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Contracultura no Brasil, anos 70: circulação, espaços e sociabilidades / organização Leon Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Karla Rosário Brumes (UNICENTRO)

Frederico Kaminski - 1. ed. - Curitiba [PR] : CRV, 2019. Gloria Failias León (Universidade Leandro Baller (UFGD)

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SUMARIO

APRESENTAÇÃO
OLHARES SOBRE A CONTRACULTURA NO BRASIL
Leon Kaminski

PARTE í
coNTRACULTURA, CIRCU LAÇÃO e RpnOPRTAÇOES

CAPíTULO 1
TMUNDO AFORA, BRASIL ADENTRO: a circulação cultural da
contracultura e suas apropriações................. 19
Leon Kaminski

CAPÍTULO 2
A CONSTRUÇÃO DE DTSCURSOS CONSERVADORES PELA
PUBLICIDADE BRASILEIRA EM RELAÇÃO A CONTRACULTURA 43
Orivaldo Leme Biagi

PARTE 2
CONTRACULTURA, MÚSICA E JUVENTUDE

CAPiTULO 3
NA PONTA DA BAIONETA: o rock psicodélico, do circuito de bailes
aos Woodstocks brasileiros............. .69
lgor Fernande s Pinheiro

CAPíTULO 4
BLACK RIO: a contracultura negra dos anos 70, 89
Christopher Dunn

CAPíTULO 5
ECOS DA CONTRACULTURA:juventude, rock e rebeldia no
Recife (1972-1976) 103
João Carlos de Oliveira Luna
CAPÍTULO 1

MUNDO AFORA, BRASIL


ADENTRO: a circulaçáo cultural da
contracultura e suas apropriações
Leon Kaminski

Era uma nova cultura que surgia nos anos 1960 e 1970. Ao menos foi
assim que muitas pessoas vislumbraram as mudanças culturais que aconteciam
no final daquela década em diferentes países, especialmente entre a juventude
que se rebelava contra a sociedade e as instituições. 1968 foi o ano símbolo
do "Poder Jovem", forma como foi chamada a emergência de uma juventude
clue passou a ser vista como a força motriz que iria transformar a sociedade.
Revolução era, já há algum tempo, o mote daqueles que queriam mudar o
rnundo, nem que fosse apenas o seu mundo particular. Arevolução cultural,
a transformaçáo atraves do cotidiano, estava em pauta. Revolução cultural
essa que viria a ser conhecida também como contracultura.
O ano de 1968 foi marcado pela eclosão de manifestações juvenis em
dezenas de países, em diferentes continentes. Cada uma delas estava ancorada
em seus contextos locais, como a luta contra a ditadura no Brasil, a constru-
ção de um socialismo humanizado na Tchecoslováquia ou a reivindicação
de mudanças no sistema de ensino na França. Entre os participantes de tais
rnanifestações havia, no entanto, pluralidade de pautas, correntes de pensa-
rnento e formas de ação (ARAUJO, 2009). Nos Estados Unidos, por exemplo,
coexistiam hippies, yippies, panteras negras e partidários das novas esquerdas,
que conviviam entre trocas, colaborações, tensões e críticas recíprocas. No
Brasil, comunistas e tropicalistas ganhariam mais destaque na historiografia
e na memória sobre a época.
Não havia homogeneidade, nem ao menos etéria. Algumas referências
teóricas, estéticas ou militantes daquele ano, como Herbert Marcuse, Henri
Lefebvre, Allen Ginsberg ou José Celso Martinez Corrêa, entre outros, não
eram necessariamente jovens, ao menos no que conceme a suas idades. Por
se tratar de uma construção social, a'Juventude" não se restringe a marcos
biológicos. Apesar da prevalência dos estudantes, havia uma coexistência entre
diferentes gerações naquele contexto de rebelião. As ideias que os moviam já
vinham sendo gestadas há anos ou décadas.
)o
CON Í Í.lA(ltrl I t.,llA N() RRASII , ANOS TO circulaçáo, espaços e sociabrlidades 21

lrnc;trarrkl algtrns sc cngajervarr para realizar uma revolução social por


cspccialrncntc entre a inteleotualidade brasileira de esquerda, a contracultura
rncio clas anlras, a parlir de uma perspectiva marxista, procurando transformar
crn rlosso país seria apenas uma imitação da cultura imperialista norte-ameri-
primeiramente os meios de produção - o que necessariamente levaria a uma
cana. Costuma-se, não somente no Brasil, mobilizar um repertório de imagens
mudança cultural posterior, segundo eles -, outros acreditavam numa abordagem
dajuventude estadunidense para se representar a contracultura. Os hippies e
diferente. A ideia de revolução cultural (LEFEBVRE ,7991;MARCUSE ,1993)
os festivais de rock são os ícones mais recorrentes. O imaginário referente à
preconizava que era possível inverter essa lógica. Acreditava-se que era possível
contracultura está, desta forma, diretamente ligado à nação das listras e estrelas.
transformar a estrutura através de mudanças culturais. Se cada pessoa mudasse
Seria então a contracultura, suas diversas expressões sociais e culturais, um
seus hábitos, seu cotidiano, suas formas de se relacionar com os outros e com
I'enômeno nascido nos Estados Unidos e depois exportado para o mundo? As
o mundo, com o passar do tempo a própria sociedade, os meios de produção rrrudanças culturais nas terras do Tio Sam com certeza chamaram a atenção e
e as instituições poderiam também se transformar. Parte das mudanças que já
ganharam muita repercussão, mas elas não se manifestaram de forma isolada
vinham acontecendo e que eram incitadas por estes revolucionários foram vistas
no planeta Terra.
por alguns observadores da época (ROSZAK, 1969; REICH,1970;MACIEL,
A formação da contracultura deu-se permeada por trocas culturais em
7972) como o surgimento de uma "nova cultura" ou de uma o'nova consciência".
cscala transnacional, especialmente durante o período posterior à Segunda
Jeff Nuttall ( 1 97 1), por sua vez, as compreendia como sendo uma "cultura da
Guerra Mundial. Se as manifestações de 1968 possuíam uma ancoragem nos
bomba", em alusão às armas atômicas utilizadas pelos norte-americanos em contextos locais por um lado, por outro, elas não deixaram de estar antenadas
Hiroshima e Nagasaki ao final da Segunda Guerra Mundial.
com o que acontecia em outros países. O mesmo ocorria com a contracultura.
A referência à bomba atômica é importante paÍa compreenderÍnos essa A circulação do imaginário e das práticas que integraram a contracultura va-
o'nova
cultura". Aqueles que cresceram no contexto do pós-guerra e saíram Ieu-se de dois elementos importantes: os meios de comunicação e os meios
às ruas em 1968 conviviam com a iminência de uma gueffa nuclear capaz de
cle transporte, que rapidamente se desenvolviam no pós-guerra. Como ana-
eliminar a vida humana na Terra, o que levou a uma valorização do tempo lisava Mcluhan (s/d), naquela época, vivia-se numa "aldeia global" onde as
presente. A revolução, o sexo e até mesmo o paraíso não precisavam ser pos-
informações circulavam cada v ez mais rápido.
tergados para um futuro incerto, poderiam ser vividos no "aqui e agora,,. Ao
Buscamos, neste capítulo, analisar as formas de circulação da contracultura,
mesmo tempo, outras transformações relevantes ocorriam naquele período, o trânsito de seu imaginário, produtos culturais e práticas, que seriam apropria-
como o rápido desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação clas de diferentes maneiras, tanto pelos jovens quanto pelo próprio sistema.
e a emergência de novas formas de ser jovem. Questões que não podem ser
Se o papel da indústria cultural e dos meios de comunicação costumam ser
ignoradas ao refletirmos sobre o surgimento e a circulação dessa "nova cultura". ressaltados como canais de propagação da contracultura, discúiremos também
Ao analisar os movimentos de 1968, o sociólogo norte-americano Theo- aqui o importante papel dos viajantes que a levaram aos mais distantes rincões,
dore Roszak (1969) utilizou o termo "contracultura" paradenominar aquele possibilitando o surgimento de manifestações contraculturais no interior do
fenômeno, uma nova cultura que emergia e entrava em choque com a cultura país. Antes, no entanto, o seu caráter transnacional estará em foco, para melhor
hegemônica, visando transformá-la. A palavra "contracultur a", apartir da obra
compreensão do fenômeno e das diferentes escalas que o envolvem.
de Roszak e de sua popularização via imprensa, acabou por designar de forma
genérica uma série de movimentos, práticas sociais e expressões artísticas de 1. Contracultura, um fenômeno transnacional
contestação ao sistema. A arte de vanguarda, a liberdade sexual, a estética
psicodélica, o abandono das religiões ocidentais em direção ao pensamento Ahistoriadora Renata Sigolo (2010), ao estudar a revista francesa Planàte,
oriental, as vivências comunitárias e produções culturais alternativas, entre chegou a constatações que a surpreenderam. O foco de sua pesquisa era analisar
outras propostas e experiências que faziam parte do "espírito da época", o processo que levou o periódico, nascido nos anos 1960, a voltar o seu olhar
mesmo que às vezes contraditórias entre si, integram a chamada contraculfura. ao pensamento oriental. Fundada por Louis Pauwels e Jacques Bergier. autores
Parte significativa da historiografia brasileira compreende a contracultura do livro O despertar dos mágicos, um sucesso da época, Planàte exalta em
como um fenômeno cultural nascido nos Estados unidos no final nos anos sua primeira fase as virtudes da ciência e da técnica, permeadas pela ideia de
sessenta e que se difundiu pelo mundo via indústria cultural. para muitos, progresso. Apartir de meados da década, a revista entra em nova etapa e passa
CONIRACt,I I t,RA NO RRASII , ANOS 7O. circulaçáo, espaços e sociabilidades 23

llos poltcos a tocor críticils ao racionalismo ocidental. Volta seus olhares para
que as congrcgassc c as explicasse de Íbrma satisfatória. Com a definição do
as "civilizações perdidas" e para o oriente, inclusive organizando viagens
conceito de contracultura, a partir da obra de Roszak (1969), o termo passa
rumo à India. No contexto do pós-guerra, a possibilidade de uma hecatombe
a ser utilizado para designar um conjunto variado de experiências juvenis,
nuclear levou parte da sociedade a questionar o racionalismo e o cientiflcisrno
rnesmo que anteriores a 1968. Cada uma dessas experiências, contudo, possui
responsáveis pela criação de armas que colocavam em perigo a humanidade
sua própria historicidade, sua singularidade espaço-temporal, não se restrin-
como um todo. o oriente passava a ser, para muitos, uma fonte onde se po-
gindo à influência dos Estados Unidos, embora a imagem da contracultura
deria encontrar respostas para as crises vividas no Ocidente.
teúa se vinculado diretamente a esse país.
o fato, contudo, que surpreendeu a historiadora ao pesquisar a revista foi o Uma série de estudos recentes tem buscado investigar o caráter hansnacional
de se deparar com o pensamento contracultural em fontes francesas anteriores a
dos movimentos de protesto dos anos 1960 (LANGLAND,2006; KLIMKE,
I 968. A bibliograf,a consultada pela autora apontava que a contracultura na França
SCHARLOTH, 2008; JOBS, 2009; KLIMI(E, 2010; PICCINI, 20 1 6; CHEN
havia surgido somente após aquele ano, vinda dos Estados unidos. Além do olhar
et al, 2018). Segundo Klimke e Scharloth (2008), as redes transnacionais entre
voltado ao Oriente, seu pensamento, práticas e religiosidades, planàte também
ativistas de diferentes países e a circulação intemacional de pessoas e de infor-
abordava temas como as relações de gênero, sexualidade e outras questões ligadas
mações foram fatores essenciais paÍa a dimensão transnacional dos protestos.
à revolução dos costumes. A presença de conteúdos que integram o imaginário
O intercâmbio entre organizações estudantis conduzia a uma permanente divul-
contracultural em fonte anterior a 1968 levou a pesquisadora, em suas conclu-
gação de ideias por meio de redes, tais como o Underground Press Syndicate, que
sões, a repensar a manifestação da conhacultura na França e a "considerar este
ajudava a distribuir a imprensa altemativa europeia e norte-americana e afazê-la
movimento como algo heterogêneo, que toma aspectos peculiares em diferentes
circular em diferentes países. Um efeito dessas redes pessoais e institucionais foi
contextos sociais e temporais" (SIGOLO, 2010, p. 319).
aréryida disseminação e a mistura de novas formas de protesto que distinguem
As conclusões de Renata sigolo vão ao encontro com as considerações
as manifestações da segunda metade dos anos sessenta de suas antecessoras
de outros pesquisadores que chamam a atenção para o caráter desterritoria-
históricas. Misturavam-se tanto as estratégias de ação direta dos movimentos
lizado da contracultura (SANTOS, 2008; LEÃO, 20Og). Trata-se de uma
de direitos civis afro-americanos e dos estudantes dos Estados Unidos quanto
perspectiva que critica a ideia, presente na historiografia, de que a contracul-
as táticas inspiradas em movimentos estéticos e sociais de vanguarda, como as
tura nasceu nos Estados unidos e depois se propagou para o resto do mundo,
dos situacionistas franceses e dos provos holandeses.
tendo os jovens brasileiros, por exemplo, copiado acriticamente suas práticas
O desenvolvimento dos meios de transporte e as facilidades de desloca-
e expressões artísticas. Eles argumentam que várias das manifestações tidas
mento que eles proporcionavam permitiu que cadavezmais jovens viajassem
como contraculturais já se faziam presentes em outros países, inclusive em
no período do pós-guerra, seja enhe diferentes países ou para outros continen-
períodos anteriores à década de 1960. Embora os autores não aprofundem
tes. Um dos efeitos dessa circulação e dos intercâmbios proporcionados foi
suas análises nessa questão, ela conkibui para pensarÍnos a contracultura com
a construção do sentimento de se pertencer a uma grande comunidade jovem
maior complexidade e a problematizarÍnos em termos espaciais.
internacional, fortalecendo laços de identidade juvenil que ultrapassavam
Primeiramente, temos que ter clareza de que o termo contracultura,
fronteiras nacionais (JOBS, 2009). Sentimento esse que esteve presente tanto
enquanto um conceito histórico, surgiu apenas apart:tr de 1g6g, com as pu-
em 1968 quanto na década de 1970.
blicações de Roszak e sua popul arrzaçáo através da imprensa. os "conceitos
A emergência de estilos de vida alternativos foi outro aspecto transnacional
históricos" nascem, mesmo que a partir de palavras já existentes, para reunir
dos movimentos de protesto nas décadas de 1960 e 1970. Nesse sentido, não
experiências complexas na singularidade de um conceito (KOSELLECK,
se torna estranho encontrar práticas ou expressões tidas como contraculturais
2006). os conceitos, após cunhados, são passíveis de serem utilizados de
fora dos Estados Unidos e anteriores a 1968. Apesar delas terem integrado a
forma generalizante, tomando-se referênciaparaaquilo que eles visam repre-
experiência norte-americana, não foram exclusivas da juventude daquele país.
sentar. Nesse sentido, conceitualmente falando, a contÍacultura, como ela é
As expressões sociais e culturais da contracultura jâ circulavam, inclusive, antes
entendidahoje, não existia antes de 1968. Suas experiências socioculturais de
de 1968. O caso do Oriente, levantado por Renata Sigolo, é um bom exemplo.
contraposição ao sistema é que existiam e estavam ocorrendo em diferentes
Os europeus construíram ao longo dos séculos uma determinada ideia
lugares do mundo. As expressões da "nova cultura" não possuíam uma palavra
de Oriente como um espaço do "outro", do diferente, um lugar exótico,
)4
CONTRAC(,1 TURA NO BRASIL. ANOS 70 circulaçáo, espaÇos e sociabilidades 25

nristcriosoornístico(SAlD,2001).Construçãoessaacompanhaclaporséculos
vinclas ckr Oricntc Íbram apropriadas e incorporadas ao fenômeno da contra-
de colonialismo. A importação simbólica de elementos daquelas culturas era
cultura, tanto nos Estados Unidos e na Europa quanto no Brasil.
uma forma de demonstrar a vastidão de seus territórios a curiosos súditos e
Assirn como o "orientalismo", diversos elementos integrantes do ima-
cidadãos. Ao entrar em crise a civilização ocidental, ao se criticar algumas
rinário contracultural não se restringiram aos Estados Unidos, possuíam
bases de seu pensamento, como o racionalismo e o cristianismo, procurou-se
lristoricidades próprias, transnacionais, muitas vezes antiquíssimas, como o
por respostas nesse "outro". A cultura do oriente se apresentou então como
rrso de substâncias alteradoras da consciência. Nos anos sessenta, experiências
alternativa à cultura hegemônica do ocidente. As filosofias, as religiosidades
psicodélicas com LSD vinham sendo realizadas nos dois lados do Atlântico
e as próprias práticas cotidianas oriundas do Leste, a exemplo da alimentação
(GUARNACCIA, 2001). Avalorização da liberdade, a contestação aos va-
macrobiótica e.da yoga, passaram a se poptiarizar no oeste. A ida para o
Irrres e costumes tradicionais se faziam presentes durante o pós-guerra,tanto
Nepal e paru a Índia, partindo da Europa, tornou-se uma das principais rotas
cntre os beats quanto no existencialismo francês. O Port Huron Statement,
entre os viajantes contraculturais nos anos 1960 e 1970.
úc 1962, importante manifesto da nova esquerda estudantil norte-americana,
A busca pelo Oriente entre os jovens norte-americanos é herdeira também
cstá permeada pela filosofla existencialista sartreana (KUKLICK, 2006). No
dessa hajetória europeia, dessa invenção do oriente. um dos mais coúecidos
Ilrasil, o existencialismo teve uma recepção relevante entre os jovens na década
divulgadores do zen-budismo nos Estados unidos foi o inglês Alan watts,
ilc 1960 (DIAS, 2003; MONTEIRO, 2007), muito maior que a dos escritores
um ícone da contracultura californiana. Nascido em 1915, ainda jovem ficou
ltcats, que só vieram a ter suas obras publicadas por aqui nos anos 1980.
fascinado pelas "coisas do oriente" e começou a pesquisar e praticar o bu-
Nem mesmo o rock, um dos maiores símbolos da contracultura, gênero
dismo (wArrs, 2002). Posteriormente, mudou-se para Nova york e depois
rnusical genuinamente norte-americano popularizado na década de 1950,
radicou-se em São Francisco, um dos berços da contracultura estadunidense.
licou incólume aos fluxos transnacionais. A música possuiu papel importante
Nos anos 1950, a cidade era um dos territórios privilegiados da chamada
na construção de uma cultura jovem internacional e na circulação de ideias
geração beat, sendo que seus integrantes são geralmente apontados como os
tle contestação e rebeldia. Ritmos afro-americanos, como o jazz, o blues e o
pais da contracultura.Ela seria ainda a"meca" dos hippies, atraindo milhares
rutck and roll, forum bastante apreciados em alguns países da Europa. Vários
de jovens no "verão do amor", em 1967. watts foi interlocutor dos escritores
rnúsicos estadunidenses paftiram para temporadas em Paris ou Londres nas
beats. Entre e1es, os poetas Gary Snyder e Allen Ginsberg, que chegaram a
clécadas de 1950 e 1960 (NUTTALL,l97l). A aura de autenticidade dos
viver no oriente na década de 1960, estudando o zen-budismo (sNyDER,
artistas negros norte-americanos, como representantes de grupos margina-
2005; WILLER, 2009,2014). Ao retornarem aos Estados Unidos, ajudaram
lizados e perseguidos, parecia iluminar de forma mais direta e convincente
a dir,ulgar algumas das filosofias orientais, inclusive com Ginsberg entoando
os problemas cotidianos do que os artistas cambiáveis da indústria cultural
mantras em manifestações políticas e eventos culturais.
(STEGFRIED, 2008).
A banda californiana The Doors e os ingleses dos Beatles incorporariam
Uma característica importante do rock foi a sua capacidade de "hibridismo
elementos das sonoridades orientais em algumas de suas canções. vários
cultural" (CANCLINI,2015), com artistas em diferentes países misturando
artistas, como os integrantes do grupo britânico, reahzaramviagens à Índia e
litmos e elementos musicais diversos, nacionais e estrangeiros, assim como
outros países da região, relacionando-se com gurus, em busca de experiências
seus anseios políticos e sociais. Na Inglaterra sessentista surgiria a beat music,
espirifuais. o beatle George Harrison, por exemplo, ajudou a flnanciar o movi-
clue designava um estilo de rock produzido na ilha bretã. Um de seus principais
mento Hare Krishna. De origem indiana, este movimento não foi "importado"
cxpoentes foram os Beatles. Em meados dos anos 1960, dando continuidade
pela contracultura, mas sim se dirigiu à Nova York, em meados da década de
a essa circulação cultural, várias bandas inglesas de rock desembarcariam nos
1 960, com o intuito de se "unive rsalizaf'
, de expandir a sua filosofi a paru alem llstados Unidos, conquistando ouvidos e corações juvenis (PERONE, 2009).
de seu país natal (CARVALH],20l7)t. Assim como outras espiritualidades
O rock produzido na Inglaterra passou a figurar como uma das principais
não ocidentais (como as de origens indígenas ou africanas), as religiosidades
referências desse gênero musical. Além dos Beatles, grupos como os Rolling
Stones, The Who, Cream, Led Zeppelin, The Animals e Pink Floyd, entre
1 Sobre esse tema, conferir o capítulo Hrppies o u happies? interseções entre o movimento Hare Krishna e a outros bretões, tornaram-se trilha sonora da rebeldia internacional.
contracultura no Brasil, de Leon Adan Carvalho, neste livro.
?(i (l()N ll.lAOlll ltll.lA N() llllAl;ll AN()l; /O r:ttr:ttllt<,:;lo, osl):lços C soctabiltcladr]s

Mus purc;uc cntão a imergcm da contracultura Íicou amarrada cle uraneira strr)rcr.rtc as cançilcs, rnas tatnbénl suas performances (DIJNN, 2009). Com o
tão fbrle aos Estados Unidos? Primeiramente, não podemos perder de vista a tropicalismo, apesar dos atritos col1l os artistas engajados vinculados à estética
importância desse país, o grande arauto do capitalismo, na geopolítica do pós- nucional-popular, o rock e o pop passaram a integrar a música brasileira em
-gueffa. Seu estilo de vida hegemônico, o american way of lfe, era expoftado llgumas de suas diferentes vertentes (NAPOLITANO, 2008).
juntamente com seus produtos industriais e culturais. O que acontecia na terra Natransição entre as décadas de 1960 e 1970 ocorria o crescimento e
do Tio Sam virava notícia e as mudanças comportamentais de parte de sua ju- consolidação da indústria cultural no país (ORTIZ, 2001). Vinculada a essa
ventude chamavam a atenção dos meios de comunicaçáo.Lá, o fenômeno que irrclústria, a divulgação da produção musical acabava por envolver não somente
veio a ser chamado de contracultura, embora heterogêneo, foi um movimento rrs gravadoras, mas também o mercado editorial e canais de televisão para
de massa e gaúou grande repercussão na imprensa intemacional. As revistas tcr maior alcance entre o público consumidor (NAPOLITANO, 2008). Em
exploravam a extravagância dos hippies em fotos coloridas, para o espanto ou tlccorrência da participação em festivais televisivos, e da repercussão midiá-
deleite dos leitores. Certamente, as manifestações culturais da juventude da- tica promovida em torno desses eventos, a estética tropicalista circulou por
quele país foram uma referência, uma fonte do imaginário contracultural. Sua t;uase todo o país, nas capitais e no interior, inspirando movimentos artísticos
forte indústria cultural não perdeu tempo, incorporando-as em seu repertório lcgionais. Tornaram-se referência da nascente contracultura brasileira, mesmo
de representações e produtos. Se, por um lado, explorou comercialmente a corn a prisão e o exílio de alguns de seus integrantes entre 1969 e 1972.
contracultura, por outro, atuou como mediadora de seu imaginário ao tornar-se No Brasil, vivia-se o chamado "milagre econômico", momento em
veículo de divulgação de imagens e sons de rebeldia e contestação. tlue pafle da população obteve uma elevação de seus recursos fi.nanceiros.
O sucesso da Tropicália e o interesse do público jovem pela contracultura
2. Os meios de comunicação e as diferentes apropriações intemacional fez com que a indústria cultural procurasse explorar com mais
da contracultura irÍinco esse fllão. A contracultuta, mesmo contestando o sistema, vendia bem,
cra um bom produto. Não é por acaso que uma das principais fontes de críticas
A memória dominante acerca da juventude brasileira dos anos sessenta à contracultura foi o seu suposto caráter mercantilizado, compreendendo-a
está permeada pela ideia de engajamento, de luta por maior justiça social como um simples produto da indústria cultural. Além de artistas nacionais e
e contra a ditadura instalada em 1964. O Brasil, assim como outros países cstrangeiros de maior qualidade estética e perfil contestador, as gravadoras
latino-americanos, vivia um contexto diferente do existente na Europa e nos investiram em produções musicais pasteurizadas. Outros setores, como a
Estados Unidos. As heranças coloniais marcavam presença na região. Desta indústria da moda, o mercado editorial, as emissoras de TV e a publicidade,
forma, pautas como o anti-imperialismo e o combate aos resquícios feudais também se apropriaram do imaginário e das representações da contracultura.
na estrutura social possuíam mais importância que a contestação no âmbito Uma das estratégias era a de empregar linguagens e estéticas contraculturais,
dos costumes, que ocorriam de forma mais discreta. As manifestações de retirando-lhes o caráter contestador. Utilizava-se um processo de "revefsão dos
1968 no Brasil, que inclusive iniciaram antes do maio francês, tinham como valores" (BIAGI, 2011): mantiúam-se elementos estéticos (cabelos compridos,
alvo o regime ditatorial. É nesse período, entretanto, criticando e ao mesmo roupas coloridas, gírias etc), porém, os valores críticos da contracultura eram
dialogando com a perspectiva engajada, que emergiria a contracultura nacional. troCados por discursos conservadores ou conciliadores qLle não causassem
O momento tropicalista, que se manifestou em diferentes formas de problemas nem com as autoridades nem para os negócios2.
expressão artística (música, teaho, cinema, artes plásticas e literatura), surgiu tipo de apropriação não passou desapercebido por aqueles que
Esse
da "convergência e de intensa contaminação mútua no âmbito da produção construíam o movimento underground no país. Luiz Carlos Maciel, um dos
cultural brasileira" (SÜSSEKIND,2OO7, p.31). A Tropicália emergiu no principais mediadores do pensamento contracultural no Brasil, publicou no
cenário nacional, em 1967-1968, como contraponto ao domínio da estética começo dos anos 1970, em sua coluna no jornal alternativo O Pasquim, o
nacional-popular na produção cultural da época. Na música, ârea no qual seguinte comentário:
alcançou maior repercussão, mesclava-se antropofagicamente experimenta-
lismo de vanguarda, rock internacional e sonoridades nacionais e regionais.
2 Sobre esse tema, conferir o capítulo A construçáo de dr.scursos conservadores pela publicidade brasileira
Incorporou ainda a contestação no campo dos costumes, que integrava não em relação à contracultura, de Orivaldo Leme Biagi, neste livro.
ttt (:()N lllAOl,l ltlltA N() llllAÍ;ll , AN()Í; 7O r:rrr:rrl;rr,:rto,
,
osl)aços c socrabilidades 2S

lrrn irpcrras unr ílr1o, as rcvistas corneçaraln a badalar o undat'gtrstrrtd,clual- t'lcs t'culizusscrn suas pr(rprias experiências, o qr"re deper-rderia da maneira
quer imbecil que aparece na televisão bota os dedinhos em "V", os hippies
t on.ro cacla sLrjeito se apropriou daquelas informações.
viram uma moda superficial - e a repressão se encarrega do resto. Com
essa assimilação pelo sistema, estão plantadas as sementes da neurose e
Apropriação é a Íbrma como cada indivíduo se apodera de conteúdos
da violência (MACIEL, 1973, p. 120). ,1rrc lhe chegam por diferentes meios, tornando-os próprios, incorporando-os
;ro seu cotidiano ou à sua visão de mundo (CERTEAU,1998; CIIARTIER,
()u8; THOMPSON, 20ll).
Um exemplo que podemos utilizar para ilustrar a obseÍvação de Maciel | São leituras próprias, individuais, mas que podem
foi a criaçáo da revista Geração Pop, pela editora Abril, em 1972. Voltado :rcr cornpartilhadas, que não são necessariamente semelhantes à mensagem
ao público jovem, o periódico empregou diversos personagens ligados à cena ,1uc o emissor pretendia passar ou ao seu contexto de origem, podendo ser até
altemativa, adotou a linguagem contracultural e temas relativos às mudanças nreslno opostas a ela. Uma das formas como parte dos jovens se apropriou
culturais. Entretanto, o seu conteúdo estava mais direcionado ao universo do rlas representações da contracultura que eram veiculadas na mídia pode ser
consumo que a realizar um discurso crítico. ,rbservada no relato de Alexis Borloz:
Se Geração Pop possuiu esse pertrl de apropriação mercadológica da
contracultura, outro veículo dessa mesma editora, anos antes, teve grande im- Através dos meios de comunicação sabíamos que grandes mudanças
portância na divulgação de temáticas relativas à crítica dos costumes. Realidade comportamentais estavam ocorrendo no primeiro mundo. As novidades
chegavam fragmentadas e estigmatizadas. Sabíamos, no verão de 1968169,
clregou às bancas em 1966 e chamou a atenção tanto pela qualidade grárfica dos cabelos compridos, das drogas, do pacifismo, da liberdade sexual, e da
quanto pelo seu conteúdo. O periódico mensal pautou em suas páginas temas vida em comunidade, e tentávamos realizar nos fatos esta realidade que nos
como gênero e sexualidade, sendo uma referência sobre esses assuntos entre os chegava aos pedaços, mas com características de prática revolucionária de
jovens da segunda metade dos anos sessenta (MORAES,200l; FERREIRA, costumes, coisa que não havia sido encontrada na militância de esquerda.
2013). A Realidade, assim como outras revistas da época, publicaria maté- [...] Assim, o que fazíamos basicamente era nos unir, ouvir Caetano Veloso,
Gal Costa, Gilberto Gil, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Bob Dylan, e outros
rias sobre a juventude contracultural e fotos coloridas dos hippies europeus artistas da contracultura, deixar o cabelo crescer, usar roupas velhas e
e norte-americanos, contribuindo com a circulação de suas representações. coloridas, enfeites, colares de contas (desenvolver um por assim dizer
A exploração mercadológica do imaginário contracultural pela grande uniforme, no sentido de uma aparência característica e caracterizadora),
mídia efetivamente não pode deixar de ser observada. Entretanto, não ter relações sexuais com parceiros não estáveis e eventualmente do mesmo
sexo [...], e usar drogas (BORLOZ,1986, p. I l9-120).
podemos reduzir o olhar a uma análise simplificada dos processos socio-
culturais, compreendendo o surgimento da contracultura no Brasil como
Mesmo recebendo de forma fragmentada e estigmatizadaas informações
um mero fruto da indústria cultural. Os meios de comunicação não devem
sobre as experiências contraculturais que aconteciam fora do país (e dentro
ser vistos como manipuladores simplesmente, embora essa dimensão não
llmbém, visto que cita artistas tropicalistas), ele se apropriou delas incorpo-
deva ser desprezada. É necessário deslocar o olhar do meio de comuni-
nrrrdo seu caráter de subversão dos costumes tradicionais. As apropriações
cação em si para as mediações e recepções, para as apropriações e seus
tlu contracultura, entretanto, ocorreram de forma variada. Se tivemos aqueles
usos (MARTÍN-genggRO, 2009). Mesmo com fins comerciais ou jor-
(lue procuraram "cair fora" do sistema (que buscaram viver de forma alterna-
nalísticos, agentes, artistas, periodistas, escritores, editores e produtores
tiva, abandonando trabalho, estudos e família), muitos outros não o f,zeram,
tornavam-se'omediadores culturais" (GOMES, HANSEN, 2016), permitindo
vivenciaram-na sem realizar rupturas. As apropriações e as expressões da
a um público mais amplo o acesso a um repertório de diferentes visões
contracultura podem variar conforme a classe social a qual cada sujeito faz
de mundo, de propostas estéticas, sociais e políticas que se afastavam do
p:rfte. Entre a juventude negra e periférica do Rio de Janeiro, por exemplo, a
convencional. A veiculação na imprensa de notícias sobre o movimento
crrntracultura se manifestou de maneira diferente se comparada com a dazona
hippie e as manifestações de 1968, por exemplo, possibilitava que os
jovens brasileiros partilhassem aquelas experiências de forma vicâria, strl carioca3, povoada pelas classes médias e mais abastadas (DLrNN, 2016).

à distância (THOMPSON,2011). O compartilhamento dessas vivências


.l Sobre esse tema, conÍerir os capítulos B/ack Rlo: a contracultura negra dos anos 70, de Christopher Dunn,
através dos meios de comunicação poderia estimular a imaginação para que e Na ponta da baioneta: o rock psicodélico, do circuito de bailes aos !íoodsÍocks brasileiros, de lgor Pr-
nheiro, ambos neste livro.
30 (l()NlllA(lt,l ll,liAN()llllAl;ll AN()l;/Or:ur;lrl;rr,:;lo,(::;Í):r(!:()sr:socrabiliclades 31

-
Na osl'cra cl:rs rclaçõcs sociais, dependendo dos contextos locais, as :rllcrrrativos no llrasil, a circulação de periódicos e livretos marginais pelo
apropriações individuais poderiam se somar umas com as outras, levando ao
1xrís scrvia de ref'erência para jovens de outras regiões darem início a suas
surgimento de experiências coletivas. O compartilhamento do imaginírio da pr'(rprias produções (KAMINSKI, 20 1 8).
contracultura possibilitou o nascimento de cenas culturais alternativas em vá- Ao estudar os hippies norte-americanos, Stuart Hall (1970) considerou-
rias cidades do país, nas quais se cruzavam elementos locais e intemacionais. os como herdeiros das mídias de massa, pois possuiriam um conhecimento
Construíam-se redes de sociabilidade, ocupavam-se espaços e delineavam-se rrrstintivo da existência desses canais, sendo conscientes da importância dos
traços identitários ligados à estética contracultural. A partir de meados do século rrreios de comunicação. Desta forma, teriam criado uma estrutura complexa
XX, tem sido possível observar que há certa centralidade da comunicação tlc redes de comunicação, formadas por uma variedade de jomais e revistas
entre a juventude em seu cotidiano (ROCHA,2012), fator fundamental para a rrlternativas e estações de rádio. Segundo o autor, a difusão das notícias entre
emergência de culturas juvenis. Se há uma comunicação com o que é produzido cles parecia "viajar por meio deste moderno telégrafo de campanha, de uma
externamente, há também a necessidade de se expressar, de externalizar seus comunidade hippie a outra, tanto através do país como de continentes" (p. 31-
sentimentos, seus pensamentos, suas propostas e revoltas. Nesse sentido, no f 2). O texto de Hall, embora não se aprofunde na questão, abre um ponto
âmbito da contracultura, das cenas locais, não havia somente o consumo do irrrportante a ser observado sobre a circulação da contracultura: as viagens.
que era produzido pela indústria cultural. Procurava-se, ao mesmo tempo, Âpesar de ser a mais antiga das dinâmicas de trocas culturais, o papel dos
produzir sua própria cultura, suas próprias formas de expressão. r'iajantes tem ficado ausente das análises sobre o tema.
Um dos objetivos de parte dos adeptos da contracultura era o de fugir
daquilo que criticavam, o sistema e suas formas comerciais e hegemônicas de 3. Viagens e circulação da contracultura
produção cultural. Investiu-se, desta forma, na procura de meios alternativos
de expressão e comunicação. A imprensa alternativa e os livros mimeografa- Uma das práticas da contracultura bastante difundidas entre a juventude
dos de poesia traziam a palavra impressa, o design gráfico, as artes plásticas liri o de viajar, no sentido de deslocamento no espaço geográfico. Construiu-
e a fotografia, burlando não somente o mercado editorial, no qual provavel- se, inclusive, um estilo de viagem próprio, com características específicas,
mente nunca seriam aceitos para publicação, como a própria censura que se cliretamente relacionadas ao imaginário da contracultura e às práticas de
fazia presente no Brasil ditatorial. A produção cinematogritfica underground ar"rtomarginalizaçáoa. Na década de 1970 era comum ver jovens com suas
ganhou vezÍra utilização de câmeras Super-8, equipamento de baixo custo rnochilas pedindo carona na beira das estradas ou acampados em praças e
fabricado pata a gravaçio de filmes caseiros. No campo musical, se existia praias. Estes viajantes foram, em parte, responsáveis pela circulação do ide-
allatapara se inserir na indústria fonográf,ca e conseguir grayar um disco, a ririo e do imaginário da contracultura, assim como de sua produção cultural.
palavra cantada não era refém da reprodutibilidade técnica para acontecer - O dramaturgo brasileiro Antonio Bivar, uma referência do teatro con-
embora o fosse para permanecer e se propagaÍ com mais vigor. Em meio às tracultural nos anos 1970, registrou parte de suas viagens em livros e espe-
cenas locais, formavam-se circuitos e espaços para a performance musical. táculos. A peça Longe daqui aqui mesmo, por exemplo, foi escrita a partir
Nas artes plásticas e cênicas, algumas iniciativas procuravam romper com cle suas experiências contraculturais em terras inglesas. Após sua estreia, em
os espaços tradicionais e simbólicos, com as galerias e o palco italiano. Os agosto de l9ll, Bivar parliu para uma viagem ao sul do Brasil, com destino
happenings e outros tipos de performance permitiam transcender as fronteiras rr Argentina e intenção de escrever, isolado em uma cabana no litoral catart-
disciplinares de cada arte. Em termos estéticos, as expressões artísticas da nense, um livro sobre suas experiências no autoexílio londrino, que viria a
contracultura mantiúam grande ligação com o experimentalismo, formal e ser publicado somente na década seguinte, com o Íitulo Verdes vales do fim
existencial. Havia a procura por aproximar arte e vida. mundo (BIVAR, 1984). Suas impressões dessa viagem pelo interior do país
Essa produção cultural alternativa também circulava. A distribuição o deixavam tão entusiasmado acerca da contracultura no país quanto a que
desses produtos culturais alternativos para além de seu local de feitura pro- se manifestava em Londres.
movia a circulação não somente das obras em si, mas das próprias linguagens
e técnicas de produção. Assim como exemplares da imprensa underground
4 As viagens contraculturais são tema da tese A revolução das mochilas: contracultura e viagens no Brasil
estrangeira trazidos do exterior por viajantes inspiravam a criação dejornais dlÍaÍon,a/ (KAttil I NSKI, 20 I 8)
{.()Nlll^(:l,l llll{AN() IlllAl;ll ,AN()l; /O t:rrr;ul;rr,:;ro csÍ)itÇose:;or:i:ttrih<l:rrles 33

l)ara []ivar, a contracultura no Brasil era muito recente, estava somente {luc l)irlillt'iurr tr li'cc;rrcnlirr o local". Os jovens dessas localidades iam, como
começando. Obseruava, em 1972, que em cada cidade do interior era possível {':ict-cvcu ulrra cronista urineira sobre a presença de hippies em ouro Preto,
localizar um representante da contracultura5. No livro Longe daqui aqui mesmo,, ''vcr-as cílrils novas que mudam paisagem
a de sua vida calma e monótona"ro.
o autor narra encontros com alguns desses personagens em sua viagem pelo ('cna clue se repetia em diversos outros locais, tanto nas grandes ci-
su1 do país, jovens que com ele se identificavam e buscavam trocar experi- .lrrtlcs cluernto no interior, e que reforçam a importância de certos lugares
ências (BIVAR, 2006). Para o dramaturgo, naquele momento a contracultura r'tlrr() eSpâÇos de sociabilidade e de encontro. *Zonas de contato" em que se
era "como uma semente que se planta e depois ela dâ uma árvore. Ela sai de rrrslituíam relações de reciprocidade entre sujeitos anteriormente distantes
baixo, brota e quando sair 1á em cima vai ter outra semente sendo plantada, rt'otrraficamente, nas quais se podia interagir e compartilhar pensamentos e
que vai saindo também, vai dando frutos, milhares de frutos, e o mundo vai prriticas (CLIFFORD,l999).Apresença de pessoas de regiões distantes, com
mudando com eles"7. lr:ihitos e vestuário diferentes, atraíaacuriosidade dos jovens daquelas cida-
A imagem construída pelo escritor demonstra o olhar atento para o r lt's,
Que buscavam saber mais sobre os estranhos visitantes que costumavam
processo que vinha ocorrendo no Brasil, uma contracultura que crescia sub- \'('r' soÍrente nas páginas das revistas. Nesses encontros, eles obtinham um
terraneamente rumo ao interior do país. Fenômeno que nos permite pensar a t rrrkrto mais direto com a experiência da contracultura, para além do que thes
circulação do irnaginário e das práticas da contracultura para alem da indústria t lrcgava pelos meios de comunicação. Era um tipo de informação que não
cultural. Os jovens viajantes tinham papel fundamental nesse processo, pois ,'nr possível acessar pela imprensa e pela indústria cultural. O contato com
zrs viagens permitiam a eles um contato direto com aqueles que conheciam ,r viajante permitia uma troca de experiências com pessoas que realmente
a contracultura somente através dos meios de comunicação de massa ou que .rtkrtavam as práticas e o estilo de vida alternativos ao sistema, que contavam
não possuíam nenhuma informação. A juventude errante seria responsável lrisl(rrias, que arriscavam sair do conforto de seus lares e se aventurarpelas
por espalhar tais "sementes" pelo território nacional, ampliando o horizonte r'rlt'adas. Eram vistos como fontes mais verdadeiras acerca da contracultura,
de possibilidades culturais, a permitir novas pessoas sonharem outro mundo, ,1rrc não passavam pelos filtros de jornalistas e da censura. Apartir desses
outras formas de viver, de se relacionar, de criar e se expressar. ( ()ntatos, muitos deles se tornaram artistas ou artesãos, buscaram novas
Parte dessa dinâmica da circulação da contracultura pode ser observada Irlulâs de expressão ou mudaram seu estilo de vida. os encontros de jovens
por meio de notícias veiculadas na imprensa. Uma das mais antigas, de ju- , ,,rn aqueles que rodavam o país também fomentavam o surgimento de cenas
nho de 1968, diz respeito a quatro hippies que aÍnaram acampamento numa t'ontraculturais no interior no interior do Brasil.
praça de Santana do Livramento, cidade gaúcha na fronteira com o Uruguai. A cidade do Crato, que se encontra no sul do Ceará, em pleno sertão do
Um jornal local descrevia da seguinte forma a situação: "Ostentando roupas t'rrriri, é um caso interessante para pensarmos o alcance da contracultura e
multicoloridas e exóticas, cabelos e barbas enoÍrnes, os quatro jovens têm con- ';tras dinâmicas de circulação para locais distantes dos grandes centros. Apesar
centrado a admiração de todos, principalmente dos estudantes que passaram a tlr. suâ localização, como demonstram os estudos de Roberto Marques (2004,
rodeá-los, constantemente, formulando-lhes as mais diversas perguntas"8. Em
'() l4), floresceu um forte movimento de contracultura na cidade, com a or-
Manaus, do outro lado do país, três anos depois, a imprensa local descrevia l:tnizaçáo de festivais de música e de arte, formação de grupos musicais e
cena semelhante, um "hippie" que chegou à cidade de carona e instalou-se na lcutrais, edição alternativa de livros e revistas e gravação de filmestt. Em um
praça, onde produzia e vendia artesanato, chamando a atenção de estudantes
Primeiro momento, porém, a juventude da cidade possuía poucos canais de
t'orrtato com o imaginário da contracultura. Algumas informações chegavam
lrclo rádio, outras por revistas e discos levados por jovens que iam estudar
Ã
Drama e o drama de Bivar. Jornal do Comércio, [ilanaus, 29 mar.1972, caderno 2, p. 2.
b Apesar de possuir o mesmo tÍtulo da peça citada, o livro registra experiências e memórias posteriores à
cnr Fortaleza, Recife ou Salvador quando voltavam de férias. No entanto,
escrita do espetáculo.
7 Drama e o drama de Bwar. Jornal do Comércio, lvlanaus, 29 mar. 1972, aderno 2, p. 2.
('orno aparece em recordações de quem viveu aquele tempo, a circulação de
B O caso dos hippies: advogado santanense aÍirma que ajuventude precisa de compreensão. Platéia,San-
tana do Livramento, 25 jun. 1968. 0 recorte do jornal encontra-se no processo de cassaçã0, pelo Al-5, do
I Vendendo seu artesanato hippie conhece o país. Jornal do Comércio, Manaus, 20 ago. 197 I , p. 2.
vereador Antônio Apoitia Neto, que defendeu os jovens contra a ação do delegado que queria expulsá-los 't0 MEDEIROS, Mariângela. Ouro Preto e seu clima de Festival. Estado de Minas, Belo Horizonte, 05 jul. 1972.
da cidade. Arquivo Nacional, Fundo Conselho de Segurança Nacional, br dfanbsb nB 0 pro css 0030 0002
1'1 Sobre esse tema, conferir o capÍtulo Caldeirao de SanÍa Cruz, Avalon, Craterdam: lugares cognitivos da
d0001de0001, p.31.
contracultura no interior do Ceará, de Roberto l\,4arques, neste livro.
'.\4
( ( )N lllA(ll,l ltll{A N( ) lll{Al;ll . AN()l; /O crcul;t(,:;t() r)sl)il(;os t: sor;lrbllr<larles

viajantes na cidade foi de grande importância para o contato com as práticas tlrruis não tinham acesso em seus locais de origem. Ou simplesmente porque
da contracultura, com diferentes formas de expressão artística e com notícias e rn lá onde as coisas aconteciam. O deslocamento de artistas para esses polos
sobre o que acontecia no mundo. As informações que chegavam por intermédio cttlturais permitiu a circulação de elementos do que era produzido nas demais
dos viajantes eram percebidas de uma forma diferente pelos jovens locais, lcgiões do país, o que podia se ampliar, especialmente na música, quando
como se observa no relato de um antigo morador: conseguiam o difícil espaço na mídia e no mercado. Dinâmica registrada
cnl versos pelo cearense Ednardo: "Vou m'imbora daqui pro Rio de Janeiro/
Os sacoleiros, os mochileiros que circulavam pelo mundo inteiro, passavam
As coisas vem de lâl eu mesmo vou buscar/ E vou voltar em vídeo tapes/ e
aqui no Crato [...]. E o Crato recebeu esse tipo de influência muito pura.
Por isso eu acho que o movimento cultural daqui tem essa resistência t'cv i stas supercoloridas"12.

[...] a gente recebeu muita informação forte, das fontes verdadeiras dos A circulação da contracultura dava-se ainda com o retorno, mesmo que
anos 70, apesar de que aqui era Nôrdeste, era isolado (apud MARQUES, lernporário, de jovens a suas cidades de origem, cheios de experiências esté-
2004,p.79). ticas e de vida. Como no caso do tropicalista Torquato Neto, referência para
rrnra geração de conterrâneos que com ele viveu em seus retornos à Teresina.
As informações trazidas pelos andarilhos eram consideradas como fontes ,lovens que editaram publicações altemativas e produziram cinema em super-S,
mais fidedignas do que as mediadas pela imprensa e pela indústria cultural, ctluipamento apresentado por Torquato, que já possuía experiência com seu
pois eram coúecimentos de quem vivia aquele universo de transformações, de rrsor3. Conterrâneos que como ele também sentiriam sua cidade natal pequena
quem produziaarte e cultura, de quem estavavendo o mundo com os próprios c rrrigrariam à procura de suas próprias experiências contraculturais no Rio
olhos. A efervescência cultural no Crato dos anos setenta alimentava e era tlc.laneiro e outras capitais (BRITO, 2013).
alimentada pela circulação de viajantes, num intercâmbio contínuo,trazendo A circulação de produtos, técnicas e estéticas contraculturais, assim como
informações para a região e divulgando o Crato no restante do país. "Sementes o eleslocamento das próprias pessoas, em diversas direções (interior, exterior,
da contracultura" que não somente brotavam no Crato, como também eram capitais...), permitia não só o surgimento de cenas e produções culturais alter-
cultivadas em outras paisagens. rrativas em diferentes locais, mas produtos culflrais criados no hânsito e no
Mais do que curiosidade, os andarilhos provocavam fascinação entre rliirlogo entre tradições e modernidades, entre o local e o cosmopolita. Se, no
os jovens que assim como eles não se identificavam com as instituições e as lirral dos anos 1960, temos uma maiorpresença da emulação (imitação, diriam os
formas de viver tradicionais. Via-se neles a possibilidade de mudar de vida criticos) da contracultura internacional no país (no rock, por exemplo), ao longo
ou mesmo abandonar tudo e pegar a estrada. Não só adentravam no u:riverso tla década de 197 0 cresceu uma produção cultural altemativa que mantém forte
da contracultura, como poderiam seguir viagem em companhia dos novos
l)resença da cultura brasileira. Atradição das culturas regionais não era negada,
companheiros. Segundo Maria Manuela Alves Maia (2000, p. I 66), durante rnas incorporada de forma cntica. Eram maneiras, lembrando Néstor García
as viagens pelo interior "íamos conhecendo as cidades e conversando com os ('anclini (2015), de entrar e sair da modemidade. Se, por um lado, aapropnaçáo
moradores. Muitos jovens resolviam nos seguir, o que tazia um grande pro- da modemidade da estética contracultural, cosmopolita, era um modo de negar
blema, porque os pais deles não entendiam e pensavam que tínhamos levado tl conservadorismo e o provincianismo da cultura local; por outro, o retomo aos
as pessoas à força". A estrada seduzia, e o caminho poderia ser abandonar a clementos, formas e ritmos das culturas tradicionais e regionais permitia, ao
província em busca de um contato direto com o mundo. h para cidades onde rnesmo tempo, sem recuar da qitica, contestar também a modemidade.
pudessem ter uma liberdade maioq às vezes deslocando-se do interior para
as capitais com o intuito de cursar o ensino médio ou a universidade em uma -1. Ainda a circular...
rede de ensino superior que se expandia. Para as mulheres interioranas, sobre
as quais os costumes eram muito mais rígidos e a liberdade muito menor, os A contracultura, seu imaginário e suas práticas circularam mundo afora e
estudos se tomavam uma altemativa a um futuro previsível, aom poucas opções llrasil adentro, seja via meios de comunicação de massa, formas alternativas de
para alem do casamento e da vida familiar (SANTOS, 2006; XAVIER, 2011).
Jovens e aftistas de todo o país partiampara o Rio de Janeiro e São Paulo, 12 "Carneiros". ln: Ednardo. O romance do paváo mysteriozo. LP RCA, 1974.
t3 Sobre esse tema, conferir o capítulo No bar, na rua, na grama: comportamentos juvenis, contracultura e
cidades cosmopolitas, em busca de vivências, oportunidades e informações das sociabilidadesnaTeresina dosanos 1970,de Edwar Castelo Branco e Fábio Brito, neste livro.
:l( i { l( )N lllAOtll lt,llA N() ltllAlill , ANOÍ; 7/O r;rrr;rrlirç::lo. csl)írÇos c sor;r:tlrrlrcl:rcles

cxpressão ou através dejovens que com suas mochilas atravessaram sertões, IT TJIITJI{ÊNCIAS
fronteiras e oceanos. Além do campo estético, foi no âmbito dos costumes
que ocofferam as maiores mudanças. A crítica aos valores e instituições tradi-
cionais estiveram acompaúadas de transformações culturais. Se, em meados AItAUJO, Maria Paula. Disputas em torno de 1968 e suas representações.
da década de I 960, a liberdade sexual, por exemplo, era vista com estranheza lrr: FICO, Carlos; ARAUJO, Maria Paula (Orgs.). 1968: 40 anos depois. Rio
pela população e com horror pelos setores conservadores, dez anos depoisjá
rle .laneiro: 7 Letras, 2009, p. 17 -30.
era algo comum para uma fração considerável da juventude.
Uma parte disso se deve à indústria cultural e sua perspectiva liberal, III VA R, Antonio. Longe daqui aqui mes mo. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2006
divulgando os hábitos modemos, que mesmo com a censura conseguiu veicular
determinadas pautas, emrazáo das próprias contradições do regime formado
por grupos conservadores e liberais. Enquanto os setores modemizantes da
_. Verdes vales do.fim do mundo. PorloAlegre: L&PM, 1984

ditadura possuíam uma perspectiva mais aberta, embora não deixassem de It( )ltLOZ, Alexis Acauan. Malucos: a contracultura e o comportamento
ser cúrnplices do arbítrio, os grupos alojados nos órgãos de espionagem, re- rlt'sviante - Porto Alegre 1969172. Dissertação (Mestrado em Antropologia
pressão e censLlra entendiam a revolução dos costumes como instrumento do :iocial) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PortoAlegre, 1986.
comunisrno intemacional para destruir a juventude e tomar o poder (LONGHI,
2015 KAMINSKI,2016). Apesar da repressão, a juventude ligada à contra- Itlil'fO, Fábio Leonardo Castelo Branco. Torqttato Neto e selts contempo-
cultura também foi responsável pela transformação dos costumes, fazendo tlut(os: vivências juvenis, experimentalismo e guerrilha semântica em Tere-
circular seu imaginário e suas práticas, mas de forma subterrânea e radical, .rnrr. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Piauí,
sem a reversão de valores realizada pela indústria cultural. l,'rcsina, 2013.
Arevolução cultural pretendida no final dos anos 1960 pode não ter se
concretizado, mas muitas das mudanças preconizadas se realizaramno campo t ANCLNI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair
dos costumes. Apopulação é cada vez mais livre sexualmente, novas formas de ,l;r rnodemidade. São Paulo: Edusp, 2015.
amar e de se relacionar emeÍgem na sociedade. Se autilizaçáo de substâncias
alteradoras da consciência cresceu e gerou uma verdadeira guerra às drogas, ( 'I1RTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano; artes de fazer. Petrópolis:
diversos países têm procura do legalizar ou descriminalizar seu uso. O estilo Vozes, 1998.
de viagem contracultural, caracterizadopelamochila às costas e o mínimo de
gastos, popularizou-se e é hoje um nicho do mercado turístico. A produção ( IIARTIER, Roger. Á história cultural'. entre práticas e representações.
cultural independente, acompanhando as inovações tecnológicas, é cadavez I isboa: Difel, 1988.
maior e alcança um público muito mais amplo através da internet.
Muitos outros exemplos poderiam ser levantados, apesar das ambiguidades ('llEN,Jianetal(Eds.). TheRoutledgehandbookoftheglobalsixlies:between
presentes no processo. Diversas pautas da contracultura foram incorporadas 1r'otest and nation-building. New York: Routledge, 2018.
pelo sistema e perderam seu vigor transformador. Outras permanecem sub-
versivas, como formas de resistência numa sociedade cadavezmais desigual. ('LIFFORD, James. Itinerarios transculturales. Barcelona: Gedisa, 1999.
Estudar suas diferentes maneiras de circulação e de apropriação nos auxilia
a compreender melhor as próprias dinâmicas e contradições da contracultura l)lAS, Lucy. Anos 70: enquanto corria abarca. São Paulo: Senac, 2003
e dos movimentos de juventude. Suas rupturas e continuidades.
l)[JNN, Christopher. Brutalidade jardim: a Tropicália e o surgimento da
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