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uma nova era: o fim do Império Russo, do poder do czar, e o princípio do que viria a ser
a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). A figura de proa da revolução foi
Vladimir Ilitch Lenin, mais conhecido como Lénine. Como secretário-geral do Partido
Comunista Russo, é ele que vai pensar mais seriamente no que deve ser feito — daí o
seu livro, já com alguns anos no momento da revolução, Que Fazer? Lénine nacionaliza
guardados. Foram estes filmes que constituíram o grosso dos programas de exibição
até 1922.
Para perceber estas opções e o cinema de montagem soviético é preciso ter alguns
usavam-no para se referirem aos vários métodos de raciocínio e discussão que tinham
como fim descobrir a verdade. Immanuel Kant aplicou-o depois à análise das
contradições que surgem quando consideramos o conhecimento para além dos limites
(tese e antítese) são vistas como parte de uma verdade mais elevada (síntese). Segundo a
comuns (classes) que tem como base necessidades e recursos materiais. Esse conflito ou
luta é interpretável como uma série de contradições e tensões que se vão resolvendo de
social, abrindo por isso a possibilidade real da sua transformação. Podemos dizer então
grandes recursos naturais, numa tentativa de congregar esforços para garantir uma
produção como uma base sólida e uma distribuição que chegasse a todo o povo. É este
novo contexto cultural, social, e político que serve de pano de fundo à escola de
montagem soviética.
local, distrital, e nacional. Entre as décadas de 1920 e 30, mas transcendendo esse
consciência política. Lénine declarou mesmo que “[d]e todas as artes, o cinema é para
nós a mais importante.” Isto porque o cinema é uma arte de massas, capaz de chegar
soviética não são estes e surgiram numa altura de grande questionamento da prática
a modernidade.
Lénine tinha uma visão tradicional da arte e pessoalmente pouco lhe interessava
Lénine não confundiu a sua preferência com o que podia ser feito e garantiu, e até fez
florescer, a liberdade artística — que foi, de alguma forma, diminuída mais tarde com o
militar (avant guarde, à frente da guarda), foi um cinema sem rede ou protecção, à frente
do seu tempo, capaz de repensar o cinema na sua raiz. Para os cineastas soviéticos, o
cinema permitia uma crítica dos sistemas tradicionais de representação — isto liga-o
artística.
Lev Kulechov e Vsevolod Pudovkin foram duas figuras importantes desta escola.
fotogramas e de planos) como central para a arte cinematográfica. Mas como se verá,
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montagem como aquilo que é específico do cinema: sem montagem, não há cinema.
Para ele, um filme constrói-se como uma casa, bloco a bloco, na mesa de montagem,
Até 1923, a oficina de Kulechov teve de explorar estas questões quase sem película, por
falta de meios. Organizando uma sucessão de pequenas cenas mudas como se fossem
uma perna de outra) para criar uma mulher imaginária. Combinaram planos da Casa
Branca e do Kremlin, criando uma geografia composta e imaginária. A mais citada
aproximados:
cada associação — (1) fome, (2) tristeza, e (3) ternura — apesar de se tratar do mesmo
plano do actor. A conclusão é que estes sentidos não estão nos planos (ou estão neles
apenas em potência), mas são sugeridos pela associação de planos. Isto mostra que
aquilo que os espectadores sentem e pensam não é apenas dependente do que foi
cabana onde um garimpeiro está amarrado por supostamente ter roubado ouro. Na
uma garimpeira que lhe pergunta por que razão ele roubou, com imagens dele a dar o
ouro à mãe, de ramos em flor, do amparo do seu cão, do bolo de aniversário a arder, e
de uma paisagem desolada. Cada uma das imagens em combinação com o rosto e as
lágrimas dele expressam a mágoa de um homem devastado, que ainda consegue ter um
Esta última experiência foi já conduzida por Kulechov em conjunto com Pudovkin.
modo, criando aquilo que ele descrevia como uma mentira verosímil. Para ele, a
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montagem não era uma prática posterior à rodagem, mas começava antes,
da filmagem, filmagem, edição). Um filme não era por isso rodado: era fabricado. A
planificação, que corresponde à especificação dos planos a rodar, seria uma fase
análise à síntese, a montagem em vez de ser uma soma de partes, é o produto de uma
1926), adaptado do livro homónimo de Máximo Groki, escrito em 1907. Como outros
filmes dele, é um épico, uma narrativa histórica espectacular que não perde o contacto
com as emoções pessoais nem com a dimensão colectiva. No fim do filme, a mãe deste
prendeu o seu filho devido a uma greve. Pudvokin enquadra-a como uma heroína e a
sequência evolui para um ritmo acelerado, atingindo um clímax quando os cavalos dos
soldados passam pela câmara em rápidos borrões para a direita, para a esquerda, e
virados de cabeça para baixo. O espectador sente que o ataque a esta mãe vem de todos
os lados. Ela morre, mas o gesto de resistência e contestação sobrevive à sua morte.
mogol Bair (Valéry Inkijinoffé) é intercalada com a descoberta de que ele é descendente
de Genghis Khan, o grande líder do Império Mongol. A montagem simbólica utiliza uma
imagem estranha à acção como metáfora visual (diversidade de espaço e possivelmente
de animal reaparece como imagem da exploração quando Bair é já líder depois de,
numa cena inicial, Bair (ainda pastor) ter trocado a pele por dinheiro e ter sido
enganado por um oficial britânico, precisamente o mesmo oficial que oferece mais
tarde a pele a uma mulher. Todos estes tipos de montagem utilizados em Potomok
montagem.
Vertov e o Cine-Olho
Vertov desenvolveu o conceito de cine-olho. Para ele, a verdade está na relação entre a
visão e a matéria. Que visão é esta? É a visão do olho da câmara, do olho do cinema, que
nos dá acesso a uma forma de ver (proporcionada por uma máquina) que é diferente da
nossa e através da qual podemos ver mais e melhor. Esse olhar é verdadeiramente
imagens diferentes das imagens da sua simples percepção. Para além disso, o
espectador é confrontado com relações que não consegue estabelecer ou que lhe
inumano. É um olho que produz um certo tipo de imagens e não outras, e vai pedir um
outro — como num piscar de olhos. Nos filmes de Vertov, se a rodagem é o eu, a
Vertov fez diversos diários fílmicos curtos, sob o título de Kino-pravda que
anuncia logo o seu programa artístico no genérico: esta é uma experiência visual de
cinema sem narrativa, sem diálogos, sem intertítulos. Nesta obra, as condições
materiais do cinema são expostas logo desde o início — as primeiras imagens mostram
Tri pesni o Lenine (Três Canções sobre Lénine, 1934) é outro filme de Vertov que merece
referência. Trata-se, como o próprio título faz adivinhar, de uma homenagem a Lénine,
realizada uma década depois da sua morte, e dividida em três partes. A primeira sobre
uma mulher muçulmana numa das repúblicas da URSS que ganha consciência sobre a
sua condição oprimida ao ler e reflectir sobre as ideias leninistas. A segunda sobre a
vida de Lénine. A terceira sobre o governo a que presidiu e as transformações a que deu
origem.
Como veremos, tudo isto é, de certa forma, o contrário do que Eisenstein defende.
O teatro foi o primeiro interesse de Eisenstein e foi a ele que o cineasta foi buscar um
dos seus conceitos basilares: a atracção. A ideia de atracção vem mais precisamente do
circo, que apresenta diversas atracções com animais, magia, palhaços, e acrobatas.
Partindo desta noção, o cineasta diz que o cinema pode usar atracções para chamar a
Para Eisenstein, os planos são células em vez de blocos (como eram para Lev
célula de montagem, isto é, criam o filme através da montagem, como as células criam
organismos. Esta criação surge através do modo como colidem. Tal colisão criadora é
claramente dialéctica e tal conflito existe não apenas entre planos, mas no interior dos
antiga ordem representada pela estátua do czar Alexandre III é desafiada pela
onde mesmo Lénine se acaba por tornar uma figura no meio da maré da revolução.
Eisenstein propôs uma nomenclatura para a montagem ainda mais detalhada do
Potemkin, 1925), mesmo que alguns destes termos só tenham sido cunhados pelo
cineasta depois deste filme. Montagem métrica (a medida dos fragmentos) e montagem
rítmica (o ritmo dentro e entre fragmentos) referem-se aos níveis métricos e rítmicos da
sequência das escadarias de Odessa explora contrastes gráficos estridentes que moldam o
ritmo, por exemplo. Montagem tonal diz respeito à associação de imagens-ideias, ao som
em vez de uma parte dele. Montagem intelectual é uma associação de planos que faz
passar uma ideia sem relação causal com o resto da sequência, como acontece na
animação criada através das estátuas dos leões em diferentes posições depois do
confronto nas escadarias. O leão levanta-se tal como o couraçado se eleva para ajudar a
população atacada por causa de um acto de insurreição. Por fim, a montagem vertical,
elementos (composições, motivos, objectos, actores, cores, etc.) e relações, criando uma
pedaços de película.
O cineasta Aleksandr Dovjenko de origem ucraniana deve também ser referido. Zemlya
hostilidade dos exploradores agrícolas mais ricos na região da Ucrânia. Zvenigora (1928)
é uma obra menos conhecida, mas muito rica, primeiro tomo da trilogia que inclui
Apcehaa (Arsenal, 1929) e Zemlya. Zvenigora conta a história de um velho que confidencia
ao neto que há um tesouro enterrado numa montanha. Era o quarto filme de Dovjenko,
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que decidiu sair do estúdio e filmar em exteriores, usando as gentes locais. O filme foi
mas sobretudo celebra o folclore local, fazendo uso de factos históricos e de tradições e
lendas do povo ucraniano. Algumas destas histórias são recriadas pelo filme, à medida
se interligam e alimentam.
Não há uma estética de cinema marxista. Há uma forma marxista de pensar o cinema,
que reflecte sobre as condições materiais da sua criação (dos recursos existentes a
quem detém os meios de produção) e sobre a sua dimensão política e social. Este
incrustação e manipulação do sentido através dos efeitos gerados pela estrutura formal
(os intervalos negros entre as imagens) e de variado (as imagens em si). O cinema de
indirectamente.