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un1versa ·- a -

respiratão
l Achille Mbembe
r· Tradução Ana Luiza Braga

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Há quem evoque, d e sde j á , o " pós - COVID- 19" . Por que
não? Para a maio ri a de nós , no entanto, e especi almente
nas pa rtes do mundo o nde os sistema s de saúde foram
devastado s por anos de abando no o rga nizado , o pi or
ainda está por vir . Na a usência de l e i tos hospitala res,
respiradores, exames em massa, máscaras, desinfeta ntes
à base de álco o l e outro s d i spos i tivos de q uare nte na
para as pessoas já a f etadas, serão mui tos aqueles que,
infelizmente, não passarão pelo buraco da agul ha .

;,,

i 1.
Algumas s e manas atrás, diante do t umul to e d a
cons t ernação q ue se apro x i mavam, alguns de nós t e n tavam
descrever esses nos s o s t e mpos . Tempos s e m garanti a nem
promessa, dizíamos , em um mundo cada vez mai s dominado
pel a assombração d e seu p r ópr io fim . Mas também t empos
caracteri zados por " uma redi s tribuição des i g ual d a
vul nerabi l i dade" e por "compromissos novos e rui nosos
com f o r mas de v i o l ência t ão fu turi stas quanto arcai cas",
agregávamos' . o u ainda : t e mpos de brutalismo 2 •

Para além das suas origens no movi mento a rquite t ôni c o


de meados do sécul o XX, definí amos b rutali smo como o
p r oce sso contemporâneo " pelo qua l o poder agora s e
1 cons ti tui , se expressa , se reconfig ura, a ge e se reproduz
como f orça geomórfica" . I sto s e d á a t ravés de proce ssos
de " f ra t uração e fissuração", de "enxugamento das
vei as", d e "perf uração" e "esvaz i amento das substânci as
o r gânicas" . Em suma, pel o que chama mos de "depleção".

Nós chamávamos a atenção , jus t i ficadamen t e, para


a d i mensão mo lecul ar, q uímica e até radioa t i va
desse s p rocessos : "Não s eria a toxicidade, i sto é,
'' a mul t ipl icação de substânci as quí mi cas e res í duos
peri go s os , uma dimensão e strut ural do p resen t e? Tai s

l Achille Mbe mbe e Felwine Sarr, Politique des temps . Par i s : Ph ilippe
Re y, 201 9.
2 Achille Mbe mbe , Brutalisme . Paris: La Decouverte, 2020, a ser pub licado
e m bre v e pe la n - l ediçõe s, e m t radução bras ilei ra.
,
substânc i as e resíduos não a t acam ape nas a natureza e
o meio a mbient e (o ar, os s o l os, as águas, as cadeias
a lime ntares), mas t ambém o s corpos expostos a o chumbo,
ao fósforo, a o mercúrio , ao beríli o e aos fluidos
fr igoríficos . "

No s refer í amos , j ustamente, aos "corpos vivos expostos


a o esgotamento fís i co e a t odo tipo de r i sco bioló gico ,
por vezes i nvisível " . Não nomeávamos, e ntreta nto, os
vírus (são q uase 600 . 000 , transportados po r t odo tipo de
mamíf eros ) ; excet o metaforicamente, no capí t ul o dedicado

i"
a o s "corpos de fronteira" . De resto , era a própria
política do vivo como um t odo que e stava , mais uma vez,
em questãoª . E é de l a que o coronav í rus cons ti t ui o nome .

2.
Nesses tempos púrpuras - supondo que a cara c terís tica
distintiva de qualquer t e mpo seja a sua cor - tal vez
devamo s começar nos deb ruçando s obre t odos aqueles e
a quel as que j á nos deixaram .

Uma vez ul trapassada a barrei ra do s alvéolos pul monares ,


o vírus i nfil trou sua cir culação sanguí nea . Em seguid a,
a t acou os ó rgãos e outros tecidos , começando pel os mai s
1 expostos. A is t o se s eguiu uma inflamação sistêmica.
Aq ueles que apresentavam anteriorme nte p robl emas
cardiovasculares , neu rológicos ou metabólico s, ou que
/

sofr iam de pat ologi as l i gadas à poluição , sof reram


o s a taques mai s f uriosos . Sem f ô l ego e p rivado s d e
aparelhos resp irat óri os , e l es partiram subi t amente,
como se às escondidas, sem q ual quer pos sibil idade de
se despedir . Seus restos f oram imediatamente c remados
o u enterrados. Em solidão . Era preciso , nos d isseram,
'' desfazermo- nos deles o mais rápido possível.

Mas já que estamos nisso , po r que não somar a estes


t odos os dema i s, e eles se contam às dezenas de mil hões

3 Achille Mbembe, Necropolítica, n - 1 , 201 9.


,
de vítimas de aid s, cólera , malária, Ebola, Nipah, febre
de Lassa , feb re amare l a, zika, chi kungunya, câncer d e
t odos os tipos, e pi zootias e outras pandemias a n i mais,
como a peste suína ou a febre cat arral ovi na ; todas
as e pi d emias i magi náveis e i nimagi návei s que, durante
séculos, devas taram povo s sem nome em t erras remo tas ?
Sem cont ar as subst â ncias explosivas e outras guerras
predatóri as e de ocupação que · mu ti l am e diz i mam dezenas
de mil ha res , lança ndo às ro t as do êxodo centenas de
milhares de outros, a h umani dade errante.
-,.
Como esquecer, a liás, o desma tame n t o i n tens i vo , o s
l
mega-incêndios e a des truição dos e cossistemas , o u a
ação nefasta de empresas poluidoras e destruidoras d a
biodiversidade? A p ropósi t o , já que o confinament o passou
a f a zer parte de no ssa condi ç ã o a t ua l , como e squecer
as mul tidões que povo am as prisões do mu ndo, e t ambém
a q uel es outros cu j as vidas f oram d e spedaçadas face
aos muros e outras técnicas de fronteirização, como os
inúmeros posto s d e controle que pontil ham te rri t órios ,
mares , oceanos, d esertos e t odo o res t o?

Até outro dia, tra t ava-se apenas de uma ques tão de


aceleração, de redes d e conexão tentaculares que
abrangiam a t o ta lidade do planet a, da i nexo rável
mecânica da velocidade e da desma t erial ização . É na
1 esfera d i gital que parecia res i d ir o desti no dos
conjuntos humano s e da p rodução ma terial , bem c omo o
dos seres vivo s. Ló gica on ipresente, c i rcu l ação de
/

a l t a veloci d ade e memóri a d e massa auxi l iar , bastava


"transferir o conj un to das aptidões do ser vivo para
um dup l o d igital"' que t udo estaria resolvido . Estágio
supremo de nossa b reve histór ia na Terra, o ser humano
poderia, e nfim, ser trans f o rmado em um dispositivo
p l ástico. o caminho estava aberto para a realizaç ã o d o
'' velho pro jet o de extensão i nfinita do mercado .

4 Alexandre Friederi ch, H, Ve rs une civilisation o. o. Paris Editions


Allia, 2020.
,
Em meio à e mbr iaguez generali zada , é e s ta corrida
dio nis íac a, t ambém desc r i ta em Brutalisme, q ue o
vírus vem f rear - s e m, no entanto, a i n ter romper
defini tivame nte - e nquan t o tudo permanece como estava.
Agora, no entanto, o momento é de a sfixi a e putrefação,
de amonto amen to e crema ç ã o d e cadáve res , em uma palavra,
de ressur reição d e cor pos vestidos, ocasionalmente,
com suas mais bela s máscaras f u nerá rias e v i rais . Será
que a Terra , para o s huma nos , estaria em vias de se
tra nsf ormar e m uma roda de despedaçamento, uma Necrópole
>
u nive rs a l ? Até o nde irá a propagação de bactérias de
animais silves tres e m d i reção aos humanos se , a c ada
vinte anos , qua se 100 mi lhões de he ctares de flores ta
tropical (os pulmões da ter ra) forem cortado s?

Desde o i nício da revolução i ndustrial no Ocidente,


quas e 85% das áreas úmidas f oram dre nadas . A destruição
de ha bit a t s p rosse g ue, i nabal ável, e populações
humanas em estado d e saúde precári o são quas e que
diariamente expos t as a novos a gente s patógenos . Antes
da coloni zação, os a nimais s i lvestres , principai s
reserva t óri os de pat ógenos , estavam circunscritos a
ambi e nte s nos quais apenas populações i s oladas v i viam.
Foi o caso, por exemplo, dos últimos países flores ta is do
mundo , na Bac i a do Congo .

1 At ualmen t e, a s comunid ades q ue viviam e dependiam dos


recursos na t urais desses te r r i t óri os f oram expropriadas.
Expulsas pela venda de t erras por reg, i me s t i râ nicos e
corruptos e pelas vastas conce ssões estatais f eitas a os
'
consórcios agroalimentares, essas comunidades já não
podem mai s manter as fo rmas d e autonomi a ali mentar e
energética que l he s permiti ram viver, durante séculos,
em equilí brio com a ma t a .

,
'

3.
Ness a s condiçõ e s , uma coisa é se p reocupa r, à d i s tânc i a,
com a morte de outrem . Outra é tomar consciência ,
repentinamente, d a própr ia putrescibili dade , e te r de
, viver na viz inhança da p rópri a morte, a contempl á -la
como uma possi bi lidade rea l . Este é, em parte, o ter ror
que o confinament o s uscita em mui t os : a obrigação de
finalmente t er de responde r por sua vida e por seu nome .

Responder, aqui e ago ra, por nossa vida com outros


(incluindo os vírus) nes ta Terra e por no sso nome
em comum : esta é, e fe tivamente , a injunção q ue esse
momen t o patogêni co e ndereça à ·espécie humana . Mome nto
pat o gênico, mas tawbém catabóli co por e xcel ência : o
da d e composição d e cor pos , da triagem e da eli mi nação
,. de . todo tipo d e lixo - humano - a "grande separação"
e o grande confinament o , e m resposta à p ropagação
desconcertante do vírus e em consequência da extensiva
dig i ta lização do mundo .

Mas não i mporta o q uanto t entemos no s l ivrar disso,


tudo nos reme te , por fim , ao corpo . Tentamos e nxertá -
l o em ou tros s uporte s , faz er dele um corpo- objeto , um
corpo- máquina, um corpo- d igital, um cor po ont ofânico . E
ele reto rna para nós na f o r ma espantosa de uma e norme
mandíbula , veí culo de contami nação e veto r d e pólen,
es poras e bolor .

Saber que não estamos a sós ne sta provação, ou q ue


talvez se j amos muitos a escapar, não o fe recem senão um
vão consolo . Na reali dade, nunca aprendemos a v iver
1 com os v i vos, a nos i mpor t ar verdadeiramente com os
dano s causados pelo homem nos pul mões da Ter ra e e m
seu organismo. Portanto , jamais aprendemo s a morre r .
Com o adve nto do Novo Mundo e , alguns' sécul o s d epois,
o surgiment o das "raças indus t ria l izadas" , optamos , '
essencialmente, por uma e spécie de vicariato_ontológico:
delegar nossa mo rt e a outros e faz er da p r óp r ia
existênci a um grande banquet e sacr ifici al .

Em b reve, contudo , não s e rá mais poss í vel delegar a


''
p r óp r ia morte a ou tras pessoas . Elas não mor re rã o
mais em nosso lugar . Seremos simplesmente condenados
a assumir, sem medi ação, nosso próprio fa lecimento .
Haverá cada vez menos oportunidades de d izer a d eus. A
hora da a uto f agia está se aproximando e , com ela, o fim
, da comuni dade - por que dificilmente haverá comunidade
digna de sse nome quando d izer adeus , i s t o é, recordar os
vivos , não fo r mais possível.

Pois a comunidade, ou melhor, o em- comum, não se assenta


somente na possi bil idade de dizer adeus, isto é , em
poder te r um encontro com outros q ue se ja único , a
ser ho n rado novamente, a cada vez . o em- comum d epende
também da possibili dade , semp re re t omada, da partil ha
sem cond i ções de a l go absolutamente intrínseco, i s t o é,
incont ável , incalculável, e portan t o i ne sti mável.

>

4.
o horizonte, visivelmente , está cada vez mai s sombrio .
Presa em um cerco de inj usti ça e desigual d ade, boa parte
da humani dade está ameaçada pela gra nde asfixia , e a
sensação de que nosso mundo est á em suspenso não pa r a de
se espalhar .

Se, nessas condi ções , a i nda houve r um dia seguinte ,


ele não poderá ocorrer às cus tas de a l g uns , sempre
o s me smos, como na Antiga Economi a . El e dependerá,
necessari amente, de t odos os hab i t a ntes da t e r ra, sem
dis tinçã o de espécie, raça , gênero, c i dadani a, rel i g i ão
ou q ua lquer outro marcador de di f erenc i ação . Em o utras
1 palavras , e l e só poderá ocorrer ao custo de uma ruptura
gigant esca , p rodut o de uma i maginação radical .

Um mero remendo não será suficiente . No meio da c ratera ,


será p reciso reinventa r l i te ralmente t udo, começando
pelo soci a l. Quando trabal ha r, se abastecer, se
informar, manter contato , nutrir e conservar os l aços ,
se fala r e troca r, beber junto, celebrar culto s e
o rganizar f unerais só puder acontece r por i nt ermédi o
'' de tel as, é hora de nos da r mos cont a de que estamos
cercados , de todos os lados , por anéis de f o go . Em
g ra nde medi d a , o d i g i tal é o no vo bura co escavado no
chão pela expl osão. El e é o bunker o nde o homem e a
mulhe r isol ados são convidados a se esconder, a o mesmo
tempo trinchei ra , entra nhas e pai sagem lunar.
, Acredita- se que , por mei o do d i g i tal, o corpo d e ca r ne
e osso , o corpo físico e mortal, será ali v i ado de seu
peso e de sua inércia . Ao final d esta transfiguração,
e l e poderá fina lmente atravessar o e spe lho , s ubtraído à
corrupção biol ógica e res t i t uído ao uni verso sintét ico
dos fluxos . Isto é uma i lusão : ass i m como d ific i lmente
haverá h uma nidade sem corpo , a humanidade t ambém não
poderá conhecer a l iberdade sozinha , f ora da soci edade
ou às c us t as da biosf era .

,. 5.
Precisamo s re começar de outro lugar, já que, para nossa
p r óp r ia sobrevivência , é i mperati vo res ti tui r a todo
vivo (incluindo a biosfera) o espaço e a energia de q ue
p recisa . Em sua vertente no t urna , a modernidade terá
sido, d o come ço ao fim, uma guer ra interminável travada
contra o vivo. E ela está longe de t erminar . A su je ição
ao digi t al const i t ui uma das modalidades desta gue r ra,
que condu z di retamente ao empob recimento do mundo e à
dessecação d e grande parte d o planeta.

Lamentavelmente , é de se t emer que , na sequência des t a


calami dade, longe de sacra l izar t odas as e s pécies
de seres v i vos, o mu ndo e ntre em um novo per íodo de
tensão e brut ali dade. No plano geopolí tico , a lógica
1
da fo rça e d o poder continuar á a p revalecer . Na
ausência de uma in f raestrutura comum, a divi são fe roz
do globo se r á acen t uada e as l inhas de segmentação
serão inte nsificad as . Muitos estados buscarão ref orçar
suas fro n teiras , na es perança de p roteção contra a
exteriori dade. El e s t erão d ificuldade em recalcar a
violência cons ti tutiva q ue, como de cos t ume , descarregam
sobre os mais vulnerávei s . A vid a por trás das t elas
e nos enclave s p ro t e gidos po r empresas de segura nça
''
p r ivada se to rnará a norma .

Na África, em parti cular, como em muitas partes do


Sul do mundo, a extração intensiva de ener g i a, a
pulveri z ação agrícola , a p redação em contextos de venda
, de t erras e a des truição das florestas s e guirão com ainda
mais vigor . A provi são e a produção dos chips e dos
supercomputadores dependem d i sso. o fornecime nto e a
distribui ção de recu rsos e de energia ne cessários para a
infraestrutura da computação global se da rão em p rejuízo
da mobili dade humana , que será ainda mais res tri ng i d a.
Manter o mundo à d i stância se t ornará a norma , e será
comum expulsar t oda sorte d e r iscos a o exterio r. Por não
atacar nossa p reca r iedade ecológica, contudo , esta visão
cat abólica de mundo , inspirada nas teo r ias da imunização
e contágio, d i fici lme nte no s permitirá sair do impasse
), planetári o em que nos e ncontramos .
i

6.
Das guerras t ravadas contra o vivo, pode- se d izer que seu
traço f undame ntal terá sido o de tira r o fôlego . Enquanto
entrave mai or à respiração e à reanimação d e corpos e
tecidos humanos , a COVID- 19 segue a mesma traje t ó ria. Em
q ue consiste respira r, efeti vamente, senão na a bsorção
de oxi gênio e na expulsão de d i óxido de car bono , o u a i nda
em uma t roca d inâmi ca entre sangue e t e c i dos? Mas, no
compasso em que anda a vida na Terra , e em vista do pouco
q ue res ta da r i q ueza do pl aneta, estaremo s tão d i stantes
assim d o t empo em que haverá mais d i ó xido d e carbono pa ra
i nala r do que oxigênio para aspirar?

Antes d este vírus, a humanidade já estava ameaçada


de asfixia . Se ho uver guerra, portan to, ela não será
contra um vírus em parti cular, mas contra t udo o que
conde na a maior parte da humanid ade à cessação p rema t ura
da respiração , tudo o que ataca sobret udo as vias
resp irat órias, tudo que, durante a l onga duração do
capita lismo , t e rá reservado a segmentos de populações ou
raças inteiras , submetidas a uma respiração d ifícil e
''
o fegante, uma vid a penosa. Para escapar disso, contudo ,
é p rec iso comp reender a respi ração para além de s e us
aspectos purame nte bi ológicos , c omo algo que é comum a
nós e q ue, por definição, escapa a t odo cálculo . Estamos
f alando, porta nto , de um direito universa l à respiração.
Como aquil o que é a um só tempo fora do sol o e nosso
'
solo comum, o d i rei t o universal à respiração não é
quantificável. Não pode ser apropriável. É um di rei to
em relação à uni versali dade não só de cada membro
da espécie h umana , mas do v i vo c omo um todo . Deve,
portan t o , s er entendi d o como um direito fundamental à
existência. Como tal, não pode ser obj eto de confisco, e
escapa à t oda sobera nia porque s intetiza o princípio da
soberania em si mesmo . Trata- se, ademais, de um d ireito
o riginário de habi ta r a Terra, p rópr io da comuni dade
un i.versa! de seus habitante s , humanos e outros• .
),

i
Coda
o processo terá s i do ins t a urado mil ha res de vezes.
Podemo s recitar as principai s acusações de o l hos
fechados . Quer s e tra te da destruição da bi osfera,
do aprisionamento de mentes pela tecnociência, da
desintegração da res i stência, de ataques repetidos
contra a razão, da cretinização dos espíritos ou da
ascensão de determini smos (genéti cos, neu ronais,
b iológicos , ambientai s), o s perigos para a humanidade
são cada vez mai s exi stenciais.

Dentre todo s esses peri' g os , o mai or é que toda f orma


1 de vida se j a inviabilizada . Entre aqueles que s o nham
em transfer i r nossa consci ência para as máquinas e
aqueles que estão c onvenci dos que a p r óxima mutação da
espéci e c ons i ste na emanci pação em relação à nossa ganga
b iológica , a d istâ ncia é i nsignificante . A tentação da
eugeni a não desapareceu . Ao c ontrário, ela está na base
dos recentes avanços na c i ência e na tec nologia .

Em mei o a t udo i sso, s obrevém esta parada brusca


- não da h i stóri a, mas de algo que ainda é d ifíci l
'' apreende r. Por s er f o rçada, esta interrupção não resulta
da nos sa vo ntade . Sob vári os aspecto s, é imprevi sta
e imprevi s ível . No entanto , é de uma interrupção

5 Sarah Vanuxem, La propriété de la Terre. Wi ldproject, 2018 ; e Marin


Schaf f ner, Un sol commun. Lutter, habiter, penser, Wildproject, 2019
, vol untária, consciente e plenamente c o nsentida que
precisamos, caso contrário, mal haverá um depois .
Haverá ape nas uma série ininter rupta de acontec i mento s
imprevisto s .

Se a COVID- 19 é, de fa t o, a expressão e speta cul ar do


impasse planetário em que a huma nidade se encontra,
então não se trata simp l esmente de recompor uma Terra
habitável , para que e la o fereça a t odos a poss ibi lidade
d e uma vida respiráve l . Trat a - se, na rea l idade, de
recuperar as f o ntes d o nosso mundo, a fim de f orj a r
novas te rras . A h uma nidade e a bi osfera est ã o ligad as .
>
Uma não tem futu ro a l gum sem a outra. Se remos capa zes
d e red e scobri r nosso pertenciment o à p rópria espécie e
nosso vínculo inque b rável com o con junto d o vivente?
Esta tal vez s eja a pergunta de r radeira , a nte s q ue a
porta se f eche de uma vez por toda s .

Achille Mbembe é histo r iador. É a utor, entre outros ,


d e Crí t i ca da razão negra, de Necr opolítica e de
Brutalismo (no prelo), t odos pela n -ledições.

''

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