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FICHA CATALOGRÁFICA

João Clemente de Souza Neto


Yára Schramm
A CONSAGRAÇÃO SECULAR EM TEMPOS DE SOCIEDADE LÍQUIDA
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2020

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Diagramadores e Designers CRV
Revisão: Analista de Línguas CRV

SO719
Souza Neto, João Clemente de.
A consagração secular em tempos de sociedade líquida / João Clemente de Souza Neto, Yára Schramm – Curitiba : CRV, 2020.
202 p.
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-5868-165-6
ISBN Físico 978-65-5868-167-0
DOI 10.24824/978655868167.0
1.Eclesiologia 2. Institutos Seculares – Consagração secular 3. Secularidade I. Schramm, Yára II. Título III. Série.
CDU 246/247 CDD 262
Índice para catálogo sistemático
1. Eclesiologia 262
2020
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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Volnei Garrafa (UNESP)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.

LISTA DE SIGLAS

AA - Decreto Apostolicam Actuositatem, Vaticano II, 1965.


AG - Decreto Ad Gentes, Vaticano II, Paulo VI, 1965.
AL - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Lætitia, Papa
Francisco, 2016.
CD - Decreto Christus Dominus, Vaticano II, 1965.
CIC - Código de Direito Canônico.
CIgC - Catecismo da Igreja Católica.
CMIS - Conferência Mundial dos Institutos Seculares
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
CNISB - Conferência Nacional dos Institutos Seculares do Brasil.
CDSI - Compêndio de Doutrina Social da Igreja, Pontificio Conselho “Justica e Paz”, João Paulo II, 2004.
CfL - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles Laici, João Paulo II, 1988.
CS - Carta Consagração e Secularidade. A Revolução da Provida Mater Ecclesia, Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, 2017.
DAp - Documento de Aparecida. V Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano e do Caribe, 2007.
DGAE - Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no
Brasil, CNBB.
DM - Documento de Medellín. II Conferência Geral do Episcopado Latino- Americano, 1968.
DRJ - Documento do Rio de Janeiro. I Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, 1955.
DP - Documento de Puebla. III Conferência Geral do Episcopado Latino- Americano, 1979.
DV - Constituição Dogmática Dei Verbum, Vaticano II, 1965.
EG - Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Papa Francisco, 2013.
EN - Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, Paulo VI, 1975.
ES - Encíclica Ecclesiam suam, Paulo VI, 1964.
GeE - Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, Papa Francisco, 2018.
GS - Constituição Pastoral Gaudium et Spes, Vaticano II, 1965.
NMI - Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, no Termo do Grande Jubileu do Ano 2000, João Paulo II, 2001.
PC - Decreto Perfectae Caritatis, sobre a Renovação da Vida Religiosa,
Vaticano II, 1965.
PME - Constituição Apostólica Provida Mater Ecclesia, Pio XII, 1947.
PP - Encíclica Populorum Progressio, Sobre o desenvolvimento dos povos, Paulo VI, 1967.
QA - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia, Papa
Francisco, 2020.
RC - Exortação Apostólica Redemptoris Custos, Sobre a figura e a missão de São José na vida de Cristo e da Igreja, João Paulo II, 1994.
RN - Carta Encíclica Rerum Novarum sobre a Condição dos Operários, Papa Leão XIII, 1891.
DSD - Documento de Santo Domingo, IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, 1992.
UADC - Encíclica Ubi Arcano Dei Consilio, Papa Pio XI, 1922.
VC - Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata, João Paulo II, 1996.

APRESENTAÇÃO

Como viver e testemunhar as bem-aventuranças do evangelho, numa sociedade em que tudo parece se dissolver e escapar por entre os dedos? De que forma é possível estabelecer
um diálogo entre o evangelho e o mundo, a Igreja e a sociedade? A consagração secular seria ainda uma das respostas a essas perguntas? Em que medida essas mudanças afetam a
vida, a identidade e a missão dos consagrados seculares? Essas questões nos acompanham há várias décadas, especialmente diante da perplexidade que as
múltiplas transformações sociais, econômicas, culturais e religiosas provocam. Cada uma dessas indagações só pode ser respondida numa interdependência entre a Palavra de
Deus, a tradição da Igreja e a vida cotidiana. Esta triangulação produz, a cada momento, uma novidade que vem dos reclamos do Espírito e da vida.
Com essa preocupação, procuramos reunir neste livro os resultados de pesquisas e reflexões elaboradas ao longo dos anos e em diferentes situações.Toda formação social é
constituída por uma constelação de fatores sociais, econômicos, políticos, religiosos e geopolíticos. Assim sendo, ao nos colocarmos em um lugar social ou num território que
desejamos transformar e não destruir, buscamos mobilizar um conjunto de energias subjetivas e objetivas que nos levam a optar por um estilo de vida. Geralmente, essa escolha
traz em si uma concepção mobilizadora da vida individual e coletiva.
Concebemos a vocação à consagração secular como um estilo de vida conectado com a vontade do Pai, as orientações da Igreja, as opções pessoais e a dinâmica dos lugares
em que se vive, mora e trabalha. Há, contudo, uma singularidade, no modo pelo qual cada indivíduo e grupo sintetizam esse estilo de vida, dele se apropriam, como assimilam e
colocam em prática o seu conteúdo. A experiência de cada batizado, de cada consagrado secular, enraizada no seguimento de Cristo e na fidelidade às orientações da Igreja,
recoloca a novidade do evangelho no cotidiano e na história.
Na nossa percepção, não dispomos ainda de um acervo metodológico, jurídico, sociológico e teórico para dar conta da revolução que a consagração secular provocou no
mundo, na Igreja e no caminho da santidade. Parece evidente que os documentos canônicos e as orientações da Igreja trazem um contorno essencial desta vocação. Entretanto,
ainda não conseguiram solucionar certas ambiguidades e confusões no campo da teoria e da prática. Essas questões escapam ao objetivo deste livro e à intencionalidade
dos autores.
Reforçamos que o material aqui reunido é resultado de pesquisas, de convivência, de experiências na formação de consagrados seculares. Aqui, há um pouco de tudo isso,
numa linha colaborativa de quem está sempre aprendendo. Não se trata, portanto, de uma axiologia, nem de um conjunto de verdades inquestionáveis sobre a vida consagrada
secular. Apesar das pesquisas bibliográficas, este livro apresenta um olhar e uma percepção da consagração secular com base na convivência e experiência dos autores. Não tem a
intenção de ser um manual da vida consagrada secular, mas apenas de chamar a atenção para alguns pontos que achamos essenciais. O que apresentamos são reflexões de quem
está a caminho, descobrindo, pensando e problematizando. Acreditamos que estamos frente a um projeto em construção, e cada vez que nos encontramos com alguém ou vivemos
uma determinada situação, vamos aprofundando e descobrindo o mistério desta vocação.
Alimentam nossas reflexões a Sagrada Escritura, a caminhada e documentos da Igreja, a bibliografia sobre o assunto, os contatos de cada dia e as ricas experiências de
testemunho cristão no mundo, sobretudo nos espaços em que a vida acontece. Nelas ecoam as promessas de Jesus: – “Façam como eu fiz” (João 13, 15), ou a orientação de Maria:
– “Façam tudo o que ele mandar” (João 2, 5). Tanto numa quanto noutra orientação, encontramos o caminho para viver plenamente a consagração secular. Paulo, Pedro, João,
Estêvão e outros oferecem em seu testemunho uma orientação segura sobre o modo de viver no mundo e estar intimamente ligados a Deus: – “Buscai as coisas do alto”
(Colossenses 3, 1).
O leitor poderá encontrar aqui textos já conhecidos, mas talvez com nova roupagem, com uma certa atualização. Um traço permanece fundamental – compreender o sentido
da consagração secular, dentro da história da humanidade e da Igreja. Enquanto não fizerem parte integrante da cultura e do agir eclesial e da sociedade, este tema será sempre
uma novidade.
Não excluímos aparentes repetições no decorrer do texto, porque acreditamos que são formas de colocar e recolocar uma mesma ideia em novo patamar. Tendem a permitir
ao leitor, ao pesquisador, ao estudante, ao consagrado e à consagrada secular..., uma experiência de reflexão e descoberta daquilo que é almejado, na intencionalidade dos autores
e na história dos Institutos Seculares. Algumas vezes, a aparência de repetição tem em vista compreender e fazer-se compreender, segundo uma dinâmica presente nos comentários
de Voltaire.
Neste livro, há um pouco do sonho dos Institutos Seculares e do testemunho de perfeição da caridade tal como deve ser vivida na consagração secular, aprovada em 1947 por
Pio XII e aprofundada por seus sucessores. Existe uma farta bibliografia e uma base de documentos sobre este tema. No Brasil, há várias publicações. Além disso, com o recurso à
Internet, conseguimos encontrar documentos e textos, artigos e teses sobre o assunto. Os sites da CMIS, Conferência Mundial dos Institutos Seculares, da CNISB, Conferência
Nacional dos Institutos Seculares do Brasil, da Santa Sé e da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica são caminhos seguros
de busca.
E continuamos a nos perguntar: – “Qual é o sentido das mudanças sociais? O que significa ser e viver a consagração secular numa sociedade líquida? Como mostrar para o
mundo o rosto misericordioso de Jesus? De que forma cada gesto e atitude do consagrado secular pode ajudar a descobrir a presença do Pai e apontar para ela? De que modo a
vida do consagrado pode contribuir para o kairós, para criar um tempo favorável de salvação? Como pode a palavra de Cristo ser ainda um acontecimento e não uma coisa amorfa
para o mundo? De que forma a inserção sociopolítica dos consagrados e consagradas seculares pode ajudar a Igreja a se manter reconhecida como uma comunidade moral dotada
de autoridade, com algo a dizer para o mundo?”
São questões que percorrem nossas reflexões e, para elas, não temos respostas únicas, apenas ponderações e problematizações, a par com uma certa convicção de que
devemos perscrutar a presença de Deus na história e em nossa caminhada cotidiana. É daí que brotam uma eclesiologia e uma sociologia para a vida.
Este livro tem aproximações e distanciamentos com artigos e livros já publicados. Mas acreditamos que traz uma singularidade. Buscamos sempre trazer à tona algumas
questões que ficaram perdidas, esquecidas ou abafadas nos debates. Três delas consideramos importantes, a saber, a construção de um lugar para o consagrado secular na Igreja, o
surgimento de uma nova eclesiologia e as dificuldades de aceitação e compreensão dessa vocação. Tudo isso coloca para os Institutos Seculares a necessidade de buscar
aprofundamento sobre sua vocação e de contribuir com a construção de uma eclesiologia e de uma sociologia que deem conta da realidade de hoje.
Parece-nos que uma das marcas dos Institutos Seculares foi sempre a de contribuir para uma revisão permanente da eclesiologia. Na busca de problematizar essas questões,
organizamos este livro em sete capítulos integrados, com certa autonomia um do outro.
O primeiro capítulo, Ecos dos Institutos Seculares na Igreja e no mundo, descreve a inserção sociopolítica dos consagrados seculares, seu campo de atuação e de
santificação. No segundo capítulo, Alguns apontamentos eclesiológicos e sociológicos, procuramos desenhar um panorama das relações entre os Institutos Seculares, a Igreja e o
mundo, à luz da mística da Encarnação. Nele, refletimos sobre a complexidade do mundo e a consagração secular na era digital. O terceiro capítulo, Nas pegadas da vida
consagrada, tem como foco a trajetória da vida consagrada, dos Padres do deserto à consagração secular, destacando que Deus está sempre presente na história da humanidade e
que o carisma da vida consagrada é um dos sinais dessa presença. No quarto capítulo, O florescer da vida consagrada secular, analisamos a aprovação, implantação e
desenvolvimento dos Institutos Seculares. Enfatizamos que os Institutos Seculares contribuíram para o surgimento de uma eclesiologia que influenciou o Vaticano II. Entre os
desdobramentos da consagração secular, destacamos um novo jeito de santificação e de comunicação da Igreja com o mundo. O quinto capítulo, Os Institutos Seculares
nas Conferências Episcopais Latino-Americanas, situa a organicidade e a relação da Igreja com o Continente latino-americano. Descreve a situação, as ambiguidades e a
importância dos Institutos Seculares como estratégia de evangelização. O sexto capítulo, Transformações da sociedade e da Igreja no Brasil, apresenta os conflitos e tensões
suscitados pelas mudanças sociais e políticas, num cenário em que a Igreja se organiza para enfrentar as consequências do processo de modernização do Estado brasileiro. Neste
contexto, ganha força a caminhada dos leigos e dos Institutos Seculares. Finalmente, no capítulo sete, Consagração secular, mundo líquido e missão, procuramos apresentar uma
síntese dos desafios para a consagração secular hoje, passados mais de setenta anos de sua aprovação.
No decorrer do livro, enfatizamos as alegrias e ambiguidades da consagração secular dentro da tradição da Igreja e na dinâmica de um novo processo civilizatório. Em
síntese, nossa preocupação foi a de fazer uma leitura sociológica da vida consagrada secular, procurando salvaguardar os aspectos eclesiológicos, teológicos e canônicos.
Esperamos que este texto possa contribuir para o caminhar de consagrados e consagradas seculares.
Aproveitamos a oportunidade para agradecer ao Espírito Santo, por ter oferecido à Igreja essa tão bela vocação, ao Instituto Catequético Secular São José e a todos os
consagrados e consagradas seculares do Brasil, especialmente àqueles com os quais partilhamos a fundação da Conferência Nacional dos Institutos Seculares. Este livro contém,
de um jeito ou de outro, um pouco da história de todas essas pessoas e instituições.
Boa leitura e estudo a todos.

1. ECOS DOS INSTITUTOS SECULARES NA IGREJA E NO MUNDO

Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo. Mas, como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo (João 17, 16.18).

Não somos do mundo, mas estamos no mundo. O campo próprio de nossa missão de fazer o evangelho ressoar está nos diferentes espaços do cotidiano. No sentir do nosso
povo, esta “presença está indissoluvelmente unida à presença da Igreja, porque é pela Igreja que o evangelho de Cristo ressoou em nossas terras” (DP, n. 221).
O reconhecimento dos Institutos Seculares em 1947 foi um gesto revolucionário da Igreja. Ocorreu após uma longa caminhada movida pela ação do Espírito Santo. A
aprovação da Igreja respondeu à expectativa de diversos grupos e pessoas que desejavam consagrar-se a Deus, mas sem deixar o mundo, para nele testemunhar o Reino de Deus
(cf. CS). Com efeito, o mistério da encarnação, pelo qual “Deus tanto amou o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigênito” (João 3, 16), torna a inserção dos membros
dos Institutos Seculares nas contingências humanas um lugar teológico e sociológico.1 A consagração secular é uma forma de entrar em sintonia com o mundo, mas sem perder a
identidade de discípulos e discípulas.
Deus sempre criou meios de se comunicar com a humanidade e com todas as suas criaturas. No decorrer da história da salvação, desde os passeios divinos pelos jardins do
paraíso terrestre (cf. Gênesis 3), vem ao encontro de homens e mulheres para estabelecer com eles a comunhão e o diálogo. O Senhor falou pelos patriarcas, pelos profetas e, no
tempo determinado, enviou seu Filho para falar em seu próprio nome (cf. João 12, 49 e 14, 10; Lucas 9, 34-37). Para melhor se comunicar, “enviou aos nossos corações o Espírito
de seu Filho, que clama: – Aba, Pai” (Gálatas 4, 4).
Na sequência desses acontecimentos, desde o início, a Igreja continua sua missão de restabelecer a comunhão e de estreitar o diálogo entre Deus e a humanidade (cf. DP, n.
188). Entretanto, a Igreja não é ainda plenamente sinal do Reino de Deus (cf. DP, n. 227), realidade para a qual foi chamada. “Ainda não é aquilo que está chamada a ser” (DP, n.
231), mas busca continuamente se aperfeiçoar na santidade, para ter condições de realizar sua vocação. Ao longo da história, ela sempre procurou responder a questões como: –
“O que diz o evangelho para os homens e mulheres de hoje? Como fazer desabrochar o evangelho nas diferentes culturas? Quem é aquele que espera o anúncio da Palavra de
Deus?” (DP, n. 341).

Qual é a humanidade que está diante de vós? Pessoas que perderam a fé ou que vivem como se Deus não existisse, jovens sem valores e ideais, famílias desagregadas,
desempregados, idosos sozinhos, imigrantes... Quantos rostos cruzais pelas ruas, indo para o trabalho, ou ao supermercado! Quantas ocasiões tendes vós para dar
conforto, encorajar, dar esperança, levar consolação! É esta a vida no mundo [...] que constitui a secularidade, a nota comum a todos os Institutos seculares, mas que é
vivida de diferentes maneiras nos diversos Institutos [...].2

As ideologias emergentes nos dois últimos séculos contribuem para a banalização da vida e do mal, para o rompimento das fronteiras da boa nova e da má notícia.
Ideologias com raízes no secularismo, que buscam apresentar a história sem Deus, ganham cada vez mais força no Ocidente. Enquanto a secularização define e valoriza a
autonomia do secular como justa e desejável (cf. GS, n. 36), o secularismo abre campo à ideia de que Deus é supérfluo, descartável e um entrave para a felicidade.
No século XX, a Igreja enfrentou o desafio de viver num contexto de embate entre a cultura secular – constituída por um conjunto de valores que interagem com o evangelho
– e um secularismo que nega a essência do evangelho e, poderíamos mesmo dizer, mais alinhado com o mal. Esta cosmovisão leva à emergência de novas formas de ateísmo
prático e militante, faz crescer o consumismo, o prazer como o maior dos valores, o desejo de poder e dominação, e diferentes formas de discriminação (cf. DP, n. 434-435). É
uma perspectiva que mutila o coração do evangelho (cf. GeE, n. 100-102), contamina e destrói os laços humanos e a natureza, esvazia e esgarça as relações sociais.
As gramáticas do mundo contemporâneo se confundem no imaginário e no agir das pessoas. O parecer começa a ocupar o espaço do ser, o importante já não é o ser, é o
parecer ser, o parecer ter, o parecer testemunhar. Esta é a dinâmica dos falsos profetas, dos pseudointelectuais e cientistas (cf. 2 Pedro 2; 1 Timóteo 6, 3-5; Romanos 16, 17-182;
Timóteo 4, 3-4).
Talvez se possa caracterizar o século XXI por um conjunto de ideologias que constituem uma nova forma de praticar a idolatria. Por meio dessas ideologias, o mundanismo
espiritual, com aparência de religiosidade e de amor à Igreja, escamoteia a maldade e deturpa os ecos do evangelho (cf. EG, n. 93). Esse espírito ganha vitalidade na cultura do
descartável, própria da sociedade líquida em que vivemos, a qual, contudo, é o locus no qual consagrados e consagradas seculares buscam crescer na santidade e trabalhar pela
salvação e pela conversão das pessoas e estruturas.
Na tentativa de melhor interagir com o mundo e fazer o evangelho ecoar com mais força, é que a consagração secular ganhou estatuto jurídico no século XX. Atualmente,
esta vocação se torna fascinante, porque se realiza em espaços de tensões (cf. CS, n. 2, p. 7).

O Espírito suscitou em nossos dias este novo modo de vida consagrada, representado pelos institutos seculares, para ajudar, de certa forma por meio deles, a resolver a
tensão entre a abertura real aos valores do mundo moderno (autêntica secularização cristã) e a plena e profunda entrega de coração a Deus (espírito da consagração). Ao
situarem-se em pleno foco do conflito, tais institutos podem significar uma valiosa contribuição pastoral para o futuro e ajudar a abrir novos caminhos de validade geral
para o povo de Deus (DP, n. 775).

O que nos inspira a retomar o tema dos Institutos Seculares é a convicção de que a presença de consagrados e consagradas seculares no mundo pode ser uma estratégia
importante para evangelizar a cidade e as culturas. Estratégia, enquanto um conjunto de condições que podem favorecer a realização da evangelização, razão de ser da Igreja.
Os Institutos Seculares nasceram juridicamente em 1947, para viver a consagração e exercer plenamente o apostolado no mundo e a partir do mundo. Comportam, portanto,
uma vocação que faz uma síntese entre duas dimensões inseparáveis, a secularidade e a consagração. Tentar suprimir uma dessas dimensões seria comprometer a identidade
da consagração secular e empobrecer o seu carisma (cf. CS, p. 11).
O fortalecimento da vocação à consagração secular está ligado ao desenvolvimento do mundo do trabalho, no momento em que novas profissões ganharam status sociais e
criaram uma organização própria, por meio de sindicatos e associações. Já no final do século XIX, em 1891, na Carta Encíclica Rerum Novarum, sobre a Condição dos Operários,
o Papa Leão XIII procurou compreender a nova realidade e fez um apelo à Igreja para estar presente no mundo do trabalho. Atualmente, o Papa Francisco aprofunda essas
questões, em suas reflexões e exortações pastorais para uma Igreja “em saída”, presente nos espaços onde a vida acontece (cf. EG, n. 20).

Estar dentro do mundo não é só uma condição sociológica, mas uma realidade teológica que vos permite estar atentos, ver, ouvir, compadecer-vos, alegrar-vos juntos,
intuir as necessidades.3

De um ou de outro jeito, os documentos do Magistério descrevem a condição sociológica e teológica da consagração secular, como enfatiza o Papa Francisco. Eis aí a
essência da consagração secular, o sentido próprio do anunciar e do agir simultaneamente no mundo, ouvindo a Palavra de Deus e olhando para os grandes dramas humanos.

1.1. Nas condições comuns de cada dia

O consagrado, a consagrada secular, sofrem, às vezes, a tentação de se isolar e procurar um lugar mais seguro. Mas sua missão consiste em manter uma presença
transformadora no mundo. É uma vocação que busca romper com a lógica da dicotomia entre profano e sagrado. A vida transita entre múltiplos espaços, e isto gera nos
consagrados uma atitude contemplativa do mundo, sem perder a confiança em Deus. “Certamente é difícil, é um caminho que inclui a Cruz, mas o Senhor deseja percorrê-lo
convosco” (CS, n. 2, p. 7).
O reconhecimento canônico da consagração secular como estado de perfeição implica viver “nas condições comuns do mundo, sozinhos, na própria família, ou em grupos de
vida fraterna, o que não é o mesmo que vida comunitária, de acordo com as constituições do seu Instituto” (Cânone 714). Neste caminho, é preciso estar continuamente atentos aos
acontecimentos e neles perceber o mistério de Deus, pois Deus está sempre presente. Por essa razão, a atitude do consagrado secular deve ser de oração, discernimento, partilha,
encorajamento e empatia. Por esse aspecto, consagrados seculares são homens e mulheres de ação e oração.
Uma vez que permanecem na condição de leigos, os consagrados e consagradas seculares estão presentes nas mais variadas realidades sociais, para nelas testemunhar o amor
misericordioso do Pai e a visão do ser humano pela ótica da fé.

Eles expressam e exercem sua consagração na atividade apostólica e se esforçam para impregnar tudo com o espírito evangélico, a modo de fermento, e assim
contribuir para o fortalecimento e o crescimento do Corpo de Cristo (Cânone 713, 1).

No mosaico da vida consagrada, os Institutos Seculares ganham contornos e coloridos que deixam a vocação cada vez mais clara e consistente. Esta vocação é resultado de
um encontro profundo de Deus com a humanidade, fruto e consequência da Encarnação. É Deus em busca de homens e mulheres para resgatar a comunhão. Os consagrados
seculares veem o mundo como um grande jardim, com belezas e ataques de insetos e outros males. Foi assim que Deus olhou para o mundo, diríamos de forma poética.
Hoje, consagrados e consagradas seculares passeiam pelo jardim, em nome da Trindade, para perguntar onde está a humanidade e ajudar a refletir e a refazer o caminho de
volta ao Pai (cf. Gênesis 3). Em seu modo peculiar de anunciar e testemunhar na vida cotidiana a salvação realizada pelo Filho de Deus, contribuem para tornar mais rico e
fecundo o testemunho cristão e ajudam as comunidades a assumir a responsabilidade de iluminar e ordenar todas as coisas segundo o espírito de Cristo. A Palavra de Deus é viva e
eficaz (Hebreus 4, 12). Cada vez que a Palavra e a realidade humana se tocam, o Espírito suscita novas respostas. Por meio do testemunho de vida, da fidelidade à consagração, do
zelo nas tarefas seculares, do compromisso em impregnar o evangelho no mundo e da cooperação no serviço à comunidade eclesial, participam da missão da Igreja de evangelizar
a complexa realidade social (cf. Cânone ■■■, ■).
A possibilidade da consagração total ao Senhor na vida secular, embora tenha se consolidado somente no final do segundo milênio da caminhada da Igreja, parece ser uma
resposta do Pai ao pedido que Jesus lhe fez, no limiar das torturas da Paixão: – “Não te peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (João 17, 15). Na oração sacerdotal,
Jesus também deu à Igreja uma orientação sobre a caminhada dos discípulos: – “Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo. Mas, como tu me enviaste ao mundo, eu
também os enviei ao mundo” (João 17, 16.18).
O grande desafio para os cristãos e, logo, para os consagrados seculares, é descobrir, no cotidiano do mundo atual, como seguir os passos, as práticas e o caminhar de Jesus
pelas sendas da caridade e da missão. Enfim, é estar a serviço do anúncio e do crescimento do Reino, como

colaboradores de Deus no mundo da ciência, da arte, do pensamento, do progresso, das estruturas sociais e técnicas, econômicas e culturais, nos empenhos civis de toda
ordem: na casa, na escola, nas fábricas, nos campos, nos hospitais, nos quartéis, nos cargos públicos, nas obras assistenciais, em todo o imenso e comprometedor
panorama do mundo. [...] chamados a ver e a reconhecer em si mesmos, e em tudo quanto os circunda, algo de misterioso e de divino que os eleve a Deus através dos
elementos da natureza [...].4

Pelo caminho pedagógico da história, Deus pode nos conduzir a formas admiráveis de comunicação e de comunhão. A consagração secular prolonga o processo pedagógico
e comunicativo que percorre o interior da Trindade, do mesmo modo como, em Jesus, Deus se torna o “Deus conosco”, um Deus próximo, identificado com o ser humano. Somos
chamados a dar continuidade a esse movimento do Senhor.
Acrescentamos, neste ponto, a premência da presença dos consagrados e consagradas seculares na cultura digital e nas novas mídias. Esta cultura cria novas formas de
encontro e desencontro com o outro. Cabe aos consagrados e consagradas seculares olhar para o evangelho e para essa cultura, pela perspectiva de encontrar os valores da vida e
as manifestações de Deus. Este é um novo campo da missão (cf. EG, n. 68-69; 73. 78-79). É mais do que aprender a utilizar ferramentas digitais. É um jeito de ser, uma nova
cultura, uma nova forma de encontro.
Viver a consagração secular é um jeito de comunicar a novidade de Cristo a todas as pessoas e transformar as estruturas sociais, de acordo com o evangelho. Cristo é sempre
uma notícia atual e verdadeira para o mundo. É o Deus que se fez homem. Nosso povo latino-americano tem sede de felicidade. Evangelizar é apresentar Cristo como a fonte
dessa felicidade (cf. DAp., n. 348-350).
Os Institutos Seculares se reconhecem como instrumentos e servos, na condição de peregrinos. Na integração com o social, sentem-se chamados a promover a dignidade
humana, a educar para a contemplação, a formação da personalidade e a religiosidade, com o maior respeito às diferenças pessoais e culturais, raças, tipos de hábitos ou costumes.
Essa vida, eles a realizam num esforço diário para encontrar a linguagem adequada a um testemunho que ajude a restaurar a vida e a fé, num mundo que se debate na escuridão e
solidão pela falta da luz da Palavra de Deus (cf. GS, n. 57-58).
As novas formas de vida e cultivo dos bens da natureza estão em constante transformação e isto abre caminhos para o desenvolvimento da ciência e das formas de
convivência (cf. GS, n. 54-55). Talvez um dos maiores sinais de preocupação do povo latino sejam as constantes formas de agressão à vida, especialmente contra mulheres,
crianças, afrodescendentes e indígenas. Há necessidade de se formular uma cultura ética que possa reduzir a cultura da corrupção e do relativismo.
Nesse cenário, o testemunho dos Institutos de consagração secular tende a se aprofundar e dilatar, à medida que seus membros abrirem espaço para que a Palavra de Deus
faça eco em suas vidas e nos acontecimentos de cada dia, como luz e espelho da salvação em Cristo. A interiorização da fé, a participação na vida da Igreja e as tarefas seculares, à
luz da Palavra de Jesus, ajudam a descobrir como viver a consagração na prática cotidiana.

1.2. Caminhar com Jesus pelos caminhos de todos

Inúmeras facetas da realidade, tradição, educação, trabalho, autonomia, liberdade, moradia, ética, saúde, a multiplicação das crenças e religiões, formam as tramas nas quais
consagrados e consagradas seculares devem se aperfeiçoar como pessoas integrais, capazes de cumprir o mais perfeitamente possível as tarefas humanas e cristãs, de maneira
equilibrada (cf. GS, n. 56). Para que aproveitem bem a graça de realizar a missão para a qual o Espírito Santo os inspirou, precisam ter clareza de sua identidade. Diríamos que
precisam esclarecer cada vez mais a consciência de que o projeto de Deus é a cidade santa. Todas as vocações na Igreja estão a serviço do projeto do Pai.
Nessa direção, o Documento de Aparecida recomenda adotar um estilo de vida e uma linguagem que possam encarnar o evangelho na cidade, difundir a Palavra de Deus,
oferecer uma atenção especial às pessoas caídas ao longo do caminho e cuidar da formação pessoal. Para viver no mundo, é necessário aprender a buscar luzes por toda parte.
Quem sabe seja preciso buscar por detrás de tantas coisas, até naquelas que parecem menos evidentes, como desenha o poeta em sua linguagem simbólica. Buscar Atrás:

Atrás

de alguma conversa

neste desacerto

atrás

do pôr do sol,

nesta véspera

atrás

da margem de erros,

neste deserto

atrás

de algum sentido

nesta viagem.5

A prática de Jesus nos ensina que temos que refazer o caminho para reencontrar o caminho do Pai. Jesus nos ensina que Ele mesmo é o caminho para o Pai
(cf. João 14, 6). A dinâmica da presença no mundo acontece num movimento dialético. O Senhor nos procura e nós o procuramos. Só que, às vezes, nós nos escondemos do
Senhor, porque temos vergonha da nossa situação de pecadores. Ele, como sempre, porém, tem a alegria de nos encontrar. Atrás dos acontecimentos cotidianos,
encontramos Deus.
Por essa razão, a vida cotidiana é repleta de situações que nos deixam perceber a presença do Senhor nos diálogos, nas reflexões pessoais, nas discussões, na contemplação,
na revisão dos erros e acertos, na caminhada da vida como um todo. E nas coisas mais simples. Na semente de uma planta, no nascimento de uma criança, na conversa com um
vendedor, numa pessoa em situação de rua que, por algum motivo, interpela você, num transeunte que se preocupa em cuidar do outro, em pessoas vítimas de violência, na
simplicidade de uma criança, na chuva, na tempestade, na ventania, no sol forte... tudo parece ecoar a voz do Senhor.
Quando olhamos para a caminhada de Elias, no encontro com a viúva de Sarepta, num momento de fome e sofrimento, vemos que o Senhor está presente. O Senhor está
também no momento em que Elias entra num estado de profundo desânimo. E quando Elias resolve aguardar a presença de Deus, este vem ao seu encontro. O profeta procura
perceber a vinda de Deus nos sinais do tempo. Observa a tempestade, a ventania, o fogo... e Deus se apresenta na brisa suave (cf. 1 Reis 17-19). O consagrado secular vive
também essas situações. Busca a Deus e quer encontrá-lo. “Buscar-me-eis e me achareis se me buscardes de todo o coração” (Jeremias 29, 13).
O espírito de busca leva sempre a perceber o que está por trás de cada acontecimento, de cada situação. É o exercício da encarnação e da Cruz. Por trás da Cruz, está a
Ressurreição. O que nos move não é aquilo que aparece de imediato. É o que está além, por trás. Nos diálogos, nas reflexões pessoais, nas discussões, na contemplação, na revisão
dos erros e acertos, enfim, na caminhada da vida como um todo.
O que percebemos ao refletir sobre o percurso histórico do cristianismo e da Igreja, é que, a cada momento, a partir dos acontecimentos, há necessidade de se fortalecer
uma eclesiologia para responder às necessidades humanas e interligá-las com o projeto do Pai. A cada novo aspecto de aperfeiçoamento da eclesiologia, uma melhor aproximação
da Igreja com o mundo acontece, e Deus é mais conhecido e amado. Neste sentido, a Igreja se torna mais servidora do Reino e da humanidade, para exercer melhor a sua missão.

1.3. A inserção sociopolítica do consagrado secular

Na sociedade líquida em que vivemos, virtudes e vícios parecem romper e misturar fronteiras, e isto pode dificultar a distinção entre o bem e o mal. Talvez possamos hoje
compreender melhor esta expressão de Jesus: – “Guardai-vos dos falsos profetas que vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores” (Mateus 7, 15). A
proposta de Jesus é sólida e consistente. Não é um lampejo, não se limita a um breve momento, a um curto espaço da história. Jesus é o Senhor, o Alfa e o Ômega, o Princípio e o
Fim, Aquele que é, que era e que vem (cf. Apocalipse 1, 8; 22, 13; Êxodo 3, 14). Para qualquer situação ou cultura, oferece uma orientação segura.
Diante da mensagem do evangelho, a pergunta sobre a vida cristã na sociedade líquida parece inevitável. Jesus ensina a fazer a vontade do Pai no mundo, mas sem pertencer
ao mundo (João 15-17). Este ensinamento leva a intuir que a nova ordem social e cultural requer um novo jeito de viver o evangelho, sem negá-lo ou modificá-lo. A Palavra de
Deus contém os fundamentos que ajudam a compreender, a confrontar e a ultrapassar a cultura do descartável da sociedade atual.
O discípulo fiel e criterioso constrói projetos de vida sobre a rocha, a Palavra de Deus. As crises, desafios, embates sociais e políticos que tentam abatê-lo não chegam a
abalar sua fé e suas convicções. Ao contrário, construir sobre areia movediça é fortalecer a cultura do descartável (cf. Mateus 7, 24-29). Sendo assim, pedimos ao Pai que nos
ensine a fazer sua vontade, como ora o salmista: – “Ando errante como ovelha tresmalhada; vinde em busca do vosso servo, porque não me esqueci de vossos mandamentos!”
(Salmos 118 [119], 176).
Com o olhar voltado para os ensinamentos de Jesus e para o mundo atual, novas perguntas aparecem: – “O que é, hoje, ser cristão, ser Igreja, ser consagrado, consagrada
secular, o que é ser discípulo?” Nas Exortações Apostólicas Evangelii Nuntiandi e Evangelii Gaudium, entre outros documentos, encontramos pistas para responder a esses
questionamentos. Evangelizar é uma realidade rica, complexa e dinâmica. Comporta um conjunto de elementos essenciais, acompanhando os avanços culturais e tecnológicos.
Compenetrado do evangelho e comprometido com o Reino de Deus, o discípulo não terá receio de fazer o que for necessário para transformar a cultura de morte em cultura de
justiça e paz.
A consagração secular é uma das possibilidades de a Igreja estar presente no mundo, é um dom, um presente do Pai, um dos canais de evangelização. Sua finalidade é
precisamente a mudança interior (cf. EN, n. 18) das consciências e das estruturas sociais. Viver a consagração no mundo e enfrentar as múltiplas tensões do dia a dia requer um
conjunto de atitudes:

Todos os dias, levar a vida de uma pessoa que vive no mundo e, ao mesmo tempo, guardar a contemplação, esta dimensão contemplativa para com o Senhor e também
em relação ao mundo, contemplar a realidade, como contemplar as belezas do mundo. E ainda os grandes pecados da sociedade, os desvios, todas essas coisas, e
sempre em tensão espiritual [...]. Por isso, a vossa vocação é fascinante, porque é uma vocação que está exatamente aí onde se decide a salvação não só das pessoas,
mas também das instituições. E de tantas instituições leigas necessárias no mundo.6
A vocação à consagração secular encontra fundamentos no mistério da encarnação. Os consagrados e consagradas seculares assumem o compromisso de participar da
“construção de uma sociedade que reconheça nos vários âmbitos a dignidade da pessoa e os valores irrenunciáveis para a sua plena realização”.7 Vão ao encontro das múltiplas
realidades do mundo, sobretudo do campo profissional, social e político, onde as pessoas vivem, moram e atuam, e aí buscam testemunhar as razões de sua fé e de sua esperança.
A consagração secular, em síntese, é um dom do Espírito Santo.
Na vida não existe um espaço do sagrado e um espaço do profano, um tempo para Deus e um tempo para os fatos grandes e pequenos da história. O mundo e a história são
história de salvação, motivo pelo qual os membros dos Institutos vivem como contemplativos no mundo, ao lado de cada homem, com simpatia e dentro de cada acontecimento,
com a confiança e a esperança que derivam de uma relação básica com o Deus da história (CS, n. 3).
A prática da consagração na secularidade gera uma síntese, sempre em construção, entre a Palavra de Deus e a história, a manifestação do Reino que é e que virá. Quanto
mais penetrar nos mistérios da Encarnação e da Cruz, tanto mais o consagrado secular se aproximará da Trindade e passará a olhar para a sociedade e para o mundo com o olhar de
Deus, isto é, a viver a comunhão (cf. CS, n. 5).
A resposta à pergunta sobre o que significa ser consagrado hoje pode ser procurada e encontrada na trilha da secularidade consagrada. Nesta senda, encontramos as
orientações da Igreja e o testemunho de vida dos consagrados e consagradas seculares, o seu jeito de viver o evangelho e de questionar o mundo, na mesma dinâmica do Mestre
que no mundo caminhou e proclamou a vontade do Pai.
De forma geral, observamos que os Institutos Seculares são pouco conhecidos e, às vezes, ignorados ou confundidos. Isto dificulta a consolidação de uma identidade. A vida
consagrada no mundo, de alguma forma, sempre existiu. Mas, em alguns momentos, foi traduzida de forma confusa.8

A história dos Institutos Seculares é ainda breve e, pela sua própria natureza, eles permanecem muito abertos à atualização e adaptação. Mas já têm uma fisionomia
bem definida, a qual devem ser fiéis na novidade do Espírito. O novo Código de Direito Canônico constituiu, a este propósito, um ponto de referência necessário e
seguro. Há, porém, o fato de que eles não são bastante conhecidos e complexos, por motivos que talvez derivem da sua identidade (consagração e secularidade ao
mesmo tempo), talvez do seu modo de agir com discrição, talvez de uma insuficiente atenção prestada a eles, e também porque ainda existam aspectos problemáticos
não resolvidos (CS, p. 61).

Gostaríamos de destacar que, na história dos documentos da Igreja do século XX, sempre se faz menção à consagração secular. No cerne dos documentos sobre os Institutos
Seculares, aparecem constantemente referências às tensões que percorrem a unidade entre secularidade e consagração, num estado de perfeição. Puebla explica essa questão pela
falta de enraizamento e de uma tradição consolidada, bem como pela exposição mais desafiadora frente aos problemas contemporâneos (cf. DP, n. 776). Esta foi uma discussão
apresentada por Giuseppe Lazzati9 no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares, em 1970.10 Perguntou ele como fundir a consagração e a secularidade e fazer
brotar a nova figura do consagrado secular, delineada na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, que trata da presença da Igreja no mundo.
Por outro lado, o desafio da relação entre consagração e secularidade, entre o fato de estar presente no mundo e nele cumprir a vontade do Pai, aparece na orientação de
Jesus, especialmente do evangelho segundo Marcos (cap. 7). Neste texto, Jesus dá três dicas – não viver a consagração apenas nos lábios; tomar cuidado para não esvaziar
a vontade do Pai ou a Palavra de Deus com ideias próprias; e não se deixar envolver pelo mal da hipocrisia.
Desde o surgimento desta vocação, as normas fundantes apontaram para que ela fosse compreendida como uma unidade e não como coisas separadas, sem tirar dos
consagrados seculares a condição de leigo, porém, que assume um estado de perfeição cristã. Esta novidade provoca um revolver na eclesiologia. A Igreja é missionária por
natureza e, por isso, tem o dever e a obrigação de estar no mundo e de evangelizar o mundo. Ela é enviada ao mundo, assim como foi seu Mestre Jesus.
Para evangelizar, a Igreja tem que se encarnar no mundo, participar da cultura e sentir a realidade. Os Institutos Seculares são partícipes da missão da Igreja, “compartilham
com os demais leigos esta especialização: mudar o mundo a partir de dentro; especialização que se reforça, sustenta e compromete pela consagração especial”
(ALBERTINI, 1982, p. 159).11 Para a consagração secular, que está no centro das crises e dos contágios das doutrinas do secularismo, este é um desafio. Secularidade não pode
ser confundida com secularismo. Diante disso, afirmaram bispos da América Latina que o jeito de viver a consagração na secularidade implica riscos (cf. DP, n. 776).
Vivemos num mundo complexo, marcado por contrastes, antagonismos, paradoxos, ambivalências e contradições, e nele, a cada momento, aparece uma situação nova.
O desenvolvimento humano e a riqueza crescem sem parar, mas aumentam os bolsões de miséria e o sofrimento humano, as ações humanas põem o Planeta em risco e o
desencadear das políticas armamentistas coloca a Terra inteira em situação de insegurança.
Milionários e a elite política tendem a manipular as massas de acordo com seus projetos. É um jeito de fazer política que pode também se virar contra eles. Nesta dinâmica,
seus conflitos pessoais reverberam sobre cidadãos comuns, que acabam por assumir esses revezes e comoções como se fossem seus. O homem simples inclina-se a incorporar a
forma de agir e assumir os comportamentos do grupo dominante. Outros personagens em cena, formadores de opinião, com todas as consequências que isso implica, como
o digital influencer, também são alimentados pela classe dominante.

Não há mais nenhuma situação social inequívoca, da mesma forma que não há mais atores inflexíveis no palco da história. Tentar interpretar esse mundo em termos de
categorias como bem e mal, pela ótica política e social do preto no branco e das separações quase maniqueístas, é hoje tanto impossível quanto grotesco. Este é um
mundo que há muito deixou de controlar a si mesmo (embora busque obsessivamente controlar os indivíduos), que não pode responder a seus próprios dilemas nem
reduzir as tensões que ele mesmo semeou. Felizes foram as eras que tiveram dramas e sonhos claros, assim como perpetradores do bem ou do mal (BAUMAN;
DONSKIS, 2014, p. 8).

O mundo em que hoje vivemos, embora tenha certa similitude, não se compara com aquele que serviu de fundo para a Rerum Novarum e a Provida Mater Ecclesia. As
fronteiras entre o bem e o mal eram então mais nítidas, assim como as relações sociais, dentro de seus limites. Cada um sabia exatamente sua função, seu papel social. Ao
professor cabia ensinar e ao aluno, aprender. Essas fronteiras já não são tão claras e definidas. O professor e o aluno tanto aprendem, quanto ensinam. Mesmo o padre teve que
repensar o seu papel, o bispo..., o médico... surgiram novas profissões que interferem umas nas outras. Tudo isso cresceu em flexibilidade com o avanço das TIC (tecnologias de
informação e comunicação).
Pode uma cultura morrer ou esvaecer? No momento, o que se cogita é o desaparecimento ou a diminuição da cultura cristã, o que entendemos como a desconstrução da
cultura ocidental. Os ventos da história contemporânea parecem indicar a probabilidade de que um novo processo civilizatório esteja em marcha. Neste cenário, a questão que
emerge é de que modo o evangelho – Palavra de Deus – poderia iluminar novas culturas. Uma metamorfose cultural e do processo civilizatório que os cristãos ajudaram a
construir não significa a negação da Revelação em Jesus Cristo.
A eclesiologia do Vaticano II propôs uma pedagogia vinculada aos processos de inculturação ou de interculturalidade. De certo modo, foi uma forma de reatualizar
a pedagogia da encarnação (cf. Mateus 5,17; 13,52). A partir dessa experiência, precisamos refletir sobre o modo de influenciar ou de interferir em um novo projeto civilizatório
em curso.
Outro elemento subjacente à questão do sentido da consagração secular, num mundo líquido e intensamente flexível, é a sensibilidade moral. Um comportamento
empedernido, desumano e implacável, ou apenas uma postura imperturbável e indiferente, obscurece o discernimento entre o bem e o mal. Afirmava Pio XII (MOSER, 1975, p.
339) que o maior mal do mundo era perder o sentido do pecado. Nesta direção, por uma ótica sociológica, podemos dizer que a perda do sentido dos valores humanos, da
civilidade, do respeito à natureza e de um encontro com Cristo seja o grande mal da atualidade. A insensibilidade moral condiciona, muitas vezes, as estruturas sociais e
o agir humano.
A inserção sociopolítica, impregnada da insensibilidade moral, desencadeia comportamentos e atitudes de culpabilizar as pessoas e de “lavar as mãos” diante das tribulações,
sofrimentos e perplexidades de outrem. Ou, ainda, induz ao mal e assiste, com alegria, às consequências dessa atitude, como se generosa fosse para com as vítimas de sua sedução.
O comportamento humano dúbio podemos encontrar na dinâmica de um Don Juan, personagem que se vale de diferentes situações, sobretudo da fragilidade das pessoas,
para desfrutar de prazeres, ganhar projeção e benefícios pessoais. Este tipo de insensibilidade moral busca dominar e fazer com que a vítima se desvie do seu projeto de vida,
negue seus próprios desejos e sonhos. A pessoa subjugada deixa de procurar uma realização pessoal suficientemente saudável, para viver a vida do sedutor.
Falamos de um procedimento desvelado por Marx, quando discutiu a categoria mercadoria. Em função da reificação ou coisificação do sujeito, da mercadoria, da arte, da
religião, da cultura..., o trabalhador deixa de produzir para si e produz para um outro grupo. Em síntese, o sedutor e a mercadoria assumem os lugares de Deus e da liberdade. O
sedutor domina a alma do outro, seus sonhos e esperanças. De fato, as questões da sedução ou alienação e da mercantilização das relações estão contidas na matriz da formação da
cultura ocidental (cf. Gênesis ■).
Tais práticas revelam miopia ou cegueira social, uma mentalidade hipócrita, cujos impactos a própria consciência do insensível moral busca amortecer. Acreditamos que
somente a sensibilidade à dor do outro pode curar do mal da indiferença e da convivência fria e passiva com o mal. Para não sucumbir à sedução do mal, nem se transformar em
sedutor, o consagrado secular contempla Jesus Cristo, modelo de vida e critério de vitória sobre a tentação no deserto.
Com o olhar emoldurado no espaço de uma janela aberta para o infinito, homens e mulheres consagrados seculares articulam várias questões dos campos da fé, da cultura, da
vida, da economia, da religião, da sociedade, da política. A esta articulação de conteúdo e inserção sociopolítica em vista do bem comum, engajada no seguimento do Cristo
Mestre Único e Sumo Bem, chamamos politicidade. É por essa perspectiva que entendemos a inserção sociopolítica do consagrado secular, como um jeito de dialogar com o
mundo e nele se colocar cotidianamente. Esta é uma maneira de pôr em prática a mística da Encarnação.
Não é apenas um ato político isolado. É uma maneira de sentir, de viver, de se orientar, de fazer, de testemunhar, de comunicar os valores da vida e do evangelho, que estão
sempre misturados no cotidiano. Enquanto escolha e resposta a um chamado de Deus, é um ato individual, mas, do ponto de vista da missão, é uma obra coletiva que busca
transformar e criar, com a intencionalidade de encarnar a Trindade no mundo e o mundo na Trindade. Em outras palavras, é promover o encontro entre a cidade de Deus e a cidade
humana, no modo peculiar a cada indivíduo e ao carisma do Instituto.
Este processo consideramos uma espécie de philia, de amizade, justiça, amor, afeto, bem querer e liberdade imbricados, no sentido de ajudar todas as pessoas a mudarem de
vida, para melhor. Esta é a trilha do homem e da mulher consagrados para descobrirem o reino de Deus que está entre nós. A essa atitude, Jesus e os Profetas chamaram de
conversão. Para viver a consagração secular, mais do que ter conhecimento, estudar, refletir, é importante articular pensamento, realidade e fé. “O saber humano é, antes de tudo,
luz para indicar à pessoa o caminho em que ela deve andar para sua plena realização” (MUELLER, 1975, p. 407).
Reflexões shakespearianas falam de um “Deus” que não está nem aí com os homens e com a história da humanidade (CASTORIADIS, 2009, p. 80). Que foi embora e não
deixou a senha de acesso. O consagrado reafirma o contrário: Deus não foi embora, está presente na história humana, dá sinais de sua presença, oferece a cada homem, a cada
mulher, a certeza de que um dia, na escatologia, nos encontraremos com ele de forma translúcida e definitiva. Consagrados seculares testemunham de onde viemos e para onde
vamos, e o que nos espera se vivermos na trilha de Jesus. O Deus revelado por Jesus não nos abandonou. Acompanha pari passu a vida e a transformação da sociedade.

1.4. O consagrado secular, uma vocação para o diálogo

A inserção sociopolítica do consagrado secular se faz em diálogo permanente, profundo e sincero consigo, com Deus, com a Igreja, com o Planeta, com o outro, com as
diferenças. Daí emerge uma pedagogia de transformação, na busca do reino que Jesus nos deu de presente e que está em processo entre nós. Múltiplas inquietações explodem
frequentemente. Isto exige o assumir de uma atitude com autoridade moral e em defesa da justiça. Muitos fogem das questões sociopolíticas e outros, como os consagrados
seculares, são chamados a enfrentar as situações e a se comprometerem com os caminhos concretos de libertação e de justiça.
O diálogo é o fundamento dessa ação, porque ela não é uma intervenção no sentido de julgar quem é do bem e quem é do mal, e condenar. É oferecer critérios com base no
evangelho, para que cada pessoa aprenda a discernir o supremo bem. É uma tomada de consciência do reino de Deus. Quem descobre o Reino dos céus como um tesouro, vende
tudo o que tem e compra o terreno onde está escondido aquele tesouro (cf. Mateus 13, 44), porque adquire a consciência de fazer tudo para que Cristo seja amado e conhecido, e
que a vontade do Pai se realize.
Contra o desencantamento e a desesperança, consagrados e consagradas seculares vivem do sonho de Jesus de que todos se voltem para o Pai. E a partir desse sonho, buscam
influenciar o mundo, o cotidiano, as instituições. É importante destacar que ninguém consegue viver sem sonhos.

Nenhum ser humano jamais viveu sem sonhos diurnos, mas o que importa é saber sempre mais sobre eles e, desse modo, mantê-los direcionados de forma clara e
sólida para o que é direito. Que os sonhos diurnos se tornem ainda mais plenos, o que significa que eles se enriquecem justamente com o olhar sóbrio – não no sentido
da obstinação, mas sim no de se tornar mais lúcido. [...]. Para que o trigo que quer amadurecer possa crescer e ser colhido (cf. BOCH, 2005, p. 14).

Em meio a um mundo confuso e muitas vezes hesitante, crescem a angústia e o sofrimento, esgota-se o sentido da esperança, germina e cresce o medo... Jesus apresentou ao
mundo o reino de Deus como certeza e segurança. A confiança em Jesus impulsiona o consagrado secular a se empenhar na tarefa de transformar e de evangelizar o mundo, a
seguir um pouco além daquilo que Jonas fez junto aos ninivitas.
A sociedade líquida, porém, gera nas pessoas insegurança, ansiedade, angústia, desencantamento e desenraizamento, cujo produto pode ser um devaneio religioso. É um
processo de fetichização que multiplica as formas de relacionamento mágico com uma entidade transcendente. Isto, talvez, tenha levado a religião a ressurgir com força, de forma
fragmentada, nos desdobramentos da modernidade, entre o final do século XX e o início do século XXI, num quadro de dessecularização do mundo. São práticas religiosas que
mantêm certo distanciamento do evangelho.
A religião aparece como elemento imperativo e isto acaba mostrando que eram frágeis as teorias da secularização. Quanto mais os pensadores iluministas vaticinavam o fim
da religião, mais se fortaleciam as crenças e práticas religiosas que floresceram no decorrer da modernidade. Não verificamos, como muitas vezes se afirmou e se afirma, um
declínio da religião. O que de fato ocorreu foi o crescimento de grupos e instituições religiosas de múltiplas vertentes. Cresceram tanto os islâmicos quanto os evangélicos
pentecostais. No Brasil, os pentecostais exportam missionários para todos os Continentes.
Nesse campo, a pergunta que flui diz respeito às motivações para o ressurgimento e o aumento das religiões, e encontra algumas respostas.

Quais são as origens da ressurgência da religião em todo o mundo? [...] Primeiro, a modernidade tende a solapar as certezas com as quais as pessoas conviveram ao
longo da história. É uma situação desconfortável, intolerável para muitos, e os movimentos religiosos que prometem certezas são atraentes. Segundo, uma visão
puramente secular da realidade encontra seu principal lugar social numa cultura de elite, a qual [...] influencia muitas pessoas que não são membros dessa elite [...] Os
movimentos religiosos com uma tendência fortemente antissecular podem então atrair pessoas com ressentimentos originados às vezes em motivações claramente não
religiosas (BERGER, 2000, p. 9).

Em tempos de sociedade líquida, quando tudo parece um tanto opaco, as religiões que têm um caráter mais fluido ganham espaço, vitalidade, aceitação e reconhecimento
social. Os clássicos da sociologia talvez possam nos ajudar a compreender esse fenômeno, quando afirmam que, para sobreviver, os modos de produção necessitam de uma
religião. Por outro lado, essa situação de insegurança e de incertezas leva as pessoas a criarem um mundo religioso particular. Os grupos religiosos que mais crescem no Ocidente
são os que promovem o individualismo.
O ressurgimento do religioso está intimamente ligado às questões mundiais e cotidianas, como a política. Carregada de debates e atitudes religiosas nem sempre orientadas
pelo necessário enlace entre fé e racionalidade, a política pode colocar em risco o processo civilizatório. Nesse cenário, há dois grupos, os que se mobilizam movidos por uma
cosmovisão religiosa, e os oportunistas, que usam da religião para impor ideologias e defender interesses políticos e econômicos.
Contrariamente à crença de que a religião visa predominantemente à paz, o que se percebe, na prática, é que convicções fundamentalistas têm provocado guerras globais e
conflitos cotidianos. O fundamentalismo religioso mobiliza forças que acirram uma espécie de ódio que corrói as famílias, provoca ataques inter e intrafamiliares e destrói a
família humana. A história é rica de experiências de incêndios em igrejas e terreiros, perseguições religiosas e matanças de grupos de pessoas. Todos os seres viventes penam com
isso, ainda que, ocasionalmente, algumas lideranças religiosas tentem apaziguar as relações conflituosas, em busca da paz.
Esse conjunto de fenômenos coloca em cheque os valores religiosos, a justiça social, a verdade, a liberdade e a paz, que a Igreja Católica ou mesmo a Reforma Protestante
sistematizaram para o mundo, sem entrar no mérito de suas percepções e práticas. A economia, de um ou de outro jeito, influencia e é influenciada pela religião. Os valores
religiosos contribuem para o desenvolvimento econômico, como já explicara Max Weber. Os novos movimentos religiosos, por sua vez, não somente influenciam a economia,
como produzem um novo jeito de organizá-la, e ganham força na propalada teologia da prosperidade, na mercantilização da fé, na industrialização da religião e, às vezes, no
turismo religioso.
Finalmente, algumas contradições aparecem no construto dos direitos humanos e da justiça social. Ao mesmo tempo que nascem da cultura cristã, implicam questões que
o cristianismo e especialmente a Igreja Católica não aceitam, tais como o aborto, a eutanásia e outras reivindicações. Neste sentido, a inserção sociopolítica e sociopastoral dos
consagrados seculares difere daquele momento em que a Provida foi aprovada. Estamos envolvidos em um mundo volátil, carregado de múltiplas concepções, visões e práticas
religiosas que, entre si, se aproximam, distanciam e confundem.
Quem vai desembaraçar essas linhas emaranhadas? É um mundo estranho, de difícil compreensão. Mesmo assim, é o mundo em que estamos. E Jesus nos convoca a
conhecer, interpretar e desvelar a realidade à luz da Palavra de Deus, do Magistério da Igreja e do testemunho dos santos. Isto é muito mais do que um simples estar presente no
mundo. É afetar a realidade, o cotidiano, as experiências vividas por milhares de homens e mulheres. É contemplar o mundo com um olhar de compaixão, com o olhar e a atitude
de Jesus (cf. Mateus 9, 36). Do Mestre Jesus aprendemos que temos que dialogar com tudo e com todos, sem perder nossa identidade de louvar, agradecer e adorar a Deus.
Denominamos esse conjunto de atitudes dos consagrados seculares de inserção sociopolítica.
Os membros dos Institutos Seculares procuram no mundo o que o próprio mundo tem de justiça, para ajudar na volta para o Pai. Há no mundo muitas práticas de justiça
e solidariedade, e não somente perversidade, como situa o evangelista, ao afirmar que “todo aquele que pratica a justiça é de Deus” (1 João 2, 29). Nesse sentido, a secularidade
consagrada assume a própria responsabilidade de colaborar para a criação de uma ordem mais justa e mais humana, segundo a vontade de Deus, para santificar o
mundo interiormente.

Graças ao contato imediato de nossa consagração no cotidiano da vida, podemos buscar recristianizar intensamente as famílias, as profissões, a sociedade. Não me cabe
apontar como, na prática, cada um de nós deve viver sua vida de leigo consagrado no meio do mundo contemporâneo. Isto depende da profissão de cada um, da cultura
de cada um, do meio ambiente em que vive e trabalha e de uma série de outros fatores, e não, em último lugar, das necessidades concretas da comunidade a que
pertencemos, na qual e da qual vivemos (NEOTTI, 1975, p. 596).

A inserção dos consagrados seculares no mundo contrapõe-se às novas e velhas formas de escravidão social e psíquica, de dominação e exploração, que impedem o
desenvolvimento da vida. Ela necessita de uma consciência crítica, de um senso de liberdade e autonomia, e de uma dose de utopia.

Notas de Rodapé
1 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
2 PAROLIN, Pietro, Cardeal, Secretário de Estado. Mensagem aos participantes da Assembleia Geral da Conferência Mundial de Institutos Seculares.
Roma, 17 ago. 2016.
3 PAPA FRANCISCO. Mensagem aos participantes do Congresso dos Institutos Seculares italianos, por ocasião do 70º aniversário da Constituição
Apostólica Provida Mater Ecclesia, 23 out. 2017.
4 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970.
5 Carlos ÁVILA, poeta e jornalista. In: Folha de São Paulo, “Mais!” 14 maio 2000.
6 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
7 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
8 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970, p. 86.
9 Venerável Giuseppe Lazzati, consagrado secular, fundador do Instituto Secular Cristo Rei. cf. http://www.santiebeati.it/dettaglio/91539
10 CEDIS. Conferencia Española de Institutos Seculares. Consagración secularidad. Valencia: Edicep, 1996. p. 53-69.
11 Tradução livre, ver original: “Los I.S. comparten con los demás laicos esta especialización: cambiar el mundo desde dentro; especialización que se
refuerza, se sostiene y compromete por la consagración especial.”
12 PAPA JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Jubileu pelo 1950º Aniversário da Redenção, n. 3.
13 JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, n. 12.
14 PAPA JOÃO XXIII. Bula de convocação do Concílio, Humanae Salutis, 25 dez. 1961.
15 PAPA JOÃO XXIII. Gaudet Mater Ecclesia. Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 out. 1962, 7, 3.
16 São João Crisóstomo, citado em Lumen Gentium, n. 38 (386).
17 CASTELLS, Manuel. Disponível em: https://ibebrasil.org.br/areas-atuacao/cultura-digital/. Acesso em: 24 fev. 2020.
18 PAPA BENTO XVI. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2013.
19 PAPA FRANCISCO. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2014.
20 PAPA FRANCISCO. Discurso no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 2014. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/magisterio-da-igreja/francisco/.
21 O Código de Direito Canônico de 1983 inovou, eliminando a distinção ou dicotomia entre Ordens e Congregações religiosas. Tal distinção era feita
pelo critério de votos públicos, simples e privados. Na apresentação do novo Código, João Paulo II explicita que, de tempos em tempos, “a Igreja
reforma e renova as leis e a disciplina canônica”, a fim de expressar sua fidelidade ao Divino Mestre. Em síntese, a Igreja decidiu organizar a vida
consagrada no tópico “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”. O eixo condutor da vida consagrada são os
conselhos evangélicos, conforme cânones 573-577.
22 Cf.
https://books.google.com.br/books?id=-xJ4U2RQXHMC&pg=PA217&dq=santa+angela+de+merici&hl=pt-BR&sa=X&ei=QdwHUZ3yM9OC0QGhz4GgAw#v=o
Acesso em: 13 abr. 2020.
23 Tradução livre, segue texto original: Angela Merici respira a pleno pulmón la sana libertad del siglo y ve en esa misma libertad un campo y un
medio de conquista. Ella no quiere cerrarse en un claustro, sino vivir en médio del mundo; sus hijas vivirán en el seno de su família, llevando en
si mismas su claustro y sembrando por todas partes el “buen olor de Cristo”. Continuando la vida secular de su tiempo, ellas penetran en la
sociedad y la hacen un bien incalculable. Las circunstancias históricas favorecen maravillosamente tal iniciativa y la harán necesaria. [...] Otras
numerosas realizaciones merecerian ser subrayadas en el curso de los siglos passados, ya que innumerables fueron las almas que desearon
consagrarse a Dios y al apostolado quedando en el siglo, fermento en la massa, en el seno de la propia família, en las profesiones y en los
trabajos ordinários. (HUOT, 1968, p. 176).
24 PAPA FRANCISCO. Carta para o Evento “Economy of Francesco”. (ASSIS, mar. 2020). Este evento não se realizou devido à pandemia do Covid19.
cf. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html.
25 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/. Acesso em: 20 jun. 2020).
26 Disponível em: http://www.vatican.va/content/leo-xiii/la/apost_constitutions/documents/hf_l-xiii_apc_19001208_conditae-a-christo.html.
27 Documento da Sagrada Congregação sobre a vida consagrada. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_profile_it.html. Acesso em: abr. 2020.
28 Um esboço dessa síntese pode ser encontrado na Revista Diálogo, v. 17, n. 80/81, 1989.
29 CMIS. Revista Diálogo, n. 44, p. 63-67, mar./abr. 1980. Nesta Revista, encontram-se detalhamentos da história de Ângela Clavel.
30 Disponível em: www.crianca.mppr.mp.br/pagina-445.html. Acesso em: 22 maio 2020.
31 Cf. SENNET, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
32 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970. p. 86.
33 Cf. Lumen gentium e, se desejar aprofundamento, ver teólogos como Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph
Aloisius Ratzinger e o trabalho de Schillebeeckx, E., Cristo, sacramento de encontro com Deus. Petrópolis: Vozes, 1967.
34 Entre os peritos, estavam Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph Aloisius Ratzinger e Edward Cornelis Florentius
Alfonsus Schillebeeckx.
35 Cf. https://www.comunidadedeaprendizagem.com/uploads/materials/308/7b6d6c81dee37228ff26c1f332fe291b.pdf
36 Tradução livre, segue texto original: “El Instituto Secular es el reciente matrimonio del estado de perfección y del estado secular. Es un hallazgo
del Espíritu Santo que lleva el estado de perfección en médio del mundo.”
37 Tradução livre, segue texto original: “En el intermedio de este periodo, que va desde el Concilio Vaticano II hasta nuestros días, el Código
de Derecho Canónico del año 1983, en el Título III, ‘De los Institutos Seculares’, legisla sobre ellos en los cánones 710-730. La presencia en
el Código de la legislación sobre los Institutos Seculares es uno de los acontecimientos más importantes y significativos del nuevo texto legal,
pues, como hizo notar Pablo VI, se da una profunda y providencial coincidencia entre el carisma de los Institutos Seculares y una de las
realidades más importantes y claras del Concilio: la presencia de la Iglesia en el mundo. La vida consagrada secular es precisamente la
consagración de la secularidad, la unión indisoluble y esencial entre la vida secular y la vida consagrada por la profesión de los consejos
evangélicos, con la audaz misión de superar el dualismo Iglesia-Mundo, y de ser el ‘arquetipo de la presencia del Evangelio y de la Iglesia en el
siglo’”. cf. http://www.alianzajm.org/IMG/pdf/La_vocacion_de_la_consagracion_secular_en_la_Iglesia_.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
38 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970..
39 PAPA PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais e membros dos Institutos Seculares, no XXV aniversário da Provida Mater Ecclesia, em 2 de
fevereiro de 1972, tradução livre do espanhol.
40 PAPA JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes do Simpósio Internacional sobre a Provida Mater Ecclesia, em 1 de fevereiro de 1997.
41 PAPA JOÃO XXIII. “Il Tempio Massimo”. Carta sobre o empenho das religiosas pelo Concílio,1962.
42 PAPA BENTO XVI. Discurso aos participantes da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, por ocasião dos 60 anos da Provida Mater Ecclesia,
2007.
43 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, em maio de 2014.
44 Tradução livre, segue texto original: “Esto no está bien. El Concilio, que quiere ser pastoral en sus intentos y quiere manifestar al mundo la
perenne juventud y adaptabilidad de la Iglesia, habría debido hablar más ampliamente de los Institutos seculares: [...] los miembros de
los Institutos seculares no son laicos como los otros, ya que se han ofrecido totalmente a Cristo; se han comprometido, mediante
reconocimiento oficial de la Iglesia, a seguir los consejos evangélicos en la vida secular, se han convertido formalmente en consagrados en
virtud del voto o del juramento de castidad. Pero ni siquiera pueden ser catalogados entre los religiosos, pues la naturaleza de los Institutos
seculares difiere profundamente de la del estado religioso [...]; también su apostolado [...] ‘en el mundo pero como fuera de él’ [...] difiere del de
los religiosos en el objeto, en el método, en los modos. [...] la característica de tales Institutos es la ‘secularidad’, no sólo en el vestir, sino en
toda la mentalidad y modo de actuar. Por ello: se dedique a ellos un párrafo específico; se cambie el título del esquema, sustituyendo la presente
expresión por otra que comprenda también las personas consagradas a Dios, reconocidas como tales por la Iglesia, y que sin embargo no son
religiosos” (ALONSO, 2014, p. 556).
45 Tradução livre, segue texto original: “La intervención de Pablo VI respondía a las exigencias manifestadas por los mismos Institutos seculares y
representaba sin duda un remedio a una situación paradójica” (ALONSO, 2014, p. 559).
46 Tradução livre, segue texto original: “En el Decreto ‘De accomodata renovatione vitae religiosae’ se debe añadir algo a propósito del párrafo 11. En
efecto, por inadvertencia, faltan en el texto cuatro palabras. El Presidente da la Comisión ruega sean añadidas al texto cuatro palabras, desde el
momento que la Comisión siempre há desarrollado sus trabajos en tal línea. Incluyan, por tanto, los Padres en el texto del Decreto dichas
palabras, o tomen nota aparte por escrito. La votación que se hará hoy y la que se tendrá mañana delante del Sumo Pontífice, se hará sobre el
texto enmendado en tal sentido. Las palabras a añadir son éstas: ‘Los Intitutos Seculares, aunque no son Institutos religiosos, llevan consigo una
verdadera y completa’...” (BEYER, 1968, p. 63-64).
47 Podemos afirmar que esta forma de consagração na Igreja encontrou no Pe. Beyer o canonista e teólogo mais completo, tendo delineado
claramente sua especificidade. Doutor em Direito Canônico em 1961, com uma tese sobre os Institutos Seculares, autor de profundas e originais
visões sobre a natureza da vida consagrada, fez considerações sobre a tipologia da vida consagrada em geral e da vida religiosa em particular.
Foi incansável durante os trabalhos do Vaticano II e, mais tarde, colaborou de maneira incisiva para a redação do Código de Direito Canônico de
1983, como consultor da Comissão de Reformas no que diz respeito à vida consagrada, desde o início dos trabalhos até o final. cf.
https://www.iuscangreg.it/beyer
48 Congregación para los Religiosos e Institutos Seculares (CRIS). Identidad y misión de los Institutos Seculares, 1983. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/.
49 Cf. http://cmis-int.org/cmiswebsite/magisterio/magisterio_es/eclesiologia_1983.pdf. Acesso em: 1 ago. 2020.
50 Desse primeiro Congresso, realizado em Roma entre 20 e 26 de setembro de 1970, participaram mais de 400 pessoas de 92 Institutos de 16 países
de dois Continentes. Estiveram ausentes, por motivos jurídicos, representantes da Ásia, da África e da Oceania.
51 PIRONIO, Dom Eduardo Francisco (1920-1998), cardeal argentino. Foi Presidente do CELAM, Prefeito da Congregação para os Religiosos
e Institutos Seculares e Presidente do Conselho Pontifício para os Laicos.
52 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/
53 PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais dos Institutos Seculares. 25 ago. 1976.
54 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520253-o-papa-francisco-e-um-paradoxo-artigo-de-hans-kueng.
55 LAS CASAS. Bartolomeu. Em defesa dos índios (c. ■■■■). Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1
56 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 25.
57 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 23.
58 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 41.
59 “Aos nossos filhos católicos que pertencem aos países mais favorecidos, pedimos o contributo da sua competência e da sua participação ativa
nas organizações oficiais ou privadas, civis ou religiosas, empenhadas em vencer as dificuldades das nações em fase de desenvolvimento. Hão
de ter, sem dúvida, muito a peito o ser contados entre os primeiros de quantos trabalham por estabelecer, na realidade dos fatos, uma moral
internacional de justiça e de equidade.” Papa Paulo VI. Encíclica Populorum Progressio, 81.
60 Cf. https://drive.google.com/file/d/1K9tL-5apCcJwgLxgHhQfuMC6l6WodPMd/view
61 Tradução livre, segue texto original: [...] el “permanecer” en el mundo es fruto de una opción, es una respuesta a un llamado específico: es asumir
esta dimensión del estar dentro, del estar cerca, del mirar el mundo como realidad teológica-espiritual, en la que se entrelazan la dimensión
histórica y la dimensión escatológica. Esto exige un notable desarrollo de aquella calidad humana, tan proclamada hoy, que es la capacidad de
“con-participación”, de co-responsabilidad. Una con-participación responsable y generosa, que podríamos definir, con una expresión más
sencilla, como capacidad para saber vivir dentro... (Juany Monsalve Moya).
62 PAPA FRANCISCO. Discurso à Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
63 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565040-papa-visita-universidade-citando-bauman-temos-uma-economia-liquida É importante destacar
que Bauman, antes de morrer, elogiou muito o Papa Francisco. Ve
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565619-o-dom-de-francisco-artigo-de-zygmunt-bauman. Acesso em: 2 fev.2020.
64 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948.
65 cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
66 Cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
67 Cf. http://www.brasilescola.com. Acesso em: jan. 2020.
68 Participaram da fundação da CNBB, no Rio de Janeiro, presentes ou representantes, 20 Arcebispos do Brasil e o Núncio Apostólico. O primeiro
presidente foi Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, então Arcebispo de São Paulo, que indicou, para o cargo de Secretário Geral, Dom
Hélder Pessoa Câmara.
69 Um excelente texto sobre a história da Igreja na América Latina, que aborda o Brasil, é o trabalho de DUSSEL. Ver
https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/40.Historia_da_igreja_latinoamericana.pdf.
70 PAULO VI. Discurso aos responsáveis dos Institutos Seculares, 20 set. 1972.
71 As informações sobre a caminhada dos Institutos Seculares no Brasil foram extraídas de dados registrados nos arquivos que contêm as Memórias
do Instituto Catequético Secular São José, participante da caminhada desde o início.
72 Mais informações sobre a situação atual dos Institutos Seculares no Brasil podem ser encontradas nos seguintes endereços:
http://cnisbrasil.blogspot.com/;https://pt-br.facebook.com/cnisbrasil/; https://cnisbr.wixsite.com/cnisbrasil/pagina-inicial. Acesso em: 28 mar.
2020.
73 Cf. Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Brasília: CNBB, 2019. p. 39.
74 Organização Internacional do Trabalho. Cf. https://www.ilo.org/brasilia/temas/fow/lang--pt/index.htm
75 Cf. https://www.a12.com/redacaoa12/assembleia-geral-cnbb/cnbb-divulga-mensagem-por-ocasiao-do-dia-do-trabalhador.
76 Cardeal D. Arturo Tabera Araoz (1903-1975, Espanha), prefeito da Sagrada Congregação para Institutos Religiosos e Seculares.
77 Tradução livre, segue texto original: Creemos que los Institutos seculares fueron en su tiempo, una respuesta eclesial específica ante las
necesidades del mundo y, de alguna manera, bajo esa forma jurídica, se anticiparon los elementos de la Iglesia carismática que después sería
“redescubierta” por el Vaticano II, y que daría paso a una floración de variadas formas de consagración laical en los llamados Nuevos
movimientos y realidades eclesiales. Es sabido que la valoración de las fuentes bíblicas y patrísticas durante el Concilio favoreció la acentuación
del aspecto carismático y pneumatológico de la Iglesia, y de su noción de misterio, respecto al cristocentrismo paulino que había caracterizado
hasta entonces la teología del cuerpo místico. Desde esa perspectiva, puede entenderse la llamada universal a la santidad, el potenciamiento del
papel del laicado en la Iglesia, y su misión de transformar las realidades temporales. Es en esta línea, que hay que situar la vocación laical (o
sacerdotal) de especial consagración en los Institutos seculares, como respuesta carismática de santidad y como profecia para el mundo que
anticipa la vida futura (ALONSO, 2014, p. 562).
78 Cf. https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-04-06/recuperado-infectologista-david-uip-fala-sobre-covid-19-extremo-sofrimento.html.
79 MURICY, Moema Rodrigues. Institutos seculares, uma nova forma de ser Igreja, hoje. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/5811.
2. ALGUNS APONTAMENTOS ECLESIOLÓGICOS E SOCIOLÓGICOS

Neste capítulo, desejamos apresentar algumas reflexões e apontamentos que trazem diretrizes para a ação dos consagrados e consagradas seculares. Na primeira de suas Cartas,
São Pedro diz que devemos dar as razões de nossa esperança, os motivos que justificam o que estamos fazendo. Cada consagrado secular está em sintonia com a Igreja, procura
ser a própria Igreja agindo no mundo. O seu jeito de agir no mundo líquido dependerá da concepção que ele tem de Igreja e de busca da santidade.
Em tempos de sociedade líquida, temos que continuar a beber das fontes seguras – o Evangelho, a Tradição e as Orientações do Magistério – para testemunhar e anunciar
o Reino de Deus no mundo. São meios para que o consagrado e a consagrada secular mantenham sua identidade e intimidade com Jesus Cristo. É este o jeito de seguir o Cristo
Mestre, único e sumo bem. É esta a razão de qualquer vocação na Igreja. Para os consagrados e consagradas seculares, é expressão do enraizamento em Cristo, na Igreja e na
escuta dos sinais dos tempos.
Nas Epístolas Paulinas e no livro do Apocalipse (cap. 2 e 3), percebemos diferentes rostos de uma eclesiologia. Conforme as necessidades, as situações, as circunstâncias das
comunidades e da cultura, uma eclesiologia se aperfeiçoa e ganha força. A cada uma das sete Igrejas, o Anjo diz: – “Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz ‘às igrejas’.”
A eclesiologia fundante é sempre uma mediação orgânica entre Deus e os homens. Apesar de a Igreja ter tantos membros e rostos, São Paulo ensina que ela forma um só corpo
com Cristo (cf. 1 Coríntios 12, 12).
O que será que o Espírito diz à Igreja hoje? De que modo ela ouve e interpreta os sinais do Espírito? No documento do Sínodo sobre a Amazônia, o Papa Francisco
mostra um jeito de escutar e de ler esses sinais (cf. QA). É uma eclesiologia que leva em conta o homem, o mundo e o Planeta, a casa de todos. São presentes que Deus nos deu
para cuidar.

Tudo o que a Igreja oferece deve encarnar-se de maneira original em cada lugar do mundo, para que a Esposa de Cristo adquira rostos multiformes que manifestem
melhor a riqueza inesgotável da graça. Deve encarnar-se a pregação, deve encarnar-se a espiritualidade, devem encarnar-se as estruturas da Igreja (QA, n. 6).

2.1. Rostos da Igreja, expressões do encontro com Cristo

No evangelho, apreendemos, com Jesus, quais são os espaços de encontro com ele. A Igreja, comunidade dos batizados, é o porto seguro do encontro com o Senhor. Apesar
das enormes mudanças que aconteceram por todo o mundo, sob todos os aspectos, principalmente nos últimos cinquenta anos, temos na Igreja um fundamento firme e imutável,
que permanece para sempre. Este fundamento é o Senhor: “Jesus Cristo é sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda eternidade” (Hebreus 13, 8).

Do mistério pascal nasce a Igreja. [...]. Isto é visível desde as primeiras imagens da Igreja que nos dão os Atos do Apóstolos [...]. Dois mil anos depois, continuamos a
realizar aquela imagem primordial da Igreja. [...]. Toda a vida da Igreja está imersa na Redenção e respira a Redenção. Para nos remir, Cristo veio do seio do Pai a este
mundo; para nos remir, ofereceu-se a si mesmo na Cruz, num ato de amor supremo pela humanidade [...].12

Em Cristo e por Cristo, a Igreja realiza a vontade do Pai de alcançar o mundo todo, com a força da salvação. Para isso, reúne como num corpo, o povo de Deus, homens e
mulheres que se espalham pelo mundo, a serviço da edificação do seu Reino, o Reino de um povo, o povo de Deus. É a comunidade do Corpo de Cristo.
Desde os tempos apostólicos, “figuras” ou “imagens” dinâmicas, expressivas, inspiradas nos costumes e na cultura, tiradas da vida pastoril, ou da agricultura, quer da
construção e também da família e dos esponsais..., representam a natureza da Igreja. As mais antigas são da Igreja como corpo, comunidade, servos, família, edifício ou noiva
do Cordeiro. A Constituição Dogmática Lumen Gentium utiliza essas imagens para aprofundar e explicitar a natureza e o papel da Igreja (LG, n. 6).
A Igreja é o “corpo do Senhor”, daquele “que enche todas as coisas sob todo aspecto” (Efésios 1, 22-23). Cristo é a cabeça desse corpo (cf. Colossenses 1, 18), seu Redentor
e princípio de vida. Por ser o Corpo de Cristo, a Igreja está mística e organicamente unida com ele. Para conhecer a Igreja, é preciso conhecer Cristo. Como Igreja, formamos a
única família de Deus, a família do Pai, do Filho e do Espírito Santo, reunida em torno da Palavra de Deus, da liturgia e da missão comum.
A Igreja é a casa de Deus (1 Coríntios 3, 9), na qual habita a família de Deus, tenda de Deus, o templo santo, a cidade santa, a Nova Jerusalém. Nós, cristãos, somos pedras
vivas desta construção (cf. Efésios 2, 19-22; Apocalipse 21, 1ss; 1 Pedro 2, 5; Gálatas 4, 26). Cristo é a pedra angular, rejeitada pelos construtores (Mateus 21, 42; Atos 4, 11; 1
Pedro 2, 7; Salmo 117 [118], 22). A Igreja é a Jerusalém celeste, a cidade santa. A Igreja é nossa mãe, a esposa imaculada do Cordeiro imaculado, que dela cuida e a quem ama,
alimenta e santifica (cf. Apocalipse 19, 7; 21, 9).
A Igreja é edifício de Deus, “coluna e sustentáculo da verdade” (1 Timóteo 3, 15). De Cristo procedem a unidade, a santidade, a catolicidade ou universalidade e a
apostolicidade da Igreja “una, santa, católica e apostólica”. A Igreja é apostólica, firmemente sustentada sobre fundamentos seguros, que são os Doze Apóstolos do Cordeiro (CIC,
n. 866-870), para segurança de todo aquele que crê.
A Igreja é um redil, um aprisco, um curral, no qual somente se entra pela porta que é Cristo. É a grei ou rebanho, e Cristo é a porta desta Igreja (cf. João 10, 1-10) e o pastor
deste rebanho, prefigurado em Isaías (cf. Isaías 40, 11) e Ezequiel (cf. Ezequiel 34, 11). Ele mesmo é o bom pastor e príncipe dos pastores (cf. João 10, 11; 1 Pedro 5, 4), que dá a
vida pelas ovelhas. A Igreja é a lavoura ou campo de Deus (cf. 1 Coríntios 3, 9). Cristo é a verdadeira videira, que dá vida aos ramos, isto é, aos membros da Igreja que
permanecem ligados a ele. Sem o Cristo, a Igreja nada pode fazer (cf. Mateus 21, 33-43; João 16, 1-5).
As imagens têm uma sabedoria própria, cuja finalidade é explicitar e definir a Igreja e fortalecer a missionaridade. “A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária. Pois
ela se origina da missão do Filho e da missão do Espírito Santo, segundo o desígnio de Deus Pai.” A missão da Igreja tem sua identidade e razão de ser na missão do Cristo (AG,
n. 2), para que “todos sejam salvos e conheçam a verdade” (1Timóteo 2, 4).
Assim como o livro do Apocalipse (cf. capítulos 2-3) apresenta várias feições da Igreja, as imagens traduzem rostos da Igreja. Hoje, podemos ver que em cada Continente,
país, diocese... a Igreja ganha um rosto próprio. Enfatiza São Paulo que o espírito de comunhão e unidade é o mesmo, união que se visualiza, de forma especial, no Magistério e
no Papa.
A Igreja não é apenas uma instituição, organização ou empreendimento mercadológico ou burocrático. A Igreja não é uma estrutura oca. Do ponto de vista do serviço, o
compromisso com o Reino de Deus vai além de trabalhos puramente sociais, mesmo que sejam em prol da vida. A Igreja é infinitamente mais do que uma sociedade filantrópica
ou clube, infinitamente mais do que superprojetos, supereventos, mais do que um conjunto de programas fundados na autossuficiência.
A Igreja é, de fato, uma realidade de mistério. É o mistério do Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo, que nos foi revelado por Jesus. Esvaziar a Igreja dos elementos
escatológicos e da Palavra de Deus é negar a razão essencial de sua existência. A Igreja está vinculada à história da salvação. Como tal, tem que compreendida na dimensão da fé,
da Revelação, da relação de Deus com os homens.

De modo geral, pode-se dizer que o mistério no Novo Testamento designa um segredo divino só cognoscível por revelação. Em São Paulo, o objeto principal do
mistério é o plano divino da salvação, realizado pela morte de Jesus na Cruz (VINCENT, A., 1969, p. 353).

A Igreja encontra forças na Cruz e aprende com o Mestre as consequências da missão. Na Cruz, o Mestre ensina a tudo colocar nas mãos do Pai; a perdoar; a fazer a vontade
do Pai; a acreditar na salvação (cf. Mateus 27, 32-50; Marcos 15, 21-34; Lucas 23, 26-48; João 19, 17-29). Construir uma vida baseada na fé e alimentada pela espiritualidade do
evangelho significa distinguir a loucura da cruz das loucuras do mundo. A Igreja tem o dever de anunciar o evangelho.
Anunciar a mensagem evangélica não é uma opção, mas, sim, uma obrigação da Igreja, é uma ordem imperativa de Jesus, para que todos os homens tenham a oportunidade
de acreditar e de ser salvos (EN, n. 5). A Igreja é uma comunidade evangelizadora. Ela vive para o evangelho e, por essa razão, vive as angústias e alegrias do seu Mestre.

A ordem dada aos doze, “Ide, pregai a Boa Nova”, continua a ser válida, se bem que de maneira diferente, também para todos os cristãos. [...]. A Boa Nova do reino
que vem e que já começou, de resto, é para todos os homens de todos os tempos. Aqueles que a receberam, aqueles que ela congrega na comunidade da salvação,
podem e devem comunicá-la e difundi-la ulteriormente. [...]. Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela
existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa,
que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição (EN, n. 13-14).

Testemunhar a mensagem de Jesus nada tem a ver com estimular uma fé que seja garantia de prosperidade e bem-estar. Este é um tipo de fantasia e de convicção que tem a
pretensão de arrancar de Deus a satisfação de desejos pessoais. Por meio de bajulações e doações, certas pessoas querem fazer de Deus uma espécie de guarda-costas, um servo
subordinado a suas vontades.
Empenhar-se em ser presença da Igreja no mundo, no dinamismo do Reino de Deus, pressupõe um conjunto de ações orientadas por uma sólida formação e pela busca
sincera de conhecer e seguir o evangelho. Para não tropeçar nessa caminhada, é necessário ter a maturidade da fé, que se adquire por meio formação, aprendizagem, treinamento,
aperfeiçoamento, espiritualidade, oração, espírito de equipe e participação comunitária.
Em síntese, a missão da Igreja consiste em anunciar Jesus Cristo, caminho, verdade e vida. Este mandato ela o recebeu de Cristo, enviado pelo Pai: – “Assim como o Pai me
enviou, eu também vos envio” (João 20, 21-22). Todos os discípulos e discípulas de Jesus são também enviados, porque o batismo reveste da graça missionária todos os fiéis. Para
realizar sua missão de anunciar Jesus Cristo e dar testemunho de comunhão, a Igreja toma como meios o serviço e o diálogo. Ela se encontra presente no mundo, “a caminho do
Reino definitivo” (DGAE, 2003-2006).

A ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja. Nesta linha, os bispos latino-americanos afirmaram que “não podemos ficar tranquilos, em espera passiva,
em nossos templos”, sendo necessário passar “de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária”. Esta tarefa continua a ser a fonte
das maiores alegrias para a Igreja: “Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão”
(EG, n. 15).

O ponto de referência da atividade missionária da Igreja é a prática de Jesus, o Missionário do Pai. Relata o evangelista São Mateus (9, 35-38) que Jesus “percorria todas as
cidades e aldeias”. Pelo caminho, encontrava as “multidões cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor”, e delas sentia “compaixão”. Ter compaixão significa estar com, estar
na paixão do outro, na Cruz do seu sofrimento, sentir a dor do outro e, junto com ele, buscar soluções alternativas. Em Jesus, a prioridade não é dar coisas, mas dar-se, anunciar a
boa nova, a esperança, dar o próprio tempo, colocar-se à disposição, caminhar junto com aqueles que sofrem, assumir suas dores e plantar a esperança.
É importante recordar que a práxis de Jesus é referência para a presença da Igreja no mundo. Esta intimidade com o Senhor faz com que a Igreja sempre procure as águas
mais profundas para anunciar o Evangelho. Atravessando as tempestades, não perde sua vitalidade, sempre transforma as coisas velhas em novas. O Espírito Santo nunca a
abandona. Esta é uma promessa de Jesus (João 15, 26-27; 16, 1-15). A Igreja tem o compromisso de ajudar o mundo, a sociedade, os homens e as mulheres a reconhecerem que
Jesus é o Senhor e a se voltarem para a prática da justiça e da liberdade que geram a paz.

2.2. A pedagogia da encarnação

A pedagogia divina da Encarnação revela que Deus quer agir dentro da história e não de fora para dentro. A salvação é algo que acontece no cerne dos acontecimentos. Aqui
se encontra a base da consagração secular, do agir dentro e a partir do mundo. Não é uma ação exterior. É algo que nasce da experiência do existir humano e que se articula com a
história da salvação. O humano se cria no divino e o divino no humano.
Deus nunca abandonou a natureza que criou, nunca desistiu de suas criaturas. Apesar da desobediência e do pecado, comprometeu-se com sua redenção. De fato,

sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia. Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós
mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo (Romanos 8, 22-23).

Deus sempre quis ficar de bem.

Pois se o homem existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe o ser; e o homem só vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer
livremente este amor e se entregar ao seu Criador (GS, n. 19).

As experiências e narrativas dos Patriarcas e Profetas mostram que Deus sempre procurou restabelecer sua relação de gratuidade com as criaturas que recusavam o seu
projeto. Talvez, nos tempos de Noé, se encontre a primeira grande demonstração do compromisso de Deus com a humanidade (Gênesis 6-9).
Na história de Abraão e sua descendência, vemos que Deus fez uma aliança fundada na Promessa: – “Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai, e vai para a terra que eu
te mostrar” (Gênesis 12, 1). Também por meio de Moisés (Êxodo ■■), Deus resgatou o povo e promulgou sua lei. De tempos em tempos, Deus enviou profetas que vieram
preparar o povo para receber o Salvador. Finalmente, sem perder a essência de sua divindade, o próprio Deus penetrou na história e nela se fez presença. O Natal de Jesus foi o
modo que Deus escolheu para realizar a redenção humana e se manifestar como Salvador, Senhor e Cuidador. Foi um passo definitivo na realização das promessas da história da
salvação (cf. Levítico 26, 11-12).
Nessa linha, a busca de Deus pela humanidade chegou ao apogeu em Jesus Cristo. Por meio da encarnação, Jesus, o Verbo de Deus, o verdadeiro Pastor,

[...] esvaziou-se a si mesmo, assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte e
morte de cruz! (Filipenses 2, 6-8).

A dinâmica da encarnação é também a dinâmica da Igreja. – “Para que o mundo saiba que eu amo o Pai. Para que o mundo creia que tu me enviaste” (João 14, 31
e 17, 21), são palavras do Senhor reveladoras de que o mundo é o lugar próprio dos discípulos e, portanto, da Igreja: A Igreja é uma realidade presente no mundo, em função
do Reino de Deus. Ela tem a missão de anunciar o Reino de Deus. Esta é sua razão de existir.

O lugar da Igreja não é distante do mundo para se preservar. O lugar da Igreja é dentro do mundo a fim de servi-lo em vista da salvação em Jesus Cristo. Ainda mais,
a presença da Igreja no mundo significa que ela é feita de realidades terrestres. As realidades do mundo (suas alegrias e tristezas, suas vitórias e derrotas) perpassam a
vida da Igreja. É uma Igreja em relação com a Trindade, com o mundo, com a missão, com as outras igrejas cristãs e com as religiões (SANTOS, 1999, p. 59, 60 e 62).

Para cumprir o projeto de reunir e salvar em Cristo todas as criaturas, a Igreja mantém um interesse profundo pelo esforço humano no mundo e na história. Ela se preocupa
com o ser humano integral, com a vida humana em totalidade, com as alegrias e tristezas, as vitórias e derrotas que fazem parte do cotidiano. Ela acredita que Deus se manifesta
por aí. A Igreja sabe que

[...] não pode se desinteressar das questões da ordem temporal que encontra no seu caminho, nem dos trabalhos que estas implicam. [...] Ela sabe que, levando aos
homens a luz de Cristo, ajuda-os a conhecerem-se bem a si próprios, pois fá-los tomar consciência daquilo que são, da sua grande dignidade e do fim para o qual devem
tender (KLOPPENBURG, 1962, p. 84-88).

Abraçar a vocação cristã significa empenhar-se no anúncio de Jesus Cristo. A essa tarefa são chamados todos os batizados, todo o Corpo de Cristo, e não apenas alguns
voluntários ou agentes de pastoral. O anúncio explícito de Jesus Cristo, o testemunho de comunhão eclesial, a abertura para o outro e o serviço da caridade são componentes da
missão, em vista da pessoa, da comunidade e da sociedade. Estas não são apenas destinatárias, mas também sujeitos da missão.
Jesus relaciona o amor como o fator primordial para a vida e a missão da Igreja: – “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns para com os
outros” (João 13, 35). A funcionalidade do amor diz respeito à missão da Igreja. Sem o amor, a missão poderia se reduzir a um simples ativismo eclesial ou ao cumprimento de um
modelo de agenda empresarial. A missão tende a nascer de um amor capaz de evidenciar o compromisso com a presença de Deus no mundo.
A dimensão missionária da Igreja se manifesta no serviço para com os que sofrem. Por isso, ela está presente no mundo para servir, não para ser servida, para levar conforto
e esperança. A omissão, neste caso, carrega o peso de dizer não a Jesus (cf. Mateus 25, 43, 44). Sem a solidariedade que faz renascer a esperança, faz despertar a fé e criar a
comunhão, o anúncio do evangelho perde a vitalidade.

A Igreja “em saída” é a comunidade de discípulos missionários [...] ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar
às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do
Pai e a sua força difusiva. [...]. Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias [...] e assume a vida humana,
tocando a carne sofredora de Cristo no povo. [...]. Acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. [...]. A comunidade
evangelizadora mantém-se atenta aos frutos, porque o Senhor a quer fecunda. [...]. Encontra o modo para fazer com que a Palavra se encarne numa situação concreta e
dê frutos de vida nova, apesar de serem aparentemente imperfeitos ou defeituosos. [...]. A Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também
celebração da atividade evangelizadora e fonte dum renovado impulso para se dar (EG, n. 24).

A pedagogia da encarnação norteia toda a caminhada da Igreja. Assim a caracteriza o Papa Francisco, quando insiste numa “Igreja em saída”. É ir ao encontro, como Jesus
fez com a samaritana e com muitos outros, sem se deixar fascinar pela tentação diabólica do orgulho, da vaidade e da grandeza material.
A preocupação exagerada com a grandeza e a beleza dos templos e das obras, a aparência do culto, as grandes perspectivas e o poder não combinam com o Reino de Deus.
Do mesmo modo, o consagrado secular, trabalhando no mundo profissional, não pode se deixar arrastar pelo redemoinho do poder, da competição desenfreada, da vaidade e das
riquezas, próprio desse mundo.
Falamos da vida que nasce no meio do cotidiano, das coisas pequenas e singelas, trabalhadas no dia a dia. No mundo que enfrenta tantas tribulações, ser Igreja, assumir o
compromisso de torná-la presente em meio à sociedade, requer maturidade da fé, longe da superpreocupação com a materialidade das coisas, do espírito de vaidade,
do secularismo e ideologias, como o mundanismo, o pessimismo, o individualismo e o pelagianismo, que faz cada pessoa considerar desnecessária a graça de Deus para a própria
salvação e para resolver as questões da vida. Essas coisas, quando penetram em nossas ações, fazem esquecer e abandonar a essência da missionaridade da Igreja.
Jesus nos envia “como ovelhas para o meio de lobos...” (Mateus 10, 16), entre aqueles que podem matar “o corpo, mas não podem matar a alma” (Mateus 10, 28). Esta
relação nos convida a assumir uma atitude de profunda humildade e dependência de Deus. A vida cujo significado se explica pela fé e pelos sentimentos do coração nada tem a ver
com a ânsia do sucesso, do consumo desenfreado de tudo o que apetece, da competição e ganho desleal, da arrogância e opressão, que produzem a ruptura das relações e da
confiança entre as pessoas. As loucuras do mundo não são a loucura da Cruz, isto é, não alcançam e nem interiorizam a ciência da Cruz.
Para caminhar como filhos da luz, evitemos as “obras das trevas”, a impureza, a avareza, a ira, a injustiça, a insensatez, a embriaguez, a devassidão. Ao contrário, que cada
um de nós seja

imitador de Deus, como filhos e filhas amados, e andemos em amor, assim como Cristo. Procuremos discernir o que é agradável ao Senhor, entoemos cantos e louvores
a Deus no íntimo de nossos corações. Sempre e em tudo, demos graças ao Pai, em nome do Senhor Jesus Cristo (cf. Efésios 5, 1-20).

A santidade se constrói no dia a dia. São Francisco, Santa Rita de Cássia, São Pedro e São Paulo, São Martinho de Porres, São Oscar Romero, Santa Dulce dos Pobres, Santo
Antônio Galvão, São José de Anchieta, entre muitos outros, testemunharam que a vocação à santidade não deixa de ser construída na vida comum do dia a dia. É uma vocação
para todos.

A história da Igreja é uma história de santidade. [...]. De fato, esta santidade se manifesta nas vidas de tantos santos e beatos reconhecidos pela Igreja, mas também na
vida de uma multidão imensa de mulheres e homens desconhecidos, cujo número é impossível calcular. A sua vida atesta a verdade do Evangelho, oferecendo ao
mundo o sinal visível de que a perfeição é possível.13

Na sociedade líquida, os consagrados seculares abraçam um caminho de santidade e ajudam outros leigos a descobrirem a beleza do rosto de Cristo que se desenha na face
da Igreja. Neste sentido, recebem uma graça especial para permanecerem fiéis (CS, n. 43).

2.3. A Igreja em diálogo

Em busca de meios para atuar junto à cultura da modernidade, a Igreja acumulou, no século XX, um rico acervo teológico e sociológico, especialmente de Encíclicas e
Exortações Apostólicas. Entre muitos outros documentos, lembramos a Rerum Novarum, Ubi Arcano Dei, Quadragesimo Anno, Divinis Redemptoris, Summi
Pontificatus, Provida Mater Ecclesia, Mater et Magistra, Pacem in Terris... Este acervo contém uma cartografia eclesiológica que alcançou maior visibilidade, vitalidade e força
no Vaticano II. Cabe destacar que seu conteúdo realça a vocação e a missão do leigo, e destaca a cooperação entre os leigos e os presbíteros como um meio privilegiado para curar
as feridas do materialismo. Foi um momento fecundo no surgimento das organizações de leigos, especialmente da Ação Católica e dos Institutos Seculares.
Pio XI desejava a instalação de um movimento mundial com ramificações em vários países, como uma “extensão do braço da hierarquia eclesiástica”, a Ação Católica, cuja
tarefa seria evangelizar as nações. Reconhecia as inúmeras atividades desenvolvidas pelos leigos nos diferentes campos da vida social, a educação, a comunicação, a ciência, a
cultura e o trabalho. Nesses campos, os leigos desenvolveriam sua missão, como uma extensão da pastoral da Igreja. Escreve Pio XI que as organizações, os movimentos e as
obras dos leigos, reunidos como “Ação Católica” são muito queridas ao seu coração paternal e do seu maior interesse.

Todas essas organizações e movimentos devem não apenas continuar existindo, mas devem se desenvolver cada vez mais, sempre como as condições de tempo e lugar
parecem exigir (UADC, n. 55).

O movimento existente na Igreja, já antes do Vaticano II, apontava para uma metodologia dialógica com o mundo. Aos poucos, os documentos do Magistério formularam
uma eclesiologia e uma sociologia para nortear o modus operandi da Igreja na segunda metade do século XX.
O Vaticano II, XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi inaugurado em 11 de outubro de 1962, por iniciativa do Papa João XXIII, com o propósito de infundir “as
eternas, vivificantes e divinas energias do evangelho nas veias do mundo moderno”.14 O Concílio contou com a participação de 2.540 bispos de todos os Continentes. No discurso
de abertura, Gaudet Mater Ecclesia, o Papa enfatizou que a Igreja deveria

levar em conta as extraordinárias invenções atuais do engenho humano e os enormes progressos do conhecimento, avaliando-os devidamente, sem deixar de lembrar
aos seres humanos que acima das coisas visíveis está Deus, fonte de toda sabedoria e de toda beleza.

Até seu encerramento, em 1965, o Vaticano II foi palco de um esforço gigantesco para encarnar a Igreja no mundo da modernidade. As atividades humanas clamavam por
novas experiências pastorais e pela implantação de estruturas mais adequadas à vida pastoral. Para anunciar o Evangelho de modo mais compreensível aos destinatários, era
preciso dar atenção aos sinais dos tempos.
As reflexões do Concílio produziram um novo estilo de relação entre a Igreja e o mundo, valorizaram as novas formas de viver o evangelho e de alcançar a perfeição cristã
no cotidiano. Uma Igreja disposta a ouvir, a colaborar, a aprender e a caminhar a serviço da justiça, da fraternidade e da paz, no respeito ao valor e à autonomia das realidades
terrestres. Enfim, uma Igreja voltada para o mundo.
O Vaticano II olhou para as várias experiências do final do século XIX e metade do século XX – a Ação Católica, os Institutos Seculares, as novas tecnologias,
as transformações sociais, científicas, econômicas, culturais, religiosas e políticas, as Guerras Mundiais, a criação da ONU, Organização das Nações Unidas, e a emergência de
grande diversidade de movimentos sociais e sindicatos. A Igreja tinha que responder aos fatos e desafios do mundo moderno.
As discussões e conteúdos conciliares ajudaram a Igreja a melhor se descobrir e a crescer. O Vaticano II priorizou mecanismos e propostas pastorais para uma Igreja em
relação com o mundo, em condições de dialogar com a sociedade moderna, sem medo de enfrentar o secularismo. O Concílio definiu o jeito de a Igreja se colocar e comunicar a
presença e a ação de Deus no mundo, de um lado e, por outro, de escutar as angústias e sofrimentos da humanidade.
A ação missionária consiste em fazer ecoar continuamente a experiência pentecostal da primeira comunidade. Não ter medo de falar das verdades reveladas pelo Cristo e não
deixar a humanidade abandonada à própria sorte. O Concílio sempre teve a convicção de que é o Pai quem atrai as pessoas para Jesus Cristo e para viver na Igreja. Já os profetas
afirmavam que todos serão discípulos de Deus e que todo aquele que escuta o Pai é por ele instruído (cf. João 6, 44-51).
O Papa João XXIII chamou a atenção para uma Igreja mãe amorosa de todos e reconheceu a situação do gênero humano, oprimido por inúmeras dificuldades. No mundo
moderno, o intuito da Igreja era continuar a comunicar “os bens da graça divina que, elevando os homens à dignidade de filhos de Deus, são defesa poderosíssima e ajuda para
uma vida mais humana”. Nesse contexto, disse o Papa que a Igreja

abre a fonte da sua doutrina vivificante, que permite aos homens, iluminados pela luz de Cristo, compreender bem aquilo que eles são na realidade; a sua excelsa
dignidade e o seu fim; e mais, por meio dos seus filhos, estende a toda parte a plenitude da caridade cristã, que é o melhor auxílio para eliminar as sementes da
discórdia; e nada é mais eficaz para fomentar a concórdia, a paz justa e a união fraterna.15

O intuito do Concílio era tirar um pouco a poeira dos séculos e trazer à tona um aggiornamento, uma atualização da Igreja, com vistas a responder às necessidades dos novos
tempos, sem perder a dimensão da paz, da justiça e da fraternidade. Em outras palavras, retomar a força do evangelho e ajudar cada homem, cada mulher, a se encontrar com
Cristo e a reconhecê-lo como Senhor (cf. João 21, 1-25).
O Concílio evidenciou a vocação universal à santidade, redefiniu a vocação e a missão dos leigos como caminhos para tornar o mundo melhor e mais humano, deu
visibilidade e consistência à edificação de uma Igreja a serviço. Uma Igreja em relação com o mundo, comprometida com a evangelização, parceira da sociedade e preocupada
com a atividade humana a serviço do bem comum e do crescimento do Reino de Deus. Na terceira reunião geral do Concílio, em 20 de outubro de 1962, João XXIII destacou a
missão conciliar de fazer brilhar a face de Cristo.
Essas orientações tinham como foco pensar a essência da Igreja nos múltiplos ministérios, contexto em que se pergunta o que é ser bispo, padre, diácono, religioso,
consagrado, leigo, cada um com sua missão, mas todos igualmente chamados a ser santos. É este o itinerário da Lumen Gentium.

Todos os cristãos são chamados e obrigados a tender à santidade e perfeição do próprio estado. Procurem, por isso, ordenar retamente os próprios afetos, para não
serem impedidos de avançar na perfeição da caridade pelo uso das coisas terrenas e pelo apego às riquezas, em oposição ao espírito da pobreza evangélica, segundo o
conselho do Apóstolo: os que usam do mundo façam-no como se dele não usassem, pois é transitório o cenário deste mundo (LG, n. 42).

Essa visão perpassa os documentos do Concílio. O Vaticano II se esforçou para ampliar os horizontes de misericórdia, compreensão, fraternidade e serviço. A Igreja
conciliar oferece ajuda à sociedade para a construção da fraternidade universal própria da vocação do ser humano (GS, n. 3). Ela quer se fazer ouvir como portadora da Boa Nova
de Jesus Cristo. Seu anseio é recriar, redimensionar ou restaurar na sociedade os valores cristãos, de forma a atender às aspirações e angústias de homens e mulheres, de um lado.
Por outro aspecto, quer escutar e observar os gestos, comportamentos, práticas e organizações, nelas descobrir as práticas de justiça e conectá-las a questões transcendentais, ou ao
testemunho de transcendência.
Os ventos do Vaticano II priorizaram a tomada de consciência da Igreja sobre si mesma e na relação com o mundo. Cada cristão deve viver e ter uma presença no mundo,
buscando testemunhar os ensinamentos da Igreja e ser construtor da paz e da justiça. Em síntese, deve ser construtor de uma nova humanidade. Para isso, deve levar em conta a
justiça e a caridade, em

favor do bem comum, segundo as próprias possibilidades e as necessidades dos outros, promovendo instituições públicas ou privadas e ajudando as que servem para
melhorar as condições de vida dos homens. Mas há pessoas que, fazendo profissão de ideias amplas e generosas, vivem sempre, no entanto, de tal modo como se
nenhum caso fizessem das necessidades sociais. E até, em vários países, muitos desprezam as leis e prescrições sociais. Não poucos se atrevem a eximir-se, com várias
fraudes e enganos, aos impostos e outras obrigações sociais. Outros desprezam certas normas da vida social, como por exemplo as estabelecidas para defender a saúde
ou para regularizar o trânsito de veículos, sem repararem que esse seu descuido põe em perigo a vida própria e alheia (GS, n. 3).

Viver a justiça e a caridade é se comprometer em responder aos reclamos e transformações sociais. Jesus estabeleceu que devemos primeiro buscar o reino de Deus e sua
justiça (cf. Mateus 6, 33-34) e o resto viria por acréscimo. Isto significa que buscar o reino de Deus contribui para modificar a sociedade. Um dos valores mais importantes da vida
social é a prática da justiça, assim como o encontro entre o mundo e a Igreja produz vitalidade na doutrina e na missão.
A Igreja não ignora o quanto tem recebido da história, da evolução da humanidade, das riquezas da ciência e da cultura. Sabe que pode e deve aprender com o mundo. Está
“firmemente persuadida de que pode receber preciosa e diversificada ajuda do mundo [...], para abrir caminho ao evangelho” (GS, n. 40). É importante, para a comunidade
eclesial, ter sempre em mente este aprender com o mundo e, ao mesmo tempo, com discernimento, acolher a ajuda dos especialistas nos campos das ciências biológicas, médicas,
sociais e psicológicas [...], para o bem da humanidade e a paz das consciências (GS, n. 52).
A Igreja espera que sejam conhecidas e utilizadas as descobertas das ciências, como a psicologia e a sociologia, em vista da formação da maturidade da fé, e não apenas os
princípios teológicos. O mesmo se pode dizer das letras e das artes, que expressam a constituição própria do ser humano, segundo as épocas e as regiões (GS, n. 62). A Igreja
reconhece a autonomia da ciência, da economia, da política e sua própria autonomia. É convicção da Igreja que as parcerias ajudam a dar visibilidade ao reino de Deus. Unida a
outras forças sociais, a comunidade eclesial é responsável pela garantia e preservação dos direitos humanos, pela construção e orientação da vida social, cultural, política
e econômica.
Em parceria com outras forças sociais, em espírito de cooperação, a Igreja está a serviço da vocação humana, chamada a viver na realidade terrestre sua vocação à
eternidade. É seu desejo estar no mundo não apenas como mestra, mas como servidora, até mesmo para aprender do mundo e testemunhar que a bondade de Deus tudo renova e
tudo procura dirigir para o bem, mesmo situações confusas, obscuras e até antiéticas (cf. Gênesis ■■, 20 ss).
O Concílio Vaticano II apresenta uma Igreja fundada no tripé do anúncio, da denúncia e do testemunho, pela perspectiva de caminhar com a humanidade, sondar suas
angústias, sentir seus sofrimentos e oferecer orientações seguras, à luz do evangelho. Ela pode fazer assim, porque conserva a intimidade com Deus, por meio da oração e
do apostolado. Para isso, recebeu do próprio Jesus o mandato de anunciar a vida nova na Trindade, denunciar tudo o que contraria a vida e dar testemunho.
Os acontecimentos históricos e tragédias humanas impulsionam a Igreja a mergulhar no evangelho e a aprofundar sua intimidade com o Senhor para oferecer à humanidade
caminhos mais seguros de realização. Ela tem necessidade do auxílio de todos que conhecem os sistemas, a cultura, as disciplinas, bem como as mentalidades e características,
desde a família até à política, nos múltiplos espaços.
A Igreja conciliar quis se colocar como amiga da humanidade, naquele sentido ético dado por Jesus: – “Já não vos chamo servos, mas amigos, porque vos revelei o que ouvi
de meu Pai” (João 15, 15). Ou, quando disse que seus irmãos, sua família, seus amigos são todos os que praticam a Palavra de Deus. O mundo de hoje, como diria Habermas,
depende das relações de amizade, numa perspectiva que se funda na alegria e na esperança.
Todos os conhecimentos e saberes da vida podem ser aplicados à evangelização e facilitar a percepção e o entendimento da revelação (cf. GS,
n. 44), bem como ajudar homens e mulheres a descobrirem Jesus Cristo como único remunerador e salvador (cf. Hebreus 11, 6). Em síntese, a Igreja tem consciência de que tem
algo a dizer e a escutar do mundo. Esta é a pedagogia do Mestre, que sempre escutou e analisou as pessoas e situações, em sintonia com a vontade do Pai. Por isso, cabe à Igreja
escutar, sentir, discernir e interpretar, cada dia, as várias linguagens, narrativas e situações presentes na complexidade do Planeta.
A eclesiologia que aparece na Provida Mater Ecclesia encontra iluminação e respaldo na eclesiologia do Vaticano II. Esta visão trouxe maior consistência à missão dos
Institutos e apontou caminhos para a presença e atuação dos consagrados seculares. Em nossas reflexões, de fundo eclesiológico ou sociológico, perpassa a convicção de que a
vida social é dinâmica, não estática.
Nosso intuito é estruturar uma certa compreensão da consagração secular, bem como de suas ações. A Provida já chamava atenção para uma articulação
teológico-sociológica. Mas esta somente foi possível após o século XIX, à luz de uma nova metodologia, a qual passou a configurar o caráter científico daquelas ciências
(cf. GIDDENS; SUTTON, 2016). Elas passaram a orientar os planejamentos pastorais, especialmente no século XX. O elemento mais forte desse jeito de agir foi a metodologia
dialógica, caracterizada pelo ver, julgar e agir.
No encerrar do Concílio, Paulo VI afirmou que o Vaticano II quis dar uma resposta concreta às interrogações do mundo de hoje, seu passado, seu presente, seu futuro.

O passado, porque [dizia o Papa], aqui está reunida a Igreja de Cristo, com sua Tradição, sua história, seus Concílios, seus Doutores, seus Santos... O presente, porque
nós nos deixamos para ir ao encontro do mundo de hoje, com suas misérias, com suas dores, seus pecados, mas também com seus prodigiosos sucessos, seus valores,
suas virtudes... O futuro, enfim, lá está no apelo imperioso dos povos por mais justiça, na sua vontade de paz, na sua sede, consciente ou inconsciente, de uma vida
mais elevada: aquela, precisamente a que a Igreja de Cristo pode e deve dar-lhes (PAULO VI apud KLOPPENBURG, 1966, p. 508).

Enquanto sistema orgânico das orientações da Igreja, carregado de sabedoria, o Concílio veio ajudar a testemunhar Cristo no mundo, valorizando a Palavra de Deus,
o Magistério e a Vida. Por este aspecto, abriu horizontes que envolvem desde novos estudos bíblicos até uma compreensão do humanismo e da vida cotidiana como meios de
santificação. Poderíamos dizer que em todos os lugares e nas diferentes culturas e ações humanas, aparecem as sementes do Reino de Deus. São Pedro já havia ensinado que Deus
não faz distinção de pessoas. A ele é agradável todo aquele que o teme e pratica o que é justo (cf. ATOS 10, 34-35).
O lugar por excelência para dar testemunho da verdade de Cristo é a cidade, o mundo, a cultura... Esta eclesiologia, já presente na Provida e que caracteriza a peculiaridade
da vida consagrada secular, ganhou contornos no Vaticano II. No Concílio, ficou patente que toda a Igreja se volta para a ação no mundo, um conteúdo que talvez lance raízes
na oração sacerdotal de Jesus (cf. JOÃO 17). Desde o Vaticano II, a Igreja vem atualizando esse conteúdo. As Exortações Apostólicas Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI,
e Evangelii Gaudium, de Papa Francisco, traçam pistas de como evangelizar o cotidiano e nele permanecer como locus privilegiado da evangelização.

A primeira tarefa da vida consagrada é tornar visíveis as maravilhas que Deus realiza na frágil humanidade das pessoas chamadas. Mais do que com as palavras, elas
testemunham essas maravilhas com a linguagem eloquente de uma existência transfigurada, capaz de suscitar a admiração do mundo (DC, n. 119).

A realidade do mundo está sempre no coração e no agir do consagrado secular. Aqui ele se situa e caminha em busca da santidade. Neste espaço, estão os desafios de sua
missão e o conteúdo de sua oração e de sua busca de Deus.

2.4. O mundo sangra, mas tem sinais de esperança e alegria

O mundo, com seu cotidiano, os territórios, a política, a economia, a educação, a comunicação, a saúde, a assistência, seus múltiplos aspectos, é o campo próprio da missão
do consagrado e da consagrada secular. É a partir do mundo, concebido como espaço da criação e da redenção da humanidade, ao longo da história, que os consagrados seculares
cooperam com a salvação. Do ponto de vista da cultura, mundo é tudo o que o ser humano faz e constrói.
Desde o Antigo Testamento, muito se fala e se reflete sobre que sentido o mundo tem. Na linguagem bíblica, mundo é a obra da criação, o universo, o cosmo com suas
criaturas. Tudo estava em Deus desde o início, tudo dele procedia, em harmonia com a narrativa bíblica.
O primeiro livro do Antigo Testamento descreve o momento nefasto em que o homem e a mulher, criados por Deus em simplicidade e inocência, caíram na tentação de
experimentar o fruto da árvore do conhecimento, contra a ordem divina (cf. Gênesis, cap. ■). Com esse ato de desobediência, criaram as condições necessárias para decidir sobre
seu destino e fazer suas próprias escolhas. Apesar dessa atitude, não se libertaram e nem libertaram a humanidade. Ao contrário, Adão e Eva foram expulsos do paraíso e
enveredaram pela trilha do pecado, do mal e do sofrimento. Acima da vontade do Criador, experimentaram o fruto interdito ao consumo humano.

A perda da inocência é um ponto sem volta. Só se pode ser verdadeiramente feliz enquanto não se sabe quão feliz se é. Tendo aprendido o significado da felicidade,
com sua perda, os filhos de Adão e Eva teriam que aprender pela via mais difícil [...] O propósito sempre lhes escaparia, por mais próximo [...] que lhes pudesse parecer
(BAUMAN, 2003, p. 15).

Provavelmente, a desobediência de Adão e Eva marca a origem da história humana, fundada na capacidade de escolha do sujeito. Seus descendentes lutam contra os
empecilhos que dificultam a descoberta do caminho de volta e a desesperança de retorno ao paraíso. Em decorrência, somos todos desenraizados e somente em Cristo podemos
reencontrar a solidez.
Na descrição bíblica da relação entre os filhos de Adão e Eva, que resultou no assassinato de Abel por seu irmão Caim, novos questionamentos aparecem.
E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou. E disse o Senhor a Caim: – “Onde
está Abel, teu irmão?” E ele disse: – “Não sei; sou eu guardador do meu irmão?” E disse Deus: – “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a
terra” (Gênesis 4, 8-10).

Nessas narrativas, a cultura humana traz a nódoa do pecado, do mal, do sofrimento, do sacrifício, do “suor do próprio rosto”, porém, com a marca da criatividade, da busca
do bem, da estética. “A decisão está nas mãos do homem, está em sua capacidade de levar a sério a si mesmo, a sua vida e felicidade; em sua disposição para enfrentar o problema
moral, tanto seu quanto da sua sociedade” (FROMM, 1975, p. 211). A cultura aparece e se define na ação humana ligada à natureza, ao Criador e às relações pessoais e sociais. A
marca característica dessa ação é o trabalho. Por meio do trabalho, o homem transforma a sociedade e a cultura.
Para Adão, as primeiras perguntas divinas após a desobediência foram: – “O que você está fazendo?” – “Onde você está”? Para Caim, Deus perguntou: – “Onde está seu
irmão?” E Caim assim respondeu: – “Por acaso sou o guardião do meu irmão?” Essas perguntas perpassam a cultura, são feitas e refeitas até os dias de hoje. A cultura é sempre
tecida e refeita pela quebra e recomposição de laços. A mais antiga ruptura que aparece é a do homem com Deus e, depois, entre irmãos. E os homens sempre se organizam e
reorganizam para tentar corrigir essas rupturas (BAUMAN, 1999, p. 95-109).
Na visão de Paulo e João, a humanidade desobediente é o mundo do pecado, o domínio do mal, do príncipe das trevas. Por essa razão, o mundo não conheceu o Verbo, não
acolheu o Filho de Deus e rejeita seus discípulos, afirma São João. O mundo odeia Jesus e os seus, e as “obras do mundo são más”. Jesus não pertence ao mundo (João 1, 10; 7, 7;
15, 18; 17, 16), assim como seus discípulos “não são deste mundo”, mas “estão no mundo” e contribuem para sua transformação. É preciso amar o mundo para transformá-lo.
Na cultura judaico-cristã, todo o sentido do humano vem de Deus e se volta para Deus. No materialismo de múltiplas colorações, o ser humano tem que encontrar em si
mesmo o sentido da existência. Por essa perspectiva, ele pode viver à deriva ou ter a sensação de mudar de rumo ao sabor dos ventos, sem direção certa.
Quando refletimos sobre a realidade do mundo, temos como panorama as belas páginas da Constituição Pastoral Gaudium et Spes e da Constituição Dogmática Lumen
Gentium. Sem levar em conta esses documentos, qualquer análise do mundo seria incompleta. A Igreja do Vaticano II,

[...] tendo investigado mais profundamente o mistério da Igreja, [...] tem diante dos olhos o mundo dos homens, ou seja a inteira família humana, com todas as
realidades no meio das quais vive; esse mundo que é teatro da história da humanidade, marcado pelo seu engenho, pelas suas derrotas e vitórias; mundo, que os cristãos
acreditam ser criado e conservado pelo amor do Criador; caído, sem dúvida, sob a escravidão do pecado, mas libertado pela cruz e ressurreição de Cristo, vencedor do
poder do maligno; mundo, finalmente, destinado, segundo o desígnio de Deus, a ser transformado e alcançar a própria realização (GS, n. 2).

A questão vital é como homens e mulheres se colocam no mundo, como buscam transformá-lo, construí-lo e encontrar para ele um sentido existencial. No fundo, todas as
culturas querem elucidar o sentido da existência humana. Em meio à diversidade cultural, ou ao multiculturalismo ou interculturalismo, termos preferidos pelos intelectuais de
hoje, um conjunto de explicações de matiz judaico-cristã aparece ao lado de outras explicações culturais.
O mundo, portanto, é a natureza transformada pela ação civilizadora do gênero humano. É o espaço marcado pela ação humana, por suas decepções e conquistas. É resultado
da tarefa de homens e mulheres que fazem a história, dentro de determinadas circunstâncias e dos planos de Deus. Falamos do mundo produzido pela humanidade, este agente que
constrói a história e é por ela construído. Os acontecimentos são sinais que refletem bondade e maldade, desejos, frustrações e aspirações.
Filósofos, psicólogos e sociólogos compreendem o mundo como espaço de organização para responder às necessidades e carecimentos humanos. O mundo cresce e se
desenvolve a partir das múltiplas formas de satisfação dos carecimentos materiais, simbólicos e espirituais do ser humano. Isto se pode verificar pela construção dos diferentes
modos de produção existentes na história.
Modo de produção é a forma pela qual a sociedade organiza o processo de produção e de circulação da mercadoria, define quem é rico, quem é pobre, estabelece os papéis
sociais, as profissões, as formas de propriedade, as instituições e como se realizam os contratos. Cada época da história é condicionada por um modo de produção. Nesse
movimento, há sempre uma religião norteadora.
À medida que se altera o modo de produção, também se modificam as formas de ser, pensar e agir. Os indivíduos são influenciados por uma determinada atividade
produtiva. Por meio dela, estabelecem relações sociais e políticas determinadas. Nesse sentido, o agir humano se organiza mediante condições históricas dadas (cf. MARX,
Karl, 1980).
Na sociedade em que Jesus viveu, a produção envolvia a agricultura, a pesca, o pastoreio, a apicultura. As profissões mais conhecidas eram as de ferreiro, oleiro, tecelão,
marceneiro, pedreiro e curtidor. A classe alta era formada pela nobreza sacerdotal, por altos funcionários, latifundiários e grandes comerciantes; a classe média incluía pequenos
proprietários rurais, artesãos e comerciantes. A classe inferior era constituída por escravos e jornaleiros (diaristas). Imperava o sistema de exploração das famílias pobres, no
contexto da dominação dos romanos. Jesus, seus discípulos e as primeiras comunidades cristãs fizeram a vontade do Pai dentro dessa realidade.
Da época de Jesus até nossos dias, a história passou por inúmeras mudanças culturais, tecnológicas, econômicas e religiosas. Nosso tempo tem sido marcado por múltiplas
contradições e conflitos, por questões étnicas, de gênero, geracionais, sociais, políticas e religiosas que se fazem presentes na convivência cotidiana. O futuro, em projeção, deve
trazer incontáveis mudanças. As perspectivas indicam que teremos uma cultura fundada na biotecnologia e na tecnologia digital.
Estar no mundo permite visualizar, sentir, compreender e experimentar as oposições entre coisas e seres, entre aparência e essência, entre singular e universal, e isto exige
uma escolha, uma decisão por parte do sujeito. Esta concepção não vê o mundo e nem a vida humana como algo dado e estático, e sim como processo, como realidade em
construção. O sujeito no mundo é um projeto inacabado, um ser insuficiente, chamado a ser. Acreditamos que é essa a novidade da consagração secular. Não é algo dado ou
estático, é sempre um jeito de ser em construção.
Diante desse jogo dialético do sentido da cultura, coexistem no mundo as experiências do mal e do bem. Muitas coisas que nos parecem más podem ser boas, e coisas que
nos parecem boas podem ser más ou estar vinculadas a intenções antiéticas. É necessário ter critérios claros de ação. Para os cristãos, esses critérios estão no evangelho. Para
outros grupos, estão na ética ou na estética. Existem, ainda, grupos que estão presos à mercantilização da vida, que têm como critério a lógica do mercado, da exploração.
O mundo se entende como a família humana presente na história, uma realidade complexa, não homogênea. A Igreja está no mundo, mas não está separada do mundo.
Sociologicamente, ela é uma comunidade moral e tende a oferecer critérios para discernimento, em vista da paz. Não se pode, contudo, negar sua natureza escatológica, em
detrimento do sociológico. É uma comunidade diferenciada do mundo e isto não significa separação.

Mas distinção não é separação. Nem é indiferença, temor ou desprezo. Quando a Igreja afirma a sua distinção da humanidade, não se opõe, aproxima-se dela. Como o
médico, ao ver as ameaças da epidemia, procura preservar-se da infecção a si e aos outros, sem deixar de atender aos já contagiados, assim a Igreja não considera
privilégio exclusivo a misericórdia, que lhe concede a bondade divina, não faz da própria felicidade razão para desinteressar-se de quem não a conseguiu ainda; bem ao
contrário, esse mesmo tesouro de salvação, que possui, é para ela fonte de interesse e de amor por todos os que lhe estão perto (ES, n. 36).

Nesse emaranhado, Deus se faz sempre presente, atuante e comunicante. É um Deus vivo na história do mundo. A Igreja navega em meio às tempestades da cultura, da
política, do mundo como totalidade. Neste movimento, ela afeta e é afetada pelo mundo. Está no mundo e o mundo está nela. Busca sempre dar respostas às interrogações da
humanidade e ser fiel ao plano trinitário, circunscrito na Palavra de Deus e na sua Tradição. Esta discussão não quer naturalizar nem relativizar a mensagem do Evangelho. Isto
seria esvaziar ou negar o Plano de Deus.

O relativismo, tudo justificando, e afirmando que tudo é do mesmo valor, impugna o caráter absoluto dos princípios cristãos. O hábito de excluir qualquer esforço,
qualquer incômodo, da prática ordinária da vida acusa de inutilidade enfadonha a disciplina e a ascese cristã. Às vezes, até o desejo apostólico de entrar em ambientes
profanos e de conseguir boa aceitação nos espíritos modernos sobretudo juvenis, traduz-se em renúncia às formas próprias da vida cristã e mesmo àquele estilo de
domínio próprio, que deve dar sentido e vigor ao desejo de aproximação e de influxo para o bem. [...] O grande princípio, enunciado por Cristo, volta a apresentar-se na
sua atualidade e também na sua dificuldade: estar no mundo, mas não ser do mundo. Felizes de nós porque a altíssima e oportuníssima oração, daquele “que sempre
vive para interceder por nós”, ainda hoje é repetida diante do Pai do céu: “Não peço que os tires do mundo, mas que os defendas do mal” (ES, n. 26).

Acreditamos que a beleza do Vaticano II, quando se refere ao mundo, está na proposta de superação da dicotomía entre bem e mal, corpo e espírito, Igreja e mundo, história
da salvação e história humana. A realidade do mundo, com suas contradições e paradoxos, não está fora, está também dentro da Igreja. O Concílio chama atenção para a realidade
do pecado que atravessa todos os campos da humanidade.
O ser humano, remido por Cristo e transformado em nova criatura no Espírito Santo, pode e deve amar todas as coisas criadas. Recebe-as das mãos de Deus, agradecendo-as
ao seu Benfeitor. Em espírito de pobreza e de liberdade, entra na posse verdadeira do mundo, sem nada ter, mas tudo possuindo (GS, n. 37). Pela ação do Espírito
Santo, discípulos e discípulas se colocam no mundo. Querem renovar os apelos de Cristo, para que cada ser humano possa se converter e o mundo se volte para Deus, até que
Cristo seja o único Pastor.

2.5. Impactos da tecnologia nas relações sociais

Na era da biotecnologia, descobre-se uma imensidão de territórios e espaços terrestres. O avanço da história levou os homens a se apossarem do mundo, sua morada. Apesar
disso, o Planeta parece cada vez menor, diminuído.
Os homens vivem agora num todo global e contínuo, no qual a noção de distância, inerente até mesmo à mais perfeita contiguidade de dois pontos, cedeu ante à furiosa
arremetida da velocidade. A velocidade conquistou o espaço; e, ainda que este processo de conquista encontre seus limites na barreira inexpugnável da presença
simultânea do mesmo corpo em dois lugares diferentes, eliminou a importância da distância, pois nenhuma parcela significante da vida humana – anos, meses ou
mesmo semanas – é agora necessária para que se atinja qualquer ponto da terra. É verdade que nada poderia ter sido mais alheio ao propósito dos exploradores e
circum-navegadores do início da era moderna que esse processo de avizinhamento; eles se fizeram ao mar para ampliar a terra, não para reduzi-la a uma bola; e, quando
atenderam ao chamado de terras distantes, não tinham intenção alguma de abolir a distância (ARENDT, 2001, p. 262).

A redução das fronteiras de tempo, velocidade e distância alterou radicalmente as formas de mobilidade, de pensar e de agir. As instituições perderam a força, o ethos social
se fragmentou e fragilizou, novos sentidos da existência humana emergiram. Tornou-se evidente tudo aquilo que escamoteava os conflitos entre a cultura de paz e a cultura
da violência, entre a vida e a banalização da vida, entre a liberdade e a opressão, entre a esperança e o desespero. As múltiplas formas de dominação e exploração vieram à luz. Eis
aí um tempo de turbulências e incertezas, de colapso das tradições, que desperta em homens e mulheres a sensação de estarem extraviados, sem rumo.
Um dos desafios do nosso tempo é como educar para viver num mundo em colapso, sem perder a dimensão do ethos cristão. Nesta direção, temos que nos perguntar o que
significa e como ser discípulos e discípulas.

A característica distintiva das histórias contadas em nossos tempos é que elas articulam vidas individuais de uma forma que exclui ou elimina (impede a articulação) a
possibilidade de seguir a pista dos vínculos que conectam o destino individual às formas e aos meios pelos quais a sociedade como um todo opera; para ser mais exato,
impede o questionamento de tais formas e meios, relegando-os ao cenário não examinado das buscas individuais e caracterizando-os como fatos brutos que os
contadores de histórias não podem desafiar nem negociar, seja de forma solitária, diversa ou coletiva. Com os fatores supraindividuais moldando o curso de uma vida
individual longe dos olhos e do pensamento, o valor agregado de unir forças e ficar lado a lado é difícil de ser reconhecido. E o impulso de comprometer (quem dirá se
comprometer criticamente) com a forma em que a condição humana, ou o mandamento humano compartilhado, é moldada, é fraco ou inexistente (BAUMAN, 1999, p.
17).

O mundo é o campo de realização e descoberta do sentido humano do existir. Os humanistas, em particular de feição existencialista, concordam com o princípio de que o
homem é um ser para o mundo.

É no mundo que homens e mulheres aprendem e se descobrem como gente, adquirem valores e renovam seu jeito de agir e de estar presentes. Mas uma nova dinâmica
estreou desde que a humanidade saboreou o fruto da árvore do bem e do mal, que a estimula a agir. Cada vez mais, o mundo se torna um espaço de luta entre o bem e o
mal, energias que a sociedade cria, recria e delas se apropria. Quando pensamos que estamos aprendendo a viver, estamos aprendendo a morrer, remata Leonardo da
Vinci (BAUMAN, 1999, p. 10).

A história da vida é narrada sempre a partir de suposições. Mas, quando penetramos no cotidiano, descobrimos que a vida é um conjunto de articulações que abrem e fecham
possibilidades. Essas questões nos permitem compreender a vida como um jogo condicionado a um conjunto de regras; às vezes, o jogador rompe com essas regras e põe a
descoberto o fato de que os seres humanos não são tão ingênuos quanto talvez possam parecer e nem destituídos de razão.
Cabe ressaltar que estamos entrando numa fase da história que, a princípio, se denomina de sociedade líquida. Esta perspectiva recria a relação entre dominantes e
dominados, governantes e governados, clero e leigos, indivíduos e instituições, numa realidade de precariedade. A nova relação desloca as práticas de proteção para
protecionismo, para um jeito disfarçado de retomar o assistencialismo, que concebe o sujeito como coisa, objeto de manipulação.
Esta forma de dominação reduz a força da disciplina que define fronteiras, deixa ao laisse-faire as pessoas e a sociedade. Em outros termos, que “cada um faça o que quiser”.
O rompimento das fronteiras humanas dá lugar às práticas de controle social, realizada hoje pelo uso da tecnologia. Vivemos num contínuo e sistemático big brother, em que todo
mundo vê todo mundo. A passagem da sociedade disciplinar para a sociedade do controle coloca em questão as identidades, que se tornam um resíduo de outra fase da história. O
que hoje se considera não é a identidade, e sim a identificação, sempre em processo, que nunca se fecha, mas que se modifica conforme a situação (cf. BAUMAN, 2017).

O processo de secularização tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo. Além disso, com a negação de toda a transcendência, produziu-se uma crescente
deformação ética, um enfraquecimento do sentido do pecado pessoal e social e um aumento progressivo do relativismo; e tudo isso provoca uma desorientação
generalizada, especialmente na fase tão vulnerável às mudanças da adolescência e juventude. [...]. Vivemos numa sociedade da informação que nos satura de dados,
todos postos ao mesmo nível, e acaba por nos conduzir a uma tremenda superficialidade no momento de enquadrar as questões morais (EG, n. 64).

Em síntese, o mundo é um mundo em risco e a mortalidade faz parte da vida. Até o amor é mortal. Por isso, a vida do sujeito e a sociedade não são estáticas, são o mundo
em movimento, com múltiplos riscos. Ao longo da vida, o sujeito vai se apropriando das possibilidades oferecidas pelo cotidiano e pelas estruturas sociais, elementos que ajudam
a equacionar a vida. Esta realidade levou vários autores a afirmarem que homens e mulheres são seres para o mundo, no qual se descobrem e aprendem a amar o cotidiano. Isto
pode fazer deles seres responsáveis e levar cada uma de suas ações a estar circunscrita na ética da responsabilidade.
Segundo nossa perspectiva, o mundo deve ser compreendido no bojo das relações sociais e nas ações do sujeito. Ações e relações colocam e recolocam problemas em cada
passo dado pelo sujeito ativo. Não é possível compreender o mundo somente a partir de categorias analíticas que, quando desarticuladas da prática, tornam-se obsoletas ou
reificadas. É a relação entre a prática e a teoria que faz do sujeito um ser comprometido e responsável pelo mundo.
História e biografia são narrativas fundadas em conflitos. Do nascimento até a morte, a vida humana percorre caminhos de conflitos. Por essa razão, o conflito faz parte da
vida e oferece os elementos constitutivos da história e da biografia. Estar no mundo é caminhar entre conflitos, é aprender com eles, é assumir a possibilidade de interferir no
destino. Marx e Weber entendem o conflito como o motor da história e, diríamos, o conflito é também a essência do ser humano e o conduz à maturidade. Goethe, no Fausto,
constata que o desenvolvimento e o amadurecimento humano têm um custo: saber
administrar conflitos.

2.6. Eis o tempo da diversidade e da mediação

A centralidade dos conflitos se torna mais explicativa quando analisamos a política e a cultura dos colonizadores que, mais tarde, constituiriam uma política de colonização.
É nesse cenário que os discípulos são convocados a realizar sua missão e dar testemunho. Tal forma de conceber a história se verifica na história do Continente latino-americano,
desde o início, com o martírio dos povos originários da América e dos povos que aqui chegaram, africanos e europeus, e, depois, asiáticos.
Mais recentemente, várias formas de martírio afligiram a América Latina. Em 24 de março de 1980, São Oscar Romero (canonizado pelo Papa Francisco em outubro
de 2018), então arcebispo metropolitano de San Salvador, capital de El Salvador, na América Central, foi alvejado por um atirador de elite do exército salvadorenho enquanto
celebrava a missa. Foi assassinado por defender publicamente o povo pobre e sofredor. Gostaríamos de lembrar todos os mártires, que são muitos. Mas, aqui, podemos apenas
mencionar alguns deles, Alice Dumont, Raymond Herman, Santo Dias da Silva, Gerardo Poblete, Luisito Torres, Jerônimo Cipher, Rodolfo Aguilar Alvarez, Luís Contreras...
(cf. MARINS; TREVISAN; CHANONA, 1984).
Na história da Igreja na América Latina, muitos são os testemunhos de pessoas que viveram e vivem da esperança e da alegria do evangelho. Esses testemunhos mostram
que a prática da justiça não cai do céu. Ela brota da relação entre os homens e Deus. É uma forma de experimentar o reino de Deus, que começa aqui e se completa na parusia. É
um momento de um processo escatológico.
Puebla, n. 265, realça os santos e os cristãos que morreram na América Latina, defendendo integralmente a fé e vivendo a serviço dos pobres. Aparecida, n. 140, fala do
testemunho de missionários e mártires que assumiram a cruz para viver o mesmo destino de Jesus. Nesse contexto de testemunho, os consagrados seculares latino-americanos são
chamados a viver no mundo o discipulado, a profecia e o serviço aos mais pequeninos (cf. DAp, n. 220). Mas, na vida cotidiana, nem sempre encontramos pessoas que recebem os
mesmos ecos ou que têm o mesmo jeito de interpretar os fatos. Podemos ilustrar essa ideia no diálogo de um personagem de Kafka com seu criado:

Ouvi soar ao longe uma trompa e perguntei a meu criado o que aquilo significava. Ele de nada sabia e nada tinha ouvido. Ao portão, ele parou e me perguntou: – “Para
onde o amo está indo?” – “Eu não sei, disse eu, só sei que é para fora daqui. Fora daqui sem parar, é a única maneira de alcançar meu objetivo.” – “Então o senhor
conhece o seu objetivo?”, perguntou ele. – “Sim, eu respondi. Acabei de lhe dizer. Fora daqui, este é o meu objetivo” (KAFKA, apud BAUMAN, 2017, p. 10).

O que olhamos, o que ouvimos, o que sentimos, mas não vemos, nem escutamos, nem sentimos e nem entendemos da mesma forma que o outro. Um rio passa entre nós.
Mas o que ele fala para mim é diferente do que ele fala, na outra margem, para você.

O mesmo rio corria entre nós e cantava a mesma canção para ambas as margens. Eu o escutava, deitado sozinho na areia, sob as estrelas; tu o escutavas, sentada no
barranco da ladeira, à luz do amanhecer. Só que as palavras que eu dele ouvia eram ignoradas por ti, e o segredo que ele te contava sempre foi um mistério para mim
(TAGORE, 1991, p. 23).
Estamos no mesmo lugar social, no mesmo cotidiano, no mesmo espaço, no mesmo território, no mesmo mundo, na mesma situação, na mesma religião. Mas temos escutas
e compreensões diferentes. Por isso, respondemos de forma diferente. É necessário compreender o mundo atual, sua história e as formas como homens e mulheres nele caminham.
“Todavia, o maior presente que podemos oferecer é o reconhecimento do mistério que habita em cada uma das pessoas e que, graças a elas ou mesmo apesar delas, ultrapassa até a
compreensão que elas têm de si mesmas” (STORNIOLO apud TAGORE, 1991, p. 9).
Às vezes, perguntamos às pessoas que encontramos ou que convivem conosco o que significam certas situações, a exemplo do preconceito, da violência, do racismo, de uma
catástrofe, uma chacina, a morte, a vida, uma crise na economia, o desemprego, a fome. Elas nos respondem que não estão vendo, escutando e nem percebendo as causas dessas
situações ou não da mesma forma que nós. São pessoas à deriva ou em outra sintonia. E quando nos perguntam qual é o nosso objetivo, onde queremos chegar, respondemos como
São Pedro: – “Nosso objetivo é dar as razões de nossa esperança, de nossa fé” (cf. 1 Pedro 3, 15). No mundo, o consagrado deve andar como Jesus andou (cf. 1 João 2, 6) e buscar
responder como ele respondeu à samaritana (cf. João 4).
Muitas vezes temos a sensação de que nossas respostas não “chegam lá”, não atingem o ouvinte, seja porque não nos quer escutar ou compreender, seja porque não somos
suficientemente claros ou porque nosso testemunho não faz eco para as pessoas. Jesus viveu esse problema. Por exemplo, durante o diálogo no caminho para Emaús, chamou seus
ouvintes de “cabeças duras” (Lucas 21, 25). O mesmo fez Estêvão, quando disse ao povo no momento do seu martírio: – “Homens de cabeça dura, insensíveis e incircuncisos de
coração e ouvido! Vós sempre resististes ao Espírito Santo e, como vossos pais agiram, assim fazeis vós!” (Atos 7, 511).
Vivemos num ambiente de múltiplas inquietações e confusões, onde o não ser e o parecer se confundem. Um mundo camaleônico, oscilante, movediço e escorregadio, que
desperta em nós muitos momentos de angústia e ansiedade. Num espaço em que as saídas parecem obstruídas, impedidas ou camufladas e difíceis de encontrar, a busca da
tranquilidade pode estar no consumismo e no uso de substâncias químicas. Nesse cenário, as pessoas antecipam conclusões da vida de forma muito precária.

Um cenário assim faz com que a vida nada tenha de aprazível, despreocupada e gratificante. É verdade, o mercado de consumo oferece uma ampla variedade de
tranquilizantes, antidepressivos e drogas contra todo e qualquer transtorno psíquico, prometendo e entregando uma mitigação – agradável e relaxante – dos sofrimentos
psicológicos; contudo, essas drogas são criadas para uso pessoal (e interno), e não para aplicação em realidades extra ou suprapessoais; por isso, quando consumidas,
elas ajudam a deixar os seres humanos cegos para a natureza de suas atribuições, em vez contribuir para a erradicação do problema. Uma vez que tenhamos lembrado
tudo isso sobre o estado atual de nossa condição e de nossos assuntos, temos o direito de nos perguntar: como chegamos até aqui? (BAUMAN, 2017, p. 144).

Segundo antropólogos e arqueólogos, entre 200 e 150 mil anos aC, o Homo sapiens vivia em pequenos grupos, como caçador e coletor. De lá para cá, múltiplas
transformações o conduziram até a explosão demográfica e a cultura virtual de nossos dias. Em cada época, os homens criaram modelos de organização para a reprodução da
espécie e técnicas para extrair da natureza os meios de sobrevivência. À medida que avançaram nesse processo, foram sofisticando sua relação com Deus. Como dissemos
anteriormente, Deus busca o homem, vem ao seu encontro, desde a primeira ruptura. Mas, em cada acontecimento histórico, os homens retomam ou invertem a pergunta original
de Deus para Adão: – “Onde você está?” Hoje, perguntam: – “Onde está Deus?”
Os fatos históricos, de origem natural ou humana, sempre conduzem a uma reflexão sobre o triunfo do bem sobre o mal ou do mal sobre o bem. No Poema sobre o desastre
de Lisboa, terremoto que abalou Portugal em 1755, Voltaire (1694-1778), filósofo iluminista e escritor francês, assinala que a tragédia, de repercussões mundiais, demonstrava que
a Terra não era uma simples criação divina, obediente a princípios de ordem e harmonia, como então se acreditava. Se Deus concluiu sua obra, ele se escondeu para colocá-la sob
os cuidados humanos. O desastre natural vinha demonstrar ao mundo a necessidade de uma nova administração da relação entre o bem e o mal, a qual somente poderia ser feita
pela humanidade.

A humanidade vive, neste momento, uma viragem histórica, que podemos constatar nos progressos que se verificam em vários campos. São louváveis os sucessos que
contribuem para o bem-estar das pessoas, por exemplo, no âmbito da saúde, da educação e da comunicação. Todavia não podemos esquecer que a maior parte dos
homens e mulheres do nosso tempo vive o seu dia a dia precariamente, com funestas consequências. Aumentam algumas doenças. O medo e o desespero apoderam-se
do coração de inúmeras pessoas, mesmo nos chamados países ricos. A alegria de viver frequentemente se desvanece; crescem a falta de respeito e a violência,
a desigualdade social torna-se cada vez mais patente. É preciso lutar para viver, e muitas vezes viver com pouca dignidade. Esta mudança de época foi causada pelos
enormes saltos qualitativos, quantitativos, velozes e acumulados que se verificam no progresso científico, nas inovações tecnológicas e nas suas rápidas aplicações em
diversos âmbitos da natureza e da vida. Estamos na era do conhecimento e da informação, fonte de novas formas dum poder muitas vezes anônimo (EG, n. 52).

Cada trecho dessa estrada introduz um conjunto de novas opções, novas tecnologias, novos jeitos de pensar e de agir, novas culturas, bem como uma série de diferentes
conflitos que a humanidade tem que descobrir como negociar e resolver. Aqui e agora se recoloca e se fortalece o sentido da politicidade e da eticidade. A humanidade faz a
história, assim como a história faz a humanidade. Não livremente, mas sob circunstâncias que não fazem parte de suas escolhas, porque se encontram ligadas a situações do
passado, da natureza, da cultura, da economia, enfim, de todos os componentes da grande complexidade da história da natureza e da vida humana (cf. SCHRAMM; SOUZA
NETO, 2005).
A melhor saída é a capacidade de estabelecer uma cultura do diálogo, na qual ninguém pode permanecer como simples espectador. A intenção do Papa Francisco é levar a
descobrir onde Deus está, onde estamos. É criar as condições para um coabitar na terra de forma pacífica e solidária e que entre nós haja sempre solidariedade. Devemos despertar
em todos a cultura do cuidado, cuidar da natureza, do outro, do vizinho, do colega de trabalho, da família (cf. PAPA FRANCISCO apud BAUMAN, 2017, p. 152). Deus é sempre
o mesmo, com múltiplas maneiras de se comunicar.
É em Cristo, Mestre e exemplo de toda perfeição, que recebemos o chamado à santidade: – “Sede perfeitos como meu Pai é santo” (Mateus 5, 48). Os discípulos de Cristo se
santificam em razão da graça que vem pelo batismo e que a todos torna filhos de Deus, participantes da natureza divina.
Devemos viver como santos, como escolhidos e amados de Deus, recordam a todo momento os Apóstolos Pedro e Paulo (cf. Efésios 5, 3). A fé nos justifica em Cristo e nos
faz compartilhar, como filhos, da natureza de Deus e de seu corpo místico, a Igreja. Por essa razão, “todos os fiéis cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude
da vida cristã e à perfeição da caridade” (LG, n. 40).
Ser santo não é ser estranho. Não é privilégio de nenhum grupo de seguidores de Jesus. É graça que vem de Deus. É um chamado comum, que engloba todos os discípulos e
discípulas. É partilhar do mistério da encarnação, paixão, morte e ressurreição do Filho de Deus, que em tudo praticou o bem. É acolher o Espírito Santo, é abrir o coração para
amar apaixonadamente a Deus e aos irmãos (cf. LG, n. 40). Eis que o Senhor bate à porta. Para aquele que abrir, ele entrará e aí fará sua morada (cf. Apocalipse 3, 20).
Nessa mesma direção, Paulo chama atenção para os frutos espirituais – caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança
(cf. Gálatas ■, 22-23). Jesus chama os santos de bem-aventurados, felizes (cf. Mateus 5). A perfeição dos cristãos nasce do esforço para assemelhar-se a Cristo, pela obediência
à vontade do Pai e dedicação a sua glória e ao serviço do próximo. Em síntese, o chamado à santidade é um dom da Trindade.
Ser santo não é ser alguém estranho, excêntrico. É acolher o convite de Cristo e deixar-se enviar por ele como luz e sal de sua casa, de seu entorno, de seu povo, é seguir o
Cristo, verdade, vida e caminho para o Pai (cf. João 14, 6). Este seguimento deve nos fazer mais humanos, para nos colocar no mundo a serviço do reino de Deus, “como convém
a santos” (Efésios 5, 3). Cada batizado é chamado a ser testemunha do Cristo ressuscitado e sinal do Deus vivo no mundo.

Todos juntos e cada um na medida das suas possibilidades devem alimentar o mundo com frutos espirituais. Devem difundir no mundo aquele espírito pelo qual são
animados os pobres, os mansos e os pacíficos que o Senhor no Evangelho proclamou bem-aventurados. Numa palavra, “o que é a alma no corpo, isto sejam no mundo
os cristãos” (LG, n. 38).

No Vaticano II, a Igreja redescobriu a força da misericórdia, da compreensão, da fraternidade e do serviço, para recriar, restaurar e redimensionar os valores evangélicos, de
forma a atender às aspirações e angústias humanas. Ela ofereceu ajuda para estabelecer uma fraternidade universal própria da vocação humana (cf. GS, n. 3), que não lhe permite
aceitar a destruição da vida e da natureza. Assim, poderia fazer ouvir sua voz como portadora da boa nova de Cristo.
A vivência do evangelho ajuda a refletir sobre a experiência humana e a presença atuante da graça de Deus no cotidiano. Enquanto Igreja presente no mundo, os
batizados são chamados a dar testemunho na sociedade, de forma dinâmica e orientada pela ética e pela ótica do evangelho, do jeito que Jesus caminhava pelas cidades, praticando
e fazendo o bem. É missão e vocação dos batizados ajudar a encontrar caminhos, influenciar as políticas públicas e colaborar com as forças de justiça para a construção de uma
cultura da paz, que promova a coesão e a dignidade da pessoa humana, na linha da justiça, da equidade, do bem comum, a serviço da edificação do reino de Deus.
A vocação à consagração secular pressupõe a capacidade e a experiência indispensáveis para exercer atividades humanas e profissionais, na busca de justiça e paz, e a prática
da caridade, de tal modo que consagrados e consagradas “brilhem pelo exemplo” (GS, n. 72) de devotamento ao bem comum, com sinceridade, retidão, coragem, tolerância e luta
contra a injustiça e a opressão. A expectativa é de que essas qualidades estejam presentes na sua ação política.
O Vaticano II coloca a amizade no campo da ética e, para isso, chama a atenção de todos. O padre, o bispo, os jovens, os casais, todas as vocações, devem alimentar laços de
amizade. Enfim, é próprio da amizade levar as pessoas a se entenderem. Ela constitui um elemento fundamental na prática do diálogo e da convivência humana (CD, n. 13).

Pela amizade e pela comunicação de experiências e com ajuda espiritual mútua, os leigos se fortalecem para superar as dificuldades da vida e da ação demasiado
isolada e produzir mais abundantes frutos de apostolado (AA, n. 17).

Nesse sentido, poderíamos dizer que o consagrado secular é amigo dos homens e das mulheres, para conduzir todos ao Pai, a exemplo de Cristo. É por meio da amizade que
o consagrado secular não odeia, mas ama o mundo, e está disposto a doar sua vida. “O que a alma é para o corpo, são os cristãos para o mundo.”16
2.7. A consagração secular na era digital

O mundo é um espaço de disputa. De um lado, há um território aberto ao surgimento e fortalecimento da solidariedade, dos valores humanos e da democracia, que se
alinham ao evangelho. Por outro lado, há territórios que abrem campo para o mal e a destruição da vida, alinhados a uma cultura individualista e do mal-estar, que desorganiza as
famílias e as comunidades. A cultura que nega o evangelho induz o sujeito a entender que tudo se constrói a partir dos seus desejos e que estes têm caráter absoluto. Esta tensão
produz nas pessoas e nas famílias certa agressividade, impaciência e violência.

Gostaria de acrescentar o ritmo da vida atual, o stress, a organização social e laboral, porque são fatores culturais que colocam em risco a possibilidade de opções
permanentes. Ao mesmo tempo, encontramo-nos perante fenômenos ambíguos. Por exemplo, aprecia-se uma personalização que aposte na autenticidade em vez de
reproduzir comportamentos prefixados. É um valor que pode promover as diferentes capacidades e a espontaneidade, mas, se for mal orientado, pode criar atitudes de
permanente suspeita, fuga dos compromissos, confinamento no conforto, arrogância. A liberdade de escolher permite projetar a própria vida e cultivar o melhor de si
mesmo, mas, se não se tiver objetivos nobres e disciplina pessoal, degenera numa incapacidade de se dar generosamente (AL, n. 33).

Falar em presença cristã no mundo significa tomar iniciativas que envolvam a sociedade civil no enfrentamento dos desafios levantados pelas desigualdades, pelas guerras,
pela falta de atenção à saúde, de cuidados com a infância e com o Planeta, entre outros. É preparar discípulos e discípulas empenhados na liberdade, na consolidação de uma
sociedade democrática, na tolerância e na partilha de valores socioculturais e religiosos. Neste contexto, a Igreja se compreende a serviço da cidadania e do bem-comum.
Estar no mundo a serviço do evangelho é trabalhar ativamente pela construção da justiça e da paz. Ser santo, neste mundo conturbado, contraditório e tenso, não significa
deixar de lado as inquietudes e o tempo para escutar o que Deus está falando. Os avanços tecnológicos, o mundo das novidades, a multiplicidade de oportunidades, o fascínio pelo
conhecer novas coisas e viajar, o consumismo, às vezes, não deixam espaço para escutarmos o ressoar da voz de Deus. Ser santo, ao contrário, é viver em meio a tudo isso e aí
descobrir a presença e a mensagem de Deus.

Tudo se enche de palavras, prazeres epidérmicos e rumores a uma velocidade cada vez maior; aqui não reina a alegria, mas a insatisfação de quem não sabe para que
vive. Então, como não reconhecer que precisamos deter esta corrida febril para recuperar um espaço pessoal, às vezes doloroso, mas sempre fecundo, onde se realize
o diálogo sincero com Deus? Em certos momentos, deveremos encarar a verdade de nós mesmos, para a deixar invadir pelo Senhor; e isto nem sempre se consegue, se
a pessoa “não se vê à beira do abismo da tentação mais opressiva, se não sente a vertigem do precipício do abandono mais desesperado, se não se encontra
absolutamente só, no cume da solidão mais radical”. Assim, encontramos as grandes motivações que nos impelem a viver, em profundidade, as nossas tarefas (GeE, n.
29).

Essas formas de individualismo, de desenraizamento dos indivíduos, o distanciamento entre pessoas, mesmo elas convivendo próximas umas das outras, têm potencialização
com o uso da tecnologia. Isto não é um mal, na dependência dos processos utilizados e das políticas públicas, é o desafio do mundo atual. Também a Igreja tem que lidar com
essa questão.
A pergunta que se coloca é como usar o mundo virtual, sem negar as formas de convivência humana colocadas pelo Evangelho e pelo Magistério. No decorrer da história
humana, vários modelos de rede se sucederam, sempre no sentido de atingir metas.

As redes eram, fundamentalmente, o domínio da vida privada; as hierarquias eram o feudo do poder e da produção. Agora, no entanto, a introdução da informação e
das tecnologias da comunicação baseadas no computador, e particularmente a Internet, permite às redes exercer sua flexibilidade e adaptabilidade, e afirmar assim sua
natureza revolucionária [...]. A Internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, no momento escolhido, em
escala global (CASTELLS, 2013, p. 8).

Nesse sentido, rede não é uma coisa nova. Ela nasce no interior das famílias, dos grupos e da própria sociedade. A novidade é que ela desloca os processos de informação e
produção, do mundo cotidiano para uma base tecnológica. Acreditamos que a experiência mais palpável nesse campo é a do WhatsApp. Com esse arcabouço, qualquer situação
ganha caráter global e todas as pessoas são informadas em tempo real. Em 2020, por exemplo, o Covid-19 mobilizou o mundo e o que mais se escutou foi “fique em casa”,
“comunique-se com seus familiares e amigos de forma virtual”. As celebrações religiosas e até a solidariedade utilizaram meios virtuais. Algo nunca visto antes na história
da humanidade.
A cultura é um conjunto de valores e crenças que interferem nos comportamentos, condutas e atitudes dos indivíduos e das instituições. Ela difere das questões psicológicas,
das representações e ideologias. Enfim, a cultura ultrapassa a vontade do indivíduo e constitui um modo de agir coletivo. Autores como Bauman, Adam Schaff e Castells ajudam a
pensar sobre a cultura digital. Trata-se de um conceito ainda não consolidado do ponto de vista da ciência. O que sabemos de antemão é que a cultura digital nasce das relações
humanas mediadas por tecnologias e comunicações digitais.
O mundo atual é o mundo da informação, da cibercultura, da revolução digital, da chamada era digital. As relações humanas se processam também no mundo virtual.
A cultura digital abre espaço para redefinir a forma e o conteúdo das políticas culturais, a partir da ideia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural.
Castells define a cultura digital por meio de seis características: habilidade para comunicar segundo a linguagem digital; habilidade para comunicar do local ao global e vice-versa
em tempo real, valorizando os processos de interação; existência de múltiplas linguagens; interconexão entre as redes digitais; capacidade de configurar e reconfigurar processos
de comunicação; e trabalho em rede.
Sem pretender ser otimista ou pessimista e nem querer avaliar o bem e o mal dessa nova forma de organização social, apenas descrevemos alguns de seus aspectos. O que
nela está implicado é que o uso da tecnologia digital muda os comportamentos.17 Nas últimas décadas, a tecnologia digital tem afetado a conduta de todas as sociedades,
particularmente da juventude e da religião. Alguns grupos religiosos fundamentalistas, sem um conhecimento adequado, colocam a tecnologia a serviço da religião ou a serviço do
“seu deus”, mimetizando o mercado.
No final do século XX e início do XXI, observamos um conjunto de revoluções simultâneas jamais registradas na história e por vezes imperceptíveis. As contínuas
transformações dos dias atuais afetam as estruturas sociais e a vida cotidiana de todas as pessoas. Poderíamos sintetizá-las numa série de revoluções nas áreas da tecnologia da
informação e comunicação, científica, das comunicações, demográfica, das relações sociais, econômica, ecológica, política, estética, dos valores, das relações de trabalho, do
tempo de lazer e educacional (cf. SANTOMÉ, 2013, p. 13). A estas doze áreas, acrescentaríamos a revolução na genética. Pela primeira vez na história, o homem se aproxima da
descoberta do segredo da vida.
No fim do segundo milênio, um novo mundo aparece, fundado nessas revoluções. Questões sobre direitos humanos, ambientalismo, mulher, disciplina, autoridade...
eclodem. Tudo isso desencadeia novas estruturas sociais, a sociedade em rede, a cultura virtual, a cultura digital, uma nova economia, novas subjetividades, novas sociabilidades e
novas formas de relacionamento com o transcendente.
O século XXI parece estar marcado no seu início pela rede global de informação,

[...] pela telecomunicação móvel e pela capacidade da informática, descentralizando e difundindo o poder da informação, concretizando a promessa da multimídia e
aumentando a alegria da comunicação interativa. [...]. Pela primeira vez, nossa espécie penetrará os segredos da vida e conseguirá fazer manipulações substanciais da
matéria viva (CASTELLS, 1999, p. 430).

Ainda não sabemos para onde tudo isso conduzirá a humanidade. De antemão, sabemos que permanecem e se recriam os processos de poder e de mercantilização das
relações, no sentido de configurar as novas formas de exploração e dominação. Por outro lado, ampliam-se as possibilidades da concretização dos ideários da democracia,
pautadas em práticas de justiça e de liberdade. Na cultura digital ou nesse novo mundo em que vivemos, as relações institucionais e pessoais não são mais duradouras. Elas
escorregam e se reconfiguram todo o tempo.
De algum modo, embora sem igual intensidade ou clareza, essas questões aparecem no Concílio Vaticano II. O Magistério eclesial, desde o Concílio até o presente, tem-se
preocupado com essas temáticas. A doutrina social da Igreja, as Encíclicas sociais e as Exortações Apostólicas das últimas décadas têm oferecido diretrizes para ajudar a
humanidade a desvelar o contexto em que vivemos.
Uma nova configuração da ação humana no mundo atual, dos pontos de vista simbólico, litúrgico e evangelizador, podemos encontrar nas reflexões e momentos
significativos que marcaram os eventos celebrativos do Grande Jubileu do Ano 2000, que tiveram como eixo fundante o perdão dos pecados e a misericórdia de Deus. O
Papa João Paulo II, já bastante debilitado pela doença e pela idade avançada, realizou as cerimônias de abertura da Porta Santa como um símbolo de abrir as portas da graça.
Em 24 de dezembro de 1999, o Papa celebrou a Abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro. Em 25 de dezembro de 1999, foi a vez da Porta Santa de São João de
Latrão. Em primeiro de janeiro de 2000, realizou a abertura da Porta Santa da Basílica de Santa Maria Maggiore, cerimônia repetida em 18 de janeiro de 2000 na Basílica de São
Paulo Fora dos Muros. Eventos semelhantes e várias cerimônias deram sequência ao evento no decorrer do ano em todo o mundo católico.
Momentos especiais de celebração do Grande Jubileu marcaram a vida consagrada, o pessoal da saúde, doentes, artistas, diáconos permanentes, artesãos, trabalhadores,
sacerdotes, cientistas, prisões, juventude, universidades, terceira idade, bispos, famílias, esportistas, governantes, políticos, mundo agrícola, forças armadas, polícia, leigos, pessoas
com deficiência, catequistas, professores, mundo do entretenimento...
Durante o evento, João Paulo II assegurou que a única segurança da Igreja e dos cristãos é Jesus Cristo. É esta a fé que move a Igreja a suplicar para seus fiéis os dons do
Espírito Santo e a sabedoria necessária para não se deixarem levar pelo “canto das sereias” e pelas seduções do mal. Assim como Cristo, que venceu as tentações nos campos do
poder, da economia, da cultura e da idolatria, e permaneceu fiel ao Pai. Em pleno deserto, o Senhor repeliu a tentação e disse que ninguém pode tentar a Deus (cf. Mateus 4, 1-11;
Lucas 4, 1-13).
No encerramento do Ano Jubilar, o Papa propôs um programa de ação, retomando os princípios do Evangelho mediados pelo Vaticano II. Um dos pontos de partida nos
parece ser o fato de que o cristianismo está imbricado, entranhado na história humana, como se pode sentir na encarnação e suas consequências (cf. Gálatas 4, 4). Nesta história,
Cristo é o centro, o princípio e o fim de um acontecimento que culmina no mistério pascal. Pela encarnação, Deus lançou raízes do seu Reino na história da humanidade
(cf. Mc 4, 30-32). São João Paulo II convidou toda a Igreja a se sensibilizar e a sensibilizar cada pessoa para experimentar o desejo de ver Jesus (cf. João 12, 21). Na Carta
Apostólica Novo Millennio Ineunte, há uma pergunta norteadora: – “Como fazer resplandecer o rosto de Cristo para as novas gerações?”
Na escola de Jesus, discípulos e discípulas seguem um itinerário de encontro com o Senhor. Entre as lindas histórias desse encontro, os textos que descrevem a caminhada
dos discípulos de Emaús (cf. Lucas 24, 13-35) e as hesitações do Apóstolo Tomé (cf. João 20, 24-29) revelam que somente pelo caminho da fé é possível acessar Jesus. Nesta
escola, tomamos consciência de nossa missão de responder à pergunta de Jesus, como aconteceu com Pedro, em Cesareia de Filipe (cf. Mateus 16, 13-20). Ao tomar consciência
do Cristo presente na história e do Cristo Ressuscitado em nossas vidas, a pergunta que emerge é a mesma pergunta feita no dia de Pentecostes: – “Que havemos de fazer?”
(Atos 2, 37). Esta questão se coloca hoje, neste século XXI, para a Igreja e para os consagrados seculares: – “Como viver nossa consagração no mundo?”

Certamente não nos move a esperança ingênua de que possa haver uma fórmula mágica para os grandes desafios do nosso tempo; não será uma fórmula a salvar-nos,
mas uma Pessoa, e a certeza que Ela nos infunde: Eu estarei convosco! Sendo assim, não se trata de inventar um “programa novo”. O programa já existe: é o mesmo de
sempre, expresso no Evangelho e na Tradição viva. Concentra-se, em última análise, no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar, imitar, para n’Ele viver a
vida trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude na Jerusalém celeste. É um programa que não muda com a variação dos tempos e das culturas,
embora se tenha em conta o tempo e a cultura para um diálogo verdadeiro e uma comunicação eficaz. Este programa de sempre é o nosso programa para o terceiro
milênio (NMI, n. 29).

Jesus promete que o Paráclito virá explicitar a sua mensagem, ensinar a interpretar os novos sinais e guiar a Igreja em toda a verdade (cf. João 16, 12-13). Também a Igreja
se vê, constantemente, atraída pela sedução do ter e do parecer ser, mas se fortalece na missão. Seus membros são instigados a se colocarem a serviço dos interesses do mercado e
da política, muito mais do que a serviço da Palavra de Deus no mundo. Neste contexto, a Igreja espera que os leigos e consagrados seculares evitem “ceder à tentação de reduzir as
comunidades cristãs a agências sociais” (NMI, n. 52). Alimentem-se continuamente da Palavra de Deus e da doutrina social.
Na entrada deste terceiro milênio, a Igreja se interrogou e procurou escutar o Espírito Santo. Comprometida com sua vocação de defender a vida e as exigências da ética, ela
se perguntou como poderia ficar insensível e passiva diante do desequilíbrio ecológico, das guerras, das catástrofes, da desigualdade social, da pobreza, do abuso e exploração
sexual, da corrupção e do menosprezo aos direitos humanos (NMI, n. 51). Discípulos e discípulas de Cristo devem agir de acordo com a doutrina social da Igreja, dentro de uma
concepção “ético-social”, essencial no testemunho cristão. Este é um critério que ajuda a discernir e

rejeitar a tentação duma espiritualidade intimista e individualista, que dificilmente se coaduna com as exigências da caridade, com a lógica da encarnação e, em última
análise, com a própria tensão escatológica do cristianismo. [...]. A mensagem cristã não afasta os homens da tarefa de construir o mundo [...] (NMI, n. 52).

Um dos critérios para a travessia do novo milênio, apontava o Papa João Paulo II, é a pedagogia da encarnação. Como interagir com esse mundo virtual, tecnológico, digital,
sem se deixar afetar pela descrença e sem fragilizar os vínculos familiares e comunitários? A cultura digital constitui, hoje, quase uma condição do existir. A Igreja tem refletido
sobre essa questão:

O ambiente digital não é um mundo paralelo ou puramente virtual, mas faz parte da realidade cotidiana de muitas pessoas, especialmente dos mais jovens. As redes
sociais são o fruto da interação humana, mas, por sua vez, dão formas novas às dinâmicas da comunicação que cria relações: por isso uma solícita compreensão por este
ambiente é o pré-requisito para uma presença significativa dentro do mesmo.18

Os Institutos Seculares têm que cuidar da formação dos membros para poderem lidar com essa nova cultura e influenciá-la segundo os ecos do Evangelho e da Igreja. A
proposta de Jesus não é fluida e superficial. Ela oferece um caminho seguro e sólido para cada pessoa. A cultura digital poderá ser um excelente veículo para levar os jovens e
demais pessoas ao encontro de Cristo.

O mundo digital pode ser um ambiente rico de humanidade: não uma rede de fios, mas de pessoas humanas. A neutralidade dos mass-media é só aparente: só pode
constituir um ponto de referência quem comunica colocando-se a si mesmo em jogo. O envolvimento pessoal é a própria raiz da confiabilidade de um comunicador. É
por isso mesmo que o testemunho cristão pode, graças à rede, alcançar as periferias existenciais.19

O Papa Francisco captura, em suas reflexões, a positividade da cultura digital, sem negar suas contradições e fragilidades, do ponto de vista da existência humana. Esse
pensar está em profunda sintonia com a Gaudium et Spes e com a prática de Jesus. O mal não é a coisa em si. Está nos processos. A tecnologia pode contribuir para o acesso aos
bens produzidos na cidade, mas, ao mesmo tempo pode aprofundar a desigualdade social, a falta de acesso e a negação do Evangelho, obscurecendo a mensagem da Revelação.
A utopia de que o progresso e a tecnologia são meios passíveis de impulsionar a humanidade para a felicidade, para o paraíso, pode ter efeito contrário, e levá-la à catástrofe.
Por isso, mais do que nunca, faz-se necessário que a Igreja ajude a construir critérios para evitar que a barbárie prevaleça. O mundo digital é um campo próprio para a missão
do consagrado secular e pode potencializar o anúncio do Evangelho.
Cada consagrado precisa cuidar de reler os acontecimentos, o evangelho, a doutrina da Igreja e sua própria biografia segundo uma perspectiva antinarcisista. O narcisista, de
caráter egocêntrico e amoral, pode evocar as propostas da cultura da paz ou do evangelho para justificar atitudes perversas ou desumanas. É comum nos dias atuais escutarmos
falar de um mal como uma coisa boa e até, por vezes, de um bem como uma coisa má. Numa linguagem de hoje, Jesus chamaria esse tipo de atitude de farisaísmo ou
de hipocrisia.
O Papa Francisco nos dá algumas recomendações.

Sede sinal daquela Igreja dialogante da qual fala Paulo VI na Encíclica Ecclesiam suam [...] Identificar-se, em certa medida, com as formas de vida daqueles aos quais
se pretende levar a mensagem de Cristo; é preciso partilhar, sem estabelecer distâncias de privilégios. [...]. É necessário, ainda antes de falar, ouvir a voz, o coração do
homem; compreendê-lo e, na medida do possível, respeitá-lo [...]. Assim, podeis estar tão próximos que tocais do alto as suas feridas e expectativas, as suas perguntas e
as suas necessidades, com aquela ternura que é expressão de uma cura que elimina qualquer distância. Como o Samaritano que passou adiante e viu e sentiu
compaixão. Está aqui o movimento no qual a vossa vocação vos compromete: passar ao lado de cada homem e tornar-vos o próximo de cada pessoa que encontrais;
porque o vosso permanecer no mundo não é simplesmente uma condição sociológica, mas é uma realidade teologal que vos chama a um estar consciente, atento,
que sabe entrever, ver e tocar a carne do irmão.20

A consagração secular se realiza na confluência dos aspectos teológico e sociológicos, por ser uma vocação que deve ultrapassar os meios e alcançar os espaços onde as
coisas acontecem. Nesses momentos, é inevitável a tentação de questionar o que se pode fazer ou o que “eu” posso fazer. É hora de ter em mente as orientações e as práticas do
Mestre: ser simples e procurar, nos pequenos gestos e atitudes, ser semente, ser fermento. É confiar nas promessas do Senhor. Isto dá o que pensar, o que falar e o
que testemunhar.
Cada consagrado secular circunscreve-se na ética da compreensão, do compreender de modo desinteressado, sem esperar reciprocidade (cf. MORIN, 2005), da compaixão,
na ética da ação e da responsabilidade batismal. Não se trata de uma fragmentação da ética, mas de uma explicitação atitudinal no seguimento do Cristo Mestre, Único e Sumo
Bem. A consagração secular digital não é fragmentada, é uma unicidade no coração trinitário.
Quando olhamos para trás, o testemunho da vida consagrada secular faz com que tenhamos muita gratidão. Por outro lado, queremos viver a consagração com muita paixão,
com o olhar na fecundidade da Cruz, no futuro, na esperança, na dimensão e nas consequências da Ressurreição. Tudo isso nos motiva a escutar os sinais e as situações das
pessoas e, ao mesmo tempo, a nos interrogar sobre o que Deus quer.
Sempre que pensamos sobre o mundo e o ser humano, as velhas perguntas dos filósofos reaparecem. – “Quem somos? De onde viemos e para onde vamos? O que esperamos
e o que nos espera? (cf. BLOCH, 2005). Com quem contamos? Onde podemos encontrar um porto seguro?” O que sabemos é que nenhum grupo humano ou pessoa conseguiu
viver neste mundo sem sonhos. Portanto, – “Quais são os nossos sonhos?” Para aqueles que acreditam em Jesus de Nazaré, essas e outras perguntas encontram respostas em sua
Escola, a Escola da Palavra. A prática do Mestre responde a essas questões. Está aqui a razão central da consagração secular, ajudar cada homem e cada mulher, e mesmo as
organizações societárias, a viver e a responder a essas questões.
Às vezes, na vida cotidiana, sentimos a vontade de Deus um tanto nebulosa. Entre as coisas que bloqueiam as mentes humanas no mundo, estão o medo e o mal. Bauman
(2006) diz que estes são irmãos siameses. Quanto mais nos aproximamos do mal, mais acabamos tendo medo até de Deus. Quando estamos implicados com o mal, acabamos por
banalizá-lo. Neste campo, nesta situação, o consagrado secular se torna um burocrata cumpridor cego de regras, tal como faziam os fariseus. O Deus que convoca os consagrados
não é o dos rituais cegos e ocos, é o Deus da Misericórdia, da força do Espírito Santo. A trilha da relação do consagrado com o mundo é o Pai Nosso. Nessa oração aparecem todas
as necessidades das pessoas que vivem neste mundo. E completamos o Pai Nosso, pedindo para que Deus nos livre do mal e que não nos deixemos levar pela tentação.
Notas de Rodapé

1 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
2 PAROLIN, Pietro, Cardeal, Secretário de Estado. Mensagem aos participantes da Assembleia Geral da Conferência Mundial de Institutos Seculares.
Roma, 17 ago. 2016.
3 PAPA FRANCISCO. Mensagem aos participantes do Congresso dos Institutos Seculares italianos, por ocasião do 70º aniversário da Constituição
Apostólica Provida Mater Ecclesia, 23 out. 2017.
4 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970.
5 Carlos ÁVILA, poeta e jornalista. In: Folha de São Paulo, “Mais!” 14 maio 2000.
6 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
7 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
8 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970, p. 86.
9 Venerável Giuseppe Lazzati, consagrado secular, fundador do Instituto Secular Cristo Rei. cf. http://www.santiebeati.it/dettaglio/91539
10 CEDIS. Conferencia Española de Institutos Seculares. Consagración secularidad. Valencia: Edicep, 1996. p. 53-69.
11 Tradução livre, ver original: “Los I.S. comparten con los demás laicos esta especialización: cambiar el mundo desde dentro; especialización que se
refuerza, se sostiene y compromete por la consagración especial.”
12 PAPA JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Jubileu pelo 1950º Aniversário da Redenção, n. 3.
13 JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, n. 12.
14 PAPA JOÃO XXIII. Bula de convocação do Concílio, Humanae Salutis, 25 dez. 1961.
15 PAPA JOÃO XXIII. Gaudet Mater Ecclesia. Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 out. 1962, 7, 3.
16 São João Crisóstomo, citado em Lumen Gentium, n. 38 (386).
17 CASTELLS, Manuel. Disponível em: https://ibebrasil.org.br/areas-atuacao/cultura-digital/. Acesso em: 24 fev. 2020.
18 PAPA BENTO XVI. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2013.
19 PAPA FRANCISCO. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2014.
20 PAPA FRANCISCO. Discurso no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 2014. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/magisterio-da-igreja/francisco/.
21 O Código de Direito Canônico de 1983 inovou, eliminando a distinção ou dicotomia entre Ordens e Congregações religiosas. Tal distinção era feita
pelo critério de votos públicos, simples e privados. Na apresentação do novo Código, João Paulo II explicita que, de tempos em tempos, “a Igreja
reforma e renova as leis e a disciplina canônica”, a fim de expressar sua fidelidade ao Divino Mestre. Em síntese, a Igreja decidiu organizar a vida
consagrada no tópico “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”. O eixo condutor da vida consagrada são os
conselhos evangélicos, conforme cânones 573-577.
22 Cf.
https://books.google.com.br/books?id=-xJ4U2RQXHMC&pg=PA217&dq=santa+angela+de+merici&hl=pt-BR&sa=X&ei=QdwHUZ3yM9OC0QGhz4GgAw#v=o
Acesso em: 13 abr. 2020.
23 Tradução livre, segue texto original: Angela Merici respira a pleno pulmón la sana libertad del siglo y ve en esa misma libertad un campo y un
medio de conquista. Ella no quiere cerrarse en un claustro, sino vivir en médio del mundo; sus hijas vivirán en el seno de su família, llevando en
si mismas su claustro y sembrando por todas partes el “buen olor de Cristo”. Continuando la vida secular de su tiempo, ellas penetran en la
sociedad y la hacen un bien incalculable. Las circunstancias históricas favorecen maravillosamente tal iniciativa y la harán necesaria. [...] Otras
numerosas realizaciones merecerian ser subrayadas en el curso de los siglos passados, ya que innumerables fueron las almas que desearon
consagrarse a Dios y al apostolado quedando en el siglo, fermento en la massa, en el seno de la propia família, en las profesiones y en los
trabajos ordinários. (HUOT, 1968, p. 176).
24 PAPA FRANCISCO. Carta para o Evento “Economy of Francesco”. (ASSIS, mar. 2020). Este evento não se realizou devido à pandemia do Covid19.
cf. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html.
25 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/. Acesso em: 20 jun. 2020).
26 Disponível em: http://www.vatican.va/content/leo-xiii/la/apost_constitutions/documents/hf_l-xiii_apc_19001208_conditae-a-christo.html.
27 Documento da Sagrada Congregação sobre a vida consagrada. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_profile_it.html. Acesso em: abr. 2020.
28 Um esboço dessa síntese pode ser encontrado na Revista Diálogo, v. 17, n. 80/81, 1989.
29 CMIS. Revista Diálogo, n. 44, p. 63-67, mar./abr. 1980. Nesta Revista, encontram-se detalhamentos da história de Ângela Clavel.
30 Disponível em: www.crianca.mppr.mp.br/pagina-445.html. Acesso em: 22 maio 2020.
31 Cf. SENNET, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
32 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970. p. 86.
33 Cf. Lumen gentium e, se desejar aprofundamento, ver teólogos como Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph
Aloisius Ratzinger e o trabalho de Schillebeeckx, E., Cristo, sacramento de encontro com Deus. Petrópolis: Vozes, 1967.
34 Entre os peritos, estavam Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph Aloisius Ratzinger e Edward Cornelis Florentius
Alfonsus Schillebeeckx.
35 Cf. https://www.comunidadedeaprendizagem.com/uploads/materials/308/7b6d6c81dee37228ff26c1f332fe291b.pdf
36 Tradução livre, segue texto original: “El Instituto Secular es el reciente matrimonio del estado de perfección y del estado secular. Es un hallazgo
del Espíritu Santo que lleva el estado de perfección en médio del mundo.”
37 Tradução livre, segue texto original: “En el intermedio de este periodo, que va desde el Concilio Vaticano II hasta nuestros días, el Código
de Derecho Canónico del año 1983, en el Título III, ‘De los Institutos Seculares’, legisla sobre ellos en los cánones 710-730. La presencia en
el Código de la legislación sobre los Institutos Seculares es uno de los acontecimientos más importantes y significativos del nuevo texto legal,
pues, como hizo notar Pablo VI, se da una profunda y providencial coincidencia entre el carisma de los Institutos Seculares y una de las
realidades más importantes y claras del Concilio: la presencia de la Iglesia en el mundo. La vida consagrada secular es precisamente la
consagración de la secularidad, la unión indisoluble y esencial entre la vida secular y la vida consagrada por la profesión de los consejos
evangélicos, con la audaz misión de superar el dualismo Iglesia-Mundo, y de ser el ‘arquetipo de la presencia del Evangelio y de la Iglesia en el
siglo’”. cf. http://www.alianzajm.org/IMG/pdf/La_vocacion_de_la_consagracion_secular_en_la_Iglesia_.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
38 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970..
39 PAPA PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais e membros dos Institutos Seculares, no XXV aniversário da Provida Mater Ecclesia, em 2 de
fevereiro de 1972, tradução livre do espanhol.
40 PAPA JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes do Simpósio Internacional sobre a Provida Mater Ecclesia, em 1 de fevereiro de 1997.
41 PAPA JOÃO XXIII. “Il Tempio Massimo”. Carta sobre o empenho das religiosas pelo Concílio,1962.
42 PAPA BENTO XVI. Discurso aos participantes da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, por ocasião dos 60 anos da Provida Mater Ecclesia,
2007.
43 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, em maio de 2014.
44 Tradução livre, segue texto original: “Esto no está bien. El Concilio, que quiere ser pastoral en sus intentos y quiere manifestar al mundo la
perenne juventud y adaptabilidad de la Iglesia, habría debido hablar más ampliamente de los Institutos seculares: [...] los miembros de
los Institutos seculares no son laicos como los otros, ya que se han ofrecido totalmente a Cristo; se han comprometido, mediante
reconocimiento oficial de la Iglesia, a seguir los consejos evangélicos en la vida secular, se han convertido formalmente en consagrados en
virtud del voto o del juramento de castidad. Pero ni siquiera pueden ser catalogados entre los religiosos, pues la naturaleza de los Institutos
seculares difiere profundamente de la del estado religioso [...]; también su apostolado [...] ‘en el mundo pero como fuera de él’ [...] difiere del de
los religiosos en el objeto, en el método, en los modos. [...] la característica de tales Institutos es la ‘secularidad’, no sólo en el vestir, sino en
toda la mentalidad y modo de actuar. Por ello: se dedique a ellos un párrafo específico; se cambie el título del esquema, sustituyendo la presente
expresión por otra que comprenda también las personas consagradas a Dios, reconocidas como tales por la Iglesia, y que sin embargo no son
religiosos” (ALONSO, 2014, p. 556).
45 Tradução livre, segue texto original: “La intervención de Pablo VI respondía a las exigencias manifestadas por los mismos Institutos seculares y
representaba sin duda un remedio a una situación paradójica” (ALONSO, 2014, p. 559).
46 Tradução livre, segue texto original: “En el Decreto ‘De accomodata renovatione vitae religiosae’ se debe añadir algo a propósito del párrafo 11. En
efecto, por inadvertencia, faltan en el texto cuatro palabras. El Presidente da la Comisión ruega sean añadidas al texto cuatro palabras, desde el
momento que la Comisión siempre há desarrollado sus trabajos en tal línea. Incluyan, por tanto, los Padres en el texto del Decreto dichas
palabras, o tomen nota aparte por escrito. La votación que se hará hoy y la que se tendrá mañana delante del Sumo Pontífice, se hará sobre el
texto enmendado en tal sentido. Las palabras a añadir son éstas: ‘Los Intitutos Seculares, aunque no son Institutos religiosos, llevan consigo una
verdadera y completa’...” (BEYER, 1968, p. 63-64).
47 Podemos afirmar que esta forma de consagração na Igreja encontrou no Pe. Beyer o canonista e teólogo mais completo, tendo delineado
claramente sua especificidade. Doutor em Direito Canônico em 1961, com uma tese sobre os Institutos Seculares, autor de profundas e originais
visões sobre a natureza da vida consagrada, fez considerações sobre a tipologia da vida consagrada em geral e da vida religiosa em particular.
Foi incansável durante os trabalhos do Vaticano II e, mais tarde, colaborou de maneira incisiva para a redação do Código de Direito Canônico de
1983, como consultor da Comissão de Reformas no que diz respeito à vida consagrada, desde o início dos trabalhos até o final. cf.
https://www.iuscangreg.it/beyer
48 Congregación para los Religiosos e Institutos Seculares (CRIS). Identidad y misión de los Institutos Seculares, 1983. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/.
49 Cf. http://cmis-int.org/cmiswebsite/magisterio/magisterio_es/eclesiologia_1983.pdf. Acesso em: 1 ago. 2020.
50 Desse primeiro Congresso, realizado em Roma entre 20 e 26 de setembro de 1970, participaram mais de 400 pessoas de 92 Institutos de 16 países
de dois Continentes. Estiveram ausentes, por motivos jurídicos, representantes da Ásia, da África e da Oceania.
51 PIRONIO, Dom Eduardo Francisco (1920-1998), cardeal argentino. Foi Presidente do CELAM, Prefeito da Congregação para os Religiosos
e Institutos Seculares e Presidente do Conselho Pontifício para os Laicos.
52 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/
53 PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais dos Institutos Seculares. 25 ago. 1976.
54 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520253-o-papa-francisco-e-um-paradoxo-artigo-de-hans-kueng.
55 LAS CASAS. Bartolomeu. Em defesa dos índios (c. ■■■■). Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1
56 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 25.
57 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 23.
58 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 41.
59 “Aos nossos filhos católicos que pertencem aos países mais favorecidos, pedimos o contributo da sua competência e da sua participação ativa
nas organizações oficiais ou privadas, civis ou religiosas, empenhadas em vencer as dificuldades das nações em fase de desenvolvimento. Hão
de ter, sem dúvida, muito a peito o ser contados entre os primeiros de quantos trabalham por estabelecer, na realidade dos fatos, uma moral
internacional de justiça e de equidade.” Papa Paulo VI. Encíclica Populorum Progressio, 81.
60 Cf. https://drive.google.com/file/d/1K9tL-5apCcJwgLxgHhQfuMC6l6WodPMd/view
61 Tradução livre, segue texto original: [...] el “permanecer” en el mundo es fruto de una opción, es una respuesta a un llamado específico: es asumir
esta dimensión del estar dentro, del estar cerca, del mirar el mundo como realidad teológica-espiritual, en la que se entrelazan la dimensión
histórica y la dimensión escatológica. Esto exige un notable desarrollo de aquella calidad humana, tan proclamada hoy, que es la capacidad de
“con-participación”, de co-responsabilidad. Una con-participación responsable y generosa, que podríamos definir, con una expresión más
sencilla, como capacidad para saber vivir dentro... (Juany Monsalve Moya).
62 PAPA FRANCISCO. Discurso à Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
63 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565040-papa-visita-universidade-citando-bauman-temos-uma-economia-liquida É importante destacar
que Bauman, antes de morrer, elogiou muito o Papa Francisco. Ve
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565619-o-dom-de-francisco-artigo-de-zygmunt-bauman. Acesso em: 2 fev.2020.
64 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948.
65 cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
66 Cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
67 Cf. http://www.brasilescola.com. Acesso em: jan. 2020.
68 Participaram da fundação da CNBB, no Rio de Janeiro, presentes ou representantes, 20 Arcebispos do Brasil e o Núncio Apostólico. O primeiro
presidente foi Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, então Arcebispo de São Paulo, que indicou, para o cargo de Secretário Geral, Dom
Hélder Pessoa Câmara.
69 Um excelente texto sobre a história da Igreja na América Latina, que aborda o Brasil, é o trabalho de DUSSEL. Ver
https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/40.Historia_da_igreja_latinoamericana.pdf.
70 PAULO VI. Discurso aos responsáveis dos Institutos Seculares, 20 set. 1972.
71 As informações sobre a caminhada dos Institutos Seculares no Brasil foram extraídas de dados registrados nos arquivos que contêm as Memórias
do Instituto Catequético Secular São José, participante da caminhada desde o início.
72 Mais informações sobre a situação atual dos Institutos Seculares no Brasil podem ser encontradas nos seguintes endereços:
http://cnisbrasil.blogspot.com/;https://pt-br.facebook.com/cnisbrasil/; https://cnisbr.wixsite.com/cnisbrasil/pagina-inicial. Acesso em: 28 mar.
2020.
73 Cf. Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Brasília: CNBB, 2019. p. 39.
74 Organização Internacional do Trabalho. Cf. https://www.ilo.org/brasilia/temas/fow/lang--pt/index.htm
75 Cf. https://www.a12.com/redacaoa12/assembleia-geral-cnbb/cnbb-divulga-mensagem-por-ocasiao-do-dia-do-trabalhador.
76 Cardeal D. Arturo Tabera Araoz (1903-1975, Espanha), prefeito da Sagrada Congregação para Institutos Religiosos e Seculares.
77 Tradução livre, segue texto original: Creemos que los Institutos seculares fueron en su tiempo, una respuesta eclesial específica ante las
necesidades del mundo y, de alguna manera, bajo esa forma jurídica, se anticiparon los elementos de la Iglesia carismática que después sería
“redescubierta” por el Vaticano II, y que daría paso a una floración de variadas formas de consagración laical en los llamados Nuevos
movimientos y realidades eclesiales. Es sabido que la valoración de las fuentes bíblicas y patrísticas durante el Concilio favoreció la acentuación
del aspecto carismático y pneumatológico de la Iglesia, y de su noción de misterio, respecto al cristocentrismo paulino que había caracterizado
hasta entonces la teología del cuerpo místico. Desde esa perspectiva, puede entenderse la llamada universal a la santidad, el potenciamiento del
papel del laicado en la Iglesia, y su misión de transformar las realidades temporales. Es en esta línea, que hay que situar la vocación laical (o
sacerdotal) de especial consagración en los Institutos seculares, como respuesta carismática de santidad y como profecia para el mundo que
anticipa la vida futura (ALONSO, 2014, p. 562).
78 Cf. https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-04-06/recuperado-infectologista-david-uip-fala-sobre-covid-19-extremo-sofrimento.html.
79 MURICY, Moema Rodrigues. Institutos seculares, uma nova forma de ser Igreja, hoje. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/5811.

3. NAS PEGADAS DA VIDA CONSAGRADA

Nem só nas catacumbas, no deserto, nos conventos ou nas comunidades religiosas. O que aspiram os Institutos Seculares é viver a radicalidade da aliança batismal no cenário
construído pelo homem, o mundo, onde habitam o pecado, mas também a superabundância da graça divina. É fazer ecoar os “cantos de Sião” em terra estranha, porque se sente
“saudade de Deus”.
Para alguns grupos, o cotidiano se identifica como espaço de rotina, alienação, algo cansativo, pesado. Há mesmo uma cultura que acredita que é preciso sair do cotidiano
para ser feliz. Na prática de Jesus, contudo, é no cotidiano e nos microterritórios que ocorre a salvação: lá, na beira do poço; no encontro com os soldados, com os doentes, as
mulheres...; no trabalho – no telônio, na pesca; no jantar com Mateus... O tempo todo..., o Mestre transitava pelo cotidiano.
A ideia da consagração secular está centrada no testemunho cristão no trabalho, no lazer, na família, nos compromissos sociais, nos relacionamentos, na participação da vida
eclesial, na política..., enfim, em procurar fazer a vontade do Pai no mundo, como fez Jesus. Seu objetivo é contribuir para a salvação do mundo, colocar o mundo nas mãos de
Deus e procurar revelar a presença de Deus no mundo circundante, onde Deus está. É o que denominamos secularidade, um dos eixos fundantes dos Institutos Seculares.
Os sinais da presença de Deus são a prática da justiça e da liberdade, a alegria, e o amor, forças que constroem a paz. Em todas as épocas da história do cristianismo, o
testemunho sempre incomodou, de tal modo que muitos cristãos se tornaram objeto de ódio e até de extermínio pelos “filhos do mundo”.
Não é que o cristão seja um super-homem ou um robô. Ele é, sobretudo, um homem simples que tem os ouvidos e o olhar no Coração do Pai e no coração do mundo. Como
o sapo, perdoem a comparação, olha para o alto, mas tem os pés na lama. Sabe que viver a vocação é correr riscos, é deixar algumas coisas para fazer o extraordinário de Deus nas
relações cotidianas. O homem simples, a mulher simples, não ficam pedindo sinais a Deus (cf. Marcos 8, 11-13). Contam com a sua graça.
O sofrimento, as dificuldades, os conflitos, a vergonha, os remorsos, às vezes, nos afastam de Deus. E sentimos falta dele, queremos voltar para ele. Assim como o Pai
perguntou a Adão: – “Onde você está?”, e Adão sentiu vergonha e falta de Deus, nós também vivemos essa experiência. E é no cotidiano que percebemos nossa aproximação ou
distanciamento de Deus, tanto individualmente quanto em comum.
Como ensinam Jesus e os profetas Elias, Ezequiel, Daniel, Isaías e Jeremias, a espiritualidade de quem vive no mundo deve sempre se voltar para a face de Deus. A
espiritualidade do seguimento a Cristo significa caminhar no cotidiano, mas sem deixar de olhar para o Pai. Por isso, poderíamos dizer que a espiritualidade da consagração
secular consiste em manter um olhar profundo no Pai e os pés atolados no cotidiano. Isto significa que na vida há uma articulação ou uma simbiose entre Deus e o cotidiano. É
a Trindade no cotidiano e o cotidiano na Trindade, como na teologia joanina (cf. Apocalipse, 21). Seguir Jesus significa procurar o que ele procura, viver como ele viveu e ter
consciência de que somos e fazemos parte do povo de Deus.
Na Igreja primitiva, assumir o batismo era tomar uma decisão perigosa. Era o principal sinal da radicalidade da fé, quase o mesmo que se candidatar ao martírio. Optar por
Jesus Cristo significava viver em sobressaltos, ser forçado a buscar o retiro das catacumbas e a enfrentar continuamente o risco de morrer pela fé. Mesmo assim, muitos foram os
cristãos que fizeram a Deus uma doação alegre e generosa de suas vidas.
Um exemplo marcante é o do diácono Estêvão (cf. Atos 7, 55-60). Caluniado e atacado por perseguidores enfurecidos, testemunhou sua fé diante da multidão que
o rejeitava:

– “Eis que vejo, disse ele, os céus abertos e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus.” Levantaram então um grande clamor, taparam os ouvidos e todos juntos se
atiraram furiosos contra ele. Lançaram-no fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. [...]. E apedrejavam Estêvão, que orava e dizia: – “Senhor Jesus, recebe o meu
espírito. Posto de joelhos, exclamou em alta voz: Senhor, não lhes leves em conta este pecado [...].” A estas palavras, expirou.

Durante os três primeiros séculos de nossa era, os cristãos foram rejeitados e marginalizados pelos judeus, pela civilização grega e até acusados de ateísmo e de subversão da
ordem política e social pelo império romano. Do ano 64, quando foram acusados por Nero de atear fogo em Roma, até o início do século IV, na feroz perseguição de Diocleciano,
sofreram duras provações, foram submetidos a prisões, torturas e mortes violentas. Assumir o cristianismo significava, então, ser candidato ao martírio. Era, assim, uma
Igreja fervorosa.
O martírio acabava por despertar novos cristãos, pois muitos se viam tocados pelo testemunho dos mártires e abraçavam a fé em Cristo. Por isso, afirmam historiadores que o
sangue dos mártires fazia germinar a Igreja. Desde o início, nas pegadas de Jesus, a Igreja se alimentou

da força, da graça de Deus que lhe foi prometida pelo Senhor e caminha assim através de muitas tentações e sofrimentos. Apesar da fraqueza da carne, não deixará de
ser fiel a seu Senhor como esposa digna. Renova-se constantemente sob a ação do Espírito Santo, até que chegue, através da Cruz, ao dia sem ocaso da ressurreição
(LG, n. 9).

No desenrolar dos acontecimentos, a Igreja adquiriu liberdade para praticar abertamente sua fé. Em 311, o imperador Galério assinara o Edito de Tolerância ou Decreto da
Indulgência, que dava fim à perseguição anticristã, a favor da harmonia política. Agora, a partir do ano 313, pelo Edito de Milão, o imperador Constantino (272-337) vinha
determinar a neutralidade do Império em relação às religiões e fazer devolver aos cristãos os lugares de culto e as propriedades confiscadas. A Igreja ganhou proteção e o clero
ficou isento do serviço militar, entre outros direitos e privilégios.
Por ordem de Constantino, cuja preferência era o cristianismo, e com sua ajuda, foram construídas as principais basílicas romanas de São Pedro, São Paulo fora dos Muros,
Santa Cruz de Jerusalém, São João de Latrão. A primeira residência oficial dos papas se instalou no antigo palácio dos Laterani, doado ao Papa Silvestre por Fausta, a esposa de
Constantino. O chefe da Igreja recebeu o título de Pontífice Máximo. O próprio Constantino convocou o I Concílio Ecumênico de Niceia, realizado em 325.
No final do século IV, o cristianismo se tornou a religião oficial do Estado, por determinação do imperador Teodósio. O governo religioso passou a ser um departamento do
Estado. Em decorrência, o cristianismo se tornou uma religião de massa, mas sempre foi marcado pelo testemunho de grandes líderes da fé. As organizações de vida consagrada e
o cotidiano das famílias eram canteiros de santos e testemunhas do evangelho (cf. HOORNAERT; AZZI; GRIJP; BROD, Tomo II/1, 1983, p. 161-2).
Nessa rota, enfatizamos que, desde o início, a Igreja sempre contou com homens e mulheres que.

[...] pela prática dos conselhos evangélicos procuraram seguir Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de perto, consagrando, cada um a seu modo, a própria vida a
Deus. Muitos deles, movidos pelo Espírito Santo, levaram vida solitária, ou fundaram famílias religiosas, que depois a Igreja de boa vontade acolheu e aprovou com a
sua autoridade. [...] Quanto mais fervorosamente se unirem, portanto, a Cristo por uma doação que abraça a vida inteira, tanto mais rica será a sua vida para a Igreja e
mais fecundo o seu apostolado (PC, n. 1)..

A Igreja sempre cuidou para que as metodologias de evangelização não fossem mais importantes do que o próprio evangelho. Elas não podem obscurecer a Palavra do
Mestre e nem a vontade do Pai (cf. HOORNAERT; AZZI; GRIJP; BROD, Tomo II/1, 1983, p. 160 ss).

3.1. A busca do deserto: “Meu Deus, meu tudo”

O cenário da vida consagrada já tinha esboços na Igreja nascente, mas se desenhou, de forma orgânica, no século IV. Com a promulgação do Edito de Milão, ser cristão já
não era assumir a possibilidade do martírio. Em meio a uma sociedade movida pela decadência de valores, pela quebra da moral e pela corrupção reinante, a Igreja tinha agora
necessidade de novos sinais de vida evangélica.
Nesse contexto, cristãos mais radicais se sentiram motivados pelo ideal de fugir do mundo e buscar o deserto para viver a santidade. Era uma forma de afastamento dos
desvarios e corrupções que invadiam até mesmo a vida eclesial. Por esse caminho, a vida consagrada começou como reação ao esfriamento do fervor religioso das comunidades e
da sociedade, durante o quarto século.
Portanto, a vida religiosa se estabeleceu, primeiro, como um primeiro movimento de fuga, de retirada do mundo corrupto, pelo qual alguns cristãos se tornaram eremitas e
passaram a ser conhecidos como Padres do Deserto, mestres e pais espirituais. É importante considerar este afastamento como uma postura profética de anúncio, testemunho e
denúncia, mesmo que silenciosa, e não apenas como fuga ou negação do mundo.
Os Padres do Deserto atraíram seguidores e deram início às primeiras comunidades religiosas, longe do mundo e de sua devassidão. Eles “nunca disseram que essa coisa
nova tivesse sido instituída por Jesus Cristo nos tempos bíblicos. Sua origem estava numa situação eclesial, isto é, na falta de seriedade na vivência da fé na sociedade e no desejo
de viver o batismo de uma forma mais radical” (KEARNS, 1999, p. 18).
A consagração a Deus tem inspiração na Palavra de Deus. Os Padres do Deserto escutaram o eco dos apelos do evangelho e dos profetas – “nova vida, novo espírito, novo
coração” (cf. Ezequiel 11, 19; 37, 7-10; 36, 26-28). Seu estilo de vida foi produzindo uma teologia do estado de perfeição que, mais tarde, viria consolidar a ideia de que aquele
que desejasse ser perfeito teria que deixar o mundo e entrar num convento. Os outros estados de vida não chegariam à perfeição própria desta sublime vocação.
Os fatos mostram que a Igreja sempre caminhou no mundo, afetando e sendo afetada. Talvez seja por essa razão que Paulo VI afirmava que a Igreja evangeliza e é
evangelizada, para que não se perca em sua relação com o mundo. Ela não é o mundo, mas caminha com o mundo. Por isso sempre tem algo a dizer ao mundo.
O critério que orienta a Igreja para não se perder é a Cruz. A teologia e a espiritualidade brotam da experiência da Cruz, que cada cristão experimenta. É dela que nasce a
vitalidade, na caminhada rumo ao Pai (LG, n. 8). Cada ação da Igreja na história visa proclamar “a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha” (Coríntios 11, 26). É nesta crença
que ocorre a peregrinação da Igreja no mundo. Ela escuta continuamente a voz do Mestre que diz: – “Vossa libertação está próxima” (Lucas 21, 28). Ou as palavras do Anjo:
“Felizes são os convidados para o banquete” (Apocalipse 19, 9).
Em 1996, o Sínodo sobre a Vida Consagrada chamou atenção para o fato de que, desde os primeiros tempos, homens e mulheres buscaram viver a serviço do Verbo
Encarnado, de modo radical, participando do mistério pascal, com a intenção de transfigurar o mundo e a vida até chegarem à visão definitiva do rosto de Deus. A consequência
foi o desenvolvimento do monaquismo, inspirado em São Bento. Renunciando à vida no mundo, os monges buscaram a dedicação total a Deus. Até os dias atuais, os mosteiros
são centros de vivência e edificação da vida eclesial, uma forma de viver na expectativa da cidade celeste. (cf. VC, n. 6).
A partir de um olhar para a história dos Padres do Deserto, logo se percebe que a essência da vida consagrada consistia em se voltar inteiramente para Deus.

Infelizmente, essa teologia ficou esquecida desde o Concílio de Trento, quando a ênfase foi centralizada nos três votos evangélicos [...]. Os Padres do deserto e mais
tarde as primeiras comunidades religiosas somente queriam uma coisa: viver a aliança do seu batismo de uma forma radical. Mais nada! E qual é a essência dessa
aliança do batismo? Ela fala de amor: amar a Deus de todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento, com toda a força (KEARNS, 1999, p. 18-19).

O jeito próprio dos Padres do deserto – o Primado do Absoluto – significava a vivência radical da aliança batismal. Era permanecer a serviço do Reino e viver para o Reino,
de modo a não se prenderem a nenhuma estrutura de vida. Deus era seu absoluto, o supremo bem. Consagrar-se tinha o sentido de viver um amor apaixonado a Deus, era voltar-se
totalmente ao Senhor, num ato de culto e louvor, era buscar continuamente a conversão do coração. Espelhavam a figura do Batista e encontravam na vivência radical do batismo
o significado da missão. A vida deles estava centrada numa ideia paulina:

O que para mim era lucro, passei a considerar perda, por causa de Cristo. Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do
conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar a Cristo e ser encontrado nele, não
tendo a minha própria justiça que procede da lei, mas a que vem mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé (Filipenses 3, 7-9).

O texto de São Paulo ajuda a explicitar a expressão Primado do Absoluto, defendida e vivida pelos Padres do deserto para descrever seu ato de adoração a Deus. Esta é a
base da vida consagrada. Os votos não aparecem como a base; são meios para viver o Primado do Absoluto ou a radicalidade da aliança batismal. A vida consagrada é mais ampla
e abrangente do que os três votos. Estes sintetizam de forma didática a vida consagrada, mas só se estiverem no Coração do Pai. Caso contrário, são apenas ritos e burocracia, que
podem produzir um certo distanciamento de Deus. “De fato, os votos, como os conhecemos hoje, somente entraram na vida religiosa a partir do século treze” (KEARNS, 1999, p.
21).
No fundo, viver a consagração é colocar Deus acima de tudo. É buscar a Deus todos os dias. Jesus traduz isso em “fazer a vontade do Pai”. Afirma São Paulo que fora disso,
tudo é perda de tempo, é resto. A nosso ver, consagrar-se é viver a experiência da Cruz e colocar tudo nas mãos do Pai. Nas palavras do Mestre: – “Tudo está consumado. Em tuas
mãos coloco meu espírito” (João 19, 30; Lucas 23, 46). Foram essas as últimas palavras de Jesus na Cruz.
Com o tempo, as diferentes vocações foram categorizadas como associações, ordens, congregações, sociedades religiosas de vida comum. Tornaram-se estados jurídicos de
vida e caminhos de santidade. Essas formas não pertencem à hierarquia eclesiástica, estão numa posição intermediária entre o estado clerical e o laical. “Mas de ambos são
chamados alguns fiéis por Deus a fim de desfrutar desse peculiar dom na vida da Igreja, procurando cada qual a seu modo ser útil a sua missão salvífica” (LG, n. 43).
É sempre um retomar da experiência dos judeus exilados na Babilônia, que o salmista traduz com estas palavras: “Às margens dos rios de Babilônia, nos assentávamos
chorando, lembrando-nos de Sião” (Salmo 137). Essa experiência nos impulsiona ao cotidiano da vida, no qual choramos, sofremos e sentimos saudade de Deus, que nos faz
cantar cantos de alegria e de tristeza.
O que importa é que afetamos o cotidiano à luz da palavra de Deus. As pessoas que convivem conosco devem perceber nossa fé na Trindade, assim como os babilônios se
questionavam sobre o procedimento dos judeus cativos de Nabucodonosor. O cativeiro pode ter sido a primeira experiência mais forte de se colocar no mundo sem se esquecer
de Deus.
Na Babilônia, os judeus testemunhavam sua fé, a tal ponto que os inimigos queriam escutar seus cantos de alegria e louvor. Chegavam a exigir: “Aqueles que nos tinham
deportado pediam-nos um cântico. Nossos opressores exigiam de nós um hino de alegria: – “Cantai-nos um dos cânticos de Sião” (Salmo 136).
Deus orientava seu povo a rezar pelos cativos para que a cidade encontrasse a paz (cf. Jeremias 29, 5-7). Também Jesus orienta os apóstolos a desejarem a paz onde quer que
cheguem. – “E, em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: Paz seja nesta casa” (Lucas 10, 5). O consagrado secular, em qualquer situação, é testemunha da paz. E, se
necessário for, deve rezar para que todos os inimigos recebam a paz do Senhor. O Mestre rezou pelos seus e pediu ao Pai: – “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do
mal” (João 17, 5). A consagração secular consiste em estar no mundo, desejar e construir a paz, sem se deixar contaminar pelo mal.

3.2. A história clama pelos sinais da presença de Deus

Numa leitura do Novo Testamento, encontramos nas primeiras comunidades cristãs discípulos e discípulas que se doavam plenamente ao serviço do Senhor, sem abandonar
as atividades comuns do dia a dia e sem usar sinais que os distinguissem das demais pessoas. Era um jeito de dar testemunho de Jesus no mundo, de viver a santidade. As cartas
paulinas são repletas de personagens que vivem a santidade no mundo e que dão testemunho do Evangelho.
Por intermédio de São Paulo, ficamos sabendo do exemplo de vida cristã de Lóide e Eunice, mãe e avó de Timóteo, que o ajudaram, desde criança, a crer e a crescer na fé
pelo conhecimento da Palavra de Deus. Assim o Apóstolo escreve a Timóteo:

Conservo a lembrança daquela tua fé tão sincera, que foi primeiro a de tua avó Lóide e de tua mãe Eunice e que, não tenho a menor dúvida, habita em ti também (2
Timóteo 1, 5-6). Permanece firme naquilo que aprendeste e creste. Sabes de quem aprendeste. E desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que elas têm
o condão de te proporcionar a sabedoria que conduz à salvação, pela fé em Jesus Cristo (2 Timóteo 3, 14-15).

Na Igreja dos Apóstolos e Mártires, o próprio Paulo parece aludir a uma forma de plena consagração no mundo, quando fala que faz melhor quem se entrega de corpo e alma
a Deus, sem nenhum constrangimento e em perfeita liberdade de escolha, para cuidar das coisas do Senhor (cf. Coríntios 7, 25-40). A consagração é um dom de Deus para ajudar a
Igreja e o mundo a encontrar o rosto do Pai.
Os pesquisadores da vida consagrada mostram que sempre existiram cristãos que se sentiam chamados por Cristo para segui-lo e assumir com ele um compromisso de vida
e santidade no mundo. O que pleiteavam era a possibilidade de uma vida estável de doação a Deus, dentro das condições comuns da vida. Contudo, outros tempos implicavam
outros protocolos e diretrizes canônicas. Houve até mesmo uma multiplicidade de pessoas que desejavam viver a consagração a Deus no mundo e eram impedidas pelas normas
canônicas. Algumas delas se tornavam monges ou religiosos e outras permaneciam na situação em que se encontravam para evitar as restrições que as normas jurídicas impunham
(cf. HUOT, 1968, p. 174).
Pessoas desejosas de viver no mundo voltadas a Deus e, a partir de sua doação, influenciar os ambientes sociais pela perspectiva de transformá-los segundo os desígnios de
Deus são movidas por um dom específico do Espírito Santo, dom que ultrapassa as linguagens e expressões jurídicas e produzem uma nova linguagem para fazer com que o
evangelho penetre no mundo como uma novidade eterna. O que sustenta a consagração secular é que Deus é sempre uma novidade e, por isso, o evangelho é sempre uma boa
notícia, em qualquer circunstância.
Por essa perspectiva, acreditamos que é importante, ainda que brevemente, recordar alguns traços da história de algumas personagens que se destacaram pelo anseio de
construir um caminho de perfeição em pleno mundo. Isto, sem nos esquecer de que a vida consagrada está profundamente enraizada nos ensinamentos e no seguimento de Cristo.
No século XIII, São Francisco de Assis, além de fundar a Ordem21 dos Frades Menores e, junto com Clara de Assis, o ramo feminino da Ordem, idealizou a Ordem Terceira
Franciscana, destinada a cristãos leigos que viviam no mundo. À Ordem Terceira poderiam pertencer pessoas de qualquer idade e condição, desejosas de ser fiéis ao espírito de
pobreza e participar das graças e privilégios da espiritualidade franciscana, sem abandonar os deveres pessoais, sociais e familiares. Era uma forma de seguir um autêntico
caminho evangélico no mundo.
Nesse período, não podemos deixar de destacar a presença e a ação dos dominicanos, Ordens religiosas mais abertas, aproximando-se mais do povo para levar a Palavra de
Deus e o espírito do evangelho. A nosso juízo, essas instituições influenciaram na construção da nova civilização que brotava e somente se consolidaria mais tarde. A pedagogia
dessas Ordens era mais de ação e desenvolvimento de atividades que levavam os homens a alcançar a paz (cf. GEMELLI, 1968, p. 13).
Com Santa Ângela Merici, no século XVI, surgiu o primeiro grupo de mulheres religiosas para permanecer fora de um convento e se dedicar ao ensino das jovens pobres da
comunidade, que não tinham acesso à escola. Santa Ângela organizou uma regra de vida adaptada ao ambiente da vida familiar e social. As Ursulinas se obrigavam a obedecer às
regras da fundadora, mas não faziam votos especiais, permaneciam em parte com a família, visitavam os enfermos e faziam outros tipos de caridade, de forma simples e natural. A
Companhia de Santa Úrsula foi

fundada por Santa Ângela Merici no final de sua vida, em 1535, e aprovada em 1544, depois de sua morte, como uma novidade absoluta – o compromisso de viver a
própria consagração a Deus, mas permanecendo em família numa situação anômala em relação à mentalidade corrente. Realmente, Santa Ângela antecipava os tempos
e em pleno século XVI criava o que hoje chamaríamos de instituto secular: a aprovação de Paulo III a seu instituto confirma ainda uma vez a intenção desse pontífice.
A iniciativa, contudo, contrastava demais com as tendências da época para não sofrer um retrocesso, em espírito totalmente contrário ao espírito da fundadora...
(MARINA, 1995, p. 217-222).

Talvez não seja demais inferir, a partir desse texto de Marina, que a Companhia de Santa Úrsula, lá no século XVI, teria sido o primeiro instituto secular. Especialistas
na vida consagrada secular ou daquelas pessoas que procuraram fazer do mundo seu campo de missão, em total doação ao Senhor, apresentam Santa Ângela de Merici como uma
das pioneiras que conseguiu sistematizar e dar organicidade a esse estilo de vida.

Ângela Merici respira a pleno pulmão a saudável liberdade do século e vê nessa mesma liberdade um campo e um meio de conquista. Ela não quer se fechar em um
claustro, mas viver no meio do mundo; suas filhas viverão no seio de suas famílias, carregando dentro de si o claustro e semeando em toda parte o “bom odor de
Cristo”. Continuando a vida secular de seu tempo, elas penetram na sociedade e aí fazem um bem incalculável. As circunstâncias históricas favorecem
maravilhosamente tal iniciativa e a tornam necessária. [...] Outras inúmeras realizações mereceriam destaque no decorrer dos séculos passados, pois inúmeras foram as
almas que queriam se consagrar a Deus e ao apostolado permanecendo no século, fermento na massa, dentro da própria família, em profissões e trabalhos comuns
(HUOT, 1968, p. 176).23

O tempo foi tecendo, sob as moções do Espírito, o novo jeito de viver a consagração, especialmente para as mulheres, que começaram a sair um pouco mais do claustro,
caminhar em direção aos hospitais e orfanatos, estar próximas daqueles que sofrem. Era uma forma de praticar as bem-aventuranças e recordar a presença de Jesus Cristo no meio
das pessoas (cf. GEMELLI, 1968, p. 13). Esta ideia, que aparece em Santa Ângela de Merici, ganhou força a partir do século XVII e XVIII. Com a Revolução Francesa, tomou
novos impulsos.
Pedro de Clorivière, sacerdote jesuíta que viveu na França entre 1735 e 1820, também idealizou uma forma de vida consagrada com o compromisso de seguir os conselhos
evangélicos “no meio do mundo”, a serviço dos irmãos, sem hábito, clausura e outros sinais exteriores. Em 1790, durante a Revolução Francesa, com Maria Adelaide de Cicé, ele
fundou a Sociedade das Filhas do Coração de Maria. A organização tinha como fonte de espiritualidade a oração de Jesus: “Pai, não peço que os tires do mundo, mas que os
guardes do mal” (João 17, 15). Juntos, elaboraram um projeto de vida consagrada adaptado à realidade da época, marcada por revoluções e perseguições. Sua proposta era estar no
mundo, com vida ativa e de oração, tendo como modelo Maria e os primeiros cristãos, sem qualquer sinal exterior de sua consagração.
Os séculos XVIII e XIX se definiram pelo secularismo. Surgiram várias ideologias que negavam a existência de Deus ou propugnavam a “morte de Deus”. Operários e
intelectuais afastavam-se da Igreja. Em síntese, foram séculos de difusas apostasias e de uma certa radicalidade que fez aumentar o número das famílias religiosas e, a nosso ver,
de pessoas que queriam viver no mundo a consagração. Nesse período, destacamos o surgimento dos salesianos, entre outras Congregações religiosas (cf. GEMELLI, 1968, p. 14).
O mundo inteiro deixava-se levar pela perturbação despertada por uma nova cultura em marcha. A Igreja se via impelida a responder a essa situação. O primeiro documento com
que enfrentou os desafios levantados pelas questões sociais foi a Rerum Novarum (Das Coisas Novas – 1891), do Papa Leão XIII.

A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera
vizinha da economia social. Efetivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os
operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários
formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito. Por toda a parte, os
espíritos estão apreensivos e numa ansiedade expectante, o que por si só basta para mostrar quantos e quão graves interesses estão em jogo. Esta situação preocupa e
põe ao mesmo tempo em exercício o gênio dos doutos, a prudência dos sábios, as deliberações das reuniões populares, a perspicácia dos legisladores e os conselhos dos
governantes, e não há, presentemente, outra causa que impressione com tanta veemência o espírito humano (RN, n. 1).

Essas histórias e acontecimentos nos fazem recordar de um diálogo dos discípulos com Jesus. Eles contam ao Mestre suas experiências, o que tinham feito e o que tinham
ensinado. Jesus, depois de escutá-los, mandou que fossem para o deserto. Esta orientação é importante, para não cairmos num ativismo. Temos que estar sempre unidos
à Trindade, para que Cristo, e não o missionário, seja revelado e exaltado. É assim o movimento do consagrado secular. Ele sempre retorna a Jesus, que o manda de volta para a
missão. Esse movimento o leva a descobrir quem é Jesus, a se encontrar com o Pai e, ao mesmo tempo, a ajudar as pessoas e o mundo a encontrarem o Mestre
(cf. Marcos 6, 30-34).
Quando estamos em missão, mesmo que as coisas pareçam confusas, temos que continuar, em atenção às palavras do Senhor, como fez São Pedro (cf. Lucas 5, 1-11).
Homens e mulheres deram esse testemunho porque estavam atentos à Palavra do Senhor e tinham compaixão do sofrimento humano. Em síntese, obedeceram ao Pai e escutaram
Jesus (cf. Mateus 17, 5).
A história da consagração se reconfigura em cada mudança. Uma coisa é viver a consagração na Igreja primitiva. Outra coisa é viver a consagração na Idade Média, no
Renascimento, na Era Moderna e na Contemporaneidade. As transformações que marcaram os séculos XIX e XX impactaram a realidade e todas as dimensões humanas, desde as
relações cotidianas até a forma de interagir com Deus. Foram períodos de grandes revoluções e aceleração das descobertas. O século XX foi palco de tragédias, duas Grandes
Guerras Mundiais, conflitos étnicos e religiosos quase universais e grandes epidemias, como a aids. Mas nem por isso deixou de ser um período de grandes novidades, de
invenções e soluções, das primeiras viagens espaciais, do avanço da informática, dos transplantes de órgãos e da cura de várias doenças.
Diante de tantos acontecimentos e tão velozes transformações, Hobsbawm (1995), entre outros autores, deu ao século XX o nome de século breve. Foi no século XX que a
Igreja talvez tenha tido a sua maior revolução, pois consolidou uma nova eclesiologia, sem perder a originalidade evangélica. Em harmonia com a doutrina dos Apóstolos, a Igreja
fez o que São João XXIII chamou de aggiornamento. A Igreja definiu que é no mundo cotidiano, nele e a partir dele, que ocorre o testemunho da salvação, seja por meio de
pessoas, seja por instituições. É neste veio singular, em que a Igreja afeta o mundo e é por ele afetada, que se evidenciam as condições objetivas para a sistematização
eclesiológica e sociológica da consagração secular, bem como da vocação leiga.
Nos países colonizados dos continentes africano e americano,
formatou-se uma mentalidade e uma organicidade que desenraizou e desorganizou a cultura dos povos originais. Este procedimento repercute até os dias atuais, especialmente nas
práticas de corrupção, de exploração e de uma cultura de violência e machismo. No mundo globalizado, de forma preponderante no continente africano e na América Latina, essa
matriz ganha nova configuração. Ao Sul do hemisfério terrestre, se estabelecem hoje as mais graves formas de exploração do capital, para sustento do Norte.
Contribuíram para descortinar essa realidade e mostrar resistência aos seus impactos as epistemologias da descolonização ou a chamada epistemologia do Sul. Esta base
teórica sustenta que a luta

contra a exploração e a dominação implica, sem dúvida, em primeiro lugar, o engajamento na luta pela destruição da colonialidade do poder, não só para terminar com
o racismo, mas pela sua condição de eixo articulador do padrão universal do capitalismo eurocentrado. [...]. O lugar central da corporeidade, neste plano, leva à
necessidade de pensar, de repensar, as vias específicas para sua libertação, ou seja, para libertação das pessoas individualmente, em sociedade, do poder, de todo o
poder. [...] Isso significa a devolução aos próprios indivíduos, de modo direto e imediato, do controle das instâncias básicas de sua existência social: trabalho, sexo,
subjetividade e autoridade (QUIJANO apud SOUSA SANTOS, 2010, p. 113).

Nossa intenção, neste trabalho, não é discutir questões referentes à colonização, decolonização e decolonialidade. O que nos interessa aqui é compreender o mundo e a forma
pela qual o consagrado secular pode marcar posição, sem reproduzir a cultura da morte, a cultura do descarte, as culturas de exploração e dominação que permeiam o continente
latino-americano.
O que temos em mente é olhar para a prática de Jesus e para a realidade atual e perceber como podemos reagir a culturas que negam o evangelho e a plenitude da vida. Nesta
realidade, a reação dos consagrados seculares é a da indignação justa, da transgressão justa, de intervir, incidir e se insurgir contra as práticas de injustiça. Alguns autores
denominam essa prática pedagógica de interculturalidade ou decolonialidade (cf. WALSH, 2009).
Observamos que não há ainda entre os autores um consenso sobre teorias pós-coloniais ou a decolonialidade no contexto da globalização e da sociedade líquida. Essa
discussão aparece ora de forma mais orgânica, ora mais fragmentada, desde a década de 1960, por ocasião da publicação do trabalho de Frantz Fanon.

A descolonização, que se propõe mudar a ordem do mundo [...] não pode ser o resultado de uma operação mágica, de uma agitação natural [...]. É um processo
histórico [...], é o encontro de duas forças congenitamente antagônicas [...]. O seu primeiro confronto desenrolou-se sob o signo da violência, e a sua coabitação [...]
realizou-se com grande reforço de baionetas e canhões [...]. O colono tira a sua verdade, os seus bens, do sistema colonial, [...] transforma os espectadores esmagados
pela falta do essencial em atores privilegiados [...]. A descolonização é realmente a criação de homens novos. O coloniado está sempre alerta, decifrando dificilmente
os múltiplos signos do mundo colonial. [...]. Está inferiorizado, mas não convencido de sua inferioridade (FANON, 2015).

A nosso ver, a primeira crítica ao paradigma da colonização teria sido feita por Bartolomeu de Las Casas, que acusa os colonizadores de estarem em pecado mortal, porque
usam da crueldade para dominar os povos originários. Esta ideia, de uma ou de outra forma, eclode nos anos 1960.
As teorias da colonização empanam o evangelho, os ecos da voz de Cristo e o sopro do Espírito. Também as teorias da descolonização correm o risco de transmitir alguns
vírus da dominação. Toda desconstrução é emblemática, acaba por reproduzir a forma de exploração anterior. A nosso juízo, Jesus não desconstruiu o judaísmo, mas o
transfigurou. Negou, mas não excluiu a base judaica. Ao contrário, colocou aquilo que faltava, clareou o que estava obscuro (Mateus 5, 17-19; Lucas 16, 16-17).
O ser consagrado tem uma atitude metodológica viva, pela qual o evangelho e a realidade sempre deixam emergir a novidade do Espírito. Pelo seu estilo de vida, ele busca
produzir aquilo que os santos Paulo de Tarso, João da Cruz, Tereza de Ávila e Edith Stein chamaram de ciência da Cruz. Esta é uma ciência que liberta, que não explora, nascida
da Cruz de Cristo. Nela, Jesus explicita o perdão, a compreensão, a justiça, a misericórdia, a obediência ao Pai, a alegria da salvação... No fundo, a base da ciência da Cruz é o Pai
Nosso. Consagrados e consagradas são pessoas simples, que buscam deixar de lado os ídolos deste mundo e dar testemunho do Deus Vivo (Atos dos Apóstolos 14, 15).
O que pode nos ajudar a entender o mundo de hoje e transformá-lo em direção ao projeto do Pai, revelado em Jesus Cristo? Ao nosso ver, as orientações do Papa
na Economia de Francisco e na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia, de 2 de fevereiro de 2020, têm critérios e diretrizes de uma conduta moral para colocar a
vida na centralidade da economia e do mundo. Vida é mais do que a vida humana, é o conjunto da obra de Deus. Esse modelo tem como fonte de inspiração o evangelho, São
Francisco de Assis e São José, seu jeito de viver a vontade do Pai.
É interessante notar que na Carta Economia de Francisco, o Papa ressalta o evangelho, traz como protagonista São Francisco de Assis e assina o documento no dia dedicado
a São José Operário. Acreditamos que esses dois santos, em seu testemunho, oferecem indicativos para um pensamento econômico e deveriam ser, segundo entendemos,
inspiração para a vivência e a experiência da consagração secular.
O desafio é colocar em marcha uma nova pegada econômica na qual se possa salvaguardar uma cultura de justiça e paz, na qual o ser humano e a natureza consigam manter
um desenvolvimento sustentável. Neste caso, é colocar a mercadoria a serviço dos viventes e que estes não sejam mais escravos do sistema mercadológico. Por conseguinte,
enfatiza o Papa Francisco:

é preciso corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito pelo meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a
dignidade dos trabalhadores e os direitos das gerações vindouras. Infelizmente, ainda não foi ouvido o apelo a tomar consciência acerca da gravidade dos problemas e,
sobretudo, a pôr em prática um modelo econômico novo, fruto de uma cultura da comunhão, baseado na fraternidade e na equidade. [...] há urgente necessidade de uma
economia saudável e de um desenvolvimento sustentável [...] todos nós somos chamados a rever os nossos esquemas mentais e morais, para que estejam mais em
conformidade com os mandamentos de Deus e com as exigências do bem comum. [...]. Peço-vos para serdes construtores do futuro, trabalhai por um mundo melhor.
[...]. Enquanto o nosso sistema econômico-social ainda produzir uma só vítima, e enquanto houver uma só pessoa descartada, não poderá haver a festa da fraternidade
universal.24

Esta Carta desenha um paradigma de economia socialmente justa, economicamente viável, ambientalmente sustentável e eticamente responsável. Acreditamos que esse
paradigma nos ajuda na descolonização e na desreificação do pensamento e da prática dos sistemas de dominação e exploração. A experiência da consagração secular no mundo
tem demonstrado sua contribuição para a decolonização, por meio de uma pedagogia que resiste ao mal e à tentação da destruição da vida.
Pio XI e Pio XII souberam perscrutar os sinais e os clamores do mundo e apresentaram como propostas o diálogo com a humanidade, o fortalecimento do laicato e
a consagração secular. Este é um jeito de renovar as belas palavras dos discípulos de Emaús a Jesus: – “Fica conosco, Senhor” (Lucas 24, 29). O consagrado secular dá ao mundo
a certeza de que o Senhor está conosco, caminha conosco, e ajuda as pessoas a reconhecerem Jesus, a descobrirem a presença de Deus no cotidiano, no trabalho, nas famílias...
As mudanças históricas repercutiram no jeito de agir, pensar, confabular e ser de toda a humanidade. No interior da Igreja não foi diferente. O Vaticano II tentou fazer uma
atualização da relação entre o mundo, o evangelho e a Igreja. Nesta dinâmica é que se encontra a vida consagrada, com seus novos rostos, especialmente na Perfectae Caritatis e
na própria Lumen Gentium.

Quanto aos documentos do ConcÍlio Vaticano II, diz-se que são bastante parcos em relação aos Institutos Seculares. Devemos reconhecer, no entanto, que tudo aquilo
que nos textos conciliares foi afirmado sobre eles, condensa as precedentes disposições pontifícias e constituiu um reconhecimento claro, positivo e solene, não apenas
da sua existência e personalidade jurídica, mas também das finalidades apostólicas que os animan e orientam (ANTONIUTTI, 1970). 25

Os especialistas do Concílio descrevem as tensões que acompanharam as aulas conciliares, entre outras, a incorporação dos Institutos Seculares. Tanto que o fato de
a Lumen Gentium não ter feito referência à consagração secular deixou desapontados os Institutos Seculares, na época, segundo autores como Beyer, Lazzati e Huot. O debate
principal envolvia duas questões: – “Ao fazer os votos, o membro do Instituto Secular não se tornava um ‘religioso’? Como permanecer leigo e ‘professar os votos’?”
Havia uma tendência de que ser leigo implicava a busca do sacramento do matrimônio. Rahner, Beyer, Balthasar e Perrin discutiram essa questão e chegaram a um
denominador comum, pelo menos naquele momento. Lazzati problematizou as características do religioso e do leigo, para concluir que a consagração secular é vivida no mundo,
realizada junto com outros leigos, por meio do apostolado e da inserção sociopolítica, a qual cada um escolhe do seu jeito próprio (cf. Lazzatti 1968, p. 199). Alguns teólogos
afirmavam que qualquer cristão que assumisse os conselhos evangélicos em vista da perfeição cristã em uma vida consagrada a Deus era “religioso”. Beyer diz que essa posição é
incompleta, porque o ser “religioso” no sentido canônico requer outros elementos. Para ele, esta era uma generalização.
Toda vocação, ao nosso ver, tem que ser vista na totalidade do carisma e não se define por um único aspecto. A apropriação de uma vocação por um único ângulo pode levar
a uma ideologização e não ser um meio de santificação. Esta simplificação é uma postura errada que levaria os Institutos Seculares a perderem sua singularidade, sua razão de ser,
e talvez a própria essência da consagração. O reducionismo é sempre perigoso e causa mais mal do que bem (cf. BEYER, 1969, p. 8-9).
A questão se colocava da seguinte forma: os membros dos Institutos Seculares são religiosos ou laicos? (cf. PERRIN, 1968, p. 99). Advertia Perrin que os textos pontifícios
afirmam peremptoriamente que eles não são religiosos e não são apenas leigos, uma vez que assumem o compromisso de uma especial consagração que põe em prática os
conselhos evangélicos. A teologia dos Institutos Seculares, hoje, dá preferência ao codinome consagração secular.
Nesta reflexão, podemos afirmar que a aprovação ou o reconhecimento dos Institutos Seculares e/ou da consagração secular foi um gesto revolucionário da Igreja. Tal ação
afetou, desorganizou e reorganizou os religiosos e os leigos, e mesmo a hierarquia, motivo pelo qual vários teólogos, sociólogos e até mesmo bispos e papas afirmaram que
a Provida prefigurou a eclesiologia do Vaticano II.
A propósito, considera o Pe. Beyer que os Institutos Seculares vão além de associações como a Ação Católica, apesar de serem uma verdadeira organização laical. Seus
membros têm uma presença cristã no mundo, sem se prenderem a uma bandeira que não seja a do seguimento de Cristo. Não se organizam por determinadas especializações, são
um jeito de inserção sociopolítica cristã no mundo. Estão aí para descobrir junto com outros a presença de Deus, e isso pode ser em qualquer lugar, em qualquer situação e hora. É
um estilo de vida, um jeito daqueles que renunciam a todos os estereótipos para viver segundo o Espírito.
O século XX exibiu uma sociedade doente em sua raiz, que nega o jeito de pensar e de viver cristão, e não aceita a transcendência, conforme apresentada por Jesus
(GEMELLI, 1962, p. 9). Este princípio repercute na filosofia, na economia, na arte, na técnica, levando os cristãos a viverem de aparência; e cada dia aumenta o número dos
idólatras e infiéis. Estar no mundo é estar aberto a todas as coisas, mas não ser dominado por nenhuma delas. A consagração secular, de acordo com o Pe. Gemelli, se realiza no
interior e a partir do mundo, ao invés dos religiosos. “É uma presença no mundo, uma ação sobre o mundo e através dos meios do mundo” (cf. BEYER, 67, p. 251).
Os consagrados seculares não são pessoas que vêm de fora, constituem parte do ambiente. Vivem dentro de certo ambiente social e político que devem transformar e onde
têm que agir. “Condição da atividade no mundo, operam a partir de dentro de cada ambiente, de cada categoria social, sem necessidade de aceitação ou complacência ou até contra
sua vontade” (GEMELLI apud BEYER, 1967, p. 254). Reforçamos, a partir de nossa leitura de Gemelli e de outros fundadores, que a missão do membro do Instituto Secular é no
lugar em que ele mora, trabalha, estuda, na comunidade que frequenta e em diferentes redes sociais.
Repetimos que a singularidade dessa vocação está em que o membro não muda o seu campo de influência, ação e realização de um projeto de vida (ambiente familiar,
profissão, classe social, partido político, participação em associações e esferas públicas...). O que a consagração secular acrescenta é o compromisso com a Trindade e com a Igreja
de testemunhar e anunciar o evangelho, de forma simples, sem nenhum estereótipo. Quando olhamos para os textos aprovados por Pio XII sobre os Institutos Seculares,
percebemos que os documentos não são uma simples Regra. É preciso ver nesses documentos um princípio carismático feito normas da vida consagrada (cf. BEYER, 1967, p.
255).

Notas de Rodapé

1 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
2 PAROLIN, Pietro, Cardeal, Secretário de Estado. Mensagem aos participantes da Assembleia Geral da Conferência Mundial de Institutos Seculares.
Roma, 17 ago. 2016.
3 PAPA FRANCISCO. Mensagem aos participantes do Congresso dos Institutos Seculares italianos, por ocasião do 70º aniversário da Constituição
Apostólica Provida Mater Ecclesia, 23 out. 2017.
4 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970.
5 Carlos ÁVILA, poeta e jornalista. In: Folha de São Paulo, “Mais!” 14 maio 2000.
6 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
7 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
8 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970, p. 86.
9 Venerável Giuseppe Lazzati, consagrado secular, fundador do Instituto Secular Cristo Rei. cf. http://www.santiebeati.it/dettaglio/91539
10 CEDIS. Conferencia Española de Institutos Seculares. Consagración secularidad. Valencia: Edicep, 1996. p. 53-69.
11 Tradução livre, ver original: “Los I.S. comparten con los demás laicos esta especialización: cambiar el mundo desde dentro; especialización que se
refuerza, se sostiene y compromete por la consagración especial.”
12 PAPA JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Jubileu pelo 1950º Aniversário da Redenção, n. 3.
13 JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, n. 12.
14 PAPA JOÃO XXIII. Bula de convocação do Concílio, Humanae Salutis, 25 dez. 1961.
15 PAPA JOÃO XXIII. Gaudet Mater Ecclesia. Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 out. 1962, 7, 3.
16 São João Crisóstomo, citado em Lumen Gentium, n. 38 (386).
17 CASTELLS, Manuel. Disponível em: https://ibebrasil.org.br/areas-atuacao/cultura-digital/. Acesso em: 24 fev. 2020.
18 PAPA BENTO XVI. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2013.
19 PAPA FRANCISCO. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2014.
20 PAPA FRANCISCO. Discurso no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 2014. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/magisterio-da-igreja/francisco/.
21 O Código de Direito Canônico de 1983 inovou, eliminando a distinção ou dicotomia entre Ordens e Congregações religiosas. Tal distinção era feita
pelo critério de votos públicos, simples e privados. Na apresentação do novo Código, João Paulo II explicita que, de tempos em tempos, “a Igreja
reforma e renova as leis e a disciplina canônica”, a fim de expressar sua fidelidade ao Divino Mestre. Em síntese, a Igreja decidiu organizar a vida
consagrada no tópico “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”. O eixo condutor da vida consagrada são os
conselhos evangélicos, conforme cânones 573-577.
22 Cf.
https://books.google.com.br/books?id=-xJ4U2RQXHMC&pg=PA217&dq=santa+angela+de+merici&hl=pt-BR&sa=X&ei=QdwHUZ3yM9OC0QGhz4GgAw#v=o
Acesso em: 13 abr. 2020.
23 Tradução livre, segue texto original: Angela Merici respira a pleno pulmón la sana libertad del siglo y ve en esa misma libertad un campo y un
medio de conquista. Ella no quiere cerrarse en un claustro, sino vivir en médio del mundo; sus hijas vivirán en el seno de su família, llevando en
si mismas su claustro y sembrando por todas partes el “buen olor de Cristo”. Continuando la vida secular de su tiempo, ellas penetran en la
sociedad y la hacen un bien incalculable. Las circunstancias históricas favorecen maravillosamente tal iniciativa y la harán necesaria. [...] Otras
numerosas realizaciones merecerian ser subrayadas en el curso de los siglos passados, ya que innumerables fueron las almas que desearon
consagrarse a Dios y al apostolado quedando en el siglo, fermento en la massa, en el seno de la propia família, en las profesiones y en los
trabajos ordinários. (HUOT, 1968, p. 176).
24 PAPA FRANCISCO. Carta para o Evento “Economy of Francesco”. (ASSIS, mar. 2020). Este evento não se realizou devido à pandemia do Covid19.
cf. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html.
25 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/. Acesso em: 20 jun. 2020).
26 Disponível em: http://www.vatican.va/content/leo-xiii/la/apost_constitutions/documents/hf_l-xiii_apc_19001208_conditae-a-christo.html.
27 Documento da Sagrada Congregação sobre a vida consagrada. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_profile_it.html. Acesso em: abr. 2020.
28 Um esboço dessa síntese pode ser encontrado na Revista Diálogo, v. 17, n. 80/81, 1989.
29 CMIS. Revista Diálogo, n. 44, p. 63-67, mar./abr. 1980. Nesta Revista, encontram-se detalhamentos da história de Ângela Clavel.
30 Disponível em: www.crianca.mppr.mp.br/pagina-445.html. Acesso em: 22 maio 2020.
31 Cf. SENNET, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
32 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970. p. 86.
33 Cf. Lumen gentium e, se desejar aprofundamento, ver teólogos como Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph
Aloisius Ratzinger e o trabalho de Schillebeeckx, E., Cristo, sacramento de encontro com Deus. Petrópolis: Vozes, 1967.
34 Entre os peritos, estavam Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph Aloisius Ratzinger e Edward Cornelis Florentius
Alfonsus Schillebeeckx.
35 Cf. https://www.comunidadedeaprendizagem.com/uploads/materials/308/7b6d6c81dee37228ff26c1f332fe291b.pdf
36 Tradução livre, segue texto original: “El Instituto Secular es el reciente matrimonio del estado de perfección y del estado secular. Es un hallazgo
del Espíritu Santo que lleva el estado de perfección en médio del mundo.”
37 Tradução livre, segue texto original: “En el intermedio de este periodo, que va desde el Concilio Vaticano II hasta nuestros días, el Código
de Derecho Canónico del año 1983, en el Título III, ‘De los Institutos Seculares’, legisla sobre ellos en los cánones 710-730. La presencia en
el Código de la legislación sobre los Institutos Seculares es uno de los acontecimientos más importantes y significativos del nuevo texto legal,
pues, como hizo notar Pablo VI, se da una profunda y providencial coincidencia entre el carisma de los Institutos Seculares y una de las
realidades más importantes y claras del Concilio: la presencia de la Iglesia en el mundo. La vida consagrada secular es precisamente la
consagración de la secularidad, la unión indisoluble y esencial entre la vida secular y la vida consagrada por la profesión de los consejos
evangélicos, con la audaz misión de superar el dualismo Iglesia-Mundo, y de ser el ‘arquetipo de la presencia del Evangelio y de la Iglesia en el
siglo’”. cf. http://www.alianzajm.org/IMG/pdf/La_vocacion_de_la_consagracion_secular_en_la_Iglesia_.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
38 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970..
39 PAPA PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais e membros dos Institutos Seculares, no XXV aniversário da Provida Mater Ecclesia, em 2 de
fevereiro de 1972, tradução livre do espanhol.
40 PAPA JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes do Simpósio Internacional sobre a Provida Mater Ecclesia, em 1 de fevereiro de 1997.
41 PAPA JOÃO XXIII. “Il Tempio Massimo”. Carta sobre o empenho das religiosas pelo Concílio,1962.
42 PAPA BENTO XVI. Discurso aos participantes da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, por ocasião dos 60 anos da Provida Mater Ecclesia,
2007.
43 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, em maio de 2014.
44 Tradução livre, segue texto original: “Esto no está bien. El Concilio, que quiere ser pastoral en sus intentos y quiere manifestar al mundo la
perenne juventud y adaptabilidad de la Iglesia, habría debido hablar más ampliamente de los Institutos seculares: [...] los miembros de
los Institutos seculares no son laicos como los otros, ya que se han ofrecido totalmente a Cristo; se han comprometido, mediante
reconocimiento oficial de la Iglesia, a seguir los consejos evangélicos en la vida secular, se han convertido formalmente en consagrados en
virtud del voto o del juramento de castidad. Pero ni siquiera pueden ser catalogados entre los religiosos, pues la naturaleza de los Institutos
seculares difiere profundamente de la del estado religioso [...]; también su apostolado [...] ‘en el mundo pero como fuera de él’ [...] difiere del de
los religiosos en el objeto, en el método, en los modos. [...] la característica de tales Institutos es la ‘secularidad’, no sólo en el vestir, sino en
toda la mentalidad y modo de actuar. Por ello: se dedique a ellos un párrafo específico; se cambie el título del esquema, sustituyendo la presente
expresión por otra que comprenda también las personas consagradas a Dios, reconocidas como tales por la Iglesia, y que sin embargo no son
religiosos” (ALONSO, 2014, p. 556).
45 Tradução livre, segue texto original: “La intervención de Pablo VI respondía a las exigencias manifestadas por los mismos Institutos seculares y
representaba sin duda un remedio a una situación paradójica” (ALONSO, 2014, p. 559).
46 Tradução livre, segue texto original: “En el Decreto ‘De accomodata renovatione vitae religiosae’ se debe añadir algo a propósito del párrafo 11. En
efecto, por inadvertencia, faltan en el texto cuatro palabras. El Presidente da la Comisión ruega sean añadidas al texto cuatro palabras, desde el
momento que la Comisión siempre há desarrollado sus trabajos en tal línea. Incluyan, por tanto, los Padres en el texto del Decreto dichas
palabras, o tomen nota aparte por escrito. La votación que se hará hoy y la que se tendrá mañana delante del Sumo Pontífice, se hará sobre el
texto enmendado en tal sentido. Las palabras a añadir son éstas: ‘Los Intitutos Seculares, aunque no son Institutos religiosos, llevan consigo una
verdadera y completa’...” (BEYER, 1968, p. 63-64).
47 Podemos afirmar que esta forma de consagração na Igreja encontrou no Pe. Beyer o canonista e teólogo mais completo, tendo delineado
claramente sua especificidade. Doutor em Direito Canônico em 1961, com uma tese sobre os Institutos Seculares, autor de profundas e originais
visões sobre a natureza da vida consagrada, fez considerações sobre a tipologia da vida consagrada em geral e da vida religiosa em particular.
Foi incansável durante os trabalhos do Vaticano II e, mais tarde, colaborou de maneira incisiva para a redação do Código de Direito Canônico de
1983, como consultor da Comissão de Reformas no que diz respeito à vida consagrada, desde o início dos trabalhos até o final. cf.
https://www.iuscangreg.it/beyer
48 Congregación para los Religiosos e Institutos Seculares (CRIS). Identidad y misión de los Institutos Seculares, 1983. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/.
49 Cf. http://cmis-int.org/cmiswebsite/magisterio/magisterio_es/eclesiologia_1983.pdf. Acesso em: 1 ago. 2020.
50 Desse primeiro Congresso, realizado em Roma entre 20 e 26 de setembro de 1970, participaram mais de 400 pessoas de 92 Institutos de 16 países
de dois Continentes. Estiveram ausentes, por motivos jurídicos, representantes da Ásia, da África e da Oceania.
51 PIRONIO, Dom Eduardo Francisco (1920-1998), cardeal argentino. Foi Presidente do CELAM, Prefeito da Congregação para os Religiosos
e Institutos Seculares e Presidente do Conselho Pontifício para os Laicos.
52 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/
53 PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais dos Institutos Seculares. 25 ago. 1976.
54 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520253-o-papa-francisco-e-um-paradoxo-artigo-de-hans-kueng.
55 LAS CASAS. Bartolomeu. Em defesa dos índios (c. ■■■■). Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1
56 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 25.
57 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 23.
58 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 41.
59 “Aos nossos filhos católicos que pertencem aos países mais favorecidos, pedimos o contributo da sua competência e da sua participação ativa
nas organizações oficiais ou privadas, civis ou religiosas, empenhadas em vencer as dificuldades das nações em fase de desenvolvimento. Hão
de ter, sem dúvida, muito a peito o ser contados entre os primeiros de quantos trabalham por estabelecer, na realidade dos fatos, uma moral
internacional de justiça e de equidade.” Papa Paulo VI. Encíclica Populorum Progressio, 81.
60 Cf. https://drive.google.com/file/d/1K9tL-5apCcJwgLxgHhQfuMC6l6WodPMd/view
61 Tradução livre, segue texto original: [...] el “permanecer” en el mundo es fruto de una opción, es una respuesta a un llamado específico: es asumir
esta dimensión del estar dentro, del estar cerca, del mirar el mundo como realidad teológica-espiritual, en la que se entrelazan la dimensión
histórica y la dimensión escatológica. Esto exige un notable desarrollo de aquella calidad humana, tan proclamada hoy, que es la capacidad de
“con-participación”, de co-responsabilidad. Una con-participación responsable y generosa, que podríamos definir, con una expresión más
sencilla, como capacidad para saber vivir dentro... (Juany Monsalve Moya).
62 PAPA FRANCISCO. Discurso à Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
63 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565040-papa-visita-universidade-citando-bauman-temos-uma-economia-liquida É importante destacar
que Bauman, antes de morrer, elogiou muito o Papa Francisco. Ve
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565619-o-dom-de-francisco-artigo-de-zygmunt-bauman. Acesso em: 2 fev.2020.
64 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948.
65 cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
66 Cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
67 Cf. http://www.brasilescola.com. Acesso em: jan. 2020.
68 Participaram da fundação da CNBB, no Rio de Janeiro, presentes ou representantes, 20 Arcebispos do Brasil e o Núncio Apostólico. O primeiro
presidente foi Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, então Arcebispo de São Paulo, que indicou, para o cargo de Secretário Geral, Dom
Hélder Pessoa Câmara.
69 Um excelente texto sobre a história da Igreja na América Latina, que aborda o Brasil, é o trabalho de DUSSEL. Ver
https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/40.Historia_da_igreja_latinoamericana.pdf.
70 PAULO VI. Discurso aos responsáveis dos Institutos Seculares, 20 set. 1972.
71 As informações sobre a caminhada dos Institutos Seculares no Brasil foram extraídas de dados registrados nos arquivos que contêm as Memórias
do Instituto Catequético Secular São José, participante da caminhada desde o início.
72 Mais informações sobre a situação atual dos Institutos Seculares no Brasil podem ser encontradas nos seguintes endereços:
http://cnisbrasil.blogspot.com/;https://pt-br.facebook.com/cnisbrasil/; https://cnisbr.wixsite.com/cnisbrasil/pagina-inicial. Acesso em: 28 mar.
2020.
73 Cf. Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Brasília: CNBB, 2019. p. 39.
74 Organização Internacional do Trabalho. Cf. https://www.ilo.org/brasilia/temas/fow/lang--pt/index.htm
75 Cf. https://www.a12.com/redacaoa12/assembleia-geral-cnbb/cnbb-divulga-mensagem-por-ocasiao-do-dia-do-trabalhador.
76 Cardeal D. Arturo Tabera Araoz (1903-1975, Espanha), prefeito da Sagrada Congregação para Institutos Religiosos e Seculares.
77 Tradução livre, segue texto original: Creemos que los Institutos seculares fueron en su tiempo, una respuesta eclesial específica ante las
necesidades del mundo y, de alguna manera, bajo esa forma jurídica, se anticiparon los elementos de la Iglesia carismática que después sería
“redescubierta” por el Vaticano II, y que daría paso a una floración de variadas formas de consagración laical en los llamados Nuevos
movimientos y realidades eclesiales. Es sabido que la valoración de las fuentes bíblicas y patrísticas durante el Concilio favoreció la acentuación
del aspecto carismático y pneumatológico de la Iglesia, y de su noción de misterio, respecto al cristocentrismo paulino que había caracterizado
hasta entonces la teología del cuerpo místico. Desde esa perspectiva, puede entenderse la llamada universal a la santidad, el potenciamiento del
papel del laicado en la Iglesia, y su misión de transformar las realidades temporales. Es en esta línea, que hay que situar la vocación laical (o
sacerdotal) de especial consagración en los Institutos seculares, como respuesta carismática de santidad y como profecia para el mundo que
anticipa la vida futura (ALONSO, 2014, p. 562).
78 Cf. https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-04-06/recuperado-infectologista-david-uip-fala-sobre-covid-19-extremo-sofrimento.html.
79 MURICY, Moema Rodrigues. Institutos seculares, uma nova forma de ser Igreja, hoje. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/5811.
4. O FLORESCER DA VIDA CONSAGRADA SECULAR

No final do século XIX, aumentou o número dos que desejavam professar a pobreza, a obediência e a castidade perfeita na secularidade. Buscavam a garantia, pela Igreja, de uma
consagração total e estável no mundo, vivendo como pessoas comuns entre pessoas comuns, cristãos entre cristãos, sem uma distinção ou uma marca simbólica em relação às
demais pessoas. A única distinção que desejavam era a de serem amigos de Jesus e das pessoas.
É importante destacar que, paralelamente a esse anseio movido pelo Espírito Santo, o mundo passava por grandes transformações, desde a tecnologia até o jeito de viver os
valores humanos e evangélicos. Nesse período, multiplicavam-se grupos e associações que buscavam viver algum tipo de perfeição cristã no mundo. Alguns membros dessas
associações faziam votos particulares, diretamente com Deus ou por intermediação do diretor espiritual.
Olhando para os documentos e para a história, vemos que, de tempos em tempos, a Igreja se vê impelida a reorganizar a vida consagrada e a rever a natureza canônica dos
compromissos religiosos. A realidade caminha sempre à frente e se impõe, para que a Igreja faça adequações pastorais e canônicas. De fato, todas as vezes em que grandes
transformações ocorrem na sociedade, os aspectos práticos das vocações necessitam de adequações. Os fantasmas e fantasias criados em torno das vocações, dependendo da
organização societária, intimidam e afastam pessoas que querem se entregar a Deus (cf. KLOPPENBURG, 1962, p. 206).
O debate sobre a renovação da vida religiosa, que hoje conhecemos como vida consagrada, aparece em numerosos documentos da Igreja. Conforme constata uma das
Crônicas da VII Sessão do Vaticano II, de junho de 1962, os Papas sempre apresentaram orientações seguras para as mudanças. O Concílio de Trento impulsionou o florescimento
da vida religiosa, por meio das Congregações, e apontou campos de atuação. As mudanças tinham em vista obter eficiência e eficácia na evangelização e na vida espiritual dos
religiosos. Em seu tempo, o Concílio Vaticano II também se preocupou com essa temática, conforme texto a seguir, no sentido de ser

um meio geral de renovação e rejuvenescimento duradouro de toda a Igreja em suas estruturas humanas e em seus instrumentos de conquista e de defesa. Também os
Religiosos sentem que é chegado o momento de reconfirmar sua primitiva vitalidade, também na busca de uma mais ágil e adequada adesão às necessidades espirituais
e psicológicas dos homens modernos. Segundo o Direito vigente, são três as categorias em que se divide o estado de perfeição: [...] as Ordens e Congregações
religiosas clericais e leigas, as Sociedades sem votos e os Institutos Seculares. Graças a diversas formas de estado de perfeição, a Igreja oferece a inúmeros filhos seus
de ambos os sexos a possibilidade de escolher o método de vida mais condizente com as qualidades, os ideais e a vocação de cada qual, no apostolado ativo ou
silencioso da contemplação (KLOPPENBURG, 1962, p. 214).

A proliferação dessas associações e a questão dos votos religiosos públicos ou privados despertaram a atenção de Leão XIII, conforme o decreto Ecclesia Catholica, de
agosto de 1989, e a Constituição Conditae a Christo Ecclesia,26 de dezembro de 1900. Este documento de Leão XIII apresenta uma profunda inovação da vida religiosa, ao
acolher as Congregações femininas e as Sociedades e Associações entre os estados de perfeição. O Papa Pio XII explica que o Decreto Ecclesia Catholica, de Leão XIII,

quando a citada Congregação emitia seu decreto de louvor ou de aprovação, não entendia referir-se aos novos Institutos enquanto “Religiões” de votos solenes ou
verdadeiras Congregações de votos simples, mas somente enquanto pias Associações, nas quais, além da ausência de outras condições requeridas pela disciplina atual
da Igreja, não se emite profissão religiosa propriamente dita; além disso, os votos que se fazem, são privados, não públicos, ou seja, não são recebidos por um legítimo
Superior em nome da Igreja (PME, n. 13).

Os documentos citados eram ainda insuficientes para acolher e orientar todas as formas de consagração existentes naquele período. Contudo, a Igreja não é estática, é sempre
dinâmica, e nela o Espírito suscita dia a dia novos jeitos de viver o evangelho (cf. GEMELLI, 1967, p. 26). A nosso juízo, esses documentos sintetizam que o cenário da época
começava a criar as condições objetivas para o reconhecimento dos Institutos Seculares, o que fez Pio XII, em 1947:

[...] neste momento nossa atenção se volta para aquelas Associações que se esforçam, perante a igreja e, como se diz, no foro externo, para levar seus membros a uma
vida de sólida perfeição. [...]. Referimo-nos somente àquelas [Associações] que, seja pela sua constituição interna, seja pela sua ordenação hierárquica e pela total
doação que exigem de seus membros propriamente ditos, pela profissão dos conselhos evangélicos e pelo modo de exercer o ministério e o apostolado, se aproximam
mais de perto, quanto à substância, dos estados canônicos de perfeição e especialmente das Sociedades sem votos públicos, embora não vivam a vida comum religiosa,
mas segundo outras formas externas. Estas Associações, que de agora em diante receberão o nome de “Institutos Seculares”, por especial inspiração da Divina
Providência, começaram a surgir na primeira metade do século passado, para praticar fielmente “no mundo os conselhos evangélicos e entregar-se com maior liberdade
às obras de caridade, que a maldade dos tempos torna difíceis ou proíbe totalmente às famílias religiosas”. Os mais antigos destes Institutos deram provas do seu valor;
mostraram, por obras e fatos que, graças à escolha prudente e severa dos membros, a uma formação cuidadosa e demorada, a uma regra de vida adequada, firme e
maleável, por um chamado especial de Deus e com sua graça, pode-se fazer mesmo no mundo uma consagração de si ao Senhor, estrita e eficaz, não só interior, mas
também exterior e quase religiosa, tornando-se assim utilíssimo instrumento de presença e apostolado (PME, n. 11 e 12).

A pré-história dos Institutos Seculares demonstra que a Igreja dificilmente reconhece alguma coisa se ainda não dispõe de algumas certezas ou de experiências comprovadas.
Algumas associações de meados do século XIX buscavam viver algum tipo de doação total a Deus, no mundo, trabalhando. O Motu Proprio de Pio XII sobre a Provida reflete
sobre essas associações e constata que seus membros viviam uma vida cristã integral e praticavam o apostolado. Nelas havia um grande número de jovens que aspiravam à mais
alta perfeição.

[...] recomendamos paternalmente que promovam generosamente este gênero de vocações; e prestem auxílio, não só às “Religiões” e Sociedades, mas também a estes
Institutos verdadeiramente providenciais e, respeitando a sua disciplina interna, utilizem de boamente a sua colaboração (PF, n. 6).

No período em que começaram a florescer os Institutos Seculares, as palavras mais em voga eram indústria, fábrica, classe média, classe trabalhadora, capitalismo,
socialismo, comunismo, secularidade, secularismo, ferrovia, liberal, conservador, nacionalismo, profano, teologia, burguesia, proletariado, ciência, economia, eclesiologia,
monarquia, autoridade, missão, utilitarismo, ideologia, leigos, religião, sindicatos, votos, reforma protestante, restauração, entre outras... (cf. HOBSBAWM, 1977).
Historiadores como Perry Anderson, Philippe Ariés, Jacques Le Goff e Eric Hobsbawm entendem que o contexto social se pode explicar por meio das palavras mais
evidentes em determinado momento. Essas palavras, de alguma forma, ajudam a compreender as disputas travadas para se encontrar novos jeitos de se colocar no mundo,
descobrir novas profissões e realizar a missão. Elas sinalizam as forças que impactaram o mundo e a Igreja com o advento das transformações sociais. Compreender o conteúdo e
a dinâmica dessas palavras na realidade nos ajuda a capturar o espírito e as respostas da Igreja.
A consagração secular foi aparecendo devagar na história até o momento em que o Espírito Santo a definiu como oportuna e a Igreja dispôs das condições objetivas para um
discernimento dessa vocação. Este é o caminho de qualquer vocação na Igreja. A resposta é sempre provisória e em cada momento é preciso perguntar o que é ser consagrado e o
que ser cristão, o que é ser família, o que é ser padre, o que é ser religioso.

4.1. Respostas da Igreja em tempos atribulados

Há teólogos que afirmam que a comunidade primitiva já possuía os elementos fundantes para a consagração secular. Outros jogam essa possibilidade para o tempo da
Reforma protestante, no século XVI:

Os precedentes históricos desses institutos datam do final do século XVI, embora seu reconhecimento jurídico e sua classificação entre os estados de vida consagrada
aprovados pela Igreja tenham ocorrido apenas em 2 de fevereiro de 1947 [...].27

Essa questão foi respondida de forma teológica e canônica somente na Provida Mater Ecclesia. Antes de serem reconhecidos juridicamente, os Institutos Seculares tiveram
uma história de reivindicações e organização em prol de sua aprovação canônica. É verdade que já contavam com alguns louvores no decreto Ecclesia Catholica, de 11 de agosto
de 1889, do Papa Leão XIII. Entretanto, o Santo Padre somente admitia, para eles, compromissos particulares.
Nas décadas de 1920 a 1940, grupos de pessoas manifestavam, em várias partes do mundo, seu anseio de viver um novo jeito de seguimento de Cristo, uma consagração
total a Deus no mundo. À medida que associações com o propósito de vida consagrada secular começaram a nascer em vários países, seus membros sentiram necessidade de se
encontrar e partilhar as características comuns de seu estilo de vida.
Em 1938, representantes de Institutos da Áustria, Bélgica, Canadá, Checoslováquia, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Espanha, Hungria e Holanda reuniram-se na Suíça,
em San Gallo, num encontro coordenado pelo Pe. Agostinho Gemelli OFM. Nesse encontro, representantes de vinte e cinco associações mostraram-se surpresos porque todos
manifestavam a idêntica inspiração de consolidar um estado de perfeição jurídico (cf. OBERTI, 1969, p. 11).
A questão da consagração secular pela perspectiva dos Institutos Seculares teria recebido uma primeira síntese feita pelo Pe. Gemelli.28 Nessa síntese, ele destacou que
novos tempos requeriam novas formas de pensar, de ser e agir, próprias de uma visão intelectual e moral que realçava a necessidade de levar a boa nova e testemunhar o
evangelho a todos os estratos sociais. O membro do Instituto Secular vive no mundo e realiza seu apostolado no exercício de uma profissão. No mundo do trabalho, encontra
aqueles a quem deve dirigir suas preocupações de evangelização e com eles compartilha os sofrimentos, as angústias e as preocupações de pessoas em diferentes situações (cf.
GEMELLI apud VILOTA, 1969, p. 103).
No encontro de San Gallo, tornou-se patente a convicção comum de que diferentes pessoas desejavam consagrar-se a Deus nas condições do mundo. Essa aspiração
necessitava de regulamentação e diretrizes por parte da Santa Sé. A pedido do Pe. Gemelli, um documento redigido pelo canonista Dossetti foi apresentado à Santa Sé, que
considerou o pedido fora de hora.
Numa Revista Diálogo29 de 1980, publicada pela CMIS, encontramos a história de Angela Clavel, que apresentamos como exemplo do movimento por uma definição
teológica e sociológica dos Institutos Seculares, antecedente à Provida. Angela Clavel começou sua luta pelo reconhecimento de uma vida consagrada a Deus no mundo, antes
de 1889, em meio aos ecos da Revolução Francesa. Com essa intenção, ela fundou a Associação do Santo Nome de Jesus, em Lyon, na França, com a aprovação do Pe. Laboré.
Em 1928, Ângela depositou um dossiê de sua Associação em Roma, na Congregação dos Religiosos. Nessa ocasião, foi recebida pelo Papa Pio XI, conhecido como
promotor do apostolado dos leigos. O Papa afirmou então que era muito favorável a iniciativas como a dela. Em 1930, a fundadora voltou à Congregação dos Religiosos e teve
como resposta que, para a aprovação de sua Associação, parte dos membros teria que viver sob o mesmo teto, em regime de comunidade. Ela preferiu, então, renunciar à
aprovação oficial da Igreja e retirou da Congregação o dossiê. Em 1947, recebeu a notícia da publicação da Provida e retornou à Congregação dos Religiosos para pedir o
reconhecimento da Associação como Instituto Secular. Em 1952, morreu sem uma resposta positiva. Em 1958, seu Instituto recebeu o nihil obstat.
Os Institutos Seculares seguiram em frente por conta própria e se revelaram como uma nova forma de ser discípulos missionários em tempos atribulados. Desempenharam
um papel significativo, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, uma tragédia de dimensões globais, provocada por um conjunto de ideologias, cujo impacto e custos
humanos ainda não foram devidamente avaliados (cf. HOBSBAWM, 1995, p. 55).
Quando olhamos para a história, percebemos que a vocação à consagração secular concebe a Cruz como uma expressão existencial de testemunho no mundo. Neste sentido,
ela não é uma abstração e nem uma ideologia. É uma vivência prática da Encarnação, da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. Em outras palavras, é como existir, sentir,
pensar e viver o evangelho e as orientações da Igreja no mundo. É esta a vocação do “como” ou do praticar, do fazer, do testemunhar...
Após a Guerra, pelas mãos do canonista Pe. Larraona, mais tarde Cardeal, Pio XII recuperou parte das “Memórias do Pe. Gemelli”. O Pe. Larraona codificou o novo tipo
de vocação e conduziu os Institutos Seculares à aprovação. Mesmo assim, vários Institutos permaneceram na clandestinidade, especialmente na Europa Central e Oriental. Não
puderam partilhar, por exemplo, do encontro de Venasque, na França, realizado em 1963, quando o Instituto Notre Dame de Vie reuniu Institutos dispersos por alguns países.
Neste encontro, houve a oportunidade de partilhar experiências e começar a discutir temas fundamentais, como a natureza dos Institutos Seculares, a formação, a espiritualidade e
a missão. É interessante registrar a participação de 107 pessoas de 40 diferentes Institutos, da Áustria, Bélgica, Canadá, Alemanha, Inglaterra, Espanha, França, Holanda, Itália e
Portugal (cf. OBERTI, 1968, p. 29).
O fenômeno da consagração secular é uma novidade mais profunda do que parece, uma vez que mexe com a vida da Igreja e retoma o ímpeto da Igreja primitiva. Durante
muito tempo na Igreja, a forma de viver a consagração consistia em “apartar-se” do mundo. Este termo, afinal, recebeu um caráter quase pejorativo, passando a significar
praticamente o abandono das realidades temporais. Os Institutos Seculares vinham reavivar a ideia de Igreja “fermento” na massa.

Numa [...] atitude de procura, continuaram as tentativas de conjugar a riqueza da consagração a Deus com a presença no mundo, a fim de não permitir que o mesmo
mundo continuasse a desenvolver-se fora da busca de Deus (CMIS, 1974, p. 7).

Nesse caminhar, Institutos Seculares podem se definir como associações

de pessoas que vivem a vida ordinária, comprometidas em todas as atividades compatíveis com a vida cristã, sejam elas quais forem – atividades que estão destinadas a
contribuir para o crescimento do mundo sob o aspecto humano – e que fazem da própria vida um compromisso para desenvolver tais atividades segundo Deus, a fim de
que o mundo cresça e progrida daquela maneira como Deus planeou, todo ele posto a serviço do homem, para que o mesmo homem cresça em Deus (CMIS, 1974, p.
10).

O consagrado secular é chamado a testemunhar a Palavra de Deus no cotidiano. Sua espiritualidade brota do encontro da Palavra com o cotidiano. É o encontro do humano
com Deus, em Jesus Cristo. É aí, como diz o Papa Francisco, que acontece a salvação. Esta não significa afastar-se do mundo, mas é estar no mundo, para que todos conheçam
a Trindade e possam testemunhar o seguimento do Cristo Mestre, Único e Sumo bem. É uma coisa simples esse jeito de viver. É caminhar na trilha do evangelho. São ventos que
sopram das comunidades originais até a Ação Católica, que inspiraram a Provida Mater e ganharam nova vitalidade no Concílio Vaticano II.
Nessa trilha vão se formatando uma percepção e uma visão de Igreja e de mundo, nas quais se alimentam novas metodologias e práticas de evangelização. No mundo global,
explodem experiências e grupos em torno da Palavra e da Eucaristia, dóceis aos sopros do Espírito.

Qualquer que seja a posição filosófica ou mesmo teológica de alguém, uma sociedade não é o templo dos valores-ídolos que figuram na frente de seus monumentos ou
em seus documentos constitucionais; o valor de uma sociedade é o valor que ela confere às relações humanas [...]. Para compreender e julgar uma sociedade, é preciso
penetrar na sua estrutura básica até o elo humano sobre o qual está construída; isso inegavelmente depende das relações legais, mas também de formas de trabalho,
modos de amar, viver e morrer (MERLEAU-PONTY, 1969, p. 25).30

Qualquer teoria, prática e reflexão se desenvolve a partir da experiência do trabalho e do jeito de amar, de sentir, viver e morrer, na caminhada que cada um faz, pessoal ou
coletivamente. O ser humano, quando neste espaço se volta para Deus, descobre como viver o evangelho. O texto de Merleau-Ponty, acima, nos ajuda a entender um pouco o que
significa o encontro com o outro e com o espaço. Jesus e a Igreja nos ensinam a viver isto de forma prática. Portanto, os Institutos Seculares são um jeito de amar, sentir, viver
e morrer.

4.2. A emergência da consagração secular

A evangelização da sociedade ganha vitalidade com a atuação dos leigos nos meios de comunicação social, na política, nos sindicatos e associações, nos diferentes espaços
urbanos, na cultura digital, com todas as consequências que esse protagonismo implica. Por meio do diálogo e do serviço em comunhão, corresponsabilidade e participação, sua
presença significa desvelar que Deus não está ausente da realidade.
Como bons administradores da graça recebida (cf. 1 Pedro 40, 10), em sintonia com o Espírito Santo que conduz a Igreja, consagrados seculares podem animar a santificação
da sociedade. À medida que alimentam a escuta atenta e frequente da Palavra de Deus, a prática e a vivência litúrgica, o compromisso com a ética na transformação do mundo e o
serviço ao mais necessitado, chamam atenção para os sinais da presença de Deus no cotidiano e nos acontecimentos. Por esta perspectiva, em alguns casos, preferimos utilizar o
termo inserção sociopolítica e não presença no mundo.
Solidários em toda situação humana, os consagrados seculares colocam em primeiro lugar a pessoa de Jesus Cristo e sua justiça, e não interesses mundanos ou calculistas.
Esta atitude é tanto um estilo de vida quanto uma metodologia pedagógica que ajuda a Igreja a dialogar e a compreender o mundo, para transformá-lo. É um estilo de vida que
poderá exigir tomadas de posição e denúncias contra as injustiças.
No tempo de sua promulgação, foi essa a revolução que a Provida Mater Ecclesia despertou. Ela deslocou a santidade das nuvens para a terra. Ser santo não é abandonar ou
fugir dos problemas. É estar no olho do furacão da vida cotidiana, com seus conflitos e desafios, aí testemunhar a presença de Cristo e promover o encontro das estruturas sociais e
de todos os homens e mulheres com a Palavra de Deus. A perfeição cristã, na Provida, consiste no exercício cotidiano da prática do evangelho no mundo.
No século XXI, dentro de uma cultura marcada pela “corrosão do caráter”,31 pelo descarte da vida, pelo ódio e enfraquecimento dos valores civilizatórios da solidariedade,
da confiança, da disciplina, do compromisso ético e, consequentemente, invadida pela negação do Evangelho, o desafio da evangelização é levar ao encontro com Cristo.
Documentos pontifícios e do Vaticano II mostram como a Igreja aprendeu a lidar com a modernidade, mas sem chegar a enfrentar a questão do comprometimento com os
poderes político e econômico. O que permaneceu foi o desafio do encontro com os pobres e com aqueles que sofrem. No século XXI, a base da revolução no interior da Igreja
deve ter como paradigma o encontro com Cristo. Essas orientações se destacam no Documento de Aparecida e nos documentos e orientações do Papa Francisco.
A Igreja sempre se preocupou com o anúncio de Cristo, mas, em alguns momentos da história, perdeu o brilho. A razão de sua existência ficou um tanto opaca e empoeirada.
Para dar visibilidade à face de Cristo, ser sal e luz para o mundo, a Igreja em conversão volta os olhos para o caminho do evangelho. Este movimento tem na Igreja um caráter
cíclico, que vai e vem em vários momentos da história e por diferentes motivos. Às vezes, por causa das mudanças sociais, outras, por alguma infidelidade ou outras questões.
As mudanças sociais colocam e recolocam questionamentos sobre o que é ser cristão, o que é ser santo e o que é ser Igreja. Estas perguntas aparecem direta ou indiretamente
nos documentos da Igreja, do final do século XIX ao século XXI, da Rerum Novarum à Gaudete et Exsultate. Esses apontamentos eclesiológicos abrem a visão para o
fortalecimento do laicato e da vida consagrada secular.
O reconhecimento da consagração secular como estado jurídico de perfeição criou as condições para uma revolução cultural e do paradigma teológico e sociológico, no jeito
de conceber a santidade e a relação com o mundo. Os Institutos Seculares foram aprovados como meios de penetração no mundo e de apostolado, em vista da renovação das
famílias, das profissões, das estruturas sociais e da sociedade civil, pela ótica do evangelho. De uma ou de outra forma, foi esse o jeito de a Igreja ir ao encontro dos seus filhos
distantes, um modo adequado de viver os conselhos evangélicos no mundo, a partir do seguimento a Cristo.
Na reforma da Cúria Romana, em 1967, Paulo VI, na Constituição Apostólica Regimini Ecclesiae Universae, deu à Sagrada Congregação para os Religiosos a denominação
de “Sagrada Congregação para os Religiosos e Institutos Seculares” (SCRIS), atualmente Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.
Embora a aprovação dos Institutos Seculares tenha ocorrido somente no século XX, podemos afirmar que a consagração secular “é tão antiga quanto a Igreja. Se hoje são
canonicamente reconhecidos e têm uma forma jurídica, isto nada mais significa do que a consagração de sua existência”.32 A base dessa revolução é a ideia

de fazer irradiar Cristo e seus ensinamentos na sociedade [...], é ser sal, luz e fermento eficaz no mundo, onde, por disposição divina, os consagrados seculares devem
permanecer [...]. Eles hão de santificar o profano e o temporal, santificar-se em contato com o profano, e ser portadores de Cristo no mundo. São colaboradores de Deus
no mundo da ciência, da arte, do pensamento, do progresso [...] (CMIS, 1970, p. 87-88).

Certa ocasião, João Batista mandou perguntar a Jesus se ele era o Messias. Jesus respondeu: – “Os pobres são evangelizados...” (Mateus 11, 1-8) Este é um dos sinais
daqueles que seguem Jesus, especialmente dos que vivem a consagração secular. É estar com os pobres e anunciar a boa nova, o que traduzimos como seguimento de Cristo. Esta
perspectiva pressupõe que a história do mundo e das pessoas constitui também a história da salvação. Mais do que espaço sagrado e espaço profano, o que existe é o tempo
propício para Deus. É a busca de uma relação de confiança com Deus, que nos ajuda a ter um desenvolvimento humano adequado (cf. CS, p. 14).
Desde a valorização dos leigos por Pio XI, da promulgação da Provida Mater Ecclesia e do Primo Feliciter por Pio XII, a Igreja vem refletindo e aprofundando um novo
modo de viver no mundo e de ser Igreja. Como tivemos oportunidade de observar, cada um dos documentos do Vaticano II e das Conferências Episcopais Latino-Americanas e do
Brasil tem, geralmente, como centralidade essa discussão. A prática e as formulações teológicas e sociológicas pedem uma conversão para compreendermos o profundo sentido do
que é ser Igreja no século XXI.
Nos tempos que antecederam e sucederam o Concílio Vaticano II, os teólogos reclamavam a necessidade de uma nova teologia das realidades temporais e da Igreja. O
Concílio chamou atenção para a concepção de Igreja povo de Deus e sacramento de salvação. A Igreja é o sinal de Deus no mundo. Ela sinaliza o mistério da salvação.33 Ela nos
dá a certeza de que Deus habita com o seu povo, isto é, está sempre presente na caminhada.
O Vaticano II retoma e fortalece a eclesiologia e a sociologia que explicam a natureza dos Institutos Seculares. Por detrás dessa eclesiologia, está a busca permanente do
rosto de Deus. É considerar que fora do mundo não há salvação e até diríamos que fora dele há certa dificuldade de encontrar Deus. A história da humanidade é também a história
de Deus em nosso meio. Esta reflexão sociológica aparece nos teólogos que foram selecionados como peritos do Vaticano II.34
Apesar de a eclesiologia da Provida prefigurar a eclesiologia conciliar, existe certa ambiguidade sobre o acolhimento ou a aceitação dessa vocação. Haja vista que na Lumen
Gentium, os Institutos Seculares foram completamente ignorados. Após várias tentativas de incluir a consagração secular nesse ou num outro documento do Concílio, decidiu-se
criar o artigo 11 da Perfectae Caritatis. Em 27 de outubro de 1965, foi dada ordem para acrescentar ao artigo estas poucas palavras, num pequeno, mas importante texto:
“Os Institutos seculares, embora não sejam Institutos religiosos, implicam uma verdadeira e completa profissão dos conselhos evangélicos no mundo, reconhecida pela Igreja” (cf.
BEYER, 1969, p. 8).
Gostaríamos de reforçar que o cristão vive a radicalidade do humanismo e não a mundanização. O consagrado, a consagrada secular, por sua vez, buscam viver a
radicalidade do cristianismo e do humanismo no mundo, espaço onde a mão de Deus constrói e conduz a história, a partir de nossa experiência. A mensagem dos consagrados é,
antes de tudo, uma experiência de fé. É daí que nascem os conteúdos a serem apresentados para o outro e para nós mesmos. Esta experiência está fundada em Jesus Cristo e na
tradição da Igreja. Este é o conteúdo da evangelização para o consagrado secular.
A nosso juízo, esta narrativa e o conteúdo da mensagem, do ponto de vista eclesiológico e sociológico, estão mais bem desenhados na Evangelli Nuntiandi, em sua ênfase na
perspectiva de que a Igreja evangeliza a si própria e ao mundo. A Igreja é um sinal,

a um tempo opaco e luminoso, de uma nova presença de Jesus, sacramento da sua partida e da sua permanência [...]. Nela, a vida íntima, vida de oração, ouvir a Palavra
e o ensino dos apóstolos, caridade fraterna vivida e fração do pão, não adquire todo o seu sentido senão quando ela se torna testemunho, a provocar a admiração e a
conversão e se desenvolve na pregação e no anúncio da Boa Nova. [...]. Numa palavra, é o mesmo que dizer que ela tem sempre necessidade de ser evangelizada, se
quiser conservar frescor, alento e força para anunciar o Evangelho. [...] a Igreja que se evangeliza por uma conversão e uma renovação constantes, a fim de evangelizar
o mundo com credibilidade (EN 15).

Pela perspectiva dialógica descrita nos documentos conciliares, a Igreja tem uma ação dialética na relação com o mundo. Ela evangeliza e é evangelizada. O caminho para o
Pai não se reduz à fuga do mundo, ao contrário, é estar no furacão do mundo. É nele que se descobre Deus. Mesmo que algumas visões teológicas e eclesiológicas ainda
contenham ranços medievais, maniqueístas e positivistas, o mundo contemporâneo espera da Igreja uma eclesiologia dialógica.
Com isso não queremos dizer que na Idade Média não houvesse acenos de uma eclesiologia que apontasse para a possibilidade de uma santificação no mundo. Isto sempre
existiu na Igreja. O que estamos a problematizar é que esta não era a linha determinante. O mais forte era buscar a santidade se afastando do mundo. É justo afirmar que essa
experiência possuía um caráter profético, porque era a recusa do mal. Mas ela atingiu tal grau de fundamentalismo que chegou ao extremo de negar o mundo como campo de
missão e salvação.
Paulo VI propõe uma metodologia que supera essa concepção. Na história da Igreja e da humanidade, em alguns momentos, as pessoas fogem da lida e a Igreja retoma seu
ponto de partida. Seu campo de missão e de salvação é o mundo. Nessa trilha, o Papa Francisco convoca os católicos para o que ele chama de Igreja em saída. É uma Igreja
presente num “hospital de campanha”.
A Igreja, no decorrer da história, sempre procurou se purificar e se manter como uma comunidade de fé que sinaliza o rosto transcendente, humano e surpreendente de Deus.
A estética da Igreja está na bondade e na gratuidade divina. É a partir da experiência de fé que podemos compreender o sentido da Revelação. Não podemos reduzir a mensagem
do evangelho a uma linguagem renovada, com o objetivo de adaptá-lo á realidade. O conteúdo da Palavra de Deus deve envolver e influenciar o espírito humano no tempo da
história ou numa determinada situação.
O Deus que testemunhamos é o Deus vivo, Deus dos homens e das mulheres que vivem as angústias, esperanças, os sofrimentos e alegrias do seu tempo e nele encontram a
salvação (cf. João 14,1-6). O ser consagrado secular se preocupa com as pessoas que vivem no mundo, assim como com o Planeta. Todos os dias, os consagrados seculares têm o
dever de refletir sobre a melhor maneira de anunciar o Reino de Deus como salvação para homens e mulheres que vivem no cotidiano em que estão inseridos. Temos diante dos
olhos a Palavra de Jesus: – “Se calarem os profetas, as pedras falarão” (Lucas 19, 40).
As reflexões sobre a eclesiologia que sustenta a vivência da consagração secular aparecem em diferentes documentos do Concílio Vaticano II e em documentos
pós-conciliares. Gostaríamos de destacar a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, especialmente os números 1 a 5. O Papa Paulo VI enfatiza o compromisso de anunciar o
evangelho a toda a humanidade, sem perder a esperança, mesmo em tempos sombrios, de medo e angústia. A fidelidade ao evangelho constitui a centralidade da missão. Pergunta
o Santo Padre:

– O que é feito, em nossos dias, daquela energia escondida da Boa Nova, suscetível de impressionar profundamente a consciência dos homens?

– Até que ponto e como é que essa força evangélica está em condições de transformar verdadeiramente o homem deste nosso século?

– Quais os métodos que hão de ser seguidos para proclamar o Evangelho de modo que a sua potência possa ser eficaz? (EN, n. 4).

O Papa Francisco, por sua vez, chama atenção para uma nova etapa da evangelização, marcada pela alegria, e indica caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos.
O encontro com Jesus nos liberta do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria.

O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da
busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não
entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e
permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e
plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado (EG, n. 1).

Nessa linha, o Papa Francisco convoca toda a humanidade e cada sujeito a um encontro pessoal com Cristo ou a tomar a decisão de se deixar encontrar por ele, como
descreve o evangelista João. O Batista apontou para Jesus que passava e disse: – “Este é o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” Dois discípulos escutaram João falar e
seguiram o Mestre. Jesus se voltou para os discípulos e perguntou: – “O que vocês procuram?” E eles responderam: – “Mestre, onde o senhor mora?” – “Venham e vejam”,
respondeu Jesus (cf. João 1,35-39).
O evangelho é rico em narrativas de encontro com o Senhor. O episódio de Emaús (Lucas 24) é um exemplo que pode abrir nossos olhos para a vivência da consagração no
mundo. Estar no mundo é estar atentos aos acontecimentos e sinais, porque ali se encontra Deus. Entre muitos exemplos, lembramos Nicodemos, que se encontra à noite com
Jesus (João 3), José de Arimateia (João 19, 38; Marcos 15, 43; Mateus 27, 57), a samaritana (João 4), a família de Lázaro (João 11). A missão de Jesus se realiza de encontro em
encontro. Do mesmo modo, a consagração secular acontece nos encontros em que Jesus é anunciado e testemunhado.
A missão dos consagrados seculares é iluminar o contexto humano pela ótica da fé, é edificar com Cristo a Igreja em pleno mundo, testemunhando à sociedade conteúdos e
práticas da fé. Parte de sua tarefa é viver no mundo a missão da Igreja, a centralidade de Jesus Cristo na história e o amor misericordioso e universal do Pai. Eles buscam semear,
mas também descobrir as sementes do Reino espalhadas na sociedade, para ajudá-las a germinar, crescer e frutificar. Empenham-se no testemunho da mensagem de Jesus na vida
cotidiana, para serem presença da Igreja na sociedade e nela fazerem penetrar o sentido e as consequências da encarnação do Filho de Deus.
Após essa digressão sobre a caminhada dos Institutos Seculares, consideramos importante retornar sempre ao ponto de partida dessa vocação. Aí está o seu profetismo.
Aprendemos com o Anjo do Apocalipse (2-3), que não devemos nos afastar do “primeiro amor”, isto é, do carisma. A ele temos sempre que retornar. Se os Institutos Seculares
perderem a originalidade do carisma, perderão sua razão de ser.
É por isso, a nosso juízo, que a Provida Mater Ecclesia e os discursos do Pe. Gemelli devem ser continuamente revisitados e alinhados com a situação atual. Vejamos: todos
os documentos dos papas sobre Institutos Seculares partem da Provida e estabelecem conexões com a situação atual do mundo e da Igreja. Esquecer e não atualizar o documento
originário é, no mínimo, um equívoco, e talvez uma infidelidade ao carisma da vocação. Temos que sempre estar atentos aos ecos das transformações sociais e do
documento básico.
Nas entranhas dos documentos sobre Institutos Seculares estão os dois elementos essenciais dessa vocação, secularidade e consagração. Queríamos registrar, aqui, que a
união dessas categorias não é tão somente uma articulação e nem mesmo uma simples soma de duas categorias teológicas e sociológicas. Da junção entre secularidade e
consagração, brota uma terceira via, a consagração secular. Para ilustrar, talvez seja interessante explorar um pouquinho a metáfora de Vygotsky35, em seus trabalhos de
psicologia sociocultural, a partir da composição da água, para explicar a relação que existe entre mente, cognição e ideias.
A água é resultado da união de um átomo de oxigênio e dois de hidrogênio. Sabemos que oxigênio e hidrogênio, separados, não são água, têm diferentes funções, podem
provocar e alimentar incêndios. Mas, uma vez unidos, o oxigênio e o hidrogênio formam a água que apaga o fogo. Algo próximo acontece, a nosso juízo, com a consagração
secular. Se ficarmos somente debatendo as características da consagração ou da secularidade, separadamente, não chegaremos a um aprofundamento do carisma. É da união
indissolúvel entre secularidade e consagração, que resulta a consagração secular. Por essa razão, nos Institutos Seculares, não existe a possibilidade de separar secularidade e
consagração. É o vínculo, a simbiose entre ambas, que qualifica essa vocação. Como na metáfora da composição da água.
Huot diz que é como num casamento, pelo qual homem e mulher se tornam um só casal. No contexto atual, autores como Morin e Nicolescu tratam essa junção de duas
categorias que dão origem a uma terceira por uma perspectiva transdisciplinar. Esta é uma tentativa de romper com as visões maniqueístas e/ou dualistas. Em síntese, entendemos
que existe entre a secularidade e a consagração uma atração maior do que simples articulação ou junção. Uma tira a cegueira da outra, amplia a visão da vocação e da missão, para
que, no mundo, Jesus seja amado e conhecido. Como ele mesmo disse várias vezes: – “O mundo não conhece o Pai, nem me conhece” (cf. João 14-17). E acrescentamos: – “Nem
mesmo conhece o mistério da Igreja.” O carisma da consagração secular é um meio para conhecer o Pai, Jesus, o Espírito Santo e a Igreja.

O Instituto Secular é o casamento recente do estado de perfeição e do estado secular. É uma descoberta do Espírito Santo que conduz o estado de perfeição ao meio do
mundo (HUOT, 1968, p. 203)36.

A fragmentação ou dicotomia – consagração e secularidade – a nosso ver, criou uma certa obscuridade dos Institutos Seculares no Concílio, e somente no apagar das luzes,
eles vão aparecer brevemente em dois documentos apenas. Há nisso tanto um prejuízo quanto um ganho. Um ganho para os Institutos Seculares, no sentido de não serem
colocados nem na gaveta dos leigos nem dos religiosos, e nem em outras situações da Igreja. Prejuízo, porque poderia ser uma vocação mais valorizada no Concílio. E esta
observação não é nossa. Foi uma situação registrada e reclamada por teólogos e pelos Institutos Seculares da época.
Quando o Concílio Vaticano II definiu a relação Igreja-mundo e despertou para a consciência de a Igreja ser sacramento de salvação no mundo, havia a expectativa de que
os Institutos Seculares teriam uma atenção maior, especialmente na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, que tratou da presença da Igreja no mundo (cf. OBERTI, 1968, p.
319). Entretanto, eles receberam apenas duas ou três alusões nos documentos finalizados, Perfectae Caritatis e Ad Gentes.

No meio desse período, que vai do Concílio Vaticano II até os dias atuais, o Código de Direito Canônico de 1983, no Título III, “Sobre os Institutos Seculares”, legisla
sobre eles nos cânones 710-730. A presença no Código da legislação dos Institutos Seculares é um dos eventos mais importantes e significativos do novo texto jurídico,
uma vez que, como Paulo VI observou, há uma coincidência profunda e providencial entre o carisma dos Institutos Seculares e uma das realidades mais importantes e
claras do Concílio: a presença da Igreja no mundo. A vida consagrada secular é precisamente a consagração da secularidade, a união indissolúvel e essencial entre a
vida secular e a vida consagrada pela profissão dos conselhos evangélicos, com a ousada missão de superar o dualismo Igreja-Mundo e de ser o “arquétipo da presença
do Evangelho e da Igreja no século”.37

De fato, consagrados seculares estão presentes no cotidiano, como quem em tudo se esforça para agradar o Senhor (cf. 2 Coríntios 5, 9), firmes contra as ciladas do demônio,
resistindo no dia mau (cf. Efésios 6,11-13). Seu grande desafio é descobrir, no cotidiano, as práticas e o caminhar de Jesus, pelo eixo da caridade. Abertos à misericórdia, à
compreensão, à fraternidade e ao serviço, colaboram para o estabelecimento de uma fraternidade universal própria da sublime vocação do ser humano (GS, n. 3).
Somente a plena confiança no amor de Deus por nós e por esta realidade que ele criou é que permite as práticas solidárias de um amor que se concretiza no comum da vida,
para realizar a transformação do mundo. A comunhão com a Palavra de Deus e os sacramentos, a busca da unidade e o empenho na santidade são elementos integrantes e vitais da
essência da consagração na secularidade. São eles que movimentam e alimentam os discípulos de Cristo nas situações comuns da vida.
O empenho em conservar o caráter secular é

[...] para poderem exercer, com eficiência e por toda parte no mundo e como a partir do mundo, o apostolado para o qual foram criados. Convençam-se, no entanto, de
que não poderão cumprir tamanha tarefa, a não ser que os membros sejam cuidadosamente instruídos nos assuntos divinos e humanos, de forma que se tornem,
realmente, fermento no mundo, para o fortalecimento e o crescimento do Corpo de Cristo (PC, n. 11).

Sua meta é testemunhar a todos, com maior liberdade e proximidade, o projeto de Deus: “Vós sois o sal da terra..., vós sois a luz do mundo..., sois o fermento na massa”
(Mateus 5, 13-14.33).

4.3. Marco legal dos Institutos Seculares

Num primeiro momento, as diretrizes constitutivas dos Institutos Seculares estão desenhadas na Constituição Apostólica Provida Mater Ecclesia, complementada pelo Motu
Proprio Primo Feliciter e pela Instrução Cum Sanctissimus. Desde que esses documentos foram promulgados, “homens e mulheres que queiram consagrar-se a Cristo sem sair do
mundo podem escolher os Institutos Seculares como meio seguro de santificação e como instrumento eficaz de apostolado fecundo e ativo.38
Conforme falamos anteriormente, esses documentos constituem a base jurídica, sociológica, eclesiológica e teológica dos Institutos Seculares e trazem orientações para a
santificação pessoal e o exercício do apostolado. A partir deles, os Institutos Seculares ganharam a segurança do Magistério eclesial.
Uma vez que os Institutos Seculares se encontravam em sua primeira fase, os documentos de fundação permaneceram abertos a desenvolvimentos posteriores. O Vaticano II,
o Código Canônico atual, os discursos e documentos pontifícios, discursos e publicações de representantes da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades
de Vida Apostólica, as Conferências Episcopais, os Congressos de Institutos Seculares, os Sínodos... ajudavam a aprofundar a natureza e a prática da vida consagrada secular.
À medida que uma vocação ganha visibilidade, cresce a necessidade de se elaborar um conjunto de definições e conceitos que mobilizem os indivíduos e as instituições num
determinado campo de atuação e fortaleçam um tecido social, com uma cultura que traga novos valores. A Provida Mater Ecclesia, assinada por Pio XII em 2 de fevereiro
de 1947, veio estabelecer os modos de consagração, os vínculos entre os membros e o Instituto, a legislação sobre sedes e casas comuns e as normas para aprovação e regimento
interno. A Lei Peculiar, Art. 1, na segunda parte da Constituição, define os Institutos Seculares como “sociedades clericais ou leigas, cujos membros, para adquirir a perfeição
cristã e exercer plenamente o apostolado, professam no mundo os conselhos evangélicos”.
A Constituição é sempre retomada pelas autoridades eclesiásticas e teólogos, como base de conhecimento e valorização da vida consagrada no mundo. Paulo VI considerou
a Provida como “a carta magna dos Institutos Seculares”. O acolhimento dessa vocação na Igreja foi uma verdadeira revolução, que afetou aspectos da espiritualidade e
da eclesiologia. Alguns chamaram os Institutos Seculares de uma nova primavera na Igreja.
Um dos valores da Constituição, que devemos ressaltar, é o novo sentido de comunhão eclesial. Os membros dos Institutos Seculares “são Igreja”, como afirma Paulo VI,
em discurso de 1972, aos responsáveis dos
Institutos Seculares:

Sois articulações vitais dessa comunhão, porque também vós sois Igreja [...] não se poderia conceber e nem compreender um fenômeno eclesial fora da Igreja. Nunca
vos deixeis surpreender nem sequer aproximar da tentação, hoje demasiado fácil, de que seja possível uma autêntica comunhão com Cristo sem uma real harmonia com
a comunidade eclesial dirigida pelos seus legítimos pastores. [...]. Cristo pediu de nós essa comunhão como garantia para nos admitir à comunhão com ele, assim como
nos pediu para amarmos o próximo em testemunho do nosso amor por ele.
Esse instrumento jurídico define o jeito de viver a comunhão eclesial, como apoio para aprofundamento e assimilação do mistério pascal, cuja plenitude podemos alcançar na
Eucaristia, neste momento da história. Os votos ou compromissos são jeitos de participar da Encarnação e da Cruz de Cristo, um testemunho que retoma o Mistério da Encarnação.
A humanidade espera que a Igreja a ajude a encontrar o caminho do Pai. Os votos ou compromissos traduzem esse conteúdo.
Nesse sentido, a Provida desenha um jeito novo de a Igreja se comunicar com o mundo. É um documento de tal importância que, certamente, teria sido uma antecipação do
Concílio, ansioso por se comunicar com o mundo e vencer as ameaças do secularismo. A figura fundadora dos Institutos Seculares cria uma eclesiologia que reforça a
possibilidade de ser santo no cotidiano do mundo, vivendo e testemunhando as bem-aventuranças nos diferentes espaços sociais, institucionais, econômicos e políticos.
Esta nova eclesiologia está também desenhada no Motu Proprio Primo Feliciter, promulgado em 1948. Passado um ano da promulgação da Provida, Pio XII esclareceu,
ratificou e reforçou os contornos teológicos e jurídicos desses documentos. De início, o Papa enfatizou a relação entre a Constituição e o Motu Proprio:

Temos diante dos olhos a multidão de tantas almas escondidas “com Cristo em Deus”, que, no mundo, aspiram à santidade e que “com grande coração e de bom
grado”, consagram alegremente toda a vida a Deus nos novos Institutos Seculares. [...]. O Espírito Santo, que restaura e renova incessantemente a face da terra,
desolada por tantos males, chamou a si, por graça insigne e especial, muitos filhos e filhas bem-amados, aos quais abençoamos com grande afeto no Senhor. [...].
(Os Institutos Seculares) sejam para este mundo insípido e tenebroso, ao qual não pertencem e no qual, todavia, por divina disposição devem permanecer, [...] (sal e luz
do mundo) [...] pequenino fermento que, misturado a todas as classes sociais, pela palavra, pelo exemplo e por todos os meios, se esforça para penetrá-las até impregnar
toda a massa, de tal forma que, levedada, seja por inteiro transformada em Cristo. A fim de que tantos Institutos, surgidos de todas as nações pela efusão do Espírito de
Jesus Cristo, sejam regidos segundo as prescrições da Constituição Apostólica Provida Mater Ecclesia, e produzam em abundância excelentes frutos de santidade,
como deles se espera [...] Nós confirmamos com grande alegria a citada Constituição Apostólica; e depois de madura deliberação, por Motu Proprio [...]
(PF, Introdução).

A vida do consagrado secular “deve converter-se em apostolado, não apenas no mundo, mas a partir do mundo, em profissões, tarefas, formas e lugares correspondentes a
estas circunstâncias e condições” (PF, n. 6). Esta prática deve ter sempre em mente a busca da perfeição cristã, o “entregar-se em tudo a Deus e aceitar a sua vontade”
(KÜNG, 1974, p. 510) ou, como diriam Rahner e Küng, ser consagrado secular é ser um exímio cristão.
Ser consagrado é aprender a viver a experiência do Cristo Mestre Único e Sumo Bem. É praticar as bem-aventuranças ou o sermão da montanha (cf. Mateus 5-7; Lucas 6). É
seguir o caminho da santidade apontado pelo Mestre e explicitado pelo Magistério da Igreja, neste caso, pelos documentos fundantes da vida consagrada secular.
Ressaltamos que a base teológica, sociológica e jurídica dos Institutos Seculares está delineada na Provida e no Primo Feliciter, mas não devemos deixar de lado
a Instrução Cum Sanctissimus, da Sagrada Congregação para os Religiosos, de 1948, que enfatizou os aspectos normativos. Ao término do Primo Feliciter, Pio XII delegou à
Sagrada Congregação dos Religiosos e a outros que dessem atenção aos aspectos eclesiológicos e jurídicos dos Institutos Seculares, matéria da Instrução.
Paralelamente, desde o surgimento da Provida, ou mesmo anteriormente, um grupo de teólogos e estudiosos se debruçava sobre a vocação dos Institutos Seculares,
demonstrando a vitalidade dessa vocação e o quanto ela ajudava na construção de uma eclesiologia. Esta ofereceria pistas para o novo jeito de a Igreja agir no mundo, sem com
isso alterar a sua essência. O debate está no agir. Não estamos com isso fazendo uma dicotomização entre o agir e a missão. A missão da Igreja é sempre a mesma, ela a recebeu
de Cristo, evangelizar a todos os povos, mas, de tempos em tempos, o jeito de fazer isso é mudado.
Acompanhou a evolução dos Institutos Seculares um diálogo teológico e sociológico, mais forte em alguns momentos e mais fraco em outros. A título de exemplo, citamos
Gemelli, Lazzati, Beyer, Perrin, Moioli, Huot, Oberti, Abela, Maggioni, Sommaruga, Beaumier, Villota, Aram, Clemence, Rahner, Balthazar, Larraona, Portillo, Svoboda,
Gutiérrez, Philippe, Hans Küng, Tabera... E outros vão aparecendo, nas caminhadas internacionais e nacionais. Alguns desses autores poderemos encontrar na bibliografia
deste livro.
A base teológica dos documentos de fundação dos Institutos Seculares tem sido objeto de reflexão dos papas, de João XXIII ao Papa Francisco. Em discurso aos
Responsáveis Gerais e membros dos Institutos Seculares, no 25º aniversário da Provida Mater Ecclesia, em 2 de fevereiro de 1972, Paulo VI retomou os pontos essenciais do
documento e situou os Institutos Seculares no espírito do Concílio Vaticano II. O Papa chamou a atenção para o fato de que o espírito da Provida, de certa forma, se antecipou ao
Concílio, no sentido da presença da Igreja no mundo.

Se os Institutos Seculares, mesmo antes do Concílio, anteciparam existencialmente esse aspecto, em certo sentido, devem ser agora testemunhas típicas e especiais da
posição e missão da Igreja no mundo. [...]. A eles é confiada a maravilhosa missão de ser modelos de coragem incansável nas relações que a Igreja tenta encarnar com
o mundo e o seu serviço. A vida consagrada secular [...] é expressão de total pertencimento a Cristo e à Igreja, [...] e da consciência de que, somente Cristo, com sua
graça, é quem salva e transforma o mundo.39

A preocupação de Paulo VI era de que o consagrado secular tomasse consciência de sua vocação no espírito do Vaticano II: viver a consagração a Cristo e à Igreja no
mundo, para transformá-lo, sem se deixar envolver pelo secularismo que nega a ação de Deus. Este princípio está presente na Provida. Nessa mesma linha de preocupações, João
Paulo II fala sobre a santidade na vida consagrada secular dentro dos desafios da sociedade atual.

Como enfrentar o ingente desafio que trespassa a alma e o coração da humanidade contemporânea? Ele se torna um desafio para o cristão: o desafio a ser fator de uma
nova síntese entre o máximo grau possível de adesão a Deus e à sua vontade e o máximo nível possível de participação nas alegrias e esperanças, nas angústias e
sofrimentos do mundo, a fim de os orientar para o projeto de salvação integral que Deus Pai nos manifestou em Cristo e continuamente põe à nossa disposição através
da dádiva do Espírito Santo.40

É interessante observar que João Paulo II retoma a linha da encarnação de Jesus, ao insistir no máximo de intimidade com Deus, para cumprir sua vontade e, ao mesmo
tempo, empenhar-se na transformação e santificação do mundo, pela presença na cultura, na família, na ciência, na educação... Em cada reflexão, os papas vão aprimorando a
singularidade da consagração secular.
Nos meses que antecederam o início do Vaticano II, João XXIII chamou a atenção dos consagrados seculares para que extraíssem da oração os conteúdos de sua
consagração. São muito importantes a intimidade com Deus e a adesão a sua vontade, como garantia do testemunho do Reino de Deus.

E também vós que sois consagrados a Deus nos Institutos Seculares, da oração deveis extrair toda a eficácia das vossas preocupações. [...]. As almas consagradas nos
novos Institutos Seculares sabem que sua obra é apreciada, sendo encorajadas a contribuir para a penetração do Evangelho em cada manifestação do mundo
moderno.41

Paulatinamente, foi ficando claro que o caráter revolucionário da consagração secular na missão da Igreja exige uma nova eclesiologia, um retorno às origens da missão, uma
Igreja em saída, presente no mundo, que acolhe as angústias, aspirações e sofrimentos da humanidade.
Em 2007, por ocasião dos 60 anos da Provida Mater Ecclesia, em discurso aos participantes da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, o Papa Bento XVI destacou
que a Provida foi um ponto de partida para se delinear e configurar a consagração secular como uma vocação à vida com radicalidade evangélica na secularidade, dentro da
realidade em que está imersa. Esta vocação nasce do encontro e da descoberta “da beleza de Cristo, do seu modo único de amar, encontrar, curar a vida, alegrá-la, confortá-la: é
esta a beleza que as vossas vidas querem cantar, para que o vosso estar no mundo seja sinal do vosso estar em Cristo”.
É essa a motivação e o jeito de o consagrado secular viver o mistério da Encarnação, como forma de testemunhar o amor de Deus ao mundo.

Cada realidade própria e específica vivida pelo cristão, o seu trabalho e os seus interesses concretos, mesmo conservando a sua relativa consistência, encontram o seu
fim último no estar envolvido pela mesma finalidade com a qual o Filho de Deus veio ao mundo [...]. Portanto, vos sentis chamados a agir em virtude de cada dor,
injustiça, assim como de cada busca de verdade, de beleza e de bondade, não porque tendes a solução para todos os problemas, mas porque cada circunstância em que o
homem vive e morre constitui para vós a ocasião de testemunhar a obra salvífica de Deus. Esta é a vossa missão. [...]. Cada encontro com Cristo requer uma mudança
profunda de mentalidade, mas, para alguns, como aconteceu convosco, a chamada do Senhor é particularmente exigente: deixar tudo, porque Deus é tudo e será tudo na
vossa vida. Não se trata simplesmente de um modo diferente de relacionar-vos com Cristo e de exprimir a vossa adesão a Ele, mas de uma escolha de Deus que, de
modo estável, exige de vós uma confiança absolutamente total nele. O caráter secular da vossa consagração evidencia, por um lado, os meios que utilizais para a
realizar, isto é, aqueles próprios de cada homem e mulher que vive em condições comuns no mundo, e, por outro, a forma do seu desenvolvimento, ou seja, de uma
relação profunda com os sinais dos tempos que sois chamados a discernir, pessoal e comunitariamente, à luz do Evangelho.

Para sintetizar seu discurso, Bento XVI retoma a ideia de Paulo VI de que o carisma dos Institutos Seculares, “laboratório experimental no qual a Igreja verifica as
modalidades concretas das suas relações com o mundo”,42 requer um diálogo permanente com o mundo, com sabedoria, competência e discernimento. A encarnação, diálogo
entre Deus e os homens, revela o projeto do Pai para a humanidade. Neste e a partir deste acontecimento, é que se compreende a vocação à consagração secular. Desse dogma
brota sua espiritualidade. O seguimento de Cristo Mestre Único e Sumo Bem reforça e ilumina o dogma da Encarnação.
O Papa Francisco, atualizando o marco jurídico e as orientações do Vaticano II para os Institutos Seculares, refere-se à Provida como um gesto revolucionário da Igreja, que
conferiu estrutura e atribuiu institucionalidade aos Institutos Seculares, deu visibilidade à consagração secular como estado de perfeição e caminho de santidade. O Papa assim
descreve o jeito de ser dos consagrados e consagradas seculares, vivendo nos múltiplos espaços e territórios:

Por isto, eu penso assim que, com a Provida Mater Ecclesia, a Igreja fez um gesto deveras revolucionário! Espero que conserveis sempre esta atitude de ir além, não só
além, mas mais além e no meio, lá onde tudo está em questão: a política, a economia, a educação, a família [...] ali! Talvez seja possível que tenhais a tentação de
pensar: “Mas o que posso eu fazer?” Quando surge esta tentação recordai-vos de que o Senhor nos falou do grão de mostarda! E a vossa vida é como a semente [...] ali;
é como o fermento [...] ali. É fazer o possível para que o Reino venha, cresça e seja grande e também que guarde muita gente, como a árvore da mostarda. Pensai nisto.
Vida a pequena, gesto pequeno; vida normal, mas fermento, semente, que faz crescer. E isto dá-vos o conforto. 43

Francisco completa seu discurso, lembrando que “a esperança nunca desilude”, mas que nem sempre vemos os resultados do que fazemos. É bom, diz o Papa, ler e meditar o
capítulo 11 da Carta aos Hebreus, que descreve experiências de esperança. Francisco convoca todos os consagrados: – “Não esqueçais: sede revolucionários!”
A vivência da consagração secular é rica em experiências fundadas na relação entre os homens e com Deus. Por isto, esta vocação requer constância num diálogo com as
realidades humanas e transcendentais. Não se salva o mundo fora dele. O Verbo se fez carne para entrar no mundo e salvá-lo (cf. ES, n. 49). A experiência do Verbo tem que ser
anunciada, comunicada e testemunhada a todos, num clima do diálogo, fraternidade, amizade e serviço.
Nessa perspectiva, a natureza da consagração secular é de uma vocação em saída, em meio a todas as pessoas e situações. É sempre melhor caminhar do que permanecer
presos a dúvidas e ilusões, alheios à realidade e à graça de Deus presente nos acontecimentos do cotidiano. Os papas que sucederam a Pio XII buscaram dar razões e explicitar o
florescimento da vida consagrada secular pela ação do Espírito Santo. Os Institutos nasceram como uma graça especial, para serem sal, luz e fermento no mundo. A Igreja
agradece e roga a Deus pela expansão e fortalecimento dessa vocação. A consagração secular é um jeito de viver no mundo. mas como orientou Jesus: – “O vosso coração se
alegrará e ninguém tirará a vossa alegria” (João 16, 22).

4.4. Os Institutos Seculares no Vaticano II

Nas Atas e Crônicas do Vaticano II, duas questões chamam nossa atenção. A primeira delas é sobre a produção de uma eclesiologia que coloca a Igreja no furacão do
mundo. Teria a Igreja descoberto seu campo de missão e de santificação? Responde Schillebeeckx que fora do mundo não há salvação e afirma Congar que estamos no mundo
sem ser do mundo. É esta também a lógica dos Institutos Seculares. Buscar viver a santidade dentro das realidades temporais, no mundo, e isto permite fazer dessa vocação uma
compreensão teológica e sociológica.
A segunda questão é como se situam os Institutos Seculares na eclesiologia do Vaticano II. Uma primeira impressão é de que à medida que a Igreja se voltou para o mundo
como peregrinante e com o olhar voltado para a Trindade, sua aposta nos Institutos Seculares amorteceu. A secularidade já não é uma singularidade dos Institutos Seculares. É
peculiar a toda a Igreja. O debate no Concílio, a nosso juízo, gravitou em torno da discussão entre consagração e secularidade, ora com um impulso para o mundo leigo, ora para
os religiosos. Vale a pena, se houver interesse num estudo dessa natureza, fazer uma leitura de textos descritivos e analíticos das crônicas e atas do Vaticano II.
Para apreciar essa questão, recordamos que até a véspera de sua promulgação, o Decreto Perfectae Caritatis, artigo 11, colocava os Institutos Seculares entre os Institutos
Religiosos, cuja reforma era esperada. Um ano antes, em sua intervenção de novembro de 1964, o Pe. Calmers trouxera essa tensão e, junto com outros bispos, havia apresentado
uma saída, a qual, contudo, tinha ficado esquecida ou fora abafada.
No decorrer das reuniões conciliares, várias foram as intervenções sobre a natureza dos Institutos Seculares. Houve quem defendesse que eles deveriam ficar junto com os
leigos e associações laicais. Outros, que deveriam ficar com os religiosos, uma vez que contavam com o estado de perfeição. Os Institutos Seculares, por sua vez, não se
mostravam satisfeitos com essas posições.
Em uma das intervenções da época, apresentada em data de 12 de novembro de 1964, que citamos a seguir, D. Fiordelli, Bispo de Prato, apresentou as tensões dessa temática
no interior do Concílio. Ressaltou o prelado a dificuldade de precisar o lugar dos Institutos Seculares, razão pela qual não apareciam no esquema da Lumen Gentium nem
no Apostolado dos Leigos. No esquema dos Religiosos, eram citados apenas uma vez. – “Isto não está certo”, disse o Bispo. E continuou:

O Concílio, que quer ser pastoral em seus esforços e manifestar ao mundo a juventude perene e a adaptabilidade da Igreja, deveria ter falado de maneira mais ampla
sobre os Institutos seculares: [...] os membros dos Institutos seculares não são seculares como os outros, uma vez que se ofereceram totalmente a Cristo;
comprometeram-se, através do reconhecimento oficial da Igreja, a seguir os conselhos evangélicos da vida secular; consagraram-se formalmente em virtude do voto ou
do juramento de castidade. Mas eles nem sequer podem ser catalogados entre os religiosos, pois a natureza dos institutos seculares difere profundamente da do estado
religioso...; também seu apostolado “[...] no mundo, mas como fora dele [...]” difere do religioso no objeto, no método, nos caminhos. [...] a característica de tais
institutos é a “secularidade”, não apenas no vestuário, mas em toda a mentalidade e maneira de agir. Portanto: dedique-se um parágrafo específico a eles; o título do
esquema deve ser alterado, substituindo a presente expressão por outra que também inclui pessoas consagradas a Deus, reconhecidas como tal pela Igreja, e que não
são, no entanto, religiosas44 (ALONSO, 2014, p. 556).

O debate sobre Institutos Seculares no interior do Concílio foi um vai e vem. E suas lideranças agiam de forma permanente. É importante ressaltar que eram pessoas muito
preparadas que dialogavam continuamente com os grandes teólogos, Padres e peritos conciliares. Os Institutos Seculares pediam que o artigo 11 figurasse como um apêndice
do Decreto Perfectae Caritatis, porque não podiam concordar com o texto provisório. Apesar de ser anterior, a Provida era mais avançada e respondia à realidade da consagração
secular como não religiosa.
Diante da negativa, ao perceberem que a situação iria mudar a essência de sua vocação, os Institutos Seculares propuseram um texto assinado por cerca de 180 Padres
Conciliares para mudar a redação do artigo 11 e constar como um capítulo à parte no final do Decreto. Entretanto, diante das regras conciliares, já não havia permissão para
inserção de novas proposições e os Institutos permaneceriam como uma evolução da vida religiosa. A discussão durou até a véspera da aprovação do Decreto.
Diante da impossibilidade de serem atendidos, os responsáveis dos Institutos Seculares recorreram à instância superior, pedindo que, minimamente, fossem conservados os
direitos adquiridos em 1947, na Provida, que define que os Institutos Seculares não são religiosos (cf. BEYER, p. 60-73). O insucesso da busca de saídas levou Lazzati a expor em
carta a questão a D. Carlo Colombo, que informou ao Papa Paulo VI a situação, dois dias antes da aprovação final do texto provisório. Finalmente, “a intervenção de Paulo VI
respondeu às demandas expressas pelos Institutos seculares e, certamente, representaram um remédio para uma situação paradoxal”45 (ALONSO, 2014, p. 559).
O texto foi alterado, incluindo algumas palavras esclarecedoras que vinham reforçar a profissão verdadeira e completa da consagração no mundo (cf. BEYER, 1969, p.
8-9). Na aula conciliar do dia seguinte, 27 de outubro, o secretário geral do Concílio avisou aos Padres que o parágrafo 11 deveria ser corrigido:

No decreto “De accomodata renovatione vitae religiosae”, algo deve ser acrescentado ao parágrafo 11. De fato, inadvertidamente, faltam quatro palavras no texto. O
Presidente da Comissão solicita que sejam acrescentadas quatro palavras ao texto, uma vez que a Comissão sempre realizou seus trabalhos nesse sentido. Portanto, os
Padres incluem as palavras no texto do Decreto ou fazem uma anotação separada por escrito. A votação a ser realizada hoje e a que será realizada amanhã antes do
Sumo Pontífice será feita no texto alterado para esse efeito. As palavras a acrescentar são as seguintes: “Os Institutos Seculares, embora não sejam Institutos religiosos,
carregam consigo um verdadeiro e completo...”46 (BEYER, 1968, p. 63-64).

Tomada essa decisão, de alguma forma, os Padres conciliares e os peritos que insistiam na tese de que os conselhos evangélicos professados pelos Institutos Seculares os
separavam do mundo e colocavam na mesma situação dos religiosos foram corrigidos. Com isso, o Concílio estabeleceu, de uma vez por todas, a vocação e a missão dos Institutos
Seculares. No documento da vida religiosa se criou um artigo do não religioso. Tal decisão não agradou totalmente os Institutos Seculares que ficaram na expectativa de que o
próximo Código de Direito Canônico aprofundaria essas questões e resolveria quaisquer tensionamentos ou em parte.
Com essas digressões, percebemos um pouco da tensão sobre a natureza dos Institutos Seculares e, também, como o Espírito Santo tem protegido essa forma de vida
consagrada. A nosso juízo, ela não foi suficientemente compreendida e assimilada por toda a Igreja até o presente. O documento Consagração e Secularidade, 2017, da Sagrada
Congregação, intitulado Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre os Institutos Seculares, afirma, no início e no fim, que os Institutos Seculares são pouco conhecidos, ignorados e
até confundidos com outros movimentos.
Consagração, secularidade e missão, notas características dos Institutos Seculares, ganharam qualidade e riqueza teológica e espiritual nas reflexões dos padres conciliares.
Nelas, o papel da consagração secular adquiriu contornos mais nítidos, particularmente nos números 11 do Decreto Perfectae Caritatis e 40 do Decreto Ad Gentes.
O Vaticano II evidenciou que a consagração secular corresponde às necessidades e apelos do mundo contemporâneo. Os membros dos Institutos Seculares ficam no mundo
para mudá-lo a partir de dentro, assumem a realidade secular e buscam orientá-la para Deus. Grandes são suas possibilidades para atuar no campo do diálogo ecumênico,
inter-religioso e dos múltiplos saberes e culturas.
O Decreto Perfectae Caritatis, sobre a Atualização dos Religiosos, de 28 de outubro de 1965, dedica o número 11 aos Institutos Seculares.

Os Institutos Seculares, embora não sejam institutos religiosos, comportam, no entanto, verdadeira e completa profissão dos conselhos evangélicos no mundo,
reconhecida pela Igreja.
Esta profissão confere a consagração tanto a homens como a mulheres, leigos e clérigos, que vivem no século.

Por isso, tenham principalmente como objetivo uma total dedicação de si próprios a Deus em caridade perfeita.

Conservem ainda seus Institutos a índole secular, que lhes é própria e peculiar, para poderem exercer, com eficiência e por toda parte no mundo e como a partir do
mundo, o apostolado para o qual foram criados.

Convençam-se, no entanto, de que não poderão cumprir tamanha tarefa, a não ser que os membros sejam cuidadosamente instruídos nos assuntos divinos e humanos,
de forma que se tornem, realmente, fermento no mundo, para o fortalecimento e o crescimento do Corpo de Cristo.

Cuidem, pois, os superiores, seriamente, de propiciar instrução, sobretudo espiritual, e de promover a ulterior formação dos membros.

O Decreto Perfectae Caritatis apresenta as dimensões articuladas que constituem a totalidade da vocação à consagração secular. Esta não pode ser entendida por um único
item, do mesmo modo como não é a soma desses itens. A articulação entre consagração e secularidade constitui uma nova forma de servir ao Senhor, diferente de todas as outras.
Do ponto de vista metafórico, é como o encontro de dois rios e, quando suas águas se misturam, não há como separá-las. Esse conjunto articulado dá especificidade, identidade e o
jeito próprio de um Instituto Secular testemunhar o evangelho.
Apesar de aparecerem de forma direta poucas vezes nos textos conciliares, o parágrafo 11 da Perfectae Caritatis situa a consagração secular no cerne da eclesiologia
do Vaticano II. Mesmo que a Lumen Gentium e a Gaudium et Spes não se refiram aos Institutos Seculares, à luz da Perfectae Caritatis, encontramos nelas indicativos para uma
sitematização holística da consagração secular.
A Perfectae Caritatis reafirma o estatuto da vocação própria dos Institutos Seculares. É um chamado, nem superior nem inferior aos demais. A vocação é um apelo e um
dom do Espírito Santo, que contribui para o crescimento daquele que aceita o chamado e para o desenvolvimento da comunidade. Não é um dom particular, é para a realização
da missão da Igreja. Afirma a Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 43, que a consagração é um dom do Espírito Santo que a Igreja recebe do Senhor e que conserva sempre
pela graça. Em síntese, a vocação dos Institutos Seculares é um estado de perfeição.
O Decreto Perfectae Caritatis reconhece, de uma vez por todas, a vocação dos Institutos Seculares na Igreja. A grandeza desta vocação é que ela tem um jeito próprio de
comunicar à humanidade que o reino dos céus está entre nós, que Deus habita no mundo e que nas múltiplas práticas do cotidiano em que vive o consagrado, ali se encontram os
sinais do reino dos céus que precisam e esperam ser evidenciados. Assim é a natureza dessa vocação, é um estilo de vida que tem suas bases na prática do Divino Mestre.
A consagração secular é uma vocação que passa pelo mundo, usa as coisas do mundo, mas não se apega ao mundo. O coração está em Deus cf. 1 Coríntios 7,31. Oferece a
todos um testemunho escatológico e, com isso, estimula toda a Igreja a buscar a santidade. Por essa razão, o consagrado secular assume a dimensão missionária da Igreja. Por
natureza, procura se dedicar totalmente a Deus, buscar a perfeição na caridade e realizar sua vocação no cotidiano. Eis aqui a peculiaridade da secularidade. Ao longo da vida, o
consagrado e a consagrada secular vão tomando consciência de que obedecer à voz do Pai significa adorá-lo em qualquer situação e ir construindo um caminho de santidade no
amor a Deus e no amor ao próximo (cf. 1 João 4, 16).
Enfatizamos nossa visão de que a consagração secular não pode ser entendida de forma fragmentada, mas na sua totalidade. Quando tentamos entendê-la de forma
fragmentada, tiramos o vigor, a essência e até mesmo a necessidade da vocação. Não seria este o ponto em que os peritos se perderam nas discussões conciliares? Esta vocação
tem uma singularidade desde o desígnio de Deus até a forma de testemunho no cotidiano. Uma árvore faz parte da floresta, mas não é a floresta, tem sua singularidade. Cada
pessoa tem seu próprio dna. Assim são as vocações, cada uma com sua especialidade.
O Decreto Ad Gentes (n. 40), sobre a Atividade Missionária da Igreja, de 7 de dezembro de 1965, realça o florescimento dos Institutos Seculares pela ação do Espírito Santo
e sua atuação na missão da Igreja.

Dia a dia, surgem na Igreja, por inspiração do Espírito Santo, Institutos Seculares. Seu trabalho, sob a autoridade do bispo, de muitas formas pode trazer frutos às
missões, como um sinal de entrega plena à evangelização do mundo.

É esse um jeito de viver a encarnação, tal como aparece, de forma didática, na prática de Jesus, nas bodas de Caná, nas refeições com os publicanos, na hospedagem em casa
de Zaqueu, no trabalho, nas explicações da Palavra de Deus, na vida de oração... A vida de Jesus se manifesta como um ato de solidariedade, em busca de oferecer à humanidade o
caminho da salvação (GS, n. 32). Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos, dizia Jesus (cf. João 15, 13).
O Decreto Ad Gentes acentua que todos os discípulos de Cristo são responsáveis pela difusão da fé. O Espírito Santo coloca no coração de cada discípulo o desejo de ser
missionário. A resposta a esse chamado só é possível pela graça. Neste caso, o consagrado secular deve viver segundo o evangelho e pedir a Deus força para enfrentar com alegria
os sofrimentos e dificuldades. O consagrado tem que ter consciência de que

nos dias de hoje, em que surgem novas condições para a humanidade, a Igreja, sal da terra e luz do mundo, é com mais urgência chamada a salvar e a renovar toda
criatura, para que tudo seja instaurado em Cristo e nele todos os seres humanos constituam uma só família e um só povo de Deus (AG, n. 1).

Consagrados e consagradas seculares encontram na Constituição Pastoral Gaudium et Spes (n. 92) uma interpretação segura sobre o mundo e como dar testemunho no
mundo. Do início ao fim, a Constituição estabelece os critérios para dialogar com pessoas, organizações e o mundo, e nele viver.

A Igreja é sinal da fraternidade que torna possível e se concretiza no diálogo sincero entre todos. [...] É preciso que comecemos a promover dentro da própria Igreja a
estima recíproca, o respeito e a concórdia, reconhecendo-se toda diversidade legítima, para que se estabeleça um diálogo frutífero entre todos os que formam o
único povo de Deus, tanto pastores, como fiéis. O que nos une é mais forte do que o que nos divide: haja unidade no que é necessário, liberdade onde há dúvida e, em
tudo, caridade.

As transformações sociais trazem profundas interrogações acerca do ser humano e fazem emergir múltiplas perspectivas de libertação, de possibilidades e de sentidos da
vida. Interrogações sobre a dor, o mal e a morte aparecem a todo momento. O aprofundamento do mistério do ser humano pode ajudar a responder a essas interrogações. A Igreja
e o evangelho apresentam como saída o encontro com Jesus. Cristo é a chave para a compreensão de tudo (cf. GS, n. 10).

4.5. Problematizações remanescentes

De tempos em tempos, a comunidade dos discípulos de Cristo, envolvida pelo emaranhado do mundo ou ameaçada pelo furor das tempestades que sacodem a barca da
Igreja, perde ou vê enfraquecer sua dimensão profética.
Segundo a história, talvez um primeiro momento obscuro tenha ocorrido no império de Constantino, em decorrência da unidade entre a Igreja e o poder estabelecido, seguido
de outros momentos, como as Cruzadas, a Inquisição, a colonização dos índios e negros, e, por fim, o envolvimento com múltiplos escândalos econômicos, sexuais e políticos.
As perguntas que perpassam a história – “Para que serve a Igreja? Para que serve o cristão?” – acham respostas quando a comunidade se volta para a Cruz e encontra o
caminho de volta para Deus e o sentido da missão. Quando os discípulos fecham os olhos ou se afastam da Cruz, eles se transformam em meios para a violência ou se
comprometem com práticas de violência.
Essa situação nos remete, mais uma vez, para a experiência da tentação do Cristo. No deserto, o Senhor se viu desafiado a escolher entre a vontade do Pai e a vontade do
tentador (cf. Mateus 4, 1-11; Marcos 1, 12, 13; Lucas 4, 1-13).

Olhando para o Cristo crucificado e vivo, o homem é capaz não somente de agir, mas de sofrer, não só de viver, mas de morrer. E onde a pura razão se vê obrigada a
capitular, para ele existe um sentido, também no absurdo da miséria e da culpa, pois também ali ele se sabe sustentado por Deus, tanto no que é positivo, quanto no que
é negativo. Deste modo, a fé em Jesus, o Cristo, oferece-lhe paz com Deus e consigo mesmo, sem escamotear os problemas deste mundo. A fé torna o homem
autenticamente humano, porque o faz ser co-humano: aberto, até ao extremo, para o outro que dele precisa e para o próximo (KÜNG, 1974, p. 523).

Sem Cristo, não existe, para os discípulos, o caminho da liberdade, da justiça e da paz. Estar no mundo é trilhar esse caminho. Cristo não é apenas um modelo. Ele é o
sentido e a razão da existência humana e nos ensina que tudo depende da bondade e da misericórdia de Deus.
Neste veio, nos perguntamos – “Para que servem os Institutos Seculares e a consagração secular?” – Esta novidade do Espírito tem que ser cuidada para não se perder nas
teias do mundo e nas contaminações do mal, às vezes presente na Igreja. Era esta uma das preocupações de Paulo VI, que continuou ecoando nos discursos dos papas sobre vida
consagrada secular e, ultimamente, do Papa Francisco.
O Código de Direito Canônico de 1983 retoma as tensões que apareceram nos discursos sobre as formas de viver os conselhos evangélicos, durante o processo de elaboração
da Perfectae Caritatis e mesmo da Lumen Gentium. O capítulo sobre a vida consagrada foi um dos mais difíceis de preparar. Este capítulo é uma síntese de elementos jurídicos e
teológicos sobre a vida consagrada, com a finalidade de equacionar as relações entre questões eclesiológicas e canônicas. Gostaríamos de realçar que um dos canonistas que
trabalhou sobre o tema da vida consagrada no Código de Direito Canônico foi o jesuíta Jean Beyer.47
O novo Código veio garantir todos os direitos anteriores que constavam na Provida. Além disso, avançou um pouco mais no sentido de criar um campo vocacional na Igreja,
a consagração, para incluir todos os que professam os conselhos evangélicos como estado de perfeição. A partir do Código, os Institutos Seculares fazem parte dos Institutos de
Vida Consagrada. Apesar disso, os Institutos Seculares são pouco reconhecidos e aceitos, por vários motivos, principalmente porque ainda existem algumas dificuldades
eclesiológicas e canônicas a serem superadas.48 O que ressaltamos é que os códigos 710-730 ou mesmo outros cânones como o 573 e seguintes dão mais segurança
aos Institutos Seculares.
Em continuidade ao aprofundamente e busca da solução para um possível dilema, o Sinodo de 1988, sobre os cristãos leigos, afirma que os consagrados seculares são leigos
e contribuem para a espiritualidade dos demais leigos.

Dentro do estado de vida laical há lugar para várias “vocações”, isto é, diversos caminhos espirituais e apostólicos que dizem respeito a cada fiel leigo. [...] Neste
âmbito, podemos lembrar também a experiência espiritual que recentemente amadureceu na Igreja com o desabrochar de diversas formas de Institutos seculares. Aos
fiéis leigos, [...] abre-se a possibilidade de professar os conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência por meio dos votos ou das promessas, conservando
plenamente a própria condição laical [...] (CfL, 56).

A inclusão dos Institutos Seculares no Código de Direito Canônico e na Exortação Apostólica Christifidelis Laici oferece critérios eclesiológicos, teológicos, jurídicos e
sociológicos para consolidação da consagração secular. Ao mesmo tempo, estamos diante de um novo desafio, a necessidade de aprofundar e sistematizar uma eclesiologia
dessa vocação. Mesmo porque permanecem ambiguidades e discussões que separam a consagração e a secularidade. Nossa opção neste texto é de mostrar a coexistência entre
consagração e secularidade num só estado de perfeição. Todos os documentos reafirmam que o consagrado secular é leigo. A consagração não restringe sua presença no mundo.
Parece-nos que a junção dos conteúdos do Código e da Christifidelis Laici tende a ajudar a superar a ambiguidade existente nos documentos sobre os Institutos Seculares.
Eles são uma novidade assumida no plano eclesiológico e dos estados de vida, como elemento inovador que aparece também no Código Canônico de 1983 (cf. OBERTI, 1984, p.
175). Até os anos oitenta, portanto, os Institutos Seculares não possuíam uma definição canônica, uma vez que o Código de 1917 lhes era anterior. Careciam, ainda, deste marco
canônico para superar as ambiguidades e os equívocos que já relatamos.
O novo Código foi capaz de acolher as expectativas e as experiências dos Institutos Seculares numa realidade eclesial, fortalecendo a consciência secular da Igreja, isto é,
uma Igreja no mundo, e a função do laicato. Traduzir essa realidade num código canônico não é fácil, é fazer com que a lei não mate o carisma, mas faça florescer o dom do
Espírito. E toda a amplitude da eclesiologia do Vaticano II foi uma tarefa difícil para os canonistas. Mas nos parece que eles foram capazes de cumpri-la.
Se olharmos com alguma profundidade analítica a literatura, os documentos e normas dos Institutos Seculares desde sua origem, veremos que os debates maciços versam
mais sobre as questões jurídico-canônicas e menos sobre os aspectos do campo teológico, eclesiológico e pastoral dos Institutos Seculares;

E isto, só para clarificar em termos de direito aquilo que, em definitivo, era já claro na consciência e na realidade existencial dos membros dos Institutos Seculares, que
estes são, e continuam a ser, leigos ou sacerdotes seculares; a consagração não muda nem a sua condição canônica, nem a forma de sua vida, antes a reforça, a torna
mais radical, pois que a secularidade fica consagrada para que seja mais rigorosa e o empenhamento no mundo e pelo mundo, que esta implica, seja permanente e total
(OBERTI, 1984, p. 176).

Nesse sentido, o novo Código colocou no lugar certo o carisma da secularidade consagrada. O membro do Instituto Secular é um leigo que vive a radicalidade do evangelho.
As múltiplas interpretações que percorreram a história acabavam por ser

incapazes de ler a nova realidade eclesial suscitada pelo Espírito para que a Igreja seja estimulada a estar no mundo e para o mundo, num diálogo cordial e aberto,
numa profunda partilha, por força da sua condição secular (OBERTI, 1984, p. 178).

João Paulo II afirma que o novo Código Canônico permitirá um melhor conhecimento desta vocação, oferecendo a todos os fiéis não uma compreensão imprecisa ou
acomodatícia deles, e sim no sentido de respeitar as características determinantes dos Institutos Seculares. O Papa chama atenção para os Institutos Seculares como expressão
da eclesiologia do Concílio.49
Estar no mundo não é ser comandado pelo mundo. É ajudar o mundo a se voltar para Deus. É descobrir a presença de Deus nos diferentes espaços. Ser consagrado secular
significa estar comprometido com a causa do Senhor no mundo. Esta causa não se prende a uma instituição ou grupo. Ela peregrina, é a Palavra de Deus caminhando no mundo.
Toda vez que encontramos práticas de justiça, de liberdade e paz, ali existem manifestações concretas da presença de Deus.
A primeira Carta de São João oferece subsídios e critérios para o consagrado se colocar no mundo e não se perder. São João levanta dois critérios fundamentais, o da justiça
e o do amor. Todo aquele que é justo e ama vem de Deus, e pertence a Deus. E todo aquele que é injusto e pratica o ódio, pertence ao Maligno (cf. João 2, 29; 3, 10). A ação
do consagrado secular no mundo não pode reduzir a mensagem da Cruz de Cristo a um crucifixo de parede ou a uma cruz no peito. Seguir a Cruz de Cristo significa romper com
qualquer tipo de esquema que seja contrário ao testemunho do amor, da justiça e da paz.
A práxis da consagração secular está situada no mistério do Verbo Encarnado. Jesus é o novo Adão, é o Verbo que se fez homem e não se deixou corromper como o velho
Adão. Cada consagrado e consagrada secular devem seguir a espiritualidade da encarnação. Neste caminho, enfrentam riscos inerentes à incerteza do futuro, peculiares à
própria vocação. A única certeza que têm vem de Deus.
Assim viveram José e Maria, numa pequena cidade do interior da Palestina. José era um homem simples e competente naquilo que fazia. Conhecia todo mundo e era amigo
de todos. Por meio do trabalho, sustentava a família, ajudava outras pessoas e dava testemunho de sua fé. Maria e José viviam da justiça e para a justiça, sempre em sintonia com a
vontade de Deus, e isso fazia deles uma família santa. O conteúdo de sua fé aparecia em cada gesto, em cada ação e atitude que tomavam. Mesmo entre muitos sofrimentos,
conservavam a alegria que vem da confiança em Deus. Não tinham uma fé anêmica ou tíbia ou somente racional. A fé brotava do seu coração, a ponto de entregar suas vidas a
Deus, de forma incondicional. Com José e Maria, começou a pedagogia da encarnação, do viver no mundo sem ser do mundo, e nele descobrir as manifestações e a vontade
de Deus.
Maria e José foram chamados para cuidar de Jesus, o maior tesouro do Pai, protegê-lo e educar na fé as pessoas do seu entorno. Nessa caminhada,

a fé de Maria se encontra com a fé de José. Se Isabel disse da Mãe do Redentor: – “Feliz daquela que acreditou”, esta bem-aventurança pode, em certo sentido, ser
também referida a José, porque, de modo análogo, ele respondeu afirmativamente à Palavra de Deus, quando esta lhe foi transmitida naquele momento decisivo. [...]
“A Deus que se revela é devida a obediência da fé” [...]; pela fé, o homem entrega-se total e livremente a Deus, prestando-lhe “o obséquio pleno da inteligência e da
vontade” e dando voluntário assentimento à sua revelação”. A frase acabada de citar [...] aplica-se perfeitamente a José de Nazaré (RC, n. 4).

Fidelidade e obediência foram os critérios para José e Maria viverem sua vocação e discernirem em cada momento a vontade de Deus. Eles foram fiéis e obedientes ao Pai.
Como consagrados seculares, aprendemos dessa experiência a não nos deixarmos capturar pelas ideologias que mutilam o evangelho, espalhadas no locus de nosso testemunho.
É bom recordar que Maria e José tinham profunda vida de oração. A consagração secular tem que repetir no dia a dia a mesma prática, tem que ser expressão de oração. É
da oração e na oração que recebemos a vitalidade do Espírito Santo para não nos deixarmos travar pelo medo e pelo calculismo. Aqui, a oração do Pai Nosso nos dá pistas –
sempre pedir ao Pai que nos livre dessa tentação e desse mal paralisante. Toda vez que se revela ou chama alguém, o Anjo de Deus ou o próprio Deus acrescenta: – “Não tenham
medo!” Quem ama vence o medo... (cf. 1 João 4, 18), tem ousadia e ardor. Foi assim com Maria, com José... com os discípulos...

Quando de fato se crê, as verdades da fé e as obras maravilhosas de Deus tornam-se conteúdo da vida, a ponto de as demais coisas perderem importância ou receberem
também a marca desse conteúdo. [...]. Tudo quanto se aproximar dessa alma será captado apropriadamente com profunda sensibilidade. Nela existe uma energia livre,
por um lado, de falsas inibições e empecilhos, e dotada, por outro, de sutileza, vitalidade e impressionabilidade para lhe permitirem ser fácil e prazerosamente plasmada
e dirigida por aquilo que escolher. As energias da alma, ao se aproximarem nessas condições das verdades da fé, chegam à ciência dos santos. E o mistério da cruz, ao
tornar-se forma interior, converte-se em ciência da Cruz (STEIN, 2011, p. 12).

A marca de José, Maria e dos discípulos era acolher a fé e transformá-la em conteúdo de vida. É assim a dinâmica da consagração secular. Cada consagrado, cada
consagrada, transforma o dom da fé em conteúdo de vida, num jeito de dialogar com o mundo. No trabalho, no cotidiano, na família, esta sua ação, aos poucos, vai explicitando
aquilo que S. Paulo, João da Cruz, Tereza de Ávila e Edith Stein entenderam como ciência da Cruz.
O testemunho dos consagrados seculares deve ajudar as pessoas e o mundo a enxergarem a presença de Deus e abandonarem o mal, as experiências que deprimem, que
negam a realização humana, impedem o encontro com o outro. Isto está presente na intencionalidade dos Institutos Seculares, como aparece nos marcos jurídicos. Os ecos desses
marcos, dos documentos conciliares e das transformações sociais trouxeram as problematizações que acabamos de descrever.
Os desafios e as contradições que os Institutos Seculares tendem a enfrentar estão no mundo e na Igreja. As múltiplas ideologias que norteiam o agir humano e que, às vezes,
escondem ou desconfiguram ou mutilam o evangelho infiltram-se em todos os espaços. Até a Igreja sofre desse mal. Na origem dos Institutos Seculares já havia referência a
essas questões.
Após a publicação dos marcos legais e dos primeiros impactos do Vaticano II, houve, nos anos de 1970, várias articulações de Institutos Seculares para responder aos apelos
da Igreja e da sua vocação. Talvez esses questionamentos estejam mais bem sistematizados no discurso de abertura do Congresso Internacional dos Institutos Seculares
de 1970.50 Neste discurso, o Cardeal Antoniutti buscou dar conta das mudanças que estavam ocorrendo no mundo, tais como a revolução da juventude, os avanços tecnológicos,
especialmente as viagens espaciais, a aterrissagem na Lua, a Guerra Fria, as múltiplas experiências de ditadura e extermínio dos povos. Um cenário diferente, em que era
necessário compreender a consagração secular e a secularidade.
A primeira questão que Antoniutti retomou foi o fortalecimento e a validação de todos os documentos até então elaborados, da Provida à Perfectae Caritatis. Estes
documentos, dizia ele, contêm orientações seguras para a santificação e o apostolado no mundo em ebulição. Os Institutos Seculares, destacou, fazem parte da tradição da Igreja.
Em síntese, prosseguiu o Cardeal Antoniutti:

A vida espiritual dos membros de um Instituto Secular se desenvolve no mundo e com o mundo e, portanto, com uma certa agilidade ou independência de formas e
esquemas próprios dos religiosos. Sua vida exterior não é diferente da dos outros leigos celibatários, porque as suas obrigações e seus trabalhos estão no mundo onde
eles podem lidar com trabalhos e encargos que o religioso não pode exercer. Por sua própria vontade e de acordo com os Estatutos, podem viver em família (e a
maioria, na verdade, mora em família) ou também em comum (Provida Mater Ecclesia, artigo III, 4) e exercer qualquer atividade profissional lícita. Eles devem
santificar o profano e o temporal, santificar-se e levar Cristo ao mundo. Eles são colaboradores de Deus [...] em todo o imenso panorama do mundo, que exija a
aplicação de suas energias ou capacidades. Em última análise, são chamados para ver e reconhecer em si mesmos e em tudo o que os rodeia, algo de misterioso e de
divino, que os conduz a Deus através dos elementos da natureza.

O Congresso fez emergir alguns pontos contraditórios: ter ou não ter obras próprias; qual o significado de Institutos Seculares de sacerdotes; como entender a autonomia de
cada Instituto; definir a singularidade da consagração secular e o campo de atuação. Houve conflitos levantados pelo desejo de um ou outro Instituto impor sua própria posição e
reduzir a esta todos os demais. É interessante recordar que ainda não havia uma noção comum de secularidade e permanecia a necessidade de compreender a força e a vitalidade
dos Institutos Seculares na Igreja.
Esses elementos são sinais de que a Igreja sempre se renova pela ação do Espírito Santo e que, por isso, explicou o Cardeal, ela

[...] acolheu com agrado esta nova manifestação de almas desejosas de santificar-se no mundo onde professam de forma estável os conselhos evangélicos, e a
confirmou, com força de lei, dando estatuto jurídico ao desejo de assegurar-se a perfeição cristã e de exercitar o apostolado. Assim, aos dois estados de perfeição já
reconhecidos, religiosos e sociedades de vida comum, junta-se agora uma terceira forma, a dos Institutos Seculares.

O Congresso decidiu formar uma comissão internacional de quinze pessoas para representar todos os Institutos, em busca de uma visão mais clara e autêntica de suas
especificidades, com representantes do Canadá, da Itália, França, Alemanha, Áustria, Espanha, Colômbia, Estados Unidos e Chile. A possibilidade de comunicação da época
apresentava algumas dificuldades de tempo e linguagem. Os trabalhos do grupo para estatuir a Conferência Mundial dos Institutos Seculares, CMIS, ficaram prontos em 1972.
Em 1974, os estatutos foram aprovados por seis anos, pela Santa Sé. A aprovação definitiva foi em 1980. Essa organização deu visibilidade e dinamismo aos
Institutos Seculares.
Durante a assembleia dos responsáveis gerais dos Institutos Seculares de 23 de agosto de 1976, com foco na oração sacerdotal de Jesus, o Cardeal Pironio51 destacou que
os membros dos Institutos Seculares são chamados a ser arquitetos da paz, comunicadores da alegria e profetas da esperança, enviados por Cristo como testemunhas da boa nova,
para contagiar o mundo com o espírito do evangelho. “São leigos consagrados, plenamente incorporados à história dos homens por sua profissão e seu estilo de vida comum,
radicalmente dados a Cristo pelos conselhos evangélicos como testemunhas do reino.”
A Igreja aguarda esse gesto que transforma o mundo a partir de dentro, como fermento na massa (LG, n. 31). A vocação à consagração secular, como a delineou o Cardeal
Pironio, é um modo novo de presença da Igreja no mundo, de viver como Igreja “em todas e cada uma das atividades e profissões, bem como nas condições comuns da vida
familiar e social”. Aqui, “a oração de Jesus adquire um significado especial: ‘Não te peço que os tires do mundo, mas que os preserve do maligno [...] para que sejam consagrados
na verdade’”(João 17). Todos os batizados assumem o compromisso de viver o evangelho e ser missionários, mas a consagração secular pelos conselhos evangélicos compromete
a uma inserção sociopolítica como testemunhas do reino e do mistério do Cristo morto e ressuscitado, de maneira profunda e radical, sem se afastar das atividades cotidianas.

A consagração secular é constituída de dois aspectos inseparáveis de uma única realidade, secularidade e consagração. A única maneira, para vós, de viver vossa
consagração é dedicar-vos à radicalidade do evangelho no mundo, no interior do mundo, a partir do mundo, permanecendo indissoluvelmente fiéis aos vossos
compromissos temporais e às exigências interiores do Espírito como testemunhas privilegiadas do reino.52

Esta perspectiva requer que o consagrado secular aprenda com Jesus, o Mestre que caminhou pelo mundo e só fez o bem, e não se deixou envolver pelo mal. É imperativo
olhar para a Cruz, praticar generosamente os conselhos evangélicos e, assim, preparar o novo céu e a nova terra onde habita a justiça (cf. 2 Pedro 3, 13). A consagração secular
revela um compromisso com a edificação do reino e a construção de uma cidade mais justa.
Durante a assembleia dos responsáveis gerais dos Institutos Seculares de 1976, o Papa Paulo VI explicitou que os Institutos Seculares seriam um “laboratório experimental”
que ajudaria a Igreja a aprofundar seu jeito de dialogar com o mundo e de evangelizá-lo, desde que permanecessem fiéis à sua vocação. Sua primeira tarefa, na linha da Evangelii
Nuntiandi, seria

colocar em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes nas realidades do mundo. O campo próprio de sua atividade
evangelizadora é o mundo vasto e complexo da política, da realidade social, da economia e também da cultura, das ciências, das artes, da vida internacional e dos meios
de comunicação [...] (EN, n. 70).

O consagrado secular tem que ter consciência da sua vocação e do seu dever. Daí a importância da formação para o desenvolvimento da maturidade humana na realização
da vocação. É necessário sublinhar a fidelidade à vida de oração, como expressão da situação concreta da pessoa consagrada no mundo. Finalmente, aquele que se consagra deve
ser capaz de assumir sua profissão, as relações sociais, seu ambiente de vida,

[...] como formas particulares de colaboração no advento do reino dos céus, e saber impor a si mesmo momentos de pausa para entrar em contato mais direto com Deus
para dar-lhe graças e para pedir-lhe perdão, energia e caridade infatigável para com os outros.53

Desde o Antigo Testamento, o trabalho e, às vezes, a profissão aparecem ora como instrumentos de castigo, ora como fontes de emancipação. Os Institutos Seculares trazem
uma nova dignidade ao trabalho ou restauram a dignidade do trabalho. Pela ótica da consagração secular, o trabalho é um meio de transformação e de realização. De um jeito ou
de outro, é pelo trabalho que colaboramos com a criação.

Tensões

Outra questão diz respeito a um conjunto de contradições. Durante um bom tempo, em nosso imaginário, falar em Igreja era aludir somente à hierarquia. A tal ponto, que
alguns sociólogos tentaram caracterizá-la como classe. A hierarquia seria a classe dominante e os leigos a classe dominada. Durante muito tempo, essa perspectiva se materializou
na vida dos papas, dos cardeais, dos bispos, dos padres e religiosos. Estamos, parece óbvio, numa leitura radical, mas a consagração secular desvela um conjunto de contradições,
certo ranço medieval, uma perspectiva monárquica e um regime do poder absolutista, correntes nas discussões eclesiológicas e nas práticas religiosas.
No Vaticano II, observamos uma tentativa de amenizar certo antagonismo entre a hierarquia e o laicato, que parece conceber os leigos mais como objetos do que sujeitos
da evangelização. Seria o leigo um cristão anônimo, impossibilitado de responder positivamente ao mandato de Jesus? O surgimento da consagração secular traz para o debate
da eclesiologia a discussão sobre o atuação da hierarquia eclesiástica que, de forma imperativa e não dialógica,54 muitas vezes impede ou trava o diálogo com o mundo.
Quantos são os leigos entre os santos canonizados? Isto sem considerar os reis e nobres. No modelo medieval, a virtude era privilégio da nobreza e do clero, portanto, com
prioridade no caminho de afirmação da santidade. A radicalidade cristã requer uma atualização da Igreja, no sentido de buscar a originalidade da fé cristã (cf. KÜNG, 2013, p.
287-289). Pode o leigo no mundo alcançar a santidade? Até que ponto a vocação do leigo pode ser tão confiável quanto a de outras categorias religiosas e eclesiásticas? Teria o
Concílio Vaticano II equalizado essas relações para aprofundar a realidade da Igreja como povo de Deus?
Nos tempos atuais, múltiplas inquietações invadem todos os campos e territórios, e recolocam perguntas: – “O que e quem é o homem? Quem é Deus? Como atingir a
inacessibilidade de Deus?” Essas inquietações existiam antes, durante e depois do Concílio. As condições de hoje nos permitem explicitar melhor essas questões e inquietações.
Podemos formulá-las da seguinte forma: – “Como o homem se relaciona com Deus e vice-versa? – Como Deus se revela ao homem? – Como o homem se encontra com Deus?”
Nessas inquietações, o que está em jogo, no fundo, é a piedade cristã. É o jeito de ser cristão. É como a Igreja contribui e contribuirá para a transformação do mundo e como
o mundo contribui e contribuirá para a transformação da Igreja. A nosso juízo, este movimento nos faz, cada vez mais, descobrir o rosto do Cristo crucificado e ressuscitado.
A consagração secular, de um jeito ou de outro, sintetiza, explicita e provoca dinamismo nesse debate.
Nesse cenário, emerge um questionamento sobre como vivermos a novidade sem excluirmos o antigo. O novo da piedade cristã não pode deixar de fora a tradição, mas não
deve se deixar absorver pelo tradicionalismo. Talvez tenha sido este o maior desafio do Concílio Vaticano II. O novo, criado pelo Espírito Santo, busca uma conduta mais cristã e
eclesial. Não é a destruição da tradição cristã, dos sacramentos e de outros valores e práticas que perpassam a história da piedade cristã através dos tempos. É, sim, um recolocar
dos conteúdos do evangelho, da tradição e das orientações do Magistério em diálogo com a situação e os acontecimentos atuais.
A mentalidade medieval entendia a santidade como um afastamento das coisas do mundo, para um encontro profundo com Cristo. Na modernidade, o que se busca é o
encontro com Cristo no mundo, porque fora do mundo não se acredita na possibilidade de um encontro com ele. A piedade cristã moderna tem a clareza de que o cristão não
pertence ao mundo, mas ama o mundo e, por isso, sua presença no mundo faz o mundo melhor. Como será a piedade cristã no futuro é uma procupação constante na Igreja, como
lemos nos documentos eclesiais. É o jeito de ser santo hoje e amanhã.
O Papa Francisco, na Gaudete et Exsultate, busca refletir sobre a piedade cristã e como a Igreja irá responder aos apelos e situações do mundo. O Papa não nega os
elementos de piedade da Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis, ou do Tratado do Amor de Deus, de São Francisco de Sales, ou dos caminhos de espiritualidade de Tereza de
Jesus, João da Cruz, Edith Stein..., mas atualiza esses elementos, respondendo à necessidade do homem de hoje, à luz das moções do Espírito Santo. Cabe destacar que isto não
significa reproduzir as práticas tradicionais, e sim reatualizá-las. Também não se trata da ansiedade pela novidade, que acaba por negar a ação do Espírito Santo e do evangelho. O
cristão é alguém que comunica uma experiência de fé entre ele, Deus e seus irmãos.

Os cristãos terão de preparar a Igreja para este dom da graça, tratando de superar e desenvolver a situação atual, dentro do possível, com espírito de paciência, sem
pertinácia reacionária e sem destrutivo afã de novidades... Natualmente, novo no cristianismo é sempre o descobrimento criador e a oportuna configuração da essência
primigênia (RAHNER, 1969, p. 246).

Deus se revela na relação com os homens e com a natureza. O diálogo silencioso e barulhento vai produzindo sempre uma fala criativa em que Deus vai se aproximando
cada vez mais dos homens e estes, de Deus. A fé não está pronta, vai crescendo, se desenvolvendo, amadurecendo. A mistagogia vai ajudando a descobrir como Jesus entra na
história da humanidade. A iniciação cristã ocorre num determinado ambiente e situação, no qual aprendemos a discernir a voz de Deus no mundo. Aqui, podemos falar do sentido
de uma verdadeira piedade cristã no mundo.
Por essa perspectiva, pergunta Rahner que sentido terão os Institutos Seculares, se estiverem fora das relações e dos acontecimentos do mundo. Certamente, perderão o
profetismo da vocação. Consagrados seculares não são auxiliares ou grupos uniformizados para representar ou reproduzir as funções do clero e muito menos tratar o mundo como
profano. Estão situados na tradição do evangelho e da doutrina da Igreja, no sentido de evangelizar e transformar o mundo. Não são pessoas que se adaptam simplesmente a
situações injustas, porque vivem da mensagem da Cruz no mundo secularizado (cf. RAHNER, 1969, p. 253).
A consagração secular traz uma nova ascese, mais livre, que articula a fé e a racionalidade. É um estilo de vida que dialoga, simultaneamente, com o transcendental e com o
mundo, o cotidiano, os acontecimentos... e, neste diálogo, formata sua espiritualidade, sua mística. É uma vocação fundada na ação da vida, que realiza, com paciência e
discernimento, novas formas e jeitos de comunicar a presença de Deus no mundo. É a formação de um novo ethos e bons hábitos.
Os membros dos Institutos Seculares vivem e permanecem seculares, e o fazem com naturalidade e simplicidade, com rigor e disciplina. É uma vida razoável de vencedores

daquela desesperada angústia ou medo da morte, no íntimo do coração, que fomenta a cobiça e torna incapaz de tomar sobre si desinteressadamente a autêntica
responsabilidade da ação mundana para o bem dos outros, mesmo em meio à renúncia tácita e sorridente (RAHNER, 1969, p. 258).

A consagração secular, como vimos nos documentos e reflexões teológicas e eclesiológicas, não é em si uma novidade. A novidade está em priorizar sua vivência e sua ação
no mundo. Ela não rompe com a tradição da consagração religiosa, mas traz um elemento novo, ou melhor, estabelece o encontro de duas realidades e cria um terceiro elemento
como uma novidade. Ao falar da piedade cristã, Rahner diz que o velho não se separa do novo em

compartimentos distintos, pois o novo só é autêntico se conservar o velho, e o velho só permanece vivo se é vivido de forma nova. Mas, no velho e no novo, não há de
variar uma realidade que é e será ontem e hoje e por toda eternidade, da qual não pudemos falar suficientemente, a bem-aventurada incompreensibilidade da vida,
Deus, o mistério do Senhor crucificado e ressuscitado, a santa bênção dentro e sobre toda a sobriedade do cotidiano labor, a esperança na vida eterna, que é a
incompreensibilidade de Deus revelada. Onde isso se dá e se vive, ali há um cristão, um homem piedoso. Também amanhã (cf. RAHNER, 1969, p. 260).

Olhando para a história da consagração secular, podemos reforçar a convicção de que onde está o consagrado, a consagrada secular, ali acontece a revelação do Senhor, a
salvação das pessoas, o anúncio do Reino. Eis aí a novidade da consagração secular, reforçada, mais uma vez, pelo Papa Francisco na Audiência aos participantes da Conferência
Italiana dos Institutos Seculares, em 10 de maio de 2014.
Notas de Rodapé

1 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
2 PAROLIN, Pietro, Cardeal, Secretário de Estado. Mensagem aos participantes da Assembleia Geral da Conferência Mundial de Institutos Seculares.
Roma, 17 ago. 2016.
3 PAPA FRANCISCO. Mensagem aos participantes do Congresso dos Institutos Seculares italianos, por ocasião do 70º aniversário da Constituição
Apostólica Provida Mater Ecclesia, 23 out. 2017.
4 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970.
5 Carlos ÁVILA, poeta e jornalista. In: Folha de São Paulo, “Mais!” 14 maio 2000.
6 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
7 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
8 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970, p. 86.
9 Venerável Giuseppe Lazzati, consagrado secular, fundador do Instituto Secular Cristo Rei. cf. http://www.santiebeati.it/dettaglio/91539
10 CEDIS. Conferencia Española de Institutos Seculares. Consagración secularidad. Valencia: Edicep, 1996. p. 53-69.
11 Tradução livre, ver original: “Los I.S. comparten con los demás laicos esta especialización: cambiar el mundo desde dentro; especialización que se
refuerza, se sostiene y compromete por la consagración especial.”
12 PAPA JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Jubileu pelo 1950º Aniversário da Redenção, n. 3.
13 JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, n. 12.
14 PAPA JOÃO XXIII. Bula de convocação do Concílio, Humanae Salutis, 25 dez. 1961.
15 PAPA JOÃO XXIII. Gaudet Mater Ecclesia. Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 out. 1962, 7, 3.
16 São João Crisóstomo, citado em Lumen Gentium, n. 38 (386).
17 CASTELLS, Manuel. Disponível em: https://ibebrasil.org.br/areas-atuacao/cultura-digital/. Acesso em: 24 fev. 2020.
18 PAPA BENTO XVI. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2013.
19 PAPA FRANCISCO. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2014.
20 PAPA FRANCISCO. Discurso no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 2014. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/magisterio-da-igreja/francisco/.
21 O Código de Direito Canônico de 1983 inovou, eliminando a distinção ou dicotomia entre Ordens e Congregações religiosas. Tal distinção era feita
pelo critério de votos públicos, simples e privados. Na apresentação do novo Código, João Paulo II explicita que, de tempos em tempos, “a Igreja
reforma e renova as leis e a disciplina canônica”, a fim de expressar sua fidelidade ao Divino Mestre. Em síntese, a Igreja decidiu organizar a vida
consagrada no tópico “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”. O eixo condutor da vida consagrada são os
conselhos evangélicos, conforme cânones 573-577.
22 Cf.
https://books.google.com.br/books?id=-xJ4U2RQXHMC&pg=PA217&dq=santa+angela+de+merici&hl=pt-BR&sa=X&ei=QdwHUZ3yM9OC0QGhz4GgAw#v=o
Acesso em: 13 abr. 2020.
23 Tradução livre, segue texto original: Angela Merici respira a pleno pulmón la sana libertad del siglo y ve en esa misma libertad un campo y un
medio de conquista. Ella no quiere cerrarse en un claustro, sino vivir en médio del mundo; sus hijas vivirán en el seno de su família, llevando en
si mismas su claustro y sembrando por todas partes el “buen olor de Cristo”. Continuando la vida secular de su tiempo, ellas penetran en la
sociedad y la hacen un bien incalculable. Las circunstancias históricas favorecen maravillosamente tal iniciativa y la harán necesaria. [...] Otras
numerosas realizaciones merecerian ser subrayadas en el curso de los siglos passados, ya que innumerables fueron las almas que desearon
consagrarse a Dios y al apostolado quedando en el siglo, fermento en la massa, en el seno de la propia família, en las profesiones y en los
trabajos ordinários. (HUOT, 1968, p. 176).
24 PAPA FRANCISCO. Carta para o Evento “Economy of Francesco”. (ASSIS, mar. 2020). Este evento não se realizou devido à pandemia do Covid19.
cf. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html.
25 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/. Acesso em: 20 jun. 2020).
26 Disponível em: http://www.vatican.va/content/leo-xiii/la/apost_constitutions/documents/hf_l-xiii_apc_19001208_conditae-a-christo.html.
27 Documento da Sagrada Congregação sobre a vida consagrada. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_profile_it.html. Acesso em: abr. 2020.
28 Um esboço dessa síntese pode ser encontrado na Revista Diálogo, v. 17, n. 80/81, 1989.
29 CMIS. Revista Diálogo, n. 44, p. 63-67, mar./abr. 1980. Nesta Revista, encontram-se detalhamentos da história de Ângela Clavel.
30 Disponível em: www.crianca.mppr.mp.br/pagina-445.html. Acesso em: 22 maio 2020.
31 Cf. SENNET, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
32 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970. p. 86.
33 Cf. Lumen gentium e, se desejar aprofundamento, ver teólogos como Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph
Aloisius Ratzinger e o trabalho de Schillebeeckx, E., Cristo, sacramento de encontro com Deus. Petrópolis: Vozes, 1967.
34 Entre os peritos, estavam Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph Aloisius Ratzinger e Edward Cornelis Florentius
Alfonsus Schillebeeckx.
35 Cf. https://www.comunidadedeaprendizagem.com/uploads/materials/308/7b6d6c81dee37228ff26c1f332fe291b.pdf
36 Tradução livre, segue texto original: “El Instituto Secular es el reciente matrimonio del estado de perfección y del estado secular. Es un hallazgo
del Espíritu Santo que lleva el estado de perfección en médio del mundo.”
37 Tradução livre, segue texto original: “En el intermedio de este periodo, que va desde el Concilio Vaticano II hasta nuestros días, el Código
de Derecho Canónico del año 1983, en el Título III, ‘De los Institutos Seculares’, legisla sobre ellos en los cánones 710-730. La presencia en
el Código de la legislación sobre los Institutos Seculares es uno de los acontecimientos más importantes y significativos del nuevo texto legal,
pues, como hizo notar Pablo VI, se da una profunda y providencial coincidencia entre el carisma de los Institutos Seculares y una de las
realidades más importantes y claras del Concilio: la presencia de la Iglesia en el mundo. La vida consagrada secular es precisamente la
consagración de la secularidad, la unión indisoluble y esencial entre la vida secular y la vida consagrada por la profesión de los consejos
evangélicos, con la audaz misión de superar el dualismo Iglesia-Mundo, y de ser el ‘arquetipo de la presencia del Evangelio y de la Iglesia en el
siglo’”. cf. http://www.alianzajm.org/IMG/pdf/La_vocacion_de_la_consagracion_secular_en_la_Iglesia_.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
38 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970..
39 PAPA PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais e membros dos Institutos Seculares, no XXV aniversário da Provida Mater Ecclesia, em 2 de
fevereiro de 1972, tradução livre do espanhol.
40 PAPA JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes do Simpósio Internacional sobre a Provida Mater Ecclesia, em 1 de fevereiro de 1997.
41 PAPA JOÃO XXIII. “Il Tempio Massimo”. Carta sobre o empenho das religiosas pelo Concílio,1962.
42 PAPA BENTO XVI. Discurso aos participantes da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, por ocasião dos 60 anos da Provida Mater Ecclesia,
2007.
43 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, em maio de 2014.
44 Tradução livre, segue texto original: “Esto no está bien. El Concilio, que quiere ser pastoral en sus intentos y quiere manifestar al mundo la
perenne juventud y adaptabilidad de la Iglesia, habría debido hablar más ampliamente de los Institutos seculares: [...] los miembros de
los Institutos seculares no son laicos como los otros, ya que se han ofrecido totalmente a Cristo; se han comprometido, mediante
reconocimiento oficial de la Iglesia, a seguir los consejos evangélicos en la vida secular, se han convertido formalmente en consagrados en
virtud del voto o del juramento de castidad. Pero ni siquiera pueden ser catalogados entre los religiosos, pues la naturaleza de los Institutos
seculares difiere profundamente de la del estado religioso [...]; también su apostolado [...] ‘en el mundo pero como fuera de él’ [...] difiere del de
los religiosos en el objeto, en el método, en los modos. [...] la característica de tales Institutos es la ‘secularidad’, no sólo en el vestir, sino en
toda la mentalidad y modo de actuar. Por ello: se dedique a ellos un párrafo específico; se cambie el título del esquema, sustituyendo la presente
expresión por otra que comprenda también las personas consagradas a Dios, reconocidas como tales por la Iglesia, y que sin embargo no son
religiosos” (ALONSO, 2014, p. 556).
45 Tradução livre, segue texto original: “La intervención de Pablo VI respondía a las exigencias manifestadas por los mismos Institutos seculares y
representaba sin duda un remedio a una situación paradójica” (ALONSO, 2014, p. 559).
46 Tradução livre, segue texto original: “En el Decreto ‘De accomodata renovatione vitae religiosae’ se debe añadir algo a propósito del párrafo 11. En
efecto, por inadvertencia, faltan en el texto cuatro palabras. El Presidente da la Comisión ruega sean añadidas al texto cuatro palabras, desde el
momento que la Comisión siempre há desarrollado sus trabajos en tal línea. Incluyan, por tanto, los Padres en el texto del Decreto dichas
palabras, o tomen nota aparte por escrito. La votación que se hará hoy y la que se tendrá mañana delante del Sumo Pontífice, se hará sobre el
texto enmendado en tal sentido. Las palabras a añadir son éstas: ‘Los Intitutos Seculares, aunque no son Institutos religiosos, llevan consigo una
verdadera y completa’...” (BEYER, 1968, p. 63-64).
47 Podemos afirmar que esta forma de consagração na Igreja encontrou no Pe. Beyer o canonista e teólogo mais completo, tendo delineado
claramente sua especificidade. Doutor em Direito Canônico em 1961, com uma tese sobre os Institutos Seculares, autor de profundas e originais
visões sobre a natureza da vida consagrada, fez considerações sobre a tipologia da vida consagrada em geral e da vida religiosa em particular.
Foi incansável durante os trabalhos do Vaticano II e, mais tarde, colaborou de maneira incisiva para a redação do Código de Direito Canônico de
1983, como consultor da Comissão de Reformas no que diz respeito à vida consagrada, desde o início dos trabalhos até o final. cf.
https://www.iuscangreg.it/beyer
48 Congregación para los Religiosos e Institutos Seculares (CRIS). Identidad y misión de los Institutos Seculares, 1983. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/.
49 Cf. http://cmis-int.org/cmiswebsite/magisterio/magisterio_es/eclesiologia_1983.pdf. Acesso em: 1 ago. 2020.
50 Desse primeiro Congresso, realizado em Roma entre 20 e 26 de setembro de 1970, participaram mais de 400 pessoas de 92 Institutos de 16 países
de dois Continentes. Estiveram ausentes, por motivos jurídicos, representantes da Ásia, da África e da Oceania.
51 PIRONIO, Dom Eduardo Francisco (1920-1998), cardeal argentino. Foi Presidente do CELAM, Prefeito da Congregação para os Religiosos
e Institutos Seculares e Presidente do Conselho Pontifício para os Laicos.
52 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/
53 PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais dos Institutos Seculares. 25 ago. 1976.
54 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520253-o-papa-francisco-e-um-paradoxo-artigo-de-hans-kueng.
55 LAS CASAS. Bartolomeu. Em defesa dos índios (c. ■■■■). Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1
56 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 25.
57 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 23.
58 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 41.
59 “Aos nossos filhos católicos que pertencem aos países mais favorecidos, pedimos o contributo da sua competência e da sua participação ativa
nas organizações oficiais ou privadas, civis ou religiosas, empenhadas em vencer as dificuldades das nações em fase de desenvolvimento. Hão
de ter, sem dúvida, muito a peito o ser contados entre os primeiros de quantos trabalham por estabelecer, na realidade dos fatos, uma moral
internacional de justiça e de equidade.” Papa Paulo VI. Encíclica Populorum Progressio, 81.
60 Cf. https://drive.google.com/file/d/1K9tL-5apCcJwgLxgHhQfuMC6l6WodPMd/view
61 Tradução livre, segue texto original: [...] el “permanecer” en el mundo es fruto de una opción, es una respuesta a un llamado específico: es asumir
esta dimensión del estar dentro, del estar cerca, del mirar el mundo como realidad teológica-espiritual, en la que se entrelazan la dimensión
histórica y la dimensión escatológica. Esto exige un notable desarrollo de aquella calidad humana, tan proclamada hoy, que es la capacidad de
“con-participación”, de co-responsabilidad. Una con-participación responsable y generosa, que podríamos definir, con una expresión más
sencilla, como capacidad para saber vivir dentro... (Juany Monsalve Moya).
62 PAPA FRANCISCO. Discurso à Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
63 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565040-papa-visita-universidade-citando-bauman-temos-uma-economia-liquida É importante destacar
que Bauman, antes de morrer, elogiou muito o Papa Francisco. Ve
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565619-o-dom-de-francisco-artigo-de-zygmunt-bauman. Acesso em: 2 fev.2020.
64 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948.
65 cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
66 Cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
67 Cf. http://www.brasilescola.com. Acesso em: jan. 2020.
68 Participaram da fundação da CNBB, no Rio de Janeiro, presentes ou representantes, 20 Arcebispos do Brasil e o Núncio Apostólico. O primeiro
presidente foi Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, então Arcebispo de São Paulo, que indicou, para o cargo de Secretário Geral, Dom
Hélder Pessoa Câmara.
69 Um excelente texto sobre a história da Igreja na América Latina, que aborda o Brasil, é o trabalho de DUSSEL. Ver
https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/40.Historia_da_igreja_latinoamericana.pdf.
70 PAULO VI. Discurso aos responsáveis dos Institutos Seculares, 20 set. 1972.
71 As informações sobre a caminhada dos Institutos Seculares no Brasil foram extraídas de dados registrados nos arquivos que contêm as Memórias
do Instituto Catequético Secular São José, participante da caminhada desde o início.
72 Mais informações sobre a situação atual dos Institutos Seculares no Brasil podem ser encontradas nos seguintes endereços:
http://cnisbrasil.blogspot.com/;https://pt-br.facebook.com/cnisbrasil/; https://cnisbr.wixsite.com/cnisbrasil/pagina-inicial. Acesso em: 28 mar.
2020.
73 Cf. Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Brasília: CNBB, 2019. p. 39.
74 Organização Internacional do Trabalho. Cf. https://www.ilo.org/brasilia/temas/fow/lang--pt/index.htm
75 Cf. https://www.a12.com/redacaoa12/assembleia-geral-cnbb/cnbb-divulga-mensagem-por-ocasiao-do-dia-do-trabalhador.
76 Cardeal D. Arturo Tabera Araoz (1903-1975, Espanha), prefeito da Sagrada Congregação para Institutos Religiosos e Seculares.
77 Tradução livre, segue texto original: Creemos que los Institutos seculares fueron en su tiempo, una respuesta eclesial específica ante las
necesidades del mundo y, de alguna manera, bajo esa forma jurídica, se anticiparon los elementos de la Iglesia carismática que después sería
“redescubierta” por el Vaticano II, y que daría paso a una floración de variadas formas de consagración laical en los llamados Nuevos
movimientos y realidades eclesiales. Es sabido que la valoración de las fuentes bíblicas y patrísticas durante el Concilio favoreció la acentuación
del aspecto carismático y pneumatológico de la Iglesia, y de su noción de misterio, respecto al cristocentrismo paulino que había caracterizado
hasta entonces la teología del cuerpo místico. Desde esa perspectiva, puede entenderse la llamada universal a la santidad, el potenciamiento del
papel del laicado en la Iglesia, y su misión de transformar las realidades temporales. Es en esta línea, que hay que situar la vocación laical (o
sacerdotal) de especial consagración en los Institutos seculares, como respuesta carismática de santidad y como profecia para el mundo que
anticipa la vida futura (ALONSO, 2014, p. 562).
78 Cf. https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-04-06/recuperado-infectologista-david-uip-fala-sobre-covid-19-extremo-sofrimento.html.
79 MURICY, Moema Rodrigues. Institutos seculares, uma nova forma de ser Igreja, hoje. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/5811.

5. OS INSTITUTOS SECULARES NAS CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS LATINO-AMERICANAS

Nos últimos séculos, a história latino-americana permaneceu intimamente ligada à história da Igreja. Uma mistura de libertação e de colonização gerou matrizes culturais
constituídas por influências europeias, gregas, judaico-cristãs, indígenas e africanas. Em decorrência, múltiplos e diferentes rostos povoam a América Latina.
As intensas mudanças políticas e religiosas ocorridas durante a década de 1960 resultaram em graves consequências para o Continente, especialmente para as comunidades
mais pobres e a Igreja. Regimes presidencialistas, parlamentaristas e ditatoriais de feições neofacistas e populistas, inspirados em modelos externos e na ideologia da segurança
nacional, ocuparam o poder.
Particularmente a partir de 1970, o modo de vida urbana ganhou hegemonia no Continente. Durante as décadas de 1980 e 1990, aumentou a influência da globalização na
formação das identidades culturais. Multiplicaram-se as dificuldades para o acesso e a permanência no mundo do trabalho, com impactos profundos na vida cotidiana, na
construção da cidadania e de sujeitos responsáveis, em função da defasagem entre a habilitação dos trabalhadores e o acesso ao desenvolvimento contínuo da tecnologia.
As sociedades agrárias na América Latina, impelidas pelo torvelinho do desenvolvimento econômico-social e tecnológico, modificaram atividades e valores, ganharam a
complexidade da civilização urbano-industrial. Esse movimento e suas crises geraram um modelo social excludente de negros, mulheres, crianças e jovens, impedindo um
desenvolvimento social saudável, pautado na felicidade e no bem-estar, conforme prescreve a doutrina social da Igreja.
Um veio de libertação sempre percorreu o Continente, em reação a um sistema socioeconômico e sociopolítico injusto, marcado pelas relações entre opressores e oprimidos.
De Bartolomeu de Las Casas (1484-1566), sacerdote dominicano espanhol defensor dos índios, até as reflexões e diretrizes das Conferências Episcopais, os discursos evidenciam
a necessidade de aprender, de levantar novas perguntas e de construir novas respostas (cf. DUSSEL, 2014).
Na América Latina, sempre existiram tentativas de descolonizar as práticas, as teorias e as ações pastorais, em busca de articular o rosto de Cristo com o rosto daqueles que
sofriam e dos condenados pelo sistema. A leitura de D. Pedro Casaldáliga, de que o sangue dos mártires se mistura com o sangue de Cristo, em sua poética engajada, pode
explicitar com mais profundidade essa realidade latino-americana.
A Igreja na América Latina começou de forma paradoxal. De um lado, comprometida com o anúncio do evangelho. De outro lado, presa às armadilhas peculiares ao
processo de colonização, a uma forma de exploração e de idolatria que nega a vida e o próprio evangelho. Acreditamos que Bartolomeu de Las Casas teria sido um dos primeiros a
situar essa condição. Em carta ao Imperador Carlos I, Las Casas assim se posiciona:

De Cristo, a verdade eterna, recebemos a ordem “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. E também São Paulo diz “O amor não busca seus interesses”, mas busca as
coisas de Jesus Cristo. Cristo busca almas, e não propriedade. Ele, que é o único e imortal rei dos reis, não anseia riquezas, nem bem-estar e prazeres, mas a salvação da
humanidade, pela qual, amarrado ao madeiro da Cruz, ofereceu sua vida. Aquele que deseja que grande parte da humanidade seja de tal modo que, seguindo os
ensinamentos de Aristóteles, possa agir como um carrasco feroz contra eles, forçá-los à escravidão, e através deles enriquecer, é um senhor despótico, e não um cristão;
um filho de Satã, e não de Deus; um saqueador, e não um pastor; uma pessoa que é guiada pelo espírito do demônio, e não pelo céu. Se procura índios para que de
maneira dócil, mansa, tranquila e humana, e de forma cristã possa instruí-los na Palavra de Deus e por seu trabalho trazê-los ao rebanho de Cristo, imprimindo o manso
Cristo em suas mentes, realiza a obra de um apóstolo e receberá uma imperecível coroa de glória de nosso cordeiro sacrificado. No entanto, aqueles que agem pela
espada, fogo, massacres, trapaça, violência, tirania, crueldade e uma desumanidade pior do que os bárbaros, destruindo e saqueando povos totalmente inofensivos, que
estão prontos a renunciar ao mal e receber a Palavra de Deus, esses são filhos do demônio e os mais horríveis saqueadores de todos. Cristo disse: “O meu jugo é suave e
o meu fardo é leve”. Impondes fardos intoleráveis e destruís as criaturas de Deus, vós que deveríeis ser a vida para o cego e a luz para o ignorante. Escutai Dionísio:
“Deve-se ensinar o ignorante, e não o torturar, assim como não crucificamos o cego, mas o conduzimos pela mão”; e mais adiante: “É extremamente chocante,
portanto, que alguém a quem Cristo, a mais extrema bondade, procura quando perdido nas montanhas, chama de volta quando se extravia e, após achado, carrega sobre
seus sagrados ombros, seja atormentado, rejeitado e desprezado por vós.55

O processo de conquista europeia, especialmente a espanhola e a lusitana, foi eliminando os recursos naturais, culturais e teóricos dos povos originários. Em que pesem as
práticas de resistência, a população dominada se tornou um povo desenraizado. A colonização constituiu uma teoria e uma mentalidade filosófica e antropológica para dominar e
desconstruir a cultura latino-americana. Em contrapartida, desde Las Casas, sempre houve intelectuais, grupos e movimentos sociais que reagiram a essa tirania. De uma ou de
outra forma, os discursos e as práticas de resistência dos povos latino-americanos reagiam à cosmovisão eurocêntrica. Apesar disso, os afetamentos permanecem até os dias
de hoje.

5.1. As Conferências Episcopais

No século XX, de forma orgânica, a Igreja na América Latina tornou-se mais sensível à dor dos oprimidos, dos condenados da história. Em meados do século,
as Conferências Episcopais, motivadas pelas inspirações do Concílio Vaticano II e pelo contexto, buscaram um novo jeito de viver e de expressar a fé no Continente. As pastorais
sociais e as comunidades e grupos de rua ganharam força no processo de evangelização. Assumiram o rosto de uma Igreja que escuta o grito de dor dos pobres, das mulheres, dos
jovens, das crianças, dos índios, dos negros... Quem são as pessoas que gritam? Por que lamentam? É a experiência da dor de Jó, e cada grito requer uma resposta (cf.
Mateus 25, 31-46).
Numa leitura mais atenta dos documentos das Conferências Episcopais – do Rio de Janeiro a Aparecida – podemos capturar uma prática pastoral e pedagógica que olha para
a Cruz de Cristo e o sofrimento das pessoas. É uma Igreja com vigor profético, que denuncia as injustiças e anuncia o encontro com o Senhor. Daí emerge uma teologia
comprometida com o Senhor e com o povo, uma Igreja que marcha nas pegadas do evangelho. Os elementos eclesiológicos que aparecem nesses documentos dão alguns caminhos
de ação para a formação e a inserção sociopolítica do consagrado secular no mundo.
Ao encerrar o Vaticano II, Paulo VI fez uma síntese da situação da América Latina. O Papa se mostrou convencido da necessidade ter conceitos claros, conhecimento da
realidade e a certeza de que Deus sempre acompanha o povo latino-americano. A América Latina, afirmou, vive uma situação complexa, nos múltiplos campos da religião, da
economia, da política, da cultura e da geopolítica. Qualquer solução

que não tenha na devida consideração esta complexa realidade corre o risco de ficar inadequada, se não talvez ineficaz. A América Latina apresenta uma sociedade em
movimento, sujeita a mutações rápidas e profundas. Estas transformações são evidentes em primeiro lugar na acentuada expansão demográfica [...]. Somente este
fenômeno repercute com tão graves consequências em todos os setores da vida e, de modo especial, alerta o Pastor, o qual pergunta o que pode fazer em concreto a
Igreja para acolher em seu seio e encaminhar para uma vida verdadeiramente cristã os novos filhos – e são milhões – que ano a ano se agregam ao seu numeroso
rebanho. No Pastor define-se uma primeira tomada de posição: defender o que existe; mas isto não basta, seja porque o que existe não é adequado à totalidade da
população e das necessidades, seja também porque o que existe está atingido e arrastado pelo movimento e pela transformação (PAULO VI apud KLOPPENBURG, v.
5, 1966, p. 459).

Este comentário de Paulo VI traça, em linhas gerais, toda uma situação latino-americana e deixa perceber nas entrelinhas a questão da fome, da terra, da moradia, assim
como do trabalho, saúde, assistência, educação, enfim, de um sistema de dominação e exploração que acabam por escravizar os povos latino-americanos. A ação social da Igreja,
orienta Paulo VI, deve oferecer “uma participação humilde para a solução dos problemas humanos que vivemos”. Estas ações devem ser tomadas dentro de uma metodologia,
com sabedoria, prudência, perseverança e confiança. É preciso preparar o povo para acolher as modificações, não ter medo das críticas de unir as coisas antigas e novas,

haurindo das fontes genuínas da história secular da Igreja, sempre guiada pelo Espírito Santo. O Pastor, enfim, recorde que o trabalho pastoral deve ser conduzido com
perseverança, porque o fruto é produzido na perseverança... (PAULO VI apud KLOPPENBURG, v. 5, 1966, p. 467).

As preocupações de Paulo VI sempre estiveram presentes nas Conferências Episcopais. Nelas, como veremos, os bispos mantêm os olhos abertos para a realidade e, ao
mesmo tempo, contemplam profundamente o evangelho, para encontrar formas de reduzir a desigualdade social e as práticas de injustiça.
Em uma palavra, o jeito de viver o evangelho na América Latina é traduzido ora na busca de justiça, liberdade e paz, ora na opção preferencial pelos pobres e, ainda, pelo
empenho contínuo numa evangelização continental, marcada pelo encontro com Cristo. Cabe ressaltar que Paulo VI valorizou o CELAM, a Conferência Episcopal
Latino-Americana.

As Conferências Episcopais

Aprovadas pelo Papa Pio XII em 2 de novembro de 1955, as Conferências Episcopais nasceram com a preocupação de estabelecer um diálogo entre a Igreja e o mundo, não
somente de defesa da fé, mas de aprender com o mundo e nele despertar os valores do evangelho.

Rio de Janeiro

A fundação da Conferência Episcopal Latino-Americana, CELAM, ocorreu no Rio de Janeiro, entre 25 de julho e 4 de agosto de 1955. Nessa ocasião, a prioridade
escolhida foi difundir a doutrina social da Igreja e educar todos os católicos para o cumprimento do dever social. A decisão contribuiu para a formação de uma cultura e de
uma eclesiologia que valorizam a santidade no mundo. Nesta Conferência, já podemos encontrar elementos que seriam tratados no Concílio Vaticano II. Os leigos foram
reconhecidos como sujeitos da evangelização. Este caldo teológico fortaleceu as experiências de diálogo com o mundo e abriu as condições objetivas para a ação dos
Institutos Seculares.

O laicato católico, bem instruído e bem formado, tem uma tarefa especial e insubstituível na animação e verificação do mundo socioeconômico. [...]. Ao fazer sentir a
presença da Igreja na solução dos graves problemas da justiça social. 56

Pergunta o Papa Pio XII: “[...] que cristão poderia permanecer surdo ao grito que brota do fundo da humanidade e que, no mundo de um Deus justo, chama à justiça e
à fraternidade”?57 A ideia de justiça social é um dos indicadores que definem o campo de atuação dos consagrados seculares. É por isso que preferimos utilizar o termo inserção
sociopolítica. Acreditamos que a inserção sociopolítica seja mais precisa do que a expressão presença no mundo. A Conferência situa os Institutos Seculares nesse contexto.58
A partir daí, nos diferentes espaços, a Igreja teria que buscar novas metodologias, obviamente, sem obscurecer o evangelho. No discurso proferido aos bispos do CELAM,
em novembro de 1965, Paulo VI acentuou a necessidade do planejamento pastoral, uma exigência dos tempos. “A atividade pastoral não pode se processar às cegas. O Apóstolo
não corre no encalço do incerto e bate no ar” (cf. l Coríntios 9, 26). A unidade da ação pastoral pressupõe critérios definidos de avaliação permanente. A ideia de planejamento já
aparece na organização dos bispos latino-americanos.
Era necessário estudar atentamente a adequação e eficiência das estruturas pastorais na cidade e no campo, tornar as comunidades das regiões urbanas centros de irradiação
da vida cristã. O planejamento exigia a colaboração de especialistas, teólogos e sociólogos que pudessem capacitar agentes de pastoral, sacerdotes, catequistas, religiosos,
consagrados e leigos. Tais preocupações visavam conhecer melhor os múltiplos clamores da realidade que desafiavam a ação pastoral na América Latina. Os temas mais agudos
eram o êxodo rural, as migrações internas, a explosão demográfica urbana, o crescimento das periferias e a falta de moradia, de saneamento básico, trabalho e transporte.
Os fiéis católicos, por sua vez, mesmo numerosos, ainda se encontravam longe da maturidade da fé, pela insuficiência de conhecimento dos princípios que orientam uma
prática cristã mais consistente. A preparação deveria incluir o conhecimento dos princípios sólidos da espiritualidade e das situações e urgências do trabalho pastoral,
fundamentado no estudo dos dados sociológicos dos espaços de ação. A nosso juízo, este deve ser o itinerário formativo para a missão dos membros dos Institutos Seculares (cf.
DRJ, n. 34b).

Medellín

A II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Medellín, de 26 de agosto a 04 de setembro de 1968, impulsionou as comunidades eclesiais de base,
a ação a favor dos direitos dos pobres e a denúncia da violência contra os humildes. Procurou articular a Igreja e os movimentos populares, promover a maturação da consciência
política e engajar a Igreja na libertação do Continente.
Medellín destacou a necessidade de uma ação pastoral conjunta. A Igreja precisava “intensificar sua unidade e ação pastoral através de estruturas visíveis, adaptadas às novas
condições do continente” (DM, p. 8). A novidade de Medellín foi a busca de descobrir a ideia e a prática da justiça e da paz.
A Igreja é constituída de comunhão e diversidade de carismas, serviços e funções. Pelo batismo, o leigo participa das funções profética, sacerdotal e real de Cristo. Sua
missão eclesial acontece no mundo, como partícipe da construção da história, no âmbito da história da salvação (cf. DM, X, 2.2). A singularidade de sua vocação é o compromisso
com o mundo, “entendido como quadro de solidariedade humana, como trama dos acontecimentos e fatos significativos, em uma palavra, como história” (DM, X, 2.3). Leva em
conta o cotidiano, o mundo do trabalho, da família, da comunicação e da educação, espaços onde se materializam as experiências de solidariedade, fontes de oração e
espiritualidade. É neles que os leigos buscam dar testemunho de Jesus.
O agir do leigo está voltado para as ações em que estão envolvidos todos os homens e mulheres, em vista do desenvolvimento das pessoas, da construção da justiça e da paz,
enfim de uma civilização. Este compromisso não nega as circunstâncias próprias do momento histórico, os sinais de libertação, humanização e desenvolvimento (DM, X, 2.3). É
bom enfatizar a autonomia e a responsabilidade do leigo, consciente das exigências da fé, de optar pelos compromissos sociais, políticos, culturais e profissionais que deve
assumir. “Cumpram os leigos melhor suas missões específicas, à luz da sabedoria cristã e com a observância atenta da doutrina do Magistério” (GS, n. 43, apud DM, X, 2.3).
Paulo VI descreve a autonomia e a responsabilidade do cristão em colaborar com a formação de um pensamento ético enraizado no evangelho, que afete as estruturas sociais
e políticas, e orienta que os leigos dos países mais ricos sejam solidários com os países mais pobres, na construção da justiça social.59 “Aos leigos, por sua livre iniciativa e sem
esperar passivamente ordens e diretrizes, pertence impregnar de espírito cristão a mentalidade, os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem” (PAULO VI,
PP apud DM, X, 2.3).
Em relação especificamente aos Institutos Seculares, Medellín traz apontamentos que reforçam a Provida, no sentido de uma presença evangélica transformadora e,
acrescentamos, de uma inserção sociopolítica no mundo, para ajudar o mundo a encontrar o caminho da salvação em Jesus Cristo. Enfim, quando fala da justiça, da paz, da
libertação e do papel dos leigos, Medellín deixa mais forte os traços eclesiológicos presentes nos documentos fundantes dos Institutos Seculares. Por esta perspectiva, os leigos
ganham força como agentes de transformação e ampliam sua potência evangelizadora, quando

homens e mulheres que conservam sua condição leiga, se consagram ao Senhor [...] nos institutos seculares. Para que [...] possam cumprir sua missão específica
na América Latina de hoje, é necessário que valorizem seu papel de leigos consagrados e consigam uma inserção mais profunda no laicato do Povo de Deus. Por meio
de diversas formas de presença em pequenas comunidades que vivem do próprio trabalho, [...] serão o fermento na massa. Por suas tarefas apostólicas e profissionais,
comunitárias ou pessoais, hão de ser um apoio eficaz para os leigos que trabalham nas mesmas atividades (DM, 12, n. 26.27).

Gostaríamos de reforçar uma novidade nas entrelinhas do Documento de Medellín. Não há como ficar fora do mundo, só não somos do mundo. Não estamos falando de uma
simples presença no mundo, mas de uma inserção sociopolítica fundada na justiça e na paz, para se contrapor às estruturas de exploração e aos mecanismos que comprometem,
paralisam ou destroem a vida. Jesus nos pede para rogarmos ao Pai que nos livre do mal e não nos deixe cair em tentação. Da experiência de Jesus e da Igreja, podemos dizer que
uma inserção sociopolítica requer intencionalidade, método, reflexão, meditação e oração.

Puebla

A III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Puebla, no México, de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979, abordou o tema: Evangelização no
Presente e no Futuro da América Latina. Puebla retomou os princípios de Medellín e chamou atenção para a comunhão e a participação. As urgências apontadas no texto foram a
defesa dos direitos fundamentais e a proclamação da dignidade da pessoa humana, traduzidas como opção preferencial pelos pobres e pela juventude.
Puebla fortaleceu as comunidades eclesiais de base. Elas devem promover a justiça como parte integrante da evangelização, apresentar aos jovens o Cristo vivo, educar para
a liberdade, construir uma sociedade pluralista, projetar a civilização do amor e fortalecer a família. Por essa perspectiva eclesiológica, o evangelho é um acontecimento atual e
presente em toda a sua vitalidade e força, como no início, e deve envolver todos aqueles que optam pelas tarefas que a ação pastoral e o serviço da comunidade exigem, famílias,
jovens, dirigentes políticos e sindicais, empresários, cooperativas, artistas, intelectuais, professores, trabalhadores sociais, operários, pesquisadores, funcionários públicos...
Em cada Conferência, o rosto do ser consagrado secular vai ficando mais explícito, como uma articulação entre dois rios – o rio da secularização e o rio da consagração –
num só leito. A característica da consagração em Puebla é o seguimento radical a Jesus Cristo. Os consagrados e consagradas seculares devem cuidar para nunca se esquecerem de
manter uma clara noção do valor da vida consagrada, numa visão profunda de fé, que se alimenta na oração enraizada na Palavra de Deus (DP, n. 742).
A Conferência de Puebla chama atenção para os Institutos Seculares (cf. DP, n. 774-776). Eles devem enfrentar a secularização, sem se deixar afetar pelo secularismo que
nega a presença de Deus. São chamados a viver nas áreas de conflito e nelas dar testemunho, como um novo jeito de viver o martírio, numa doação cotidiana da vida. Aprendem
com o Mestre a caminho de Jerusalém, dispostos a viver o martírio no cotidiano, antes de chegarem à Jerusalém, ou a Roma, como Pedro, Paulo e os mártires dos primeiros
séculos do cristianismo.
Mais uma vez, reforçamos a importância da inserção sociopolítica no mundo, não como um terrorista, ou mesmo como um revolucionário fundamentalista, mas como
alguém que, comprometido com o projeto do Pai, faz a revolução do amor e da compaixão (cf. Mateus 9, 36). Apesar das dificuldades, o consagrado secular e a consagrada secular
buscam viver a plenitude da filiação divina, em vista da construção da civilização do amor, que recusa todas as formas de violência, de dominação, de egoísmo e exploração. Para
desconstruir a cultura líquida que esvazia a dignidade humana, os discípulos e discípulas buscam se identificar cada vez mais com Cristo, que nos deu o novo mandamento do
amor (João 15, 12).
A civilização do amor, radicada no evangelho, propõe o diálogo, o perdão, a partilha, a solidariedade, a escuta do outro, o encontro, a renúncia, o entendimento, a paz, a
justiça. A partir do cotidiano, ela constrói pontes, integra pessoas e grupos. Em síntese, “a civilização do amor rejeita a sujeição e a dependência tão prejudiciais à dignidade
da América Latina. [...] É fraternalmente que queremos viver com todos [...] Neste espírito cresceremos unidos como irmãos e membros da mesma família universal” (DP,
Mensagem aos Povos da América Latina, n. 8).
O Espírito Santo sempre despertou novas experiências e jeitos de ser Igreja na América Latina. No caso brasileiro, por exemplo, os jesuítas Nóbrega e São José de Anchieta
foram os primeiros catequistas. No século XX, o mesmo Espírito motivou um jeito novo de viver a radicalidade do batismo, representado pelos Institutos Seculares, com a missão
de testemunhar os valores do Reino de Deus em meio a um mundo complexo, de tensões entre o bem e o mal, entre o projeto de Deus e o projeto de destruição da obra da criação.
“Ao situarem-se em pleno foco do conflito, tais institutos podem significar uma valiosa contribuição pastoral para o futuro e ajudar a abrir novos caminhos de validade geral para
o povo de Deus” (DP, n. 775).
Viver a autêntica secularização cristã e a plena sintonia com a misericórdia de Deus. É este o espírito da consagração. É estar no mundo como espelho que reflete a vontade
de Deus, sem se desligar do projeto de Deus (cf. DP, n. 774-775). Não importa se a cultura é rural ou urbana ou digital ou de guerra. Deus sempre está presente em todas as
situações. Com a ajuda do Espírito Santo, o consagrado secular desvela essa presença. É como a experiência bíblica de Elias, de São José, de Maria, de Isabel, João Batista... Na
tradição latino-americana, como as experiências de José de Anchieta, Rosa de Lima, Francisco Solano, Luís Beltrán, Antônio Galvão, Martinho de Porres, Pedro Claver, Nhá
Chica, Dulce dos Pobres e tantos outros santos e santas que doaram a vida em nome de Jesus Cristo. Os consagrados seculares são chamados a ser “santos de vida oculta”, imersos
na labuta de cada dia, entre conflitos e tensões.
A cultura da sociedade líquida tende a enfraquecer a cultura cristã, seduz homens e mulheres para uma cultura do descartável. O desafio é descobrir de que forma
os Institutos Seculares contribuirão na América Latina para superar as crises do nosso tempo e o contágio do secularismo. Os riscos envolvidos em seu modo de vida deverão
mover as Conferências dos Institutos Seculares a promover momentos de formação e espiritualidade, por se tratar de uma vocação que está muito exposta às truculências e
turbulências da sociedade líquida (cf. DP, n. 776). Puebla convoca todos os consagrados e consagradas a renovarem a vitalidade missionária e a fidelidade ao carisma original.

Santo Domingo

A IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, sobre a nova evangelização, a promoção humana e a cultura cristã, reunida em Santo Domingo, de 12 a 28 de
outubro de 1992, destacou a questão da inculturação do evangelho. Mostrou que participar da Igreja como agente de evangelização, com espírito de justiça, serviço e caridade,
contribui para a formação de um mundo mais fraterno e humano. A evangelização se empenha em compreender as novas concepções de mundo, a mentalidade e a multiplicidade
de visões religiosas, as teorias, atitudes e práticas sociais que procuram desvalorizar e desacreditar o evangelho. Ela deve iluminar as culturas a partir do evangelho, chegar a todos
os níveis da vida humana para torná-la mais digna.
Dentre as urgências da América Latina, Santo Domingo enfatizou o protagonismo dos leigos na nova evangelização. Os leigos devem se empenhar na busca da santidade e
no exercício de sua missão (cf. DSD, n. 27). A IV Conferência explicitou a experiência dos Institutos Seculares que, “por sua consagração, buscam harmonizar os valores
autênticos do mundo contemporâneo com o seguimento de Jesus vivido a partir da secularidade” (DSD, n. 87).
A expectativa de Santo Domingo é que os Institutos Seculares ocupem um lugar de destaque no trabalho da nova evangelização, para a promoção humana e a inculturação
do evangelho. A missão do consagrado secular está “sob o signo da esperança que vem do Cristo Ressuscitado [...], esperança que se apoia nas promessas de Deus, na fidelidade à
sua palavra e que tem como certeza inquebrantável a ressurreição de Cristo” (DSD, Discurso Inaugural, n. 25).
A Conferência de Santo Domingo explicita que o evangelho não se identifica com nenhuma cultura. Ele inspira, transforma e enriquece a cultura com os valores cristãos.
Daí a necessidade da evangelização da cultura. Inspirados por esse princípio, consagrados e consagradas seculares se perguntam: – “Quem nos libertará dos sinais de morte
presentes na cultura latino-americana?” E de uma coisa têm clareza – as ideologias não são capazes de derrotar o mal. O único que pode libertar do mal é o Pai, em Jesus Cristo
(DSD, Discurso Inaugural, n. 19).
Os Institutos Seculares se situam em meio aos discípulos do Cordeiro, convocados pela Palavra, que a todos santifica por seu Espírito (cf. DSD, n. 32). Têm como principal
tarefa o anúncio e o testemunho do evangelho. A comunidade dos discípulos acredita e contempla Jesus Cristo, centro do desígnio amoroso de Deus, com olhar de fé (cf. DSD, n.
3). Os princípios da fé do consagrado secular aparecem na profissão de fé de Santo Domingo. Cristo é nossa esperança e o único Mestre. Ele é o evangelho vivo (cf. DSD, n.
8, 4-15).
Cabe destacar que a América Latina não é homogênea, tem múltiplas forças, mais alinhadas ao evangelho e à doutrina social da Igreja, ou mais distantes, ou, ainda, que
negam radicalmente o evangelho. É neste oceano de diferentes contradições que a Igreja é chamada a dar testemunho. De modo particular, pelos consagrados na secularidade.

Aparecida

A V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada de 13 a 31 de maio de 2007, na cidade de Aparecida, se propôs “a grande tarefa de proteger
e alimentar a fé do povo de Deus e recordar [...] aos fiéis [...] que são chamados a ser discípulos e missionários de Jesus” (DAp, n. 10). O Documento centraliza sua reflexão em
meio “às luzes e sombras do nosso tempo” (DAp, n. 20).
Nos novos tempos da América Latina, tudo se transforma, cada vez mais, em mercadoria, desde a própria religião até as questões ecológicas. Tudo está a serviço do
mercado, e talvez seja essa a maior idolatria da América Latina. O mercado assume o lugar de Deus. Os templos do deus-mercado são os bancos, a bolsa de valores, as mídias e os
shoppings. O sinal de conversão para o deus-mercado é o consumismo. E a marca que persiste em toda a história do Continente é a desigualdade social.
Quase tudo circula em torno do capital financeiro. Derruba governantes, líderes religiosos, comunitários e políticos. Os partidos políticos e mesmo a religião e a ética são
corrompidos pelo capital, que migra facilmente de uma para outra região. Na globalização, o mercado ganhou prioridade e uma relevância jamais observada na história.
A globalização impactou a América Latina nas formas de pensar, agir e se organizar e nas diferentes dimensões da vida – subjetivas, geopolíticas, econômicas, culturais,
religiosas, midiáticas... Novos grupos religiosos de matriz cristã e de outras cosmovisões respondem às novas dinâmicas do mercado.

Tal como está configurada atualmente, a globalização, não é capaz de interpretar e reagir em função de valores objetivos que se encontram além do mercado e que
constituem o mais importante da vida humana: a verdade, a justiça, o amor, e muito especialmente, a dignidade e os direitos de todos, inclusive daqueles que vivem à
margem do próprio mercado (DAp, n. 61).

O fenômeno da globalização recriou novos rostos, novos sujeitos, à deriva, explorados pelo mercado, e isto fortalece a desigualdade social. Entre eles estão a população em
situação de rua, os índios, as mulheres, os afrodescendentes, os desempregados, os desalentados, os jovens, pobres, migrantes, sem-terra, crianças e adolescentes submetidos à
prostituição pelo turismo sexual, os dependentes das substâncias psicoativas, as pessoas com limitações físicas, os enfermos e deficientes, os idosos, os encarcerados, as vítimas
de violência, e a prática comum do aborto. Esses rostos, sujeitos e atitudes denunciam as práticas de injustiça.

Uma globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo
novo: da exclusão social. Com ela o pertencimento à sociedade na qual se vive fica afetado pela raiz, pois já não se está abaixo, na periferia ou sem poder, mas se está
de fora. Os excluídos não são somente explorados, mas supérfluos e descartáveis (DAp, n. 65).

Dentro desse cenário, existe ainda a escassez de água e matéria prima para o mundo todo. O Continente Latino-Americano aparece como uma saída. Contém uma das
maiores biodiversidades do Planeta, pródiga em recursos naturais e possibilidades de pesquisas, além de contar com um povo produtor de um saber ligado à natureza. O mercado
tudo faz para tornar essa riqueza “objeto de apropriação intelectual ilícita, sendo patenteado por indústrias farmacêuticas e de biogenética, gerando vulnerabilidade dos agricultores
e suas famílias que dependem desses recursos para sua sobrevivência” (DAp, n. 83).
A política da biodiversidade no Brasil está articulada com uma política de genocídio e fortalece a desigualdade social e a fome. Tradicionalmente, na política brasileira, a
terra é tratada como propriedade privada e não como um bem. Os bens essenciais para a vida são convertidos em mercadoria segundo a lógica do capital financeiro e não segundo
a lógica da vida. Esses bens se tornaram mercadoria negociável, a ponto de serem “disputados pelas grandes potências” (DAp, n. 84).
Na era da sociedade líquida, ganha corpo a filosofia do consumismo, pela qual a vida é descartável. Vivemos uma cultura do culto aos objetos, em detrimento do respeito à
vida. Neste contexto, novas perguntas – “Que Deus nós adoramos? Que Deus procuramos?” – encontram a resposta em Jesus. O Deus que procuramos é o da justiça e do amor. É
um Deus que não é líquido, é absoluto. Não se submete à injustiça. É um Deus infinitamente maior do que as contingências e experiências humanas. Não é formatado dentro dos
nossos projetos e não é fruto da criação humana.
A filosofia do consumismo submete a vida humana à mercadoria, que passa a ocupar o lugar de Deus. Está aí a idolatria. Até as igrejas praticam a idolatria, quando fazem da
prática da fé um negócio. Essa questão já era tratada por Jesus: – “Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro, ou o templo que santifica o ouro?” (Mateus 23, 17). No
evangelho, Jesus faz contínuos questionamentos sobre o lugar do mercado, o lugar da vida e o lugar de Deus.

O Senhor que nos convida a valorizar as coisas e a progredir, também nos previne sobre a obsessão por acumular: – “Não amontoem tesouros nesta terra”
(Mateus 6, 19), “de que serve ao homem ganhar o mundo, mas perder a sua vida?” (Mateus 16, 26). Jesus Cristo nos oferece muito, inclusive muito mais do que
esperamos. À Samaritana, ele dá mais do que a água do poço. À multidão faminta ele oferece mais do que o alívio da fome (DAp, n. 357).

Jesus nos apresenta a Cruz. Em contrapartida, o cotidiano nos oferece espaços de lazer, de autossatisfação individualista, de aquisição de diferentes produtos supérfluos. E
nos deixamos envolver, seduzir e contagiar pelo consumismo.

Por isso, nossa opção pelos pobres corre o risco de ficar em um plano teórico ou meramente emotivo, sem verdadeira incidência em nossos comportamentos e em
nossas decisões. É necessária uma atitude permanente que se manifeste em opções e gestos concretos, e evite toda atitude paternalista (cf. DAp, n. 397).

O Documento de Aparecida reitera que a consagração é um dom de Deus, “um caminho de especial seguimento de Cristo, no qual cada um deve se dedicar a ele com um
coração indivisível e colocar-se, como ele, a serviço de Deus e da humanidade” (DAp, n. 216). A consagração secular é um jeito de ser Igreja no mundo. Apesar de permanecer
numa sociedade líquida, o consagrado secular é uma pessoa de comunhão, inserido numa Igreja Particular, numa situação definida, junto com as outras pessoas que têm suas
alegrias, tristezas, decepções, trabalhos... enfim, as mesmas preocupações dos homens e mulheres comuns, de acordo com seu grupo social (cf. DAp, n. 218).
Cada consagrado e consagrada secular tem um jeito peculiar de desempenhar sua missão. Mas deve sempre cuidar da comunhão com seus pastores, com seu Instituto. Cada
lugar que frequenta deve ser espaço de testemunho e anúncio explícito do evangelho, de acordo com o carisma do seu Instituto. Nesse contexto é que desenvolve a missão de
tornar o Cristo conhecido, amado e servido. A missão tem como foco formar discípulos missionários que contribuam para a construção de uma sociedade orientada para a justiça,
a liberdade, a paz e a dignidade da pessoa humana (cf. DAp, n. 217).
No Continente Latino-Americano, colorido por diferentes matizes de secularismo, num contexto e numa perspectiva em que as gramáticas se misturam, o lobo pode se
apresentar como cordeiro e os demônios como profetas do Senhor. Em síntese, é um mundo escorregadio, em que as coisas são transitórias e fugazes. Neste mundo sedutor e
inseguro, de respostas imediatas e superficiais, o consagrado secular é chamado a

[...] dar testemunho da absoluta primazia de Deus e de seu reino. A vida consagrada se converte em testemunha do Deus da vida em uma realidade que relativiza seu
valor (obediência), é testemunha de liberdade frente ao mercado e às riquezas que valorizam as pessoas pelo ter (pobreza), e é testemunha de uma entrega no amor
radical e livre a Deus e à humanidade, frente à erotização e banalização das relações (castidade) (DAp, n. 219).

Aparecida desenha um rosto da consagração secular como de pessoas apaixonadas pela trilha de Jesus, com uma característica profundamente mística, sem perder sua
ligação com as coisas simples e humildes do cotidiano. É neste espaço que Deus e a humanidade se encontram e as pessoas vivem um processo de santificação (cf. DAp, n. 220).
O que encanta na consagração secular é o testemunho de que a Igreja, assim como Jesus, não abandona o mundo. A Igreja ajuda o mundo, especialmente na América Latina,
a descobrir o jeito de ser gente, de ser humano, de ser cristão. No contexto de mercadorização das relações humanas e da relativização dos valores, a vida consagrada dá
testemunho do Deus da Vida (cf. DAp, n. 219). A história é rica de experiências de homens e mulheres que, por meio da Igreja, entregaram a vida a Jesus Cristo. Cabe destacar
que muitos dos mártires latino-americanos são leigos e catequistas...
Pessoas e grupos querem derreter a lógica do evangelho e as moções do Espírito Santo, para adaptá-las à lógica do mercado e responder às exigências do capital financeiro.
Mas o testemunho dos consagrados seculares não é um respingar e nem um gotejar do evangelho. Nasce de um encontro sólido com Jesus Cristo, por uma perspectiva do encontro
com o Pai. Tem, portanto, um caráter concreto, duradouro.
O capital assume, em nosso tempo, o lugar de Deus e a política ocupa o lugar do Espírito Santo. Esta é a idolatria do nosso tempo. Ela corrói a dignidade da vida e pratica a
hipocrisia como algo essencial. Daqui brota a provocação que discípulos e discípulas têm que enfrentar, ser testemunhas dos valores radicais do evangelho na sociedade líquida e
aproveitar as situações como um momento profundo de oração. Como uma oferta, como uma oblação ao Senhor. O consagrado faz suas preces a partir de suas experiências de
vida e oferece suas orações pelo bem da Igreja e do seu Instituto (cf. DAp, n. 221).
A cada dia, o Espírito Santo recria e renova o jeito de viver a consagração secular a partir dos carismas. Cada consagrado e cada Instituto têm de se voltar para o carisma do
fundador. Para não se perderem diante dos desafios que têm que superar, sabem que é necessário cuidar da animação vocacional e da formação inicial e permanente, numa
autêntica comunhão com a Igreja (cf. DAp, n. 222-223). O coração do consagrado tem o desejo de escutar, acolher e servir, de dar testemunho dos valores do Reino e apontar para
uma nova sociedade, fundada em Cristo (cf. DAp, n. 224), para uma nova Jerusalém, cujo centro é a Trindade (cf. Apocalipse 21).
Pari passu, os Institutos Seculares organizaram Congressos Latino-Americanos para buscar respostas a suas inquietações e necessidades, e promover ações de inserção
sociopolítica. Desde o I Congresso, realizado em 1975, no Rio de Janeiro, até o XII, em Buenos Aires, em 2018, uma das preocupações da Cisal, Conferência dos Institutos
Seculares da América Latina e do Caribe, foi aprofundar sua identidade eclesial com bases teológicas, canônicas e sociológicas. Os conteúdos que gravitaram nesses Congressos
são muito ricos e falam diretamente à realidade dos homens e mulheres consagrados seculares na América Latina e no Caribe.
No I Congresso Latino-Americano, apareceram algumas preocupações que retomam questões de quase todos os documentos da Igreja, mas de forma cotidiana. Um dos
temas foi a atuação dos Institutos Seculares na América Latina. A importância do texto foi apresentar uma síntese de trinta questionários, cada um deles com 13 perguntas. Na
ocasião, a autora destacou que os Institutos em geral eram pouco conhecidos na América Latina, ainda com uma identidade frágil.

Consagrado em pleno mundo, consagra ao Pai este mesmo mundo. Os Institutos precisam fazer com que este caráter secular se reflita em sua espiritualidade, ascese e
pedagogia; na estrutura, na forma externa, nas atitudes. [...]. Os Institutos lutam, também, com sua própria insegurança, pois ainda buscam sua verdadeira fisionomia.
Para um certo número, a orientação mais secular é mal compreendida. Outros mantêm certo fechamento, com a não adequação às necessidades atuais. (INSTITUTO
SECULAR CATEQUISTAS DE SÃO JOSÉ, 1975, p. 645-649).

Uma outra questão foi a dificuldade de formular uma metodologia que ajude as pessoas consagradas a viver a secularidade na liberdade, em pleno mundo. Nesse sentido, a
formação é essencial.
No decorrer dos eventos da Cisal, houve sempre a participação de representantes dos diferentes organismos da Igreja. O I Congresso contou com a presença do Secretário da
Sagrada Congregação, Dom Mario Albertini. No II Congresso, o Cardeal Pironio, Prefeito da mesma Congregação, destacou que a identidade dos Institutos Seculares é simples. É
uma secularidade consagrada que contém dois aspectos de uma mesma vocação divina (PIRÓNIO, 1979, p. 90). São ambos essenciais e interligados.
No XII Congresso, a mensagem do Papa Francisco enfatizou que o Espírito Santo impulsiona o consagrado secular a sair de si e ir ao encontro dos mais necessitados. Nesta
diteção, D. João de Aviz, Cardeal Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, expressou o desejo de que os Institutos
Seculares sejam conhecidos em toda a Igreja no Continente. A secularidade consagrada traz o potencial de um autêntico testemunho, ainda que seja discreto e na simplicidade, é
um fermento na massa. Diante disso, espera o Cardeal que se “fomente
seu desenvolvimento”. 60
Mulheres e homens consagrados seculares são vocacionados a contemplar com profundidade a realidade laical em que se movem, vivem e partilham dores, sentimentos e
emoções, onde assumem a encarnação, como fez Jesus. Esta é uma inserção sociopolítica viva, vibrante, que busca o encontro com o outro, segundo o desígnio de Deus. Diante da
corrupção, dos sofrimentos, da morte, da negação da vida, à luz da esperança em Cristo, podem levar uma mensagem de transformação, por meio do testemunho de uma presença
simples e operosa de Jesus.

[...] “permanecer” no mundo é resultado de uma opção, é uma resposta a um chamado específico: é assumir esta dimensão do estar dentro, do estar próximo, do olhar o
mundo como uma realidade teológico-espiritual, na qual se entrelaçam a dimensão histórica e a dimensão escatológica. Isto requer um notável desenvolvimento dessa
qualidade humana, tão proclamada hoje, que é a capacidade de “coparticipação”, de corresponsabilidade. Uma participação responsável e generosa, que poderíamos
definir, com uma expressão mais simples, como a capacidade de saber viver dentro [...]. 61

As Conferências Latino-Americanas e do Caribe demonstram que as sementes plantadas pelo Pe. Gemelli, a Provida Mater, o Primo Feliciter, a Perfectae Caritatis e pelos
testemunhos preciosos de membros de Institutos Seculares estão vivas e dando flores e frutos.

5.2. Novos ares no Continente

Nestas pequenas reflexões sobre as Conferências Episcopais não tivemos a preocupação de apresentar os embates teológicos e eclesiológicos, apenas de constatar o modo
pelo qual os Institutos Seculares estão situados em cada uma delas. Sabemos que cada documento é uma síntese e, como tal, é um consenso. Muitas vozes permanecem nas
entrelinhas do texto e, a qualquer momento, podem ressurgir com mais ou menos força e encontrar eco na história e na caminhada da Igreja.
As Conferências Episcopais Latino-Americanas foram formatando, no decorrer dos anos, uma eclesiologia que aproximasse Jesus Cristo, a cultura, os discípulos e o povo.
Nessa tessitura, foi-se forjando um rosto do laicato e do ser consagrado secular. São expressões que explicitam o reino de Deus no mundo e também uma forma de penetração
cultural, valorizando os elementos de uma cultura da vida que está presente nas diferentes manifestações do povo latino-americano.
Não se trata de um processo de colonização, mas de um jeito novo de descobrir os sinais da presença do Reino de Deus nas diferentes culturas. Esta eclesiologia fortalece o
desenvolvimento da consagração secular como estado de perfeição preconizado pela primeira vez na Provida Mater Ecclesia. O Papa Francisco ratifica esta eclesiologia, quando
afirma que o ser consagrado está ali onde a salvação e a santificação acontecem.62
As Conferências Episcopais analisaram as modificações crescentes e desafiantes dos centros urbanos, tais como o pluralismo religioso, a cultura digital e a emergência de
movimentos religiosos pentecostais e neopentecostais, com forte impacto sobre a religiosidade popular. Nessa trilha, a Igreja teve que rever e reestruturar estratégias de ação.
Neste cenário, discípulos e discípulas, de modo particular os consagrados seculares, são chamados a testemunhar e anunciar que “a alegria do evangelho enche o coração e a vida
inteira daqueles que se encontram com Jesus. [...] Com Jesus Cristo, sempre nasce e renasce a alegria” (EG, n. 1).
A Conferência de Aparecida forneceu à Igreja subsídios para enfrentar a dinâmica do nosso tempo e a turbulência da cultura do consumismo. As Conferências Episcopais
reatualizam os documentos do Vaticano II e ajudam a encontrar um caminho de diálogo com o mundo. Em breves palavras, estamos hoje

diante de uma situação nova na história, porque temos que ser libertados de uma sociedade rica, poderosa e que funciona relativamente bem. O problema que
enfrentamos é a necessidade de nos libertarmos de uma sociedade que desenvolve em grande medida as necessidades materiais e mesmo culturais do homem – uma
sociedade que, para usar o slogan, cumpre o que prometeu a uma parte crescente da população. E isso implica que enfrentamos a libertação de uma sociedade na qual a
libertação não conta com uma base de massas (BAUMAN, 2001, p. 23).

De um lado, é uma sociedade em busca de resolver todas os carecimentos..., saúde, educação, alimentação... Por outro lado, permanecem e até se ampliam a fome e o grau de
perversidade humana. Os ricos, cada vez mais ricos, com acesso incondicional aos bens materiais e simbólicos, em excesso. Os pobres, com acesso restrito aos bens produzidos,
ou nenhum. A valorização vem do ter, mais e mais.
Numa economia líquida, aumentam a falta de trabalho, o desemprego juvenil e a precariedade e transitoriedade dos vínculos. O mal-estar decorrente pode levar à amargura
do coração, à dependência ou ao suicídio, ou motivar o jovem a se alistar, por exemplo, num exército terrorista ou a praticar atos ilícitos...63 A base das relações não está somente
nos afetos e sim no que o sujeito pode ganhar. O desafio é desenvolver mecanismos para que a sociedade líquida não destrua a vida humana e o Planeta. Por outra perspectiva,
temos que descobrir meios de anunciar e testemunhar o evangelho nesta nova realidade.
A vida consagrada nos coloca num debate sobre o que é ser livre, como fazer uma experiência de liberdade, libertar-nos do quê? A liberdade que a cultura e a filosofia
do consumismo propõem chega a negar a própria essência da liberdade e torna os homens e as mulheres escravos. O evangelho convoca os discípulos e as discípulas,
especialmente os consagrados, a dar testemunho da verdadeira liberdade ou do processo de libertação. Mesmo em meio a uma cultura e a uma filosofia do consumismo,
avassaladoras, que destroem a vida humana e o Planeta, os consagrados seculares não perdem a alegria, porque sua esperança está no evangelho.
A busca da liberdade, a nosso juízo, tem necessariamente que discutir o que é o mal e enfrentar as práticas do mal. É assim a oração do Pai Nosso: que nos livre do mal e não
nos deixe cair no mal. A liberdade do ser consagrado é fazer a vontade do Pai e não seguir os imperativos da sociedade líquida. A única forma de lidar com um projeto de vida
circunscrito numa eclesiologia de diálogo com o mundo é admitir que não podemos interromper o diálogo. Aqui, o diálogo aparece como uma atitude metodológica para a vida do
consagrado e para a ação pastoral e profissional. O diálogo busca formar uma tessitura social.

A cultura do diálogo implica um autêntico aprendizado, uma ascese que nos ajude a reconhecer o outro como um interlocutor válido; que nos permita olhar para o
forasteiro, o migrante, a pessoa que pertence a outra cultura como para um sujeito a ser escutado, considerado e apreciado. É urgente, para nós, hoje, envolver todos os
atores sociais na promoção de uma cultura que privilegie o diálogo como forma de encontro, levando adiante a busca de consenso e de acordos, mas sem a separar da
preocupação por uma sociedade justa, capaz de memória e sem exclusões (EG, n. 239).

O diálogo, enquanto atitude metodológica na ação pastoral, organizado por São João XXIII na Encíclica Pacem in Terris, espraiou-se no Concílio Vaticano II e faz eco até
os dias de hoje.
Pela perspectiva de Jesus, o consagrado secular tem que se colocar no mundo como construtor da paz e ajudar a Igreja a enfrentar as consequências práticas do
novo individualismo, o desvanecimento dos vínculos humanos e o definhamento da solidariedade, que estão gravados em um dos lados da moeda que traz do outro a
égide da globalização. Em sua forma atual, puramente negativa, a globalização é um processo parasitário e predatório que se alimenta da energia extraída dos corpos
dos Estados-Nação e de outros dispositivos de proteção... (BAUMAN, 2008, p. 189).

Na dinâmica de mudanças que constitui, cada vez mais, a realidade em que vivemos, vários questionamentos vêm à tona: – “O que e como devemos fazer nesta situação?
Como viver a consagração secular num contexto em que nos libertamos de um sistema rígido, mas nos aprisionamos num sistema abstrato, líquido, indefinido?”
As diretrizes da consagração secular nos protegem do modo de agir predatório e nos colocam na trilha da justiça e da caridade. Um ambiente inseguro tende a despertar o
medo. Medo de decidir, medo de viver, medo da violência, medo da doença... Essa força paralisadora se faz presente em todas as atividades da existência humana. Em
contrapartida, onde chega, o Senhor nos diz: – “Não tenham medo!” O ser consagrado é chamado a atravessar a sociedade líquida e a nela testemunhar, sem receio. Sua segurança
não está no mundo líquido e flexível, em devaneios e desvanecimentos, mas nas promessas do evangelho.
A agonia deste mundo, para o ser consagrado, só tem saída em Jesus Cristo. Assim como os discípulos viviam, na época de Jesus, uma realidade de temores, vivemos hoje,
na América Latina, uma situação semelhante com algumas singularidades. Esse temor, esse medo, nascem das estruturas sociais e mentais dos indivíduos, que produzem e
reproduzem sentimentos e sensações de insegurança, e reforçam situações de perigo. Às vezes, até negam o projeto de Deus.
No diálogo com Maria, o Anjo desloca da Mãe de Jesus a paralisação do medo. Diante da perplexidade de jovem, o anjo lhe diz: – “Não temas, Maria, pois encontraste graça
diante de Deus” (Lucas 1, 30). Cada consagrado e consagrada na América Latina é chamado a viver a experiência de acreditar e testemunhar a graça do Senhor e romper com as
amarras da paralisação, que desumanizam e levam a perder o compromisso com a missão e a intimidade com o Senhor.
Uma boa experiência para entendermos o itinerário do ser consagrado é a descrição que faz São Lucas do amor de Paulo Apóstolo à Palavra de Deus, à Eucaristia, à oração e
à missão. Paulo pede a cada um que cuide de si mesmo e das pessoas diante das quais o Espírito Santo o coloca como catequista e guardião; que não cobice prata, nem ouro, nem
poder, nem as vestes de ninguém. Esta narrativa (Atos dos Apóstolos, 20 e 21) nos ajuda a descobrir elementos para construir um jeito sociopolítico e pedagógico de presença no
mundo como consagrados, sem permitir que doutrinas perversas nos seduzam e arrastem para si.
Os consagrados seculares precisam estar conscientes de que evangelizar não é explicitar as teorias deste mundo. Devem tomar cuidado para que a oratória da filosofia
do consumismo não escamoteie ou obscureça a luz do evangelho. São Paulo assim se declarou a comunidade de Corinto: – “Cristo [...] me enviou para [...] pregar o evangelho; e
isso sem recorrer à habilidade da arte oratória, para que não se desvirtue a Cruz de Cristo” (1Coríntios 1, 17).
Lembramos, aqui, a vida de Santa Edith Stein (2011) e sua visão de que a fé se manifesta em conteúdos práticos. O conteúdo da Cruz deve brilhar em nossas vidas e se
transformar em atitudes. Nenhum consagrado secular pode agir por conta própria sem estar enraizado no seguimento de Cristo (cf. João 15, 5), movido pelas orientações da Igreja
e do próprio Instituto. Diante de um mundo impelido pela face pior de uma humanidade destituída de ética e fortalecida pela corrupção, a ação missionária tem por finalidade o
desentravamento do evangelho e da doutrina da Igreja. Homens e mulheres estão fascinados pelo dinheiro que lhes permite comprar tudo o que a cidade oferece, desde
alimentação, automóveis, trajes de grife, até o culto do corpo belo e “sarado”. A frequência às igrejas cede lugar aos clubes, academias e shoppings, sobretudo por parte da
juventude. A opção religiosa já não ocorre a partir da família e sim das inter-relações individuais.
O homem e a mulher de hoje agem muitas vezes como se Deus estivesse a serviço de seus benefícios pessoais, para responder às suas necessidades. A lei do menor esforço e
do maior ganho, se necessário à custa da eliminação da vida, interpela o cristão a testemunhar a gratuidade a serviço do reino de Deus. A lógica da gratuidade contraria a lei do
menor esforço e do maior ganho.
No Brasil, os Institutos Seculares têm uma história singular, mas semelhante à história dos demais países. A cultura brasileira é permeada por certo sentimento religioso.
Grupos, classes, segmentos do mercado, muitas vezes se apropriam desse sentimento e enganam a boa fé do povo. A cultura do coronelismo, da subserviência, cunhada por um
populismo circunscrito numa desigualdade quase sem fim, destrói processos civilizatórios e corrói as práticas e os sistemas religiosos.
A tradição da cultura política hegemônica brasileira, em toda a sua tradição, buscou e busca criminalizar e culpabilizar alguns grupos, como os pobres, os trabalhadores, os
negros, as mulheres, “os profissionais do sexo”, as diversidades. As decisões políticas são tomadas pelo alto, excluindo a população. A crise que percorre a história brasileira está
no campo das ideias e da produção. Ela se manifesta nas práticas de corrupção que dominam o mercado e a sociedade. Na retaguarda desse jogo, está a “elite do atraso”
(SOUSA, 2017) que manipula as ações e impossibilita o avanço civilizatório, em direção àquilo que o Papa Paulo VI chamou de “civilização do amor” ou à determinação de
Jesus: – “Eis que vou dou e vos deixo a paz” (João 14, 27).
Os consagrados seculares combatem a cultura da corrupção com a civilização do amor. A “elite do atraso” busca sempre humilhar a população, manter a desigualdade social
e o poder, a qualquer custo. Ela reforça, constantemente, a reprodução da relação “casa grande e senzala”, num ambiente escravocrata que condena, abandona e humilha as pessoas
em situação mais vulnerável social e economicamente. Este procedimento acaba por reproduzir, perpetuar, os padrões da sociabilidade escravagista e reforçar as múltiplas práticas
de violência, genocídio e exclusão social contra os pobres, despossuídos e desfiliados.
Para viver numa realidade como a brasileira, o consagrado secular tem que circunscrever sua missão no espírito de Pentecostes, que oferece um sentido da dignidade da
pessoa humana e da moral social. Este espírito ajuda a mediar e a superar os conflitos e as divisões entre pessoas, acolhe as diversidades e respeita identidades. “Foi a civilização
do amor e da paz que Pentecostes inaugurou. E todos sabemos, ainda hoje, que o mundo tem necessidade do amor e da paz!” (RC).
A Igreja na América Latina acredita que a melhor maneira de resolver os problemas humanos e construir a civilização do amor é abrir o diálogo entre todos, à luz do
evangelho, numa visão holística. A compreensão do ser humano pela Igreja é enquanto totalidade, numa abrangência de corpo, alma, coração, consciência, espírito e vontade. A
pessoa inteira é que deve ser salva. Esta prática, própria do consagrado secular, captura um dos ecos do Pentecostes originário e do Vaticano II. O surgimento dos Institutos
Seculares no Brasil faz parte desse sopro do Espírito, expressão do amor e da vivência dialógica da Trindade.
Nas entrelinhas dos documentos das Conferências Episcopais e na prática cotidiana da vida consagrada secular, não basta ter uma presença, é preciso ir além de uma simples
presença. A pedagogia da Encarnação mostra que Jesus não apenas esteve presente no mundo, ele agia de acordo com o plano do Pai. A inserção sociopolítica dos consagrados
seculares deve demonstrar seu compromisso com a Trindade, com a Igreja e as pessoas, no sentido de construir aqui e agora a nova Jerusalém.
A inserção sociopolítica é ser com o outro no mundo, dentro de uma opção preferencial pelos pobres, doentes, enfim, pelas pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Deve estar circunscrita na atitude metodológica do ver-julgar-agir-celebrar ou, ainda, nas discussões e orientações de Paulo VI, em direção à pastoral de conjunto. Mais ainda – é a
prática daquilo que o Papa Francisco chama de “Igreja em saída”, aberta e atuante em meio às múltiplas “periferias existenciais”.
Finalmente, a inserção sociopolítica ganha vitalidade e dá vitalidade à doutrina social da Igreja. Ela requer a participação como “dever a ser conscientemente exercitado por
todos, de modo responsável e em vista do bem comum”. Cada sujeito se coloca “como um verdadeiro ator da vida social e política” (CDSI, n. 189 e 191). Alguns autores preferem
o termo sociopastoral, que está próximo ao sociopolítico ou sociopedagógico, cuja característica é a de uma ação ou uma inserção social dentro dos parâmetros da doutrina social
da Igreja (cf. SOUZA NETO, 2007).
As Conferências dos Institutos Seculares no Brasil exercem o papel de explicitar e dar força ao significado próprio da consagração secular, ao sentido do pertencimento, à
natureza dos votos, à autonomia dos Institutos Seculares, à questão dos Institutos com pastorais específicas e de penetração, ao campo de atuação e surgimento de novas vocações.
Notas de Rodapé

1 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
2 PAROLIN, Pietro, Cardeal, Secretário de Estado. Mensagem aos participantes da Assembleia Geral da Conferência Mundial de Institutos Seculares.
Roma, 17 ago. 2016.
3 PAPA FRANCISCO. Mensagem aos participantes do Congresso dos Institutos Seculares italianos, por ocasião do 70º aniversário da Constituição
Apostólica Provida Mater Ecclesia, 23 out. 2017.
4 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970.
5 Carlos ÁVILA, poeta e jornalista. In: Folha de São Paulo, “Mais!” 14 maio 2000.
6 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
7 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
8 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970, p. 86.
9 Venerável Giuseppe Lazzati, consagrado secular, fundador do Instituto Secular Cristo Rei. cf. http://www.santiebeati.it/dettaglio/91539
10 CEDIS. Conferencia Española de Institutos Seculares. Consagración secularidad. Valencia: Edicep, 1996. p. 53-69.
11 Tradução livre, ver original: “Los I.S. comparten con los demás laicos esta especialización: cambiar el mundo desde dentro; especialización que se
refuerza, se sostiene y compromete por la consagración especial.”
12 PAPA JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Jubileu pelo 1950º Aniversário da Redenção, n. 3.
13 JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, n. 12.
14 PAPA JOÃO XXIII. Bula de convocação do Concílio, Humanae Salutis, 25 dez. 1961.
15 PAPA JOÃO XXIII. Gaudet Mater Ecclesia. Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 out. 1962, 7, 3.
16 São João Crisóstomo, citado em Lumen Gentium, n. 38 (386).
17 CASTELLS, Manuel. Disponível em: https://ibebrasil.org.br/areas-atuacao/cultura-digital/. Acesso em: 24 fev. 2020.
18 PAPA BENTO XVI. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2013.
19 PAPA FRANCISCO. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2014.
20 PAPA FRANCISCO. Discurso no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 2014. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/magisterio-da-igreja/francisco/.
21 O Código de Direito Canônico de 1983 inovou, eliminando a distinção ou dicotomia entre Ordens e Congregações religiosas. Tal distinção era feita
pelo critério de votos públicos, simples e privados. Na apresentação do novo Código, João Paulo II explicita que, de tempos em tempos, “a Igreja
reforma e renova as leis e a disciplina canônica”, a fim de expressar sua fidelidade ao Divino Mestre. Em síntese, a Igreja decidiu organizar a vida
consagrada no tópico “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”. O eixo condutor da vida consagrada são os
conselhos evangélicos, conforme cânones 573-577.
22 Cf.
https://books.google.com.br/books?id=-xJ4U2RQXHMC&pg=PA217&dq=santa+angela+de+merici&hl=pt-BR&sa=X&ei=QdwHUZ3yM9OC0QGhz4GgAw#v=o
Acesso em: 13 abr. 2020.
23 Tradução livre, segue texto original: Angela Merici respira a pleno pulmón la sana libertad del siglo y ve en esa misma libertad un campo y un
medio de conquista. Ella no quiere cerrarse en un claustro, sino vivir en médio del mundo; sus hijas vivirán en el seno de su família, llevando en
si mismas su claustro y sembrando por todas partes el “buen olor de Cristo”. Continuando la vida secular de su tiempo, ellas penetran en la
sociedad y la hacen un bien incalculable. Las circunstancias históricas favorecen maravillosamente tal iniciativa y la harán necesaria. [...] Otras
numerosas realizaciones merecerian ser subrayadas en el curso de los siglos passados, ya que innumerables fueron las almas que desearon
consagrarse a Dios y al apostolado quedando en el siglo, fermento en la massa, en el seno de la propia família, en las profesiones y en los
trabajos ordinários. (HUOT, 1968, p. 176).
24 PAPA FRANCISCO. Carta para o Evento “Economy of Francesco”. (ASSIS, mar. 2020). Este evento não se realizou devido à pandemia do Covid19.
cf. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html.
25 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/. Acesso em: 20 jun. 2020).
26 Disponível em: http://www.vatican.va/content/leo-xiii/la/apost_constitutions/documents/hf_l-xiii_apc_19001208_conditae-a-christo.html.
27 Documento da Sagrada Congregação sobre a vida consagrada. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_profile_it.html. Acesso em: abr. 2020.
28 Um esboço dessa síntese pode ser encontrado na Revista Diálogo, v. 17, n. 80/81, 1989.
29 CMIS. Revista Diálogo, n. 44, p. 63-67, mar./abr. 1980. Nesta Revista, encontram-se detalhamentos da história de Ângela Clavel.
30 Disponível em: www.crianca.mppr.mp.br/pagina-445.html. Acesso em: 22 maio 2020.
31 Cf. SENNET, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
32 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970. p. 86.
33 Cf. Lumen gentium e, se desejar aprofundamento, ver teólogos como Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph
Aloisius Ratzinger e o trabalho de Schillebeeckx, E., Cristo, sacramento de encontro com Deus. Petrópolis: Vozes, 1967.
34 Entre os peritos, estavam Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph Aloisius Ratzinger e Edward Cornelis Florentius
Alfonsus Schillebeeckx.
35 Cf. https://www.comunidadedeaprendizagem.com/uploads/materials/308/7b6d6c81dee37228ff26c1f332fe291b.pdf
36 Tradução livre, segue texto original: “El Instituto Secular es el reciente matrimonio del estado de perfección y del estado secular. Es un hallazgo
del Espíritu Santo que lleva el estado de perfección en médio del mundo.”
37 Tradução livre, segue texto original: “En el intermedio de este periodo, que va desde el Concilio Vaticano II hasta nuestros días, el Código
de Derecho Canónico del año 1983, en el Título III, ‘De los Institutos Seculares’, legisla sobre ellos en los cánones 710-730. La presencia en
el Código de la legislación sobre los Institutos Seculares es uno de los acontecimientos más importantes y significativos del nuevo texto legal,
pues, como hizo notar Pablo VI, se da una profunda y providencial coincidencia entre el carisma de los Institutos Seculares y una de las
realidades más importantes y claras del Concilio: la presencia de la Iglesia en el mundo. La vida consagrada secular es precisamente la
consagración de la secularidad, la unión indisoluble y esencial entre la vida secular y la vida consagrada por la profesión de los consejos
evangélicos, con la audaz misión de superar el dualismo Iglesia-Mundo, y de ser el ‘arquetipo de la presencia del Evangelio y de la Iglesia en el
siglo’”. cf. http://www.alianzajm.org/IMG/pdf/La_vocacion_de_la_consagracion_secular_en_la_Iglesia_.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
38 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970..
39 PAPA PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais e membros dos Institutos Seculares, no XXV aniversário da Provida Mater Ecclesia, em 2 de
fevereiro de 1972, tradução livre do espanhol.
40 PAPA JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes do Simpósio Internacional sobre a Provida Mater Ecclesia, em 1 de fevereiro de 1997.
41 PAPA JOÃO XXIII. “Il Tempio Massimo”. Carta sobre o empenho das religiosas pelo Concílio,1962.
42 PAPA BENTO XVI. Discurso aos participantes da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, por ocasião dos 60 anos da Provida Mater Ecclesia,
2007.
43 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, em maio de 2014.
44 Tradução livre, segue texto original: “Esto no está bien. El Concilio, que quiere ser pastoral en sus intentos y quiere manifestar al mundo la
perenne juventud y adaptabilidad de la Iglesia, habría debido hablar más ampliamente de los Institutos seculares: [...] los miembros de
los Institutos seculares no son laicos como los otros, ya que se han ofrecido totalmente a Cristo; se han comprometido, mediante
reconocimiento oficial de la Iglesia, a seguir los consejos evangélicos en la vida secular, se han convertido formalmente en consagrados en
virtud del voto o del juramento de castidad. Pero ni siquiera pueden ser catalogados entre los religiosos, pues la naturaleza de los Institutos
seculares difiere profundamente de la del estado religioso [...]; también su apostolado [...] ‘en el mundo pero como fuera de él’ [...] difiere del de
los religiosos en el objeto, en el método, en los modos. [...] la característica de tales Institutos es la ‘secularidad’, no sólo en el vestir, sino en
toda la mentalidad y modo de actuar. Por ello: se dedique a ellos un párrafo específico; se cambie el título del esquema, sustituyendo la presente
expresión por otra que comprenda también las personas consagradas a Dios, reconocidas como tales por la Iglesia, y que sin embargo no son
religiosos” (ALONSO, 2014, p. 556).
45 Tradução livre, segue texto original: “La intervención de Pablo VI respondía a las exigencias manifestadas por los mismos Institutos seculares y
representaba sin duda un remedio a una situación paradójica” (ALONSO, 2014, p. 559).
46 Tradução livre, segue texto original: “En el Decreto ‘De accomodata renovatione vitae religiosae’ se debe añadir algo a propósito del párrafo 11. En
efecto, por inadvertencia, faltan en el texto cuatro palabras. El Presidente da la Comisión ruega sean añadidas al texto cuatro palabras, desde el
momento que la Comisión siempre há desarrollado sus trabajos en tal línea. Incluyan, por tanto, los Padres en el texto del Decreto dichas
palabras, o tomen nota aparte por escrito. La votación que se hará hoy y la que se tendrá mañana delante del Sumo Pontífice, se hará sobre el
texto enmendado en tal sentido. Las palabras a añadir son éstas: ‘Los Intitutos Seculares, aunque no son Institutos religiosos, llevan consigo una
verdadera y completa’...” (BEYER, 1968, p. 63-64).
47 Podemos afirmar que esta forma de consagração na Igreja encontrou no Pe. Beyer o canonista e teólogo mais completo, tendo delineado
claramente sua especificidade. Doutor em Direito Canônico em 1961, com uma tese sobre os Institutos Seculares, autor de profundas e originais
visões sobre a natureza da vida consagrada, fez considerações sobre a tipologia da vida consagrada em geral e da vida religiosa em particular.
Foi incansável durante os trabalhos do Vaticano II e, mais tarde, colaborou de maneira incisiva para a redação do Código de Direito Canônico de
1983, como consultor da Comissão de Reformas no que diz respeito à vida consagrada, desde o início dos trabalhos até o final. cf.
https://www.iuscangreg.it/beyer
48 Congregación para los Religiosos e Institutos Seculares (CRIS). Identidad y misión de los Institutos Seculares, 1983. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/.
49 Cf. http://cmis-int.org/cmiswebsite/magisterio/magisterio_es/eclesiologia_1983.pdf. Acesso em: 1 ago. 2020.
50 Desse primeiro Congresso, realizado em Roma entre 20 e 26 de setembro de 1970, participaram mais de 400 pessoas de 92 Institutos de 16 países
de dois Continentes. Estiveram ausentes, por motivos jurídicos, representantes da Ásia, da África e da Oceania.
51 PIRONIO, Dom Eduardo Francisco (1920-1998), cardeal argentino. Foi Presidente do CELAM, Prefeito da Congregação para os Religiosos
e Institutos Seculares e Presidente do Conselho Pontifício para os Laicos.
52 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/
53 PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais dos Institutos Seculares. 25 ago. 1976.
54 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520253-o-papa-francisco-e-um-paradoxo-artigo-de-hans-kueng.
55 LAS CASAS. Bartolomeu. Em defesa dos índios (c. ■■■■). Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1
56 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 25.
57 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 23.
58 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 41.
59 “Aos nossos filhos católicos que pertencem aos países mais favorecidos, pedimos o contributo da sua competência e da sua participação ativa
nas organizações oficiais ou privadas, civis ou religiosas, empenhadas em vencer as dificuldades das nações em fase de desenvolvimento. Hão
de ter, sem dúvida, muito a peito o ser contados entre os primeiros de quantos trabalham por estabelecer, na realidade dos fatos, uma moral
internacional de justiça e de equidade.” Papa Paulo VI. Encíclica Populorum Progressio, 81.
60 Cf. https://drive.google.com/file/d/1K9tL-5apCcJwgLxgHhQfuMC6l6WodPMd/view
61 Tradução livre, segue texto original: [...] el “permanecer” en el mundo es fruto de una opción, es una respuesta a un llamado específico: es asumir
esta dimensión del estar dentro, del estar cerca, del mirar el mundo como realidad teológica-espiritual, en la que se entrelazan la dimensión
histórica y la dimensión escatológica. Esto exige un notable desarrollo de aquella calidad humana, tan proclamada hoy, que es la capacidad de
“con-participación”, de co-responsabilidad. Una con-participación responsable y generosa, que podríamos definir, con una expresión más
sencilla, como capacidad para saber vivir dentro... (Juany Monsalve Moya).
62 PAPA FRANCISCO. Discurso à Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
63 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565040-papa-visita-universidade-citando-bauman-temos-uma-economia-liquida É importante destacar
que Bauman, antes de morrer, elogiou muito o Papa Francisco. Ve
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565619-o-dom-de-francisco-artigo-de-zygmunt-bauman. Acesso em: 2 fev.2020.
64 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948.
65 cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
66 Cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
67 Cf. http://www.brasilescola.com. Acesso em: jan. 2020.
68 Participaram da fundação da CNBB, no Rio de Janeiro, presentes ou representantes, 20 Arcebispos do Brasil e o Núncio Apostólico. O primeiro
presidente foi Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, então Arcebispo de São Paulo, que indicou, para o cargo de Secretário Geral, Dom
Hélder Pessoa Câmara.
69 Um excelente texto sobre a história da Igreja na América Latina, que aborda o Brasil, é o trabalho de DUSSEL. Ver
https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/40.Historia_da_igreja_latinoamericana.pdf.
70 PAULO VI. Discurso aos responsáveis dos Institutos Seculares, 20 set. 1972.
71 As informações sobre a caminhada dos Institutos Seculares no Brasil foram extraídas de dados registrados nos arquivos que contêm as Memórias
do Instituto Catequético Secular São José, participante da caminhada desde o início.
72 Mais informações sobre a situação atual dos Institutos Seculares no Brasil podem ser encontradas nos seguintes endereços:
http://cnisbrasil.blogspot.com/;https://pt-br.facebook.com/cnisbrasil/; https://cnisbr.wixsite.com/cnisbrasil/pagina-inicial. Acesso em: 28 mar.
2020.
73 Cf. Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Brasília: CNBB, 2019. p. 39.
74 Organização Internacional do Trabalho. Cf. https://www.ilo.org/brasilia/temas/fow/lang--pt/index.htm
75 Cf. https://www.a12.com/redacaoa12/assembleia-geral-cnbb/cnbb-divulga-mensagem-por-ocasiao-do-dia-do-trabalhador.
76 Cardeal D. Arturo Tabera Araoz (1903-1975, Espanha), prefeito da Sagrada Congregação para Institutos Religiosos e Seculares.
77 Tradução livre, segue texto original: Creemos que los Institutos seculares fueron en su tiempo, una respuesta eclesial específica ante las
necesidades del mundo y, de alguna manera, bajo esa forma jurídica, se anticiparon los elementos de la Iglesia carismática que después sería
“redescubierta” por el Vaticano II, y que daría paso a una floración de variadas formas de consagración laical en los llamados Nuevos
movimientos y realidades eclesiales. Es sabido que la valoración de las fuentes bíblicas y patrísticas durante el Concilio favoreció la acentuación
del aspecto carismático y pneumatológico de la Iglesia, y de su noción de misterio, respecto al cristocentrismo paulino que había caracterizado
hasta entonces la teología del cuerpo místico. Desde esa perspectiva, puede entenderse la llamada universal a la santidad, el potenciamiento del
papel del laicado en la Iglesia, y su misión de transformar las realidades temporales. Es en esta línea, que hay que situar la vocación laical (o
sacerdotal) de especial consagración en los Institutos seculares, como respuesta carismática de santidad y como profecia para el mundo que
anticipa la vida futura (ALONSO, 2014, p. 562).
78 Cf. https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-04-06/recuperado-infectologista-david-uip-fala-sobre-covid-19-extremo-sofrimento.html.
79 MURICY, Moema Rodrigues. Institutos seculares, uma nova forma de ser Igreja, hoje. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/5811.

6. TRANSFORMAÇÕES DA SOCIEDADE E DA IGREJA NO BRASIL

Tantas coisas ocorreram no decorrer do século XX, que o historiador inglês Hobsbawm (1995), como já recordamos, o denominou de “século breve”. No final desse século, com a
queda da União Soviética e do muro de Berlim, o desmoronar das instituições alastrou-se pelo mundo e abriu campo à barbárie. O século XX foi arena de inúmeras lutas,
contradições, crises, paradoxos e catástrofes. Entretanto, foi igualmente um tempo de construção e implantação dos direitos humanos,64 de fortalecimento do laicato e da
aprovação da consagração secular na Igreja.
No Brasil, esse período colocou em cena a transformação da sociedade rural em sociedade urbana, o incremento da industrialização, a modernização da sociedade e do
Estado. Em outras palavras, abriu portas à era da modernidade. Assim como na Europa, os acontecimentos impactaram as formas de ser, de pensar e de agir do povo brasileiro e a
mentalidade das instituições.
Sem chegar a um aprofundamento sobre a formação da matriz do pensamento, da cultura, da política e da economia no Brasil, queremos destacar que, ao longo desse
período, formou-se uma “elite do atraso” que impede o desenvolvimento humano segundo a perspectiva da doutrina social da Igreja. É uma elite que suga tudo e chega a sacrificar
milhares e milhares de vidas, desde que suas ambições políticas e seus desejos sejam concretizados. Mecanismos de dominação e de exploração vão e voltam, e são recriados, com
alguma novidade, mas sempre com a mesma lógica e estrutura.
Essas questões permeiam as discussões dos textos e obras de Antonio Candido, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Chiquinha Gonzaga, Darcy Ribeiro, Euclides de Cunha,
Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Guerreiro Ramos, Guimarães Rosa, Joaquim Nabuco, José Jessé, Josué de Castro, Marilena Chauí, Mário de
Andrade, Milton Santos, Oliveira Viana, Oliveira Vianna, Otavio Ianni, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Raimundo Faoro, Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda e
Tarsila do Amaral, entre outros... Elas podem oferecer ao consagrado secular uma boa leitura da realidade social. Contudo, não encontramos neles uma discussão sobre inserção
sociopolítica cristã no mundo. Acreditamos que as estruturas sociais precisam também ser construídas ou transformadas por uma perspectiva da justiça e da paz, conforme a
doutrina da Igreja, pela perspectiva da Provida Mater Ecclesia.
Os Institutos Seculares constituem uma das estratégias da Igreja para dialogar com o mundo moderno e desconstruir a perversidade que se instaurou, com as “elites do
atraso”, em toda a América Latina e Caribe, especialmente no Brasil. Esta situação se tornou patente diante dos falsos dilemas levantados por essa elite durante a pandemia do
Covid 2020, a exemplo da dicotomia ou antagonismo entre saúde, trabalho, economia e educação. As discussões religiosas são ainda mais utilizadas para justificar as práticas de
dominação e de exploração do que para a libertação. Registramos que Jesus também lidou com situações similares e até mais agravantes, como as misturas e confusões de
doutrina, numa espécie de obscurantismo, de negacionismo, presentes entre os fariseus. Cabe destacar que não se trata de atacar alguém especificamente. Falamos de uma
mentalidade de um período histórico.
No tempo de Jesus, essa mentalidade era basicamente uma forma de hipocrisia. Em nosso meio, ela aparece como uma hipocrisia elegante, de feição “aristocrática ou
burguesa”. O que uma pessoa da classe dominante faz “é certo”, ao passo que é crime quando praticado por alguém da classe subalterna. Os serviços públicos para esta população,
como creches, hospitais e escolas, são apresentados como favores e não como direitos. Portanto, o que vemos é uma “cidadania” que se tornou instrumento da classe dominante
(cf. CHAUÍ, 1986).
Não conseguimos ainda, até o presente, implantar o liberalismo e os valores republicanos. A par com um combate permanente da classe dominante contra as ideias e
declarações dos direitos humanos, persiste a indistinção entre o público e o privado. As leis são armas para preservar privilégios. Uma cultura rica de frases feitas mostra a
realidade da sociedade brasileira autoritária: “justiça só existe para rico”, “para o amigo tudo, para os inimigos a lei”, “você sabe com quem está falando?”... As leis são
geralmente consideradas inúteis e inócuas, feitas para serem violadas (cf. CHAUÍ, 2014, p. 50).
Jesus sempre afirma que as pessoas escutam, mas não ouvem, veem, mas não enxergam... Os consagrados seculares, a partir da fé e da sua relação com Deus e com a Igreja,
têm uma forma própria de ler os sinais e de responder a eles. Um bom roteiro desse jeito de ser está presente nos capítulos 13 a 15 do Evangelho de Mateus. Poderíamos dizer que
o mal no Brasil está nas práticas e atitudes da assim denominada “elite do atraso” e de frações da “moderna burguesia”. É nesse contexto e nessa cultura que estão inseridos
homens e mulheres consagrados seculares. Um novo elemento que aí emerge é a presença simultânea dos novos proletários da era digital, que usufruem o “privilégio da servidão”,
e de milhares de trabalhadores desfiliados e desalentados (cf. ANTUNES, 2018).
Neste contexto de modernização do Brasil, a busca de um novo processo civilizatório ou de um novo modo de vida requer uma reatualização da pedagogia da Encarnação,
que ajude homens e mulheres a encontrar a presença de Deus no mundo e a praticar a justiça, para tecer uma cultura da paz.
A formação do Estado Moderno no Brasil seguiu uma perspectiva jurídico-política de distanciamento da Igreja Católica. Já na proclamação da República, em 1889, a
Constituição Brasileira de 1891, Art. 72, determinara que nenhuma Igreja receberia subvenção oficial para desenvolver a missão religiosa, não havendo relação de dependência
entre o Estado e a Igreja. O ensino passou a ser público e laico e os cemitérios a ter caráter secular. Qualquer indivíduo ou grupo religioso poderia exercer publicamente seu culto.
A este movimento denominamos de secularização ou laicização do Estado. Dependendo de sua radicalização, a secularização transforma-se em secularismo, e não apenas
determina o afastamento entre a Igreja e o Estado, mas pode também ter como consequência a negação de Deus e o enfraquecimento da religião.
Num primeiro momento, a separação entre a Igreja e o Estado na República despertou reações de prelados, demonizando a situação. Alegavam que o Estado brasileiro havia
caído em desgraça, sem Deus e sem Cristo. Por outra ótica, alguns bispos e padres consideravam até positiva a separação. Era um momento de a Igreja definir sua inserção
sociopolítica e sociopastoral no País. D. Macedo Costa, antes da República, defendia a autonomia da Igreja, chegou a ser detido pelo Imperador. O que desejava era que a Igreja
tivesse liberdade em sua ação pastoral, particularmente na nomeação de bispos. Como estratégias, adotou a formação do clero e as visitas pastorais. Acreditava ele que a
monarquia amordaçava a ação da Igreja e a distanciava do povo.
Um dos padres que liderou a compreensão da situação foi o redentorista Júlio Maria. Destacava ele a necessidade de a Igreja abandonar as lamentações pela perda de
privilégios e benefícios recebidos da monarquia no processo de colonização. Ela deveria compreender a nova situação e se desvincular das armadilhas do poder. O encantamento
pelas benesses do poder estabelecido e do mercado a desviava de sua missão. Um bom projeto de pastoral seria

[...] implantar suas bases nas camadas populares, aderindo plenamente à República mesmo não concordando com certas atitudes do novo sistema, como a laicidade e o
casamento civil, pontos de divergência entre Estado e Igreja. O momento era oportuno para a reaproximação entre a Igreja e o povo.65

A mensagem que parte dos bispos passava era de lamento. Queriam retornar à organização anterior, ponderando que os desejos da Nação eram de união com a Igreja, forma
de garantir a prosperidade e o bem-estar comum. Argumentavam que

[...] a união da Nação com a Igreja de Jesus Cristo, da qual se divorciou violentamente, e com esta união sem prepotência, sem predomínio, união de amizade e não de
cativeiro, consiga a prosperidade, que anda fugitiva de nós. [...]. Queremos reunir em um fascículo os interesses do indivíduo, da pátria, de Deus, ficando o homem
feliz, a pátria próspera e respeitada, Deus conhecido, amado e obedecido. Esta tríplice glorificação do homem, da pátria, de Deus, é o alvo aonde atiram os nossos
ardentíssimos anelos brasileiros, como cristãos, como Bispos (CARTA Pastoral, 1900, p. 32-33).66

Durante certo tempo, acreditava-se que as revoluções tecnológicas levariam a sociedade a se afastar da religião ou mesmo a negar a existência de Deus. A moderna
sociedade brasileira assumiria algumas das características europeias e norte-americanas, a racionalidade, o planejamento, a crença no domínio da natureza e dos acontecimentos.
Num primeiro momento, essa visão corroborou a separação entre o Estado e a Igreja. A modernização do Brasil, como na Europa, exigiu que a Igreja encontrasse
mecanismos para sua inserção sociopolítica e sociopastoral, interagindo com diferentes organizações da sociedade brasileira, em vista da construção da justiça e da paz. O que
estava em jogo era, de um lado, o imperativo de abrir mão da cultura monarquista medieval. De outro, a urgência da implantação da democracia pelo Estado.
Durante as primeiras décadas do século XX, a força das transformações em curso interferiu em diversas dimensões da vida e da sociedade brasileira. Foi um período pródigo
em tensões, estranhamentos e instabilidades sociais. Período de turbulências entre a Igreja e o Estado, como vimos, entre os latifundiários e a burguesia emergente, dos impasses
da classe média em crise e da agricultura em decadência, em função do deslocamento hegemônico da economia e da política mundial da Europa para a América do Norte.
Em meio a amplas transformações sociais e econômicas, ganharam força no Brasil o Movimento de Educação de Base, os Círculos Operários, as Semanas Ruralistas, a
expansão do sindicalismo rural e o despertar de uma consciência da situação real do povo, especialmente no mundo rural.
Sintetizaram essa fase a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, e o Manifesto dos Pioneiros da Educação de 1932, em
prol de uma escola laica e gratuita, num cenário de definição de um projeto de educação e de Nação para o Brasil. Desses dois movimentos, emergiu o desenho filosófico da
modernidade no país. Portanto, a Semana de Arte Moderna e o Manifesto dos Pioneiros inauguraram aquilo que se denomina era secular, fundada na racionalidade.67
Numa época em que Deus e a religião iam perdendo a centralidade, as pessoas já não aceitavam ser à imagem e semelhança de Deus, preferiam imitar a burguesia e o
mercado ou outras concepções políticas. Começou a fase do declínio das crenças e das práticas religiosas no Brasil, uma primeira tentativa de quebrar uma visão clericalista da
cultura brasileira. Ao mesmo tempo, em meio aos desafios, ganhava espaço a possibilidade de se redescobrir a força do evangelho. Deus chama todos e cada um, mas a escolha é
individual, e as pessoas têm que fazer suas opções.
A essa altura, as organizações sindicais assumiram uma característica secularista, negando qualquer vínculo religioso e, em alguns casos, até a existência de Deus.
Predominava uma política de massas, o populismo, cujo objetivo era enfraquecer as oligarquias e fortalecer a burguesia industrial nascente, sobretudo após os anos trinta. O
processo político de urbanização despertou questionamentos religiosos e múltiplas crises, até mesmo na vida consagrada.
Para responder a esse momento, a Igreja no Brasil adotou uma perspectiva pastoral fundada no diálogo, mais voltada para uma presença conscientizadora e de escuta das
reivindicações sociais e da situação do povo, conforme as diretrizes do Magistério. As organizações de leigos se multiplicavam e revitalizavam a Igreja no país. Os cenários da
Igreja e da sociedade em mudança formavam um quadro favorável ao desenvolvimento de novas formas de relacionamento, de uma eclesiologia mais ajustada à ação dos leigos,
organizações laicas e Institutos Seculares.
O século XX foi um período de construção dos direitos humanos no Brasil. O início do século XXI marca a implantação desses direitos. A aceleração das transformações
modificou a organização societária, trouxe a chamada “era dos direitos” e mudou a forma de ser do indivíduo, seu modo de pensar, de agir, de confabular, de fazer as coisas
funcionarem. As pessoas tornaram-se protagonistas, passaram a comandar e a ser comandadas simultaneamente, numa relação de interdependência entre si e com as organizações.
Acredita-se que este século é o da revolução no campo da genética. No campo da biotecnologia (cf. RIFKIN, 1999), a revolução do final do século XX repercutiu no século
XXI, mais ainda nos campos da agricultura, da medicina molecular, da genética, da cultura, da física, das ciências abertas e da religião. O mistério da vida e do universo,
entretanto, permanece nebuloso e continua a desafiar a humanidade, num contexto que São João da Cruz talvez nos ajudaria a compreender melhor, quando aponta para a
claridade que se divisa no cerne das noites obscuras.
Em que pesem as expectativas de que a modernidade no Brasil reduziria ou até eliminaria o mal-estar social, o modelo econômico adotado aprofundou e ampliou
a desigualdade social, a corrupção, a violência cotidiana e institucional e a fragilidade das instituições. Os direitos humanos não conseguiram eliminar e nem reduzir
a desigualdade social. A cada momento, ela aparece com novas roupagens excludentes. Ora no analfabetismo, ora na fome, no desemprego, nas práticas discriminatórias, na
perseguição a grupos “minoritários”, considerados “raça perigosa”... Ou, ainda, no analfabetismo digital, na polarização das religiões, na crise da família e das instituições... Tudo
isso não nega nem reduz o fato de que vivemos um tempo fértil de criatividade.

A passagem da agricultura para a indústria provocou uma rápida urbanização e concentrou nas cidades a população antes dispersa nos campos. Mais recentemente, essa
concentração produziu as chamadas megalópoles. O aumento das comunicações de massa levou a cidade a exercer uma influência ainda mais extensa, difundindo seus
padrões culturais também em regiões rurais. A grande cidade moderna favorece o contato com uma pluralidade de experiências e expressões culturais, multiplicando as
possibilidades de escolha do indivíduo. Ao mesmo tempo, priva-o da solidariedade – mas também do controle – que encontrava nas comunidades menores. A violência
urbana e a criminalidade criam um clima de medo. A enorme expansão das comunicações sociais torna o indivíduo muito menos preso ao seu território. Variadas
atividades humanas se conectam com uma rede de contatos e trocas que cobrem o mundo inteiro (DGAE, n. 50).

Hoje, a desigualdade aparece com força no crescimento da cultura do descarte dos mais vulneráveis, reforçada pelo modelo de produção, pela política de consumismo e pela
mídia e instituições. Esses elementos contribuem sistematicamente na história brasileira para a reprodução da desigualdade. Talvez aqui ganhe concretude a discussão de Marx e
de Gramsci sobre a junção da infra com a superestrutura. A ideologia, a educação, a religião... refletem os modos de produção e vice-versa. A cultura do descartável influencia o
ser humano a percorrer o caminho do isolamento, da ignorância e da perda do sentido da vida, induzindo suas escolhas.
A desestabilização da sociedade brasileira tem produzido, cada vez mais, homens e mulheres inquietos, reordenando ou abandonando o sentido da vida e das utopias
comunitárias. Neste aspecto, submergimos num naufrágio dos valores, das concepções religiosas e das razões para a vida e a morte. Esta atitude é mais uma fuga do amor que
liberta o ser humano e o Planeta. De um lado, há um aparente esgotamento das matrizes que constituíram a formação do povo brasileiro e, por outro lado, há uma busca da matriz
originária brasileira, do jeito de ser dos povos originários (cf. DUSSEL, 2014).
A ideia de bem-estar, em que hoje mais se acredita, é a do compromisso consigo mesmo e, no máximo, com a própria família. Estamos diante de uma sociedade
predominantemente calculista, de pessoas presas ao consumo imediato. Esta degradação coloca desafios para o cristão, chamado a viver as exigências evangélicas numa cultura
fragmentada e carente de utopias.
Quando se esgotam a esperança, a racionalidade e o amor, triunfa o vazio, com seus resíduos de barbárie e sua frágil concepção do viver e da felicidade, com a exacerbação
do ter, do poder e do consumir, em detrimento do ser e do servir e partilhar. Tudo se transforma numa relação mercadológica, mesmo as relações humanas e religiosas. A religião
passa a ser instrumentalizada a serviço da paz interior, do sucesso nos negócios, da cura das doenças e de um bem-estar individual, pessoal.
Gostaríamos de destacar que a história do Brasil não é linear nem homogênea. Tem uma complexidade de difícil apreensão na totalidade e uma perspectiva da dubiedade, de
tal modo que os mesmos fatos tanto podem oprimir quanto libertar. Não há vários “Brasis”, arcaico, moderno, rico, pobre; o que existe é um desenvolvimento desigual combinado
em que várias coisas coexistem no mesmo espaço, no mesmo território e no mesmo fato. Precisamos perder uma visão maniqueísta que compreende a história como bem ou mal,
de forma distinta (cf. SOUZA NETO, 2003).
É nesse quadro tumultuado que consagrados seculares dão a vida pela Palavra de Deus. Sua prática não é uma metafísica, é uma vivência profunda de relacionamento com
Deus, com a Igreja e com o mundo. Diante dos conflitos e dificuldades, sempre acreditam na divina providência. Ao caminhar pelas ruas e diferentes territórios, seu testemunho
deve deixar aparecer o Cristo que se encarnou, sofreu, morreu e ressuscitou. “Ai de mim, se não evangelizar” (1 Coríntios 9,16) e testemunhar. O consagrado, a consagrada secular
acreditam, como o Apóstolo, que a fé vem do anúncio da Palavra e do testemunho.
Qualquer ensinamento ou descrição daqueles que vivem da Palavra apenas consegue sintetizar uma fração da experiência humana. Cristo é a razão da existência,
especialmente daqueles que se consagram a serviço do Reino e da catequese. E seria uma insanidade não admitir o fato. Esta opção de vida requer uma fé incondicional (cf. DV, n.
2 e 5), conduzida pelo Espírito Santo, que move os corações para a conversão a Deus. Por esta ótica, a consagração secular não é um modismo, não é uma liquidação, uma
acomodação, é aquela perspectiva do livro de Hebreus: “Cristo é o mesmo, hoje, e sempre” (Hebreus 13, 8).
No cenário atual, retornam muitas das inquietações sociais dos séculos XIX e XX, o anseio de encontrar novos sentidos não apenas no mundo do trabalho, como também
fora dele. Com a crise do mundo do trabalho e as novas tecnologias, o esforço para a invenção de uma

nova vida, autêntica e dotada de sentido, recoloca, portanto, neste início do século XXI, a necessidade premente de construção de um novo sistema de metabolismo
social, de um novo modo de produção fundado na atividade autodeterminada. Atividade baseada no tempo disponível para produzir valores de uso socialmente
necessários, contra a produção heterodeterminada, que caracterizou o capitalismo, baseada no tempo excedente para a produção exclusiva de valores de troca para o
mercado e para a reprodução do capital (ANTUNES, 2018, p. 305).

Homens e mulheres contemporâneos já não se resumem a produzir ou consumir. É isto e muito mais. Têm também que aprender a produzir valores e superar as dicotomias
entre pensantes e executores, produtores e consumidores, trabalho e tempo livre... Isto pode contribuir para descoisificar e desmercantilizar as relações.
Uma sociedade organizada em torno da exploração do trabalho impede ou dificulta a realização humana, destrói a natureza e transforma tudo em mercadoria, até a vida
humana e Deus. Para além dos desafios da emancipação e da democratização das relações, é igualmente necessário integrar nesse projeto de invenção societária e no cotidiano da
vida social as questões ecológicas. Voltamos a citar a “Economia de Francisco”, fundada num paradigma ecológico que integra o homem, a natureza e a sociedade.
Na Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco chama atenção para a íntima articulação que há entre o Planeta e a Humanidade. Qualquer reflexão econômica sobre o meio
ambiente não pode e não deve separar as questões da justiça e da pobreza, uma vez que é necessário corrigir os modelos econômicos que não conseguem garantir o
desenvolvimento respeitoso do meio ambiente, que não garantem o acolhimento e o desenvolvimento da vida, a proteção da família, a dignidade dos trabalhadores, os direitos
sociais e culturais que protegem cada indivíduo. É chegada a hora de repensar um novo modelo econômico pautado na justiça, na solidariedade e na cultura da comunhão e da paz.
As questões do trabalho e da organização societária moderna foram colocadas pela Igreja de forma orgânica na Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, e atualizadas por
todos os Papas que o sucederam.

6.1. Contexto sociocultural e político da Igreja no Brasil

Desde a Rerum Novarum, a Igreja tem procurado construir metodologias e formas de se colocar no mundo, interpretá-lo e oferecer pistas para sua libertação. É possível fazer
uma previsão sobre o lugar que ela irá ocupar no futuro? Uma coisa parece certa, se nada se fizer, nada acontecerá.
Em 1986, em comentário sobre a teologia da libertação dirigido à CNBB, escreveu João Paulo II que “o mistério da libertação se encerra na Cruz e na Ressurreição”. São
essas duas dimensões articuladas que nos ajudam a descobrir no evangelho a libertação radical e integral (cf. COMBLIN, 1996, p. 102). Nesse movimento, a Igreja busca
desenvolver, a partir dos pobres, formas de se organizar para dar testemunho e evangelizar a sociedade. Por essa razão, está sempre atenta e pronta a influenciar nos
processos sociais.
Durante a década de 1950, a Ação Católica abria-se em várias frentes de apostolado, sobretudo no mundo operário, estudantil e agrário: JAC (Juventude Agrária Católica),
JEC (Estudantil), JIC (Independente), JOC (Operária) e JUC (Universitária). O método “ver, julgar, agir” e o espírito missionário desses grupos propiciavam uma valiosa
experiência de presença organizada do testemunho cristão em toda a sociedade. Era um jeito de a Igreja dialogar com o mundo e de formar lideranças para ocupar
diferentes espaços.
No Brasil, entre as práticas de intervenção, lembramos os grupos de ação comunitária, as pequenas comunidades, a formação dos agentes de ação pastoral, a participação em
organizações sociais, tais como os conselhos de políticas públicas, a gestão pública, o incentivo aos leigos para participar dos diversos postos de decisão na sociedade. Esse
itinerário acompanha a Igreja no Brasil há mais de um século.
Nunca existiu nem poderá existir neutralidade nas relações institucionais e humanas. O pressuposto “purismo” das relações foi desacreditado e recusado no século XX. O
mundo afeta a Igreja e a Igreja afeta o mundo. Nesse sentido, cabe destacar que a Ação Católica não “caiu do céu”. No Brasil, ela foi organizada no interior de um movimento
contraditório de disputa entre diferentes correntes ideológicas, sociológicas e eclesiológicas. Grupos sociais, sindicatos, partidos políticos, pastorais... estavam vinculados a uma
ou outra dessas correntes. O estatuto da Ação Católica no Brasil foi aprovado em junho de 1935, por solicitação a Roma do Cardeal Dom Sebastião Leme.
Durante a era do governo Vargas, a relação entre a Igreja e o Estado era dúbia e contraditória. De um lado, o Estado propunha para todos a liberdade religiosa; de outro, a
Igreja se sentia alijada do poder. Todo seu esforço de restauração foi de aglutinar as massas para competir com o poder, por acreditar que a Igreja tinha historicamente plasmado o
Estado brasileiro. Estava convicta de que, sem ela, não haveria condições de formar um Estado suficientemente forte para vencer o comunismo e as outras religiões que
fragmentavam a identidade nacional. Algumas formas de aglutinar os católicos nesse período eram os Congressos Eucarísticos Nacionais. A pastoral coletiva tinha como foco
desorganizar a ação comunista no país.
No período Vargas, a cada nova Constituição, a Igreja perdia privilégios, prerrogativas e espaço na arena política. Como tática e estratégia de reação, a Igreja priorizou o
fortalecimento do laicato. Foi um período em que ela mais planejou, organizou e realizou ações junto às massas. Após a promulgação da Constituição de 1937, em 1939, muitas
prerrogativas foram subtraídas à Igreja (cf. AZZI, 1980).
Reforçara o Papa Pio XI que o apostolado dos leigos devia tomar como exemplo os primeiros cristãos: – “Vós sois o povo de Deus, as ovelhas de sua pastagem, a geração de
escol, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo conquistado” (Papa Pio XII, 1931 apud SANTINI, 1937, p. 8). O Cardeal do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, enfatizava para o
Brasil as orientações de Pio XI: – “O nosso século é de ação e de Ação Católica!” Dizia ele que nossa religião não é de foguetes e nem de procissões vistosas, é uma religião
centrada em Jesus Cristo, e deve repercutir na sociedade e nos indivíduos (cf. SANTINI, 1937).
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),68 fundada em outubro de 1952, veio aprofundar a sintonia no episcopado e firmar alguns compromissos pastorais
para ajudar a Igreja a revigorar a evangelização e a se preocupar com a questão social do país. A CNBB nasceu para promover a coordenação nacional da Igreja e estimular as
Igrejas locais a participarem ativamente das mudanças sociais. Outras organizações se estabeleceram nesse período.69
Ao finalizar o Vaticano II, os bispos do Brasil redigiram uma mensagem ao povo de Deus no Brasil:

A exemplo do Divino Mestre que, perante os homens destruído, lançou o seu miserior super turbam, condoemo-nos profundamente por ver tantos irmãos nossos na
miséria e na ignorância, por ver o doloroso quadro de desigualdades sociais injustas, por ver o desconhecimento da doutrina social da Igreja, que é, no entanto, o
remédio certo para sanar o desequilíbrio social. Vemos como é dura a luta contra a desonestidade e contra a falta de espírito público e de sentido do bem comum. [...].
Exortamos todos à paz e à concórdia. Afastem-se ódios e vinganças. Para que possa expandir-se o Reino de Deus na pátria terrestre. Não ignoramos as dificuldades da
hora presente. Confiamos no bom senso e no espírito cristão que sempre nortearam nossos destinos, mesmo nas horas mais difíceis, a fim de podermos palmilhar os
caminhos da verdade e da justiça
(KLOPPENBURG, v. 5, 1966, 524-525).

A lógica de buscar a justiça fez da CNBB um farol para o Brasil. Toda a Igreja do Brasil anuncia o Reino e enfrenta as dificuldades próprias de um diálogo permanente com
as outras forças sociais e políticas.
Em 1954, teve início a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), voltada para a formação e a atualização dos religiosos/as e para sua inserção na vida e na missão da
Igreja. Em toda a América Latina, em âmbito nacional e continental, apareceram diferentes organizações,

[...] estruturas de serviço e de animação, em autêntica comunhão com os Pastores e sob sua orientação, em um diálogo fecundo e amistoso, convocadas a estimular seus
membros a realizarem a missão como discípulos e missionários a serviço do reino de Deus (DAp, n. 223).

As organizações não eram e não deveriam ser instrumentos burocráticos de controle, mas mecanismos para dinamizar a pastoral de conjunto, facilitar o diálogo com o
mundo e contribuir para ações em defesa da dignidade humana. O novo espírito despertado pela caminhada da Igreja reforçou os desafios de assumir o compromisso de defender
os direitos, a dignidade da pessoa humana e a causa dos pobres e necessitados, como um valor evangélico essencial, por sua condição de filhos de Deus.
Nesse movimento de fermentação de unidade e de enfrentamento dos desafios que provocavam não somente o Brasil, mas a América Latina como um todo, um caldo
cultural e uma mentalidade nascente impulsionavam a Igreja para o diálogo com a sociedade e as organizações. A Igreja se empenhou na busca dos mais simples e vulneráveis.
Ela estava ali, demonstrava que não abandonara o povo.

6.2. Os Institutos Seculares se organizam

O conjunto de acontecimentos que geraram a Conferência Episcopal Latino-Americana, CELAM, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, a Conferência dos
Religiosos do Brasil, CRB, e outras organizações, estabeleceu a rede mobilizadora de uma pastoral de conjunto na qual iria se inserir a caminhada dos Institutos Seculares. A
concepção comum era de que os Institutos, suscitados pelo Espírito Santo, formavam uma “ala avançada da Igreja”, presente e atuante na sociedade. Uma vocação que tinha como
campo de atuação a vivência da consagração no mundo.

A vossa é uma forma de consagração nova e original, sugerida pelo Espírito Santo, para ser vivida no âmbito das realidades temporais e para imprimir a força dos
conselhos evangélicos, ou seja, dos valores divinos e eternos, aos valores humanos e temporais.70

Aqui e ali,71 no território brasileiro, pipocavam iniciativas de fundação de Institutos Seculares nacionais e a vinda de Institutos internacionais, geralmente de forma isolada.
A partir da década de 1970 e nos anos que se seguiram, que foi um tempo fecundo na construção de uma pastoral de conjunto e redescoberta da vocação e missão dos leigos na
Igreja, os Institutos começaram a se reunir, com o objetivo de traçar uma caminhada comum. O ponto de referência para as reuniões, encontros, reflexões e elaboração de projetos
era a Casa do Instituto Secular das Servas de Jesus Sacerdote, em Ribeirão Preto, São Paulo, ainda nos tempos dos seus inesquecíveis fundadores, Pe. Luiz Maria Fernandes
Pisetta, Estigmatino, e D. Hulda Maria Soares de Azevedo Del Papa.
Nas reuniões, eram abundantes os testemunhos da presença e atuação cristã dos membros dos Institutos Seculares em escritórios, escolas, faculdades, oficinas de costura,
catequese, redações, bancos, hospitais, consultórios, fábricas, paróquias, cozinhas, pastorais, famílias, secretarias..., locais onde acontecem a vida e a história da salvação. Esta era,
sem dúvida, uma vocação plenamente consagrada e apostólica, na secularidade.
Aos poucos, os Institutos Seculares foram ocupando espaço na Igreja no Brasil e buscando o reconhecimento jurídico de uma Conferência Nacional, sempre com um
representante em reuniões da CNBB. Por sua vez, após o Vaticano II, o movimento mundial dos Institutos Seculares havia concluído pela necessidade de uma organização
mundial, e assim se estabeleceu a Conferência Mundial dos Institutos Seculares, CMIS, em 1972. O mesmo propósito motivava os consagrados seculares na América Latina.
Tornou-se então patente a necessidade de organizar a Conferência dos Institutos Seculares no Brasil, para refletir sobre a realidade da vida consagrada secular, seu lugar na
Igreja, como dar testemunho e ser presença da Igreja no mundo, cuidar da formação e despertar vocações para a vida consagrada secular. Participavam da caminhada de fundação
da Conferência, das discussões e da redação dos primeiros Estatutos, uns mais, outros menos, uns antes, outros depois, os seguintes Institutos Seculares:

Servas de Jesus Sacerdote, Missionárias de São Francisco de Assis, Catequistas do Sagrado Coração de Jesus, Filhas de Santa Ângela, Missionárias da Realeza de
Cristo, Nossa Senhora da Anunciação, Filhas Rainha dos Apóstolos, Vita et Pax in Christo Jesu, Filiação Cordimariana, Caritas Christi, Catequistas da Virgem e Mãe
Maria (Seibo Catequista Kai), Voluntárias da Caridade, Irmãs de Maria de Schoenstatt, Padres de Schoenstatt, Deus Caritas, Missionárias dos Enfermos Cristo
Esperança, Voluntárias de Dom Bosco, Pequena Família Franciscana, Servitium Christi, Cooperadoras da Família, Missionárias Seculares Combonianas e Unio
Filiarum Dei (União das Filhas de Deus).

Participavam, também, Pias Uniões que desejavam ser aprovadas como Institutos Seculares:

Missionárias Seculares Scalabrinianas, Filhas de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Missionárias Leigas de Maria Corredentora (MILMAC), Paulinas, Missionárias
Diocesanas de Cristo Sacerdote, Instituto Catequético Secular São José – Setor Masculino, Instituto Catequético Secular São José – Setor Feminino, Unitas, Nossa
Senhora das Graças, Fraternidade Missionária de Maria, Seara.

Os representantes dos Institutos e Pias Uniões estudavam os documentos de fundação dos Institutos Seculares e outros, como os textos do Vaticano II e dos encontros
nacionais e internacionais dos Institutos Seculares. Alimentados por uma fé firme e decidida, partilhavam o ideal e a alegria de testemunhar a presença redentora de Cristo. Em
meio a tantos trabalhos comuns, o grupo mergulhava em reflexões sobre os elementos essenciais próprios dos Institutos. Havia um enorme desejo de acertar, de se organizar, de
unir juridicamente as forças e valorizar os Institutos Seculares no Brasil, a bem da Igreja e para a glória de Deus.
Em 9 de julho de 1971, a Conferência Nacional dos Institutos Seculares do Brasil, CNISB, recebeu licença para começar a funcionar, sob a presidência de D. Hulda Maria
Soares de Azevedo Del Papa. Os ecos da caminhada motivaram vários encontros, reuniões e assembleias. Até a aprovação dos Estatutos, a Conferência organizou sete Encontros
Nacionais. Seis foram em Ribeirão Preto e um em Salvador. Em julho de 1975, organizou um Congresso Latino-Americano no Rio de Janeiro, com a presença de Dom Mário
Albertini, da Sagrada Congregação para os Religiosos e Institutos Seculares. O Congresso adotou o seguinte lema: “Unidos no amor, num só coração a serviço da Igreja.
Avante, Aleluia!”
Sobre os conteúdos deste Congresso, encontramos na Revista Grande Sinal de 1975, números 8 a 10, um conjunto de informações, com foco na missão, nas características
das vocações à consagração secular e na forma de inserção na Igreja. Os principais obstáculos à vocação assinalados durante o Congresso foram a perda de fé, a desvalorização da
consagração especial, o desconhecimento dos Institutos Seculares, o fato de serem mal compreendidos e pastoralmente ignorados, o não empenho em trabalhos vocacionais e o
excesso de atividades. Entre os desafios, o Congresso situou a dificuldade de conciliar trabalho profissional, estudos, vida de oração e missão, bem como de superar os equívocos
entre consagração e secularidade, no sentido de acentuar uma dimensão em detrimento da outra.
É interessante observar que a Revista Diálogo, da CMIS, sempre trouxe notícias dos encontros dos Institutos Seculares do Brasil. Entre outros exemplos, a edição de
setembro de 1976 evidenciou a preocupação de fortalecer os laços de amizade, partilha e caminhada comum. Informa a Revista que o encontro de 23 a 25 de julho foi aberto por
D. Claudio Humes, bispo de Santo André e Assistente dos Religiosos e Institutos Seculares do Brasil. Em nome da CNBB, D. Claudio exaltou a beleza da consagração e convidou
os Institutos Seculares a expressarem suas aspirações e sugestões para o plano bienal de pastoral. A CNBB, informou D. Cláudio, espera que os Institutos vivam o próprio carisma,
anunciem e testemunhem o Evangelho, e formem novos discípulos. Durante o encontro, foram examinados os Estatutos da CNISB, apresentadas duas conferências por D. José
Cornelis, bispo de Alagoinhas, Bahia, sobre os Institutos Seculares à luz da Igreja do Brasil e a secularidade. Foram também estudados a Provida Mater Ecclesia e o Cum
Sanctissimus. A reunião seguinte ficou agendada para julho de 1977 (cf. CMIS, 1976, p. 17).
Na Revista Diálogo de 1976 a 1980, várias notícias, como a que acabamos de resumir, ajudam a compreender a formação da CNISB.
Em 30 de setembro de 1977, os estatutos da CNISB foram aprovados pela primeira vez, por dez anos, conforme Decreto da Sagrada Congregação para Religiosos
e Institutos Seculares, assinado pelo Cardeal Pironio. O documento de aprovação realçou a importância da organização e planejamento dos Institutos Seculares como meios de
união, conhecimento e ação missionária.

Os encontros dos Institutos Seculares têm demonstrado nas várias partes do mundo serem muito úteis pela recíproca compreensão, pela reflexão comum e pela
promoção da presença apostólica. Também no Brasil, com esta mesma finalidade já há alguns anos, foi constituída a Conferência dos Institutos Seculares que reúne os
responsáveis dos Institutos Seculares no país. Em virtude da experiência já feita, a mencionada Conferência apresentou os Estatutos que regem a sua atividade e no
momento os submete à aprovação da Santa Sé. A Sagrada Congregação para os Religiosos e Institutos Seculares, depois de um atento exame, na certeza de que a
Conferência encontrará nesse o instrumento adaptado para alcançar a sua finalidade, aprova por dez anos os Estatutos dos Institutos Seculares do Brasil. Roma, 30 de
setembro de 1977 (Assinado pelo Cardeal Pironio).

A CNISB continuou sua missão, aprofundando suas relações com a CNBB e com os organismos internacionais da Igreja, criando condições para dar visibilidade à
consagração na secularidade, ajudando no surgimento de novos Institutos e cuidando da formação dos membros. Participou ativamente do Ano da Vida Consagrada, de 30 de
novembro de 2014 a fevereiro de 2016.
De tempos em tempos, a Conferência faz uma revisão dos Estatutos para adequá-los às novas necessidades de inserção sociopolítica no mundo. Os Estatutos revisados na
assembleia da CNISB de 2013, realizada em Atibaia, São Paulo, e encaminhados à Sagrada Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
Apostólica, receberam aprovação pelo decreto 1090/14, assinado por D. João Braz, Cardeal de Aviz, em 4 de maio de 2015.72
Esses breves apontamentos sobre a CNISB têm em vista mostrar as alegrias e dificuldades de uma vocação que busca reconhecimento eclesial e sociológico. Mais
importante, ainda, descobrir como penetrar na cultura, de modo a estabelecer nas estruturas sociais a peculiaridade de sua vocação.
No século XXI, há mais de setenta anos de aprovação da Provida Mater, as estruturas eclesiásticas no Brasil ainda têm dificuldade de incorporar a consagração secular como
um estado de perfeição. A CNISB é um sinal profético dessa vocação e de que as sementes aqui plantadas permanecem. Ainda é necessário definir com clareza, dos pontos de
vista eclesiológico e sociológico, quais são as incidências dos Institutos Seculares e dos consagrados seculares nos diferentes campos de atuação.
A pedagogia da consagração secular na evangelização não tem uma perspectiva colonizadora. Tem a certeza do crescimento da semente do Verbo existente nas culturas. Tal
pedagogia segue a trilha da interculturalidade, pois a sua centralidade está na aproximação das pessoas e não na condenação, no menosprezo e na destruição das culturas.73 A base
da pedagogia do consagrado secular encontra sua raiz nos documentos conciliares, iluminada pelo Decreto Ad Gentes. Nos múltiplos espaços em que se encontram, os
consagrados seculares, em espírito de missão, procurem ter como critério de ação descobrir, explicitar e testemunhar as sementes do Verbo ali ocultas ou latentes.

Ao mesmo tempo, atendam à profunda transformação que se opera entre os povos e se empenhem para que os homens do nosso tempo por demais engolfados na
ciência e na tecnologia do mundo moderno, não se alienem das coisas divinas. Mas, antes pelo contrário, despertem para um desejo mais profundo da verdade e da
caridade reveladas por Deus (AG, n. 11).

A nosso juízo, o campo peculiar de atuação e de vivência da consagração é o mundo do trabalho que, no Brasil, tem passado por muitas mudanças. Saímos do trabalho rural
e estamos entrando na era do trabalho digital. Mas isto não significa libertação, ao contrário, o mundo do trabalho está cada vez mais precarizado. Se, anteriormente, tínhamos o
trabalho escravo, hoje somos escravos digitais. Milhares de profissões aparecem, desaparecem e retornam.
Nesse contexto, a pergunta que se faz para a humanidade e, talvez, mais especificamente, aos consagrados seculares é:

Por que o labor humano tem sido, predominantemente, espaço de sujeição, sofrimento, desumanização e precarização, numa era em que muitos imaginavam uma
proximidade celestial? E mais: por que, apesar de tudo isso, o trabalho carrega consigo coágulos de sociabilidade, tece laços de solidariedade, oferece impulsão para a
rebeldia e anseio pela emancipação? (ANTUNES, 2018, p. 23).

Um dos dilemas dos Institutos Seculares no Brasil é como formar seus membros para viver e testemunhar o evangelho no mundo do trabalho, num contexto de metamorfose,
precarização e pejotização, ou seja, de mascaramento das relações do trabalho autônomo. É um momento de muita instabilidade e insegurança, que repercute na espiritualidade
do consagrado secular e produz um conjunto de doenças físicas e psíquicas.
É dramática, no Brasil, a questão do trabalho, diante da complexidade que vai de trabalhos lícitos a ilícitos, de trabalhos que dignificam a trabalhos que desfiguram a
dignidade humana e que são caracterizados como a pior forma de trabalho pela OIT. Esta Organização tem feito muitas análises sobre os cenários do trabalho.74 Apesar dos
processos de precarização, o trabalho está na centralidade organizativa da sociedade e por meio dele se desenvolvem as várias formas de socialização e de solidariedade.
A mensagem da CNBB para o Dia do Trabalhador e da Trabalhadora, em maio de 2019, define o trabalho como essencial para a vida e a participação do ser humano na obra
da criação, como meio de garantir o próprio sustento e o da família. Urge, de forma imperiosa, combater o desemprego e a precarização das relações de trabalho, erradicar o
trabalho escravo e defender os direitos trabalhistas. Para esse fim, a CNBB incentiva a participação dos trabalhadores nos sindicatos e nos fóruns de discussão em defesa da
dignidade do trabalhador. A mensagem destaca, ainda, a importância da doutrina social da Igreja para iluminar essas discussões.

Nos nossos dias, difunde-se o paradigma da utilidade econômica como princípio das relações sociais e, por isso, do trabalho, almejando a maior quantidade possível de
lucro, imediatamente e a todo o custo, em detrimento da dignidade e dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. [...] A impossibilidade de trabalho gera a perda
do sentido da vida e, consequentemente, leva à pobreza e à marginalização. [...]. Incentivamos os trabalhadores e trabalhadoras e as suas organizações a colaborarem
ativamente na construção de uma economia justa e de uma sociedade democrática.75

A realidade do mundo do trabalho afeta a Igreja, à medida que desenraiza e desorganiza as famílias, a juventude, a comunidade e a sociedade. A precarização do trabalho
altera e deixa à deriva as estruturas sociais. A sociedade do espetáculo valoriza o crime, a astúcia e extrai qualquer tipo de “glamour” que possa envolver o trabalho “decente”.
Podemos descrever este momento da história brasileira como um período de configuração e desconfiguração dos critérios que estabelecem e definem as identidades
individuais e institucionais. As metamorfoses sociais e econômicas têm ocorrido com a ausência de referências sólidas no campo dos valores, o

excesso de informações, a superficialidade, o desejo a qualquer custo de conforto e facilidades, a aceleração do tempo, trazendo desafios existenciais e produzindo
incertezas, precariedade, insegurança, inquietação. [...]. [A] atual crise cultural atinge, de modo particular, a família. [...] No campo social e econômico, os critérios que
regem o mercado regulam também as relações humanas. Crescem as ofertas de felicidade, realização e sucesso pessoal, em detrimento do bem comum e
da solidariedade, desconsiderando as atitudes altruístas, solidárias e fraternas. Os pobres são considerados supérfluos e descartáveis, resíduos e sobras
(DGAE 2015-2019, n. 21 e 22).

O sistema de organização da sociedade brasileira sempre valorizou o grande capital em detrimento da garantia dos direitos da maioria da população. No quadro atual, o
dinheiro e os ganhos aparecem como uma nova idolatria, com algumas novidades como a banalização da vida e a corrosão do caráter das pessoas e das instituições – e a religião é
uma das vítimas dessa corrosão. Alguns autores chamam atenção para o fato que não somente vivemos uma crise econômica, como também uma crise de caráter antropológico
que reduz a pessoa a agente do consumismo. Crimes hediondos recebem uma quase pitada de “glamour” e são os que mais movimentam a economia, tais como o narcotráfico, o
tráfico de pessoas, a exploração sexual, jogos eletrônicos que trazem tanto conteúdos éticos quanto antiéticos, e o armamento. Esses crimes ganham guarida no mercado e afetam
radicalmente a visão ética.
A Igreja tem refletido sobre esse contexto sociocultural e socioeconômico. Ela incentiva os agentes de pastoral a não se acomodarem e a reagirem segundo o espírito das
bem-aventuranças (cf. Mateus 5, 1ss), e percebe múltiplos sinais de esperança nas ações e nas experiências dos discípulos e discípulas missionárias. Os consagrados seculares se
dedicam com muito ardor a essa missão no mundo. O desafio permanente a ser ultrapassado é não deixar que roubem a vitalidade da vocação.
Em síntese, deve o consagrado secular descobrir “[...] o modo para fazer com que a Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova” (DGAE 2015-2019,
n. 29). Para essa perspectiva, o consagrado secular tende a se ver como o semeador, entre o trigo e o joio (Mateus 13, 24-30). Cada dia, para tomar a decisão certa, à luz do
evangelho, ele se pergunta: – “Se Jesus estivesse aqui, o que ele faria?”

6.3. Ambiguidades e questionamentos que permanecem

A aprovação da Conferência Nacional e o testemunho dos consagrados no mundo não conseguiram impedir nos Institutos Seculares certa sensação de não aceitação do seu
estilo de consagração e de seguimento a Cristo em pleno mundo. De fato, após pesquisas e reflexões, talvez se possa avaliar que não é puramente subjetiva essa percepção, uma
vez que estava presente também na aprovação da Perfectae Caritatis.
No discurso de 26 de setembro de 1970, ao qual já nos referimos, o Cardeal Ildebrando Antoniutti comentava que os Institutos Seculares nem sempre tinham sido
devidamente compreendidos e valorizados:

Toda novidade na Igreja, se, por um lado, cria esperança e entusiasmo, por outro, suscita alguma reserva e desconfiança. Isto tem acontecido também com os Institutos
Religiosos, muitos dos quais passaram pelo crisol da crítica e da oposição para serem depois reconhecidos e admitidos como artífices de autêntica espiritualidade e
vigoroso apostolado. Não há, portanto, porque se surpreender se os Institutos Seculares, que trazem um sopro de vida nova para a Igreja, encontram às vezes
incompreensão, dificuldades e quem sabe também oposição.

Tal explicação, a nosso juízo, parece ainda válida para os dias de hoje e talvez ajude a compreender a situação dos consagrados seculares. Prossegue o Cardeal Antoniutti:
São incompreendidos os Institutos Seculares por aqueles que gostariam de enquadrá-los na antiga disciplina e revesti-los das formas consagradas pela vida religiosa.
Nem compreendem tampouco os Institutos Seculares aqueles que vacilam diante de movimentos que abrem caminho para uma maior compreensão das exigências dos
tempos e uma prática mais ágil do evangelho.

A ambiguidade de aceitação e recusa aparece nas entrelinhas dos documentos e nas atitudes das autoridades eclesiásticas. De um lado, o encantamento pela eclesiologia que
os Institutos Seculares inauguraram, pela qual aspiram a Igreja e os teólogos, e que encontra eco no evangelho. Por outro lado, certo temor e insegurança, porque uma nova
caminhada requer mudanças de estrutura e de vida. Essa problematização se entrevê nos trabalhos de pesquisadores, consagrados seculares e teólogos que elaboraram
a eclesiologia dos Institutos Seculares, tais como Giuseppe Lazzati, Arcadio Larraona, Álvaro del Portillo, Roberto Svoboda, Anastasio Gutiérrez, Paolo Philippe, Karl Rahner,
Hans Küng e Arturo Tabera Araoz76. A entrada da consagração secular em cena afeta a configuração da Igreja.

Acreditamos que os Institutos seculares foram, em seu tempo, uma resposta eclesial específica às necessidades do mundo e, de alguma forma, sob essa forma jurídica,
anteciparam os elementos da Igreja carismática que depois seria “redescoberta” pelo Vaticano II, e isso daria lugar a uma floração de várias formas de consagração
leiga nos chamados novos movimentos e realidades eclesiais. Sabe-se que a valorização das fontes bíblicas e patrísticas durante o Concílio acentuou o aspecto
carismático e pneumatológico da Igreja e de sua noção de mistério, sobre o cristocentrismo paulino que havia caracterizado até então a teologia do corpo místico. Por
essa perspectiva, pode-se entender o chamado universal à santidade, o empoderamento do papel dos leigos na Igreja e sua missão de transformar realidades temporais.
É nessa linha que devemos situar a vocação leiga (ou sacerdotal) de especial consagração nos Institutos seculares como uma resposta carismática à santidade e como
profecia, para o mundo, que antecipa a vida futura (ALONSO, 2014, p. 562).77

A nosso juízo, as dificuldades e ambiguidades da consagração secular percorrem a história dessa vocação no Brasil. A Igreja encontrou dificuldades para assimilar em sua
estrutura a consagração secular. Por sua vez, dentro da cultura brasileira, existe certa dificuldade para acatar a ideia de homens e mulheres celibatários, sem vínculos
tradicionalmente reconhecidos na estrutura social. Há reconhecimento quando alguém se apresenta como casado ou sacerdote ou irmão, frei, freira. O mesmo não acontece quando
diz que é consagrado secular, o que causa ainda certa estranheza no cotidiano das práticas religiosas.
As reflexões sociológicas, teológicas e eclesiológicas – da Provida à Consagração e Secularidade, que citamos anteriormente – delineiam especificidades da vocação
dos Institutos Seculares. Mesmo insuficientes, oferecem elementos seguros para consolidar um estado de perfeição cristã. Esta é uma possibilidade de responder às necessidades
de um tempo da história. A propósito, na Conclusão do documento Consagração e Secularidade, lemos o seguinte:

A história dos Institutos Seculares é ainda breve. Por isso, e pela sua própria natureza, eles permanecem muito abertos à atualização e adaptação. […] Há, porém, o fato
de que eles não são bastante conhecidos e complexos: por motivos que talvez derivem de sua identidade (consagração e secularidade, ao mesmo tempo), talvez do seu
modo de agir com discrição, talvez de uma atenção insuficiente prestada a eles, e também porque ainda existam aspectos problemáticos não resolvidos.

Os Institutos Seculares, se considerarmos toda a história, o movimento anterior à aprovação da Igreja, até os dias de hoje, já tem um século, e não são ainda suficientemente
conhecidos e reconhecidos. Em que ponto estão interrompidos os canais de comunicação? Essas interrupções aprofundam a ambiguidade? O que fazer para superá-las? E como
essas questões ocorrem no Brasil?
A única certeza que temos é de que não se salva o mundo estando fora dele. Por isso, cada consagrado secular é sinal de uma Igreja dialogante, porque vive a experiência da
encarnação do Verbo. A estratégia de Deus para salvar a humanidade foi fazer-se homem e se colocar no mundo. É preciso nos tornarmos irmãos uns dos outros, em clima
de diálogo e de amizade.

A vossa vocação faz com que estejais interessados em cada pessoa e nas suas instâncias mais profundas, que muitas vezes não são expressas ou são mascaradas. Em
virtude do amor de Deus que encontrastes e conhecestes, sois capazes de proximidade e ternura. Assim, podeis estar tão próximos que tocais do alto as suas feridas e
expectativas, suas perguntas e suas necessidades, com aquela ternura que é expressão de uma cura que elimina qualquer distância. Como o samaritano, que passou
adiante e viu e sentiu compaixão. Está aqui o movimento no qual vossa vocação vos compromete: passar ao lado de cada pessoa e tornar-vos o próximo de cada pessoa
que encontrais; porque o vosso permanecer no mundo não é simplesmente uma condição sociológica, mas é uma realidade teologal que vos chama a um estar
consciente, atento, que sabe entrever, ver e tocar a carne do irmão (CNBB, 2015, p. 94).

Segundo o Papa Francisco, como vimos, a consagração faz de cada consagrado secular uma centelha viva da Igreja. O Papa também conclama a urgência de reavaliar o
sentido dessa vocação. As ambiguidades, alegrias e esperanças da vida consagrada fazem parte da caminhada peregrina no mundo, especialmente daqueles que trazem o cheiro e a
poeira da estrada. No Brasil, a vocação do consagrado secular é vital para o desenvolvimento da Igreja. Pena que ainda não tenha o necessário reconhecimento da hierarquia
eclesiástica, que muitos dos membros desses Institutos ainda façam uma certa confusão sobre sua vocação e que o sincretismo da cultura brasileira dificulte a clareza da vocação.
Essa questão não acontece somente entre nós, conforme observamos várias vezes em comentários de teólogos e pesquisadores e em documentos da própria Igreja (cf. CMIS, 1995,
p. 122-144).
O campo de ação dos consagrados seculares é o mundo, onde as pessoas sofrem, se alegram, se encantam e decepcionam, aqui, neste mundo, vive o consagrado e pode
ajudar as pessoas a se encontrarem com Cristo. Existe hoje uma confusão religiosa que deixa as pessoas “perdidas” e sem um ponto de apoio. É dura esta realidade, mas é um fato
que se coloca. A Igreja não está conseguindo alcançar o cotidiano, diante da rede religiosa que prioriza autoajuda, psicologismo de massas, mistura de doutrina, proliferação de
“milagreiros”, narrativas que negam o evangelho ao mesmo tempo que aparecem como algo que emerge do evangelho. Basta ver o mapa religioso do Brasil dos últimos trinta anos
e o número crescente das diferentes formas de ateísmo ou desfiliados de uma religião.
Não seria esta miscelânea, esta “babilônia”, um desafio para consagrados seculares e consagradas seculares em nosso tempo? Esta vocação carrega consigo uma retropia, que
leva a contemplar o passado, recuperar a tradição e olhar para a frente, no sentido de um encontro com o Pai, porque o mundo não é aquilo que o Cristo espera de nós. Um olhar
dirigido à Cruz e às promessas do Senhor, que está para além da Cruz, motiva e reinventa continuamente a consagração secular. Por que sou consagrado secular no Brasil? Porque
sou discípulo de Cristo, mensageiro da boa nova do evangelho e construtor do Reino de Deus.

Notas de Rodapé

1 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
2 PAROLIN, Pietro, Cardeal, Secretário de Estado. Mensagem aos participantes da Assembleia Geral da Conferência Mundial de Institutos Seculares.
Roma, 17 ago. 2016.
3 PAPA FRANCISCO. Mensagem aos participantes do Congresso dos Institutos Seculares italianos, por ocasião do 70º aniversário da Constituição
Apostólica Provida Mater Ecclesia, 23 out. 2017.
4 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970.
5 Carlos ÁVILA, poeta e jornalista. In: Folha de São Paulo, “Mais!” 14 maio 2000.
6 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
7 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
8 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970, p. 86.
9 Venerável Giuseppe Lazzati, consagrado secular, fundador do Instituto Secular Cristo Rei. cf. http://www.santiebeati.it/dettaglio/91539
10 CEDIS. Conferencia Española de Institutos Seculares. Consagración secularidad. Valencia: Edicep, 1996. p. 53-69.
11 Tradução livre, ver original: “Los I.S. comparten con los demás laicos esta especialización: cambiar el mundo desde dentro; especialización que se
refuerza, se sostiene y compromete por la consagración especial.”
12 PAPA JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Jubileu pelo 1950º Aniversário da Redenção, n. 3.
13 JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, n. 12.
14 PAPA JOÃO XXIII. Bula de convocação do Concílio, Humanae Salutis, 25 dez. 1961.
15 PAPA JOÃO XXIII. Gaudet Mater Ecclesia. Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 out. 1962, 7, 3.
16 São João Crisóstomo, citado em Lumen Gentium, n. 38 (386).
17 CASTELLS, Manuel. Disponível em: https://ibebrasil.org.br/areas-atuacao/cultura-digital/. Acesso em: 24 fev. 2020.
18 PAPA BENTO XVI. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2013.
19 PAPA FRANCISCO. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2014.
20 PAPA FRANCISCO. Discurso no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 2014. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/magisterio-da-igreja/francisco/.
21 O Código de Direito Canônico de 1983 inovou, eliminando a distinção ou dicotomia entre Ordens e Congregações religiosas. Tal distinção era feita
pelo critério de votos públicos, simples e privados. Na apresentação do novo Código, João Paulo II explicita que, de tempos em tempos, “a Igreja
reforma e renova as leis e a disciplina canônica”, a fim de expressar sua fidelidade ao Divino Mestre. Em síntese, a Igreja decidiu organizar a vida
consagrada no tópico “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”. O eixo condutor da vida consagrada são os
conselhos evangélicos, conforme cânones 573-577.
22 Cf.
https://books.google.com.br/books?id=-xJ4U2RQXHMC&pg=PA217&dq=santa+angela+de+merici&hl=pt-BR&sa=X&ei=QdwHUZ3yM9OC0QGhz4GgAw#v=o
Acesso em: 13 abr. 2020.
23 Tradução livre, segue texto original: Angela Merici respira a pleno pulmón la sana libertad del siglo y ve en esa misma libertad un campo y un
medio de conquista. Ella no quiere cerrarse en un claustro, sino vivir en médio del mundo; sus hijas vivirán en el seno de su família, llevando en
si mismas su claustro y sembrando por todas partes el “buen olor de Cristo”. Continuando la vida secular de su tiempo, ellas penetran en la
sociedad y la hacen un bien incalculable. Las circunstancias históricas favorecen maravillosamente tal iniciativa y la harán necesaria. [...] Otras
numerosas realizaciones merecerian ser subrayadas en el curso de los siglos passados, ya que innumerables fueron las almas que desearon
consagrarse a Dios y al apostolado quedando en el siglo, fermento en la massa, en el seno de la propia família, en las profesiones y en los
trabajos ordinários. (HUOT, 1968, p. 176).
24 PAPA FRANCISCO. Carta para o Evento “Economy of Francesco”. (ASSIS, mar. 2020). Este evento não se realizou devido à pandemia do Covid19.
cf. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html.
25 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/. Acesso em: 20 jun. 2020).
26 Disponível em: http://www.vatican.va/content/leo-xiii/la/apost_constitutions/documents/hf_l-xiii_apc_19001208_conditae-a-christo.html.
27 Documento da Sagrada Congregação sobre a vida consagrada. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_profile_it.html. Acesso em: abr. 2020.
28 Um esboço dessa síntese pode ser encontrado na Revista Diálogo, v. 17, n. 80/81, 1989.
29 CMIS. Revista Diálogo, n. 44, p. 63-67, mar./abr. 1980. Nesta Revista, encontram-se detalhamentos da história de Ângela Clavel.
30 Disponível em: www.crianca.mppr.mp.br/pagina-445.html. Acesso em: 22 maio 2020.
31 Cf. SENNET, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
32 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970. p. 86.
33 Cf. Lumen gentium e, se desejar aprofundamento, ver teólogos como Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph
Aloisius Ratzinger e o trabalho de Schillebeeckx, E., Cristo, sacramento de encontro com Deus. Petrópolis: Vozes, 1967.
34 Entre os peritos, estavam Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph Aloisius Ratzinger e Edward Cornelis Florentius
Alfonsus Schillebeeckx.
35 Cf. https://www.comunidadedeaprendizagem.com/uploads/materials/308/7b6d6c81dee37228ff26c1f332fe291b.pdf
36 Tradução livre, segue texto original: “El Instituto Secular es el reciente matrimonio del estado de perfección y del estado secular. Es un hallazgo
del Espíritu Santo que lleva el estado de perfección en médio del mundo.”
37 Tradução livre, segue texto original: “En el intermedio de este periodo, que va desde el Concilio Vaticano II hasta nuestros días, el Código
de Derecho Canónico del año 1983, en el Título III, ‘De los Institutos Seculares’, legisla sobre ellos en los cánones 710-730. La presencia en
el Código de la legislación sobre los Institutos Seculares es uno de los acontecimientos más importantes y significativos del nuevo texto legal,
pues, como hizo notar Pablo VI, se da una profunda y providencial coincidencia entre el carisma de los Institutos Seculares y una de las
realidades más importantes y claras del Concilio: la presencia de la Iglesia en el mundo. La vida consagrada secular es precisamente la
consagración de la secularidad, la unión indisoluble y esencial entre la vida secular y la vida consagrada por la profesión de los consejos
evangélicos, con la audaz misión de superar el dualismo Iglesia-Mundo, y de ser el ‘arquetipo de la presencia del Evangelio y de la Iglesia en el
siglo’”. cf. http://www.alianzajm.org/IMG/pdf/La_vocacion_de_la_consagracion_secular_en_la_Iglesia_.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
38 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970..
39 PAPA PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais e membros dos Institutos Seculares, no XXV aniversário da Provida Mater Ecclesia, em 2 de
fevereiro de 1972, tradução livre do espanhol.
40 PAPA JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes do Simpósio Internacional sobre a Provida Mater Ecclesia, em 1 de fevereiro de 1997.
41 PAPA JOÃO XXIII. “Il Tempio Massimo”. Carta sobre o empenho das religiosas pelo Concílio,1962.
42 PAPA BENTO XVI. Discurso aos participantes da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, por ocasião dos 60 anos da Provida Mater Ecclesia,
2007.
43 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, em maio de 2014.
44 Tradução livre, segue texto original: “Esto no está bien. El Concilio, que quiere ser pastoral en sus intentos y quiere manifestar al mundo la
perenne juventud y adaptabilidad de la Iglesia, habría debido hablar más ampliamente de los Institutos seculares: [...] los miembros de
los Institutos seculares no son laicos como los otros, ya que se han ofrecido totalmente a Cristo; se han comprometido, mediante
reconocimiento oficial de la Iglesia, a seguir los consejos evangélicos en la vida secular, se han convertido formalmente en consagrados en
virtud del voto o del juramento de castidad. Pero ni siquiera pueden ser catalogados entre los religiosos, pues la naturaleza de los Institutos
seculares difiere profundamente de la del estado religioso [...]; también su apostolado [...] ‘en el mundo pero como fuera de él’ [...] difiere del de
los religiosos en el objeto, en el método, en los modos. [...] la característica de tales Institutos es la ‘secularidad’, no sólo en el vestir, sino en
toda la mentalidad y modo de actuar. Por ello: se dedique a ellos un párrafo específico; se cambie el título del esquema, sustituyendo la presente
expresión por otra que comprenda también las personas consagradas a Dios, reconocidas como tales por la Iglesia, y que sin embargo no son
religiosos” (ALONSO, 2014, p. 556).
45 Tradução livre, segue texto original: “La intervención de Pablo VI respondía a las exigencias manifestadas por los mismos Institutos seculares y
representaba sin duda un remedio a una situación paradójica” (ALONSO, 2014, p. 559).
46 Tradução livre, segue texto original: “En el Decreto ‘De accomodata renovatione vitae religiosae’ se debe añadir algo a propósito del párrafo 11. En
efecto, por inadvertencia, faltan en el texto cuatro palabras. El Presidente da la Comisión ruega sean añadidas al texto cuatro palabras, desde el
momento que la Comisión siempre há desarrollado sus trabajos en tal línea. Incluyan, por tanto, los Padres en el texto del Decreto dichas
palabras, o tomen nota aparte por escrito. La votación que se hará hoy y la que se tendrá mañana delante del Sumo Pontífice, se hará sobre el
texto enmendado en tal sentido. Las palabras a añadir son éstas: ‘Los Intitutos Seculares, aunque no son Institutos religiosos, llevan consigo una
verdadera y completa’...” (BEYER, 1968, p. 63-64).
47 Podemos afirmar que esta forma de consagração na Igreja encontrou no Pe. Beyer o canonista e teólogo mais completo, tendo delineado
claramente sua especificidade. Doutor em Direito Canônico em 1961, com uma tese sobre os Institutos Seculares, autor de profundas e originais
visões sobre a natureza da vida consagrada, fez considerações sobre a tipologia da vida consagrada em geral e da vida religiosa em particular.
Foi incansável durante os trabalhos do Vaticano II e, mais tarde, colaborou de maneira incisiva para a redação do Código de Direito Canônico de
1983, como consultor da Comissão de Reformas no que diz respeito à vida consagrada, desde o início dos trabalhos até o final. cf.
https://www.iuscangreg.it/beyer
48 Congregación para los Religiosos e Institutos Seculares (CRIS). Identidad y misión de los Institutos Seculares, 1983. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/.
49 Cf. http://cmis-int.org/cmiswebsite/magisterio/magisterio_es/eclesiologia_1983.pdf. Acesso em: 1 ago. 2020.
50 Desse primeiro Congresso, realizado em Roma entre 20 e 26 de setembro de 1970, participaram mais de 400 pessoas de 92 Institutos de 16 países
de dois Continentes. Estiveram ausentes, por motivos jurídicos, representantes da Ásia, da África e da Oceania.
51 PIRONIO, Dom Eduardo Francisco (1920-1998), cardeal argentino. Foi Presidente do CELAM, Prefeito da Congregação para os Religiosos
e Institutos Seculares e Presidente do Conselho Pontifício para os Laicos.
52 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/
53 PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais dos Institutos Seculares. 25 ago. 1976.
54 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520253-o-papa-francisco-e-um-paradoxo-artigo-de-hans-kueng.
55 LAS CASAS. Bartolomeu. Em defesa dos índios (c. ■■■■). Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1
56 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 25.
57 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 23.
58 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 41.
59 “Aos nossos filhos católicos que pertencem aos países mais favorecidos, pedimos o contributo da sua competência e da sua participação ativa
nas organizações oficiais ou privadas, civis ou religiosas, empenhadas em vencer as dificuldades das nações em fase de desenvolvimento. Hão
de ter, sem dúvida, muito a peito o ser contados entre os primeiros de quantos trabalham por estabelecer, na realidade dos fatos, uma moral
internacional de justiça e de equidade.” Papa Paulo VI. Encíclica Populorum Progressio, 81.
60 Cf. https://drive.google.com/file/d/1K9tL-5apCcJwgLxgHhQfuMC6l6WodPMd/view
61 Tradução livre, segue texto original: [...] el “permanecer” en el mundo es fruto de una opción, es una respuesta a un llamado específico: es asumir
esta dimensión del estar dentro, del estar cerca, del mirar el mundo como realidad teológica-espiritual, en la que se entrelazan la dimensión
histórica y la dimensión escatológica. Esto exige un notable desarrollo de aquella calidad humana, tan proclamada hoy, que es la capacidad de
“con-participación”, de co-responsabilidad. Una con-participación responsable y generosa, que podríamos definir, con una expresión más
sencilla, como capacidad para saber vivir dentro... (Juany Monsalve Moya).
62 PAPA FRANCISCO. Discurso à Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
63 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565040-papa-visita-universidade-citando-bauman-temos-uma-economia-liquida É importante destacar
que Bauman, antes de morrer, elogiou muito o Papa Francisco. Ve
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565619-o-dom-de-francisco-artigo-de-zygmunt-bauman. Acesso em: 2 fev.2020.
64 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948.
65 cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
66 Cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
67 Cf. http://www.brasilescola.com. Acesso em: jan. 2020.
68 Participaram da fundação da CNBB, no Rio de Janeiro, presentes ou representantes, 20 Arcebispos do Brasil e o Núncio Apostólico. O primeiro
presidente foi Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, então Arcebispo de São Paulo, que indicou, para o cargo de Secretário Geral, Dom
Hélder Pessoa Câmara.
69 Um excelente texto sobre a história da Igreja na América Latina, que aborda o Brasil, é o trabalho de DUSSEL. Ver
https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/40.Historia_da_igreja_latinoamericana.pdf.
70 PAULO VI. Discurso aos responsáveis dos Institutos Seculares, 20 set. 1972.
71 As informações sobre a caminhada dos Institutos Seculares no Brasil foram extraídas de dados registrados nos arquivos que contêm as Memórias
do Instituto Catequético Secular São José, participante da caminhada desde o início.
72 Mais informações sobre a situação atual dos Institutos Seculares no Brasil podem ser encontradas nos seguintes endereços:
http://cnisbrasil.blogspot.com/;https://pt-br.facebook.com/cnisbrasil/; https://cnisbr.wixsite.com/cnisbrasil/pagina-inicial. Acesso em: 28 mar.
2020.
73 Cf. Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Brasília: CNBB, 2019. p. 39.
74 Organização Internacional do Trabalho. Cf. https://www.ilo.org/brasilia/temas/fow/lang--pt/index.htm
75 Cf. https://www.a12.com/redacaoa12/assembleia-geral-cnbb/cnbb-divulga-mensagem-por-ocasiao-do-dia-do-trabalhador.
76 Cardeal D. Arturo Tabera Araoz (1903-1975, Espanha), prefeito da Sagrada Congregação para Institutos Religiosos e Seculares.
77 Tradução livre, segue texto original: Creemos que los Institutos seculares fueron en su tiempo, una respuesta eclesial específica ante las
necesidades del mundo y, de alguna manera, bajo esa forma jurídica, se anticiparon los elementos de la Iglesia carismática que después sería
“redescubierta” por el Vaticano II, y que daría paso a una floración de variadas formas de consagración laical en los llamados Nuevos
movimientos y realidades eclesiales. Es sabido que la valoración de las fuentes bíblicas y patrísticas durante el Concilio favoreció la acentuación
del aspecto carismático y pneumatológico de la Iglesia, y de su noción de misterio, respecto al cristocentrismo paulino que había caracterizado
hasta entonces la teología del cuerpo místico. Desde esa perspectiva, puede entenderse la llamada universal a la santidad, el potenciamiento del
papel del laicado en la Iglesia, y su misión de transformar las realidades temporales. Es en esta línea, que hay que situar la vocación laical (o
sacerdotal) de especial consagración en los Institutos seculares, como respuesta carismática de santidad y como profecia para el mundo que
anticipa la vida futura (ALONSO, 2014, p. 562).
78 Cf. https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-04-06/recuperado-infectologista-david-uip-fala-sobre-covid-19-extremo-sofrimento.html.
79 MURICY, Moema Rodrigues. Institutos seculares, uma nova forma de ser Igreja, hoje. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/5811.

7. CONSAGRAÇÃO SECULAR, MUNDO LÍQUIDO E MISSÃO

Percorremos até aqui o itinerário da consagração secular, por vezes com o olhar voltado para a Igreja primitiva ou originária. Agora, no afunilar de nossas reflexões, tomamos um
maior grau de consciência de que somos discípulos e discípulas de Cristo, de que estamos mergulhados numa sociedade frágil que, a cada momento, se configura e reconfigura,
uma sociedade líquida, como a caracterizou o sociólogo Bauman.
– “Em cada mergulho, um flash” – o bordão de Mara Marzan numa novela de 2014 (ou – “Em cada lance um flash”, de algumas escolas de futebol), desenha uma sucessão
de rasgos de luzes e sombras que iluminam e se esvaem, como relâmpagos que embaralham nosso olhar. Esse acende e apaga confunde a clareza do caminho a tomar,
deixando-nos na incerteza da trilha. No bruxulear de sombras e luzes, os sonhos e utopias tendem a perder a clareza, pedir atualizações e retomadas sem fim.
As palavras, quando se tornam modismos, querem explicar um mundo de coisas... e acabam por se transformar em chavões tão exaustivamente repetidos que perdem o
sabor. Para ser viva, a palavra tem que conter a prática, a experiência vivida. Por exemplo, em tempos de pandemia ou de guerras, um conjunto de práticas explode e, em
sequência, novos procedimentos e jeitos de agir e de conviver afetam o mercado, os processos de produção e os relacionamentos, não só individual, mas coletivamente.
A pandemia do Covid-19, de 2020, é um dos exemplos dessa relação entre o saber, a ciência e o experimentar. O coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em
São Paulo, o médico infectologista Dr. David Uip, contaminado pelo vírus, após seu restabelecimento, fez este comentário: – “Eu tive que me reinventar, tive que criar um David
novo. Seguramente mais humilde e sabendo os limites da vida. [...]. Não é fácil ficar isolado. É de extremo sofrimento.” O Dr. Uip acrescentou que, a partir de então, iria conciliar
o trabalho como pesquisador e porta-voz do centro de contingência com o exercício da medicina clínica, ajudando pacientes contra a doença que enfrentou e venceu.78
O Covid-19 atingiu a população mundial. Em resposta, a criatividade humana buscou saídas práticas. Para vários autores dos séculos XIX e XX, não é a consciência que
determina a vida, e sim a vida que determina a consciência. A prática gera a teoria que gera novas práticas e produz novas teorias... As experiências, quando refletidas, produzem e
reproduzem conhecimentos.

Não há, pois, conhecimento sem práticas e atores sociais. E como umas e outras não existem senão no interior das relações sociais, diferentes tipos de relações podem
dar origens a diferentes epistemologias. [...]. Assim sendo, qualquer conhecimento válido é sempre contextual, tanto em termos de diferença cultural como em termos
de diferença política. [...] as experiências sociais são construídas por vários conhecimentos, cada um com os critérios de validade, ou seja, são construídas por
conhecimentos rivais (SANTOS, 2010, p. 9).

A Palavra de Jesus traduzia sua experiência de ser Filho de Deus e filho da humanidade. Esta ideia aparece bem delineada no evangelho (João 1, 14): – “O Verbo se fez
carne e habitou entre nós”. Poderíamos inverter essas palavras? – “A carne se fez Verbo”? Ou, quem sabe, afirmar que a realidade se fez Palavra?
Quem, hoje em dia, poderia declarar que não tem dúvidas ou que alcançou o auge da felicidade e da liberdade? A sociedade líquida não tolera o que dura. Experimenta o
transitório, o fluido, o fugidio, o fugaz, aquilo que não tem forma por si e em si, mas que ganha forma no espaço em que se aloja. Como a água no rio, a água no chão, a água no
copo, na garrafa...

O mundo que chamo de líquido, porque, como todos os líquidos, jamais se imobiliza, nem conserva a sua forma por muito tempo. Tudo ou quase tudo em nosso mundo
está sempre em mudança: as modas que seguimos e os objetos que despertam nossa atenção [...], as coisas que sonhamos e que temos, aquelas que desejamos e
odiamos, as que nos enchem de esperança e as que nos enchem de aflição. [...] na maioria das vezes, faz isso com tanta rapidez e agilidade que não conseguimos tomar
uma providência sensata e eficaz para direcioná-las ou redirecioná-las, para conservá-las ou interceptá-las (BAUMAN, 2010, p. 6).

Esta é uma sociedade sem pontos fixos, sólidos. As relações são constituídas de descartes, o indivíduo se sente à vontade para usar os demais conforme um conjunto de
interesses, quebrando assim os princípios da ética e do evangelho. Quando essa finalidade se esgota, o outro deixa de ter utilidade, é descartável. Vivemos relações instantâneas,
sucessos instantâneos. Até Deus e a religião, em função de interesses, passam a ser instantâneos e descartáveis.
O consagrado secular não vive do mundo instantâneo e nem da religião momentânea. Vive de um encontro pessoal com Jesus Cristo, que não desilude. Cristo é a eterna
novidade do Pai e cada encontro com Cristo é um aprofundamento dessa novidade. É impossível a uma pessoa desvelar e aprofundar sozinha o mistério da fé, sem o apoio de uma
comunidade de discípulos e a graça do Espírito Santo. O consagrado secular não está só e nem à deriva. Pertence à Igreja. Esse quadro de múltiplas realidades e situações, Jesus
descreve na parábola do semeador (Mateus 13, 1-9, Marcos 4, 3-9 e Lucas 8, 4-8).
A experiência da consagração secular não é dada; ela pressupõe um conjunto articulado de várias lógicas, a opção do indivíduo, o encantamento por Jesus, um serviço na
comunidade ou na sociedade, a busca pela justiça, uma organização social, o trabalho profissional, a oração, a espiritualidade do Instituto ao qual se pertence, no administrar a
própria vida, uma visão de Igreja e o chamado de Deus. São elementos de uma constituição de subjetividade, que traçam um caminho no sentido do evangelho e da vocação
universal à santidade.
No cotidiano, vários sinais de santidade aparecem, no trabalhador que busca trazer o pão para a família, na dona de casa que se ocupa com os filhos e familiares..., nas
pessoas que se preocupam com o bem-estar dos outros, na vocação do consagrado secular que, livre e alegremente, doa a Deus e aos irmãos suas energias, para melhorar o mundo
e seu entorno. São pessoas que dia a dia derramam seu sangue, testemunhando os valores humanos e cristãos (cf. GeE, n. 6-8).
A experiência da consagração secular não pode se desvincular do evangelho, da Igreja e do Instituto de pertencimento, para não cair numa falsificação da santidade. Também
o mundo tem seus encantamentos e seduz com propostas enganadoras, que não evangelizam, mas analisam, julgam, classificam, controlam as pessoas, “não facilitam o acesso à
graça” (GE, n. 35). A santidade não é, prioritariamente, resultado de um esforço pessoal, é fruto da graça de Deus. O consagrado tudo dirige a Deus, a vida fraterna, o apostolado,
o serviço, as motivações, a vida interior, em atos de culto e adoração.
A experiência social produz um sujeito social que sabe se situar de forma sociopolítica no mundo.

Assim, os valores são, ao mesmo tempo, recursos ideológicos, modalidades de interação e de controle e apelos a uma subjetividade não social, se bem que socialmente
definida. Passa-se o mesmo com as relações sociais que são, simultaneamente, relações de integração, relações de concorrência e relações de dominação que limitam a
autonomia dos indivíduos e dos grupos. Deste ponto de vista, cada indivíduo ou cada movimento social tem pela frente problemas idênticos, os da combinação numa
experiência de várias lógicas da ação (DUBET, 1994, p. 260).

Vivemos num tempo de fragmentação e fragilização das relações. O consagrado secular tem que tomar consciência dessa dinâmica e definir a quem ele serve, a quem ele
segue, para que sua experiência modifique seu entorno e o mundo. A experiência sociopolítica da consagração secular, embora já tenha o reconhecimento jurídico, exige um
aprofundamento teológico, eclesiológico e sociológico. Sem isto, poderá correr o risco de se perder na história. Não se trata de uma teoria solta no tempo, mas de uma teoria que
se renova na prática e de uma prática que se reflete na teoria.

Houve reconhecimento e aprovação dos Institutos Seculares pela Igreja [...]. No entanto, faz-se urgente e necessária uma teologia para essa nova vocação, [...] seu
desenvolvimento e fortalecimento. Essa teologia abre a reflexão sobre a Encarnação, a vida em Nazaré e a vida pública de Jesus. As contribuições de Paulo VI, João
Paulo II e, especialmente, do teólogo Balthasar, foram importantes, porém é preciso ampliar a pesquisa e o teologizar, pois aos novos desafios do mundo secularizado,
impõem-se novas respostas nessa vocação. O entusiasmo por esta vocação, logo após o Vaticano II, não se manteve, talvez porque esta lacuna na pesquisa teológica a
faça desconhecida por muitos na Igreja.79

Além de uma sistematização teológica, é necessário avançar nos aspectos psicológicos e sociológicos que explicitam a dinâmica da vocação à consagração secular. A
natureza dessa vocação pressupõe auto-organização, autoformação e autodisciplina, no sentido de que cada indivíduo tem que interpretar os apelos de Deus, da Igreja, do Instituto
a que pertence, da realidade, de sua existência, tomar decisões adequadas e viver no seu cotidiano o estado de perfeição (obediência, pobreza e castidade).
A experiência do consagrado secular não é “vigiada”. Ocorre dentro de sua capacidade de interpretar situações e tomar decisões. É, por isso, uma vocação um tanto
“solitária”, não no sentido de o consagrado secular estar desvinculado ou desfiliado, mas porque sua condição envolve decisões pessoais, no trabalho, no lazer, na política, na
economia. Seu jeito de viver é singular, pelo enraizamento nas Constituições do Instituto.
A experiência humana vem sempre carregada de certa ambiguidade e, às vezes, de imprecisão, isto porque ela se define no campo das condutas sociais. Ela é heterogênea e
subjetiva. Não se define apenas pelo aspecto da cultura, do papel que o indivíduo desenvolve, mas também pela dimensão subjetiva, isto é, pelo modo pelo qual o indivíduo se
coloca em determinado lugar.
Desde Kant, Kierkegaard, Nietzche e Sartre, o homem é concebido como um ser para a liberdade e a felicidade. A pergunta é: como buscar a felicidade e a liberdade
numa sociedade líquida, nesta luta do ser contra o não ser? Frente à necessidade de discernimento entre o bem e o mal presentes no agir humano, mais do que uma questão de
aceitar ou de não aceitar, é a experiência existencial que constitui um modo de estar e de se colocar no mundo, de responder à questão do ser no cotidiano.
Buscar a liberdade e a felicidade é responder a uma questão do ser. Na sociedade moderna, em sua fase sólida, e hoje, na fase líquida, o ser humano não é apenas para viver e
morrer, é um ser consciente da vida e da morte. Por isso, constrói projetos de vida. Esses elementos constitutivos do sujeito tendem a encontrar a máxima realização no
seguimento de Cristo. O consagrado secular tem que estar preparado para não se perder nesse emaranhado, em que o mercado se coloca como fonte e fim da realização humana.
Na proposta paulina, o novo homem se contrapõe ao homem mercantilizado, cujo modo de ser se alimenta da idolatria. O consagrado secular é convidado a dar um
testemunho que desconstrói a perspectiva da idolatria do mercado. Seu testemunho tem um sentido e um conteúdo escatológico, quer mostrar a todos e a cada um que a felicidade
e a liberdade não se limitam ao momento presente. Começam aqui e se completam no paraíso.
Na consagração secular, buscar a felicidade e a liberdade implica a solidariedade e a expectativa de um encontro com o outro como caminho para a felicidade em Cristo. Ao
contrário, a busca de ser feliz e livre atrelada ao consumo das mercadorias não traz resultados duradouros, porque a pessoa sempre quer outras coisas, acreditando que o dinheiro
traz a felicidade e que a liberdade está no ter, mesmo à custa da negação do ser.
Estar no mundo pela ótica da consagração secular é buscar constantemente a transformação, num itinerário que se volta para a aproximação da experiência trinitária. À luz
da fé, a esperança na Trindade não nos desaponta. Maria, a primeira consagrada da Escola de Jesus, e mesmo José, viveram o itinerário da Encarnação, Paixão, Morte e
Ressurreição, o mistério pascal.
O itinerário da felicidade e da liberdade ocorrem, na sociedade líquida, pela mão invisível do mercado. O narcisismo e o egocentrismo que daí resultam conduzem à negação
do novo homem paulino.

A mão invisível do mercado, operada por indivíduos egoístas na busca de sua própria riqueza e prazer, parecia muito relutante ou impotente em salvar os seres
humanos dos horrores da crueldade recíproca; com toda certeza, não conseguiu nem libertar a maioria dos homens dos grilhões da paixão e nem fazer totalmente felizes
aqueles poucos que teve sucesso em tornar livres. De alguma forma, as paixões [...] mostraram ser tão absolutamente indispensáveis à felicidade quanto era a busca de
vantagens puramente pessoal (BAUMAN, 2009, p. 84).

No mundo líquido, a felicidade está restrita ao consumo. São milhões de pessoas movidas pela busca da felicidade, da liberdade, no consumo. Incessantemente, porém,
diante da velocidade das mudanças e dos acontecimentos, essa felicidade e essa liberdade se esvaem. É uma perda que produz medo e ansiedade, com efeitos paralisantes.
Imaginamos que, olhando para esse cenário, o Papa Francisco escreveu as Exortações Apostólicas Evangelii Gaudium e Gaudete et Exsultate, dois documentos que trazem pistas
seguras sobre o modo de nos colocarmos num mundo cuja marca é a liquidez.
O conhecimento de Jesus não é a mesma coisa que a experiência do encontro com ele (cf. EG). Ter conhecimento de Jesus ou fazer uma ideia dele, imaginar Jesus, não é a
mesma coisa que caminhar e sentir com ele. A consagração secular e a ação missionária se sustentam na experiência pessoal de saborear a amizade e a mensagem de Jesus.

O verdadeiro missionário, que não deixa jamais de ser discípulo, sabe que Jesus caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com
ele, no meio da tarefa missionária. Se uma pessoa não o descobre presente no coração mesmo da entrega missionária, depressa perde o entusiasmo e deixa de estar
segura do que transmite, faltam-lhe força e paixão. E uma pessoa que não está convencida, entusiasmada, segura, enamorada, não convence ninguém (EG, n. 266).

O primeiro fundamento da vida consagrada é a busca da radicalidade da aliança que assumimos no batismo. Este modo de compromisso tem como consequência a doação
total a Deus. Uma doação que pode se tornar difícil e dolorosa, um caminho de Calvário, um martírio, em vista das exigências que surgem na caminhada. É um estilo de vida que
poderá exigir tomadas de posição e denúncias contra as injustiças. Mas a expectativa é de que a consagração perdure até a morte.
Esta vocação tem seus rizomas naquilo que Jesus buscou fazer – dar glória a Deus, acolher a humanidade e indicar o caminho para o Pai. É essa a experiência que alimenta
o consagrado secular e determina o seu agir, sempre em sintonia com as moções do Espírito Santo.

O Espírito Santo [...] suscitou no nosso tempo [...] os Institutos seculares, cujos membros pretendem viver a consagração a Deus no mundo, através da profissão dos
conselhos evangélicos no contexto das estruturas temporais, para serem assim fermento de sabedoria e testemunhas da graça no âmbito da vida cultural, econômica e
política. Através da síntese de secularidade e consagração, [...] querem [...] transfigurar o mundo a partir de dentro com a força das bem-aventuranças. Desta forma, ao
mesmo tempo que a pertença total a Deus os torna plenamente consagrados ao seu serviço, sua atividade nas condições normais dos leigos contribui, sob a ação do
Espírito, para a animação evangélica das realidades seculares. Os Institutos seculares contribuem assim para garantir à Igreja, segundo a índole específica de cada um,
uma presença incisiva na sociedade (VC, n. 10).

A comunhão com a Palavra de Deus e os sacramentos¸ a busca da unidade e o empenho na santidade são elementos integrantes e vitais da essência da consagração
na secularidade. Solidários com as situações humanas, os consagrados seculares comprometem-se com o testemunho e procuram sempre seguir em comunhão na trilha de Cristo,
colocando em primeiro lugar a pessoa de Jesus Cristo e sua justiça, e não interesses transitórios e fugazes, Somente a plena confiança no amor de Deus e na realidade que ele criou
move e alimenta as práticas solidárias de um amor que se volta para a transformação do mundo.
O consagrado secular deve viver e manifestar a santidade nas situações cotidianas, como um meio de refletir a presença de Cristo entre os seus. A santidade se expressa nos
relacionamentos entre os membros do Instituto e nos valores que expressam para com o mundo. A missão ganha clareza quando se faz de maneira prática, em gestos, palavras e
ações de amor e não de domínio. O Papa Francisco faz ecoar o chamado à santidade, com seus riscos, “desafios e oportunidades, porque o Senhor escolheu cada um de nós para
sermos santos e íntegros diante dele no amor” (GeE, n. 2).
Desde que Adão e Eva romperam com Deus, o Senhor sempre convidou homens e mulheres para andarem na sua presença. – “Onde você está?”, perguntou a Adão. E a
Abraão Deus chamou para andar na sua presença e ser íntegro (cf. Gênesis ■, 9; 17, 1). Hoje, o consagrado secular é chamado a viver na presença do Senhor, no cotidiano, no
mundo, dentro da realidade em que vivemos. Jesus reforçou esse convite quando nos chamou a ser santos como o Pai: – “Sede santos como meu Pai é santo!” (Mateus 5, 48).
Na sociedade líquida, tudo se esvai ou cai no relativismo, a tal ponto que alguns entendem que viver o evangelho é ser membro de partidos políticos e de organizações não
governamentais. Por essa visão, a prática da caridade acaba por se transformar em filantropia ou na burocracia das políticas públicas. Mas, andar na presença de Deus não se reduz
a fazer algumas boas obras e ter “fino trato”. É procurar transformar o próprio entorno, o mundo, pensando na libertação das futuras gerações, como enfatiza o Papa Francisco
(GeE, n. 99).

Às vezes, infelizmente, as ideologias levam-nos a dois erros nocivos. Por um lado, o erro dos cristãos que separam estas exigências do evangelho do seu
relacionamento pessoal com o Senhor, da união interior com ele, da graça. Assim, transforma-se o cristianismo numa espécie de ONG, privando-o daquela
espiritualidade irradiante que, tão bem, viveram e manifestaram São Francisco de Assis, São Vicente de Paulo, Santa Teresa de Calcutá e muitos outros. A estes
grandes santos, nem a oração, nem o amor de Deus, nem a leitura do evangelho diminuíram a paixão e a eficácia da sua dedicação ao próximo; antes pelo contrário...
(GeE, n. 100).

É também nocivo fazer o contrário, criticar os compromissos sociais de outros para permanecer encastelado no interior de uma paróquia. É um procedimento similar ao
farisaico. A experiência da consagração secular é sempre uma síntese entre a cidade de Deus e a cidade dos homens. Em outras palavras, é a encarnação da Trindade no mundo e
do mundo na Trindade, como fez Jesus.
Por uma perspectiva evangélica, os consagrados seculares tornam presente Cristo no mundo e procuram ser testemunhas de Deus no meio dos irmãos, no mundo da cultura e
do trabalho. Desempenham atividades próprias da sociedade em geral, de forma exímia, numa dinâmica de inclusão, encarnação e solidariedade com o mundo. Os membros
dos Institutos Seculares, vivendo num estado de perfeição,

tomam parte na tarefa de evangelização da Igreja, “no mundo e a partir do mundo”, onde a sua presença atua “à maneira de fermento”. O seu testemunho de vida cristã
visa ordenar segundo Deus as realidades temporais e impregnar o mundo com a força do evangelho. Assumem, por vínculos sagrados, os conselhos evangélicos e
mantêm entre si a comunhão e fraternidade próprias do seu teor de vida secular (CIC, n. 929).

A consagração a Deus na secularidade deve ter o jeito simples da vida cotidiana, espaço de manifestação da presença e da ação de Deus no mundo. Assim como o Filho de
Deus se fez homem para viver plenamente a união entre a divindade e a humanidade, a consagração a Deus na secularidade caminha de braços dados com a vida, alimentada pelas
alegrias, sofrimentos, sucessos e decepções do mundo, vividos à luz da Palavra de Deus. É na simplicidade do cotidiano, que busca tornar visível a presença e a ação de Deus.
Entendemos a secularidade como uma decorrência da contemplação do rosto do Senhor no mundo.
Perguntaram a Jesus qual era o maior de todos os mandamentos. Ele respondeu: – “Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma, de todo teu
entendimento e com toda a tua força. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não existe outro mandamento maior do que estes” (Marcos 12, 29-31). Jesus sintetizou no
cumprimento do amor a Deus e ao próximo o estilo de vida que expressa, realmente, a verdadeira fé (Marcos 12, 29-31). Jesus revelou que Deus é amor (1 João, 4, 8), que
a transformação do mundo e das pessoas somente poderá se realizar se cumprirmos o mandamento do amor.
As tempestades do século XX geraram detritos, lixo e escombros que, às vezes, empanaram o brilho do testemunho da mensagem do evangelho. Uma das bases
do secularismo é tomar em vão o nome de Deus. Esta ideia aparece no evangelho como hipocrisia (cf. Mateus 21, 27-36; Marcos 12, 15; Lucas 12, 1; Romanos 12,9; 1
Timóteo 1, 5) e muitas vezes tomou conta dos espaços sociais e religiosos (cf. DP, n. 82, 418, 622 e 851). A Palavra de Deus não é instrumento de um sistema burocrático.
Do mesmo modo, o secularismo não é somente a negação ou a exclusão do sagrado. É também afirmar a própria fé e praticar o contrário, como fazem aqueles que
fetichizam, instrumentalizam ou coisificam a Palavra, com ou sem clareza desta atitude incoerente. Pior ainda é se deixar enganar, porque “de Deus não se zomba, nem se
escarnece” (Gálatas 6, 7). Deus nos tornou “aptos para sermos ministros de uma aliança nova, não da letra, e sim do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito comunica a vida”
(cf. 2 Coríntios 3, 6), como ensina Santo Agostinho (2013, cap. 14, p. 24).
No final da Gaudete et Exsultate, o Papa Francisco nos orienta a fortalecer o dom do discernimento, para compreendermos o que é inspiração do evangelho, moção do
Espírito Santo, e o que é inspiração do mal. Essa experiência tem que ser sempre orante e acompanhada de um sincero exame de consciência, porque perscruta a presença de Deus
em nossa caminhada.

O discernimento não é necessário apenas em momentos extraordinários, quando temos de resolver problemas graves ou quando se deve tomar uma decisão crucial; mas
é um instrumento de luta, para seguir melhor o Senhor. É-nos sempre útil, para sermos capazes de reconhecer os tempos de Deus e a sua graça, para não
desperdiçarmos as inspirações do Senhor, para não ignorarmos o seu convite a crescer. Frequentemente, isto se decide nas coisas pequenas, no que parece irrelevante,
porque a magnanimidade mostra-se nas coisas simples e diárias. Trata-se de não colocar limites rumo ao máximo, ao melhor e ao mais belo, mas ao mesmo tempo
concentrar-se no pequeno, nos compromissos de hoje. Por isso, peço a todos os cristãos que não deixem de fazer cada dia, em diálogo com o Senhor que nos ama, um
sincero exame de consciência. Ao mesmo tempo, o discernimento leva-nos a reconhecer os meios concretos que o Senhor predispõe, no seu misterioso plano de amor,
para não ficarmos apenas pelas boas intenções (GeE, n. 169).

Os dons do discernimento e da sabedoria são fundamentais como guias nos emaranhados da vida. Esta dinâmica, aprendemos com os Padres do Deserto, na sua busca de
contemplar a humanidade de Jesus, o modo de vida que ele escolheu. Esta experiência não é uma ideia nem uma teoria, mas um estilo de vida, é um seguimento, é seguir Jesus, o
Único Mestre e Sumo Bem.
Na sociedade atual,

temos de aprender de novo como ser discípulos de Jesus. Há certas exigências nesse segmento, as quais, às vezes, ficaram ofuscadas por falta de intimidade com o
nosso único Mestre. Na [...] secularização, esquecemo-las; mais do que nunca, precisamos profetizar que somos discípulos do Mestre Jesus. Neste mundo secularizado,
somos sua continuação. Acolhemos e tentamos viver seu ser e agir consagrados (KEARNS, 2019, p. 159).

A consagração secular tem uma exigência ideal, a de assumir o mesmo destino de Jesus e fazer a vontade do Pai. Seu horizonte é a Cruz. Por isso, somos chamados a refletir
como e até que ponto o secularismo e as práticas da sociedade líquida têm afetado nossa vida de consagrados. O secularismo nega ou exclui a presença e a manifestação de Deus,
reduz a vida e a vocação a mercadorias.
Numa cultura de negação do bem e até do mal, ou se prega e vive a neutralidade, ou se vivencia a metamorfose do transcendente e dos valores, tudo com o mesmo peso.
Neste caso, quem é Deus, senão algo assim como um amuleto, um talismã que age sobre as energias cósmicas, uma agenda, um vade mecum ou um guia de consulta para solução
de dificuldades de trabalho, de família, de saúde, de relacionamento, de moradia... É preciso acordar para o fato de que orar não é abrir o Google, não é acessar uma interface de
manipulação direta com resposta para todos os males e problemas..., não é usar pequenos “objetos mágicos”...
Nesse cenário, impregnados da força da Palavra que vive em Cristo, os consagrados seculares tomam consciência de que a vitalidade de sua vocação está no profetismo que
nasce de uma autêntica intimidade com Deus e sua Palavra. Seu vigor está na inserção sociopolítica, como Igreja, no mundo. É hora de perguntar: – “Quais são as forças que
manifestam o profetismo em nosso Instituto, forças que podem combater certa anemia e apatia na consagração secular? O que fazer para que essa vocação seja mais conhecida e
reconhecida no Brasil?”
De um jeito ou de outro, ao longo deste livro, fomos colocando as novidades sob dois aspectos. De um lado, a consagração secular, de outro, a sociedade líquida. Nessas
duas novidades, temos que encontrar os elementos constitutivos de como ser discípulos hoje. Como nos colocar como discípulos nesta realidade, sem perder nossa identidade de
consagrados seculares? Como ser pessoas escolhidas e chamadas por Deus para viver no mundo líquido, nos molhar, nos enlamear, sem deixar obscurecer ou empobrecer a
mensagem do evangelho e da doutrina da Igreja de que somos testemunhas? Neste lugar, temos que descobrir e ajudar as pessoas a enxergarem o que é, verdadeiramente, presença
de Deus e seu efeitos em contraposição às dissimulações do mal que penetra o conjunto da vida e dos acontecimentos, a distinguir aquilo que é verdadeiramente humano daquilo
que é desumano.
Após várias idas e vindas, nos deparamos com uma colocação de Bauman, ao acentuar que o Papa Francisco é a única figura pública com autoridade planetária para nos
ajudar a encontrar e a refletir sobre a condição humana e a construção de um novo projeto civilizatório. O que o Papa Francisco propõe é a cultura do diálogo e o engajamento de
todos na construção de uma sociedade justa.

O diálogo, com tudo o que ele implica, nos lembra que ninguém pode permanecer como mero espectador ou curioso. Todos, dos menores aos maiores, têm um papel
ativo a desempenhar na criação de uma sociedade integrada e reconciliada. Essa cultura de diálogo só pode acontecer se todos nós tomarmos parte no seu planejamento
e na sua construção. A presente situação não permite que ninguém fique parado, observando o esforço de outras pessoas que lutam. Ao contrário, é imperativo
convocar a responsabilidade pessoal e social (PAPA FRANCISCO apud BAUMAN, 2017, p. 154).

Somente a cultura do diálogo é capaz de tocar e curar as feridas provocadas pelas fragmentações da sociedade, com seus múltiplos conflitos, múltiplas culturas... É uma
cultura multi... Na sua prática cotidiana, Jesus dialogava com todos, não tinha medo de dialogar e nem de criar as condições para o diálogo. Ele nos ensinou a dialogar com o Pai.
Dizem seus discípulos que até dialogou com a natureza, quando mandou parar a tempestade. Ser consagrado, consagrada secular, é ser pessoa de diálogo. E o diálogo sempre
depende de duas posições – do evangelho e do mundo – que precisam ser esclarecidas.
Na apresentação do Documento Consagração e Secularidade, a Revolução da Provida Mater Ecclesia, lemos que o fascínio desta vocação é “estar exatamente aí onde se
decide a salvação não só das pessoas, mas também das instituições”. Por esta perspectiva, é que acreditamos que uma teologia e uma sociologia devem brotar da experiência
do consagrado secular.
Apesar das transformações, em linhas gerais, a vocação dos Institutos Seculares tem os seguintes traços:

1.A profissão dos conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência.

2.Uma vida laica assumida com consciência da responsabilidade que tal gênero de vida comporta. Não uma vida egoísta, mas uma vida plena, que quer oferecer-se em
oblação de serviço.

3.Um esforço constante para impregnar-se de Cristo e revelá-lo aos homens na vida cotidiana.

4.Vontade de viver esse dom de Deus em instituto reconhecido pela Igreja, participando da vida fraterna que este instituto oferece (RICAURTE, 1975, p. 779).

Cada Instituto tem seu carisma e tem que sempre descobrir o seu jeito de viver e testemunhar cotidianamente os ensinamentos de Cristo e da Igreja. Em cada momento, a
história coloca novas questões e novos reclamos. O que permanece é que cada consagrado secular deve estar sempre enraizado em Cristo, como os apóstolos em meio à
tempestade: – “Não temais!” Estas mesmas palavras, Cristo repete para nós hoje.
Notas de Rodapé

1 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
2 PAROLIN, Pietro, Cardeal, Secretário de Estado. Mensagem aos participantes da Assembleia Geral da Conferência Mundial de Institutos Seculares.
Roma, 17 ago. 2016.
3 PAPA FRANCISCO. Mensagem aos participantes do Congresso dos Institutos Seculares italianos, por ocasião do 70º aniversário da Constituição
Apostólica Provida Mater Ecclesia, 23 out. 2017.
4 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970.
5 Carlos ÁVILA, poeta e jornalista. In: Folha de São Paulo, “Mais!” 14 maio 2000.
6 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
7 PAPA BENTO XVI. Discurso na Conferência Mundial dos Institutos Seculares, 3 fev. 2007.
8 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970, p. 86.
9 Venerável Giuseppe Lazzati, consagrado secular, fundador do Instituto Secular Cristo Rei. cf. http://www.santiebeati.it/dettaglio/91539
10 CEDIS. Conferencia Española de Institutos Seculares. Consagración secularidad. Valencia: Edicep, 1996. p. 53-69.
11 Tradução livre, ver original: “Los I.S. comparten con los demás laicos esta especialización: cambiar el mundo desde dentro; especialización que se
refuerza, se sostiene y compromete por la consagración especial.”
12 PAPA JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Jubileu pelo 1950º Aniversário da Redenção, n. 3.
13 JOÃO PAULO II. Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, n. 12.
14 PAPA JOÃO XXIII. Bula de convocação do Concílio, Humanae Salutis, 25 dez. 1961.
15 PAPA JOÃO XXIII. Gaudet Mater Ecclesia. Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 out. 1962, 7, 3.
16 São João Crisóstomo, citado em Lumen Gentium, n. 38 (386).
17 CASTELLS, Manuel. Disponível em: https://ibebrasil.org.br/areas-atuacao/cultura-digital/. Acesso em: 24 fev. 2020.
18 PAPA BENTO XVI. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2013.
19 PAPA FRANCISCO. Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2014.
20 PAPA FRANCISCO. Discurso no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 2014. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/magisterio-da-igreja/francisco/.
21 O Código de Direito Canônico de 1983 inovou, eliminando a distinção ou dicotomia entre Ordens e Congregações religiosas. Tal distinção era feita
pelo critério de votos públicos, simples e privados. Na apresentação do novo Código, João Paulo II explicita que, de tempos em tempos, “a Igreja
reforma e renova as leis e a disciplina canônica”, a fim de expressar sua fidelidade ao Divino Mestre. Em síntese, a Igreja decidiu organizar a vida
consagrada no tópico “Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica”. O eixo condutor da vida consagrada são os
conselhos evangélicos, conforme cânones 573-577.
22 Cf.
https://books.google.com.br/books?id=-xJ4U2RQXHMC&pg=PA217&dq=santa+angela+de+merici&hl=pt-BR&sa=X&ei=QdwHUZ3yM9OC0QGhz4GgAw#v=o
Acesso em: 13 abr. 2020.
23 Tradução livre, segue texto original: Angela Merici respira a pleno pulmón la sana libertad del siglo y ve en esa misma libertad un campo y un
medio de conquista. Ella no quiere cerrarse en un claustro, sino vivir en médio del mundo; sus hijas vivirán en el seno de su família, llevando en
si mismas su claustro y sembrando por todas partes el “buen olor de Cristo”. Continuando la vida secular de su tiempo, ellas penetran en la
sociedad y la hacen un bien incalculable. Las circunstancias históricas favorecen maravillosamente tal iniciativa y la harán necesaria. [...] Otras
numerosas realizaciones merecerian ser subrayadas en el curso de los siglos passados, ya que innumerables fueron las almas que desearon
consagrarse a Dios y al apostolado quedando en el siglo, fermento en la massa, en el seno de la propia família, en las profesiones y en los
trabajos ordinários. (HUOT, 1968, p. 176).
24 PAPA FRANCISCO. Carta para o Evento “Economy of Francesco”. (ASSIS, mar. 2020). Este evento não se realizou devido à pandemia do Covid19.
cf. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html.
25 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/. Acesso em: 20 jun. 2020).
26 Disponível em: http://www.vatican.va/content/leo-xiii/la/apost_constitutions/documents/hf_l-xiii_apc_19001208_conditae-a-christo.html.
27 Documento da Sagrada Congregação sobre a vida consagrada. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_profile_it.html. Acesso em: abr. 2020.
28 Um esboço dessa síntese pode ser encontrado na Revista Diálogo, v. 17, n. 80/81, 1989.
29 CMIS. Revista Diálogo, n. 44, p. 63-67, mar./abr. 1980. Nesta Revista, encontram-se detalhamentos da história de Ângela Clavel.
30 Disponível em: www.crianca.mppr.mp.br/pagina-445.html. Acesso em: 22 maio 2020.
31 Cf. SENNET, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
32 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970. p. 86.
33 Cf. Lumen gentium e, se desejar aprofundamento, ver teólogos como Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph
Aloisius Ratzinger e o trabalho de Schillebeeckx, E., Cristo, sacramento de encontro com Deus. Petrópolis: Vozes, 1967.
34 Entre os peritos, estavam Ives Congar, Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner, Hans Küng, Joseph Aloisius Ratzinger e Edward Cornelis Florentius
Alfonsus Schillebeeckx.
35 Cf. https://www.comunidadedeaprendizagem.com/uploads/materials/308/7b6d6c81dee37228ff26c1f332fe291b.pdf
36 Tradução livre, segue texto original: “El Instituto Secular es el reciente matrimonio del estado de perfección y del estado secular. Es un hallazgo
del Espíritu Santo que lleva el estado de perfección en médio del mundo.”
37 Tradução livre, segue texto original: “En el intermedio de este periodo, que va desde el Concilio Vaticano II hasta nuestros días, el Código
de Derecho Canónico del año 1983, en el Título III, ‘De los Institutos Seculares’, legisla sobre ellos en los cánones 710-730. La presencia en
el Código de la legislación sobre los Institutos Seculares es uno de los acontecimientos más importantes y significativos del nuevo texto legal,
pues, como hizo notar Pablo VI, se da una profunda y providencial coincidencia entre el carisma de los Institutos Seculares y una de las
realidades más importantes y claras del Concilio: la presencia de la Iglesia en el mundo. La vida consagrada secular es precisamente la
consagración de la secularidad, la unión indisoluble y esencial entre la vida secular y la vida consagrada por la profesión de los consejos
evangélicos, con la audaz misión de superar el dualismo Iglesia-Mundo, y de ser el ‘arquetipo de la presencia del Evangelio y de la Iglesia en el
siglo’”. cf. http://www.alianzajm.org/IMG/pdf/La_vocacion_de_la_consagracion_secular_en_la_Iglesia_.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
38 ANTONIUTTI, Cardeal Ildebrando, Presidente da SCRIS. Discurso no Primeiro Congresso Internacional dos Institutos Seculares. Roma, 20 set.
1970. In: CMIS, 1970..
39 PAPA PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais e membros dos Institutos Seculares, no XXV aniversário da Provida Mater Ecclesia, em 2 de
fevereiro de 1972, tradução livre do espanhol.
40 PAPA JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes do Simpósio Internacional sobre a Provida Mater Ecclesia, em 1 de fevereiro de 1997.
41 PAPA JOÃO XXIII. “Il Tempio Massimo”. Carta sobre o empenho das religiosas pelo Concílio,1962.
42 PAPA BENTO XVI. Discurso aos participantes da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, por ocasião dos 60 anos da Provida Mater Ecclesia,
2007.
43 PAPA FRANCISCO. Encontro da Conferência Italiana dos Institutos Seculares, em maio de 2014.
44 Tradução livre, segue texto original: “Esto no está bien. El Concilio, que quiere ser pastoral en sus intentos y quiere manifestar al mundo la
perenne juventud y adaptabilidad de la Iglesia, habría debido hablar más ampliamente de los Institutos seculares: [...] los miembros de
los Institutos seculares no son laicos como los otros, ya que se han ofrecido totalmente a Cristo; se han comprometido, mediante
reconocimiento oficial de la Iglesia, a seguir los consejos evangélicos en la vida secular, se han convertido formalmente en consagrados en
virtud del voto o del juramento de castidad. Pero ni siquiera pueden ser catalogados entre los religiosos, pues la naturaleza de los Institutos
seculares difiere profundamente de la del estado religioso [...]; también su apostolado [...] ‘en el mundo pero como fuera de él’ [...] difiere del de
los religiosos en el objeto, en el método, en los modos. [...] la característica de tales Institutos es la ‘secularidad’, no sólo en el vestir, sino en
toda la mentalidad y modo de actuar. Por ello: se dedique a ellos un párrafo específico; se cambie el título del esquema, sustituyendo la presente
expresión por otra que comprenda también las personas consagradas a Dios, reconocidas como tales por la Iglesia, y que sin embargo no son
religiosos” (ALONSO, 2014, p. 556).
45 Tradução livre, segue texto original: “La intervención de Pablo VI respondía a las exigencias manifestadas por los mismos Institutos seculares y
representaba sin duda un remedio a una situación paradójica” (ALONSO, 2014, p. 559).
46 Tradução livre, segue texto original: “En el Decreto ‘De accomodata renovatione vitae religiosae’ se debe añadir algo a propósito del párrafo 11. En
efecto, por inadvertencia, faltan en el texto cuatro palabras. El Presidente da la Comisión ruega sean añadidas al texto cuatro palabras, desde el
momento que la Comisión siempre há desarrollado sus trabajos en tal línea. Incluyan, por tanto, los Padres en el texto del Decreto dichas
palabras, o tomen nota aparte por escrito. La votación que se hará hoy y la que se tendrá mañana delante del Sumo Pontífice, se hará sobre el
texto enmendado en tal sentido. Las palabras a añadir son éstas: ‘Los Intitutos Seculares, aunque no son Institutos religiosos, llevan consigo una
verdadera y completa’...” (BEYER, 1968, p. 63-64).
47 Podemos afirmar que esta forma de consagração na Igreja encontrou no Pe. Beyer o canonista e teólogo mais completo, tendo delineado
claramente sua especificidade. Doutor em Direito Canônico em 1961, com uma tese sobre os Institutos Seculares, autor de profundas e originais
visões sobre a natureza da vida consagrada, fez considerações sobre a tipologia da vida consagrada em geral e da vida religiosa em particular.
Foi incansável durante os trabalhos do Vaticano II e, mais tarde, colaborou de maneira incisiva para a redação do Código de Direito Canônico de
1983, como consultor da Comissão de Reformas no que diz respeito à vida consagrada, desde o início dos trabalhos até o final. cf.
https://www.iuscangreg.it/beyer
48 Congregación para los Religiosos e Institutos Seculares (CRIS). Identidad y misión de los Institutos Seculares, 1983. Disponível em:
https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/.
49 Cf. http://cmis-int.org/cmiswebsite/magisterio/magisterio_es/eclesiologia_1983.pdf. Acesso em: 1 ago. 2020.
50 Desse primeiro Congresso, realizado em Roma entre 20 e 26 de setembro de 1970, participaram mais de 400 pessoas de 92 Institutos de 16 países
de dois Continentes. Estiveram ausentes, por motivos jurídicos, representantes da Ásia, da África e da Oceania.
51 PIRONIO, Dom Eduardo Francisco (1920-1998), cardeal argentino. Foi Presidente do CELAM, Prefeito da Congregação para os Religiosos
e Institutos Seculares e Presidente do Conselho Pontifício para os Laicos.
52 cf. https://www.cmis-int.org/pt-br/documentos-2/textos-fundamentais/
53 PAULO VI. Discurso aos Responsáveis Gerais dos Institutos Seculares. 25 ago. 1976.
54 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520253-o-papa-francisco-e-um-paradoxo-artigo-de-hans-kueng.
55 LAS CASAS. Bartolomeu. Em defesa dos índios (c. ■■■■). Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1
56 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 25.
57 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 23.
58 Conferência Episcopal do Rio de Janeiro. Declaração dos Cardeais [...]. In: Documentos do CELAM: Conclusões das Conferências. São Paulo:
Paulinas, 2005. p. 41.
59 “Aos nossos filhos católicos que pertencem aos países mais favorecidos, pedimos o contributo da sua competência e da sua participação ativa
nas organizações oficiais ou privadas, civis ou religiosas, empenhadas em vencer as dificuldades das nações em fase de desenvolvimento. Hão
de ter, sem dúvida, muito a peito o ser contados entre os primeiros de quantos trabalham por estabelecer, na realidade dos fatos, uma moral
internacional de justiça e de equidade.” Papa Paulo VI. Encíclica Populorum Progressio, 81.
60 Cf. https://drive.google.com/file/d/1K9tL-5apCcJwgLxgHhQfuMC6l6WodPMd/view
61 Tradução livre, segue texto original: [...] el “permanecer” en el mundo es fruto de una opción, es una respuesta a un llamado específico: es asumir
esta dimensión del estar dentro, del estar cerca, del mirar el mundo como realidad teológica-espiritual, en la que se entrelazan la dimensión
histórica y la dimensión escatológica. Esto exige un notable desarrollo de aquella calidad humana, tan proclamada hoy, que es la capacidad de
“con-participación”, de co-responsabilidad. Una con-participación responsable y generosa, que podríamos definir, con una expresión más
sencilla, como capacidad para saber vivir dentro... (Juany Monsalve Moya).
62 PAPA FRANCISCO. Discurso à Conferência Italiana dos Institutos Seculares, 10 maio 2014.
63 Cf. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565040-papa-visita-universidade-citando-bauman-temos-uma-economia-liquida É importante destacar
que Bauman, antes de morrer, elogiou muito o Papa Francisco. Ve
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565619-o-dom-de-francisco-artigo-de-zygmunt-bauman. Acesso em: 2 fev.2020.
64 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948.
65 cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
66 Cf. SOUSA JUNIOR, José Pereira de. O processo de restauração católica no Brasil na Primeira República. Disponível em:
https://periodicos.ufms.br/index.php/fatver/article/view/1604/1152. Acesso em: 17 mar. 2020.
67 Cf. http://www.brasilescola.com. Acesso em: jan. 2020.
68 Participaram da fundação da CNBB, no Rio de Janeiro, presentes ou representantes, 20 Arcebispos do Brasil e o Núncio Apostólico. O primeiro
presidente foi Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, então Arcebispo de São Paulo, que indicou, para o cargo de Secretário Geral, Dom
Hélder Pessoa Câmara.
69 Um excelente texto sobre a história da Igreja na América Latina, que aborda o Brasil, é o trabalho de DUSSEL. Ver
https://enriquedussel.com/txt/Textos_Libros/40.Historia_da_igreja_latinoamericana.pdf.
70 PAULO VI. Discurso aos responsáveis dos Institutos Seculares, 20 set. 1972.
71 As informações sobre a caminhada dos Institutos Seculares no Brasil foram extraídas de dados registrados nos arquivos que contêm as Memórias
do Instituto Catequético Secular São José, participante da caminhada desde o início.
72 Mais informações sobre a situação atual dos Institutos Seculares no Brasil podem ser encontradas nos seguintes endereços:
http://cnisbrasil.blogspot.com/;https://pt-br.facebook.com/cnisbrasil/; https://cnisbr.wixsite.com/cnisbrasil/pagina-inicial. Acesso em: 28 mar.
2020.
73 Cf. Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Brasília: CNBB, 2019. p. 39.
74 Organização Internacional do Trabalho. Cf. https://www.ilo.org/brasilia/temas/fow/lang--pt/index.htm
75 Cf. https://www.a12.com/redacaoa12/assembleia-geral-cnbb/cnbb-divulga-mensagem-por-ocasiao-do-dia-do-trabalhador.
76 Cardeal D. Arturo Tabera Araoz (1903-1975, Espanha), prefeito da Sagrada Congregação para Institutos Religiosos e Seculares.
77 Tradução livre, segue texto original: Creemos que los Institutos seculares fueron en su tiempo, una respuesta eclesial específica ante las
necesidades del mundo y, de alguna manera, bajo esa forma jurídica, se anticiparon los elementos de la Iglesia carismática que después sería
“redescubierta” por el Vaticano II, y que daría paso a una floración de variadas formas de consagración laical en los llamados Nuevos
movimientos y realidades eclesiales. Es sabido que la valoración de las fuentes bíblicas y patrísticas durante el Concilio favoreció la acentuación
del aspecto carismático y pneumatológico de la Iglesia, y de su noción de misterio, respecto al cristocentrismo paulino que había caracterizado
hasta entonces la teología del cuerpo místico. Desde esa perspectiva, puede entenderse la llamada universal a la santidad, el potenciamiento del
papel del laicado en la Iglesia, y su misión de transformar las realidades temporales. Es en esta línea, que hay que situar la vocación laical (o
sacerdotal) de especial consagración en los Institutos seculares, como respuesta carismática de santidad y como profecia para el mundo que
anticipa la vida futura (ALONSO, 2014, p. 562).
78 Cf. https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-04-06/recuperado-infectologista-david-uip-fala-sobre-covid-19-extremo-sofrimento.html.
79 MURICY, Moema Rodrigues. Institutos seculares, uma nova forma de ser Igreja, hoje. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/5811.

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