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o direito . - .
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un1versa ·- a -
respiratão
l Achille Mbembe
r· Tradução Ana Luiza Braga
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Há quem evoque, d e sde j á , o " pós - COVID- 19" . Por que
não? Para a maio ri a de nós , no entanto, e especi almente
nas pa rtes do mundo o nde os sistema s de saúde foram
devastado s por anos de abando no o rga nizado , o pi or
ainda está por vir . Na a usência de l e i tos hospitala res,
respiradores, exames em massa, máscaras, desinfeta ntes
à base de álco o l e outro s d i spos i tivos de q uare nte na
para as pessoas já a f etadas, serão mui tos aqueles que,
infelizmente, não passarão pelo buraco da agul ha .
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i 1.
Algumas s e manas atrás, diante do t umul to e d a
cons t ernação q ue se apro x i mavam, alguns de nós t e n tavam
descrever esses nos s o s t e mpos . Tempos s e m garanti a nem
promessa, dizíamos , em um mundo cada vez mai s dominado
pel a assombração d e seu p r ópr io fim . Mas também t empos
caracteri zados por " uma redi s tribuição des i g ual d a
vul nerabi l i dade" e por "compromissos novos e rui nosos
com f o r mas de v i o l ência t ão fu turi stas quanto arcai cas",
agregávamos' . o u ainda : t e mpos de brutalismo 2 •
l Achille Mbe mbe e Felwine Sarr, Politique des temps . Par i s : Ph ilippe
Re y, 201 9.
2 Achille Mbe mbe , Brutalisme . Paris: La Decouverte, 2020, a ser pub licado
e m bre v e pe la n - l ediçõe s, e m t radução bras ilei ra.
,
substânc i as e resíduos não a t acam ape nas a natureza e
o meio a mbient e (o ar, os s o l os, as águas, as cadeias
a lime ntares), mas t ambém o s corpos expostos a o chumbo,
ao fósforo, a o mercúrio , ao beríli o e aos fluidos
fr igoríficos . "
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a o s "corpos de fronteira" . De resto , era a própria
política do vivo como um t odo que e stava , mais uma vez,
em questãoª . E é de l a que o coronav í rus cons ti t ui o nome .
2.
Nesses tempos púrpuras - supondo que a cara c terís tica
distintiva de qualquer t e mpo seja a sua cor - tal vez
devamo s começar nos deb ruçando s obre t odos aqueles e
a quel as que j á nos deixaram .
,
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3.
Ness a s condiçõ e s , uma coisa é se p reocupa r, à d i s tânc i a,
com a morte de outrem . Outra é tomar consciência ,
repentinamente, d a própr ia putrescibili dade , e te r de
, viver na viz inhança da p rópri a morte, a contempl á -la
como uma possi bi lidade rea l . Este é, em parte, o ter ror
que o confinament o s uscita em mui t os : a obrigação de
finalmente t er de responde r por sua vida e por seu nome .
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4.
o horizonte, visivelmente , está cada vez mai s sombrio .
Presa em um cerco de inj usti ça e desigual d ade, boa parte
da humani dade está ameaçada pela gra nde asfixia , e a
sensação de que nosso mundo est á em suspenso não pa r a de
se espalhar .
,. 5.
Precisamo s re começar de outro lugar, já que, para nossa
p r óp r ia sobrevivência , é i mperati vo res ti tui r a todo
vivo (incluindo a biosfera) o espaço e a energia de q ue
p recisa . Em sua vertente no t urna , a modernidade terá
sido, d o come ço ao fim, uma guer ra interminável travada
contra o vivo. E ela está longe de t erminar . A su je ição
ao digi t al const i t ui uma das modalidades desta gue r ra,
que condu z di retamente ao empob recimento do mundo e à
dessecação d e grande parte d o planeta.
6.
Das guerras t ravadas contra o vivo, pode- se d izer que seu
traço f undame ntal terá sido o de tira r o fôlego . Enquanto
entrave mai or à respiração e à reanimação d e corpos e
tecidos humanos , a COVID- 19 segue a mesma traje t ó ria. Em
q ue consiste respira r, efeti vamente, senão na a bsorção
de oxi gênio e na expulsão de d i óxido de car bono , o u a i nda
em uma t roca d inâmi ca entre sangue e t e c i dos? Mas, no
compasso em que anda a vida na Terra , e em vista do pouco
q ue res ta da r i q ueza do pl aneta, estaremo s tão d i stantes
assim d o t empo em que haverá mais d i ó xido d e carbono pa ra
i nala r do que oxigênio para aspirar?
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Coda
o processo terá s i do ins t a urado mil ha res de vezes.
Podemo s recitar as principai s acusações de o l hos
fechados . Quer s e tra te da destruição da bi osfera,
do aprisionamento de mentes pela tecnociência, da
desintegração da res i stência, de ataques repetidos
contra a razão, da cretinização dos espíritos ou da
ascensão de determini smos (genéti cos, neu ronais,
b iológicos , ambientai s), o s perigos para a humanidade
são cada vez mai s exi stenciais.
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