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29.mar.2020 à 1h00
Sidarta Ribeiro
A crise está apenas começando. A Covid-19 vitima os pobres de forma brutal, mas
também atinge a classe média e os ricos de modo inédito desde a descoberta dos
antibióticos. Ave Caesar, morituri te salutant!
A OMS foi explícita: todo esforço precisa ser feito para achatar a curva de infecção,
reduzindo mortes e ganhando tempo precioso para que as equipes de saúde lidem com
os casos mais graves sem se desorganizarem, estafarem ou contaminarem.
Pessoas que já usam esse medicamento precisam ter seu tratamento garantido. É crucial
abastecer os estoques, especialmente se a esperança depositada nesse remédio se
confirmar.
É uma vergonha indesculpável que o Brasil ainda não tenha quantidade suficiente de
máscaras e testes para a Covid-19. Sem testagem ampla e rastreio minucioso, a infecção
seguirá invisível e avançando. Tivemos vários meses para nos preparar —e não fizemos
nada.
Uma segunda onda de infecção da Covid-19 é esperada; temos que nos preparar para
uma longa batalha. Haverá paralisia da produção de bens, interrupção dos serviços e
quebra de empresas. Precisaremos de planejamento estratégico fundado na melhor
ciência econômica —não a do rentismo abutre de Paulo Guedes, insensível ao
sofrimento, mas a que almeja o verdadeiro bem-estar geral.
Governo, bancos e grandes fortunas devem pagar a conta, caso não queiram ver todo o
sistema colapsar. É urgente revogar a PEC 95, do teto de gastos, que impede nosso
desenvolvimento. A crise nos encontra despreparados, sucateados, entorpecidos de
neoliberalismo tosco e sádico.
Será que ainda dá tempo? Ou aceleraremos de olhos fechados rumo ao precipício final?
Estaremos numa bifurcação da história, no umbral de uma transição de fase, num ponto
de mutação?
Não sei quanto tempo passa. Dez minutos, se tanto? Quando o ego finalmente ressurge
da experiência e posso novamente conversar comigo, manifesta-se a visão do horror...
vejo mortandade global, hospitais lotados, favelas fúnebres, presídios infernais, valas
comuns e cortejos de ataúdes sem fim, enquanto líderes políticos e religiosos negam a
realidade e pedem dízimo... tristeza, abandono, desamor.
Uma planta, um cogumelo, um velho. Um enorme sapo coaxando sob uma molécula
semelhante à serotonina. Uma voz grave que diz: 5-metoxi-dimetiltriptamina. Vejo um
pulmão desinflamado. Um doente acamado. Um homem barbado sorrindo. Será a cura
vindo?
EUA, Europa, Rússia e Índia reagiram tarde à Covid-19, para salvaguardar a sociedade
piramidal neoescravista. O México vai na mesma direção, mas pela esquerda, enquanto
ao Brasil neofascista cabe ser o laboratório mais radical da tentativa desesperada de
salvar o privilégio do 1% mais rico.
Trump e Bolsonaro apostam que as pessoas toparão morrer para manter vivas as
engrenagens da Matrix. Pedem que todos continuem a vender bem barato seus corpos,
tempo, mente, sangue e respiração, para que os mais ricos fiquem ainda mais ricos, e
que tudo o mais vá para o inferno.
Perdidamente viciados em dinheiro —esse liberador de dopamina tão poderoso quanto a
própria cocaína—, os bilionários entram em pânico pela antecipação da síndrome de
abstinência. Querem acelerar a economia, sem se importar com as consequências.
Insones, trêmulos e taquicárdicos, já não sabem sonhar o que jaz adiante.
Querem mais do mesmo, até a última dose. Entre a nova era e o desmame do dinheiro,
preferem a morte. Alheia, evidentemente. É por isso que o grande capital, que sempre se
nutriu da ciência, desacoplou-se dela quando os alertas sobre catástrofes antropogênicas
se tornaram incômodos. O negacionismo energúmeno da extrema direita é a soma da
avareza com um profundo analfabetismo científico.
Só que dessa vez não vai colar. “Deu ruim.” Assim como na overdose de cocaína, um
pouquinho mais de droga será fatal. O colapso econômico pode nos levar rapidamente
ao cenário Mad Max se a lógica de predadores contra presas não for superada.
Pode até ser que no último instante a ciência venha a salvar os mercados do nocaute,
soando o gongo redentor com uma descoberta milagrosa, justo quando o último assalto
estiver quase no fim.... mas a esta altura é improvável que o socorro chegue a tempo.
É evidente que fala de si, verme infectado saído do esgoto da ditadura. Imerso em
Tânatos, quer imolar o Brasil inteiro, liderando a casa grande na tentativa de massacrar
a senzala. Mas são os ricos que precisam dos pobres. Chegou a hora do despertar d@s
escrav@s.
O simulacro econômico nunca foi tão irreal, e o que parecia sólido se desmancha no ar.
Quebra das cadeias produtivas, desemprego, depressão econômica. Como disse o
jornalista clarividente Pepe Escobar, o dólar vai virar papel higiênico verde. Game
over…
Roberto Justus, Junior Durski e Osmar Terra vão pagar caro pelo que disseram. Serão
varridos pelas evidências, e o povo vai cobrar a fatura. Como no filme “O Bandido da
Luz Vermelha” (1968), do cineasta apocalíptico Rogério Sganzerla, “quem tiver de
sapato não sobra…”.
A síndrome respiratória aguda grave e a maligna austeridade econômica vão ceifar
milhares, milhões, talvez dezenas de milhões de vidas. Talvez mais… não estamos
preparados para tanta tristeza, para o trauma em escala global.
Como cansou de alertar o xamã ianomâmi Davi Kopenawa, o céu está caindo sobre as
nossas cabeças. Remédio de índio é duro, mas funciona. Chegou a hora da purga. Como
avisou a cartunista e transxamã Laerte, a grande ficha está caindo.
Agora só nos resta compreender que vida e morte são duas faces da mesma ficha.
Quando a poeira baixar, daqui a meses ou mesmo anos, teremos a chance de construir
um sistema econômico justo, sustentável, racional e amoroso. Menos dopamina e mais
serotonina.
Baixada a febre do vício em dinheiro e da pressa de correr rumo a lugar nenhum, talvez
tenhamos a chance de recomeçar. Talvez, apenas talvez…
Que venha então a cura. Finalmente teremos a chance de olhar para dentro e, com toda a
sabedoria acumulada desde a aurora paleolítica, criar uma sociedade digna de tod@s
human@s e demais animais, plantas, fungos, algas, bactérias... e vírus.
E sem arma.
Sidarta Ribeiro