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FICHA CATALOGRÁFICA

Matheus Wisdom Pedro de Jesus


(RE)PENSANDO AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:
reflexões ao professor acerca do processo de ensino – aprendizagem da Língua Portuguesa e da Matemática
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2019
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
CATALOGAÇÃO NA FONTE
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Editora CRV
Arte de Capa: Wesley Eduardo Freitas Santos Souza
Revisão: O Autor
2019
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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J58
Jesus, Matheus Wisdom Pedro de.
(Re)pensando as dificuldades de aprendizagem: reflexões ao professor acerca do processo de ensino – aprendizagem da Língua Portuguesa e da Matemática / Matheus
Wisdom Pedro de Jesus – Curitiba : CRV, 2019.
80 p.
Bibliografia
ISBN 978-85-444-3526-7
DOI 10.24824/978854443526.7
1. Psicopedagogia 2. Dificuldades de aprendizagem 3. Língua Portuguesa 4. Matemática I. Título II. Série.
CDU 37CDD 370
Índice para catalogo sistemático
1. Educação 370

Conselho Editorial:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro)
Carmen Tereza Velanga (UNIR)
Celso Conti (UFSCar)
Cesar Gerónimo Tello (Univer. Nacional Três de Febrero – Argentina)
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL)
Élsio José Corá (UFFS)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
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Francisco Carlos Duarte (PUC-PR)
Gloria Fariñas León (Universidade de La Havana – Cuba)
Guillermo Arias Beatón (Universidade de La Havana – Cuba)
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Renato Francisco dos Santos Paula (UFG)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Comitê Científico:
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Ana Chrystina Venancio Mignot (UERJ)
Anna Augusta Sampaio de Oliveira (UNESP)
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Barbara Coelho Neves (UFBA)
Diosnel Centurion (Univ Americ. de Asunción – Py)
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Eliane Rose Maio (UEM)
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Helder Buenos Aires de Carvalho (UFPI)
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José de Ribamar Sousa Pereira (UCB)
Jussara Fraga Portugal (UNEB)
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Lourdes Helena da Silva (UFV)
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Marcos Vinicius Francisco (UNOESTE)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
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Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Mohammed Elhajji (UFRJ)
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Nilson José Machado (USP)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Silvia Regina Canan (URI)
Sonia Maria Ferreira Koehler (UNISAL)
Suzana dos Santos Gomes (UFMG)
Vânia Alves Martins Chaigar (FURG)
Vera Lucia Gaspar (UDESC)
Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.

APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS

Escrever sobre a prática psicopedagógica é transcrever em linhas as experiências exitosas ao longo dos atendimentos realizados. Basicamente, os capítulos a frente resumem-se em
meus anos de trabalho como psicopedagogo e como professor, tanto da sala de aula regular como do Atendimento Educacional Especializado, que me fizeram compreender
melhor as dificuldades de aprendizagem de alguns educandos, bem como diferenciar dificuldades, transtornos e deficiência intelectual, propondo assim uma linguagem
esclarecedora a você, leitor. A medida em que as páginas eram sendo escritas, coloquei-me a dispensar qualquer linguagem que exigisse significativo grau de entendimento do
assunto para compreensão do conteúdo, promovendo acessibilidade a qualquer pessoa que se interessar pelo assunto a ser contemplado.
Nessa caminhada psicopedagógica, gostaria de agradecer especialmente a três pessoas que acreditaram tanto em meu trabalho como no acesso a informação e divulgação de
material a todas as pessoas. Obrigado, Ana Paula. Você me fez acreditar que tudo pode ser possível aos olhos daquele que acredita. Como mãe, exercitou o meu olhar sensível, a
minha escuta e me fez doar-se cada dia mais em ajudar o outro. Não menos importante, obrigado, Sheilane, querida esposa, por trilhar ao meu lado junto a conquistas, desafios e
vitórias, acreditar em meus projetos e erguer comigo a WISP – Wisdom Serviços Psicopedagógicos que presta atendimento psicopedagógico à comunidade por valores acessíveis,
beneficiando assim quem mais precisa. Você é exemplo como profissional que me motiva a continuar a descobrir e inovar ao seu lado. Sem vocês, estaria apenas no plano das
ideias. Essa obra é inteiramente dedicada a vocês. Gratidão. Não menos importante, presto meu carinho ao meu eterno mestre Júlio Cézar Barbosa, o primeiro psicopedagogo que
conheci ainda nos semestres iniciais da graduação em Letras. Obrigado por compartilhar suas experiências e aprimorar o meu pensar diariamente na busca constante entre coesão
e coerência entre o que se diz e o que se faz.
Apresentando brevemente o material, começo explicando sobre os desenhos que compreendem, respectivamente, a capa e a contracapa deste livro. A capa foi desenhada por
um adolescente que, ainda criança, foi diagnosticado com dislexia – transtorno de aprendizagem que acarreta, consequentemente, algumas dificuldades. O mesmo teve algumas
dificuldades acentuadas em seu processo de aprendizagem, mas nada que o impedisse de seguir os seus estudos compreendendo e superando os seus desafios. Obrigado, Wesley1,
por ceder gentilmente suas impressões do que é conviver e superar.
Finalizando o meu eterno parênteses em aberto, agradeço de coração a amigos e familiares que incentivaram esse trabalho e deram fôlegos de estímulos a essas pesquisas.
O meu muito obrigado, também, às muitas famílias que pude atender e que compartilharam comigo os avanços de seus filhos após os atendimentos. Vocês são o que prego todos
os dias: autonomia e conquistas! Sigamos, felizes, pois...

Matheus Wisdom Pedro de Jesus

Notas de Rodapé
1 O nome não foi mudado.
2 O nome foi mudado por questões relacionadas à preservação de identidade e ausência posterior de contato com o indivíduo.

PREFÁCIO

Quando recebi o convite para escrever este prefácio, pensei: Nossa, que desafio! E ao mesmo tempo pensei: Que privilégio! Sim, participar da escrita deste livro é um privilégio,
pois o convite partiu de uma pessoa especial que discorre sobre uma temática singular com muita dedicação. Achei desafiador, pois sua obra é plausível e única. Incomparável!
Sou suspeita em falar sobre o autor deste livro, mas escreverei com clareza e veracidade. Matheus, que desde a sua infância tinha um lindo sonho: Ser professor! Não era um
mero sonho; este tinha uma relevância em sua vida que o moveu a levá-lo até o término do seu Ensino Médio. E, com todo seu empenho e entrega foi em busca da sua tão sonhada
profissão. Debruçou-se diante dos estudos iniciando sua graduação em Letras com inglês.
Ao longo do seu curso, ingressou em escolas regulares para lecionar. Apaixonado pela profissão que exercia, sempre estava em busca de novas experiências. Até que,
quando menos esperava, recebeu uma proposta para trabalhar em uma escola de Educação Especial. Foi desafiador! Porém, ele encarou o desafio, se encontrou e se encantou por
este público de forma especial. Exercer sua profissão nesta escola foi o ponto de partida para adentrar na Psicopedagogia; campo que atua até os dias atuais e não se vê mais em
outro espaço. Fantástico é perceber o amor, carinho e dedicação que tem para com estas crianças/adolescentes. Partindo da afetividade é por onde ele começa o seu trabalho, pois
assim cria laços significativos e contribui para um bom desenvolvimento dos seus educandos e pacientes.
Agora, vou exercer meu real papel aqui, falar um pouco da sua obra. É notório todo seu desempenho e estudo para chegar à finalização deste trabalho, recheado de
conhecimento e experiências práticas para colaborar no processo de ensino – aprendizagem das crianças que apresentam dificuldades escolares.
O autor deste livro traz contribuições para somar, a fim de proporcionar aos profissionais da educação, e/ou pessoas interessadas o aprimoramento do seu trabalho com as
crianças com necessidades educacionais especiais. Através de seus conhecimentos e experiências vividas, Matheus escreve este livro com o objetivo de compartilhar conosco
possibilidades para contribuir de forma significativa com a aprendizagem. Para isso, em seu livro ele traz sugestões e exemplos de recursos estratégicos para o ensino da
Matemática e da Língua Portuguesa.
A leitura do livro também nos ajudará a compreender sobre a diferença entre dificuldades e transtornos de aprendizagem. É comum nas escolas ou em clínicas de
atendimento psicopedagógico encontrarmos crianças com alguma dificuldade em leitura, escrita ou cálculo lógico matemático. Desta forma, é de extrema importância ampliarmos
nosso conhecimento em relação a esta temática.
Com a sua vivência a atuação com este público, Matheus afirma a importância da participação da família no processo de desenvolvimento da criança que apresenta
dificuldades escolares, como também nos move a perceber qual deve ser a atitude e papel dessa família mediante as situações citadas acima. Ressalto que todos os aspectos
mencionados, e a proposta do livro é ampliar nosso olhar e conhecimento com relação ao processo educacional das crianças com dificuldades/transtornos escolares no ensino da
língua portuguesa e da matemática.
Em suma, desejo que todos vocês tirem o máximo de proveito, que sua leitura seja prazerosa, e que valha a pena o folhear das páginas. Pois, este será um norte para que não
deixemos de acreditar. E que possamos promover uma aprendizagem aprazível para as nossas crianças singulares!
Sheilane Freitas Nascimento Pedro
Psicopedagoga ABPp – 1537
Pedagoga

CAPÍTULO 1 ESTUDOS INICIAIS SOBRE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

“Ninguém começa a palavra lendo a palavra. Porque antes da palavra, o que a gente tem pra ler, a disposição da gente, é o mundo. E a gente lê o mundo, na
medida em que a gente o compreende e o interpreta. E foi isso que os homens e as mulheres fizeram. Milênios depois de ler o mundo é que os homens inventaram
a linguagem e milênios depois ou séculos depois é que inventaram a escrita”.
Paulo Freire
Emergem-se absurdamente os casos de alunos que, em período escolar, apresentam alguma dificuldade de aprendizagem. No geral, essas dificuldades aparecem quando a
leitura, a escrita e a produção matemática passam a serem componentes curriculares em que o professor estabelecerá habilidades e competências para o grupo a depender do
segmento e da faixa-etária. Primeiro, porém, precisamos conceituar o que é aprendizagem.
Mas, o que é dificuldade de aprendizagem? Quando pensamos no termo “dificuldade” e na sua relação direta com o aprender, podemos entender que ter uma dificuldade de
aprendizagem implica em um rendimento abaixo do esperado por faixa etária na área acadêmica ou em outros ambientes educativos. Segundo Garcia Sanchez (2004),

[...] as dificuldades de aprendizagem se caracterizam por um funcionamento substancialmente abaixo do esperado, considerando a idade cronológica do sujeito e seu
quociente intelectual, além de interferirem significativamente no rendimento acadêmico ou na vida cotidiana, exigindo um diagnóstico alternativo nos casos de déficits
sensoriais. Assumem-se, portanto, um critério de discrepância entre aptidão e o rendimento e um critério de exclusão, além do baixo rendimento e da interferência na
vida cotidiana.
A conceitualização do Comitê Conjunto sobre Dificuldades de aprendizagem está na mesma linha, ao sugerir que as dificuldades de aprendizagem são algo
heterogêneo, supõe problemas significativos na conquista das habilidades da leitura, de escrita e/ou matemática, que se acredita ser intrínsecas ao indivíduo, é possível
encontrar superposição com outros problemas que não se devem a influências extrínsecas (2004, p. 15-16).

Nesse viés do autor, a escola – onde a leitura e escrita se desenvolvem formalmente – poderá ser o primeiro ambiente onde uma dificuldade de aprendizagem pode ser
observada por conta da comparação entre crianças do mesmo grupo. Geralmente, essa dificuldade, se não tratada, pode se estender a outros aspectos da vida do indivíduo, em
geral, os que envolvem desempenhar serviços e atividades que envolvem o intelecto. Como geralmente as dificuldades eclodem ainda na infância, usarei o termo “criança”
simultâneo aos termos “indivíduos” e “sujeitos”.
Todavia, primeiro é necessário diferencia os termos “dificuldades” e “transtornos”. Dito em palavras simples e de forma resumida, dificuldades de aprendizagem, em geral,
são superadas no decorrer da vida acadêmica-social, pois estão ligadas a fatores emocionais e/ou metodológicos. O acompanhamento psicopedagógico quando feito de forma
inicial, certamente tende a ter êxito e o indivíduo pode caminhar com autonomia em seu percurso de vida. Digno de ressalva que, em alguns casos, a dificuldade pode ser
secundária a algum transtorno. Por outro lado, quando mencionamos transtorno, estamos nos referindo a algo em que não é possível mensurar parecer curativo, pois o sujeito que o
possui conviverá com ele toda a sua vida, sendo necessária a criação de estratégias para driblá-los. No âmbito dos transtornos, podemos citar a dislexia, disgrafia, disortografia,
discalculia etc. Este livro tratará os aspectos ligados diretamente às dificuldades de aprendizagem no âmbito pedagógico, não adentrado profundamente a questões que envolvam o
desenvolvimento neurobiológico do indivíduo. Mais à frente haverá uma breve síntese esclarecedora do que são esses transtornos para fins de conhecimento e associação do leitor.
Segundo Pain (1983), a dificuldade de aprendizagem deve, a priori, ser considerada como um sintoma e não como um quadro permanente sem possibilidade de reversão.
É necessário, contudo, procurar entender qual(is) fator(es) pode(m) causa essa dificuldade para então pensar em possibilidades do que pode ser feito.
Ao afirmar que o sujeito possui uma dificuldade de aprendizagem, partimos do pressuposto de que ele não aprende com os demais da sua idade mesmo com o
desenvolvimento cognitivo e aparentes condições reais para o aprendizado. A dificuldade, por sua vez, não está relacionada como a deficiência intelectual (DI), uma vez que ter
DI envolve um grau de retardo mental. Contudo, a deficiência intelectual certamente poderá gerar uma dificuldade de aprendizagem por conta dos déficits cognitivos envolvidos e
questões neurológicas que os acompanha.
Algumas dificuldades podem, como sintoma, deixar de existir com o passar do tempo; em outros casos o sujeito necessitará de suporte para aprender a conviver com ela da
melhor maneira possível sem que isso traga prejuízos maiores em sua vida social e acadêmica. Nesse caso, é de extrema importância conhecer o indivíduo como um todo na
tentativa e compreender os fatores contribuintes para sua dificuldade a fim de oferecer os subsídios necessários para que ocorra o aprendizado. Evidente que, quanto mais cedo a
intervenção for realizada, maior a probabilidade a criança/sujeito terá de se desenvolver. Em contrapartida, a demora em fornecer o suporte pode agravar o quadro e comprometer
outras habilidades do sujeito.
Alguns fatores podem contribuir para gerar uma dificuldade de aprendizagem; em alguns casos, mais de um fator pode ocasionar esse problema. Observe o quadro abaixo:

O diagrama acima de forma alguma restringe as dificuldades de aprendizagem a essas quatro áreas. Ele apenas apresenta quatro grandes grupos em que podemos sistematizar
esses problemas na aprendizagem. Vejamos cada um deles.

Fatores neurobiológicos

O nosso corpo funciona como uma supermáquina onde cada órgão em uma função significativa para êxito das operações a serem desenvolvidas. Quando um órgão não
desempenha sua função como esperado ele pode comprometer o seu funcionamento e dos demais que dependem dele para realizar as funções. Paralelo às dificuldades de
aprendizagem, muitas vezes uma área afetada pode comprometer o desempenho dos outros e emergir um problema.
Dois campos são imprescindíveis para detectar uma dificuldade de aprendizagem ou excluir outras possibilidades de diagnóstico: capacidade auditiva e visual. Já reparou
previamente se a criança ouve? Por inúmeras razões às vezes um problema auditivo pode passar despercebido por família e escola e a criança surda ou deficiente auditiva pode
deixar de ter o supedâneo necessário para o seu desenvolvimento. O mesmo pode acontecer com o sujeito que apresenta algum problema visual que o impede de desenvolver
habilidades significativas para leitura e escrita.
Em outros casos, aspectos neurológicos podem ocasionar uma DI, como lesões no cérebro, desordens corticais, (genéticas, neonatais, traumáticas etc.), entre outros inúmeros
que podem ser identificados. Esses fatores podem – atrelados a outros como doenças dos pais, desnutrição durante a gravidez, alcoolismo e outras drogas – influenciar na má
formação do cérebro durante a gravidez ou formação atípica das células produzindo no feto alterações morfológicas e funcionais. Nesses casos, a criança poderá nascer abaixo do
peso, prematuridade, apresentar deficiência intelectual e/ou física, memória de curto prazo, dificuldade de atenção e dificuldades para identificar sons e letas. Além disso,
problemas no parto, traumatismos ou acidentes, doenças infeccionais e fatores genéticos (a depender do caso) acompanham diagnósticos de dificuldades de aprendizagem.

Fatores emocionais
Os fatores emocionais podem agir significativamente como agentes facilitadores do processo de aprendizagem ou coo causador da própria dificuldade de aprendizagem.
Como? Sabemos que a família é o primeiro e principal grupo ao qual a criança faz parte. Nela, o indivíduo constrói as suas primeiras relações sociais e vínculos de afetividade. De
acordo com Kaloustian (1998, p. 12),

É a família que propicia os aportes afetivos e, sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel
decisivo na educação formal e informal. É em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade.

Dessa forma, a família também é responsável pela educação da criança antes mesmo desta frequentar a escola; assim quando ela desempenhar o seu papel de forma plena,
ela coopera para uma aprendizagem significativa. Contudo, o inverso também é verdadeiro. Fatores emocionais oriundos da família podem interferir negativamente na
aprendizagem do sujeito. Será que a pressão dos pais para que esse indivíduo aprenda com avidez causou nele um bloqueio para aprendizagem? A superproteção dada pelos pais o
faz associar aprendizado com independência e assim evitar novos saberes por encará-los como sinônimos de maturidade? Além disso, problemas familiares de várias ordens como
divórcio, morte, brigas constantes, etc., podem afetar o emocional da criança quanto ao seu desenvolvimento e habilidades intelectuais.

Fatores ambientais

Todas as pessoas em volta da criança contribuem para o seu aprendizado de forma direta ou indireta. Todavia, saberes pedagógicos são bastante importantes para que a
aprendizagem atinja o sujeito de forma satisfatória. Adentramos agora a pontos importantes e questionadores: O que a minha postura enquanto docente diz sobre o aprendizado do
meu aluno? Será que eu sou um mediador-facilitador do aprendizado do meu aprendente? O docente como mediador do conhecimento deve certificar-se de que o aluno tem
assimilado o conhecimento em pauta e propiciar ferramentas para que isso aconteça e objetivos e competências sejam alcançados. Nessa mesma linha de pensamento, Luckesi
(1993, p. 115) expressa que:

[...] educador é aquele que, tendo adquirido o nível de cultura necessário para o desempenho de sua atividade, dá direção ao ensino e aprendizagem. Ele assume o papel
de mediador entre a cultura elaborada, acumulada e em processo de acumulação da humanidade.

Assim, o professor precisa refletir sobre a sua prática pedagógica e se ela permitiu ou possibilitou o aprendizado esperado. Ao fazer isso, ele direciona o aluno a melhores
condições para aprender e assume não o papel de transmissor do conhecimento, mas de mediador entre o seu aluno e conhecimento que ele deverá entender no decorrer do
processo.
Todavia, quando essas questões sobre responsabilidades da família e da escola não são cumpridas, o sujeito pode desenvolver uma dificuldade de aprendizagem em
decorrência de fatores emocionais inerentes a sua formação.

Fatores indeterminados

Mas, e quando os três tópicos citados já foram analisados e descartados? Qual, então, pode ser a causa da dificuldade de aprendizagem? Muitas vezes fatores díspares podem
originar a mesma dificuldade. Consequentemente, pode haver indeterminações da causa por especificidade ou suspeitas sem comprovação. Se isso ocorrer, o indivíduo em questão
deverá ser submetido a novas análises para que os fatores sejam compreendidos sob óticas neurológicas e psiquiátricas. Quando os recursos terapêuticos iniciais não dão
resultados, pode ser indício de um transtorno de aprendizagem. Ressaltamos que apenas equipe multidisciplinar mediante avaliação e múltiplas áreas pode realizar diagnóstico de
pessoas com transtornos de aprendizagem, não sendo exclusivamente um profissional responsável. Como base, os profissionais têm como referência a CID-10 (Classificação
Internacional das Doenças). No tópico F.81 encontramos o tema “Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares”. Nele pode ser encontrado uma síntese
alguns transtornos para fins diagnósticos de transtornos de leitura, escrita e habilidades aritméticas.
Conheça alguns dos transtornos mais comuns:
•Dislexia: A Dislexia é uma nomenclatura usada para referir-se a um transtorno de aprendizagem associada a linguagem cuja sintomática inclui dificuldades acentuadas na
leitura e escrita como troca e inversão de letras e fonemas, em especial aqueles produzidos no mesmo ponto de articulação como “p” e “b”, “t” e “d” e
similares. Geralmente acarretará ao longo da vida acadêmica do sujeito prejuízos na leitura e escrita como dificuldades em obter fluência e entendimento do que se lê e
imprecisão ortográfica. A suspeita de Dislexia geralmente se inicia no período de alfabetização da criança.
•Discalculia: Nomenclatura utilizada para especificar transtorno ligado diretamente com a matemática. A pessoa discalcúlica apresentará dificuldade significativa para
compreender e executar operações matemáticas, inclusive no processamento de informações que envolvam números.
•Disgrafia: O educando com disgrafia apresentará comprometimento sério na formação de letras, espaçamento irregular entre elas ou, de forma sintética, ausência de
fluência na escrita.
•Disortografia: A disortografia é caracterizada por uma perturbação que comprometerá as expressões escritas, ocasionando dificuldades sérias na escrita por conta de erros
ortográficos e imprecisos atrelados a gramática e pontuação.
Independente do transtorno que acomete a criança/adolescente ou a sua dificuldade de aprendizagem temporária ou permanente, caberá ao profissional a equiparação de
oportunidades a esse indivíduo para que as suas barreiras sejam minimizadas e a inclusão seja promovida. Dessa forma trabalharemos a diversidade dentro de todo e qualquer
contexto levando em conta a singularidade de cada sujeito.

Para refletir...

Dificuldades de Ensinagem: possibilidades do ato de “não aprender”

No decorrer de pesquisas e vivências com crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem, destaco pontos diagnósticos questionáveis em inúmeros indivíduos. Na
verdade a questão para se refletir é bem simples. Quando nos referimos a dificuldades de aprendizagem, estamos falando de alguém que tem intercorrências em seu processo
“normal” de aprender. Mas por que o educando sempre vive o lado passivo da terminologia? Quer dizer das dificuldades de ensinagem?
Vivemos em uma era de múltiplos diagnósticos. Pense em quantas famílias foram até os portões da escola de seus filhos e buscá-los e retornaram às suas casas com números
diagnósticos dados por professores que passaram ilegalmente a apropriar-se de questões médicas e verbalizar aos demais a sua volta! Já pensou no quanto isso é perigoso e
simultaneamente recorrente? Disléxicos, discalcúlicos, hiperativos, autistas, TDAHs! E quantos mais! Tudo que fugir supostamente a realidade do ponto de vista docente é
passível de suspeitas psicopatológicas. Por quê? Por conta de uma visão antiquada que permeia até a contemporaneidade: o professor é o detentor do saber.
No momento em que se diz que o problema está na aprendizagem, exime-se por muitas vezes o ato de ensinar e focaliza-se no ato de aprender. Acontece que ambos são
processos indissociáveis que precisam ser investigados sob a mesma medida. A intenção aqui discutida não é o de culpar o professor pelas possíveis consequências do ato de “não
aprender” e sim de colocá-lo como mediador dessas questões que também o põe em local de reflexão diante da problemática.
Incluir o professor em reflexão de sua prática pode ser uma boa iniciativa no processo investigativo de uma suposta dificuldade de aprendizagem. Quando inferimos a culpa
por algo é mais fácil de permanecer em nossa zona de conforto onde “tudo está sempre correto”. Mas será mesmo? Pensemos sobre algumas situações comuns em classes de
educação infantil de inúmeras regiões. Pensemos, pois.
O(a) professor(a) da educação infantil se propõe a ensinar o numeral 3 (três) a determinado grupo de crianças. A essa altura, explorar os conhecimentos prévios dos
pequenos é o melhor caminho, sem dúvidas. Vygotsky afirma que entre a Zona de Desenvolvimento Real (o que o educando já sabe) e a Zona de Desenvolvimento Potencial (o
que o educando precisa aprender ou sistematizar) existe a Zona de Desenvolvimento Proximal, onde estão os saberes e conhecimentos já adquiridos. Para Vygotsky, essa Zona é

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por meio da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração
com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1984, p. 97).

Usar essa zona como ponte é o ideal para consolidar a aprendizagem. O aluno, por exemplo, sabe dizer quantos anos ele têm e representa-lo com dedos. Então o docente
transcreve para a lousa o numeral “3”. Já parou para pensar na complexidade que isso significa e o nível de abstração que exige da criança entender que o numeral “3” na lousa é o
mesmo que ele representa o levantar os dedos para se referir a sua idade? Nem todos compreendem de imediato e, de fato, não necessariamente precisam. Como um numeral
apenas pode servir para dizer que existem três coisas? (Re)pense.
Observe outra possibilidade de questionamento. A ansiedade por aprender a ler e a escrever por parte dos pais para seus filhos ainda na educação infantil é constante.
Lembremos, também, que aprendizagem é um processo psíquico e que tudo, de certa forma, é um aprendizado. Logo, todos aqueles que convivem com as crianças se tornam
responsáveis pelo seu aprendizado, majoritariamente seus pais. Agora, analise, por exemplo, como durante muito tempo ensinaram a vogal “a” às nossas crianças? Você
provavelmente já ouviu a frase “uma bolinha e uma perninha”. Reveja, porém, algum questões. Pense na complexidade que pode ser para uma criança o movimento de realizar um
círculo, ainda que impreciso, e o nível de coordenação motora fina exigente para execução do que ao nossos olhos parece tão simples! Indo um pouco mais além, a “bolinha e a
perninha” faz parte da aquisição da letra cursiva, sendo que a letra inicial a ser trabalhada com o pequenos é a letra bastão por questões de desenvolvimento e nível maturacional.
Há uma (des)ordem, ainda que inconsciente, na aprendizagem ou na ensinagem?
Aprender é permanente. Comprovadamente, o nosso cérebro tem a capacidade de aprender sempre. Isso é fato científico. Se aprender é permanente, é impossível que ensinar
seja um ato estático sobre o qual eu ensino a todos de determinada forma e todos aprendem, e quem não aprende tem dificuldades de aprendizagem. Essa lógica é cruel para
aqueles que, mesmo sem entenderem o porquê, dependem do olhar do outro para lhe serem impostas prováveis patologias. O que é mais fácil: estigmatizar o aprendiz ou quem
supostamente lhe ensina?
Ensinar é mais do que um simples saber formal. Tudo que é presenciável é, consequentemente, ensinável. Muitas vezes aprendemos pela apreciação do exemplo ou pela falta
dele. Pais que exigem notas boas, mas não sentam com os filhos para estudarem; exigem aquisição de conhecimentos, mas não são participativos nas demonstrações de saberes
prévios. Professores que exigem aderências às suas metodologias mesmo compreendendo que há diversas formas de aprender; que persistem em acreditar que existe uma maneira
certa de ensinar algo e que, não aprender daquela forma, implica necessariamente em uma dificuldade. Sociedade estigmatizada. Educação estática. Muito a rever no curto período
de tempo em que não se permite parar para discutir, e sim continuar a construir e muitas reproduzir modificando a própria aprendizagem.
É verdade que muitas patologias e dificuldades acometem nossos alunos e pacientes, a cada dia mais. Saber lidar com eles é fundamental para os profissionais da educação,
saber trabalhar para eles também. Porém, antes de qualquer diagnóstico, laudo ou quaisquer que sejam os instrumentos utilizados para reafirmar a dificuldade de aprendizagem
que possamos refletir – pais, professores e a sociedade como uma todo – sobre as reais possibilidades de uma dificuldade de ensinagem.
REFERÊNCIAS

BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed, 2008.

GARCÍA SÁNCHEZ, J. Dificuldades de aprendizagem e intervenção psicopedagógica. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2004.

GARDNER, H. Estruturas da mente: a Teoria das Múltiplas Inteligências. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. (Org.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2009.

GUERRA, L. B. O diálogo entre a neurociência e a educação: da euforia aos desafios e possibilidades. Revista Interlocução, v. 4, p. 3-12, 2011.

KALOUSTIAN, S. M. Família brasileira: a base de tudo. São Paulo: Cortez/Brasília, DF: UNICEF, 1998.

LUCKESI, C. C. Filosofia da educação coleção magistério 2ºgrau. 21. ed. São Paulo: Cortez, 1993. (Série formação do professor).

PAIN, S. Dificuldades de Aprendizagem. Editora Wak, 1983.

SAMPAIO, S. Atividades neuropsicopedagógicas de intervenção e reabilitação. Editora Wak, 2016. v. 4.

VISCA, J. Clínica Psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

CAPÍTULO 2 REFLETIR PARA DESMISTIFICAR A MATEMÁTICA: compreendendo as dificuldades de aprendizagem a


partir de propostas metodológicas

Na maior parte das ciências, uma geração põe abaixo o que a outra construiu, e o que a outra estabeleceu a outra desfaz. Somente na Matemática é que cada
geração constrói um novo andar sobre a antiga estrutura.
Hermann Hankel
Durante muito tempo me questionei sobre como seria ter dificuldades em matemática. Ora, se convivemos todos os dias e o tempo inteiro com números, haveria razão real
que exceda as limitações de um transtorno para justificar uma dificuldade? Difícil pensar. E pior, isso realmente existe. Proponho, neste capítulo, discutir sobre como as
dificuldades em matemáticas podem ser entendidas, trabalhadas e superadas em alguns casos. Além disso, é posto nas linhas a seguir relativos porquês que nos levarão a reflexão
sobre as dificuldades que inúmeros alunos apresentam nesse componente curricular que tanto amedronta os educandos durante a sua vida acadêmica.
Na grande maioria das escolas brasileiras, o aluno para ser considerado realmente bom ele precisa apresentar um rendimento satisfatório, e muitas vezes acima da média, em
Matemática? Decerto, ele não tem muitas opções: ou domina as letras, ou domina os números. Triste julgamento onde um componente é utilizado para julgar pessoas e mensurar
saberes. Injusto legado histórico perpetuado por aqueles que certamente eram bons em um ou em outro. Dediquemo-nos ao segundo domínio mencionado: os números. Como
ocorre a dificuldade em não os compreender?
Antes de adentrarmos no assunto específico, é necessário que entendamos a proposta do ensino da matemática nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997)

Matemática comporta um amplo campo de relações, regularidades e coerências que despertam a curiosidade e instigam a capacidade de generalizar, projetar, prever e
abstrair, favorecendo a estruturação do pensamento e o desenvolvimento do raciocínio lógico. Faz parte da vida de todas as pessoas nas experiências mais simples
como contar, comparar, e operar sobre quantidades. Nos cálculos relativos a salários, pagamentos e consumo, na organização e atividades como agricultura e pesca, a
Matemática se apresenta como um conhecimento de muita aplicabilidade. Também é a um instrumental importante para diferentes áreas do conhecimento, por ser
utilizada em estudos tanto ligados às ciências da natureza como às ciências sociais e por estar presente na composição musical, na coreografia, na arte e nos esportes
(p. 24-25).

A citação acima pertence aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – Matemática é, sem dúvida completamente abrangente no que diz respeito ao que é a Matemática e
como ela está englobada em atividades simples. Exploremo-las, pois. Atentando-se ao início, o PCN dirá que a disciplina necessita despertar a curiosidade e o desejo pela
instigação. Isso parece óbvio, mas a prática docente muitas vezes tem provado o inverso. O professor, seja ele de qualquer disciplina, que não incita em seus alunos querer
aprender, dificilmente terá bom êxito em sua prática dentro da sala de aula regular. Adiante, a citação narra sobre fazer parte da vida de todas as pessoas. Já ouviu alguém dizer
que nem tudo é para todos? Certamente. Mas a Matemática é.
Se você é professor ou um tem a idade adulta, consegue se lembrar de como eram as suas aulas de Matemática em sua época. Sabatina? Obrigatória. Palmatória? Alguns
ainda se lembram. Antigos diriam que essa metodologia funcionou durante muito tempo e que se fosse empregada hoje teria bons resultados. Mas será? Quem é o aluno que hoje
conseguimos olhar com tanta sensibilidade mas antes era sujeito passivo? Quem é o professor, outrora incontestável, e que agora se vê diante de novas metodologias e a
necessidade de atualizar-se? Adentremos, pois.
Convido a iniciarmos observando as dificuldades sob o ponto de vista econômico-social. Já parou pra pensar que grande parte dos alunos que apresentam dificuldades de
aprendizagem de uma forma geral são oriundos de comunidades periféricas? Ressalto que, não afirmo que todos os alunos de classe social baixa terão dificuldades de
aprendizagem ou que educandos de classe média-alta não apresentarão dificuldades. A questão levantada gira em torno de predominância de fatos que não podem deixar de serem
observados neste aspecto.
Ocupemos o local dos menos favorecidos. Mais à frente, observe bem àqueles que ocupam as camadas sociais mais simples em nossa sociedade. Pense nas dificuldades que
muitos enfrentam para chegar até o ambiente escolar e as dificuldades econômicas pelas quais perpassam. Pergunte-se, agora: no ensino fundamental, como esse aluno poderá
internalizar e contextualizar um assunto como expressão numérica ou operações com frações? Pergunte-se, também: que oportunidades da vida real foram expostas essas crianças
para que agora consigam realizar correlatas associações? Nulas ou poucas, sabemos bem. É surreal pensar que essa criança compreenderá o mesmo conteúdo quando confrontando
com aquele aluno exposto a uma outra realidade de vida que contemple a acessibilidade aos mais variados meios sociais. Muitas vezes a dificuldade é simplesmente o
desconhecido e nada mais. Se conheço, supero.
Pôr-se no local do educando com dificuldade de aprendizagem é um fator determinante para compreendê-lo. Necessário a observância do sujeito por uma visão holística que
compreenda o ser humano como um todo e não apenas fatos isolados.
E quer dizer do professor em sala? Não. A ideia não é crucificar o docente que se vê por muitas vezes confrontado com mais de 30 alunos em espaços questionáveis para
execução do seu serviço. Escrever esse capítulo é apenas uma maneira de dizer: “eu te entendo professor, permita-me ajudá-lo”.
“Todo mundo aprendeu o conteúdo, menos ele. Então o problema está com ele.” De certa forma enquanto professores da sala de aula regular já pensamos assim.
É inevitável, seja nos primeiros anos de magistério ou ainda com muitos anos de ensino mas apegados a práticas antigas, já pensamos que o “problema” está no aluno ao qual
consideramos “que não aprende nada.” Transferindo esse conceito para a Matemática, indago-me: como é que esse aluno “não aprende” algo que está a sua volta em tudo?
A criança compra bala na venda ao lado de sua casa, o picolé na praia, o pão na padaria, o lanche com a tia da cantina na escola e só “não aprende” os números? Fato este no
mínimo interessante. Pior, na primeira dificuldade apresentada acabamos por rotular esse indivíduo como aluno com dificuldades de aprendizagem em Matemática. Será mesmo?
Vivemos em uma época onde o mundo globalizado fornece acesso a todo instante turbilhão de informações à nossas crianças que, por sua vez, não conseguem filtrar o que
realmente é importante naquele momento. Dessa forma, o desafio para o docente da contemporaneidade: como ajudar o meu educando com dificuldade em Matemática sem
fazê-lo perder o gosto pelo aprendizado e sob a perspectiva de desbloqueá-lo para um novo saber?
Retornemos a palavra-chave que permeia boa parte dessa obra: contextualização. Ao mesmo tempo em que há a necessidade de contextualizar determinado conteúdo, é
necessário despir-se primeiro de metodologias não exitosas que geraram dificuldades em sua assimilação e, consequentemente, dado prejuízo. Observando o que é abordado pelos
PCN’s, podemos notar que

Um conhecimento só é pleno se for mobilizado em situações diferentes daquelas que serviram para lhe dar origem. Para que sejam transferíveis a novas situações e
generalizadas, os conhecimentos devem ser descontextualizados, para serem novamente contextualizados em outras situações (BRASIL, 1997, p. 36).

Baseado nesse pressuposto, é necessário que seja concedida a permissão para que o educando possa contextualizar seu próprio saber de acordo com suas vivências, saberes e
aprendizados. Uma das formas de fazer isso – e quero deixar claro que certamente existem muitas – é por propor situações desafiadoras que estimulem o pensar a partir do
fomento de hipóteses. Muitas vezes o apoio do concreto para, em seguida, seguir-se para o abstrato, é fundamental para compreensão de dado conteúdo matemática. Quando
refiro-me a materiais concretos e/ou manipuláveis. Lorenzato (2006) definiria esses materiais a partir do conceito de que

Os que não possibilitam modificações em suas formas: é o caso dos sólidos geométricos construídos em madeira ou cartolina, por exemplo, que, por serem estáticos,
permitem só a observação. Outros que permitem uma maior participação do aluno: é o caso do ábaco, do material montessoriano (cuisenaire ou dourado), dos jogos de
tabuleiro. Mas existem aqueles materiais manipuláveis dinâmicos, que, permite transformações por continuidade, facilitam ao aluno à realização de redescobertas, a
percepção de propriedades e a construção de uma efetiva aprendizagem, que, é o caso das folhas de papel oficio, palitos, cotonetes, dentre outros (LORENZATO, 2006,
p. 18-19).

É difícil? Aparentemente não. E na verdade não é mesmo. A grande maioria das instituições de ensino dispõe de materiais manipuláveis como os citados acima ou podem ser
construídos e confeccionados mediante a necessidade do(s) educando(s) que mais necessitem dele. Lembrando que tais materiais podem e devem ser usados para toda uma turma
dessa forma proporcionando a inclusão, e não uma segregação onde apenas determinado grupo é favorecido ou excluído. Certamente o tempo e os dias letivos não permitirão que
tudo seja adaptado como deveria ser, não sigamos em direção a utopias, mas os recursos criados mediante a necessidade do educando

[...] pode servir ao propósito de enriquecer os repertórios dos alunos, já que podem viabilizar outras representações. Em outros termos, os alunos podem resolver tarefas
matemáticas pela mediação de manipuláveis (VILAS BOAS, 2011, p. 42-43).

Segundo Vilas Boas (2011), quanto mais estratégias o professor dispuser, mais o conhecimento dos seus alunos será enriquecido com um leque de possibilidades a medida
que conseguem visualizar novas formas de resoluções, caminhos e respostas aos desafios por meio de materiais manipuláveis.
Caro professor, a receita para superar as dificuldades em matemática é justamente essa: não ter receita pronta. A receita está em si, em suas cadeiras preenchidas com
inúmeros educandos dispostos a compreender o que está sendo dito. Eles, de forma inconsciente, apenas sussurram em relação ao novo: “torne-o atraente e divertido”. Um pedido
simples para uma tarefa simples. Pense em como suas aulas podem ser melhoradas como uma “diversão” recheada de conteúdo aquém dos livros didáticos! E mais, você pode
fazer isso. Sua imaginação para os números não dependerá de cursos, formações ou especializações, é nada mais que o seu querer fazer.
Ao pensar em cada conteúdo ao ser mediado, pense em como você gostaria que aquele conteúdo fosse passado a você. É verdade que as informações detalhadas aqui podem
ser mais úteis quando trabalhadas desde o início dos sintomas nas primeiras séries do ensino fundamental. Mas apropriar-se de um saber geral para adaptá-lo aos mais variados
segmentos é uma tarefa que apenas você, que conhece a sua sala de aula com os prós e contras, pode fazer. Pense, também, em suas escolhas profissionais. Quantos profissionais
optaram por cursos superiores que não envolvam disciplinas atreladas a Matemática! E quantos outras quiseram envolver-se! Isso não os torna melhores ou piores profissionais, é
apenas uma questão de ter afinidade maior com determinados componentes curriculares e menos com outros.
É verdade que existem transtornos – como a Discalculia, por exemplo – que torna difícil o aprendizado da Matemática e, quanto a esses, não existe nenhum método curativo
que possibilite a superação por completo, embora algumas terapias ajudem e melhorem a convivência da pessoa discalcúlica. De certo, esse não é o foco do capítulo, não
adentrarei em possíveis transtornos uma vez que envolvem outras abordagens.
A questão prioritária de escrever as linhas desse capítulo é, em síntese, apenas uma: repensar a dificuldade de aprendizagem em matemática. Se ela realmente existir, que
possamos, superá-la. Se não for possível superar, que seja minimizada, mas que jamais seja ignorada por aqueles que, como mediadores do conhecimento, não precisam permitir
que talentos se percam, sonhos murchem e possibilidades sejam destruídas. Assim, proponha-se a reinventar-se contra o grande vilão instaurado na cultura brasileira que, na
verdade, necessita apenas de um olhar diferenciado, apurado e contextualizado.
Se você é professor, certamente consegue enumerar vários alunos que tiveram/tem dificuldades no aprendizado da Matemática. Talvez possa ser que essas dificuldades
também te atingiram em tenra idade ou na adolescência. Muitos desses, inclusive, reafirmam sua postura resistente quanto à disciplina desde o início do ano letivo. Alguns
parecem apresentar alguma espécie de bloqueio emocional que interfere diretamente no aprendizado desse componente curricular especial. Podem ser que a encare como mais
difícil, talvez por exigir maior grau de concentração, atenção ou estudos extracurriculares; ou simplesmente a aversão a números já é uma justificativa considerada válida para
desencadear outros problemas a partir dessa insatisfação. Você, educador, possivelmente se questiona: Por quê? O que há de errado com a Matemática? O que eu posso fazer para
simplificá-la de forma a alcançar os objetivos que espero para o meu público?
Em longo prazo, atribui-se a Matemática o fato da reprovação/conservação de muitas crianças e jovens em idade escolar. Muitos não conseguem entender algumas relações
intrínsecas à disciplina ou embaraçam-se na assimilação das operações básicas. O resultado? Esse fator, muitas vezes cria no sujeito mais do que uma rejeição, uma baixa
autoestima que consequentemente interferirá no aprendizado de outras disciplinas a partir desta. Esse fator pode ser crucial para o desenvolvimento do discente em seu período
escolar e vida prática! Vamos partir do ponto inicial e questionador: Matemática, pra que te quero? Primeiro é necessário entender a visão do aluno da Matemática como disciplina
estática. Eles não conseguem – ou não lhe foram ofertadas possibilidades – de pragmatizar a disciplina de forma congênita. Podemos observar esse fato na citação abaixo

Os alunos acham que a matemática é um corpo de conceitos verdadeiros e estáticos, do qual não se dúvida ou questiona, nem mesmo nos preocupamos em
compreender porque funciona. Em geral, acreditam também, que esses conceitos foram descobertos ou criados por gênios (D’AMBRÓSIO, s.d., p. 1).

Contextualizar. O nosso discente necessita compreender que a Matemática é acessível a todos e foge as utopias criadas que geram os desestímulos e as dificuldades.
Lembra-se a que horas você acordou hoje? Consegue pensar em quanto você precisa economizar para comprar aquele objeto desejado? Quantos quilos você pesa? Qual a sua
altura? Quantos exames você precisa fazer para traçar o seu objetivo? Certamente, sem muitas dificuldades, você conseguiu responder às perguntas acima mentalmente. Pode ser
que tenha dúvidas em algumas, mas com certeza usou possibilidades. E mais, inconsciente fez operações lógico-matemáticas que o levaram a resultados ou produtos! Segundo
Brasil (2001), dentre as muitas utilidades da Matemática, ela pode servir como objeto de interpretação, produção de estratégias, resolução de problemas e raciocínio rápido. Que
tal torná-la mais prática para seu público alvo? Já pensou em trazer exemplos concretos que despertem a curiosidade de seu discente enquanto trabalha a Matemática como
ferramenta principal da atividade? Por exemplo, se o seu aluno costuma comprar o lanche nos intervalos escolares, que maneira melhor para trabalhar adição e subtração? Será que
ele poderia auxiliar o colega nessa mesma tarefa e assim, efetuar a multiplicação? Já perguntou a ele quantos pães são vendidos a partir da moeda de R$ 1 real? Se em sua região
costuma vir cinco ou quatro, quanto custa a unidade? Que maneira espetacular de trabalhar a divisão! Se o aluno ainda está em fase de aprendizado de números, o que pode lhe ser
mais favorável que a utilização do aparelho celular! Poderia também utilizar os canais de televisão, obviamente que ele assiste! Que tal criar uma pequena simulação de um
supermercado para trabalhar questões monetárias em sua sala? Os alunos se sentiriam ativos dentro da sociedade experimentando sensações que o prepararão para vida futuro a
partir de simples conhecimentos matemáticos!
Essas são apenas algumas maneiras e sugestões para se trabalhar conteúdos apropriados e adaptativos partindo da ideia de que é necessário que o aluno perceba a relação da
disciplina com seu cotidiano para então trabalha-la com êxito. Ainda mais, é papel docente partir de conteúdos prévios que despertem o prazer pelo aprendizado. Nacarato,
Mengali e Passos (2009, p. 8) relatam que:

Se, desde os primeiros anos do ensino fundamental, o aluno for colocado em situações em que tenha de justificar, levantar hipótese, argumentar, convencer o outro,
convencer-se, ele produzirá significados para a matemática escolar. Esses significados precisam ser compartilhados e comunicados no ambiente de sala de aula.

Nesse mesmo viés, podemos refletir que


O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizagem
com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Por exemplo, as crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes tiveram
alguma experiência com quantidades - tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração e determinação de tamanho. Consequentemente, as crianças têm
sua própria aritmética pré-escolar, que somente os psicólogos míopes podem ignorar (VYGOTSKY, 1998, p. 110).

Com base nas citações acima, você professor, contextualize. Não apresente assuntos “soltos” sem conectivo ou aparente lógica sequencial. Não diga ao seu aluno que
“transmitirá o assunto apenas porque é um componente da disciplina”. Você pode despertar grandes aprendizados, como também podem podá-los e até cortá-los de forma a não
produzirem mais frutos. Seja o artista da sua sala de aula e explore o seu público de modo a desafiá-lo, a propor reflexões que fujam a toda formalidade imposta por uma
metodologia antiquada e desnecessária para o nosso aluno tão contemporâneo. Ensinem-os a gostar! Apresentem exemplos nos quais é necessário o aprendizado da Matemática
para várias situações costumeiras.

Os alunos precisam aprender a ler matemática e ler matemática para aprender, pois para interpretar um texto matemático, é necessário familiarizar-se com a linguagem
e com os símbolos próprios desse comportamento curricular e encontrar sentido naquilo que lê, compreendendo o significado das formas escritas (NACARATO;
MENGALI; PASSOS, 2009, p. 44).

Conforme a citação acima, o aprendiz precisa compreender, ainda que inconsciente, o princípio da transdisciplinaridade. A partir do momento ele que entende que todas as
disciplinas de alguma forma estão ou podem interligar-se entre si, fica mais fácil apresentar o conteúdo sem apreensões ou apenas como se fosse algo que “será aprendido para ser
aprovado ao final do ano letivo.” É verdade que nem todos serão adeptos da Matemática ou quererão sempre tê-la por perto, explorá-la, desafiá-la, vivê-la – haverá variações a
depender do meu aluno; mas o público que a aceita, absorve e internaliza a sua importância estará mais atento e mais propício a resoluções de problemas que as envolvam.
Muitas borrachas! Quando trabalhamos com possibilidades estamos sujeitos e propensos a cometermos muitos erros. Alguns professores, inclusive, preferem que seus
exames ou avaliações da disciplina sejam realizados a lápis e apenas as respostas definitivas sejam postas em caneta. É esse o seu caso? Pois há algo tão importante quanto saber
as possibilidades de acertos nas questões: como corrigi-las. Corrigir é um ato frequente na docência. A todo o momento fazemos inferências entre acertos e erros do corpo
alunado. Contudo, a forma como se dá essa correção pode trazer frutos positivos ou consequências negativas. Santos (2000, p. 41) nos diz que

O professor deve incentivar o aluno a encontrar soluções, não dizer a ele como aprender, deve levantar situações reais, relacionadas com seu dia-a-dia, mas não dizer
nunca “está errado” e sim “penso que houve algum engano pois a resposta não coincidiu”. O “erro” deve ser considerado parte do caminho a ser percorrido para chegar
ao acerto, só assim o professor vai auxiliar o aluno nesta caminhada para descobrir o melhor percurso para chegar ao resultado positivo.

Como você gostaria de ser corrigido? É assim que o faz? O que é o “erro” de seu aluno? Apenas um “E” na correção indicando que a resposta ou alternativa está errada?
O desenvolvimento de cada indivíduo se faz de maneira peculiar. Uns aprendem de forma mais ligeira, outros mais lentos. Facilidades e dificuldades percorrem inerentemente esse
processo, mediá-lo é a sua função. A forma como é corrigido pode criar em seu discente o sentimento de incapacidade frente aos desafios impostos. Como desenvolver gosto por
algo que não produzo? Como conviver sempre errado quando o sistema escolar exige de mim constantes acertos? Talvez o seu aluno já tenha pensado dessa forma, ou
inconsciente pensa. Portanto, analise qual a melhor forma de corrigi-lo sem destruir o prazer pela aprendizagem. Dessa forma você apresentará a ele a forma bondosa de lidar com
o erro sem prejudicá-lo nos demais. Além disso, criará uma ponte de acessibilidade entre você e ele na qual ambos poderá transitar sem ter medo de que a qualquer momento algo
a desabe.
Outro ponto que merece atenção dada tratando-se de dificuldade de aprendizagem é o caminho percorrido pelo aluno até chegar ao resultado esperado. É muito fácil para o
docente avaliar se a questão está certa ou errada. Contudo, se resultou em erro, qual caminho fez o meu aluno para que não obtivesse êxito? Santos (2000, p. 42) reitera que

No ensino da Matemática, em geral, não é valorizado o processo, o desenvolvimento do raciocínio, e sim o produto final, o que pode desestimular o empenho do aluno
na tentativa de entender o desenvolvimento lógico dos exercícios propostos.

Valorize a tentativa! Ainda que o produto final não seja o esperado e que seja necessárias mediações para conduzi-lo ao acerto, procure saber o que pode ser aproveitado
daquele erro. Se ele acertou algumas operações até chegar ao resultado, ou se apresentou raciocínio lógico-matemático nas construções, dê um feedback positivo! Não espere até
que o resultado seja devidamente pleno para elogiar o seu aluno. Faça com constância e sempre que julgar necessário esse input para o aprendizado da disciplina. Dessa forma, ele
se sentirá tentado e desafiado até continuar e obter o resultado que ele também espera tão quanto você.
Por fim, mas não menos importante, reflita sobre a sua prática pedagógica. Se eu atuo na docência há cinco, dez, quinze, vinte, trinta anos ou mais, acredito ter a minha
metodologia e creio que ela seja eficaz, tanto que continuo a usá-la. Mas, será que ainda é? O que pode estar defasado? A sociedade muda, as pessoas mudam, por que o meu
método de ensinar deve ser sempre o mesmo? Sair da zona de conforto é extremamente necessário em um mundo transitório por segundo. Essa metodologia, que muitas vezes
aplicava-se há décadas atrás, pode não ter o mesmo efeito sobre o meu aluno tão tecnológico que vem até a sala de aula muitas vezes sem nem entender o porquê.
Consequentemente, se ele não aprende como lhe ensinado e só lhe é apresentando aquele caminho, emerge uma dificuldade de aprendizagem inerente aquele conteúdo e que, se
não sanado, pode desencadear problemas maiores em outros conteúdos programáticos. É verdade que são muitas as atribuições do professor e inúmeras as vertentes que ele pode
seguir, todavia, há verdade que são úteis em quaisquer ambientes em que reze haver educação. Sobre isso, Ávila (2000, p. 62) afirma que

Isso implica selecionar o que deve ser abordado com o aluno em aula, de forma, objetiva, participativa e democrática, incentivando o educando a ser o próprio condutor
do seu processo de aprendizagem, investigando, experimentando novas formas de aprender, exercendo seu direito de cidadão, contribuindo para a transformação da
realidade que o cerca.

Já parou pra pensar como seu aluno se sente em sua sala de aula? Como ele a encara? Ele a percebe como um ambiente de desafios e aprendizados constantes ou um local
onde ele apenas reforça o seu fracasso? A sala de aula como espaço de vivências pedagógicas e construção do conhecimento, deve ser um local de participações, interações,
descobertas e experimentos na qual o professor assume a postura de mediador-condutor e não de “dono do saber”. Sendo assim, a aprendizagem pode se consolidar de forma
natural e contínua sempre com expectativas positivas a mais pelos envolvidos nesse processo. Silva (2009) coaduna com esse mesmo pensamento quando diz que

Na educação não tradicional o aluno faz parte do seu aprendizado, ou seja, ele participa de todos os processos ativamente, criando problemas em que ele mesmo
buscará solucionar. Observa-se também que uma educação não tradicional, não é baseada apenas na autoridade do professor, nas avaliações sem consulta e individuais.
Baseando também numa liberdade que o aluno tem em participar da aula, manifestar-se perante aos colegas e ao professor de forma que seu raciocínio possa ser
analisado (SILVA, 2009, p. 15).

Quando o docente é refém do ensino tradicionalista que favorece a perpetuação de seres reprodutores e não pensadores. Ele deixa de ensinar o pensamento crítico-reflexivo
da sua disciplina para seguir planejamentos arcaicos que também o faz mero reprodutor do conhecimento. Diagnosticar, intervir e lidar com a dificuldade de aprendizagem é
completamente inviável partindo dessas ações estereotipadas que fogem a contemporaneidade e vivência do aluno.
Professor, todas as linhas postas nesse capítulo resumem-se em uma afirmação simples e contundente: você pode lidar com as dificuldades de aprendizagem no ensino da
Matemática. Ainda mais, está em seu poder e criatividade fazê-la ser atraente para a assistência que o observa e espera de ti um conhecimento prático que o impulsione para a
vida. Assim, faça das informações lidas o input necessário para superar as dificuldades de aprendizagem, contribuindo para um aprendizado significativo, uma educação de
qualidade e uma desmistificação contínua.
REFERÊNCIAS

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BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática.


3. ed. Brasília: MEC; SEF, 2001.

______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática: Ensino de primeira a quarta séries. Brasília: MEC/SEF, 1997. 10 v.

D’AMBROSIO, B. S. Como ensinar matemática hoje? Temas e Debates, SBEM, Brasília, ano II, n. 2, p. 15-19, 1989.

FONSECA, M. C. F. R. Por que ensinar Matemática. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 1, n. 6, mar./abr. 1995.
LORENZATO, S. O laboratório de ensino de matemática na formação de professores. In: LORENZATO, S. (Org). Laboratório de Ensino de Matemática e Materiais
Didáticos Manipuláveis. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

NACARATO, A. M.; MENGALI, B. L. da S.; PASSOS, C. L B. A matemática nos anos iniciais do ensino fundamental: tecendo fios do ensinar e do aprender. Belo Horizonte:
Autêntica, 2009.

ONUCHIC, L. R. Ensino Aprendizagem de Matemática através da Resolução de Problemas. São Paulo: Editora Unesp, 1999.

PAVANELLO, R. M. Contextualizar: O que é isso? In: NOGUEIRA, C.; BARROS, R. (Orgs.). Conversas com quem gosta de ensinar matemática. Paraná: Manoni, 2004.

SANTOS, E. A. S. Matemática – o “X” da questão. Revista do Curso de Especialização em Educação Brasileira, FURG, Rio Grande, RS, v. 3, p. 61-65, 2000.

SILVA, L. C. F. E. As Dificuldades em Aprender e Ensinar a Matemática. Jussara, GO, 2009. Disponível em:
<http://www.cdn.ueg.br/arquivos/jussara/conteudoN/1209/Monografia_As_Dificuldades_em_Aprender_e_Ensinar_Matemática.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2017.

VILAS BOAS, J. O uso de materiais manipuláveis na aula de matemática: argumentação dos alunos. 2011. 74 p. Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das
Ciências) – Universidade Federal da Bahia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Salvador, 2011.

VYGOTSKY, L. S. A formação Social da Mente. COLE, Michael (Org.). 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

CAPÍTULO 3 DIFICULDADES EM LÍNGUA PORTUGUESA: explorando possibilidades de expressão

“Não repare que eu misture os tratamentos ‘tu” e ‘você’. Não existe brasileiro sem erro de concordância”.
Nelson Rodrigues
Grande parte dos docentes em exercício já enfrentaram o desafio de compreender as dificuldades específicas de determinado educando em Língua Portuguesa. Concomitante
a Matemática, estudantes revelam por vezes não gostar do componente curricular em questão. Todavia, cabe a reflexão: como não gostar da língua que uso para me comunicar?
Como não sabê-la? Não deveria o seu falante dominá-la?
Professores, de uma forma geral, tem uma difícil missão dentre muitas outras: ensinar Língua Portuguesa para falantes do Português. Um tanto esdrúxulo, eu diria. Até
porque entende-se que o falante já sabe muito a respeito de sua língua. A verdade, implícita, é que não ensinamos Língua Portuguesa. Apenas a estudamos em sala de aula para
fins de compreensão de sua estrutura e perpetuação de sua história. Sistematizamos e fragmentamos a nossa língua para fins acadêmicos. Simples? Talvez. Todavia, acontece que,
em nosso exercício da docência, por muitas vezes acreditamos que o falante nada sabe da sua língua. De onde nós, professores, tiramos essa barbárie?
Não raro encontramos educandos que adentram ao ensino fundamental – séries inicias e finais – com sérias dificuldades na leitura e escrita. Muitos, inclusive, perpetuam-se
por com suas dificuldades até o ensino médio agregando ao seu currículo acadêmico inúmeras retenções e recuperações da disciplina considerada como fundamental para
aprovação ao final do ano letivo. A pergunta em questão é: Por quê? Como é possível compreender outras disciplinas que muitas vezes nem são ensinadas desde a infância e ainda
assim apresentar dificuldades em sua língua materna? E quer dizer da língua estrangeira adotada por muitas escolas regulares? Como pode o educando conseguir uma aprovação
com boas notas em uma língua estrangeira e não obter os mesmos êxitos em sua língua oficial? Como professor de Língua Portuguesa e Inglesa, muito me propus a pensar, pensar
e (re)pensar.
Respondendo a indagação, é necessário refletirmos, a priori, sobre o contexto de como a Língua Portuguesa é ensinada desde a educação infantil. Sim, o que observamos
como produto final nada mais é do que o resultado das lacunas deixadas de muitos anos e que foram passadas despercebidas por não serem consideradas como tão importantes.
Costumeiramente nos confrontamos com escolas tradicionais que, baseada em práticas exitosas de décadas anteriores, têm inserido de forma descontextualizada a criança ao
mundo das letras, apresentando-as como sendo de grande importância o domínio delas ainda nos primeiros anos de vida da criança. É verdade que algumas conseguem reproduzir
esse conhecimento de forma a parecer que realmente está entendendo o que lhe foi dito. Como disse, apenas reprodução. Nada internalizado. Nada que apresentasse
significado posterior.
Acontece que, o que devia ser explorado a longo prazo, perdeu o sentido. E o brincar – por vezes considerado como desnecessário ou minimizado a sua importância –
essencial para o desenvolvimento intelectual da criança antes da inserção dos saberes mais formais. Não raro, encontramos instituições de ensino – as quais a proponho a refletir
agora – que, desde a educação infantil, acreditam que as primeiras letras a partir de crianças enfileiradas, olhado para a frente, sem nenhum tipo de ruído. Esquecem-se que o
segmento proposto, tão importante na vida da criança e na qual ele desenvolverá habilidades que levará para a toda a vida, não deve ser exatamente assim para obter o êxito
esperado. Para Maluf (1993),

Brincar é comunicação e expressão, associando pensamento e ação; um ato instintivo voluntário; uma atividade exploratória; ajuda às crianças no seu desenvolvimento
físico, mental, emocional e social; um meio de aprender a viver e não um mero passatempo.

Nesse mesmo viés, Kishimoto (1994) afirma que

A criança estabelece com o brinquedo uma relação natural e consegue extravasar suas angústias e paixões; assim, como suas alegrias e tristezas, suas agressividades e
passividades. Independente de época, cultura e classe social, os jogos e os brinquedos fazem parte da vida da criança, pois elas vivem num mundo de fantasia, de
encantamento, de alegrias, de sonhos, onde realidade e faz-de-conta se confundem.

Ambos os autores discutem, em suas citações, sobre a importância do brincar para o aprendizado da criança de uma forma global. É na brincadeira que são desenvolvidas
inúmeras competências necessárias para o processo de maturação da leitura e da escrita por parte da criança. Além disso, o brincar ainda é a melhor forma de introduzir novos
conceitos e possibilitar novos aprendizados sem necessariamente adotar o tradicional papel e caneta. Consequentemente, caberá a este docente criar estratégias facilitadoras de
trabalhar conceitos, letras, simbolismo e outros mais a partir de metodologias lúdicas que incentivem e despertem o gosto e o prazer pelo aprendizado. Uma das formas de fazer
isso é por trazer constantes jogos que mobilizem o educando a ingressar de forma natural e espontânea no mundo das letras. Segundo Vygotsky (1991),

É na atividade de jogo que a criança desenvolve o seu conhecimento do muno adulto e é também nela que surgem os primeiros sinais de uma capacidade
especificamente humana, a capacidade de imaginar [...]. Brincando a criança cria situações fictícias, transformando com algumas ações o significado de alguns objetos.

Percebe-se, na citação de Vygotsky, como um jogo é um elemento fundamental na vida acadêmica do indivíduo levando o mesmo a, de forma despretensiosa, explorar os
diversos campos da leitura e da escrita que ultrapassam as metodologias tradicionais impostas por sistemas de ensino. Interessante que, em jogos, as noções de erros e acertos são
facilmente aceitas e, não acertar, é um processo natural dos jogadores. Ao ser internalizado, esse fator determinante pode servir como um agente facilitador para o docente na
mediação do conteúdo em Língua Portuguesa. Dessa forma, o educando não se sente constrangido ao errar algo sobre sua própria língua, ele compreende que está em construção
da sistematização de saberes e caminha rumo a consolidação de um aprendizado que ele já possui e demonstrou de outras formas que o domina.
Pensando nos aspectos que envolvem o jogo e o lúdico, chegamos também a um ponto crucial e contestador: as crianças precisam desenvolver as suas noções espaciais para
avançar com êxito em tópicos sobre a leitura e a escrita. Sim, é preciso “brincar” com o corpo para, então, brincar com as letras.
As noções espaciais são nada mais do que o nosso modo de portar-se ao mundo. É intrínseca em movimentos como sentar, levantar, abaixar, subir, descer e outras variantes.
Sim, é bastante comum a todos. O ponto destaque das noções espaciais relacionadas ao desenvolvimento da leitura e da escrita se dá, conforme Velasco (1996),

O desenvolvimento psicomotor se processa de acordo com a maturação do sistema nervoso central, assim a ação do brincar não deve ser considerada vazia e abstrata,
pois é dessa forma que a criança capacita o organismo a responder aos estímulos oferecidos pelo ato de brincar, manipular a situação será uma maneira eficiente da
criança ordenar os pensamentos e elaborar atos motores adequados a requisição.

É perceptível que, pelo brincar e através do seu corpo, a criança passa a compreender a organização de si mesmo frente ao espaço e internalizar o simbolismo de se orientar
cognitivamente para execução de determinada tarefa. É o organizar-se frente ao mundo e descobrir novas formas de tomadas de consciência. A partir da construção de conceitos
simples envolvendo ações posturais a criança busca a todo instante o equilíbrio. Para Ajuriaguerra (1988),
A escrita é uma forma de expressão da linguagem que implica uma comunicação simbólica com a ajuda de sinais criados pelo homem, sinais variáveis de acordo com
as civilizações. A escrita tem suas exigências próprias, das quais a essencial [e a capacidade de transmissão, da expressão gráfica, pictográfica ou grafoléxica. De uma
maneira geral, a escrita é feita em nossa sociedade para ser vista e lida.

Evidencia-se, segundo o autor, que a escrita nada mais é que uma atividade espaciotemporal de maior complexidade, mas que exigirá de qualquer forma de questões que
devam ser trabalhadas sob a ótica psicomotora. Ela exigirá que a criança transcreva os conceitos pré-trabalhados no momento em que precisa realizar o movimento correto para
confeccionar determinada letra, seja no papel ou com auxílio de manipuláveis.
Quando o lado psicomotor não é devidamente estimulado, é comum percebermos crianças com dificuldades em imitar determinados posicionamentos corporais, o andar
titubeando para esquerda em direita, choque constantes em outras crianças ou objetos e assim sucessivamente. Isso acontece porque elas ainda não possuem o domínio pleno do
seu corpo para que essas atividades cotidianas simples possam ser executadas. Associe essas informações a escrita, perceba que as consoantes d e q, por exemplo, são iguais do
ponto de vista viso espacial, mudando apenas as direções. Similarmente, temos b e d, n e m, n e u e assim outros mais. Quer dizer da escrita em folhas com linhas? Ou os
desenhos tortos em folhas A4 livres? E a dificuldade em estabelecer margens no texto ou a não percepção de que a linha chegou ao final? São itens a serem observados para
concordância, ou não, de que o desenvolvimento psicomotor está comprometido ou necessita ainda ser estimulado. Note que tudo tem início em um ponto, com formas e
localização. Se a criança não domina em seu próprio corpo, será tendencioso no processo acadêmico que apresente dificuldades. Sobre este aspecto, especificamente, é sugerível
que todo o potencial da criança seja estimulado e explorado – de acordo com sua faixa-etária – ainda durante a primeira infância, dada fase em que a neuroplasticidade modifica
constantemente as funções executivas e torna-se mais fácil lidar com essas questões. O profissional de Educação Física e o Pedagogo – ambos com conhecimentos em
psicomotricidade – podem agir como facilitadores desse processo que visa não só o desenvolvimento, mas a prevenção de possíveis dificuldades futuras ocasionadas a partir deste
ponto inicial. Digno de ressalva que o desenvolvimento psicomotor é primordial no desempenho global do educando e não somente na Língua Portuguesa. Nessa abordagem, em
especial, é associado noções corporais e espaciais com a transcrição para o papel de letras, logo, suas implicações no aprendizado da Língua Portuguesa.
Outra implicação no processo de mediação da Língua Portuguesa que pode gerar uma dificuldade de aprendizagem está atrelada intimamente a questões metodológicas. Não,
a ideia não é culpabilizar professores de Língua Portuguesa por eventuais fracassos de seus educandos. Longe disso. Todavia, cabe uma reflexão: como ensinar o que o outro já
sabe? É perceptível, nesse questionamento, que não se pode ensinar Língua Portuguesa. Mediar sim. A boa mediação perpassa pelos caminhos de saber conduzir os fios que tecem
o aprendizado na perspectiva de construí-lo ou aprimorá-lo, consolidando-o.
Durante os anos trabalhando em clínica ou em grupos terapêuticos, tenho me defrontado com a seguinte realidade: “eu não aprendo como meu professor disse, mas isso eu
sei fazer”. Em muitos momentos como este, não raro encontro – e são muitos! – educandos que foram reprovados exclusivamente por se fazerem valer da frase acima. Confesso
que nos primeiros registros, espantei-me. Nos demais, compreendi que nada de novo estava sendo dito, apenas um sistema que exige que você sistematize o que você já sabe (sem
que você saiba que sabe!) e tenha boas notas na disciplina. Aos que conseguem, sucesso. Aos que não atingem as expectativas, reprovação. A questão é: será que isso é realmente
tudo a se fazer? O que o professor pode fazer enquanto se propõe a um olhar sensível para sua própria prática pedagógica?
Para início de conversa é preciso pensar que o conhecimento do educando não se constitui estritamente quando ele adentra à escola, e sim em um contexto de vida que
antecede o saber formal que a instituição de ensino lhe proporcionará. Não nascemos letrados, mas não somos tábulas rasas ao chegar as instituições que, certamente, nos
ensinarão os saberes formais. A melhor forma de se aproximar desse educando que apresenta dificuldade de aprendizagem em Língua Portuguesa, é contextualizar pontos
específicos do falante aos quais ele já domina. Se o ponto de partida for o que a criança já sabe, mais fácil será a absorção de novos conhecimentos que se agregarão aos
já possuídos.
A prática pedagógica docente necessita ser repensada a todo instante. Digo, nesse respeito, a difícil formação técnica nesses aspectos que temos enquanto docentes, mais
ainda os professores que tem áreas específicas. São tantos os desafios e parece haver poucas ou quase nenhuma resposta! Por quê? Faltam-nos ideias? Tempo para planejá-las?
Quais os nossos impasses? Certamente não adiantaria debruçar-me sobre as questões subjetivas de cada profissional. Atentemo-nos ao que pode ser revisto em comum: a prática
em sala de aula. Isso não necessariamente quer dizer que necessitemos modificar o nosso modo ensinar, mas sim adaptar. Sim, nós também somos passíveis de adaptações para
que possamos educar e contemplar a todos. Neste respeito, podemos notar que

[...] A variação de metodologia possivelmente é mais crucial para os alunos que têm dificuldade em acompanhar o ritmo das aulas e que requerem um atendimento
mais personalizado e maior flexibilidade. Frequentemente se eles não aprenderem na primeira explicação, uma nova explicação, usando metodologia diferente, pode
ajudá-los mais do que simplesmente repetir a mesma coisa da mesma forma (ARAÚJO; OLIVEIRA, p. 322).

Conforme exposto na citação, a metodologia, quando variável, facilita o processo de ensino – aprendizagem do educando com dificuldades de aprendizagem. Apesar de não
necessariamente possuir a deficiência intelectual e ter o seu cognitivo funcionado como um ser humano dito “normal”, metodologias diferenciadas e adaptações curriculares que
contemplem o conteúdo a ser trabalhado em sala, além de repetição de ideias principais, podem servir para que o educando consiga assimilar o conhecimento que está sendo
transmitido e mediado pra ele. Dentro dessa variação de metodologia, pode-se mencionar como sugestões: textos menos complexos, linguagem simplificada, letras maiores e com
outras fontes, e qualquer outra adaptação que o professor – aquele que conhece o seu discente – possa fazer para melhor inclui-lo dentro da proposta pré-estabelecida.
Outro fator – e não problema – que pode ser determinante na assimilação da língua portuguesa enquanto conteúdo sistemático, podem ser os vícios culturais. As gramáticas
propriamente ditas são organizadas para que a língua seja explorada, decodificada, sistematizada, explicada. Mas você já pensou que ninguém no ato da fala pensa nas estruturas
de frases que serão ditas ou se a frase falada é uma oração subordinada ou coordenada e assim sucessivamente? Por vezes nos dispusemos a “ensinar” – e sim, achamos que
ensinamos quando na verdade sistematizamos o saber – morfologia, sintaxe e os elementos que compõe a norma culta (e existe o inculto?) da Língua Portuguesa. Todavia, é digno
que também (re)pensemos a funcionalidade da língua e quem é o seu falante antes de adentrarmos aos conteúdos pedagógicos. Digno de nota que

Em qualquer língua, de qualquer época, desde que em uso, ocorreram mudanças, em todos os estratos, em todos os níveis, o que significa dizer que, naturalmente,
qualquer língua manifesta-se num conjunto de diferentes falares que atendem às exigências dos diversos contextos de uso dessa língua (ANTUNES, 2009, p. 22).

Ora, se a língua muda, se os falares mudam, se os contextos mudam, por que ainda somos os mesmos? Por que ainda nos dispusemos a graduar-nos para reproduzir um
modelo conservador de gramática e que, aquele que não a assimila da forma como é passa, é estigmatizado como sendo um aluno com dificuldades de aprendizagem? Que tipo de
língua a gramática contempla? Será que abrange a realidade de todos os educandos dentro da sala de aula promovendo uma acessibilidade na sistematização? Sabemos que não.
Pergunto-me, que gramática é essa que achamos que sustenta por si só a nossa fala e cremos que precisa sustentar também a dos alunos em sala?
A língua é viva. Seus falantes também. Existem falas que jamais serão contempladas pela gramática, infelizmente, e existem variantes – consideradas de menor prestígio
social – que não constam nos livros, mas que são exigidas para todos de forma injusta. De modo algum defendo a apresentação da norma padrão ao educando. Defendo e incentivo
a apresentação de todas as variações que lhe são permitidas usar para que o mesmo saiba utilizar as múltiplas línguas portuguesas quando isso lhe for cabível. Nesse sentido Bagno
(2002) discute que

[...] é interessante estimular nas aulas de língua materna um conhecimento cada vez maior e melhor das variedades sociolinguísticas para que o espaço de sala de aula
deixe de ser o local para estudo exclusivo das variedades de maior prestígio social e se transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade
de formas e usos (BAGNO, 2002, p. 134).

Nesse sentido, os PCN’s discutem que

A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o
registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa.
É saber, portanto, quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da interação comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se
dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar
adequadamente, é produzir o efeito pretendido (BRASIL, 1997, p. 32).

Há tanto ainda para se pensar! E não caberão nas páginas desse livro todas as discussões acerca das dificuldades de aprendizagem em Língua Portuguesa. Sabe por quê?
Porque todo ser humano é ímpar, singular. Expor algumas “barreiras” que podem interferir no aprendizado da língua certamente é um viés esclarecedor que nos enche de
possibilidades. Pensar em nossa formação e ação enquanto docentes também é plausível para um processo investigativo de levantamento de hipóteses e melhor intervenção.
REFERÊNCIAS

AJURIAGUERRA, J. A Escrita Infantil – Evolução e Dificuldades. Porto Alegre: Artes, 1988.

ANTUNES, I. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. p. 103-105.

BAGNO, M. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística. In: BAGNO, M.; STUBBS, M.; GAGNÉ, G. Língua materna: letramento, variação &
ensino. São Paulo: Parábola, 2002. p. 13-84.
BRASIL. MEC. SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1997. p. 19-41.

KISHIMOTO, T. M. (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1999. 183 p.

MALUF, A. C. M. Brincar: prazer e aprendizado. Petrópolis: Vozes, 2003.

OLIVEIRA, J. B. A. Alfabetização de Crianças e Adultos: novos parâmetros. Belo Horizonte: Alfa Educativa, 2004.

VELASCO, C. G. Brincar: O Despertar Psicomotor. Rio de Janeiro: Sprint, 1996.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

CAPÍTULO 4 (RE)PENSANDO RECURSOS ESTRATÉGICOS: reflexões acerca de algumas práticas exitosas

Dominó Matemático

Você já brincou de dominó? Possivelmente. Ganhou, perdeu, ficou em dúvida de qual peça usar, duvidou, conviveu com a tensão que o jogo lhe trouxe. Porém, todos esses
aspectos podem servir de ferramentas pedagógicas para facilitar o aprendizado. Como, então, um simples jogo pode auxiliar o professor no ensino da Matemática? O recurso
acima ilustrado foi criado com o objetivo de refletir, memorizar e familiarizar operações matemáticas de forma lúdica no processo de aprendizagem do educando. Afinal, esse
deve ser o objetivo do jogo: preparar o sujeito para aprendizados posteriores. Segundo Vygotsky (apud ROLIM; GUERRA; TASSIGNY, 2008, p. 177),

O brincar relaciona-se ainda com a aprendizagem. Brincar é aprender; na brincadeira, reside à base daquilo que, mais tarde, permitirá à criança aprendizagens mais
elaboradas. O lúdico torna-se, assim, uma proposta educacional para o enfrentamento das dificuldades no processo ensino-aprendizagem.

Obviamente, a grande maioria das crianças e adolescentes conhece ou já ouviram falar sobre o dominó. Embora possivelmente algumas não entendam as regras do jogo,
conseguem participar da brincadeira clássica por identificar as peças com as respectivas quantidades e encaixá-las com outras similares. Mas, por que criar um
dominó matemático?
Uma das maneiras de ajudarmos o nosso aprendente com dificuldade de aprendizagem é lhe propor situações desafiadoras sem perder a ludicidade e a motivação de
permanecer na atividade proposta até a concretização dos objetivos esperados. O dominó matemático contempla as pré-expectativas por desafiar o sujeito a resolver problemas
matemáticos que o levarão a trabalhar esse componente curricular de forma inconsciente e sem o tradicionalismo que muitas atividades pedagógicas contemporâneas exigem.
Como competências esperadas ao término do jogo, podemos listar algumas além do aprendizado assistemático do conteúdo. Por exemplo, durante a partida, o discente
precisará trabalhar o coletivo em virtude de o dominó exigir a presença de dois ou mais participantes. Além disso, ele precisará desenvolver a habilidade do raciocínio lógico para
compreender quais peças foram jogadas e quais possíveis o seu adversário possui. Ganhar ou perder, nesse momento, também passa a fazer a parte intrinsecamente da partida, o
que é de suma importância nas construções das relações sociais do indivíduo.
A questão que permeia é: como construir? Não há uma receita para a construção de um recurso pedagógico. Todo recurso deve ser criado ou adaptado a partir da
problemática que o aluno apresenta em sala. Cada indivíduo traz em sua singularidade questões ímpares que, embora apresente uma dificuldade de aprendizagem, pode ser
diferente da dificuldade demonstrada por outro sujeito. O material utilizado no recurso listado foi papelão grosso, tinta guache para revestir o papelão, impressão das operações em
folha A4, cola e papel contact para implicar na durabilidade do produto durante constante manuseio. Em relação à parte pedagógica foi pensado em adaptar as peças de um
dominó convencional com operações básicas da matemática, a saber, adição e subtração (outras operações poderiam ser utilizadas a critério do criador); esse processo se deu com
as respectivas 28 peças. Elas simplesmente foram adaptadas e substituídas por operações matemáticas de produto igual. Note na imagem:

Quando se trata das buchas do dominó, foi utilizado operações iguais que, obviamente, resultaria em produtos iguais. Contudo, essa forma facilita a identificação e relação
sobre qual peça o jogador está em mãos se estivesse com o dominó convencional. O desenho a seguir apresenta um exemplo dessa estratégia:
As regras utilizadas durante a partida podem ser as mesmas que usamos quando jogamos um dominó. Digno de ressalva que a intenção da proposta pedagógica é simplificar
para obter os resultados mais rápidos. Logo, não são consideráveis cabíveis versões mais complexas que o jogo possa apresentar. Porém, cada educador poderá criar novas regras
ou adaptá-las ao seu público de atendimento. Veja algumas delas:
•O jogo deve possuir exatamente 28 peças e suas operações devem ser iguais aos respectivos produtos das peças originais.
•As peças devem ser embaralhadas antes de começar a partida, mesmo que seja difícil a priori as operações.
•Se houver 4 participantes, cada um retirará 7 peças. Se houver apenas 2, cada um retirará 7 e as outras formarão a reserva.
•Se o participante não tiver a operação correspondente, deve recorrer às peças reservas até encontrar. Caso todas as peças sejam pegas e não houver nenhuma correspondente,
passa-se a vez.
•Ganha o jogo aquele que consegui ficar sem nenhuma peça por encaixar todas as operações possíveis nos respectivos locais.
•Em caso de não haver possibilidades de jogadas e ambos os participantes ainda possuírem peças, deve-se fazer as operações e somar os pontos. Vence aquele que tiver
menos pontos.

Palitos Matemáticos

Outra sugestão para facilitar o aprendizado da Matemática para alunos com dificuldades de aprendizagem foram os palitos matemáticos. Os recursos manipuláveis podem
ser de grande auxílio quando necessitamos testar possibilidades de acerto frente a frequentes erros. Segundo Rego e Rego (2006, p. 43),

O material concreto tem fundamental importância, pois, a partir de sua utilização adequada os alunos ampliam sua concepção sobre o que é, como e para que aprender
matemática, vencendo os mitos e preconceitos negativos, favorecendo a aprendizagem pela formação de ideias e modelos.

A ideia dos palitos matemáticos surgiu a partir da dificuldade de um grupo de atendimento psicopedagógico que apresentavam dificuldades metodológicas. Foi perceptível,
em sucessivos atendimentos, que utilizar lápis, borracha e papel a priori nesse processo não apresentaria resultados significativos em virtude do insucesso desses materiais no
ambiente escolar. Entretanto, notava-se que o mesmo grupo envolvia-se bastante em atividades que fizessem uso de recursos concretos de fácil manipulação. Logo, os palitos
matemáticos serviram de grande suporte psicopedagógico para auxiliar os pacientes no aprendizado da Matemática. O objetivo deles é nortear o trabalho pedagógico-matemático
no sentido de testar possibilidades de acertos e minimizar a forma tradicional de encarar o erro sob a tão contestada perspectiva tradicionalista.
Os materiais utilizados para construção do recurso foram: palitos de picolé, tinta guache, piloto e pregadores de roupa. Para organizar o recurso, cada palito de picolé foi
pintado de uma cor que representa denominado grupo de operações. Por exemplo, os palitos vermelhos indicam a adição, os azuis referem-se à subtração, os verdes possuem
operações de multiplicação e, os que não foram pintados, foram postos para divisão. Depois de feito essa separação, com o piloto em mãos, criaram-se operações matemáticas para
serem respondidas com os palitos de picolé. Os mesmos, por sua vez, tem um numeral escrito e deverá ser colocado como resposta correta a operação dada.
Depois de utilizar o recurso em sala, os pacientes puderam se pronunciar sobre o que acharam do material usado e se ele ajudou, atrapalhou ou facilitou. Segundo o que foi
dito, foi-se observado que os palitos, por testar possibilidades, pode ser um grande facilitador da aprendizagem por economizar lápis e papel, além de não precisar apagar se a
resposta estiver inadequada, bastando apenas trocar os palitos e prosseguir operando. É um recurso de baixo custo que pode despertar grandes saberes no atendimento
psicopedagógico.

Mercadinho

Em todos os bairros certamente existe um supermercado. As crianças e adolescentes sabem bem as cosias que vendem nele e que possuem preços. Algumas, a depender da
idade, conseguem identificar se o valor que tem em mãos pode ou não comprar o item desejado. Dessa forma, algo pode ser pensado dentro do processo de aprendizagem desse
sujeito. Para que tenha um efeito positivo e esperado, duas coisas devem ser planejadas com antecedência: objetivos e contextualização. Ao planejar algum recurso visando à
dificuldade de aprendizagem, devem-se estabelecer claros objetivos para que o paciente compreenda o que se espera dele a partir de dado ponto de partida. Postos os objetivos, a
pergunta que regerá o atendimento é: como contextualizar o meu objetivo de forma a torná-lo prático e prazeroso? A concepção de contextualização abordada pelos PCNs é

Um conhecimento só é pleno se for mobilizado em situações diferentes daquelas que serviram para lhe dar origem. Para que sejam transferíveis a novas situações e
generalizadas, os conhecimentos devem ser descontextualizados, para serem novamente contextualizados em outras situações (BRASIL, PCN, 1997, p. 36).

Nesse mesmo viés, Fonseca (2005) comenta que

As linhas de frente da Educação Matemática têm hoje um cuidado crescente com o aspecto sociocultural da abordagem Matemática. Defendem a necessidade de
contextualizar o conhecimento matemático a ser transmitido, buscar suas origens, acompanhar sua evolução, explicitar sua finalidade ou seu papel na interpretação e na
transformação da realidade do aluno. É claro que não se quer negar a importância da compreensão, nem tampouco desprezar a aquisição de técnicas, mas busca-se
ampliar a repercussão que o aprendizado daquele conhecimento possa ter na vida social, nas opções, na produção e nos projetos de quem aprende (FONSECA, 1995).

A partir da citação acima, percebe-se a importância de sistematizar a Matemática como elemento sociocultural que faz parte da vida cotidiana dos cidadãos que, mesmo
inconsciente, faz uso dela nas mais variadas. É necessário, assim, que o paciente com dificuldade de aprendizagem na Matemática compreenda que ela é essencial em seu meio
social ainda que não apareça formalmente como propõe a escola tradicional.

Partindo dos pressupostos mencionados, eclodiu a ideia de criar um mercadinho. Ele pode ser ponto de partida para inúmeros objetivos; dentre eles podemos citar alguns:
conhecer o sistema monetário, trabalhar organização e sistematização, elementos da higiene pessoal, mantimentos ou outros itens, entre outros. À medida que se trabalha as
questões relacionadas à Matemática, de forma sútil a Língua Portuguesa aparece quando se faz necessário ler os produtos ou diferenciá-los por marcas, sabores etc. Para criação do
mercadinho, foi pedido que os pacientes dos grupos operativos trouxessem de suas residências itens que foram comprados no mercado da família. É necessário muito cuidado para
que os itens trazidos não se tornem demasiadamente repetitivos, contudo, é preciso que haja o mesmo item com marcas diferentes para que o paciente possa comparar e relacionar
produto e preço. Os novos preços que os mantimentos receberão serão dados pelas próprias crianças em um dos atendimentos mediante a consulta em encartes trazidos para a
clínica.
Algumas atividades podem ser pensadas a depender da faixa-etária e do segmento escolar em que a criança ou adolescente se encontra. Por exemplo, para crianças que estão
ainda aprendendo a calcular ou lhe sendo apresentadas a adição e subtração, pode-se usar atividades como “O que você pode comprar com R$ 10,00? Nessa atividade, após
observarem os preços, eles deverão recortar dos encartes os itens abaixo de
R$ 10,00 e, perceber assim, o que pode ser comprado. A priori, é interessante evitar números que exigem centavos, e sim apenas as cédulas. À medida que o progresso se
manifesta, a atividade pode ir se dificultando e os valores podem ir aumentando para R$ 20,00, R$ 50,00 e assim por diante.

Para os pacientes que se encontram no ensino fundamental séries finais ou ensino médio, a atividade já pode se iniciar com valores maiores, mas mantendo de início as
operações básicas como adição ou subtração; multiplicação e divisão devem ser inseridas no contexto apenas quando as primeiras já estiverem em pleno domínio do paciente. Se à
medida que for apresentada ao paciente as consignas e o resultado for positivo, convém dificultarmos dentro das suas capacidades cognitivas no momento e, então, continuar o
atendimento já listando outros objetivos no plano de ação.

Além das questões matemáticas obviamente implícitas nas atividades e como objetivo principal dela, muitas questões sociais a nível informativo podem ser atreladas de
forma inconsciente a partir dos objetivos específicos. Por exemplo, ao final da sistematização dos atendimentos, espera-se que o sujeito seja capaz de diferenciar produtos e preços
em um mesmo supermercado, conhecer a utilidade de outros itens muitas vezes específicos de um grupo, por exemplo, absorvente no caso dos meninos e creme de barbear no caso
das meninas.
Dessa forma, o aprendizado não só eclode – ainda que algumas vezes lentamente – como também o indivíduo é inserido na sociedade com a preparação de atividades para a
vida prática e cotidiana.

Jogo das Cores

O jogo das cores foi (re)pensado e adaptado a partir da necessidade de educando com dificuldades de aprendizagem em matemática que participaram de um grupo
terapêutico psicopedagógico. Subentende-se que uma proposta para ser bem recebida precisa ser sedutora ao destinatário e, consequentemente bem compreendida quanto a sua
finalidade. É preciso que ocorra o entendimento de por que aquela tarefa está sendo aplicada e suas reais implicações no processo de ensino – aprendizagem enquanto recurso
manipulável e facilitador. O jogo das cores não se restringe apenas a uma operação matemática. Ele é facilmente regulável a proposta de atendimento psicopedagógico e as quatro
operações podem ser trabalhadas uma a uma ou de forma simultânea, de acordo com os objetivos a serem alcançados.
Para confecção do jogo das cores fora necessários poucos materiais de baixo custo: uma placa de ovos vazia, tinta guache de múltiplas cores, roll-on, folha de cartolina ou
similar, durex e material impresso. O primeiro passo é pintar toda a caixa de branco para que a absorção de novas cores pela pintura seja mais fácil e evidente. E seguida, pintar os
espaços da caixa de ovo de cores sortidas com sequência aleatória. Na tabela – impressa ou confeccionada a mão – deve haver uma representatividade indicando o valor que cada
cor representa. Por exemplo, na criação desse recurso, a distribuição de cores e valores foi posta na seguinte ordem:

1 – branco
2 – amarelo
3 – verde claro
4 – azul
5 – vermelho
6 – laranja
7 – verde escuro
8 – marrom
9 – rosa
10 – preto

O educando deve jogar a bola de roll-on de forma aleatória por duas vezes e, então, verificar cores acertadas. Após isso, o psicopedagogo mediará a partir das operações
trabalhadas: adição, subtração, multiplicação ou divisão. Se a criança ainda não possuir nível de abstração suficiente para realizar cálculos mentais, deve-se usar as unidades do
material dourado – ou algo similar – que possa ser utilizado para contagem.
Após a atividade ser conduzida de forma lúdica e prazerosa, uma sugestão é usar papel e lápis para transcrever as operações já realizadas. Essa é uma possibilidade de
orientação para um melhor aprendizado do conteúdo matemático a ser trabalhado.
O exercício de (re)pensar é constante. Nenhuma turma é homogênea, assim como todo educando é singular. As estratégias postas são apenas possibilidades que podem ser
aprimoradas por quem melhor conhece a criança: aquele que a atende, que ensina e que educa diariamente: você.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática: Ensino de primeira a quarta séries. Brasília: MEC/SEF, 1997. 10 v.

FONSECA, M. C. F. R. Porque ensinar Matemática. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 1, n. 6, mar./abr. 1995.

RÊGO, R. M. do; RÊGO, R. G. do. Desenvolvimento e uso de materiais didáticos no ensino de matemática. In: LORENZATO, Sergio Apparecido (Org.). O Laboratório de
Ensino de Matemática na Formação de Professores. Campinas: Autores Associados, 2006.

ROLIM, A.; GUERRA, S.; TASSIGNY, M. Uma leitura de Vygotsky sobre o brincar na aprendizagem e no desenvolvimento infantil. Revista Humanidades, Fortaleza, v. 23,
n. 2, p. 176-180, jul./dez. 2008.

CAPÍTULO 5 O PAPEL DA FAMÍLIA NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM


DIFICULDADES ESCOLARES

Não cabe ao Estado, via escola pública, substituir a responsabilidade que a família tem, a menos que ela esteja em situação de descuido total. Cabe à instituição
promover a autonomia, a solidariedade e a formação crítica, mas a responsabilidade principal continua sendo da família e ela não pode se eximir disso.
Mário Sergio Cortella
Falar de família e educação não é algo novo. Transversais a muitas questões relacionadas a área educacional, está a família e a sua importância enquanto primeiro grupo
social ao qual a criança faz parte. Como agente formador e transformador, a família pode significar uma referência positiva ou negativa de acordo com os padrões que o grupo cria
e executa. Todavia, é necessário pensar em como as múltiplas organizações de famílias favorecem o educando, como também pode contribuir para que uma dificuldade de
aprendizagem se instaure em seu processo de desenvolvimento acadêmico.
Para exemplificar, usarei o João.2 João, com 11 anos, fez parte do primeiro grupo terapêutico ao qual fui inserido para mediar ações pedagógicas com crianças com
dificuldades de aprendizagem. Lembro-me muito bem dele, por questões ímpares que o tornou difícil de esquecer. Certa vez no grupo comentávamos sobre as configurações
familiares e como elas favoreciam o aprendizado, claro, em uma linguagem acessível a faixa-etária do grupo. Em determinado momento, completamente fora do esperado, os
educandos iniciaram comentários acerca de fatos esdrúxulos (e por que não dizer hediondos?) que haviam ocorrido em sua família. A cada fala, lembro-me de ficar espantando e
perplexo. João era um menino tranquilo, cooperativo, “apenas” com dificuldades na leitura e na escrita, mas sem nenhum diagnóstico clínico que pudesse restringir eventuais
avanços. Dado instante, o mesmo pediu a fala e isso lhe foi concedido como era naturalmente de costume. João iniciou os relatos contando sobre um fato recém-publicado nos
jornais. Seu primo havia sido morto e ele, junto com sua família, adentrou aos matagais em busca de informações sobre o corpo que posteriormente foi encontrado. Ele estava
presente neste momento. A sua avó, a quem era tão achegado, havia morrido recentemente após dois atentados ao seu tio – filho dela – culminando o último na morte do sujeito.
Morreu de desgosto, relata. Os irmãos de João haviam se mudado para outro estado, às pressas, por conta de envolvimento com tráfico de drogas. Oriundo de uma comunidade
bem conhecida pela vulnerabilidade social, a criança presenciava todos esses acontecimentos a medida que tentava se organizar para “conciliar” essa rotina com os seus estudos,
que devia ser sua prioridade. Mas como? Será que era possível apresentar avanços acadêmicos em meio a uma família desestruturada ao qual você está emergido com notícias
ruins todo o tempo? Debrucei-me a refletir sobre o caso de João e me perguntava frequentemente o que eu poderia fazer para ajudá-lo em seus aspectos envolvendo a
aprendizagem. A resposta era simples: pouco. Os problemas em torno de João eram além do que eu podia fazer por ele. Triste João. Evaporou-se das sessões antes mesmo que eu
pudesse dizer o quanto queria vê-lo como um bom cidadão. E se foi.
Não importa há quanto tempo você está inserido em sala de aula. A pergunta é básica: quantos Joões você conhece? Certamente vários. O exemplo acima pode ser apenas
um dos muitos que você vivencia dentro de sua sala de aula regular, sala de atendimento ou em seu consultório! E quantos conseguem facilmente extrapolar os muros do que já
consideramos limites! Pensar e planejar com e para crianças como João envolve bem mais do que a competência profissional envolvida na formação acadêmica, envolve um
aspecto determinante que nesse momento encontra-se desestruturado e muitas vezes fora do nosso alcance: a família.
Em muitos casos de sucessos e avanços dos discentes ou de altos rendimentos acadêmicos, é perceptível uma família presente que acompanha, ajuda, presencia, se une em
prol do desenvolvimento da criança. O contrário não poderia deixar de ser verídico. Famílias que não conseguem se estruturar para atender uma criança a nível de proporcionar um
bom desenvolvimento intelectual dela, pode contribuir de forma negativa para que uma dificuldade de aprendizagem emerja do contexto. Dificuldades essas que podem ser de
ordem cognitiva ou emocional tendo como ponto de inserção o mesmo fator familiar.
Precisamos falar do acolher. Acolher as famílias é um processo fundamental para o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo na instituição. É verdade que muitas
vezes o contato direto torna-se inviável por uma série de questões. Em muitos casos, também é opção da família “manter distância” para que conflitos do seio familiar não
eclodam em conversas simples e cabem por denunciar fatos outrora guardados. Contudo, é preciso que a família seja motivada, a priori, e esteja envolvida de alguma forma ativa
nas ações que a escola propõe para integrar e incluir os seus educandos.
Antes de entrar nos aspectos propriamente ditos do tema do capítulo, é necessário que conceituemos o que significa autoestima. Podemos defini-la de maneira técnico –
informal como estado de felicidade consigo mesmo, tendo atingindo o que lhe é ou era esperado ou o que se buscava alcançar; é a capacidade de aceitação de si mesmo com
defeitos, qualidades e busca constante do bem-estar.
Infelizmente quando apropriamos da literatura escrita sobre a referida temática, há vários relatos de como a autoestima influencia de forma negativa a vida dos adultos.
Encontraremos histórias de casos depressivos, situações em que o indivíduo passa a questionar os seus traços físicos e até questões interligadas ao modo de vida econômico da
pessoa. Contudo, um campo ainda vasto a ser explorado é como a autoestima influencia direta e indiretamente a vida das nossas crianças e adolescentes que tendem, por alguma
razão, a obter um rendimento abaixo do esperado no desenvolvimento pedagógico. Mais importante ainda é saber como essa autoestima é trabalhada (ou não) dentro do ambiente
familiar e quais as facetas da vida em que o educando precisa de um apoio mais intenso por parte de seus familiares.
A sociedade atual exige dos indivíduos resultados acadêmicos cada vez mais complexos de acordo com a sua capacidade cognitiva. Não ter deficiência intelectual, na
concepção do modelo social que vivemos, implica automaticamente dizer que o sujeito tem o seu cognitivo dentro da normalidade e pode desempenhar bem qualquer função que
utilize intelecto para executá-la. Mito. Nem sempre ou não necessariamente a ausência de uma deficiência faz com que a criança alcance os resultados que se esperam dela. Muitas
vezes os entraves ao seu redor funcionam como barreiras que dificultam essa progressão.
Sabe-se, como bem discutido no decorrer deste livro, os mais variados problemas que podem implicar em um fracasso escolar e como eles podem afetar o sujeito além dos
processos educativos comuns e inerentes. Isso passa a implicar diretamente na autoestima da criança, fazendo, a priori, com que a mesma busque uma fuga para não realizar
atividades as quais se considera incapaz. Consequentemente, muitos têm optado por ficar fora das aulas em momentos estratégicos – geralmente em disciplinas que têm
dificuldades maiores – ou deixado de se associar com os colegas ao redor por se considerarem inferiores a estes devido ao baixo desempenho escolar. Negligenciar esse fato pode
ser bastante perigoso e pode comprometer em longo prazo a vida acadêmica do indivíduo. Seriam essas questões estritamente pedagógicas? Dificilmente.
O aluno com dificuldade de aprendizagem – e que essa nomenclatura em nenhum viés seja usado para rotulá-lo – necessita de estimulação docente constante para não
sentir-se inferior aos demais alunos em sua classe. O educando precisa entender que não saber executar determinada tarefa naquele momento não o caracteriza como um aluno
ruim ou diferente dos mais. Ao mesmo tempo, o professor de referência precisa conscientizá-lo dessa sua real dificuldade, explicar os porquês e, assim, apresentar-se como sempre
disponível para ajudá-lo no que for preciso. Sentir apoio de alguém ao qual você costuma estabelecer vínculo certamente o ajudará a sentir-se mais confiante para lidar com as
questões acadêmicas e sociais. Todavia, a instituição de ensino não necessita carregar essa responsabilidade sozinha, e nem deve. A família, quando contribuinte, é um agente de
grande ajuda nesse processo evolutivo que envolve diretamente o desenvolvimento do indivíduo.
O que a família pode fazer para estimular esse aluno? A palavra – chave dessa relação é motivação. Nota-se o aumento do número de pais que se frustram dada situação dos
filhos e transferem essas frustrações para eles que, por nível maturacional, absorve o que lhe é dito e não consegue reverter o que ouve como um incentivo a melhora. Segundo
Guilhardi (2002, p. 71-72, grifo do autor), é necessário perceber que

O fundamental para o desenvolvimento da autoestima é o reconhecimento que os pais expressam ao filho pelos seus comportamentos. Assim, é importante salientar
o você na frase que explicita o elogio e não apenas o comportamento: “Você me deixou feliz com seu boletim” é muito melhor que “As notas do seu boletim me
deixaram feliz”; “Que mangas deliciosas você apanhou na mangueira da vovó” não é uma frase tão rica quanto “Você conseguiu apanhar na mangueira da vovó umas
mangas deliciosas”; “Quando você está assistindo ao jogo na TV, eu me animo para ver a partida” é mais importante que “Vamos assistir ao jogo na TV?” etc. Note
que em todas as frases há um elogio, uma forma de reforçamento positivo social; no entanto, algumas frases destacam a pessoa que emitiu o comportamento. É esse
tipo de comunicação que melhor desenvolve a autoestima, uma vez que dá destaque à pessoa e não ao comportamento.

Muito do comportamento dos filhos dependem de ações positiva de seus pais ou de membros de suas famílias. Como posto na citação acima, é bem mais atraente e
motivador quando é expresso o sentimento de ter interesse pela presença do outro e a verdadeira intenção de que ele execute, aprenda e se desenvolva em conjunto, não
isoladamente. É digno de ressalva que a palavra “aprendizagem” significa “levar para junto de si”. Não seria mais fácil os genitores realizar essa atividade junto a criança a ponto
de torná-la prazerosa e satisfatória garantindo o acompanhamento dos possíveis entraves neste processo? É de extrema importância saber que

[...] a família também é responsável pela aprendizagem da criança, já que os pais são os primeiros ensinantes e as atitudes destes frente às emergências de autoria, se
repetidas constantemente, irão determinar a modalidade de aprendizagem dos filhos (FERNANDES, 2001, p. 42).

Nesse viés é perceptível a função e responsabilidade social da família em propor vias de garantir – ou ofertar – possibilidades de aprendizagem a esta criança ou adolescente.
É necessária a consciência de que a escola não educa sozinha e que, majoritariamente, não é a função da escola dedicar-se a ensinar papeis que, por questões sociais óbvias, são
delegados aos pais. Sem essa parceria entre escola-família torna-se inviável consolidar o processo educacional de uma criança. Ambos não educam de forma apartada. Porém, a
família precisa compreender que, a escola se aterá ao saber formal que, paralelo a outros fatores, contribuirá como suporte para o trabalho que a família já realiza dentro do lar.
Consequentemente, a ausência de fatores que corroboram para uma aprendizagem significativa pode levar muitos a caminho de eventuais dificuldades que se manifestarão no
contexto escolar.
Ser docente nesse atual cenário não é fácil. Preocupar-se com famílias, além do conteúdo a ser mediado em sala, é uma tarefa árdua e constante. É verdade que nem sempre
poderemos contribuir a forma que desejamos, nem tudo nos é possível. Muitas vezes sentiremos nossas mãos atadas, impossibilitadas, e viveremos em uma linha observacional
entre o “precisam agir” e o “não estão agindo”. Todavia, a proposta desse capítulo, assim como de todo o livro, é a mesma: conhecer, mediar e contribuir!
REFERÊNCIAS

FERNANDES, A. O saber em jogo. Porto Alegre: Artmed, 2001.

GUILHARDI, H. J. Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. In: BRANDÃO, M. Z. da S.; CONTE, F. C. de S.; MEZZAROBA, S. M. B. (Org.). Comportamento
humano: tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2002. p. 68-75.

Notas de Rodapé
1 O nome não foi mudado.
2 O nome foi mudado por questões relacionadas à preservação de identidade e ausência posterior de contato com o indivíduo.

SOBRE O AUTOR

Matheus Wisdom Pedro de Jesus


Graduado em Letras com Inglês e Pedagogia, Psicopedagogo ABPp 1424 – Seção Bahia, Neuropsicopedagogo, Especialista em Transtorno do Espectro Autista (TEA) e
Especialista em Educação Especial e Inclusiva. Esteve como aluno especial do Mestrado em Educação e Contemporaneidade na Universidade do Estado da Bahia cursando
disciplinas relacionadas à deficiência. Estuda Psicanálise pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica. Antes de se dedicar exclusivamente a Psicopedagogia e Educação
Especial, trabalhou como professor da sala regular de ensino lecionando Língua Portuguesa e Inglesa da Educação Infantil ao Ensino Médio. Atuou, também, como professor de
linguagens em uma Escola Especial para jovens e adultos com deficiência intelectual e múltipla. Atualmente é professor e psicopedagogo na APAE Salvador; psicopedagogo
sócio proprietário na empresa WISP – Wisdom Serviços Psicopedagógicos e docente de cursos de pós-graduação em Psicopedagogia, Educação Especial, Neuropsicopedagogia e
outros referentes à área de atuação. Colaborador convidado da Diretoria da Associação Brasileira de Psicopedagogia – Seção Bahia Gestão 2017 – 2019. Escritor de temas e
questões relacionadas à Educação Especial e Inclusiva pela Editora 2B. Ministra palestras e cursos referentes a Dificuldades de Aprendizagem, Transtornos de Aprendizagem,
Deficiência Intelectual e Inclusão.
E-mail: matheuswisdom@gmail.com

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