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HORIZONTES COLETIVOS:
experiência urbana e construção do comum
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2022
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação: Designers da Editora CRV
Capa: Colagem de Aline Britto Miranda, 2020
Revisão: Os Autores
H811
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-3681-3
ISBN Físico 978-65-251-3680-6
DOI 10.24824/978652513680.6
2022
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Conselho Editorial:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro)
Carmen Tereza Velanga (UNIR)
Celso Conti (UFSCar)
Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional
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Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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AGRADECIMENTOS
Este projeto não seria viável sem a parceria em intenções, disposição e
afeto do Luciano Bedin da Costa a quem agradecemos do fundo do coração.
No meio do caminho as demandas da vida cotidiana não permitiram que ele
seguisse conosco até o final do projeto, mas reconhecemos suas marcas dis-
tribuídas ao longo deste livro.
Agradecemos muito a todas as autoras e autores que contribuíram para
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PRÓLOGO����������������������������������������������������������������������������������������������������� 15
Aline Britto Miranda
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O HORIZONTE CRÍTICO������������������������������������������������������������������������������ 55
Rodrigo Lages e Silva
pelos arranjos que a vida tomou para continuar sendo funcional enquanto a cir-
culação do vírus era supostamente contida. E percebemos que isso que nunca
existiu como tal, mas que precisa ser cultivado para em sua inatualidade estar
sempre potente, isto é, a dimensão comum que alimenta nossos horizontes;
isso precisa de cuidado. E este livro é um jeito que encontramos de cuidar
disso. Por isso ele é composto do adubo mais fértil para essa comunidade:
os encontros entre o afeto e o pensamento. Convidamos pessoas de quem
gostamos e que pensam, e dizem, e escrevem, e desenham, e movimentam,
e dançam coisas que nos interessam. Coisas que entre o “lá longe” e o “lá
Abertura
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Quem alguma vez subiu sozinho a uma montanha, chegou ao topo esgo-
tado, e depois inicia a descida com passos que abalam todo o seu corpo,
sentiu que o tempo se desagrega, as paredes divisórias no seu interior
desabam e ele caminha por entre o cascalho dos instantes como num sonho.
Por vezes, tenta parar e não consegue. Quem sabe que coisa o abala, se
os pensamentos ou o caminho difícil? O seu corpo transformou-se num
caleidoscópio que a cada passo lhe mostra figuras mutantes da verdade
(2004, p. 229).
A questão
1 Jeanne Marie Gagnebin, inspirada nas análises de Walter Benjamin sobre a alegoria, propõe às ruínas
outra conotação política: “A história não é, pois, simplesmente o lugar de uma decadência inexorável [...]
ao meditar sobre as ruínas de uma arquitetura passada, o pensador alegórico não se limita a evocar uma
perda; constitui, por esse mesma meditação, outra figura de sentido [...] Esse trabalho nos indica assim
que o sentido não nasce tanto da plenitude e da eternidade como, também, do luto e da história, mesmo
se, através deles, estamos em busca de um outro tempo” (1994, p. 54).
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Ar
2 Sobre a relação entre relato e poder, Michel De Certeau afirma “que também os relatos constituem ins-
trumentos poderosos cuja utilização política pode organizar um totalitarismo. Mesmo sem ser objeto da
primeira exploração sistemática que dela fez o nazismo, eles fazem crer e fazem agir: relatos de crimes ou
de festanças, relatos racistas e chauvinistas, lendas de ruas, contos fantásticos de subúrbios, piadas ou
perversidades de fatos diversos” (1997, p. 200).
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3 Sobre a verdade como escândalo, Michel Foucault, no estudo da filosofia dos cínicos na antiguidade afirma:
“esse modo de vida próprio dos cínicos tem, em relação à verdade, o que poderíamos chamar de um papel
de prova [...] Exercer em sua vida e por sua vida o escândalo da verdade, é isso que foi praticado pelo
cinismo, desde sua emergência” (2014, p. 150). Em relação à inspiração do cinismo na arte moderna, Fou-
cault argumenta: “A arte moderna é o cinismo na cultura, é o cinismo da cultura voltada contra ela mesma
[...] é na arte principalmente no mundo moderno, as formas mais intensas de um dizer-a-verdade que tem
a coragem de assumir o risco de ferir” (2014, p. 165).
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Mar
Indomável, misterioso, entre outros prováveis atributos universais do
humano, não seriam encontrados nos mares da antiguidade. Nos oceanos do
4 Maurice Blanchot, na análise sobre o poder emancipador da literatura na obra de Kafka, afirma: “a literatura
anuncia-se como o poder que emancipa, a força que afasta a opressão do mundo, esse mundo ‘onde todas
as coisas sentem a garganta apertada’, é a passagem libertadora do ‘Eu’ ao ‘Ele’, da auto-observação que
foi o tormento de Kafka para uma observação mais alta, elevando-se acima de uma realidade mortal, na
direção do outro mundo, o da liberdade” (1987, p. 68).
5 Sobre relações entre imagem e política, Luciano Gatti, inspirado na obra de Walter Benjamin, afirma: “a uti-
lização da imagem procura associar a atividade artística à intervenção eficaz na realidade [...]. O Intelectual
é responsável pela elaboração de uma contra-imagem que desestabiliza a imagem ostensiva das coisas;
esse é o critério de sua influência” (2009, p. 93).
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6 Passagem extraída do livro de MATVEJEVIC, P. Mediterraneo: un nuovo breviário. Milano: Garzanti, 1993. p. 207.
7 Georges Didi-Huberman, inspirado em Gilles Deleuze, afirma que a imanência é “fluxo generalizado, a dobra
de cada coisa em cada coisa, a vida em toda parte, a matéria porosa destinada às turbulências. E, com isso,
um efeito crítico sobre a representação [...]. A imanência é exatamente como um fluido, mar ou atmosfera:
nela tudo ondeia, tudo se move, tudo se interpenetra e se permuta, tudo mana e desmorona, tudo sempre
ressurge apenas um fenômeno” (2003, p. 8).
8 Sobre o acontecimento, Foucault adverte “Há toda uma tradição da história (teleológica ou racionalista) que
tende a dissolver o acontecimento singular em uma continuidade ideal – movimento teleológico ou enca-
deamento natural. A história efetiva faz ressurgir o acontecimento no que ele pode ter de único e agudo”
(1998, p. 28).
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Esse narrador sucateiro [...] não tem por alvo recolher os grandes feitos.
Deve muito mais apanhar tudo aquilo que é deixado de lado como algo
que não tem significação, algo que parece não ter nem importância nem
algo com que a história oficial não sabe o que fazer. O que são esses ele-
mentos de sobra do discurso histórico? A resposta de Benjamin é dupla.
Em primeiro lugar, o sofrimento, o sofrimento indizível que a Segunda
Guerra Mundial levaria ao auge, na crueldade dos campos de concentração.
Em segundo lugar, aquilo que não tem nome, aqueles que não têm nome,
o anônimo, aquilo que não deixa nenhum rastro, aquilo que foi tão bem
apagado que mesmo a memória de sua existência não subsiste – aqueles
que desapareceram tão por completo que ninguém lembra de seus nomes.
Ou ainda: o narrador e o historiador deveriam transmitir o que a tradição,
oficial ou dominante, justamente não recorda. Esta tarefa paradoxal con-
siste, então, na transmissão do inenarrável, numa fidelidade ao passado e
aos mortos, mesmo – principalmente – quando não conhecemos nem seu
nome nem seu sentido.
Vento
11 A imagem do anjo consta na nona tese da história de Walter Benjamin: “Há um quadro de Klee que se
chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente.
Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse
aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê
uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele
gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso
e prende-se em suas asas com tanta força que ele não consegue mais fechá-las. Essa tempestade o impele
irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o
céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso” (1994, p. 226).
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REFERÊNCIAS
BENJAMIN, W. Ensaios sobre Brecht. São Paulo: Boitempo, 2017.
1 UFRGS.
2 Filme de Charles Chaplin lançado em 1940 nos Estados Unidos.
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pleno contra um País tantas vezes vergonhoso e brutal, asqueroso, até o desejo
de recolhimento em nossas memórias e medos ancestrais, aqueles que tocam
direto na inquietude diante do final implacável de cada um de nós, indaga-
ções de vida e morte. Mas há sobretudo o estremecimento da arte cênica, do
corpo de Celina, do seu grito, grito de Cláudia mulher pobre, espasmo de mãe
interrompida e dilacerada, com seis reais nas mãos no prosaico caminho da
padaria, buscando pão e mortadela para os filhos e sobrinhos.
Na despudorada cena, seca, chão de cimento, a maca e o corpo que morre
e vive e vive e morre, não há espaço para cenografias ilusionistas. Há é um
modo, se inscrevem no espaço da arte, das artes. Têm a ver com a potência
da música e da poesia, da literatura e do teatro, de todas as performances,
de todas as presenças. Inscrevem-se no que Foucault chamou de “estética
da existência”.
A pungência do texto e da encenação de A mulher arrastada, a atuação
impecável e comovente de Celina Alcântara, tudo toma por completo esta
espectadora, que se vai dando conta de que o corpo preso ao porta-malas de
um camburão é carne viva de uma nação desperdiçada e despedaçada, um
país que parece incapaz de encarar seus erros e corrigir o que há nele de mais
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pois denuncia o fato de que há vidas, muitas vidas, vidas não afirmadas porque
apagadas, desde sempre invisibilizadas.
Ora, segundo Butler, isso diz a mim que se trata de um tipo de mundo
que “falha em refletir de volta meu valor como ser vivo”. Resta o gesto,
absolutamente urgente e necessário, de tornar-me crítica em relação a todas
as estruturas sociais e políticas que promovem tais apagamentos de vidas
(cf. BUTLER, 2018, p. 217).
“O que é preciso, acima de tudo, é assumir o verdadeiro desafio do con-
flito”. Faz-se necessária “uma outra ideia de vida, que consista, por exemplo,
3 Trecho do livro Aos nossos amigos. Crise e insurreição, da editora N-1. Nele, os textos fazem referência a
manifestações por todo o mundo, desde a Grécia até a Islândia, com a ocupação de praças, no centro das
grandes cidades, entre os anos de 2012 e 2016. No Brasil, os protestos nas ruas (2013) e a ocupação de
escolas e universidades (2016) são exemplos dessas insurreições.
4 Paratodos é a música que dá título ao álbum de Chico Buarque, lançado em 1993.
5 Com a parceria de Aline Miranda, doutoranda do PPGEDU, que tenho o prazer de orientar.
6 Trecho de Dona do raio e do vento, composta por Paulo Cesar Pinheiro e Pedro Caminha.
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“genuinamente incapaz de pronunciar uma única frase que não fosse o ofi-
cialês” (ARENDT, 2003, p. 61).
A necropolítica é uma das tantas facetas do neofascismo de nossos tem-
pos. Ocupa as páginas dos jornais, as redes sociais, as reportagens da televisão,
cada vez de uma forma – seja circunscrita a um território imenso, seja a um
espaço mínimo. Está nas queimadas criminosas da Amazônia, no close das
patas calcinadas da onça-pintada que conseguiu escapar a um incêndio no
Pantanal. Está nas cenas abomináveis do jovem negro imobilizado violenta-
mente pelos seguranças, no canto de um corredor de shopping, “confundido”
problema é “o fascismo que está em todos nós, que persegue nossos espíritos
e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar
essa coisa que nos domina e nos explora” (FOUCAULT, 2010, p. 104-105).
Afinal, como combater o fascismo que em nós se alojou, e que por vezes
quase nos paralisa, nos nossos dias? O texto de Foucault me ajuda e eu tento
reescrever parte dele. Temos muitos nãos a afirmar: contra totalidades vio-
lentas, hierarquizações e sedentarismos rígidos, verdades únicas, individuali-
zações acirradas, contra as ácidas tiranias cotidianas. Mas temos muitos sins
pelos quais lutar: a favor dos arranjos móveis, dos nomadismos, das políticas
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Neide. Seu nome é e sempre será Cláudia. In: CAMARGO,
Diones. A mulher arrastada. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021. p. 39-47.
BUTLER, Judith. Pode-se levar uma vida boa em uma vida ruim? Cadernos
de Ética e Filosofia Política, USP, n. 33, p. 213-229, 2018.
ROSA, João Guimarães. A terceira margem do rio. In: ROSA, João Guimarães.
Primeiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962. p. 32-37.
Filmes citados
NOSTALGIA da luz. Direção de Patrício Guzmán. Chile, 2010.
Introdução
A plebe está possuída por aquele ódio frenético contra a vida espiritual,
que reconheceu na contagem dos corpos a garantia para o aniquilamento
dela. Onde quer que se lhes permitia, eles se colocam em fila, sob o fogo
da artilharia ou a caminho do armazém eles se acotovelam em ordem de
marcha. Nenhum vê mais adiante do que as costas do homem da frente,
e cada qual se orgulha de ser, dessaforma, modelo para o seguinte (BEN-
JAMIN, 1987, p. 30).
pelos quais ele tentou se efetivar no último século. Mas será possível existir
fascismo sem as velhas categorias modernas de origem, destino, unidade e
interiorização? Será possível pensar um fascismo sem muros, filas e motores?
Um fascismo de um outro futurismo, um fascismo de tipo fluido, mais flexível
como quase tudo que marca nosso espaço-tempo?
Mais do que os recursos disciplinares, a rejeição à indeterminação parece
ser uma característica persistente do fascismo. Ele é, no fundo, um movi-
mento de repulsa ao imprevisível – e, portanto, uma diminuição do plano dos
horizontes coletivos. Assim, talvez seja necessário perguntarmo-nos sobre as
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5 Por exemplo, Donna Haraway (2009) em 1985, com seu Manifesto Ciborgue, e Gilles Deleuze (2010, 2014),
em 1986, com suas apostas de que as forças do silício, ao substituírem as do carbono, pudessem ser também
forças em favor de um super-homem, no sentido nietzschiano do termo.
6 Monitora-se e busca-se controlar não mais apenas a consciência visual, o foco atencional, a unidade do
rosto ou, com uma palavra, o indivíduo, mas, antes, a dilatação ou contração das pupilas, a irritabilidade
dos olhos, as microexpressões faciais, os movimentos da testa, os padrões de direcionamento e fixação do
globo ocular etc. Não mais apenas essas unidades em si mesmas, mas, em primeiro lugar, o modo como
elas se relacionam com aquilo que lhes induz aos variados movimentos. E isso também em sua dimensão
dividual: por exemplo, as imagens, mas também as cores, as formas, o brilho, os contrastes, o modo como
movimentam-se ou intercalam-se as imagens, as texturas; os sons, mas ainda o timbre, as frequências,
as intensidades etc. E todo esse monitoramento das dividualidades em relação, de modo automatizado,
evidentemente, uma vez que monitorar fenômenos tão fragmentários e numerosos tornou-se atividade
impossível à razão humana.
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7 Para mais excertos do discurso, traduzidos para o inglês, consultar o site do German History Institute.
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Epílogo
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REFERÊNCIAS
ALLIEZ, E.; LAZZARATO, M. A acumulação primitiva continuada.
Mnemosine, v. 16, número 2, 2020.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Kafka: por uma literatura menor. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 2014.
1 Agradeço ao Luis Artur Costa, também autor nessa publicação, pela indicação do podcast de Rui Tavares,
“Agora, agora e mais agora”, no qual dentre outras coisas, descobri que antes de referir-se à merda, esca-
tologia referia-se a ideia do apocalipse ou do final do mundo. O que, convenhamos, também é uma bosta!
2 Muitas das inspirações desse texto, especialmente as relacionadas a governamentalidade algorítmica,
mudanças na temporalização da sociedade e psicopolítica devo ao grupo Science and Technology_Barcelona,
coordenado pelo prof. Francisco Tirado na UAB. Os eventuais equívocos de interpretação e os exageros de
análise, porém, são todos meus.
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Tempo
Sonho
3 Deleuze e Guattari (2010, p. 23) chamaram esse movimento de captura do desejo num funcionamento
maquínico em que ele tem menos conexões com a história e fica privatizado em circuitos edipianizados,
como o mesmo termo que Marx usou para falar dos efeitos da experiência burguesa no pensamento: “falsa
consciência”. Só que os franceses disseram que “a falsa consciência é consciência verdadeira de um falso
movimento, percepção verdadeira de um movimento objetivo aparente, percepção verdadeira do movimento
que se produz na superfície de registro”.
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dos sinais disso seria o declínio da narrativa (BENJAMIN, 1994b) que até
então era um dispositivo coletivo com a finalidade útil de transmitir lições.
Outro aspecto correlativo a este será concernente ao exercício da leitura his-
tórica – que eu penso ser o termo benjaminiano para crítica. Para ele os his-
toriadores do século XIX terão que pensá-lo como um sonho.
aquele que dorme – e que nisto se assemelha ao louco – dá início à viagem
macrocósmica através de seu corpo, e assim como os ruídos e sensações de
suas próprias entranhas, como a pressão arterial, os movimentos peristálti-
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Tal como a luz na crista de um buraco negro, a matéria dessa crítica estará
cada vez mais fragmentada, cada vez mais bricolada, cada vez mais desco-
nectada das cadeias diegéticas4 da vida de vigília. Temos menos fundamentos
e certezas e mais sensações, desconfortos, intuições de que algo está mal, ou
de que algo pode ser diferente. Na vertigem de um presente ao mesmo tempo
ilimitado e carcerário5 o gesto de recusa ao deixar-se mal governar encontra
apenas linhas quebradas, pedaços de ideias, imagens fugazes. Quando conse-
guimos formular um diagrama, ele já é outra coisa ou nunca foi. A vontade e
a consciência que eram a sede da crítica kantiana encontram-se quase inteira-
4 Diegesis é o princípio do drama grego que faz com que uma história produza uma sensação de mundo,
sensação de espaço-tempo. Diferentemente, da verossimilhança, que tem a ver com ser compatível com
a realidade.
5 Foi um tema que eu desenvolvi na minha tese de doutorado, disponível em: http: //slab.uff.br/wp-content/
uploads/sites/101/2021/06/2012_t_Rodrigo.pdf e para a qual eu estou escrevendo um novo capítulo e
pretendo publicar em breve.
6 Os fluxos assignificantes foram descritos por Deleuze e Guattari (1997) na introdução (O Rizoma) ao livro
Mil Platôs. Um campo de estudos que vem sendo pensado pelo grupo Science and Techology_Barcelona
são as chamadas semióticas assignificantes que fazem uso econômico-político desses fluxos e têm efeitos
de modulação da subjetividade no contemporâneo.
7 Reclamo nesse texto um uso ampliado da noção de sonho, tal como apresentada por Bárbara Glowczewski
(2015) em sua etnografia sobre os Walpiri e que inclui diversos momentos de variação da consciência, nem
sempre durante o sono.
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Corpo
8 Governamentalidade é o termo utilizado por Foucault (2008) para a aludir a uma racionalidade voltada à
condução de condutas que extrapola o campo da proscrição ou da prescrição, mas que tem que ver com
uma gestão das condições para que algo (uma ação ou inação) aconteça.
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exato ponto em que ele não separava natureza, hábito, pensamento e política.
Até o presente a crítica contemporânea vem sendo instruída pela filo-
sofia, pela história ou pela sociologia. Eu proponho que no momento em
que as relações entre representação e verdade claudicam, em que história e
narrativa se veem desidratadas por um encurtamento das cadeias de memória,
pela instantaneidade, por um confinamento que é muito mais asfixiante do
que a mera circunscrição espacial, a nossa crítica precisa ser instruída por
um conjunto de saberes que se ocupa das almas entendendo-as como forças,
e das práticas corporais como práticas do pensamento e do sonhar. Todo
um conjunto de feitiços, ritmos e quebrantos; rituais e farmacopeias que no
ocidente se organizaram ao redor das práticas psis: psicanálise, psicologia,
psiquiatria, mas também, bioenergética, psicodrama, somaterapia etc. Onde
alguém tentou pensar o que se dava entre a sensação e o pensamento, e entre
o pensamento e os afetos, e entre os afetos e convivência, ali se instaurou no
ocidente a condição de uma crítica ao que estamos nos tornando.
História
Os homens fazem sua própria história mas não a fazem como querem; não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição
de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos
vivos (MARX, 2010, p. 21).
humana deve ter um espaço central no exercício crítico. Quando Benjamin nos
diz que o historiador do século XIX precisará pensá-lo como um sonho, nos
aponta que as sensações, as ilusões, os espectros, as fantasmagorias, possuem
agência no fazer crítico. Tal como nos sonhos, ocupam um espaço ao lado das
decisões conscientes. Nem acima e nem abaixo, ao lado. O sonho tem esse
caráter de constituir uma materialidade na qual a ação volitiva, o prazer e as
formações imagéticas se compõem difusamente.
Não se trata, portanto, de combater o existencialismo humanista em
nome de outra coisa, mas de compô-lo com outros aspectos da nossa cognição
A crítica e a psicanálise
9 Transdução é um termo que Simondon (2010) utiliza para abordar os efeitos formativos da informação na
passagem de um domínio de individuação a outro, como, por exemplo, a passagem de um domínio eletro-
químico no cérebro para um domínio linguístico na cultura, ou a passagem de um domínio linguístico para
um domínio afetivo no sujeito.
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Crítica e educação
12 Se tudo isso soa muito excêntrico e descabido, é importante assinalar que a educação já se encontra
absurdamente medicalizada e que há uma busca desenfreada por nootrópicos ou aditivos para inteligência;
e que as ditas “competências emocionais” vêm sendo apontadas como meta educacional importante. Ou
seja, o que proponho é tão somente tomar desses movimentos sua potência de acontecimento e não sua
versão débil e fantasmagórica, tão afim às lógicas de mercado.
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REFERÊNCIAS
BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In:
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
REICH, W. A função do orgasmo. 18. ed. São Paulo, SP: Editora Brasi-
liense 1994.
Intro
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4 Entendemos a alteridade não como a qualidade de um “outro”, radicalmente diferente e separado de um “eu”
igualmente dotado de individualidade substancial. A alteridade entrelaça “eu” e “outro” de modo paradoxal.
Os paradoxos nos põem no limiar do pensável e do representável, nele o que deveria se manter separado se
entrecruza num mesmo plano, de tal forma que o que se distingue não se separa, como no famoso desenho
das mãos de Escher (VARELA, 1994). A partir do paradoxo, a alteridade se define como esse outrem que é
diferente do mesmo (ipse) e dele não se separa; ela nos lança no plano do entre-dois. Diferença irredutível
aos pontos de vista pelos quais normalmente compreendemos um problema e que, por isso mesmo, é fonte
de seus deslocamentos e de suas transformações qualitativas (MONNERET, 2008).
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O MO-AND
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Posição 1
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Posição 2
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Posição 3
Posição 4
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Posição 7
Posição 6
Posição 5
o acontecimento nos para, parar a narrativa que já sabe o que é ou o que vai
ser, parar a recognição; (ii) Reparagem, como atenção e mapeamento dos
modos e operações do que acontece no tabuleiro, evitando as interpretações
ou os juízos do que deveria haver; (iii) Reparação, como manuseamento e
manutenção da sustentabilidade da relação – a dimensão “como viver juntos?”,
medindo as doses de diferenças ou repetições que o tabuleiro necessita para
manter-se vivo (EUGÈNIO, 2019). O conectivo “e” (and, em inglês), que dá
nome ao sistema, sintetiza o modo de relação, modo operativo que a prática do
jogo visa exercitar e exercer: uma abordagem que não se baseia nem no saber
(a lógica do é) nem no achar (a lógica do ou), mas no sabor, no saborear e no
encontrar (a lógica do E) (EUGÈNIO, 2019). O MO_AND é também o jogo
das perguntas “o quê-como-quando-onde?”, que escapa às perguntas usuais
“quem e por quê”, que tendem a construir uma metanarrativa da situação e da
relação, gerando uma proliferação de ideias e interpretações que deterioram
o tecido comum das relações (EUGÉNIO, 2019).
O MO-AND toma a relação como a dimensão fundamental onde se cons-
trói a realidade. A partir disso, o jogo convoca atenção e ação recíprocas sobre
si e sobre o mundo, auto-observação e mapeamento da situação, cuidado de
si e cuidado do ambiente, o que inclui os outros jogadores mas também os
outros atores inumanos5: “me vejo nas jogadas; elas tem um pouquinho de
mim. Percebo meu cansaço e minhas frustrações e que essas influenciam no
jogo”; “Enquanto eu to ali no jogo eu to reparando nos objetos e no que eu
to sentindo”6. Propomos pensar essa atenção e ação recíprocas como cuidado,
onde este é entendido como atividade de acolhimento do que há, no entorno e
na situação, e como ação de transformação. Cuidado para nós tem sentido de
criação e cultivo do plano comum, que, ao mesmo tempo, escapa a uma adequa-
ção a qualquer modelo transcendente e a uma criação ex. nihilo, ou seja, uma
invenção que legitima e conta com o que já existe. Como trabalhado no próprio
ideário do MO-AND, a jogadora é antes de tudo uma gamekeeper, ela trabalha
pela sustentabilidade vital do jogo, não sendo autora isolada nem espectadora.
As coisas (no jogo) não saíram da forma que eu queria e eu tive que lidar.
Eu continuei incomodada até eu conseguir lidar com aquilo ali.
uma dessas formas cai, ela cai em cima das outras fitas e derruba todas
as outras formas que estavam levantadas. Eu ri. Acho que foi por ter sido
um acidente que eu não ocasionei, nem o outro, foi do jogo e que eu tive
que lidar com aquilo.
O play
7 Na tradução, Winnicott usa o termo subjetivo. Preferimos usar o termo “psicológico” para marcar a realidade
interna ao sujeito, pois entendemos a subjetividade como um processo que engloba processos “internos”
ao sujeito, mas também processos aquém e o além do sujeito.
8 Usamos aqui o conceito de coemergência de Francisco Varela (1994, 2003), pois entendemos que a aborda-
gem enativa da cognição é afinada ao pensamento de Winnicott, na medida em que ela afirma o primado da
relação, a gênese da cognição a partir dessa dimensão paradoxal anterior ao surgimento de sujeito e mundo.
80
construção dos objetos e fenômenos transicionais9. Não se pode dizer que são
internos nem externos aos sujeitos. Estão entre, em trânsito.
Se, para Winnicott, a experiência é um processo temporal permanente de
passagem entre eu e não eu, a condição de emergência de um self com sen-
timento de continuidade é o espaço potencial (LUZ, 1989). É por ele que as
relações de contiguidade (experiência cultural) tomam lugar das relações de
continuidade (onipotência). O espaço potencial é instável, pois é membrana
ou superfície de contato, uma interface entre si e mundo. O play é um fazer
sem conteúdo específico que constrói uma contiguidade na (des)continuidade.
REFERÊNCIAS
BELO, Fábio; SCODELER, Kátia. A importância do brincar em Winnicott
e Schiller. Tempo psicanal., Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, p. 91-101, jun. 2013.
ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada.
São Paulo: N-1 edições, 2018.
Eros, portanto, não é necessariamente nem belo, nem bom, já que ele está
sempre “entre”. Em uma de suas caracterizações alegóricas, de acordo com
Diotima, Eros é de natureza intermediária, nem um deus, nem um homem
comum, é um daimon morrendo e renascendo diariamente. Neste capítulo,
interessa-nos a reflexão sobre Eros e sua relação com o desejo (epithymia),
com a amizade (philia) e com a afeição (agape), cujo tema era motivador
para Platão que, em seus diálogos, registra a elasticidade e a variabilidade
do campo semântico a que pertence o vocabulário erótico. De acordo com
Vitor Pinheiro, que escreve a introdução de O Banquete, eros é uma palavra
grega polissêmica,
Desse modo, não há uma narrativa fundamente, mas nas suas múltiplas
referências, Eros está sempre ligado ao amor, etimologicamente, vem do verbo
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 89
grego eráo ou sua variante éramai que significa amar ou desejar apaixonada-
mente. Portanto, o amor é, na perspectiva aqui adotada, a força que mobiliza a
busca pela aprendizagem na relação pedagógica. E a escola, por consequência,
é o espaço que cria condições de possibilidade para que docentes e discentes
inventem um espaço para o aprender, o ensinar e o criar no viver junto. Ora,
pois, quando se pergunta o que “a escola é” tende-se a restringir suas múltiplas
variáveis, sobretudo, em um país tão extenso geograficamente e tão plural,
culturalmente, como o Brasil. Mas quando se pergunta “o que a escola pode
ser?”, permite-se a sua reinvenção.
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por um amor ao aprender e às novas gerações. Mas o que é, mesmo, uma aula?
Ou melhor, como ela funciona em seu meandro? Para esboçar uma resposta
– ou, melhor, descrever traços de uma cena e sua dramaturgia –, nos aliamos
ao pensamento de Deleuze (2002, 1988) e Simondon (2020), para tratar das
singularidades presentes no espaço imanente da sala de aula e seu potencial
de produzir individuações.
Uma vida não contém nada mais que virtuais. Ela é feita de virtualidades,
acontecimentos, singularidades. Aquilo que chamamos de virtual não é
algo ao qual falte realidade, mas que se envolve em um processo de atuali-
zação ao seguir o plano que lhe dá sua realidade própria. O acontecimento
imanente se atualiza em um estado de coisas e em um estado vivido que
fazem com que ele aconteça. O plano de imanência se atualiza, ele próprio,
em um Objeto e um Sujeito aos quais ele se atribui.
O ser, por sua vez, é correlativo ao devir que lhe constitui em indivíduo
e, este, na complexa rede de referências, de discursividades, devém aluno,
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Em princípio, a sala de aula deve ser um lugar onde as coisas são ditas a
sério – não sem prazer, não sem alegria – mas a sério e para serem levadas
a sério. Observo que muitos alunos tem dificuldade para levar a sério o
que eles mesmos dizem, pois estão convictos de que a única pessoa que
diz algo digno de nota é o professor (HOOKS, 2017, p. 201).
92
Neste sentido, a aula se estabelece como uma comunidade. Por esta via,
retomamos o sentido da palavra comum. Dardot e Laval (2017), na recente
publicação Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI, retomam a
etimologia latina da palavra “commune”1, ao sublinharem que este comum
referia-se a uma reciprocidade de responsabilidades públicas e obrigações
cívicas. Seria, deste modo, um princípio político de coobrigação para todos
que participem de uma mesma atividade. Logo, o evento em que todos e todas
devem estar engajadas é a aula, como colocado mais adiante pelos autores,
o comum enquanto um viver junto, onde não se trata apenas da partilha de
um espaço, mas de um pôr em comum palavras e pensamentos e, no caso da
sala de aula, de um fazer junto, ligado à prática de exercícios e atividades.
Numa aula pode-se ambicionar ainda mais do que isso, pois busca-se a
construção de novas práticas que sejam comuns à turma, a partir daquilo que
é agenciado naquela aula e não em outra. Hooks (2017), neste sentido, aponta
para uma falsa neutralidade em sala de aula, que busca apagar o corpo, em
detrimento do intelecto.
1 Émile Benveniste. Vocabulaire des institutiond indo-européennes. Paris: Minuit, 1969. v. 1, p. 96-7.
94
Os professores que amam os alunos e são amados por eles ainda são
“suspeitos” na academia. Parte dessa suspeita se deve à ideia de que a
presença de sentimentos, de paixões, pode impedir a consideração objetiva
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 95
dos méritos de cada aluno. Mas essa noção se baseia no pressuposto falso
de que a educação é neutra, de que existe um terreno emocional “plano”
no qual podemos nos situar para tratar a todos de maneira igualmente
apaixonada (HOOKS, 2017, p. 262).
dimensão amorosa dos gestos que compõem uma aula e conjecturar que os
acordos convencionados podem produzir esta ambiência, uma vontade de
aula a partir da assimetria e da exterioridade do outro. O encontro provocado
por uma aula, assim, é sempre um exercício de alteridade em que a diferença
existente ali não busca a igualdade ou o consenso, mas sim a dissonância e
a criação.
A educação, desse modo, é pensada como um processo de criação e
resolução de problemas, convocado pelas matérias (dos corpos e do currículo)
e possibilitado pelo espaço consonante de uma aula através da construção de
REFERÊNCIAS
BERLE, Simone. Infância como caminho de pesquisa: o Núcleo de Estudos
de Filosofias e Infâncias (NEFI/PROPEd/UERJ) e a educação filosófica de
professoras e professores. 2018. 245 f. Tese (Doutorado em Educação) – Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
século XXI. Trad. Echalar, Mariana. São Paulo: Editora Boitempo, 2017.
HOOKS, Bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Ele-
fante, 2020.
e singularizar nossos vínculos a cada dia mais. No entanto, por outro lado,
costumamos estabelecer uma relação muito diferente desta com os meios
nos quais estamos inseridos. Na maioria das vezes nos tornamos insensíveis
a tais meios, simplesmente os apagamos de nosso campo cognitivo-afetivo
e nem percebemos mais sua presença, quanto menos suas complexidades
e singularidades, afinal nos tornamos tão insensíveis a suas presenças que
passamos a experienciá-la enquanto ausência de presença qualquer, como
neutralidade, pretenso ponto zero, vazio, etc. As políticas narrativas da bran-
quitude burguesa patriarcal cis-heteronormativa são um bom exemplo disso,
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que ressoa há tanto tempo que já mal percebemos nosso incômodo com ele,
mas, ainda assim, tal incômodo persiste, imperceptível para nossa consciência
enquanto incômodo, mas lá está ele, a desgastar nosso viver pouco a pouco, ao
modo do mar a abrir imensas cavernas nas montanhas do litoral. A aceleração
dos processos de digitalização e a plataformização das relações pessoais, de
consumo, lazer e laborais, junto do recrudescimento da desigualdade e suas
violências, são marcas perenes da pandemia que seguirão latejando na carne
da urbe após a o coronavírus ser naturalizado pelo nossos sistema imune e
passar, ele mesmo, a fazer parte de nós também.
sem os altos e baixos intensos das caçadas, processos de aliança que vicejam
como fungos a estabelecerem outros laços socioafetivos que não clamem pelas
grandes lideranças, mas sim por tramas de micélios. Evidentemente a provoca-
ção da autora não é simples de ser levada a cabo em exercícios ético-estéticos
acerca dos modos como experienciamos-narramos o mundo e nós mesmes.
Talvez, para isso, tenhamos que deslocar nossos horizontes coletivos em seus
modos de viver e contar atentando para diferentes dimensões de cada vez, por
exemplo, podemos perscrutar algumas das tramas dos enredos constituídos
por nossas cidades e seus jogos dos modos de morar.
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Se o barulho dos carros se torna mais aflitivo, esforço-me para ver nele
o barulho do trovão, de um trovão que me ameaça e que ralha. E tenho
pena de mim mesmo. Eis o pobre filósofo de novo na tempestade, nas
tempestades da vida! Sonho abstrato-concreto. Minha poltrona é uma
barca perdida nas ondas; o silvo súbito, é o vento nas velas. O ar em fúria
buzina de toda parte. E falo a mim mesmo, para me confortar: vê, teu
esquife permanece sólido, estás seguro em teu barco de pedra. Dormes,
apesar da tempestade. Dormes na tempestade. Dormes em tua coragem,
feliz por seres um homem que já enfrentou as vagas.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. In: COLEÇÃO Pensadores.
São Paulo: Abril Cultural, 1978.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2019.
Aqui se escreve o que foi vivido, descrevo palavras que são corpos, que
foram e serão ações. Falo em pretuguês para que todas possam entender.
Poetas Vivos é um coletivo criado em 2018, por jovens artistas negros de
Porto Alegre (PoA) e que atua diretamente em escolas, universidades, espaços
comunitários e públicos, desenvolvendo oficinas, palestras e slam. O PV é
considerado um ator do Movimento Negro. Sabemos que nossos passos vem
de longe, que somos fruto da luta dos negros de PoA, que trilharam e abriram
caminhos para que hoje, sejamos “uma força negra que fala das necessidades
de uma raça oprimida [...] usando as palavras que se impõe, sem temer as
pressões que o taxem de separatista ou racista” (ZERO HORA, 1972, p. 5
apud MARQUES, 2019, p. 29).
Somos da rua, nos encontramos em becos, praças e encruzilhadas. Nosso
fazer metodológico vem do dia a dia, da rotina, dos erros e debates coletivos.
Fazer e recolher informações para retornar, repensar, mudar a forma-me-
todologia-jeito de fazer e refazer. Por isso o título desta sessão ser ‘o fazer
metodológico das ruas’, pois
2 Edital Criação e Formação – Diversidade das Culturas realizado pela Secretaria de Estado da Cultura e
Fundação Marcopolo, com recursos da Lei nº 14.017/2020, que dispõe sobre ações emergênciais destina-
das ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto
Legislativo nº6, de 20 de março de 2020.
3 Promulgada em 2004, As Diretrizes Curriculares Nacionais para a ERER e para o Ensino de História e
Cultura Afrobrasileira e Africana regulamenta a alteração trazida à Lei nº 9.394/96 de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino
sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio.
116
tema é amplo e pouco explorado dentro das pautas escolares, ficando sempre
voltado à doença, à medicalização e não à promoção de um ambiente saudável,
promotor de identidades positivas.
“Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo
que mostra. Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua vio-
lência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra” (GONZALEZ,
1983, p. 228) É parte da nossa neurose chamar a aluna preta de ‘terrível’. É
papel do racismo negar a humanidade daquelas crianças que saem da norma,
que tem em seus corpos a negritude, periferia e a não cis-heteronormatividade.
Falou-se também da saúde mental das educadoras e funcionárias da
escola, que merecem um olhar atencioso, para que sua sanidade não seja
ainda mais afetada, por já serem expostas as precárias condições de trabalho,
excesso de funções, turmas superlotadas e pelo próprio racismo e descaso do
governo com essas profissionais.
Racismo esse que hierarquiza os saberes como produtos da classificação
racial da população, legitimando a explicação eurocêntrica como a explicação
epistemológica superior (RIBEIRO, 2019), deslegitimando até as próprias
educadoras do lugar de fala de produtoras de saber.
O Episódio 3 – Afeto, o caminho para uma sociedade melhor deba-
teu-se a importância do afeto nas redes de socialização e como sua ausência
pode marcar profundamente os jovens com preconceitos e estigmas capazes
de afastar o aluno da escola.
Temos muito a aprender em coletivo, para isso precisamos nos colocar
a partir de uma perspectiva que ofereça a ampliação de visão de mundo e a
valorização da diversidade existente na sala de aula. É a interseccionalidade
que permite potencialização da criticidade política com objetivo de compreen-
der “a fluidez das identidade impostas a preconceitos, subordinações de raça,
classe, gênero e às opressões estruturantes” (AKOTIRENE, 2019, p. 39) e
por isso ela foi bastante ressaltada ao longo do debate.
O Episódio 4, intitulado Autoestima – afrontando o racismo e bus-
cando novas possibilidades de ser foi voltado à autoestima, estética e aos
estereótipos. Onde os integrantes da mesa falaram sobre suas experiências,
118
Para mim foi um sonho realizado, pois falar do ambiente escolar é impos-
sível sem falar da sua vida, e acessar memórias que geralmente costumam
me doer tanto, num ambiente tão cheio de afeto, e num projeto tão gran-
dioso, foi uma surpresa tão boa! (Participante 5).
Poetas Vivos, presente! Vida longa à resistência. Espero que nos ouçam
irmãos. Somos Poetas Vivos, militantes do povo a voz da revolução (POE-
TAS VIVOS, 2018).
Considerações finais
A roda dos não ausentes
O nada e o não,
ausência alguma,
borda em mim empecilho.
Há tempos treino
o equilíbrio sobre
esse alquebrado corpo
e, se inteira fui,
cada pedaço que guardo em mim
tem na memória o anelar
de outros pedaços.
E da história que me resta
estilhaços sons esculpem
partes de uma música inteira.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 123
REFERÊNCIAS
BUENO, Winnie. Imagens de controle: um conceito do pensamento de Patricia
Hills Collins. Porto Alegre, RS: Zouk, 2020. 176 p.
RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
112 p. (Feminismos Plurais/ coordenação de Djamila Ribeiro).
126
Ouvi dizer que antes de ser rua aqui era rio. Me contaram que foi aterro
que fizeram nessa área, sei lá por quê. Ocuparam as margens e construíram
quarteirões. De aterro em aterro, cidade antropofágica que devora as águas.
Agiliza os ventos, emudece os pássaros.
Nessa rua todos correm, parece.
1 As ilustrações que compõem as narrativas foram criadas pelo parceiro e amigo Douglas Silveira Martini,
que, com seus traços, deu formato aos cenários dessa escrita.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 129
naufrágio urbano. Quando são traídos pela bússola e pelas estrelas, erram
as rotas. E cada erro é descoberta nova. De porto em porto, sem saber o que
esperar, no infinito do oceano. No asfalto dá pra avistar os peixes. Pescam
das calçadas e bebem das goteiras.
2 ROSA, 2001.
3 BARROS, 2006, p. XV.
130
conviver com os lagartos e os musgos. Assim: tem hora que eu sou quando
um rio. E as garças me beijam e me abençoam. Essa era uma teoria que a
gente inventava nas tardes. Hoje eu estou quando infante. Eu resolvi voltar
quando infante por um gosto de voltar. Como quem aprecia ir às origens de
uma coisa ou de um ser. Então agora eu estou quando infante”.
Acho que tem hora que somos quando barcos. Como quem gosta de
lembrar a infância e brevemente brincar de pirata. E as ruas esquecem a que
servem, generosas, para brevemente servir ao mar. Talvez semana que vem
a gente seja quando passarinho; quando carnaval; quando infante. Jamais
Ouvi dizer que um filósofo4 falou uma vez: o navio é a heterotopia por
excelência. Um pedaço flutuante de espaço, que é vivo por si mesmo ao mesmo
tempo que é entregue ao mar. Um lugar sem lugar, reserva de imaginação.
Questiona os espaços que existem, cria outros espaços possíveis. Lugares em
que estamos e, ao mesmo tempo, não estamos. É amostra da vida, da morte,
da luta, da utopia.
Me contaram que outro filósofo5 disse outra coisa. Quando brincam,
as crianças, seja com os brinquedos, com os jardins ou com os restos de
uma construção, criam seu pequeno mundo. Até a boneca mais principesca,
quando extraviada, “se transforma numa camarada proletária na comuna
lúdica das crianças”.
4 FOUCAULT, 2013a.
5 BENJAMIN, 2009, p. 87.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 131
Os corpos navegantes acho que fazem isso. A cada rocha, maré baixa
ou tempestade, não cessam de forjar mundos. Em seu brincar heterotópico,
existências lúdicas, inventoras de cidades. Por tempos longos ou breves,
pouco importa. Mesmo quando avistam terra e atracam na costa, rua alguma
se salva da erosão das águas. Sentimos os rastros das heterotopias, o frescor
das ludicidades.
Ouvi dizer muita coisa. Ouvi dizer que essa rua já foi rio e sem-
pre pode ser.
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que têm as crianças, bem como repensar e reinventar os saberes que lançamos
a elas. Em especial às crianças racializadas, às que se distanciam da cis-hetero-
norma, às que têm sua vida de algum modo vulnerabilizada. Afinal, diferentes
crianças, de diferentes lugares, em diferentes condições, podem falar de cida-
des também diferentes. Tomemos como exemplo a elaboração de Azevedo,
Assunção e Ribeiro (2020), que, a partir de Halberstam, afirmam: “a criança
queer, ao falhar, põe em xeque os modelos de família que não comportam
membros indisciplinados e fora da heteronormatividade necessária para lhe
dar legitimidade social” (p. 51). Lançamos nosso olhar, então, à infância em
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As crianças, que brincam com qualquer bugiganga que lhes caia nas mãos,
transformam em brinquedo também o que pertence à esfera da economia,
da guerra, do direito e das outras atividades que estamos acostumados a
considerar sérias. Um automóvel, uma arma de fogo, um contrato jurí-
dico transformam-se improvisadamente em brinquedos (AGAMBEN,
2007, p. 60).
Frente à gestão normativa das cidades – em que se fazem cada vez mais
presentes a construção de condomínios fechados, os processos de especulação
imobiliária e a delimitação normativa do uso dos espaços –, tomar a heteroto-
pia como operador conceitual trata-se de uma aposta na invenção; trata-se de
olhar para a forma com que se produzem – no brincar – diferentes concepções
de cidade e moradia, diferentes modos de ser criança e fazer cidade.
Pensar cidades e ludicidades implica um exercício de profanação do uso
constituído do espaço urbano; uma prática de invenção de outras cidades –
cidades estas que, nas mãos das crianças, se fazem brinquedos. Em meio às
lutas urbanas, aprendemos sobre a potência do infancializar e nos deparamos
com a possibilidade de inventar mundos. Espaços ocupados por crianças,
136
jovens, adultos e idosos que, militando, são quando infantes, são quando
barcos, são quando vagões, são quando moradia.
Desde 2018, por meio do projeto de extensão Ocupas: cidades, resistên-
cias e produção de subjetividade, integramos espaços de articulação de cole-
tivos, instituições e organizações que militam pela democratização do acesso
à cidade, pela garantia do direito à moradia e pela preservação ambiental da
cidade de Porto Alegre. Aproximamo-nos, ainda, pelo campo da pesquisa
(sempre indissociável da prática de extensão), a territórios como o do bairro
Guajuviras. Em meio a esses grupos, construímos frentes de trabalho em
6 Guajuviras: Últimas Notícias. In: Gaúcha ZH. Disponível em: https: //gauchazh.clicrbs.com.br/ultimas-noticias/
tag/guajuviras/. Acesso em: 24 mar. 2022.
138
a cada nova estação, algumas com maior volume de pessoas do que outras.
Na plataforma, passageiros aguardam o transporte. No momento em que é
avistado, provoca um agrupamento de pessoas, reunidas nos pontos em que
as portas dos vagões se abrem. Pessoas entram e saem. Esbarram-se corpos,
mochilas, bolsas e sacolas. Às vezes até violões e bicicletas adentram os
vagões. É possível imaginar que, com toda a sorte de objetos que as pessoas
carregam, cria-se um cenário diferente em cada vagão. A porta se fecha e o
trem parte para a próxima parada.
Ao chegar na Estação Mathias Velho, em Canoas, é preciso descer a
DRICH, 2015).
A narrativa difundida sobre o Guaju como um lugar invadido, perigoso
e instável atua nos processos de subjetivação dos sujeitos residentes deste
bairro, que, não à toa, por vezes se percebem mais pertencentes à região de
sua morada do que como cidadãos da cidade. A pichação “Made in Guaju”,
escrita em um muro localizado em uma avenida próxima à entrada do bairro,
dá indícios do que se produz nesse território, do que se faz coro, do que se
expande e se exporta. Fala de realidades precarizadas pelo capital, invisibili-
zadas dentro e fora de seu bairro, mas que, em suas possibilidades de agên-
cia e organização, se articulam na promoção de mudanças. Mesmo frente à
tentativa de cooptação de suas potências oníricas e narrativas, forjam novos
modos e novos mundos.
Quem vive no bairro e convive com suas contradições territoriais, com os
problemas que envolvem a dificuldade de acesso a serviços públicos e demais
espaços da cidade, sabe também das capacidades e da potência cultural que
o Guajuviras abriga. Seja no rap que denuncia a realidade ou na “Batalha
do Passinho” – movimento de euforia nas escolas que, ao mesmo tempo
que tensiona a segregação espacial e a violência que vem a reboque da atual
configuração de gestão de cidade, também reinventa um modo combativo,
propositivo e dançante de habitar esse território. O grafite que colore muros
e paredes em alguns pontos do bairro se soma às frases e às palavras picha-
das, nem sempre em tom de denúncia, mas quase sempre um prenúncio da
vida que ali pulsa. Talvez isso nos dê pistas de que, sim, é possível produzir
resistência brincante – mesmo diante da força discursiva da violência, que
quer silenciar tudo que dela destoe. Os muros também são quando alto-fa-
lantes, insilenciáveis.
Se por um lado os discursos da violência urbana se fazem hegemônicos
e se inscrevem sobre os moradores, restringindo suas possibilidades de ser
sujeito para além do estigma de criminalidade, por outro, quando o tapete
xadrez se estende para receber a referida competição de dança, o Guaju é
quando espaço cultural e os jovens são quando artistas. Na potência de um
140
Acho que aquele filósofo que falou do barco não sabia que aqui o que
chega é trem. De longe, pra quem vê apenas os trilhos, talvez ele não pareça
tão imprevisível quanto o navio – que dizem estar entregue ao mar. De perto,
pra quem sente o seu balançar, talvez sim. Vira oceano de possibilidades,
variações, intensidades. Vira espaço de encontro.
Lembro que eu tentava adivinhar. Essa carregando uma mala, acho que
vai descer no Aeroporto. O vendedor vai descer no Mercado Público. A de
camiseta azul, não sei, talvez Farrapos. Esse também tem mala, pode ser que
vá pra Rodoviária. Brincava: em que estação cada um vai descer? Fazia de
conta que conhecia cada um. Sua história, sua origem, seu destino. E gostava
de acreditar que os outros passageiros também brincavam. Cada um em seu
mundo. E em nosso mundo compartilhado.
Nos olhos da mulher, fixos no horizonte, a janela é quando tela em branco.
Na rima do artista clandestino, o vagão é quando palco, e o passageiro,
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 141
quando plateia. No faz de conta da criança, o trem é quando cobra que rasteja
na terra, abrindo caminho e engolindo humanos desavisados.
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Ouvi dizer muita coisa. Ouvi dizer que, de porto em porto, inventamos
formas de navegar. E, de estação em estação, inventamos formas de sair
dos trilhos.
142
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora
Record, 1996
BARROS, Manoel de. Tratado geral das grandezas do ínfimo. Rio de Janeiro:
Editora Record, 2001.
ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. 15. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001.
experiência, como indica Larrosa (2004), pode ser o ensaio. Assim, escrever,
nesse contexto, é ensaiar um lampejo vaga-lume, um gesto de sobrevivência.
Pela leitura feita por Benjamin (1994), no intervalo entre a primeira e a
segunda guerra, narrar tornou-se uma arte em vias de extinção. Com o intuito
de manter viva essa prática de transmissão, ensaiamos a escrita de uma tra-
vessia coletiva pela pandemia. Foi a maneira pela qual buscamos engendrar
um plano de experiência para aquilo que se viveu. Existe o vivido e existe a
versão do vivido, que é a experiência. A vivência é solitária, particular, indi-
vidual, enquanto a experiência é a transformação do que foi vivido quando
***
A experiência que esse ensaio retoma é uma das muitas versões vividas
em um serviço de saúde mental do município de Porto Alegre, que tem como
particularidade a interface com o trabalho. O GerAção POA6 acolhe pessoas
encaminhadas pelos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do
Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o território da cidade. Por meio de
oficinas, desenvolve-se coletivamente uma produção material e imaterial que
vai buscando o acolhimento de cada pessoa de acordo com o que ela pode e
tem para contribuir. Nesse percurso, tal sujeito passa a ser reconhecido como
oficineiro do GerAção, seja porque é protagonista de um fazer que se dá
em oficina, seja porque, passado algum tempo no serviço, também lhe cabe
transmitir aos que chegam os modos de trabalho em curso.
Quanto à produção – à primeira vista – material, composta pelo tra-
balho coletivo dos oficineiros na elaboração de cadernos, velas, bolsas e
demais produtos a serem comercializados, foi interrompida com a chegada
do de repente. Quando ainda eram poucas as informações sobre os principais
modos de contágio, surgiu grande preocupação com a aderência do vírus em
superfícies. “Sob as condições de uma pandemia como a covid-19, trabalhar
em e com objetos de troca potencialmente dispara cargas de vírus letais”
(BUTLER, 2020, p. 5), de forma que, para além da suspensão da proximi-
dade, da ida ao serviço, da troca com os colegas, a produção, da forma como
acontecia, Caiu.
A pandemia instituiu estratégias de proteção contra o vírus que modifi-
caram a percepção de gestos comuns no cotidiano, tal qual dos que já conhe-
cíamos para confeccionar os objetos produzidos em oficinas. Passamos
6 O nome GerAção POA: oficina saúde e trabalho foi escolhido pelos usuários do serviço no primeiro ano
de seu funcionamento, em 1996, e carrega o sentido de “gerar ação em Porto Alegre”. Nesses 25 anos de
existência, o nome se manteve, embora o nome oficial nos documentos seja Oficina de Geração de Renda
e tenha ganhado alguns apelidos como GeraPOA e GERA.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 147
[...] com o intuito de (nos) vermos e sermos vistos, criando esse grande
álbum de fotos coletivo e diverso. Selecionávamos cuidadosamente cada
fotografia que iria compor a publicação da semana. Às vezes escolhíamos
as que mais nos agradavam visual e afetivamente, sem algum critério
prévio; ou então pensávamos em alguma temática que nos fizesse sen-
tido e agrupávamos as fotos em seguida. Ainda durante a oficina, alguém
compartilhava a tela de seu computador com um documento em branco
e escrevíamos juntas/os as legendas que acompanhariam as fotografias,
num processo dinâmico e interessado em construir um comum, mesmo
que atravessado por tantas telas (CARDOSO, 2021, p. 42).
7 Um dos desdobramentos da oficina GeraFotos foi o de escrever coletivamente esse texto referenciado.
Oficineiros, estagiários e profissionais do GerAção POA participaram desse processo de escrita. O texto está
disponível em: http: //www.editoracasaleiria.hospedagemdesites.ws/acervo/servicosocial/cadernosdopaas/
vol7/65/index.html.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 149
Testemunhar é muito mais do que narrar uma história, muito mais do que
estabelecer um relato memorial dos fatos. Muito além de desvelar uma
experiência traumática, testemunhar é, sobretudo, restabelecer o plano
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14.8.21
Fiquei encarando nosso caderno durante 4 dias e as palavras parecem
estar fugindo...
Acho que é uma mistura de não tenho o que dizer com acho que tudo já
foi dito. Tudo e nada.
É necessário fazer meios. Fazer furos entre o tudo e o nada. Vou tentar.
O nada apareceu como aquelas notícias de mortes que recebemos. A morte
de alguém coloca as palavras num abismo, parece.
Quando penso nos furos, lembro da Tania bordando. Fazendo furos no
tecido. Acho bonito o jeito como cada oficineir@ deixa sua marca naquilo
que faz. A agulha com linha colorida da Tania é o tempo que ela já viveu e
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 151
vive e resiste e sonha deixando marcas nesse espaço de tecido. Fura, preen-
che de cor e história o espaço. Ela sabe que segura o espaço e percorre com
as mãos o tempo. Isso parece acontecer na repetição insistente da frase “tá
ficando bonito o meu bordado” quando ela se reencontra com ele a cada
semana. Pra além da frase, os movimentos repetitivos da agulha furando
o tecido e da sua cabeça que, quando concentrada, parece dizer um “não”.
A produção sincrônica de direito e avesso.
Movimento entre dois pontos.
O direito e o avesso. A vida. O direito é sobreposição – de pontos, de
linhas, o que se vê. O avesso é como o vazio preferido daquele menino
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5.10.21
Marcelo conta da sua internação recente no Hospital Espírita.
Do banho compartilhado, da fila pro remédio e do eletrochoque
Senti um gosto amargo na boca.
Angélica disse que foi o pior lugar que já foi.
Ficou lá apenas um dia e pediu pra seus pais a buscarem.
Na gravação de telas, Ronei conta da sua escola, que adora filosofia,
Heráclito, Parmênides
Um homem nunca entrará duas vezes no mesmo rio, disse o Sérgio.
18.08.2021
Que GerAção POA me habita?
Em que pontos me acolhe?
Em que pontos me afasta?
Como me interroga?
20.10.2021
Na prática, saúde e trabalho são sinônimos na GerAção?
Como são lidas atividades que não são claramente produtoras de produtos?
Se entendidas como da ordem do terapêutico, elas devem ser evitadas a
longo prazo?
Saúde e terapêutico podem não estar vinculados?
O que há de tão desagradável no encontro com o terapêutico?
A produção de um produto de qualidade e comercializável é o foco prin-
cipal do serviço?
Nesse possível objetivo, ou mesmo nesse processo, entendo-os como per-
tencentes ao universo da saúde e, paralelamente, do trabalho ou, de forma
desunificada, da saúde ou do trabalho, ou mais de um do que do outro?
11.08.2021
Em uma tarde
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 153
08.12.2021
Faz muito tempo que não escrevo aqui. Acho que em razão do final do
ano misturado sempre com outros porquês. Nesta segunda, começamos
uma conversa sobre o 2021 no serviço. O movimento do on-line para
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Com a aposta de fazer estágio em oficinas, pode-se dizer que criamos mais
uma, a de escrita. Ensaiamos, tendo deixado nossos corpos serem contaminados
pelo jeito de ser do GerAção, a construção de uma supervisão local oficinada,
autogestionada, horizontalizada. O caminho do momento vivido à escrita no
caderno, à leitura em voz alta e à conversa permitiu que as experiências de cada
uma no GerAção se tornassem nossas na medida em que eram transformadas no
gesto de compartilhar. A escrita foi o Entre que possibilitou ocupar um espaço
em que podíamos nos experimentar, nos conhecer, criar novas impressões a
partir daquilo que nos tocava durante a semana no GerAção.
Em nossa travessia, Escrever foi o exercício que sustentou o movimento
de pensar o que vivemos. Ao mesmo tempo, com a possibilidade de tornar
pública essa escrita, evocamos a função-testemunho do modo como se inven-
tou, a partir do contexto da pandemia de covid-19, outras práticas de cuidado
em saúde mental.
Assim como a fotografia, a escrita cria uma marca daquilo/naquilo que
se viveu, que pode ser revisitada por outros, não para olhar necessariamente
da mesma perspectiva, mas podendo encontrar ali alguma pista para recons-
tituições inventivas. Há uma dimensão política do rastro, em que algo foi
marcado, vivido, e pode ser retomado, “[...] o rastro de uma experiência que,
154
REFERÊNCIAS
BEI, Aline. Pequena coreografia do adeus. São Paulo: Editora Companhia
das Letras, 2021.
CARDOSO, Maria Eduarda. “Penso nas fotos para quando eu não estiver
mais aqui”: fotografia e produção de memória na Oficina GeraFotos. 2021.
50 f. TCC (Graduação) – Curso de Psicologia, Unidade Acadêmica de Gra-
duação, Unisinos, Porto Alegre, 2021.
1 No texto O que significa elaborar o passado, de 1963, Adorno discute a ocorrência de um fato crescente
na cultura alemã, a saber, a vontade de fechar as portas abertas do passado, de modo a esquecer e perdoar
as atrocidades recém cometidas pelo nazismo. Neste sentido, ele visualiza o quanto não se deve riscar o
passado da memória, posto este gesto de esquecer e perdoar, mais do que nunca, naquele momento, advir
dos defensores daqueles que perpetraram as violências. “O desejo de libertar-se do passado justifica-se:
não é possível viver à sua sombra e o terror não tem fim quando culpa e violência precisam ser pagas com
158
tarefa daquele momento, mas não distante de nós hoje, diz da formulação de
uma crítica contundente a uma cultura que buscava – e ainda busca – assi-
milar Auschwitz de modo banalmente trivial, conceituando aquilo que não é
conceituável. Elaborar o passado diz de uma luta para “não transformar a lem-
brança do horror em mais um produto cultural a ser consumido” (GAGNEBIN,
2006, p. 79). Elaborar o passado, portanto, diz de uma intervenção vivaz no
presente de maneira a não deixar cair no esquecimento aquilo contra o qual
se deve lutar para que nunca mais aconteça. Afinal, como diz Adorno, judeu
que conseguiu escapar da perseguição nazista se exilando em outro país, “no
***
culpa e violência; e não se justifica porque o passado de que se quer escapar ainda permanece muito vivo”
(ADORNO, 1995, p. 29).
2 A Onda, título em português, é um filme alemão de 2008 dirigido por Dennis Gansel, baseado em um
experimento acontecido em abril de 1967 na Cubberley High School, Palo Alto, Califórnia. Em 1981, foram
lançados um romance, escrito por Morton Rhue a partir do ensaio The Third Wave do professor Ron Jones,
responsável pelo experimento, e um filme feito para a TV, dirigido por Alexander Grasshoff, ambos intitulados
The Wave, que descreviam de forma relativamente fidedigna os eventos ocorridos no colégio californiano.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 159
pessoas não deviam se sentir culpadas diante de uma coisa que não fizeram,
em alusão aos ocorridos durante o Terceiro Reich, ao que uma colega de turma
lhe responde que não é uma questão de culpa, mas sim de responsabilidade
histórica. Pouco depois, Rainer indaga os presentes sobre a possibilidade de
uma nova ditadura na Alemanha. Um estudante lhe responde que esta questão
já fora resolvida, outro que não sabe e o restante da turma emudece.
Ao notar o envolvimento da turma, Rainer propõe um intervalo e na
volta decide pôr em prática um experimento que é aceito por todos. “Mas
o que é que toda ditadura precisa?”, pergunta o professor, ao que um estu-
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dante lhe diz ser um Führer3. Propõe, então, a escolha de uma figura central
de liderança, sendo ele mesmo eleito pela turma. A partir deste momento,
estabelece que todos que queiram falar se levantem e se dirijam a ele como
Herr Wenger, forte alusão à saudação nazista Heil Hitler! No terceiro dia de
experimento, os estudantes decidem nomear o grupo e por votação escolhem
A onda, passando a constituir um movimento com direito à saudação, uniforme
e logotipo próprios.
Ao final da película, após uma série de eventos desastrosos ocorridos
no desenvolvimento daquela experiência pedagógica, Rainer convoca um
encontro d’A onda num auditório da escola. Sentindo que o experimento tinha
tomado proporções inesperadas, ele decide pôr fim ao movimento e pergunta
se a turma lembrava da indagação feita em sala no início da semana, para em
seguida arrematar que tudo o que tinha acontecido nada mais era senão uma
forma de fascismo. Dennis, um estudante descontente com a decisão, diz que
embora tenham cometido erros, isso poderia ser corrigido. Rainer, enfático,
diz que não, que essas coisas não se corrigem.
Die Welle reverbera, entre ficção cinematográfica e realidade histórica, e,
por que não, ficção histórica e realidade cinematográfica, muitas das proble-
máticas formuladas anos antes por Adorno: culpa, esquecimento, repetição.
Passados mais de 70 anos do fim de Auschwitz, ondas neonazistas, geração
anexada a velhos costumes, ressurgem e se propagam tanto na Alemanha como
em outras regiões da Europa, tendo, nos últimos anos, a situação crítica dos
imigrantes fugidos das plagas controladas pelo Estado Islâmico intensificado
este cenário. A pergunta de Rainer, portanto, é demasiado oportuna para a
conjuntura atual, não só da Europa mas sobretudo de nuestra Latinoamérica,
posto trazer elementos para se pensar quais composições de memória têm se
armado nas sociedades, bem como impelir o debate público com algumas
indagações deveras importantes. Ainda é possível se pensar numa experiência
3 Führer é uma palavra alemã que significa “líder”, “chefe”, “dirigente”, “condutor”. Derivada do verbo führen,
conduzir, ganha especial relevância no contexto de ascensão do nazismo ao poder, posto que Hitler, agora
Führer und Reichskanzler, líder e chanceler do Reich, ser o condutor do povo alemão a uma vida melhor.
160
***
4 Endlösung, a solução final da questão judaica, é o último passo de um programa de três etapas: expulsão,
concentração e assassinato. Diz respeito, portanto, à determinação de Hitler, em 1941, para o extermínio
total dos judeus nos territórios ocupados pela Alemanha, tendo sido formalizada na Conferência de Wannsee
em 1942 (ARENDT, 1999).
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 161
pergunta a reverberar nos cem anos daquela cerimônia turca, que contou com
a presença de representantes de 60 países, tradicionalmente comemorada no
dia 25 de abril, data do desembarque das tropas aliadas naquela península.
Dos armênios? O que na verdade aconteceu, como sustentam os turcos, foi um
conflito civil, onde tanto armênios quanto turcos morreram, sendo a cifra de
1,5 milhão um número falacioso para chamar atenção da comunidade inter-
nacional. Afinal, como afirmou o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan, “a
questão armênia se converteu em instrumento de uma campanha de difamação
contra a Turquia, o que rejeitamos” (WILLIAMS, 2015).
A despeito de inúmeros documentos de caráter público e notório, bem
como diversos testemunhos de sobreviventes, assim como a Turquia, muitos
outros países não reconhecem o termo genocídio com relação ao extermínio
planejado dos armênios à época do Império Otomano. Israel, país que tem a
maior comunidade judaica do mundo, povo que sofreu os horrores do nazismo,
não reconhece. Nem também o Brasil, país de significativa imigração armênia,
que recentemente foi governado por uma militante torturada durante 22 dias
nas dependências do DOI-Codi5 paulista na década de 1970 e de ascendência
búlgara, povo que também padeceu diante das violências do Império Otomano,
para mencionar apenas alguns exemplos.
O apagamento da história e da memória, contido na frase de Hitler
e posto em operação através do negacionismo turco, configura o propó-
sito final de uma vontade genocidiária, uma vez que é ela, “por excelên-
cia, a que anula, no cerne do próprio acontecimento, a facticidade do fato”
(NICHANIAN, 2012, p. 19).
Os apontamentos críticos contidos na obra de Adorno alertam justamente
para o perigo de uma repetição do horror de Auschwitz, que, por sua vez,
também já reconfigura de certo modo uma outra repetição, a do genocídio
armênio. Não obstante,
uma repetição, sem dúvida, não idêntica, pois não há repetições desse tipo
na história, mas sim uma retomada e uma reedição de mecanismos seme-
lhantes de exclusão, violência e aniquilamento – mecanismos que encon-
traram na Shoah sua expressão singular e insuportável, mas infelizmente
não a única nem necessariamente a última (GAGNEBIN, 2006, p. 62).
***
6 No aforismo “Alemães, bebam cerveja alemã!”, da obra Rua de mão única (2013c), coletânea de pequenos
textos que traçam um panorama crítico da situação social e intelectual da Alemanha após a Primeira Grande
Guerra, Benjamin prenuncia a barbárie nazista em seus meandros de produção de uma sólida identidade
alemã, indicando assim o “aniquilamento do humano não restrito ao uso da força, mas na construção da
sólida aura do coletivo” (BAPTISTA, 2008, p. 3).
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 163
ção política. Após o hino, corpos de distintas idades e matizes políticas nem
tanto desfilaram pela Avenida Atlântica, cantarolando as músicas advindas do
trio elétrico e bradando palavras de ordem contra a corrupção que se instalara
no país, culpa da mandatária da República e sua sigla partidária.
Em meio ao magote, pequenos destacamentos chamavam atenção com
seus cartazes e faixas. Enquanto uns pediam o fim do Supremo Tribunal Fede-
ral, outros anunciavam um pedido, em inglês, de socorro: S.O.S. Army Forces.
Em concordância a tal solicitação, posa para objetiva de um fotógrafo
uma senhora sorridente a empunhar um cartaz que contém a solução para o
país: o Exército. Nesta mesma vereda, uma garota de cor preta, aquela mesma
cor que tanto figura em funestas estatísticas das pesquisas sobre violência no
país, no alto de sua alegria, empunha um outro cartaz com o que lhe compraz:
comunista é bom morto. Uma antiga novidade que mais uma vez se instaura
no cenário político brasileiro, precursora, ela mesma, de um outro dito tão
comum aos ferrenhos opositores da pauta dos direitos humanos: bandido bom
é bandido morto!
E assim prosseguiram muitos outros manifestantes, do Posto 5 ao
Copacabana Palace, certos de que a exortação militarista era o melhor cami-
nho a seguir.
passado que não cessa de se reconfigurar e que se atualiza como uma sangria
desatada nas vísceras do presente.
Na tarde daquele 15 de março, a típica garoa não impediu que um número
bem mais expressivo de pessoas se reunisse na Avenida Paulista, em São
Paulo, para também realizar o seu carnaval. Ao modo do ocorrido na manhã
de Copacabana, uma atmosfera de final de copa do mundo, com muitos mani-
festantes trajando a camisa da seleção e enrolados em bandeiras, tomou conta
da avenida.
Pela primeira vez desde a redemocratização, a elite paulistana saiu às
7 O sistema DOPS, que em São Paulo se chamou Deops, existiu em quase todos estados brasileiros e
dizia respeito aos “órgãos policiais de repressão política criados na década de 1920 e que estiveram a a
serviço da ditadura militar, sendo extintos em 1983. Sua função primordial era o controle e a repressão de
movimentos políticos e sociais contrários ao regime militar, mas atuavam também na censura aos meios de
comunicação” (ISHAQ; FRANCO; SOUZA, 2012, p. 126). Das “figuras ilustres” fichadas em seu numeroso
acervo, constam Sócrates, o filósofo grego, e Karl Marx.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 165
***
afirmar que o dia que nos ofusca não nos daria a menor imagem, se nosso
olho não fosse para ele preparado pelos sonhos humanos. E, se às vezes
somos obrigados a observar o mundo de olhos fechados, é sobretudo
para conservar o caráter frágil dos sonhos que nos levam aos espelhos do
invisível (BAVČAR, 2001, p. 23).
***
um dos modos para ser útil ao mundo é dizer claro e redondamente que o
mundo nunca irá melhorar; e que seus melhoramentos são meta-históricos,
8 PASOLINI, 2014, s/p. O texto em questão consta da edição 196 da Revista CULT. A versão aqui utilizada
foi disponibilizada diretamente pelo tradutor, a quem imensamente agradeço.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 169
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor. Crítica cultural e sociedade. 1998. Versão digital. Dis-
ponível em: http://hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Adorno-Critica%20
cultural_sociedade.pdf. Acesso em: 12 jul. 2016.
BENJAMIN, Walter. Passagens. Trad. Irene Aron & Cleonice Paes Barreto
Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2009.
que leva uma babá para o protesto. Pragmatismo Político, 2015. Disponível
em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/familia-leva-baba-pro-
testo-impeachment-dilma.html. Acesso em: 28 ago. 2016.
STUDART, Júlia; LIMA, Manoel Ricardo de. Antes e depois da maçã, uma
memória de cego. Correio APPOA, Porto Alegre, n. 250, nov. 2015. s/p.
TRIP TV. Por favor, chamem o alto comando! Youtube, 16 mar. 2015. 1 vídeo
(6 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ebzEbjflXkM.
Acesso em: 24 ago. 2016.
1 “Vianna Moog (Clodomir V. M), advogado, jornalista, romancista e ensaísta, nasceu em São Leopoldo,
RS, em 28 de outubro de 1906, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 15 de janeiro de 1988”. Foi membro
da Academia de Letras, além de representante brasileiro na ONU e na OEA. Uma rápida biografia está
disponível em: https: //www.academia.org.br/academicos/vianna-moog/biografia
2 No artigo “Clodomir Vianna Moog e a não integração do grupo étnico alemão no Brasil Estadonovista”, Rodrigo
Luis dos Santos lista algumas características que vinculam Blumental tanto a São Leopoldo quanto a Novo
Hamburgo: “[...] podemos deduzir que Vianna Moog utiliza-se de elementos presentes nas duas cidades de
origem imigrante da qual teve maior contato, São Leopoldo e Novo Hamburgo, para criar o ambiente físico,
social e político de Blumental” (SANTOS, 2014, p. 7).
174
5 A dissertação de Caroline von Mühlen (2010), “Da Exclusão à Inclusão Social: Trajetórias de ex-prisioneiros
de Meckelbug-Schwerin no Rio Grande de São Pedro Oitocentista”, trata de forma detalhada sobre a origem
dos indivíduos e desdobramentos da situação.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 177
8 Pangermanismo significando “[...] a conservação de valores étnicos (língua, costumes e tradições) pelos
alemães e teuto-brasileiros” (DIETRICH, 2009, p. 262).
9 WEBER, 2016.
10 Em Asas do Desejo (filme de Wim Wenders de 1987), para declarar sua resolução em tornar-se humano o
anjo Damiel afirma: “Vou entrar no rio” (“Ich werde in den Fluß steigen”).
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 179
o ser eu e não outro, sobre estar aqui e não lá, sobre o tempo e o espaço11.
Peixoto descreve, em um texto que cita diversas vezes o filme Asas do Desejo,
o recurso do olhar do estrangeiro: “aquele que não é do lugar, que acabou de
chegar, é capaz de ver aquilo que os que lá estão não podem mais perceber”
(PEIXOTO, 1995, p. 363). Em uma região na qual a interpretação da subje-
tividade e território nativos é confusa, assumir o “ser diferença” para com a
identidade dos antepassados e a distância do ponto de origem (tornando-se
assim o estrangeiro) é especialmente pertinente em um contexto no qual
o local a território de referência idealizada estava terrivelmente adoecido
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pelo totalitarismo:
11 Idem ao anterior, mesmo personagem: “Quando a criança era criança, estas era o tempo destas perguntas:
por que eu sou eu e não você? Por que estou aqui e não lá? Quando começou o tempo e onde termina o
espaço? (“Als das Kind Kind war, war das die Zeit der folgenden Fragen: Warum bin ich ich und warum nicht
du? Warum bin ich hier und warum nicht dort? Wann begann die Zeit, und wo endet der Raum?”)
180
por Carlos Antônio Cardoso Filho: uma muda de exoesqueleto que oprimia
a expansão da vida, uma ecdise? Sim, mas os recém-chegados são colocados
prioritariamente à margem do espaço urbano e as periferias crescem.
Porém, nos anos 90:
Nos anos 90, um movimento algo cético, algo mordaz, algo cínico,
consideravelmente contraventor e abarrotado de guitarra barulhenta alcança
a região do Vale dos Sinos (em especial São Leopoldo e Novo Hamburgo)
alimentando pontos provisórios de divulgação para a cultura underground.
Atrasado cronologicamente em perspectiva com os grandes centros, um
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 181
Os “filhos legítimos da terra” seriam aqueles que ali estavam por direito
pleno, que nunca tiveram de conquistá-la ou tomá-la de outro, mas que
estavam ali desde o princípio. Esse mote impedia recordar que as relações
territoriais de disputa estão na base da nossa sociedade, impedia recordar
que nunca houve um acordo sob a forma de contrato entre o Estado e os
cidadãos, e que o mesmo é apenas um desdobramento das formas antigas
de dominação ou de manutenção de privilégios de alguns grupos sociais
sobre outros (SILVA; BATISTA, 2014, p. 28).
REFERÊNCIAS
ASAS do desejo. Direção: Wim Wenders. Golden Images, 1987. 128 min.
KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira: volume II: Império. Rio
de Janeiro: LeYa, 2016.
Arte/artesanato/artesania
A arte por outro lado, não depende de acabamento(s), veja bem, tanto no
sentido de “estar pronto”, quanto de polimento da obra, pois, para Córdula
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 191
(2013, p. 11), “a arte é vista hoje muito mais por seu conteúdo ético do que
estético”. O autor então aponta possíveis intersecções, mas faz do artesão
alguém que trabalha com uma produção concreta, ou pelo menos uma pro-
dução corpórea, expressa, palpável, manifesta.
O artesão é aquele que sabe fazer, o artista aquele que cria, inventa, con-
cebe. Um depende do outro no momento em que a criação necessita de
realização física, a presença de uma obra de arte de pintura, por exemplo,
somente é possível se o artista utilizar o artesanato da pintura para dar à
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luz seus sentimentos. Em todo artista que trabalha com as mãos existe um
artesão (CÓRDULA, 2013, p. 11).
voltado para o ensino da arte, ele é bem mais literal quanto a transferência de
conceitos, não sei se seria diferente se fosse para o ensino em geral), apresenta
o conceito de intraestética para a apreciação de estéticas artesanais e subversão
dos padrões eurocêntricos, focando especialmente a cestaria guarani e defende
que a ideia de que “entre um e outro fenômeno existem múltiplos graus de
diferença, mas também de afinidade: o artesanato é parte do universo da arte,
uma forma de arte” (FRADE, 2006, p. 43). E na minha pesquisa e na minha
escrita foi tomada essa perspectiva.
amor e aperfeiçoamento com a minha prática, seja ela no ateliê, seja na escola,
com todos os meus papéis. Utilizo minhas habilidades concomitantemente.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Carla; IMMIANOVSKY, Charles. PEBA: a arte e a pesquisa
em educação. Reflexão e Ação, v. 25, n. 3, p. 221-236, 2017.
desenhança é um
TRAMPOLIM
um salto: um traço
que desenha um horizonte outro. para fora, para além das utilidades capi-
talistas. um desvio: uma prática contra-hegemônica. um redemoinho a
tontear e despentear lógicas neoliberais. para as certezas esgarçadas: um
verso, o avesso. uma potência que dança a vida e celebra o corpo como
disparador de novos mundos. uma experiência forjada na práxis artística
de uma pedagogia inconformada e na imaginação como força política na
construção do comum, a inaugurar outros modos de (con)viver, (co)mover,
(co)habitar, (co)criar a existência. a dança, o de-senho: um saber do vivo.
Virna Bemvenuto
palavra
DESENHANÇA
aquilo que nos atravessa, nos toca (LARROSA, 2002) nos lança ao “sagrado
risco do acaso” (LISPECTOR, 2014), literalmente: quando desenhançamos
não há um lugar específico a chegar. O risco que marca o papel pelo movi-
mento do corpo no espaço nos conduz a variáveis descobertas sobre nossas
potencialidades expressivas. O risco de entregar-se ao desconhecido da folha
em branco, ao espaço vazio, àquilo que está prestes mas não pronto, ao inaca-
bamento para, enfim, reconhecer-se nos rastros, nas marcas dos traços riscados
e descobrir que no risco reside o encontro. No acontecimento, o acaso: aquilo
que nos escapa ao controle nos lança à presença e, na presença, se abre um
Numa noite sonhei que me perguntava “onde está a dança?” e outra voz
de mim mesma dava essa resposta, enquanto dançava com as cober-
tas da cama:
– O n d e e s t á a d a n ç a?
–A dança acontece no silêncio
e n t r e u m m o v i m e n t o e o u t r o.
Eu danço mais quando não faço nada. Eu danço mais quando faço menos.
Eu danço mais quando não tenho a intenção de dançar.
Eu danço mais quando não sei pra onde ir.
Não-saber me permite ver o movimento que está acontecendo agora: Em
nem um milésimo de segundo as coisas param.
O universo inteiro é movimento. Num ritmo constante de caos e organi-
zação, equilíbrio e desequilíbrio, de um jeito que o equilíbrio é um ponto
de passagem.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 201
Virna Bemvenuto
(D E S) E D U C A Ç Ã O D E S E N H A N Ç A
por uma pedagogia que conduza
para a experiência
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 203
E para a pessoa educadora? Como ela se sente? Como ela tem se sentido?
204
Bom... deixo essas reflexões por aqui e espero que elas possam reverberar
de alguma maneira.
FLUXO EM DESENHANÇA
pensamentos de um projeto de
dança & desenho
Criança é corpo,
impulso,
movimento,
curiosidade,
experimento,
caminhos,
errar e acertar,
cheirar, mexer, olhar, tocar, ouvir, saborear o mundo,
é corrida, pulo, rolar no chão, brincar de ser bicho.
Criança é estar aqui-agora.
1 Quando falamos na palavra experiência não tem como não lembrar de Jorge Larrosa. Há um texto lindo que
ele escreveu acerca do significado desta palavra. Vale a pena ler!
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio
de Janeiro, n. 19, jan./abr. 2002.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 205
aula, Olívia chegou a esta ideia. Esse pensamento a partir da experiência nutre
uma pedagogia da alegria, pois o convite é que os participantes experimen-
tem as possibilidades corporais e cheguem a suas próprias conclusões sobre
o que é desenhar ou dançar. O objetivo da Desenhança não é que se aprenda
a dançar ou desenhar, mas que a partir da experiência a pessoa volte para a
casa com os olhos nutridos de cores e com o corpo pulsando de sensações.
Na Desenhança o planejamento é por fluxo3. As proposições são elabo-
radas acolhendo as especificidades de cada grupo, uma aula pensada cuida-
dosamente para aquele dia com aquele grupo. Mas quando começa a aula,
entramos em contato e o planejamento está sujeito a mudanças de forma e
caminhos. Primeiramente, é importante nos colocarmos num lugar de escuta.
Ouvir o que as crianças trazem, o que o encontro traz, o que o presente traz.
As aulas mais medíocres são as que acontecem exatamente como se havia pla-
nejado e, por isso, não abrem espaço para as surpresas que as crianças trazem,
àquilo que não se pode prever, imaginar ou planejar. O acaso e o improviso
também fazem Desenhança. É uma ginga que se aprende gingando, aquilo
que o próprio movimento traz.
As crianças chegam na aula cheias de bagagens do seu mundo: curiosi-
dades, imaginação, ideias – isso é um presente para o educador. Cabe a nós
abrir os sentidos para ver, ouvir, sentir e reconhecer esses presentes. A partir
daí que a gente dá espaço para o sublime4 acontecer:
2 É preciso contextualizar a palavra “inútil”: aqui, se refere ao sentido de ser livre de utilidade do mundo comum,
prático, capitalista. Tem o livro A Utilidade do Inútil é muito bom de ler e vai ajudar você a entender melhor
este conceito. ORDINE, Nuccio. A Utilidade do Inútil. Editora Zahar, 2016.
3 Planejamento por fluxo é conceito que ouvi pela primeira vez do mestre budista Lama Padma Samten, ao
dar instruções aos professores da Escola Caminho do Meio, em Viamão, RS, em 2009.
4 O sublime não dá pra explicar direito ou nomear. O sublime pode ser aquele momento presente de uma
descoberta, aquele momento em que estão todos vibrando em algo criado juntos, ou um momento de um
silêncio confortável compartilhado. Pode ser uma dilatação do tempo, estar com os pés fora do chão. Um
instante de suspensão de nossa realidade cotidiana. Há um texto muito bonito sobre o sublime acerca da
experiência da arte-educadora Anne Marie Holm em oficinas de arte com bebês que está no Livro Baby
Art. Anna Marie. Baby Art. São Paulo: MAM Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2007. p. 14.
206
O sublime não tem como ser planejado, ele acontece. É tão bom quando
a gente sai desse lugar de cumpridor de tarefas, controlador de planejamento
e o único responsável pelo “sucesso” da aula, e passamos a nos colocar numa
posição de estar junto com as crianças, de viver com elas uma experiência,
5 Em 1968, a artista Lygia Clark falava que o artista é um propositor de experiências: MILLIET, Maria Alice.
Lygia Clark – Obra e Trajeto. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992. p. 155.
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 207
A r t e: n ã o t e r l u g a r a l g u m a c h e g a r
definem as coisas por medo do mistério, por medo daquilo que não sabem.
E, assim, vão atrapalhando a experiência, estragando a experiência. É pre-
ciso olhar a arte como as crianças olham. Elas não veem os limites entre as
linguagens, esses muros que os adultos teimam em dividir a arte. Porque
criança é pura experimentação corporal. Se dança, desenha, atua, ou brinca,
não importa. Ela se move, ela experimenta.
Kevin me chamou pra ir pra rua e disse: “Olha só todo esse oxigênio,
é todo nosso! Kevin brinca com o oxigênio ao pegá-lo com as mãos e
208
soltá-lo, e ao dançar com ele. Esse brincar com o nada é muito artístico,
muito performático. A arte está nas axilas das crianças6, atrás das suas
orelhas e nas unhas, onde ficam os restos de terra e sujeira de brincar. E
o que o adulto faz com isso? Muitas vezes, joga fora. Esse pensamento
adulto está acostumado em interromper a criança no seu processo e assim
acaba desvalorizando a poesia da criança. Todo dia vejo alguma criança
fazendo algo muito legal e algum adulto dizendo “Não é hora disso!
Não temos tempo. Não é pra se sujar. Agora não... E blá blá blá...” Da
minha infância o que ficou de afeto é tudo de artístico, criativo, lúdico,
divertido, sublime. Era o que mais me fazia sentido, e o que me afeta até
Guadalupe Rausch
Virna Bemvenuto
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 209
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais. São Paulo: Verus Edi-
tora, 2005.
DERDYK, Edith. Disegno. Desenho. Desígno. São Paulo: Editora Senac São
Paulo, 2007.
HOLM, Anna Marie. Baby Art. São Paulo: MAM Museu de Arte Moderna
de São Paulo, 2007.
MILLIET, Maria Alice. Lygia Clark – obra e trajeto. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1992. p. 155.
C
Cidades 11, 15, 32, 101, 107, 108, 109, 127, 128, 131, 133, 135, 136, 137,
138, 140, 173, 182
Comunidades 7, 12, 46, 49, 50, 56, 87, 91, 93, 95, 110, 122, 140, 161, 174,
178, 182, 190
Corpo 15, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25, 26, 29, 30, 31, 41, 45, 47, 58, 59, 61,
62, 64, 65, 66, 71, 78, 79, 80, 81, 84, 90, 91, 92, 93, 96, 102, 104, 105, 112,
114, 116, 117, 122, 124, 137, 143, 160, 166, 167, 169, 193, 194, 197, 198,
199, 200, 201, 202, 204, 205, 206, 208, 209
Corpos 19, 23, 24, 33, 34, 39, 41, 44, 45, 48, 62, 90, 92, 93, 94, 96, 100,
113, 114, 117, 118, 120, 121, 123, 128, 129, 131, 133, 135, 136, 138, 141,
153, 163, 165, 199
Corresponsabilidade 93
Covid-19 11, 48, 50, 118, 145, 146, 150, 153
Crítica 32, 35, 53, 55, 56, 57, 59, 60, 61, 63, 64, 65, 66, 67, 84, 105, 157,
158, 159, 162, 167, 168, 169
D
Dança 80, 84, 104, 139, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 207
Desenho 22, 197, 198, 199, 201, 202, 207, 208, 209
Devir 29, 50, 88, 90, 91, 201, 204, 205
Docência 95, 96, 187, 189, 190, 191, 192, 193, 195, 196
E
Ecossistemas 99, 100, 101, 102, 105, 106, 108
Encontros 12, 17, 43, 91, 92, 105, 110, 120, 128, 134, 147, 148, 149, 150,
151, 154, 182, 183, 187, 188
Eros 87, 88, 89, 92, 95, 96, 97, 167
212
Escola 30, 52, 66, 87, 89, 94, 97, 113, 115, 116, 117, 120, 123, 151, 158, 159,
187, 194, 195, 196, 201, 204, 205
Espaços 21, 33, 62, 64, 90, 93, 109, 110, 113, 114, 119, 127, 129, 130, 134,
135, 136, 139, 142, 148, 150
Estrangeiridade 173, 174, 178, 186
Estudo 11, 20, 71, 87, 89, 116, 118, 134, 184
H
Heterotopias 127, 128, 131, 133, 134, 135, 142, 143, 209
Heterotopias urbanas 127
História 7, 12, 13, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 32,
34, 48, 49, 50, 53, 57, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 68, 84, 108, 112, 113, 115, 118,
122, 132, 140, 142, 145, 149, 151, 155, 157, 160, 161, 162, 164, 169, 170,
179, 184, 185, 186, 194, 208, 209
Horizontes 11, 12, 13, 15, 17, 18, 19, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 40, 41, 46,
50, 51, 52, 53, 55, 57, 59, 61, 68, 94, 97, 99, 100, 101, 103, 104, 105, 106,
107, 110, 111, 120, 122, 140, 155, 168, 169, 170, 197, 199
I
Idealizações 175
Imaginários socioafetivos 107
Infâncias 97, 127, 131, 133, 134, 142, 143
J
Jogo 23, 29, 57, 58, 61, 71, 72, 73, 74, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 95, 102, 104,
127, 132, 150, 163, 166, 168
L
Logos 87, 89, 92, 95, 96
Ludicidades 131, 133, 135
Luta antifascista 29, 33
HORIZONTES COLETIVOS: experiência urbana e construção do comum 213
M
MO-AND 71, 72, 73, 77, 78, 81, 82, 83
Modulação algorítmica 40, 41, 45
Mortos 19, 24, 25, 26, 35, 39, 40, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 170
P
Pandemia 11, 48, 50, 53, 101, 102, 109, 110, 116, 145, 146, 147, 148, 153,
154, 182, 185
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R
Reciprocidades 93
Regimes 91, 92, 134, 165, 174, 199
Restos 17, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 48, 50, 99, 127, 130, 160, 171, 178, 208
Ruína 17, 18, 22, 23, 24, 26, 145
S
Signos 62, 91, 92, 100
Sonho 17, 50, 57, 59, 60, 61, 64, 65, 66, 68, 107, 119, 122, 167
T
Tempo 11, 12, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 27, 29, 30, 31, 32, 35, 40, 41, 46, 47,
48, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 65, 73, 77, 78, 79, 81, 84, 87, 89, 90, 94, 102,
106, 107, 110, 113, 118, 119, 120, 121, 123, 130, 131, 132, 134, 139, 142,
145, 146, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 162, 163, 168, 170, 174, 176, 179,
181, 184, 190, 195, 201, 203, 205, 206, 207, 208
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SOBRE OS AUTORES
Rodrigo Lages e Silva
Professor na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFRGS e coordenador do grupo de pesquisa INOMINAAR.
lagesesilva@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2813551873384105
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Christian Sade
Professor do departamento de Psicologia do Instituto de humanidades e saúde
da UFF e integrante do grupo de pesquisa Enativos: produção de conheci-
mento e cuidado.
c.sade@id.uff.br
http://lattes.cnpq.br/1642021411252076
Natália Pagot
Mestranda em Educação e Licenciada em Ciências Biológica na UFRGS.
Foi integrante do Coletivo Poetas Vivos por 4 anos. Poeta, Arte Educadora
apaixonada pela poesia e o slam, uma mulher em eterna metamorfose.
nataliapagot@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/8845633094673174
bemvenutovirna@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/8659046540077863
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SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5/11,5/13/16/18
Arial 8/8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)