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que o nosso país e a sua cultura pas- português a Antologia poética de Miguel
savam bastante ao lado do interesse de Unamuno, publicada em 2003 pela
das elites espanholas, a não ser como Assírio & Alvim, com seleção, tradu-
eventual lugar de refúgio no caso de ção, prólogo e notas de José Bento.
alguma aventura política ou militar No caso de Ramón Gómez de la
malsucedida. Serna, logo em 1923 foi publicada a
Não são rigorosamente contemporâ- tradução da sua novela La Roja (A
neos numa aceção geracional, porque Ruiva, na versão portuguesa de Rogé-
há um fosso de 24 anos a separar as rio Garcia Pérez, e com prólogo de
respetivas datas de nascimento. Nas- António Ferro, o seu principal dis-
cido em 1864, Unamuno, é visto como cípulo português), enquanto Senos,
uma das figuras centrais da chamada uma obra com uma forte carga erótica,
geração de 98 e do Modernismo espa- conheceu também duas edições em
nhol (que corresponde estilisticamente Portugal, em 1999 (tradução de Elsa
ao Simbolismo-Decadentismo portu- Castro Neves e Rui Caeiro) e 2000
guês); quanto a Gómez de la Serna, que (tradução de José Colaço Barreiros).
nasceu em 1888, tal como Fernando Destaque-se igualmente a coleção de
Pessoa, é não só uma importante figura Greguerías que Jorge Silva Melo reuniu
da geração que se sucede à modernista, e traduziu, também para a Assírio &
a geração de 1914 ou novecentista, mas Alvim, em 1998.
é também considerado um dos pionei- No entanto, mais do que o maior ou
ros e motores da Vanguarda espanhola, menor reconhecimento que as obras
cuja eclosão é ligeiramente posterior destes escritores tiveram em Portugal,
à projeção pública do Modernismo o que está em causa com estas novas
português. publicações aqui recenseadas é o apreço
Qualquer destes autores tem várias que ambos sentiram por Portugal e o
das suas obras traduzidas para portu- seu conhecimento da sociedade e da
guês, com destaque para Unamuno, cultura lusitanas. Quanto a isso, parece-
que nalguns casos conta até com mais -me evidente que D. Miguel estudou
de uma tradução do mesmo livro, como muito mais profundamente a cultura
acontece com a sua obra de referência portuguesa e os seus escritores, ainda
Del sentimiento trágico de la vida, tradu- que exagerando por vezes os aspetos
zida por Cruz Malpique (1953, com ree- da personalidade do povo português
dição em 1988), Artur Guerra (1989) e que melhor se adaptavam à sua própria
Maria do Carmo Silva (2001) e com Por conceção trágica do mundo, enquanto
tierras de Portugal y de Espanha, tradu- o entusiasmo ramoniano pelo país vizi-
zida por José Bento, em 1989, e por José nho do seu era muito mais espontâneo,
Espadeiro Martins em 2009. Destaco traduzindo uma simpatia natural que
ainda, entre várias outras edições em analisada em detalhe parece por vezes
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caricatural, mas que vista em conjunto para referir apenas alguns nomes de
se entende ser genuína. escritores espanhóis que divulgaram no
Os organizadores destas edições são seu país a literatura portuguesa.
todos eles investigadores espanhóis, Dirigindo agora a nossa atenção
que se têm dedicado ao estudo e à individualmente a cada um destes
divulgação da literatura portuguesa. dois livros recentemente publicados,
Ángel Marcos de Dios, natural da começo exatamente por Unamuno,
província de Salamanca, é professor adotando um critério cronológico,
catedrático jubilado da Universidade não da edição das obras mas da vida
de Salamanca, onde coordenou a área dos autores. Escreve Ángel Marcos
de Estudos Portugueses; Antonio Sáez de Dios, no seu breve “Prólogo”, que
Delgado leciona literatura na Univer- Unamuno foi “el más grande lusófilo
sidade de Évora, dedicando-se prin- de todos los tempos” (p. 7). E sem
cipalmente, enquanto investigador, sombra de dúvidas, o escritor basco
às vanguardas do século XX; conta foi um enorme admirador da literatura
no volume Saudades de Portugal, com portuguesa, muito particularmente da
a colaboração de Pablo Javier Pérez produzida pelos grandes autores da
López, doutor em Filosofia pela Uni- “geração de 70”, como Eça de Queirós,
versidade de Valhadolid, e especialista, Antero de Quental, Oliveira Martins
como investigador e editor, na obra de ou João de Deus, para além de Camilo
Fernando Pessoa. Castelo Branco e do seu romance Amor
Registe-se ainda que o livro que de Perdição. Prezou igualmente a pai-
recolhe textos de Unamuno se destina sagem física portuguesa, como se pode
prioritariamente ao público de língua apreciar em várias páginas do livro que
espanhola, enquanto o livro de Ramón publicou em 1911, Por tierras de Portu-
Gómez de la Serna, publicado em Por- gal e España; mas acima de tudo enalte-
tugal e com os textos do escritor tradu- ceu a paisagem humana de Portugal, a
zidos para português, visa sobretudo o “paisagem da alma”, para utilizar pala-
mercado português. Quanto à perceção vras do próprio Unamuno.
que existe em Portugal da faceta lusi- São conhecidas diversas amizades
tanista destes escritores, é óbvio que portuguesas a Unamuno, a começar por
é muito maior o conhecimento que se Guerra Junqueiro, que terá conhecido
tem da lusofilia de D. Miguel do que da em 1898. Em 1904, visitou Coimbra,
de qualquer outro escritor espanhol, travando conhecimento com Eugénio
incluindo Menéndez Pelayo, sempre de Castro e Silva Gaio. Em 1913, a edi-
olhado com desconfiança por incluir a ção espanhola de Constança seria acom-
literatura portuguesa na área linguística panhada de um prefácio de Unamuno.
e cultural hispânica, ou ainda Emilia Privou igualmente com Teixeira de
Pardo Bazán e Leopoldo Alas “Clarín”, Pascoaes e Manuel Laranjeira, escritor
t e x t o s f u n d a m e n ta l e s s o b r e p o r t u g a l ; s au d a d e s d e p o r t u g a l | 503
Madrid, da qual o próprio Ramón era críticas, mais explícitas ou mais vela-
a figura cimeira, tal como foi registado das, à sociedade espanhola, apresentada
no famoso quadro dedicado por Solana como o reverso da portuguesa: “Assim
a esse grupo intelectual. Pretendeu-se como em Espanha as aldeias e as cida-
com esta publicação, que segundo Sáez des são de espessa materialidade e têm
Delgado reúne “os principais textos muros de grande consistência, ressal-
que Ramón Gómez de la Serna dedicou tando ao sol como uma realidade feroz,
a Portugal”, “reconstruir o pensamento em Portugal as aldeias e cidades são
do grande autor espanhol sobre as pai- achadas no romance lendário, sempre
sagens e a cultura desta terra” (p. 20). veladas por uma vaga irrealidade, can-
O propósito não é, portanto, muito tos de écloga, espaços ilusos, assento
diferente daquele que levou à publi- diante do infinito, varandas de frente
cação dos textos de Unamuno sobre para o céu que o português fita com
Portugal. Há, contudo, que registar mais tranquilidade que ninguém, sem
que, apesar de ambos os escritores lhe acrescentar esse inferno turvo com
amarem intensamente o país vizinho e que o espanhol precisa de representá-
irmão, há diferenças muito substanciais -lo” (pp. 132-133).
no modo de amar de um e de outro, Unamuno conheceu Portugal na fase
nenhum deles confundível, felizmente, final do regime monárquico, que culmi-
com o interesseiro e ideológico Amor a nou com o regicídio e a proclamação
Portugal (1949) do falangista Ernesto da República. Foram anos de intensa
Giménez Caballero, que acompanhou agitação política e de violência verbal e
o ditador Franco durante a visita em física que o autor de Por tierras de Portu-
que o generalíssimo seria agraciado gal y de España considerou traços inde-
com o Doutoramento Honoris Causa léveis da realidade profunda da alma
concedido pela Universidade de Coim- portuguesa. Embora não tivessem pas-
bra. Na verdade, ao contrário do que sado muitos anos sobre a implantação
acontece com Unamuno, o que move da República Portuguesa, Portugal não
Ramón Gómez de la Serna não é o ibe- era em 1915 exatamente o mesmo que
rismo nem a confluência de interesses D. Miguel percorrera seis ou sete anos
e objetivos entre Espanha e Portugal, antes. E aceitando até, como Unamuno,
mas antes a diferença que sentia entre que Portugal era país de suicidas, tinha
dois países tão próximos. Por outras uma explicação bem mais nobre para
palavras, os elogios prodigados por isso do que o reitor de Salamanca: o
Gómez de la Serna à espiritualidade e exílio espiritual da brilhante intelectua-
ao caráter romântico da sociedade por- lidade lusitana, que não se conformava
tuguesa, assim como ao dinamismo e com a condição periférica do país no
ao entusiasmo dos seus jovens artistas contexto cultural europeu. Era a pro-
e intelectuais, constituem quase sempre ximidade intelectual e a distância física
o triângulo mágico. uma biografia de mário cesariny | 505