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A Revista do Expresso

EDIÇÃO 2475
4/ABRIL/2020

COVID 19

A hora
de todas
as escolhas
Vamos abdicar da liberdade em nome
da segurança? A vigilância tecnológica
nunca teve tantos adeptos
Por Yuval Noah Harari

Winston Churchill tornou-se um


herói devido à II Guerra Mundial.
Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa
são líderes à altura desta pandemia?
Por Henrique Monteiro e Ângela Silva
Uma nova década
Um novo desafio

Fique em casa,
fique informado.

A proteção de todos também passa


por uma informação séria e credível.
PLUMA CAPRICHOSA

A INCOMPETÊNCIA MATA

A
ENTERRADOS E CREMADOS OS MORTOS, TEREMOS DE RECONSTRUIR UM MUNDO ARRUINADO. NINGUÉM NOS VIRÁ SALVAR
logística, incluindo os militares, e acautelar o futuro, foi evitada. George foi obrigado a recuar. O hospital
e o futuro é hoje. Acautelar a situação económica, será não covid com triagem inteligente e inovadora.
que irá explodir, carregando tragédias e suicídios. Se o governo precisa de um hospital de campanha, e
Acautelar que a crise sanitária está a ser controlada é disso que precisa e não de quartos particulares, tem
e verificada, que as redes de serviços essenciais, a FIL no Parque das Nações.
transporte e abastecimento se vão manter, acautelar Quantas vítimas de sérias doenças colaterais e
a situação de segurança dos cidadãos e as restrições subestimadas vamos ter no final da crise, se final
à liberdade de movimentos, vigiar a desordem, houver? Um doente oncológico é posto em espera?
monitorizar a ordem, punir a ausência do posto. Um coma diabético deixa de ser um coma diabético?
Isto quer dizer que Costa tem de chamar os seus Uma neurocirurgia a um tumor não é prioritária? OS
ministros um a um, avaliar a sua competência, AVC sumiram e com eles os enfartes? O trauma foi
delegar ações e dar ordens de execução. A logística abolido? Mais uma vez, é aqui que a ministra tem
tem de funcionar quando tudo falha. de demonstrar a competência, organizar, delegar e
Costa não precisa de ser visto na lógica das ordenar. Supervisionar a logística, em vez de andar
inaugurações dos dias de paz a olhar para camas atrás de Costa nas inspeções. Não queremos ver os
cabem com o lugar-comum. Esta crise não tem vazias ou a aprender engenharia, precisa de ser visto ministros deste Governo, e quanto menos os virmos,
comparação com a de 2008 ou o 11 de Setembro. A uma vez por dia, ou os seus porta-vozes nomeados, melhor. Queremos que eles trabalhem, que reúnam,
única comparação seria com a II Guerra Mundial, com uma mensagem curta e precisa sobre o que acudam e previnam. Que mobilizem e utilizem a
com um inimigo invisível e insidioso que não andamento das operações. Napoleão desenhava a massa cinzenta portuguesa. Que aprendam, corrijam
convida aos rasgos de heroísmo e narcisismo batalha e comandava a logística com os generais, não os erros e otimizem as funções. Pedro Nuno Santos
autodeclarado. Enterrados e cremados os mortos, terçava armas. tem oportunidade de mostrar o presumível valor,
teremos de reconstruir um mundo arruinado. E já que falamos de generais, Graça Freitas não é um tomando para si funções de coordenação. E quem
Ninguém nos virá salvar, muito menos a China. general. É um alferes chamado a funções superiores substitui Costa se ele for infetado? Este não é o tempo
Como isto será feito, ninguém sabe. O tempo passa segundo o princípio de Peter. Circula nas redes um da política e dos pronunciamentos entre portas
e sabemos que tudo passa, mas muitos de nós não vídeo da senhora a dizer disparates, não, o vírus e corredores, é o tempo das armas e da logística.
estarão lá, no dia zero da reconstrução. Uma grande não é perigoso, não há qualquer risco de chegar a Poupem no excesso de teorias diárias sobre o pico
parte da população mundial vai morrer, e isto para Portugal, não há risco de contágio, montado com as e o planalto, os números são relativos e imprecisos,
mim, que vi guerras, é guerra. O inimigo muda, gargalhadas do comediante espanhol Risitas. Desisti variam conforme a geografia e a idade. A capacidade
a guerra não. A fome não convida ao canto nas quando a ouvi apelar à “horta de um amigo” em vez de assistir e testar. Precisamos de ventiladores,
varandas nem à literatice que agora nos inunda e do supermercado e chamar “inteligente” a um pedaço máscaras, luvas, fatos, viseiras, voluntários saudáveis
aborrece. Não estamos no sarau, estamos na batalha. de ácido ribonucleico e proteína. Com a trapalhada testados ou imunizados. E doações. E testes, testes,
A fome traz ao lado a sua irmã gémea, a insurreição, da cerca sanitária, ideia sem consulta prévia com os testes. Vamos decerto precisar de certificados de
e atrás dela o cangalheiro. Um chefe político apura- autarcas do Porto e de Gaia, desautorizada por Rui imunidade. Precisamos de retomar a economia
se nestes momentos de luta pela existência. Moreira, com os números errados, com a morte de e injetar liquidez já, antes que venham a fome, a
Uma guerra não é ganha com as armas, é ganha com um jovem “com psoríase”, Graças Freitas terminou. A revolta, o colapso social. Não precisamos de teóricos
a logística. Qualquer perito de logística sabe como se incompetência não é negociável. do disparate e de matemáticos que se enganam
perderam o Iraque e o Afeganistão. A superioridade Espero que não seja substituída por outro prócere e mais a sua autopropaganda viral, não precisamos de
das armas estava no terreno, a logística ficou refém especialista do improviso em bicos de pés chamado miniaturas com ministros “amigos”, dispensamos a
dos interesses da geoestratégia, do calculismo, da Francisco George. Desde o princípio da crise, George praga portuguesa da cunha e do tráfico de influência.
precipitação, do pretensiosismo, da ganância, da tem vindo a desautorizar a DGS, pronunciando- Precisamos de competência. A incompetência mata. b
criminalidade, da incompetência. A incompetência é se sobre tudo e mais alguma coisa. Por decisão
a grande inimiga, tão insidiosa como um vírus, mais burocrática e unilateral resolveu terminar o trabalho
visível e fácil de eliminar. A inércia é a gémea da de destruição do Hospital da Cruz Vermelha,
incompetência. ordenando a súbita reconversão em hospital covid-19.
Os atributos de António Costa, a capacidade negocial, Contra a opinião do corpo clínico, que demonstrou
a persuasão e o tal otimismo, de pouco servem agora. a impreparação do hospital, por razões logísticas,
Chegou a altura de eliminar a incompetência, dar funcionais e estruturais, como a inexistência de
ordens, delegar na competência. Não quero ver no salas de pressão negativa, e com total desrespeito
telejornal o primeiro-ministro rodeado da tropa dos doentes que são seguidos pelos médicos da
fandanga, as “autoridades” imensas em número, Cruz Vermelha. De um dia para o outro, foi dito ao
atropelando-se em molho na porta de entrada para doente que partiu uma perna ou teve um enfarte de / CLARA
a seguir se alinharem mantendo o distanciamento
social, a inspecionar camas vazias de um hospital
miocárdio, que o hospital desapareceu. As consultas
desapareceram. Os médicos foram mandados embora.
FERREIRA
improvisado. Costa olhou longamente as coberturas Em vez de testar todo o hospital e mantê-lo ALVES
de plástico e acenou, enquanto os excedentários desinfetado e em funções, porque as doenças
se multiplicavam em informações. A seguir, Costa que não são covid continuam embora haja
ouvia explicações de uma empresa de Espinho sobre ordens superiores para não continuarem,
o fabrico de ventiladores. Não é isto. Isto é o que os o presidente resolveu abolir o hospital e
seus ministros, secretários e conselheiros podem transformá-lo no que não é. Este tipo de
fazer. O que ele deve fazer é reunir com os peritos da incompetência ambiciosa é de evitar, e

E 3
SUMÁRIO
EDIÇÃO 2475 | 4/ABRIL/2020

fisga +E Culturas Vícios

52

TIAGO MIRANDA
7 | Teletrabalho 24 | Depois do coronavírus 61| Sem tempo para morrer 79 | Compras em segurança
A eficácia de trabalhar As decisões que Uma parte do negócio Saiba que passos deve
em casa depende de vários os governos e as pessoas do cinema vira-se para seguir nos corredores
fatores e há países mais bem tomarem nas próximas o streaming, mas é pequena do supermercado
preparados do que outros semanas vão provavelmente a mitigação para uma crise Paulo Futre
moldar o mundo no futuro da qual ninguém sabe 82 | Receita Jogou nos chamados
10 | Diário da Peste quando e como vamos sair Por João Rodrigues
Edição semanal das crónicas 32 | Momentos três grandes de Portugal
diárias publicadas no que fazem os líderes 64 | Livros 83 | Vinhos e é um ídolo para
Expresso online.Por Gonçalo Apostas de alto risco “O Livro de Horas” Por João Paulo Martins
os adeptos do Atlético
M. Tavares em circunstâncias quase e “As Elegias de Duíno”,
extremas determinaram de Rainer Maria Rilke 84 | Entregas ao Domicílio de Madrid. Entrevista
12 | Que Eu Andei as carreiras e a imortalidade De “Boa Cama Boa Mesa” de vida a um dos
para Aqui Chegar daqueles que hoje 68 | Televisão melhores futebolistas
Maria Manuel Mota “La Casa de Papel”, 86 | Design
são recordados como Por Guta Moura Guedes de sempre
dirigentes ímpares de Álex Pina, na Netflix
14 | Pimenta na Língua
+ Batata Quente 72 | Música 87 | Moda
40 | Amor em Por Gabriela Pinheiro
tempos de cólera Novos álbuns de Childish
16 | Déjà Vu Gambino e The Weeknd
À mesa com o inimigo
Histórias de amor e luz 89 | Passatempos
em tempos de sombra
Por Bruno Vieira Amaral 76 | Teatro & Dança
18 | Planetário
46 | Canábis “Lamento de Ciela”, FICHA
Perseguida durante anos de Guilherme Gomes, em TÉCNICA
Filme e livros vão por ser uma droga barata, www.creta.teatrodacidade.pt
marcar os 50 anos sobe agora à ribalta pelas Diretor
do fim dos Beatles mãos das farmacêuticas. 77 | Exposições João Vieira Pereira
Por Nuno Galopim O seu cultivo pode ser uma “Obras Inéditas”, Diretor-Adjunto
mina de ouro para Portugal de Julian Opie Miguel Cadete
20 | Passeio Público mcadete@impresa.pt
25 Minutos com... Diretor de Arte
José Lourenço Marco Grieco
Editor
Jorge Araújo
jmsaraujo@expresso.impresa.pt

Coordenadores
Ricardo Marques
rmarques@expresso.impresa.pt

CRÓNICAS Luís Guerra


lguerra@blitz.impresa.pt

3 Pluma Caprichosa por Clara Ferreira Alves | 22 Cartas Abertas por Comendador Marques de Correia Coordenadores Gerais de Arte
Jaime Figueiredo (Infografia)
60 Fraco Consolo por Pedro Mexia | 78 O Mito Lógico por Luís Pedro Nunes João Carlos Santos (Fotografia)
88 Diário de Um Psiquiatra por José Gameiro | 90 Que Coisa São as Nuvens por José Tolentino Mendonça Mário Henriques (Desenho)

CAPA: FOTOMONTAGEM SOBRE IMAGENS DE GETTY IMAGES;


INSPIRADA NA PRIMEIRA CAPA DESTA NOVA VERSÃO
DA REVISTA DO EXPRESSO, EDIÇÃO 2202, DE 10/JANEIRO/2015
E 4
fisga “QUEM SABE TUDO É PORQUE ANDA MUITO MAL INFORMADO”

Morreu o horário
das nove às cinco
SEM AVISO PRÉVIO NEM PERÍODO DE ADAPTAÇÃO, O TELETRABALHO INUNDOU UMA ECONOMIA FERIDA QUE TENTA
MANTER-SE DE PÉ ENQUANTO COMBATE UMA CRISE SANITÁRIA. OS BENEFÍCIOS EXISTEM, MAS A EFICÁCIA
DE TRABALHAR EM CASA DEPENDE DE VÁRIOS FATORES. E HÁ PAÍSES MAIS BEM PREPARADOS DO QUE OUTROS
TEXTO TIAGO SOARES INFOGRAFIA CARLOS ESTEVES ILUSTRAÇÃO CRISTIANO SALGADO

E 7
fisga
TRABALHADORES POTENCIAL DO TELETRABALHO EM PORTUGAL
A PARTIR DE CASA NA UE
POR NÍVEL DE ESCOLARIDADE

ENSINO BÁSICO ENSINO SECUNDÁRIO ENSINO SUPERIOR

HOMENS MULHERES
17% 35% 61%
5% 5,5%
TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM
Em % da população ativa, em 2018

Países Baixos 14 POR SALÁRIO AUFERIDO


Finlândia 13,3
Luxemburgo 11
Áustria 10
Dinamarca 7,8
Estónia 7,6
Eslovénia 6,9
Bélgica 6,6 SALÁRIO MÍNIMO
OU INFERIOR €558 A €800 €800 A €1200 €1200 A €2000 MAIS DE €2000
França 6,6
Islândia
Irlanda
6,5
6,5 18% 22% 41% 56% 63%
Portugal 6,1
Malta 5,8
Noruega 5,5 POR SECTOR DE ATIVIDADE
Suécia 5,3 Em %
Alemanha 5
Polónia 4,6 Atividades de informação e de comunicação 88
Reino Unido 4,4 Atividades financeiras, seguros e imobiliário 71
Espanha 4,3 Atividades de consultoria, científicas 71
Suíça 4,1 Comércio por grosso e a retalho 35
Rep. Checa 4 Eletricidade, gás, etc. 31
Itália 3,6 Indústrias transformadoras 27
Eslováquia 3,6 Construção 21
Letónia 2,9 Atividades administrativas e serviços 21
Lituânia 2,5 Administração Pública, Educação 21
Hungria 2,3 Indústrias extrativas 20
Grécia 2 Transportes e armazenagem 19
Croácia 1,4 Agricultura, produção animal, caça 14
Chipre 1,2 MÉDIA NA UE-27 Alojamento, restauração e similares 10

5,2%
Roménia 0,4 Outros serviços 38
Bulgária 0,3
FONTE: “O POTENCIAL DO TELETRABALHO EM PORTUGAL”, QUEEN MARY UNIVERSITY OF LONDON, PEDRO S. MARTINS, COM BASE EM DADOS
FONTE: EUROSTAT DO “RELATÓRIO ÚNICO”, DO MINISTÉRIO DO TRABALHO (2018) E DO INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA

M
arta Silva só precisa do computador portátil para traçar as operações de um negócio multimilionário passam pelas
um retrato da pandemia mundial. “Neste novo dia a casas dos trabalhadores. “Ninguém estava preparado para uma
dia em teletrabalho, os que estão menos acessíveis são situação destas, não tínhamos ferramentas para funcionar de
os italianos e os espanhóis, porque estão na mesma fase da luta forma uniforme à distância. A empresa anda agora a tentar
contra o vírus. Os meus colegas do Norte da Europa falam mais, criar plataformas e aplicações para conseguirmos estar todos
como nós, porque lá aquilo está mais ou menos controlado. O Sul conectados ao mesmo tempo, mas é algo que nunca tínhamos
de Itália comunica connosco mais normalmente, mas os principais feito. Ligar a câmara, desligar o microfone, etc.: perdemos imenso
escritórios são em Milão: lá há muita gente que não se conecta no tempo para trás e para a frente nestas pequenas coisas.”
sistema durante o dia, provavelmente por terem algum familiar Neste momento, milhões de pessoas em todo o mundo estão
doente.” na mesma situação de Marta: forçadas pela covid-19, estão
Marta tem 34 anos, é gerente de loja de uma multinacional pela primeira vez longe das lojas e escritórios. Em Portugal, o
no Aeroporto de Lisboa, e está a experimentar o teletrabalho teletrabalho já está previsto na lei desde 2003, mas a legislação do
pela primeira vez, assim como toda a empresa. “Antes havia Governo para fazer frente à atual pandemia tornou-o obrigatório
algum trabalho remoto feito nas lojas, a nível local, mas apenas para todas as profissões que possam ser feitas a partir de casa,
para formações e assim.” Agora, o caso muda de figura: todas em cumprimento da quarentena. As dificuldades de adaptação

E 8
relatadas por Marta encaixam no que dizem os números. Um teletrabalho, conclui Pedro S. Martins. Assim se explica o atraso
estudo realizado pelo Eurostat em 2018 concluiu que só 5,2% da português neste ponto em relação a outros países. A outra razão
população ativa trabalha remotamente. Países como a Holanda é cultural: “Em Portugal (e não só) existe esta cultura de passar
e a Finlândia destacam-se (14% e 13,2%), com Portugal a surgir muito tempo no emprego, mesmo quando não se está a ser
a meio da tabela (6,1%), acima da média da UE. No geral, as produtivo. Como se muitas horas fosse sinónimo de dedicação.
mulheres trabalham em casa mais do que os homens, mas todas Esta é uma ideia errada, e se as empresas adotarem modelos
estas percentagens têm-se mantido inalteradas na última década, através de metas e objetivos, e não de tempo despendido, essa
em contraponto com o boom das profissões assentes nas novas cultura esbate-se”, diz Natália P. Moreira. A conduta dos patrões
tecnologias. portugueses é também um obstáculo ao teletrabalho. “Há uma
Manuel Ferreira tem 36 anos, é programador e também nunca desconfiança muito grande dos empresários, constantemente
trabalhou longe de um escritório, apesar de, em teoria, as suas preocupados com a falta de produtividade dos trabalhadores”,
funções o permitirem. “É novidade, mas na realidade em termos diz a investigadora. Aumentam o controlo em vez de promoverem
de trabalho não noto diferença. Não estou a gostar por aí além, uma cultura de “confiança” e “corresponsabilização”, completa
mas não poder sair à rua também não ajuda”, diz. E mesmo numa Pedro S. Martins.
profissão talhada para a velocidade e simplicidade da tecnologia,
a reclusão exigida pela saúde pública mancha as vantagens de DEPOIS DO VÍRUS
estar longe do escritório. “Quando anunciaram o teletrabalho Há dois caminhos que esta nova economia remota terá de
obrigatório, eu e outro colega dissemos logo que ia ser mau. Os percorrer. O primeiro é mais imediato: Paulo S. Martins sublinha
restantes ficaram contentes, mas agora já dizem que estão fartos que a implementação massiva e forçada do teletrabalho irá
e com saudades. Mas, provavelmente, se pudessem sair à rua desproteger profissões e trabalhadores menos qualificados,
não diziam isso.” Com a pandemia fora da equação, o ideal seria e aponta que o país terá de identificar ambos, e investir em
um meio-termo. “Era capaz de trabalhar em casa umas duas políticas públicas como “programas online de reconversão
vezes por semana, dependendo do tipo de projeto. Em termos de através do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP)”
produtividade, acho que estou mais concentrado em casa, mas às para segurar ao máximo a economia perante a ameaça da
vezes o dia de trabalho também se torna mais longo: não há aquele covid-19.
corte de ir para casa e desligar.”

HORAS A MAIS NO ESCRITÓRIO


Enquanto que Manuel pode imaginar uma melhor articulação APESAR DE TODOS OS ESTUDOS APONTAREM QUE AS
casa-trabalho depois do vírus, Marta sabe que o sector da sua NOVAS GERAÇÕES SÃO QUEM MAIS PRIVILEGIA A
atividade (retalho) não se conjuga com o trabalho remoto:
LIBERDADE DE PODER TRABALHAR EM QUALQUER LADO,
acabará por regressar à loja e aos dias laborais de oito horas. É
uma conclusão empírica: nem todas as profissões podem ser O POTENCIAL DE TELETRABALHO É MAIS BAIXO EM
realizadas por teletrabalho. Um estudo publicado no mês passado PROFISSÕES DESEMPENHADAS PELOS JOVENS
pela Queen Mary University of London sobre “O potencial do
teletrabalho em Portugal” classifica todas as profissões em cinco
níveis: desde tendo potencial muito baixo, como vendedores
de lojas e empregados de mesa, até potencial elevado, como O segundo caminho surgirá quando a ameaça terminar. Depois
contabilistas, analistas, ou administrativos. Pedro S. Martins, autor da recuperação, faltará descobrir se o teletrabalho foi apenas uma
do estudo, professor naquela instituição e ex-secretário de Estado solução momentânea para fazer face a uma situação extrema,
do Emprego do Governo de Passos Coelho, lembra ao Expresso que ou um recurso valioso para modernizar a economia portuguesa.
a eficácia do teletrabalho “irá sempre depender da empresa em No jogo das previsões, especialistas e trabalhadores concordam.
que o trabalhador está”, e por isso das suas funções e habilitações Para Natália P. Pimenta, “esta experiência imposta pela doença
literárias. Além disso, apesar de todos os estudos apontarem que vai alterar profundamente o mercado de trabalho, e estamos já a
as novas gerações são quem mais privilegia a liberdade de poder caminhar na direção de um sistema mais híbrido em relação ao
trabalhar em qualquer lado, “o potencial de teletrabalho é mais emprego”.
baixo em profissões desempenhadas pelos jovens”, justamente Pedro S. Martins vai mais longe: “Haverá um antes e um depois.
por terem ocupações mais precárias e onde é requerida um menor O impacto desta crise vai levar muitas empresas e trabalhadores
nível de especialidade. a olhar para o teletrabalho de forma diferente: vão-se ultrapassar
Um outro estudo de longo prazo da Universidade do Minho muitos bloqueios e desconfianças, e existirá uma mudança
mediu o impacto do teletrabalho na produtividade do tecido cultural que levará o teletrabalho a disparar no final da crise.” É a
empresarial português. A conclusão, atualizada em março, é crise como uma porta de entrada: “As empresas podem aproveitar
de que “o teletrabalho tem um efeito negativo em pequenas para fazer experimentação, e não mudarem de um modelo para
empresas, sobretudo não exportadoras e com trabalhadores o outro radicalmente. Em vez de semanas de trabalho com cinco
com baixos níveis de escolaridade”, diz ao Expresso Natália dias, tentar quatro dias mais um, ou três mais dois, por exemplo.
P. Moreira, uma das autoras. Nestes casos, as quebras de Isto permitirá ir analisando a satisfação do trabalhador, e melhorar
produtividade andaram à volta dos 3%. Em sentido inverso, as a capacidade de retenção de quadros”, o que leva a poupanças no
empresas “onde a criatividade, a inovação e o investimento em recrutamento.
pesquisa e desenvolvimento” estão presentes são aquelas que Tanto Marta como Manuel veem benefícios a longo prazo. “Acho
mais beneficiam do trabalho remoto. Ou seja: onde há partida que será muito importante no futuro. Depois de se adaptarem,
são utilizados mais recursos tecnológicos, como a internet, que as empresas vão continuar a manter estas plataformas de
permitam “conciliar melhor a relação trabalho-família. Isso torna comunicação abertas”, diz Marta. Manuel é mais contido, mas
os funcionários mais satisfeitos e produtivos, porque também otimista: a aplicação do teletrabalho irá sempre depender do
sentem ter obrigação de produzir mais”. tipo de empresa e negócio, mas será algo que ficará ao dispor do
Economias mais frágeis — com piores salários e menor capacidade trabalhador “sempre que for preciso ou der jeito. E já não era sem
de negociação por parte dos trabalhadores — são inimigas do tempo”. b

E 9
fisga
DIÁRIO DA PESTE
DOIS SÉCULOS TEM ESTE SÉCULO
Dizia que o lobo era mau, muito mau, todo mau.
Mas ninguém é mau, muito mau, todo mau.
“a catástrofe seria a presença simultânea de todas as
coisas”, disse Sloterdijk, numa entrevista antiga.
A catástrofe agora como a ausência de todas as
coisas.
Roma abana a cauda, tem sede.
POR Jeri, pacata, consome energia a olhar para as coisas.
GONÇALO Pego num anjo de vinte centímetros de altura.
M. TAVARES É feito de um material estranho.
Parece mole por dentro.
Vou buscar uma faca de cozinha.

23 de Março A língua dos saudáveis, a língua dos doentes.


No limite, fuzilar os doentes por traição. 
Paro.
Deixo o anjo e a faca de cozinha lado a lado.
NASA cancela pesquisas na lua. Os critérios mudam, o Direito muda. A ver se a faca torna mais bravo o anjo, a ver se o
Matteo come uma garfada de pasta junto à janela Um presidente de câmara italiano junta as mãos a anjo amolece a faca.
que dá para a rua Vittorio De Sica. pedir para as pessoas não saírem de casa.
Sica foi o cineasta de “Ladrões de Bicicletas”. Parece rezar, pedir piedade e dar uma ordem - tudo
Na Lombardia uma mulher grita pelo nome de
Paolo.
ao mesmo tempo.
Um médico italiano diz que não entende por que 26 de Março
Um doente num hospital de Lombardia vê o rosto vão cabeleireiras a casa das senhoras arranjar-lhes A sala Tchaikovsky em Moscovo está vazia há vários
da mulher e do irmão num ipad bem levantado no os cabelos. dias.
ar pelas luvas brancas do médico. Diz que os caixões vão fechados, que ninguém vai O Papa Francisco deu negativo no teste de
O hotel Marriott é transformado num hospital de ver os cabelos delas penteados. coronavírus.
campanha. Diz isto de uma forma violenta. Imagino em algumas igrejas as gravações da missa
Quartos de luxo são agora quartos para dez pessoas. Fico calado. voltarem ao latim.
O espaço todo usado, distribuído entre máquinas, E continuo calado. É preciso voltar atrás.
doentes e médicos. Na europa as pessoas vão deixando a sua Língua à
Uma nova agricultura urgente semeia doentes e porta, no lado de fora.
ventiladores.
O presidente da Associação dos reformados diz para 25 de Março Abdicam da sua Língua anterior e começam a falar
outra.
as gerações jovens não se esquecerem deles neste Por vezes, no mundo terrível, pessoas abrem um O latim é uma hipótese.
momento. pouco a porta de casa e cospem à passagem de Também podemos gritar.
Para não se esquecerem dos pais e dos avós. estrangeiros. Mulher de noventa e seis anos recuperou e tenho a
Uma menina ao meu lado chora. Estrangeiro, numa certa língua eslava, dizem-me, certeza que prometeu que não vai morrer.
Um ministro fala sobre medidas — peso e fita significa mudo. Na sala Tchaikovsky em Moscovo vão certamente
métrica para o que não vê. Aquele que não fala a minha língua, é mudo. ter de deslocar o piano do palco.
Andreotti, sessenta anos, de máscara na cara, Aquele que não tem a minha história, é mudo. Na casa ao lado, Manu Chao: Me gustan los aviones,
passeia um cão muito pequeno com uma correia “Sol sai à rua, mas chuva volta a cair esta quarta- me gustas tú.
longa. feira”. (…) Me gusta viajar, me gustas tú.
186 mortos em França. Deixa; agora outra coisa. Pode a cabeça estar assustada, os pés não. (…)
A minha cadela pastora de Berna chama-se Roma. Somos monges, sim, mas sem a crença. Ensino à minha cadela Roma a estar parada só a
Roma está intacta e viva e balança a cauda. Isolar-se por medo ou precaução não é o mesmo olhar.
Ela levanta-se, parece um urso preto. que isolar-se por fé. Ela parece dizer-me: és parvo.
Dou um abraço a Roma. Virilio falava da “destruição do ambiente pela Elias Canetti: “tudo o que aprendo transformo em
Roma não chora, mas não está contente. velocidade”. medo”.
Digo-lhe: Roma não chora.  Accioli em Itália, na zona Norte, está a correr em Aprender a esperar como se esperar fosse fazer uma
Termómetro, temperatura 37,2. (…) casa no mesmo sítio para não ficar louco. coisa.
“Andando por um caminho/ encontrei o ar”. Ficar no mesmo sítio, mas de forma rápida. Abro online os jornais que explicam como
Uma mulher italiana diz que a europa abandonou a Destruir a própria casa pela velocidade. desinfectar as botas que saem à rua.
Itália. Destruir a família pela velocidade. Espanha 498, França 365, Irão 157, Itália 712.
Desligo a televisão. Destruir a família pela lentidão. (…)
Vejo uma corrida de Bolt.
Record de 100 metros, 9,58 segundos. (…)

24 de Março Uma história infantil do lobo mau e dos três


porquinhos. Num disco. 27 de Março
Enganar a mobília, a porta. Levanto os calcanhares, depois a ponta dos pés.
Fingir que se sai, abrir e fechar a porta. Um jogo de futebol Grémio-Flamengo.
Porta ingénua, acredita em tudo. A GERAÇÃO DOS HUMANOS “Pare de viver com dores nas articulações”,
Na China o Estado controla a temperatura de cada COM OS OLHOS ESTUPEFACTOS. televendas na televisão.
cidadão. Oração do Papa pela humanidade, canal 1.
Mais de trinta e sete graus: cidadão perigoso. UMA NOVA GERAÇÃO DOS HUMANOS. A Praça do Vaticano vazia.
A traição saiu da linguagem, entrou na biologia. OS HUMANOS ESPANTADOS. O Papa fala para um enorme espaço vazio.
Estar doente é uma ameaça ao Estado. O SÉCULO XXI PARTIDO Ouço em muitas casas pessoas a ajoelharem-se.
Todo o doente fica de imediato estrangeiro. Há coisas que se conseguem ouvir em determinadas
Se és saudável és da minha nação; se estás doente EM DOIS POR UM VÍRUS. alturas e noutras não.
falas outra língua. DOIS SÉCULOS TEM ESTE SÉCULO Nestes dias ouve-se tudo.

E 10
Ela explica-me o que significam os números no início.
Cada número representa um motivo de saída.
Ontem, a minha amiga grega mandou este sms ao
governo grego:
4 12
O número 4 significa que ela vai sair para ajudar
uma pessoa.
O número 4, no caso de Athena, é o pai.
O pai está incluído no número 4.
É um número 4 com várias hipóteses lá dentro.
Ela recebeu depois um sms a dar autorização.
Foi este:
Até o barulho de alguém a curvar-se a muitos 4
quilómetros de distância. 12
Os sinos tocam na basílica de São Pedro. Podes visitar o pai, motivo 4 autorizado.
A arte de tocar sinos, uma arte das mãos, do Não é preciso dizer que na europa as coisas mudaram.
controlo da força. As coisas mudaram sem pedir licença.
Sinos que não aceitam ser tocados por mecanismos. A língua grega é visualmente bonita.
Sinos de metal humano. Certos enfermeiros usam esse material. Isto:
Mas nestes dias por vezes têm sido as máquinas a ficar Que bom, José. Diz a enfermeira, viste o teu filho. (…)
no seu posto, a cumprir a sua missão, sem medo. Repetir alto uma frase até ela se dissolver no ar, É Athena.
É preciso por vezes homenagear as máquinas. como se não tivesse existido. As línguas são também posições de letras, desenhos.
Elas ficam. (…) Repetir 100 vezes uma frase para ela desaparecer. Pode uma frase terrível ser visualmente bela.
Como se o uso repetido fosse uma forma de O perigo de uma outra língua que não entendemos
destruição das frases e das coisas. é esse.

28 de Março No La Repubblica dizem que na Lombardia já não


há avós.
Por vezes a beleza faz o mesmo que a poeira e não
deixa ver.
“A salvação agarra-se à pequena fissura na É esta a frase. “Hungria reforça poderes do primeiro ministro.”
catástrofe contínua”, escreveu Walter Benjamin. É preciso repeti-la até ela desaparecer no ar. “Áustria vai obrigar cidadãos a irem de máscara para
É preciso salvar nos pequenos intervalos, nas o supermercado.”
pausas. Ainda não ouvi a nova música de dylan.
Quando o diabo se distrai um segundo, eis uma
fissura. 29 de Março
E aí entra a salvação.
Espanha.
No jardim em frente o sol parece fazer convites
inaceitáveis. 31 de Março
Dia 26 de Março “na planta numero 4, na Como pode a paisagem ser uma armadilha, já sem Só os médicos se aproximam dos doentes.
habitación 429 del Hospital del Mar”. lobos nem tigres — e nenhum terramoto. Só os padres se aproximam dos mortos.
Um vídeo. Entrevista ao filósofo espanhol Emilio Lledó no El Duas formas de coragem.
No Hospital del Mar uma enfermeira pega no seu País. “a electricidade bateu nas coisas resignadas.”, o tal
próprio telemóvel e faz uma chamada para o filho Fala desse “perigo que não se ouve”. verso de Drummond.
de um doente. Ele diz que não se considera um farol da sociedade, Um médico em Espanha diz: não desejo isto a
4º Andar, quarto 429. mas simplesmente “uma velazinha com pouca cera”. ninguém.
Faz uma videochamada, pega no telemóvel, aponta Tem 92 anos. E começa a chorar.
para o rosto do doente. Desce de casa para comprar o pão. Em Espanha, há idosos a deambular sem saber para
“Respira bem, sim, sem a máquina”, diz ela para o Vê que algumas conservas já não existem na onde ir. Não têm familiares.
filho do doente acamado. mercearia próxima. Ambulâncias e caixões.
E repete, a sorrir: “Não vê? Não vê?” Em Espanha hoje morreram 838 pessoas. Muito som e depois pouco som.
Quer mostrar que o pai dele não está tão doente, Pequena vela com pouca cera. Na rápida pista de patinagem de Madrid, corpos que
que melhorou. Folheio a lifetime of secrets de frank warren. não se mexem.
Repete: respira sem máquina, está só com uma Postais com segredos. E por vezes um padre.
máscara! “Eu deixei de acreditar em deus desde que te É o único que se aproxima.
Fala como se anunciasse a um pai que acabou de lhe divorciaste do pai”. 8…9
nascer um filho. Fazer uma lista — deixei de acreditar em deus Relaxo; lá fora sol — buganvília, uma, limoeiro, um.
Mas não. porque. Uma é quase igual a um. Um quase igual a uma.
Está a anunciar a um filho que o pai ainda está vivo. E outra lista. Nicanor Parra.
O doente levanta a mão em direcção à imagem do Comecei a acreditar em deus porque. “O verdadeiro problema da filosofia
filho. Entrevistar pessoas, tirar conclusões. É quem lava os pratos
A enfermeira aproxima o telemóvel. Razões médias, razões limite. Nada de outro mundo
A mão fica a uns centímetros do ecrã. (…) Deus
Tocar no rosto do filho na tela é nestes dias tocar no a verdade
rosto do filho. o passar do tempo
Quase tocar na tela é quase tocar no corpo.
Olá! eu sou a Susana, diz a enfermeira com ar feliz 30 de Março claro que sim
mas primeiro quem leva os pratos”.
para o filho que está no outro lado do ecrã. Uma amiga grega envia-me um mail. É isso. b
É preciso infiltrar nas fissuras a alegria. é pai em grego.
Como se a alegria fosse um material médico. Diz ela: na Grécia, “para sairmos, temos que enviar Gonçalo M. Tavares escreve de acordo
Quase um material de salvação. um sms ao número 13033 com o propósito da saída”. com a antiga ortografia

E 11
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O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR
UM CURRÍCULO VISUAL

Maria Manuel Mota


Uma das maiores cientistas portuguesas da atualidade, de 48 anos, avançou em conjunto com a sua equipa do Instituto
de Medicina Molecular para a criação de testes de covid-19. O ato, que demonstra uma enorme solidariedade para com
a comunidade em que se insere, prova que o seu trabalho sobre o parasita da malária, que desenvolve há 20 anos,
foi um dos mais válidos e eficazes da ciência. É uma heroína em tempos da pandemia. / ALEXANDRA CARITA

1971
Nascimento 2020
A cientista nasce a 27 de abril,
na Madalena, no concelho de Solidária
Vila Nova de Gaia. E desde À frente do Instituto de Medicina
muito cedo manifestou o seu Molecular, avança para a criação
interesse pela biologia. de testes da covid-19 produzidos
em Portugal.

1992
Licenciatura
Sempre uma aluna excelente, licencia-se
em Biologia na Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto. Segue diretamente
para o mestrado em imunologia.

2018
Prémio Pasteur
Em novembro volta a ser
galardoada, desta feita com o
Prémio Sanofi-Pasteur no valor
de €150 mil. No ano anterior
tinha ganho o Prémio Pfizer.
1998
Doutorada 2005
Interessou-se por Comendadora
parasitologia, principalmente
pela patologia da malária O trabalho que desenvolve
e concluiu a sua tese de como investigadora merece
doutoramento na University ser condecorado e é feita
College de Londres. Comendadora da Ordem do
Infante D. Henrique, a 13 de
fevereiro.

2004 2013
Investigação Prémio Pessoa
Ganha o European Young Investigator Agraciada com um dos mais prestigiados
Award (1 milhão de euros), o que lhe prémios nacionais, a cientista continua um
permite continuar a investigação sobre o percurso de exceção na luta contra a malária.
parasita da malária, durante cinco anos, Portugal fica a conhecê-la definitivamente.
no Instituto de Medicina Molecular.

E 12
fisga
BATATA
QUENTE
PERGUNTAS
IMPERTINENTES

Vai haver aulas


no terceiro
período?
A resposta é dúbia, não estivéssemos
PIMENTA NA LÍNGUA em tempos estranhos. Se por aulas
considerarmos a convencional ida à
FRASES DA SEMANA escola, com a turma a ouvir presencial-
mente o professor, não. Mas se alguma
coisa aprendemos com a pandemia

“Há que manter a pressão na mola” de covid-19 é que, em plena revolu-


ção tecnológica, o conceito de aula
pode ser bem mais alargado. Por isso, a
MARCELO REBELO DE SOUSA, PRESIDENTE DA REPÚBLICA
possibilidade de utilizar a internet como
Explicando que é necessário continuar as medidas de contenção que têm vindo a ser aplicadas no nosso país, meio para as lições à distância — a que
em vésperas de decidir sobre a renovação do estado de emergência
se dá o nome de “escola não presencial”
— transforma a resposta num rotundo
‘sim’. Porém, ainda não é claro se tal será
“Enfrentem o vírus como necessário. Na terça-feira, o primeiro-
-ministro declarou que a reabertura das
homens, não como moleques, escolas não está posta de parte e que
pô! Vamos enfrentar o vírus o ano escolar tal como o conhecemos
com realismo. Todos nós pode não estar perdido. António Costa
remeteu a resposta para o dia 9 de abril,
vamos morrer um dia” altura em que prevê ter os dados ne-
JAIR BOLSONARO, cessários para avaliar a situação. Existe,
PRESIDENTE DO BRASIL porém, um limite: é o 4 de maio, data
Reiterando o seu apelo a que os brasileiros após a qual o regresso à escola não é
não deixem que o coronavírus os impeça considerado razoável. Por este motivo,
de continuarem a trabalhar e a fazer as suas vidas as declarações de Costa não entram
em colisão com as do ministro da Edu-
cação (na foto), que também esta se-
mana veio a público alertar que as aulas
“Quando saírem da sauna, não lavem apenas no 3º período poderão ser “à distância”.
as mãos. Bebam um shot de vodca” Se esse for o caso, o que ainda não se
sabe é se o ensino remoto se processa-
ALEXANDER LUKASHENKO, PRESIDENTE DA BIELORRÚSSIA rá através da web ou da TDT (Televisão
Garantindo que a vodca “envenena o vírus”. Lukashenko tem ignorado a ameaça da covid-19, aparecendo em público Digital Terrestre). Isto porque existe
e permitindo mesmo a realização de jogos de futebol e de outros desportos em público no seu país um grande número de alunos que não
possuem em casa um computador ou
acesso à rede. Resumindo: tal como foi
provado nas duas semanas anteriores
“Se tivermos entre às férias da Páscoa, o ensino não pre-
sencial é não só possível como a única

100 e 200 mil alternativa a uma continuidade letiva


em época de confinamento, isto é, num

(mortos), quadro em que as escolas não sejam


reabertas. Resta saber em que moldes

nós todos, juntos, isso será feito. / LUCIANA LEIDERFARB

fizemos um trabalho
muito bom”
DONALD TRUMP, PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS
Aludindo aos 2,2 milhões de mortes (“ou até mais”)
que o novo vírus podia ter provocado se não fossem
as ações tomadas pelo seu governo

E 14
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DÉJÀ VU
O FUTURO FOI ONTEM
três anos, enquanto presidente do Eurogrupo, o palmadinhas nas costas, rodeios e rodriguinhos,
ministro holandês das Finanças na altura, Jero- podia soar a ofensa e desconsideração. Quan-
en Dijsselbloem, escandalizou os países do Sul to ao excesso de liberdade literária e à escolha
com uma declaração que lhe granjeou fama dos exemplos, entre tantos que teria ao dispor,
POR universal, embora não invejável: “Não posso de vinho e mulheres, Dijsselbloem disse que se
BRUNO gastar o meu dinheiro em bebida e mulheres e referia a si mesmo. Ele é que não podia gas-
VIEIRA depois pedir ajuda.” Num primeiro momento, tar tudo em vinho e mulheres e depois bater à
AMARAL recusou pedir desculpas por não ver nada de porta dos vizinhos a pedir batatinhas. Era mui-
particularmente rude ou ofensivo no tom e no to barulho por nada ou, para ser fiel à criativi-
À mesa com conteúdo da sua afirmação. Afinal, era apenas
uma exortação calvinista à disciplina orçamen-
dade do ministro, uma tempestade num copo
de três. A tempestade amainou, a névoa da cri-

o inimigo tal. As reações de indignação dos países que se


sentiram atingidos pela insensibilidade do mi-
se esfumou-se, na presidência do Eurogrupo
Dijsselbloem foi substituído pelo Ronaldo das
nistro holandês, ou do seu parco talento para Finanças, o nosso Super-Mário Centeno, e in-
Quando os países do Sul da Europa precisam a analogia, não tardaram. António Costa che- ternamente deu lugar a Wopke Hoekstra. No
de um bom inimigo, de um arquirrival a sério, gou a dizer que, se a União Europeia fosse séria, entanto, bastou um novo abalo na União Euro-
de um Moriarty para o seu Sherlock Holmes, Dijsselbloem teria sido imediatamente afas- peia, desta vez provocado por um vírus, para a
podem sempre contar com os infalíveis holan- tado das suas funções. Após as reações baru- desconfiança holandesa emergir de novo. Aos
deses. Por questões históricas e de dimensão, lhentas, tipicamente latinas, dos líderes portu- apelos dos países mais atingidos pela pande-
nenhum outro país do Norte da Europa é tão gueses, espanhóis e italianos, lá veio um mea mia, Hoekstra respondeu com a sugestão de
cáustico e desconfiado em relação aos seus culpa à maneira holandesa, com aquele jeitinho uma auditoria às contas espanholas. Com ca-
parceiros meridionais como a Holanda. Se da de deitar água na fervura que atiça ainda mais dáveres empilhados em morgues improvisadas,
Alemanha ainda chega alguma compreensão, os ânimos. Não, ele não queria atacar nenhum o rigor calvinista suscitou uma reação visceral
uma certa magnanimidade de país poderoso, país em particular. Estava apenas a exigir res- a António Costa. “Repugnante” foi o adjetivo
a Holanda lança logo os cães às canelas dos ponsabilidade a todos os parceiros europeus que usou. Por momentos, a tirada espirituosa
pedinchões do Sul, venham eles esfarrapados com a franqueza da rigorosa cultura calvinis- de Dijsselbloem ter-lhe-á parecido quase la-
pela economia ou debilitados por um vírus. Há ta e que, para os povos latinos, habituados a tina na sua jovialidade. b

2017

DURSUN AYDEMIR/ANADOLU AGENCY/GETTY IMAGES

E 15
Saiba mais em expresso.pt/vidasustentavel
NADA MUDA SE NÃO MUDARMOS
Durante 100 dias, o Expresso e a EDP trazem à terra o debate sobre o nosso futuro. Porque os
problemas do planeta começam na nossa vida, nas nossas cidades e no país, vamos dar-lhe
ideias de como podemos ser mais sustentáveis.
Participe, discuta e influencie a forma como olhamos para estes desafios. Porque a única
certeza é a que está na assinatura deste projeto: Nada muda se não mudarmos.

COMPRE O EXPRESSO E HABILITE-SE A GANHAR


UM CARRO ELÉTRICO RENAULT ZOE
Se for leitor do Expresso das edições de 28 de março, 4, 10 e 18 de abril habilita-se a ganhar
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COMO CONCORRER
• O leitor da edição impressa do Expresso terá de inscrever-se online em expresso.pt ou em
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• As edições válidas para o concurso são as respetivas às semanas 28/03/2020, 04/04/2020,
10/04/2020 e 18/04/2020;
• Por cada código voucher introduzido será gerado um número sequencial que habilitará o concorrente
no sorteio do dia 28/04/2020;
• Se um leitor comprar todas as semanas o semanário Expresso e introduzir o código voucher respetivo
durante as 4 (quatro) semanas habilita-se 4 (quatro) vezes ao concurso “Expresso Renault Zoe 2020”;
• Os participantes terão que guardar a Revista do Expresso com o código de voucher para efeitos de
validação da sua participação neste concurso.
• Os assinantes digitais do Expresso com assinatura em curso ou subscrita nas semanas mencionadas,
estão automaticamente habilitados: 1 (uma) vez por cada semana da sua assinatura.

Os assinantes digitais do Expresso,


com assinatura ativa, estão automaticamente habilitados.
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PLANETÁRIO
NO CAMINHO DAS ESTRELAS

POR
NUNO GALOPIM

RODRIGO GUEDES DE CARVALHO

Novo livro em
suportes digitais
O novo romance de Rodrigo Guedes de Carvalho, “Margarida
Espantada”, foi esta semana disponibilizado nos formatos MÚSICA

Filme e livros vão marcar os


digitais de e-book e audiolivro, resultado de uma parceria
entre a Leya e a aplicação Rakuten Kobo (disponível na
Apple Store e Google Play). Este lançamento acontece

50 anos do fim dos Beatles


antes da sua publicação em livro impresso, opção inédita
para um romance de um autor português. Ao Expresso o
autor notou que o facto deste lançamento ocorrer nesta
modalidade num tempo em que vivemos uma quarentena
“foi uma estranha coincidência”. Em novembro, quando
entregou o livro na D. Quixote, sugerira que se “fizesse um
audiolivro para ser lançado ao mesmo tempo que o papel”. Passam na próxima semana 50 arquivo pelo realizador da trilogia
Pedro Sobral, da Leya, “gostou muito da ideia”, tanto que anos sobre o momento em que o “O Senhor dos Anéis”, que, em
“até estava a elaborar” uma nova estratégia de “aumentar a mundo soube que os Beatles se 2018, apresentou “They Shall Not
presença no digital, que é tinham separado. O assinalar desta Grow Old”, um filme que restaurava,
ainda residual”. O próprio data será sobretudo marcado com coloria e recontextualizava imagens
autor gravou o livro no início a estreia (agendada para setembro) reais captadas nos tempos da I
de fevereiro em apenas três do documentário “The Beatles: Guerra Mundial.
dias. E esperava “lançar tudo Get Back”, de Peter Jackson, cujos Os 50 anos do fim dos Beatles estão
em simultâneo em abril, direitos foram já adquiridos pela ainda assinalados em livro por “One
pouco antes da Feira do Disney. O documentário nasceu com Two Three Four — The Beatles in
Livro, quando... aconteceu”. a descoberta de 55 horas de imagens Time” (Fourth Estate), do jornalista
Perante “o angustiante inéditas filmadas entre 2 e 31 de Craig Brown e por “And in the End:
impasse no papel, restava a janeiro de 1969, quando os Beatles The Last Days of The Beatles”, de
versão e-book”. Havendo, aceitaram trabalhar na criação de Ken McNab. Este segundo teve uma
já uma “versão áudio na um novo disco sob a presença de primeira edição em finais de 2019,
mão”, pensaram “ser uma câmaras de filmar. Essas sessões mas conhecerá novo lançamento
boa opção tornar o livro estavam destinadas a um disco que ainda este ano pela Thomas Dunne
disponível em duas opções teve por título de trabalho “Get Books. Uma versão em audiobook
dentro do prazo pensado, Back”, mas que acabou por ficar está disponível na Amazon. Tendo
ainda que mutilado na versão tradicional”. A quarentena, arquivado por algum tempo. As em conta o que tem vindo a
sublinha o autor, “não impede um acesso simples de um canções, com elementos adicionais, acontecer, é natural que se espere,
clique”. Sobre o livro revela que “é sobre família. Sobre irmãos. veriam a luz do dia em “Let It Be”, ainda para este ano, uma edição
É sobre violência doméstica e doença mental. É um efeito lançado em 1970 já depois de sabido comemorativa do cinquentenário
dominó sobre a dor. A literatura é um jogo do avesso”. que os Beatles se tinham separado. do álbum “Let It Be”. Se seguirmos
Rodrigo Guedes de Carvalho conta que não imagina ainda Parte das imagens surgiram no filme o que tem sido a norma das recentes
“o que trarão os novos tempos, mas a verdade é que o “Let It Be”, que Michael Lindsay- reedições comemorativas, podemos
audiolivro acaba por ser uma opção muito natural” para si. Hogg estreou em 1970. Criado com a levantar a possibilidade de uma
E continua: “Não sei se será assim com todos os autores. E anuência de Paul McCartney, Ringo nova abordagem à mistura do disco
não tanto pela televisão, por esse registo jornalístico. Desde Starr, Yoko Ono e Olivia Harrison, e a eventual revelação de takes
muito novo que gosto de ler poesia e ficção em voz alta. o novo documentário vai alargar os ainda inéditos, já que há mais de
Aliás, esse é para mim o teste das revisões de capítulos. Ler pontos de vista explorados no filme cem horas de sessões em arquivo
alto sozinho, a sentir como soa. Apanha-se muito percalço de 1970, correspondendo a uma relativas a esta fase. Mas nada em
de escrita assim”, revela. segunda incursão por material de concreto foi ainda anunciado.

E 18
FLASHES AUTOBIOGRAFIA

Memórias de Woody Allen ainda


sem editor para versão portuguesa

Muito tem dado que falar “Apropos Dylan à autobiografia de Woody Allen
of Nothing”, um livro de memórias os funcionários da Grand Central,
de Woody Allen que, poucos dias uma chancela do grupo Hachette,
depois de ter desaparecido da lista manifestaram-se contra a edição. A
CINEMA
de lançamentos do grupo Hachette, onda de críticas alastrou, e a Hachette
Nas últimas semanas a Medeia acabou mesmo por ser publicado nos optou por cancelar o lançamento.
tem vindo a apresentar, através
EUA, para já em formato de e-book Entretanto a Arcade, que pertence à
do seu site, o ciclo a que chamou
(que ocupa o número um nas vendas editora Skyhorse, acabou por chamar
Quarentena Cinéfila. Agora o des-
taque recai sobre o cinema francês da Amazon norte- a si a publicação desta
contemporâneo. Dias 7 e 8 estará americana) e numa memória. E justificou
ali disponível “Frantz”, de François edição de capa dura. o lançamento num
Ozon (na foto), seguindo-se, nos O Expresso soube comunicado, assinado
dias 9 e 10, “Tempos de Verão”, de que, para já, nenhuma pela editora Jeanette
Olivier Assayas. Na próxima sema- editora portuguesa Seaver, no qual
na, nos dias 11, 12 e 13 poderemos terá ainda garantido os explicava que, “como
ver o filme musical “As Canções de direitos para tradução e editores”, o seu grupo
Amor”, de Christophe Honoré. edição local do livro. preferiu “dar voz a
O ‘caso’ em torno de um autor e cineasta
“Apropos of Nothing” respeitado” em vez
Em setembro de 1969, numa começou com um de “ceder às pressões
reunião com a banda, organizada protesto lançado pelos politicamente corretas
depois de ter regressado de uma filhos do próprio Woody do mundo moderno”.
viagem ao Canadá (na qual estreou Allen, Ronan e Dylan Começam, entretanto,
ao vivo a Plastic Ono Band), John Farrow, esta última a ser publicadas
Lennon surpreendeu Paul, George tendo acusado o pai de críticas ao livro. O
e Ringo ao afirmar que ia sair dos abusos sexuais na sua infância, algo que “New York Times” notou que por vezes
Beatles. Combinaram na altura o realizador nega. Ronan, por sua vez, é divertido, mas noutras ocasiões
manter segredo sobre essa questão. lançou recentemente o livro “Catch “surdo e banal”. O Yahoo Entertainment
Estavam então a lançar o álbum and Kill”, sobre os abusos sexuais de descreve-o, por seu lado, como
“Abbey Road”, mas poucas semanas CENTENÁRIO Harvey Weinstein, havendo entre “brilhante e desconcertante”. Já o “USA
depois Lennon lançava, uma vez as páginas uma referência a Woody Today” aponta-o como um “exercício
Nascido a 7 de abril de 1920, o
mais com a Plastic Ono Band, o músico indiano Ravi Shankar faria Allen. Perante as críticas de Ronan e superficial de autocomiseração”.
single ‘Cold Turkey’, que chegara a esta semana cem anos. Uma série
propor a McCartney para eventual de concertos comemorativos
gravação pelos Beatles. Ringo Starr marcados para os próximos dias
começou a preparar um álbum a foram cancelados, ficando para já
solo. O mesmo aconteceu com Paul, o assinalar do centenário marcado
PHOTO
George e John. Mas foi com um pela edição do livro “Indian Sun
MATON
press release, emitido a 9 de abril – The Life and Music of Ravi Shan-
de 1970, anunciando que o álbum kar”, de Oliver Craske. Por ocasião
de estreia de Paul McCartney ia ser do Record Store Day, em junho,
lançado, que o mundo ficou a saber está agendada uma reedição em
vinil de “Chants of India”, álbum de
que os Beatles tinham acabado. O
Ravi Shankar produzido por George
texto, apesar de focado no disco de
Harrison e originalmente lançado
McCartney, revelava que Paul se em 1997.
separava dos Beatles, que não tinha
planos de novos discos com o grupo
nem imaginava a possibilidade DIGITAL
de voltar a compor com Lennon, O serviço online Digital Concert
embora deixasse no ar que não Hall, que a Orquestra Filarmónica
sabia se estes cenários seriam de Berlim usa habitualmente para
temporários ou permanentes. E assegurar a transmissão, em direto,
tudo isto numa altura em que dos concertos que decorrem na sua
se preparava já a edição de “Let sede (a Philharmonie) tem agora
acesso gratuito. Mediante uma
It Be”, disco dos Beatles que,
inscrição podemos encontrar ali
entretanto, havia sido concluído em O quadro “O Jardim do Presbitério de Neunen na Primavera”, óleo sobre pa-
um vasto arquivo de gravações (em
novas sessões, com o trabalho de vídeo) de concertos dirigidos por pel de Van Gogh datado de 1884, foi roubado do Museu Singer Laren (Ho-
produção entregue a Phil Spector. maestros como Simon Rattle ou landa). Os assaltantes entraram no museu durante a noite e não há notícia
O press release de Paul McCartney Kirill Petrenko, não faltando ainda de que tenham levado mais nada. O quadro, roubado no dia que assinalava o
gerou cabeçalhos nos jornais de a presença de maestros e solistas 167º aniversário sobre o nascimento de Van Gogh, estava exposto em Laren,
todo o mundo no dia seguinte: os convidados, de John Adams ou mas na verdade pertence às coleções do Museu de Groningen, que o cedera,
Beatles estavam separados! Maurizio Pollini a Barbara Hannigan. por empréstimo, por algum tempo.

E 19
fisga
PASSEIO PÚBLICO Qual foi o seu percurso até chegar à Universidade de
Oxford?
25 MINUTOS COM Não sou matemático, nem biólogo. Estudei Engenharia
de Software no Instituto Superior Técnico e tive de

JOSÉ LOURENÇO
trabalhar enquanto estudava. Depois de vários anos
numa loja num centro comercial, entrei como assistente
técnico de computadores para o Instituto Gulbenkian
de Ciência (IGC) e foi então que tive o primeiro

“NÃO ESTAMOS
contacto com ciência, em particular com epidemiologia
teórica. Três anos depois concorri a uma bolsa para
doutoramento no IGC, que me deu a oportunidade de

HABITUADOS
sair do país. Acabei em Oxford, porque era onde fazia
mais sentido explorar o meu projeto sobre os vírus da
dengue. Ainda passei pelo Imperial College London,
onde fui orientado pelo Neil Ferguson, o responsável

A FAZER CIÊNCIA pelo modelo matemático sobre a covid que agora


informa o Governo do Reino Unido.

POR NECESSIDADE”
O que faz um epidemiologista computacional?
Um epidemiologista computacional, também chamado
epidemiologista teórico ou ecologista de doenças, usa a
matemática e a computação para estudar a transmissão,
evolução e controlo dos fatores que causam doença. No
meu caso, sou epidemiologista de doenças infecciosas
O EPIDEMIOLOGISTA No estudo agora publicado pela Universidade de — as que se comunicam. Enquanto o médico analisa
Oxford, do qual é coautor, levantam a hipótese de a doença no indivíduo, nós analisamos a doença na
COMPUTACIONAL É UM DOS AUTORES o número de infetados por covid ser muito superior população. Somos aqueles indivíduos em filmes de
DO ESTUDO DA UNIVERSIDADE DE ao que conhecemos e, por consequência, a taxa de epidemias que mostram o ecrã de um computador com
OXFORD QUE TRAÇOU UM CENÁRIO letalidade ser mais baixa. Como traçaram esse cenário? um mapa que fica vermelho numa velocidade alucinante.
Ao contrário do que foi dito, o estudo não conclui Usamos dados sobre os sistemas biológicos reais para
ALTERNATIVO AO IMPACTO que 50% da população do Reino Unido já terá os simular em computadores — muito como um jogo
MUNDIAL DO NOVO CORONAVÍRUS sido infetada, porque não estamos a projetar de vídeo, mas um que segue regras bem definidas
o progresso da epidemia. Tentámos criar uma sobre aquilo que conhecemos do mundo real. Com
discussão sobre como é possível que o cenário seja computadores, temos o poder de fazer experiências
o inverso do que tem sido debatido. Sem saber a que nunca seriam possíveis no mundo real. Como, por
ENTREVISTA RAQUEL ALBUQUERQUE imunidade da população (porque não sabemos exemplo, testar se uma intervenção é melhor que outra,
quantas pessoas já foram expostas ao vírus) nem ou quem vacinar. Simular no computador não custa
Para um epidemiologista e especialista em doenças o tamanho do grupo de risco, tanto podemos dinheiro, nem tem fatores éticos a considerar.
infecciosas, este é um momento único? assumir que a epidemia é gigantesca e o risco
É, com certeza. Trata-se de uma situação prevista baixíssimo ou que a epidemia é pequena mas o Quais têm sido as suas áreas de investigação?
e estudada em teoria pela comunidade científica risco é gigante. Ninguém consegue com certeza O meu doutoramento foi sobre os vírus da dengue. O
um número quase infinito de vezes, mas cuja dizer qual é o cenário atual e qualquer um dos dois que aprendi nesse projeto moldou o que tenho feito
realidade é sempre mais complicada do que o poderia resultar na mesma curva epidémica de
previsto. Mas não diria que é um momento único mortos a que estamos a assistir. O nosso objetivo
em termos de produção científica. A comunidade era transmitir a ideia de que temos de tentar, o mais
está numa correria para perceber os fatores que rapidamente possível, medir uma das duas variáveis.
nos levaram a esta situação, os que a mantêm e Estimar o tamanho do grupo de risco só é possível
os que possivelmente nos podem ajudam a sair depois de a epidemia passar, portanto a única
dela. Mas o que é produzido segue as regras de coisa que podemos medir agora é a imunidade.
sempre: a ciência evolui sobre um processo de Precisamos de saber em que cenário estamos,
análise, proposta, aceitação ou rejeição, regresso porque se o cenário for o inverso do que até agora
ao primeiro passo e repetir. O verdadeiro desafio tem sido apontado, então uma grande parte da
vejo-o mais do lado humano do que do profissional. população poderá já estar imune e não sabemos.

O que quer dizer com esse lado humano? Que desfecho estima para esta epidemia?
Quero dizer que, como investigadores, não estamos Os especialistas podem discordar em alguns
habituados a fazer ciência por necessidade. detalhes e nas formas como lidamos com a
Não recebemos formação que nos prepare para epidemia no dia a dia. Mas há consenso sobre o
uma alteração drástica da responsabilidade e seu desfecho. Estaremos livres desta epidemia
importância da nossa ciência de um dia para o quando uma determinada proporção da população
outro. Geralmente, temos meses, senão mesmo de cada país ficar imune e o vírus deixar de
anos, para estudar, analisar tópicos em detalhe e só conseguir propagar-se por falta de indivíduos
tornar públicos os resultados quando é alcançado ainda disponíveis para infeção. Podemos, de futuro,
um certo nível de certeza e confiança. Em chegar a esse nível de imunidade de grupo por
períodos como este, estamos sobre pressão para exposição natural (ou seja, infeção) ou artificial (a
produzir de imediato sobre questões de elevada vacinação), mas é altamente improvável que o vírus
responsabilidade. seja eliminado de outra forma.

E 20
PASSEIO PÚBLICO

“ESPERO QUE OS PORTUGUESES


SE TORNEM MAIS ATIVOS PERANTE
O DIREITO E A DEFESA DO
SISTEMA NACIONAL DE SAÚDE”

até então, ou seja, maioritariamente modelação em


vírus transmitidos por mosquitos, como dengue,
zika, febre amarela, chikungunya ou o vírus do Nilo
Ocidental. Mais recentemente, tenho trabalhado
com o pneumococcus, a bactéria que é líder como
causa de pneumonia no mundo.

Que contributos já teve na investigação desses vírus?


Muito do que fazemos nesta área é ciência
básica, com o objetivo de informar sobre novas
hipóteses e ideias que deverão ser testadas por
outros. Não é necessariamente ciência que afeta
políticas de saúde pública. Diria que o meu maior
contributo terá sido a participação no estudo da
Organização Mundial de Saúde (OMS), que juntou
especialistas de modelação da dengue na altura
do licenciamento da primeira vacina contra o vírus.
Um dos oito únicos modelos do dengue envolvidos
foi o meu. Concluímos que a vacina não deveria
ser usada em zonas de baixa transmissão, pois
poderia levar ao aumento de infeções sintomáticas
pelo vírus no futuro e as nossas conclusões foram
aceites e publicadas pela OMS.

Acha que a pandemia atual irá mudar a forma como


as sociedades se organizam e comportam?
A forma como interagimos com o mundo natural
tem de ser regulada, planeada e gerida de forma
sustentável. Só nos últimos dez anos tivemos três
grandes epidemias: H1N1, zika e SARS-CoV-2. Duas
outras, SARS e MERS [outros coronavírus], tentaram
emergir, mas falharam. Tal como no contexto das
alterações do clima, a sociedade tem um papel
fundamental em pressionar a classe política para que
as lições aprendidas sejam escritas e implementadas
em lei. As alterações deverão ser ao nível da
infraestrutura, regulação e planos de contingência
e ação. Toda a teoria de epidemiologia de doenças
infecciosas dos últimos 100 anos sugere que este
tipo de eventos epidémicos deverá aumentar em
frequência se a nossa atitude com o mundo natural
não mudar de rumo. A questão não é se se repetirá,
mas quando e qual será o impacto. Na sociedade
portuguesa, espero que as pessoas se tornem
mais ativas perante o direito e a defesa do Sistema
Nacional de Saúde, sem o qual as consequências
desta epidemia seriam de proporções catastróficas.

E quando acha que será possível voltar à vida normal?


Seja pela possível persistência desta epidemia ou
pelos danos económicos causados e as medidas
JOHN CAIRNS

de controlo necessárias para proteger os indivíduos


em risco, temo que só estejamos verdadeiramente
livres deste evento nos próximos anos. b

E 21
C A RTA S A B E RTA S

PARA O INFINITO E MAIS ALÉM!


SEMPRE NA VANGUARDA E SEM QUE

O
NINGUÉM ME APANHE, CÁ VOU EU
A COMUNICAÇÃO SOCIAL ORGULHA-SE DE FAZER TUDO EM TELETRABALHO.
EU DECIDI IR MAIS ALÉM E FAZER REPORTAGENS SEM SEQUER SAIR DA CAMA

lençol de baixo não está a doença surgiu em dezembro na China, segundo um balanço
completamente esticado. Isto às 8h a partir de dados oficiais. De acordo com as agências
acontece, penso eu, porque de notícias, já foram diagnosticados pelo menos xxx casos de
me mexo demais durante a infeção pelo novo coronavírus, que provoca a doença covid-19,
noite. Ou talvez ele tivesse e a pandemia espalhou-se por xxx países ou territórios.”
sido mal colocado, coisa que Não há dúvida de que se trata de um bom começo, porque basta
terei de discutir com o meu preencher os números e está sempre correto. Irrita-me um
mordomo Timóteo. Não sei se bocadinho chamar ao vírus “novo coronavírus”, porque me
já vos falei do Timóteo, mas chateia que se pense que ele é novo.
é um serviçal impecável. É o Ao contrário, eu penso nele como um vírus já com barbas e
senhor cá de casa, como diria certa respeitabilidade. Aliás, penso que é um vírus aburguesado,
uma famosa da TV. Um senhor porque tem entrado em muita gente conhecida, alguma
já de certa idade, que se recusa, para me proteger — diz ele —, da socialite, jogadores de futebol e até príncipes. Pessoas
contactar comigo. Assim, quando me traz o jornal da manhã mais baixas como o... vocês sabem quem... não devem estar
(devidamente protegido por um plástico, que por sua vez está particularmente preocupadas, porque o vírus deve gostar de
protegido por um saco de látex previamente desinfetado), espaço, de homens grandes como o Boris Johnson ou do tipo.
ou quando lhe peço o Château Lafite de 1959, de umas caixas De qualquer modo, depois mando o Tibaldo telefonar a uma
que o avô Rothschild me deixou como pagamento de um enfermeira, que lhe diz sempre que aquilo, lá, é uma desgraça.
favor que lhe fiz (não me lembro qual), também me deixa a Depois, eu próprio telefono à ministra, que me conta o que está
garrafa previamente desinfetada do lado de fora do quarto. Tais a ser feito, e ao primeiro-ministro, que me promete que vai tudo
cuidados obrigaram-me a contratar um segundo mordomo bem. E com isto o Tibaldo datilografa a primeira reportagem. Da
(ou menordomo) para mos trazer à cama, de onde, desde o lista de empresas, escolho uma ao calhas, e o Tibaldo telefona ao
confinamento, comando a minha vida. Além de transportador empresário, que está à beira de falir e não percebe nada das leis,
para os sete metros que distanciam a minha cama da porta, após o que telefono a Pedro Siza Vieira (cuidado com o vírus
Tibaldo também datilografa num computador (desinfetado) as deve ele ter, que é alto e espadaúdo), explicando-me o ministro
minhas reportagens feitas a partir do leito, do telefone e do que como se devem interpretar as leis. Também Costa me diz que
vejo na televisão panorâmica Ultra 4K, curva e tridimensional, está tudo bem e para não me preocupar. Por último, telefono
pendurada na parede à minha frente. ao meu amigo Marcelo, que me faz uma boa síntese. E com isto
Terminado o pequeno-almoço — que Zoraida me faz com o Tibaldo faz a segunda reportagem do dia. Às 3h da tarde faço
esmero, Timóteo deixa prudentemente à porta e Tibaldo me uma sesta e depois das 5h estou pronto para ver a Netflix.
traz à cama (devidamente enluvado e mascarado) —, começam Conhecia a reportagem, a recortagem, a reteletagem. Penso ter
as minhas reportagens. Vejo a BBC, a CNN, a Fox News, a TVE, o mérito de ter inventado a recamatagem. É bom! b
a RAI, a RTBF, a LCI, a UDP e mais uns canais assim, antes de
mudar para a CMTV, a TVI24 e, por fim, a SIC Notícias. No geral,
dizem coisas sobre um vírus que paira por aí. Nada de muito
novo. É por isso que acabo a ler jornais no iPad (desinfetado). “El
País”, “Le Monde”, “La Vanguardia”, “Figaro”, “Libération”,
“The Telegraph”, “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, “La
Repubblica”, “The New York Times”, “The Washington Post”,
“Público”, “Correio da Manhã”, “Jornal de Negócios”, “A Bola”,
“Diário de Notícias”, “Jornal de Notícias” e “Luta Popular”.
Só então me considero devidamente esclarecido. E, no geral,
de cansado, adormeço uns instantes, ficando Tibaldo com a / COMENDADOR
incumbência de me acordar uma hora depois.
Retemperado e refrescado com a informação nova, vou ao site
MARQUES
da OMS saber quantos morreram. Verifico os números com DE CORREIA
cuidado, mando fazer as curvas lineares e logarítmicas da
evolução e digo a Tibaldo para escrever.
Ele já conhece as primeiras linhas: “A pandemia de covid-19
matou pelo menos xxx pessoas no mundo inteiro desde que

E 22
O EXPRESSO OFERECE-LHE MUITAS ATIVIDADES
PARA FAZER EM FAMÍLIA

PRÓXIMA
SEXTA-FEIRA
GRÁTIS
2º SUPLEMENTO
DESTACÁVEL
NA REVISTA
DO EXPRESSO

A partir de 4 de abril, oferecemos a toda a família


O Expressinho. Este suplemento destacável especial
dentro da revista do Expresso, traz-lhe muitas atividades
e passatempos para fazer com os mais novos.
TEXTO
YUVAL NOAH HARARI
PUBLICADO ORIGINALMENTE
NO “FINANCIAL TIMES”

A tempestade vai passar.


Mas as escolhas que
fizermos agora podem mudar
as nossas vidas no futuro

O MUNDO DEPOIS
E 24
RIBEIRA, PORTO

DO CORONAVÍRUS
E 25
A
poderosos algoritmos, em vez de espiões de carne É crucial recordar que a raiva, a alegria, o aborre-
e osso. cimento e amor são fenómenos biológicos, tal como
Na luta contra a epidemia do coronavírus, vários a febre e uma tosse. A mesma tecnologia que identifi-
Governos já aplicam as novas ferramentas de vigilân- ca tosses também pode identificar risos. Se as corpo-
cia. O caso mais notável é a China. Ao monitorizar de rações e os Governos começarem a colher os nossos
perto os smartphones dos cidadãos, ao utilizar centenas dados biométricos em massa ficarão a conhecer-nos
de milhões de câmaras com reconhecimento facial e melhor do que nós nos conhecemos, e poderão não
ao obrigar as pessoas a medir e a reportar a sua tem- só prever os nossos sentimentos como manipulá-los e
peratura e condição médica, as autoridades chinesas venderem-nos o que quiserem — seja um produto ou
não só podem identificar rapidamente suspeitos por- um político. A monitorização biométrica faria as táti-
tadores do coronavírus, mas também seguir os seus cas de pirataria de dados usadas pela Cambridge Ana-
movimentos e identificar com quem elas estiveram lytica parecerem algo da Idade da Pedra. Imaginem a
em contacto. Uma série de aplicações avisam os cida- Coreia do Norte em 2030, quando cada cidadão tem
dãos sobre a sua proximidade com doentes infetados. de usar uma bracelete biométrica 24 horas por dia. Se
Este género de tecnologia não se limita à Ásia ori- ouvirem um discurso do Grande Líder e a bracelete
ental. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu au- captar os sinais indicativos de raiva, estão tramados.
torizou recentemente a agência de segurança israelita Poder-se-á defender a vigilância biométrica como
a usar tecnologia de vigilância normalmente reser- uma medida temporária durante um estado de emer-
vada ao combate ao terrorismo para seguir doentes gência. Assim que a emergência passar, ela vai em-
com coronavírus. Quando o subcomité parlamentar bora. Mas medidas temporárias têm o mau hábito de
Humanidade está neste momento a enfrentar uma relevante recusou autorizar a medida, Netanyahu im- se estenderem para lá das emergências, até porque há
crise global. Talvez a maior crise da nossa geração. pô-la com um “decreto de emergência”. Poder-se-á sempre uma nova emergência à espreita no horizon-
As decisões que as pessoas e os Governos tomarem alegar que não há aqui nada de novo. Em anos re- te. A minha terra natal, Israel, declarou um estado de
nas próximas semanas vão provavelmente moldar o centes, tanto Governos como corporações têm vindo emergência durante a Guerra da Independência em
mundo durante anos. Moldarão não só os nossos sis- a usar tecnologias cada vez mais sofisticadas para se- 1948, o qual justificou uma série de medidas tempo-
temas de saúde mas também a economia, a política e guir, monitorizar e manipular pessoas. Porém, se não rárias, desde censura à imprensa e confiscação de ter-
a cultura. Devemos agir rápida e decisivamente. De- tivermos cuidado, a epidemia representará um marco ras até regulamentações especiais para fazer pudim
vemos também levar em conta as consequências das importante na história da vigilância. Não só porque (não estou a brincar). A Guerra da Independência foi
nossas ações a longo prazo. Quando escolhemos entre poderá normalizar o uso de ferramentas de vigilân- ganha há muito tempo, mas Israel nunca declarou o
alternativas, devemos perguntar-nos não só como ul- cia de massas em países que até agora as rejeitaram, fim do estado de emergência, e não aboliu muitas das
trapassar a ameaça imediata, mas que tipo de mun- mas ainda mais porque significa uma transição dra- medidas “temporárias” de 1948 (o decreto de emer-
do habitaremos quando a tempestade passar. Sim, a mática da vigilância “sobre a pele” para a vigilância gência sobre o pudim foi por fim abolido em 2011,
tempestade vai passar, a humanidade sobreviverá, a “debaixo da pele”. felizmente).
maioria de nós ainda estaremos vivos — mas habita- Até agora, quando o nosso dedo tocava o ecrã do Mesmo quando as infeções pelo coronavírus des-
remos um mundo diferente. smartphone e clicava num link, o Governo queria sa- cerem a zero, alguns Governos ávidos de dados po-
Muitas medidas de emergência a curto prazo tor- ber em que é que exatamente o nosso dedo estava a derão alegar que precisam de manter os sistemas de
nar-se-ão um aspeto da vida. Essa é a natureza das clicar. Com o coronavírus, o foco de interesse muda. vigilância biométrica a funcionar por temerem uma
emergências. Aceleram processos históricos. Deci- Agora o Governo quer saber a temperatura do nosso segunda onda de coronavírus, ou porque há uma nova
sões que em épocas normais poderiam levar anos de dedo e a pressão arterial por baixo da pele. estirpe de ébola em desenvolvimento na África cen-
deliberação são aprovadas em algumas horas. Tec- tral, ou porque... já perceberam a ideia. Em anos re-
nologias imaturas e até perigosas são postas a uso, NÓS E A TECNOLOGIA centes, tem-se vindo a travar uma grande batalha so-
pois os riscos de não fazer nada são maiores. Países Um dos problemas com que lidamos ao tentarmos bre a nossa privacidade. A crise do coronavírus podia
inteiros servem de cobaias em experiências sociais perceber onde nos encontramos em matéria de vigi- ser o ponto decisivo da batalha. Pois quando é dada às
de larga escala. O que acontece quando toda a gente lância é que nenhum de nós sabe exatamente como pessoas uma escolha entre privacidade e saúde, nor-
trabalha a partir de casa e comunica só à distância? O estamos a ser vigiados, e o que os próximos anos irão malmente elas escolhem a saúde.
que acontece quando escolas e universidades inteiras trazer. A tecnologia de vigilância desenvolve-se a
transitam para o online? Em épocas normais, os Go- grande velocidade, e o que há dez anos parecia fic- A FALSA ESCOLHA
vernos, as empresas e os conselhos de educação ja- ção científica são hoje notícias velhas. Como exercício Pedir às pessoas que escolham entre privacidade e
mais aceitariam levar a cabo essas experiências. Mas intelectual, considerem um hipotético governo que saúde é, na verdade, a própria raiz do problema. Por-
esta não é uma época normal. obriga todos os cidadãos a usar uma pulseira biomé- que é uma escolha falsa. Podemos e devemos desfru-
Neste tempo de crise, enfrentamos duas escolhas trica que monitoriza a temperatura corporal e o ritmo tar tanto privacidade como saúde. Podemos escolher
particularmente importantes. A primeira é entre vi- cardíaco 24 horas por dia. Os dados resultantes são proteger a nossa saúde e parar a epidemia do corona-
gilância totalitária e empoderamento dos cidadãos. acumulados e analisados por algoritmos do governo. vírus não instituindo regimes de vigilância totalitá-
A segunda é entre isolamento nacionalista e solida- Os algoritmos saberão que você está doente mesmo rios, mas dando poder aos cidadãos. Em semanas re-
riedade global. antes de você o saber, e também saberão onde este- centes, alguns dos esforços mais bem sucedidos para
ve e com quem se encontrou. As cadeias de infeção conter a epidemia foram orquestrados pela Coreia do
VIGILÂNCIA PERMANENTE poderiam ser drasticamente encurtadas, ou mesmo Sul, por Taiwan e por Singapura. Embora estes países
Para deter a epidemia, populações inteiras necessi- cortadas de todo. Um tal sistema talvez pudesse deter tenham feito algum uso de aplicações que seguem as
tam de cumprir certas orientações. Há duas formas a epidemia nalguns dias. Parece maravilhoso, não? O pessoas, dependeram mais de testes extensivos, de
de conseguir isso. Um método é o Governo moni- problema, claro, é que isso daria legitimidade a um comunicação honesta e da cooperação voluntária de
torizar as pessoas e punir quem desobedecer às re- novo e aterrador sistema de vigilância. Se você souber um público bem informado. Monitorização centrali-
gras. Hoje, pela primeira vez na história humana, a por exemplo, que eu cliquei num link da Fox News em zada e castigos duros não são a única forma de fazer as
tecnologia torna possível monitorizar toda a gente a vez de um da CNN, isso pode-lhe dizer qualquer coisa pessoas cumprirem instruções benéficas. Quando se
tempo inteiro. Há 50 anos, o KGB não podia seguir sobre os meus pontos de vista políticos, e talvez até apresentam os factos científicos às pessoas, e quando
240 milhões de cidadãos soviéticos 24 horas por dia, sobre a minha personalidade. Mas se você puder mo- elas confiam nas autoridades para lhes apresentarem
nem esperava poder processar efetivamente toda a nitorizar o que acontece à minha temperatura corpo- esses factos, os cidadãos podem fazer o que é corre-
informação reunida. O KGB dependia de agentes e ral, à minha pressão arterial e ao meu ritmo cardíaco to, mesmo sem um Big Brother a vigiar por trás de-
analistas humanos, e simplesmente não era possível enquanto vejo o clip, pode ficar a saber o que me faz les. Uma população automotivada e bem informada
pôr um agente humano a seguir cada cidadão. Mas rir, o que me faz chorar e o que me deixa realmente, é normalmente muito mais poderosa e eficaz do que
agora os Governos podem usar sensores ubíquos e realmente, zangado. uma população policiada e ignorante.

E 26
RUA DOS CLÉRIGOS, PORTO

Este artigo de Yuval Noah Harari foi publicado originalmente no jornal “Financial Times”. A ilustrá-lo estavam uma série de fotografias retiradas
de câmaras de videovigilância espalhadas por várias cidades italianas — e tratadas pelo fotografo italiano Graziano Panfili. Os fotojornalistas
do Expresso RUI DUARTE SILVA e NUNO BOTELHO têm caminhado e registado as paisagens vazias do Porto e de Lisboa. Estes são os retratos
de uma pandemia, o sinal de que existe um mundo lá fora à nossa espera. Como vai ser esse mundo depende das escolhas que fizermos

JARDIM DA CORDOARIA, PORTO ROSSIO, LISBOA

MIRADOURO DE SANTA CATARINA, LISBOA

LARGO DE CAMÕES, LISBOA

E 27
RUA DE SANTA CATARINA, PORTO

E 28
E 29
PRAÇA DOM JOÃO I, PORTO

Harari lamenta que os líderes globais, concentrados em resolver os seus problemas internos, não estejam à altura do momento,
que exige uma solução global. “Uma paralisia coletiva atacou a comunidade internacional. Parece não haver adultos na sala”

CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA, PORTO CAIS DO SODRÉ, LISBOA

LARGO DO CORPO SANTO, LISBOA BELÉM, LISBOA

E 30
Neste tempo de
Considerem, por exemplo, o ato de lavar as mãos mudar mais tarde, a ajuda poderia começar a fluir na
com sabão. Foi um dos maiores avanços de sempre direção oposta.

crise, enfrentamos
na higiene humana. Esta simples ação salva milhões Cooperação global é uma necessidade vital na
de vidas humanas todos os anos. Embora a tomemos frente económica, também. Dada a natureza global da

duas escolhas
por garantida, só no século XIX é que os cientistas economia e das cadeias de fornecimento, se cada Go-
descobriram a importância de lavar as mãos com sa- verno agir por si mesmo e ignorar completamente os

importantes.
bão. Antes, mesmo médicos e enfermeiros passavam outros, o resultado será caos e o aprofundamento da
de uma operação cirúrgica à seguinte sem lavarem as crise. Precisamos de um plano global de ação, e pre-
suas mãos. Hoje milhões de pessoas lavam as mãos di- cisamos dele depressa.
ariamente, e não por terem medo da polícia do sabão,
mas porque conhecem os factos. Eu lavo as minhas
A primeira é Outro requisito é estabelecer um acordo global so-
bre viagens. Suspender todas as viagens internacionais
mãos com sabão porque ouvi falar de vírus e bactérias.
Compreendo que esses organismos minúsculos pro-
entre vigilância durante meses causará dificuldades tremendas, e pre-
judicará a luta contra o coronavírus. Os países preci-
vocam doenças, e sei que o sabão pode removê-los.
Mas para atingir esse nível de cumprimento e
totalitária e sam de cooperar a fim de permitir que pelo menos um
mínimo de viajantes essenciais continuem a atravessar
cooperação, requer-se confiança. As pessoas têm de
confiar na ciência, nas autoridades públicas e nos me-
empoderamento fronteiras: cientistas, médicos, jornalistas, políticos,
homens de negócios. Isto pode ser feito estabelecendo
dia. Políticos irresponsáveis têm minado deliberada-
mente a confiança nos três ao longo dos últimos anos.
dos cidadãos. um acordo global sobre uma triagem prévia dos viajan-
tes, feita pelos respetivos países. Se soubermos que só
Agora os mesmos políticos irresponsáveis podem ser
tentados a cair no autoritarismo, alegando que não
A segunda é entre entram num avião viajantes cuidadosamente triados,
estaremos mais dispostos a aceitá-los no nosso país.
se pode confiar no público para fazer o que é correto.
Em condições normais, a confiança que se foi
isolamento Infelizmente, os países atualmente quase não fa-
zem nenhumas destas coisas. Uma paralisia coletiva
desgastando ao longo de anos não pode ser recons-
truída da noite para o dia. Mas estes não são tempos
nacionalista atacou a comunidade internacional. Parece não haver
adultos na sala. Seria de esperar ter visto, já há sema-
normais. Num momento de crise, as mentes também
podem mudar rapidamente. Podemos ter discussões
e solidariedade nas, um encontro de emergência de líderes globais
para criar um plano comum de ação. Os líderes do G7
amargas com os nossos irmãos durante anos, mas
quando acontece alguma emergência descobrimos
global conseguiram organizar uma videoconferência só há
duas semanas, e não resultou num tal plano.
subitamente um reservatório oculto de confiança e Em crises globais anteriores — tal como a crise fi-
amizade, e corremos a ajudar-nos uns aos outros. nanceira de 2008 e a epidemia de ébola em 2014 — os
Em lugar de construirmos um regime de vigilância, resolvidos eficazmente mediante cooperação global. EUA assumiram o papel de líder global. Mas a atual
não é demasiado tarde para reconstruir a confian- Antes de mais, para derrotar o coronavírus precisa- Administração americana abdicou do papel de líder.
ça das pessoas na ciência, nas autoridades públicas mos de partilhar informação globalmente. Um coro- Deixou bastante claro que se importa muito mais com
e nos media. Também devemos, sem dúvida, fazer navírus na China e um coronavírus nos Estados Uni- a grandeza da América do que com o futuro da Hu-
uso das novas tecnologias, mas elas devem atribuir dos não podem trocar dicas sobre como infetar hu- manidade. Esta Administração abandonou mesmo os
poder aos cidadãos. Sou inteiramente a favor de mo- manos. Mas a China pode ensinar aos Estados Unidos seus aliados mais próximos. Quando proibiu todos os
nitorizar a minha temperatura corporal e meu ritmo muitas lições valiosas sobre o coronavírus e como li- viajantes oriundos da União Europeia, nem sequer se
cardíaco, mas esses dados não devem ser usados para dar com ele. Aquilo que um médico italiano descobre incomodou em informar previamente a UE — muito
criar um governo todo-poderoso. Devem, sim, pôr- em Milão ao início da manhã pode bem salvar vidas menos a consultou sobre essa medida drástica. Escan-
-me em condições de fazer escolhas pessoais mais em Teerão à noite. Quando o Governo britânico hesi- dalizou a Alemanha ao oferecer mil milhões de dóla-
informadas, e também de responsabilizar o governo ta entre diferentes políticas, pode receber aconselha- res a uma empresa farmacêutica alemã para comprar
pelas decisões que toma. Se eu pudesse seguir a mi- mento dos coreanos que já enfrentaram um dilema direitos de monopólio sobre uma nova vacina para a
nha condição médica 24 horas por dia, ficaria a sa- similar há um mês. Mas para isto acontecer, precisa- covid-19. Mesmo que a atual Administração venha a
ber não só se me tornei um risco de saúde para outras mos de um espírito de cooperação e confiança global. mudar de direção e apresente um plano global de ação,
pessoas, mas também que hábitos contribuem para Os países devem partilhar informação aberta- poucos seguirão um líder que nunca assume respon-
ser mais saudável. E se puder aceder a estatísticas mente e procurar aconselhar-se com humildade, e sabilidade, nunca admite erros, e costuma reclamar
fiáveis sobre a difusão do coronavírus e analisá-las, devem poder confiar nos dados e nos conhecimen- para si todo o crédito enquanto deixa toda a culpa
poderei avaliar se o Governo me está a dizer a verda- tos que recebem. Também precisamos de um esforço para os outros.
de e a adotar as políticas adequadas para combater a global para produzir e distribuir equipamento médi- Se o vazio deixado pelos EUA não for preenchido
epidemia. Quando as pessoas falarem sobre vigilân- co, em especial kits de testes e ventiladores. Em vez por outros países, não só será muito mais difícil pa-
cia, recordem que a mesma tecnologia de vigilância de cada país tentar fazer isso localmente e acumu- rar a atual epidemia, mas o seu legado continuará a
pode normalmente ser usada não só por Governos lar todo o equipamento que puder, um grande es- envenenar as relações internacionais durante anos.
para monitorizar indivíduos, mas também por indi- forço global coordenado poderia aumentar muito a Porém, cada crise também é uma oportunidade. De-
víduos para monitorizar Governos. produção e garantir uma distribuição mais justa de vemos ter esperança de que a atual epidemia ajude a
A epidemia do coronavírus é, deste modo, um equipamentos que salvam vidas. Assim como países Humanidade a compreender o risco agudo que a de-
grande teste de cidadania. Nos dias que se avizinham, nacionalizam indústrias chave durante uma guerra, sunião global coloca.
cada um de nós deve escolher confiar nos dados ci- a guerra humana contra o coronavírus poderá exigir A Humanidade tem de fazer uma escolha.
entíficos e nos especialistas de saúde, não em teorias que “humanizemos” as linhas de produção cruciais. Vamos seguir a via da desunião ou adotar o cami-
da conspiração sem fundamento ou em políticos que Um país rico com poucos casos de coronavírus deve nho da solidariedade global? Se escolhermos a de-
falam por interesse próprio. Se não fizermos a escolha estar disposto a enviar equipamentos preciosos para sunião, isso não só prolongará a crise como resultará
certa, podemos dar connosco a renunciar às nossas um país mais pobre com muitos casos, confiando que, provavelmente em catástrofes ainda piores no futuro.
liberdades mais preciosas, julgando que isso é a única se e quando ele próprio precisar de ajuda mais tarde, Se escolhermos a solidariedade global, será uma vi-
forma de salvaguardar a nossa saúde. outros países o ajudarão a ele. tória não só contra o coronavírus mas contra todas as
Um esforço global semelhante para partilhar futuras epidemias e crises que possam assolar a Hu-
SÓS OU NÓS? pessoal de saúde deve ser considerado. Países atual- manidade no século XXI. b
A segunda escolha importante que enfrentamos é mente menos infetados podiam enviar equipas mé-
entre isolamento nacionalista e solidariedade global. dicas para as regiões mais atingidas do mundo, tanto e@expresso.impresa.pt
Tanto a epidemia em si mesma como a crise econó- para os ajudar numa hora de necessidade como para
mica resultante são problemas globais. Só podem ser adquirir experiência valiosa. Se o foco da epidemia Tradução de Luís M. Faria

E 31
E 32
A ocasião
faz o líder
De Péricles e Júlio César a Lincoln, Roosevelt
e Churchill, passando pelos nossos D. Afonso
Henriques e Mário Soares, apostas de alto risco
em circunstâncias quase extremas determinaram
as carreiras e a imortalidade daqueles que hoje
são recordados como dirigentes ímpares

TEXTO
HENRIQUE MONTEIRO

E 33
P oderíamos falar de muitos, mas comecemos pelo
presente. Haverá destes líderes? Não sabemos. O
Papa Francisco, o primeiro das Américas e não
europeu desde há mais de 1000 anos, inaugurou
um estilo muito diferente de exercer a cátedra de
S. Pedro; Bento XVI foi o primeiro Papa a renunci-
ar ao cargo nos últimos séculos. O que dirá deles a
História? Merkel, por exemplo, que foi muito mal
vista, teve na crise dos refugiados (que, infeliz-
mente, silenciosamente continua) o seu momento
de ouro. Boris Johnson parece um pateta despen-
teado, mas ao retirar o Reino Unido da União Eu-
ropeia será visto com que olhar? Greta Thunberg
poderia demonstrar que a obsessão por uma causa
tem efeitos, mas o seu combate está interrompido
e indefinido.
E por cá? Marcelo, depois de uma entrada me-
nos boa na crise da covid-19, quase impôs o estado
de emergência. Revelar-se-á um momento decisi-
vo? Também Rui Rio virou as costas ao seu próprio
grupo parlamentar em nome de um princípio, e au-
mentou o respeito que publicamente se tem por ele;
ou António Costa cujas intervenções têm sido, no
geral, bastante melhores do que no passado (ainda
que persista em adaptações à realidade, próprias
da política, arte que transformou a mentira em in-
verdades). O seu murro na mesa, chamando “re-
pugnantes” as palavras do ministro das Finanças
holandês pode ser um ponto de viragem? Ninguém
o pode dizer: sobre a atualidade temos de deixar o
tempo passar para que consigamos avaliar de que
modo estes momentos marcam os dias que vêm.
corrupção, por sinal na sequência de uma peste.
Sustenta-se que, caso não fosse um dos melho-
res oradores de sempre, teria, provavelmente, sido
condenado; mas a sua defesa vibrante ilibou-o. Foi
esse o momento. Eleito de novo senhor da cidade
pela assembleia (Eclésia) dos atenienses, participou
ainda nas primeiras batalhas da Guerra do Pelopo-
neso, que Atenas viria a perder contra Esparta, já
depois da sua morte. Péricles foi considerado ‘es-
tratego’, o maior posto e distinção que um homem
poderia ter na guerra. Porém, segundo o historia-
dor Tucídides, o seu maior feito terá sido a defesa da
democracia como sistema, ou “a administração de
muitos e não de poucos, onde todos os cidadãos são
iguais perante a lei e não interessa a riqueza, mas
o mérito, para se ascender a cargos importantes”.
Isto há 2500 anos. Podia ter sido ontem.

Júlio César
Se alguém teve a noção do momento foi ele. No dia
10 de janeiro de 49 a.C. ao atravessar o Rubicão, um
pequeno rio que separava a Gália Cisalpina dos ter-
ritórios de Roma (pensa-se ser o rio Fiumicino), le-
vando com ele os exércitos que tinham conquistado
a Gália transalpina, o que era estritamente proibi-
do, César exclama: “Alea iacta est” (o dado foi lan-
çado), percebendo o muito que jogava. Depois de
ter ascendido à governação num triunvirato, com

Há, porém, no passado, atitudes inesquecíveis.


De tal modo que esses homens ficaram na História
ou por serem visionários ou por terem arrisca-
do tudo e com isso, ganhando ou perdendo,
ver reconhecidos tais momentos como
corajosos, inéditos, quase transcen-
dentes. A seleção não tem qualquer
critério científico, político ou outro.
É apenas um começo de conversa,
a que cada um pode juntar mais e
mais casos.

Péricles
Líder ateniense do que se cha-
ma ‘século de ouro’ ou ‘sécu-
lo de Péricles’ (séc. V a.C.), foi
o maior líder da então maior
cidade do mundo ocidental.
Na primeira fase, combateu os
‘conservadores’ e foi acusado de

E 34
Crasso e Pompeu, Júlio César, com o apoio popular
e a desconfiança da aristocracia que alinhava por
Pompeu (Crasso já tinha morrido), conquista facil-
mente, com a sua Legião militar, o poder (nomeado
ditador perpétuo), pondo fim definitivo à Repúbli-
ca e inaugurando a época do Império.

Al-Tariq
Pode ser lenda, mas este antigo escravo, liberto
pelo senhor do Magrebe, Muça ibn Noçair (súbdi-
to do Califado de Damasco), revelou-se no dia 30
de abril de 711, momento em que mandou queimar
todos os navios que tinham transportados os solda-
dos para o rochedo de Tariq (Gibraltar ou a cidade
de Tarifa). Com esse ato, só tinham um caminho,
que percorreram: conquistar a Península à nobre-
za visigótica (que não tinha grande apoio no povo),
salvo as Astúrias, onde resistiu Pelágio. Os exércitos
passaram os Pirenéus e acabaram derrotados em
Poitiers (ou Tours), no ano de 732 (Tariq morreria
em 720), pelo avô de Carlos Magno, Carlos Martel
(ou Carlos, o Martelo).

Carlos Magno Bélgica, França e Luxemburgo. No coração do que


Se o grande historiador da queda do Império Ro- é hoje a União Europeia.
mano, Edward Gibbon disse que o seu avô, Carlos
Martel tinha salvo a cristandade, através do seu
“génio e boa sorte” é bom sublinhar que Martel não
D. Afonso Ao armar-se
se movimentava por títulos. Ficou sempre como
um Mordomo do reino, aqueles que, na verdade, Henriques cavaleiro,
mandavam durante a dinastia merovíngia, chama-
da a dos reis “fainéants’ (ou reis ‘faz-nada’). Um Passemos a Portugal, que apareceria três séculos o passo quase
dos seus filhos, depois de várias peripécias, aca-
bou com essa dinastia e fundou outra. Era Pepino,
depois das tentativas de Carlos Magno e Otão. O
nosso primeiro rei, que após a morte do pai, con- inédito
o Breve (que por herança ficara com a Nêustria,
onde fica Paris, Borgonha, Provença e Aquitânia).
de D. Henrique (que vinha da Borgonha), no ano
de 1112, decidiu tomar partido pelos nobres que de Afonso
O herdeiro de Pepino foi Carlos Magno, o “sacré
Charlemagne” como se diz nos liceus em França
se opunham a sua mãe. A decisão de Afonso Hen-
riques levaria a uma série de acontecimentos que Henriques
(sagrado Carlos Magno, que na realidade é con-
siderado beato pela Igreja). Foi dele a iniciativa
desembocariam na independência portuguesa. A
sua mãe, D. Teresa de Leão, bastarda do rei leonês, colocou-o
da reconstrução do Império Romano unido ao
cristianismo — o Sacro Império Romano-Ger-
aliara-se ao conde Fernão Peres de Trava contra a
sua meia-irmã, D. Urraca, que governava em nome em rota de
mânico —, no fundo uma UE baseada no poder
espiritual do Papa e no poder temporal do Im-
do filho Afonso VII. Ao armar-se a si próprio cava-
leiro, o passo quase inédito de Afonso Henriques colisão com
perador, no caso ele mesmo. Essa ideia foi reto-
mada, nomeadamente, por Otão I, por Carlos V
colocou-o em rota de colisão com os partidários
da mãe e seus aliados galegos. Após a batalha (ou os partidários
e, até, por Napoleão. Não será por acaso que Car-
los Magno está enterrado na catedral da cidade
justa?) de São Mamede, em 1128, Afonso assume o
governo do condado e mais tarde proclama-se Rei da mãe e seus
que se chamava Aix-la-Chapelle e hoje se chama
Aachen, situada na Alemanha, junto à Holanda,
de Portugal, o que o Papa viria a reconhecer, assim
como o seu primo Afonso VII. aliados galegos
E 35
Imperador
Zengthong
Sucedendo a Yongle em 1435 como Imperador
da China, ou do Império do Meio (Zhongguó em
chinês simplificado), viu-se confrontado com
ameaças dos mongóis a norte e de piratas japoneses
na costa oriental. Por isso mesmo mandou parar a
expedições que o eunuco Zhenh-He (1371-1433),
almirante da frota chinesa, iniciara no reinado do
seu antecessor. A China, com barcos de junco cujo
tamanho e configuração ainda são motivo de po-
lémica, explorou grande parte do mundo e che-
gou ao Cabo da Boa Esperança pela costa oriental
de África. Sem a decisão de Zengthong seria pos-
sível (e tendo em conta o avanço que tinham) que
fossem eles a chegar a Portugal e não o contrário.
O mundo já é global há muito tempo. Teremos de
agradecer aos mongóis (e à resistência antichinesa
do Vietname que se ia fazendo sentir nessa época.

D. Dinis
A decisão de fundar a Universidade é importante,
tal como a decisão de escrever os primeiros docu- D. João II
mentos oficiais em português. Mas decisiva, para Foi o grande centralizador do poder no Estado,
o futuro de Portugal, foi a constituição da Armada contrariando o crescente poder dos nobres que o
com a contratação do genovês Emmanuel Pezag- seu pai, Afonso V, permitira. A alguns, como o du-
no, ou aportuguesadamente Manuel Pessanha, para que de Viseu matou pessoalmente. Um momento
dirigir a construção e toda a navegação portugue- que lhe permitiu governar sem entraves. O seu fi-

A decisão sa. Pessanha fez ainda os primeiros levantamentos


cartográficos. Sem essa decisão de longo alcance,
lho, Afonso, estava prometido a Isabel de Castela,
filha dos reis católicos, só não se tornando rei de

de D. Dinis como as outras referentes ao idioma e à Universi-


dade, a nossa História não seria a mesma.
toda a península por ter morrido prematuramen-
te (e de forma estranha) quando andava a cavalo.

de fundar a Durante o seu reinado negociou-se Tordesilhas,


chegou-se à Foz do Congo, à Namíbia, passou-se

Universidade D. João I o Cabo da Boa Esperança… Quando morreu, a rai-


nha de Espanha, Isabel, a Católica, terá exclamado:

é importante, Mais um rei português. Mostrando que as fake news


são assunto antigo, o Mestre de Aviz foi matar o con-
“Morreu o Homem!”

tal como de Andeiro ao mesmo tempo que mandou emissári-


os pelas ruas de Lisboa a dizer que o matavam a ele
George
a decisão no paço da rainha. Os burgueses lisboetas aglomera-
ram-se, atiraram o bispo (apoiante de Leonor Telles, Washington
de escrever a descendente do rei D. Fernando e possível aman-
te do conde) do torreão da Sé abaixo e proclamaram Isto é outro salto quântico na História, mas era im-

os primeiros logo ali o Mestre como Rei. Esta foi a origem da crise
de 1383-1385 que culminou na batalha de Aljubarrota
possível não estar aqui um representante na ino-
vação e corte que foi a independência americana

documentos e derrota dos castelhanos. Mais do que a Restauração,


este foi o momento decisivo em que João das Regras
(e talvez Madison, Adams ou Jefferson pudessem
também ser apropriados). Dos que recusaram pa-

oficiais em e Álvaro Pais (instigadores da revolta) determinaram


que os reis, tradicionalmente considerados resultado
gar impostos sem estarem representados no Par-
lamento, conexão absolutamente lógica, e come-

português da vontade divina, teriam de ter por eles, simultane-


amente, a voz do povo (que é a voz de Deus).
çaram por protagonizar acontecimentos como o
Boston Tea Party, quando carregamentos de chá

E 36
O legado
foram lançados ao mar por patriotas americanos Congresso — pagando e subornando representan-
disfarçados de índios. Na vitória sobre os ingleses, tes. Reeleito como candidato republicano em 1864,

de Napoleão
consolidada na batalha de Yorktown (1781) já com- em plena guerra, continuou a campanha para que
batiam unidos por esse documento extraordinário os estados do Sul fossem derrotados e os escra-

Bonaparte
que é a declaração da independência dos EUA, a 4 vos libertados. O momento em que Lincoln deci-
de julho de 1776, a Constituição (1789), de que se de partir para o confronto é quando se conforma
destaca o preâmbulo e a eleição, no mesmo ano, de com a ideia de que todas as decisões devem ter em
Washington, o mais distinto militar dos revoltosos
para primeiro Presidente do novo país.
conta o fim, e menos os meios. Isto por entender
que a base moral se sobrepõe às barreiras legais e
é muito
aos lentos tempos legislativos. Depois da batalha
decisiva, em Gettysburg, quando podia enfim ter
maior do que
Napoleão um mandato tranquilo, foi assassinado no Teatro
Ford por um fanático dos estados sulistas, John
poderemos
Há dois momentos decisivos na vida de Bonapar-
te que marcam a sua ascensão e queda. O primeiro
Wilkes Booth. imaginar. Vai,
é após a fase em que depois de se distinguir como por exemplo,
general e membro do diretório, se ter coroado a si
próprio Imperador, retirando a coroa das mãos do Otto von Bismarck da difusão
Papa Pio VII em plena Notre-Dame. Depois da Re- Entusiasta da unidade alemã, conseguiu-a atra-
volução Francesa de 1789, a monarquia era assim
restabelecida 15 anos depois, em 1804. É um ges-
vés da preponderância da Prússia, e após várias
guerras tornou-se o primeiro chanceler alemão, de
do sistema
to brutal, de quem não aceita qualquer autoridade
superior, nem daquele que era o representante de
1871 a 1890. Além desta ideia firme que foi tendo,
de uma ‘Grande Alemanha’, que mais tarde vol-
métrico ao
Cristo na terra. As campanhas vitoriosas do cor-
so sucedem-se, esbarrando apenas na Rússia e em
taria na Grande Guerra e, depois, com Hitler e as
suas reivindicações territoriais iniciais, Bismarck
facto de se
Portugal (que conta com o auxílio inglês). O se-
gundo momento de Napoleão é a sua fuga da ilha
compreendeu algo que apenas a industrialização
da Prússia e o crescente movimento social-demo-
conduzir pelo
de Elba, onde fora feito prisioneiro após a malo-
grada campanha russa e a sua derrota em Leipzig,
crata, na altura marxista, lhe poderia fazer ver:
a ideia do Estado social. Embora conhecido por
lado direito
em 1813. Em fevereiro de 1815 escapa, desembarca
em França, na Côte d’Azur, e vira os militares que
da estrada
o queriam intercetar a seu favor. Chega a Paris com
um Exército de que foge o rei Luís XVIII e recon-
quista o poder. O governo dos 100 dias é confron-
tado com uma coligação anglo-austríaco-prus-
siana que o derrota definitivamente em Water-
loo, em junho do mesmo ano. Exilado numa
ilha ao largo de África, Santa Helena, é lá que
morre. Porém, o seu legado é muito maior
do que poderemos imaginar — da difusão
do sistema métrico, ao facto de se condu-
zir pelo lado direito da estrada…

Abraham
Lincoln
Presidente do Estados Unidos da Améri-
ca (1860) celebrizou-se por acabar com a
escravatura no seu país, pagando o preço de
uma Guerra Civil de que foi um dos mais fulgu-
rosos defensores. Menos conhecido é o método
como conseguiu decretar o fim da escravatura no

E 37
TEXTO
ÂNGELA SILVA

Marcelo e Costa
DOIS CASOS SÉRIOS

Imagine-se daqui a 20 ou 30 anos a revisitar 2020. Palavras do primeiro-ministro António


a década em que Marcelo Rebelo de Sousa e Costa, subitamente no comando de uma
António Costa coabitaram. Fixe estas datas: das mais difíceis gestões políticas de que há
outubro de 2017 e março de 2020. Prepare-se memória. Uma avassaladora epidemia que fez
para dois embates brutais. O de outubro foi no parar o país, pôs o Serviço Nacional de Saúde
rescaldo do verão, um verão anormalmente à prova como nunca, paralisou a economia e
quente e trágico, com portugueses a obrigou as pessoas a fecharem-se em casa.
morrerem calcinados sem conseguirem fugir, Fala-se de picos (do surto), de planaltos
por entre comunicações, bombeiros e meios (duração prolongada no tempo), de recessão,
de combate a incêndios em falência, autarcas de desemprego, de medo da morte, de
em desnorte, sistemas de emergência e angústia social. Os custos são incalculáveis,
segurança nacionais em xeque e um Governo ninguém sabe gerir o que não conhece,
em apuros na hora de assumir falhas do Estado. ninguém está preparado e o país, de repente,
O embate de março chegou no rescaldo de vê um primeiro-ministro que aprendeu com chanceler de ferro, conservador de todos os cos-
um inverno que um vírus aterrador transformou os fogos, que cresceu com o que aprendeu, e tados, foi o primeiro a legislar uma lei de aciden-
numa pandemia global e empurrou Portugal que arrisca ‘rosnar’ à Europa pouco solidária. tes de trabalho, o reconhecimento dos sindicatos,
para uma quarentena forçada, a contar mortos “Repugnante” respondeu António Costa o seguro de doença e o acidente ou invalidez entre
ao dia, algo só comparável ao que os vivos ao ministro das Finanças holandês, para outras medidas.
teriam, quanto muito, lido em compêndios de quem a Espanha (país cujo serviço de saúde
história. Mas a história tem ciclos e a história entrou em colapso com mais de 7 mil mortos
repete-se.
“O Presidente da República é, antes de mais,
e 85 mil infetados com covid-19) devia
ser investigada por não ter capacidade Franklin
uma pessoa. Uma pessoa que reterá para
sempre na sua memória imagens como as
orçamental para fazer face à pandemia.
Costa classifica a afirmação do ministro
D. Roosevelt
de Pedrógão. Mais de 100 pessoas mortas, holandês de “absoluta inconsciência” e O Presidente dos EUA eleito em 1933 e que ficou no
100 pessoas mortas em menos de quatro “mesquinhez” que “mina completamente cargo até um pouco antes do fim da guerra, em 1945
meses em fogos em Portugal. Por muito aquilo que é o espírito da União Europeia e (quando morreu). Foi o responsável pelo New Deal
que a frieza destes tempos cheios de que é uma ameaça ao futuro da UE”. Nunca que tirou o país da crise que se arrastava desde 1929
números e chavões políticos, económicos Portugal falou assim à Europa, e Costa dá o (grande recessão), agarrando-se a um programa de
e financeiros nos convidem a minimizar ou exemplo — regulariza a situação de todos os obras públicas, dando início a um esquema de segu-
banalizar, estes mais de 100 mortos não imigrantes no país para lhes garantir o acesso rança social e de impostos progressivos. As suas me-
mais sairão do meu pensamento, como um ao SNS e apoios sociais durante a epidemia, didas, inspiradas em Keynes, resultaram, e de novo
peso enorme na minha consciência e no meu Em nome de uma “sociedade solidária”. a Bolsa de Nova Iorque subiu e ficou claro, depois de
mandato presidencial.” Foi assim, no discurso “António Costa está a trabalhar para a uma disputa com o Supremo Tribunal, que o Gover-
politicamente mais forte do seu mandato, história, que é uma coisa engrandecedora. no tinha poderes para interferir na economia. Entre
com sangue, suor e lágrimas e mea culpa Mas não é para a reeleição, porque depois os sucessores, alguns expandiram e outros anularam
em nome do Estado, que o Presidente da disto vem uma crise económica brutal”, medidas que ele tomou. Roosevelt fez ainda tudo
República falou ao país. anteviu o comentador Daniel Oliveira, na para apoiar a Europa, quase forçando a entrada dos
Marcelo foi o bombeiro político de serviço, SIC. As analogias não param. Vai acontecer EUA na II Guerra, o que aconteceria depois do ata-
no terreno junto das pessoas e as fotos da a Costa o que aconteceu a Churchill. Ganha que japonês a Pearl Harbour. Foi ainda ele quem deu
época de um chefe de Estado abraçado, a guerra (controla a epidemia e é o rosto ordem para o desembarque da Normandia, o princí-
rosto com rosto, ruga com ruga, com velhos da liderança do processo) e depois perde pio do fim de Hitler na frente ocidental.
destroçados por dor e perdas, são tão as eleições, corrido pelo desemprego, pela
históricas que mereceram primeiras páginas recessão, pela falta de dinheiro no bolso, pela
nos media internacionais. Marcelo foi duro
com os políticos, despediu a ministra da
revolta social. Ninguém sabe. Nem importa.
Daqui a 20, 30 anos, o que é que fica? A Winston Churchill
Administração Interna em direto, forçou o previsível reeleição de Marcelo Rebelo de Toda a gente conhece o herói da II Guerra. Mas há
primeiro-ministro a pedir desculpa ao país Sousa? A eventual não reeleição de António um momento fantástico contado por Churchill nas
mas, sobretudo, foi o colo na hora certa. As Costa? Ou a marca de um Presidente que, memórias (mas contrariado por outras memórias)
primeiras sondagens não surpreenderam: como poucos, expôs feridas, condicionou que vale a pena relatar. Depois de o primeiro-mi-
a sua popularidade espreitava os 90%. Governos e puxou pelo país com afeto? E a nistro Chamberlain ter ganho uma votação no Par-
Marcelo tinha o país a seus pés. marca de um chefe do Governo que soube lamento, apesar da oposição de muitos deputados
Mas o pior pode sempre estar para vir. crescer e liderar na adversidade? A escolha do seu partido, entende que é altura (1940) de um
“Repugnante. Re-pu-gnan-te!”, março de é fácil. Que se lixem as eleições. b governo de unidade nacional. Para isso conversa

E 38
Nelson Mandela
com os trabalhistas, cujo líder, Clement Attlee, lhe
diz que dificilmente o Labour entrará num gover-
no chefiado pelo então primeiro-ministro. Cham-
Mário Soares O último dos grandes líderes do séc. XX. O ‘Madi-
berlain terá então pedido a Lord Halifax que ocu- Não é mero nacionalismo pôr aqui um Presidente ba’, depois de 26 anos preso pelo regime ultrarra-
passe o lugar e numa reunião pergunta a Churchill português. Ele pode simbolizar muitas coisas si- cista do apartheid sul-africano (que evitava o con-
se concorda. Churchill fica calado o tempo que aos multâneas. Sendo resistente ao Estado Novo, sim- tacto de brancos e negros) a primeira coisa que fez
presentes parece uma eternidade, até que o próprio boliza em parte o 25 de Abril e a chamada segunda foi apelar à reconciliação. Mandela, que liderava o
Halifax acaba por propor que seja Churchill a liderar vaga de democratização (a primeira foi no imedi- Congresso Nacional Africano (ANC) tornou-se Pre-
o Governo. Halifax fica como ministro dos Negócios ato pós-II Guerra). Depois Soares foi o primeiro lí- sidente daquele que é o país mais desenvolvido da
Estrangeiros e seria um alvo de Churchill, uma vez der democrático a demonstrar que se podia vencer, África negra e na figura internacional proeminen-
que defendia a paz com Hitler após o desastre de mesmo na rua, às forças do comunismo. As mani- te de onde sobressai o estadista e a ideia de frater-
Dunquerque e a invasão da França pela Alemanha. festações contra a ‘unicidade sindical’ (a lei que nidade universal. Depois dele, os exemplos foram
Churchill não aceitava qualquer negociação com os previa a possibilidade de apenas haver uma cen- escassos e as crises passaram-se mais entre golpa-
nazis, o que levou à substituição de Halifax pelo an- tral sindical), contra a ocupação do jornal “Repú- das com dinheiro, do que confronto de ideias ou
tigo MNE e futuro primeiro-ministro Anthony Eden. blica” e na Alameda D. Afonso Henriques (contra ameaças civilizacionais. Sim, Mandela talvez seja,
o Governo de Vasco Gonçalves, constituído essen- antes desta enorme crise porque estamos a passar,
cialmente por comunistas), mostraram que o povo o último dos grandes vultos (faleceu em 2013 com

Gandhi podia ser mobilizado para a defesa da democracia


e contra um novo totalitarismo. Soares ficou inter-
95 anos) desta história tão antiga.

Mohandas Gandhi, nasceu em Porbandar, na coló- nacionalmente conhecido como o contrário de Ke- Naturalmente, muitos mais líderes tomaram
nia britânica da Índia. Licenciado em Direito na Uni- rensky, o líder social-democrata russo que sucum- decisões, tiveram visões e sonhos, arriscaram em
versity College de Londres, quando voltou à Índia biu a Lenine. E aqui faço aquela nota para me rele- momentos decisivos. Esta pequena lista, que como
não teve sucesso como advogado e aproveitou uma varem e darem desconto à amizade que tive por ele. escrevi acima é para começo de conversa, só nos
possibilidade de se deslocar à África do Sul (na altura leva a pensar como atos ou momentos que por ve-
também colónia inglesa) para um pleito jurídico. A zes parecem insignificantes, inconsequentes ou até
discriminação racial nesse território chocou-o ainda
mais do que o que já na Índia sentira. Do seu con- Ronald Reagan profundamente errados têm consequências vastas
na História, nas sociedades e na forma de viver. b
tributo para a causa da igualdade racial passou para Era considerado o pior Presidente dos EUA; mas
a defesa da independência, tanto da África do Sul depois veio George W. Bush e veio ainda Trump. e@expresso.impresa.pt
como principalmente da Índia (ajudando dois par- De qualquer modo, por todas as críticas possíveis
tidos com nomes idênticos — Congresso Nacional da ao ator que se tornou Presidente, há duas decisões
Índia e Congresso Nacional Africano). Mas foi a sua que tomou que mudaram o mundo. A primeira, foi a
principal arma, inteiramente nova e revolucionária construção da chamada ‘guerra das estrelas’ que
nos inícios do séc. XX, que o tornou a figura central aparentava impedir que os mísseis de longo al-
de uma nova ética política: a resistência passiva e cance (ICBM) soviéticos provocassem danos
sucessivas greves de fome contra o opressor. O seu nos EUA; a segunda foi a instalação dos
total pacifismo tornou-o, aliás, suspeito durante a II mísseis de médio alcance Pershing na
Guerra Mundial por não querer combater a invasão Europa, nomeadamente na Alemanha
japonesa, chegando a estar preso por esse motivo. Ocidental, o que destruía a superiori-
No entanto, já conhecido por Mahatma, o que sig- dade terrestre (sobretudo de tanques)
nifica ‘alma grande’ arrastou multidões e políticos da URSS. Ao desafiar Gorbatchov a
tradicionais (em especial Nehru) e levou a sua avan- destruir o muro de Berlim, foi fun-
te. Dois anos depois do fim da guerra, em agosto de damental no terminar da chamada
1947, o subcontinente alcançaria a independência. Guerra Fria. Pela primeira vez, desde
Gandhi não celebrou, desgostoso por os seus com- Churchill, o Ocidente teve um líder
patriotas muçulmanos (ele era de origem hindu) que não se intimidou com a aparente
terem optado por criar outro país, o Paquistão. No força dos outros e com a possibilidade
entanto, fiel aos seus princípios, e por defender que de guerra. Aposta de alto risco que hoje
algumas dívidas deviam ser pagas a esse mesmo se viu ter vencido em toda a linha com
Paquistão, foi assassinado por um hindu radical. O a mais esperançosa do que real terceira
seu corpo foi cremado, as cinzas deitadas para o rio vaga de democratização. De qualquer modo
Ganges e em Nova Deli existe um memorial daquele venceu a tantos europeus que o acusavam de
que foi um exemplo para o mundo pela recusa ab- irresponsabilidade, gritando nas ruas “Better
soluta em pactuar. red than dead” (Melhor vermelhos do que mortos).

E 39
Amor em tem
Famílias dispersas que não se podem juntar.
Famílias que se encontram no espaço restrito
de um apartamento. Pessoas sozinhas. Filhos
que não podem abraçar os pais. Histórias
de amor e luz em tempos de sombra

TEXTO
ANA SOROMENHO

E 40
pos de cólera

ILUSTRAÇÕES
ALEX GOZBLAU

E 41
M
incessantemente a enterrar os seus mortos, Ramón Reboi-
ras, jornalista de 59 anos, assistiu às imagens de milhares
de pessoas que em diversos pontos do globo pareciam
subitamente enlouquecidas na tentativa desespera-
da de açambarcar das prateleiras dos supermerca-
dos todos os rolos de papel higiénico que existiam
à face da Terra. Tal como nós num primeiro instan-
te, também o madrileno se quedou entre o riso e
a perplexidade, enquanto no WhatsApp corriam
velozmente vídeos com as mais hilariantes gra-
çolas dedicadas ao estranho fenómeno.
Mas mal as ruas de Madrid começaram a
ser ocupadas por carros militares e o recinto
de patinagem no gelo de um centro comerci-
al mesmo ao lado da sua casa, se transformou
numa gigantesca e sinistra morgue, o madrileno
lembrou-se da imagem de açambarcamento do
papel higiénico e agora usa-a como metáfora a
propósito do amor. “Acho que o que aconteceu
nesse primeiro momento em que começou a cir-
cular a notícia de que íamos ficar enclausurados
arço de 2020 ficará assinalado como o mês em que, só na Euro- nas nossas casas foi um impulso absolutamente
pa, mais de 100 milhões de pessoas se recolheram em casa por freudiano de tentarmos preservarmo-nos nos ges-
tempo indeterminado. A palavra ‘confinamento’ entrou no nos- tos mais íntimos. Talvez tenha sido esse o primeiro
so léxico, engolindo num vórtice hábitos e gestos que, até en- gesto coletivo de uma pulsão absolutamente incons-
tão, pensávamos serem imutáveis. Afastados do espaço públi- ciente de nos resguardarmos na nossa intimidade.”
co, o recinto confinado da casa tornou-se então o mundo onde Na primeira semana em que se recolheu com a fa-
tudo acontece em simultâneo. Mais sozinhos do que nunca, mais mília na sua casa no norte de Madrid parecia-lhe que os
acompanhados do que nunca, enfrentamos os nossos medos com dias tinham sido tomados por uma guerra contra um ini-
coragem, suspensos na pandemia que corre veloz e nos obriga migo sem rosto que não dava tréguas e o obrigava a cerrar
abruptamente a uma reflexão sobre o nosso modo de vida e os trincheiras. “Tal como em tempos de guerra, a primeira coisa
nossos afetos. em que pensamos é na comida e em como iríamos conseguir
Na consciência de que qualquer um de nós pode ser por- alimentar a família”, refletiu.
tador de um vírus letal, no medo que cada um São 9h da manhã de um domingo de sol e a casa ain-
sente por poder ser vítima e transmissor da da está em silêncio. É nestas primeiras horas do dia,
covid-19, um outro tipo de amor ganha antes dos teletrabalhos de ambos, antes das au-
uma nova dimensão, apertando laços. las online dos filhos e dos inúmeros afazeres
Pela primeira vez aprendemos que domésticos que passaram a tomar conta
o amor que sentimos por aqueles da vida de todos, que Ramón e Mónica,
que cuidaram de nós não pode cada um no seu canto da casa, tentam
ser vivido em proximidade e preservar-se num território privado
que temos de deixar sozinhos de recolhimento.
os pais, os avós, os irmãos, Há quase quatro semanas que a
num momento de maior vida decorre assim, 30 dias conse-
vulnerabilidade. Nesse afas- cutivos em que não põe um pé na
tamento alimentamos a es- rua nem atravessa a estrada para
perança de os salvar. se dirigir ao bar onde se reunia
Também pela primei- ao fim da tarde com os amigos.
ra vez, elementos de várias Um hábito que durante anos lhe
famílias encontram-se jun- era automático e que em menos de
tos, sem tréguas, dia após dia, um mês perdeu todo o sentido, tor-
tentando criar espaços de pro- nando-se absurdamente longínquo.
ximidade e afastamento, na ten- Ramón e Mónica têm dois filhos
tativa da construírem um novo rapazes, um de 12 e outro de 6 anos.
quotidiano e enfrentando-se nou- Quando se enclausuraram em casa, ten-
tras fórmulas de amor. Para quem está tando cada um deles encontrar o seu espa-
sozinho, também este é o momento em ço e o seu ritmo numa espécie de caos manso,
que se colocam escolhas e equacionam mo- imediatamente deram conta de que, entre os qua-
dos de vida. tro, fora o filho mais velho o que melhor se tinha adap-
Ao longo destes dias acompanhámos quatro histórias onde tado ao confinamento. No seu modo de adolescente solitário,
aprendemos que cada experiência singular se torna coletiva ao observou o pai, o filho é um verdadeiro nómada digital: “Faz
ser partilhada, trazendo-nos a vida como ela é, neste momento música, comunica com amigos com agilidade e criatividade,
único de adaptação e assombramento. todo o seu mundo criativo e social mantém-se ligado e acon-
tece quase da mesma forma como sempre aconteceu. Para ele,
INTIMIDADE o confinamento é tranquilo. Não se alterou nada”, constata.
Quando tudo isto começou, ainda antes de Madrid ter entrado Nesses primeiros dias em que ele e a mulher tentavam re-
em estado de emergência, ainda antes de Espanha ter começado organizar-se numa nova fórmula de vida, Ramón deu por si a

E 42
outro tipo de amor que surge. Um amor coletivo,
de base cristã, nestas pequenas coisas, por exem-
plo, de todas as noites as pessoas irem à janela
bater palmas aos enfermeiros e cantarem jun-
tas com o anónimo do lado, com quem nun-
ca falámos mas que todos os dias aparece à
janela e subitamente tem um rosto.” E para
ele, que não é crente, é o que agora o pren-
de e comove.

O AMOR É UM LUGAR ESTRANHO


“Como é que os nossos corpos se vão
adaptar e responder a esta nova situação,
agora que qualquer possibilidade de con-
tacto social ou físico que pode gerar in-
timidade amorosa se tornou provisoria-
mente impossível? Tu pelo menos tiveste
a sorte de te apaixonares antes disto tudo
acontecer”, confidenciou Sara (nome fic-
tício) à sua maior amiga no dia em que
entrou na sua casa vazia de Lisboa. Acaba-
ra de chegar de um voo vindo de Londres,
onde vive há quase uma década. Horas an-
tes, os pais tinham entrado na casa e deixado
no frigorífico um pacote de leite, ovos, massa,
cebolas, curgetes e cenouras, para que a filha
pudesse fazer uma refeição no dia em que che-
gasse sozinha ao seu apartamento perto do Sal-
danha. Eram 6h da tarde de uma terça-feira, dia
17 de março, e há muito tempo que Sara não vinha a
Lisboa. Não se viram.
Na última década da sua vida, a galeria de jovens ar-
tistas independentes que gere no sul de Londres absorveu-
-a como um vórtice. Projetos, encontros, viagens, exposições,
planeamento e gestão de um negócio florescente na arte con-
temporânea. Entre os 33 e os 43 anos, Sara sentiu-se no auge
da sua produtividade. “Em Londres, a vida é muito intensa,
engole tudo. É a maior metrópole da Europa, as distâncias são
enormes, e se temos ambições muito concretas é uma cidade
pensar no amor que nos obriga a focarmo-nos. Neste contexto, todas as rela-
e em como o estado ções sociais estabelecem-se a nível profissional. Acabamos
de confinamento tinha engo- por conhecer muita gente no trabalho, nas festas e no conví-
lido a intimidade do casal. “Como se tivéssemos sido obri- vio das inaugurações, mas a proximidade que estabelecemos
gados a viver sob um alerta diferente, precisamente porque entre uns e outros acaba por se confinar ao meio profissional
os dias se tornaram tão longos e a vida íntima ficou tão pre- e tornam-se superficiais. Toda a gente está fechada no seu
sente, parecia-me absolutamente necessário evitar todos os mundo, na sua bolha. Conhecer alguém com quem possa-
gestos de grande intensidade, para que conseguíssemos mos ter uma relação amorosa e encontrar um par torna-
manter uma ordem emocional”, diz. -se muito difícil.”
Mas agora que a rotina se impôs, sedimentan- Até agora, a questão amorosa não ocupava o
do a cada hora que passa um outro quotidiano, centro da sua vida. Durante os últimos anos,
Ramón começou a perceber que esta mesma teve uma relação ou outra sem grande conti-
vida que de início lhe parecera tão estranha nuidade. Tornou-se uma questão adiada. Mas
lhe passara a trazer um novo sentido aos agora que o mundo se virou ao contrário e que
gestos mais simples. Como desfrutar de um a hipótese de encontro ficou anulada do hori-
banho de água tépida na luz do fim da tarde zonte pela impossibilidade de qualquer con-
ou conversar com Mónica sobre um livro que tacto social, a ideia do amor impôs-se como
tinham lido juntos há muito tempo. Partilhas uma condenação, e Sara exclama num desa-
que no início da vida do casal tinham sido ali- bafo disfarçado no riso: “O amor é um inferno!”
mentadas mas que, com o correr do tempo, ha- A ideia do confinamento trouxe-lhe outra luz
viam ficado esquecidas, num encontro adiado entre sobre este tempo. Logo no início do mês, quando
as coisas que lhes pareciam mais urgentes. Sobretudo, começou a ver as notícias sobre a pandemia e a per-
voltar a habitar num perímetro de cordialidade e cerimónia, ceber que “os ingleses estavam em negação”, vislumbrou-
pois em todas as situações há sempre uma trégua. “Aqui, a -se de quarentena num cenário desolador: “Vou ficar para
trégua é não causar problemas, para tornar a vida mais fá- aqui à espera que o Uber Eats chegue para me trazer comi-
cil”, reflete, acrescentando: “Mas talvez este não seja o tempo da? E se apanho o vírus? E se os meus pais ficam doentes e
para falar do amor romântico. Entre tudo o que vejo aconte- eu não puder apanhar o avião?” A ideia da proximidade fí-
cer à minha volta, o que mais me surpreende é verificar um sica, o simples pensamento de coexistência numa geografia

E 43
próxima, mesmo não vendo os pais e os amigos mais anti-
gos, tranquilizou-a. E por isso resolveu fazer a quarentena
na sua casa de Lisboa.
De repente, constatou que o espaço do pequeno apar-
tamento se alargou. Como se fosse um outro continente.
Ao fim da tarde, depois das horas do teletrabalho, ami-
gos de vários lugares do mundo com quem não falava
há muito tempo apareceram em conversas diárias nos
chats das redes sociais, onde organizam jantares em
grupo na Zoom, e happy hours, ao fim da tarde, onde
bebem um copo de vinho e conversam como se es-
tivessem na casa uns dos outros. “Todas as minhas
ferramentas de comunicação estão no ecrã do meu
computador. Para quem vive sozinha, manter essa
rede é muito importante.”
Mas a inquietação continua latente. Sara sole-
tra palavras como se estivesse a jogar uma charada.
“Velocidade, vertigem, excesso, imediato. São tudo
palavras que me fazem refletir sobre a contempo-
raneidade e este tempo. Continuamos muito ocu-
pados, só que agora estamos sentados em cadeiras,
porque não podemos ir para lado nenhum. Como é
que os nossos corpos se vão adaptar a esta desacele-
ração global? O que virá depois disto?” Por um minu-
to afasta-se do ecrã do computador, onde falamos por
Skype, e aproxima-se da janela, como se precisasse de
tomar fôlego. E depois regressa para dizer: “Mas o céu está
azul e ainda estamos a respirar. É um pensamento muito
simples, que de repente se torna fantástico.”

A ESCOLHA DE SOFIA
Sofia (nome fictício) chama-lhe “o bicho” ou então “o grande
problema”. “Na Alemanha, as medidas para tentar combater
o grande problema começaram mais cedo do que em Por-
tugal”, diz, enquanto nos conta as voltas que a sua vida deu
desde o dia em que decidiu sair de Munique, onde mora há
nove anos, para se refugiar numa casa emprestada no Algar- não iria ser
ve. Chegou a Portugal há três semanas. Desde então, o tem- possível.” En-
po parece escapar-lhe tão velozmente que subitamente dá-se tretanto, todos os
conta de que já não sabe bem qual é o dia da semana em que dias, a situação muda-
estamos. “Só sei quando é fim de semana, porque o trabalho va, e a ideia de se encontrar
de repente abranda”, constata. no meio de um monte de gente no aero-
Sofia tem 40 anos, é designer gráfica e não tem filhos. Há porto parecia-lhe assustadora. Pensou vir de carro. Demora-
cerca de um ano conheceu Mark (também nome fictício) e ria três dias, na melhor das hipóteses, a atravessar França e
iniciaram um romance. Antes de decidirem viver juntos, pla- Espanha. Entrou num impasse. Demorou cinco dias a deci-
nearam conceder-se uma viagem sabática durante três me- dir até chegar à véspera do dia em que tinha de agir, com a
ses, quando, subitamente, no início de janeiro deste ano, notícia de que ia deixar de se poder voar. Último avião.
Sofia recebeu a notícia de que a mãe estava doente Não sabia o que iria acontecer, e o namorado deci-
com um cancro no pulmão. Tinha de ser operada. diu que tinha de a acompanhar. Fez a escolha de
Sofia tem três irmãos, nenhum mora em Por- ficar com ela neste momento de dor. No domin-
tugal, mas todos decidiram vir acompanhar a go à noite compraram bilhetes na Ryanair e
operação. Uma irmã chegou da Bélgica, outra na segunda-feira apanharam o último avião
da Escócia, o irmão de Macau. Ficaram uma que voou entre Munique e Lisboa. “Vinha
semana e depois regressaram às suas famíli- praticamente vazio, foi um grande alívio”,
as e aos trabalhos no estrangeiro, poucos dias desabafa.
antes de a pandemia ter alastrado em Itália e Foram diretamente a casa da mãe. Tinha
começar a contaminar todos os países da Eu- ficado combinado que ela lhe deixava o car-
ropa. “Nessa altura, ninguém previa o que ainda ro com as chaves lá dentro para arrancarem de
era impensável.” Foi poucos dias antes do grande seguida para o Algarve e a ideia era passarem as
surto em Itália e de a Europa se tornar no epicentro chaves através do elevador. “Mas a minha mãe es-
da pandemia da covid-19. tava cá em baixo, queria ver-me. Fiquei numa grande
“A minha mãe ia começar a sessão de quimioterapia, um de aflição, tentando negociar o perímetro de aproximação pos-
nós teria de vir acompanhá-la”, conta Sofia. “Neste contexto, sível. Apesar de saber o perigo que corria, ela não conseguia
é uma pessoa de alto risco, não pode ser contaminada, e qual- perceber. Tive de manter a distância, a frieza. Mas não poder
quer um de nós teria de viajar, ficar de quarentena e depois abraçá-la foi uma grande dor.” Do outro lado do telefone,
tentar acertar na data exata do tratamento. Ainda pensámos Sofia faz uma pausa, como se estivesse a percorrer uma zona
dividir o tempo entre todos, mas começámos a perceber que de perigo só de imaginar o que teria acontecido se tivesse

E 44
Quando o filho acabou a quarentena, a
sua mãe ficou a saber que ele e a amiga,
sozinhos no apartamento como dois
náufragos, se tinham apaixonado
e empurravam a vida para a frente
cedido à fragilidade da mãe quando se bilhete, depois tratou do resto. Foi um dia longo. Só a meio
encontrou com ela. Se tivesse ido ao da tarde conseguiu alugar um apartamento no Airbnb, onde
encontro daquele abraço. Ainda ago- ela e Marta iriam ficar durante o tempo necessário da qua-
ra pensa: “Será que estou a fazer tudo rentena de Tiago. Quando a casa ficou preparada para o rece-
bem? Que este é o melhor caminho e ber, enfiou dentro de uma pequena mala alguma roupa para
que o tempo de quarentena será sufi- ela e para Marta, remédios e três livros: “O Prazer”, de Ma-
ciente para a proteger?” ría Hesse, que iria apresentar em breve no Instituto Cervan-
tes de Lisboa, “Retrato do Artista Quando Jovem”, de James
A CASA DIVIDIDA Joyce, e um livro de contos de Henry James. Às 7h da tarde,
No dia 10 de março nasceram na Ma- ela e Marta abraçaram-se e fecharam a porta de casa. Pouco
ternidade Alfredo da Costa (MAC), em tempo depois Tiago aterrou no último voo que saiu de Roma
Lisboa, 11 bebés. Ana é médica gineco- em direção a Lisboa e entrou no apartamento vazio. Não vi-
logista na MAC e registou o número por- nha só. Entretanto, no stresse do último momento, encontrou
que foi nesse dia que o seu filho Tiago re- uma amiga no aeroporto que também regressava de Erasmus
gressou a casa. e acabaram por decidir que ficariam juntos em quarentena.
Tiago tem 20 anos e vive num apartamen- Durante esses 15 dias, Ana subiu todos os dias a escada
to no centro de Lisboa com Ana e Mar- até chegar ao apartamento do filho para falar com ele
ta, a irmã mais velha. Em janeiro através da porta. Durante esses 15 dias em que
deste ano partira para Roma esteve com Marta na casa temporária, jun-
para fazer Erasmus em En- tas a dormir no mesmo quarto, a re-
genharia da Comunicação, lação entre mãe e filha estreitou-
pronto para viver a sua pri- -se num laço de cumplicidade
meira experiência de liber- que as marcará para o resto da
dade. Ninguém poderia vida. Também durante esse
imaginar que no dia 20 tempo assistiu a partos,
de fevereiro, um mês fez cesarianas compli-
depois de ter chega- cadas, emocionou-se
do ao campus uni- com colegas e viu nas-
versitário, um ho- cer bebés saudáveis.
mem de 38 anos Na manhã em que
iria dar entrada no Tiago acabou a qua-
hospital de Codog- rentena, Ana ficou a
no, na Lombardia, saber que o filho e a
com problema s amiga, sozinhos no
respiratórios. Se- apartamento como
ria registado como dois náufragos, se
o primeiro pacien- tinham apaixonado
te portador de co- e empurravam a vida
vid-19 na Europa. A para a frente com a
partir de então, Itália força que um amor ro-
transformava-se no país mântico só aos 20 anos
com mais doentes infeta- pode trazer.
dos e com maior número de Ana entrou num super-
mortos depois da China. mercado protegida. Percorreu
Ana só percebeu que Itália as prateleiras entrou na secção
estava fora do controlo quando co- dos chocolates. Ficou parada a olhar
meçou a circular a informação de que para as embalagens sem se conseguir
as fronteiras do país estavam prestes a en- mexer. Achou estranho. Nunca tivera o há-
cerrar. Nessa terça-feira acordou de madrugada bito de comer doces. Lembrou-se então de que ti-
em sobressalto: “E se ele não conseguir voltar?” A angústia nha assistido na véspera a uma conversa entre colegas que
ativou-a como uma bomba-relógio, e Ana imediatamente falavam sobre a necessidade de açúcar em momentos de
começou a agir. Sabia que não podia deixar de dar assistên- grande descompensação e percebeu que nada mais voltaria
cia quase diária na MAC, onde se reveza com metade da sua a ser igual. b
equipa, pois não pode correr o risco de ficar contaminada.
Ainda antes de perceber como se iria organizar, comprou o asoromenho@expresso.impresa.pt

E 45
É o cultivo de canábis
uma alternativa ao
turismo? Uma saída
para a agricultura
nacional? Perseguida
durante anos por ser
uma droga barata,
a canábis sobe agora

Erva
à ribalta, pelas mãos
das farmacêuticas.
Portugal pode ser
uma mina de ouro

TEXTO
CRISTINA MARGATO
FOTOGRAFIAS
ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

E 46
boa
E 47
O
CANTANHEDE
Cinco hectares de
estufa da canadiana
Tilray produzem quatro
colheitas por ano. Mas
a empresa tem mais
20 hectares no Alentejo
de cultura ao ar livre

rit Stolar tinha por hábito tirar tudo de cima da sua que a regulamentação é o melhor caminho: “Não é
secretária antes de receber um dos seus pacientes por ser ilegal que as pessoas vão deixar de procurar
mais difíceis. “Sabia que assim que aquele miú- canábis, quando perdem a esperança nas soluções
do entrasse no meu consultório nada mais ficaria que os médicos lhes apresentam. Conheço bem os
no lugar.” Um dia, o rapaz entrou e, ao contrário pais. Fazem tudo o que for preciso. E o problema é
do que se esperava dele, sentou-se na cadeira ao que nem todos os produtos à venda têm qualida-
lado da mãe. A pediatra e neurologista israelita fi- de”, diz ao Expresso, no final da sua intervenção
cou sem palavras: “Soube de imediato que estava na Conferência Internacional sobre Canábis Medi-
a acontecer algo de extraordinário.” cinal, Cann X, que se realizou em Lisboa, em feve-
Há já algum tempo que os pais dos miúdos dia- reiro passado, e na qual Orit Stolar também parti-
gnosticados com espectro de autismo a confronta- cipou, partilhando a sua experiência e os resulta-
vam com a possibilidade de dar canábis aos filhos. dos dos seus estudos. Com pouca oferta ou quase
A resposta de Orit Stolar era sempre a mesma: “Mas nenhuma nas lojas físicas, as pessoas recorrem ao
estão todos loucos?” Naquele dia, quase adivinhou que é vendido online, e é fabricado em “laboratórios
a resposta que, “calmamente”, a mãe do miúdo lhe artesanais”, sem garantias de qualidade e validação
deu. À noite, de regresso a casa, sentou-se à frente laboratorial independente. Em alguns mercados já
do computador. “Abri o Google e procurei. Queria foram encontrados produtos à venda sem nenhu-
perceber o que se estava a passar. Sabem o que en- ma canábis ou com canábis contaminada por ele-
contrei? Zero! Não havia artigos publicados sobre mentos tóxicos, como metais pesados (o que é fácil
canábis e autismo. Sentia-me perdida.” de acontecer, tendo em conta que a canábis pode
Hoje, Orit Stolar recorda esse dia, ocorrido em ser usada para limpar os solos). Recentemente, se- quantidade mínima de THC. As suas fibras servem
2014, como um momento transformador. Para ela gundo notícia publicada pela BBC, as autoridades para produzir papel, têxteis, plásticos, cosméticos.
e para os seus pacientes. É pediatra, neurologista, do Reino Unido colocaram a hipótese de retirar a Em Portugal, há apenas um medicamento à
em Israel, no Assaf Harofeh Medical Center, e pres- canábis medicinal do mercado, por não haver for- venda, com canábis (CBD e THC), desde setembro
creve o uso de medicamentos com canábis aos pa- ma de garantir a qualidade do que está a venda. de 2019: o Sativex, indicado para doentes portado-
cientes com epilepsia e autismo que acompanha. res de Esclerose Múltipla. Não será acessível a to-
É responsável também por alguns dos estudos que DE QUE FALAMOS QUANDO das as bolsas: custa cerca de 475 euros. Depois da
foram realizados na área. Seis anos depois, quem FALAMOS DE CANÁBIS? comparticipação do Estado é vendido ao utente por
googlar “cannabis autism research” pode alcançar Rudolf Brenneisen, professor na Universidade de 299 euros. Foi aprovado pela Autoridade Nacional
3,5 milhões de resultados. Claro que nem todos se- Berna, é especialista em canábis. Há 40 anos que a do Medicamento e Produtos de Saúde, Infarmed, a
rão estudos científicos, porque nesta matéria ainda estuda. Considera-a a mais fascinante de todas as mesma instituição que definiu, ao pormenor, a lista
há muito a fazer. plantas: “Tão multifacetada quanto os olhos de uma das indicações terapêuticas consideradas apropria-
A história de Orit Stolar é exemplar, em pri- abelha. Nenhuma outra planta é tão única e diversa das para as preparações e substâncias à base desta
meiro lugar, porque os estudos científicos sobre a (...) Na sua fitoquímica foram identificados mais de planta: “Espasticidade associada à esclerose múl-
utilização da canábis nem sempre têm seguido o 500 elementos de composição.” De todos os com- tipla ou lesões da espinal medula; náuseas, vómitos
percurso habitual. Os testes não são feitos em ani- postos que nela se encontram, os mais usados têm (resultante da quimioterapia, radioterapia e terapia
mais em laboratório. Decorrem de uma evidência sido o Canabidiol (CBD) e o Tetra-hidrocanabinol combinada de VIH e medicação para hepatite C);
encontrada nos pacientes: médicos e investigado- (THC), em óleos administrados em gotas colocadas estimulação do apetite nos cuidados paliativos de
res são confrontados com os efeitos da utilização debaixo da língua ou inaladas as suas flores através doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com
de canábis, e só depois partem para a verificação de vaporizadores. Fumá-la é desaconselhado, por sida; dor crónica (associada a doenças oncológicas
científica. Em segundo lugar, porque se sabe que poder causar cancro do pulmão, assim como inge- ou ao sistema nervoso, como por exemplo na dor
os pais de crianças com doenças para as quais não ri-la através de alimentos, uma vez que deste modo neuropática causada por lesão de um nervo, dor do
há respostas recorrem facilmente a todo o tipo de as dosagens não são controláveis. A canábis pode ser membro fantasma, nevralgia do trigémio ou após
terapias, contrariando, se for necessário, as opini- ‘sativa’ ou ‘indica’, e os principais componentes co- herpes zoster; síndrome de Gilles de la Tourette;
ões dos médicos. nhecidos, além do CBD e do THC, são o Canabicro- epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos
E é por isso que muitos defendem que a regula- meno (CBC) e o recentemente descoberto cannabi- graves na infância, tais como as síndromes de Dra-
mentação e a investigação é urgente. Raquel Pey- gerol (CBG). O CBD não tem um efeito psicotrópico, vet e Lennox-Gastaut; glaucoma resistente à tera-
raube, médica, diretora da International Associati- ao contrário do THC. E o THC não é recomendado pêutica.” Em Portugal, é ainda possível comprar
on of Cannabinoid Medicines do departamento de a crianças e adolescentes por poder ter interações óleo de CBD. Na sua composição não pode existir
Saúde Pública do Uruguai (país que legalizou o uso, na estrutura do cérebro em desenvolvimento. O câ- mais de 0,2% de THC — o elemento que é respon-
produção e venda de canábis), não tem dúvidas de nhamo faz parte da mesma espécie e contém uma sável pelos efeitos psicotrópicos.

E 48
científico, intitulado “Anticancer mechanisms of
cannabinoids”, escreve: “Além dos bem conheci-
dos efeitos paliativos dos canabinoides [que o In-
farmed reconhece], há uma clara evidência de que
estas moléculas podem reduzir o crescimento dos
tumores (...).” Há muitos mais estudos. Em 2017,
numa conferência que está disponível no YouTube,
Velasco também reconhecia que num ensaio feito
com portadores de esclerose múltipla foi possível
concluir que os pacientes que tomavam Sativex vi-
viam mais tempo do que aqueles que tomavam pla-
cebo. Outra das patologias para as quais a canábis
medicinal é usada é em casos de stresse pós-trau-
mático, comum por exemplo aos militares e civis
que viveram situações de guerra. Celeste Thirlwell é
médica neurologista, especialista em problemas de
sono. Tem experiência nesta área e um portefólio de
medicamentos ao seu alcance muito vasto no Ca-
nadá, onde vive e exerce. Segundo explicou ao Ex-
presso, os vários medicamentos à base de canábis
que pode prescrever têm tido uma excelente res-
posta nos seus pacientes, não demonstrando efeitos
secundários comuns a outros fármacos, como é o
caso dos antidepressivos, “que, entre outras coisas,
causam, por exemplo, alteração da libido”; ou dos
medicamentos para o alívio da dor, como os opi-
oides, que nos Estados Unidos deram origem a um
número trágico de mortes, ao ponto de o fenómeno
ser conhecido como “epidemia opioide”.
Em Portugal, há quem use o CBD para diminu-
ir a ansiedade e as dores neuropáticas, aliviar os
sintomas da radioterapia e da quimioterapia, ou
melhorar a qualidade de vida dos doentes de Par-
kinson. É o caso do pai de Cláudia dos Santos, do-
ente de Parkinson há mais de 15 anos. Aos 80 anos,
é seguido por um neurologista e por um osteopa-
ta. Quando a canábis medicinal foi legalizada em
Portugal, o osteopata receitou-lhe CBD em óleo.
Durante algum tempo ele ignorou a recomenda-

Foi com velas Em Israel, em 2014, como hoje em Portugal, o


facto de outras doenças não constarem da lista do
ção. Mas uma semana depois de começar a tomar
as gotas, a família identificou diferenças: “No con-

e cabos de Infarmed não impede que alguns pais tentem a sua


sorte, acrescentando à terapia dos filhos a utiliza-
texto da situação de alarme da covid-19, e apesar da
fragilidade do sistema nervoso dele, o meu pai tem

cânhamo ção de canábis medicinal. O problema é que sem


regulamentação torna-se mais fácil comprar pro-
mantido um quotidiano tranquilo, sem sobressal-
tos, sem grandes picos de descompensação”, con-

que as caravelas dutos sem certificação e qualidade ou optar por fa-


zer uma importação não autorizada de um medi-
ta Cláudia dos Santos. A família tem, no entanto,
pudor em partilhar esta informação com o médico

portuguesas camento. O Epidiolex, por exemplo, utilizado para


a epilepsia, foi o primeiro fármaco com canábis in-
neurologista. Receia a crítica.
No entanto, o assunto ‘canábis medicinal’ tem

desbravaram troduzido no mercado dos Estados Unidos — de-


pois de ter sido aprovado pela Food and Drug Ad-
vindo a ser acompanhado pela Ordem dos Médi-
cos. Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos

caminhos ministration, em 2018. Em Portugal, ainda não está


à venda, o que não impede que alguns pais come-
Médicos (OM), foi um dos oradores na sessão de
abertura da Cann X, em Lisboa. À saída confessou

marítimos. tam o ‘crime’ de o comprar fora do país.


Maria, nome fictício, é mãe de uma criança com
ao Expresso que esta é uma área que a OM segue
com muito interesse, e na qual pretende fazer mais.

No Brasil, doença oncológica sem cura conhecida, recorreu a


um médico na Catalunha que defende a utilização
Na altura em que foi legalizada o uso de canábis
medicinal, a OM alertou para o facto de existir uma

criou-se de canábis medicinal (CBD e THC). Esta mãe sabe


que muitos médicos e doentes oncológicos têm
“forte evidência da eficácia” nalgumas patologias,
defendendo, no entanto, que a prescrição deve ser

a Real Feitoria atribuído à canábis parte da sua recuperação, e nal-


guns casos mesmo a cura. De facto, há estudos nes-
feita pelos médicos mediante as recomendações
estabelecidas pelo Infarmed.

do Linho se sentido, se bem que sejam necessários mais en-


saios para gerar consenso na comunidade médica.
De facto, e em todo o mundo, começam a sur-
gir estudos que atestam a utilidade da canábis em

do Cânhamo Como diz Guillermo Velasco, professor e investiga-


dor do departamento de bioquímica e biologia mo-
diferentes patologias. A farmacêutica HempMeds
garante que os canabinoides “têm demonstrado
lecular, da Universidade Complutense de Madrid, benefícios terapêuticos na diabetes, obesidade, hi-
“a medicina evolui muito lentamente, e os ensaios peratividade, fibromialgia, Parkinson, cancro, es-
clínicos são caros”. Velasco também esteve em Lis- clerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, sín-
boa na Cann X, e tem estudado o potencial dos ca- drome de intestino irritável, memória, doença pós-
nabinoides como agentes antitumorais. Num artigo -traumática, lúpus...” A empresa americana chegou

E 49
MEDICAMENTOS
Nas instalações
em Cantanhede
da Tilray, a temperatura
e a humidade são
controladas ao
pormenor, assim
como as interações
dos funcionários com
as plantas, que mais
tarde vão ser utilizadas
na produção de
medicamentos,
que não estão à venda
em Portugal

ao Brasil depois de a família de uma doente ter sido pobre e barata. É, no entanto, uma reputação re- irlandês, que tinha servido o Império Britânico na
‘apanhada’ na fronteira com medicamentos para a lativamente recente. A droga apareceu ligada a ri- Índia, e ao médico francês Jacques-Joseph More-
epilepsia. Agora prepara-se para abrir um escri- tuais chineses funerários, séculos antes do nasci- au. O’Shaughnessy publicou, em 1839, os resulta-
tório em Portugal. Na Alemanha, um dos grandes mento de Cristo, e foi usada desde o início para fins dos dos seus estudos: “On the Preparations of The
mercados europeus, “a canábis medicinal é pres- medicinais. Um papiro egípcio datado de 1500 a.C. India Hemp, or gunjah”. A ‘culpa’ deste renovado
crita em 71% para tratamento da dor, 11% para os atesta, por exemplo, que era usada como anti-in- interesse pela canábis tantos anos depois da sua in-
espasmos, 6,9% para a anorexia, e 1,6% para a epi- flamatório. Antonio Waldo Zuardi, investigador do trodução no mundo ocidental deve ser atribuída ao
lepsia”, segundo os dados apresentados durante a Departamento de Neurologia, Psychiatry e Psico- químico búlgaro, radicado em Israel, Raphael Me-
realização da Cann X. O CBD tem-se ainda tornado logia, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, choulam, hoje com 89 anos. Foi ele que isolou e de-
muito popular a nível internacional, nomeadamen- Universidade de São Paulo, diz que o seu uso para terminou a estrutura e síntese do total desta planta
te no tratamento da ansiedade junto de jovens e na fins medicinais é anterior ao nascimento de Jesus e da rede de recetores que a recebe no nosso orga-
população mais idosa, no alívio das dores. Cristo: “Foi usada na Ásia como medicamento, com nismo: o sistema endocanabinoide.
As farmacêuticas acreditam que a canábis vai ter grande importância, na Índia. A introdução da ca- A má fama da canábis começou na década de
um futuro radioso, tendo em conta o crescimento nábis na medicina ocidental ocorreu em meados do 30, quando os Estados Unidos criaram o Federal
destas patologias em todo o mundo, e ainda da di- século XIX, atingindo o clímax na última década Bureau of Narcotics, e começou a persegui-la. O
abetes, para a qual também é adequada. Em Israel, deste século, com a disponibilidade e o uso de ex- resto do mundo seguiu-lhe o exemplo. E Portu-
há neste momento 60 mil pessoas a recorrer à caná- tratos e tinturas da canábis. Nas primeiras décadas gal não foi exceção. O país, antigo produtor de câ-
bis medicinal, e projeções apresentadas em fevereiro do século XX, o uso médico da canábis no Ocidente nhamo, deixou de cultivar, no final do século XX,
passado (antes de a Organização Mundial de Saúde diminuiu significativamente, em grande parte pela esta planta que está ligada à nossa História. Voltou
ter decretado a pandemia da covid-19) acreditavam dificuldade na obtenção de resultados consistentes recentemente a fazê-lo. Mas foi com velas e cabos
que, em 2021, seriam 100 mil pessoas. As expecta- de amostras da planta com diferentes potências. A feitos de cânhamo que as caravelas desbravaram
tivas do sector a nível europeu apontavam para um identificação da estrutura química de componen- caminhos marítimos, chegando à Índia e ao Brasil,
negócio de 55,2 mil milhões em 2028. Neste con- tes da canábis e a possibilidade de se obter os seus local onde a planta também foi cultivada, dando
texto, Portugal representaria um mercado de 500 constituintes puros foram relacionadas com um origem, no Brasil, à Real Feitoria do Linho do Câ-
milhões para a canábis medicinal e de 600 milhões aumento significativo do interesse científico pela nhamo. A canábis foi usada pela coroa portuguesa
para fins recreativos (caso pudesse ser vendida, ten- planta, desde 1965. Este interesse foi renovado nos e também por escravos e indígenas.
do em conta que o que vigora, desde 2001 até agora, anos 90, com a descrição dos recetores de canabi- Julga-se que o seu cultivo em Portugal se inici-
é apenas a liberalização do consumo). noides e a identificação de um sistema canabinoi- ou no século XIV. Dois séculos mais tarde, D. João
Mas se a canábis parece ter tantos predicados de endógeno no cérebro.” A introdução da canábis IV incentivou a sua produção com o intuito de re-
porque razão foi esquecida nas últimas décadas? A na Europa, escreve o mesmo investigador, ficou cuperar a frota naval, depois da Restauração. Sécu-
principal razão tem a ver com a reputação. Droga a dever-se a Willian B. O’Shaughnessy, médico los depois de os portugueses a usarem nos barcos,

E 50
Henry Ford usou o cânhamo para construir um qual já fez até agora uma colheita. O investimento é qualidade de vida, o baixo valor das remunerações
carro e um combustível. O Hemp Body Car nasceu de 20 milhões de euros, garante Cristina Almeida, e de trabalhadores qualificados. Algo que é rebatido
em 1941, mas a ideia perdeu-se; e o caminho, como em Cantanhede a Tilray dá emprego a 200 pessoas. de imediato por um dos canadianos já instalado na
sabemos, foi muito diferente. Cantanhede foi escolhido pelo clima, mas também zona centro do país. Comprou vários hectares a bai-
Em Portugal, o cultivo de cânhamo manteve- por estar próximo das universidades, de Coimbra e xo preço, perto de uma linha de água, e tudo seria
-se até 1971. Foi uma decisão da UE que permitiu o de Aveiro, e logo de pessoas qualificadas e com ex- perfeito caso encontrasse gente qualificada para tra-
seu cultivo em Portugal, desde que o valor de THC periência agrícola, e a ideia é criar parcerias com balhar a baixo preço, confessa. “Não é como vocês
fosse abaixo do consentido por lei. Hoje, o país pa- estas instituições. Da ‘quinta’ da Tilray, que na ver- dizem.” No mesmo painel, Carlos Nunes, advogado,
rece ser um local promissor para a sua produção, dade é uma fábrica, saem alguns produtos prontos a representante de uma empresa candidata, vai dire-
cobiçado por empresas israelitas e canadianas, com comercializar, mas nenhum deles pode ser vendido to à ferida e fala das questões burocráticas numa in-
experiência nesta área. em Portugal, embora a empresa já tenha submetido tervenção intitulada: “How to navigate your medical
alguns pedidos ao Infarmed, para os quais aguarda cannabis operation into Portugal?”
O ELDORADO PORTUGUÊS resposta. Outras empresas esperam também vir a Na Cann X participam também muitos funci-
Proteção para os pés. Bata descartável. Máscara operar em Portugal, em breve, e foi talvez por isso onários de empresas que esperam licenciamento,
para a cara, e para o cabelo. As regras são restritas, que esta edição da Cann X foi este ano realizada em assim como representantes de empresas que forne-
e nada têm a ver com o aparecimento da covid-19. Lisboa, com grande entusiasmo dos participantes. cem elementos necessários à produção: estruturas
Nas instalações da empresa canadiana Tilray, em No primeiro dia da Cann X, nota-se a energia de para construir estufas, lâmpadas usadas na cultu-
Cantanhede, onde a empresa tem cinco hectares um meio onde tudo está por acontecer, por fazer, por ra intensiva, empresas de consultoria, laboratórios
de estufas a produzir canábis medicinal, a entrada estudar. O entusiasmo é quase generalizado. Ao lon- que irão certificar a qualidade do produto, fornece-
é controlada ao mínimo detalhe. Para dentro das go de dois dias, israelitas, canadianos, dinamarque- dores de compostagem para as plantas, consulto-
estufas não pode ser levada nenhuma joia pessoal. ses, enviados por empresas que já trabalham nesta res bancários de investimento acompanhados pelos
Fios, brincos, anéis, relógios, pulseiras devem ficar área com sucesso, mostram-se ansiosos por trocar clientes que pretendem alta rentabilidade. Um am-
fora. E até a barba dos homens deve ser coberta. experiências, sobre o modus operandi em Portugal. biente muito próximo daquele para o qual Rebeca
Depois de se proceder a todo este ‘isolamento’ cor- Parecem encarnações de conquistadores ávidos. Ex- Veiga, portuguesa a viver em Amesterdão, por ra-
poral, os visitantes não conseguem ver as plantas a ploradores de novos territórios. Garimpeiros à pro- zões académicas, me tinha alertado semanas antes:
menos de cinco metros de distância, e apenas atra- cura de pepitas de ouro. Fazem imensas perguntas Portugal à venda, território apetecível para a pro-
vés de um vidro. E há ainda uma linha desenhada sobre o processo burocrático do qual depende a li- dução de canábis medicinal, nas mãos de empresas
no chão que é o limite em relação ao vidro. O que cença e sobre as particularidades sociais e políticas apenas estrangeiras. A diretora da Cannabis Colle-
se passa para lá dessa divisão é algo que só alguns do país. Querem produzir no Algarve, no Alente- ge, organização especializada em fornecer apoio e
funcionários estão habilitados a saber. “A tempera- jo ou zona Centro. Sabem que Portugal tem tudo o informação sobre canábis, diz que era altura de as
tura e humidade”, controladas ao pormenor, assim que esta planta precisa para prosperar: muitos ter- autoridades portuguesas olharem para o que está
como a intensidade da luz, são “segredo industri- renos rústicos ao abandono, muitas horas de luz so- a acontecer: “Há farmacêuticas a alugar hectares
al”, explica Cristina Almeida, responsável pela uni- lar, e água. Num painel realizado no segundo e no e hectares a baixo preço para produzir algo que dá
dade de produção e funcionária “número um” da último dia, o país aparece à venda: “Why Portugal muito dinheiro. Não seria melhor dar uma oportu-
empresa em Portugal. Do outro lado do vidro, em may be the ideal hub for medical Cannabis in Euro- nidade aos agricultores portugueses?”
corredores, cujo fim não se vislumbra, as plantas pe?” Luísa Cruz, consultora da empresa WiseHS, faz O advogado Carlos Nunes tem uma opinião se-
colocadas dentro de sacos de plástico brancos, grow uma apresentação em que destaca o sol, as praias, a melhante: “A canábis pode revolucionar a agricultu-
bags, recebem a luz natural que passa através do vi- ra portuguesa.” Mas, para isso, o modelo jurídico tem
dro da estufa e também das lâmpadas tipo LED. A de mudar, ser transferido do Infarmed para o Minis-
água chega até elas através de um sistema de rega tério da Agricultura. A candidatura é muito longa
tipo gota a gota, e lá dentro um ou dois funcioná- e complicada. “Entre os documentos pedidos está
rios, vestidos como se fossem trabalhar num bloco uma declaração da entidade policial, a garantir que
operatório de um hospital, inspecionam e tratam aquela plantação não será usada para tráfico, uma
das plantas. Ao sair tomam nota de todos os proce- declaração Nações Unidas de que aquela produção
dimentos em livros, que estão dispostos sobre uma
mesa, perto da qual está um cartaz que lembra que “Vamos iria contribuir para redução da produção de canábis
ilegal, e outro era um parecer do Ministério da Agri-
“se está no chão não está na loja”. Toda a conta-
minação deve ser evitada, assim como o desperdí- agarrar esta cultura para o qual não existia existência legal. Esta-
va a ser um exagero, o Infarmed veio a ultrapassar os
cio, de uma planta que nestas condições intensi-
vas pode dar origem a quatro colheitas por ano. Ao oportunidade seus próprios pedidos”, conta Carlos Nunes, que no
passado dia 13 de março recebeu autorização para a
lado há uma espécie de maternidade de mães, onde
são criadas as estacas que serão plantadas a seguir. ou vamos empresa israelita que representa, a Cann X.
Para Carlos Nunes, Portugal é mais do que um
O cultivo de substâncias de canábis tem regras
muito claras, determinadas pelo Infarmed, e o pro- fazer como eldorado. “É uma mina de ouro. Ao contrário dos
‘conquistadores’ que sonhavam com uma cidade
cesso de licenciamento é demorado. Até há pouco
tempo existiam cinco empresas a operar no país, fizemos no já construída em ouro, que poderiam pilhar e re-
enviar para Espanha, aqui vai ser necessário ca-
sendo a Tilray uma delas. Mas há muitos mais pe-
didos, cujas autorizações são esperadas para breve. passado, como var.” Neste momento, Carlos Nunes está a discutir
a criação de um fundo a nível internacional (Suíça,
Cristina Almeida, farmacêutica, 48 anos, farma-
cêutica e professora universitária, contratada pelo aconteceu Inglaterra, Canadá e Israel) para promover a com-
ponente agrícola da produção da planta: “O sector
fundador da Tilray, diz que a empresa, criada em
2013 no Canadá, começou a pensar em instalar-se com os ingleses cooperativo, além do que já existe para cânhamo,
pode ter aqui um papel essencial nesta (r)evolução
em Portugal em 2015. Obteve licença em 2017, e foi
nessa altura que iniciou a produção em Cantanhede. no vinho agrícola. A questão é saber o que é que vamos fa-
zer? Vamos agarrar esta oportunidade ou vamos
A produção ao ar livre tem regras diferentes, mas a
empresa tem de garantir a segurança. Nem um úni- do Porto?”, fazer como fizemos no passado, como aconteceu
com os ingleses no vinho do Porto? Temos capaci-
co grama deve ser encontrado no mercado ilegal.
No caso da Tilray, a produção tem corrido tão pergunta dade de organização? Não existe nenhum país rico
no mundo que não tenha uma agricultura forte.” b
bem que a empresa decidiu alugar 20 hectares no
Alentejo, onde criou uma cultura ao ar livre, e na Carlos Nunes cmargato@expresso.impresa.pt

E 51
Entrevista
Paulo Futre

Nunca fiz
um jogo que
o meu pai
considerasse
perfeito”
Está entre os melhores futebolistas de sempre. Jogou nos
chamados três grandes de Portugal, ganhou com o F.C. Porto
a Taça dos Campeões Europeus e é um ídolo para os adeptos
do Atlético de Madrid. Adora trabalhar em televisão, gosta
do lado bonito do futebol: os jogadores, a bola, o campo.
Nesta conversa fala com um enorme carinho do pai,
o seu primeiro treinador e mentor, que morreu este verão

POR JOÃO PACHECO (TEXTO)


E TIAGO MIRANDA (FOTOGRAFIAS)

E 52
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S
Ainda sabe o número do bilhete de Nunca é suficiente. O talento ajuda. fácil ser-se o maior. Aos seis anos, já
identidade do “Ginja”? Mas quantos talentos não conseguem era o melhor da minha rua. A partir
Já não. E também já não sei os nomes chegar lá? dos três anos, tinha começado a jogar
dos pais dele. Tive de estudar todo o com o meu pai no quintal. Jogava com
bilhete de identidade. Mas o mais im- A propósito, muitos anos depois — ele todos os dias, naquele quintal pe-
portante era decorar o nome “Rogério quando era diretor desportivo do quenino. O meu pai também era es-
Paulo Viegas Alves”. E isso fica. Era Atlético de Madrid — o Paulo esteve querdino. Saí igual a ele: esquerdino
meu vizinho no Montijo. Nós vivía- mesmo dentro de uma casa de banho nos pés e destro nas mãos. Veio tudo
mos no número 14, a minha avó no 16 com uma arma apontada a um joelho daqueles jogos com o meu pai, as mi-
e o “Ginja” vivia no 18 da mesma rua. do Dani? nhas fintas e tudo. Aos seis anos já so-
Estive, mas foi no escritório. Para o bressaía dos outros miúdos. E depois
Era preciso assumir uma identidade Dani o futebol era um hóbi. O Dani era foi por aí fora. O meu pai sabia que eu
falsa para poder jogar? um génio, um fenómeno, só que levou já era o melhor. Talvez naquela altura
Sim, porque tinha nove anos e o tor- sempre aquilo a brincar. Os pais dele não soubesse que era melhor do que os
neio era dos dez aos 13. Chamava-se ganhavam bem, acho que eram médi- jogadores do Sporting, claro. Mas lá na
Onda Verde e foi o primeiro torneio cos. Nunca lhe faltou nada. rua, jogava sozinho contra seis ou sete
organizado pelo Aurélio Pereira. For- e ganhava. E o meu pai via isso.
mámos uma equipa lá no Montijo. Ao Paulo faltou alguma coisa, em
empre foi um rapaz precoce. Aos nove Era a equipa do Cancela, e acho que o miúdo? O seu pai só terá perdido as dúvidas
anos, brilhou num torneio e chamou meu pai no primeiro ano já era o nos- Não. Sou de uma família muito humil- quando o viu passar todas as elimi-
a atenção de Aurélio Pereira, o mes- so treinador. Fomos eliminando as ou- de. Nos últimos dias do mês já era tal- natórias regionais e nacionais, para
mo treinador que viria a dar ao mundo tras equipas e o prémio era jogarmos vez pão com açúcar, mas nunca pas- integrar a seleção portuguesa que
Luís Figo e Cristiano Ronaldo. Paulo a final no Estádio José Alvalade. Con- sei fome. E tive uma infância maravi- disputou o torneio de sub-11 de Ro-
Futre era novo demais para poder par- seguimos chegar à final, com aquela lhosa. Dentro das possibilidades que cheville. Nesse torneio internacio-
ticipar nesse torneio organizado pelo nossa equipazinha lá do Montijo. No tínhamos, acho que foi genial. O meu nal, o Paulo foi considerado o melhor
Sporting. Estava inscrito com o bilhete primeiro ano ganhámos nos penáltis. pai e a minha mãe conseguiram que jogador?
de identidade de um vizinho. E no segundo ano perdemos na final. nunca faltasse nada. Sim, fui considerado o melhor. E foi
Já adulto, tornou-se um precursor Nesse segundo ano já participei no só nessa altura que o meu pai aceitou
na internacionalização dos grandes torneio com o meu nome verdadeiro. A par de Aurélio Pereira, nesses pri- a proposta do Sporting. Não aceitou
futebolistas portugueses. Transferiu- meiros anos, foi uma sorte ter o seu quando tinha dez anos. Antes, quando
-se para o Atlético de Madrid e ficou Aurélio Pereira descobriu por exem- pai como treinador e mentor? tinha nove anos, o Aurélio Pereira an-
para a história do clube, na segunda plo Paulo Futre, Luís Figo e Cristia- Sim, foi mesmo meu treinador e men- dava à procura do Rogério Paulo Viegas
transferência mais cara à época — só no Ronaldo. É um homem com muita tor. O meu pai tinha sido jogador de Alves... Mas depois da segunda final do
ultrapassada pela de Maradona para o sorte? Ou é um génio? futebol, jogou muitos anos no Montijo. torneio Onda Verde, já tinha dez anos
Barcelona. Em Madrid, Futre deixou É um génio, porque tem um olho de Era o “Pé Canhão”. Ainda hoje é assim e o Aurélio Pereira veio várias vezes ao
de ser o Paulinho de Pinto da Costa lince. E comigo fez a diferença no que lhe chamam no Montijo, quando Montijo para tentar convencer o meu
e teve logo direito a um contrato mi- acompanhamento. No tratamento os da mesma geração falam dele. pai a deixar-me ir para o Sporting. Não
lionário, uma casa com piscina e um que me deu, no carinho, no cuidado... conseguiu. E o meu pai disse-me toda
Porsche oferecido por Jesús Gil y Gil, Muitas vezes ficava em casa dele, por Qual era a outra alcunha do seu pai, a vida o mesmo que disse ao Aurélio
na altura ainda candidato à presidên- ser do Montijo. O Aurélio Pereira não relacionada com o gosto pelos jogos nessa altura. Que não me deixava ir por
cia do Atlético. Por azar, o único Pors- poderia dar esse acompanhamento a de cartas? ser preciso apanhar o barco. Até pode-
che disponível no stand era amarelo. todos os miúdos do Sporting, desde os Era o “Pelé da Loba”, sim senhor. ria ser por isso, porque um miúdo de
Esta conversa teve duas partes. A iniciados aos juniores. Seria impossí- dez anos ir sozinho para Lisboa, demo-
primeira jogou-se nos estúdios da vel. Mas estou convencido de que dava O seu “Pelé da Loba” era um homem rar duas horas e meia a chegar e duas
CMTV, onde o ex-jogador é agora uma essa atenção a alguns, quando pensa- exigente? horas e meia a voltar, chegar a casa às
estrela de televisão. E a segunda parte va: “Este vai lá chegar.” Comigo sempre foi. Mas mais do que onze da noite... O meu pai sempre dis-
aconteceu numa esplanada em fren- ser exigente, o importante é que nun- se isto, mas também estou convencido
te ao rio Tejo, em Alcochete, nos dias Para chegar lá, basta o talento? ca me deixou ser o maior. Porque é de que talvez houvesse aqui pelo meio
antes da pandemia. Houve tempo para
falar sobre a invasão da vizinha Aca-
demia do Sporting e sobre a adapta-
ção de João Félix ao Atlético de Ma-
drid. Também se falou sobre o pai de
Paulo Futre. Era conhecido como “Pé
Canhão” e morreu este verão. Pelo ca-
minho, fez toda a diferença como pri-
meiro mentor e treinador. O mais im-
portante terá sido impedir que Paulo
acreditasse que era o maior.

Rogério Paulo...
Viegas Alves. Sou de uma família muito
Consta que foi um dos melhores joga-
dores descobertos por Aurélio Pereira
humilde. Nos últimos dias
do mês já era talvez pão com
para a formação do Sporting. Ouviu
falar deste miúdo?
Ouvi. E é um nome que nunca vou
esquecer, será eterno. O Rogério, o
“Ginja”. açúcar, mas nunca passei fome”
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o facto de a minha mãe sempre ter sido o meu pai deu-me um grande abraço, Respeito, porque não estava à espera. depois do jantar. No terceiro ano já
contra. Talvez o meu pai ainda não es- todo orgulhoso, feliz da vida. Depois, Assinei com o meu nome todo, como não, porque já vivia com a Isabel. Só
tivesse seguro. O empurrão decisivo chamou-me à parte e falou comigo. A assinava na escola: Paulo Jorge dos podia sair à noite nos dias de folga.
foi mesmo o torneio de sub-11 em Ro- tal jogada tinha sido tão bonita, que os Santos Futre. No dia seguinte, come- Mas saía muitas vezes fora dos dias de
cheville, com a seleção nacional, tinha meus companheiros de equipa nem se cei a treinar o meu autógrafo no bar- folga. Quando chegava lá de manhã
eu 11 anos. Logo a seguir, entrei para tinham apercebido do meu erro. É um co para o Montijo. E o que fiz no barco para treinar, eles já sabiam. As bron-
o Sporting e fui fazer o primeiro jogo erro horrível, porque a bola bate no ficou para toda a vida. cas do Octávio e do Artur Jorge eram
pelo clube. Vim com o meu pai de bar- meu calcanhar. E aquilo parece uma terríveis. Lá aguentava as broncas, mas
co para Lisboa e depois fomos os dois assistência ao Madjer. O Madjer depois Ao dar o primeiro autógrafo, sentiu tinha 18 anos... E duas semanas depois
no autocarro. O torneio era em Alverca. não chega lá por pouco, porque a bola respeito por quem? voltava ao mesmo. Quando repetia, [a
E sabe que os miúdos são cruéis, por não fez efeito. O que queria era chutá- Pela pessoa, que era uma miúda. Isto bronca] já era com o presidente.
isso quando cheguei lá ao balneário do -la com a parte de dentro do pé, para é: não posso falhar a esta pessoa. Mas
Sporting, vindo do Montijo... lhe dar efeito. Só que a bola tocou-me como muitos, também poderia ter Jorge Nuno Pinto da Costa.
muito atrás e saiu-me direita. pensado: “Sou o maior.” Poderia ter Sim, ainda na quinta-feira estive com
Ninguém o conhecia... chegado ao Montijo e pronto, já nem ele. A seguir vinha no carro a regres-
Ninguém me conhecia, mas muitos Então a sua ideia era rematar à baliza? conhecia os meus amigos. sar do Porto e fiquei a pensar naque-
sabiam que tinha estado no torneio de Sim, era. Mas parecia que tinha fei- les “Paulinho” dele. Foram superim-
Rocheville e que tinha sido o capitão to uma assistência. Isto ninguém viu. Costuma acontecer? portantes na minha vida. Ao início,
da seleção nacional. Mas os miúdos Mas quando cheguei ao aeroporto, o Acontece a muitos. A caneta é como quando mudei para o Porto disse-
são cruéis... E estando a equipa fei- meu pai disse-me: “Foi uma jogada de uma roleta russa. Uma caneta aos 16 -me: “Paulinho, aí [no Sporting] não
ta, cheguei ali e não fui tratado como génio e uma finalização de jogador dos ou aos 17 anos... Não sabemos para te querem e aqui vais ser tu e mais
deve ser. Só que nesse torneio em Al- campeonatos distritais.” Só nós é que onde vai a nossa cabeça. Ninguém dez.” Ou: “Aqui vais ter carinho, Pau-
verca, fiz logo sete golos no primeiro sabíamos. Eu e o meu pai. Mais nin- nos pode ensinar a reagir a isto. Nem linho.” E também nestas situações das
jogo. No autocarro de volta a Lisboa, guém deu por isto. E o meu pai ainda professores nem psicólogos. Ninguém broncas, porque quando ia lá acima
já era o maior. Mais tarde, no barco de me disse ali mesmo, no aeroporto: “Já nos pode preparar para como vai ser [ao presidente], ele só me pergunta-
regresso ao Montijo, nunca mais me te disse várias vezes que tens de treinar a nossa reação nem para como nos va: “Paulinho, não achas que estás a
esqueço, o meu pai não me falou nos mais a definição.” Pronto, o melhor do temos de comportar a partir dali. No abusar?” No mês ou nos dois meses
sete golos que tinha marcado. Falou mundo — para mim — já estava cá em momento em que nos dão a caneta, seguintes, nem nas folgas saía. Depois
apenas dos erros que cometi. baixo. Pensei: “Foda-se, tenho de trei- assinamos. E estamos sozinhos peran- voltava a fazer o mesmo.
nar a definição.” Mas o mais engraçado te o perigo. Porque os professores não
Foram assim tantos? é que a frase que o meu pai me disse no nos prepararam. Os professores não Havia alguma resposta possível pe-
Alguns foram: “Devias ter feito aqui- aeroporto, só a tornei pública em 2011 deram autógrafos, não sabem. Quem é rante Pinto da Costa?
lo. Devias ter passado ali.” Ou: “Devias [quando foi publicado o primeiro volu- que nos vai ensinar? Ninguém nos vai Só podia baixar a cabeça e as ore-
ter chutado aquela bola”... Ou seja, o me da biografia “El Portugués”, de Luís ensinar. Quantas cabeças foram para lhinhas. Era um miúdo de 18 anos
meu pai passou o jogo todo nisto. Aguilar]. Porque até essa altura, toda a aquele lado? Ao longo da minha vida, feitos em fevereiro. Em novembro já
gente pensava que aquilo tinha sido um conheci alguns que à partida eram uns era supertitularíssimo do Porto e da
A anotar os erros do Paulo? passe. Mas nós sabíamos que a defini- reis. E passados dois anos, onde esta- seleção nacional. Fosse um jogador
Sim, mas sempre foi assim. Já comi- ção tinha sido como a de um jogador vam a jogar? Na segunda divisão. do Porto ou fosse qualquer jovem de
go profissional e depois como segun- dos campeonatos distritais. Incrível. uma equipa grande da Europa, a vi-
do melhor jogador do mundo. A cada Aos 18 anos, o Paulo mudou do Spor- ver numa grande cidade... Os perigos
jogo, ia sempre à procura dos defeitos. Depois dos anos de formação, estre- ting para o Futebol Clube do Por- são constantes.
Estava com a moral em cima, chegava ou-se a jogar pela equipa principal to. Foi uma sorte ser controlado por
ao pé do meu pai e ouvia sempre. do Sporting aos 16 anos, num jogo Octávio Machado, que era adjunto do Chegou mesmo a ter uma namorada
amigável contra a equipa brasileira treinador Artur Jorge? que era informadora do Futebol Clube
Mesmo quando ganhou a Taça dos Portuguesa dos Desportos. À saída do Sim, a estrutura do Porto era muito do Porto?
Campeões Europeus em Viena, com o Estádio José Alvalade, deu o seu pri- forte. Estou convencido que — nos pri- Acho que era. Nunca falei sobre isto
Futebol Clube do Porto? meiro autógrafo. O que sentiu nesse meiros dois anos — o Porto sabia sem- com o presidente. Mas tudo indica
Sim, aí foi o máximo. Mas depois já em momento? pre onde eu estava e com quem estava que sim, segundo o que ela depois me
Madrid, também ia sempre à procu-
ra de um defeito. Dizia-me: “Tens de
treinar isto, tens de treinar o outro...
Não vês que se o gajo te está a marcar,
tens de te desmarcar!” Havia sempre
qualquer coisa. Nunca fiz um jogo que
o meu pai considerasse perfeito.

Essa exigência passou para o filho? É


muito autoexigente?
Sim, ponha-se no meu lugar... O meu
pai era assim. Em Viena, fui campe-
ão da Europa com 21 anos. O jogo foi
transmitido para todo o mundo, todos
estavam a falar de mim. Fiz aquela jo-
Aos seis anos, já era o melhor
gada magnífica e quando saí do campo
já me estavam a dizer: “Vais ser o Bola da minha rua. A partir dos três
anos, tinha começado a jogar
de Ouro.” É normal, tinha 21 anos, ti-
nha feito uma grande época. Poderia
ser sido muito bem o Bola de Ouro, fi-
quei em segundo lugar... No fundo es-
tavam certos. Cheguei ao aeroporto e com o meu pai no quintal”
E 56
E se calhar também não seria feliz.
Gosta do que faz agora?
Adoro a televisão. Quando saí do Atlé-
tico de Madrid como diretor desporti-
vo, comecei a trabalhar em meios de
comunicação social. Escrevi durante
muitos anos para [o diário desportivo
espanhol] a “Marca”. E também traba-
lhei em televisão, lá em Espanha. Mas

Não sabia o mal que me fazia acho que comecei a gostar disto a sério
na [estação de televisão] Al Jazeera, no
Qatar. Fiz um Mundial e dois Europeus

a cortisona. Levei dezenas e com a Al Jazeera. Aí comecei a gostar


mesmo. Quando acontece 2011, já es-

dezenas de infiltrações. Mas nos


tou aqui. Começo a vir para Portugal,
não sei quando é que comecei na TVI...
E depois fui pensando: “Adoro fazer o

joelhos deveria ter recusado” que faço, porque não continuar?”

“Acontece 2011”... Ou seja, fez a fa-


mosa conferência de imprensa antes
das eleições, quando era candidato a
contou. Houve um momento em que o telefonema tocava ao outro. Lem- que o clube precisa de um lateral-es- diretor desportivo do Sporting e disse
comecei a fazer coisas em casa, por- bro-me que a guerra tinha começado querdo e ligam-me a dizer: “Tenho que traria para o clube o melhor joga-
que assim ninguém podia saber. Mas em setembro e eu não falava com ele este jogador.” Acabo sempre por ligar dor chinês da atualidade.
depois chegava de manhã ao treino e quando lhe puseram um bypass, em ou por colocar as pessoas em contac- Sim, foi a conferência do jogador
eles já sabiam o que tinha feito na mi- novembro ou dezembro. Lá fui ao hos- to umas com as outras. E depois não chinês.
nha própria casa... Eram coisas que só pital. Ele ainda começou a dizer: “Va- páro, já me está no sangue.
contava a esta pessoa, não havia outra mos fazer”... Mas respondi-lhe logo: Apesar de ter falado no jogador chi-
pessoa a saber. Desconfiei e percebi “Presidente, estou aqui a nível pes- Qual foi o grande negócio em que nês para causar alarido, já existia esse
que só podia mesmo ser ela que esta- soal e não quero falar da nossa guer- participou de que se possa falar? modelo de negócio no futebol euro-
va a contar tudo à estrutura do clube. ra. Quero é saber como se sente, está Talvez um que é público, a transfe- peu há anos. Aqui em Portugal nin-
Dizia-lhe por exemplo que tinha feito bem?” Conseguíamos dividir o tema rência do Luís Figo do Barcelona para guém sabia?
uma festa em casa numa quarta-fei- profissional do tema pessoal, o que é o Real Madrid [em 2000]. Para mim Aí está. Eu rio-me de mim mesmo, te-
ra... Na quinta-feira de manhã chega- bonito. hoje — a par da transferência do Ney- nho este carácter. Não levei nada a mal,
va ao clube e já sabiam. A estrutura do mar do Barcelona para o Paris Saint- ri-me sempre. Os miúdos todos a dize-
Porto estava tão organizada, que mes- Foi um azar seu nos clubes por onde -Germain — foi a maior de sempre. rem-me: “Ó sócio, ó sócio”... A única
mo em casa sabiam o que fazia. passou ou há mesmo muita corrupção Porque foram 60 milhões [de euros]. coisa que me surpreendeu ou que me
no futebol? Em cash. chocou mesmo foi ser criticado pelos
Por falar em presidentes emblemáti- Corrupção no futebol, para mim foi homens da caneta — alguns jornalistas
cos, depois de Pinto da Costa, o Paulo quando cheguei ao Marselha. Quando O Paulo ganhou uma boa comissão? e cronistas. Porque os miúdos e os gra-
acabou por ir para os braços do pre- cheguei, aquilo rebentou. Entretanto Sim, ganhei alguma coisa. Sem údos em geral não tinham obrigação
sidente Gil y Gil, do Atlético de Ma- tenho pensado: “Como é possível?” dúvida. de saber o que acontecera com o [joga-
drid. Qual foi o vosso momento mais Com aquela equipa monumental, bru- dor Hidetoshi] Nakata [em Itália]. Mas
difícil? tal... Tinham sido campeões da Euro- Gostaria de trabalhar como empresá- estes que escrevem, estes que têm res-
Tivemos muitos. Como jogador, acho pa. Como é que o [presidente do clube rio de jogadores? ponsabilidade... Estes tinham de per-
que a maior bronca foi quando ele Bernard] Tapie vai comprar um jogo Já pensei nisso, mas não quero. É que ceber o que eu estava a dizer, tinham
mandou embora o [treinador Javier] do campeonato, contra uma equipa se apanho um jogador como o Futre, de saber que já acontecera. Tinham
Clemente em janeiro. Estávamos a fraca? O mesmo Tapie que ia ser Pre- dá-me com o Paulo em maluco. Ima- de saber isto: “Este gajo esteve lá no
quatro pontos do primeiro lugar, recu- sidente de França, toda a gente dizia gino sempre: “Esse gajo vai ligar-me Japão, sabe como funciona a mentali-
sei-me a jogar, tratou-me mal à frente que seria o próximo Presidente da Re- às cinco da manhã, a queixar-se da dade asiática”... Não poderia acontecer
de toda a gente. E eu a ele. pública... Como é que uma das pes- luz. Ou a mulher dele vai telefonar- em Portugal? Agora, quando chegou
soas que ele corrompeu foi apanhada -me”... Não, para mim não dá. Isto [em 2018] o tal chinês [Wu Lei] para
Vocês tinham mesmo uma relação de com o dinheiro no jardim? Há coisas é, posso estar até certa altura com o jogar no Español [de Barcelona], mais
amor-ódio? que não me entram na cabeça. Aquilo jogador. Mas não consigo fazer esse de 40 milhões de pessoas viram a es-
Tínhamos. Tive uma grande discussão foi uma pena. E foi um azar tremendo acompanhamento que é preciso fazer, treia dele... Perguntei a mim próprio:
com ele em direto na rádio, quando para mim, porque voltaria aos grandes 365 dias por ano. “O que estarão a pensar agora estes
era diretor desportivo. Um escânda- palcos: Taça Intercontinental, Cham- artistas ou estes génios ignorantes?”
lo tremendo. Foi em setembro, nunca pions League na altura... E foi tudo por Tem de ser mesmo o próprio empre-
conseguimos fazer as pazes. E depois água abaixo, foi o caos total. A maio- sário a fazer esse acompanhamento? Onde estava quando ganhámos o
em janeiro tivemos outra discussão ria dos jogadores saiu [do Marselha] Não pode ser um trabalho feito por Europeu de futebol contra a seleção
brutal e deixei o cargo de diretor des- em dezembro. uma equipa? francesa?
portivo. Mas o incrível é que nós con- Pode-se delegar. Mas quando há um Estava aqui. Estava a ver a final na re-
seguíamos suspender as nossas guer- Passando agora à atualidade, co- problema com os melhores jogadores, dação do “Record”, lá em cima.
ras quando vinha o Natal ou o Ano mo foi para si a última janela de tem de se estar lá. Mesmo que sejam
Novo. Na altura do Natal, esperava até transferências? quatro ou cinco da manhã. E se surge O que lhe passou pela cabeça?
que faltasse um minuto para a meia- Por muito que diga: “Vou estar tran- um problema agora, amanhã tem de se Uma felicidade tremenda. Acho que
-noite. E se ele não me ligasse, ligava- quilo”... É impossível. Porque começo estar em Milão ou seja onde for. Não se quando fui para o Atlético de Ma-
-lhe. Dizíamos “Feliz Navidad” um ao a receber chamadas para o Atlético pode escapar a isso. Acho que não se- drid comecei a entender os meus fa-
outro e pronto. Na passagem de ano, de Madrid, de empresários que sabem ria um bom empresário. miliares emigrantes. Porque quando

E 57
vinham a Portugal passar férias no “Serralha”, que esteve nos Coman- estavam tão furiosos que acho que Quando cheguei a Espanha [em 1988]
mês de agosto, estávamos proibidos de dos. O “Pato”, que esteve comigo toda aquilo era mesmo um ódio. Só vim cá estavam sete ou oito mil radicais
falar mal de Portugal ao pé deles. Co- a vida. Normalmente, o “Pato” ficava passados seis meses. Fui para o Porto numa discoteca para assistir à minha
mecei a entender isto quando cheguei com a minha família. Quando ia para em julho e só voltei ao Montijo para apresentação. O Gil y Gil ainda não
a Espanha, ninguém podia falar mal o treino, naquela época o meu cunha- passar o Natal, com segurança. Mas os tinha sido eleito, era ainda candida-
de Portugal ao pé de mim. do estava sempre comigo. E se não vi- meus pais sofreram aqui, muito. to à presidência do Atlético. Tivemos
nha também o “Serralha”, vinha ou- a reunião em Milão, fomos para um
Era mesmo conhecido lá em Espanha tro. Andava sempre acompanhado por A seguir aos anos no Porto e no Atlé- avião privado e cheguei a uma disco-
como “el portugués”? amigos, foi uma aventura difícil. tico de Madrid, veio jogar para o Ben- teca com sete ou oito mil pessoas. Era
Sim, era. E sempre que joguei lá fora fica. Houve mesmo amigos que deixa- a discoteca Jácara, nunca mais me
— mesmo quando estive no Japão — Havia muito o medo das bombas-la- ram de lhe falar? esqueço. E recordo-me que lá já ha-
ninguém podia falar mal do meu país. pas postas nos carros? Sim, claro. via os radicais, que aqui em Portugal
Metia-os sempre no sítio deles. Ia logo Não só nos carros. Havia também os ainda estavam a começar a aparecer.
buscar coisas más dos países deles e ataques em espaços públicos. Nun- Claro? Amigos? Lembro-me de pensar: “Se fracasso
pronto. O meu sentimento patriótico ca me apanhariam num bar... No País É uma paixão. Uns entendem, outros aqui, matam-me.” E desde essa altu-
cresceu muito e naquela altura não Basco chegavam e davam um tiro às não. São fanáticos, estamos a falar de ra sempre disse que nós em Portugal
pensei em mais nada, quando ganhá- pessoas. Acho que nunca pensei no um país que vive o futebol no dia a dia. vivíamos num paraíso. Porque aqui
mos o Europeu. Poderia ter pensado: pior, num assassínio. Mas pensei nos os radicais ladravam, mas em Espa-
“Porra, isto começou comigo.” Porque sequestros. Mas para o Paulo era o seu trabalho. nha mordiam. Depois vi-os em Fran-
era o único que estava a jogar lá fora Sim, mas estava com eles quando che- ça, em Itália... Em Inglaterra menos,
em 1987. Comecei a abrir o leque para Também por ter o ponto fraco de ser guei a acordo com o Sporting. Somos em Inglaterra era mais quando sai-
os jogadores portugueses serem mais pai. amigos de infância e foi uma loucura. am. Nunca vi nada fora do normal,
competitivos. Para chegarmos a 2016 e Sim, na altura acho que já era. Se foi Só que — no dia seguinte — afinal es- em Inglaterra.
sermos supercompetitivos, tivemos de em 1989, pelo menos o Paulinho já tava no Benfica. Como é que lhes ia di-
jogar lá fora. Mas na altura não pensei tinha nascido. Se foi em 1990, tam- zer que o homem não tinha aparecido Tiveram o problema dos hooligans.
nisto, senti só a minha veia patriótica bém já tinha nascido o Fábio. Mas foi com o dinheiro? Mas quando chegou a Madrid, o Paulo
e era apenas mais um português. pouco tempo depois de ter chegado a ainda por cima tinha um peso muito
Madrid, talvez dois anos depois. Lem- O homem era Sousa Cintra, o presi- grande em cima, por ter sido à época
Por falar em veia patriótica, como foi bro-me de já ter pelo menos um filho, dente do Sporting à época? a segunda transferência mais cara da
aquela história de se ter tornado um porque o “Pato” estava proibido de Sim, o Sousa Cintra. Houve um amigo História, logo atrás da de Maradona.
potencial alvo da ETA? sair de casa. Estava lá sempre com a de quem gostava muito, mesmo. E es- Sim, tinha essa responsabilidade.
Foi duro. Assim que cheguei ao Atlé- Isabel, com a criança e muitas vezes tive uns bons anos sem falar com ele,
tico de Madrid, fez-me uma grande também com os meus pais. só voltámos a falar depois de me re- Já lhe passou pela cabeça que poderia
confusão o primeiro conselho que me tirar. Ou até mais tarde. Era um ami- ter tido o azar de ter sido eleito e de
deram, fora do futebol. O grande Car- Sem querer comparar com ameaças go de infância e gostávamos muito estar no Sporting na altura da invasão
los Peña era o delegado da equipa e terroristas, também deve ter sido di- um do outro, agora somos amigos e de Alcochete?
disse-me para não andar em Madrid fícil quando deixou o Sporting para ir ele está sempre a enviar-me mensa- Não, nunca pensei nisso. Tem de ha-
entre as sete e as dez horas da ma- para o Porto. Sofreram mais os seus gens quando vê o meu programa [na ver muitas circunstâncias para uma
nhã. Perguntei-lhe porquê e ele res- pais? CMTV]. É um craque, um sportinguis- coisa destas acontecer. Houve tan-
pondeu-me: “É a hora a que normal- Foi muito difícil. E houve uma altura ta até à morte. tos e tantos anos que correram muito
mente acontecem os atentados da ETA em que sofreram mais eles, no Mon- pior ao Sporting do que aquele. Ia-se
nas grandes cidades.” Foi um trauma tijo. Eram portas partidas, insultos, A propósito de sportinguistas até à ainda jogar a final da Taça de Portu-
para mim, quem pagou por isto foram janelas partidas... Na altura, quando morte e já que estamos aqui em Al- gal. A equipa falhou naquele jogo da
os meus filhos. Porque quando eram mudei de clube, acho que só havia cochete, o que sentiu quando houve a Madeira em que poderia ficar em se-
adolescentes e começaram a querer um portista no Montijo. Estava tudo invasão da Academia do Sporting de gundo lugar no campeonato, um lugar
sair, com 11 ou 12 anos, nunca os dei- dividido entre sportinguistas e ben- Alcochete? que dava acesso à Liga dos Campeões.
xava ir para centros comerciais. Sofre- fiquistas e comecei a ser visto como o Para mim foi um choque total, como Mas foi um cúmulo de circunstân-
ram os dois. Não sei se foi em 1989 ou traidor, já sabia que ia ser. Mas claro, acho que foi para todos os portugueses. cias que levou à invasão. Senão teria
1990, vários etarras foram apanhados
aqui no Algarve...

E as autoridades espanholas queriam


que esses membros da ETA fossem
extraditados para Espanha?
Claro. E como a ETA não queria que
Portugal os extraditasse, resolveu
ameaçar os alvos portugueses em Es-
panha. Fora a embaixada, na altura o
único alvo português em Espanha era
eu. Ligaram-me da embaixada de Por-
tugal em Madrid a perguntar se queria
segurança. Disse que não, mas acon-
selharam-me a regressar dos treinos
Penso que fiz muito bem em
sempre por caminhos diferentes.
não ir para o Real Madrid,
porque hoje em dia sou uma
Na altura tinha segurança própria em
Madrid?
A minha segurança eram os meus
amigos. Era o meu cunhado, que an-
dava armado. E amigos do Montijo. O lenda no Atlético de Madrid”
E 58
quando vim para o Benfica ainda não
havia mercado de inverno livre, só
existia para os jogadores que estives-
sem a jogar no estrangeiro e que qui-
sessem voltar a jogar no seu país de
origem. Na altura em que fui para a
Regianna, houve ali um acordo mais
ou menos com o Milan e a Regianna,
para depois ir jogar para o Milan. A

Esta é uma situação que nunca seguir à Regianna, só fui para o Milan
depois de um ano e meio. E tive de ir

imaginámos. O importante
fazer uma experiência.

Uma pré-época à experiência.

é a saúde. Só depois podemos


Sim, uma pré-época, foi totalmente
diferente. Haveria muitas outras coisas
que poderia ter feito de outra manei-

pensar outra vez no futebol” ra. Mas acho que esta fiz bem. E houve
outra ainda mais difícil, que foi mudar
do Sporting para o Futebol Clube do
Porto. O meu pai aí acertou em cheio.

acontecido já antes. Quantas e quantas Este é o lado mais triste do futebol do árbitro ou do VAR para atacar. O Tem algum conselho para dar a Jo-
vezes o Sporting disse adeus a tudo em português. Mas o Paulo continua a fa- que é isto? ão Félix, que foi transferido agora do
dezembro? Muitas vezes estava abai- lar sobre futebol na televisão, a escre- Benfica para o Atlético de Madrid por
xo do sétimo lugar e não houve nada. ver sobre futebol, a viver isto inten- O que sabe hoje que gostaria de ter €126 milhões?
Contestação? OK, é normal, mas nada samente... Qual é o lado mais bonito sabido aos 18 anos? Tenho um conselho que lhe vou dar
do outro mundo. do futebol? Muitas coisas. pessoalmente. Um jogador de 19 anos
Os jogadores, a bola, o campo. Sem nunca tem um estatuto de craque,
Voltaria a candidatar-se ao Sporting? dúvida alguma. Tenho a minha fé e E o que não faria? mesmo que seja craque. Dentro de
Fiquei muito dececionado com aque- isto ninguém me tira. Se virmos como Muitas coisas também, de certeza. uma equipa, só se começa a ter esta-
la noite, com as votações. Porque foi estava o futebol português em 2015 Não teria levado infiltrações de corti- tuto mais tarde. Ainda por cima quan-
uma grande confusão, até havia mor- quando o [treinador Jorge] Jesus saiu sona. Levaria as sete infiltrações que do se chega muito jovem a uma nova
tos a votar. Mais do que perder, o pior do Benfica para o Sporting, se formos levei para jogar em Kiev [na meia-fi- equipa. Hoje [no Atlético de Madrid],
foi aquela noite até às seis ou às sete ver os comentários e como estavam nal da Taça dos Campeões Europeus, o João às vezes está dez ou 15 minutos
da manhã. as redes sociais... O clima de terror era em 1987]. Mas muitas outras não teria sem tocar na bola. É ele o culpado? Se
tremendo. Aumentou porque tinham levado, ter-me-ia recusado. Porque a bola está num sítio, ele está noutro e
Ainda chegou a pensar que tinham passado todos os limites. Foi tremendo que se não as tivesse levado, não teria um defesa está por ali, os outros joga-
hipóteses de ganhar, depois da con- o incitamento que houve dos própri- estragado o joelho. E se calhar jogaria dores dizem-lhe: “Desmarca-te.” Da-
ferência de imprensa do jogador os clubes, nas redes sociais. Se virmos até aos 34 ou até aos 35 anos. Na altura, qui a dois anos, quando o João já tiver
chinês? a final da Supertaça Sporting-Benfi- também pela pressão, não sabia o mal um estatuto de craque, vão passar-lhe
Sim, no sábado à tarde tudo apontava ca de 2015 e se virmos esta agora [de que me fazia a cortisona. Era veneno a bola numa situação dessas. A dife-
para a nossa vitória. Foi uma loucura, 2019], já não tem nada que ver uma autêntico. E acho que levei em todo rença é tremenda. Hoje: “Desmarca-
achei que já estava ganho. Até contra- coisa com a outra. Penso que o futebol o lado, dezenas e dezenas de infiltra- -te.” Daqui a dois anos ou três, têm de
tei duas pessoas. português daqui a uns anos será como ções. Mas nos joelhos deveria ter re- lhe passar a bola para ali. E se o passe
está hoje o futebol espanhol. Não nos cusado. Passadas umas semanas, não for mau ainda lhe pedirão desculpa. A
Dois jogadores? podemos esquecer que não houve em se pode sequer andar. É pior ainda. diferença é abismal. Então, o conselho
Sim, telefonei-lhes e disse-lhes: “Vens nenhuma parte o que houve nos anos Esta é uma das coisas que faria dife- que lhe quero dar é pessoal.
trabalhar comigo. Isto está ganho.” 80 e 90 em Espanha, entre o Gil y Gil e rente. Outra: iria para o Real Madrid?
Com as sondagens lá à porta e tudo, o [presidente do Real Madrid] Ramón Acho que não. Fiz bem em não ir para Perceber que é uma fase?
achei mesmo que estava ganho. Afi- Mendoza. E o [presidente do Barcelo- o Real Madrid, porque hoje sou uma Não. É tentar que seja já. Não esperar.
nal perdemos, mas ficou este momen- na, Josep Lluís] Núñez, também. Eram lenda no Atlético de Madrid e quando
to. Ainda por cima estávamos todos três presidentes polémicos, incendia- em Marselha tinha o contrato em cima Por falar em conselhos, qual poderá
juntos, com o doutor [José Eugénio vam tudo e mais alguma coisa. Houve da mesa para assinar, se tivesse ido... ser o impacto da covid-19 no futebol
Dias Ferreira]. Perdemos com toda a mortes. Era na altura dos chamados europeu? Quanto tempo levaremos a
dignidade. Mas mais do que a derro- “dérbis do medo”, em Espanha. Pensou nos seus filhos? No que iriam recuperar disto?
ta, aquela noite é que foi tremenda. sofrer se o Paulo regressasse a Madrid Não sei. O que o planeta está a viver
Pensei: “Mortos a votar? O que é isto? Admite que se possa chegar a um para jogar pelo inimigo? agora é uma situação que nunca ima-
O que se está a passar aqui?” Agora, profissionalismo dos dirigentes? Sim, pensei nos meus filhos. Mas fi- ginámos. Nem nos nossos piores pesa-
quando há eleições sou sempre con- Sim, vai chegar lá. Um penálti mal ca-se sempre naquela. Para o nosso delos. O importante neste momento é
vidado. Nas últimas eleições fui con- assinalado não pode ser motivo para ego, ir para o Real Madrid... E como que as coisas acalmem, que comece-
vidado pelo grande homem [Dias Fer- tudo isto nas redes sociais. Para quê? não fui para o Real Madrid, fui para a mos a fazer a vida normal. O impor-
reira] e também pelo doutor [Frederi- Na semana seguinte é a favor deles... Regianna, que estava em último lugar tante é a saúde de todos, aliás. Só de-
co] Varandas. Mas lembro-me sempre Às vezes parece que estamos na es- da Série A italiana... Mas também foi pois é que podemos começar a pensar
daquela noite. Fiquei dez vezes mais cola. Na minha infância era assim: o um orgulho, a forma como fui recebi- outra vez no futebol. Quando é que
triste pelo que aconteceu, pelas vo- meu amigo deu-me cabo da cabeça do na Regianna. Na altura, acabei por vamos pensar no futebol? Não sabe-
tações e pelo que aconteceu lá fora. hoje porque o Sporting perdeu, mas o ir para a Regianna porque na Europa mos, ninguém sabe. É incrível, esta-
Dois e dois não são quatro... Penso Benfica perde na próxima semana e aí só podiam jogar três estrangeiros em mos a passar por um caos histórico. b
sempre: “Será que vai voltar a acon- vou eu dar-lhe cabo da cabeça. Parece cada equipa. E foi a primeira vez que
tecer aquilo?” que estão todos à espera do falhanço abriu o mercado de inverno. Porque e@expresso.impresa.pt

E 59
FRACO CONSOLO

O dramaturgo Tom
Stoppard tem
em “Leopoldstadt”
a sua “peça judaica”

E
O MUNDO DE QUANDO
ÀS GRANDES TRAGÉDIAS TOM STOPPARD JUNTA AS PEQUENAS TRAGÉDIAS PRIVADAS

m condições normais, estaria agora em o vexame de Versalhes, o nacionalismo ascendente, os bodes expiatórios,
Londres, a ver a última peça de Tom o nazismo, a anexação, a guerra. As cenas sucedem-se umas às outras
Stoppard, que ele diz que será mesmo enquanto ouvimos sons de outro tempo, o tempo passado ou o tempo
a última, porque demora muitos anos futuro, canções domésticas, botas militares, janelas e montras partidas,
a escrevê-las e já é octogenário. Como bombardeamentos, os escassos idílios e as muitas catástrofes que ligam
estamos numa situação anormal, decidi o tempo histórico como se não tivesse costuras e fosse um único tempo,
fingir a normalidade que não existe ainda que toda a gente sinta a diferença entre um “antes” e um “depois”.
e, em vez de ver a peça ao vivo, coisa É provável que Stoppard cultive uma nostalgia céptica quanto à sofisticação
impossível porque não há viagens nem civilizacional do “mundo de ontem”, mas sabemos que sabe de certeza certa
teatros abertos, encomendei-a e li-a em que esse verniz estala quando uma sociedade, constrangida por qualquer
casa, o que não é bem a mesma coisa do angústia colectiva, escolhe os judeus como culpados por “greves, inflações,
que estar no Wyndham’s. o colapso dos bancos, o bolchevismo, o mercado negro e a arte moderna”.
“Leopoldstadt” é a “peça judaica” de um E o momento mais forte da peça é o corolário disso, uma enumeração em
homem que descobriu tardiamente a história da sua família checoslovaca, forma de exeunt teatral, com o destino dos judeus que vimos antes em
que a mãe não lhe quis contar. De um dramaturgo que evita peças cena, suicidas uns, executados outros, outros dizimados nos campos de
autobiográficas mas escreveu sobre uma família que não é a sua mas podia extermínio, como aconteceu aos quatro avós de Stoppard.
ter sido. “Leopoldstadt” não estará com certeza na categoria de uma Às memórias históricas, “Leopolstadt” liga as ficcionais mas verosímeis
obra-prima como “The Coast of Utopia” (2002), a “peça russa”, mas memórias pessoais, os judeus que não sabiam quão judeus eram, ou
parece-me significativa porque lembra o mundo de ontem e sugere o que nem pensavam em si mesmos como judeus, que nunca fizeram
mundo de hoje, e porque joga com as forças e as fraquezas do outro- questão de se afirmar como judeus, e que depois descobrem histórias
enquanto-assimilado, condição que Stoppard, inglês de origem checa, mal contadas ou omitidas, assumem recordações falsas, são agentes ou
conhece bem. vítimas de más acções feitas com boa intenção e de boas intenções com
A acção tem início em 1899 e estende-se até 1955. Ou seja, começa no mau efeitos, acham que a História é sempre igual ou que nunca se repete.
“mundo de ontem” descrito por Stefan Zweig, multicultural e convivente Às grandes tragédias, Stoppard junta as pequenas tragédias privadas, mas
(mesmo quando mitificado), e termina no pós-Holocausto, quando o ainda assim tragédias, como haver alguém num álbum de família que
judaísmo tinha adquirido uma carga trágica que mal se comparava até não foi identificado a tempo e que já ninguém sabe quem é. b
com os antigos pogroms. A Viena de “Leopoldstadt” é uma Viena com pedromexia@gmail.com
10% de judeus e onde, garante uma personagem, são judeus metade dos Pedro Mexia escreve de acordo com a antiga ortografia
médicos, dos jornalistas, dos banqueiros, dos cientistas, dos escritores,
dos arquitectos, dos advogados, dos filósofos. As animadíssimas e
caóticas conversas de família, com dezenas de personagens, funcionarão
bem melhor no Wyndham’s do que em minha casa, mas percebe-
se o fascínio do dramaturgo, antes de tudo um homem de ideias,
por um tempo e um meio onde à mesa se discutia Hofmannsthal e
Mahler, Klimt e Freud, nem que fosse para dizer que este último não
era verdadeiramente um médico porque os seus doentes não estavam
verdadeiramente doentes.
As personagens de “Leopoldstadt” são, ou querem ser, “austríacos de
origem judaica”, ou antes, querem ser isso para os gentios, querem que
o judaísmo não seja um assunto, porque é mais seguro assim. Stoppard
/ PEDRO
interroga a noção de assimilação, e brinca com a mistura entre judeus MEXIA
e cristãos numa mesma família, celebrada aliás (mesmo a contragosto)
com brindes a uma “pátria para os judeus” e votos natalícios, com bebés
circuncidados e também baptizados. Mas depois vem a derrota de 1918,

E 60
Sem
tempo
para
morrer
Salas fechadas, estreias em
suspenso, filmagens paradas.
Uma parte do negócio do
cinema vira-se para o streaming,
NICOLA DOVE/DANJAQ/MGM

mas é pequena a mitigação para O novo filme da saga “007”


uma crise de que ninguém sabe devia chegar às salas este
mês, mas a estreia foi
quando e como vamos sair adiada. Daniel Craig só vai
despedir-se do papel de
TEXTO JORGE LEITÃO RAMOS James Bond em novembro

E 61
O
companhias agendados para o resto para outras plataformas é uma “The Lovebirds”, protagonizada por
do ano. vontade perene do lado das majors Kumail Nanjiani e Issa Rae, teria
A Universal, pelo seu lado, resolveu que desejam rentabilizar os grossos estreia direta em streaming na Netflix.
saltar etapas com “Trolls World investimentos publicitários para lá do Foi a primeira a optar por cancelar
Tour”, um filme de animação da mercado dos cinemas, o que sempre o lançamento em sala e distribuir
DreamWorks (sequela de “Trolls”, encontrou a oposição das grandes um filme diretamente num serviço
que faturou quase 350 milhões cadeias de exibição. Com o mercado controlado por terceiros.
de dólares no mercado mundial), das salas em estado comatoso, os A devastação que a pandemia do
colocando-o diretamente na sua exibidores americanos não ergueram novo coronavírus está a causar tem,
plataforma de streaming na próxima a voz quanto à transferência de filmes como é evidente, atingido as salas de
primeiro a reagir foi James Bond, ou sexta-feira, dia em que devia estrear já estreados para o VOD; já a decisão forma muito dura. A AMC, o maior
não fosse ele um senhor habituado nas salas. Entretanto, outros filmes de explorar “Trolls World Tour” sem grupo exibidor mundial — dono de
a lidar com todos os obstáculos, de médio orçamento cuja carreira foi passar pelos cinemas encontrou 600 salas nos Estados Unidos e de
embora uma coisa como esta crise atalhada de forma brutal pelo súbito forte reação: “Os exibidores não o outras mil espalhadas por várias
que nos confina em casa para que a fecho das salas e pelo confinamento vão esquecer” declarou, ao “The países — fez despedimentos e colocou
covid-19 não nos entre corpo adentro da população (como “O Homem Hollywood Reporter”, John Fithian, em suspenso os 26 mil empregados,
nem o sagaz 007 podia prever. De Invisível”, “The Hunt”, “Emma” presidente da Associação Nacional de incluindo o CEO, num regime em que
qualquer modo, “007: Sem Tempo ou “Bora Lá”) acabaram colocados Proprietários de Cinemas, ao mesmo os trabalhadores mantêm vínculo
para Morrer” que devia chegar às também no streaming, na vertente tempo que louvava os movimentos contratual, incluindo o seguro de
salas de todo o mundo este mês, video on demand (VOD), com tarifas de outros estúdios assegurando que saúde, mas ou trabalham em tempo
logo nos primeiros dias de março de aluguer de 19,99 dólares por irão continuar a respeitar a sala como reduzido, com salário reduzido,
adiou a estreia para novembro, ainda períodos de 48 horas. primeiro e privilegiado parceiro de ou com horário zero sem qualquer
as salas não tinham conhecido o A experiência de encurtar os prazos negócios. Não é o caso da Paramount. pagamento. Neste caso são livres de
desligamento total, mas já com essa entre a estreia em sala e a passagem O estúdio decidiu que a comédia trabalhar para outras entidades. Logo
hipótese no horizonte provável.
Entretanto, com a crise sanitária a
galopar, a suspensão das estreias
tornou-se geral, criando um cenário
muito complicado para o conjunto
da indústria. No caso americano —
que acaba por moldar os calendários
da distribuição/exibição em todo
o mundo — ainda ninguém sabe
muito bem o que vai acontecer. É
preciso lembrar que os chamados
‘tentpoles’, as grandes produções
que asseguram a maior parte das
receitas de bilheteira e que são
essenciais para a saúde financeira
de toda a cadeia cinematográfica
(produção-distribuição-exibição)
ocupam um número muito grande
de salas em simultâneo pelo que o
seu posicionamento no calendário
resulta de um jogo complexo. Para
que não haja falta de salas para um
determinado filme ou cavalgamentos
prejudiciais para todos, a marcação
de datas ocorre com muitos meses
de distância, às vezes anos. Para
além do novo 007, que conseguiu
uma ‘janela’ para novembro, o único
adiamento com data fixada é o de
“Velocidade Furiosa 9”, que deveria
estrear a 22 de maio e que marcou a
estreia para 2 de abril de 2021 —, e só
o fez porque essa era a data decidida
com os exibidores americanos para
o 10º filme da série. Outros grandes
lançamentos que se supunha
acontecerem nas próximas semanas,
como “Mulan”, “Black Widow” e
“The New Mutants” — todos com
a bandeira da Disney — estão sem Yifei Liu protagoniza a nova versão da
data definida e constituem um história da guerreira chinesa. A Disney luta
grande problema para os gestores agora para que “Mulan” chegue aos cinemas
DISNEY

que também não podem pôr em sem prejudicar outras estreias


risco outros filmes das mesmas

E 62
que as salas reabram, tudo volta ao as telenovelas fecharam portas. Os Lá, como cá, se não há trabalho, não
normal. prejuízos são enormes, sobretudo há dinheiro. “Os únicos setores que
Em matéria de festivais, a Na rodagem em empresas do audiovisual que têm continuam a laborar com alguma
interrogação domina o horizonte. estruturas pesadas, trabalhadores normalidade são os argumentistas e a
Cannes adiou o festival para um de um filme permanentes, custos fixos pós-produção”, disse uma produtora
futuro indefinido; o mais certo é
que não haja. Pequenos festivais
há uma cadeia consideráveis.
Em Los Angeles, a capital mundial
portuguesa ao Expresso.
Entretanto, a criatividade começou
apontam para o streaming, mas onde se incluem do cinema e da televisão, a situação é a fazer caminho. Houve quem, para
faz pouco sentido. Locarno e muito difícil, já que uma grande fatia não estar parado e dar um toque de
Veneza são incógnita. Em agosto e
motoristas, das pessoas e do tecido empresarial humor ao confinamento, se pusesse a
setembro, haverá vedetas, jornalistas cabeleireiros, tem ligações com a produção. Na fazer pequenos filmes e a colocá-los
e produtores a querer viajar para rodagem de um filme não há apenas online. É o caso do realizador Sérgio
a Suíça e para Itália, frequentando maquilhadores, técnicos e atores, há uma cadeia onde Graciano, do ator Rui Melo e do
eventos em multidão?
aluguer de se incluem motoristas, cabeleireiros,
seguranças, maquilhadores,
argumentista Henrique Dias, que têm
estado a pôr no Facebook sketches
CÂMARAS DESLIGADAS guarda-roupa empresas de aluguer de guarda- humorísticos rodados com recurso ao
Entretanto, todas as filmagens roupa e de adereços, funcionários Skype, com a colaboração de atores
pararam de forma quase súbita
e adereços, administrativos, fornecedores de profissionais, tudo feito em roda
e simultânea. Em todo o mundo, uma malha catering, uma malha que vai do de amigos — e sem financiamento
incluindo Portugal onde, por homem que pinta os cenários à nem paga, evidentemente —
exemplo, foi cancelada a rodagem que vai do pintor vedeta que vemos no ecrã. A maior mas sem nenhum amadorismo.
de “Salgueiro Maia — O Implicado”,
que Sérgio Graciano devia estar a
de cenários parte dessa malha é constituída
por trabalhadores ‘a recibo verde’,
Outros organizaram-se na página
do Facebook “Chamadas para a
dirigir por estes dias, e onde todas à vedeta utilizando a terminologia lusitana. Quarentena” para mostrar trabalhos
realizados em confinamento. Esse é o
brilho de estar vivo.
Pequenos distribuidores, como
a Midas ou a Leopardo Filmes,
apontaram o seu negócio para o
streaming, nomeadamente para a
plataforma Filmin, onde a produtora
de Paulo Branco lançou a versão
série de “A Herdade” e a Midas fez
continuar estreias recentes (como
“Vitalina Varela”, de Pedro Costa,
“J’Accuse — O Oficial e o Espião”,
de Roman Polanski, e “Para Sama”,
de Waad Al-Kateab e Edward Watts).
Quanto aos filmes portugueses
prontos para chegar às salas,
ninguém sabe o que vai acontecer.
“Está tudo suspenso”, afirma Saul
Rafael que, na NOS Audiovisuais,
encabeça o catálogo nacional. Foi
ele quem, ainda antes da imposição
de fecho dos cinemas, aconselhou
bloquear a estreia de “Terra Nova”,
uma ambiciosa produção da
Cinemate, com realização de Artur
Ribeiro, que estava prevista para 19
de março e que agora não tem data.
Também não acontecerá, em maio, a
estreia de “A Impossibilidade de Estar
Só”.
Quando pudermos sair à rua — e
voltarmos a frequentar um qualquer
“cinema perto de si”, como insiste
a voz de João David Nunes na
publicidade aos filmes que já se
entranhou nos nossos hábitos —
talvez tudo seja uma celebração,
talvez tenhamos muita vontade de
voltar às salas, aos ecrãs grandes,
como esperam alguns agentes do
mercado, embora o mundo que
vamos defrontar não seja de festas,
mas de determinação de levar a vida
por diante. b

E 63
Li
vros
Livro
Uma trilogia em forma de
Coordenação Luciana Leiderfarb peregrinação interior e
lleiderfarb@expresso.impresa.pt
um livro de elegias
revelam o pensamento
poético e metafísico de
Rainer Maria Rilke
TEXTO PEDRO MEXIA

Rainer Maria Rilke (1875-1926)


nasceu em Praga. Escreveu em
alemão e viveu na Rússia, na França,
na Alemanha, em Itália e na Suíça

E 64
aberto Muitos
Q poetas
ue metafísica é a metafísica de Rainer Maria Rilke? Em 1912, Rilke começa a escrever uma sequência de elegias
A trilogia reunida no volume “O Livro de Horas” no Castelo de Duíno, perto de Trieste, propriedade de uma
(1899-1903) e a obra-prima modernista “As Elegias de metafísicos mecenas, a princesa Marie von Thurn und Taxis-Hohenlohe. Ao
Duíno” (1923) respondem a essa pergunta. Tanto os poemas-
oração, primeira obra de maturidade poética, como os hinos
procuram longo de uma década, em diferentes países, vai incorporando
nas elegias o pensamento filosófico da modernidade, os
exaltantes, à Hölderlin, são grandes textos “impessoais” que tornar visível labirintos freudianos a que no entanto se esquivava, as teorias
no entanto dependem muito de experiências pessoais como da consciência e as hipóteses sobre a ininteligibilidade do
as viagens à Rússia com Lou-Andreas Salomé e a morte de
o invisível, mundo, além de acontecimentos catastróficos como a I Guerra.
pessoas próximas como a artista Paula Modersohn-Becker, mas Rilke A décima e última elegia seria terminada no Castelo de Muzot,
a quem Rilke dedicou o extraordinário ‘Requiem por uma na Suíça, em 1922. Mais do que lamentos, as elegias procuram
amiga’ (aqui anexado às “Elegias”), hino à morte que é, quis uma superação da elegia, quer dizer, uma superação da morte.
metafisicamente, um hino à transformação.
Devedor da intensa espiritualidade russa, o oitocentista “Livro
transformar Rilke escolhe como personagens-guia as amantes infelizes
(como a poeta italiana Gaspara Stampa) e os anjos (que,
da Vida Monástica” (1899), escrito na perspectiva de um o visível em sublinhou com veemência, não são os anjos do cristianismo).
monge, pintor de ícones, exprime uma devoção inquieta que Amantes e anjos representam a mesma visão de um tempo
identifica a busca de Deus com o acto criativo, até na medida
invisível prolongado, uno, a que Rilke chama o “Aberto”. As amantes
em que o monge “inventa” Deus pictoricamente. Por isso, a trágicas, e por extensão todos os amantes, não amam apenas
fé não surge como um dado de facto, mas como um processo, uma pessoa concreta mas participam, platonicamente, da
um devir: “Ando à volta de Deus, da torre ancestral,/ e ando ideia de amor, que transcende os sujeitos. O amor em Rilke
há milénios sem repouso;/ e ainda não sei: sou um falcão, um é assim uma espécie de “comunhão dos santos” que une os
vendaval/ ou um cântico grandioso”. É um Deus declinado mortos, os vivos e os vindouros. E os anjos são as testemunhas
nas suas qualidades de grandeza, presença, vontade, verdade, dessa unidade entre o fugaz e o trans-histórico de que a morte
profundidade, solicitude, mas é também um Deus “escuro”, é a grande ocasião. Como escreveu Rilke ao seu tradutor
inalcançável excepto através de um pensamento-acção, polaco: “A morte é o lado da vida que está distante de nós
“floresta das contradições”. Essas contradições levam a que as e que nós não iluminamos: é nosso dever tentar alcançar a
qualidades de Deus e do “eu” se instabilizem: “Muitas vezes, maior consciência possível da nossa existência, à vontade
quando te vejo em pensamento,/ separa-se a tua omnifigura:/ em ambos esses ilimitados domínios e deles se alimenta
tu passas como puras corças em claro movimento/ e eu sou inesgotavelmente.”
escuro e sou floresta pura”. A “omnifigura” de Deus acaba Muitos poetas metafísicos procuram tornar visível o
mesmo por confundir o humano e o divino, até não sabermos QQQ invisível, mas Rilke quis transformar o visível em invisível,
bem quem é escuridão e quem é floresta: “Que farás tu, meu O LIVRO DE HORAS na medida em que considerava o invisível “uma categoria
Deus, quando eu morrer?/ Sou o teu cântaro (quando me Rainer Maria Rilke superior da realidade”. A experiência interior e a exterior,
quebrar?)/ Sou a tua bebida (quando me estragar?)/ Sou o teu Assírio & Alvim, 2020, tal como a imanência e a transcendência, fazem parte de
manto e o teu operar,/ comigo tu o teu sentido vais perder” (a trad. de Maria Teresa Dias uma “totalidade”, que não é um Além metafísico. Essa ideia
tradução de sucessivas rimas com o verbo no infinitivo, ainda Furtado, 360 págs., €17,70 de eternizar o fugaz através do espírito é, como observa
que procure a fidelidade ao original, prejudica muitíssimo os Poesia Maria Teresa Dias Furtado, uma ideia muito adequada ao
textos enquanto poemas eufónicos em português). cristianismo, mas o anjo pode ser visto como uma figura
A peregrinação interior do livro de 1899 continua, de forma mais abstracta ainda, bela e terrível, como o qualificam as
andarilha, mas com a mesma subjectividade, em “O Livro da elegias, uma entidade imaginativa para quem tudo existe
Peregrinação” (1901). O “eu” aqui é mais sofredor, consciente na medida em que tudo é igualmente invisível. Os homens
da vida vivida e do “arsenal das coisas por viver”, mas é vivem em estado de despedida, mas os anjos despediram-
também mais determinado: “Extingue os meus olhos: ainda te se da despedida. Rilke, diga-se, não despreza a vida, breve
posso ver,/ fecha-me os ouvidos: ainda te posso ouvir,/ e sem mas clamorosa; mas enquanto os outros poetas tentaram
pés ao teu encontro posso ir,/ e até sem boca teu nome hei- interpretar a vida, ele quis transformá-la: “A nossa/ vida
de dizer”. O sujeito caminha com desesperança e confiança, esvai-se na transformação. E o que é o exterior, cada vez
desconfia dos teólogos mas esboça uma teologia pessoal: a de mais diminuto,/ desaparece. Para onde havia outrora
um Deus-pai que tem nos humanos os seus herdeiros, pequenos uma permanente casa,/ propõe-se agora uma construção
deuses mortais. O terceiro tomo da trilogia, “O Livro da Pobreza concebida, a toda a extensão,/ da ordem do pensável, como
e da Morte” (1903) encontra novos obstáculos, mas a morte e QQQQQ se estivesse toda ainda no cérebro”. E, como sugere a ‘Nova
a pobreza não os são, visto que a primeira aparece como “um AS ELEGIAS Elegia’, à linguagem dessa transformação chamamos poesia:
grande clarão que vem do interior”, sinónimo de despojamento DE DUÍNO “Aqui é o tempo do dizível, aqui a sua pátria./ Fala e proclama.
e de recusa do excesso e da azáfama, ao passo que a segunda Rainer Maria Rilke Mais do que nunca/ perecem as coisas, as que se podem viver,
pois/ o que as substitui, tomando o seu lugar, é um fazer sem
GETTY IMAGES

não é um fim mas um legado, é “a morte que trazemos em nós”, Assírio & Alvim, 2020,
a finitude como manifestação do divino na subjectividade, trad. de Maria Teresa Dias imagem”. b
de tal modo que o sujeito não pede a superação da morte mas Furtado, 144 págs., €14,40
apenas que Deus dê “a cada um a sua própria morte”. Poesia Pedro Mexia escreve de acordo com a antiga ortografia

E 65
Escrita desatada
Clara Usón
recupera a história
de uma atriz do
chamado ‘cinema
de destape’ QQQ QQQQQ
ABC DA TRADUÇÃO RECTIFICAÇÃO

LEONARDO CENDAMO/GETTY IMAGES


Marco Neves DA LINHA GERAL
Guerra & Paz, 2020, 106 págs., José Alberto Oliveira
€12,50 Assírio & Alvim, 2020, 152 págs., €14,40
Ensaio Poesia

A profissão de tradutor é, por natureza, Em tempos de acentuada monotonia


‘invisível’. Da tradução literária à poética, “Rectificação da Linha Geral”
empresarial, passando pela legendagem destaca-se por uma depuradíssima
de filmes e programas televisivos, o aspereza e pelo modo exímio como
cenário não muda: se o trabalho ficar se furta à “unidade”. De facto, na

N
ascida em 1961, Clara Usón esfinge, colhida na flor da idade, bem feito, quase ninguém dá por ele; sua corajosa amplitude de temas e
tinha 14 anos quando para construir um espantoso mas se houver erros de palmatória, registos (sempre mais próxima de Eric
morreu o Generalíssimo, novelo de memórias, de reflexões descuidos, imprecisões, cai logo o Dolphy ou de Archie Shepp do que
que governara Espanha com mão e de experiências, próprias e Carmo e a Trindade. Quando o texto em de Stan Getz), José Alberto Oliveira
de ferro durante décadas. Logo alheias, onde se misturam as português até se revela melhor do que confronta-nos com uma recusa da
após a transição democrática, difíceis relações da narradora o original, o mérito da boa prosa tende perfeição, quer a nível literário quer
os jovens procuravam um corte com a mãe, as ideias de Camus a ser atribuído ao autor; mas quando existencial: “Já não quero viver neste
radical com o passado: “Queríamos sobre o suicídio, a vida e obra de se detetam falhas e incongruências, tempo,/ em que a decência deu o
divertir-nos, queríamos ser Ludwig Wittgenstein, a Espanha algumas delas já presentes no texto peido-mestre/ e o futuro não tem
modernos (por oposição aos da movida e muitas outras coisas. de partida, o dedo é logo apontado a utopia/ que o resguarde.” O humor
nossos pais, esses filhos de Franco, Usón não acredita na ‘unidade’ quem traduz. Contra estas injustiças e a autoironia afastam-nos de um
a quem chamávamos ‘velhos’), do romance: “Penso, como e perceções distorcidas, contra esta pendor trágico, mas não conseguem
queríamos experimentar tudo, Cervantes, que o romance é ‘escrita invisibilidade, Marco Neves decidiu ofuscar o desencanto que se dá a ler,
queríamos ser europeus! E não, não desatada’, onde cabe tudo, até a escrever um livro em registo de crónica por exemplo, em ‘25 de Abril’: “Foi
tínhamos medo nenhum da morte, desordem.” No caso deste livro, desempoeirada, breve introdução a quando alguns/ (terei de me incluir?)
parecia-nos que a nossa juventude a desordem faz todo o sentido, um mister que o próprio não só exerce descobriram/ que a política não era
nos tornava invulneráveis.” É desse porque é uma entropia consciente. como ensina, na Universidade Nova feita/ de ideias, nem para ideias, mas/
período de descoberta e euforia, Única forma, talvez, de falar de de Lisboa. O “ABC da Tradução” de conjeturas, cálculos de lucros/ e
mas também de passos em falso questões tão duras como a luta da começa com um percurso de A a Z taxas de juro.” Dito de outro modo: “A
e sofrimento (as overdoses, a narradora contra a dependência (26 entradas que lançam vários dos moral/ consiste em alguns poderem/
epidemia da sida), que nos fala este dos comprimidos, numa clínica tópicos desenvolvidos mais adiante); fazer o que quiserem/ e muitos mais/
fortíssimo romance de uma das de desintoxicação, período em prossegue com uma explicação — por acabarem na cadeia.” Estamos perante
mais importantes escritoras catalãs que se aproximou perigosamente vezes excessivamente didática — dos uma poesia política, embora cética,
da atualidade. da loucura e do “poço negro” de vários tipos de tradução, suas técnicas, pelo que não nos surpreenderá um
O foco da narrativa recai em onde não há regresso. Esse “poço materiais e ferramentas; antes de se aceno explícito a José Miguel Silva
Sandra Mozarovski, estrela precoce negro” que já não a seduz, “embora deter em armadilhas clássicas (os falsos (“Nesta fábrica da literatura/ nunca
do ‘cinema de destape’, género saiba que está à minha espera amigos, as formas de tratamento, os nos encontrámos”), passível de evocar
muito popular na época, mistura e que um dia, um dia qualquer, problemas com a estrutura das frases, o “Herberto Helder, eu nunca tomei
de terror com erotismo, destinado quando não estiver a contar com etc.) e em dicas práticas (por exemplo, uma bica consigo” de Joaquim Manuel
a um público desejoso de ver isso, hei de enfrentar a água turva, qual a melhor maneira de rever uma Magalhães, no que isso possa ter de
raparigas a mostrar as mamas. insondável”. / JOSÉ MÁRIO SILVA tradução concluída em cima do prazo “queda no real”. Mas, aqui, trata-se
Sandra era uma dessas jovens e que já não podemos ver à frente). O sobretudo da delapidação do real, num
atrizes e rodou mais de 20 filmes registo é informal, nada académico, tom elegíaco que tem muito de romano
até aos 18 anos, quando morreu acessível a quem apenas deseje ficar (e de grego, também), demonstrando
em circunstâncias misteriosas. Os com uma ideia do que são os bastidores uma invulgar capacidade de alternar o
boatos sobre uma relação secreta da tradução, mas também útil a quem ubi sunt com o sic transit (ferozmente
com o rei, Juan Carlos I, e uma faz desta ‘arte’ o seu modo de vida. Aqui denunciado em ‘Louvor dos prémios
suposta gravidez adensaram o e ali, apontamentos de humor são bem- literários’). À resignação pessoal
mistério. Será que caiu mesmo da vindos, como quando Marco Neves (“nem me dói/ ser quem sou, outro/
varanda dos pais ao regar as flores aborda as limitações dos sistemas de caminho não havia”) contrapõe-se um
às três e meia da manhã? Terá sido tradução automática e lembra que “os seco balanço poético: “Já não espero
suicídio? Ou foi antes ‘suicidada’, QQQQ tradutores humanos deverão continuar escrever/ o poema que garanta/ o lugar
como sugerem alguns rumores na O ASSASSINO TÍMIDO a ser necessários, pelo menos até ao em antologias/ do início do século.”
internet? Clara Usón dia em que um computador imite tão Tudo isso, aliás, acaba por esmorecer
Em vez de esgravatar o lado Teodolito, 2020, trad. de Maria bem um ser humano que comece a perante a mais pequena e esmagadora
sórdido da história de Mozarovski, Manuel Viana, 153 págs., €14 cansar-se de traduzir ao fim de um dia das certezas: “a morte virá — por isso
Clara Usón parte dessa espécie de Romance de trabalho”. / J.M.S. nada temas”. / MANUEL DE FREITAS

E 66
O INFINITO

E ainda...
NA PALMA
DA SUA MÃO
Marcus Chown
Vogais, 2020,
283 págs., €17,69

BARBARA ZANON/GETTY IMAGES


São “50 Maravilhas Que Revelam
Um Universo Extraordinário”, diz o
QQQQ QQQQ subtítulo. E quem as sugere é um
CORAÇÃO — UMA HISTÓRIA OS INFORMADORES experiente escritor de divulgação
Sandeep Jauhar Juan Gabriel Vásquez científica, autor de vários livros.
Elsinore, 2020, trad. de Rita Canas Mendes, Alfaguara, 2020, trad. de Hugo Neste chega-se aos grandes
331 págs., €19,99 Gonçalves, 299 págs., €19,90 temas através de pequenas (e
Ensaio Romance acessíveis) histórias.
SEMENTES MÁGICAS
O coração é o lugar de todas as metá- Um romance pode não equivaler a V. S. Naipaul
foras, em especial as que têm a ver com (apenas) uma história. Pode, como neste Quetzal, 2020, 318 págs., €18,80 O MOCHO
sentimentos: coração frio, coração duro, caso, ser eco de várias, entrelaçadas Último romance deste autor de mais
CEGO
Sadeq Hedayat
coração partido, coração aberto... Quan- e inseparáveis, e tão claras na sua de 20 livros e depositário de um
E-Primatur, 2020,
do alguém não se comove com a miséria individualidade que se conseguem Prémio Nobel, em que se fala de um
141 págs., €13,90
das outras pessoas, dizemos que não tem contar por separado. Juan Gabriel homem cuja peregrinação de vida
coração. Independentemente de saber Vásquez alcança esse feito, e mais não lhe revela a sua identidade —
se essas atribuições são merecidas, o co- um: esconder e revelar os segredos até ter uma revelação. Um dos grandes títulos do sécu-
ração está intimamente relacionado com no momento certo, de modo a que lo XX, mais uma novela do que
as emoções, ao ponto de às vezes elas o o leitor os descubra ao mesmo um romance, é um livro proibido
levarem a mudar literalmente de forma, tempo que as próprias personagens. PRAZER EM pelo regime islâmico. Tem fama
no fenómeno conhecido como mio- Em “Os Informadores”, o segredo
CONHECER-ME de maldito por induzir os leitores
Bill Sullivan
cardiopatia Takotsubo. Sandeep Jauhar é tanto histórico como familiar. ao suicídio, com a sua aguda
Vogais, 2020, 336 págs.,
descreve ainda como “o desencadear Histórico, porque traz à luz a forma reflexão sobre a alucinação e a
€21,98
crónico de reações de stress liberta como, na Colômbia dos anos 1940, o loucura.
hormonas, como a adrenalina e o cortisol, Governo ordenou o confinamento de
que estreitam os vasos sanguíneos e simpatizantes nazis — e no enredo, Sara Livro de divulgação escrito por um
causam retenção de sal. Isto, por sua vez, Guterman, que fugiu da Alemanha e professor de microbiologia, sobre
leva a mudanças de longo prazo, como da deportação rumo a Bogotá por ser como esta, aliada à psicologia e à Top Livros Semana 12
De 16/3 a 22/3
o espessamento e o endurecimento das judia, esteve ironicamente a um passo genética, influencia as nossas ações. Ficção
paredes arteriais, que aumenta a tensão de ser ali detida por ser alemã. E familiar, Tudo, ou quase tudo, pode ser ras- Semana
anterior
arterial que o organismo tenta man- na medida em que um filho descobre, treado até o ADN.
ter”. Quanto à subida de tensão arterial após a morte do pai, as zonas ocultas A Rapariga Nova
1 1 Daniel Silva
provocada pela depressão, pode causar da vida deste; as várias fases mudas
“inflamação muscular, perturbando o de um homem que era um importante OS TRÊS IRMÃOS 2 3 Ganhei Uma Vida Quando Te Perdi
funcionamento do sistema nervoso professor de retórica. O que não se sabe,
QUE NUNCA Raul Minh’Alma
DORMIAM O Tatuador de Auschwitz
autónomo e aumentando os coágulos o que não se diz, pode definir alguém 3 2 Heather Morris
Giuseppe Plazzi
sanguíneos”. Enfim, há q.b. de factos e definir também a sua relação com o
Elsinore, 2020,
4 A Coragem de Cilka
assustadores neste livro — se quiserem mundo. Assim como o passado, esse 4
240 págs., €16,69 Heather Morris
uma história de horror desenvolvida, bloco compacto de factos consumados Imortal
leiam a página 170, onde surgem descri- e aparentemente fechados num bolha O que é o sono? Escrito por um neu- 5 - José Rodrigues dos Santos
tos os efeitos da placa de gordura. Mas temporal influencia o presente, ao ponto rologista que lembra Oliver Sacks, As categorias consideradas para a elaboração deste top
foram: Literatura; Infantil e Juvenil; BD e Literatura Importada
nem tudo o que Jauhar conta é negro. de ambos não se conseguirem distinguir. este ensaio gira em torno desta per-
Cardiologista especializado em insufici- Em “Os Informadores”, o que importa gunta, exemplificando com casos
ência cardíaca, com um cadastro familiar é a forma como os acontecimentos clínicos e conduzindo uma viagem Não ficção
e pessoal pouco tranquilizador nessa passados tocam com o seu longo braço pela vida noturna do cérebro e os Semana
anterior
área — dois dos seus avós morreram de toda uma conceção do presente, como seus distúrbios.
A Arte Subtil de Saber Dizer Que...
ataque cardíaco e ele próprio tem um tingem o agora com a sua cor. Como, 1 2 Mark Manson
problema —, o que faz aqui é celebrar os na verdade, não passaram, continuando + Vida + Saúde + Tempo
extraordinários avanços da cardiologia a transformar tudo quanto tocam. Este O VELHO 2 1 Manuel Pinto Coelho
moderna, desde a angioplastia até aos filho jornalista, de seu nome Gabriel
EXPRESSO
DA PATAGÓNIA 3 3 Estamos Grávidos. E Agora?
transplantes, falando dos seus prota- Santoro, atravessará o livro nesta busca, Carmen Ferreira
Paul Theroux
gonistas (incluindo o pioneiro heroico fará de nós seus cúmplices. Está a As Gémeas de Auschwitz
Quetzal, 2020, 4 -
que, em 1929, inseriu um cateter em si escrever o livro que nós estamos a ler, 502 págs., €16,60
Eva Mozes Kor e Lisa Rojany Buccieri
mesmo, levando-o até ao coração) e o livro em que o pai “deixaria de ser a Sapiens — História Breve da...
5 -
referindo casos clínicos seus bem como figura falsa que ele mesmo assumira Referência da literatura de viagens, Yuval Noah Harari
memórias de natureza mais pessoal. É e reclamaria a sua posição diante de este livro começa em Boston e As categorias consideradas para a elaboração deste top
foram: Ciências; História e Política; Arte; Direito,
uma combinação eficaz e pedagógica. mim como fazem todos os nossos percorre, de fronteira em fronteira, Economia e Informática; Turismo, Lazer e Autoajuda

Jauhar avisa que as futuras evoluções mortos: deixando-me como herança a América até à linha ferroviária da Estes tops foram elaborados pela GfK Portugal,
através do estudo de um grupo estável de pontos
da cardiologia já não deverão prolongar a obrigação de o descobrir, de o Patagónia argentina. Pelo meio há de venda e de dois canais de distribuição: livrarias/outros
(hipermercados e supermercados). Esta monitorização
muito mais a vida. O que faz a diferença interpretar, de averiguar quem fora ele Buenos Aires e um encontro com é feita semanalmente, após a recolha da informação
eletrónica (EPOS) do sell-out dos pontos de venda.
agora é a maneira de viver. / LUÍS M. FARIA de verdade”. / LUCIANA LEIDERFARB Jorge Luis Borges. A cobertura estimada do total do mercado é de 80%

E 67
Coordenação João Miguel Salvador
jmsalvador@expresso.impresa.pt

A morte ou sobrevivência
de Nairobi é um dos mistérios
NETFLIX

que ficou por revelar


na terceira parte da série

E 68
Teoria do caos
posta em prática
Alba Flores, Darko Peric e José Manuel Poga falaram ao Expresso sobre a quarta parte
de “La Casa de Papel”. Os novos episódios da série espanhola, que se tornou um fenómeno
global, já estão disponíveis na Netflix. Pode bater recordes de audiência nos próximos dias
TEXTO JOÃO MIGUEL SALVADOR

N
airobi em Madrid, Helsinki parte de thriller” que caracterizou seu sucesso (outros são revelados no
em Barcelona, Gandía a entrada da Netflix na produção documentário “El Fenómeno”, já em
em Sevilha e o Expresso (antes disso não tinha ido muito streaming).
em Lisboa. Alba Flores brinca além de pequenos ajustes antes da Enquanto os atores vestiam os
com os colegas à distância e por distribuição global de um produto característicos fatos vermelhos
videoconferência. “Há quanto acabado). Nos cinco novos episódios no set obscuro de um Banco de
tempo não vos via?”, pergunta a a que o Expresso teve acesso antes Espanha ficcional, a equipa de
atriz espanhola a Darko Peric e da estreia (intitulados ‘Game Over’, rodagem aproveitava as quintas-
José Manuel Poga, numa altura ‘O Casamento de Berlin’, ‘Lição de feiras para usar camisas havaianas.
de paragem total das produções Anatomia’, ‘Suspiro de Espanha’ e É apenas uma das curiosidades de
também em Espanha. Quanto ao que ‘5 Minutos Antes’), nota-se também um grupo “invisível” que Alba não
se segue, o tempo é ainda de (quase) um certo regresso às origens (sem se cansa de destacar. “Nós somos
total incerteza. Ainda assim, o bom os artifícios que o dinheiro traz a só a face visível de um trabalho
humor reina entre os atores de “La uma produção que começou local). enorme”, onde se conta todo o
Casa de Papel”. O foco em determinada personagem pessoal técnico mas também
“O que eu sei é que já toda a gente num episódio específico mantém-se, criativo. Jesús Colmenar, Javier
deu autógrafos, foi seguida por fãs, mas há alterações no que diz respeito Quintas, Koldo Serra e Álex Rodrigo
e ganhou seguidores. Agora que era às lideranças — tanto dentro como são os realizadores desta temporada,
a minha vez estamos fechados em fora do grupo de assaltantes. No liderada pela showrunner Cristina
casa. E eu nem tenho redes sociais”, entanto, há que manter o suspense, López Ferraz, com direção de
compõe José Manuel Poga, que se para não estragar a experiência. fotografia de Miguel Amoedo e
preparava para ganhar um maior Quanto ao futuro da série, sabe-se já direção de arte de Abdón Alcañiz.
protagonismo com a personagem que o sucesso global de “La Casa de A Alba Flores, Darko Peric e José
Gandía, numa jogada arriscada. Papel”, regressado esta sexta-feira à Manuel Poga juntam-se no elenco
“O jogo de xadrez continua e há Netflix para a estreia da sua quarta nomes como o de Álvaro Morte (o
novos movimentos das peças para se parte, voltará pelo menos para uma Professor), Úrsula Corberó (Tokio),
conseguir sair do banco”, começa quinta série de episódios — com Pedro Alonso (Berlin), Itziar Ituño
por dizer Alba Flores, sem revelar possíveis spin-offs num futuro (Lisboa), Miguel Herrán (Rio),
praticamente nada —muito menos ainda desconhecido. “Vai haver ‘La Esther Acebo (Estocolmo), Jaime
sobre a sorte da sua personagem, Casa de Papel’ enquanto as pessoas Lorente (Denver), Luka Peros
Nairobi, algures entre a vida e a quiserem”, atira Alba, e a verdade é (Marselha), Hovic Keuchkerian
morte no final da terceira parte. que há várias possibilidades em cima (Bogotá) e Rodrigo de la Serna
Mas a atriz rapidamente desfaz da mesa, sabe o Expresso. De uma (Palermo), na resistência. Terão de
parte do mistério, mostrando que a série com uma narrativa fechada estar sempre um passo à frente da
série vai entrar num período ainda após duas partes, os argumentistas polícia, liderada por Najwa Nimri (a
mais crítico. “Vão ser episódios — sob direção de Javier Gómez implacável Inspetora Sierra).
muito duros”, avança, nos quais “já Santander — criaram uma trama Pode o caos ser um recomeço para o
não está em jogo escapar ou não à mais vasta, capaz de crescer em grupo de assaltantes ou tudo estará
prisão. Agora o objetivo é mesmo direções diversas. Chegou até a perdido? A resposta é dada em
escapar com vida”, depois de o falar-se de transportar a ação para oito episódios, que se espera terem
LA CASA DE PAPEL Professor pensar que Lisboa havia os Estados Unidos, para um assalto audiências recorde nos próximos
De Álex Pina sido executada e de Rio e Tóquio de proporções ainda maiores, mas dias. Já há quem aposte que a série
Com Álvaro Morte, Alba Flores, explodirem um tanque do exército. até ao momento nada é oficial, de língua não inglesa mais vista de
Darko Peric, José Manuel Poga No rescaldo da ação dos capítulos numa produção da Vancouver Media sempre atingirá um novo patamar de
Netflix, em streaming anteriores, Darko Peric vê na quarta que tem no bom ambiente nos sucesso. b
(Parte 4) parte um esforço para “se dosear a bastidores um dos segredos para o jmsalvador@expresso.impresa.pt

E 69
1941: particularmente difícil no capítulo
dos exteriores. Ao contrário de

Espiões
Espanha ou de Itália, onde é fácil
sair à rua e, com meia dúzia de
retoques, estarmos nos anos 40, em

em Lisboa Portugal é preciso grande pesquisa


de locais e uma enorme ‘ginástica’
na dimensão dos planos ou um uso
massivo de efeitos digitais, em geral

H
á ideias temáticas que muito fora dos nossos orçamentos. I AM NOT OK WOMEN OF TROY
espanta nunca terem sido Nada a dizer a respeito de
WITH THIS De Alison Ellwood
De Jonathan Entwistle e Christy Hall Com Cheryl Miller,
exploradas em todo o seu guarda-roupa, cabelos, adereços,
Com Sophia Lillis, Wyatt Oleff, Sofia Bryant Cynthia Cooper (EUA)
potencial nas ficções de cinema e relacionamentos sociais, fatores
Netflix, em streaming HBO Portugal, em streaming
televisão que por cá se fazem. Uma essenciais para que o espectador (Temporada 1) Documentário M/15
delas é a realidade portuguesa dos mergulhe noutro tempo e se
anos da Segunda Guerra Mundial, atenha ao desenvolver da ação
com o seu rol de refugiados, em vez de tropeçar em detalhes Quem, por mera casualidade geracional, A WNBA (Women’s National Basketball
espiões, carestias, a Exposição do incongruentes. Aqui, não os há, fez no início dos anos 90 do século XX Association), versão feminina da NBA
Mundo Português a fazer festa e e a história, centrada em duas a sua era ‘formativa’, poderá recordar norte-americana, fundada em abril
brilho enquanto a Europa estava a mulheres livres, amigas de longa o impacto que uma série norte- de 1996, é hoje uma liga desportiva
ferro e fogo e as grandes comédias data de colégio burguês, que são americana ligeiramente desviada do popular e altamente profissionalizada,
lusas (“O Pai Tirano”, “O Pátio recrutadas como remuneradas mainstream teve por estes lados, numa com estrelas que arrastam milhares
das Cantigas”) nos ecrãs. Que me espias eventuais, encontra terreno altura em que quatro canais de televisão de fãs. Mas, até há bem pouco tempo,
lembre, sem vasculhar demais em para crescer e nos fixar ao longo e uma antena no telhado serviam para isso não passava de uma miragem.
arquivos, poucos foram os filmes dos oito episódios que dura. as encomendas. “Parker Lewis” era Este documentário leva-nos à primeira
que por ali andaram (“As Ruínas O elenco, muito sonante e ziguezagueante, irónica, autorreflexiva, metade dos anos 80 e centra-se nas
no Interior”, de José de Sá Caetano encabeçado por Daniela Ruah, muito mais inteligente do que as “mulheres de Troia” — assim eram
— uma grande obra esquecida Maria João Bastos, Diogo Morgado, sitcom de liceu de linha de montagem e ainda são conhecidas as Trojan da
—, “Passagem por Lisboa”, Adriano Carvalho, Marco (vem à memória charcutaria anónima University of South California (USC).
de Eduardo Geada, “Fantasia d’Almeida e António Capelo, tem como “Já Tocou”) e tinha um narrador Num jogo histórico, a 3 de abril de
Lusitana”, de João Canijo). em geral arcaboiço que baste. (o protagonista, uma espécie de Fido 1983, elas defrontam as campeãs Lady
É bom ver agora estrear em “A Espia” permite, aliás, a Diogo Dido com camisas ridiculamente early Techsters, do Luisiana, e arrebatam o
televisão uma série que cai em Morgado a melhor interpretação nineties) que se via de fora, como se no título daquele escalão universitário,
cima dessa época, sobretudo pela que dele lembro, num engenheiro momento presente recordasse já com lançando definitivamente Cheryl Miller
vertente das redes de espionagem alemão das minas de volfrâmio nostalgia um tempo vivido. A estética — lenda viva daquele desporto que
que, em Portugal, se cruzavam, que se vai revelando uma surpresa e algumas dinâmicas eram as de “O está para o basquetebol feminino como
entre obediências alemãs, — sobretudo nos episódios Rei dos Gazeteiros”, ali plasmadas num Michael Jordan para o masculino. Ainda
fidelidades britânicas, a polícia terminais da série onde muitos cordel de três temporadas, matéria hoje se fala de um a.C. e de um d.C.:
política portuguesa (PVDE) em volte-faces acontecem. capaz de espetar lança em terra virgem “antes e depois de Cheryl”. “Women of
movimento e a dificuldade dos / JORGE LEITÃO RAMOS — o que hoje talvez apelidássemos de Troy” dá-nos o percurso dela, desde um
tempos a facilitar venalidades, série indie. Três décadas volvidas, as certo jogo em Riverside que quebra oito
corrupções. séries ‘alternativas’ com adolescentes recordes estaduais e termina com um
Diga-se, à partida, que se trata são agora também pensadas para estonteante 179-15. Miller marca 105
de uma grande aposta da Ukbar pais de adolescentes. Não por acaso, pontos, tem apenas 17 anos. Começa
Filmes e da RTP (basta dizer que, A ESPIA “I Am Not OK with This” traz consigo então para a californiana uma meteó-
além de Jorge Paixão da Costa De Jorge Paixão da Costa uma banda sonora muito ‘indie-com- rica carreira selada a ouro nos Jogos
que a assina, os realizadores de Com Daniela Ruah, Maria João Bastos, guitarras-dos-anos-80’, composta por Olímpicos de 1984 e que vai terminar
segunda linha são João Maia e Diogo Morgado (Portugal/Espanha) um músico ‘nascido’ no arranque dos estupidamente, dois anos depois, com
Edgar Pêra), visível, desde logo, RTP1, estreia quarta, 21h 90, Graham Coxon, guitarrista dos Blur. uma rotura de ligamentos não tratada
na reconstituição de época, (Temporada 1) Era ele o compositor por trás da inglesa no seu devido tempo. “Senti-me um
“The End of the F***ing World”, série leão sem dentes que deixou de estar
igualmente com uma dupla de misfits no topo da cadeia alimentar”, conta a
como protagonistas, também com atleta. Tinha apenas 22 anos. “Women
Jonathan Entwistle atrás da câmara of Troy” é mais do que um mero
e, não estranhamente, baseada numa documentário de talking heads sobre
BD de Charles Forsman. Neste embate Miller e outras atletas de alto nível,
de séries UK vs. USA ganha a primeira, como a sua colega Cynthia Cooper.
que não envolvia malabarismos Recorre muito a arquivos dos anos 80 e
telecinéticos (o único spoiler que qualquer operador de câmara daquela
aqui lerão) e pareceu sempre mais década sabia filmar decentemente. Só
‘perigosa’ do que a segunda. Com um é pena notar-se que o filme tem tanto
fim convenientemente em aberto (o mais para contar do que aquilo que a
isco para a segunda temporada antevia- sua duração televisiva lhe impõe: é que
se), “I Am Not OK with This” vinga a WNBA não existiria hoje sem aquelas
sobretudo pelo par de estrelas: Sophia mulheres. Eis um filme feminista que
Lillis no ponto de afirmação e Wyatt não precisa de se pôr em bicos dos pés
Oleff a levar o prémio revelação. O que para reclamar e justificar esse estatuto.
Daniela Ruah é uma jovem mulher recrutada como espia britânica na Segunda Guerra já não é mau. / LUÍS GUERRA / FRANCISCO FERREIRA

E 70
E ainda...
THE BRAND NEW
TESTAMENT
De Jaco Van Dormael
SILÊNCIO SIC Radical, amanhã, 00h30
FALA-ME DE UM DIA PERFEITO MICHELA’S De Martin Scorsese E se Deus for afinal um homem ra­
De Brett Haley CLASSIC ITALIAN RTP1, quarta, 00h30
bugento de meia­idade que vive em
Com Elle Fanning, Justice Smith, Luke De Michela Chiappa
Andrew Garfield e Adam Driver Bruxelas? É este o ponto de partida
Wilson (EUA) 24Kitchen, estreia terça, 21h50
protagonizam com Liam Neeson a para a comédia, na qual a filha Eva
Netflix, em streaming (Temporada 1)
Drama/Romance M/16 adaptação do livro sobre dois jesuí­ decide enviar mensagem a todos os
tas portugueses no Japão no século humanos com a data da sua morte.
XVII. Um projeto que acompanhou
Reduzidos às novidades que chegam Itália passa agora por um momento Scorsese durante duas décadas.
às plataformas de streaming e afins, conturbado na sua história, mas este
debruçamo­nos agora sobre o drama programa é uma autêntica celebração
romântico estreado na Netflix. Trata­se da vida para se fazer à volta da mesa.
da adaptação de um best-seller para Ou não fossem o valor da família e da
jovens adultos, onde se sonda a paixão gastronomia dois dos mais importantes
de dois adolescentes esquartejados por para os italianos. Desta feita, a chefe
duas pulsões contrárias: as do amor e da e estrela de televisão italo­galesa,
morte. Passemos já as apresentações: Michela Chiappa, estreia em Portugal NATIVE SON PROGRAMA DA NOITE
ela é uma rapariga ‘de boas famílias’ a primeira de três séries — a “Michela’s De Rashid Johnson De Nisha Ganatra
HBO, em streaming TVCine Top, hoje, 21h30
que, no início, sobe ao muro da ponte Classic Italian” seguir­se­ão “Michela’s
da sua cidade de província, para Tuscan Kitchen” e “Simply Italian”— Longa­metragem sobre um jovem Emma Thompson dá vida a Katheri­
contemplar a possibilidade de se dedicadas às suas raízes. Para início afro­americano, chamado Bigger ne Newbury, apresentadora de um
suicidar (porque está ainda a tentar de conversa, e por falar em conversa Thomas (interpretado por Ashton talk-show de sucesso acusada de
recuperar da morte da irmã). Quem há convidados especiais como Jamie Sanders), que vai trabalhar para uma não ser feminista. Para provar o con­
a encontra é um colega de turma Oliver no programa, Michela propõe família branca e rica de Chicago. O trário, contrata uma jovem inexperi­
sociopata, que foi carinhosamente uma série de 10 receitas italianas novo emprego vai mudar­lhe a vida. ente para colaborar consigo.
batizado no liceu como ‘The Freak’. tradicionais (fáceis, promete) que
Ele convence­a a regressar a terra estão entre as suas preferidas. E da
firme e, nos dias seguintes, tentará seleção fazem parte não apenas pratos
aproximar­se dela. Para isso, propõe­ reconhecidos como também refeições
lhe que realizem juntos um trabalho que são autênticos segredos familiares
escolar que os levará a visitar as belezas (passados pelos avós italianos da
do seu estado natal: o do Indiana. O apresentadora). Depois, em “Michela’s
que se segue é a descrição de um Tuscan Kitchen” é tempo de se seguir GRACE AND FRANKIE
romance que vai sendo estorvado pela viagem para Itália, em busca de De Marta Kauffman e Howard AUGA SECA
J. Morris De Alfonso Blanco
evocação dos passados dolorosos do pontos gastronómicos de referência
Netflix, em streaming HBO Portugal, em streaming
par. Nesse processo, o que mais se — paragens obrigatórias para explorar
(Temporadas 1 a 6) (Temporada 1)
nota é o esforço que o filme faz para os pratos e ingredientes exclusivos da
forjar um mundo que seja visualmente região toscana. Dos vibrantes mercados Crónica quotidiana de duas amigas Thriller policial luso­espanhol sobre
acolhedor, socorrendo­se de décors às movimentadas bancas de comida muito diferentes que vão viver jun­ o tráfico de armas e as suas ligações
asséticos (aquelas casas e aquele liceu tradicional, passando pelos produtores tas ao descobrirem que os maridos com o mundo dos negócios. A atriz
estão sempre imaculados) e de uma tradicionais e pelas trattorias formam um casal gay. Jane Fonda e Vitória Guerra assume o papel prin­
paleta que privilegia os tons quentes. familiares, há muito para descobrir Lily Tomlin protagonizam. cipal nesta série falada em portu­
De facto, mesmo quando explora as (e levar para a cozinha, onde serão guês e galego.
dissonâncias afetivas das personagens, preparados pratos italianos inspirados
o ‘tom visual’ do filme é invariavelmente nessas mesmas experiências). Por fim,
reconfortante — o que, por excesso de em “Simply Italian”, Michela Chiappa
‘amparo’, tira força aos seus conflitos. dará verdadeiras aulas de introdução
Sente­se que Brett Haley fica refém à culinária italiana. Como preparar
da sua vontade de não incomodar, que, massa fresca? Quais os pratos de
por sua vez, se reflete na sua compulsão massa recheada mais simples? E DJON AFRICA
para ‘fazer bonito’ (abundam os postais quais os molhos tradicionais caseiros VERY RALPH De João Miller Guerra e Filipa Reis
idílicos) e produzir clichés: custa­nos obrigatórios? Chiappa promete não De Susan Lacy RTP1, amanhã, 23h30
acreditar na verdade emocional das se despedir sem responder a tudo o HBO Portugal, em streaming
cenas em que as personagens dançam que o inquieta. Se também procura Autêntico filme de autodescoberta,
ao ar livre. E como, do lado do texto, inspiração para novos pratos na A responsável por “Spielberg” traça o drama é inspirado na verdadeira
descobrimos uma história que, apesar televisão, eis um ingrediente secreto: agora o primeiro retrato documental história do ator Miguel Moreira,
da sua sensibilidade, já nos foi contada todas as emissões são servidas em de Ralph Lauren, um documentário que o protagoniza. Trata­se de uma
mil vezes antes, ficamos com um objeto episódios duplos aos dias úteis, para sobre o ícone da moda que revela viagem em busca das suas raízes
cuja única qualidade notável é a sua que não se perca a frescura da massa. a história desconhecida do homem cabo­verdianas, da identidade de
indistinção. / VASCO BAPTISTA MARQUES / JOÃO MIGUEL SALVADOR por detrás da marca de sucesso. um pai que desconhece.

E 71
Momentos negros,
Coordenação Rui Tentúgal
rtentugal@expresso.impresa.pt

Duas das vozes


mais celebradas da
América do Norte
chegam, em 2020,
a picos criativos
das respetivas
discografias.
Childish Gambino e
Weeknd têm mais
em comum
do que pensam
TEXTO MÁRIO RUI VIEIRA

QQQQ
3.15.20
Childish Gambino
RCA/Sony

QQQQQ
AFTER HOURS
The Weeknd
Republic/Universal

E 72
dias incertos
E
m menos de dez anos, Donald or dislike, coal mine canary”), este não é são dois singles eficazes, embora algo
Glover e Abel Tesfaye tornaram-se um disco particularmente interventivo. previsíveis, mas o álbum dá-lhes um
Donald Glover está
dois dos artistas mais aplaudidos As ‘acusações’ são substituídas por novo contexto. Ao mesmo tempo que
em topo de forma e
edita, meio de e cimentados de uma América do Norte interrogações e divagações: em ‘Time’, mantém o sucesso comercial, Weeknd
surpresa, “3.15.20”, no jovem, negra e cheia de coisas para dueto com Ariana Grande, explora as parece ter conseguido, finalmente, calar
rescaldo do sucesso dizer. O norte-americano Glover decidiu pressões que se abatem sobre nós num as vozes dos que se mostravam céticos
de ‘This is America’ batizar o seu projeto musical com o mundo acelerado “que talvez não seja quanto à sua capacidade de fazer um disco
nome Childish Gambino, como forma de exatamente o que parece”; em ‘12.38’ consistente. Seguindo de forma coerente
o separar melhor do seu percurso como evoca Prince para um momento de pura as pistas que tinha deixado no EP “My
argumentista e ator (em séries como luxúria, acompanhado por Kadhja Bonet, Dear Melancholy”, de há dois anos, “After
“Community” ou “Atlanta”; no filme 21 Savage e Ink; num contundente ‘19.10’ Hours” é uma aventura negra, introspetiva
“Han Solo: Uma História de Star Wars”). recorda conselhos do pai enquanto e menos centrada em frivolidades
O canadiano Tesfaye, que também se exclama que “ser feliz realmente significa sexuais e exercícios de ego. O negrume é
estreou, recentemente, como ator no que outra pessoa não o é”... Há momentos sublinhado por alguma da música mais
filme “Diamante Bruto”, apresentou- em que Glover se leva demasiado a desafiante e fora da caixa que o canadiano
se como The Weeknd. Corria o ano de sério, como numa xaroposa ‘24.19’ ou produziu até ao momento.
2011 e quer o longa-duração de estreia na meio kanyewestiana ‘32.22’, mas Podia ser simplesmente um disco de
do primeiro, “Camp”, quer a trilogia de rapidamente volta a puxar-nos para si despeito, mas “After Hours” é, na verdade,
mixtapes do segundo os colocaram na com a brincalhona lengalenga country um retrato de alguém que se debate com
berlinda como artistas a ter debaixo de ‘35.31’ ou o desabafo ambiental, assente as pressões, medos e contradições da
olho. O percurso de ambos, apesar de em melodia que cheira a brisa quente, vida, tentando encontrar a luz no meio
poder ser visto, à distância, como sempre ‘Feels Like Summer’ (single de 2018 aqui de tanta escuridão. Se em ‘Alone Again’,
em rota ascendente, foi brindado com renomeado como ‘42.26’). A encerrar esplêndida canção de abertura, Weeknd
aplausos e apupos, tanto por parte do o álbum está, provavelmente, a canção se perde em problemas de dependência,
público como por parte da crítica, mas mais desconcertante de ‘3.15.20’: um em ‘Too Late’ desespera com o abandono
este annus horribilis de 2020 acaba de se desabridamente rappado ‘53.49’ traz a que foi votado, numa perigosa confissão
tornar um marco de viragem. Enquanto consigo a esperançosa mensagem “há de mea culpa. São estes sentimentos
Weeknd chega a “After Hours” bem amor em cada instante, debaixo do sol” e que contagiam um disco que raramente
seguro de si, depois de se ter tornado o melhor é mesmo deitarmos tudo cá para consegue deixar entrar alguma luz. Não
uma das maiores vozes da pop injetada fora e dançarmos. temos qualquer problema com isso. A
de R&B do mundo (com êxitos como Depois da epopeica trilogia de mixtapes sensibilidade de ‘Hardest to Love’, a agonia
‘Can’t Feel My Face’, ‘Starboy’ ou ‘Call “House of Balloons”, “Thursday” e de ‘Scared to Live’, a claustrofobia que
Out My Name’), Gambino edita, meio de “Echoes of Silence”, Weeknd viu-se empurra ‘Escape from L.A.’ ou a recaída
surpresa, “3.15.20”, no rescaldo de ‘This numa encruzilhada com o falhanço de ‘Faith’ são partilhas emocionantes de
is America’, uma das canções que colocou criativo e comercial do primeiro álbum, um ser humano que luta contra vícios e
o dedo bem fundo na ferida aberta de uns “Kiss Land”, de 2013. O namoro com o fraquezas. O momento mais sublime do
Estados Unidos em eterna convulsão social grande público tornou-se uma espécie de álbum chega, contudo, quando ‘In Your
e política. É talvez na abordagem lírica, obsessão e os dois subsequentes discos, Eyes’, no meio de toda a sua paixão e
não obstante o facto de navegarem águas “Beauty Behind the Madness” (2015) e sintetizadores, se deixa envolver por um
contíguas em termos de sonoridade, que “Starboy” (2016), trouxeram-lhe uma inesperado e redentor saxofone para, logo
reside a maior diferença entre os dois: se o mão-cheia de sucessos e críticas pouco de seguida, nos atirar para os reflexos da
canadiano nos habituou ao hedonismo e a entusiastas. Este “After Hours” parece, bola de espelhos de ‘Save Your Tears’.
delírios de ego, o norte-americano sempre finalmente, resolver o conflito. Antes As teclas cortantes, quase fúnebres, de
quis mostrar o seu olhar crítico face ao sequer de chegar às lojas e plataformas ‘After Hours’ e o minimalismo sufocante
mundo exterior. de streaming, já contava com dois de ‘Until I Bleed Out’ encerram um dos
Quem entrar por “3.15.20” em busca êxitos: ‘Heartless’ e ‘Blinding Lights’ grandes álbuns pop de 2020 como quem
de algo tão direto e pungente quanto coloca um ponto final num ciclo de
‘This is America’ vai ficar desiludido. autodestruição.
Glover está em topo de forma, mas dá O que sobressai quer de “3.15.20”
alguns passos atrás para ir resgatar a quer de “After Hours” é a vontade que
sua abordagem psicadélica e futurista O que sobressai Childish Gambino e The Weeknd têm de
do R&B ao ambicioso (mas ligeiramente
insatisfatório) “Awaken, My Love!”
quer de “3.15.20” se desafiarem a si próprios. Fazem-no
com plena consciência dos seus talentos e
(2016), acrescentando-lhe camadas de quer de “After Hours” limitações, superam-se e crescem. E isso
experimentalismo e mantendo a sua não só é respeitável como desejável, num
vertente de MC ao largo. Apesar de ‘47.48’ é a vontade que mundo que precisa de avançar e encontrar
apostar forte na denúncia de um violento Childish Gambino novas fórmulas para sobreviver. Por
mundo contemporâneo (“Little boy, little mais virtual e artificial que a vida do ser
girl/ are you scared of the world?”) e de e The Weeknd têm humano se venha a tornar, não há como
um intempestivo ‘Algorhythm’ apontar o
dedo à desumanização do universo virtual
de se desafiarem não encontrar alguma esperança na forma
como um artista luta pela reinvenção. b
(“So very scary, so binary, zero or one/ like a si próprios mrvieira@blitz.impresa.pt

E 73
QQQQQ QQQQ
ARIANNA BEAT POETRY FOR
Kate Lindsey (v), Arcangelo, Jonathan SURVIVALISTS
Cohen (d) Luke Haines & Peter Buck
Alpha/Distrijazz Cherry Red/Popstock
Terça, Jeremy Denk toca

MICHAEL WILSON
seleções de “O Cravo Bem Observe-se com atenção a capa deste Em março de 2013, Luke Haines escre-
Temperado”, de Bach, “Arianna”, que logo virá à memória a veu uma canção de 2 minutos, “apenas
no site do Greene Space senhora X — “enterrada da cintura para com três notas, um riff imbecil e duas
baixo numa rocha”, “presa e desampa- palavras repetidas 72 vezes: Lou Reed”.
rada” numa “praia cheia de pedras” — de Viria a ser a nona faixa de “New York in

Lugares que Jung falava em “Os Arquétipos e o


Inconsciente Coletivo”. Agora, tal como
então, aliás, por intermédio de Handel e
the '70s” (2014). Na capa, um pastiche
de Haines sobre a fotografia de Reed
para “Lou Reed Live” (1975). Durante

H
á exatamente uma semana, de estar do violinista Daniel Hope, Haydn (nas cantatas “Ah, Cruel! No meu três anos, manter-se-á fiel ao propó-
no canal de YouTube da em Berlim, a partir da qual tem Pranto” e “Ariana em Naxos”), favorece- sito de pintar 72 variações sobre essa
Deutsche Grammophon, tocado todos os dias em direto (as -se a representação de um cativeiro, não imagem que coloca à venda por £49
desde Belgais, ou, como ela dizia, transmissões são no YouTube da tanto de um ato de libertação. Dir-se-ia cada. Em abril de 2017, na sala de espera
“no meio do nada”, Maria João Pires DG e no site do canal Arte). Quem que Kate Lindsey, a ter algum livro na de um consultório médico, recebe uma
servia de anfitriã a uma maratona também continua a tocar a partir mão, privilegiaria antes “Heróides”, de mensagem de Peter Buck (ex-R.E.M.)
de streaming de pouco menos de da sua sala de estar em Berlim é Ovídio, em que a protagonista, desespe- que pretende adquirir uma delas. Por
quatro horas aproveitando para Igor Levit (através da sua conta rada, quanto mais corre, mais se enterra £99. Não tendo nada a perder, aproveita
falar acerca desta “terrível crise que no Twitter) e, em Nova Iorque, na areia: “Entretanto, aos meus gritos de o pretexto para lhe propor gravarem
atravessamos”: avisava que era útil Fred Hersch (na sua página de ‘Teseu’, pela praia, as rochas côncavas um álbum a quatro mãos. Buck acha
refletirmos sobre o futuro, sobre Facebook) — na semana passada, devolviam-me o teu nome; e quantas piada à ideia mas responde que, naquele
como podemos “cuidar melhor de por fatalidade, tocaram ambos ‘And vezes, eu, a ti chamei, tantas vezes o lugar momento, tem a agenda demasiado
nós, do planeta e uns dos outros”, so it Goes’, de Billy Joel, tema que chamava!” Para Lindsey, o mito de Ariana preenchida e não irá ser possível. Quatro
“respeitando-nos mais, partilhando começa assim: “In every heart there é “uma exploração psicológica da neces- meses depois, porém, cai-lhe na caixa
mais”. Depois, pelo muito que is a room/ A sanctuary safe and sidade de amar, da coragem que requer, de email uma demo tosca de Buck com
temos de aprender com o seu strong.” Será a algo do género que dos riscos que acarreta”, avança, em uma sequência de acordes sobre as
exemplo, presume-se, explicava que remete um festival virtual a decorrer notas de apresentação. “Amar é uma das batidas de uma drum machine Univox
tinha decidido tocar Beethoven: um diariamente, até terça, chamado nossas maiores e mais perigosas aventu- da qual Haines extrai uma melodia e um
“homem de fé e de esperança, que Live from our Living Rooms — ras.” Que o diga Ariana, claro, que, após se texto acerca de Jack Parsons, enge-
sempre lutou pela justiça com muita entre outros, envolve gente como ter apaixonado à primeira vista por Teseu, nheiro e pioneiro aeroespacial, ocultista
compaixão — uma alma pura.” E Chick Corea, Joe Lovano, Bill Frisell, e de o ter ajudado a derrotar o Minotauro, da seita de Aleister Crowley e íntimo do
tocou o quê? Pois, a “Sonata para John Patitucci ou Dave Liebman. em Creta, ficou, na ilha de Naxos, pelo seu farsante L. Ron Hubbard, fundador da
Piano Nº 8”, vulgo “Pathétique” Como se não bastasse, hoje, pela amado traída e à sua sorte deixada, a ver Cientologia. Nunca se haviam encon-
— seria cómico se não tivesse sido noite dentro, Vijay Iyer improvisa navios, como Junot. Aqui, só em “Ébria trado antes — nem se encontrariam
tão comovente. Seguiu-se-lhe, por em direto a partir do auditório do de Amor, Fugia”, de Alessandro Scarlatti, até à conclusão das dez canções de
ordem de entrada em cena, e quase Centro de Artes de Caramoor (no lhe é concedida a redenção — na figura “Beat Poetry For Survivalists” — mas, via
sempre a partir das respetivas casas, canal de YouTube da instituição) e, de Baco, que, achando-a consumida e-mail, com a contribuição adicional de
Víkingur Ólafsson, Joep Beving, terça, pouco antes da meia-noite, pela dor, compadecido, lhe dá a mão Scott McCaughey e Linda Pitmon (na
Rudolf Buchbinder, Seong-Jin Cho, Jeremy Denk apresenta seleções (“Baco e Ariana”, de Ticiano, descreve verdade, Haines mais três quintos dos
Jan Lisiecki, Kit Armstrong, Simon de “O Cravo Bem Temperado”, de esse encontro). Mas se Scarlatti e Handel Filthy Friends), estava dado o tiro de
Ghraichy, Evgeny Kissin e Daniil Bach, no site do Greene Space, a compunham à mesma hora, no mesmo partida para a materialização musical de
Trifonov, que, por sinal, tocou de sala da rádio pública nova-iorquina. lugar, para a mesmíssima plateia (em uma “mutual admiration society”: Buck
luvas, o que não se via há coisa de Lugares e mais lugares, pelo Roma, em 1707), já Haydn, em 1790, iso- considerava Haines o melhor songwriter
15 anos, desde um recital de Jorge menos até ao dia em que façamos lado na herdade dos Esterházy, se sentia do Brit Pop e “Baader Meinhof” (álbum
Lima Barreto. De certa forma, o como aquela personagem de “O longe de tudo e de todos, sobretudo de de Luke, de 1996), um clássico, e o cri-
mote tinha sido dado por Philip Quarto”, de Herberto: “Fecho as Viena e de Maria Anna von Genzinger, ador dos Auteurs confessava que, para
Glass, citado por Ólafsson: “A portas da casa, a porta de saída e as pela qual nutria um amor platónico — e ele, só existiam três bandas: The Fall,
música é um lugar tão real quanto portas dos quartos entre si. E fico quando a sua Ariana se lamenta (“Mise- Go-Betweens e R.E.M. Naturalmente,
outro qualquer — e assim que no quarto sem soalho e deito-me rável e só/ Não tenho quem me console/ “Beat Poetry...” é coisa singularíssima:
souberem onde é esse lugar podem no chão. Ouço o mar e o vento à Foge de mim quem tanto amei/ Cruel e preparem-se para canções sobre esta-
lá ir sempre que quiserem”, lê-se frente e atrás da montanha solitária infielmente”) é a voz dele que se escuta. ções de rádio pós-apocalípticas que só
nas suas memórias. Dito e feito: e poderosa. Depois encosto a Nesse particular, Lindsey atinge uma cru- difundem a obra de Donovan, e assistam
antes de Trifonov tocar a última cara à terra profundíssima para eza tão irredutível quão irredimível: mais ao desfile de Andy Warhol, Liberace, os
nota de “A Arte da Fuga”, o vídeo escutar o seu húmido sussurro que o seu impedimento absoluto, a de Ramones, Captain Beefheart e Maria
atingia já as 250 mil visualizações. atravessando-a toda e passando por quem canta a maldição que pode advir da Callas, por entre guitarras ácidas, tablas,
Hoje, e até terça, sempre às 5 da mim.” Depois a música acaba. intimidade. Nos dias que correm, somos glockenspiel e flautas de bisel. Assim,
tarde, um desses lugares é a sala / JOÃO SANTOS todos vulneráveis à ideia. / J.S. sobrevive-se melhor. / JOÃO LISBOA

E 74
MONTREUX JAZZ FESTIVAL

E ainda...
stingray.com/MJF

50 concertos inteiros de Montreux


a custo zero. De Nina Simone a
Marvin Gaye, de Patti Smith aos Talk
Talk. Primeiro é preciso ir a stingray.
QQQQ com/FREEMJF1M, depois introdu-
FUTURE zir o código FREEMJF1M e criar uma
NOSTALGIA conta. Os concertos estão todos no
Dua Lipa THIRD MAN PUBLIC ACCESS link indicado na cabeça em cima.
Warner Diariamente, 18h, www.youtube.com
A Third Man Records disponibiliza
Não foi por acaso do destino que, o seu pequeno estúdio em Nash-
FREDERICO MARTINS

em menos de cinco anos, Dua Lipa se ville para os amigos de Jack White
tornou uma das vozes mais urgentes e partilharem um pouco da sua arte.
faladas da pop. Além de ter um timbre Inclui também a possibilidade de dar
perfeito para os cenários mais polidos gorjetas aos artistas, via Venmo ou
do género musical (com um extra de PayPal.
picante que só o torna mais irresis-
tível), a artista britânica traz consigo FESTIVAL IMINENTE TO THE MEMORY
uma bem-vinda frescura e um admi- instagram.com/festivaliminente, hoje, 16h RESONANT FREQUENCES OF OUR BELOVED
rável equilíbrio entre a simplicidade
026 — LIVE FROM HOME Hoje, 14h, www.gso.se
complexa das canções e um apurado UM PUNK CHAMADO RIBAS Segunda, 10h, www.youtube.com
Em direto do Grande Auditório da
sentido estético. Tudo isso tem sido De Paulo Antunes Evento mensal em Oakland, Cali- Sinfónica de Gotemburgo, a maes-
wavesofyouth.pt, em streaming
explorado sabiamente nos momentos fórnia, com quatro horas de open trina Barbara Hannigan propõe um
mais marcantes de um ainda curto, mas mic para músicos e compositores programa singularmente paliativo:
vigoroso, percurso... Basta lembrarmo- Com os concertos e demais atividades na área da eletrónica experimental. “Paz na Terra”, de Schoenberg, “Re-
-nos de uns viciantes ‘New Rules’ e ‘Be culturais em pausa, devido à pande- Transmissão em direto a partir das quiem”, de Mozart, e “Concerto para
the One’ ou do hino ‘One Kiss’, gravado mia de covid-19, muitos músicos têm casas dos artistas. Violino”, de Berg.
a meias com Calvin Harris. E é assim, engendrado formas de continuar a
bem defendida e aplaudida, que chega chegar até aos seus fãs. Foi o caso de
até um presente que, dadas as circuns- Salvador Sobral, que logo no começo
tâncias, precisa urgentemente de dar o do período de isolamento social deu
salto para o futuro. Aí encaixa “Future um concerto em direto na net, ou de
Nostalgia”, uma espécie de tocha todos os artistas que se juntaram no
para nos guiar num 2020 manchado festival Eu Fico Em Casa, que permitiu
de vermelho-sangue. Amplamente assistir a espetáculos de Legendary
influenciado pela forma como artis- Tigerman, Luísa Sobral ou Luís Severo
tas como Kylie Minogue ou Madonna nas suas páginas de Instagram. Muitos
transportaram o disco sound para o dos concertos ‘caseiros’ são anunciados
novo milénio, em álbuns tão inescapá- com pouca antecedência, mas eventos
veis quanto “Fever” (2001) ou “Con- de outra envergadura têm divulgação
fessions on a Dance Floor” (2005), mais atempada. Hoje, por exemplo, o
“Future Nostalgia” soa (realmente) a Festival Iminente, que habitualmente
clássico futurista. Como um todo, é se realiza no final do verão, em Lisboa,
um disco bem pensado, maturado e organiza uma “edição de emergên-
sem pontas soltas, que tem os seus cia”, para angariar verbas para dois
pontos nevrálgicos no brilhantismo hospitais de Lisboa e um do Porto, a
pop de ‘Don’t Start Now’ e no titânico braços com o combate à covid-19. O
hino feminista ‘Boys Will Be Boys’. Vem festival acontece a partir das 16h no
dotado de baixos pulsantes (impossível Instagram (instagram.com/festivali-
não abanar a anca com ‘Pretty Please’ minente) e contará com atuações de
ou um estonteante ‘Hallucinate’), de Dino D’Santia­go, Mayra Andrade ou
cordas luxuriantes (particularmen- Ana Moura (na foto), incluindo ainda
te marcantes em ‘Love Again’, que performances de dança, pintura ao vivo
inclui ainda o inesquecível trompete e debates. Quem assistir é convidado a
samplado e acelerado por White Town fazer um donativo, com vista a ajudar os
em ‘Your Woman’, de 1997), de lascívia hospitais. Noutro registo, quem quiser
brincalhona (‘Good in Bed’ faz lembrar ver ou rever o documentário “Um Punk
uma Lily Allen em boa forma) e de Chamado Ribas”, sobre o malogrado
refrães irresistíveis – particularmente, vocalista dos Tara Perdida, pode fazê-lo
nos certeiros singles ‘Break My Heart’ gratuitamente no site wavesofyouth.
e ‘Physical’ e em ‘Future Nostalgia’, pt. Realizado por Paulo Antunes, o filme
que não só dá nome ao longa-duração conta com depoimentos de amigos, fa-
como lhe serve de arranque. Se há dis- miliares e companheiros do músico, que
co luminoso para escutar agora, é este. deixou, também, a sua marca nos Ku de
/ MÁRIO RUI VIEIRA Judas e Censurados. / LIA PEREIRA

E 75
E ainda...
Ciela dialoga com um Pierrot
(Bruna Maia de Moura),
que fala com a Lua

OS DIRECTORES
De Daniel Besse
Até quinta, 21h
ctalmada.pt
Encenada por Joaquim Benite
Coordenação Cristina Margato (1943-2012), a peça “Os Directo-
cmargato@expresso.impresa.pt res”, da Companhia de Teatro de
Almada, estreou-se em 2002 e
descreve as terríveis relações inter-
pessoais no contexto da empresa.
Com Carlos Vieira de Almeida,
Maria Frade e André Calado, entre
outros.

LUÍS BELO
Os anjos

RICARDO RODRIGUES
E
“Lamento de Ciela” m dezembro de 2019 houve, em família, a velhice; os olhos nos olhos,
Viseu, duas representações do os lábios nos lábios; a primeira vez de AS YOU LIKE IT
é um espetáculo espetáculo “Lamento de Ciela”, tudo e a saudade de um tempo feliz. De William Shakespeare
Segunda, 21h30
na Igreja Madre Rita, um templo A tradução portuguesa é projetada na
que ganha em ser ainda não acabado. Foi tudo. No parede de fundo.
tecascais.com

visto na íntegra, início, a filmagem de um ensaio, a 4


de dezembro, mostra-nos um espaço
Ciela dialoga com um Pierrot (Bruna
Maia de Moura), que fala com a
Com uma programação online para
o tempo de quarentena, o Teatro
sem interrupções azul-escuro. Os volumes, não muitos, Lua, em português, e que procura Experimental de Cascais apresenta
e a parede de fundo são o cenário onde o seu violoncelo. É um ser feito de esta semana “As You Like It” (“Como
TEXTO JOÃO CARNEIRO começa por se ouvir um som, primeiro trivialidades e de uma matéria quase Vos Aprouver”), de Shakespeare,
uma espécie de uivo, a menos que seja inefável, que troca versos por almoços, com encenação de Carlos Avilez.
um grito. As palavras apareceram logo que vive num corpo que dialoga com
de início, não se ouviram, projetadas a sua sombra e que é pura poesia. Por
na parede — “Desde 1 de janeiro de isso, talvez, a sua presença e a sua
2019, 115.206 migrantes tentaram linguagem continuam pela música
chegar à Europa pelo Mediterrâneo. que faz com o seu violoncelo. Ciela
1221 morreram ou desapareceram.” e o Pierrot são feitos de uma matéria
“Lamento de Ciela” começa assim, tão poética como os anjos referidos no
com palavras que se veem; continua final. São anjos, na realidade.
pelo silêncio e pelos ruídos indistintos; “Lamento de Ciela” é um espetáculo
pelo grito ou pelo uivo; e depois pela que ganha em ser visto na íntegra,
voz, palavras que não conhecemos, sem interrupções, durante a sua hora
ou quase. É o esperanto, uma língua e meia de duração. Guilherme Gomes #TEATROEMCASA
inventada para ser de todos mas é o autor do texto e da encenação; www.teatroaberto.com
de nenhum país, de nenhum lugar o desenho de luz é de Rui Seabra; a O Teatro Aberto disponibiliza mais
determinado. Ciela é Carla Galvão, tradução de esperanto para português é dois espetáculos, com encenação
LAMENTO DE CIELA que nunca aparece fisicamente. O seu de António Tuválkin. É uma produção de João Lourenço: “Vermelho”,
De Guilherme Gomes lamento percorre lugares, memórias, do Teatro da Cidade e do Projecto Creta inspirado no pintor Mark Rothko, até
Até dia 12 pessoas; caminhos, pedras, flores; — Laboratório de Criação Teatral, cujo quarta-feira, e “Noite Viva”, do irlan-
creta.teatrodacidade.pt estrelas, o Sol e a Lua; a juventude, a site pode visitar. Vale a pena. b dês Conor McPherson, de 9 a 15.

E 76
E ainda...
SERRALVES
ONLINE EXPERIENCE
Fundação de Serralves, Porto
www.serralves.pt

Coordenação Alexandra Carita Espaço virtual para aceder a exposi-


acarita@expresso.impresa.pt ções, filmes, música, livros, progra-
mas educativos, deambulações
naturais, experiências de aprendiza-
Opie vê-se
gem. Espreite #GALERIAVIRTUAL,
influenciado por
sinaléticas cujo ou #SERRALVESACESSÍVEL.
despojamento
formal e compre-
ensão geral
lhe agradam

SUPPOSE IT IS TRUE
AFTER ALL? WHAT THEN?

Imagens rolantes
Vasco Araújo
Galeria Presença, Porto, até 2 de maio
www.galeriapresenca.pt

Visita virtual à exposição onde o


artista estabelece um diálogo com

C
Um artista britânico om as aplicações atualmente figuras que funcionam como átomos Oscar Wilde através de excertos
disponíveis, é fácil transformar de um organismo maior, mas também das peças de teatro em que o autor
que valoriza qualquer um de nós numa animais em silhuetas de metal sobre inglês intercala as suas próprias
personagem de Julian Opie (Londres, plintos ou cruzando-se em painéis. deixas e desvios.
o lúdico e o comum 1958), o artista britânico que agora Opie está sobretudo interessado em
em jogos de mostra “Obras Inéditas” no Museu
Coleção Berardo. Esse facto também
estrutura e escala, dados que ele usa
nos seus processos de transposição
transposição ajuda a situar o interesse do seu visual. Esta última é particularmente
trabalho a um outro nível que não o de exemplificada pelo enorme ‘fresco’
entre os diferentes uma “estética Opie”. da primeira sala, que mostra pessoas
Há aqui uma lógica reprodutiva cruzando-se na rua, num jogo de
meios artísticos warholiana que desliza em cada proporções com o generoso pé direito
TEXTO CELSO MARTINS variação, mas não o suficiente para do edifício. Depois há as arquiteturas
desfigurar essa estética. As suas obras que fazem uma aproximação mais
dirigem-se em grande medida a uma direta, quase kitsch, à cultura
perceção supramediática dos jogos de portuguesa: como nos pendões de
tensão entre indivíduo, comunidade, nylon que trazem desenhadas as
mobilidade e multidão, na exata fachadas de 14 torres locais, gerando
medida em que essa circulação molda um labirinto simultaneamente físico e MANUFACTURA
todas as formas de representação virtual.
DE TAPEÇARIAS
DE PORTALEGRE
social. Em qualquer dos casos, tudo é
www.mtportalegre.pt
Daí a sua estética versátil, que pode sintético e limpo, como na superfície
saltar da imobilidade da pintura de uma pintura pop, inexpressivo Se quer conhecer melhor o trabalho
para os jogos de movimento das e cool, como um logótipo, um excecional das Tapeçarias de
QQQ videoesculturas ou interpelar-nos no sinal de trânsito ou tantas outras Portalegre, percorra o site dedicado
OBRAS INÉDITAS espaço, como nas figuras metálicas e sinaléticas cujo despojamento formal às mesmas, onde poderá encontrar
Julian Opie nos painéis LED no exterior do CCB. e compreensão geral o inspiram. E é o trabalho de vários artistas, de
Museu Coleção Berardo, Lisboa Elas resgatam os gestos mais disso que se trata afinal, de um jogo de Almada Negreiros a Vieira da Silva,
museuberardo.pt, YouTube e redes automáticos do quotidiano: multidões tradução que é sempre um modo de num extenso catálogo que percorre
sociais do museu que circulam, retratos anónimos, rondar uma humanidade universal. b várias décadas.

E 77
O MITO LÓGICO

B
CÃES, GALINHAS E PANGOLINS
NUNCA COMO NESTE MOMENTO A NOSSA RELAÇÃO COM OS ANIMAIS FOI TÃO QUESTIONADA
em sei que não há muita história que medicina tradicional chinesa que agora até já passaram em “Diário da
possa espantar nestes tempos. Mas esta República”. Sim, é possível que o vírus tenha vindo com o pangolim,
apanhou-me desprevenido. Um homem e deste para um morcego e depois para os humanos. E porquê?
da ilha de Lanzarote foi denunciado Porque a medicina tradicional chinesa garante que as escamas, depois
por estar a contornar as medidas de de moídas e misturadas, são um remédio para o reumatismo, artrose e
confinamento. Passeava na rua com uma o mais. Facto não comprovado.
galinha atada a uma trela. Foi filmado. E Um mercado vivo na China é um espetáculo atroz. Temos aceite
chibado à bófia. O vídeo acabou assim nos numa tolerância antropocultural que estes se mantenham — os
olhos da Guardia Civil, que identificou o chineses... os chineses... —, mas esta é a situação: aqui estamos em
homem, “um varão de 51 anos”, que agora risco de sermos exterminados devido a um desses mercados e não
incorre numa multa que pode ir dos 600 por uma qualquer conspiração bioterrorista. Não se pode culpar o
aos 30 mil euros. Pesadote. No vídeo lá pobre pangolim, que foi caçado em África e levado vivo para a China,
vai a galinha toda lampeira à frente. Mas onde se viu amontoado em jaulas com outros animais de várias
as autoridades espanholas querem pôr partes do mundo — numa união de fezes, sangue e vírus ansiosos por
fim a estas atividades gozonas e lançaram um hashtag ameaçador, sobreviver num hospedeiro. O modo como o vírus se foi modificando
um modo de avisar que não irão ser complacentes com brincalhões. até chegar ao homem terão que ler noutro texto.
#NoTieneGracia é o aviso para quem ousa desafiar o artigo 7 do É natural que ninguém queira apontar dedos a ninguém nesta altura
decreto real 463/2020. E, basicamente, querem impedir uma das — até porque há histórias detestáveis de sinofobia por todo o lado.
formas humanas mais inusitadas perante o medo: rir. Há um vídeo Mas a verdade é que, na total ausência do Ocidente, a China assentou
de um homem a passear — arrastar — pela rua um cão de peluche arraiais em África há décadas. E não quisemos saber. Os pangolins
e um polícia todo danado, e ele a defender-se que é um cão. E um foram apenas uns dos bens saqueados ao continente a troco de umas
cão é um cão — mesmo de peluche. #NoTieneGracia. E na Corunha obras públicas a preço de saldo.
um espertalhão ter-se-á metido numa carga de trabalhos por alugar Um pangolim é um animal tímido e dócil. É um familiar próximo
“cães dóceis”. Bem sei que muitos brincaram com isso. Mas este fazia do urso e do cão. Leio. Alimenta-se de térmitas e formigas. Ao longo
mesmo. E anunciava nas suas redes sociais. O mínimo era seis euros de milhões de anos foi escapando aos seus predadores enrolando-
à hora. Não sei como é por cá. Mas tenho lido que em Espanha há se em forma de bola e abrindo as escamas que faz desistir quem o
um aumento enorme do número de adoção de cães. Estes, que antes tenta comer. Não os humanos. Que assim os apanham como frutos
eram um martírio sempre a exigir ir “lá fora” para fazer a sua mija no caídos no chão. Em África comem-lhes a carne. Na China o objetivo
pneu do carro, são agora um salvo-conduto para uns minutos extra são mesmo as escamas. O Partido Comunista Chinês garante que os
de liberdade. As associações de bem-estar animal hesitam. Estão a mercados de animais vivos terminaram. Correspondentes de agências
adotar porque há uma pandemia. E quando acabar? Que será desses de notícias internacionais dizem que já voltaram. O que não há é
bichos? ocidentais lá dentro. Muito menos a fotografar.
Tenho gatos. Não os posso levar à rua. Nem querem. Temos, aliás, Os pangolins são o animal selvagem mais caçado do planeta. Está,
vidas similares. Estamos por casa. Tratamos da nossa higiene no mais que nós, em risco de extinção. Não lhe ponham as culpas nisto.
interior do lar. Comemos por aqui. Intercalamos momentos de grande #NoTieneGracia b
atividade com súbitas sonecas. Mas eles toparam qualquer coisa de lpnunesxxx@gmail.com
diferente. Melhor: toparam-me. Há algo que não está bem. E agora
estou sempre aqui. Sempre. “Rufino”, o gato, passeia agora neste
preciso momento pela casa a miar como se ele também precisasse
de alguma intimidade que já não lhe permito. Os gatos foram até há
poucos meses os reis da internet. Um feito para um bicho que não
manuseia tecnologia, diz-se. Mas agora quem tem cão tem direitos
que os donos de gatos não têm. #NoTieneGracia
Damos capacidades humanas aos animais. Nós, os ocidentais.
Amamos os nossos bichos de forma incondicional. Mas foi no início
disto tudo — já parece há uma vida — que ouvi pela primeira vez falar
do pangolim. E mesmo nos primeiros tempos, em que isto era apenas
uma epidemia, não dediquei grande atenção ao bicharoco, embora
/ LUÍS
tenha visto de relance uma horrorosa reportagem na CNN sobre os PEDRO
mercados de animais vivos na China, que foram denominados de
“bombas virais”. Mas agora irritei-me ao ler títulos a garantir que era
NUNES
ele o “culpado” disto tudo. E aí achei de um grande desplante. E é.
Dou já o meu veredicto para quem não quiser ler mais: o pangolim é
uma vítima.
Uma vítima da nossa complacência com práticas não científicas que
são aceites até aqui, no Ocidente e em Portugal — com os cursos de

E 78
vícios
“PESSOAS SEM VÍCIOS TÊM POUCAS VIRTUDES”

Compre
com o dever
cumprido
Pela saúde de todos, compre em segurança.
Saiba que passos deve seguir nos
corredores do supermercado
TEXTO ANDRÉ MANUEL CORREIA
FOTOGRAFIAS GETTY IMAGES

E 79
T
udo começou num mercado em Wuhan, na
China, mas rapidamente o vírus SARS-CoV-2
galopou fronteiras e deu a volta ao mundo
até o deixar petrificado, entrincheirado em casa
pelo medo de uma pandemia que avança silenci-
osamente. A vida está suspensa, com o quotidiano
confinado aos serviços mínimos, mas há rotinas a
manter para adquirir alimentos ou bens essenci-
ais. Como fazê-lo em segurança? Que cuidados
deve salvaguardar na hora de ir ao supermerca-
do? Temos alguns conselhos para si na prateleira
das cautelas.
“As pessoas não têm de ter medo de ir fazer as
suas compras. Têm é de cumprir as regras básicas
de convivência num período de exceção como o
que estamos a viver”, começa por frisar, ao Expres-
so, Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associ-
ação Portuguesa de Empresas de Distribuição. Va-
mos então por partes, para que uma deslocação ao
supermercado não seja uma odisseia apocalíptica.

PLANEAMENTO
E MODERAÇÃO
Os cuidados devem come-
çar ainda antes de sair de casa.
“Aconselhamos que seja prepa-
rada uma lista de compras, para
que a ida ao supermercado implique o menor tem-
po possível. Tudo o que possa ser feito para mini-
mizar a presença em loja é essencial”, enaltece
Gonçalo Lobo Xavier. Anotar tudo não implica, no
entanto, açambarcar o supermercado todo. Acre-
dite: chega para todos. “Não há necessidade de as
pessoas exagerarem na aquisição de produtos, até
porque essa é uma atitude injusta para com os ou-
tros consumidores. Não existe o risco de qualquer
rutura de stock”, afiança o dirigente de 46 anos,
para quem, “enquanto a produção, a indústria
nacional, os transportes e a logística estiverem a
funcionar da forma que estão, não temos motivo
para preocupação”. “Não há necessidade de €20, mas houve o bom senso de perceber que
seria interessante fazer chegar o plafond aos €50”,
LEVE SACO E DEIXE de as pessoas exagerarem refere Gonçalo Lobo Xavier, relativamente a uma
O DINHEIRO EM CASA
Não coloque a segurança no ces-
na aquisição de produtos. “medida que permite haver cada vez menos inte-
ração entre colaboradores e clientes”.
to. Para que a sua saúde e a de É uma atitude injusta
quem o rodeia continue em bom LAVAR É MAIS IMPORTANTE
andamento, deixe também os para com os outros DO QUE TAPAR
carrinhos parados. “É importante que os consumi-
dores levem sacos de casa, algo para que os portu-
consumidores” Chegamos ao tópico que talvez
mais dúvidas suscite: deve levar
gueses já estavam bastante sensibilizados”, defen- GONÇALO LOBO XAVIER máscara e luvas? “Há interpre-
de o responsável. DIRETOR-GERAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA tações diferentes e alguns reta-
Na hora de sair, deixe o dinheiro em casa. Notas DE EMPRESAS DE DISTRIBUIÇÃO lhistas disponibilizam luvas”, enquadra o diretor-
e moedas nas mãos não são boas amigas por estes -geral da APED, que esclarece: “Todos os contactos
dias. Opte por fazer pagamentos com cartão, de que tivemos com a DGS indicam que os consumi-
preferência através do sistema contactless, cujo va- dores não devem deslocar-se a estes locais com
lor máximo permitido foi aumentado para dar res- luvas. Deve-se, sim, usar gel desinfetante.” Por-
posta a esta crise de saúde pública. “Os pagamen- quê? A explicação é simples. “As próprias luvas po-
tos contactless estavam fixados no valor máximo dem ficar infetadas e criar uma falsa sensação de

E 80
PENSE
NOS OUTROS
Em tempos de isolamento, lem-
bre-se: não está sozinho. Nin-
guém é sozinho. Somos feitos
de outros. Dê prioridade a quem
mais precisa. “Todos os retalhistas têm um horá-
rio dedicado às pessoas mais velhas durante uma
primeira hora da manhã, mas percebemos rapida-
mente que era insuficiente”, diz o líder da APED.
“Criámos um fast track que dá também primazia
aos profissionais de saúde, aos agentes das forças
de segurança e a outros trabalhadores que garan-
tem o normal funcionamento da sociedade”, com-
plementa o representante.

RESPEITE
AS MARCAS
E TENHA PACIÊNCIA
Marque positivamente a sua
conduta e respeite as marcas
colocadas no chão, a delimitar
a distância de segurança. “As linhas que existem
atualmente para fazer o pagamento obrigam a
que as pessoas estejam a dois metros umas das
outras”, contextualiza Gonçalo Lobo Xavier, sa-
lientando o “grande investimento” feito pelos re-
talhistas nesse sentido. “Durante os períodos de
maior afluência, há também o cuidado de manter
o distanciamento nas filas de espera para entrar.
As pessoas já estão muito mentalizadas. Esperam
se virem outras pessoas nos corredores e deixam
passar os outros. Há uma preocupação de se afas-
tarem”, denota o dirigente. Não duvide: esse é o
caminho mais rápido para nos aproximarmos no-
vamente. Por enquanto, tenha paciência e agra-
deça. É bom ter tempo. É bom haver, do outro
lado, quem tenha tempo para si. “É preciso que
tenham noção de que este vai ser um período
longo. Exige muito esforço dos colaboradores que
segurança”, adverte Gonçalo Lobo Xavier, subli- vigor um decreto que limita a presença de con- estão ali para nos servir. Os consumidores devem
nhado que “quase todos os retalhistas disponibi- sumidores nos espaços. De uma forma geral, mostrar agradecimento pelas pessoas que, todos
lizam, à entrada, gel desinfetante”. Produto que os permite quatro pessoas por cada 100 metros os dias, põem a sua vida em risco”, apela o dire-
funcionários passam nas mãos, no mínimo, a cada quadrados e isso está a ser cumprido religiosa- tor-geral da APED.
meia hora, tal como são higienizados os tapetes ro- mente”, assevera Gonçalo Lobo Xavier. Por cada
lantes e os terminais de pagamento no final de cada pessoa que fica em casa, há menos um fator de COMPRE
atendimento. O controlo é apertado. Tem de ser risco a passear pelos corredores. “O que suge- À DISTÂNCIA
assim, porque “qualquer produto que tenha sido rimos é que vá apenas uma pessoa por família. O mundo é um lugar estranho
tocado pode ter sido contaminado”. A sugestão da Não têm de ir aos pares. Ir às compras, neste mo- por estes dias e pode nunca
APED é a de que os clientes “façam um manusea- mento, deve ser encarado como um trabalho e mais ser o mesmo. Os tempos
mento com cautela e que lavem as mãos de segui- um serviço à comunidade”, sustenta o diretor- mudaram e moldaram-se tam-
da — e nunca, mas nunca, devem tocar na cara”. -geral da APED. É também “fundamental que bém os hábitos de consumo. “As compras online
os consumidores consultem os horários dos es- cresceram imenso e houve uma necessidade de fa-
VÁ SOZINHO tabelecimentos”, fintando os maiores picos de zer um ajustamento, porque de repente — e bem —
E A HORAS procura. “Ir no final ou no princípio do dia não as pessoas optaram por esse canal para evitarem
Esqueça as idas ao supermer- são boas alturas, porque é quando existe mai- deslocações”, explica Gonçalo Lobo Xavier, crente
cado em família. “Desde que or afluência. As pessoas devem procurar horas de que esta é uma tendência que “veio para ficar,
foi imposto o estado de emer- mais equilibradas e mais seguras ao longo do mesmo depois de ultrapassada esta crise e já com
gência, entrou também em dia”, recomenda o dirigente. os mercados estabilizados”. b

E 81
R ECE I TA
POR JOÃO RODRIGUES
(PROJECTO MATÉRIA)

TIAGO MIRANDA
Espargos brancos grelhados PRODUTOS
& PRODUTORES
e molho holandês Espargos brancos
Peter Herman Raphael veio para Portugal
Tempo de preparação 20 minutos / Tempo de confeção 20 minutos em 1986, já com o objetivo de fazer agri-
cultura biológica de hortícolas. Em 2015,
iniciou a produção de espargos brancos,
em Oliveira do Hospital, na Beira Baixa.
Inicialmente, este produto era todo expor-
ESPARGOS de azeite. Levar a uma chapa bem mexendo sempre com umas varas.
tado para a Holanda, mas após uma queda
12 unidades (3 por pessoa) escolha quente e sem gordura, uma vez que Para que as gemas não cozam em no mercado dos Países Baixos, a solução
espargos grandes os espargos já têm o azeite, deixar demasia, mexer sempre e controlar foi tentar escoar os espargos brancos em
Sal q.b. / Flor de sal q.b. / 1 colher de sopa caramelizar bem de todos os lados. a temperatura. Portugal. O período de colheita deste pro-
de azeite Quando as gemas começarem a fa- duto dá-se habitualmente entre meados
Com a ajuda de um descascador, MOLHO HOLANDÊS zer ponto de estrada retire do ba- de fevereiro/início de março até meados
descasque os espargos e retire a 4 gemas grandes nho-maria. Incorpore aos poucos de junho. Apesar de nunca terem usado
parte de baixo mais fibrosa. 175 g de manteiga com sal (vai resultar em a manteiga derretida nas gemas e, químicos nem herbicidas na sua produção,
só em outubro de 2019 obtiveram a Certifi-
Levar água ao lume num tacho cerca de 130 g de manteiga clarificada) mexendo sempre para o mesmo
cação BIO.
com sal. / 3 g de flor de sal lado, a mistura vai ganhando con-
Assim que ferver, colocar os espar- Derreter a manteiga. A manteiga sistência, quase como uma mai- Produtor: Grow It
gos e deixar cozer até estarem ten- vai ficar com a parte de gordura e a onese. Tempere com flor de sal e, Produtos: Espargos Brancos
ros, mas mantendo a firmeza. Reti- parte de leite separadas, retirar com opcio­nalmente, pode usar pimen- Região: Beira Alta
rar do tacho e arrefecer numa tigela cuidado a parte da gordura deixan- ta preta moída ou pimenta caiena Morada: Avenida Calouste Gulbenkian –
com água e gelo. do a parte de leite. Reservar essa em pó. Zona Industrial, Lote 16
Quando estiverem frios, retirar e se- gordura a temperatura ambiente. 3400-060 Oliveira do Hospital
car um pouco em papel absorvente. Colocar as gemas numa tigela EMPRATAMENTO Contacto: +351 961 582 481
De seguida, colocar num prato e com um pouco de água morna, le- Colocar três espargos e, ao lado, uma E-mail: info@growit.pt
temperar de flor de sal e um pouco var a cozinhar em banho-maria, boa colher de molho holandês. b Site: www.growit.pt

E 82
VI N H OS
POR JOÃO PAULO MARTINS

D.R.
Porto vintage, versão 2018
Confirmações e uma surpresa

E
stão agora a chegar ao fim as aprovações provavelmente porque o grupo Taylor/Fonse- Já o grupo Porto Cruz irá comercializar tam-
de lotes para Porto vintage pela Câmara ca/Croft mantém a tradição de só fazer essa bém três vintages — Dalva, Cruz e Quinta do
de Provadores do Instituto dos Vinhos comunicação no dia 23 de abril, dia de São Ventozelo — e na Sogevinus teremos quatro
do Douro e Porto (IVDP). Segue-se assim Jorge. A família Symington já se adiantou e só vinhos: Kopke Quinta de S. Luiz, Burmester
o procedimento obrigatório para todos os vai declarar vintage os da Quinta do Vesúvio Quinta de Arnoselo, Cálem e Barros. À data
operadores, uma vez que sem aquela apro- e da Quinta Senhora da Ribeira. Das marcas em que escrevemos, a Quinta do Noval ain-
vação nenhum produtor (grande ou peque- Graham’s, Dow’s e Warre irá declarar segun- da não tinha comunicado a sua decisão. Sur-
no) pode declarar o seu vinho como vintage. das marcas, mas ficarão em estágio ‘em casa’ presa mesmo foi a Sogrape, que, ao contrá-
Com o sim do IVDP, o vinho terá de ser en- e serão comercializados mais tarde. Desses rio de 2017, declarou os 2018 como se de um
garrafado até ao final de 2021, cumprindo-se vinhos de colheitas anteriores ‘estagiados clássico se tratasse, como Sandeman, Offley
a obrigação de engarrafar entre o 2º e 3º anos em casa’, estão agora no mercado o Malvedos e Ferreira. Luís Sottomayor, enólogo da em-
após a colheita. Depois do enorme sucesso (Graham) 2006, Quinta do Bomfim (Dow’s) presa, confirmou que estes 18 têm uma estru-
que foi a declaração do 2017 em que houve 2008, e Quinta da Cavadinha (Warre) 2004, tura e um vigor que não encontrou em 2017 e
127 aprovações pelo IVDP (o que constitui um esperando-se novas colheitas até finais do por isso não hesitou em ir contra a corrente,
recorde), era de esperar que poucas empre- ano. São sempre vinhos com um preço bem tendo sacrificado o 17 e declarando agora o 18
sas voltassem este ano a declarar, como vin- mais acessível, neste caso entre os €25 e €40. como vintage de grande nível. No conjunto te-
tage, o 2018. Como curiosidade, diga-se que Confirmámos também que a Nie­poort não irá remos menos vintages, e não estamos aqui a
em 2016 tinha havido 107 aprovações e, em declarar 2018, a Ramos Pinto irá comercia- contabilizar os pequenos produtores, mas se-
2015, 76 lotes aprovados. Na tradição inglesa lizar um Quinta do Bom Retiro, a Poças irá guramente teremos vinhos de grande quali-
os vintages dividem-se em duas famílias: os lançar uma pequena edição do vintage 18 co- dade. Serão comercializados no outono. Para
clássicos (nos melhores anos, como o 2017) e memorativa dos 100 anos da casa, a Barão de já, tudo está parado, ninguém mostra nada,
os single quinta, nos outros anos. É isso que Vilar irá lançar três vintages, um deles orgâ- ninguém dá nada a provar. Vamos aguardar,
irá provavelmente acontecer este ano. Digo nico, sob o nome Maynard’s e Barão de Vilar. que, haja esperança, melhores dias virão. b
(OS PREÇOS, MERAMENTE INDICATIVOS,
CORRESPONDEM A PREÇOS DE MERCADO)

Alicante Branco Chão Roquette Villa Alvor Alicante


dos Eremitas branco 2018 & Cazes tinto 2017 Bouschet tinto 2018
Região: Reg. Alentejano Região: Douro Região: Reg. Algarve
Produtor: Fita Preta Produtor: Roquette & Cazes Produtor: Aveleda
Casta: Alicante Branco Casta: Touriga Nacional, Touriga Casta: Alicante Bouschet
Enologia: António Maçanita/Sandra Sárria Franca e Tinta Roriz Enologia: Manuel Soares
Preço: €25 Enologia: Manuel Lobo/Daniel Llose Preço: €11,99
A casta é também conhecida como Boal Preço: €20 Tem origem na nova
Cachudo e Boal Alicante. Já nos anos 70 A família Cazes é produtora de propriedade da empresa
existia no Ribatejo um varietal desta casta. vinhos em Bordéus. Este tinto teve a no Algarve. Solos calcários,
Parcialmente vinificado em barricas primeira edição em 2006. Estagiou clima ameno. Tem boa
velhas. 12 meses de estágio sobre as 18 meses em barrica. Apenas se concentração de cor mas sem
borras finas. 1955 garrafas produzidas. produziram 3000 garrafas. ser opaco.
Dica: Aroma de fruta madura, contido Dica: Grande aroma, rico Dica: Aposta na elegância
e tenso, leve nota evolutiva, a tirar e profundo, estrutura muito bem com boa estrutura de taninos
o branco da caixa. Um branco curioso composta, um tinto para agora e acidez. Bom companheiro
de uma antiga casta hoje esquecida. e para o futuro. da mesa.

E 83
especial entregas ao domicílio
JNCQUOI@HOME O Travessa
Porto. Tel. 968 448 104

Refeições, vinhos Bacalhau amassado com leite,


azeite e grelos, Caril de lulas, Arroz

e mercearia gourmet de pato ou Tripas à moda do Porto


são alguns dos pratos disponíveis.
Pode encomendar ou passar pelo
drive in do restaurante.
A partir de: €10.
Levam a casa os pratos preferidos dos clientes, os
produtos da mercearia gourmet, e também os vinhos da Cervejaria Brasão
vasta carta do restaurante. E entregam ainda charutos, Porto. Uber Eats
livros da Assouline, macarons da Ladurée, e velas. A
marca, propriedade do Grupo Amorim, permite ainda a
encomenda de produtos da Fashion Clinic online com
um desconto de 30%. Para este serviço, que levou o
nome de JNcQUOI@Home, foi criada uma ementa
especial, dividida em várias áreas e que inclui entradas,
peixes, caris, carnes e sobremesas, e ainda uma vasta
carta de bebidas, onde não faltam champanhes e vinhos
Todos os dias chegam ao conforto
do Porto. As encomendas podem ser feitas para uma, do lar o Rissol de carne, cogumelos
quatro ou oito pessoas através do número 219 369 900. e trufa, ou, se preferir, Croquete
Escolha entre a Salada de caranguejo do Alasca com de carne com queijo ou o Rissol
abacate e vinagrete trufa, o Lombo de bacalhau picante com queijo. Depois, é
tradicional com crosta de broa, e com quatro opções de deixar-se levar pela intensidade
cozinha indiana, como exemplo, o Caril verde de frango. da Francesinha no forno ou da
As opções de carne incluem Confit de pato, Paletilha e Francesinha de vegetais. A ambas
grelos e Favas com entrecosto. A partir de: €40. pode acrescentar ovo e batata
frita aos palitos. Recomendam-se
a Pavlova e as Natas do céu.
A partir de: €20.
lisboa Prado
Lisboa. Tel. 210 534 649
Bairro do Avillez
Lisboa e Cascais.
porto Rogério do Redondo
Tasca da Esquina Conte com um prato especial para Tel. 215 830 290 Solar do Moinho de Vento Porto. Tel. 918 033 067
Lisboa. Tel. 919 837 255 a Páscoa, preparado pela equipa Há os famosos salgados, fritos ou Porto. Tel. 914 021 897 Tripas à moda do Porto, Alheira,
Glovo de António Galapito, mas pode assados. Mas há também o Baca- Sopa de legumes, Filetes de Polvo Costoletão de boi na brasa, Pesca-
sempre optar pela carta regular, lhau espiritual, o Lombo de baca- com arroz, Pataniscas de bacalhau da cozida com todos ou Bacalhau
que inclui Berbigão, espinafres, lhau assado com crosta de broa e e Favada à moda da casa são algu- à liberdade são apenas alguns dos
coentros e pão frito, Tártaro de a vitela com cogumelos. Para algo mas das opções. No Facebook vão muitos pratos tradicionais que o
Barrosã e couve galega grelha-a, diferente, escolha o Cachaço de dando conta das novidades para o restaurante tem disponíveis para
Boletus, alho aromático e folhas de porco grelhado nas brasas com dia. Para sobremesa pode escolher take away ou entrega em casa,
rábano e Lula de anzol, tinta e alho molho cremoso de lima. Entregas entre Rabanada e Bolo de bolacha. sem custo adicional.
francês. Termine com Queijo fres- em 24 horas. A partir de: €20. A partir de: €15. A partir de: €20.
co, granita de funcho e clementina.
Para celebrar a Páscoa, há Baca- A partir de: €20.
lhau com broa, Polvo com damas-
co, amêndoas e alecrim, Presun- Estórias na
tinho de borrego e Pá de cabrito Casa da Comida REI DOS LEITÕES pão de ló. Para complementar a refeição há
com batata assada e esparregado. Lisboa. Tel. 218 115020 uma carta com mais de 3 mil referências de
Pode escolher acompanhar com
Grelos salteados, Couve lombarda
A Perna de vitela assada com er-
vas aromáticas pode ser uma boa Páscoa com vinhos e espumantes também à disposição.
O Rei dos leitões foi distinguido com um
salteada ou Batatinha confitada.
As opções incluem ainda Bola de
opção para Domingo de Páscoa,
mas se preferir, pode optar por cabrito e folar Garfo de Ouro na edição de 2020 do Guia
Boa Cama Boa Mesa. É de relembrar que
bacalhau, Pão de ló de Páscoa, Fo- Bacalhau com broa e coentros ou ao fim de mais de sete décadas de portas
lar tradicional e Folar de marmelo e por Bacalhau espiritual. Para uma abertas, esta casa mudou o paradigma da
canela. A partir de: €25. celebração mais exótica, há um Para celebrar em casa o domingo de Páscoa, gastronomia da região, inovando e criando
Caril de camarão. A partir de: €20. há uma ementa especial que é entregue em alternativas à tradição. Recomenda-se
Mesa do Bairro qualquer parte do país. A carta, foi elaborada reserva antecipada pelo 968 123 084. A
Lisboa. Tel. 961 459 220 Vila Galé Ópera pela equipa liderada pelo jovem chefe Luís partir de: €30.
Uber Eats Lisboa. 961 779 002
Apóstolo, e dela fazem parte o Cabrito
O Coelho assado com batatinha Como este ano não pode celebrar
salteada, os Lagartos com arroz de num hotel, o Vila Galé leva a cele-
de leite no forno, o Leitão à Bairrada e a
feijão e a Açorda de tamboril com bração a casa. Bacalhau à Gomes Chanfana à Bairrada. As opções de peixe
gambas são opções a ter em con- de Sá, Polvo assado à lagareiro e passam pelo Bacalhau no forno, pelo Polvo à
ta, bem como o Bacalhau espiritual Bacalhau à conde da Guarda são lagareiro e pelos Filetes de polvo e arroz de
e o Arroz de pato. Escolha também algumas das opções, que podem limão. Para um dia mais doce, levam ainda
um Pastel de nata desconstruído. ser acompanhadas com os vinhos Amêndoas da Páscoa, Folar com ovos, o
A partir de: €15. Santa Vitória. A partir de: €20. Morgado do Buçaco, o Ninho de Páscoa e o

E 84
Saiba mais sobre estas e outras sugestões em
boacamaboamesa.expresso.pt

bebidas Confraria da Empada


Lisboa. Tel. 917 849 310
Herdade da Malhadinha
Garrafeira Soares.
Tel. 289 510 460
Há dois packs disponíveis: o pri-
meiro inclui duas garrafas de Antão
Vaz, de 2016, 2017, uma garrafa de OUTWINE
litro e meio de Sou Calor Frio, um
vinho tinto Monte da Peceguina,
um livro “Vinhos e Petiscos edição Páscoa ‘em grande’ Além de Feijoada à transmonta-

com garrafas Magnum


Vegetariana”, um frasco de mel na, Favas e vitela à primavera, há
biológico e a oferta de uma garrafa Empadas de galinha, pato, vitela,
de azeite (€99). O segundo inclui Porco preto, Leitão, Requeijão
seis garrafas de Antão Vaz, de e espinafres, Bacalhau e Atum,
2016, 2017 e 2018 (€95). A pensar nas famílias que pretendem O “Pack Audácia” leva um Quinta de entre outras opções. Podem ser
celebrar a Páscoa com algo diferente, Lourosa Vinha do Avô 2012 Branco e um encomendadas congeladas ou
Frida Cocina.Mestiza a Outwine lança quatro packs Terras de Alter Outeiro 2013 (€70) e o prontas a comer, a maior de todas
Porto. Tel. 226 062 286 especiais para aproveitar o domingo, “Pack Surpresa” uma garrafa de Titular com 1800 gramas. Para um lanche
Entregam em casa quer em tama-
verdadeiramente em grande. Cada um Encruzado 2015 e outra de Quinta da rápido, há pequenas Quiches com
nho normal ou em versão de litro,
Margaritas tradicionais, de limão,
inclui duas garrafas Magnum, ou seja, Ferradosa Vinhas Velhas 2015 Tinto recheios variados. A partir de: €10.
morango ou amora. Há também com 150 centilitros, exatamente o dobro (€100). Não serão cobrados custos de
Daiquiris de Lima ou de fruta. É só da capacidade de uma garrafa padrão. transporte para estes packs. Ao mesmo Queijaria
adicionar gelo. A partir de: €5,50. O “Pack Frescura” inclui um Casa da tempo, há uma vasta oferta de outros Lisboa. Tel. 965 002 823
Gazalha 2018 Branco e um Solstício 2013 vinhos, perfeitos para celebrar esta época Para celebrar a Páscoa, há um pack
Gin Amicis Tinto (€55), o “Pack Delicadeza” com festiva, como espumantes, em especial especial com um puro chèvre de
amicisgin.com um Mariposa Encruzado 2015 Branco os da zona da Bairrada, bem como das 240 gramas, um queijo de Azeitão,
e um Pera Grave Reserva 2015 (€60). restantes regiões. Tel. 214 875 720 300 gramas de um São Jorge de
30 meses, e um stilton blue vindo
do Reino Unido com 200 gramas.
Aguardente Lourinhã
Lourinhã. Tel. 261 422 107
Estado Líquido
Caldas da Rainha.
gourmet Entregas apenas na cidade de
Lisboa. Preço: €40.
Foi a primeira e única região Tel. 914 554 636 Taberna à Mesa
demarcada do país somente para O difícil vai ser escolher entre a Setúbal Bio em Casa
É destilado a partir de 14 botânicos produção de aguardentes. Da seleção de vinhos, portugueses Na pratica, levam a casa quase Porto. Tel. 928 102 074
da região Centro, que lhe confe- Clássica que já vai na 26ª Série, e estrangeiros, espumantes e tudo o que o cliente possa preci-
rem características únicas, entre às edições comemorativas ou à champanhes, portos e mosca- sar, seja mercearia sejam produtos
as quais se destaca o toque floral Louriana XO, estão todas disponí- téis, vodkas, rum, tequilas, licores do Mercado do Livramento, ou
da carqueja, a frescura da erva veis para entrega. A encomenda e whiskeys. Merece atenção alimentação para os animais de
de Santa Maria e eucalipto, e os demora um mínimo de três dias demorada a seleção Porto vintage estimação. Também apresen-
produtos endógenos como a noz e a chegar ao destinatário. A partir 2017, os vinhos naturais e os packs tam uma vasta oferta de vinhos,
o mel. Preço: €34,90 de: €64,99. oferta. A partir de: €10. carnes prontas a confecionar ou
até petiscos, prontos a comer.
Pretendem dar apoio a pequenos A proposta é entregar em casa,
produtores e comerciantes que à porta, cabazes personalizados
Sushíssimo não conseguem assegurar a entre- onde além de frescos, os vegetais
Rua Alexandre ga. Entregam em 24 horas a partir e a fruta são biológicos, dando-se
Herculano, 11, Cascais do e-mail 490tabernastb@gmail. preferência a produtos de origem
Tel. 214 834 210 com. A partir de: €50. local. Só entregam de quarta a
A última novidade são sábado, e além do Porto, vão a
os menus de empresa,
Delidelux Santa Apolónia Matosinhos, Valongo, Vila Nova de
entregues ao almoço, nas zonas de
Lisboa. Tel. 218 862 070 Gaia e à Maia. A partir de: €9,99.
Cascais, Oeiras e Lisboa. Mas num
raio de cinco quilómetros, levam Uber Eats
encomendas de temaki, gunkan, Há produtos grab’n’go, perfeitos Mercadinho dos Açores
sashimi, nigiri ou uramaki. Não para quem quer uma refeição Porto. Tel. 918 461 911
são de descurar as propostas de rápida, bem como os produtos da Há fava frita, cerveja Melo Abreu
“Combos”, como o Sushíssimo, de Mercearia Gourmet, como frutas e até os sumos Kima, populares no
fusão com sushi e sashimi. Há ainda e legumes, charcutaria, laticíni- arquipélago, de ananás e maracujá.
as propostas futumaki, com pepino, os, conservas, massa ou arroz. As conservas são para todos os
fruta e vegetais. A partir de €20. Garantem a aplicação de todas gostos, com destaque para as de
as regras aplicadas aos super- atum. Há ainda as deliciosas Quei-
SELO DE QUALIDADE Em parceria com o Recheio, este mercados, distinguindo-se pela jadas da Graciosa, em caixas de
símbolo é a garantia de que o restaurante em destaque utiliza qualidade extrema dos produtores seis. Pode também encomendar
produtos das melhores origens e criteriosamente selecionados
selecionados com que trabalham. queijos de várias ilhas.
A partir de: €10. A partir de: €10.

E 85
D ESI GN
POR GUTA MOURA GUEDES

PUXADOR ANTIVÍRUS
Os designers Ivo Tedbury e COGULA
Freddie Hong criaram um O arquitecto Marco Moreira e o
puxador que se pode produzir designer Rui Tomás conceberam
numa impressora 3D e adaptar a um equipamento para proteger
puxadores normais, de modo a o pescoço e o rosto,
que as portas se possam abrir só disponibilizando os ficheiros para
com o antebraço. serem usado gratuitamente

Soluções para
um tempo triste CURA
CANDEEIRO ESTERILIZADOR
Este candeeiro desenhado A tarefa de criar soluções é infindável O nome é o acrónimo de
Connected Units for Respiratory
pelo chinês Frank Shou combina
luz ultravioleta com um local e interminável Ailments criado agora por Carlo
Ratti Associati. É uma unidade
onde colocar pequenos

D
que permite expandir hospitais
objectos a desinfectar,
urante estas últimas semanas to- Além das áreas profissionais que são de forma sistémica e interligada.
continuando a dar luz normal.
dos estivemos unidos pelo mes- directamente chamadas para responder
mo temor, fosse qual fosse a nossa no terreno às terríveis consequências des-
raça, credo ou origem. Não duvido que a ta pandemia — a quem devemos a nossa
nível individual tenhamos todos tentado vida e um obrigado sem fim — houve pelo
perceber como escapamos à covid-19, mundo fora uma resposta muito positiva
como lhe resistimos e sobrevivemos. E por parte dos designers e dos arquitectos,
que a nível individual, também, todos provando que as disciplinas de projecto são
nos tenhamos perguntado ainda: como determinantes também nestes contextos
posso ajudar colectivamente? O que é de crise. Muitos foram os ateliês de arqui-
possível fazer para contribuir para uma tectura e design, mas também de outras
solução ou para diminuir os impactos áreas criativas, que, de modo mais ou me-
TIME-CHANGING HAND negativos da pandemia? nos voluntário, se organizaram para provi- ESCUDO FACIAL
SANITISER BY PINO WANG DE PROTECÇÃO
Uma praga letal e silenciosa como denciar soluções para muitos dos proble-
AND FRANK CHOU Vários arquitectos americanos
esta ataca variadíssimas frentes da nos- mas relativos a equipamentos e produtos
Do mesmo designer, esta uniram-se para conceber este
sa sociedade. Levanta questões urgentes que o combate a esta pandemia solicita. escudo, produzido em
embalagem mostra através
em termos de saúde, como é claro e aci- Tal como muitas foram as empresas que impressora 3D, disponibilizando
da mudança da cor o tempo
de lavagem das mãos,
ma de tudo, que só podem ser resolvi- perante novos projectos e ideias se dispo- os ficheiros em open source,
depois de pressionada das se questões logísticas e operacionais nibilizaram para os produzir. como em muitos outros
para dispensar o sabão. forem solucionadas. Pouco importa um Os tempos são tristes, mas a nossa ca- projectos semelhantes.
primeiro-ministro e um Presidente da pacidade de gerar soluções é promessa
República determinarem uma quaren- real de que os vamos resolver. O filósofo
tena se as actividades relativas a bens de Vilém Flusser, sobre o qual já falei aqui,
primeira necessidade não estiveram a vê o design “como uma maneira de dar
funcionar; pouco efeito tem um teste ou forma ao ‘caos sem forma’ que é o mun-
uma vacina se não houver como os ad- do antes da nossa intervenção”. O facto
ministrar em massa; de pouco servem é que apesar da nossa intervenção o caos
hospitais e mais camas, ou mesmo ven- continua.
tiladores, se não existirem luvas e más- É bom não esquecermos — mas com
ADAPTAÇÃO caras. Nem sempre é assim. Nem sempre ânimo e sem lamentações — que a tare- HOSPITAIS INSUFLÁVEIS
O American Institute of existe uma tão grande cadeia de depen- fa de criar soluções é infindável e inter- Não foram criados agora, mas a
Architects criou uma task force dências no desenho de uma solução para minável. b sua adaptação por designers e
para fazer consultoria na área da um problema maior. Mas com a covid-19 arquitectos para o contexto de
adaptação de edifícios para é taxativamente deste modo, daí ser tão Guta Moura Guedes escreve de acordo guerra ao vírus está a acontecer
estruturas de saúde antivírus. difícil esta luta. com a antiga ortografia um vários pontos do mundo.

E 86
M O DA
POR GABRIELA PINHEIRO

Dicas & Regras

Quarentena ativa
O visual que escolhemos dá o seu contributo
para conseguirmos uma mente sã em corpo são

C
om o estado de emergência decla- e aproveitar para compor ainda mais o
rado, os ginásios, estúdios de ioga e look. Não se esqueça que provavelmente
boxes de crossfit foram obrigados a não vai estar sozinho, a tecnologia permi-
fechar as portas, mas os portugueses estão te que nos juntemos virtualmente, em live
mais ativos no que diz respeito a manter a feed, e é possível que queira fazer algum
sua rotina desportiva. Para muitos, estes vídeo para partilhar com os seus famili-
dias estranhos que vivemos são mesmo a ares e amigos, levando mais motivação a
motivação de que precisavam para fazer quem precisa.
exercício. Em quarentena, todos os incen- Caso esteja cansado das opções de
tivos ao exercício físico são bem-vindos, roupa desportiva que tem, pode sempre
dentro de casa ou na rua de forma isolada. explorar as novidades que as marcas es-
E para isso precisa de se equipar a rigor e tão a lançar online. Sensibilizados com a
dar descanso ao seu pijama do dia a dia. pandemia mundial, e para combater a
O athleisure, estilo de roupa tão em crise global, algumas marcas aliam-se
voga nas últimas temporadas, que esten- na luta contra a covid-19 e criam cole-

FOTOGRAFIAS GETTY IMAGES


de a roupa desportiva aos momentos de ções cujo montante da venda reverte a
lazer, passou a ser o eleito para as nossas favor de hospitais ou outras instituições
saídas essenciais, como uma ida ao super- necessitadas, como foi o caso da bloguer
mercado, à farmácia ou visita para ajudar e designer Chiara Ferragni que em cola-
um familiar, por exemplo. Mas quando se boração com a marca Oreo lançou uma
trata de praticarmos exercício físico, deve- edição limitada para ajudar na luta con-
mos trocar para roupas 100% desportivas tra a covid-19 em Itália. b

Shopping SWEATSHIRT
ESTAMPADA COM CAPUZ
Chiara Ferragni x Oreo em
chiaraferragnicollection.com
€215
LEGGINS
ESTAMPADAS
Chiara Ferragni em
chiaraferragnicollection.com
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POLO PIQUET
BLUSÃO IMPERMEÁVEL Lacoste x Crocoseries
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COM CAPUZ BOLSA
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E 87
DIÁRIO DE UM
PSIQUIATRA
POR JOSÉ GAMEIRO

Oportunismo filial
PRODÍGIO Alterno entre ser um pai normal.
A fechar o ano passado a Nuxe Mas, agora, estou profundamente chocado
adicionou à oferta uma nova

A
interpretação da conhecida eau de prendi, todos aprendemos, Claro que as contas de
parfum Huile Prodigieuse criada por com os nossos pais, que supermercado aumentaram, mas
Serge Majoullier. Prodigieux Absolu quem dita as regras na devo dizer, em abono da verdade
de Parfum aposta num concentrado família são eles. Bem sei que, que há muito tempo que não
de perfume de 25% para fazer toda agora, os psicólogos aconselham comia tão bem.
a diferença e vem com um novo que isso não se faça de forma Durou pouco, obrigou-me a ir à
sistema de aplicação, pensado para muito assertiva, de modo a não balança e deu uma ordem:
aplicar precisamente a dose certa traumatizar as criancinhas e — Tem de perder cinco quilos,
de perfume. os adolescentes. Uma espécie acabaram-se as entradas, os
nuxe.com de paternidade democrática, queijinhos, só meio copo de vinho,
só quebrada em situações de carne branca e muitas verduras e
emergência. Estranhamente o sim fruta.
é muito pouco explicado, porque Pior do que as nutricionistas
PRIMAVERA os filhos não dão tempo, piram-se mais radicais.
NO PULSO logo... Perguntei, já a medo:
Lá me fui aguentando neste — Posso dar um passeio, só
Quase sem darmos por isso, a mundo tão diferente da minha uns cinco quilómetros, não há
Primavera já chegou. Com a nova infância e consegui não cometer ninguém, por aqui.
estação chega também uma nova o erro de ser psiquiatra em casa. — Nem pensar, tem o jardim e
coleção de relógios Tommy Hilfiger, Alterno entre ser um pai porreiro e quando chover tem o corredor.
como este novo multifunções onde uma besta, enfim um tipo normal. Pensei: como é que vou lidar
se destaca o contraste entre os tons Mas, agora, estou com este radical?
azul navy e vermelho inspirados nas profundamente chocado. Mandam Tentei argumentar que a DGS
cores da marca. Aos apontamentos em mim. aconselhava um pequeno passeio
modernos da caixa e mostrador Eu explico. todos os dias, que o meu risco é
alia-se a intemporalidade A minha filha mais velha, já apenas etário, felizmente, que eu
da bracelete em aço. Disponível não vive comigo, mas o mais novo saiba, não tenho nenhuma doença.
na Boutique dos Relógios. ainda cá está. Continuou irredutível.
boutiquedosrelogios.pt Ela, porque não tem outra Passei à clandestinidade. Como
hipótese, limita-se a telefonar ele só acorda pelas oito, sou livre
e a fazer umas perguntas das cinco às sete, ainda com uma
inquisitoriais, sobre a minha vida margem de segurança de uma
em isolamento social. Para ter hora. Saio, meto-me no carro,
APOIO CONTRA O CANCRO cuidado, sair o menos possível, e faço uns quilómetros, falo ao
não estar com amigos, enfim telefone com amigos que vivem
O Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro tem
coisas que cumpro bastante... do outro lado do mundo. Só paro
disponível uma linha de apoio a doentes oncológicos em regime de
Ele persegue-me, não há outra uma vez para beber, à beira da
isolamento social. Criada com o apoio dos voluntários da instituição, a Linha
palavra para exprimir a minha estrada, um café que levo num
Apoio Oncológico Covid-19 liga o doente oncológico da região Norte do país
‘revolta’. termos. Quando ele acorda já estou
a tudo o que precisa através do 800 919 232. As chamadas são gratuitas e a
Estou proibido de ir ao sentado a escrever...
linha encontra-se disponível das 08h30 às 17h30, de segunda a sexta-feira.
supermercado, mesmo sabendo Estava tudo a correr muito bem
ligacontracancro.pt
que tenho o privilégio de poder quando fui apanhado. Não resisti
entrar em horário destinado só a ir comprar um croissant para o
para algumas profissões. pequeno-almoço. Pelo postigo e
— O pai não vai, vou eu, que acabado de sair do forno.
sou novo e tenho cuidado. Na Agora põe o despertador para
sua idade é um risco, nunca sabe as seis da manhã e vem ver se
quem mexeu nas coisas, mesmo estou em casa.
que se desinfete, nunca se sabe. Vou ter de sair às quatro... Até
Tento argumentar que ando ele descobrir...
sempre com gel de álcool, Tudo isto, não tem outro nome,
máscaras coreanas, que o padrinho oportunismo filial.
dele me enviou de Macau, que P.S. Acordou agora e com voz
mantenho uma distância de pelo autoritária disse-me:
menos três metros. — Quero o relatório de hoje... b
Irredutível, não, não e não. josemanuelgameiro@sapo.pt
PASSAT E M POS
POR MARCOS CRUZ

Sudoku Fácil Palavras cruzadas nº 2315

7 9 3 5
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
8
1 5 2 9 3 1
2 6 4 1 5
2
5 8
9 8 4 7 6 3
6 4 8 9 7
4
5
7 1 3 4 5

Sudoku Difícil 6
1 2
7
9 3
5 4 7 1 8
6 8 7
9
5 4
6 2 3 10
7 3 9 1
4 3 11
3 9
Horizontais Verticais Soluções nº 2314
1. Na França ocupada, opôs-se aos 1. Protagonista de aventuras HORIZONTAIS
Soluções nazis 2. De Figueira, é o comerciante inverosímeis 2. Campos paradisíacos 1. testamento 2. Orion;
Fácil Difícil português que vende inutilidades da mitologia grega. Faz mal ao Geira 3. pombalina
4. OS; aturar 5. na; girafa
2 4 3 6 1 7 5 9 8 8 5 9 4 6 7 2 3 1
a Tintin. As pontas dos dardos hipertenso 3. Mulher oráculo. Prefixo
6. ioga; na; ab 7. opereta
1 6 8 2 5 9 7 4 3 3 7 6 1 2 8 4 9 5
3. Navegam na internet que multiplica por três 4. Tem tudo
8. ie; trine; AC
7 9 5 8 4 3 1 6 2 4 1 2 9 3 5 8 6 7
3 2 6 1 7 5 4 8 9 9 8 1 3 5 2 6 7 4 4. O continente mais povoado. para ser veia. Tecido 5. Termo de
9. atravessa 10. nasale;
8 7 9 3 2 4 6 1 5 2 6 4 7 1 9 5 8 3 Quando quer, encanta 5. O primeiro um dilema shakespeariano. Círculos
ida 11. cais; astros
5 1 4 9 6 8 2 3 7 5 3 7 8 4 6 9 1 2 com quatro algarismos. Contratam terrestres 6. A da China é preta.
6 3 7 4 9 2 8 5 1 1 9 8 2 7 4 3 5 6
e remuneram trabalhadores Falta ao asmático 7. Como começam VERTICAIS
6. Antecessor das fake news. As as histórias da Carochinha. Ataca 1. toponímia 2. erosão;
9 5 1 7 8 6 3 2 4 6 4 3 5 8 1 7 2 9

Etna 3. sim; ga; RAI


4 8 2 5 3 1 9 7 6 7 2 5 6 9 3 1 4 8
pontas da espada 7. Cardeais. A família a madeira 8. Foram mais de 1500
com parentes 8. Tem remédios para os do “Titanic” 9. Termo de 4. tobogã; TASS
todos os males 9. Mulher que deu comparação. Ave de rapina 5. Ana; orva 6. lar; piela
nome a um livro do Antigo Testamento. 10. Não perdoa. Primeiro era de vinil 7. egitanenses
Palavras Cruzadas Premiados do nº 2313 8. nenúfares 9. tiara;
César foi assassinado nos de março 11. Submetes ao lume. Vogal repetida.
“Lealdades”, de Delphine de Vigan, para Manuel air 10. or; ata; dó
10. O cinema é a sétima. O que faz o Metade de três
Campos, de Queluz; “Nunca Desistas de Ti”, 11. acrobacias
de Susana Teixeira, para Mário Póvoa, de Lisboa; apoiante 11. Juntastes. Vogal plural
“O Lado Negro da Mente” de Kerry Daynes,
para Ana Figueira, do Funchal. Participe no passatempo das Palavras Cruzadas enviando as soluções por correio para
Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos ou por e-mail para passatempos@expresso.impresa.pt

E 89
Q U E CO I SA SÃO AS N UVE N S

SEXTA-FEIRA SANTA

C
NO MUNDO
O SENTIMENTO QUE MILHÕES DE MULHERES E DE HOMENS PROVAM NESTA HORA
É QUE UMA RADICAL EXPROPRIAÇÃO DA SUA HUMANIDADE ACONTECEU

omeçam os dias da Semana Santa. Desta hora é, nada menos, que uma radical expropriação da sua
vez, os cristãos não serão chamados aos humanidade aconteceu. O elenco e a natureza das coisas que
seus templos para celebrar, em sagrado nos estão vedadas é impressionante e isso representa um
recolhimento, o mais essencial dos ciclos empobrecimento brutal da vida. Pensar que estão suspensas
litúrgicos. Desta vez, não sairão cantando dimensões tão elementares como a proximidade entre nós
pelas ruas com ramos de oliveira e de humanos, a visitação, a experiência comunitária, o convívio, o
palmeira, nem se sentarão depois por contacto físico com que se expressam os afetos, a saída de casa
longo tempo, em comunidade, a escutar que não seja em direção à fila do supermercado e da farmácia.
a leitura integral da pungente narrativa Pensar que não podemos acompanhar os doentes como até aqui
da Paixão. Desta vez, o sacerdote não o fazíamos e que estão suspensos os funerais e as humaníssimas
lavará piedosamente os pés aos fiéis, para práticas do luto. Ou, então, como nestas poucas semanas,
fazer memória do gesto semelhante que disparou o desemprego, a precariedade, a pobreza e a solidão.
primeiro fez Jesus (de facto, o Evangelho segundo João narra Quando nos damos conta do que está a acontecer é impossível
o que Ele disse: “Compreendeis o que vos fiz? Também vós não se sentir expropriado de algo que é (ou deveria ser)
deveis lavar os pés uns aos outros”, Jo 13:12.14). Desta vez, os universalmente sagrado. Ora esta confiscação da existência
cristãos serão como sempre convidados a cumprir o jejum que é a condição vivida na primeira pessoa por Aquele que foi
a tradição prescreve, mas o santo madeiro não será exposto suspenso da cruz. Por isso, nenhuma dor, nenhum pranto,
progressivamente diante dos seus olhos, nem farão em seguida nenhum medo, nenhum confinamento humano lhe é
o lento cortejo para venerar a cruz amparada pelos círios, verdadeiramente indiferente. A cruz de Cristo expressa de um
enquanto o coro, na surdina de um gemido, sussurra a melodia modo escandalosamente novo o espaço de Deus no mundo.
dos impropérios. Desta vez, os cristãos não experimentarão, Pois, o confinamento do homem revela o não-confinamento
no final das suas liturgias de sexta-feira santa, que um grande de um Deus que parte ao encontro de todos e abraça a todos,
silêncio e uma grande solidão se abateram repentinamente carregando sobre si as dores do mundo. Deus não está
sobre o mundo ao qual eles regressam, porque eles estarão distanciado, indiferente à história e às suas convulsões. Deus
afinal já no mundo, e partilhando, nas mesmas condições de não esquece ninguém. Recordo o poema que o teólogo Dietrich
todos os outros seres humanos, a dor indistinta, o desamparo Bonhoeffer escreveu um ano antes da sua morte, no campo
inelutável da solidão destes tempos. de concentração de Flossenbürg: “Deus vai ao encontro de
Há, porém, neste desnudamento um sentido (ou uma todos quando precisam/ sacia o corpo e a alma com o seu pão/
possibilidade de construção de sentido) que não nos deve a morte da cruz ele morre por cristãos e pagãos/ e perdoa a
escapar. E um sentido — atrevo-me a dizer — “cristológico”, ambos.” A cruz ensina-nos, assim, a solidariedade extrema de
que não só não sai diminuído nesta dramática reductio, mas Deus, mostra até onde ele está disposto a ir para colocar a salvo
que nos permite mesmo mergulhar, porventura com outra cada vida. Nesta semana santa, é a isso que nós cristãos somos
intensidade, no âmago da fé no crucificado. Pois o sentimento desafiados: a reconhecer e a amar o ícone do crucificado na
que largos milhões de mulheres e de homens provam nesta concreta expressão da existência dos nossos semelhantes. b

DEUS NÃO ESTÁ


DISTANCIADO,
INDIFERENTE À
HISTÓRIA E ÀS
SUAS CONVULSÕES. / JOSÉ
DEUS NÃO TOLENTINO
ESQUECE NINGUÉM MENDONÇA

E 90
É para a vida.
por

Atividades para fazer em


casa, em FAMÍLIA
JANELA PARA A RUA
Em casa também podes visitar museus,
ir ao cinema e assistir a espetáculos. A
cultura mora à distância de um clique.

TEATRO
Marionetas no Porto
O Teatro de Marionetas do Porto propõe uma forte
COVID-19 TROCADA POR MIÚDOS temporada. Até 5 de abril, podes assistir ao espe-
táculo “A História da Praia Grande”, para maiores
de 4 anos, e de 8 a 12 de abril a “Wonderland”, para

CARTA ABERTA: TEMOS maiores de 12.


facebook.com/marionetas.do.porto

DE FICAR EM CASA!
Desde que o Presidente da República declarou estado de emergência CINEMA
Filminhos Infantis à Solta pelo País
nacional, por causa da covid-19, que não podes sair nem brincar com os A sessão de curtas-metragens de abril da Zero em
teus amigos. Esta é uma fase difícil. Sem medos, informa-te sobre este “bichinho” Comportamento começa com um menino que não
gosta de brincar na rua e prefere ler histórias em
mau que pertence a uma nova família de vírus e que se combate ficando em casa
casa e termina com a história de um gato que está

N
de olho no passarinho.
o final do ano passado, apareceu um novo COMO PREVENIR? www.zeroemcomportamento.org
vírus que fez adoecer uma parte da popu- As nossas mãos são um alvo fácil para apanhar o
lação de Wuhan, na China. Muitas pessoas vírus. Pior ainda se as levarmos à cara, seja para
ficaram rapidamente doentes sem explicação comer, coçar o nariz ou esfregar os olhos.
aparente – era apenas notório que haveria alguma Por isso, a melhor prevenção está em lavar muitas
ligação a um mercado da cidade. vezes as mãos e em evitar dar beijinhos e abraços.
Passaram quase quatro meses e este vírus, que se Quando estiveres a lavar as mãos, deves contar
chama SARS-CoV-2 e é causador da doença até 20 devagarinho, para que a lavagem seja
covid-19, já afetou milhares de pessoas em cente- eficaz. Podes ainda usar álcool desinfetante para
nas de países, como é o caso de Portugal. Por essa limpar a casa e os objetos. MUSEU
razão, foi até declarado pela Organização Mundial NewsMuseum: visita interativa
de Saúde (OMS) como uma pandemia, já que POSSO VISITAR OS AVÓS? A viagem virtual tem início na rua do museu de
atingiu muitos países ao mesmo tempo. Esta notícia vai parecer desanimadora, mas é Sintra e, a partir daí, desenrola-se uma visita
mesmo necessário ficar longe dos avós, durante conversada pelo mundo dos media.
AFINAL, O QUE É A COVID-19 E COMO algum tempo, para não lhes transmitires o vírus. www.newsmuseum.pt/visita-virtual
AFETA A POPULAÇÃO? O facto é que esta faixa etária conta com menos
Covid-19 é o nome atribuído pela OMS à defesas, ou seja não tem um sistema imunitário tão
doença provocada pelo novo coronavírus (uma forte como o teu, o que significa que tem maior HORA DO CONTO
família de vírus que pode infetar as pessoas). probabilidade de adoecer. Mas já sabes: podes Uma história por dia não sabe
Normalmente, estas infeções atacam o sistema sempre ligar-lhes ou fazer videoconferências. O o bem que lhe fazia
respiratório e são parecidas com uma gripe ou, se carinho que sentem por ti está garantido! As Bibliotecas Municipais de Lisboa preparam
este bichinho ficar muito grande, com uma pneu- diariamente, de segunda a sábado, às 11h, uma hora
monia. No site www.coronakids.pt encontras ESTADO DE EMERGÊNCIA: O QUE É ISSO? de leitura na sua página de Facebook.
muita informação útil a este respeito, nomea- Quando se declara estado de emergência signi- facebook.com/BibliotecasdeLisboa
damente os sintomas da doença: febre, tosse, fica que alguns direitos e deveres têm de ser
dificuldade respiratória, dores no corpo e cansaço. adaptados e os cidadãos devem ajustar o seu
comportamento de acordo com a nova situação WORKSHOPS E JOGOS
COMO SE PROPAGA? por um determinado período de tempo. Os nossos SOS Planeta
A covid-19 transmite-se por gotículas, proje- políticos declararam esta medida, porque este A organização ANP/WWF criou sessões virtuais
tadas normalmente através da fala, da tosse ou vírus estava a atingir muitas pessoas. A lei dita que gratuitas para toda a família sobre como proteger o
dos espirros.É por essa razão que se deve evitar não se pode sair de casa, exceto em casos exce- planeta. “Como gerir a água em nossa casa?” ou “A
estar em lugares com muitas pessoas, como os cionais, como ir ao supermercado ou passear o cão. história contada pelo lobo-ibérico…” são dois dos
parques. O melhor mesmo, além de obrigatório, temas em que podes participar.
é ficar em casa para evitar contagiar e ser conta- É O FIM DO MUNDO? VAMOS VOLTAR À ESCOLA? www.natureza-portugal.org/our_planet/educacao
giado.Todos os cuidados são poucos nesta fase: Calma! Apesar de este vírus estar a transtornar
pode demorar entre dois a 14 dias até saberes milhares de pessoas e a trazer tantas alterações Zoo dentro de casa
que apanhaste o vírus e, entretanto, já o podes à tua vida, é possível controlá-lo. Atualmente, O site do Jardim Zoológico conta com
ter transmitido a outras pessoas. muitos laboratórios pelo mundo estão a trabalhar uma área especialmente dedicada
Explora este assunto e testa para desenvolver medicamentos e vacinas. Basta aos mais novos: o Zoo Kids. Nesta
os teus conhecimentos com o ficares em casa e cumprires as regras. “Vamos ficar secção encontras jogos, atividades
jogo online da Direção-Geral da todos bem” e em breve estarás a abraçar os teus manuais e curiosidades.
Saúde: www.stopcontagio.pt. amigos e os colegas da escola. www.zoo.pt/pt/viver/zookids
DE CASA PARA O MUNDO
Em tempo de quarentena, alguns dos prejuízos para o meio ambiente
vêm diretamente das tarefas diárias que realizamos em casa. Nesta
fase difícil para a Humanidade, importa saberes como podes proteger
o único lugar onde conseguimos sobreviver: o planeta Terra

PROTEGER O AMBIENTE DENTRO DE CASA

O isolamento social é um mal necessário


para abrandar o surto de covid-19, mas
ficar em casa, por incrível que pareça,
trouxe benefícios ao planeta. Isto só mostra
que temos de viver de forma mais saudável e
que os canais eram conhecidos pela sua água
turva e pelos maus odores. É surpreenden-
te que, sem pessoas à vista, a água se tenha
tornado cristalina e que em apenas algu-
mas semanas cardumes e grupos de cisnes
1. Qual é a ordem de importância (do mais
importante para o menos) dos 3 R?
respeitadora do outro e do meio que nos rodeia. tenham voltado a nadar nas suas águas. a) Reutilizar, reduzir, reciclar
Sabias que atualmente o mundo está a emitir Enquanto o planeta respira de alívio por uns b) Reciclar, reduzir, reutilizar
menos um milhão de toneladas de dióxido de instantes, estar em casa pode afetá-lo noutros c) Reduzir, reutilizar, reciclar
carbono (Co2) para a atmosfera por dia? E que sentidos, por exemplo no consumo de alimen-
o consumo de combustíveis fósseis também tos, eletricidade, gás e água, uma vez que se 2. Como consumir de forma consciente?
caiu a pique? trata dos recursos mais usados nas tarefas a) Adquirir qualquer tipo de produto se for barato
O mais interessante e mais visível são mesmo domésticas. b) Usar a mangueira para lavar o quintal e o carro
os canais de Veneza. Esta que costuma ser Como combater esta situação? A palavra de c) Utilizar os recursos naturais para satisfazer as
uma metrópole sempre lotada de turistas a ordem é reduzir! Mas como fazê-lo dentro de nossas necessidades e as das gerações futuras
navegar pelos seus canais é hoje uma cidade casa? Para conseguir cumprir o objetivo, temos
fantasma. Apesar de belíssimos, a verdade é de poupar: em tudo! 3. Que termo designa o impacto dos seres
humanos no ambiente?
a) Pegada ambiental
b) Passo verde

LIXO ÁGUA ELETRICIDADE c) Pegada ecológica

. Reciclar todas as . Aproveitar a água . Desligar os equipamentos e 4. Em que ecoponto se deve colocar um
embalagens que não de lavagem dos as luzes que não estão a ser pacote vazio de batatas fritas?
forem necessárias; alimentos e da utilizadas; a) No ecoponto verde
. Não adquirir gran- chuva para regar . Aproveitar a tarifa bi-horária b) No ecoponto azul
des quantidades de as plantas; para as lavagens da roupa e da c) No ecoponto amarelo
produtos perecíveis para evitar . Reservar a água do banho que loiça;
que passem do prazo e haja corre enquanto aquece para . Vedar bem as aberturas da 5. Qual das seguintes fontes de energia é

Soluções: 1. c | 2. c | 3. c | 4. c | 5. b | 6. c | 7. b
desperdício; lavar várias superfícies e para as casa para manter a renovável?
. Reutilizar as embalagens para descargas do autoclismo; temperatura; a) Carvão
guardar outros alimentos ou . Colocar a máquina de lavar . Usar as janelas b) Ondas do mar
produtos e para fazer projetos e a loiça e a roupa a trabalhar só para regular a c) Petróleo
brincadeiras; quando estiverem cheias; temperatura;
. Fechar as torneiras sempre . Usar baterias 6. Quanto tempo demora uma garrafa de
que não seja necessário esta- recarregáveis para plástico a decompor-se?
NÚMEROS rem abertas, enquanto se aparelhos usados a) Menos de 100 anos
ASSUSTADORES ensaboa as mãos, por exemplo. com maior frequência. b) Entre 5 e 20 anos
c) Mais de 400 anos
. Um português faz em média cerca de
1,30 kg de lixo por dia e a humanidade 7. Qual destes problemas não é causado
produz perto de dois mil milhões de pela poluição atmosférica?
toneladas de lixo por ano. a) Chuvas ácidas
. Segundo as Nações Unidas, um b) Maremotos
ser humano precisa de 110 litros de c) Efeito de estufa
água por dia.
Sabias que há mais animais de estimação por lar em Portugal do que crianças?
Se tens um amigo de quatro patas, aproveita para criar muitos momentos de
brincadeira com ele, para que se sinta superespecial em família

ROTINA DO DIA: MIMOS A TODA A HORA RECEITA


ALMÔNDEGAS
BRINCAR COM O CÃO JOGAR COM O GATO DE CARNE E AVEIA
Quem diz que os cães e os gatos não
gostam de comida saudável? Em família,
CAÇA AO TESOURO Esconde pela casa gulo- OLH’À CAIXA Para muitos gatos experimenta esta receita com ingredien-
seimas (cenoura cortada ou bolinhas de ração) uma caixa de cartão é melhor do que tes naturais e rica em fibra, proteínas e
e deixa que ele as procure. Coloca-as no chão, qualquer outro brinquedo e uma forma vitaminas, graças à carne e às cenouras.
enquanto ordenas que fique sentado. Depois de os ajudar a gastar energias. Escolhe Ingredientes
aciona outro comando: “Vai!” e aponta para o uma caixa que já não uses, pode ser a 760 g de carne picada de vaca ou frango
local se o cão estiver com dificuldade. Aumenta dos sapatos ou a dos ovos, e divirtam-se juntos. 1/2 chávena de flocos de aveia inteiros
o nível do desafio aos poucos, elogiando e 1 cenoura
fazendo festinhas de cada vez que encontrar À PESCA! Prende um brinquedo antigo, uma pena 1 ovo
1/2 colher de sopa de orégãos
um pedacinho. ou uma bola de papel de alumínio a um fio e vai “à
pesca do gato”. A ideia é que ele salte até atingir Modo de preparação
1. Pré-aquecer o forno a 200 graus.
SÓ PARA GULOSOS Oferece o seu objetivo. Nota: não exageres na altura, eles 2. Descascar e picar a cenoura. Colocar
ao cão o resto de uma embalagem precisam de gastar energias, mas numa panela com água a ferver
de manteiga de amendoim para que não precisam de perder todas (o suficiente para cobrir a cenoura).
possa lamber ou espalha-a no fundo de as forças. Deixar ferver durante dois minutos.
um copo/recipiente que não se parta. 3. Acrescentar os flocos de aveia e
misturar durante dois minutos até que a
ESCONDE, ESCONDE. Os gatos adoram brincar aveia comece a absorver a água. É impor-
TUG OF WAR EM AÇÃO Neste jogo o cão puxa às escondidas - é um instinto natural - seja num tante que não fique demasiado líquida.
uma corda para um lado e o dono puxa para o outro. túnel, atrás da porta ou o mais que a imaginação 4. Retirar a mistura do fogão e deixar
É o preferido da maioria dos cães. É estimulante e te ditar. Verás que o consegues manter entretido arrefecer durante uns minutos.
uma boa forma de fazerem exercício. Além disso, durante horas, além de estares a combinar o exercí- 5. Quando já não estiver a queimar,
colocar numa bowl a aveia com a
ajuda a ensinar boas maneiras. O jogo termina cio físico com estímulos mentais. cenoura e acrescentar o ovo e a carne
assim que os dentes do cão tocarem nas picada. Misturar bem.
mãos do dono. Deixa o ARRANHADOR COM ANDARES. 6. Espalhar azeite nas mãos e começar a
pet ganhar de vez em quando Todos sabemos que os gatos adoram fazer as almôndegas em forma de bolinhas.
para não ficar frustrado. afiar as unhas. Por isso, nada melhor Se a mistura estiver demasiado líquida pode
acrescentar-se um bocadinho de farinha.
do que criares um arranhador que seja 7. As almôndegas podem ser servidas
QUEM É MAIS ÁGIL? Cria um percurso divertido, acrescentando um ou mais assim ou cozinhadas no forno a 180graus
de obstáculos dentro de casa, usando andares com uma pequena casinha, durante 15 a 20 minutos até ficarem
cadeiras, bancos, paus de vassoura ou plumas e outros brinquedos para o douradas por fora. Outra opção é aque-
outros objetos. O patudo tem de superar entreter. cê-las no micro-ondas durante três a
cinco minutos. Bom apetite!
com rapidez e sem errar os desafios
enquanto segue a voz e os gestos do UM TESTE À INTELIGÊNCIA. Com criatividade,
dono. Torna o teu cão num forte campeão! podes construir muitos brinquedos com rolos de
papel higiénico. Usa fita adesiva para os juntar em
PUZZLE DE QUEQUES Usando um forma de pirâmide. Coloca alguns
tabuleiro de fazer queques, dispõe guloseimas em brinquedos ou guloseimas nos
alguns buracos. Por cima de cada buraco, coloca buracos e deixa que o gato faça
uma bola de ténis ou um brinquedo. O cão as suas descobertas.
deve ir retirando as bolas/brinquedos até
encontrar todos os presentes.

FICHA TÉCNICA:
ESTRELAS & OURIÇOS, LDA Editora Executiva: Joana Leitão
R. Calvet de Magalhães, 242 joana.leitao@estrelaseouricos.pt
2770-022 Paço de Arcos Redatoras: Inês Almeida, Cemiclay Santos
NIPC: 508 194 195 Estagiária: Maria Calderón
Empresa Jornalística nº 223 768 Projeto gráfico e paginação: Sara Rosa
Fotografias: Istockphoto
Diretora-geral: Madalena Nunes Diogo
madalena.lampreia@estrelaseouricos.pt www.estrelaseouricos.sapo.pt
*Os conteúdos publicados neste suplemento são da exclusiva responsabilidade da Estrelas & Ouriços.
Nem sempre a melhor opção para te divertires passa por ter um tablet ou o comando de uma
consola na mão. Dá espaço a outro tipo de jogos! Desafia a tua perspicácia e o teu raciocínio lógico
com estes quebra-cabeças

1. LÓGICA
Ups, o bico do lápis partiu-se. Descobre o caminho para chegar ao afia.
Uma dica: segue os múltiplos de 3 2. FRASE SECRETA
Encontra a palavra na horizontal e descobre
a frase escondida na vertical

1. Dá leite
4 8 13 16 7
3 7 10 15 22 24 2. É preciso ter...

6 9 12 16 20 22 3. Ideal para dormir

1.Soluções: 3, 6, 9, 12, 15, 18, 21, 24, 27.


10 13 15 18 23 28 4. 1º mês do ano

11 14 17 21 24 25 5. Sem elas os pássaros não voam

13 26 52 31 27 40 6. Talheres: garfo e ...

21 42 66 71 58 7. Só funciona com ...

8. Tem um rabo comprido é o ...

2. Soluções: VAMOS FICAR BEM


9. Quando não há luz só de ...

3. LABIRINTO 10. As ideais são de cortiça


Segue a sequência e ajuda o ouriço a chegar à estrela 11. Rua sem saída

12. Nada no mar

13. Só as abelhas fazem

4. CONTAS
Neste jogo, para que as contas fiquem certas, só tens de
mudar um lápis de lugar

5. ADIVINHAS
Será que consegues desvendar todas as adivinhas?
1. Qual é a coisa, qual é ela, que quanto mais rugas tem mais novo é?
2. Qual é a coisa, qual é ela, que todos os meses tem, menos abril?
3. Qual é a coisa, qual é ela, que dá muitas voltas e não sai do lugar?
4. Qual é a coisa, qual é ela, que tem cabeça e dentes, não é bicho e nem é gente?

5.Soluções: 1. pneu, 2. “o”, 3. relógio, 4. alho 4.Soluções: 5+3=8 | 11-5=6


Com a Páscoa a bater à porta de casa, nada como entrar
já nas tendências da festividade. Mãos à obra!

LATA COELHO
O QUE É PRECISO:
Lata de feijão ou salsichas
Trapilho
Feltro preto e da cor do trapilho
Cola universal
Olhos malucos
Fita-cola
Tesoura

COMO FAZER:
. Cortar duas orelhas, uns bigodes e um pequeno
coração para fazer o focinho.
. Com fita-cola, colar as orelhas na parte de cima.
. Com a ajuda da fita-cola, colar a ponta do trapilho
junto à base da lata.
. Enrolar o trapilho à volta da lata e terminar colocan-
do um pouco de cola universal na ponta do trapilho.
. Colar os bigodes.
. Colar o coração, fazendo o focinho.
. Colar os olhos.

ENVELOPES SURPRESA
O QUE É PRECISO: COMO FAZER:
Envelopes . Cortar umas orelhas em cartolina
Cartolinas coloridas branca e recorte iguais, mas ligei-
Pompons ramente menores, em cartolina
Cola colorida, para fazer o interior da
Marcador preto orelha.
. Colar uma à outra e posteriormente
colar no envelope.
. Desenhar os olhos e os bigodes e
colar o pompom.

SUGESTÃO:
Joana Nobre Garcia
www.rosapomposa.com
,
Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto
!
LIVROS
O FALCÃO QUE
TINHA VERTIGENS
O PÁSSARO VIAGEM AO
DA ALMA PATRIMÓNIO
Michal Snunit, Vega PORTUGUÊS
Astuto o falcão peregrino Rita Jerónimo e
A autora israelita escreve Alberto Faria, Fábula
estava no punho do dono sobre a relação entre
e dali nunca saiu nós e a nossa alma, numa Ilustrações bem-humora-
até lhe dar o sono explicação delicada e das combinam com o rigor e
poética, adequada a a criatividade do texto para
todas as idades. mostrar uma interessante
viagem pelo que herdamos
“O que se passa contigo?” dos nossos antepassados.
— quis o dono perceber,
mas o falcão por prudência E-BOOKS
preferiu não lhe dizer
É que a ave de rapina
tinha vertigens tais
que voava mais baixinho
que os melros e os pardais

Ali no punho instalado A CHUVA O AVÔ TEM


PASMADA UMA BORRACHA
o bicho metia respeito Mia Couto, Editorial NA CABEÇA
e até parecia pronto Caminho Rui Zink, Porto Editora
sem medo das alturas www.leyaonline.com www.wook.pt
a voar sempre a preceito. De repente, numa aldeia História da amizade entre
africana, a chuva não cai, um avô que lentamente
fica suspensa, “pasma- vai perdendo as memó-
da”, diz um rapazinho da rias e um neto inventor
aldeia. Será magia? que se dedica a descobrir
uma cura.

O LEÃO
VEGETARIANO
O forte leão Leopoldo Mas o que eles não sabiam
por todos era temido nem podiam adivinhar
e na família admirado é que Leopoldo, rei leão
como pai, como marido tinha um hábito invulgar

Os gnus e as gazelas Em vez de carne tenrinha


tinham-lhe tal temor acabadinha de caçar
que fugiam aos saltinhos comia frutas e ervas
ao sentir o seu odor com um gosto de pasmar.

BICHOS DO AVESSO
Texto José Jorge Letria, Ilustração Eunice Rosado
Booksmile

Envia-nos um conto escrito a duas mãos ou a quantas viverem contigo aí em casa. Pode ser a vossa história ou a que vos ditar a imaginação. A melhor – que deverá
ter 2500 caracteres – será aqui publicada. Até ao dia 8 de abril, envia a tua obra ilustrada para info@estrelaseouricos.pt. Votos de muita inspiração!
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1117958 - luisteixeiraribeiro@gmail.com - 172.17.21.102 (03-04-20 23:46)

O novo coronavírus tem trazido muitas exigências a todos, mas ficar em casa é a melhor forma de evitar a propagação
desta pandemia. Ainda que boa parte dos pais esteja em regime de teletrabalho e que os afazeres da escola andem a
bom ritmo, há muitas ideias de atividades para fazer em tempo de isolamento social. O Expressinho lança um desafio
para cada dia da semana, com a garantia de sete aventuras para viver em família

#DESAFIO1
SÁBADO, 4 ABR. #DESAFIO2
Hoje é dia de puxar pela veia artística. A sugestão é DOMINGO,
usarem o saco do Expresso para pintar! Virem o saco do 5 ABR.
Estar em casa não significa
avesso e transformem a parte branca numa verdadeira tela.
ficar longe de quem
Concretizado o desafio “O saco Expresso como tela para gostamos. É importante
poderes dar asas à imaginação”, o manter a conversa em dia.
passo seguinte é publicar a imagem Por isso, reúnam a
da obra no Instagram pessoal, sem esquecer de tagar o família e combinem
Instagram do Expresso (@jornalexpresso). Os três melhores com alguns amigos
um belo serão… virtual!
trabalhos recebem um prémio. Fiquem atentos!

#DESAFIO4
#DESAFIO3 #DESAFIO6
TERÇA, 7 ABR.
SEGUNDA, Q U I NTA , 9 ABR .
6 ABR. Muito tempo em casa significa
também mais tempo para brincar e para Pedra, papel ou tesoura!
O desafio de hoje é o de arrumar. Organizem as tarefas necessárias, O vencedor tem direito a
que cada membro da família estabeleçam objetivos, ponham música e mãos escolher um filme para ver
faça uma hora de leitura! à obra. Reciclar é a palavra de ordem. em família, porque hoje é dia
Escolham o vosso livro
de cinema em casa. Liguem
preferido, sentem-se
as colunas, fechem os cortinados,
confortavelmente e
a sessão, tem pipocas
mergulhem numa aventura #DESAFIO5 incluídas!
ao folhear de cada página.
Q UARTA , 8 ABR .
Alguma vez conseguiram acabar
um jogo de Monopólio? Hoje é o dia! O
vencedor tem direito a escolher o próxi-
mo jogo de tabuleiro em família.

#DESAFIO7
SEXTA , 10 ABR .
Sexta-feira é o dia perfeito para testar os talentos da família na cozinha!
Dividam-se em equipas, escolham as vossas receitas preferidas para o
melhor jantar temático de sempre: mexicano, havaiano, baseado num
filme, numa época…. Vale tudo! Que ganhe a receita mais deliciosa… e
criativa! Preparem algo especial também para o vosso pet.

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