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Unamuno

Índice

Introdução...................................................................................................................... 3
Contexto e Notas Biográficas.........................................................................................4
Confronto com Millán-Astray......................................................................................4
Unamuno como factor agregador..................................................................................6
Fé e Religião.................................................................................................................. 7
O Casticismo................................................................................................................. 8
A Intra-história............................................................................................................. 10
Bibliografia...................................................................................................................11
Introdução
Ao começar a pesquisa para fazer este trabalho deparei-me com uma quantidade
enorme de materiais que iam desde ensaios, romances, correspondência,
documentários sobre o filósofo, vídeos, dados biográficos. Quanto mais lia, mais
vontade tinha de ler, e embora possa parecer um cliché, mais tinha a sensação de que
ainda não tinha lido o suficiente para começar o trabalho. As ideias começavam mas
não acabavam de surgir. Ao perceber que Unamuno esteve ligado a, ou foi o centro de
um círculo composto por Ganivet, Maeztu, Ortega y Gasset, António Machado, Antero
de Quental, quis que fosse esse o ponto de partida do trabalho: Unamuno como um
“factor agregador” ou elemento chave deste círculo. No entanto, quanto mais lia, mais
sentia que não seria possível fazer essa abordagem de forma satisfatória com tão
pouco tempo. Então decidi pegar em algumas ideias que me parecem importantes,
baseando-me num critério de selecção muito pessoal. Também foi difícil decidir se me
deveria cingir ao filósofo ou se também deveria falar do escritor, do político, do basco
ou do espanhol, enfim, das suas múltiplas facetas. Citemos o jornal ABC literario de 20
de Março de 1998:

“Podemos elegir entre un Unamuno cristiano y un Unamuno ateo, entre un Unamuno


simulador y un Unamuno sincero, contemplativo y agónico, liberal y prefascista,
nacionalista vasco y traidor a su país natal, la Euskal Ha- rria de su juventud y la
Euzkadi decepcionante de su madurez. E in- cluso un Unamuno republicano y
franquista(...)”

Savater afirma que a questão central da obra deste filósofo é a tragédia de tener que
morir sin querer morir, o que na minha opinião é demasiado simplista e até incorrecto.
A leitura deste autor é entusiasmante. Sente-se uma candura rara ao lê-lo, fruto de um
conflito interno muito real e duradouro, principalmente nos ensaios em forma de
diálogo. O seu carácter inconformista, apaixonado pela vida, pela humanidade e por
Espanha transparece em tudo o que escreveu. Tem um carácter solar!

Para terminar esta introdução, queria dizer que foi muito difícil dar uma estrutura a
este trabalho, não só pela variedade de temas e tamanho da obra de Unamuno, mas
também pela minha ânsia de incluir neste trabalho tudo aquilo que me interessou.
Espero que apesar disso a informação aqui contida seja rigorosa e sintética.
Contexto e Notas Biográficas
No fim do período da Restauração de Cánovas, temos as guerras de Cuba e das
Filipinas, Espanha perde as colónias e La Setembrina volta a estar no centro das
atenções da sociedade, que é obrigada a efectuar uma profunda reflexão sobre a sua
identidade. É neste contexto, aqui descrito de forma ultra-sintética, que surge a
Geração de 98.

Filho de uma família relativamente abastada de Bilbau, foi brilhante nos seus estudos
e doutorou-se com uma tese sobre as origens da raça basca. Casou-se com a mulher
de quem gostava desde jovem e começou a escrever muito cedo, colaborando com o
jornal Noticiero de Bilbao. Também deu aulas de psicologia e latim antes de entrar
para a universidade de Salamanca para a cátedra de grego e mais tarde de Filosofia.

Unamuno foi primeiro liberal, o que levou a que, ao chegar à reitoria da Universidade
de Salamanca o tenham destituído e até condenado a uma pena suspensa por ter
escrito coisas incómodas para a realeza. Algum tempo depois, voltou a ocupar uma
posição importante na mesma universidade, embora tenha sido novamente demitido e
desterrado por criticar a ditadura de Primo de Rivera. Foi então que partiu para o
exílio, tendo vivido em Paris e Hendaya até que o dito regime terminasse e apesar de
ter sido indultado passado pouco tempo. Chegado ao fim este regime, voltou a
Salamanca onde foi proclamada a república e à reitoria da universidade tendo também
ocupado cargos de vereador e deputado pelas cortes. Contudo, foi ficando desiludido
com o desenrolar dos acontecimentos, tendo abandonado a carreira política e passado
à reforma pouco tempo depois, num momento em que obteve reconhecimento geral.
No início da Guerra Civil, apoiou o general Franco, em quem via a solução para salvar
o seu a tradição cristã e a civilização ocidental no seu país. Arrependeu-se
profundamente deste apoio quando se apercebeu das atrocidades que foram
cometidas por este regime durante a Guerra Civil, tendo vários amigos seus sido
fuzilados apesar da sua intervenção. Esse arrependimento deu origem àquele que é
talvez o episódio mais conhecido da sua vida política, o seu confronto con Millán-
Astray.

Confronto com Millán-Astray


No día de la raza, (12 de Outubro) de 1936, decorria a cerimónia de início de um novo
ano lectivo no recinto da Universidade e encontravam-se, para além de Unamuno,
vários elementos do governo recém-chegado ao poder de Franco. Entre eles, estavam
Carmen Polo, esposa de Franco e Millán-Astray, o carismático herói de guerra
mutilado (tinha recebido ferimentos de guerra e perdido um olho e um braço),
organizador da Legião, o corpo militar de elite, e à data chefe de propaganda do
governo, muito próximo do Caudillo e alegadamente o criador do grito de guerra Viva
la muerte!,que era famoso por despertar os instintos assassinos das suas tropas. O
filósofo escutou um longo discurso proferido por Millán-Astray, em que a Catalunha e o
País Basco foram criticados num tom de ódio à república e de incitação à violência.
Foi então que Unamuno, com o ânimo exaltado por ter escutado coisas de tão baixo
nível proferidas na sua querida universidade, falou, repudiando tudo aquilo que tinha
sido dito, utilizando algumas frases que ficaram famosas, como: vencer no es
convencer, y hay que convencer, sobre todo, y no puede convencer el odio que
no deja lugar para la compasión. e Acabo de oír el grito necrófilo e insensato de
«¡Viva la muerte!». Esto me suena lo mismo que «¡Muera la vida!» tendo afirmado
que Millán-Astray era um homem transtornado pelas suas mutilações e portanto,
perigoso e sinistro que nunca deveria estar no governo de um país. Com fúria, Millán-
Astray gritou: «¡Muera la inteligencia!» ao que o filósofo respondeu: «¡Éste es el
templo de la inteligencia! ¡Y yo soy su supremo sacerdote! Vosotros estáis
profanando su sagrado recinto. Yo siempre he sido, diga lo que diga el
proverbio, un profeta en mi propio país. Venceréis, pero no convenceréis.
Venceréis porque tenéis sobrada fuerza bruta; pero no convenceréis, porque
convencer significa persuadir. Y para persuadir necesitáis algo que os falta:
razón y derecho en la lucha. Me parece inútil pediros que penséis en España».
Nisto, vários legionários da escolta de Millán que se encontravam entre o público,
começaram a ficar agressivos. Estavam armados e a rodear o filósofo. Um dos
guarda-costas de Millán-Astray apontou uma metralhadora a Unamuno. Graças à
intervenção de Carmen Polo, que deu o braço a Unamuno e abandonou a cena com
ele, nada de pior aconteceu. A partir daí, Unamuno foi visto por muitos dos seus
semelhantes como um traidor, um inimigo de Espanha. A sua expulsão da
universidade foi decidida pouco tempo depois e viveu em prisão domiciliária até ao dia
31 de Dezembro desse ano, dia em que morreu subitamente enquanto conversava
com amigos. Viveu os últimos tempos rejeitado pelos seus conterrâneos e colegas,
mas em paz com a sua consciência.
Unamuno como factor agregador
Unamuno, além de ser uma figura incontornável por si só, tem também interesse por
ser talvez a figura mais central da geração de 98.

Em El porvenir de España, foi publicada alguma da correspondência entre Ganivet e


Unamuno em que nos é possível entrever essa vontade/ânsia que Unamuno tinha de
que vingassem em Espanha grandes espíritos e intelectos, um desejo de certa forma
desinteressado e belo em que Unamuno quase se colocava em segundo plano, para
deixar que se ouvissem novas vozes. A sua amizade com Ganivet surgiu quando
ambos se candidataram à cátedra de grego, embora por universidades diferentes
(Unamuno por Salamanca e Ganivet por Granada), tendo ficado amigos.

O tema da juventude apaixonava Unamuno, que sofria ao sentir que a juventude


intelectual da época se encontrava desunida, que sofria de soberba fingida e de outros
problemas tais como “paludismo espiritual”. Num dado ensaio, escreve sobre o tema e
publica duas cartas de Ortega y Gasset, em que podemos perceber o carinho que
sentia por esse jovem, que segundo alguns, é a cristalização de toda a geração de 98
e também o primeiro intelectual espanhol do século XX Também menciona Ramiro
Maeztu e ficamos a saber que era um grande apreciador de António Machado e de
Antero de Quental.
Fé e Religião
A questão religiosa em Unamuno é complexa. Apesar de ter nascido num meio
católico, os seus estudos fizeram com que ele questionasse ao ponto de renunciar à
sua fé, recorrendo a filósofos como Kierkegaard e Ibsen para tentar compreender
melhor o anelo por Deus, o apetite pela Divindidade que nunca o abandonou. Outra
questão que se prende com esta é a da morte. Porque é que temos que morrer se não
o queremos?

“«-Qué cosa es fé?

-Creer lo que no vimos.» Creer lo que no vimos? Creer lo que no vimos no! sino crear
lo que no vemos.”

O seu conceito de fé é livre de dogmas, baseia-se muito na esperança e confunde-se


com amor. Segundo Unamuno, quem tem esperança, quem espera, tem fé. Não pode
ter fé quem queira, mas sim quem pode. A fé é confiança perante tudo e sobre tudo. A
fé é trabalhar para a eternidade e não para a História. A proposição de que ter fé é
acreditar naquilo que não vimos vem do intelectualismo, que vê a fé como adesão a
algo abstracto e não como um abandono confiante à vida. No entanto, a fé não é
incompatível com o intelecto. Sem o intelecto, a fé transforma-se em crença, ou seja
um crer no absurdo. Assim sendo, a fé de Unamuno não é cega, não é submissa, não
é colectiva, mas sim algo muito íntimo e individual.

Num estado ideal, a vida comum não estaria separada da vida religiosa. É a partir
deste ponto que Unamuno define o seu conceito de cristianismo, uma espécie de
regresso às origens, ao tempo em que ainda não havia dogma, não havia “ideocracia”
no cristianismo. Nesse cristianismo, que diz estar obscurecido pelas sombras do
preconceito medieval, Unamuno consegue entrever o Super-homem de que se falava
tanto na época, fruto da influência de Nietzche

“Dios, en nuestros espiritus, es Espíritu y ni Idea, amor y no dogma, vida y no Lógica.”

E que dizer da igreja? Necessitaremos da igreja para exercer ou manter a nossa fé?
Sim, diz o filósofo, mas na sua perspectiva a igreja é a humanidade inteira, não um
espaço físico nem a instituição terrena que tanto poder tem neste mundo. Pelo
contrário, a igreja-instituição que hoje temos, não só não reconhece que a sua doutrina
“cheira a morto” como ataca ferozmente todos os que tal afirmam. Na secção final do
seu ensayo “La Fe”, faz uma descrição em prosa literária em que fala de igrejas
opulentas, compara os ex-votos a fetichismos, constata o olor a muerte sempre
presente, para logo descreve uma velha igreja no meio da natureza do seu amado
país Basco, e ao saír dessa igreja, entramos num templo muito mais vasto, imenso e
livre que é a natureza, onde a brisa é incenso que passa pelos choupos, castanheiros
e nogueiras. Perante tal beleza, quão insignificante é o dogma?

“Aborrezco toda etiqueta, pero si alguna me habría de ser más llevadera es la de


ideoclasta, rompe-ideas. Qué como quiero romperlas? Como las botas, haciéndolas
mías y usándolas.”
O Casticismo
A definição de casticismo de acordo com a Real Academia:

1. m. Afición a lo castizo en las costumbres, usos y modales.

2. m. Actitud de quienes al hablar o escribir evitan los extranjerismos y prefieren el


empleo de voces y giros de su propia lengua, aunque estén desusados.

A definição de casticismo de acordo com Unamuno:

Castizo, deriva de casta, así como casta del adjetivo casto, puro. Se aplica de
ordinario el vocablo casta a las razas o variedades puras de especies animales, sobre
todo domésticas, y así es como se dice de un perro que es «de buena casta», lo cual
originariamente equivalía a decir que era de raza pura, íntegra, sin mezcla ni
mesticismo alguno. De este modo castizo viene a ser puro y sin mezcla de elemento
extraño.

Surge numa época em que havia uma clara “invasão” de cultura europeia estrangeira
em Espanha, impulsionada pelas traduções e publicações de diversos tipos de autores
estrangeiros. Havia uma tendência a ler mais autores estrangeiros do que espanhóis.

A sociedade dividia-se entre aqueles que sentiam que a sua identidade estava em
risco e portanto se apegavam a ela com mais afinco e aqueles que secretamente
desejavam ver a cultura espanhola subjugada às que se impunham então. Unamuno
sugere que nenhuma das perspectivas é realista, que é natural que este fenómeno
aconteça e que, embora seja doloroso, é como o lavrar de um terreno para que novas
sementes germinem nas mesmas condições. Afirma que nestas questões não
devemos pensar em termos de senhores e escravos, e defende que a atitude “dejad
hacer y dejad passar” é a mais fértil. Se não buscarmos este equilíbrio entre o resistir
a esta “invasão” e o deixar que esta domine por completo, estaremos a cair no erro do
“tudo ou nada” que Unamuno chega a classificar como satânico.

Estabelece em seguida uma ligação entre as artes e ciências e os países de onde


originam, sendo que cada país tem a sua própria música, pintura e principalmente
literatura, mas também a sua ciência, embora diga que “El arte no puede desligarse
de la lengua tanto como la ciencia” e que “El arte por fuerza ha de ser más castizo que
la ciencia...”.

Acaba por dizer, a propósito do casticismo, que o aprofundar, de forma sincera e


humana, na nossa própria cultura e tradição, nos leva ao universalismo, da “...patria
chica a la humanidad.” O facto de a arte ser local e temporal não a impede de ser
universal e eterna.

A ideia da tradição eterna é algo que preocupa Unamuno, que exprime com mestria
esse conceito, que encontra no quotidiano e no efémero, na passagem de escolas e
sistemas. Em poucas páginas destrói o conceito de tradição como algo pertencente ao
passado. A tradição verdadeira, segundo ele, é a tradição eterna. Aquela que vive de
costas voltadas ao sol, aquela que só vemos no passado, é a tradição-mentira. Aquilo
a que outros chamariam o destruir de uma tradição, para Unamuno é apenas um
passo mais na construção da tradição eterna, tradição esta que se encontra no fundo
do presente. Assim, a originalidade, conceito que já nessa época era valorizado e que
agora chega a ser sobrevalorizado, na sábia opinião de Unamuno, não tem a ver com
diferenciação, mas sim com a busca do que está na origem, não na origem de uma ou
de outra individualidade “...vanidad individual tan estúpida...”, mas sim na origem da
humanidade que todos partilhamos.
A Intra-história
Conceito criado por Unamuno, é a história profunda e inconsciente, que vive na
tradição eterna, oral e não só, a história que não faz os títulos dos jornais, que não
serve demagogias, a história que vai mais além da que os vencedores escrevem e dos
factos mortos e estéreis. Uma história que não pode ser dissociada do presente. Esta
perspectiva é muito importante para entender os conceitos de castizo local e temporal
de forma complementar e das castas históricas como passageiras e fazendo parte da
casta humana e universal.
Bibliografia
 De Unamuno, Miguel. Ensayos por Miguel de Unamuno volumen 1 serie 2.
Madrid: Publicaciones de la Residencia de estudiantes, 1916.
 De Unamuno, Miguel. Ensayos por Miguel de Unamuno volumen 5 serie 2.
Madrid: Publicaciones de la Residencia de estudiantes, 1917.
 De Unamuno, Miguel. Tres Ensayos. Madrid: B. Rodriguez Serra, 1900.
 Miguel de Unamuno y Ángel Ganivet. El porvenir de España. Madrid:
Renacimiento, 1912

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