia vivia uma angústia indizível e encontrava o
seu desamparo de modo escancarado. Os cortes aliviariam algo da angústia
e da dor, ao mesmo tempo que a lembravam de que estava viva. De acordo
com Lacan (2005), a angústia se manifesta quando não temos a falta do objeto
que caracteriza o desejo, ou seja, quando a falta falta.
Dessa forma, podemos pensar que Ana Sofia endereçou seu pedido de
ajuda através dos cortes em seu próprio corpo e usou a sua pele como perga-
minho na tentativa de fazer sua escritura, na tentativa de tomar o que é seu de
direito e conquista, ou seja, seu corpo, seus limites, seus desejos e sua vida.
Pedro
Desfechos do caso
20 “Retomado por Jacques Lacan como um conceito central em seu sistema de pensamento, o significante
transformou-se, em psicanálise, no elemento significativo do discurso (consciente ou inconsciente) que
determina os atos, as palavras e o destino do sujeito, à sua revelia e à maneira de uma nomeação simbólica”
(Roudinesco & Plon, 1998, p. 708).
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 77
REFERÊNCIAS
Bernardino, L. M. F. (2004). As psicoses não decididas da infância: um estudo
psicanalítico. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Calazans, R., & Bastos, A. (2010). Passagem ao ato e acting out: duas res-
postas subjetivas. Fractal: Revista de Psicologia, 22, 245-256.
29 A Vila Cruzeiro do Sul é uma região de intensa vulnerabilidade social do munícipio de Porto Alegre que
apresenta taxas altas de tráfico e violência.
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 83
2019, 66% das mulheres que foram vítimas de feminicídio eram mulheres
negras (IPEA, 2021). Outra estatística que se junta a essa realidade é a da taxa
de homicídios de mulheres não negras, o qual foi de 2,5%, enquanto que, para
as mulheres negras foi de 4,1%, do total de feminicídios ocorridos naquele ano.
Ou seja, identificamos nestes índices que o risco de uma mulher negra ser vítima
de homicídio é quase 2% maior do que o de uma mulher não negra. Trazer essas
estatísticas ajuda a compreender melhor como se materializa as constantes vio-
lências que a mulher preta e periférica sofre. Com estes dados ilustramos ainda
um pouco das narrativas trazidas pelas mulheres do Coletivo, enfatizando as
inúmeras dores provocadas pelo lugar de invisibilidade do corpo preto mediante
a discriminação de classe, gênero e raça no Brasil (Carneiro, 2017).
O Coletivo está situado em uma zona periférica da capital gaúcha pau-
tada pela violência e pela falta de recursos políticos e humanos. Já referimos
acima que há uma ausência de políticas que viabilizem acesso aos próprios
direitos básicos dos cidadãos e cidadãs da comunidade. Assim, é por meio da
proposta de um espaço de acolhimento das dores, lutas e violências diárias,
sofridas por essas mulheres, adolescentes e crianças moradoras da região que
se apresentou a iniciativa de construção do Coletivo.
Entendemos que o surgimento do Coletivo se deu com o intuito de fazer
despertar a luta pela cidadania e pela garantia de direitos. Um dos direitos
caros e valorizados por essas mulheres é a garantia de acesso à educação
integral para seus filhos e netos.
Ora, a educação no Brasil, apesar de constituir um direito social assegu-
rado pela Constituição Federal de 1988, nem sempre é honrada pelas políticas
públicas educacionais. A demanda por uma educação e formação de qualidade
para as crianças e jovens da Comunidade foi uma das pautas que conduziu
às ações coletivas e reivindicações políticas deste grupo. Ações essas que
se movimentam no contrafluxo dos discursos hegemônicos atuais, especial-
mente, porque estas mulheres, negras e periféricas, construíram um projeto
84
30 Lauren Elkin (2016) aposta na criação do termo Flâneuse – conceito feminino fundamentado pela ideia
benjaminiana de flâneur. A autora acrescenta o sufixo euse em francês – o qual pressupõe o gênero
feminino aos substantivos da língua francesa. O conceito de Flâneur e Flâneuse se mantém o mesmo,
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 85
porém, a autora considera importante essa especificidade para que enquanto mulheres, possamos resistir
à misoginia, conquistando espaços nos territórios, perambulando e refletindo pela/na cidade, desfiando as
visibilidades e invisibilidades geográficas estabelecidas pelo machismo. Importa dizer que o caminhar a
esmo pela cidade foi historicamente um direito dos homens.
31 De acordo com Cida Bento (2022), a branquitude pressupõe um fenômeno de invisibilização de pessoas
negras de forma velada, como um pacto silencioso, em que naturaliza algumas posições sociais. Um exemplo
disso, são as instituições e empresas compostas por funcionários, majoritariamente, brancos e do sexo
masculino. A autora afirma que esse é um modo de funcionamento que existe para manter os privilégios de
uma classe, que também sustenta competições entre si, mas é uma competição entre semelhantes.
32 Os diários de experiência (Zachello, Paul & Gurski, 2015, Gurski, 2017, Gurski & Strzykalski, 2018) foram
construídos pelo grupo de pesquisa a partir da necessidade de narrar a experiência no campo, com o que
desdobramos um modo próprio de registro. Os diários são caracterizados como um compilado escrito feito
pelas pesquisadoras acerca de suas vivências, experiências e reflexões fundadas nos encontros. Essa é
uma ferramenta metodológica que considera a dimensão da impossibilidade, na medida em que não se
trata de transpor para a escrita uma descrição linear e concreta do que aconteceu nas intervenções. O
86
mulher preta na Vila Cruzeiro e no laço social. As escritas dos diários, inva-
riavelmente, nos levavam ao encontro de traços comuns da mãe de periferia,
fosse ela jovem ou não: o Estado ausente, a falta de estrutura social e as dores
vividas. Nessa cadência de repetições, passamos a nos perguntar sobre os
efeitos traumáticos produzidos pelo sofrimento das mulheres pretas para as
novas gerações de meninas e adolescentes, especialmente, pelas situações de
violências e discriminações vividas e narradas.
A escuta da dimensão sociopolítica do sofrimento (Rosa, 2016) das
mulheres e meninas do Coletivo, através da escuta-flânerie territorializada,
proporcionou o recolhimento de algumas falas que mostram a importância de
conhecermos, de perto, os sujeitos que vivem nas realidades que pesquisamos.
dispositivo foi construído justamente alicerçado às premissas da ética psicanalítica a fim de tornar a pesquisa
em psicanálise o mais fiel possível aos efeitos de seu objeto, o inconsciente.
33 Usamos o pseudônimo de Ana a uma mulher chamada de “Tia” pela Comunidade, a qual foi escutada pelas
pesquisadoras flâneuses.
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 87
mulher negra:
34 A ação foi ofertada através do Projeto de Extensão “Rodas de Sonhos com adolescentes da Vila Cruzeiro:
a Oniropolítica e sua função no campo da saúde mental”. O projeto possibilita, por meio do conceito de
oniropolítica, a escuta da dimensão sociopolítica dos sonhos, a partir de uma perspectiva não só individual,
mas coletiva e política.
88
35 O nome Bia será usado como pseudônimo para referência a uma mulher, mãe e filha, que reside na
Comunidade e que foi escutada pelas pesquisadoras flâneuses.
36 Recolhido de um diário de experiência.
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 89
“nossa lei não é matar”, precisamos que o abuso seja denunciado de acordo
com as leis que protegem os direitos da criança e do adolescente.
A intervenção aponta para a possibilidade da descontinuidade do ciclo de
violência. Tia Ana recusa o punitivismo do tráfico, porém, também questiona
a lei do Estado. Quer dizer, ela pontua que não podemos pensar pela lente
punitivista que é uma das mais antigas maneiras de manutenção da estrutura
colonial racista.
Portanto, propomos uma leitura que vá além da uma oposição entre a lei
do Estado e as normas do tráfico. Reconhecemos na intervenção de Tia Ana,
junto ao tráfico, a reivindicação do próprio Coletivo às políticas de vida e à
construção e elaboração de novas saídas e possibilidades a fim de acolher tanto
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as dores como as novas formas de luta para esses corpos, essas vidas.
Para a criança negra, esses períodos são associados à pele negra, ocor-
rendo o que, Isildinha (1998) denomina de ideal da brancura. Esse ideal é
percebido pela criança em seus pais, pois ela se confronta com o fato de seus
genitores representarem figuradamente uma autoridade e perfeição fragiliza-
das: “A criança negra é aquela cujos pais aparecem, desde sempre, para ela,
como fragilizados pelo desejo inacessível da brancura” (Nogueira, 1998, p.
109). Isto é, a criança negra se identifica com a fragilização que os pais pas-
sam, ou seja, a discriminação afeta a criança negra antes do laço social, pois
já é inscrita na psique de seus pais.
A própria noção de família para a criança negra fica vaga, já que na
condição de escravos, não foi possível consolidar a ideia de pertencimento
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Bia fala que foi bailarina. Diz que sua família foi contra sua entrada no
balé. Sua avó falava que balé não era coisa de preto, que ela ia embran-
quecer. Bia disse que ia fazer balé mesmo não tendo apoio. Naquele
período, ela tinha 11 anos de idade, e, por ser pequena, conseguia passar
por baixo da catraca do ônibus, e assim, conseguir se deslocar até o local
das aulas. (Recolhido do diário de experiência de uma das pesquisadoras).
37 Agier (1996) traz que a Mãe Preta é designada pelos parâmetros: “trabalho, maternidade e tradição” (p. 196).
Ainda nessa linha, Lélia Gonzalez (2020) afirma que a Mãe Preta foi uma função que deu subsídios de resistência,
em virtude de sustentar que são elas quem vão “dar uma rasteira na raça dominante” (Gonzalez, 2020, p. 235),
notadamente, porque elas transmitem o ‘pretuguês’, que é o termo com o qual a autora nomeia o português
africanizado. Operam nessa função duas ideias: a de que a língua é um veículo privilegiado da transformação
cultural e a de que a Mãe Preta executa essa transformação de um modo que pode não ser reconhecido.
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 93
ela mesma possua muitos filhos adotivos – mais ou menos sete crianças adota-
das, talvez uma espécie de “fábrica de filhos” como ela mesma disse -, optou por
não engravidar. De qualquer forma, Bia exerce a maternidade. De que maneira a
função materna se apresenta para Bia? Sabemos que o lugar materno, atribuído
às mulheres pretas no Brasil, foi também herança do sistema escravocrata,
quando a mãe preta amamentava a prole do Senhor das terras. Na época, a ama
de leite era agregada à casa grande, mas colocada à deriva da estrutura familiar
(Agier, 1996), ela estava ali, mas não pertencia àquele local.
Como explicita Cida Bento (2022), dor e violência marcaram a história
de descendentes do período escravocrata, seja de forma simbólica ou con-
creta: “trata-se da herança inscrita na subjetividade do coletivo, mas que não
é reconhecida publicamente” (Bento, 2022, p. 15). Ainda muito jovem, Bia
teve que assumir as responsabilidades contidas nas atividades adultas. Em
suas narrativas, ela demonstra um certo ressentimento por não ter experien-
ciado o período da adolescência de outra maneira. Bia lamenta esse “destino
comum” das meninas adolescentes pretas e periféricas e se pergunta, afinal,
quais meninas adolescentes têm direito de adolescer?
Frente a algumas das narrativas que escutamos, entendemos a neces-
sidade de constituir um espaço para as adolescentes meninas, que circulam
pela comunidade, falarem de si. Isso surgiu especialmente após uma reunião
em que a Presidenta do Coletivo falou sobre a preocupação com as jovens,
especialmente pela situação de banalização da violência de gênero e das ges-
tações precoces.
Em outro momento, quando o projeto de intervenção com as adolescentes
começou a ganhar contorno, a pesquisadora deixou Bia falar:
Acho que podemos deixar aberta a idade, aqui as adolescentes são dife-
rentes, muitas são mães, tu vai ver. E elas são espertas, 10, 11 anos e já
estão voando [...]. Bia segue falando: “diferentes dos adolescentes no
94
geral, elas são espertas, sabem mais que a gente (Recolhido do diário de
experiências de uma das pesquisadoras, abril, 2023).
REFERÊNCIAS
Agier, M. (1996). As mães pretas do ilê aiyê: nota sobre o espaço mediano da
cultura. Afro-Ásia, (18), 189-203.
Elkin, Lauren. (2016). Flâneuse: women walk the city in Paris, New York, Tokyo,
Venice, and London. Farrar; Strausand Giroux.
Maria, Pedro e João41 são três irmãos que contam 13, 11 e 10 anos de
idade. Um ano atrás, o Ministério Público abriu uma ação cujo objetivo era
apurar as condições em que estavam vivendo com a família que os adotou
e com a qual residiam há dois anos, pois haviam fugido daquela casa e se
recusavam a voltar.
O processo atual foi distribuído no Setor de Psicologia da Vara da Infân-
cia para nossa atuação e, consultando o sistema de processos, verificamos
que existiram, de 2017 a 2019, outras onze ações que versavam sobre a vida
destas crianças, na época acompanhadas por uma colega. Narraremos a seguir
o que pudemos apreender da leitura dos processos anteriores, que acaba
por testemunhar o que nos ensina Lacan (1974): “não é de modo algum do
analista que depende o advento do real. O analista tem por missão opor-se
a ele” (Lacan, 1974, p. 8).
Em resumo, em 2018, Maria, Pedro e João (que à época contavam 10, 8
e 7 anos, respectivamente) foram acolhidos institucionalmente sob denúncias
de maus-tratos, negligência e abuso sexual no âmbito familiar. Já haviam sido
acolhidos no ano anterior, tendo retornado para o convívio materno. Diante da
nova institucionalização, equipes técnicas concluíram que “havia um histórico
de violação de direitos das crianças pela família biológica”, motivo pelo qual
consideraram a destituição do poder familiar como medida mais favorável ao
desenvolvimento delas.
Nos diversos processos, encontramos pouquíssimas informações sobre
a mãe biológica das crianças. Janete, como vamos denominá-la, é descrita
41 Nomes fictícios.
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 101
como usuária de drogas que se ausenta por longos períodos de casa, “o que
leva as crianças a perambular pelas ruas, algumas vezes comendo lixo”.
Porém, quem é Janete? Qual é sua história? Como era a relação de Janete
com a própria mãe? Que marcas carrega que a impedem de se responsabi-
lizar pelos filhos? Encontramos uma pista em um dos documentos, talvez o
único que trouxesse um pouco da história dessa mulher: é mãe de seis filhos.
Os três primeiros, fruto de relacionamento com o próprio pai, isto é, Maria,
Pedro e João possuem três irmãos mais velhos que viviam com a genitora,
na mesma casa que eles, e cujo pai é também o avô. Lê-se ainda no pro-
cesso que Janete relatou que o relacionamento com seu pai, extremamente
violento e controlador, só terminou quando ele foi preso. Após a prisão, “ele
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me deixou em paz”.
Dos relatórios, depreende-se que na primeira institucionalização das
crianças, Janete se empenhou para obter novamente a guarda dos filhos. Na
segunda, pouco se movimentou. Contudo, como se movimentou o poder
público para auxiliá-la quando do retorno dos filhos para casa, considerando
o contexto de vulnerabilidades em que vive? Esta questão não formulada
nos autos mostra-se fundamental, pois é ao não querer saber sobre seus furos
que o Estado brasileiro torna-se tão violento. Culpabiliza-se a família por sua
própria miséria, subjetiva e objetiva, para velar a precariedade em que fun-
cionam os serviços públicos no país, incapazes de efetivamente acompanhar
as famílias que dizem atender. A esse respeito, Zamora (2016), ao estudar
as práticas dos conselhos tutelares no Brasil, conclui que as famílias pobres
seguem sendo julgadas por aquilo que deveriam ser e não compreendidas em
suas possibilidades reais de existência.
Estudando os autos, verificamos que após a sentença que destituía Janete
do poder familiar, Maria, Pedro e João foram inseridos em duas diferentes
famílias substitutas. Tendo sido devolvidos pela primeira durante o estágio
de convivência42, foram depois adotados pela segunda. Dois anos após a
concretização da adoção, no entanto, um novo processo foi aberto, momento
em que entramos no caso.
A absoluta ausência das palavras de Maria, Pedro e João nos diversos
processos que tratam sobre suas vidas denuncia algo da paixão da ignorân-
cia. Como foi para cada uma destas crianças separar-se da família biológica?
Como foi para cada uma a ida para a primeira família substituta? Como se
encontravam, do ponto de vista subjetivo, na ocasião da “devolução” reali-
zada pela primeira família substituta? Como era para Maria ser filha de seus
42 Quando a aproximação inicial entre uma criança e o(s) candidato(s) a pai(s) é positivamente avaliada pelas
equipes técnicas da instituição de acolhimento e Vara da Infância, inicia-se o estágio de convivência. Neste,
o infante fica sob os cuidados do(s) pretendente(s) por 90 dias.
102
novos pais? E para Pedro? E João? Era hora de escutar ao menos uma dessas
crianças. Optamos por escutar Maria, que passou a fugir reiteradamente da
casa da família adotiva.
O brilho de Maria.
apresenta como pura e simples relação do ser humano com aquilo que ocorre
de ele ser miraculosamente portador, ou seja, do corte significante, que lhe
confere o poder intransponível de ser o que é, contra tudo e contra todos”
(Lacan, 1959-60/2008, p. 333).
Por levar até o limite a efetivação de seu desejo, Antígona foi recobrir o
corpo insepulto do irmão com uma fina camada de poeira, que cobre o suficiente
para que seja velado à vista, pois “não se pode deixar ostentando na cara do
mundo essa podridão onde os cães e os pássaros vêm arrancar os retalhos para
levá-los para os altares, no âmago das cidades, onde vão disseminar o horror e
a epidemia” (Lacan, 1959-60/2008, p. 312).
Assim como Antígona, Maria vive o conflito dilacerante entre uma lei que
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43 Referência à campanha criada pelo TJ SP em 2019 com objetivo de estimular a adoção tardia no país. No
site institucional, foram disponibilizadas fotos de crianças e frases simples sobre o que gostam de fazer,
junto à mensagem “adote um boa noite”. No mesmo ano, o TJ RS elaborou o “adote um pequeno torcedor,
Tchê”, que consistia em divulgar vídeos e fotos de crianças e adolescentes aptos à adoção nos estádios de
futebol durante o intervalo dos jogos de competições oficiais no Estado. No Mato Grosso, promoveu-se a
ação “adoção na passarela” em um shopping da capital.
Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/adoteumboanoite
Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/cij/projetos/adote-um-pequeno-torcedor-tche/
Disponível em: extra.globo.com/noticias/brasil/desfile-pretendia-promover-adocao-conscientizar-sobre-
direitos-das-criancas-diz-shopping-que-sediou-evento-23685932.html
106
REFERÊNCIAS
Brasil (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/1990.
Sófocles (1990). Antígona. In. Sófocles. A trilogia tebana: Édipo Rei, Édipo
em Colono, Antígona. Zahar Ed. (Peça original representada em 441 a. C.)
Introdução
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45 Psicanalista. Psicóloga da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Mestre em Teoria
Psicanalítica pelo Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica – PPGTP-UFRJ. Doutoranda em
Teoria Psicanalítica no PPGTP-UFRJ.
Email: ninasplessa@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6391810677205124
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5032-4391
46 Psicanalista. Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da
Associação Mundial de Psicanálise.
E-mail: angelicabastosg@gmail.com
Lattes: https://lattes.cnpq.br/2336468690216198
ORDCID: https://orcid.org/0000-0003-4764-2660
110
47 A Liga das Nações, precursora da ONU, foi uma organização concebida após a Primeira Guerra Mundial,
com o objetivo de assegurar a paz.
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 113
48 Gewalt participa da formação de algumas palavras, compondo, por exemplo, os termos “onipotência”
[Allgewalt], “poder estatal” [Staatsgewalten] e “estupro” [Vergewaltigung] – presentes da obra de Freud.
49 Frutos do populismo alimentado pelo ódio, os atos de destruição e terrorismo que ocorreram em Brasília
no último 8/1 concretizam a formulação de Freud.
114
Não se trata de acabar com quem é homem como se faz com um cão.
Não se pode acabar com seus restos esquecendo que o registro do ser
daquele que pôde ser situado por um nome deve ser preservado pelo ato
dos funerais (Lacan, 1959-60, p. 329).
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 117
Para concluir
REFERÊNCIAS
Aristóteles. (2008). Poética. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Seuil – Gallimard.
Freud, S. (1900). A interpretação dos sonhos. In: In: Obras psicológicas com-
pletas de Sigmund Freud. vol. IV e V. Edição Standart Brasileira. Imago Ed.
51 Psicóloga Clínica. Psicanalista. Mestranda no PPG Psicanálise: Clínica e Cultura (UFRGS). Membro
da Escola de Estudos Psicanalíticos. Especialista em Psicologia Clínica: Abordagem Psicanalítica do
Sujeito Contemporâneo (UCS). Especialista em Intervenção psicanalítica na clínica com crianças e
adolescentes (UFRGS).
Filiação Institucional: Programa de Pós graduação em Psicanálise: Clínica e Cultura UFRGS
E-mail: nicecazanatto@yahoo.com.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6590930688970954
ORCID: 0000-0001-8696-0915
52 Psicanalista, Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)- Departamento de
Psicanálise e Psicopatologia e do PPG em Psicanálise: clínica e cultura. Coordenadora do Laboratório de
estudos em psicanálise literatura e política- LEPLIP. Membro do GT ANPEPP- Psicanálise, política e Clínica,
participa da REDIPPOL, e do Coletivo Amarrações: psicanálise e políticas com juventudes e compõe o
conselho consultivo da REDUC- Rede brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E-mail: djambo.sandra@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2022735757785516
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9189-6994
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que 10% das crianças tinham menos de quatro anos de idade. Em 2021, houve
96 feminicídios, deixando 129 órfãos no estado.
Considerando que os psicanalistas precisam estar atentos e intervindo
nas problemáticas do seu tempo, nos perguntamos: O que pode a Psicanálise,
mais especificamente a escuta psicanalítica, perante essa realidade? Quais as
intervenções psicanalíticas possíveis com crianças pequenas afetadas pela
violência doméstica?
Conforme nos ensina Rodulfo (1990), a história de uma criança começa
muito antes de ela nascer. Existe uma pré-história que remete às gerações
anteriores, à história de sua família, de seu folclore, do meio social e cultu-
ral em que está inserida. O autor afirma: “Para entender uma criança ou um
Cena I: Elsa
Elsa53, dois anos e seis meses, é filha de uma mulher que sofreu violên-
cia doméstica, inclusive agressões físicas durante a gravidez, por parte do
ex-companheiro, pai de Elsa. No momento em que a criança foi encaminhada
para o atendimento psicológico, devido a suspeita de maus tratos pela família
paterna, a mãe e o companheiro estavam separados. No entanto, a mãe ainda se
sentia ameaçada por ele e tinha medo de perder a guarda da filha, pois naquele
momento estava afastada do trabalho por conta de sintomas depressivos.
A criança estava retornando de um período de férias com o pai. Ela tinha
passado quinze dias na casa do pai sem que a família paterna permitisse o
contato, nem telefônico, com a mãe. Essa violência – a interrupção da relação
mãe-filha aos dois anos de idade por parte do pai – fragilizou ainda mais a
saúde da criança, que sofria de infecções respiratórias recorrentes. Elsa cho-
rava quando a família paterna a buscava e adoecia em quase todas as visitas.
Foi em uma dessas consultas que uma profissional interveio, orientando a
mãe a fazer uma denúncia.
Elsa foi encaminhada ao ambulatório pelo Conselho Tutelar. A criança
foi recebida aos prantos, aninhada no colo da mãe, pouco interagindo e não
estabelecendo contato visual com os profissionais do serviço. A mãe contou
que, depois do retorno das férias, Elsa não queria sair do seu quarto. Ficava
ali, quietinha, fazendo uso do bico e mexendo nos seus brinquedos (sem
estruturar uma brincadeira como fazia antes). Quando tentavam tirá-la do
quarto, chorava e reagia agressivamente.
Em um dos primeiros atendimentos, Elsa estava aninhada no colo da
mãe. Primeiro, olhou para as bonecas que estavam na prateleira. Em seguida,
olhou para a profissional que estava lhe atendendo e, novamente, voltou a
olhar para as bonecas. A psicanalista, então, foi até a prateleira para buscar
a boneca e lhe entregar. Há ali, nessa intervenção, um olhar compartilhado,
que comunica e reconhece a presença do outro. Atendendo ao seu “pedido”,
lhe foi entregue a boneca. Transitivando com ela (Bergès & Balbo, 2002),
a psicanalista lhe falou o quanto aquela boneca e ela estavam sofrendo e
afetivamente. Em certa ocasião, ele pôde dizer que, embora tivesse algumas
divergências com a mãe, reconhecia que ela estava sendo uma boa mãe e
tinha muito amor pelas crianças. Entendeu-se que esse movimento foi muito
importante para o trabalho com Tobias.
Após o período de férias escolares, Tobias havia adquirido a marcha e
estava falando algumas palavrinhas.
Além das intervenções com os familiares, cabe considerar os possíveis
efeitos das intervenções com a educadora e o bebê, pois os significantes
familiares circulavam, também, no ambiente escolar. Nos encontros com a
educadora e com Tobias, eram lançadas estratégias para que ele pudesse se
movimentar. Às vezes, um brinquedo de seu interesse era colocado a uma
se expressar. Também está presente nas narrativas que vão sendo construídas,
no brincar e nas intervenções com os pais.
Cabe considerar que não falamos do transitivismo clássico, mas da pro-
posta de Bergès e Balbo (2002), os quais situam o transitivismo como uma
ação que passa de um sujeito a outro. Trata-se de um golpe de força que ante-
cipa e, a saber, impele o outro a sentir dor. Pelo golpe de força transitivista,
se a criança se machuca, a dor é sentida primeiro por quem supõe um saber
na criança. Nesse caminho, os autores salientam que o transitivismo é um
processo que passa necessariamente pelo corpo, uma vez que se trata de algo
experienciado que afeta o corpo de um outro modo. Lê-se o corpo como um
lugar de receptação, através do qual o mundo toma forma e consistência para
o bebê. Corpo que é também de linguagem, significantes e letras.
Bergès e Balbo (2002) destacam, ainda, que essa operação não se refere
a transitivar apenas a dor, mas uma ação – no sentido gramatical que possui
o verbo transitivo. Trata-se de transitivar a ação que passa de um sujeito a
seu objeto complementar. Nesse caso, a psicanalista opera essa forçagem e
a criança identifica o discurso. Essa forçagem na gramática deixa claro que
a criança não se identifica ao discurso, mas identifica o discurso – de modo
ativo, em um movimento de incorporação, que passa pelo corpo, constituin-
do-se em um enunciado simbólico. Na operação em que o sujeito se identifica
ao discurso do outro (como se esse discurso fosse um objeto qualquer ou
como se um objeto pudesse valer como discurso), observa-se uma operação
intransitiva, passiva, em que o sujeito não se incorpora de nada.
No contexto de intervenções com crianças que sofreram e foram testemu-
nhas de situações de violência, podemos pensar que o psicanalista opera uma
forçagem transitivista: refere-se a um discurso que encarna a dor, ao mesmo
tempo limitando a violência e inscrevendo um corpo. Com Elsa, a capacidade
de transitivar estava obliterada pelo sofrimento da mãe e pela violência do pai,
aqueles que ocupavam para a criança as funções parentais. Podemos pensar,
a partir disso, na formulação proposta por Bergès e Balbo (2002):
132
O pai maltrata a mãe. O filho, tomando por sua conta a dor que supõe ser
aquela da mãe violentada pelo pai, transitiva e repete essa dor: a cena pri-
mitiva é para ele uma erotização fantasmática secundária, que lhe permite
manter sempre inscrita, na e pela repetição, a lembrança ou o significante
do transitivismo originário que o causa. Pode-se compreender melhor a
violência e a emergência desse fato graças ao transitivismo dessa cena
diversamente atualizada (p. 25).
Nesse caso, a violência se produz a partir de um não dito, de uma ação sem
fala. Nessa identificação ao sofrimento do outro, a criança repete sem cessar a
cena da violência. Ficando fixada nessa cena, é um erotismo que não desliza.
De acordo com Rodulfo (1990), a criança não brinca por brincar; não
brinca somente para preencher o tempo, para se divertir; também não se trata
apenas de uma descarga fantasmática, uma atividade regulada pelas defesas ou
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 133
mãe (que também sofria de constipação), nos fez pensar que ele ainda vivia no
corpo materno, em uma indiferenciação deste corpo marcado pela violência.
Durante muitos anos, em Psicanálise, convencionou-se que, aos 18 meses,
se inaugurava a função do brincar – tomando a referência do Fort-da, o jogo
de aparecimento e desaparecimento, como sendo a primeira manifestação da
atividade lúdica. Trata-se da encenação de uma brincadeira e da construção
de narrativas, tal como acontece nas intervenções com Elsa. Atualmente, no
entanto, sabemos que os jogos de presença e ausência são perceptíveis desde
o nascimento do bebê, podendo ser observados, por exemplo, nos ritmos de
sono e vigília; no intervalo entre as mamadas; na fala de quem faz a função
materna com o bebê (já que o som da voz aparece e desaparece). Trata-se
Considerações finais
Rodulfo (1990) refere que a chegada das crianças na Psicanálise não foi
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REFERÊNCIAS
Bergès, J., & Balbo, G. (2002). Jogo de posições da mãe e da criança: ensaio
sobre o transitivismo. CMC.
Catão, I. (2009). O bebê nasce pela boca: voz, sujeito e clínica do autismo.
Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul. (2023). Mapa dos Feminicídios.
https://cdn.brasildefato.com.br/documents/39116dc55bf3e1da3a6b57136c-
266fba.pdf
Velasco, C., Grandin, F., Pinhoni, M., & Farias, V. (2023). Brasil bate
recorde de feminicídios em 2022, com uma mulher morta a cada 6 horas.
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Introdução
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conexões psíquicas sob a forma de clivagem (Mello & Herzog, 2012). Nessas
condições, inviabiliza-se a integração entre as experiências psíquicas, criando
áreas separadas, paralelas e incomunicáveis. (Mello & Herzog, 2012)
Na situação traumática advinda da violência, ocorre que o aparelho psí-
quico não está preparado para ela (Fagundes, 2004) de forma que, dada a
impossibilidade de elaboração, o trauma pode permanecer ativo, porém cli-
vado, sob uma forma de dor que pode resultar em somatização de excitações
e/ou outras formas de repetição sintomáticas. Como produto da experiência
traumática vivenciada, o que se nota é uma precariedade das possibilidades de
elaboração psíquica do sujeito violentado. Consequências como: dificuldades
de elaboração, de representação e de simbolização são notadas na clínica.
Assim, “o sujeito torna-se inabilitado psiquicamente, destituído da sua sub-
jetividade, seu desejo e sua singularidade” (Fagundes, 2004, p. 29).
Desta forma, ainda que o trauma possa fazer com que componentes
ausentes voltem à cena, sob a forma de repetições, Cidade e Zornig (2016),
explicam que ele não comporta sentido em si, e seu destino vai depender de
uma série de fatores complementares que dizem respeito tanto às possibilida-
des subjetivas daquele que foi impactado pelo traumático quanto à potência
do trauma a partir do encontro com o outro.
não pode, com seus precários recursos psíquicos, construir uma significação
para a experiência vivida.
Dando continuidade ao legado ferencziano que atribui ao ambiente um
lugar fundamental na constituição do psiquismo infantil, Winnicott (1983b)
enfatiza que, nos estágios iniciais do seu desenvolvimento, a criança depende
integralmente da relação com o outro. O psicanalista inglês descreve em
sua teoria que, ao nascer, o ser humano possui uma tendência inata para
o desenvolvimento e necessita de um ambiente facilitador para crescer de
maneira saudável. Se esse ambiente falha na sua adaptação, o bebê reage de
forma intrusiva, podendo perder sua espontaneidade e continuidade do ser.
O trauma, para Winnicott, se constitui em uma ´ruptura na continuidade da
vida, de modo que defesas primitivas agora se organizaram contra a repetição
da “ansiedade impensável’ ou contra o retorno do agudo estado confusional
próprio da desintegração da estrutura nascente do ego” (1971a/1975).
Portanto, o trauma não diz respeito apenas ao episódio, mas sim à impos-
sibilidade de contar com recursos psíquicos para atribuir sentido ou signifi-
cado à experiência vivida, de modo que o cuidado oferecido pelo adulto tem
o significado mais profundo de possibilitar ao sujeito sentido a sua vida, isto
é, estabelecer ligações, dar formas e sequência aos acontecimentos vividos.
Nesse sentido, a noção do trauma está ligada a um certo “embaralhar do
tempo” presente neste conceito, de forma que não só o traumático passa a
ser possível de se instaurarem um momento tardio, mas também a própria
elaboração do evento traumático (Cidade & Zornig, 2016). Assim, o excesso
vivido, devido à não integração das memórias a ele vinculadas, permanece
apartado do psiquismo e impossibilitado de simbolização, até que seja possível
sua ressignificação. Hofius (2013) descreve dois tempos do trauma, que têm
como intervalo o período de latência, mostrando que a constituição do trauma
atinge toda trama psíquica e ocorre no momento‘a posteriori`. A autora explica
que esse processo a partir do paradigma da sedução, que ajuda a pensar nos
casos de violências sexuais sofridas na infância:
146
tem sua função definida (Gomes et al., 2007), a violência doméstica deve
ser situada no contexto da formação estrutural e funcional da família. Nesse
sentido, a violência doméstica frequentemente se torna um comportamento
difuso e natural dos atores ali envolvidos. Sabemos também que as situações
de abuso e violência doméstica muitas vezes vêm acompanhadas de um não
dito sobre elas que impera no ambiente familiar e tem efeitos sobre todos os
envolvidos. A violência, nesse sentido, muitas vezes surge na trama familiar
como algo imperceptível, dificultando, assim, a formulação de instrumentos
específicos para identificá-la e tratá-la (Ribeiro & Leite, 2018)
Por isso, as crianças em situação de violência doméstica podem sofrer
múltiplas e severas consequências. Problemas no desenvolvimento emocional,
comportamental, social, sexual, cognitivo são encontrados na revisão de litera-
tura realizada pelos autores. Também é observado que pode ocorrer um impacto
significativo no desenvolvimento acadêmico desse grupo (Barros & Freitas,
2015). De acordo com José e Coelho (2006), é ao fator emocional que o ato de
aprender é subordinado. Ou seja, a forma que a criança é amparada pelo meio
interfere de maneira concisa no seu processo de aprendizagem. Diante disso,
não devemos separar a inteligência do “funcionamento intelectual, cognitivo e
consciente das emoções, dos conflitos inconscientes e das influências dos meios”
(Souza, 2018, p. 30). As crianças podem experimentar a angústia que surge da
falta de capacidade dos seus responsáveis em se relacionar com ela e em nomear
sentimentos e conflitos. Além disso, situações vivenciadas no ambiente como
separação dos pais, luto, drogas e doença de algum membro, podem se ligar a
angústias associadas à aprendizagem escolar. (Souza, 2018, p. 30).
Vale a pena retomar aqui também a tese de Mannoni (1999) a respeito
das manifestações sintomáticas das crianças, incluindo as dificuldades esco-
lares, sempre atreladas aos laços com aqueles que ocupam um lugar de
referência para elas, e que tem uma implicação fundamental nos destinos
do traumático para elas.
148
A partir disso, ela nos lembra que “a linguagem não é somente fala, ela
é constituinte da estrutura mesma do sujeito”, e é dela que decorre a possibi-
lidade do pensar e do aprender. Nesse sentido, a aprendizagem, se dá numa
relação estrutural ao Outro que possui o saber. Todavia, percebe-se na análise
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 149
REFERÊNCIAS
Barros, A. S., & Freitas, M. de F. Quintal de. (2015). Violência domés-
tica contra crianças e adolescentes: consequências e estratégias de
prevenção com pais agressores. Pensando familias, 19(2), 102-114.
Recuperado em 28 de abril de 2023, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2015000200009&lng=pt&tlng=pt.
tro-de-casa
doi.org/10.1590/S0103-21002007000400020
Ribeiro, L., & Leite, L. (2018) Violência doméstica, infância e rede de apoio.
SaúdeMental. Rev.latinoam.psicopatol.Fundam, 21(3). https://www.scielo.
br/j/rlpf/a/6BmwN4mHMMwCN6pWxcJYsPs/?lang=pt
grande espanto
de mortes evitáveis como uma das consequências mais nefastas dessa gestão.
Houve retardos significativos no início da vacinação no País, contrastando
com a tradição conquistada por nós de cumprir as coberturas vacinais. Exem-
plo nefasto: em junho de 2021, o Professor e Epidemiologista Pedro Hallal61
declarou à CPI da covid-19, realizada pelo Senado Federal, em 2021, que 4
em cada cinco mortes no Brasil “estão em excesso”, ou seja, ficamos muito
acima da média mundial de óbitos. Por essa constatação epidemiológica,
já àquela época, 400 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas
no País. Importante que se diga que, em 29.06.2021, somávamos a elevada
cifra de 516.11962. Atingimos a inaceitável marca de 700 mil mortes em
28.03.23, o que, certamente, eleva a quantidade daquelas que poderiam ter
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sido evitadas63.
No período aludido, vivenciamos o aprofundamento da fome e inse-
gurança alimentar, de pobreza e da miséria. Um dado alarmante: 83% de
crianças e adolescentes estão submetidos a algum tipo de insegurança ali-
mentar (Tosi, 2023). A propósito, Campanha da Fraternidade 2023 da Igreja
Católica traz como tema, pela terceira vez, a fome (Arquidiocese de Fortaleza,
2023). Traz um texto bíblico – Dai-lhes vós mesmo de comer (Mt 14:16)
e a adoção do lema Fraternidade e Fome. Em seu material de divulgação,
constam também números estarrecedores sobre a insegurança alimentar,
que assola o País: 125,2 milhões de brasileiros nunca sabem quando terão
a próxima refeição; no Ceará, 2,4 milhões de pessoas estão passando fome,
correspondendo a 26,3% da nossa população; e são 81,9% das famílias no
Estado que enfrentam algum tipo de insegurança alimentar. Os dados reve-
lam a inexistência ou elevada insuficiência de políticas públicas, no Brasil e
no Estado do Ceará, para o enfrentamento ou acabar com a fome, que tanto
contribui para a não consecução do bem viver das populações vulnerabili-
zadas. E enfatizo: crianças, adolescentes e idosos são as maiores vítimas da
fome e da insegurança alimentar.
Ademais, seguidos cortes orçamentários e de sofrimento das populações
mais vulnerabilizadas – dentre as quais, estão crianças e adolescentes, apon-
tam para desmonte crescente dos Sistemas de Saúde e da Proteção Social
(Silveira, 2022).
do número de mortes. Por outro lado, sequelas significativas continuam em processo, entre as quais está
a Orfandade de Crianças e Adolescentes (OXFAM, 11.03.2023).
61 Professor Associado da Universidade Federal de Pelotas, mestre e doutor em Epidemiologia pela mesma
Universidade. Coordena o EPICOVID-19, considerado o mais amplo trabalho epidemiológico sobre o tema
no Brasil. (https://www.abc.org.br/membro/pedro-rodrigues-curi-hallal/ – Consulta em: 24 abr. 23)
62 (https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/06/29/brasil-registra-1917-mortes-por-covid-em-
24-horas-total-passa-de-516-mil.ghtml – Consulta em: 25 abr. 23)
63 https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/marco/brasil-chega-a-marca-de-700-mil-mortes-por-
covid-19 – Acesso em: 25 abr. 23)
158
É inacreditável que ainda não tenha sido construída uma campanha edu-
cativa, que trate dessa pauta com a abrangência e clareza que ela requer. Há
sempre recursos garantidos, em cifras vultuosas, para publicidade e propa-
ganda governamental. Por que, até hoje, não foi feita?
Em síntese, são providências necessárias: a campanha acima aludida;
mapeamento de crianças e adolescentes nessa condição, dando conta das
perguntas básicas: Quem são as crianças e adolescentes em condição de
orfandade? Quantos são? Onde estão? Como estão (sobre)vivendo?; previsão
e execução orçamentárias para garantia de auxílio financeiro e ampliação de
serviços e equipamentos do SUAS, SUS, e do sistema escolar público, com
especial atenção aos berçários e creches públicas e auxílio financeiro até a
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64 A expressão Governadores é aqui utilizada no plural, uma vez que são dois ex-Governadores (Camilo
Santana e Izolda Cela), e o atual, Elmano de Freitas. Na Prefeitura, Sarto Nogueira está na gestão desde
2021, ano em que demos início às nossas incidências, coordenados pela AOCA.
65 A autora da reportagem se baseia em estudo feito pelo UNICEF, denominado As Múltiplas Dimensões da
pobreza na infância e na adolescência no Brasil, a partir da dados da PNAD Continua.
66 Buscamos diálogo com o atual Governador do Ceará, desde quando ele era ainda candidato. Após a sua
eleição, fizemos diversas tentativas de diálogo com integrantes da Equipe de Transição. Além de não
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 163
ao Prefeito Municipal de Fortaleza (Sarto Nogueira), sem que até hoje, tenha-
mos sido recebidos por algum deles. Nos dois níveis, Governo do Ceará e
Prefeitura de Fortaleza, embora tenhamos tido audiência com algum de seus
auxiliares diretos, parecia haver uma blindagem em torno daqueles Chefes
do Executivo, mesmo que se trate, sem qualquer sombra de dúvida, de pauta
de extrema prioridade, de prioridade absoluta, como assegurado por Lei67.
Dessas seguidas negativas, surgiu um questionamento, a nos acompanhar e
a ser compartilhado em nossas falas e postagens em redes sociais, bem como ser
tema de encontro com diversificados atores sociais68. Nossa pergunta intrigante:
O que faz com que gestores estaduais e municipais, no Ceará, se recusem
a dialogar sobre a pauta com forças expressivas da sociedade civil?
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sermos atendidos, até hoje não tivemos acesso ao Relatório construído pela referida equipe, dando conta
das condições em que se encontrava o Estado, ao final de 2022, bem como ao Plano de Governo. São
oportunidades perdidas de diálogo com forças sociais, congregadas em torno de pauta tão sensível e
urgente, como a Orfandade de Crianças e Adolescentes por Covid-19.
67 O texto da Constituição Federal de 1988 traz a expressão absoluta prioridade uma única vez, no artigo 227,
no qual estão assegurados todos os direitos a todas as crianças e adolescentes (vida, saúde, alimentação,
educação, lazer, cultura, profissionalização, liberdade, dignidade, convivência familiar e comunitária), bem
como sua proteção contra qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão. E são designados os responsáveis: Estado, Sociedade e Família.
68 Em fevereiro último, como tarefa do Estágio Posdoutoral desta autora, realizamos (Professora Supervisora e
eu) Roda de Debate, a partir de texto provocativo (PINHEIRO & CARVALHO, 2023) com oito participantes,
seis, portanto, além de nós duas: dois integrantes de coletivos sociais (Artigo 227 e Orçamento na Luta);
uma integrante da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) e três integrantes de entidades
relacionadas à Assistência Social (dois de Secretaria Municipal de Assistência Social; uma, de instância do
Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome).
164
Ao ser perguntado porque estava fazendo isso, ele alegou que tinha que levar
o sustento para a casa. Uma das avós, de uns tempos para cá, está se fazendo
presente e apresentando suporte;
– a garota M.C. ficou órfã de mãe, quando estava com 12 ou 13 anos.
O pai já não era presente em sua vida há muitos anos. M. C. é a caçula. Suas
irmãs mais velhas têm cuidado de M.C. Essas informações me foram passadas
por moradora do mesmo bairro;
- dois adolescentes e um jovem em condição de orfandade de pai (faleci-
mento anterior à Pandemia) e de mãe (por covid-19). Quando do falecimento
da mãe, seus três filhos – uma adolescente de 14 anos; uma adolescente de 17
anos; e um jovem de 23 anos, passaram a ser cuidados pela avó materna – já
71 Utilizo aqui uma paráfrase da afirmativa cunhada pela filósofa Hannah Arendt – o direito de ter direitos,
que nos remete a que o usufruto de direitos requer, necessariamente, o responsável por esse usufruto,
seja um Estado Nacional, entidades da sociedade em geral, da comunidade próxima ou a família do sujeito
desses direitos.
72 Trata-se do instrumento mais aceito da nossa história universal. Foi ratificado por 196 países, entre os quais
não se incluem os Estados Unidos e a Somália (ONU, 1989).
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 167
FONTES DE CONSULTA
REFERÊNCIAS
AOCA et al. (2022) Recomendações para Defesa dos Direitos de Crian-
ças e Adolescentes: Ao Candidato Elmano de Freitas. Fortaleza: AOCA et
al. (mimeo)
SITIOS ELETRÔNICOS
https://www.oxfam.org.br/noticias/que-nao-mais-se-repita/?utm_campaig-
n=newsletter_-_base_geral_-_marco23&utm_medium=email&utm_sour-
ce=RD+Station
https://agencia.fiocruz.br/observa-infancia-brasil-tem-mais-de-40-mil-or-
faos-da-covid-19
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/
marco/brasil-chega-a-marca-de-700-mil-mortes-por-covid-19
Introdução
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Para esta seção, apresentamos uma discussão dos efeitos da violência a partir
da experiência clínico-política de escuta no território do Coletivo de mulheres que
ora apresentamos, escuta realizada através do projeto de extensão universitária
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 175
mencionado no início deste trabalho. Para tanto, ressaltamos que não temos
a pretensão de dar conta teoricamente de todos os aspectos desse complexo
fenômeno que é a violência, e sim, sublinhar algumas questões que permitem
problematizar as suas estruturas, bem como o modo que estas atravessam histo-
ricamente determinados corpos e territórios no Brasil (Ribeiro 2019; Gonzalez &
Hasenbalg, 2022). Destacamos alguns elementos sobre os efeitos das múltiplas
violências, tomando como ponto de partida a hipótese de que a violência domés-
tica é também ressonância de outras violências que atravessam o laço social,
como o racismo, a misoginia, o machismo e a segregação que abandona e mata.
A primeira questão é o efeito da violência nas configurações familiares e
a importância de tentar compreender esses efeitos a partir do encarceramento
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irmão mais velho lhe agredia. A mãe pedia que ela não contasse isso ao pai,
pois o pai mataria seu irmão. Por medo, Maria não contava. Sabemos que o
silenciamento também é uma forma de violência, mas hoje Maria pode contar.
Ela saiu de casa mudando-se para outra cidade ainda adolescente, e aos 18
anos casou-se, como forma de sobreviver. Logo teve filhos e sentia-se depri-
mida. Sem rede de apoio, Maria não tinha com quem deixar os filhos para ir
a consultas nas quais pudesse ser acompanhada em seu quadro de sofrimento
psíquico intenso, em vista disso passou a se automedicar com amostras de
remédios doados por um conhecido que trabalhava na indústria farmacêu-
tica. Maria se envolveu em um casamento com um homem violento, mas na
época não sabia que violência psicológica era uma forma de violência. Hoje,
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Considerações finais
80 Comunicação oral realizada em 24 de abril de 2023, na ocasião do curso “Feminismos”, ofertado e ministrado
pela autora.
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 179
REFERÊNCIAS
Chaui, M. (2018). Escritos de Marilena Chaui | O que é cultura? Grupo Autên-
tica [Canal YouTube]. https://www.youtube.com/watch?v=-YQcFNoiDMw
aquele que interdita a relação incestuosa entre a mãe e a criança, permitindo com
que esta última é seja inserida no circuito da demanda e das trocas simbólicas.
Tal significante paterno é veiculado através do desejo materno que valoriza
a palavra daquele(a) que representa a lei simbólica. Para tanto, é aberta uma
hiância entre o Outro materno e o bebê que, apesar de seu empenho para se
colocar como falo imaginário, extraindo satisfações poderosas de sua mamãe,
ainda assim não consegue tamponar o seu desejo. Alienada ao desejo do Outro,
a criança vê-se às voltas com a falta de significante que responda por pelo seu
ser. Logo, ela interpreta que o desejo da mãe está dirigido a um terceiro que
será aquele que representará a metáfora paterna. Desse modo, a força motriz de
entrada da metáfora paterna é o desejo materno, não sendo forçado por algo exte-
rior a esse Outro primordial da criança, pois depende exclusivamente do desejo.
Safouan e Hoffmann (2016) acrescentam que o futuro do desejo para a
criança depende não apenas do peso que a mãe confere ao nome do pai, mas
ainda do modo como este último lida com a lei, ou seja, como alguém que
dela se autoriza e à qual ele próprio é submetido. Todo pai, do ponto de vista
de seu valor simbólico, é inferior a seu ofício, ou seja, à função que se espera
dele, havendo um hiato estrutural e irresolvível entre a pessoa do pai real e
a figura simbólica do pai.
“pai” e “mãe” ideal para acusar o outro que, então, é rebaixado como uma pes-
soa absolutamente nociva e perigosa para os filhos. Por fim, é também o mesmo
registro que parece prevalecer quando juiz profere a sentença como se fosse uma
fórmula mágica capaz de solucionar o conflito e o sofrimento familiar, quando
p. ex. decide que nas duas primeiras semanas, o pai visitará o filho aos sábados e
domingos de tal a tal hora, e que nas semanas seguintes os horários serão amplia-
dos até conseguir finalmente haver o pernoite com as crianças, além dos feriados
e das férias escolares. Há nisso tudo um cálculo imaginário que, uma vez calcado
num ideal de harmonia familiar, em nada dialoga com as consequências da ine-
xistência da relação sexual – no sentido da psicanálise – entre o casal parental.
Não basta aplicar a lei, pura e simplesmente, sem escutar os sujeitos
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Conclusão
REFERÊNCIAS
Elia, L. (1999). O sujeito da psicanálise e a ordem social. Em ALTOÉ, S.
(org.). Sujeito do Direito, Sujeito do Desejo: direito e psicanálise. Revinter.
http://dx.doi.org/10.33208/PC1980-5438v0030n03A03.
B
Brasil 3, 18, 24, 28, 46, 60, 64, 73, 79, 81, 83, 89, 92, 93, 99, 100, 101, 105,
108, 121, 123, 137, 140, 141, 151, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 162,
168, 170, 172, 175, 180, 181, 183, 197
C
Cidadania 64, 83, 162, 165, 166
Covid 50, 139, 141, 152, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164,
165, 166, 167, 168, 169, 170
Crianças 23, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 50,
51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 60, 63, 66, 67, 68, 69, 76, 77, 78, 83, 86, 88, 90,
93, 99, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 123, 124, 125, 127, 128, 129, 130, 131,
133, 135, 137, 139, 140, 141, 146, 147, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155,
156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 172,
175, 182, 189, 191
Cultura 19, 38, 49, 63, 64, 81, 95, 99, 107, 113, 114, 120, 123, 162, 163,
174, 179, 197
D
Dialética 36, 79, 181, 184, 189
E
Estatuto 37, 99, 108, 111, 149, 156, 158, 168
Estudos 18, 24, 25, 49, 63, 71, 90, 123, 136, 139, 150, 154, 155, 156, 159, 197
H
Humanos 17, 18, 35, 83, 89, 99, 110, 112, 119, 123, 140, 154, 162, 165,
166, 169
194
L
Lei 4, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 39, 58, 64, 65, 79, 82, 89, 99,
100, 103, 104, 105, 108, 120, 123, 140, 146, 151, 156, 158, 160, 161, 162,
163, 168, 175, 183, 185, 186, 187, 189
Lei Maria da Penha 17, 18, 20, 21, 22, 23, 25, 27, 64, 79, 123, 140, 151
M
Mãe 30, 31, 32, 33, 34, 36, 39, 40, 41, 42, 44, 49, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 62,
66, 67, 68, 69, 70, 72, 73, 75, 76, 77, 78, 82, 86, 88, 92, 93, 100, 101, 102,
104, 105, 106, 110, 111, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133,
O
Orfandade 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167,
168, 169
P
Pai 31, 32, 36, 39, 40, 41, 44, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 66, 67, 69, 70, 71, 72,
73, 75, 80, 101, 104, 107, 110, 111, 113, 115, 125, 127, 128, 129, 131, 132,
133, 155, 159, 164, 176, 177, 181, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192
Pandemia 50, 110, 141, 152, 154, 155, 156, 159, 160, 164, 168
Pequeno 59, 94, 105, 108, 126, 127, 129, 130, 134, 135, 160, 164, 168
Psicanálise 4, 29, 46, 49, 51, 56, 61, 63, 71, 75, 76, 79, 80, 81, 85, 86, 94,
95, 96, 103, 107, 108, 109, 110, 112, 114, 115, 118, 119, 120, 121, 123, 124,
130, 134, 135, 140, 141, 142, 146, 147, 149, 151, 152, 153, 171, 177, 181,
182, 183, 184, 186, 189, 190, 191, 192, 197
Psicológicas 80, 96, 102, 120, 136, 152
Público 65, 100, 101, 111, 125, 155, 156, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164,
165, 167, 172, 173, 177
DESTINOS TRÁGICOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PARA AS FILHAS E OS FILHOS 195
R
República 25, 26, 27, 161, 168
S
Silêncio 33, 35, 41, 46, 67, 69, 73, 145
Sociedade 19, 24, 81, 82, 88, 89, 94, 120, 140, 150, 160, 163, 165, 166, 176,
181, 189
Sofrimento 17, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 42, 44, 50, 51, 52, 59, 60, 64, 70, 73,
75, 80, 82, 86, 87, 94, 97, 99, 125, 128, 131, 132, 133, 135, 146, 157, 164,
174, 176, 177, 181, 182, 184, 187, 188, 189, 190
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V
Vida 18, 20, 24, 31, 59, 63, 64, 66, 69, 70, 75, 77, 79, 82, 84, 87, 88, 89, 92,
94, 95, 100, 102, 103, 104, 109, 110, 111, 112, 114, 116, 117, 118, 119, 124,
126, 128, 129, 133, 134, 135, 141, 142, 145, 146, 148, 156, 160, 161, 163,
164, 173, 174, 175, 177, 188
Violência 3, 4, 7, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 31, 33,
34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 51, 52, 56, 60, 63, 64,
65, 66, 67, 69, 70, 72, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 86, 88, 89,
90, 92, 93, 94, 95, 96, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 117, 118, 119, 121, 123,
124, 125, 126, 131, 132, 133, 134, 135, 137, 139, 140, 141, 142, 143, 144,
145, 146, 147, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 163, 171, 172, 173, 174, 175,
176, 177, 178, 180, 183, 191, 197
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DADOS DE AUTORAS E AUTORES
Leonardo Danziato
Prof. Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
de Fortaleza (Unifor); Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Psica-
nálise, Cultura e Subjetividade (LAEpCUS); Psicanalista.
Jean-Luc Gaspard
Psicanalista, Professor Universitário de Psicopatologia.Université Rennes II
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SOBRE O LIVRO
Tiragem Não Comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)