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A Atualidade de

Stalin
A Atualidade de
Stalin

Klaus Scarmeloto
Copyright ©2021 – Todos os direitos reservados a Editora Raízes da Amé-
rica.

EDIÇÕES CIÊNCIAS REVOLUCIONÁRIAS – www.cienciasrevoluciona-


rias.info

Diagramação: Gabriel Felipe Silva


Autor: Klaus Scarmeloto
Revisão: Gabriel Felipe Silva
Capa: Otávio Losada
Quarta-capa: Marcelo Bamonte

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes - CRB-8 8846

S286a Scarmeloto, Klaus (org.).

A Atualidade de Stalin / Organização e tradução de Klaus Scarmeloto.– 1. ed.


– São Paulo : Editora Raízes da América, 2021.
204 p.; 21x14 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-994637-0-9.

1. Marxismo. 2. Revolução. 3. Stalin. 4. União Soviética. I. Título. II. Assunto.


III. Scarmeloto, Klaus.

CDD 320.531
CDU 316.323.72

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Socialismo e sistemas relacionados: Comunismo, Marxismo, Leninismo; ideologias políticas.
2. Ciência política: Socialismo, Comunismo e Marxismo; Ideologias.

1ª edição: maio de 2021

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte do conteúdo deste livro poderá


ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja ele impresso, digi-
tal, áudio ou visual sem a expressa autorização por escrito da Raízes da América
sob penas criminais e ações civis.
Sumário
Stálin no centro do combate ao socialismo . . . . . . . . . . . . 11
Um pouco sobre o mito do holodomor e a coletivização . . . . 26
A Revolução industrial de Stalin . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
A luta de classes no socialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
As razões da Oposição e de Stalin, uma reflexão necessária . . 36
O significado das Palavras de Trotsky: teria o leão de outubro
assumido a luta armada contra o homem de aço? . . . . . 47
Os arquivos pessoais de Trotsky . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
O caso Kirov e a Chamada dos expurgos: os casos Zinoviev e
Kamenev . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Os expurgados todos eram inocentes do totalitarismo? . . . . . 66
Bukharin e Riutin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
O Caso Piatakov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Demais evidências não soviéticas da colaboração da oposição a
Stalin com os países antissoviéticos . . . . . . . . . . . . . . 97
O Antistalinismo a serviço de Franco . . . . . . . . . . . . . . . 119
Stalin e Democracia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Stalin e o combate ao racismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
O Legado da Grande Guerra Patriótica para o Presente . . . . 155
As prisões na era Stalin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
O massacre de Katyn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
A verdade sobre a revolução de outubro vencerá . . . . . . . . . 173
A Verdade sobre Stalin também vencerá! . . . . . . . . . . . . . 178

Anexos 189
Sobre a ”tortura física” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Stalin e a Questão das Mulheres . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
Homossexualidade e Stalin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196
A ATUALIDADE DE STALIN

Ainda na atualidade, o eco do golpe de Estado ressonante pela queda


do Socialismo na URSS e no Leste Europeu, reverbera com a liquidação
dos últimos vestígios da emancipação humana que coloca em xeque os
direitos dos trabalhadores em todo o terceiro mundo, nos antigos Esta-
dos de bem-estar social dos países imperialistas e nos países ex-socialistas,
trazendo à tona a era da desemancipação humana e a retomada do pro-
jeto colonial. As estátuas de Lênin acabaram demolidas, seus contributos
foram denunciados — para simbolizar o início de uma nova era — e este
contexto provocou numerosos debates no interior do movimento comu-
nista.
Neste sentido, as políticas difundidas por Iánnaiev, Gorbatchov e Iélt-
sine, foram cataclismos finais de um sistema agonizante que levou a rup-
tura com o socialismo, trazendo consigo, o presságio e a aplicação do
neoliberalismo que, hoje, mostrou-se fracassado e decadente, tanto no
leste europeu como na URSS.
Em 1956, na contrarrevolução da Hungria, estátuas de Stálin também
foram destruídas; 5 anos após, as de Lênin, iniciando pontos de ruptura
com o leninismo. Nada que não tenha se iniciado no mesmo ano, em
1956, quando Khruschov atacou Stálin para alterar a linha do Partido
Comunista e essa degeneração conduziu à ruptura com o socialismo con-
sumada em 1990 por Gorbatchov.
A explosão das estátuas de Lênin foi clamada contra o leninismo. No
entanto, provou-se o leninismo o único mensageiro capaz de revelar a
verdade por detrás daqueles que operaram pelas palavras hipócritas de
“democracia e liberdade”, “glasnost e perestroika”. Não fora do euro-
comunismo, da social-democracia, do trotskysmo, do pós-modernismo,
do anticomunismo de esquerda, do luckascianismo e muito menos da di-
reita o mérito dos acertos sobre as razões que levaram a estes colapsos do
socialismo. Esses sujeitos, em maior ou menor proporção, estavam en-
cantados e manipulados pela farsa da desistalinização, porque em certa
medida, aceitaram total ou parcialmente as acusações forjadas, seja pelo
imperialismo ou pelo revisionismo, contra Stalin. Estes agentes, conver-
gindo metodologicamente, usaram e usam Stalin como bode expiatório
para mascarar seus fracassos em construir uma alternativa ao espantalho
do “Stalinismo” que, a rigor, jamais existiu. No entanto, o fracasso dos
antistalinistas é, justamente, o que nos permitirá retornar ao leninismo
de fato, e demonstrar que só sua aplicação criativa permitirá o avanço que
o revisionismo comprometeu após a morte de Stálin.
Sabemos que os liberais entretêm incautos com a derrota do comu-

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KLAUS SCARMELOTO

nismo no mundo, mas se há derrota na União Soviética é a do revisi-


onismo Khruchovista. Este revisionismo levou à capitulação diante do
imperialismo. A erupção imperialista na URSS mostra ao que conduz a
rejeição dos princípios revolucionários do marxismo-leninismo.
Durante a era inicial do socialismo os revisionistas empenharam-se em
derrotar Stálin e ainda hoje esse esforço é visível. Uma vez Stálin derro-
tado, Lênin passa a ser liquidado. Khruchov encarniçou-se contra Stálin,
Gorbatchov o sucedeu, conduzindo a cruzada contra o stalinismo, e assim
seus sucessores o fazem ainda que sem reivindicá-los diretamente já que
seus projetos levaram não ao “socialismo democrático”, mas a restauração
do capitalismo. A desmontagem das estátuas de Lênin não portou uma
campanha política contra a sua obra. A campanha contra Stálin foi o su-
ficiente. Uma vez atacadas todas as ideias políticas de Stálin constatámos
o fim das ideias aplicadas por Lênin.
Tudo começou com a desculpa de corrigir erros de Stálin por Khru-
chov, com o objetivo de “restabelecer o mais puro leninismo” e aperfei-
çoar o comunismo. Gorbatchov igualmente demagógico desorientou a
esquerda. Hoje reconhecemos a evidência: sob o pretexto de “retornar
a Lênin e Marx”, regressou-se a tentativa de retomar o projeto colonial,
estágio esse que Domênico Losurdo chamou de “Desemancipação hu-
mana”.
Por isso, os mais sábios atêm-se às atividades da CIA e dos serviços se-
cretos ocidentais. Sabem que a guerra híbrida e psicológica são um ramo
à parte e extremamente importante da guerra de novo tipo. A calúnia,
a injúria, o butolismo, a instigação, o proveito de divergências, o agrava-
mento das contradições, a demonização do adversário, a perpetração de
crimes imputados ao adversário são táticas habituais dos serviços secretos
ocidentais.

Não há equívoco maior do que imaginar a CIA como apenas um or-


ganismo de espionagem e contraespionagem. Independentemente
dos ajustes que Colby tenha feito, à proporção que Prouty indicou,
baseando-se na opinião autorizada de Dulles, é a verdadeira: a es-
pionagem em sentido estrito representa com probabilidade dez por
cento ou pouco mais das preocupações da CIA. De outro modo, a
criação da CIA não teria feito qualquer sentido. Nos EUA, como
veremos adiante, os serviços de informações são mais do que sufici-
entes. Estima-se por alto que haja cerca de uma dezena. Kennan,
pensador político por vocação e diplomata, no seu livro, A Nuvem de
Perigo, Realidades Atuais da Política Externa Norte-Americana, ob-
servou justamente: “O serviço de Inteligência como tal era uma fun-

7
A ATUALIDADE DE STALIN

ção normal dos estados muito antes do surgimento da União Sovié-


tica ou dos Estados Unidos, e é pura utopia esperar que desapareça
completamente. Mas tudo tem limites”. Quais? Kennan escreve: “Eu
próprio tive ocasião de ver como as autoridades dos serviços de Inteli-
gência, uma vez atrás de outra, realizaram ou tentaram realizar ope-
rações que não só minavam de forma direta as relações diplomáticas
soviético-norte-americanas, como também as próprias possibilidades
de alcançar maior compreensão mútua entre ambos os governos”.8
E isto não é senão uma pequena amostra do que se pode dizer sobre
a política conduzida por Washington por intermédio da CIA. Natu-
ralmente que não se trata apenas nem sobretudo de espionagem. A
CIA foi incumbida de conduzir a chamada “guerra psicológica”, para
a qual são canalizados 90 por cento dos recursos desta agência gigan-
tesca. Nos documentos internos dos serviços, a “guerra psicológica”
tem a seguinte definição: “A utilização integrada de todos os meios,
morais e físicos (exceto os das operações reconhecidamente militares,
mas incluindo a exploração psicológica do resultado dessas operações
reconhecidamente militares), que tendam a destruir a vontade do ini-
migo de alcançar a vitória e a deteriorar a sua capacidade política e
econômica para tal; que tendam a privar o inimigo do apoio, assistên-
cia ou simpatia dos seus aliados, de países amigos ou neutrais (. . . ) ou
que tendam para a manutenção, incremento ou criação da vontade
de vencer do nosso próprio povo e dos nossos aliados e para a ma-
nutenção, incremento ou obtenção de apoio, assistência e simpatia
dos países neutrais”.9 Como se vê os anos não retiraram brilho a esta
definição clássica. Os métodos elencados da “guerra psicológica” são
tentativas inequívocas de minar o regime do Estado escolhido como
alvo, visando, em última instância, o seu derrubamento. A espiona-
gem é um derivado subordinado a este objetivo. A ponta aguçada
da ”guerra psicológica”, conduzida por Washington através da CIA,
está dirigida contra a União Soviética. Este é o sentido da criação e
existência da CIA, organização que não tem precedentes em toda a
história da sociedade humana organizada.1
Desde de 1945, com a criação da CIA, o imperialismo “democratica-
mente” investiu nas guerras anticomunistas, militares, clandestinas, polí-
ticas e psicológicas. É evidente que o paradigma anti-Stálin está no centro
dos combates ideológicos contra o socialismo. Os mensageiros oficiais da
máquina de guerra estadunidense, Kissinger e Brzezinski, enaltecem as
publicações de Soljenítsine e de Conquest, que são dois autores firmes
entre os sociais-democratas, os trotskistas e os anarquistas. Ao “revelar

1 IAKVLEV, N. A CIA CONTRA A URSS. Disponível em: <http://www.hist-


socialismo.com/docs/CIA_contra_URSS.pdf>. Acesso em 20 de maio de 2020.
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KLAUS SCARMELOTO

a verdade sobre Stálin”, esses especialistas do anticomunismo procuram


ocultar os meandros da guerra hibrida e política conduzida pela CIA.
Em suma, a “verdade” sobre o socialismo visa tirar de foco as verdades
inconvenientes sobre o capitalismo.
Não atoa quase todas as publicações burguesas e pequeno-burguesas,
possuem calúnias e mentiras sobre Stálin comparáveis a imprensa nazifas-
cista. Isso indica que a luta de classes mundialmente é ácida e que o impe-
rialismo mobiliza as suas forças para a defesa da sua “democracia”. Ano
após ano, a aprovação popular de Stalin cresce, inclusive, entre progres-
sistas, mostra-se o entusiasmo juvenil e proletário pelo bolchevismo, bem
como pelas realizações técnicas da URSS. As campanhas anti-stalinistas
das “democracias” ocidentais em 1989-1991 foram por vezes mais calu-
niosas que as conduzidas pelos nazifascistas. Hoje, no entanto, não há
as grandes realizações comunistas dos anos 30 para fazer contrapeso às
calúnias. Não há forças políticas significativas para a defesa de Stálin,
contamos apenas com os fracassos do imperialismo para propor as alter-
nativas e, imediatamente, para relembrar das alternativas socialistas do
ponto de vista pragmático e social.
O imperialismo ao clamar a derrota do comunismo, aproveita a falên-
cia do revisionismo, que ele mesmo investiu, para reafirmar o seu ódio à
obra realizada por Lênin e Stálin, mas, ao fazê-lo, pensa mais no futuro
do que no passado. O imperialismo quer que se acredite que o leninismo
está enterrado porque sabe perfeitamente de sua atualidade e vitalidade.
O imperialismo possui uma rede de cientistas capazes de avaliar o
mundo e prever crises maiores, revoltas planetárias e guerras de todo gê-
nero.

Há 50 anos, Max Millikan, o primeiro diretor do Gabinete de Investi-


gação e Relatórios da CIA (ORR2) definiu a orientação da Agência no
que respeita à análise econômica da União Soviética, demonstrando
uma notável capacidade de previsão dos 40 anos seguintes. Na dire-
tiva sobre O Papel do ORR nos Serviços de Informação Econômica,
de agosto de 1951, escreveu que a informação econômica tem pelo
menos cinco objetivos:

– Ajudar a avaliar a magnitude de ameaças militares presentes e fu-


turas através da análise dos recursos econômicos à disposição do po-
tencial inimigo, no presente e no futuro;

– Avaliar o carácter e a localização de possíveis ameaças militares de


potenciais inimigos, determinando como investiram os seus recursos;

9
A ATUALIDADE DE STALIN

– Ajudar a prever as intenções de potenciais inimigos: a forma como


agem na esfera econômica revelará provavelmente as suas intenções;
– Ajudar os políticos a tomar decisões para reduzir possíveis ou pro-
váveis ameaças militares, através de medidas que causem danos no
potencial econômico do inimigo;
– Ajudar ao estabelecimento e desenvolvimento da correlação de for-
ças entre o Este e o Oeste.
Os potenciais inimigos eram assim visados como por um raio laser.
Naquela altura e durante a ”guerra-fria”, esses potenciais inimigos
eram a URSS e outros países do bloco soviético. Aproximadamente
dois terços dos analistas económicos e geográficos do ORR foram
direcionados para o alvo soviético. A maior parte do terço restante
cobria a Europa de Leste e os países comunistas da Ásia. Em breve,
no entanto, a análise econômica da CIA passaria a cobrir a maior
parte do mundo. (. . . )
Devemos começar por lembrar a que ponto, nos anos 50, a comu-
nidade dos serviços de informações e os políticos estavam obcecados
com a perspectiva de que a União Soviética iria ultrapassar os Estados
Unidos em termos de Produto Nacional e produção militar. Millikan
colocou a questão da seguinte forma: “A principal tarefa do ORR é
examinar e analisar paciente e minuciosamente a massa de informa-
ções detalhadas de que dispomos sobre o estado atual e as perspec-
tivas da economia soviética. Este será eventualmente o trabalho de
investigação mais importante hoje em curso no país”.2
Este relatório demonstra que o modelo soviético da chamada era Stá-
lin, possuía capacidade de crescimento para superar o PIB do mundo ca-
pitalista em pouco tempo, o que infelizmente foi abortado nos governos
subsequentes levando a já conhecida derrocada.
Após a derrocada do socialismo, as contradições do sistema imperia-
lista se exacerbaram, e o palavreado de fim do comunismo não passou
de retórica face aos já conhecidos problemas do desemprego, a miséria,
a exploração e da guerra localizada que se abrem diante dos trabalhado-
res. Diante desses problemas, só o leninismo mostrará a salvação. Só o
leninismo fornecerá aos trabalhadores do capitalismo, aos povos oprimi-
dos do Terceiro Mundo as armas da sua libertação. Toda retórica sobre
o fim do comunismo visa desarmar os oprimidos do mundo para as lutas
futuras.

2 NOREN, James. A Economia Soviética Vista Pelos Analistas da CIA. Disponível em: <
http://www.hist-socialismo.com/docs/EconomiaSovieticaCIA.pdf>. Pag. 1-2.

10
KLAUS SCARMELOTO

Neste sentido, a defesa da obra de Stálin, que é no essencial a defesa


do marxismo-leninismo, é uma tarefa atual e urgente para enfrentar a
realidade da luta de classes sob a nova ordem mundial que coloca em
prática a desemancipação humana e a retomada do projeto colonial.
A obra de Stálin é, portanto, atual e original, tanto nos antigos paí-
ses socialistas como nos países que mantêm a sua orientação socialista,
ou anti-imperialistas, no Terceiro Mundo, e nos países imperialistas, ela
fornece aportes importantes na luta de classes.

Stálin no centro do combate ao socialismo


Após a reconstrução capitalista na atual URSS, que segue ocupada por
diversos oportunistas e dividida em vários países, a obra de Stálin ganhou
importância para se compreender os mecanismos da luta das classes sob
o socialismo. Até por isso, sua aprovação chega a 70% 3 .
Há uma relação entre a restauração do capitalismo, a desemancipação
humana, a retomada do projeto colonial com a defesa do paradigma anti-
Stálin que precederam todos estes projetos. O ódio contra um homem
morto em 1953 pode, à primeira vista, soar estranho, se não incompre-
ensível. Mas, na verdade, a racionalização desse ódio se realiza para que
se faça o controle das emoções dos seres humanos através da irracionaliza-
ção. O imperialismo, para efetivar sua política de desemancipação, para
manter-se vivo, precisa racionalmente gerar irracionalidade nos povos de
todo o mundo controlando suas emoções.
É por isso que as calúnias do Antistalinismo também servem como
uma forma do controle das emoções que visam gerar a autofobia revo-
lucionária. Para compreender melhor como isso se aplica ao paradigma
anti-Stálin, devemos avaliar alguns fatos:
Nos anos que precederam a chegada de Gorbatchov, as cooperativas
operárias tiveram grande valor, principalmente, “no tempo de Stálin, se

3 De acordo com uma recente pesquisa conduzida pelo Levada Center, mais de 70% dos
russos consideram positiva a figura do camarada Josef Stalin e seu papel na história do
país. Um verdadeiro recorde histórico, de acordo com uma pesquisa publicada na última
terça (16). A parcela de russos que respeitam Stalin cresceu 12% , enquanto a parcela da-
queles que percebem o líder soviético como indiferente ou negativo diminuiu em quase
três vezes desde 2015. 70% dos russos consideram o papel de Stalin na história do país
“bastante positivo”, elogiando-o por derrotar o nazismo. Enquanto isso, apenas 19% di-
zem que Stalin desempenhou um papel negativo. RECORD HISTÓRICO: 70% DOS RUS-
SOS APOIAM STALIN E O PAÍS DOS SOVIETES. Disponível em <https://vozoperari-
arj.com/2019/04/21/record-historico-70-dos-russos-apoiam-stalin-e-o-pais-dos-sovietes/>.
11
A ATUALIDADE DE STALIN

desenvolveram com grande pujança, até serem encerradas e liquidadas,


em 1956, por Khruchov, juntamente a eliminação das hortas domésticas
(as quais, aliás, durante o tempo de Stálin podiam ter até um hectare de
terra)”4 , e além disso pertenciam aos trabalhadores, ou seja, aos coope-
rados. Apesar dos ranços do antistalinismo acusar burocracia em absolu-
tamente tudo que envolva a era Stalin, essa acusação, sobretudo do ponto
de vista econômico, não procede. Qualquer pessoa podia se tornar “di-
rigente de uma grande e bem-sucedida cooperativa indo”5 , sem rodeios,
“ao centro regional e num dia resolver todas as formalidades, voltando
para casa com várias páginas de documentos e o carimbo da recém-criada
cooperativa. Era assim, de forma expedita e sem entraves burocráticos,
que no tempo de Stálin se resolviam as questões relacionadas com a cri-
ação de empresas” cooperadas6 . Além do mais “para que os burocratas
não tivessem a tentação de encurralar” os cooperativistas, o Estado defi-
niu os preços das matérias-primas a fornecer às cooperativas industriais,
dos equipamentos, dos espaços de armazenagem, dos transportes e da
rede comercial”7 . Sendo assim, “a corrupção, em princípio, tornava-se
impossível. Mesmo nos anos da guerra manteve-se metade dos benefícios
fiscais às cooperativas, os quais foram majorados logo depois da guerra,
ultrapassando os níveis de 1941, em particular para as cooperativas então
formadas em grande número por antigos combatentes mutilados8 .
Em junho de 1962, os preços dos alimentos subiram, especialmente da
carne e da manteiga (em 25-30% ). Isto gerou a insatisfação popular. Na
cidade de Novocherkassk (localização de Rostov), no sul da Rússia, esse
manifesto se converteu numa greve e revolta contra as autoridades9 . A si-
tuação ficou intensa a tal ponto que medidas extremas foram invocadas, a
repressão pelos militares que apoiavam o governo revisionista imediata-
mente silenciou os manifestantes10 . Esse tipo de manifestação fora mais
presente na era Khruschov do que se imagina. Os dados oficiais estimam
que 22 pessoas foram mortas e 87 feridas morreram mais pessoas nesse
incidente do que nos primeiros anos dos expurgos. Além disso, 116 ma-

4 Trubítsíne , A.K.. Stalin e os Empresários. Disponível em: < http://www.hist-


socialismo.com/docs/CausasrestauracaocapitalismoURSS.pdf>. Acesso em 20 de maio de
2020. Pag. 1
5 Idem, Ibidem.
6 Ibidem. Pag. 2
7 Ibidem. Pag. 2
8 Ibidem. Pag. 2.
9 TAUBMAN, W. khrushchev: the man and his era W. W. Norton & Company, Simon &

Schuster 2003, pp. 519–523. Tradução nossa.


10 IBIDEM, pp. 519–523.

12
KLAUS SCARMELOTO

nifestantes foram condenados por envolvimento e sete deles executados.


Informações sobre a revolta foram completamente reprimidas na URSS,
mas se espalharam por Samizdat e prejudicaram a reputação de Khrush-
chov no na URSS e reverberou relativamente no Ocidente11 .
A era Khrushchov não apenas limitou a democracia, mas também pas-
sou a cobrar pelo uso do meio de produção. Já na chamada era Brejenev,
encarnou-se a burocracia, a estagnação, a corrupção e o militarismo.
No final dos anos 70, Víktor Gríchine e Grigóri Románov,(24) dois
dos membros mais jovens do Politburo, viviam na opulência e na cor-
rupção. Para o casamento da sua filha, Romanov requisitou o serviço
de mesa de Catarina II, a Grande, que contava centenas de peças de
um valor inestimável. Em estado de embriaguez, os convidados par-
tiram uma boa parte dos copos imperiais. A corrupção dos espíritos
manifestava-se também no domínio político. O papel de Bréjnev na
guerra antifascista fora meramente marginal. Mas 23 anos após a
guerra, em 1968, fez-se atribuir a medalha de ouro da Ordem de
Lénine, que era a medalha militar mais importante. No decurso
dos anos 70, atribuiu-se a si próprio, por quatro vezes (!), a meda-
lha de ouro de Herói da Guerra. Saltando três patentes, tornou-se
marechal. A seguir, atribuiu-se a Ordem da Vitória, condecoração
especial atribuída excepcionalmente no final da guerra a alguns ma-
rechais famosos que tinham dirigido as maiores batalhas durante os
quatro anos do conflito. Entre eles, Júkov, que organizou a defesa de
Leninegrado e de Moscovo, comandou, com outros generais, a bata-
lha de Stalingrado e dirigiu o assalto a Berlim. À sua morte, Júkov
possuía 27 medalhas e condecorações; Bréjnev, no momento do seu
falecimento, tinha... 270!12
Em 1965 Brejenev consolida de vez todas as mudanças iniciadas por
Khruschov e, com isso, realiza a mudança nas relações de produção, sendo
cobrado o uso pelo meio de produção através do que se chamava de pa-
gamento pelo capital.
Logo no limiar dos anos 60 ocorre uma alteração visível nas relações
de produção. Começa-se a dar uma atenção crescente ao lucro obtido
pelas empresas e aumenta o seu papel na formação das receitas do
Estado. Por trás da mudança de indicadores estava a mudança das re-
lações de produção. Se no período entre 1930 e 1950 a economia do
país constituía um complexo unificado, que trabalhava para um re-

11 IBIDEM, pp. 519–523.


12 MARTENS. L. A URSS, a contrarrevolução de veludo e outros escritos. São Paulo: Edições
Ciências Revolucionárias. Pag. 485.

13
A ATUALIDADE DE STALIN

sultado global, entre os anos 60 e 80 este complexo deixou de existir,


cedendo lugar a uma massa de empresas e coletivos separados.

As mudanças iniciadas neste período foram consolidadas com a re-


forma de 1965. Esta reforma levou à desintegração e fragmentação
do complexo econômico unificado, pretendendo-se garantir não só a
rentabilidade da economia nacional no seu conjunto, mas, também,
que cada empresa separadamente obtivesse lucros. Em consequên-
cia, também a grande comunidade de trabalhadores deste complexo
dividiu-se em coletivos separados. Esta mudança foi promovida por
uma série de decisões e em grande medida pela Resolução do CC do
PCUS e do Conselho de Ministros, de 4 de Outubro de 1965, “Sobre
o aperfeiçoamento da planificação e reforço dos incentivos econômi-
cos à produção industrial”.

Antes de mais, a sociedade e os coletivos foram colocados em oposição


entre si com a introdução do pagamento pelo capital. O pagamento
pelo capital fixo e circulante passou a ser incluído no plano de lucros
das empresas. A introdução deste pagamento marcou a mudança
de relações entre os coletivos laborais e o Estado. No período ante-
rior partia-se do pressuposto de que os coletivos das empresas faziam
parte do povo, que era o detentor dos meios de produção, podendo
utilizá-los sem qualquer tipo de pagamento. Agora resultava que os
coletivos laborais tinham de pagar pelo capital utilizado e, por con-
seguinte, passavam a ser considerados não como parte dos proprietá-
rios dos meios de produção, mas como uma espécie de arrendatários.
Assiste-se assim a uma peculiar “espoliação” da propriedade do pro-
dutor e a uma oposição do último em relação ao Estado. Os coletivos
laborais e a sociedade estão em oposição entre si enquanto proprie-
tário dos meios de produção e sujeitos que os utilizam. Os coletivos
laborais não são proprietários das empresas e não podem dispor de-
las plenamente, por conseguinte, se por enquanto ainda não existem
massas de proprietários isolados, simultaneamente os coletivos já não
fazem parte do proprietário plural. Esta situação dificilmente pode-
ria ser estável, teria de conduzir a ulteriores mudanças, o que veio a
ocorrer no limiar dos anos 90. Mas foi o anseio de se obter lucros
em cada empresa, em vez da situação anterior em que se conside-
rava apenas a rentabilidade da economia nacional no seu conjunto,
que exacerbou, em muito maior grau, a oposição entre a sociedade
e os coletivos laborais. Em resultado produziu-se a separação econô-
mica dos coletivos laborais, o que conduziu à formação de relações de
produção fundamentalmente diferentes das anteriores. Se antes os
interesses do coletivo e da sociedade coincidiam no essencial, agora

14
KLAUS SCARMELOTO

estavam em contradição entre si.13


Ao contrário do que dizem os detratores de Stalin, não fora a era Stalin
a responsável pela amplificação da alienação do trabalho, mas a destali-
nização. Em relação a era Lenin, no quesito trabalho assalariado a era
Stalin avançou, houvera o fim do desemprego e a diminuição da carga
horária de trabalho para 7 horas. Na chamada era Gorbatchov, após a
Glasnot e a Perestroika, a população russa passou a conhecer o desem-
prego estrutural. Esse problema, próprio do capitalismo, praticamente
não existia graças ao sistema soviético de encaminhamentos e alocações,
mas surgiu após a liberalização, a desregulamentação e a retração econô-
mica que se iniciaram nos anos 1990. Portanto, se no final de 1994 a
demanda por empregos na Rússia era de 6 pessoas por vaga, no início de
1996 ela atingiu 10 pessoas por emprego.
Mesmo com todo esse contexto durante a desistalinização e sem o pe-
rigo de uma guerra mundial — um tipo de guerra que exige por si só me-
didas extremas —, nem na URSS nem no “mundo livre” se assistiu a uma
crítica tão violenta, excitada, raivosa contra Khruschov Bréjnev e Gorbat-
chov, como a que caracterizou a cruzada anti-Stálin. E isso não pode ser
explicado tão somente pelo paradigma filosófico, moral e psicológico, o
ódio a Stalin teve objetivos bem delineados político e economicamente.
Como acrescenta o Dr Oleg Kozin, baseando-se no historiador russo
de grande renome e Dr em ciências históricas A. Martirosyan, a crimi-
nalização da obra total de Stalin, era o caminho para destruir a URSS
e as democracias populares de leste. Ou seja, tudo que fez parte do le-
gado de Stalin direta ou indiretamente deve ser criminalizado: a derrota
do Nazismo; a consequente expansão do socialismo pela Europa Orien-
tal; o crescimento econômico destes países em bloco que não era apro-
priado pelo imperialismo ianque e europeu. Esse sempre foi o objetivo
econômico e político a se alcançar com estes ataques a Stalin por parte do
imperialismo:
Para fazer isso, no final dos anos 80, o Ocidente começou a lançar
“cópias de fotocópias” do suposto “protocolo adicional secreto” ao
Pacto Molotov-Ribbentrop, do qual se seguiu que Hitler e Stalin, es-
tavam dividindo suas zonas de influência, e as terras em Estados inde-
pendentes pelas costas dos países em questão, sem sua participação e

13 Arkhanguelskaia,
N.O. Sobre algumas causas da restauração do capitalismo na URSS:
As relações de produção na URSS (1960-1980). Disponível em: http://www.hist-
socialismo.com/docs/CausasrestauracaocapitalismoURSS.pdf. Acesso em 20 de novembro
de 2020. Pag. 4.

15
A ATUALIDADE DE STALIN

vontade. Este ”protocolo”foi chamado de ”o documento político mais


importante do século XX”e foi discutido nos dois primeiros congres-
sos dos deputados do povo da URSS. Como resultado, A.N. Yako-
vlev, presidente da comissão para a avaliação legal do pacto de não
agressão, convenceu os deputados a votar pelo reconhecimento da
existência desse ”protocolo”, e legalizou tal falsificação. Então esses
”protocolos”foram reconhecidos como ”ilegais”e ”imorais”, e isso foi
permitido pelo ”Pacto de Não Agressão” entre a Alemanha e a União
Soviética em 23 de agosto de 1939. Por isso, passaram a reconhece-lo
como “ilegal, imoral e criminoso”! “Essa revisão histórica põe em
causa a natureza jurídica das fronteiras existentes da URSS. Isso sig-
nificará a perda da soberania soviética sobre as três repúblicas bál-
ticas, as regiões ocidentais da Ucrânia e Bielorrússia, Bukovina do
norte e Moldávia, as partes do norte da região de Leningrado (o
istmo da Carélia e a costa norte do lago Ladoga) e parte do Karelian”.
O reconhecimento do tratado de 1939 como ilegal desde o início foi
combinado com o não reconhecimento da base legal para a presença
de tropas soviéticas nos territórios localizados a oeste da fronteira so-
viética em 23 de agosto de 1939 e posteriormente incluídos na URSS.
O reconhecimento ilegal do tratado de 1939 torna possível questio-
nar a legalidade da permanência nas terras dos Estados bálticos e em
outros territórios ocidentais de milhões de cidadãos soviéticos que se
mudaram para lá após 1939 ”. (Jornal ”Rússia Soviética”, 6,07,89 g)14
Ninguém pôde destruir a URSS pela força, nem o nazismo e menos
ainda o ocidente, pois se pudessem teriam feito.
Mas, ao contrário do que muitos propagam, a queda da URSS não foi
um processo natural, inerente as estruturas próprias do socialismo “fada-
das ao fracasso”. Tais análises são apenas as justificativas superestrutu-
rais do imperialismo que hoje circulam por parte do anticomunismo de
direita e de esquerda, sendo a base que fundamenta, direta ou indireta-
mente, a estrutura econômica atual das relações de produção do sistema
imperialista que, guardada as devidas proporções, assemelha-se ao início
do século XX. Em suma, os cientistas burgueses inventam e reinventam o
demiurgo para explicar a queda do socialismo através dos aparelhos he-
gemônicos privados. Assim, tais avaliações não deram base aos fatos e não
passam de mitos, afinal, a própria CIA admitiu a prosperidade soviética,
este caminho, portanto, não é plausível.
No início dos anos 50, os políticos da Casa Branca estavam altamente

14 KOZIN, O. Havia protocolos secretos para o tratado Molotov-Ribentrop? Dispo-


nível em: <https://stalinism.ru/stalin-i-gosudarstvo/byili-li-sekretnyie-protokolyi-k-paktu-
molotova-ribbentropa.html> Acesso em 20 de maio de 2020.
16
KLAUS SCARMELOTO

preocupados com a possibilidade de a URSS alcançar e ultrapassar a


economia dos EUA, esses receios começam a dissipar-se na segunda
metade dos anos 50 e desaparecem completamente nas décadas se-
guintes, quando se tornou patente o alargamento do fosso entre a
economia soviética e as economias mais desenvolvidas do mundo, de-
signadamente a norte-americana. (...)
A apreciação dos analistas da CIA, feita à época, é inequívoca: “As
iniciativas de Khruchov pioraram na maior parte dos casos a situação
na agricultura. (. . . ) A decisão de lavrar pastagens e terras de pousio
para plantar milho, beterraba de açúcar, ervilhas e feijões pareciam
insensatas, em particular no caso do milho. Mesmo que a curto prazo
pudessem dar alguns resultados, no longo prazo, os níveis de humi-
dade do solo e de nutrientes baixariam”. (p. 7)15
Pelo decorrer do relatório, vemos que a cia tinha medo do projeto
do socialismo de Stalin, e atestavam sem qualquer ressalva a piora tra-
zida pela desestalinização de Khruschov. Assim, temos de entender esses
processos de derrocada como parte da fusão e convergência dos inimigos
internos com os adversários externos no seio da luta de classes no interior
do socialismo e das democracias populares. Estes inimigos fizeram tudo
o que foi feito com base nos “documentos existentes”, ou pelo menos sob
o disfarce desses ”documentos”, incriminando o legado de Stalin, mesmo
que signifique glorificar o fascismo.
A União Soviética existia com base no Tratado da União? Os países
de leste, e as democracias populares, com base no tratado de Varsóvia?
Os países Bálticos existiam com base no tratado de não agressão Molotov-
Ribbentrop? Isso significa que estes tratados devem ser ”cancelados” e,
portanto, criminalizados. Eis a raiz econômica da desistalinização. Inici-
aram o ataque com o ”elo mais fraco”, os Estados bálticos que entraram na
União Soviética, posteriormente, nos anos 40, com a ”base”no Tratado de
Não Agressão entre a URSS e a Alemanha. Ao reconhecer estes tratados
como ”criminosos”toda a fundação da União Soviética e do socialismo de
leste entrarão em colapso no final. Mas, nada disso foi pessoal, “foram
apenas negócios”, tudo não passou, “apenas”, de uma disputa econômica
por um lugar ao sol, que visava o controle econômico da região euro-
asiática. A intenção não cessou com o desmembramento da URSS, e só
pretende parar quando a Rússia for dividida em diversos países.

15 NOREN, James. A Economia Soviética Vista Pelos Analistas da CIA. Disponível em: <
http://www.hist-socialismo.com/docs/EconomiaSovieticaCIA.pdf>. Pag. 22-23. Acesso em
20 de maio de 2020.

17
A ATUALIDADE DE STALIN

É radiante como o sol que, no curso das últimas décadas, todos os


afoitos pelo imperialismo miraram em Stálin para liquidar com o que
sobrou do socialismo na URSS e até mesmo na Rússia atual, não se cessam
tentativas de separá-la.
Nos últimos anos, tem-se realizado em grande número debates acerca
“do socialismo de Estado”. (. . . ) Só pessoas que não compreendem o
significado das palavras que pronunciam podem falar em socialismo
NÃO estatal. A partir do ponto de vista “estatista” todos os proble-
mas que se colocaram perante o bolchevismo — isto é, em primeiro
lugar perante o socialismo soviético — sistematizam-se, “dispõem-se”
por si próprios, quase que naturalmente. Torna-se visível mais evi-
dentemente o que foi resolvido, o que foi apenas parcialmente resol-
vido ou o que não foi resolvido, em que tropeçaram, o que está por
resolver, etc. (. . . ) E por mais estranho que pareça, a partir do ângulo
por nós escolhido é muito mais fácil responder à questão, dir-se-ia,
mais sombria, sobre as causas da catástrofe ocorrida, sobre aquilo em
que tropeçamos. A causa do ocorrido é a subestimação estratégica,
no plano político, e doutrinal, no plano teórico, por parte da direção
do país após Stálin, do fato — em rigor não é sequer um fato, mas
todo o quadro objetivo da nossa situação no século XX — de que a
criação do Estado soviético e a supressão das classes exploradoras no
interior do país não foram o culminar da nossa revolução, no sentido
amplo da palavra, e muito menos da luta de classes, mas a passagem
da luta revolucionária de classes para uma fase muito mais complexa
e perigosa. Trata-se da passagem da luta revolucionária de classe para
o nível estatal, mais precisamente para o nível interestatal, o que sig-
nificou, antes de mais, a junção total, a fusão do inimigo de classe
externo, geopolítico, com o inimigo interno, com todos os elementos
antissocialistas e sobrevivências do passado no seio da nossa socie-
dade. Isto, como se depreende facilmente, ampliou muito o campo
de ação de uns e outros e elevou ao quadrado o grau de ameaça que
deles emanava.16
Este assunto foi objeto de debate nos anos 1930. Stálin suscitou uma
indagação fundamental: pode acontecer a restauração do capitalismo
após a consolidação do socialismo?
Trotsky afirmou que a restauração capitalista seria inviável sem a luta
armada da burguesia e sem uma guerra civil prolongada. A sua tese so-
bre a impossibilidade da restauração do capitalismo, intencionalmente

16 KHABAROVA, Tatiana. O Bolchevismo hoje: lições, perspectivas e problemas. Disponível


em <hist-socialismo.com/docs/Khabarova_Bolchevismo_hoje_II.pdf>. Pag. 1-2. Aceesso
em 20 de maio de 2020.

18
KLAUS SCARMELOTO

ou não, pregava, consequentemente, a eliminação da vigilância política e


ideológica na construção do socialismo e minava a força da luta interna,
conciliava com o oportunismo, tanto no interior do partido como em re-
lação ao inimigo de classe na sociedade.
“Só idiotas completos seriam capazes de crer que as relações capitalis-
tas, ou seja, a propriedade privada dos meios de produção incluindo a
terra, podem ser restauradas na URSS por via pacífica, convertendo-
se num regime de democracia burguesa. Na realidade, se isso fosse
plausível, o capitalismo só poderia ser restaurado na Rússia em re-
sultado de um violento golpe de Estado contrarrevolucionário, que
exigiria 10 vezes mais vítimas que a Revolução de Outubro e a guerra
civil.” 17

Os trotskistas, alegres como Democrito, o filósofo que ri, pregavam


com largos sorrisos o teorema de Trotsky: que consistia em afirmar a im-
possibilidade da restituição capitalista pacífica, sem a luta armada ou a
guerra civil por parte da burguesia. Desde os anos 30 esse empreendi-
mento teórico serviu para justificar o apoio a todas as instâncias contrar-
revolucionarias, o que aprofundaremos no tópico sobre o totalitarismo.
No decorrer dos anos 80, quando na ordem do dia já se encontra-
vam as forças contrarrevolucionárias no poder na URSS e no Leste Euro-
peu, Mandel afirmava que o fantasma da restauração do capitalismo era
mera calúnia “stalinista” para justificar o “autoritarismo”. No mesmo
balaio entraram parte do eurocomunismo, da socialdemocracia, do pós-
modernismo, e os seguidores de Lukács — Mészáros a frente. Mesmo
quando a Polônia e Hungria em 1989, já tinham cedido ao imperialismo,
Mandel escrevia:
“A pequena e média burguesia representa apenas uma pequena mi-
noria da sociedade em cada um destes estados operários burocratiza-
dos. Ela beneficia de um apoio, aliás fortemente limitado, por parte
do grande capital internacional. Mas no conjunto, esta convergência
de interesses é insuficiente para poder impor, a curto ou a médio
prazo, uma qualquer restauração do capitalismo”18 .

17 Trotski: L’appareil policier du stalinisme, Ed. Union générale d’Editions, 1976, Col-
lection 10-18, p. 26 Apud in: Martens. Um outro Olhar sobre Estaline. Disponível:
https://www.marxists.org/portugues/martens/1994/olhar/11.htm. Acesso em 12 de ja-
neiro de 2020.
18 Mandel, E. Inprecor, n.◦ 295, 16-29, Outubro, 1989, p. 20, Apud in: Martens.
Um outro Olhar sobre Estaline. Disponível: https://www.marxists.org/portugues/mar-
tens/1994/olhar/11.htm. Acesso em 12 de janeiro de 2020.

19
A ATUALIDADE DE STALIN

“Para onde vai a União Soviética de Gorbatchov? Excluamos, antes de


mais, a eventualidade de uma restauração do capitalismo na URSS. Da
mesma forma que o capitalismo não poder ser gradualmente suprimido,
tão pouco pode ser gradualmente restaurado.”19
Martens alertou, muito antes da queda da URSS e do socialismo de
Leste que a “democratização” fora apenas retórica que ocultava através
da desistalinização e dos ataques a Stalin a real intenção de restaurar aos
poucos o capitalismo, o que veremos neste texto adiante e, mais precisa-
mente, nas memórias do Ex-diretor da CIA Allan Dulles e que converge
com as memórias de F.D. Bobkov, Ex-chefe da KGB.
Ao contrário de Meszáros que via a desistalinização e sua retórica de
“redemocratização” como o “despertar dos líderes do partido na Hun-
gria, assim como todo o resto do Leste da Europa”, tarde demais para
ter credibilidade”20 , Martens denunciava o Conluio de Nyers, não enxer-
gando ali nenhum tipo de avivar político, mesmo que tardio, como o visto
por Meszáros que enxergava positivamente o resgate de Lukacs e sua obra
“O presente e o futuro da democratização”. Martens, pela defesa da li-
nha Leninista e a consequente defesa da obra de Stalin, pôde perceber
desde cedo o quão pelegas e ingênuas, ou mal intencionados, foram os
que defenderam a desistalinização. Assim sobre Nyers ele dizia:
Que o senhor Nyers vá perguntar aos trabalhadores brasileiros, me-
xicanos, argentinos, zairenses e filipinos como os imperialistas “aju-
dam” estes países a “evitar a crise financeira”. Quando lhe pergun-
tam se não se trata de uma ingerência, Nyers responde:
Não, absolutamente. A democratização política e a instauração de
uma economia de mercado relevam do nosso interesse nacional. Apro-
vei totalmente o senhor Bush quando ele sublinhou que os EUA se
interessam pelos direitos humanos, mas são neutros no que diz res-
peito aos nossos assuntos políticos internos.
É preciso estar possuído por uma paixão doentia pelos Estados Uni-
dos para ousar afirmar, conhecendo as atuações dos americanos con-
tra Cuba e contra a Nicarágua, que a CIA é “neutra” no que respeita
aos assuntos internos dos países socialistas. Congratular-se com o in-
teresse dos americanos pelos “direitos humanos” é também cínico:
os dirigentes americanos reservam a defesa dos “direitos humanos”
apenas aos reacionários aptos a prestarem-lhes serviços. 21

19 Mandel: Ou va l’URSS de Gorbatchev? Ed. La Brèche, Montreuil, 1989, pp. 20 e 23


20 Mészáros, I. Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo. 2011. Pag. 348.
21 MARTENS. L. A URSS, a contrarrevolução de veludo e outros escritos. São Paulo: Edições

Ciências Revolucionárias. Pag. 485.


20
KLAUS SCARMELOTO

Por outro lado, os Eurocomunistas, seguiram a mesma lógica da der-


rota, Sobre isso dizia José Paulo Netto, a quem à época foi um defensor
tanto do planejamento como do governo Gorbatchov: “Carlos Nelson viu
com simpatia a tentativa de autorreforma de Gorbatchev”22 . José Paulo
Netto, um Luckasciano, reproduziu esse apoio:
Por isto, independentemente até dos desdobramentos internos da
modernização socioeconômica que está em curso na União Soviética,
a significação do empenho do núcleo dirigente liderado por Gorbat-
chev se dimensiona como um fundamental aporte para a renovação
dos esforços de todos os que apostam na invenção e na realização de
uma nova socialidade. O que, a meu juízo, revela que permanece vivo
o fascínio vermelho da chama acesa em Outubro, há setenta anos.23
Mas, a verdade, é que nada disso se tratou de renovação ou revolu-
ção como acreditaram os incautos. A julgar pelos dados posteriores a
queda do socialismo não aconteceu nenhuma revolução. Pelo contrário,
um retrocesso enorme ocorreu nos países que compunham a antiga URSS
e as ex-democracias populares no Leste Europeu. Os problemas do ca-
pitalismo, como desemprego, o vício em drogas, e o aumento drástico
da desnacionalização, desindustrialização, o entreguismo, a dependên-
cia dos EUA ou UE, que controlam toda a produção dessas nações foi e é
uma constante, juntamente a uma queda sem igual em cada PIB de cada
república. Vamos aos fatos:
As multinacionais são donas da Romênia e da Hungria. O economista
Jacques Nagels falou de um capitalismo selvagem na Hungria. Só em
parte é verdade:
o essencial do capital nacional passará para as mãos das multinacio-
nais, caindo o restante no regaço dos exploradores húngaros que serão
chamados de “selvagens”. Desde janeiro de 1989, três leis determinam
o novo curso capitalista na Hungria. A primeira permite criar socie-
dades anônimas, empregando até 500 trabalhadores. A segunda dá luz
verde a participações estrangeiras maioritárias e à exportação de lucros
em divisas. A terceira regulamenta a privatização das empresas do Es-
tado. (Intermédiaire, 11 de setembro de 1989, p. 31. ) Pouco depois,
a firma Ganz, importante fabricante de material ferroviário, passa para

22 Netto, j. Breve Nota de um Marxista Convicto e Confesso. Disponível em: <expressaopo-


pular.com.br/loja/wp-content/uploads/2020/09/carlos-nelson-coutinho.pdf>. Acesso em
3 de janeiro de 2021. Pag. 51.
23 Netto, J, P. Projeto Gorbatchev: mudança ou continuidade? Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S0102-64451987000300002>.
Acesso em 3 de janeiro de 2021.
21
A ATUALIDADE DE STALIN

mãos britânicas e 49,65% das ações da Tungsram AG, fabricante de lâm-


padas eléctricas, são adquiridos pela Girozentrale austríaca. Comentário
de Kalman Mizsei, economista húngaro: Se metade de uma das maiores
e mais avançadas empresas pode ser comprada por 110 milhões de dó-
lares, a Alemanha Federal pode comprar todo o país. (The Wall Street
Journal, 28 de setembro de 1989, “Knocking of Hongrie on Door...”)
O secretário-geral da Câmara de Comércio húngara, Peter Lorincze,
estima que 25% da indústria húngara pode passar para mãos estrangeiras,
“o que é mais ou menos o rato de antes da guerra”. ( Ibidem.). Em nome
da autogestão, 80% das empresas húngaras são dirigidas, desde 1984, e,
portanto, sob Kadar, por conselhos de empresa, cujos membros agem de
fato como acionistas privados. Nos primeiros onze meses de 1989, 40
empresas importantes foram vendidas pelas suas direções “autogestioná-
rias” a investidores estrangeiros. (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 20 de
dezembro de 1989, “In Ungarn Widerstand...”)
E para as necessidades da reconquista da Europa de Leste, a Comu-
nidade Europeia criou de urgência um “banco de desenvolvimento dos
países de Leste” —Tratou-se do Banco Europeu para a Reconstrução e o
Desenvolvimento (BERD), criado em 1991 para financiar as privatizações
e outras transformações econômicas nos países da antiga União Sovié-
tica e do bloco socialista do Centro e Leste europeu— com um capital de
11 mil milhões de ECU. (ECU: iniciais inglesas de European Currency
Unit (Unidade Monetária Europeia), moeda criada em 1999 pela União
Europeia e substituída pelo Euro em 2002, que servia apenas para transa-
ções entre bancos, nunca tendo sido emitidas valores em papel ou metal)
Jacques Attali, braço direito do muito socialista senhor Mitterrand, foi o
seu presidente. “A crer no primeiro relatório dos peritos, será possível
estabelecer créditos da ordem dos 1,1 a 2,2 mil milhões de dólares, es-
sencialmente para financiar investimentos privados”(Echo de la Bourse,
8 de dezembro de 1989.).
Mas, para dirigir a mudança na Polônia e na Hungria, a Europa cha-
mou o Fundo Monetário Internacional, melhor perito na matéria, mais
rodado na preparação dos “planos de reestruturação” e nos “planos de
salvamento” que semeiam a miséria, a mais desumana indigência, a morte
na África e na América Latina. E, efetivamente, os carniceiros do FMI
foram já colocados no trono pela direita polaca e húngara. Destruir os se-
tores socialistas e reintroduzir o reino das multinacionais, eis a tarefa exal-
tante, decerto, mas completamente nova para os wonderboys (Em inglês
no original, wonderboy significa rapaz prodígio ) americanos do FMI. O

22
KLAUS SCARMELOTO

Fundo Monetário Internacional nunca teve de dirigir a transição de um


comunismo de estilo soviético para o capitalismo baseado no mercado.
De fato, 90% da indústria polaca eram propriedade do Estado. Não é
claro o modo como privatizações tão amplas puderam ser postas em prá-
tica.(Radio Free Europe Research Background report 186, 10 de outubro
de 1989, p. 4-5.)
A população ativa da Polônia era de 17 milhões à época dos fatos.
“Jerzy Osiatynski, chefe do Gabinete Central de Planeamento, declarou
que o governo se preparava para colocar em circulação senhas de alimen-
tação para os pobres, estimados em quatro milhões”. (Radio Free Europe,
weekly records of events, 5-11 de outubro de 1989, p. 15.).
Segundo as estatísticas de agosto de 1989, a produção da indústria ali-
mentar caiu quase 26% relativamente a agosto de 1988.(Ibidem, p. 14.)
O controle dos preços foi eliminado e a inflação ultrapassa os 50% por
mês. Segundo o Die Zeit, o fosso entre ricos e pobres cresce de modo
inquietante. As primeiras escolas privadas fizeram a sua aparição: a des-
pesa média por criança representa um quarto do rendimento médio (Die
Zeit, 10 de novembro de 1989.). Na Romênia, a direita quer conquistar
a “liberdade” e o “Estado de direito” que a sua contraparte polaca acaba
de obter: a “liberdade de empresa” e a “proteção da propriedade pri-
vada” estão já inscritas na nova constituição da Polônia burguesa.(Echo
de la Bourse, 3 de janeiro de 1990.) E que oferece este capitalismo de
última colheita em matéria de erradicação da miséria? Skubizsewski, mi-
nistro dos Negócios Estrangeiros polonês, um íntimo dos nossos dirigen-
tes sociais-cristãos, acaba de declarar: “As medidas que o governo deve
tomar serão muito severas para a população. Falei da possibilidade de ver
os rendimentos reais reduzidos de 20 a 30% ”. (La Libre Belgique, 15 de
dezembro de 1989)
O Echo de la Bourse torna o sentido que a palavra “revolução” terá
para os trabalhadores. “Para jugular a hiperinflação (900% em 1989), o
governo aposta em uma séria redução da procura e do consumo. Ofici-
almente, o nível de vida dos polonês deve descer 20% , mas numerosos
economistas referem em privado 40% ”. Imaginem que o abjeto ditador
Ceausescu, o “vampiro dos Cárpatos”, ávido da miséria popular, tivesse
querido diminuir os rendimentos reais em 40% ! Hoje, contribuímos com
o nosso tablete de chocolate para suavizar a miséria; amanhã ficaremos
a saber que o FMI, consolidada a sua experiência de vanguarda na Polô-
nia, pretenderá reduzir em um quarto o consumo dos romenos. Ontem,
quando pilares do enfermiço socialismo estavam de pé na Polônia, o So-

23
A ATUALIDADE DE STALIN

lidarnosc ameaçava fazer a “revolução” perante aumentos de preços de


50% . Hoje, com a liberdade econômica entregue aos empresários, o So-
lidarnosc faz multiplicar por sete o preço do carvão de uso doméstico,
aumenta em 500% o preço do aquecimento central, da água quente, da
eletricidade e do gás doméstico.24
O PIB Russo de Segundo Lugar foi para décimo. Os países de Leste
também tiveram sua queda abaixo dos dez maiores. Isso não nos permite
chamar essa premissa de “revolução”. As razões da desaceleração da eco-
nomia da União Soviética foram objeto de um estudo aprofundado pelos
autores norte-americanos Roger Keeran e Thomas Kenny, no seu livro
Socialismo Traído. Notando que as taxas de crescimento mais rápidas
foram alcançadas entre 1929 e 1953, “quando a direção soviética defen-
dia firmemente a planificação central e suprimiu as relações de mercado
anteriormente toleradas durante a NEP de 1921-1929”25 , os dois autores
constatam que a partir da época de Khrushchev, “o crescimento econô-
mico passou de 10 a 15% ao ano para apenas 5, 4, 3% . Paralelamente,
sublinham que “a atividade econômica privada (...) emergiu com uma
nova vitalidade no tempo de Khrushchev, floresceu com Brejnev e em
muitos aspectos substituiu a economia socialista primária no tempo de
Gorbatchov e de Yeltsin”26 . De tal modo que, “no final da década de
70, a população urbana (que constituía 62% da população total) ganhava
cerca de 30% do seu rendimento total a partir de fontes não oficiais, ou
seja, da atividade privada quer legal quer ilegal”27 E finalmente consta-
tam que “nas últimas três décadas e meia de existência da URSS, quanto
mais se introduziam relações de mercado e outras reformas (. . . ) mais
as taxas de crescimento econômico a longo prazo decresciam”. Esta re-
lação de causalidade torna-se ainda mais evidente se tivermos em conta
que a economia privada na URSS, a chamada “economia paralela”, neste
último período da URSS, não podia desenvolver-se senão à custa e em
claro prejuízo da economia socialista e da propriedade social28 .
Desse balanço podemos concluir, sem medo algum, que Stalin serviu
e serve de bode expiatório tanto aos anticomunistas de esquerda como
aos de direita. Ao grupo dos antistalinistas de “esquerda”, Stalin serve

24 Martens, L. A URSS, a Contrarrevolução de Veludo e outros escritos. São Paulo: Edições


Ciências revolucionárias. Pag. 135, 136, 138, 144 e 145.
25 Ibidem. KEERAN, Roger; THOMAS, Kenny. O Socialismo Traído – Por Trás do Colapso

da URSS, Lisboa: Avante, 2008. Pag. 28


26 Idem. Ibidem.
27 Idem. Ibidem.
28 Idem. Ibidem.

24
KLAUS SCARMELOTO

de justificativa ao fracasso de suas empreitadas, ou ao menos, Stalin e


os “Stalinistas”, são os “culpados” pelo fracasso, ainda que sem qualquer
hegemonia na ordem presente. A direita, por outro lado, atua de duas
formas. A primeira consiste em utilizar Stalin como meio de difamar o
comunismo e, assim, criar um espantalho que gera medo em tempo inte-
gral no povo, os tratando como aves estúpidas. A segunda forma reside
na defesa do capitalismo ainda que de maneira passiva, admitindo suas
ineficiências e desigualdades, mas afirmando que o socialismo é pior, e
o exemplo, adivinhem? Stalin! Por vezes a direita nem se preocupa em
negar os milhões de mortos do capitalismo e fazer a sua defesa ativa, pelo
contrário, prefere, sem cientificidade alguma, colocar o socialismo como
sistema mais genocida de todos. Para ela é mais importante falar da es-
querda do que de si.
Assim, esse medo criado em torno de Stalin, visa controlar as emo-
ções e comportamentos de diferentes extratos da população e gerar os
seguintes efeitos: na esquerda a autofobia29 revolucionária e nos demais
extratos o medo da guerra e do genocídio. A autofobia revolucionária
consiste na aversão de si da esquerda, isto é, no medo que a esquerda
possui de realizar o seu papel histórico custe o que custar, deixando de
lado ou em segundo plano as verdadeiras e reais armas. Ela ocorre com
sucesso toda vez que se esquece que a arma da crítica perece pela crítica
das armas. A autofobia normalmente a é sinônimo de capitulação e de re-
núncia a uma identidade livre. A autofobia remove a liberdade daqueles
que sofreram grandes derrotas históricas, fazendo com que o derrotado
se comporte como uma cobra que devora o próprio rabo, efetivando a cha-
mada dialética de cronos ou saturno30 que consiste na autodestruição. A
consequência da autofobia é a fuga da missão histórica que desce goela
abaixo devido a desemancipação humana e a retomada do projeto colo-
nial. Nos demais extratos da população, mais suscetíveis a pílula azul,
a fobia de Stalin cria o medo da repressão, que mantém a maioria dos

29 LOSURDO, D. Fuga Da História? A Revolução Russa E Chinesa Vistas De Hoje. Rio de


Janeiro: revan. Pag. 13, 14-15.
30 A dialética de cronos ou de saturno representa o retrocesso, significa o passado consumindo

o presente e, acima de tudo, um grupo se autodestruindo. A história de Cronos — Saturno


na mitologia romana — comendo seus filhos também foi interpretada como uma alegoria
a um aspecto específico do tempo mantido na esfera de influência de Cronos. De acordo
com essa teoria, Cronos representou a devastação destrutiva do tempo que consumiu todas
as coisas, um conceito que foi expresso literalmente quando o rei Titã devorou os deuses
do Olimpo — o passado consumindo o futuro, a geração mais velha suprimindo a próxima
geração. A mentira sobre o passado de Stalin leva a desunião e impede o rumo correto para
o futuro. Aqueles que não caíram nessa armadilha se encontram vitais e fortes.

25
A ATUALIDADE DE STALIN

povos na caverna da alegoria de Platão. Sem um bode expiatório, um


líder tirânico, sem a lenda de um supradeus demoníaco, a dominação
imperialista não seria possível. A desistalinização, portanto, consistiu no
período histórico que se encontra entre o socialismo e a restauração do
capitalismo e dela depende a criação de um demiurgo maligno para com-
pletar a transição. O presságio dela consiste, basicamente, na negação dos
princípios do Leninismo, ou da filosofia dele derivada seja o maoismo, o
Juche e etc., e sem esse presságio anunciado, torna-se difícil definir que
o capitalismo está em processo de restauração. Se o socialismo compõe o
período de transição ao comunismo e o estado operário a transição para
o socialismo, a desistalinização é uma forma de transição para o retorno
ao capitalismo.

Um pouco sobre o mito do holodomor e a


coletivização
As farsas inerentes a política de coletivização constituem parte das
armas preferidas da burguesia na guerra híbrida contra a União Sovié-
tica. É importante analisar as engrenagens de uma das mentiras mais
“conhecidas” e revindicadas, a do holocausto cometido por Stálin con-
tra os ucranianos. Esta calúnia, brilhantemente elaborada, deve-se ao
“intelecto” de Hitler. No seu principal complexo de mentiras o Mein
Kampf, escrito em 1926, já havia revindicado a Ucrânia como acessório
do “lebensraum” [espaço vital] alemão. A propaganda empreendida pe-
los nazistas no período de 1934-1935, sobre o “genocídio” bolchevique
na Ucrânia, visava forjar o sentimento antissoviético para fazer da ucrâ-
nia uma colônia alemã. Mas, a pergunta central que permanece é por
que esta mentira permaneceu, mesmo após a queda do Nazismo? Sim-
ples: os liberais se apossaram dela e ela se tornou uma arma, sobretudo,
estadunidense.

Os artigos na imprensa de Hearst sobre os milhões de mortos de


fome na Ucrânia que tinha sido “provocada pelos comunistas” eram
detalhados e terríveis. A imprensa de Hearst utilizou tudo ao seu al-
cance para fazer da mentira realidade, provocando a opinião pública
nos países capitalistas a voltar-se fortemente contra a União Soviética.
Assim se originou o primeiro grande mito dos milhões de mortos na
União Soviética. Na vaga de protestos contra a fome “provocada pe-
los comunistas” que se seguiu na imprensa ocidental ninguém quiz
escutar os desmentidos da União Soviética, sendo o completo des-

26
KLAUS SCARMELOTO

mascaramento das mentiras da imprensa de Hearst em 1934, adiado


até 1987! Durante mais de 50 anos e na base destas calúnias, várias
gerações de pessoas em todo o mundo foram levadas a formar uma
visão negativa do socialismo e da União Soviética31 .
As menores baixas datadas ainda nos anos 30 “vêm de jornalistas ame-
ricanos colocados em Moscovo e conhecidos pelo seu rigor profissional,
Ralph Barnes, do New York Herald Tribune, e Walter Duranty, do New
York Times. O primeiro fala de um milhão, o segundo de dois milhões
de mortos pela fome”32 .
Ademais, Houvera diversas crises, ou cataclismos de fome no decor-
rer da história russa, isso é um fato rotineiro em toda história humana,
a revolução francesa que o diga, nascestes de diversas crises agrárias so-
madas a má gestão feudal e sua crise financeira. Na história da Rússia,
foram mais de 100 crises sofridas de fome em seus mais de 1000 anos de
existência histórica registrada, e não houve exceção em nenhuma, todas
resultaram de desastres naturais que aniquilaram as plantações e reduzi-
ram drasticamente a produção agrária durante esses anos de fome. Como
demonstra o trabalho historiográfico de Mark Tauger, doutor especiali-
zado nas crises agrárias da Rússia e também um especialista na geologia,
agronomia, as fomes durante o período citado, não fugiram a essa lógica.
Sobre as rebeliões camponesas, Tauger também desmistifica a ideia
de levante massivo, como Zemskov o fez nos anos 1990. Houve levantes
reais, mas foram minoritários. Em massa a política de Stalin e do par-
tido foram aceitas, até mesmo pela grande burguesia agrária, boa parte
das forças rurais entenderam a importância essencial de erradicar com as
crises de fome, como propunha a coletivização: “E no auge da crise, os
camponeses demonstraram repetidamente sua capacidade de colocar de
lado suas objeções, de superar a adversidade, mesmo com grande custo,
e de produzir colheitas que acabaram com a fome.”33 , e como de fato ela
o cumpriu. Alguns relatos de pessoas que viveram nesta época também
corroboram essa tese. O relato do cidadão Aleksander Zinoviev
“Quando ia regularmente à minha aldeia, e também mais tarde, per-

31 SOUSA, MARIO. MENTIRAS SOBRE A HISTÓRIA DA URSS. Disponível em: <


http://www.mariosousa.se/mentirassobreahistoriadauniaosovietica.html> . Acesso em 20
de maio de 2020.
32 MARTENS, L. STALIN UM NOVO OLHAR. DISPONÍVEL EM < https://www.mar-

xists.org/portugues/martens/1994/olhar/09.htm>. Acesso em 20 de maio de 2020.


33 TAUGER,. Stalin, Soviet Agriculture and Collectivization. Disponível em:
<https://drive.google.com/drive/folders/18MVgSN1uC1xknFdRyp1xoJSQHAwAkteY>.
Acesso em 20 de maio de 2020.

27
A ATUALIDADE DE STALIN

guntei muitas vezes à minha mãe e a outros kolkhozianos se aceita-


riam retomar uma exploração individual caso lhes fosse dada essa
possibilidade. Todos sempre me responderam com uma recusa cate-
górica. [...] Esta transformação extremamente rápida da sociedade
rural forneceu ao novo sistema um apoio colossal nas grandes massas
da população.”34
O professor de história Mark Tauger afirma que a safra de 1932 foi
30-40% menor do que a média e que a fome foi “o resultado de um fra-
casso da crise dos grãos”, não “uma política de nacionalidade”, “bem-
sucedida”, contra ucranianos ou outros grupos étnicos”. No artigo de
1991 “The 1932 Harvest and the Famine of 1933”, escreve:
Publicações no lado oeste do mundo e até soviéticas inferiram a fome
de 1933 na União Soviética “originada pelo homem” ou “artificial”.
[....] Os apoiadores dessa corrente afirmam, valendo-se de estatís-
ticas oficiais soviéticas, que a safra de grãos de 1932, sobretudo na
Ucrânia, não foi deficientemente escassa e levou alimentos aos sovié-
ticos. [....] Arquivos inéditos demonstraram: a colheita de 1932 foi
significativamente ínfima ao contrário da suposição geral e, por isso,
necessitam de uma revisão da interpretação do genocídio. O enfra-
quecimento da safra de 1932 acentuou o agravar da severa escassez
de alimentos geral na União Soviética que se inicia ainda em 1931 e,
embora o governo tenha reduzido essencialmente as exportações de
grãos para tentar evitar o problema, fome se tornou não só provável,
mas inevitável, em 1933. [....] Deste modo, em relação a Ucrânia,
a área oficial semeada (18,1 milhões de hectares) foi diminuída pela
fração da área semeada efetivamente colhida (93. 8% ) para uma
área colhida bem menor de 17 milhões de hectares e multiplicada
pelo rendimento médio (aproximadamente 5 centners) fornecendo
uma colheita total de 8,5 milhões de toneladas, ou um pouco menos
de 60% dos 14,6 milhões de toneladas oficiais. [....].35
Tauger criticou a metodologia de Davies e Wheatcroft em um artigo
de 2006. Esses historiadores partem de falsificações. Na edição de 2009
de seu livro, Davies e Wheatcroft se desculparam por um erro em cál-
culos do rendimento [de grãos] de 1932, o que ainda da mais razão a

34 MARTENS, L. STALIN UM NOVO OLHAR. DISPONÍVEL EM <https://www.mar-


xists.org/portugues/martens/1994/olhar/09.htm>. Acesso em 20 de maio de 2020.
<https://drive.google.com/drive/folders/18MVgSN1uC1xknFdRyp1xoJSQHAwAkteY>
35 Tauger, Mark (1991). ”The 1932 Harvest and the Famine of 1933”. Slavic Review. 50

(1): 70–89. doi:10.2307/2500600. JSTOR 2500600. Disponível em: https://drive.goo-


gle.com/drive/folders/18MVgSN1uC1xknFdRyp1xoJSQHAwAkteY. Acesso em 20 de maio
de 2020.

28
KLAUS SCARMELOTO

Tauger, e colocam a discussão a termos quantitativos e sem embasamento


ou fontes36 .

A Revolução industrial de Stalin


A industrialização na União Soviética foi um processo de construção
acelerada do potencial industrial da União Soviética para reduzir o atraso
da economia em relação aos estados capitalistas desenvolvidos, que ocor-
reu de maio de 1929 a junho de 1941.
A tarefa oficial da industrialização era a transformação da União So-
viética de um estado predominantemente agrário em um importante es-
tado industrial. O início da industrialização socialista como parte in-
tegrante da “tripla tarefa de uma reorganização radical da sociedade”
(industrialização, centralização econômica, coletivização da agricultura
e uma revolução cultural) foi estabelecido pelo primeiro plano de cinco
anos para o desenvolvimento da economia nacional durando de 1928 a
1932.
Nos tempos soviéticos, a industrialização foi considerada um grande
feito. O rápido crescimento da capacidade de produção e do volume de
produção da indústria pesada (4 vezes) foi de grande importância para
garantir a independência econômica dos países capitalistas e fortalecer a
capacidade de defesa do país. Nesta época, a União Soviética fez a tran-
sição de um país agrário para um industrial. Durante a Grande Guerra
Patriótica , a indústria soviética provou sua superioridade sobre a indús-
tria da Alemanha nazista. [2]Desde o final da década de 1980, discus-
sões sobre o preço da industrialização têm ocorrido na União Soviética
e na Rússia, que também questionam seus resultados e consequências de
longo prazo para a economia e a sociedade soviéticas. No entanto, nin-
guém nega o fato de que as economias de todos os estados pós-soviéticos
ainda funcionam às custas da base industrial que foi criada no período
soviético. Stalin sobre isso infere:
Os resultados dos planos quinquenais mostraram que o sistema de
economia capitalista é frágil e instável, que já está desatualizado e que
é necessário deixar seu lugar para outro melhor: o sistema econômico

36 Tauger, Mark (2006). ”Arguing from errors: On certain issues in Robert Davies’ and
Stephen Wheatcroft’s analysis of the 1932 Soviet grain harvest and the Great Soviet famine
of 1931-1933”. 58 (6). Europe-Asia Studies: 975. doi:10.1080/09668130600831282. Dis-
ponível https://drive.google.com/drive/folders/18MVgSN1uC1xknFdRyp1xoJSQHAwAk-
teY. Acesso 20 de maio de 2020.

29
A ATUALIDADE DE STALIN

socialista soviético. O único sistema econômico que não teme crises e


está aberto a superar dificuldades insolúveis ao capitalismo é o sistema
econômico soviético”37
O resultado da produção em larga escala da URSS em 1936 foi igual
a 80,9 bilhões de rublos, ultrapassando o nível de 1929 em 3,8 vezes e o
nível de 1913 em 7,3 vezes.
Em 1929, o mundo capitalista atingiu o mais alto nível de produção
industrial durante todo o período pós-guerra até a última crise mundial.
Em consequência desta crise econômica global, a produção dos países
capitalistas decaiu, em 1932, em até 63% do nível de 1929 e permaneceu
7,6% menor do que nível de 1913.
No ano de 1936 a produção industrial dos países capitalistas ainda não
havia retornado ao nível de 1929, apresentando apenas 95,4% do volume
produtivo antes da crise.
Somente em 1936 – primeiro ano do movimento stakhanovista – a
produtividade do trabalho da indústria de larga escala cresceu em 21%
, e na indústria pesada, nas profundezas das quais nasceu o movimento
de Stakhanov, 26% . A produção por um único trabalhador, em termos
físicos, aumentou significativamente em certas indústrias. 38
Durante o primeiro plano quinquenal, a brilhante jornalista residente
na URSS durante a era Stalin, Anna Louise Strong, trabalhando no jornal
soviético “Notícias de Moscou”, saiu em expedição nacional percorrendo
o país de ponta a ponta fiscalizando e cobrindo as notícias sobre a indus-
trialização, em suas memórias ela disse sobre o milagre:
“Na indústria de tratores de Khárkov havia um problema. Ela foi reali-
zada ”fora do plano”. [Em 1929], os camponeses deram cabo às atividades

37 J. STALIN “Questões do Leninismo”, Edições Progresso, Moscou.pág. 512, 10ª Edição.


Apud in:. União Soviética, uma poderosa potência Industrial. Disponível: <https://oj-
crb.wordpress.com/2020/09/04/urss-a-poderosa-potencia-industrial/>. Acesso em 20 de
novembro de 2020. Tradução do texto a seguir é uma tradução do russo para portu-
guês, adaptada do capítulo ``СССР – Могущественная индустриальная держава`` (União So-
viética, uma poderosa potência industrial), pertencente ao livro “20 лет Советской власти:
Статистический сборник (цифровой материал для пропагандистов)'' (20 anos do poder sovié-
tico – Uma Coletânea Estatística), publicado em 1937 pela editora ПАРТИЗДАТ ЦК ВКП
(б) (Editora Oficial do Partido Comunista da URSS). Esta tradução, realizada por Matheus
‘Gusev’ Pereira Jorge, integrante da Organização Jovens Compatriotas Russos no Brasil
(OJCRB), possui cunho totalmente histórico e científico, tendo como finalidade o auxílio a
pesquisadores do período e economia soviética.
38 Tradução: GUSEV, M. União Soviética, uma poderosa potência Industrial. Disponível:

<https://ojcrb.wordpress.com/2020/09/04/urss-a-poderosa-potencia-industrial/>. Acesso
em 20 de novembro de 2020.

30
KLAUS SCARMELOTO

coletivas mais rapidamente do que o previsto. Não era possível satisfazer


a procura de tratores. “Khárkov, gloriosamente ucraniana, opta por edi-
ficar sua própria indústria fora do plano. Toda matéria prima necessária:
o aço, os tijolos, o cimento e, também, a força de trabalho dispostas já es-
tavam alocadas por cinco anos. Khárkov só obterria o aço de que necessi-
tava se apelasse para algumas empresas siderúrgicas a produzirem ”mais
do que o planejado”. ”Para compensar a falta de mão de obra, dezenas
de milhares de pessoas, empregados, estudantes, professores, faziam tra-
balho voluntário durante os seus dias livres. “Todas as manhãs, às seis e
meia, víamos chegar um comboio especial”, dizia M. Raskin, engenheiro
americano destacado em Khárkov. “Vinham com bandeiras e charangas,
todos os dias chegava um grupo diferente, mas eram sempre alegres”.
Metade do trabalho não especializado foi efetuada por voluntários.”39
Mesmo Khruschov, durante seu ataque covarde em 1956, admitia a
brilhanteza da industrialização Staliniana no plano quinquenal. Em sua
visão jamais em toda a história um tal progresso foi realizado tão rapi-
damente. No decorrer do ano de 1929, ano que iniciou o plano quin-
quenal, a alegria proletária das massas trabalhadoras era tanta que um
antigo especialista industrial, anticomunista ferrenho, que odiou a revo-
lução bolchevique, foi forçado a admitir que o país estava inidentificavel.
Tratava-se do velho doutor Emile Joseph Dillon que residiu na Rússia de
1877 a 1914 lecionando em diversas universidades russas. Quando aban-
donou a Rússia, em 1918, afirou: “No movimento bolchevique não há
sinal de uma ideia construtiva ou social. O bolchevismo é o czarismo ao
contrário. Impõe aos capitalistas tratamentos tão maus quanto aqueles
que eram reservados pelos czares aos seus servos.”40 No entanto, no de-
correr do retorno de Dillon à Rússia, praticamente dez anos depois, o
espanto é bastante exuberante, o velho professor chega a duvidar do que
viu:
“Por toda parte o povo pensa, trabalha, organiza-se, faz descobertas ci-
entíficas e industriais. Nunca se testemunhou nada de semelhante, nada
que se lhe aproximasse na variedade, na intensidade, na tenacidade com
que os ideais são perseguidos. O ardor revolucionário consegue demover
obstáculos colossais e fundir elementos heterogêneos num único grande
povo; com efeito, não se trata de uma nação, no sentido do velho mundo,
mas de um povo forte, cimentado por um entusiasmo quase religioso.

39 STRONG, Anne. The Stalin Era. Mainstream Publishers: New York, 1956. Pag. 33, 28-29
Disponível em: <http://209.151.22.101/Journalists/Strong-AL/TheStalinEra-AL-Strong-
1956.pdf>. Acesso em 20 de Fevereiro de 2020.
40 MARTENS, Ludo. Stalin um novo olhar. Rio de Janeiro, Revan, 1994. Pag 65.

31
A ATUALIDADE DE STALIN

Os bolcheviques têm realizado muito do que proclamaram e mais do que


parecia realizável por qualquer organização humana nas difíceis condi-
ções em que têm operado. Mobilizaram mais de 150 milhões de seres
humanos apáticos, mortos-vivos, e insuflaram-lhes um espírito novo.”41
Ainda em 1929, os efeitos da coletivização eram sentidos de longe, os
soviéticos alcançaram um tamanho e uma prosperidade imprevisível até
mesmo para os idealizadores. Os números aumentavam, mostrando que
na URSS não havia, naquele período, contradição entre as forças produ-
tivas e as relações de produção. A fábrica de tratores de Khárkov, estava
longe de ser a única que prosperava no plano quinquenal. A fábrica Pu-
tílov, de Leningrado, havia produzido 1.115 tratores no decorrer de 1927
e 3.050 em 1928. Após intensas discussões por parte dos trabalhadores
na fábrica foi deliberado um plano de produção de dez mil tratores para
1930! Foram entregues exatamente 8.935. O chamado milagre da revo-
lução industrial de Stalin, numa década foi, na realidade, direcionado
pelas transformações socialistas que se produziram nos âmbitos rurais
mais arcaicos, porém, pelo aumento da ameaça de guerra, que fez os tra-
balhadores, apesar da redução da carga horária para 7 horas diárias de
trabalho, priorizarem a industria pesada.
Em 1942, a região industrial dos Urais torna-se o coração da resis-
tência soviética. As suas minas, fábricas, entrepostos, os seus campos e
florestas fornecem, ao Exército Vermelho, enormes quantidades de ma-
terial militar e todos os produtos necessários ao abastecimento das divi-
sões motorizadas de Stalin. No centro da imensa Rússia, um quadrado
de 800 quilômetros continha imensas riquezas em ferro, carvão, cobre,
alumínio, chumbo, amianto, magnésio, potássio, ouro, prata, zinco e pe-
tróleo. Antes de 1930 estes tesouros mal haviam sido explorados. Nos
dez anos seguintes construíram-se fábricas que não tardaram a entrar em
atividade. Tudo isso deveu-se à sagacidade política de Stálin, à sua perse-
verança e tenacidade. Conseguira quebrar toda a resistência à realização
do seu programa, não obstante as despesas fantásticas e as dificuldades
inauditas que surgiram. A sua prioridade era criar um potencial indus-
trial pesado. Situou-o nos Urais e na Sibéria a milhares de quilômetros
da fronteira mais próxima, fora do alcance de qualquer inimigo. Por ou-
tro lado, a Rússia precisava de tornar-se independente do estrangeiro em
quase todo o tipo de fornecimentos, desde borracha e produtos químicos
a ferramentas, tratores, etc.. Deveria produzir tudo isso sozinha, asse-
gurando assim sua independência técnica e militar. Bukhárin e vários

41 Idem. Ibidem. Pag 65-66.

32
KLAUS SCARMELOTO

outros antigos bolcheviques não eram desta opinião. Antes de se lan-


çar um programa de industrialização a todo o transe, queriam assegurar
o abastecimento do povo. Um após outro, estes dissidentes serão reduzi-
dos ao silêncio. A opinião de Stálin prevalecerá. Em 1932, são destinados
56 por cento do rendimento nacional russo para estas grandes despesas.
Tratava-se de um esforço financeiro extraordinário. Nos Estados Unidos,
70 anos antes, o investimento nas grandes empresas industriais represen-
tava apenas 12 por cento do rendimento nacional anual. A maior parte do
capital era fornecida pela Europa, enquanto a China, a Irlanda, a Polô-
nia etc., exportavam a mão de obra. A indústria soviética foi criada quase
sem recurso ao capital estrangeiro.42
A vida rígida, exigia muitos os sacrifícios da industrialização por parte
da maioria dos trabalhadores que estavam conscientes e convictos de seu
papel histórico. Insistiam no esforço, realizavam-no pela causa do soci-
alismo, da libertação da humanidade, por um amanha mais digno, livre
para toda humanidade. Hiroaki Kuromiya, um dos maiores especialistas,
no ocidente, na história da industrialização soviética acrescenta:
Por paradoxal que possa parecer, a acumulação forçada não era ape-
nas uma fonte de privações e de perturbação, mas também de heroísmo
soviético. Nos anos 30, a juventude soviética protagonizou o heroísmo
no trabalho em estaleiros de construção e em fábricas como em Magni-
togorsk e em Kuznetsk. A industrialização acelerada do primeiro plano
quinquenal simbolizava o objectivo grandioso e dramático da construção
de uma nova sociedade. Num cenário de depressão e desemprego ma-
ciço no Ocidente, a marcha da industrialização soviética invocava esforços
heróicos, românticos, entusiastas e “sobre-humanos”. “A palavra entusi-
asmo, como muitas outras, foi desvalorizada pela inflação”, escreveu Iliá
Erenburg, “e, no entanto, não há outra para descrever as jornadas do
primeiro plano quinquenal; foi pura e simplesmente o entusiasmo que
inspirou os jovens para atos de bravura quotidianos e não espetaculares”.
Segundo outro contemporâneo, esses dias foram “realmente um tempo
romântico e inebriante (. . . ). As pessoas criavam com as suas próprias
mãos aquilo que antes parecia ser um sonho, e estavam convencidas de
que aqueles planos de sonho eram uma coisa absolutamente realizável”43 .

42 SCOTT, John. Au-delà de 1’Oural, Ed. Marguerat, Lausanne, 1945, pp. 244-245. Apud
in Martens, L. Stalin um novo olhar. Rio de Janeiro: Revan. Pag. 67.
43 Kuromiya. Stalin Industrial Revolution,op.cit pp. 305-306. Apud in Martens, L . Stalin um

novo olhar. Rio de Janeiro: Revan. Pag. 67.

33
A ATUALIDADE DE STALIN

A luta de classes no socialismo


A deriva pavorosa de Khruschov mostra a pertinência das ideias de
Stálin, que afirmava: a luta de classes continua no socialismo, que as for-
ças feudais e burguesas não cessam o combate para a restauração e aliam-
se aos oportunistas no seio do Partido, os trotskistas, os bukharinistas e
os nacionalistas burgueses ajudam as classes e camadas antissocialistas a
reagruparem as suas forças. Khruchov declarou que estas teses eram aber-
rantes e conduziam à arbitrariedade. Mas, em 1992, a figura maçuda do
czar Boris vestiu-se como um monumento testemunhando a justeza da
análise de Stálin.
Na realidade, a obra de Stálin mostra que a eliminação dos latifun-
diários, e dos capitalistas não significava aos seus olhos o fim da luta de
classes e da ditadura do proletariado. A escola leninista concebe a fun-
ção econômica ativa do Estado socialista como condição necessária para a
utilização das leis econômicas pela sociedade socialista, no interesse dos
trabalhadores “O Estado é necessário como órgão de defesa dos países so-
cialistas contra a agressão imperialista dos países do campo capitalista”44 .
Desenvolvendo as teses de Marx, Engels e Lenin elaborou a teoria do
Estado socialista. O socialismo, como fase primeira e inferior do comu-
nismo, representa uma sociedade tal como. “Apenas acabou de sair da
sociedade capitalista e que, por isso, em todos os sentidos, no econômico,
moral e intelectual, conserva ainda os estigmas da velha sociedade, de
cujas entranhas saiu.”45
Stalin sublinhava o perigo que surgira nas fileiras bolcheviques, quando
o Partido afirmava que se estava a caminhar para a sociedade sem classes.
Veja-se, por exemplo, a questão da construção de uma sociedade so-
cialista sem classes. A 17ª Conferência do Partido disse que estávamos
a caminhar para uma sociedade socialista e sem classes. É evidente que
uma sociedade sem classes não pode vir por naturalidade, por assim dizer.
Deve ser conquistada e construída pelos esforços de todos os trabalhado-
res - reforçando os corpos ditatoriais do proletariado, desdobrando a luta
de classes, destruindo as classes, eliminando os resquícios das classes ca-
pitalistas, em batalhas contra inimigos tanto internos como externos. O

44 Manual de Economia Política da Academia de Ciências Econômicas da URSS. Instituto de


Economia. Rio de Janeiro. Editora: Vitória, 1961. Pág. 480.
45 Manual de Economia Política da Academia de Ciências Econômicas da URSS. Ins-

tituto de Economia. Rio de Janeiro. Editora: Vitória, 1961. Disponível


em: <https://www.marxists.org/portugues/ostrovitianov/1959/manual/20.htm# i6c20>.
Acesso em 20 de Maio de 2020.
34
KLAUS SCARMELOTO

caso parece claro.


Entretanto, quem não sabe que a proclamação desta tese, clara e ele-
mentar, do leninismo produziu uma considerável confusão na mente e
sentimentos pouco saudáveis entre uma seção dos membros do Partido?
A tese sobre o nosso avanço rumo a uma sociedade sem classes, dada
como um slogan, foi entendida por eles como um processo espontâneo.
E calculam: se tivéssemos uma sociedade sem classes, então poderíamos
enfraquecer os cuidados na luta de classes, poderíamos enfraquecer a di-
tadura do proletariado e acabar com o Estado, que de qualquer modo
entraria em colapso num futuro próximo. E entraram no encanto de um
bezerro, à espera da vinda da sociedade sem classes. Isto significava que a
luta de classes acabaria em breve, o que significava que não teriam quais-
quer preocupações, o que significava que poderiam depor os braços e ir
dormir. (Risos da audiência).46
Ainda em março de 1937 Stalin insiste na ideia de que ainda existem
classes na URSS e que, portanto, a luta de classes não se cessa na transição
para o socialismo. Assim I.V. Stalin afirma exatamente:
Quanto mais avançarmos quanto mais êxitos obtivermos, tanto mais
se exasperarão os restos das classes derrotadas, tanto mais depressa adop-
tarão formas de luta mais agudas, tanto danos causarão ao Estado Sovié-
tico, tanto mais recorrerão aos mais desesperados meios de luta como os
últimos meios dos condenados.”(”Sobre as insuficiências do trabalho do
Partido e as medidas para a liquidação dos trotskistas e outros dúplices.
47

O próprio manual de economia política soviética, revisado por Stalin,


alerta quanto a essa questão nos anos 1950:
A contradição fundamental da economia do período de transição é a
contradição entre o socialismo, que nasce e ao qual pertence o futuro,

46 STALIN, J. Relatório ao XVII Congresso sobre o Trabalho do PCU(b), 26 de Janeiro


de 1934. Disponível em: <https://stalinism.ru/sobranie-sochineniy/tom-xiii/otchetnyiy-
doklad-xvii-s-ezdu-partii-o-rabote-tsk-vkpb.html>. Acesso em 20 de maio de 2020. Tra-
dução nossa. Uma possível tradução alternativa pode ser encontrada em: “fazem o se-
guinte cálculo: se estamos a caminhar para a sociedade sem classes, isso significa que
se pode atenuar a luta de classes, abrandar a ditadura do proletariado e, em geral,
acabar com o Estado, que, de qualquer forma, deverá desaparecer nos próximos tem-
pos. E ficam extasiados na expectativa de que em breve não haverá classes, o que sig-
nifica que não haverá luta de classes, o que significa que podemos depor as armas,
deitarmo-nos e adormecer à espera do advento da sociedade sem classes”. Disponível:
<https://www.marxists.org/portugues/martens/1994/olhar/11.htm# tr37>.
47 Informe ao Plenário do CC do PCU(b), 3 de Março de 1937, in V.I. Stáline, Obras, Izdá-

telstvo Pissátel, 1997. tomo 14, pág. 165.,

35
A ATUALIDADE DE STALIN

mas nos primeiros tempos ainda é débil, e o capitalismo derrocado, mas,


inicialmente ainda forte, possuindo raízes na pequena economia mercan-
til e representando o passado. Em todos os terrenos da vida econômica,
no período de transição, desenvolve-se a luta entre o socialismo e o capi-
talismo, segundo o princípio: “Quem vencerá a quem?”. Entre a classe
operária e as massas fundamentais do campesinato, por um lado, e a bur-
guesia, por outro, existem contradições antagônicas, inconciliáveis. No
período de transição, o Estado proletário promove, desde o início, uma
política de limitação e deslocamento dos elementos capitalistas e, em se-
guida, uma política de integral liquidação das formas capitalistas de eco-
nomia. É inevitável, no período de transição, o agravamento da luta de
classes do proletariado e das massas trabalhadoras contra a burguesia,
que resiste a construção socialista. Ao mesmo tempo, na dependência
das condições concretas de cada país, esta ou aquela parte da burguesia
pode ser atraída pela classe operária a participação na construção econô-
mica e cultural e mesmo na direção estatal, como, por exemplo, ocorre na
República Popular da China. No processo de construção do socialismo,
a classe operária unifica a esmagadora maioria da população do país.48

As razões da Oposição e de Stalin, uma reflexão


necessária
Antes de mais nada, é preciso questionar: por que a oposição preci-
saria dar um golpe de Estado na URSS dos anos de 1930? No mesmo
sentido é importante perguntar o oposto: por que Stalin precisaria silen-
ciar a oposição?
Da parte de Stalin é preciso compreender que ele jamais precisou de
uma farsa judicial para se esconder do confronto contra Trotsky, Bukha-
rin, Kamenev, Zinoviev, K. Radek, Piatakov e quem quer que fosse da opo-
sição. Mesmo Khruschov lembra: “É verdade que os trotskistas da época
eram um perigo para o Partido e o Estado Soviético? Devemos lembrar
que, em 1927, às vésperas do XV Congresso do Partido, o movimento de
oposição trotskista-zinovievista obteve apenas 4.000 dos 724.000; votos
expressos”49 .

48 Manual de Economia Política da Academia de Ciências Econômicas da URSS. Instituto de


Economia. Rio de Janeiro. Editora: Vitória, 1961. Disponível em: <https://www.mar-
xists.org/portugues/ostrovitianov/1959/manual/20.htm>. Acesso em 20 de Maio de 2020.
49 KHRUSCHOV, N. O relatório Secreto. Apud in: URRETIA, LUIS. Os Processos de

Moscou. Disponível em: https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/os-processos-de-


36
KLAUS SCARMELOTO

724.000 a 4.000. Trotsky em particular teve 1,5% desses votos e isso


em 1927. Que oposição democrática ”perigosa”esses setores poderiam
representar durante o período dos expurgos? Nenhuma. Parafraseando
Shakeaspeare: há muito mais entre Stalin e a oposição do que pode ima-
ginar a nossa vã filosofia marxista ocidental.
As raízes desse problema são históricas e conflituosas desde os tempos
do P.O.S.D.R e suas divisões. O Partido que dirigiu o proletariado russo e
tomou poder durante a revolução de outubro em 1917 era, de longa data
e, essencialmente, heterogêneo em sua concepção ideológica de política
nacional e internacional. Essa diversidade política, que levava a divisão
no seio do Partido Comunista Russo que mais tarde formaria o PCUS, e,
foi, sobretudo após a revolução, com muito esforço, contida por Lenin.
No entanto, é notório que o Leninismo divergia de Trotsky e Bukharin:
como demonstrou nitidamente a controvérsia do tratado de paz em 1918
bem como a NEP em 1921 e, igualmente, de Zinoviev e de Kamenev:
tanto na reunião que participaram sobre a oposição a Lenin em 1910
com Trotsky50 , quanto nas diferenças com as teses de abril e a insurgên-
cia de outubro51 em 1917. Essa divisão no seio dos dirigentes da revolu-
ção, antes de tudo, devia-se a adesão ao bolchevismo de diversos membros
de correntes estranhas a seus ideais como os sociais-revolucionários e os
mencheviques que, em maior ou menor medida, representavam expres-
sões da ideologia burguesa se infiltrando no seio do bolchevismo. Tais
adesões ocorreram sem que houvesse de fato vínculo orgânico com os
ideais revolucionários dos bolcheviques, isto é, sem qualquer crítica e au-
tocrítica real. De todo modo, o divisionismo “contido enquanto Lenin
ainda vivia, tornou-se irremediável depois do desaparecimento do líder
carismático.”52
Nesse sentido, o que garantia a unidade, era em grande medida o
respeito a Lenin e a impossibilidade de seus adversários de partido lhe
fazerem frente cientificamente, assim, convalida-se o depoimento dos es-
piões ou agentes estrangeiros atuantes na Rússia no período, que bus-
cavam fazer contato com quem pudesse fazer frente a Lenin, dos EUA,
Raymond Robins, e da Grã-Bretanha, Bruce Lockhart: “Não havia um
comissário que não olhasse Lenin como um semideus, cujas decisões de-

moscou. Acesso 20 de maio de 2020.


50 INSTITUTO, Marx, Engels, Lenin. Lenin sua vida e sua Obra. Rio de Janeiro: Editorial
Vitória. Pag. 141.
51 . A história do Partido Bolchevique. Disponível em: < https://www.marxists.org/portu-

gues/tematica/livros/historia/cap34.htm>. Acesso em 20 de janeiro de 2020.


52 LOSURDO, D. Stalin História Crítica de Uma lenda Negra. Rio de Janeiro: Revan. Pag.70.

37
A ATUALIDADE DE STALIN

viam ser aceitas sem discussão. Se alguma coisa se pretendia na Rússia,


só poderia ser feita através de Lenin. Essa conclusão era reproduzida por
Raymond Robins”.53
Esse debate foi dirigido aberta e sinceramente por cinco anos. Quando
o debate foi finalizado por votação no Partido, pacificamente pelo centra-
lismo democrático, em 1927, os defensores da tese do improvável sucesso
construção do socialismo na União Soviética davam cabo das atividades
liquidacionistas de Trotsky obtendo míseros 1,5% dos votos54 . Trotsky foi
excluído do Partido, depois enviado para a Sibéria e finalmente banido
da União Soviética. Após a dramática deportação de Leon Trotsky da
Rússia soviética em 1929, um mito foi cunhado por elementos antissovié-
ticos em praticamente todo o mundo, e ainda hoje é reproduzido pelos
trotskystas mais vulgares, em torno do nome e da personalidade de Leon
Trotsky. De acordo com esse mito, Trotsky era “o destacado líder bolche-
vique da Revolução Russa” e “o inspirador de Lenin, colega de trabalho
mais próximo e sucessor lógico”55 . Trotsky corroborou para esse mito,
quando alça em sua obra máxima, acerca da teoria da revolução perma-
nente, o depoimento do ex-menchevique Adof Jolffe, segundo o qual ele
teria escutado do próprio Lenin tal premissa que nunca passou de uma
lenda. No entanto, a própria coerência interna da obra de Lenin, refuta
em lorga escala essa escassa tentativa de “trotsficar” Lenin.
E o mito do “testamento de Lenin”, ainda persiste, apesar de toda falta
de lógica que o rodeia. Isto porque todo mito anticomunista é funcional,
de racionalidade aparente e bastante simples, o rompimento dos mitos é
que não são simples. O significado desse conjunto de escritos é bastante
diverso do que prega paradigma oficial: jamais houve um testamento, e,
possivelmente, uma sucessão dirigida ao congresso segundo os padrões de
documentação russa da época e atuais56 . Assim sendo, a própria histori-

53 A, KAHN; M, SAYERS. A Grande Conspiração: A Guerra Secreta Contra União Soviética.


São Paulo: Brasiliense. 1959. 33. Sexta Edição. Pag. 8.
54 MARTENS, Ludo. Stalin um novo olhar. Disponível em: <https://www.marxists.org/por-

tugues/martens/1994/olhar/06.htm>. Acesso em 1 de Abril de 2020


55 A, KAHN; M, SAYERS. A Grande Conspiração: A Guerra Secreta Contra União Soviética.

São Paulo: Brasiliense. 1959. 203. Sexta Edição. Pag. 203.


56 A irritação de Lênin com Trotsky foi amplamente documentada por um longo período, mas

sua suposta exasperação com Stálin surgiu de repente em forma documental enigmática,
na primavera e no verão de 1923. A peça central ficaria conhecida como o Testamento de
Lênin (zaveschánie) e foi apresentada pela esposa deste, Nadejda Krúpskaia, com a ajuda,
ou conluio, das mulheres que trabalhavam para Lênin, especialmente Maria Volóditcheva
e Lídia Fotíieva, a chefe da secretaria do líder bolchevique. Não subsistem originais dos
documentos mais importantes atribuídos a Lênin (que não tinham o título de “testamento”
— na verdade, não tinham nenhum título quando vieram à tona pela primeira vez). Sua
38
KLAUS SCARMELOTO

ografia nada simpática a Stalin, portanto, antistalinista, vem provando a


falsidade documental atribuída, cegamente, a Lenin após a doença com
exceção do período de melhora que ocorrera de janeiro de 1923 a março
de 1923, onde alçamos a avaliação dos arquivos e textos do período de
Sakharov, S. Kotikins e o mais importante o Historiador Yuri Emelyanov,
que afirmam um período inclusive autocrítico. Disso podemos concluir:
Neste estado, V.I. Lenin tornou-se especialmente suscetível a qualquer
boato e calúnia. Ao mesmo tempo, as pessoas que se comunicavam com
ele muitas vezes não entendiam imediatamente o estado de Lenin. Em
11 de janeiro de 1923, o secretário de Lenin, M. Glasser, em uma carta
a Bukharin, contou sobre os antecedentes do artigo “Sobre a questão das
nacionalidades ou autonomização”. Junto com Fotieva e o chefe do Con-
selho dos Comissários do Povo Gorbunov, ela, sendo membro da comis-
são para verificar materiais sobre o chamado ”caso georgiano”, conversou
com Lenin. Agora Glasser admitia que Lenin havia entendido mal a in-
formação já unilateral e ”devido à doença ... estava errado em relação ao
camarada Stalin”. M. Glasser escreveu: “É especialmente difícil porque
durante meus dois anos e meio de trabalho no Politburo, vendo de perto
o trabalho do Politburo, não apenas aprendi a apreciar profundamente
e respeitar todos vocês, em particular, Stalin (tenho vergonha de olhar
para ele agora), mas também de entender a diferença entre a linha de VI.
Il-cha e Trotsky. ”Ela relatou que Lênin pediu a palavra aos membros da
comissão ”para manter tudo na mais estrita confidencialidade até o final
dos trabalhos e não dizer nada sobre seu artigo”. Explicando essa exigên-
cia de Lenin, Glasser escreveu que Lenin ”estava doente e terrivelmente
desconfiado”. Citando esses fatos em seu livro, Kumanev e Kulikova não
encontraram nada mais inteligente do que explicar a carta de Glasser pela
capacidade de Stalin de ”encantar”as pessoas e pelo fato de essa mulher
ter caído na ”hipnose de Stalin”.57

autenticidade nunca foi provada, como demonstrou um estudioso russo num exame escru-
pulosamente detalhado. Ele argumenta, corretamente, que, a menos que apareçam provas
documentais persuasivas que corroborem que Lênin ditou essas palavras, temos de tratar
sua autoria com cautela.3 Dito isso, o fato é que esses documentos — tenham derivado ou
não das palavras do próprio Lênin e, em caso afirmativo, de que forma — se tornaram uma
realidade na vida política soviética e, em particular, na vida de Stálin. Analisaremos os
documentos atribuídos a Lênin não por suas supostas datas de ditado, mas pelas datas e
pelo contexto em que foram divulgados e, sobretudo, por suas consequências. Sua frase
fundamental — “remover Stálin” — assombraria eventualmente a Eurásia Soviética e o resto
do mundo, mas, em primeira instância, assombraria o próprio Stálin. S. KOTIKIN. Stalin:
Paradoxos do poder 1879-1928. Companhia das Letras. São Paulo, 2015. Pag. 115.
57 EMELIANOV, Y. O TESTAMENTO DE LENIN. Disponível em: < https://www.cienciasre-

volucionarias.com/post/o-testamento-de-lenin-1>.
39
A ATUALIDADE DE STALIN

E por que seria importante ter uma visão correta deste fato para este
debate? Porque isso foi usado pela oposição na disputa do cargo de se-
cretariado geral nos anos 1920. Sem selarmos as desmistificações sobre o
“testamento” de Lenin58 e evidenciarmos as acusações falsas contra Stalin
de ser inimigo político e pessoal de Lenin, não seria possível entender até
onde se estendia a luta interna. Assim, por meio do testemunho de Maria
Ilyinichna Ulyanova, irmã casula de Lenin, demonstrou-se a proximidade
fraternal e ideológica de ambos Lenin e Stalin fato este que isolou ainda
mais a oposição.
O prego talvez mais importante no caixão da oposição foi realizado
ainda pela família de Lenin, a situação, um tanto delicada, foi levantada
contra Zinoviev e Kamenev, pela irmã casula de Lenin, Maria Ulyanov:
A oposição minoritária, dentro do Comitê Central, recentemente, rea-
lizou um sistemático ataque ao Camarada Stalin afirmando a “existência”
de uma ruptura política entre Lenin e Stalin nos últimos períodos da vida
Vladimir Ilyich Ulyanov. Com o objetivo de dizer a verdade, considero
esta minha obrigação, informarei aos camaradas, brevemente, como eram
as relações de Lenin e Stalin no período da doença de Vladimir Ilyich
Ulyanov, período em que eu estava com eles e cumpria diversas tarefas.
Não estou aqui para abordar o período anterior a doença Lenin, sobre o
qual eu tenho grande quantidade de provas da tocante fraternal relação
entre Vladimir Ilyich Ulyanov e Stalin, do qual os membros do comitê
central sabem muito menos do que eu.
Vladimir Ilyich Ulyanov realmente admirava Stalin. Por exemplo,
na primavera de 1922 e em dezembro do mesmo ano, respectivamente
quando Vladimir Ilyich Ulyanov teve o primeiro e o segundo quadro de
problemas em sua saúde, Lenin chamou Stalin e o encarregou das tarefas
mais pessoais. Os tipos de tarefas em que se atribui a pessoa em que se
tem total confiança no qual se considera um dedicado revolucionário e
um estimado camarada. Além disso, Ilyich insistia sempre em conversar
somente com Stalin e mais ninguém. Em geral, durante todo o período
de Doença, até que ele estivesse recuperado e até que pudesse se reunir
com os demais camaradas, ele convidava somente Stalin para vê-lo sem-
pre, fosse para o que for. E durante todo o período posterior, o de maior
gravidade de sua doença, ele intensificou o contato com Stalin, jamais
convidou um único membro do politburo, exceto, Stalin.
Houve um incidente entre Lenin e Stalin, mencionado pelo cama-
rada Zinoviev no seu discurso, pouco antes de Ilyich perder seu poder

58 IDEM, IBIDEM.
40
KLAUS SCARMELOTO

de expressão (março de 1923), mas foi completamente pessoal e não ti-


nha relação com política. O camarada Zinoviev sabia disso muito bem e
citou isto absolutamente desnecessariamente. Esse incidente tomou lu-
gar porque, sob demanda dos médicos, o Comitê Central deu a Stalin a
responsabilidade de vigiar para que nenhuma notícia política chegasse a
Lenin durante esse período de doença grave. Isso aconteceu para não
o perturbar e para que sua condição não se deteriorasse, Stalin até re-
preendeu sua família por transmitir esse tipo de informação. Ilyich que
acidentalmente veio a saber sobre isto e quem esteve sempre preocupado
sobre a tal força do regime e sua proteção, imediatamente, repreendeu
Stalin. Stalin pediu desculpas e com isso o incidente foi resolvido. O
que há para ser dito � durante esse período, como eu havia indicado, se
Lenin não estivesse tão gravemente doente, ele teria reagido de maneira
diferente ao incidente. Existem documentos sobre esse incidente e, sob a
primeira demanda do Comitê Central, posso apresentá-los.
Desta forma, eu afirmo essa conversa toda da oposição sobre a relação
de Lenin com Stalin não corresponde à realidade. Essas relações eram
muito íntimas e amigáveis e assim permaneceram. 59
E por esse motivo, também, que hoje se questiona o chamado testa-
mento de Lenin. Entre as questões da história soviética, um lugar especial
é ocupado por aquelas levantadas em artigos, cartas e notas de V.I. Lênin,
ditado por ele no último período de sua atividade - de 23 de dezembro de
1922 ao início de março de 1923. Talvez nenhuma outra questão da histó-
ria soviética tenha sido submetida a tais distorções e falsificações, criando
todo um sistema de mitos em torno de si, como a questão do chamado
testamento político leninista. Ainda hoje, sendo de grande importância
na luta política e ideológica pelo desenvolvimento da revolução socialista
na Rússia, continua sendo objeto de interpretação de historiadores, cien-
tistas políticos e publicitários em nosso país e no exterior.
Esses textos foram digitados em uma máquina de escrever. VI Lenin
não assinou nenhum desses documentos ou cartas. A assinatura sob o
texto datilografado é de ’AM.V.’ ou ’LF’(Suas secretárias). Estas não po-
dem substituir uma cópia autografada ou assinada por Lenin. É um fato
que a autoria de Lenin desses documentos, publicamente desde o início,
infelizmente nunca foi questionada. Foi considerado um fato aceito que
foram de autoria de VI Lenin. Isso foi até aceito pelo próprio JV Stalin.
Esta situação, é claro, foi de ajuda considerável para os revisionistas que

59 MI
Ulyanova. Sobre as Relações entre Lenin e Stalin. Apud in: Org. Klaus Scarmeloto.
Em defesa de Stalin: Textos Biográficos. São Paulo: ciências revolucionárias. Pag. 381-382.

41
A ATUALIDADE DE STALIN

ainda estavam na liderança do PCUS após a morte de Lenin. A história


mostra que esses ’documentos’ passaram a fazer parte de uma ’intriga’.
Mas, uma análise científica exige que esses documentos sejam exami-
nados historicamente. As análises históricas não devem ser feitas para
mostrar ou provar que este ou aquele documento não pertence a VI Le-
nin. Em vez disso, o ônus da prova deveria ser na outra direção — a análise
deveria provar que essas cartas realmente pertencem ao corpo das obras,
caindo sob a autoria de VI Lenin. 60
Até hoje, no Brasil, e no ocidente em geral, nunca se questionou a
autenticidade dos diários das secretarias de Lenin. Em geral, postula-se
que o ”Diário dos Secretários de Trabalho”do Presidente do Conselho
dos Comissários do Povo V.I. Lenin é considerado a fonte de informação
mais importante sobre o trabalho de V.I. Lenin e dão base de apoio aos
textos do chamado ”Testamento”, sobre o seu estado de espírito político
no último período da sua atividade. O Diário original não era conhecido
por um amplo círculo de historiadores, e eles usaram sua versão publi-
cada nas Obras Completas de V.I. Lenin, que tornou quase impossível
uma análise completa do estudo de fonte deste documento. Ao mesmo
tempo, a autoridade política dos editores das Obras Completas de V.I.
Lênin, ao que parecia, removeu toda a relevância de tal estudo para os
historiadores soviéticos. No entanto, mesmo a versão publicada do diá-
rio forneceu alguns fundamentos para V.I. Startsev e S.V. Voronkova por
uma atitude crítica em relação a ele precisamente como um diário em
conexão com o que várias de suas entradas não são de natureza diária.
E isso era muito comum principalmente após a era Stalin, onde pouco
ou nenhum acesso era dado a historiadores, lembrando que até mesmo
os julgamentos de moscou foram testemunhados por Joseph E. Davies
e Dennis Pritt, respectivamente o embaixador dos EUA e um advogado
que tentou atuar pelo réu Zinoviev. “Na passagem que segue (...) Pospe-
lov disse (...) que os historiadores deveriam ler são os discursos (...) do 22º
Congresso: “Por que não é possível (...) trabalhar no arquivo (...) ? Eles
não distribuem materiais relativos à atividade do PCUS.” (...) Pospelov
estava dizendo: ”Não vamos dar acesso a nenhuma fonte primária”61 .
Todas as anotações subsequentes do dia 23 de dezembro de 1922 fo-
ram feitas após as datas indicadas no diário. O que sugere abertamente

60 SAKHAROV, A. Falsificação do testamento de Lenin. Disponível em: <


https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/a-falsifica% C3% A7% C3% A3o-do-
testamento-de-lenin>. Acesso em 30 de novembro de 2020.
61 FURR, G. Os Arquivos de Moscou Falam. Disponível em < https://www.cienciasrevolucio-

narias.com/post/os-arquivos-de-moscou-falam>. Acesso em 20 de novembro de 2020.


42
KLAUS SCARMELOTO

uma falsificação. A vigilância dos secretários de Lênin continuou, mas, a


julgar pelos documentos, agora sua atividade se limitava a garantir o tra-
balho de seu ”Diário”(registrar ditados, fazer edições, reimprimir o texto)
e a administrar o fluxo da correspondência, que continuou a fluir em seu
nome: algo foi enviado a outras instâncias para execução, algo foi trans-
ferido para o armazenamento no arquivo leninista. É significativo que os
lançamentos nos livros de registro da documentação de entrada e saída
passaram a ser feitos de forma irregular, à medida que os documentos
iam se acumulando.
A primeira entrada após 18 de dezembro refere-se a 23 de dezembro:
após a data indicada por N.S. Alliluyeva, M.V. Volodicheva escreveu sua
história sobre como Lenin a convocou e ditou a carta. No entanto, ela
fala sobre isso como sobre os acontecimentos do dia anterior, portanto,
não foi registrado no dia 23. Na verdade, esta entrada abre um novo
documento que não tem nada a ver com o Diário anterior.
Daquele momento em diante, a natureza das gravações mudou visivel-
mente. Se antes eram puramente clericais, agora muitos deles assumem
um caráter abertamente de ”memórias”, registrando eventos ”retroativa-
mente”. Assim, Sakharov argumenta os termos da falsificação:
O Diário’ do Secretariado é o mais notável e, até agora, nunca foi um
documento questionado. Mas nunca foi examinado em detalhes científi-
cos e historiográficos. Na realidade, foi inútil fazê-lo, pois agora se sabe e
se aceita, que este ’Diário’ depois de 18 de dezembro de 1922 não é consi-
derado um documento do trabalho diário do Secretariado de Lenin. Isso
porque se trata de um trabalho de novos autores, no intuito de fazer com
que mudanças sejam implementadas, se possível sobre uma dada temá-
tica teórica e política, por autores que na época estavam bem escondidos.
Falando de forma realista, este é um documento fabricado, falso.
Olhe você mesmo. O início da doença de Lenin em 18-22 de de-
zembro de 1922, fez Lenin partir do centro do palco de sua obra. In-
felizmente, durante esse período, seu Secretariado praticamente deixou
de funcionar, e os diários não são registrados. Planos são engavetados.
Mas quando esses ’Diários’ são reiniciados, recebemos ’versões’ completa-
mente novas do que Lenin supostamente ditou. Existem páginas inteiras
vazias nos ’Diários’, as anotações são colocadas apenas de forma irregu-
lar. Entre as páginas onde existem algumas notações, existem páginas
vazias ao longo deste período. Na verdade, isso deu aos iniciadores do
’Testamento’ a oportunidade de preencher as páginas que estavam va-

43
A ATUALIDADE DE STALIN

zias.62
Historiadores que escreveram mais tarde e tiveram a oportunidade de
estudar o original do ”Diário”, por exemplo, D.A. Volkogonov, V.A. Ku-
manev e I.S. Kulikov não levantaram, como Sakharov, a questão dos pro-
blemas de estudo da fonte do Diário. A credibilidade deste documento é
a causa de muitos erros graves, por isso pretendemos familiarizar o leitor
mais de perto com sua versão arquivada.
O diário foi mantido na secretaria de V.I. Lênin em 21 de novembro
de 1922. Como fonte histórica, divide-se em duas partes, a fronteira entre
as quais está a anotação de 18 de dezembro de 1922. Até esta data, a au-
tenticidade do Diário como documento não suscita dúvidas: as anotações
são de natureza comercial, de escritório - instruções específicas, notas so-
bre seu desempenho. Sem “pular” datas, sem “digressões líricas”. Tudo
é escrito para organizar o fluxo de informações, não para a História.
A importância desse evento e da validade ou não do chamado testa-
mento, é mais significativa do que se imagina. Uma vez que a “falta”
de afinidade político-ideológico e pessoal de Lenin com Stalin foi o ob-
jeto do último confronto pacífico entre Stalin e a oposição isto significava
que, para época, estar com Lenin significava andar ao lado da razão. A
completa afinidade pessoal e política de Lenin com Stalin, foram e ainda
são a chave para entendermos porque a oposição perdeu a capacidade
de travar a luta interna de maneira pacífica, porque ao fim do debate,
a oposição não conseguiu demonstrar de fato que Stalin não fora o me-
lhor amigo pessoal de Lenin e politicamente o mais próximo, isto tendo
em vista que Lenin gozou nos anos 20 de grande prestigio, e quem es-
tivesse a seu lado teria maior aceitação. Assim podemos concluir que a
oposição, sem qualquer possibilidade de realizar a luta legal, democrática
e, acima de tudo, pacífica, sobretudo, porque a família de Lenin, como
demonstrou a passagem acima, majoritariamente detinha provas de que
fora Stalin seu maior aliado, tanto no campo de batalha como fora dele,
restava apenas uma última chance, ao qual muitos membros da oposição
conheciam de longa data: a luta clandestina.
Em meados de 1926, o CC do Partido constatou que a oposição trots-
kista e zinovievista realizava reuniões clandestinas em várias localidades,
agitando especialistas e organizando um partido paralelo, que incorpo-
rava os resquícios de grupos derrotados em debates anteriores e ensinava

62 SAKHAROV, A. Falsificação do testamento de Lenin. Disponível em: <


https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/a-falsifica% C3% A7% C3% A3o-do-
testamento-de-lenin>. Acesso em 30 de novembro de 2020.

44
KLAUS SCARMELOTO

seus membros a praticar o engano e o engano para escapar das sanções


disciplinares e continuar a sabotar a execução da política bolchevique. As-
sim, nas costas do Comitê Central, promoveram a discussão de suas po-
sições nas organizações territoriais do PC (b) da URSS. Mas, ao verificar
o apoio nulo que estavam obtendo (apesar de a maioria da administra-
ção se abster de participar da discussão, cumprindo o acordo coletivo que
o julgou impróprio), na véspera da reunião do CC, dia 16 de outubro,
Em 1926, eles enviaram uma declaração prometendo cessar as lutas entre
facções e se submeter à disciplina partidária. No entanto, eles voltaram
ao cargo nas semanas seguintes, durante a XV Conferência do Partido
em novembro e a VII Plenária ampliada da Internacional Comunista em
novembro-dezembro. Os relatórios e projetos de resolução apresentados
por Stalin para esses eventos analisaram, esclareceram e resolveram o sen-
tido do bloco de oposição: “Em essência, o trotskismo atual é uma falsifi-
cação do comunismo no sentido de aproximá-lo dos modelos ’‘europeus’’
de pseudo-Marxismo, isto é, em suma, no sentido de social-democracia
’europeia’. ”63
Nos meses seguintes, houve comícios e manifestações de membros do
bloco, animados pelo slogan ”Abaixo o Termidor!”, Como se a direção
política bolchevique estivesse traindo a revolução proletária. Em junho
de 1927, os oposicionistas apresentaram ao CC a chamada ”Declaração
do 83”, na qual exigiam a abertura de uma discussão de todo o partido, se
apresentavam como ”a esquerda leninista proletária do partido”e caluni-
aram o O governo soviético atribuindo-lhe falsas intenções (abolir o mo-
nopólio do comércio exterior, renunciar à nacionalização da terra e pagar
as dívidas contraídas pelo czarismo com potências estrangeiras). Poucos
dias depois, o ”grupo dos 15”enviou sua própria plataforma em termos
semelhantes. Pouco antes da sessão plenária do CC em agosto de 1927,
Os oposicionistas voltaram a emitir uma declaração na qual prometiam
cessar a luta fracional e cumprir todos os acordos do partido, evitando
assim que Trotsky e Zinoviev fossem destituídos de seus cargos naquele
órgão. Mas, em setembro, ambos estiveram entre os que subscreveram e
publicaram a ”plataforma dos 13”, o que fez com que o CC concordasse
em outubro em excluí-los de seu seio. Nessa plataforma, os oposicionistas
reclamaram que o ”grupo Stalin”os atacou ”não com nossas opiniões re-

63 Obloco de oposição no PC (b) da URSS, bem como O desvio social-democrata em nosso


partido (ambos em https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Stalin% 20 -%
20Obras% 2008-15.pdf) e Mais uma vez sobre o desvio social-democrata em nosso partido
(em https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Stalin% 20-% 20Obras% 2009-
15 .pdf).

45
A ATUALIDADE DE STALIN

ais, mas com opiniões imaginárias que não apoiamos e nunca apoiamos”;
no entanto, algumas linhas depois, eles insistiram que “para a construção
de uma sociedade socialista em nosso país, a vitória da revolução prole-
tária em um ou mais dos países capitalistas avançados é necessária.64
Ao saber que haviam organizado impressoras clandestinas para divul-
gar esta plataforma junto com outros materiais, o jornal dos democra-
tas constitucionais emigrados Poslednie Nóvosti expressou sua satisfação
pelo fato de a oposição bolchevique ter entrado na fase da imprensa clan-
destina. Temos esperança de que outras fases se seguirão. E assim seria.
Em 7 de novembro, por ocasião do décimo aniversário da Revolução
de Outubro, eles organizaram manifestações com fins insurrecionais con-
tra o Partido e o Governo, mas as massas de comunistas e operários as
dissolveram firmemente. A transformação do bloco Trotskista-Zinoviev
em uma organização anti-soviética e antibolchevique forçou a sessão ple-
nária do Comitê Central e da Comissão de Controle Central a expulsar
Trotsky e Zinoviev do partido e a excluir outros líderes da oposição desses
órgãos.65 O XV Congresso do PC (b) da URSS reuniu-se em dezembro
com um balanço inequivocamente claro da discussão das semanas anteri-
ores: as propostas majoritárias foram apoiadas por 724 mil militantes e as
da oposição conjunta por apenas 4.000. Ele concordou em expulsar cem
membros da oposição e adotar ”as medidas de influência ideológica sobre
os membros das fileiras da oposição trotskista a fim de convencê-los, ao
mesmo tempo purgando o partido de todos os elementos evidentemente
incorrigíveis do trotskista oposição. ”.
Stalin explicou como tinha passado o debate com o trotskismo: “O
exercício da democracia dentro do Partido, admitindo a crítica prática
das deficiências e erros do Partido, mas sem tolerar o menor fraciona-
mento e eliminando todo fracionário sob pena de expulsão do Partido.
Parte”66 . E destacou que, após cinco longos anos de debate permanente,
“O Partido quer acabar com a oposição e partir para um trabalho constru-
tivo. O Partido quer finalmente dissolver a oposição para que se dedique
inteiramente à nossa grande obra de construção”67 . O XV Congresso en-

64 The Opposition Platform , Editorial Fontamara, capítulo XI, pp. 135-136.


65 A experiência da guerra civil havia mostrado que o Poder Soviético tinha inimigos muito
poderosos e agressivos, dentro e fora do país, para permitir a atuação de partidos hostis que
acabaram ajudando a contrarrevolução armada, como aconteceu com os cadetes, os SRs e
os mencheviques.
66 STALIN, J. Obras Completas. https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Stalin%

20-% 20Obras% 2010-15.pdf , p. 54


67 XV Congresso do PC (b) da URSS , Atos Verbatim, t. II, p. 1285; citado em A Luta do

46
KLAUS SCARMELOTO

carregou o CC de se unir estreitamente sob esta bandeira “massas cada


vez maiores de trabalhadores no país, para fortalecer os laços de solida-
riedade fraterna com o proletariado de todos os países, e para fazer da
URSS a vanguarda mais poderosa da revolução de cada um ano socialista
mundial. ’ No entanto, Trotsky respondeu à sua derrota esmagadora pre-
vendo que ”depois do XV Congresso, a oposição será incomparavelmente
mais forte do que agora dentro do partido”68 .

O significado das Palavras de Trotsky: teria o leão


de outubro assumido a luta armada contra o
homem de aço?
As duras palavras do “Napoleão Vermelho” não convenceram mui-
tos de seus discípulos sobre até onde Trotsky estava disposto a chegar
para derrubar a “burocracia”, assim sempre haverá aquele leitor que ja-
mais assumirá o discurso real de Trotsky, como de um homem disposto
a luta armada contra Stalin. “Na União Soviética da década de 1930,
vimos a oposição infiltrar-se nos mais altos níveis do aparelho de repres-
são: seria muito estranho se, depois de ter conseguido esse resultado,
ela se limitasse a cumprir as ordens de Stalin!”69 Assim, podemos ter
certeza que “a desinformação, que comporta a dupla vantagem de pôr
em dificuldade a máquina da repressão e desembaraçar-se exatamente
graças a ela de algum inimigo odiado de modo particular, é parte inte-
grante da guerra: e trata-se disso, pelo menos a julgar por uma inter-
venção de Trotsky em julho de 1933”70 , na qual o napoleão vermelho
“considera”, “já agora em curso” a guerra civil contrarrevolucionária de-
sencadeada pela “burocracia staliniana” e que desembocou no “infame
aniquilamento dos bolcheviques-leninistas”. Então é preciso ter. pre-
sente a nova situação71 . No contexto apresentado, para Trotsky, “Não
tem mais sentido” a palavra de ordem da reforma do PCUS”. Impõe-se

Partido Bolchevique Contra o Trotskismo .


68 Os trotskistas polemizaram com particular veemência contra a tática para a revolução chi-
nesa promovida pela Internacional Comunista. No fundo, forçaram a analogia com a re-
volução russa de 1905-07 e obtiveram o caráter colonial da China, além de minimizar a
existência de vestígios feudais neste país e o papel revolucionário do campesinato, como se
esperava deles.
69 Idem. Pag. 84.
70 Idem. Ibidem.
71 Idem. Ibidem.

47
A ATUALIDADE DE STALIN

uma luta frontal: o partido e a Internacional dirigidos por Stalin, agora


na última gota, “podem trazer só desgraças e nada mais que desgraças” ao
“proletariado mundial”; na vertente oposta, os revolucionários autênticos
não podem certamente inspirar-se, na sua ação, nos “pacifistas pequeno-
burgueses”?72 Para a oposição, expressa por Trotsky “Não há dúvida: Só
com a violência à burocracia pode ser obrigada a devolver o poder às mãos
da vanguarda proletária”73 . Para Trotsky, nem o nazismo deveria fincar
a unidade do movimento comunista, apesar das inúmeras cartas envia-
das ao PCUS conclamando ao comitê central que afastasse Stalin e que o
recebesse de volta, o demônio de outubro acreditava que só a derrubada
da burocracia permitiria a vitória na guerra, ou derruba-se a burocracia
ou Hitler o faria. “A subida de Hitler ao poder significa para Trotsky
não que é necessária a unidade a fim de enfrentar o perigo enorme que
ameaça a partir da Alemanha, mas que não se pode mais parar a meio
caminho na luta contra um poder, o Stalinismo, que conduziu a derrota
do proletariado alemão e internacional”74 .
A coerência de Trotsky não deveria deixar dúvidas quanto a sua ca-
pacidade de organizar uma guerrilha contra Stalin “o próprio líder da
oposição fala de guerra civil no âmbito do partido que tinha conjunta-
mente dirigido a Revolução de Outubro na Rússia soviética dos primei-
ros anos”75 . Mesmo o Trotskysmo, sobretudo, no Brasil, não assumindo
nem o discurso de Trotsky e nem seu significado real “um historiador
russo de fé trotskista segura e declarada, autor de uma obra monumental
em vários volumes dedicada exatamente à reconstrução minuciosa dessa
guerra civil. Aí se fala, a propósito da Rússia soviética, de guerra civil pre-
ventiva” desencadeada por Stalin contra aqueles que se organizam para
derrubá-lo”76 . A guerra da oposição forçava apoio em vários países. Tam-
bém fora da URSS, essa guerra civil se manifesta e de vez em quando se
estende no âmbito da frente que combate contra Franco; e, de fato, em
referência à Espanha de 1936-1939, se fala não de uma, mas de “duas
guerras”. Na Russia, como já mencionado, o antistalinismo se modificou,
assim, neste aspecto afirmamos, que, “com grande honestidade intelec-
tual e valorizando o novo, rico documentário disponível graças à abertura
dos arquivos russos, Rogovin chega à conclusão: Os processos de Moscou
não foram um crime sem motivo e a sangue frio, mas a reação de Stalin

72 Idem. Ibidem.
73 Idem Ibidem.
74 Idem, Ibidem.
75 Idem. Pag. 86.
76 Idem. Ibidem.

48
KLAUS SCARMELOTO

durante uma aguda luta política”77 .


“Polemizando contra Aleksandr Soljenitsyn”, o “ex-fascista” que men-
tiu a deriva da desstalinização, que pinta as vítimas dos expurgos como
um conjunto de “coelhos”, o historiador trotskista russo relata um folhe-
tim que na década de 1930 convocava a varrer do Kremilin “o ditador
fascista e a sua camarilha”. Depois comenta: “até do ponto de vista da
legislação russa hoje em vigor, esse folheto deve ser julgado como um
apelo à derrubada violenta do poder (mais exatamente do estrato supe-
rior dominante)”78 .
O próprio Trotskysta Pierre Broué, ainda que não admita o signifi-
cado das palavras de Trotsky, acabou revelando ao mundo que isso sempre
fora uma premissa em Trotsky quando publicou a avaliação dos documen-
tos sobre o bloco de oposição em 1932 que, além de revelar que Trotsky
mentiu para a comissão de Dewey, demonstra que Trotsky afirma a seu
filho sedov que contra a repressão utiliza-se a conspiração:
A carta de Trotsky para Leon Sedov
Querido amigo!
Minha carta para minha terra natal já foi escrita antes de eu receber
sua carta sobre as informações sobre Kol. Minha carta é evidentemente
dirigida à Oposição de Esquerda no verdadeiro sentido da palavra. Mas
você pode mostrar para “o informante”, para que ele tenha uma ideia
de como eu vejo as coisas. A proposta de bloco parece-me perfeitamente
aceitável. Devo deixar bem claro que se trata de um bloco e não de uma
fusão. Minha declaração proposta é evidentemente destinada à nossa
fração da Oposição de Esquerda no sentido estrito do termo (e não aos
nossos novos aliados). A opinião dos aliados, segundo a qual devemos
esperar que os direitistas se envolvam mais profundamente, não tem o
meu acordo, no que diz respeito à nossa fração. Combate-se a repressão
por meio do anonimato e da conspiração, não pelo silêncio. A perda de
tempo é inadmissível: do ponto de vista político, isso equivaleria a deixar
o campo para a direita. Como o bloco vai se expressar? Por enquanto,
principalmente pela troca de informações. Os aliados nos mantêm infor-
mados sobre o que diz respeito à União Soviética, assim como nós fazemos
com eles sobre o que diz respeito à Internacional Comunista. Devemos
concordar em arranjos muito precisos para correspondência. 79

77 Idem. Ibidem.
78 Idem. Ibidem.
79 BROUÉ, Pierre. The ”Bloc”of the Oppositions against Stalin (January 1980).
https://www.marxists.org/archive/broue/1980/01/bloc.html. Consultado em 20 de julho

49
A ATUALIDADE DE STALIN

Trotsky, por sua vez, sempre afirmou que a luta contra “a oligarquia
burocrática” stalinista “não comporta solução pacífica” e que “o país se di-
rige notoriamente em direção à revolução no âmbito de uma guerra civil,
o assassinato de alguns opressores não diz respeito mais ao terrorismo in-
dividual”, mas é parte integrante da “luta mortal” entre os alinhamentos
opostos”80 , o mesmo argumento apresentado por Bukharin a Humbert-
Droz para justificar as ações terroristas e sabotadoras da oposição.
Á perspectiva era de choque não só político, mas também militar.
Em seu livro de memórias publicado nos Estados Unidos logo depois
do fim do segundo conflito mundial, Ruth Fischer, que fora figura
de primeiríssimo plano do comunismo alemão e membro do Presi-
dium do Komintern de 1922 à 1924, conta de que modo tinha, no
seu tempo, participado da organização na URSS da “resistência” con-
tra o “regime totalitário” que se instalara em Moscou. Estamos em
1926. Após ter rompido com Stalin no ano anterior, Zinoviey e Ka-
menev se aproximaram de Trotski: organiza-se o “bloco” para a con-
quista do poder. Desenvolve-se assim uma rede clandestina capilar
que se estende “até Vladivostok” e o Extremo Oriente: mensageiros
difundem documentos reservados do Partido e do Estado ou trans-
mitem mensagens cifradas; guardas pessoais armados dão vigilância
nos encontros secretos.“Os dirigentes do bloco se preparam para dar
os passos definitivos”; baseados no pressuposto de que o choque com
Stalin só pode ser resolvido com a “violência”, eles se encontram num
bosque nas vizinhanças de Moscou a fim de analisar profundamente
“o aspecto militar do seu programa”, a começar pelo “papel daquelas
unidades do exército” dispostas a apoiar o “golpe de Estado”. Fischer
prossegue assim:
Tratava-se de uma questão em grandíssima parte técnica, que devia
ser discutida entre os dois líderes militares, Trotsky e Lasevitch [vice-
comissário para à Guerra, que depois morre antes dos expurgos].
Dado que, como vicecomandante do Exército Vermelho ele estava
sempre numa posição legal mais favorável, Lasevitch ficou encarre-
gado de elaborar os planos para à ação militar contra Stalin. 81
Trotsky é expulso do Partido não só por alegar manter a oposição
mesmo em momentos delicados como a possibilidade de uma guerra
mundial, mas por também planejar um golpe de Estado:

de 2020. Ver Apendices.


80 Idem, ibidem.
81 LOSURDO, D. Stalin: história crítica de uma lenda negra. Revan: Rio de Jaineiro. 2010.

Pag. 76.

50
KLAUS SCARMELOTO

“Naqueles anos, não era na Europa mistério para ninguém a aspe-


reza do choque político que ocorria na Rússia soviética: ”A história
da luta entre ”Stalin e Trotsky é a história da tentativa de Trotsky to-
mar o poder [. . . ], é a história de um golpe de Estado fracassado”. O
genial organizador do Exército Vermelho, ainda rodeado de “imensa
popularidade”, certamente não se; designou com a derrota: “A sua
violência polêmica e o seu orgulho cínico e temerário fazem dele uma
espécie de Bonaparte vermelho apoiado pelo exército, pelas massas
operárias e pelo espírito de revolta dos jovens comunistas contra a
velha guarda do leninismo e o alto clero do partido”. Sim, “a maré
alta da sedição sobe em direção ao Kremlin”? Quem traça este qua-
dro é um livro, Técnica do golpe de Estado, que vê a luz em Paris em
1931 e “goza logo de notável sucesso. O autor, Curzio Malaparte, que
esteve em ”Moscou e teve colóquios pessoais de primeiro plano, for-
nece da prova de força de 1927 a leitura que vimos confirmada por
Ruth Fischer, ou seja, por “uma autorizada representante da oposi-
ção antistaliniana:

Na véspera da celebração do décimo aniversário da Revolução de Ou-


tubro, a prisão de Trotsky suscitaria uma impressão desfavorável [. . .
]. A ocasião escolhida por Trotsky para apoderar-se do Estado não
poderia ser melhor. Como bom tático que era, ele ficou na som-
bra, Para não dar a impressão de tirano, Stalin não ousa prendê-lo,
Quando puder ousar, será tarde demais, pensa Trotski: as luzes para
o décimo aniversário da revolução estarão apagadas, e Stalin não es-
tará mais no poder.”

Como se sabe, esses planos fracassam e Trotsky, expulso do partido, é


obrigado a transferir-se primeiro para Alma Áta e depois para a Tur-
quia. Aí “as autoridades consulares soviéticas” pagam-lhe “a título de
“direitos autorais”, 1.500 dólares”. Embora seja “uma quantia ridí-
cula”, como afirma um historiador seguidor e biógrafo de Trotski!?,
o gesto pode ser lido como uma tentativa de não tornar mais aguda
ainda a contradição.82

Várias evidências que corroboram o testemunho acima, foram inseri-


das no capítulo que tratará das evidências não soviéticasda colaboração
da oposição a Stalin e do antistalinismo em geral com os países antisso-
viéticos.

82 Idem. Pag. 77.

51
A ATUALIDADE DE STALIN

Os arquivos pessoais de Trotsky


São alvo de grande polêmica o possível suporte nos arquivos pessoais
de Trotsky e em outras evidências não soviéticas, para as confissões e acu-
sações feitas nos processos de Moscou e, consequentemente, se este con-
junto indiciário provam a colaboração de Trotsky e da chamada “quinta
coluna” com os países anticomunistas, no período em que Trotsky viveu.
Em 1985, o historiador americano John Archibald Getty descobriu
que o Arquivo Harvard Trotsky havia sido expurgado de materiais pos-
sivelmente incriminadores ou não, mas eliminado de forma imperfeita.
Getty também encontrou evidências de que Trotsky havia de fato perma-
necido em contato com alguns de seus ex-apoiadores dentro da União
Soviética. Trotsky sempre negou veementemente isso, alegando que cor-
tou todos os laços com aqueles que “capitularam” para o lado de Stalin.
Ao examinar a obra de Getty e as revelações de Broué, sobre o bloco de
1932 já citadas acima na carta de Trotsky a Sedov, temos pistas de uma
mentira. Graças a Broué e Getty foi revelado que Trotsky havia men-
tido para a comissão de Dewey, sobre alguns assuntos muito importantes.
Qualquer detetive-investigador, em qualquer história de mistério, sabe
que se um suspeito mentiu sobre alguns assuntos importantes, ele deve
se perguntar: sobre o que mais essa pessoa está mentindo?

Sedov mantinha uma rede de amigos, contatos e agentes que regu-


larmente fechavam a informação e a comunicação dentro e fora da
União Soviética. Turistas amigáveis ou membros de partidos comu-
nistas europeus levavam cartas entre o Sedov e vários trotskistas da
URSS. Essas ”viagens especiais”, como Sedov as chamou, foram os
principais laços entre Trotsky e a União Soviética. Embora Trotsky
tenha negado mais tarde ter qualquer comunicação com antigos se-
guidores na URSS desde seu exílio em 1929, é claro que ele o fez. Nos
primeiros três meses de 1932, ele enviou cartas secretas aos antigos
oposicionistas Radek, Sokolnikov, Preobrazhenskii e outros. Embora
o conteúdo destas cartas seja desconhecido, parece razoável acredi-
tar que elas envolveram uma tentativa de persuadir os destinatários a
voltar à oposição.

(. . . )É claro, portanto, que Trotsky teve uma organização clandestina


dentro da URSS neste período e que manteve comunicação com ela.
É igualmente claro que em 1932 foi formado um bloco oposicionista
unido. Na opinião de Trotsky, porém, o bloco existia apenas para
fins de comunicação e troca de informações. A partir das evidên-
cias disponíveis, parece que Trotsky não imaginava um papel “terro-

52
KLAUS SCARMELOTO

rista” para o bloco, embora seu apelo por uma ”nova revolução polí-
tica”para remover “os quadros, a burocracia” pudesse muito bem ter
sido interpretado assim em Moscou. Há também razões para acredi-
tar que após a decapitação do bloco através da remoção de Zinoviev,
Kamenev, Smirnov e outros, a organização compreendia principal-
mente oposicionistas de nível inferior menos proeminente: seguido-
res de Zinoviev, com os quais Trotsky tentou manter contato direto.
(. . . ) As cartas para Sokolnikov e Preobrazhenskii foram enviadas
para Londres, aquela para Radek em Genebra. Outras cartas foram
enviadas à Kollontai e Litvinov. Cópias dessas cartas foram retiradas
dos papéis de Trotsky, mas quem as retirou não conseguiu recuperar e
eliminar os recibos de correio certificado assinados pelos secretários
de Trotsky.83
Assim, as cartas certamente enviadas em 1932 por Trotsky a Radek
e outros militantes trotskistas, incluindo Preobrazhensky, desapareceram
no ar com seu conteúdo, uma vez que delas apenas os recibos de remessa
para seus destinatários permaneceram. Estamos diante de uma interes-
sante anomalia que certamente teria intrigado o genial Edgar Allan Poe,
autor entre outras coisas da esplêndida história de detetive intitulada “A
carta roubada”. Além de J. Arch Getty, há mais evidências de expurgos
nos arquivos pessoais de Trotsky:
O memorando de McGregor n. º121, datado de 13 de julho de 1940
enviado a George P. Shaw ao Secretário de Estado, em 15 de julho de
1940, constando nos Arquivos Nacionais RG 84. Após o recebimento,
o Departamento de Estado transmitiu o memorando de McGregor ao
FBI. Sobre Trotsky, McGregor escreveu: “Trotsky, sem dúvida, se vê
como uma figura muito importante, em vez de um simples refugiado
no exílio. Ele descreve a política soviética em relação ao México como
sendo dirigida, em primeiro lugar, com um olho nos Estados Unidos
e, em segundo lugar, em sua direção. ” É interessante notar que no
diário de bordo de Trotsky, no qual todas as cartas enviadas foram
registradas, duas cartas foram registradas como tendo sido enviadas
para um Stewart; um de ”W”(presumivelmente Walter O’Rourke, se-
cretário de Trotsky) e o outro de Trotsky. Nenhum deles está no Ar-
quivo Trotsky. Se Stewart se refere ou não a James Stewart da equipe
do Consulado dos EUA é, portanto, impossível de determinar. Neste
momento, a equipe de Trotsky estava se preparando para enviar seus
artigos para a Universidade de Harvard. Mas, dada a aparente com-
pletude da correspondência relativa à venda e envio dos papéis para

83 GETTY, J,. O trotskysmo nos anos 1930. Disponível em: <www.cienciasrevoluciona-


rias.com/blog>. Acesso dia 20 de maio de 2020.
53
A ATUALIDADE DE STALIN

Harvard, pode-se perguntar por que tais documentos não teriam sido
retidos. Não se pode, portanto, descartar a possibilidade de Trotsky
ter comunicado algo à equipe do Consulado antes do ataque de 24
de maio84 .

Assim, antes de enviar os arquivos a harvard, Trotsky operou um ex-


purgo ainda maior no material, o que certamente levanta a questão: por
quê?
Desde a abertura dos arquivos de Trotsky não há mais dúvidas de que
sua obra tem sido manipulada, talvez para esconder certas práticas que
dão razão aos processos de Moscou em toda sua plenitude? Essa é uma
possível interpretação. O indício central que demonstra tamanha ocul-
tação de provas foi apontado ainda nos anos de 1980 por J. Arch Getty
e até mesmo pelo Trotskista Pierre Broué, ao qual concluem que corres-
pondência entre Trotsky e a classe expurgada nos processos de Moscou
foi retirada dos arquivos pessoais, e muitos indícios demonstram isso.
É importante perceber que o secretário de Trotsky, Jan Van Heijnoort,
lembrou Trotsky e Sedov que essa correspondência, com os réus de Mos-
cou, tinha teor comprometedor juridicamente sobre o bloco zinovievista-
trotskysta e poderia lhe prejudicar tanto nos processos de moscou quanto
na comissão de Deway. Hoje, portanto, sabe-se que Trotsky mentiu para a
comissão de Deway o que não se sabe são os motivos. No entanto, o que se-
ria mais verossímil? Quando a verdade não pode ser totalmente revelada
a pergunta que deve ser feita é: o que é mais provável? O que seria mais
provável alguém expurgar o que lhe compromete antes de vender um con-
junto de arquivos ou se expurgar o desnecessário administrativamente?
Levando em conta o histórico do dono dos arquivos é mais verossímil
que o expurgo dos arquivos comportava um conteúdo comprometedor,
o contrário seria supor que Trotsky tem uma natureza mansa, pacífica e
dócil, e a vida toda ele foi caracterizado pelo contrário, assim, é bem mais
provável que o expurgo dos arquivos tenha sido realizado pelo conteúdo
comprometedor do que algo feito pura e simplesmente para fins adminis-
trativos. E os já citados textos de Ruth Fischer, Rogovin, mais as palavras
de Trotsky não deveriam deixar dúvidas quanto ao caráter violento que
ele era capaz de impor a sua luta contra a burocracia.

84 CHASE, W. Trotsky in Mexico: Toward a History of His Informal Contacts with the
U.S. Government, 1937-1940. Disponível em: <https://revolutionarydemocracy.org/ar-
chive/TrotskyMex.pdf>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

54
KLAUS SCARMELOTO

O caso Kirov e a Chamada dos expurgos: os casos


Zinoviev e Kamenev
A morte de S. M. Kirov, foi apenas um aviso inicial do que estava por
vir, e ainda que as provas estejam majoritariamente favoráveis ao governo
soviético, a maioria esmagadora dos historiadores, tomados pela guerra
hibrida, defendem que o governo soviético esteve envolvido no assassinato
“orquestrado por Stalin”. Kirov foi assassinado “diante da porta de sua
sala de trabalho, por tiros de pistola disparados por um jovem comunista
(Leonid Nikolaev), se podia escrever que “não há dúvida sobre o fato que
o assassinato foi organizado por Stalin e executado por seus agentes de
polícia”85 . O contributo presente “no Relatório Secreto tinha suscitado
fortes perplexidades já em meados da década de 1990”86 .
O homicídio de Kirov — o presidente do PCUS em Leningrado e uma
das pessoas mais importantes do comitê central do PCUS —, no dia 1
de Dezembro de 1934, veio a dar início à revelação da existência de um
grupo que conspirava pela posse da direção do PCUS e do Estado atra-
vés de violência. A luta política perdida em 1927 tentava, novamente,
retornar de outra forma. Agora, não mais pelo método de luta interna
pacífica pelo centralismo democrático, mas pela violência racionalizada
contra o Estado.
A organização terrorista tinha reticulares apoios no PCUS, em todos
os níveis: exército, aparelho estatal, indústria, comércio, relações inter-
nacionais, até mesmo em setores literários, artísticos e demais departa-
mentos em todo o país, sendo as características mais importantes de sua
atuação: sabotagem industrial, terrorismo e corrupção. Trotsky, foi acu-
sado como o precípuo mentor da oposição que coordenava as ações do
exterior e conseguia fundos e contatos para tal. O ataque a indústria
causava prejuízos terríveis ao estado e ao povo soviético, um custo econô-
mico gigantesco como, por exemplo, novos meios de produção que se
estragavam sem reparação com qualidade baixa, e grande baixa na pro-
dutividade nas minas e fábricas.
Também não houve resposta para a pergunta mais importante e de-
cisiva: por que exatamente o tiro em Smolny em 1º de dezembro de
1934 serviu de pretexto para Stalin começar a eliminar seus adver-

85 Cohen (1975). Pag. 344. Apud in: LOSURDO, D. Stalin: História Crítica de Uma lenda
Negra. Rio de Janeiro: Revan. Pag. 70.
86 Thurston (1996). PP.20-23. Apud LOSURDO, D. Stalin História Crítica de Uma lenda
Negra. Rio de Janeiro: Revan. Pag. 71.
55
A ATUALIDADE DE STALIN

sários políticos com a ajuda da repressão? Afinal, se levarmos em


conta o que até hoje anti-stalinistas consistentes insistem persisten-
temente, independentemente de sua orientação política - traços pu-
ramente patológicos do caráter de Stalin, paranóia atribuída a ele,
constante e sem fundamento, medo insano por sua vida, poder, des-
tino, então dois eventos. Dois eventos que permitiram a Stalin, se
assim desejasse, começar a eliminação de seus oponentes mais de um
ano antes.

Como se sabe, em 18 de agosto de 1933 Stalin deu início a outras


férias, que decidiu aproveitar para uma viagem de estudos pelo país.
Stalin deixou Moscou de trem da ”norma especial”para Nizhny Nov-
gorod. Lá ele embarcou no navio a motor Klara Zetkin e navegou
para Stalingrado. Quatro dias de viagem ao longo do Volga na com-
panhia de Voroshilov, Zhdanov e o chefe do departamento operacio-
nal da OGPU e, ao mesmo tempo, departamento especial (segurança)
K.V. Pauker passou despercebido. A viagem de carro de Stalingrado
a Salsk, uma visita a uma unidade militar e a uma coudelaria, onde o
inspector da cavalaria SM do Exército Vermelho, agia como proprie-
tário, revelou-se igualmente calma e nada foi perturbado. Budyonny.
De Salsk por Tikhoretskaya a Sochi, Stalin e Voroshilov viajaram no-
vamente de trem.

Em 25 de agosto, às 23h55, eles chegaram a Sochi e, cerca de uma


hora depois, saíram de carro no Buick de Stalin para uma das dachas
do governo, Green Grove, perto de Matsesta. E quase imediatamente,
ao passar pela pequena ponte da Riviera, bem no centro de Sochi, o
que aconteceu na linguagem dos protocolos da polícia passou a se
chamar acidente de trânsito. O Buick, no qual Stalin e Voroshilov
estavam sentados, foi atropelado por um caminhão. Os guardas, que
estavam no segundo veículo de cauda, abriram fogo imediatamente.
Assustado mais do que ninguém com tudo o que aconteceu, o moto-
rista do caminhão - era um certo Areshidze, que bebia bastante álcool
antes do voo malfadado - desapareceu imediatamente, aproveitando
a escuridão e o conhecimento da área. Após uma breve demora, Sta-
lin e Voroshilov seguiram em frente. Medidas extraordinárias foram
tomadas na manhã seguinte em Sochi.

Um mês depois, em 23 de setembro, Stalin, que já havia se mudado


para outra dacha - ”Cold River”perto de Gagra, decidiu fazer uma
viagem marítima no barco ”Krasnaya Razezda”, que havia sido entre-
gue de Leningrado pouco antes. Às 13h30, o barco saiu do píer e
rumou para o sul, para o cabo Pitsunda, onde Stalin desembarcou.
Depois do piquenique, voltei para a dacha. No entanto, o mau tempo
que se seguiu, que levantou uma onda forte, atrasou o regresso por

56
KLAUS SCARMELOTO

mais duas horas. Já na aproximação de Gagra, por volta das 17 ho-


ras, o barco foi repentinamente atingido da costa por um rifle. Fe-
lizmente para todos, as balas entraram na água e ninguém se feriu a
bordo.
Dois dias depois, descobrimos a verdade. Constatou-se que foi co-
metida uma negligência criminosa, que o posto de fronteira não foi
informado do atraso do barco, que um guarda de fronteira comum
não reagiu de forma alguma ao aparecimento de um navio ”desco-
nhecido”na zona fechada, e o líder do esquadrão Lavrov, mostrando
iniciativa excessiva, arrebatou um rifle de seu subordinado e fez o
prescrito sob a carta, três tiros de aviso.
Pode parecer estranho hoje, mas Stalin nem mesmo sugeriu à inves-
tigação que considerasse cada uma das emergências separadamente
como possíveis ataques terroristas, e ambas juntas - como as ações de
alguns conspiradores.
Ele mudou radicalmente sua atitude em relação a tais eventos so-
mente após os eventos de Leningrado.
Quase dois anos após o assassinato de Kirov, apesar da apresentação
oficial de uma nova tese sobre o terrorismo como principal arma da
antiga oposição, o serviço de segurança dos mais altos funcionários
da URSS manteve-se inalterado. Foi formado em outubro de 1920
como um departamento especial sob a presidência da diretoria da
Cheka e consistia de apenas 14 pessoas, chefiadas por A.Ya. Belenky.
Em 1930, o departamento especial passou a fazer parte do departa-
mento operacional da OGPU, tendo recebido o chefe K.V. Pauker. E
aumentou durante todo o período de sua existência para pouco mais
de cem pessoas, o que foi simplesmente explicado. Se a partir do fi-
nal de 1920 os funcionários do departamento especial garantiam a
segurança de apenas três - Lênin, Trotsky e Dzerzhinsky, a partir de
8 de junho de 1927 - já dezessete - de todos os membros e candidatos
a membros do OP (eles também são a liderança do SNK da URSS).24
.87
Com essa leva de evidências, torna-se impossível defender que o as-
sassinato de KIROV, o grande gatilho da política de expurgo na URSS,
foi obra orquestrada por Stalin e proposital para eliminar um possível ri-
val ao mesmo tempo em que se culparia a oposição pelo crime. O motivo
central que demonstra a falta de envolvimento de Stalin é a própria displi-
cência da investigação soviética ser criticada, com veemência, e ordenada

87 ZUKHOV, Y. UM OUTRO STALIN. Disponível em: < https://stalinism.ru/elektronnaya-


biblioteka/inoy-stalin.html?start=4>. Acesso em 20 de novembro de 2020.

57
A ATUALIDADE DE STALIN

a prender homens com o mesmo discurso de Nikolaev. Esta crítica pro-


movida pela procuradoria não seria necessária em caso de premeditação,
porque as negligências seriam acobertadas de maneira hierarquicamente
descendente. Ninguém com tanto poder se importaria, se estivesse a cons-
pirar, nesse sentido, a orientar zelo, capricho e meticulosidade aos órgãos
persecutórios da URSS, principalmente nas primeiras buscas. A crítica a
essas negligências seria encoberta ou reorientada a aliviar os termos. A
perseguição, como demonstra o documento acima, em caso de uma farsa,
jamais recrudesceria sobre possíveis suspeitos. Além do mais, os farsan-
tes não levariam a morte o assassino que seria, portanto, seu camarada
na conspiração, o que não aconteceu! Não haveria também tantos apoi-
adores espontâneos do terrorismo, caso se tratasse de uma farsa e nem
seriam eles punidos e até presos com base no artigo 58-10 do código pe-
nal soviético em caso de simulação e dissimulação, nem possivelmente
executados por condenação a pena de morte, nos casos mais graves. Ki-
rov morreu justamente quando o partido aparentemente tinha a ilusão de
que se encontrava com a unidade nacional solidificada. As reações inici-
ais, foram bastante desorganizadas, principalmente por parte de Stalin, o
que indica claramente o caráter de surpresa da notícia, e, por isso, houve
pavor. Inicialmente, foi editado um decreto determinando um procedi-
mento expedido para a detenção e execução de terroristas. Esta medida
drástica foi ditada pelo sentimento de que o regime socialista corria um
perigo fatal.
Apesar do surgimento de uma nova versão puramente política entre
os investigadores, que possibilitou conectar o assassino com a opo-
sição trotskista, a propaganda soviética aderiu à avaliação inicial da
tragédia, relativamente neutra, que apareceu nos jornais em 2 de de-
zembro. O assassinato foi declarado o caso de ”inimigos da classe
trabalhadora, do poder soviético e da Guarda Branca”. Mesmo em 6
de dezembro, falando no funeral de Kirov em Moscou, Molotov de-
clarou: alguns abstratos “inimigos da classe trabalhadora, sua escória
da Guarda Branca, seus agentes estrangeiros” 15 foram os culpados
por sua morte. Esta opinião foi persistente e fortemente apoiada por
reportagens de jornais sobre os julgamentos ”acelerados”de verda-
deiros Guardas Brancos que haviam entrado ilegalmente na URSS
e acusados de preparar atos terroristas que estavam ocorrendo em
Moscou, Leningrado e Minsk naqueles dias.
O primeiro julgamento teve vida extremamente curta. Começou no
dia 28 de dezembro às 14:00, 20 minutos, e terminou às 5:00. 45
minutos 29 de dezembro. Terminou com o inevitável veredicto, pro-
ferido pela sessão de visitação do Colégio Militar do Supremo Tribu-

58
KLAUS SCARMELOTO

nal da URSS, “por ter organizado e executado o assassinato de cama-


rada. Kirov. E não apenas Nikolaev - o único cuja culpa era indiscutí-
vel, mas também seus antigos camaradas no trabalho do Komsomol,
aqueles mesmos que foram revelados pela investigação como simples-
mente amigos próximos de Nikolaev: N.S. Antonova, V.I. Zvezdova,
I.G. Yuskin, G.V. Sokolova, I.I. Kotolynova, N.N. Shatsky, AI. Tol-
mazov, I.P. Myasnikova, L.O. Hanika, BC Levin, L.I. Sositsky, V.V.
Rumyantsev, S.O. Mandelstam.
A franca ambigüidade na avaliação dos resultados da investigação,
que durou um mês, explica em certa medida o número de julgamen-
tos que se seguiram - cinco em praticamente um processo criminal.
Eles foram abertamente dominados por uma preocupação política,
um desejo de decapitar a todo custo, esmagar a antiga oposição Zino-
vievista e resolver esse problema exclusivamente por meios judiciais.
88

No entanto, “16 meses mais tarde, em Junho de 1936, que a procura-


doria sob posse o dossier Kírov com base em novas informações. Elas di-
ziam respeito a uma organização secreta, criada em Outubro de 1932, da
qual Zinóviev e Kámenev faziam parte”89 . As autoridades soviéticas con-
tinham evidências e provas de que Trotsky, no início de 1932, tinha envi-
ado comunicações por meio de cartas a Radek, Sokolnikov, Preobrajénski
e outros para que voltassem a oposição, levando-os a empreender lutas
mais enérgicas contra Stálin, por meio de conspiração, tal qual Broué te-
ria indicado nos apêndices da avaliação do bloco de oposição de 1932.
Getty, durante sua estadia nos arquivos pessoais de Trotsky em Harvard,
revelou algumas indicações dessas convocações a membros da oposição
que, embora não sejam por si só enfatizados na luta violenta, dão o que
pensar. Tokáev, participante ativo de um grupo antistalinista clandestino,
afirmou, sem qualquer tipo de coerção física, quando residente na Ingla-
terra, que Kírov foi morto por uma organização antistalinista do qual ele
próprio era parte. Tokáev, o camarada X, e outros, não só ajudaram a
realizar como acompanharam de perto os preparativos do atentado. Liú-
chkov, aquele que permitiu aos japoneses um plano para matar Stalin,
planos que foram sabotados por Richard Sorge espião atuante no japão,
confirmou que Stáline nada teve a ver com este assassinato. Liuckov fora
um homem do NKVD foragido e residente no japão no final dos anos

88 IDEM.
89 MARTENS, Ludo. Stalin um novo olhar. Disponível em: <https://www.marxists.org/por-
tugues/martens/1994/olhar/06.htm>. Acesso em 1 de Abril de 2020.

59
A ATUALIDADE DE STALIN

193090 . Segundo Tokáev a organização clandestina manteve-se unida


durante a década de 30 aos bonapartistas, aos bukharinistas e aos nacio-
nalistas, aos fascistas como Stepan Bandera também. Depois da grande
guerra patriótica sua atividade não se cessou no aparelho do Estado so-
viético. Tanto se manteve que, no decorrer de 1947, Tokáev, localizava-se
em Karlshorst, na Alemanha. Através de um camarada bem infiltrado
no aparelho soviético, Tokáev obteve os microfilmes de que necessitava
para ajustar as últimas lacunas do quebra cabeça que faltavam para com-
pletar seu dossier pessoal, sobre as atividades que vivenciou. Assim ele se
expressou:
“Eles sabiam demasiado. A abertura da caça aproximava-se perigo-
samente. E quando o processo de acusação estivesse pronto, haveria
factos que remontavam a 1934.

No final de 1947, os democratas revolucionários chegaram à conclu-


são de que deveriam agir: mais vale morrer honradamente do que
arrastar-se como escravos. Animávamo-nos pensar que partidos de
tendência liberal e os que pertenciam à Segunda Internacional, no
estrangeiro, tentariam ajudar-nos. Sabíamos que havia comunistas
nacionais não apenas na Jugoslávia, mas também na Polónia, na Bul-
gária, na Hungria e nos estados bálticos, e acreditávamos que tam-
bém nos apoiariam como pudessem, apesar de não sermos de forma
alguma comunistas.

Mas o MVD(71) (Segurança do Estado) ganhou a corrida. Nós fo-


mos demasiado lentos a mobilizar. Uma vez mais foi a catástrofe.
Começaram as prisões e as acusações remontavam até o assassinato
de Kírov, em 1934. Outros foram acusados das conspirações bona-
partistas de 1937 e 1940, de nacionalismo burguês e de tentativas de
derrubar o regime em 1941. Como a malha se fechava em torno de
nós, eu recebi a tarefa de salvar ao menos os nossos arquivos.”91

Após a sua fuga para a Inglaterra, Tokáev publicou uma série de arti-
gos na imprensa ocidental e confessa ter sabotado o desenvolvimento
da aviação, justificando-se assim:

“Não tentar travar os meus compatriotas na sua investigação, com


uma insaciável ambição de dominação mundial, seria empurrá-los

90 Idem.
91 Tokáev,Comrade X, Harvill Press, Londres, 1956, p. 33. Apud in: MARTENS, L.
Um outro Olhar sobre Estaline. Disponível em< https://www.marxists.org/portugues/mar-
tens/1994/olhar/14.htm>.

60
KLAUS SCARMELOTO

para o destino que Hitler reservou aos alemães. (...) É preciso abso-
lutamente que os ocidentais compreendam que Stálin não perseguia
senão um objetivo: a dominação do mundo por qualquer meio”.92
Em Outubro de 1932, Goltsman, um antigo trotskista, encontrou-se
secretamente em Berlim com Sedov, o filho de Trótski, para analisar a
proposta de Smírnov de criar um Bloco da Oposição Unificada, incluindo
trotskistas, zinovievistas e os partidários de Lominádze. Trótski insistia
na necessidade do ”anonimato e da clandestinidade”. Pouco depois, Se-
dov escreve ao pai comunicando-lhe que o bloco fora oficialmente cons-
tituído e que continuavam a fazer esforços para incluir o grupo de Sá-
farov—Tarkhanov. O Boletim de Trótski chegou a publicar relatórios de
Goltsman e Smírnov, assinados com pseudónimos! Há entre os trotskystas
quem sustente que esse encontro jamais ocorreu porque o Hotel Bristou
teria falido em 1917, no entanto, o ponto de encontro com o nome do
hotel Bristol era visível em 1932. Há uma foto de 1932 que comprova
este fato. “Como parecia de fora em 1932 na época da suposta visita de
Gol’tsman. A foto foi tirada em junho de 1929. Naquela época, o Grand
Hotel era administrado como uma pensão. A entrada do hotel estava
localizada abaixo da seta”93 . Assim, “com alguma dificuldade, podemos
ver a porta giratória - o mesmo tipo de porta que aparece no diagrama
em Arbejderbladet. O conhecido restaurante ”Den Gamle Braeddehytte”
pode ser visto parcialmente no canto esquerdo da foto”94 . Neste sentido
comprovamos que Goltsman não mentiu, e o brilhante artigo citado de
Sven-Eric Holmström refuta essa e outras questões mais ligadas a comis-
são de Dewey. Assim, a direção do Partido tinha perante si provas irre-
futáveis de uma conspiração que visava derrubar a direção bolchevique
e levar ao poder uma corja de oportunistas que eram instrumentos das
antigas classes exploradoras. A existência da conspiração era um sinal de
alarme de último grau. Sobre as ligações de nikolaiev com o restante da
oposição:
Pergunta: Que influência tiveram seus laços com os trotskistas da
oposição em sua decisão de matar Kirov?
Resposta: Minha decisão de matar Kirov foi influenciada por minhas
conexões com os trotskistas Shatsky, Kotolynov, Bardin e outros.

92 Idem. Ibidem
93 Sven-EricHolmström. New Evidence Concerning the “Hotel Bristol” Question in the First
Moscow Trial of 1936. Acesso em 20 de fevereiro de 2020. Disponível em:<https://neode-
mocracy.blogspot.com/2017/03/new-evidence-concerning-hotel-bristol.html>
94 Idem.

61
A ATUALIDADE DE STALIN

“Verificou-se que seus melhores amigos foram os trotskistas Ivan Iva-


novich Kotolynov e Nikolai Nikolayevich Shatsky, com quem Nikolaev
aprendeu muito. Nikolaev disse que essas pessoas eram hostis ao ca-
marada Stalin. Kotolynov é conhecido por ser Comissariado do Povo
para Assuntos Internos como um ex-militante clandestino trotskista.
Certa vez, ele foi expulso do partido e depois readmitido. Shatsky,
um ex-anarquista, foi expulso em 1927 das fileiras do PCUS (b) por
atividades contrarrevolucionárias. Mas, não foi readmitido no par-
tido. Houve uma ordem para prender Shatsky e determinar o pa-
radeiro e a prisão de Kotolynov. O endereço de Glebov-Putilovsky
foi encontrado no caderno de Leonid Nikolaev. Foi estabelecido que
Glebov-Putilovsky em 1923 estava associado ao grupo contrarrevolu-
cionário ”Rabochaya Pravda”. Foram tomadas medidas para escla-
recer a natureza da conexão entre Nikolayev e Glebov-Putilovsky. O
terceiro julgamento oficial, consequência do assassinato de Kirov, foi
realizado nos mesmos dias por uma Conferência Especial. Examinou
rapidamente os casos de 77 pessoas, das quais 65 eram membros do
partido (foram expulsas das fileiras do PCUS (b) somente após sua
prisão), e 57 eram de fato participantes ativos na oposição no pas-
sado. Além disso, foi nesse grupo que oponentes irreconciliáveis das
políticas do grupo stalinista como G.I. Safarov, P.A. Zalutsky, A.I. Ale-
xandrov, Ya. I. Zeitlin, K.S. Soloviev, que no passado em um grau ou
outro participou abertamente da oposição, compartilhou as opiniões
e posições de Zinoviev. Junto com eles, a primeira esposa de Zino-
viev, S.N. Ravich, guardião de uma parte do arquivo Zinoviev K.N.
Emelyanov, bem como quase todos os parentes de Nikolaev - sua mãe
M.T. Nikolaeva, irmã de E.V. Rogachev e A.V. Pantyukhina, marido
do último V.A. Pantyukhin, um primo de G.V. Vasiliev, esposa do
irmão A.A. Nikolaeva - Maksimova. 95
Várias pessoas, designadamente Van Heijenoort, o secretário de Trots-
ky, e Orlov, um trânsfuga do NKVD, declararam na altura que Mark Zbo-
rowski, o colaborador mais próximo de Sedov, trabalhava para os serviços
soviéticos. Nessas condições, podemos afirmar a existência de um bloco
Trótsky-Zinóviev? Ou este permaneceria encoberto? Como se verá adi-
ante, o bloco além de existir, comprovadamente pelos arquivos de Trotsky
em Harvard, operacionava com algumas pessoas dentro do Partido. Se-
gundo o notável advogado inglês, formado no Winchester Colege e na
Universidade de Londres, também integrante da comissão internacional
de inquérito ao incêndio do Reichstag em 1933, Denis N Pritt, o julga-
mento foi justo. Denis N. Print acompanhou o julgamento de perto, e

95 Idem.

62
KLAUS SCARMELOTO

também por meio de correspondentes não comunistas, e que, portanto,


não tinham nenhuma razão ou ganho em reproduzir uma notícia que
limparia a imagem do governo staliniano. Assim ele sentenciou a ques-
tão:
Nas críticas (...) ao julgamento, o que se ressalta (...)é o fato de prova-
velmente ser inverosímil que as pessoas se tenham reconhecido culpa-
das, assim tão abertamente e sem reservas, de crimes tão graves. Que-
riam fazer-nos crer que aquelas confissões tinham sido obtidas “por
terceiras vias” ou por outros métodos incorretos (. . . ) A demonstra-
ção das provas foi válida, os acusados confrontados com estas provas,
decidiram declarar-se culpados apesar de terem a possibilidade de as
refutar. (. . . ) Para mim é claro, por várias razões, que é impossível
falar de confissões arrancadas pela força.
Os acusados eram revolucionários experimentados, homens que, (...)
conheciam todos os tipos de prisões e de procedimentos de investi-
gação, (...) a mentalidade e a posição das autoridades que tinham
em mãos os seus dossiers. Se o Comissariado do Povo dos Assun-
tos Internos, que recebeu o pessoal e as funções do GPU3, obtivesse
confissões através de falsas promessas de julgamentos clementes, nin-
guém estaria seguramente em melhores condições para compreender
o carácter inútil de tais promessas nas circunstâncias de um processo
como este, do que os revolucionários experimentados que eu vi sen-
tados no banco dos réus em Moscovo. Mais que isso, se estivesse nos
hábitos do Comissariado do Povo obter confissões através de violên-
cia, ninguém estaria em melhores condições que estes homens para
resistir à violência e para revelar de seguida ao mundo inteiro como
tinham sido tratados, com a esperança certa de desacreditar desta
maneira os seus inimigos e ganhar a simpatia para si próprios. Se
tivesse havido manipulações ou negligência para forçar estes homens
a confessarem, eles estariam seguramente em melhores condições do
que qualquer outro neste mundo para descobrir e neutralizar o com-
plot.
Entretanto, para os que seguiram o processo torna-se por de mais evi-
dente que as confissões verbais que foram feitas não podiam de forma
alguma ter sido ditadas aos acusados e decoradas por estes. Nenhum
homem normal aceitaria uma tal farsa. Se apenas se tratasse de um
pequeno número de ”factos”bem definidos, um ou dois indivíduos
entre os acusados podiam decorá-los e recitá-los em seguida. Mas ha-
via 16 arguidos neste processo que foram ouvidos sobre um enorme
conjunto de factos ocorridos ao longo de vários anos e de aconte-
cimentos que tiveram lugar em locais diferentes, separados uns dos
outros por milhares de quilômetros, nos quais um ou outro ou duas,

63
A ATUALIDADE DE STALIN

três ou quatro pessoas estiveram implicadas. Duvido que numa farsa


semelhante, mais do que uma ou duas pessoas pudessem desempe-
nhar perfeitamente o seu papel sem deitarem tudo a perder (. . . )
Em pleno interrogatório, assim que um arguido dizia qualquer coisa
a respeito de um outro ou negava qualquer coisa que outro havia
afirmado, acontecia que um terceiro se levantava espontaneamente
ou a isso era solicitado pelo Ministério Público.
Era desta maneira que se resolviam as contradições e os mal-entendidos,
através de um fogo cruzado de perguntas e respostas, de afirmações
e refutações. Por mais longos que fossem os ensaios dirigidos pe-
los maiores atores não teriam conseguido encenar um falso processo
em que os participantes aguentassem dez minutos numa tal luta sem
que tal se descobrisse (. . . ) O fato de esta forma de interrogatório ter
sido utilizada, sem que nenhum dos numerosos participantes críticos
tenha levantado a voz para denunciar uma falha, era uma demonstra-
ção muito convincente do carácter correto do processo (. . . ) Tenho
uma muito boa impressão do correspondente em Moscovo de um
jornal conservador de domingo, que escrevia: “É inútil pensar que o
processo é uma encenação e que as acusações foram fabricadas com
várias peças. A causa defendida pelo governo contra os arguidos é
fundada. Uma outra prova importante da veracidade das acusações
é a ausência total, observada, em todos os países, de alusões a de-
clarações que indicassem que as confissões foram obtidas de forma
incorreta, nomeadamente a tentativa de os arguidos retirarem total
ou parcialmente as suas declarações de confissão.”96
Pritt era membro do Partido Trabalhista desde 1918, ele foi um grande
defensor da União Soviética. Em 1932, como parte da nova comissão de
investigação do Gabinete de Pesquisa Fabiana de GDH Cole. Pritt foi ex-
pulso do Partido Trabalhista em março de 1940 após seu apoio à guerra
contra a Finlândia Nazista. Pritt foi caracterizado por George Orwell
como “talvez o publicitário pró-soviético mais eficaz neste país”97 . Inclu-
sive foi advogado de Ho Chi minh, nos anos 1930. Ele afirmara que os
réus de Moscou, no julgamento de Zinoviev não apresentavam qualquer
sinal de tortura, ou traços de que confessaram um crime por meio de
ameças ou coerção:
Devo repetir uma vez mais que se fossem precisas inteligência e cora-

96 PRITT, D, N. O Julgamento de Zinoviev foi justo. Acesso em 20 de feveireiro de 2020.


Disponível em: <http://www.hist-socialismo.com/docs/OjulgamentodeZinoviev.pdf>.
97 Morgan, Kevin (2009). ”Pritt, Denis Nowell (1887–1972)”. Oxford Dictionary of National

Biography (ed. Online). Imprensa da Universidade de Oxford. doi:10.1093 / ref: odnb /


31570. (É

64
KLAUS SCARMELOTO

gem para negar as suas próprias declarações, os arguidos deste pro-


cesso tinham-nas a ambas. Se para que se dessem com ta de que as
hipóteses, pelo menos para a maioria deles, de evitar a pena de morte
eram mínimas, enquanto as suas confissões não pudessem ser contes-
tadas, se para tudo isto eram exigidos experiência e bom-senso, então
eles eram plenamente capazes de lhes fazer uso.
E talvez possa ser útil referir aqui quantas oportunidades eles tiveram
para poder denunciar essas confissões. Poderiam tê-lo feito imedia-
tamente após a leitura da acusação contra cada um deles. Se tivessem
deixado passar este momento, cada um deles poderia ter retirado li-
vremente a sua confissão durante os três primeiros dias em que foram
ouvidos. Mais ainda, durante o interrogatório, no momento em que
cada um era interrogado, os outros arguidos tinham a possibilidade
de se levantar a qualquer momento e explicar ao tribunal o que pre-
tendiam, de contradizê-lo, de confirmar ou contestar as afirmações
do outro. Logo que o processo foi instruído e antes de o Ministé-
rio Público ter feito o seu requisitório, os arguidos foram convidados
um a um, em conformidade com o procedimento, a apresentar a sua
própria de defesa.
Com toda a naturalidade e toda a compreensão possível, tendo em
conta o facto de os arguidos não terem procurado defender-se na
verdadeira acepção da palavra, que a regra em matéria de procedi-
mento determina que seja sempre o acusado a ter a última palavra,
eles renunciaram a falar naquela ocasião, quando o procurador tinha
a possibilidade de responder às alegações, e reservaram o que tinham
a dizer até ao momento em que lhes foi dada ”a última palavra”. E
logo que o procurador fez finalmente o seu requisitório, com um
conteúdo bem fundamentado e uma forma bem-ordenada, cada um
teve então a última palavra para falar livremente ao Tribunal. Eles
desfrutarão com toda a naturalidade desse direito. Uns foram bre-
ves, outros dirigiram-se ao tribunal como era sua obrigação, alguns
outros dirigiram-se com a vontade, e sem serem chamados à ordem,
ao público presente na sala. As réplicas rápidas da parte do Minis-
tério Público e do Tribunal não tomam sequer um décimo do tempo
que os arguidos tiveram à sua disposição. Se estes homens instruídos,
experimentados mas criminosos, corajosos, não haviam podido apro-
veitar uma de todas estas ocasiões para declarar (à excepção do caso
de Holzman, que embora tenha o admitido durante o interrogató-
rio, explicará no início do julgamento que, tal como Smirnov, negava
a sua participação nos atos de terror) que desejavam retirar uma ou
parte das suas confissões ou que tinham sido tratados de forma in-
correta, e se mesmo quando o procurador – e isto é muito importante
– exigiu a pena de morte para todos em conjunto e não para um ou

65
A ATUALIDADE DE STALIN

outro deles, nenhum fez sinal de exprimir o desejo de ver essa pena
atenuada, nestas condições não podemos tirar outra conclusão que
não seja a de que confessaram porque eram culpados e não porque
houve ameaças ou qualquer outra violência. 98

Os expurgados todos eram inocentes do


totalitarismo?
Os detratores do socialismo não cessam de afirmar que Stálin personi-
ficou a ditadura. A palavra gulag sinonimizou-se a “ditadura stalinista”.
Destruir Stálin, para eles, equivalia a fazer ressurgir a democracia socia-
lista. Mas, a história não provou esse ponto, ao contrário, uma vez Stálin
enterrado, Hitler ressurgiu das trevas. E todos os “injustiçados” do povo,
os Vlássov, os Bandera, os Antonescu, os Tiso e outros canalhas nazifas-
cistas são reabilitados na Rússia, na Ucrânia, na Romênia e na Eslová-
quia. A queda do muro de Berlim inicia a ascensão do neonazismo na
Alemanha. Hoje, face ao ímpeto do capitalismo e do fascismo no Leste,
compreende-se melhor que Stálin defendia efetivamente o poder operá-
rio.
Mas, diante desta circunstância, cumpre lembrar o esforço que o im-
perialismo fez para manter seus agentes no partido soviético e no Estado.
Isso é demonstrado nas memórias do ex-chefe da 5ª Diretoria do KGB,
General F.D. Bobkov ”Como os traidores foram preparados”. Bobkov
pode ser compreendido de diferentes maneiras, no entanto, as informa-
ções registradas pelo general são valiosas.
Bobkov recordou que os chefes da Lubianka chegaram a um acordo
com os serviços secretos ocidentais para minar o sistema soviético por
dentro. Seu codinome é: Plano Lyote. O conjunto documental que prova
atesta a questão leva o nome do general francês que lutou na Argélia e
plantou árvores nas estradas argelinas para que em décadas crescessem
à sombra para os franceses descansar. No mesmo fundamento, o plano
dos imperialistas foi arquitetado para fertilizar um estrato que atuará com
força no momento do golpe antissoviético. O Ocidente criara um estrato
orientado para ele, não só entre a intelectualidade. E atualmente, esse é
o princípio das guerras frias ou híbridas.
O capital mundial estava ciente de que ele e seus cúmplices não po-

98 PRITT,D, N. O Julgamento de Zinoviev foi justo. Acesso em 20 de feveireiro de 2020.


Disponível em: <http://www.hist-socialismo.com/docs/OjulgamentodeZinoviev.pdf>.
66
KLAUS SCARMELOTO

diam declarar abertamente sua intenção de restaurar o capitalismo.


Do contrário, a sociedade, percebendo a natureza antipopular de
suas intenções, os rejeitaria instantaneamente. A esse respeito, em
um memorando secreto da inteligência americana, a tarefa foi defi-
nida para conseguir a restauração do sistema burguês sob o pretexto
de uma luta para melhorar o socialismo. Portanto, tratava-se de “não
apenas pregar o antissoviético e o anticomunismo, mas também cui-
dar das mudanças positivas nos países socialistas”.
F. D. Bobkov também escreveu sobre o encontro de delegações de
órgãos de segurança do Estado dos países da comunidade socialista,
realizado em Havana em 1974. Segundo ele, todos ficaram chocados
com o discurso do chefe do serviço de contraespionagem da Tche-
coslováquia, Molner. Tendo advertido que “o inimigo está procu-
rando força dentro de nossos estados”, ele acrescentou que “o perigo
real virá quando as pessoas no poder cooperarem com o inimigo”.
Segundo o chefe do serviço de contraespionagem da Tchecoslová-
quia, “os métodos de sua reaproximação com o inimigo podem ser
diferentes. Pode ser um desejo de garantias de fortalecimento da
própria posição no poder, uma convicção fraca na cosmovisão socia-
lista”. Por exemplo, ele lembrou como na Tchecoslováquia, durante
o tempo de Dubcek, os líderes do estado “se cobriram com juramen-
tos de lealdade às ideias de Marx e Lenin”. Nesse caminho, como
sabemos, os inimigos do socialismo em nosso país fizeram uma ação
suja sob o pretexto de se esforçarem para ”melhorar”o sistema sovié-
tico. Assim, durante a ”perestroika”de Gorbachev, foi declarada ofi-
cialmente a intenção de ”renovar”o socialismo, de fazer a transição
para suas formas mais ”democráticas”. No entanto, sabemos o que
realmente se passava nas mentes de Mikhail Gorbachev, Alexander
Yakovlev e outros. Pelo menos as figuras acima mencionadas afirma-
ram retrospectivamente que usaram sua própria filiação ao partido
para destruir o sistema socialista soviético. Discursos demagógicos
semelhantes tentaram atrair trabalhadores e trotskistas nas décadas
de 1920-1930. Em palavras, eles declararam sua intenção de se opor
à suposta “burocratização” e por uma “genuína democracia operá-
ria”99 .
Entre os insistentes, veremos os dispostos a arguir o jargão da expe-
riência anedótica, resumindo-a no exagero. No entanto, a soma deste
conteúdo as lembranças de estadistas e ocidentais aposentados como o

99 CHISTY, M. As raízes da quinta coluna. Disponível em:


<https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/as-ra% C3% ADzes-da-quinta-coluna-
na-urss>. Acesso em 20 de novembro de 2020.

67
A ATUALIDADE DE STALIN

ex-diretor da CIA Allen Dulles, revela o mesmo conteúdo. Segundo Dul-


les: a Rússia devia ser colocada em seu lugar! De grande interesse para
nós é o seu 12º capítulo com o seguinte título “Agentes da CIA. Como
são recrutados os líderes partidários dos sovietes”100 .
Allen Dulles escreveu que os cidadãos soviéticos, temendo a expo-
sição, recorriam aos seus serviços de inteligência para fornecer-lhes
informações sobre a URSS. Os relevantes faziam isso se os serviços
ocidentais pagassem quantias em dinheiro. Assim, buscaram garan-
tir sua própria posição.
Dulles afirmava que quem quer evitar a punição comete violações
ainda maiores da lei, sujeitando-se a trabalhar para a inteligência
ocidental, já que não vê saída para a situação. Além disso, os serviços
de inteligência ocidentais sempre o informam que podem expô-lo
perante as autoridades soviéticas a qualquer momento.
Por que os atos ilícitos do partido soviético e dos líderes do estado po-
deriam ser sujeitos a sanções? Dulles escreve que um dos principais
crimes entre os comunistas é ”o desvio da linha do partido em suas
ações”. Em outras palavras, trata-se de responsabilidade por sabotar
decisões de autoridades superiores, por não observância dos princí-
pios do centralismo democrático. Mas houve quem quisesse saquear a
propriedade pública. Elementos semelhantes, procurando encobrir
os de seus crimes, encontraram uma maneira de salvar suas peles na
cooperação com serviços de inteligência estrangeiros.
Isso teve relação direta com os trotskistas-bukharinistas. O fracasso
deles em aplicar decisões pelo governo soviético, ignorando a carta do
Partido Comunista, a formação de grupos antigovernamentais clan-
destinos, a preparação pelo pessoal relevante de atentados contra a
vida dos líderes do Partido e do Estado soviético, tomada armada do
poder, iniciando sabotagem nas instalações de produção, no trans-
porte — tudo isso é seu ”histórico”, atos criminosos eram mais do
que suficientes para sua fácil exposição e sanções subsequentes. Esta
circunstância os obrigou a buscar uma forma de encobrir suas ativi-
dades em conluio com os serviços de inteligência de Estados hostis
ao nosso país. Bem, o apelo de Trotsky para repetir as ”táticas de
Clemenceau”levou as pessoas envolvidas a buscar ativamente conta-
tos com os serviços de inteligência ocidentais. Isso é exatamente o
que está registrado nas memórias de Allen Dulles. Ele observou que
os serviços de inteligência das ”principais potências mundiais”acom-
panharam de perto os processos que se desenvolviam no partido e

100 Idem. Ibidem.

68
KLAUS SCARMELOTO

na ”elite”estatal da URSS. Durante vários anos, os serviços de inte-


ligência ocidentais, de acordo com o ex-chefe da CIA, acompanha-
ram fatores relacionados a atividades, discursos e ”a vida pessoal dos
líderes comunistasdo topo aos níveis mais baixos da hierarquia do
partido”101 .
Assim podemos ter como certo, sobre este aspecto, que os serviços se-
cretos, seja na era Stalin, seja após ela, tinham total ciência de que os
povos no LESTE europeu e os povos soviéticos não desejavam uma con-
trarrevolução. Isso fica evidente quando no próprio relato de Bobkov ele
afirma “O capital mundial estava ciente de que cúmplices não podiam
declarar abertamente sua intenção de restaurar o capitalismo. Do contrá-
rio, a sociedade, percebendo a natureza antipopular de suas intenções, os
rejeitaria”.
Além disso, não só a chamada literatura Stalinista considera diversas
fontes históricas “favoráveis” a Stalin como válidas, mas o antistalinismo
vem mudando. O antistalinismo, como paradigma está em movimento.
Atualmente, não se nega como antes a luta armada contra Stalin, o que
se faz é justificá-la. Assim como também não se nega a existência da de-
mocracia socialista e da gestão dos trabalhadores no Estado, o que se faz
é afirmar que tal prerrogativa existia para mascarar o caráter “ditatorial”
dos expurgos. E parece que, no Brasil, pelo menos, querem formular a
mesma resposta dos anos 1960 após o surgimento de fontes que negam
essa tratativa de época. Isso explica abertamente os ataques a Domênico
Losurdo.
Sobre a morte de inocentes nos processos de moscou é digno de reco-
nhecimento que VIKTOR ZESMKOV, antistalinista ferrenho, fez sobre a
truculência da oposição a Stalin. Como primeiro analista da abertura dos
arquivos na época de Gorbatchev, Zemskov disse:
O termo “inocente condenado” não se aplica a todas as pessoas rea-
bilitadas ou a todos os condenados. Na verdade, milhares foram ví-
timas de acusações totalmente forjadas. Mas, também houve alguns
que tiveram a seu crédito ações concretas (incluindo as de natureza
armada) dirigidas contra o sistema existente. Eles foram reabilita-
dos sob a alegação de que sua luta contra o bolchevismo e o poder
soviético era supostamente ”justa”. (...) Foi tão longe que, em 1996,
o SS Gruppenführer G. von Pannwitz foi reabilitado por decisão do
Gabinete do Procurador-Geral Militar (GVP). Unidades cossacas sob
o comando de Pannwitz - a 1ª Divisão de Cavalaria Cossaca, então

101 Idem.

69
A ATUALIDADE DE STALIN

desdobrada para o 15º Corpo de Cavalaria Cossaca - participaram de


operações punitivas na Iugoslávia. Em 1947, junto com outros cri-
minosos de guerra, foi enforcado por veredicto do Colégio Militar
da Suprema Corte da URSS. A reabilitação significava que ele, ao
que parece, era “uma vítima inocente do stalinismo”. É verdade que
em 2001 o GVP chegou a uma conclusão diferente: von Pannwitz foi
condenado pelos atos criminosos cometidos e não está sujeito a rea-
bilitação. Na propaganda, no jornalismo e no cinema, o seguinte mé-
todo de falsificação é muito difundido: retratar criminosos, mereci-
damente condenados por seus atos criminosos, como “vítimas inocen-
tes do stalinismo”. Assim, de acordo com o enredo do filme “A Úl-
tima Batalha do Major Pugachev”, lançado nas telas em 9 de maio de
2005, 12 prisioneiros, que foram supostamente condenados inocen-
temente, homenageados oficiais da linha de frente, estão levantando
algo como um levante em um dos campos. Surge a pergunta: quem
eram seus protótipos? Acontece que um fato semelhante realmente
ocorreu em 26 de julho de 1948: então 12 criminosos perigosos (um
assassino, dois policiais e nove homens Bandera) fugiram de um de-
partamento do campo de Gulag, matando três pessoas (o guarda sê-
nior, o oficial de pelotão e o oficial de guarda). . . No decorrer de
sua perseguição, uma batalha realmente aconteceu: na escaramuça
que se seguiu, nove fugitivos foram mortos e três foram capturados
vivos [161]. E no filme ”A Última Batalha do Major Pugachev”esta
gangue de cúmplices alemães, membros de formações de bandidos
e ”mokrushnikov”milagrosamente se transforma em ”honrados ofi-
ciais da linha de frente, inocentemente condenados pela justiça de
Stalin”. Este é um truque de falsificação deliberado.102
Esses casos dão uma ideia da grande dificuldade com que se deparou
o poder soviético na luta contra inimigos, agindo em segredo, inimigos
que se esforçaram por todos os meios para minar e destruir o Partido e o
poder soviético a partir do interior. Este contexto, muitas vezes, encon-
trava apoio faticamente no idealismo pequeno-burguês que aceitava de
bom grado os ideais comunistas, mas que abstraía completamente a reali-
dade econômica e social do possível, bem como do contexto internacional
de agressão constante do imperialismo no qual a classe operária teve de
assentar no decorrer da realização da revolução Russa. Alguns destes
pequeno-burgueses rejeitam os ideais comunistas assim que se deparam
com a aspereza da luta das classes e as dificuldades da construção do so-
cialismo. O dado arquivístico de Zemskov pode ser complementado por

102 ZEMSKOV, V. Stalin e o povo. Por que não houve um levante?. Disponível em: https://sta-
linism.ru/dokumentyi/stalin-i-narod-pochemu-ne-bylo-vosstaniya.html?start=2. Acesso em
20 de Maio de 2020.
70
KLAUS SCARMELOTO

um depoimento de um ex-antistalinista convicto que, desde a idade dos


17 anos, considerava-se um neo-anarquista, que leu com paixão as obras
de Bakúnine e de Kropótkine, depois as de Jeliábov e dos populistas.
Fui um antistalinista convicto desde a idade de 17 anos. A ideia de
um atentado contra Stálin invadia os meus pensamentos e sentimen-
tos. Estudamos as possibilidades “técnicas” de um atentado. E pas-
samos à sua preparação prática. “Se me tivessem condenado à morte
em 1939, essa decisão teria sido justa. Eu concebera o plano de matar
Stálin e isso era um crime, não? Quando Stálin ainda estava vivo, eu
via as coisas de outro modo, mas agora que posso sobrevoar este sé-
culo, digo: Stálin foi a maior personalidade do nosso século, o maior
gênio político. Adotar uma atitude científica a respeito de alguém é
diferente de manifestar uma atitude pessoal.”103
Deustcher deu seguimento a essa empreitada após ter acesso aos ar-
quivos pessoais de Trotsky, sobretudo, em relação ao caso dos generais de
Tukachevsky. Isaac Deutscher, em seu livro Stalin: A Political Biography,
de 1967, escreve que os líderes militares planejavam derrubar I.V. Stalin.
Segundo ele, “a parte principal do golpe foi planejada como um golpe
palaciano no Kremlin, culminando no assassinato de Stalin”104 . Deuts-
cher chama o principal inspirador da conspiração de Tukhachevsky, que,
de seu ponto de vista, “em muitos aspectos provou ser semelhante ao Bo-
naparte real e poderia desempenhar o papel do primeiro cônsul russo”.
Como o resto dos conspiradores, o autor nomeia o chefe do Diretório Po-
lítico do Exército Vermelho Gamarnik, o comandante do Distrito Militar
de Leningrado Yakir, comandante do Distrito Militar Ocidental de Ubo-
revich, chefe da Academia Militar. M.V. Frunze Kork e outros generais.
Deutscher acredita que Tukhachevsky foi guiado por boas considerações,
tentando “salvar. . . o país do terror insano dos expurgos”105 .
Os antistalinistas dos anos 1930 causavam inúmeras más impressões
a URSS. Na Checoslováquia, dias depois do tratado de Monique e na vés-
pera da invasão nazista, em setembro de 1938, o jornal de Nova York Soci-
alistappil, que apoiava os trotskistas, escreveu em um editorial: “A Tche-
coslováquia é uma aberração monstruosa (. . . ) nascida da vergonhosa

103 Alexandre Zinoviev. Les confessions d’um homme en trop. Ed. Olivier Orban, 1990,
pp.104, 120, Interview Humo, 25 Fevereiro de 1993, pp. 48-49. Apud in Martens, L.
Um outro olhar sobre Stalin. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/mar-
tens/1994/olhar/index.htm>. Acesso 20 de maio de 2020.
104 CHISTYI, Mikhail. Os Grandes Expurgos: a tentativa de golpe militar em 1937 a luz

de novos fatos. Disponível em: <https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/os-grandes-


expurgos-a-tentativa-de-golpe-militar-em-1937-a-luz-de-novos-fatos>.
105 Idem.

71
A ATUALIDADE DE STALIN

Conferência de Versalhes ... na Tchecoslováquia a democracia foi apenas


um véu gasto da exploração capitalista desenvolvida. . . Esta perspectiva
requer de nós (. . . ) uma oposição revolucionária real ao estado burguês
da Checoslováquia”106 . Na China, os trotskistas operaram sob a liderança
da inteligência militar japonesa. O chefe do serviço de informação japo-
nês em Beiping em 1937 afirmou sem rodeios: que para o benefício do
Japão, eles deveriam “apoiar um grupo de trotskistas e contribuir para
o sucesso de suas atividades em diferentes partes da China, já que esses
chineses minam a unidade do povo chinês. Eles trabalham sutilmente e
com grande habilidade”107 .
Hajime Sugiyama, chefe militar supremo do Japão afirmou ter traba-
lhado com toda a oposição soviética ainda antes do final da guerra108 , esse
relato também é confirmado por Liúshkov, que desertou para o Japão e
foi colocado na linha de frente dos expurgos por Iejov. Liushkov embora,
pessoalmente, negasse o seu envolvimento nas conspirações, disse que os
japoneses tinham certeza da existência das conspirações.
“Ele também confirmou que os conspiradores que existiam estavam
ligados com o grupo de Tukhachevsky através de Gamarnik. Liush-
kov, afirmou que os conspiradores queriam unir forças aos japoneses
para infligir uma derrota às forças armadas soviéticas, e que alguns
deles tinham conspirando diretamente com os militares japoneses
(Coox)”109 .
Mesmo que Liushkov não fizesse nenhuma declaração compromete-
dora, a estadia, ou exílio, aceita num país fascista, por si só, já é bastante
comprometedora e indica alguma relação a priore, cuja chance de ser co-
laborativa é relativamente grande. Todas essas afirmações foram feitas
longe do território soviético.

106 MIKHAIL, Chisty. Julgamentos de Moscou 1936-1938: a derrota dos dissi-


dentes ou da quinta coluna?. Disponível em: https://www.cienciasrevoluciona-
rias.com/post/julgamentos-de-moscou-de-1936-1938-a-derrota-dos-dissidentes-ou-a-
quinta-coluna. Acesso 20 de novembro de 2020.
107 CHISTY, M. As raízes da quinta coluna. Disponível em:
<https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/as-ra% C3% ADzes-da-quinta-coluna-
na-urss>. Acesso em 20 de novembro de 2020.
108 ”New York Times, 2 de março de 1937, p. 5. Meus agradecimentos a Sven-
Eric Holmstrom, que obteve e compartilhou comigo uma cópia do artigo original
do jornal japonês Miyako Simbun de 20 de fevereiro de 1937.FURR: Disponível em
< https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/evid% C3% AAncias-da-colabora% C3%
A7% C3% A3o-de-leon-trotsky-com-a-alemanha-e-o-jap% C3% A3o>
109 Ver Grover Furr. Evidências da colaboração de Trotsky com Alemanha e Japão. Dispo-

nível em <https://bit.ly/3mCPLBD>. E ver também: Trotsky Amalgams. Pag. 166-167.


Disposnível em: <https://bit.ly/3wGEp4p>
72
KLAUS SCARMELOTO

Ainda sobre o Japão: é digno de nota que Mao Zedong enfrentou


problemas da mesma natureza, e, nesse caso, ele tem autoridade para
declarar isso, assim como Zhou Enlai110 . Tendo confirmado que a opo-
sição a URSS na China atuava do mesmo modo, com o mesmo padrão, e
em aliança com o Japão111 . Todas essas evidências são classificadas como
“NÃO SOVIÉTICAS”.

Bukharin e Riutin
Bukharin também surge em torno da polêmica nos processos de mos-
cou, sobretudo, é condenado moralmente por um importante antistali-
nista, Humbert-Droz. Droz foi representante da terceira internacional
na Suíça, também avaliado pelo historiador Vladimir Brobov e Grover
Furr. Droz manifestou extremo desconforto e irritação ao ouvir da boca
do próprio Bukharin, que ele e a oposição estavam a praticar o terrorismo
e a sabotagem na URSS, e Droz, sempre detestou STALIN, ele acreditava
que Lenin havia deixado um testamento contra Stalin, e, portanto, esse
método violento de luta não seria necessário na URSS.:
Humbert-Droz encontrou-se e falou com Bukharin pela última vez no
inicio de 1929. O comunista suíço estava prestes a partir para uma
conferência dos partidos comunistas latino-americanos. Em suas me-
mórias, publicadas na Suíça em 1971, Humbert-Droz relembrou o
incidente da seguinte forma: Antes de partir, fui ver Bukharin pela
última vez, sem saber se o veria novamente quando voltasse.Tivemos
uma conversa longa e franca. Ele me atualizou sobre os contatos fei-
tos por seu grupo com a facção Zinoviev-Kamenev para coordenar
a luta contra o poder de Stalin. Não escondi dele que não concor-
dava com esse vínculo entre as oposições. “A luta contra Stalin não
é um programa político. Combatemos com razão o programa dos
trotskistas em questões essenciais, o perigo dos kulaks na Rússia, a
luta contra a frente única com os social-democratas, os problemas
chineses, a perspectiva revolucionária míope, etc. No dia seguinte
à vitória comum contra Stalin, os problemas políticos nos dividirão.
Este bloco é um bloco sem princípios que entrará em colapso antes
de alcançar qualquer resultado ”.”Bukharin também disse que eles
decidiram usar o terror individual para se livrar de Stalin. Sobre
este ponto, também expressei minhas reservas: a inserção do terror

110 Zhou
Em-lai. https://www.marxists.org/portugues/chu-en-lai/1929/10/trotskista.htm
111 VER: https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/sobre-o-uso-de-trotskistas-como-
espi% C3% B5es-japoneses-na-china. MAO ZEDONG. O USO DE TROTSKYSTAS COMO
ESPIÕES JAPONESES.
73
A ATUALIDADE DE STALIN

individual nas lutas políticas nascidas da Revolução Russa corre for-


temente o risco de se voltar contra aqueles que o utilizam. Nunca foi
uma arma revolucionária. “Minha opinião é que devemos continuar
a luta ideológica e política contra Stalin. Sua linha levará em um
futuro próximo a uma catástrofe que abrirá os olhos dos comunistas
e levará a uma mudança de orientação. O fascismo ameaça a Ale-
manha e nosso grupo de charlatães não conseguirá resistir. Diante
da derrocada do Partido Comunista da Alemanha e da difusão do
fascismo na Polônia e na França, a Internacional deve mudar sua po-
lítica. Esse momento será então a nossa hora. Portanto, é necessário
continuar a ser disciplinado,”Bukharin sem dúvida percebeu que eu
não me juntei cegamente a sua facção, cuja única agenda era elimi-
nar Stalin . / 380 / Este foi nosso último encontro . Era evidente que
ele não confiava na tática que eu propus. Ele também, sem dúvida,
conhecia melhor do que eu os crimes de que Stalin era capaz. Em
suma, aqueles que, após a morte de Lenin e com base em sua von-
tade, poderiam destruir Stalin politicamente, procuraram eliminá-lo
fisicamente , quando ele tinha firmemente em suas mãos o Partido e
o aparelho policial do Estado ”112 .
No mesmo sentido LOSURDO comenta e acrescenta que não só BU-
KHARIN teria confessado a terceiros não soviéticos o problema, o mesmo
pode-se dizer de MARTEIAN RIUTIN:
Nesse meio tempo, com o abandono da NEP consumou-se a ruptura
com Bukharin. A propósito da posição assumida por este último
pode ser interessante ler o testemunho de Humbert-Droz, dirigente
do Komintern expulso do partido comunista suíço em 1942 por seus
desentendimentos com Stalin. Da partida para a I Conferência dos
sindicatos revolucionários da América Latina, na primavera de 1929,
ele vai cumprimentar Bukharin e tem uma conversa com ele, assim
relata “Colocou-me a par dos contatos feitos pelo seu grupo com a
fração Zinoviev-Kamenev para coordenar a luta contra o poder de
Stalin”, uma luta que previa o recurso também ao “terrorismo indi-
vidual” e cujo objetivo central “era eliminar Stalin” e, para ser claros,
“elimina-lo fisicamente”. Três anos depois é outro da “direita”, ou
seja, Martemian N. Riutin, que redige e faz circular um documento
que passa de mão em mão e que classifica Stalin como um “provo-
cador” do qual é preciso desembaraçar-se, recorrendo até ao tirani-
cidio. Quando Buharin expõe os seus planos, Humbert-Droz, lhe
objeta que “a introdução do terrorismo individual nas lutas políticas

112 FURR, G; BROBOV, V. MAIS UMA EVIDÊNCIA DA CULPA DE BUKHARIN. Dis-


ponível em:<http://criticamarxista-leninista.blogspot.com/2013/01/furr-evidencia-culpa-
bujarin.html>.
74
KLAUS SCARMELOTO

nascidas da Revolução Russa corria muito o Risco de voltar-se contra


aqueles que a usassem”, mas Bukharin não se deixa impressionar.
Por outro lado, dificilmente a objeção que se acabou de ver podia
impressionar um homem que agora — como ele reverá confidenci-
almente em 1936 — nutre em relação a Stalin um “ódio” profundo,
antes o ódio “absoluto” que se reserva a um “demônio”113 .
Bukharin que já havia admitido no passado, em 1926, ter se envol-
vido com os revolucionários socialistas de esquerda em uma conspiração
para prender Lenin114 , também buscava seu lugar no centro da conspira-
ção. Riutin formou com ele um bloco para tal empreitada cujo objetivo
era sim a cabeça de Stalin como vimos acima. Os motivos disso são bas-
tante simples: no decorrer de 1928-1930, Bukhárin fora fortemente re-
chaçado pelas suas ideias sociais-democratas e, principalmente, pela sua
contraposição à coletivização, e a sua luta para acalmar a industrialização
porque ambas as políticas eram apoiadas maciçamente pelo povo sovié-
tico. O grupo de bukharinistas tinha orientação nitidamente nociva. Em
1931, os próprios soviéticos encontram um manifesto que é corroborado
a evidência não soviética de Droz, Riútin escreveu um documento de 200
páginas que constitui um programa se opondo a basicamente tudo que
era apoiado pelo povo soviético. Nele lê-se:
“Foi entre 1924 e 1925 que Stálin decide organizar o seu” 18 de Bru-
mário”. Tal como Luís Bonaparte, que jurou diante da Câmara fi-
delidade à Constituição enquanto ao mesmo tempo preparava a sua
proclamação como imperador (. . . ) Stálin preparava o 18 de Bru-
mário “sem derramamento de sangue” procedendo à amputação de
um grupo após outro. (. . . ) Aqueles que não conseguem refletir de
maneira marxista pensam que a eliminação de Stálin significaria ao
mesmo tempo a derrota do poder soviético. (. . . ) A ditadura do pro-
letariado perecerá inevitavelmente devido aos erros de Stálin. Elimi-
nando Stálin, teremos muitas hipóteses de a salvar. Que fazer?
”O Partido. 1) Liquidar a ditadura de Stálin. 2) Substituir toda a
direção do aparelho do Partido. 3) Convocar imediatamente um con-
gresso extraordinário do Partido.
”Os sovietes. 1) Novas eleições com exclusão da nomeação. Substitui-
ção da máquina judiciária e introdução de uma legalidade rigorosa.

113 LOSURDO, D. Stalin: história crítica de uma lenda negra. Editora Revan: Rio de Janeiro,
2010. Pag. 81.
114 Furr, G. Remarks on the Moscow Trials, on Evidence, and Objectivity. Disponível em:

< https://msuweb.montclair.edu/∼ furrg/research/remarks_on_the_moscow_trials.html>.


Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

75
A ATUALIDADE DE STALIN

3) Substituição e saneamento do aparelho da GPU.


“Agricultura. 1) Dissolução de todos os kolkhozes criados a força. 2)
Liquidação de todos os sovkhozes deficitários. 3) Fim imediato da pi-
lhagem dos camponeses. 4) Regulamentação da exploração da terra
pelos proprietários privados e atribuição das terras por um prazo pro-
longado.”115
O programa “comunista” de Riútin não diverge, substancialmente,
dos burgueses do governo provisório menchevique: sua proposta é liqui-
dacionista sobre a direção do Partido, consiste em esfarelar o aparelho de
segurança do Estado e restabelecer um sistema mais dependente. Porém,
no ano de 1931, Riútin, tal qual Trótski, disfarçava seu programa nas ex-
pressões de “esquerda”. Durante o seu julgamento, em 1938, Bukhárin
declarou que os “jovens bukharinistas”, com o seu acordo e por iniciativa
de Slepkov, realizaram no final do Verão de 1932 uma conferência que
aprovou a plataforma de Riútin. A existência de um bloco envolvendo
Riutin e Bukharin também fora encontrada pelo Trotskysta Pirre Broué
nos arquivos pessoais de Trotsky, que não apenas confirma o bloco, como
diz o período em que ele funcionou, entre 1929-1932, embora nada ve-
nha a impedir a suposição de que esse bloco funcionou por mais tempo,
porquanto revela a confissão jamais julgada de Aleksander Zinoviev, as-
sim: “O material como um todo demonstra que o bloco, ou pelo me-
nos uma de suas partes constituintes, estava em contato com o grupo
de Riutin-slepkov, a direita”116 . As memórias do Menchevique Nikolái-
evski confirmam que bukharin conspirava contra o governo soviético e
ainda permite questionar a possibilidade de encontros com Trotsky na
Noruega, tornando ainda mais verossímel a história do voo de Piatakov.
Assim disse Nikolaevsky: quando estávamos em Copenhaga, Bukhárin
lembrou-me que Trótski se encontrava relativamente próximo de nós, em
Oslo. Com um piscar de olho, sugeriu-me: “E se fizéssemos a mala para
irmos passar um dia com Trótski?”. E prosseguiu: “Evidentemente, nós
travamos uma luta de morte, mas isso não me impede de ter por ele o
maior respeito”. Em 1936, Trótski protagonizava a luta contra a linha
oficial soviética e isso é visto nos seus documentos pessoais em harvard.
Bukhárin procurava alinhar-se taticamente a Trotski. Sobre isso Nikolái-
evski afirmou:

115 MARTENS, L. Um Outro Olhar sobre Estaline. Disponível em: <


https://www.marxists.org/portugues/martens/1994/olhar/11.htm# i015>. Acesso em
20 de fevereiro de 2020.
116 FURR, G. Trotsky Amalgms: Trotsky’s Lies, the Moscou Trials as Evidence, the Dewey Com-

mission. Volume One. Erythros Press and Media. Pag. 66-67.

76
KLAUS SCARMELOTO

“Um dia, ele pediu-me que lhe procurasse o Boletim de Trótski para
poder ler os últimos números. Eu forneci-lhe igualmente publicações
socialistas, inclusive o Sostialistítcheski Véstnik.” “Um artigo no úl-
timo número continha uma análise do plano de Górki, que visava
reagrupar a intelligensia num partido separado para participar nas
eleições. Bukhárine declarou:É necessário um segundo Partido. Se
não existir, haverá uma só lista eleitoral, sem oposição, isso equivale
ao nazismo”.”
“Bukhárin puxou uma caneta. Foi com ela que a Nova Constituição
Soviética foi inteiramente redigida, da primeira à última palavra”.
Bukhárin estava muito orgulhoso dessa constituição. No seu con-
junto, era um quadro bem concebido para uma transição pacífica da
ditadura de um Partido para uma verdadeira democracia.”
«Interessando-se» pelas ideias de Trótski e dos sociais-democratas,
Bukhárine acaba por adoptar a tese principal sobre a necessidade de
um partido de oposição antibolchevique, que se tornaria inevitavel-
mente o ponto de convergência de todas as forças reaccionárias.117

Nikoláievski continua:
“O humanismo de Bukhárin devia-se em grande parte à crueldade
da coletivização e ao combate interno que ela desencadeou no in-
terior do Partido. (. . . )” Já não são seres humanos”, dizia Bukhá-
rine. “Tornaram-se engrenagens de uma máquina medonha. Está
em curso uma desumanização total das pessoas que trabalham no
seio do aparelho soviético”.”
“Nos começos da revolução bolchevique, Bogdánov tinha previsto o
nascimento da ditadura de uma nova classe de dirigentes econômi-
cos. Pensador original, e o segundo mais importante entre os bolche-
viques, Bogdánov desempenhou um grande papel na educação de
Bukhárin. Bukhárin não estava de acordo com as conclusões de Bog-
dánov, mas compreendia que o grande perigo do ”socialismo prema-
turo”, que os bolcheviques empreendiam, residia na criação de uma
ditadura da nova classe. Bukhárin e eu falamos longamente sobre
esta questão.”118

No breve período de degelo em 1934-1936, Bukharin foi politica-


mente reabilitado e foi nomeado editor do Izvestia em 1934. Lá, ele
consistentemente destacou os “perigos dos regimes fascistas” na Europa

117 Idem. Ibidem


118 Idem. Ibidem.

77
A ATUALIDADE DE STALIN

e a necessidade do ”humanismo proletário”. Uma de suas primeiras de-


cisões como editor foi convidar Boris Pasternak para contribuir com o
jornal e participar de reuniões editoriais. Pasternak descreveu Bukharin
como “um homem maravilhoso e historicamente extraordinário, mas o
destino não foi gentil com ele”.
Enquanto se exprime assim privadamente, Bukharin dirige o órgão
do governo soviético Izvestia. Trata-se de uma incoerência clamo-
rosa? Não do Ponto de vista do dirigente bolchevique, que continua
a combinar trabalho legal e ilegal, a fim de derrubar um regime que
considera odioso e que parece valorizar outra indicação de Lênin.
Num país autocrático, onde a imprensa está escravizada, numa época
de reação política impiedosa, que reprime até as mínimas manifes-
tações de descontentamento e de protesto político, numa literatura
submetida à censura, a teoria do marxismo revolucionário abre ca-
minho improvisadamente, na imprensa censurada, exposta numa lin-
guagem esópica(. . . )É exatamente assim que Bukharin utiliza a tri-
buna do governo soviético. A condenação do “Estado total onipo-
tente”, fundamentado na “disciplina cega”, na “obediência jesuítica”,
na “glorificação do ∗ Chefe”” finge fazer referência apenas à Alema-
nha de Hitler, mas na realidade visa também a URSS. A “linguagem
esópica” recomendada por Lênin se torna imediatamente transpa-
rente, quando a denúncia investe contra o “provincianismo cruel in-
culto”, É claramente o retrato que a oposição traça de Stalin. Vimos
Trotsky falar dele como de um “pequeno provinciano” (supra, Prefá-
cio, 1), e nas conversas reservadas é o próprio Bukharin que exprime
o seu desdém por um dirigente que sucedeu a Lênin, embora igno-
rasse totalmente as línguas estrangeiras.
Bukharin e a oposição esperavam que um fenômeno análogo criasse
um clima favorável à derrocada de Stalin. Mas também Stalin tinha
lido O que fazer? e conhecia bem as regras bolcheviques da conspi-
ração. Em conclusão, assistimos a uma guerra civil prolongada. À
rede clandestina se reorganiza ou procura reorganizar-se, apesar das
sucessivas ondas de uma repressão que se torna cada vez mais im-
piedosa. Para dizer com as palavras de uma militante ativa da luta
contra Stalin: “Não obstante fosse pisada e aniquilada, a oposição
sobreviveu e cresceu; no exército, na administração, no partido, nas
cidades e na zona rural, cada onda terrorista [do regime staliniano]
suscitou um movimento de resistência”. “O grupo dirigente bolche-
vique aparece agora dividido por uma prova de força que não está
excluída de golpes e que, pelo menos nas expectativas e nas espe-
ranças dos inimigos de Stalin, de um momento para o outro pode
envolver de modo aberto e generalizado o país inteiro. Enquanto a

78
KLAUS SCARMELOTO

oposição pode referir-se à lição de Lênin e à tradição conspirativa do


bolchevismo para tecer as suas tramas na sombra, essa duplicidade
suscita a indignação do poder soviético que rotula nos falsos amigos.
O inimigo mais fugaz e mais insidioso: a tragédia corre para o seu
epílogo.119
Na URSS, o uso comprovado da linguagem esópica constituía um
crime e uma prova direta contra o acusado. Além do mais, a evidência tra-
zida pelas memórias de Nikolaievsky, permitem corroborar o testemunho
tanto de Droz, quanto da confissão de Bukharin no qual ele admite ter
participado do bloco com os Trotskystas. O que nikolaievsky confirma,
é o caráter conspirador de Bukharin. Até agora, nada obsta a ideia de
que os expurgos não foram uma mera tentativa de eliminar a oposição.
Como última prova do caso Bukharin, vale mencionar algumas questões
importantes sobre a organização dos expurgos. E aqui está a versão do-
cumental, apresentada pelos historiadores G.A.Bordyugov e V.A.Kozlov:
“Uma comissão presidida por Mikoyan, criada no Plenário para re-
digir uma resolução sobre o ’caso dos camaradas Bukharin e Rykova
“começaram a trabalhar em condições em que, ao que parece, a ques-
tão é clara. No entanto, agora Stalin teve que recorrer a uma manobra
política. Isso confirma o fato de que a redação final da resolução está
sendo discutida. A opção de Yezhov - excluir Bukharin e Rykov dos
candidatos do Comitê Central do Comitê Central do Partido Comu-
nista (bolcheviques) e membros do PCUS (bolcheviques) e levá-los a
julgamento pelo Tribunal Militar com o uso da pena capital - exe-
cução - foi inicialmente apoiada por Budyonny, Manuilsky, Shvernik,
Shvernik, Kosarev. A proposta de Postyshev - processar sem o uso da
execução - foi apoiada por Shkiryatov, Antipov, Khrushchev, Nikola-
eva, Kosior, Petrovsky, Litvinov. E ainda não se sabe como os eventos
teriam se desenvolvido se Stalin não tivesse proposto uma jogada in-
teligente e sutil: “Não leve a tribunal, e enviar o caso de Bukharin
e Rykov ao NKVD, “supostamente para investigação adicional. Esta
opção foi apoiada primeiro por Ulyanova, Krupskaya, Vareikis, Mo-
lotov, Voroshilov e depois por todos os outros membros da comissão.
Esta opinião unânime foi comunicada por Stachin em 27 de feve-
reiro de 1937 aos participantes do Plenário. O plenário votou por
unanimidade a favor desta decisão, com duas abstenções - Bukharin
e Rykov”.120

119 LOSURDO, Domênico. Stálin:história crítica de uma lenda negra. Rio de Janeiro: Revan,
2010. Pag. 81-83.
120 Bordyugov G., Kozlov V. Nikolay Bukharin. Episódios de uma biografia política Comunista.

1988. No. 13.P. 108. Apud in: PIKHALOV

79
A ATUALIDADE DE STALIN

O que fica claro é que duas pessoas com o mesmo capital “moral, po-
lítico e pessoal” de Stalin estão presentes nessa comissão: Krupskaya e
Maria Ulianova, respectivamente a viúva de Lenin e sua cunhada a irmã
casula de Lenin. Segundo o Historiador Igor Pikhalov, o antistalinismo
expresso pelo depoimento da viúva de Bukhárin não confirma as reu-
niões documentadas pela comissão dos expurgos e da investigação do caso
Bukharin. E ainda levantam questões importantes: se STALIN, não fora
favorável a pena capital, por que é que mesmo assim ela foi aplicada a
Bukharin? Ao passo que a resposta é mais simples do que se imagina,
ela é um tanto complexa e cara para o antistalinismo, afinal, o motivo é
deveras Simples: Stalin não era dono do partido, e essa documentação
prova isso.
O que é mais confiável: documentos ou histórias orais de ”prisio-
neiros do GULAG”? Analisemos, por exemplo, um episódio espe-
cífico de ”repressões stalinistas”. Como se sabe, durante o Plenário
de fevereiro-março de 1937 para desenvolver um projeto de resolu-
ção sobre o caso Bukharin e Rykov, foi criada uma comissão especial,
cujo presidente era Mikoyan,. (Ver citação anterior)

Aqui está o ”testemunho”da esposa de Bukharin - Anna Mikhailovna


Larina (Lurie): “Eu soube do comportamento corajoso de N.E. Ya-
kir, que era membro da comissão para decidir o destino de Bukharin
e Rykov e se absteve de votar, das esposas de Yakir, Uborevich (o
próprio Yakir contou a Ieronim Petrovich sobre isso), finalmente, a
esposa de Chudov me disse o mesmo. Considerando a situação, o ato
de Yakir pode ser comparado a uma defesa de Bukharin e Rykov.

Como eles se comportaram na comissão de M.I.Ulyanov e N.K. Krups-


kaya, não consegui descobrir pelas esposas dos militares. Elas não sa-
biam disso. Mas LK Shaposhnikova me disse pelas palavras de Chu-
dov que eles não compareceram à comissão. Não tenho nenhuma
outra evidência. Mas parece que foi. Eles entenderam bem (já sa-
biam) que era impossível mudar a decisão de Stalin... ” [649] .

E aqui está a versão documental, apresentada pelos historiadores


G.A.Bordyugov e V.A.Kozlov:

“Uma comissão presidida por Mikoyan, criada no Plenário para re-


digir uma resolução sobre o ’caso dos camaradas Bukharin e Rykova
“começaram a trabalhar em condições em que, ao que parece, a ques-
tão é clara. No entanto, agora Stalin teve que recorrer a uma manobra
política. Isso confirma o fato de que a redação final da resolução está
sendo discutida. A opção de Yezhov - excluir Bukharin e Rykov dos

80
KLAUS SCARMELOTO

candidatos do Comitê Central do Comitê Central do Partido Comu-


nista (bolcheviques) e membros do PCUS (bolcheviques) e levá-los a
julgamento pelo Tribunal Militar com o uso da pena capital - exe-
cução - foi inicialmente apoiada por Budyonny, Manuilsky, Shvernik,
Shvernik, Kosarev. A proposta de Postyshev - processar sem o uso da
execução - foi apoiada por Shkiryatov, Antipov, Khrushchev, Nikola-
eva, Kosior, Petrovsky, Litvinov. E ainda não se sabe como os eventos
teriam se desenvolvido se Stalin não tivesse proposto uma jogada in-
teligente e sutil: “Não leve a tribunal, e enviar o caso de Bukharin
e Rykov ao NKVD, “supostamente para investigação adicional. Esta
opção foi apoiada primeiro por Ulyanova, Krupskaya, Vareikis, Mo-
lotov, Voroshilov e depois por todos os outros membros da comissão.
Esta opinião unânime foi comunicada por Stachin em 27 de feve-
reiro de 1937 aos participantes do Plenário. O plenário votou por
unanimidade a favor desta decisão, com duas abstenções - Bukharin
e Rykov ”[650] .

D. Volkogonov relata sobre o mesmo em seu livro: “- Sou a favor


da proposta do camarada Stalin. - Assim disse Krupskaya, Vareikis,
Molotov, Voroshilov. Outros repetiram as palavras de Postyshev - Ko-
sior, Petrovsky, Litvinov: para ”um julgamento sem execução”. Mas
você não pode apagar da história o fato de que Kosarev e Yakir, as
próximas vítimas da ilegalidade, também votaram após a proposta de
Stalin de ’exclusão, julgamento e execução’ ” [651] .

Embora Volkogonov se refira a um documento de arquivo[652] , há


uma pequena, mas ainda inadmissível para um historiador sério, im-
precisão: na votação final da comissão especial no caso de Bukharin
e Rykov, Yakir finalmente concordou com a ”proposta do camarada
Stalin”aceita por unanimidade. ... No entanto, Volkogonov corre-
tamente escreve que, falando no debate, Yakir, em vez de ”defender
Bukharin e Rykov”, aderiu a uma opinião completamente diferente:
”excluir da lista de candidatos do Comitê Central do Partido Comu-
nista de União dos Bolcheviques e membros do Comitê Central do
Partido Comunista da União (b), para trazer e atirar ”.

A versão da esposa de Bukharin de que MI Ulyanova e NK Krupskaya


não apareceram na reunião da comissão também não foi confirmada.

No entanto, Larina insiste que é ela quem tem razão.

A suspeita é causada pelas contradições entre os dados sobre o com-


portamento
653]
.

81
A ATUALIDADE DE STALIN

Bem, vamos ver como esta versão é convincente.


Para começar, perguntemo-nos: em que medida a composição de
Larina “inspira confiança”? Via de regra, os autores das memórias
descrevem do que foram testemunhas diretas, das quais participaram
pessoalmente. No entanto, a conexão de Larina com os eventos do
Plenário só pode ser traçada no fato de que por algum tempo ela
compartilhou o espaço de convivência do Kremlin com o marido.
Dos muitos ”fatos”relatados pela memorialista, apenas aqueles sobre
os quais ela escreve como seus, incluindo a experiência do acampa-
mento, podem ser considerados com mais ou menos confiança. O
resto, infelizmente, cai na categoria de boatos e fofocas. Reprodu-
zido de memória depois de longos anos de prisão e exílio, o notório
”testamento”de Bukharin, de acordo com as regras da ciência histó-
rica, também deve ser considerado uma fonte deliberadamente não
confiável.121
Essa elucidação ascendeu para todos a chama da verdade, logo, quem
tem olhos pra ver e ouvidos para ouvir, notará que toda e qualquer tese
que convalide os expurgos como mera decisão subjetiva do governo so-
viético a fim de eliminar a oposição carecerá, porque tais assertivas não
possuem respaldo empírico. Ainda sobre isso, Pikhalov é categórico em
mostrar o quão clemente Stalin tentou ser, acima vimos que apenas ele
Krupskaya e Maria Ulyanova tentaram não aplicar a pena de morte, ao
contrário de Iejov:
Da fotocópia do protocolo da comissão, segue-se que a princípio a
”proposta do camarada Stalin”se limitou a se limitar apenas ao exílio
administrativo, sem levar Bukharin e Rykov ao tribunal e sem transfe-
rir o caso para o NKVD. É esta proposta - ”enviar- apoiada no debate
por M. Ulyanova, Vareikis, Krupskaya, Molotov, Voroshilov. No en-
tanto, sob pressão dos membros de mentalidade radical da comissão,
uma decisão diferente foi tomada e, para a aprovação final pelo Ple-
nário do Comitê Central, outra ”resolução motivada”foi elaborada,
que já falava da necessidade de transferir o caso de Bukharin e Ry-
kov para o NKVD. Embora ainda não esteja claro quem surgiu com
essa proposta, ela recebeu o apoio de todos os membros da comissão.
Talvez tenha sido a observação de alguém,
Como J. Getty (EUA) e O. Naumov (Rússia) lembram os leitores no
livro estritamente documentado ”The Road to Terror: Stalin and

121 PIKHALOV, Igor. Mentiras E Verdades Sobre Stalin Yakir E Bukharin Fofocas E Docu-
mentos. Disponível em: <https://bit.ly/3qeYkD8>.Acesso e 20 de maio de 2020. Tradução
Nossa.

82
KLAUS SCARMELOTO

the Self-Destruction of the Bolcheviks in 1932-1939”, no período em


análise, a posição ”moderada”do líder sobre a questão da repressão
e, em particular, em relação a Bukharin não era algo excepcional:
”Após a reabilitação de Bukharin em setembro de 1936 e os esforços
de Stalin para adiar o julgamento contra ele no Plenário de dezembro
de 1936, esta foi a terceira vez que Stalin interveio pessoalmente para
não levar Bukharin à justiça”[657] .

Mas isso não é tudo. Refutando a calúnia e calúnia dos notórios


acusadores de Stalin, em seus comentários sobre os acontecimentos
no Plenário de fevereiro-março do Comitê Central do PCUS (b), os
autores chegam à seguinte conclusão:

“Agora podemos finalmente excluir o ponto de vista tão freqüente-


mente encontrado na literatura que Stalin, nesse período, cedeu à
opinião da coalizão de velhos bolcheviques que se opõe ao terror.
Entre aqueles que eram frequentemente mencionados nesta função
(Kuibyshev, Kirov, Ordzhonikidze e outros), ninguém sobreviveu na
época do Plenário. Pelo contrário, de acordo com os documentos,
verifica-se que Stalin foi o único que continuou a se opor tanto à pri-
são como ao uso da pena de morte ” [658] .

É curioso que esta opinião dos cientistas seja apoiada por algumas ou-
tras iniciativas stalinistas expressas no mesmo Plenário de fevereiro-
março. Assim, um dos dois discursos do dirigente foi dedicado aos
resultados da discussão sobre as ”lições de sabotagem, sabotagem e
espionagem dos agentes nipo-alemães-trotskistas nos comissariados
populares de indústria pesada e comunicações”. Este discurso [659] é
especialmente útil para todos os amantes de ”histórias de terror”so-
bre o ”grande terror”: as principais propostas de Stalin para superar
tendências sócio-políticas perigosas no país não se limitavam a prisões
e execuções em massa, mas à necessidade... de fortalecer o trabalho
dentro do PCUS ( b), com foco no desenvolvimento da democracia,
educação partidária e reciclagem ideológica do pessoal nos cursos le-
ninistas.

Então o que acontece? No mar inundado de memórias e escritos jor-


nalísticos (à maneira de ”Inesquecível”de Larin), Stalin é apresentado
na forma de um vampiro insidioso e sanguinário, passo a passo encur-
ralando suas vítimas para futuras represálias. No entanto, os origi-
nais dos documentos de arquivo simplesmente gritam que às vésperas
das ”repressões em massa”Stalin não só não procurou desencadear
um ”massacre”ou de qualquer forma acelerar o dramático curso dos
acontecimentos, mas se encontrou, de fato, em minoria ou mesmo so-
zinho em suas tentativas de conter os sanguinários aspirações de seus

83
A ATUALIDADE DE STALIN

colegas do Comitê Central. Portanto, julgue por si mesmo o que terá


mais peso na balança da história: documentos de arquivos ou fofocas
de parentes amargurados de ”inimigos do povo”?122
Uma testemunha de suma importância do caso Bukharin foi o em-
baixador Joseph E. Davies um famoso advogado estadunidense. Davies
foi escolhido embaixador na União Soviética por Franklin D. Roosevelt e
cumpriu sua missão de 1936 a 1938. Sua nomeação foi feita em parte com
base em suas habilidades como advogado corporativo (Presidente, FTC)
e advogado internacional, sua longa amizade com FDR desde os dias de
Woodrow Wilson e por sua lealdade política a Roosevelt. Era uma pessoa
com conhecimentos periciais dominando o que havia de desenvolvimento
da linguagem corporal até o período dos anos 1930, ainda que esta área
da ciência fosse escassa em relação aos dias atuais.
Davies foi convocado por Roosevelt para estudar a força do exército
soviético, seu Estado e sua indústria para averiguar, se possível, de que
lado os soviéticos estariam na ”guerra que se aproxima”.
O predecessor de Davies, William Christian Bullitt, Jr., foi um admi-
rador da União Soviética que gradativamente passou a odiar a repressão
de Stalin. Mas, ao contrário de Bullitt, Davies permaneceu o mesmo em
relação a URSS, e um entusiasta do regime porque acompanhou de perto
os julgamentos de Moscou. Seus relatórios sobre a União Soviética eram
práticos, otimistas e sempre cercado de elogios a Stalin e suas políticas.
Assim como a jornalista Anne Louise Strong, Joseph admirava a meto-
dologia estaliniana de governo. Embora ele tenha mencionado breve-
mente a forma autoritária sobre os inimigos do governo da URSS, Davies
elogiou os recursos naturais ilimitados da nação e o contentamento dos
trabalhadores soviéticos enquanto ”construíam o socialismo”. Ele fez vá-
rias viagens pelo país. Em um de seus memorandos finais de Moscou a
Washington DC, Davies avaliou: “O comunismo não representa uma ame-
aça séria para os Estados Unidos. Relações amigáveis no futuro podem
ser de grande valor geral”123 . Sobre o caso Bukharin, Joseph E. Davies
disse:
O testemunho extraordinário de Krestinsky, Bukharin e os demais
parece indicar que os temores do Kremlin eram bem justificados.

122 Idem.
123 DAVIES, J. Foreign Relations Of The United States, The Soviet Union, 1933–1939:
The Ambassador in the Soviet Union (Davies) to the Secretary of State. Disponí-
vel em:https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1933-39/d462. Tradução nossa.
Acesso em 20 de março de 2020.

84
KLAUS SCARMELOTO

Pois agora parece que existia uma conspiração no início de novembro


de 1936, para projetar um golpe de estado, com Tukhatchevsky à
frente, para maio do ano seguinte. Aparentemente, naquela época
era difícil saber se realmente seria encenado.
(...)
Tenho a honra de informar que isso confirma o telegrama enviado
em código confidencial com referência ao julgamento do tribunal no
chamado julgamento de traição em massa de Bukharin.
(...)
A opinião dos diplomatas que compareciam ao julgamento com mais
regularidade era geral de que o caso havia estabelecido o fato de que
havia uma oposição política formidável e um complô extremamente
sério, o que explicava aos diplomatas muitos dos desenvolvimentos
até então inexplicáveis dos últimos seis meses em a União Soviética.
A única diferença de opinião que parecia existir era o grau em que a
trama havia sido implementada por diferentes réus e o grau em que
a conspiração havia se tornado centralizada.124

O Caso Piatakov
Com um intérprete ao meu lado, segui o testemunho cuidadosamente. Natu-
ralmente, devo confessar que estava predisposto contra a credibilidade do de-
poimento desses réus. A unanimidade de suas confissões, o fato de sua longa
prisão (incomunicável) com a possibilidade de coação e coerção se estenderem
a eles próprios ou a suas famílias, todos me deram sérias dúvidas quanto à cre-
dibilidade que poderiam associar às suas declarações. Visto objetivamente, no
entanto, e com base na minha experiência no julgamento de casos e na apli-
cação dos testes de credibilidade que a experiência anterior me proporcionou,
cheguei à conclusão relutante de que o estado havia estabelecido seu caso, pelo
menos até o ponto de provando a existência de uma conspiração generalizada
e conspiração entre os líderes políticos contra o governo soviético, e que em
seus estatutos estabelecem os crimes previstos na acusação. Ainda resta em
minha mente, no entanto, alguma reserva com base nos fatos, de que tanto
o sistema de aplicação de penalidades por violação da lei quanto a psicologia
dessas pessoas são tão diferentes do nosso que talvez os testes que eu aplicaria
não seria preciso se aplicado aqui. Supondo, no entanto, que basicamente a
natureza humana é praticamente a mesma em todos os lugares, ainda estou

124 DAVIES,J. Mission To Moscow. Disponível em: https://neodemocracy.blogs-


pot.com/2017/05/excerpts-from-mission-to-moscow.html. Acesso em 20 de março de
2020.

85
A ATUALIDADE DE STALIN

impressionado com os muitos indícios de credibilidade que obtiveram no de-


correr do testemunho. Supor que esse procedimento foi inventado e encenado
como um projeto de ficção política dramática seria pressupor o gênio criativo
de um Shakespeare e o gênio de um Belasco na produção teatral. O contexto
histórico e as circunstâncias circundantes também conferem credibilidade ao
testemunho. O raciocínio que Sokolnikov e Radek aplicaram na justificação
de suas várias atividades e seus resultados esperados eram consistentes com a
probabilidade e inteiramente plausíveis. O detalhe circunstancial, aparen-
temente às vezes surpreendente até mesmo para o promotor, bem como para
outros réus, que foi trazido pelos vários acusados, deu corroboração involun-
tária à essência das acusações. A maneira de testemunhar de vários acusados
e sua influência no depoimento também teve peso para mim. A declaração
desapaixonada, lógica e detalhada de Pyatakov e a impressão de franqueza
desesperada com que a deu, carregavam convicção. O mesmo aconteceu com
Sokolnikov. O velho general, Muralov, era particularmente impressionante.
Ele se portava com bela dignidade e a franqueza de um velho soldado. Em seu
“último apelo”, ele disse: Recuso-me a conselhos e me recuso a falar em minha
defesa porque estou acostumado a me defender com boas armas e a atacar com
boas armas. Não tenho boas armas para me defender ... Não ouso culpar
ninguém por isso; Eu mesmo sou o culpado. Essa é a minha dificuldade. Este
é o meu infortúnio ....125
A citação acima pertence a testemunha dos julgamentos sobre o caso
Piatakov que será analisado a seguir. Dois pontos centrais constituem o
caso Piatakov: a sabotagem industrial e, por fim, o voo secreto que ele
teria realizado até Oslo, Noruega para encontrar Trotsky, o mentor da
sabotagem.
A fim de corroborar as evidências principalmente do famigerado voo
de Piatakov126 , membro assíduo da oposição, encontrou-se como meio de
prova, o depoimento de John Gunther, que teria entrevistado Trotsky no
ano de 1932 e obtido a confirmação de que Trotsky teria contatos tanto na
Noruega e em outros países, naquele período, e que ele inclusive residia
lá nessa época, e nada indica que esses contatos se cessaram. Trotsky
estava bem estabelecido nessa época, com contatos na França, Noruega,
Tchecoslováquia e Berlim, algo que simplesmente não se cessou devido a
fascistização. Assim, podemos incluir o relato de Gunther de um Trotsky
não rendido, cabisbaixo, e derrotado no exílio, mas sim de um homem
forte com contatos orgânicos e dono de uma rede de militância viva por
praticamente todo o mundo.

125 Idem,ibidem.
126 SIDOLE, Roberto. O voo de Piatakov. Disponível em: <https://www.robertosidoli.net/pub-
blicazioni/trotskij-tradito-da-trotskij/> acesso em 20 de novembro de 2020.
86
KLAUS SCARMELOTO

Por essa época ainda o correspondente americano, John Gunther vi-


sitou o Q. G. de Trotsky em Prinkipo. Falou com Trotsky e nume-
rosos dos seus correligionários russos e europeus. Para surpresa de
Gunther, Trotsky não se comportava como um exilado derrotado.
Comportava-se mais como um monarca ou um ditador no governo.
Gunther pensou em Napoleão em Elba — pouco antes do dramático
regresso e dos Cem Dias. E escreveu:
“O movimento de Trotsky cresceu na maior parte da Europa. Em
cada país existe um núcleo de agitadores trotskistas. Eles recebem
ordens diretas de Prinkipo. Há uma espécie de comunicação entre
os vários grupos por intermédio de suas publicações e manifestos,
mas muito especialmente por meio de cartas particulares. Os vários
comitês centrais estão ligados a um Q. G. internacional em Berlim.”
Gunther tentou levar Trotsky a falar de sua IV Internacional, sobre
o que ele pretendia e que fizera a esse respeito. Trotsky foi reser-
vado nesse assunto. Num momento expansivo mostrou a Gunther
numerosos “livros ocos” nos quais costumava esconder e transportar
documentos secretos. Depois louvou as atividades de Ádreas Nin na
Espanha.
Ele tinha ainda companheiros e simpatizantes influentes nos E.UA.
Falou de células trotskistas que vinham sendo fundadas na França,
Noruega e Tcheco-Eslováquia. Suas atividades, comunicou Gunther,
eram ”semi-secretas.”
Gunther escreveu que Trotsky “perdera a Rússia ao menos por algum
tempo. Ninguém sabe se a reconquistará em dez ou vinte anos. O
principal anelo de Trotsky era “manter sua organização e esperar a
queda de Stálin na Rússia e enquanto isso empregar toda energia
possível para aperfeiçoa-la no estrangeiro127 .

A história do voo de Piatakov, é muito bem documentada pelo Histori-


ador italiano Roberto Sidole em seu livro “O Voo de Piatakov”. Pyatakov
fez um vôo secreto de Berlim para a capital da Noruega para conduzir
negociações secretas com Lev Davidovich). O que exatamente foi isso?
Em 1931, Piatakov estava numa missão de serviço em Berlim. Em pleno
Verão daquele ano, em Berlim, Ivan Nikítitch Smírnov o informou de
que a luta trotskista ressurgira naquele momento com nova força contra
o governo soviético e a direção do Partido, de que ele, Smírnov, tinha

127 Gunther,J. Trotsky Interviwe elba 1932.Apud in: A, KAHN; M, SAYERS. A Grande Cons-
piração: A Guerra Secreta Contra União Soviética. São Paulo: Brasiliense. 1959. Pag. 203.
Sexta Edição.

87
A ATUALIDADE DE STALIN

tido um encontro em Berlim com o filho de Trótski, Sedov, e que lhe ha-
via transmitido, por incumbência de Trotsky, novas directivas. Smírnov
informou-me de que Sedov desejava muito ver-me. Piatakov foi ao en-
contro de Sedov que estava formado um centro trotskista; tratava-se da
unificação de todas as forças capazes de desenvolver a luta contra a di-
reção stalinista. Posteriormente, em 1935, Piatakov exigiu uma reunião
com Trotsky para dar prosseguimento ao plano, assim, viajou com pas-
saportes falsos até a Noruega, Onde encontrou Trotsky exatamente para
saber com mais detalhes a totalidade do Plano.
No decorrer do julgamento de Moscou em janeiro de 1937, GL Pyata-
kov, vice-ministro da indústria pesada soviética de 1932 a agosto de 1936,
afirmou que havia partido sorrateiramente de avião de Berlim nazista em
dezembro de 1935, também graças à ajuda dos hitleristas no poder, ater-
rissou na Noruega depois de algumas horas e se encontrar logo depois
secretamente com Trotsky, de quem afirmava ser, a partir da segunda
metade de 1931, um apoiador oculto e uma hábil ”toupeira”, bem inse-
rida por algum tempo no topo níveis do aparelho econômico da URSS
stalinista. De fato a entrada de Piatakov na oposição por meio de Radek,
ambos se implicaram mutuamente nos depoimentos nos julgamentos, é
comprovada pelos arquivos de Trotsky em Harvard:
Trotsky declarou que, pelo menos a partir de 1929 e sem nenhuma in-
terrupção, Pyatakov e Radek se tornaram seus inimigos políticos sem
interrupção em janeiro de 1937.. Porém, graças à pesquisa de JA
Getty, desde 1986 estamos de fato cientes do impressionante recebi-
mento de uma carta clandestina enviada por Trotsky a Karl Radek em
4 de março de 1932, preservada entre outras coisas nos arquivos de
Trotsky depositados desde 1940 em Universidade de Harvard: uma
carta de 1932 e, portanto, escrita em um ano em que Radek foi um
inimigo ”feroz e traiçoeiro”de Trotsky, pelo menos na opinião deste
último. 128
Muitos argumentam que o voo em si seria impossível, e isso não tem
base real. O aeroporto estava aberto o que possibilitava o pousar do avião.
Muitos pousos foram feitos naquela ocasião. Trotsky estava no local in-
dicado, no dia e horário, portanto, a probabilidade é bem grande.
Em primeiro lugar, era necessário provar que o voo de Pyatakov para
Oslo não era impossível em dezembro de 1935 e que, portanto, Pya-

128 SIDOLE, R. O voo de Piatakov. Disponível em: < https://www.robertosidoli.net/pub-


blicazioni/trotskij-tradito-da-trotskij/>. Acesso em 20 de Novembro de 2020. Ver tam-
bém: <https://www.robertosidoli.net/pubblicazioni/trotskij-tradito-da-trotskij/capitolo-
quarto/>.
88
KLAUS SCARMELOTO

takov tinha os meios e oportunidades para fazer seu voo na área de


Oslo em dezembro de 1935: a esse respeito o que encontramos até
agora, graças a Gulliksen?
Recebemos a informação de que o aeroporto de Kjeller certamente
estava aberto e operacional em dezembro de 1935. Descobrimos que
as pessoas realmente voaram, viajaram e pousaram na Noruega e
em Kjeller, durante dezembro de 1935: nenhum “triângulo das Ber-
mudas” foi projetado em terras nórdicas no mês, portanto, no mês
em análise. Descobrimos que um avião havia realmente pousado em
Kjeller, precisamente em dezembro de 1935 e exatamente no mês em
que Pyatakov chegara em missão diplomática em Berlim. Acima de
tudo, tivemos a revelação de que o único avião, a aeronave solitária
que pousou em Kjeller em dezembro de 1935 era certamente do ex-
terior, de fora das fronteiras norueguesas: de Linköping e da Suécia,
ainda que apenas segundo as declarações do militar TG. Gulliksen.
Além disso, sabemos agora que em dezembro de 1935 o avião vindo
do exterior e pousado em Kjeller estava a apenas cinquenta quilô-
metros de Honefoss e da cidade norueguesa em que Trotsky indu-
bitavelmente residia, durante o mês que estamos interessados. Tam-
bém sabemos, com certeza, que em Berlim, em dezembro de 1935,
havia aviões e aeroportos modernos, e ficamos sabendo que em Kjel-
ler, ponto de chegada norueguês do suposto/real vôo de Pyatakov,
havia acima de tudo um aeroporto; sabemos que o voo de Berlim a
Oslo (cerca de mil quilômetros) era mais do que viável a nível técnico
em 1935, e para isso basta lembrar a famosa travessia do oceano de
Lindbergh em maio de 1927 e que ocorreu cerca de oito anos antes
de dezembro de 1935.
Conclusão inevitável, Pyatakov, portanto, não carecia de meios nem
de oportunidades para fazer um voo de Berlim a Oslo (e de volta),
em dezembro de 1935: não só não havia impossibilidade absoluta no
que diz respeito às viagens aéreas, mas de fato todos estavam bem
presentes. os pré-requisitos e as condições concretas para a transfe-
rência do então Vice-Ministro da Indústria Pesada Soviética de Ber-
lim para Kjeller, em solo norueguês, a partir da chegada em Kjeller
do exterior daquele misterioso avião em dezembro de 1935 do qual
retornaremos em breve.
Adeus para sempre, portanto, à teoria agora extinta sobre a impossi-
bilidade material do vôo de Pyatakov para a Noruega em dezembro
de 1935, e mais precisamente em 12 ou 13 de dezembro.129

129 SIDOLE, R. O voo de Piatakov. Disponível em: < https://www.robertosidoli.net/pubblica-

89
A ATUALIDADE DE STALIN

A situação, entretanto, dos documentos noruegueses torna toda a ideia


do voo possível, mas apenas e tão somente verossímil e não provada, uma
vez que como vimos acima, Trotsky estava na Noruega130 . A prova defi-
nitiva consistiria na existência de um documento atestando o registro de
viagens militares com Piatakov abordo, mas, infelizmente, esse material
se perdeu durante a segunda guerra. É o que informa o especialista na
questão. E embora não haja evidência de como se perderam os arquivos,
sabe-se que a Alemanha ocupou a Noruega entre abril de 1940 a maio
de 1945, mantendo sobre controle toda a capital. Ademais, a Embaixada
da URSS na Noruega recebeu um certificado oficial de que o campo de
pouso de Heller, perto de Oslo, recebeu aviões de outros países ao longo
do ano, chegadas e partidas foram possíveis nos meses de inverno e nem
todas registradas, além do fato de que os arquivos noroegueses só regis-
travam os voos civis, sendo os voos militares não registrados. Assim, neste
sentido, diz Sidole:
Os registros das chegadas-partidas de aeronaves civis em Kjeller, de
30 de agosto de 1935 a 2 de maio de 1936, constituíram, portanto,
uma ”cópia autenticada”produzida pelas autoridades do aeroporto
de Kjeller com relação aos dados originais sobre o fluxo no local:
máquina, cuja autenticidade em relação a esta última foi ”certifi-
cada”por Gulliksen e seus subordinados, no caso específico ”Gabi-
nete do Comandante em Kjeller”.
Portanto, o relatório em exame não constituía o texto original das
chegadas-partidas de aeronaves civis (e não militares) no local, nos
meses compreendidos entre o final de agosto de 1935 e o início de
maio de 1936, que haviam sido em vez disso, são gradualmente des-
critos e apresentados pelas próprias companhias aéreas civis aos ope-
radores e funcionários da Kjeller em uma espécie de diário de bordo
administrado pelas primeiras.

zioni/trotskij-tradito-da-trotskij/capitolo-quinto/>. Acesso em 20 de Novembro de 2020.


Tradução nossa.
130 Em dezembro de 1935, Trotsky estava certamente posicionado em Wexhall, uma fração

da cidade norueguesa de Honefoss, localizada cerca de sessenta quilômetros a nordeste de


Oslo. Graças ao insuspeito Brouè, ficamos sabendo que, expulso da França em junho de
1935, Trotsky encontrou asilo na Noruega graças a uma decisão do governo trabalhista no-
rueguês, que acabara de ganhar as eleições nacionais em 20 de março de 1935: após chegar
em País escandinavo, ele encontrou um asilo estável de 23 de junho de 1935 até agosto de
1936 na casa do jornalista e parlamentar trabalhista Konrad Knudsen, por sua vez em boas
relações com um simpatizante trotskista norueguês chamado Olaf Scheflo. Também apren-
demos com Broué toda uma série de detalhes significativos sobre as condições materiais e
jurídicas da estada de Trotsky em Honefoss. SIDOLE, R. O voo de Piatakov. Disponí-
vel em: < https://www.robertosidoli.net/pubblicazioni/trotskij-tradito-da-trotskij/capitolo-
quinto/>. Acesso em 20 de Novembro de 2020.
90
KLAUS SCARMELOTO

A este respeito, também é suficiente pensar que, como também pode


ser visto nas linhas iniciais de seu relatório escrito, as autoridades do
aeroporto militar de Kjeller listaram única e exclusivamente os voos
civis pousados no local no período em questão, e não os militares. —
poucos ou muitos que foram — que de qualquer forma pousaram e
partiram de Kjeller durante os longos oito meses em exame, fazendo
e, portanto, tendo que realizar uma espécie de seleção entre todos os
voos (civis e não militares), com transcrição relativa nas máquinas a
serem escrever originais.
Além disso, o educado e conhecedor acadêmico holandês Rob Mul-
der nos informou que, durante a década de 1930, a regra operaci-
onal era que as pastas e escritos sobre chegadas / partidas nos ae-
roportos noruegueses fossem compilados pelas mesmas companhias
aéreas, para as quais as aeronaves operando então no País escandi-
navo. Em seu e-mail de 20 de maio de 2016, Rob Mulder gentil-
mente nos informou, com suas próprias palavras, que na época na
Noruega “Não, não havia registros em aeroportos. O arquivo Kjeller
(aeroporto de aviões terrestres) foi perdido durante a guerra e um re-
gistro de Gressholmen mostrava apenas: “08h42 - partida do hidro-
avião”. O aeroporto de Fornebu (Oslo) não tinha diário de bordo,
mas tinha os cartões de cada companhia aérea, enquanto os aviões
privados preenchiam um cartão especial ”131 .
Mas, infelizmente, não há acesso a todos os materiais dos processos de
investigação contra Pyatakov, Radek e outros. Todos continuam classifi-
cados. O conteúdo dos interrogatórios dessas pessoas durante a investiga-
ção ainda não foi divulgado. Com base nisso, estão se espalhando boatos
sobre a tortura das pessoas envolvidas nos julgamentos de Moscou, em
consequência, da qual, dizem, foram destruídos e deram ”o testemunho
necessário”no julgamento. Mas é provável que a desclassificação forneça
mais provas disso, mas cumpre lembrar que no caso Bukharin o Antico-
munista Cohen, historiador especialista em Bukharin no ocidente, negou
a existência de tortura.
Piatakov também esteve ligado ao sistema de sabotagem, e foi julgado
em 1937. Uma das pessoas que durante a década de 1930 não só presen-
ciou o problema das sobatagens, mas também o descreveu com detalhes,
e com grande riqueza, foi o engenheiro americano, não comunista, John
Littlepage, insuspeito de Stalinismo, um dos especialistas estrangeiros
contratados para trabalhar na União Soviética. Seu depoimento possui

131 SIDOLE, R. O voo de Piatakov. Disponível em: < https://www.robertosidoli.net/pubbli-


cazioni/trotskij-tradito-da-trotskij/il-viaggio-di-pjatakov/>. Acesso em 20 de Novembro de
2020.
91
A ATUALIDADE DE STALIN

grande valor porque sua obra é crítica ao comunismo, mas mesmo assim
ele mesmo quando fora da URSS jamais deixou de manter seu depoi-
mento igual, afirmando a justeza do processo. Littepage foi uma testemu-
nha inusitada nos processos de Moscou e que confirma, mesmo sem ser
comunista, as provas favoráveis aos soviéticos. Durante o processo de Ja-
neiro de 1937, o antigo trotskista Piatakov foi condenado como principal
responsável da sabotagem industrial. Littlepage teve ocasião de constatar
pessoalmente que Piatakov esteve envolvido em atividades clandestinas.
Eis o que relatou a este propósito:
Na Primavera de 1931, Serebróvski falou-me de uma missão de gran-
des compras que fora enviada a Berlim sob a direcção de Gueórgui
Piatakov, que era então vice-comissário da Indústria Pesada. Cheguei
a Berlim quase ao mesmo tempo que a missão. Entre outras ofertas
de compra, a missão encomendou várias dezenas de elevadores com
potências entre 100 e mil cavalos-vapor. Esses elevadores eram com-
postos habitualmente por tambores, vigamento, porta-cargas, engre-
nagens, etc., colocados sobre uma base de barras em I ou H.
A missão tinha pedido preços em pfennigs por quilograma. Várias
firmas apresentaram orçamentos, mas havia diferenças consideráveis
- de cinco a seis pfennigs por quilograma — entre a maior parte das
ofertas e duas que apresentaram preços bastantes mais baixos. Estas
diferenças levaram-me a examinar de perto as especificações. Desco-
bri então que aquelas duas empresas tinham substituído a base que
deveria ser em aço leve por outra em ferro, de maneira que, se as suas
propostas fossem aceites, os russos iriam pagar mais, já que a base em
ferro pesava muito mais que a de aço leve, mas pareceria que tinham
pago menos, considerando o preço em pfennigs por quilograma.
Tratava-se claramente de uma manigância e senti natural prazer ao
fazer tal descoberta. Relatei-a aos membros russos da missão com sa-
tisfação. Para meu espanto, não ficaram nada contentes. Chegaram
mesmo a pressionar-me para que eu aceitasse a compra, dizendo-me
que eu tinha compreendido mal a encomenda. Não conseguia expli-
car a sua atitude. Pensei que podia haver ali um caso de suborno.132
No decorrer do processo, Piatakov fez as seguintes falas diante do tri-
bunal:
Em 1931, eu estava numa missão de serviço em Berlim. Em pleno
Verão daquele ano, em Berlim, Ivan Nikítitch Smírnov informou-me
de que a luta trotskista ressurgira naquele momento com nova força

132 MARTENS, Ludo. Stalin um novo olhar.

92
KLAUS SCARMELOTO

contra o governo soviético e a direção do Partido, de que ele, Smír-


nov, tinha tido um encontro em Berlim com o filho de Trótski, Sedov,
e que lhe havia transmitido, por incumbência de Trotski, novas direti-
vas. (...) Smírnov informou-me de que Sedov desejava muito ver-me.
Eu consenti nesse encontro (...) Sedov disse-me que estava formado
um centro trotskista; tratava-se da unificação de todas as forças capa-
zes de desenvolver a luta contra a direção stalinista. Estava a ser ava-
liada a possibilidade de restabelecer uma organização comum com os
zinovievista. Sedov disse igualmente que os direitistas, representados
por Tómski, Bukhárine e Ríkov, não tinham, nenhum deles, deposto
as armas, que se mantinham à margem apenas momentaneamente e
que era necessário estabelecer a ligação com eles. (...) Sedov disse
que exigiam de mim uma única coisa: que fizesse o maior número
possível de encomendas às duas firmas alemãs Borsig e Demag, que
ele, Sedov, se encarregaria de obter as somas necessárias, na condi-
ção, naturalmente, de que eu não insistisse muito nos preços. Se é
preciso explicar, era claro que o acréscimo de preço sobre as enco-
mendas soviéticas passaria total ou pelo menos parcialmente para as
mãos de Trótski para os seus objetivos contrarrevolucionários. 133
Littlepage declarou acerca disto o seguinte resumo:
Esta passagem da confissão de Piatakov é, no meu entender, uma ex-
plicação plausível do que se passou em Berlim em 1930 quando sus-
peitei dos russos que acompanhavam Piatakov, que queriam fazer-me
a aprovar uma compra de elevadores de minas que, para além de se-
rem muito caros, não teriam qualquer utilidade para as explorações
a que estavam destinados. Mas eles estavam habituados às conspira-
ções desde antes da revolução e tinham corrido riscos por aquilo que
134
consideravam ser a sua causa.
Em uma das primeiras minas que ele visitou, Serebrovsky, um dos
grandes mineradores soviéticos, a serviço do Estado soviético, conheceu
Jack Littlepage, com 33 anos135 , que era um engenheiro de mineração
bem-sucedido nos EUA. 136 Littlepage, inicialmente, descartou a oferta
de trabalho de Serebrovsky na URSS, afirmando que “não gostava de
bolcheviques”, pois, tomado pela guerra hibrida ele dizia: “ os bolchevi-
ques pareciam ter o hábito de atirar em pessoas, especialmente em en-

133 Idem.
135 Littlepage, John (1937). In Search of Soviet Gold.. Disponível em: <https://archive.org/de-
tails/in.ernet.dli.2015.80968/page/n15/mode/2up>. P.6. Tradução nossa. Acessado em 5
de Março.
136 Tzouliadis, Tim, The Forsaken, Penguin, New York, 2008, pp 164-166.

93
A ATUALIDADE DE STALIN

genheiros”.137 No entanto, Serebrovsky, pacientemente e bem orientado


por Stalin, perseverou e persuadiu Littlepage a emigrar para a URSS com
sua família.138
Segundo J. Littlepage: “Sabotagem era algo estranho à minha experi-
ência profissional. No entanto, eu não havia trabalhado muitas semanas
na Rússia antes de encontrar casos inquestionáveis de destruição delibe-
rada e maliciosa, por exemplo, removemos do reservatório de petróleo
[de um grande Diesel motor] sobre um litro de areia de quartzo, essa
mesquinha sabotagem industrial era tão comum em todos os setores da
indústria soviética que a polícia teve que criar um exército inteiro de es-
piões profissionais e amadores para cortar a enorme quantidade de sabo-
tadores.139 As autoridades na Rússia estão travando uma série de guerras
civis abertas ou disfarçadas. 140
Nos seis anos seguintes, a produção de ouro da URSS superou a dos
Estados Unidos e estava prestes a exceder a do Império Britânico. Ao
contrário de muitos cidadãos dos EUA que emigraram para a URSS na
época, Littlepage não assumiu a cidadania soviética, nem o regime so-
viético confiscou seu passaporte americano141 . Em meio às repressões
soviéticas, Littlepage continuou seu trabalho como vice-comissário, acon-
selhando Serebrovsky sobre a implantação de grupos de prospecção no
estilo do Alasca nos campos de ouro soviéticos virgens. 142
Littlepage logo aprendeu russo, foi renomeado de Ivan Eduardovich
e, com uma força inabalável, ”começou a verificar cálculos, projetos, es-
timativas, planos de trabalho”.143
O assassinato em dezembro de 1934 do braço direito de Stalin, Ser-
gei Kirov, serviu como uma das premissas do Grande Expurgo do Par-
tido Comunista Soviético. Littlepage observou que o assassinato quando
ocorreu ”o país havia começado a se estabelecer em uma rotina bastante
confortável após os anos dolorosos que se seguiram à Segunda Revolu-
ção Comunista”. 144 Apenas alguns meses antes ”, no verão de 1934, o

137 Littlepage, John (1937). In Search of Soviet Gold.. Disponível em: <https://archive.org/de-
tails/in.ernet.dli.2015.80968/page/n15/mode/2up>. P.6. Tradução nossa. Acessado em 5
de Março.
138 Idem. Pag. 7.
139 Idem. 188-199
140 Idem. 99.
141 Tzouliadis, Tim, The Forsaken , Penguin, New York, 2008, pp 164-166
142 Idem, ibdem.
143 Idem, ibdem.
144 Littlepage, John (1937). In Search of Soviet Gold. Disponível em: <https://archive.org/de-

tails/in.ernet.dli.2015.80968/page/n15/mode/2up>. P.194. Tradução nossa. Acessado em


94
KLAUS SCARMELOTO

governo havia anunciado que a polícia federal não teria mais o poder de
prender e julgar pessoas sem julgamento público e aberto.
O sucesso de Littlepage lhe rendeu a Ordem da Bandeira Vermelha
do Trabalho e um “Ford” Modelo soviético, este último sendo conside-
rado como um dos presentes mais preciosos da época na URSS. Little-
page retornaria aos EUA várias vezes para recrutar mais engenheiros na
indústria soviética de minas de ouro: na época da Grande Depressão,
nunca havia falta de candidatos dispostos. Muitos dos milhares de tra-
balhadores dos EUA que emigraram para a URSS na época em busca de
trabalho posteriormente foram seduzidos pelo discurso da oposição e fo-
ram posteriormente julgados. 145
Littlepage trabalhou 10 anos na indústria mineira soviética, entre 1927
e 1937, principalmente, nas minas de ouro. No seu livro “In search of So-
viet gold” escreve, “Eu nunca tive interesse pela sutilidade das manobras
políticas na Rússia enquanto as podia evitar; mas tive que estudar o que
acontecia na indústria Soviética para poder fazer um bom trabalho. E es-
tou firmemente convencido de que Stalin e os seus colaboradores levaram
muito tempo até descobrir que os comunistas revolucionários desconten-
tes eram os seus inimigos mais perigosos”. Littlepage escreveu também
que a sua própria experiência confirmava as declarações oficiais de que
uma conspiração conduzida do exterior se utilizava de uma grande sa-
botagem industrial como uma parte de um processo para fazer cair o go-
verno. Já em 1931 Littlepage tinha sido obrigado a constatar isso durante
um trabalho nas minas de cobre e chumbo no Ural e no Cazaquistão. As
minas eram uma parte do grande complexo de cobre-chumbo cujo chefe
máximo era Piatakov, o vice comissário do povo para a indústria pesada.
O estado das minas era catastrófico no que diz respeito à produção e ao
bem-estar dos trabalhadores. A conclusão de Littlepage foi de que havia
uma sabotagem organizada proveniente da direção superior do complexo
de cobre-chumbo.
Surpreendentemente, Littlepage foi um dos poucos imigrantes dos
EUA autorizados a deixar a URSS durante o Terror porque jamais se en-
volvera em qualquer crime. Littlepage deixou a URSS logo após uma
entrevista na embaixada dos EUA em Moscou, em 22 de setembro de
1937, na qual afirmou sua opinião de que o comissário soviético da in-
dústria, Georgy Pyatakov, havia organizado ”destroços”em várias minas
de ouro. Em uma série de artigos para o Saturday Evening Post, Little-

5 de Março.
145 Tzouliadis,
Tim, The Forsaken , Penguin, New York, 2008, pp 164-166.

95
A ATUALIDADE DE STALIN

page descreveu uma contínua ”corrida do ouro no Extremo Oriente”e


os ”intrépidos homens e mulheres”prospectando os resíduos do leste da
Sibéria. Mesmo ao responder a perguntas do Departamento de Guerra
dos EUA, Littlepage não mencionou as legiões de escravos empregadas
para extrair o ouro em condições letais nas terras congeladas do Gulag,
no nordeste da Sibéria, porque eles sequer existiam.146 Littlepage escre-
veu um livro sobre sua experiência: ”Em busca do ouro soviético”, com
um correspondente estrangeiro do Saturday Evening Post e do Christian
Science Monitor, Sr. Demaree Bess.
O livro de John Littlepage dá-nos também a conhecer de onde a opo-
sição trotskista recebia o dinheiro necessário para pagar a atividade con-
trarrevolucionária. Vários membros da oposição utilizavam os seus postos
na União Soviética para aprovar a compra de máquinas de certas fábricas
no estrangeiro. Os produtos aprovados eram de uma qualidade muito
baixa, mas eram pagos pelo governo soviético ao preço mais alto. As
fábricas estrangeiras davam à organização de Trotsky no estrangeiro o
ganho econômico de tais transações, em troca do qual Trotsky e os seus
conjurados na União Soviética continuavam a fazer mais compras dessas
fábricas.
Além de Little Page, em abril de 1934, o engenheiro soviético Boyar-
chinov seguiu-se ao escritório do superior em construção nas minas vitais
de carvão em Kuznetsk, afim de avisar que algo de errado havia no seu se-
tor. Aconteceram diversos incidentes: explosões subterrâneas, destruição
de maquinas.
Boyarchinov suspeitava que houvesse sabotagem. O chefe de constru-
ção agradeceu a informação. ”Comunicarei a quem me reporto”disse.
”Enquanto isso, não diga nada a ninguém sobre o fato”.
O chefe de construção Alexei Chestov, espião germânico e organiza-
dor principal da sabotagem trotskysta na Sibéria.
Infelizmente, pouco tempo após o incidente Boyarchinov foi encon-
trado morto em uma vala. Um caminhão, correndo a toda, matara-o na
estrada em que ele voltava do trabalho para casa. O condutor do cami-
nhão era o terrorista profissional Tcherepukhin147 .

146 Idem,ibidem.
147 A,
KAHN; M, SAYERS. A Grande Conspiração: A Guerra Secreta Contra União Soviética.
São Paulo: Brasiliense. 1959. Pag. 264. Sexta Edição.

96
KLAUS SCARMELOTO

Demais evidências não soviéticas da colaboração


da oposição a Stalin com os países antissoviéticos
Uma evidência não-soviéticas que comprova a existência das conspi-
rações indicadas pelo governo de Stalin é o chamado ”telegrama Arao”,
comentado no decorrer dos anos de 1962-63 na URSS.
Para entender esse documento, é necessário ter em mente que Khrus-
chov procurou reabilitar a todos os membros do golpe de Tukhachevisky.
No entanto, está nítido que essa foi uma decisão muito mais política do
que propriamente jurídica, visando fazer justiça a um inocente morto.
Por razões não tão evidentes, nas semanas que sucederam o XXII con-
gresso do PCUS, Khruschov decidiu patrocinar mais uma investigação
sobre o caso Thukachevsky, para quem sabe encontrar mais alguma nova
arma pronta para ser usada. Mas, a comissão em questão não encontrou
nada que fosse de seu agrado. Evidentemente que com provas ou não a
comissão absolveu todos os réus. Mas, o que eles encontraram de fato, foi
um documento um tanto contraditório aos objetivos da desistalinização,
e este é o documento arao.

Ações da inteligência japonesa e seu papel no caso Tukhachevsky

No decorrer da verificação do ”caso”de Tukhachevsky, um impor-


tante documento foi descoberto no arquivo central do Estado do Exér-
cito Soviético, uma comunicação especial do 3º departamento do GU-
GB (principal diretor de Segurança do Estado) do NKVD (Comissa-
riado do Povo para assuntos internos) da URSS, que havia sido en-
viado por ezhov a Voroshilov, o comissário do povo de defesa, com a
anotação ”pessoal”, em 20 de abril de 1937, ou seja, na época ime-
diatamente anterior às prisões dos principais comandantes militares
soviéticos .... Reproduzimos aqui esta comunicação especial na forma
em que chegou a Voroshilov

O 3º departamento do GUGB fotografou um documento em língua


japonesa que estava em trânsito da polónia ao japão por malote di-
plomático e o adido militar originário da polónia, savada sigeru, diri-
gido pessoalmente ao director do departamento principal do Estado-
Maior geral japonês Nakazima Tetsudzo. A carta foi escrita pela mão
de Arão, assessor do adido militar na Polônia.

Sobre o estabelecimento de laços com uma figura soviética proemi-


nente.
12 de abril de 1937

97
A ATUALIDADE DE STALIN

O adido militar na Polônia Savada Sigeru.


Sobre o assunto mencionado no título, tivemos sucesso em estabelecer
contato com um emissário secreto do marechal do exército vermelho
Tukhachevsky.

A essência da conversa concluiu que deveria haver uma discussão (2


caracteres e um sinal indecifrável) sobre o emissário secreto do Exér-
cito Vermelho no. 304 conhecido por você.

A comunicação especial é assinada pelo assistente próximo da 3ª sec-


ção do GUGB NKVD URSS, COMISSARIO DE SEGURANÇA DO
ESTADO DE 3ª CLASSE MINAEV. Nem a Fotografia que acompa-
nha este documento, nem a fotografia original que acompanha este
documento, nem o original da tradução foram encontrados no ar-
quivo do NKVD.148

Temos o testemunho direto do embaixador alemão na Tchecoslová-


quia, dizendo que Hitler sabia que militares de alta patente figuras na
URSS estavam preparando um golpe de Estado. Este documento, nos ar-
quivos nacionais da República Tcheca, foi descoberto somente em 1987.
Este documento é confirmado por correspondência encontrada em ar-
quivos alemães capturados e foi divulgado em 1974, mas não reconhecido
até 1988.
Ainda dentro desse mesmo quadro de evidências, há o depoimento de
generai]s alemães, mais detidos na obra do historiador alemão, especia-
lista nos generais alemães, “Curt Riess – Os Generais de Hitler Vistos Por
Dentro”, contemporâneo à época dos fatos, segundo o qual a Reichswehr
manteve Trotsky e a oposição — desde as guerras Russo-polonesas — como
seus informantes diretos:
“Nessa ocasião a Reichswehr possuía ainda outra fonte de informa-
ções secretas – Leon Trotsky. As relações com Trotsky principiaram
durante a guerra russo-polonesa, e ele foi de vital importância nas
discussões iniciais entre os russos e os exércitos alemães a respeito da
colaboração.

Os Alemães estavam convencidos de que Trotsky conhecia muito a


respeito do Exército Vermelho e que possuía relações suficientes den-
tro do Exército para obter informes. Diante disso, aproximaram-se
dele e o consultaram acerca da possibilidade da ‘colaboração’.

148 FURR, G. Trotsky Amalgms: Trotsky’s Lies, the Moscou Trials as Evidence, the Dewey
Commission. Volume One. Erythros Press and Media. PAG. 220-221.

98
KLAUS SCARMELOTO

Não pretenderam suborná-lo claramente, nem auferiram traição evi-


dente. Ao contrário, ofereceram-lhe certa importância em dinheiro
anualmente, que seria empregada em sua causa e não utilizada por
ele, para desfruto pessoal. Sugeriram também que a Reichswehr
apoiaria o regime de Trotsky, quando chegasse a oportunidade. É
impossível dizer com certeza que confiança Trotsky depositava nesta
segurança. De qualquer maneira, recebeu dinheiro durante alguns
anos e neste período existiu ligação entre a Reichswehr e Trotsky
através de intermediários em Paris e Bruxelas e, a menos que os ar-
quivos da Reichswehr sejam consultados algum dia, não saberemos
precisamente quanta informação deu aos generais germânicos.149
Essa evidência é bem justificada na medida em que Trotsky e parte da
oposição sempre acreditaram que a revolução na Alemanha era o cami-
nho para a revolução mundial, sendo forçado a uma aliança tática com
os alemães por não obter sucesso em convencer os bolcheviques que seria
necessário e possível mover o exército vermelho como forma de “ajuda”
internacionalista, isso o forçou pensar na derrubada de seus companhei-
ros.
Essa leva de informações é confirmada pela traidora de Rosenberg
(ex-assessor de Hitler) Vera Schuster. Cumpre Ressaltar que Curt Riess,
em vários momentos, reitera evidências de outros autores como Konrad
Heiden ex-biografo oficial de Hitler, de que Führer apresentara grande
apreço nas obras de Trotsky e sua luta clandestina.
“Até 1930, quando Krestinski deixou Berlim, na verdade os alemães
sabiam muito sobre a União Soviética. Nessa época, há indícios de
que mesmo Trotsky teria recebido dinheiro através de fontes secretas
de Paris e Bruxelas, em troca de responder a algumas ‘consultas’ so-
bre o exército soviético. Essas especulações, baseadas em certos fatos
reais que ligavam Trotsky aos alemães, no tempo do ‘pacto secreto’
em que ele tivera grande importância, porque era então o chefe do
exército soviético, diziam que o ex-líder recebia dinheiro não para seu
uso pessoal, mas para financiar uma possível volta triunfal e assumir
o controle do governo, derrubando Stalin.”
“Em Moscou sabia-se de tudo, porque uma das assistentes de Rosen-
berg (assessor de Hitler) era Vera Schuster, espiã da GPU (polícia
secreta soviética): ela acusou vários oficiais russos de conspirarem
com Rosenberg, através do adido militar em Londres, general Kazi-
mirov Putna. Em 1937 Stalin liquidou os conspiradores, julgados e

149 RIESS,
C. Os Generais de Hitler Vistos Por Dentro. Editora Prometeu: São Paulo, 1990.
Pag. 205.

99
A ATUALIDADE DE STALIN

condenados por traição. A maioria suicidou-se.”150


Neste mesmo ínterim o relato se estende aos demais generais nazistas,
portanto, Curt Riess, confirma as declarações de Konrad Heiden e seu
testemunho, ampliando-o ainda mais151 . Segundo Michael Sayers e Jo-
seph Kahn152 , Adolf Hitler leu a autobiografia de Trotsky logo depois de
publicada. Surpreendentemente, Hitler que tinha Stalin como inimigo
certo, encantou-se por Trotsky. “O biógrafo de Hitler, Konrad Heiden,
relata em Der Fuehrer como o líder nazista surpreendeu um círculo de
amigos seus em 1930, inflamando-se em louvores extáticos ao livro de
Trotsky. Brilhante!” exclamou Hitler, mostrando aos seus companheiros
a Minha Vida de Trotsky. “Aprendi muita coisa neste livro, e vocês podem
fazer o mesmo!”153 Ainda sobre esse tema, é notório o papel de trabalho
de base que essas obras teriam sobre os comunistas presos nos regimes ali-
nhados com o nazifascismo e de algum modo uma referência aos serviços
antissoviéticos. “O livro de Trotsky tornou-se rapidamente um livro de
consulta dos serviços secretos antissoviéticos. Foi aceito como guia básico
de propaganda contra o regime”. Sendo essa a única fonte dessa história,
há de se desconfiar, porém, não é o caso e, portanto, “a polícia secreta
japonesa fez dele a leitura compulsória dos comunistas japoneses e chi-
neses presos, num esforço para abatê-los moralmente e convencê-los de
que a Rússia Soviética traíra a revolução chinesa e a causa pela qual eles
vinham lutando. A Gestapo fez uso idêntico do livro”154 ....
Estranhamente, entre os movimentos clandestinos para os quais os
nazistas, ou, pelo menos, alguns deles, sempre tiveram um interesse
eram os clandestinos comunistas do início do século XX e o movi-
mento clandestino de Trotsky no final dos anos vinte e início dos
anos trinta. Em uma ocasião, no final da década de vinte, Hitler ele
mesmo perguntou a alguns de seus tenentes o que eles achavam de
Leon Trotsky. Como Trotsky era um comunista e um judeu em cima

150 CHIAVENATO, J. O Inimigo Eleito. Editora Mercado aberto: Rio grande do Sul, 1985.
Pag, 174-175.
151 RIESS, C. Os Generais de Hitler Vistos Por Dentro. Editora Prometeu: São Paulo, 1990.

Pag.206-210.
152 Joseph Kahn foi um executivo da indústria naval que atuou como presidente da Seatrain

Lines, uma empresa inovadora na forma como os navios transportavam cargas. Kahn, imi-
grou para os Estados Unidos em 1930 da União Soviética. Kahn se alistou no Exército
dos Estados Unidos no início da Segunda Guerra Mundial, ascendendo na hierarquia de
soldado raso a primeiro-tenente.
153 A, KAHN; M, SAYERS. A Grande Conspiração: A Guerra Secreta Contra União Soviética.

São Paulo: Brasiliense. 1959. 33. Sexta Edição. Pag. 234.


154 Idem, ibidem.

100
KLAUS SCARMELOTO

de que, estes tenentes fingiram sentir repugnância e horror perante


a mera menção de seu nome. O Führer, entretanto, não concordou
com eles. “Você deveria ler seus livros”, ele ladrou. “Nós podemos
aprender muito com ele”. Ao menos um dos nazistas, além de Hitler,
leu os livros de Trotsky e tornou-se muito familiarizado com suas
ideias e métodos de organização. Esse homem, é claro, era Himmler.
Ele também sabia muitas coisas sobre os métodos de Trotsky, porque
Rudolf Hess e vários outros homens da organização de Hess estavam
em diferentes momentos de contato com o líder comunista russo. O
desenvolvimento do movimento de Trotsky, o trotskismo, pode ter
dado a Himmler mais de uma ideia para o movimento clandestino
em que ele está trabalhando agora. Trotsky foi privado de qualquer
poder direto após seu exílio do Governo russo. Mas, mesmo assim,
ele ainda reteve consideráveis poderes indiretos, porque ele não per-
deu o contato com seus aderentes, muitos dos quais mantiveram suas
posições-chave dentro do aparato do Estado. Se, como acontecia fre-
quentemente, um destes homens fosse encontrado conspirador con-
tra o governo soviético russo, tudo que ele tinha de fazer era dizer que
estava errado (uma autocrítica), arrepender-se e na maioria dos ca-
sos ele seria reinstalado e poderia continuar exercendo sua influên-
cia subversiva. Foi assim que Trotsky, ou melhor, o movimento de
Trotsky, continuou a manter um grande número de pessoas em po-
sições partidárias, dentro do exército, dentro da polícia secreta e,
acima de tudo, dentro do serviço diplomático. Era pelo menos te-
oricamente possível que chegasse o dia em que todos esses homens
assumiriam seus departamentos nos quais estavam trabalhando. E
assim, de fato, um movimento subterrâneo ou clandestino poderia
ter tomado conta de todo o governo e do funcionamento do país sem
dificuldades.
E eles teriam tido sucesso se não fosse o fato de que os homens na
clandestinidade de Trotsky tinham que combater Stalin, Molotov e
Kaganovich — eram homens que antes eram membros de um movi-
mento clandestino e, assim, logo suspeitaram do que estava sendo
conspirado contra eles. O fracasso final dos trotskistas não provou,
no entanto, que o princípio de sua organização tinha sido errado.
Pelo contrário, o próprio fato de seu quase sucesso deve ter provado
a Himmler, pelo menos, que um clandestino teria muito mais chan-
ces de sucesso final se pudesse colocar alguns de seus homens dentro
do governo ou dentro dos departamentos governamentais do regime
que desejava afastar com. 155

155 RIESS,C. Nazis Goes to Underground. Disponível em: <http://bornepress.com/wp-


content/uploads/2017/09/Riess-Curtis-The-Nazis-Go-Underground-1944.pdf>. Acesso
em 20 de julho de 2020. Pag 10-11. Tradução nossa.
101
A ATUALIDADE DE STALIN

A Conspiração de Thucachevsky também ganha relevante considera-


ção, nesta jornada, entre outras coisas mais, é retratável, além dos docu-
mentos já citados pelo detrator da NKVD no Japão, a reação do presi-
dente da Tchecoslováquia a respeito dessa informação, e a própria consi-
deração de Hitler a respeito do tema. “Nesse período, o exército alemão. . .
Mantinha acordo de espionagem com Tukhachevsky e Gamarnik e um
semelhante, mas levemente diferente, entendimento com Trotsky”156 . A
conspiração militar é vista com desconfiança por diversos motivos, mas,
“os generais alemães estavam cientes...Sabiam que Krestinski e Rakovski
eram partidários fervorosos de Trotsky e, além disso, conheciam que Kres-
tinski cambiava seus rublos em marcos ocultamente auferindo grandes lu-
cros”157 . Evidentemente, que toda conspiração guardará poucas evidên-
cias paupávéis, como mencionado acima, e os próprios nazistas o dizem
fazendo um balanço dos métodos bolcheviques. Mas, os relatos dos gene-
rais não devem ser ignorados. “Depois das necessárias confabulações, os
generais finalmente concordaram em pagar a Krestinski 250.000 marcos
ouro, anualmente, a partir de 1923, afim de desviar para o Estado Maior
alemão quantos segredos militares pudesse conseguir.”158 . Em 1926, o
“conflito entre Stalin e os trotskistas se manifestava abertamente. Zino-
viev e Kamenev caíram e muitos russos dignos de confiança (da espio-
nagem alemã, evidentemente) não mais podiam obter informações con-
fidenciais e nem tentar transmiti-las.” Krestinski, o traidor, “como se
revelou posteriormente, apontara suas ligações com o marechal I. B. Ga-
marnik...e o General Michael Nikolaiewich Tukhachevsky.”159
Muito foi falado sobre os conspiradores militares por vários líderes
do Terceiro Reich. Eles estavam cientes da cooperação entre o Rei-
chswehr e o Exército Vermelho durante o período do acordo secreto
de 1923 a 1933. No decorrer dessa cooperação, estreitos laços pes-
soais foram estabelecidos entre Tukhachevsky e vários outros líderes
militares soviéticos com generais alemães. Isso, em particular, foi
contado por uma das pessoas mais informadas da Alemanha nazista,
tradutor pessoal de A. Hitler Paul Schmidt, que escreveu seus livros
sob o pseudônimo de Paul Carell. (Não é por acaso que em seu fa-
moso livro A ascensão e queda do Terceiro Reich, William Shearer
mais de uma vez admirou a consciência de Schmidt e o citou mais de
uma vez ao descrever a história da Alemanha de Hitler.) Em seu livro
Hitler Goes East, Paul Schmidt-Carell descreveu em detalhes como

156 Idem, ibidem.


157 Idem, ibidem.
158 Idem, ibidem.
159 Idem, ibidem.

102
KLAUS SCARMELOTO

Tukhachevsky, Yakir e outros tentaram reviver os laços que foram es-


tabelecidos com os líderes militares alemães durante o período do
acordo Radek-Seeckt. O famoso chefe da inteligência estrangeira da
Alemanha, Walter Schellenberg, também escreveu sobre isso em suas
memórias.
Paul Schmidt-Carell apresentou informações conhecidas do alto esca-
lão da Alemanha nazista sobre uma conspiração de figuras militares
e políticas da URSS, lideradas por M.N. Tukhachevsky e Ya.B. Ga-
marnik. A espinha dorsal da conspiração foi o Exército do Extremo
Oriente, comandado por V.K. Blucher. Como Schmidt-Carell argu-
mentou, “desde 1935, Tukhachevsky criou uma espécie de comitê
revolucionário em Khabarovsk ... Incluía os mais altos comandantes
do exército, mas também alguns funcionários do partido que ocupa-
vam altos cargos, como o líder do partido no norte do Cáucaso Boris
Sheboldaev ”Embora Schmidt-Carell não conhecesse muitos aspectos
da conspiração e da composição de seus participantes, ele observou
corretamente seu caráter ”político-militar”.
Como Paul Schmidt-Carell argumentou, quando no início de 1936
Tukhachevsky, que chefiou a delegação soviética no funeral do Rei
George V, estava de passagem por Berlim a caminho da Inglaterra e
de volta, ele se encontrou com “importantes generais alemães. Ele
queria garantias de que a Alemanha não usaria quaisquer eventos
revolucionários possíveis na União Soviética como pretexto para uma
marcha para o Leste. O principal para ele foi a criação de uma aliança
russo-alemã após a derrubada de Stalin. ”160
No XXII Congresso do PCUS, N.S. Khrushchev anunciou publica-
mente que os líderes militares soviéticos, chefiados por M.I. Tukhachevs-
ky, haviam sido presos sob falsas acusações. Segundo ele, os materiais
fabricados pela Gestapo, a inteligência alemã conseguiu transferir para o
presidente da Tchecoslováquia E. Beneš, que, por sua vez, os transferiu
para Stalin.Mas, evidentemente, nada foi dito sobre o Telegrama Arao,
o primeiro documento o qual comentamos. Esta versão da “farsa” foi
repetida por D.D. Volkogonov. Stalin e sua comitiva foram acusados de
confiança cega na farsa de Hitler e de falta de vontade de acreditar no
marechal da União Soviética e em outros líderes militares. No entanto,
em uma conversa com F. Chuev em dezembro de 1971, V.M. Molotov
disse: “Sabíamos da conspiração mesmo sem Beneš, até sabíamos a data

160 EMELYANOV, Y. Os Grandes Expurgos: houve uma conspiração militar? Disponível


em: <https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/houve-uma-conspira% C3% A7% C3%
A3o-militar>. Acesso em 20 de novembro de 2020.

103
A ATUALIDADE DE STALIN

do golpe”161 .
Deve-se levar em conta também que Tukhachevsky e seus associados
contaram com o apoio dos círculos dirigentes da Alemanha nazista
para a realização de um golpe de estado. Assim, em 1936, sendo
Vice-Comissário do Povo para a Defesa da URSS, fez uma visita a Pa-
ris, durante a qual falou abertamente em apoio aos nazis. Assim, as
notas deixadas pelo chefe do departamento de imprensa da embai-
xada da Romênia em Paris E. Shakanan-Essez registram a conversa
de M.N. Tukhachevsky com o ministro das Relações Exteriores da
Romênia, Nikolai Titulescu, durante um jantar oficial na embaixada
soviética. Nesse evento, ele disse o seguinte: “Em vão, senhor minis-
tro, o senhor vincula sua carreira e o destino de seu país aos destinos
de Estados tão antigos e arruinados como a Grã-Bretanha e a França.
Devemos nos orientar para a nova Alemanha. Alemanha, pelo me-
nos por algum tempo, a hegemonia no continente europeu será man-
tida. Tenho certeza de que Hitler significa salvação para todos nós.”
A jornalista francesa Genevieve Tabuy, que esteve presente na recep-
ção, escreveu sobre o mesmo em seu livro ”They Call Me Cassandra”.
Ela observou que ”em um jantar na embaixada soviética, o marechal
russo conversou muito com Politis, Titulescu, Herriot e Boncourt...
Ele tinha acabado de visitar a Alemanha e foi espalhado em elogios
ferozes aos nazistas”. Ele lembra como Tukhachevsky falou sobre a
desejável aliança das grandes potências com Hitler, enfatizando sua
invencibilidade. Um dos participantes do jantar oficial, um ilustre
diplomata, em conversa com um jornalista ao sair da embaixada, ex-
pressou a esperança de que ”nem todos os russos pensem assim”. que
Hitler significa salvação para todos nós.162
As obras de Trotsky foram legalmente disseminadas sob os regimes
fascistas da Itália, Alemanha, Espanha e Polônia. O Diário de Goebbels
revela com propriedade algum nível de proximidade entre os nazistas
que operaram em nome de Trotsky na URSS, nesta avaliação, deve se
partir do pressuposto que seria impossível operar em nome de Trotsky
sem mínimo de colaboração mútua com o movimento trotskysta:
O nosso transmissor de rádio clandestino da Prússia Oriental para a
Rússia desperta enorme reboliço. Opera em nome de Trotsky e da
o que fazer a Stalin”. Logo depois do desencadeamento da opera-
ção barbarossa, o chefe dos serviços secretos de propaganda do III

161 Idem.
162 CHISTY, M. Os Grandes Expurgos: a tentativa de golpe militar em 1937 a luz de novos fa-
tos. Disponível em: < https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/os-grandes-expurgos-
a-tentativa-de-golpe-militar-em-1937-a-luz-de-novos-fatos>. Acesso em 20 de novembro de
2020.
104
KLAUS SCARMELOTO

REICH ainda está satisfeito: “Agora trabalhamos com três rádios


clandestinas para a Rússia: a primeira é trotskista, a segunda se-
paratista, a terceira nacional-russa, todas as três são duras contra o
regime staliniano”. É um instrumento para o qual os agressores atri-
buem grande importância: “Trabalhamos com todos os meios, so-
bretudo com as três rádios clandestinas para a Rússia”; elas “são um
modelo de astúcia e de esmero”. Sobre o papel da propaganda “trots-
kista” é particularmente significativa uma anotação de diário de 14
de julho, que depois de ter referido ao tratado feito entre a URSS e
Grã-Bretanha e ao comunicado conjunto dos dois países, prossegue
assim: esta é uma ótima ocasião para demonstrarmos a confrater-
nização entre capitalismo e bolchevismo [aqui sinônimo do poder
soviético oficial]. A declaração encontrará aceitação escassa entre os
círculos dos leninistas na Rússia” (tenha-se presente que os trotskistas
gostavam de definir-se como os bolcheviques leninistas, em oposição
aos “stalinistas” considerados traidores do leninismo)163 .
Mikhail Chisty, historiador Russo, afirma que essa organização tro-
tskysta tinha nome e funcionava como cabo nazista. Os alemães estavam
levando a cabo sua publicidade no território soviético, afirmando que
a revolução tinha sido traída e se apresentando como parte da solução
que em grande medida contavam ”com a ajuda de três transmissores de
rádio secretos”defendendo as visões separatistas, ”nacionalistas russos”e
trotskistas. Esse alinhamento também propunha, portanto, uma gover-
nança nacional local dividida entre os nacionalistas, fantoches nazistas
de Stepan Bandera e trotskystas. O nome dessa rádio, que espalhou de-
sinformação em massa sobre eventos de sua época era: ”A Velha Guarda
de Lenin”, que fazia parte de um grupo especial com o codinome ”Con-
cordia”, (liderado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha,
desde 1943, Chefe Adjunto do Departamento Político do Ministério das
Relações Exteriores da Alemanha em Berlim, Kurt Kiesinger - ed. .)”164 .
Mandel confirma o envolvimento com os nacionalistas ucranianos, que
não poderiam ser outros senão a OUN, de Stepan Bandera. Na realidade,
em sua visão, não muito distante dos trotskystas do MÊS-PSOL, PSTU e
tantos outros, sobre hoje, esses golpes nazistas foram “revolucionários”
tanto no passado como atualmente.
Quando os nazistas ocuparam parte da URSS em 1941, fundaram e

163 Goebbels, apud in: LOSURDO, D. Stalin História Crítica de uma lenda negra. Rio de Ja-
neiro: revan, 2010. Pag 89-90.
164 CHISTY, M. Sobre o Conluio dos Contrarrevolucionarios de Trotsky e bukharin com os hi-

tleristas. Disponível em: <https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/sobre-o-conluio-


dos-contrarrevolucion% C3% A1rios-de-trotsky-e-bukharin-com-os-hitleritas>.
105
A ATUALIDADE DE STALIN

apoiaram na Ucrânia um movimento nacionalista e pró-nazista que


massacrou centenas de milhares de judeus, poloneses e comunistas.
Em 1944, no momento da retirada, os nazistas deixaram grupos fas-
cistas ucranianos, dirigidos por oficiais alemães nazistas, atrás das
linhas do Exército Vermelho. O grupo de Mandel aclamou esta con-
trarrevolução nazista, como parte da “revolução política antiburocrá-
tica”. Inacreditável? Julguem vós próprios: em 1988, o grupo de
Mandel escreveu o seguinte:
Durante a Segunda Guerra Mundial, a IV Internacional subestimou
gravemente as potencialidades revolucionárias do movimento naci-
onalista ucraniano. A Internacional só percebeu da existência do
movimento revolucionário de libertação nacional 5 anos depois da
guerra, quando os guerrilheiros ucranianos travavam seu último com-
bate. 165
Em sentido idêntico atuavam os representantes trotskistas restantes no
Exército Vermelho. É singular o apontamento feito pelo estudo do his-
toriador militar da Alemanha Ocidental Joachim Hoffmann ”A História
do Exército de Vlasov ”, onde listou todas os trotskystas que “passaram
para os alemães nos primeiros meses da Grande Guerra Patriótica não
devido a circunstâncias forçadas (ou seja, voluntariamente)”166 . Entre
eles estava ninguém menos que o ex-ajudante pessoal de Tukhachevsky,
que em 1941 era o comandante da 41ª Divisão de Infantaria Boyarsky.
Tudo está estritamente de acordo com a posição aberta de Trotsky sobre
a repetição das ”táticas de Clemenceau”— isto é, alianças com invasores
externos em nome da derrubada do governo.
O Historiador Mikhail Chisty, também infere que “a edição de 20 de
março de 1937 de La Korespondans International, (. . . ) foi escrito que o
Secretário Geral do Partido Social-Democrata da Áustria Otto Bauer tem
a oportunidade de obter informações muito autênticas sobre as negoci-
ações entre Trotsky e Hess”167 . São fontes documentais. “O correspon-
dente do jornal salientou que as sedes francesa e inglesa estão muito bem
cientes deste caso”. Note-se que “graças às boas relações que Bauer man-
tém com Leon Blum e Citrine... seria suficiente abordá-las. Eles não lhe
negariam algumas mensagens confidenciais para seu uso pessoal”. Além

165 MARTENS, L. A URSS, A CONTRARREVOLUÇÃO DE VELUDO E OUTROS ESCRI-


TOS. CIÊNCIAS REVOLUCIONÁRIAS: SÃO PAULO, PAG. 619.
166 CHISTY, M. Sobre o Conluio dos Contrarrevolucionarios de Trotsky e bukharin com os hi-

tleristas. Disponível em: <https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/sobre-o-conluio-


dos-contrarrevolucion% C3% A1rios-de-trotsky-e-bukharin-com-os-hitleritas>.
167 Idem.

106
KLAUS SCARMELOTO

disso, é comentado o quadro de evidências de inteligência, que segundo


nos consta, tem origem não soviética:
O historiador militar A.B. Martirosyan em seu livro ”Stalin e as re-
pressões dos anos 1920-1930”. escreveu que em 1935 a inteligência
soviética obteve uma série de documentos importantes (do quartel-
general da inteligência militar francesa). Com base nas informações
recebidas pelo GRU da URSS, a redistribuição de I.V. A Stalin em de-
zembro de 1935, um relatório intitulado ”Coalizão contra a URSS”.
Este documento tratava das tentativas de formar um bloco antisso-
viético representado pela Alemanha, Japão, Polônia e Finlândia. Os
autores do memorando, redigido por ordem do Estado-Maior fran-
cês (foi a base do relatório — ver a última nota de rodapé — nota
do autor), enfatizaram que a Alemanha estava desenvolvendo planos
para colonizar o território da URSS com o objetivo de aproveitar seus
inúmeros recursos naturais. Os compiladores do documento cor-
respondente observaram que na próxima guerra da coalizão Alemã-
Japonesa-Polonesa-Finlandesa contra a União Soviética, nosso país,
certamente, seria derrotado, em consequência do qual ocorreria um
golpe militar. Além disso, a derrota foi prevista imediatamente após
o início da guerra. O memorando afirmava que “com o início das
hostilidades, logo no início o Exército Vermelho sofrerá sérios reve-
ses, que logo levarão a uma derrota militar completa e ao colapso do
exército”.
Foi enfatizado que após a derrota, vários representantes dos círculos
militares tentariam derrubar o governo soviético. Por sua vez, o Alto
Comando Alemão irá apoiá-los na realização do golpe. Além disso, o
Memorando do Estado-Maior Francês observou que, como resultado
de um golpe militar na URSS, o estabelecimento de uma ditadura mi-
litar é esperado, bem como o desmembramento territorial da União
Soviética em favor da Alemanha e do Japão - como compensação pela
assistência prestada.
A.B. Martirosyan escreve que o relatório dizia sobre as ligações da cú-
pula do Reichswehr com representantes dos círculos militares e polí-
ticos da URSS, que, conforme consta do texto do mencionado Memo-
rando, “ao puxar no momento certo, causará uma explosão interna
no país, que irá varrer os existentes Regime da União, como resul-
tado do qual líderes políticos e militares deveriam chegar ao poder,
com os quais a coalizão antissoviética, e, especialmente, a Alemanha,
pode facilmente chegar a um acordo.”168 169

168 Idem.
169 A.B. Martirosyan escreve que o documento correspondente foi preparado “com base em

107
A ATUALIDADE DE STALIN

O departamento de contra-espionagem do GRU (Diretorado Principal


de Inteligência) da União Soviética, foi criada por Josef Stalin e estava sob
controle do Partido. Seus principais objetivos eram: Atuar na área contra
a “desinformação” (dezinformatsiya), estratégia de espionagem que era
especialidade russa e soviética, que consistia em descobrir informações
de acordo com os interesses nacionais, (II) Proteger o exército vermelho
de partisans, sabotadores e espiões, (III) investigar e prender conspira-
dores, rebeldes, traidores, desertores, espiões e criminosos, (IV) auxiliar
o comando geral em operações estratégicas.
No entanto, não apenas a inteligência francesa, mas também a so-
viética, forneceram à liderança da URSS informações semelhantes.
Assim, o pesquisador Vladimir Vakhania, que já teve acesso a docu-
mentos do arquivo secreto pessoal de I.V. Stalin, bem como aos mate-
riais secretos dos serviços especiais soviéticos (em particular, aos do-
cumentos das agências de inteligência e contraespionagem da URSS),
em seu trabalho escreve que em 2 de fevereiro de 1936, o agente La-
vrov transmitiu uma mensagem especial a I.V. Stalin nos termos do
acordo concluído entre Leon Trotsky e Rudolf Hess. Para citar um
documento publicado no livro de Wakhania:
“Sov. secretamente
Apenas para camarada Ivanova
(isto é, para I.V. Stalin.)
MENSAGEM ESPECIAL
Em dezembro de 1935, Trotsky se encontrou com o vice de Hitler,
Hess.
O seguinte acordo foi garantido:
a) garantir uma atitude geral favorável para com o governo alemão e
a necessária cooperação com ele nas questões mais importantes;

vários dados de inteligência obtidos pela inteligência militar, principalmente por meio de
agentes, inclusive documentais”. Além disso, o autor enfatiza que “a base principal do rela-
tório foi um memorando elaborado por ordem do Estado-Maior francês, cujo autor foi um
dos ex-oficiais da Guarda Branca.” Mais longe “O 2º Bureau do Estado-Maior da França
enviou uma cópia deste memorando à liderança da inteligência militar da Tchecoslováquia
como um serviço especial aliado. E que, por sua vez, no âmbito do então acordo de coopera-
ção com a inteligência militar da URSS - foi assinado como um anexo secreto ao tratado de
assistência mútua para repelir agressões - o apresentou ao conteúdo dos colegas soviéticos.”
É bastante claro que os ”líderes militares”significavam Tukhachevsky, Yakir, Uborevich e
outros. Sabe-se que foram representantes do bloco trotskista nas fileiras do Exército Ver-
melho. Fizeram preparativos para um golpe militar, coordenando suas ações com Trotsky,
com Krestninsky, com Bukharin, com Rosengolts e com outros líderes.

108
KLAUS SCARMELOTO

b) acordar concessões territoriais;


c) permitir que os empresários alemães sob a forma de concessão (ou
quaisquer outras formas) operem na URSS tais empresas que sejam
um complemento econômico necessário à economia da Alemanha
(minério de ferro, manganês, petróleo, ouro, madeira);
d) criar condições na URSS favoráveis às atividades das empresas pri-
vadas alemãs;
e) desenvolver durante a guerra um trabalho ativo de sabotagem nas
empresas militares e na linha de frente. Este trabalho de sabotagem
deve ser executado sob as instruções de Trotsky, acordadas com o
Estado-Maior Alemão.
2 de fevereiro de 1936
A. Lavrov ”.170171
Esse conjunto de evidências também não soviéticas permitem compre-
ender que embora exagerada, a política de expurgo, não foi uma farsa.
“O documento fornecido permite que você coloque muitas coisas em seu
lugar. É verdade que alguns podem ter uma pergunta: como os oficiais
da inteligência soviética poderiam obter as informações relevantes?”172
A pertinência dessa pergunta é extremamente válida, sobretudo, para se
chegar ao mais próximo da verdade histórica. “Há alegações de que isso,
dizem eles, é extremamente difícil de conseguir, que os serviços de inteli-
gência alemães alegadamente não permitiriam o vazamento de informa-
ções, etc. Mas esse raciocínio é “maligno”173 . No entanto, a URSS tinha
uma rede informantes por todo o mundo, sobretudo, porque os traidores
de outros regimes solicitavam pedidos de ajuda. “Em segundo lugar, o
historiador N. A. Dobryukha (pseudônimo: Nikolai Nad - editor-chefe)”
escreve sobre as pessoas com quem a União Soviética obtinha informa-
ções na Alemanha em seu livro ”Os Vencedores e Herdeiros”174 . Após
a abertura dos arquivos em 1991, as interpretações sobre a URSS devem
mudar. Em particular “Dobryukha trabalhou com os documentos do Ar-
quivo Central do Ministério da Defesa da Rússia (TSAMO), o Arquivo

170 Idem.
171 Serviço secreto pessoal de Stalin (inteligência estratégica e contraonagem): coleta de
relatórios, mensagens especiais, certificados e dissertações de doutorado, pessoal de in-
teligência pessoal e contra-onagem Stalin / Vladimir Vakhaniya. - Moscou: Svarog, 2004
(GUP Smirnov, V.I. Tipo Regional Smirnov).Idem.;;
172 Idem.
173 Idem.
174 Idem.

109
A ATUALIDADE DE STALIN

Estatal Russo de História Moderna (RGANI), o Arquivo Estatal Russo


de História Social e Política (RGASPI), o Arquivo Estatal Militar Russo
(RGVA)”175 . O historiador em questão, “tendo trabalhado com vários do-
cumentos (incluindo materiais classificados), escreve que entre as figuras
de alto escalão e famosas da Alemanha nazista havia pessoas que trabalha-
ram secretamente para a URSS”176 . Segundo essas estimativas, “mesmo
no período em que Lubyanka era chefiada por F.E. Dzerzhinsky, um certo
”camarada Karl”, foi introduzido pela URSS na comitiva de Hitler (este
começou a se interessar como um inimigo ”progressista”do Comintern).
Nikolai Nad escreve que o nome verdadeiro do ”camarada Karl”era Mar-
tin Bormann177 ”178 , que no pré-guerra foi o principal conselheiro de Hi-
tler. “Ao mesmo tempo, ele ”serviu a Stalin impecavelmente”. Seu de-
saparecimento poucos dias antes da rendição do Terceiro Reich também
foi uma circunstância muito misteriosa”179 .
Nesse ínterim, “o autor também escreve sobre a atriz Olga.Kniper.,
que emigrou da Rússia para a Alemanha em 1920. Chekhova (Knipper).
Depois que os nazistas chegaram ao poder, ela começou a fazer uma car-
reira de tanto sucesso que até Hitler se tornou seu admirador”180 . Além
da atriz “N.A. Dobryukha cita as memórias do General de Segurança do
Estado P.A. Sudoplatova”, o qual já citamos para fins de conhecimento
sobre a guerra civil espanhola, que afirmou que, além de seus inúmeros
papéis em filmes, ela ”desempenhou o papel de uma altruísta oficial da
inteligência soviética”181 , que se passava abertamente por renegada.
Além de Nikolai Nad o embaixador alemão em Moscou Schulenburg,
que era um defensor da reaproximação soviético-alemã, se opôs à guerra

175 Idem.
176 Idem.
177 Martin Bormann (Wegeleben, 17 de junho de 1900 — Berlim, 2 de maio de 1945) foi um des-

tacado oficial durante a Alemanha Nazista, chefe da Parteikanzlei (Chancelaria do Partido


Nazi). Acumulou um poder muito significativo no Terceiro Reich ao usar a sua posição de
secretário privado de Adolf Hitler para controlar o fluxo de informação e acesso ao Füh-
rer. Na sua autobiografia, o oficial de informações nazi Reinhard Gehlen afirmava que
Bormann tinha sido um espião soviético, e que tinha escapado para Moscou. O caçador
de nazis Simon Wiesenthal acreditava que Bormann vivia na América do Sul. Em 1971,
o governo da Alemanha Ocidental declarou que a busca por Bormann tinha cessado. É
provavel já que seus restos foram encontrados na alemanha, que ele tenha sido morto por
alemães. Para saber mais verificar: “Whiting, Charles (1996) [1973]. The Hunt for Martin
Bormann: The Truth. London: Pen & Sword.
178 Idem.
179 Idem.
180 Idem.
181 Idem.

110
KLAUS SCARMELOTO

com a URSS. Segundo o autor, ele “fez de tudo para evitar a guerra, ou
pelo menos reduzir as consequências destrutivas em sua primeira fase,
considerando “a decisão de Hitler foi uma loucura”182 .
Com bases nessas informações, devemos concluir que “é possível que
eles possam transmitir informações à inteligência soviética sobre o acordo
concluído entre os trotskistas e o governo hitlerista, que, por sua vez, for-
mou a base da mensagem especial acima mencionada, transmitida pelo
agente I.V. Lavrov. a Stalin em fevereiro de 1936”183 .
Há também a entrevista de confirmação do Neto de Trotsky, que afir-
mou ou pelo menos teria deixado escapar a existência da conspiração:
Além da inteligência soviética e francesa acima, os materiais da inves-
tigação do caso de M.N. Tukhachevsky e G.G. Bagas, também temos
as informações da L.D. Trotsky Esteban Volkov. Na segunda edição
da revista ”Russian Yearbook”de 1990, você pode encontrar um ar-
tigo muito interessante chamado ”The Mystery House em Koyokan,
ou Leon Trotsky no exílio ...”. V. Leskov, correspondente do Ros-
siyskiy Yearnik, apresenta o conteúdo de uma entrevista com E. Vol-
kov,184 publicada na oitava edição da Moskovskiye Novosti em 1989.
Por exemplo, o neto de Bronstein disse que Lev Davidovich ”freqüen-
temente iniciava discussões em voz alta com seus camaradas, vivos e
mortos”.
Volkov se lembrou de alguns momentos das conversas de seu avô com
pessoas próximas a ele:
- “A esperança para as massas dos trabalhadores agora é ruim. A
classe trabalhadora agora está cheia de sentimentos reacionários, en-
tão às vezes isso vem contra nós. Devemos ser capazes de restringir o
trabalho fracional por um tempo, sem abandonar nossas ideias, ten-
tando ao mesmo tempo ganhar confiança de Stalin”;
- “opor-se a Stalin em tudo, culpá-lo pessoalmente por todos os fracas-
sos, mas ser sempre o primeiro a gritar da tribuna “Viva o camarada
Stalin! ”;185

182 Idem.
183 Idem.
184 Naquela época ele morava no México, cuidava da casa-museu de seu avô, que era subsidiado
pelo governo deste país / V. Leskov. ”The Mystery House in Koyokan, or Leon Trotsky in
Exile”// Russian Yearbook. Moscou, ”Rússia Soviética”, 1990. Idem.
185 Ou seja, confirma-se o fato da intenção dos associados de Trotsky na URSS de infiltrar

fraudulentamente o partido e o aparelho soviético em cargos de responsabilidade, a eleição


de táticas de dupla negociação, bem como sua intenção de recorrer à sabotagem e sabotagem
para desacreditar a liderança stalinista. Idem.

111
A ATUALIDADE DE STALIN

- “agarrar nas mãos dos militares de todos os níveis, o Komsomol e


os movimentos pioneiros, editoras, revistas e jornais, todos os meios
de comunicação”;
- “tomar posições de liderança em fábricas militares, escritórios de
design, escolas militares, academias, órgãos políticos, unidades e dis-
tritos, para criar células revolucionárias de oposição no Exército Ver-
melho”;186
- “também com o tribunal, Ministério Público, NKVD, campos cor-
recionais”;187
- “juntar-se ao seu povo em todos os partidos nos diferentes países,
em todos os lugares para tentar tomar o poder”;188
“Você pode chegar a um acordo com Hitler e os japoneses. Para obter
apoio, os alemães podem dar um protetorado à Ucrânia e ao Japão
— o Extremo Oriente. Claro, temporariamente”;
- “para o bem dos interesses da revolução internacional, para que
não sejamos estrangulados, é necessário manobrar de todas as formas
possíveis na arena internacional, para empreender todo tipo de ações
de compromisso contra a burguesia do Ocidente (concessões, acordos
comerciais lucrativos, entregas de grãos, etc.);
- “a luta antifascista é um engano e invenção stalinista, a coalizão
de países contra Hitler é estranha aos interesses da revolução russa
e internacional; que ele esmague as potências ocidentais; ele vai de-
sencadear uma revolução na Europa. ”
V. Leskov, comentando esses apelos, enfatiza que esta era uma ”parte
implícita”do programa de Trotsky e seus seguidores, ”revelada mais
tarde”. Quanto às três últimas teses de Trotsky acima, ele, como é co-
nhecido, as expôs durante sua conversa com Yu. Pyatakov, realizada

186 Isso confirma o fato da penetração de elementos trotskistas em postos-chave no aparelho


de estado, nas estruturas econômicas, bem como o fato de que eles organizaram células
conspiratórias nas fileiras do Exército Vermelho, tanto no centro como nas localidades,
preparando-se para derrubar o governo soviético. Idem.
187 De fato, é confirmada a penetração de elementos trotskistas-Bukharinistas no NKVD, que a

princípio cobriu as atividades subversivas e traiçoeiras de seus cúmplices na conspiração, e


mais tarde, quando foi decidido realizar uma operação para derrotar a ”quinta coluna”, com
propósitos provocativos (para desacreditar as autoridades, o Partido Comunista, agências de
segurança do Estado, bem como o próprio I.V. Stalin) começaram a encorajar a prática de
prisões ilegais injustificadas. Idem.
188 Eles se juntaram ao POUM, que não pertencia oficialmente à Quarta Internacional, e ten-

taram se infiltrar nas fileiras dos partidos comunistas dos países libertados pela União So-
viética da ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Idem.

112
KLAUS SCARMELOTO

em dezembro de 1935. Tudo o que foi dito acima confirma o fato de


que Bronstein tem os pensamentos correspondentes. 189
Desse modo, é possível corroborar a evidência trazida por Albert Kahn
e Michael Sayers, de que as novas agências ocidentais passaram a auxiliar
a Trotsky e seus aliados na oposição, embora não pudessem formalmente
lhe oferecer asilo por muito tempo. A Defensiva polonesa; a Ovra itali-
ana; o serviço secreto finlandês, os emigrados russo-brancos que delibe-
raram os serviços secretos antissoviéticos na Romênia, Iugoslávia e Hun-
gria, e elementos reacionários do serviço secreto britânico e o Deuxieme
Bureau francês prepararam-se, de início, para entendimentos com o prin-
cipal ”Inimigo Público da URSS”. Havia fundos, assistentes, uma rede de
serviços de espionagem e de correio à disposição de Trotsky para manter
e estender suas atividades de propaganda antissoviética internacional190 .
Algo não muito novo, pois após a revolução de outubro quem quisesse
instigar uma oposição a Lenin, acabava concluindo que o caminho para
isso era centrar-se em Trotsky, os espiões de outros países infiltrados, to-
dos o viam objetivamente como egoísta, superestimado, autoritário, mas
brilhante orador e organizador. Foi o que escreveu o agente Raymond
Robins, que de início foi a Rússia para manter Kerensky no poder, como
espião estadunidense em missão da cruz vermelha, mas, posteriormente,
encantou-se pela atuação heroica de Lenin e dos bolcheviques, e passou
a tentar representar sua corporação e seu país na terra dos sovietes, per-
dendo, futuramente, sua credibilidade nos EUA e até mesmo ficando na
mais pura miséria quando regressa a sua nação. Havia também o agente
infiltrado, Bruce Lockhart espião britânico, que após se encantar com o
país dos sovietes, não mediu esforços para fazer o governo britânico re-
conhecer o novo governo bolchevique, e que, de início, quando esteve
focado em sua missão de achar o núcleo da oposição se tornou um dos
melhores amigos de Trotsky, ambos fizeram relatórios aos seus países di-
zendo que Trotsky era a solução para oposição de Lenin.
O agente britânico e o comissário soviético do Exterior se tornaram
logo íntimos. Lockhart dirigia-se a Trotsky familiarmente, chamando-
o ”Lev Davidóvitch”, e sonhava, conforme confessou mais tarde, “rea-
lizar um grande golpe juntamente com Trotsky.” Mas Lockhart che-
gou embora com relutância à conclusão de que Trotsky não tinha
meios de substituir Lénin no poder. É do seu Agente-Britânico o
trecho seguinte:

189 Idem.
190 A,
KAHN; M, SAYERS. A Grande Conspiração: A Guerra Secreta Contra União Soviética.
São Paulo: Brasiliense. 1959. Pag 33. Sexta Edição.
113
A ATUALIDADE DE STALIN

”Trotsky era um grande organizador, um homem de imensa coragem


física. Mas moralmente, era tão incapaz de enfrentar Lenin, como
uma pulga um elefante. No Conselho dos Comissários não havia um
homem que não pudesse considerar-se em pé de igualdade a Trotsky.
Essa conclusão era partilhada por Raymond Robins: “Eu sempre tive
pessoalmente uma dúvida acerca de Trotsky — dúvida sobre o que
ele fará, onde estará em determinado tempo e dadas circunstâncias,
por causa do seu egotismo extremado e da sua arrogância” — dizia
Robins. 191
Trotsky era dono da conspiração contra o bolchevismo há muito tempo:
Em suas memórias, o agente britânico Bruce Locknart expressa a
crença de que o governo britânico cometeu um erro grave no modo
como lidou com Trotsky. Locknart escreve: “Não lidamos com Trotsky
com sabedoria. Na época da primeira revolução, ele estava no exílio
na América. Ele não era nem um menchevique nem um bolchevi-
que. Era o que Lenin chamava de trotskista — ou seja, individualista,
um revolucionário com o temperamento de um artista e uma indu-
bitável coragem física, ele nunca fora e nunca poderia ser um bom
homem de partido. Sua conduta antes da primeira revolução havia
sofrido a mais severa condenação de Lenin, na primavera de 1917
Kerensky solicitou ao governo britânico que facilitasse o retorno de
Trotsky à Rússia. . . Como sempre em nossa atitude em relação à Rús-
sia, adotamos meias medidas desastrosas. Trotsky foi tratado como
um criminoso. Em Halifax ele foi internado em um campo de prisi-
oneiros. Então, tendo despertado, permitimos que ele voltasse para
a Rússia”.192
E assim podemos não ter dúvidas de que Trotsky sempre fora a espe-
rança dos antissoviéticos e antibolcheviques, mesmo que a intenção dele
não fosse ser um serviçal, mas um grande líder.
Do mesmo modo devem ser avaliados os depoimentos de Harry Hay-
wood e W.E.B. D.U. B.O.I.S, ambos proeminentes nomes do movimento
antirracista, que foram testemunhas diretas das relações de Trotsky e do
Trotskysmo com os EUA — e também deve ser considerado o contributo
do indiano Vijay Singh deste mesmo episódio —, em suma, a acusação
contra Trotsky de atuar em colaboração com o governo Estadunidense,
cola toda a oposição de algum modo, uma vez que nos arquivos pesso-
ais se prova que ele nunca perdera o contato com a oposição na União
Soviética.

191 Idem.
192 Idem. Pag. 206.
114
KLAUS SCARMELOTO

Segundo Haywoood, nos Estados Unidos ele “presenciou como o con-


ceito purista de luta de classes em Trotsky levou logicamente à negação
da luta pela libertação negra como um aspecto especial da luta de classes,
revolucionária em seu próprio direito. Como resultado, os trotskistas se
encontraram isolados do movimento durante o grande levante dos anos
30. Mas tudo isso ainda estava por vir”. 193 Na mesma linha segue Vijay
Singh:
Earl Browder, secretário geral do Partido Comunista, foi acusado e
depois preso por pequenas taxas de passaporte largamente abando-
nadas como insustentável por uma administração anterior. Procedi-
mentos de extradição estavam correndo contra Sam Darcy, secretário
de Estado do Partido Comunista do leste da Pensilvânia, novamente
sobre acusações frágeis. Earl Browder foi recusado à permissão de fa-
lar em reuniões agendadas nas universidades de Harvard e Princeton.
Um ataque vândalo organizado ocorreu em Detroid, no Evento de
William Z. Foster, presidente nacional do Partido Comunista. Ocasi-
onando a proibição do uso do rádio pelo Partido Comunista. Os can-
didatos municipais comunistas foram impedidos na cidade de Nova
York. E assim por diante23. Foi nesta atmosfera que Trotsky en-
viou uma resposta ao Comitê de Atividades Antiamericanas da Casa
por telegrama: “Aceito seu convite como um dever político”. Por que
Trotsky aderiu ao pedido desse Comitê reacionário? Respondendo às
críticas de um dos seus então seguidores, James Burnham, do Partido
dos Trabalhadores Socialistas dos EUA, argumentou que a participa-
ção no Comitê Sobre o Trotskismo era uma excelente oportunidade
política favorável. A comissão deve ser considerada como um comitê
de investigação parlamentar e como uma espécie de “tribunal”. As-
sim como os seguidores de Trotsky apoiaram a formação da Comissão
Dewey para tentar limpar o nome de seu líder que estava implicado
nos julgamentos de traição em Moscou, foi valioso participar do Co-
mitê que teve uma audiência milhares de vezes maior do que a comis-
são anterior24. Assim, de acordo com Trotsky, o Comitê era um fó-
rum apropriado para apresentar a “História do Stalinismo”. Trotsky
negou à imprensa mexicana declarações que sugeriam que ele pre-
tendesse informar ao Comitê sobre o movimento comunista latino-
americano, argumentando que ele não tinha um único documento
sobre isso e, que apenas se limitaria a apresentar uma “História do
Stalinismo”25. Os documentos publicados aqui estabelecem que, se
Trotsky possuía tais documentos, ele poderia apresentar ao Comitê
ou não, ele estava transmitindo informações ao estado dos EUA sobre

193 HAYWOOD, H. Dias de Trotsky no Tribunal apoud in: Sobre o Trotskysmo. Editora ciên-
cias revolucionárias: São Pauo. 2017, Pag. 100-110.

115
A ATUALIDADE DE STALIN

os partidos comunistas latino-americanos. Na reunião entre Trotsky


e Robert G McGregor Jr., do Consulado dos EUA no México, reali-
zado em 25 de junho de 1940, documentos de arquivo dos EUA que
o ex-líder soviético indicou que a Terceira Internacional estava sub-
sidiando a imprensa estrangeira, incluindo a imprensa progressista
mexicana. Além disso, ele nomeou líderes particulares na Espanha
e no México194 .
Em 1939, ano em que Trotsky foi convidado a depor perante o Comitê
de pena de Morte sobre o ’registro completo da história do stalinismo’,
iniciou-se uma grande campanha anticomunista nos EUA. Earl Browder,
secretário-geral do Partido Comunista, foi indiciado por atividades sub-
versivas e mais tarde preso por pequenas acusações que há muito se torna-
ram insustentáveis. Os processos de extradição estavam ocorrendo contra
Sam Darcy, Secretário de Estado do Partido Comunista do Leste da Pen-
silvânia, novamente sob acusações frágeis. Earl Browder teve recusa na
permissão para falar em reuniões agendadas nas universidades de Har-
vard e Princeton. Um ataque organizado de hooligan ocorreu na reunião
de Detroit de William Z. Foster, presidente nacional do Partido Comu-
nista. O Partido Comunista teve acesso negado ao uso do rádio. Os candi-
datos a vereadores comunistas foram impedidos na cidade de Nova York.
E assim por diante.
Por outro lado, as perspectivas políticas para Trotsky e seu movimento
nos Estados Unidos pareciam estar melhorando. Embora o PCUSA
fosse grande e sua influência significativa como resultado do papel
de liderança que desempenhou na geração de apoio à Frente Popu-
lar Espanhola e na oposição ao fascismo, os julgamentos em Moscou
resultaram em um número crescente de cidadãos americanos criti-
cando publicamente a escalada da repressão no URSS e, consequen-
temente, desembocou na saída de membros do partido. Apesar da
força política e financeira do PCUSA, a influência da organização
trotskista americana parecia estar crescendo. Foi o maior partido
trotskista do mundo. A estratégia de Trotsky para dissolver aquele
partido e se infiltrar no Partido Socialista Americano com o propósito
expresso de assumir o controle desse partido ou ganhar sua ala mili-
tante para o lado do trotskista parecia estar funcionando. Além disso,
Trotsky era quase totalmente dependente do movimento americano
por fundos. Durante sua estada no México, com poucas exceções, to-
das as suas secretárias e guardas pessoais eram americanos. Trotsky

194 VIJAY SIGH. SOBRE O TROTSKYSMO. CIÊNCIAS REVOLUCIONARIAS, SÃO PAULO,

2017. PAG. 43-44.

116
KLAUS SCARMELOTO

também recebia contribuições financeiras periódicas de ricos simpa-


tizantes americanos.35 Dadas essas realidades, Trotsky sem dúvida
concluiu que o asilo nos Estados Unidos tinha muito a recomendá-
lo. Sem dúvida, também o fizeram seus camaradas americanos. Ter
seu líder político e intelectual e uma figura tão proeminente como
Trotsky pessoalmente chefiando o partido aumentaria seu apelo em
certos setores.
Dentro do possível perseguiu-se até agora o objetivo de trazer à tona as
dissonâncias entre os discursos de Trotsky e da oposição, de sua prática,
ou seja, entre o que eles afirmavam querer realizar — a revolução mun-
dial — e o que de fato eles concretizaram — alianças táticas com países
inimigos da Rússia/URSS —. Também se avaliou o significado concreto
de certos textos, apelos contra Stalin, a terceira internacional e a linha
soviética considerada oficial. Sobre isso, um importante contributo foi
dado por WEB DUBOIS: “toda a atitude mal-educada e ofensiva dos li-
berais nos EUA hoje começou com nossa ingênua aceitação da magnífica
propaganda mentirosa de Trotsky, que ele carregava ao redor do mundo.
Contra ele, Stalin permaneceu como uma pedra e não se moveu nem à
direita nem à esquerda, enquanto continuava avançando em direção a um
socialismo real, em vez da farsa oferecida por Trotsky”195 .
Certamente, por isso, a ocultação desse debate se casa ao objetivo im-
perialista de difamar o comunismo, porque lhe retira do âmbito da prá-
tica sadia histórica — reivindicável como modelo de civilização — e o faz
retornar ao plano do idealismo abstrato, como utópico, exógeno e não
autóctone na melhor das hipóteses. Após a morte de Trotsky em 1940
e a criação da CIA em 1945, as atuações antissoviéticas de seus seguido-
res não se cessaram, podem acrescentar a esse debate uma vez que elas
encontram precedentes na obra de seu Mestre, aspecto bem abordado
pelo Belga Ludo Martens, e pelo movimento comunista internacional,
que procurou demonstrar como a atuação do trotskismo serviu o imperi-
alismo por anos.
Não se pretende aqui demonizar Trotsky e a oposição, mas apenas
revelar a verdade para que a própria superação de dicotomias, dentro
do campo marxista, seja realizada tendo em vista a veracidade dos fatos
e não de maneira anticientífica, eclética e banal como procura fazer o
oportunismo: que, a todo custo, tenta ou agradar a dois senhores, ou
impor a somente um deles a superação do problema o fazendo disfarçar
seus pensamentos “stalinistas”.

195 DU
BOIS, W.Sobre Stalin. Apud in: Em defesa de Stalin. Editora ciências revolucionarias.
2019. Pag 60.
117
A ATUALIDADE DE STALIN

A tese central deste texto, foi, portanto, de que Trotsky, e a oposição,


não se consubstanciaram como ”servos de Hitler”ou uns “espiões nazis-
tas”, ou agentes de qualquer país anticomunista ao qual tenham se aliado,
mas sim que foram a nível subjetivo comunistas sinceros que buscaram
alianças trágicas e destrutivas, embora táticas e momentâneas, seja com
o inimigo nazista seja com outros países ditos liberais. A aliança se dava
contra o oponente político principal comum a todos: o odiado regime
stalinista que todos os lados consideravam seu principal antagonista em
escala mundial, embora por razões políticas diferentes e opostas.
Neste texto, portanto, não credita-se a tese de que houve venda ou
submissão política de Trotsky e da oposição soviética a Hitler ou a outros
países anticomunistas, mas ”apenas”(um ”porém”extremamente negativo
e devastador em todos os sentidos concebíveis) a configuração de pactos
Faustinos e alianças entre inimigos jurados, unidos pela hostilidade po-
lítica momentânea, mas ainda mais forte, contra o caráter histórico que
ambos os lados consideravam ”seu”principal adversário daquela fase his-
tórica, ou seja, Stalin, especialmente na expectativa de uma futura guerra
contra a União Soviética e uma possível nova ”Brest-Litovsk”196 ou novos
acordos com potencias anticomunistas.
Nem, portanto, endossa-se aqui possíveis erros ocorridos na era Sta-
lin, como mortes sem processo durante os grandes expurgos no decorrer
do evento que se chama ezovhchina, e que particularmente traduziu-se
aqui como Iejovchacina (chacina de Iezov). Esses erros foram inerentes
a confiança em pessoas incompetentes, ainda que num curto período de
tempo, ligadas ao inimigo perseguid, realizaram massacres. Mas, acima
de tudo, foram impossibilidades de se tratar luta interna em prol da li-
nha desenvolvida, principalmente, por Stalin, Krupskaya e Maria Ulia-
nova. Os motivos dessa impossibilidade ainda não foram 100% desven-
dados, mas as vésperas de uma guerra, essencialmente, impossibilita o
desenvolvimento sadio da política interna. Em geral, classificamos pro-
visoriamente como um erro, próximo de um mal necessário a política
de denúncias populares estimuladas pelo C.C. Embora tenha ajudado a
expor problemas, também levou a muitas denúncias falsas e processos ve-
lozes demais. Embora tenha neutralizado o inimigo externo, permitiu a
Iejov o que ele precisava para aplicar o planejamento que ele elaborou
com os fascistas, sendo freados somente pelo talento de Béria.
Quantos aos documentos citados e avaliados por historiadores, não

196 SIDOLE, Roberto. O voo de piatakov. Disponível em: < https://www.robertosidoli.net/pub-


blicazioni/trotskij-tradito-da-trotskij/> acesso em 20 de julho de 2020.

118
KLAUS SCARMELOTO

será possível anexá-los nesta oportunidade. Mas, certamente, isso ocor-


rerá em outra oportunidade. Num livro ou obra que verse exclusivamente
sobre os expurgos. Assim, neste momento, queremos apenas mostrar as
razões de Stalin e em que se baseavam para desfigurar certos mitos. Nesta
empreitada, constata-se que abrir o caminho no momento é mais impor-
tante do que o trilhar até as últimas consequências, o que se fará em outra
publicação.
No entanto, para concluir o tema central sobre os expurgos, afirma-
mos que tudo que fora aqui apresentado, esteve nas mãos de Stalin, não
há um documento citado, testemunho, ou fato aqui apresentado que ele,
Stalin, não soubesse. Sobre os processos de Moscou, podemos concluir,
provisoriamente, que não foram julgamentos encenados, shows armados
para eliminar a oposição, nem tampouco julgamentos sem falhas, na re-
alidade, tratou-se de uma resposta desproporcional a um problema real.
Houve como vimos a morte de inocentes, nisso Zemskov permanece cate-
górico como a representação mais científica que podemos obter do tema,
mas a desproporção derivou sim da luta violenta contra Stalin, e nisso,
Rogovin, insuspeito de Stalinismo, nos serviu de base.

O Antistalinismo a serviço de Franco


Sobre a guerra civil espanhola é digno de mérito perceber que os
Trotskystas atuaram também contra a frente popular, e isso ainda for-
nece razão a Rogovin. A experiência da situação política na Espanha
republicana durante a guerra, e o estudo diário dos problemas que sur-
giam, levam a sentença de que o P.O.U.M. foi, quase sempre, um dos ins-
trumentos mais importantes que os rebeldes espanhóis utilizaram em sua
luta contra o legítimo governo espanhol anterior ao franquismo. O Trots-
kismo espanhol danificou o combate da Segunda República Espanhola
contra o fascismo, assim, constantemente, cada ato de era seguido de slo-
gans ultra-esquerdistas, por exemplo: “A burguesia não pode ser um ali-
ado contra o fascismo”, “somente a revolução proletária pode ser uma
força mobilizadora suficiente para levantar a população na retaguarda
de Franco”, “o proletariado é irreconciliavelmente oposto à democracia
burguesa” e assim sucessivamente. Cometendo erros clássicos do esquer-
dismo, tal qual achar que pode derrotar todos os inimigos de uma só
vez, os trotskistas atrapalharam devidamente todo o combate ao fascismo.
Para os trotskistas, tratava-se de conciliação de classes evitar que os seto-
res da classe média, a pequena e média burguesia, ficasse sob influência

119
A ATUALIDADE DE STALIN

do monopolismo que, cada vez mais, arrastava-se ao fascismo.


Naquele período, os trotskistas, organizados estavam num aparelho
sectário contrarrevolucionário que teve a coragem de se denominar ’Par-
tido dos Operários da Unidade Marxista’ (POUM), que era dirigido por
Joaquim Maurin (que tinha antes deixado o Partido Comunista sob uma
argumentação nacionalista direitista) e Andréas Nin. Na melhor das hi-
póteses o P.O.U.M. serviu indiretamente, ou seja, inconscientemente aos
interesses fascistas e na pior resolução, atuou consciente em conluio com
o fascismo diretamente e subjetivamente, mas devemos lembrar que nesta
época não se sabia de fato a extensão do mau que os fascistas eram, por-
tanto, é necessário passar longe de uma demonização.
A primeira leva de provas abordadas serão as diretas. Em 1935, o
POUM foi formado como uma oposição comunista à forma stalinista de
comunismo promovida pela União Soviética, pelos revolucionários An-
dreu Nin e Joaquín Maurín. Nin foi fortemente influenciado pelo pen-
samento de Leon Trotsky, particularmente sua tese da Revolução Perma-
nente. O P.O.U.M resultou da fusão da Oposição de Esquerda do Partido
Comunista (Esquerda Comunista Trotskista da Espanha) e da Oposição
de Direita (Bloco de Trabalhadores e Camponeses). Essa aliança ia con-
tra a vontade de Trotsky, com quem a esquerda comunista da Espanha
rompeu. A nós cabe tornar públicos os fatos nos quais a convicção se
baseia, nossa tese central é de que, pode-se provar que os membros do
P.O.U.M., agiram indiretamente favoráveis a todos os inimigos soviéticos,
muito embora exista uma leva de evidências que tenta provar que agiam
em conluiou direto. E será instrutivo descobrir se há pessoas ansiosas
para defender o P.O.U.M. diante das provas que se colocam a seguir:
Papeis policiais, documentos, relatórios oficiais de interrogatórios que
falam por si acusam o POUM e seus líderes de ter mantido, e de manter,
relações com os rebeldes, foram apresentados a mim. Eles provam a li-
gação do POUM com as organizações secretas de onagem que os rebel-
des mantêm no governo espanhol. Isso aparecerá antes do julgamento
dos líderes trotskistas. A busca, iniciada após os distúrbios causados pelo
POUM em Barcelona em maio de 1937, levou à descoberta de documen-
tos que indiscutivelmente estabeleceram as atividades de onagem em que
os principais líderes do POUM estavam engajados. Esta busca ainda está
acontecendo. O promotor público da República e seu assistente-chefe
têm trabalhado intensamente nos autos do caso. Em algumas semanas,
a justiça será feita. Esta notícia é reconfortante para todos os amigos
da Frente Popular Espanhola, pois então toda a campanha da Imprensa

120
KLAUS SCARMELOTO

Fascista, alimentada pelos argumentos dos trotskistas e seus aliados, será


claramente revelada como um complô contra a República Espanhola.
A tentativa do POUM de desmantelar as organizações antifascistas re-
monta à formação da Frente Popular Espanhola. Desde a sua formação
em Madrid, a 2 de Junho de 1935, o POUM, através dos seus dirigentes,
Maurin, Nin e Gorkin, lutou e intrigou contra a Frente Popular que es-
tava destinada a ter sucesso nas eleições gerais alguns meses depois e a
lançar o clerical e reação agrária fora do poder. Depois dos dois anos de
terror que a Espanha acabara de vivenciar, o desejo do proletariado e da
pequena burguesia das minorias nacionais oprimidas era unir-se contra
as forças da reação. Naquela época, o POUM tinha apenas cerca de 2.000
membros e não se atreveu a se manifestar abertamente contra as crescen-
tes forças da Frente Popular. Mas a burguesia reacionária e a aristocracia
já haviam descoberto que o POUM e suas ligações com potências estran-
geiras poderiam ser transformados em um instrumento contrarrevolucio-
nário muito útil. Devido às condições das lutas políticas na Espanha neste
período, a linha divisória que separava as forças populares de centro da
direita era tão distinta que as classes dominantes não podiam elas mes-
mas empreender o trabalho de desorganização da Frente Popular. Eles
precisavam de um grupo confiável, que estaria ligado a eles por conside-
rações especiais, como as concessões que eles poderiam fazer uma vez que
tivessem alcançado o poder, para liderar uma luta contra a Frente Popu-
lar, uma luta que teria um ar de revolução. Apenas uma organização que
pudesse penetrar nas fileiras da Frente Popular, adotando uma fraseo-
logia revolucionária, poderia desempenhar esse papel sem ser exposto.
O documento reproduzido a seguir, encontrado durante uma busca feita
nos bairros fascistas de Barcelona, é a prova dos primeiros contatos da
organização trotskista com a reação. Esta é uma carta de um advogado
catalão para Gil Robles, que como Ministro da Guerra durante o governo
Lerroux foi a personificação da opressão contra a classe trabalhadora.
“MEU CARO GIL ROBLES,
“Um amigo de Barcelona, o advogado José Maria Palles, que por sua
posição e interesses viaja frequentemente ao exterior, onde mantém im-
portantes ligações com o mundo internacional, me fez saber que pretende
chegar a um acordo entre as organizações russas brancas e os trotskistas,
que seriam capazes de colocá-los em contato com as atividades dos comu-
nistas contra a Espanha ... ”
A seguir estão algumas das questões às quais os Russos Brancos e os
Trotskistas se propõem a dar respostas exatas:

121
A ATUALIDADE DE STALIN

“(1) Informação sobre a seção espanhola da Terceira Internacional,


sobre os dirigentes desta seção, seus assessores e seus movimentos.
“(2) Informação sobre a atividade ilegal do PC na Espanha.
“(3) Informações sobre a formação da Frente Popular e os partidos de
esquerda na Espanha.”197
Os trotskistas gradativamente mostraram sua verdadeira face. Tendo
adentrado a luta contra os governos que se sucederam até 19 de julho de
1936, eles foram obrigados, uma vez que a insurreição dos generais foi
suprimida em dois terços da Espanha pelas forças populares, a retomar
após um breve atraso a luta contra o Gabinete Caballero. Eles estavam
comprometidos com uma política de sabotar a Frente Popular, e essa po-
lítica os levaria à insurreição e à traição. O Golpe de Estado de julho
de 1936 foi facilitado pelos trotskistas, e foi dirigido contra o governo
da Segunda República Espanhola, cujo parcial fracasso levou à Guerra
Civil Espanhola e, derrotada a República, ao estabelecimento do regime
franquista, que permaneceu no poder na Espanha até 1975. A Guerra
Civil Espanhola era uma guerra civil que aconteceu de 1936 a 1939. Os
republicanos leais à esquerda ligados a Frente Popular pelo governo da
Segunda República Espanhola, lutaram contra uma revolta dos naciona-
listas, uma aliança de falangistas, monarquistas e conservadores, lidera-
dos por um grupo militar entre os quais o general Francisco Franco logo
alcançou um papel preponderante.
Os trotskystas foram, com absoluta impunidade, de provocação em
provocação e, finalmente, permitiram o golpe de Barcelona, enquanto
em Madrid os membros mais importantes de sua organização, trabalhando
de mãos dadas com os ”centros de espionagem fascistas, davam diaria-
mente aos militares inimigos informações sobre a posição das tropas, a
situação das fortificações. O escritor George Orwell lutou ao lado de
membros do Partido Trabalhista Independente como parte das milícias
POUM; ele contou a experiência em seu livro Homenagem à Catalunha.
Da mesma forma, o filme Terra e Liberdade, dirigido por Ken Loach,
conta a história de um grupo de soldados do POUM lutando na guerra
na perspectiva de um membro britânico do Partido Comunista Britânico.
Em particular, o filme trata de sua desilusão com as políticas da União
Soviética na guerra, uma bela aula de guerra híbrida.

197 SORIA, Georges. Trotskyism in the Service of Franco. Disponível em: < https://neo-
democracy.blogspot.com/2016/11/trotskyism-in-service-of-franco.html e http://neodemo-
cracy.blogspot.com/2016/11/trotskyism-in-service-of-franco-p2.html>. Acesso em 20 de fe-
vereiro de 2020.

122
KLAUS SCARMELOTO

No decorrer de 16 de junho de 1937, um mês antes do golpe de Fran-


co, a polícia republicana espanhola, por mandado do Ministro do inte-
rior, levou sob custódia os líderes do POUM, Nin, Gorkin e Andrade,
e os acusou de traição. “As provas contra Nin em particular eram de
tal natureza que as relações da organização com os rebeldes não estavam
mais em dúvida. No decorrer de uma busca feita na Embaixada do Peru
em Madri, foi descoberta uma massa dos documentos mais sensacionais
e incriminadores”198 . A prisão de todos eles pegou o grupo despreve-
nido. Assim, “os falangistas e fascistas não conseguiram destruir seus
papéis antes de serem presos, pois a polícia havia trabalhado com cautela
e inteligência. Eles estiveram na trilha por mais de um mês, reunindo
evidências e acompanhando os acontecimentos antes de atacarem”199 .
Não diferente do padrão de atuação mundial dos trotskystas, na Es-
panha ficavam a reboque do inimigo. “Também foi descoberto que os
líderes do POUM, em cooperação com a Quinta Coluna de Franco, ha-
viam instalado uma estação receptora e transmissora em Madrid e a usa-
vam para manter contato com a zona fascista”200 . A forma de atuação
dessa organização seguia um padrão sistemático, “cujo funcionamento
era estritamente secreto, havia encontrado cobertura para alguns de seus
membros mais importantes em algumas das embaixadas estrangeiras em
Madri e havia conseguido até então mantê-los protegidos da polícia”201 .
A prova de sua existência foi documentada amplamente e “entre os docu-
mentos encontrados na Embaixada do Peru estavam planos mostrando as
posições exatas das baterias antiaéreas em defesa de Madri e das baterias
republicanas na Casa del Campo; planos de distribuição do exército do
centro”202 , além desses utensílios foram encontrados: “mapas do estado-
maior e muitos outros planos de caráter tão estritamente militar que não
havia dúvida de que haviam sido tirados do quartel-general. Havia tam-
bém um mapa detalhado em grande escala de Madrid, cuidadosamente
anotado com instruções para a artilharia fascista”203 . Assim podemos
afirmar que a cumplicidade dos dirigentes trotskistas na grande organi-
zação de espionagem foi amplamente demonstrada, do qual eles nunca
deixaram de fazer parte.
No dorso de um desses mapas da região de Madrid estava gravado

198 Idem. Ibidem.


199 Idem. Ibidem.
200 Idem. Ibidem.
201 Idem. Ibidem.
202 Idem. Ibidem.
203 Idem. Ibidem.
123
A ATUALIDADE DE STALIN

em tinta invisível e em código, o seguinte: “Ao Generalíssimo comunique


pessoalmente o seguinte: Estamos dizendo a você todas as informações
que podemos coletar sobre as disposições e movimentos das tropas ver-
melhas; as últimas informações fornecidas por nossa estação transmissora
atestam uma enorme melhoria em nossos serviços de informação”204 . A
mensagem continua:
“Temos 400 homens à nossa disposição. Esses homens estão bem ar-
mados e favoravelmente situados nas frentes de Madri, para que possam
constituir a força motriz de um movimento rebelde. Sua ordem de fa-
zer nossos homens penetrarem nas fileiras extremistas foi executada com
sucesso. Devemos ter um bom homem encarregado da propaganda. No
cumprimento da ordem que me deu, entre outras coisas, fui a Barcelona
entrevistar os dirigentes do POUM dei-lhes todas as vossas informações
e sugestões. O lapso de comunicação entre eles e você é explicado pela
quebra da estação transmissora, que começou a funcionar novamente en-
quanto eu estava lá. Você já deve ter recebido uma resposta para a per-
gunta mais importante. N. pede que você providencie para que eu seja a
única pessoa a se comunicar com eles além de seus’amigos estrangeiros.
Eles me prometeram enviar pessoas a Madrid para melhorar o trabalho
do POUM. Se for reforçado, o POUM aqui se tornará, como em Barce-
lona, um apoio firme e eficaz ao nosso movimento. Em breve estaremos
lhe enviando algumas informações novas. A organização dos grupos de
ação será acelerada”205 .
Como se vê, o centro de operações era bem organizado e com objetivos
bem delimitados. A diante segue o texto de uma carta capturada na sede
do POUM em Barcelona, destinada ao líder máximo do POUM, Andrés
Nin. É dele a provável nomenclatura “N”. O conteúdo da carta diz:
“Baiona, 12 de julho de 1937, ao Comitê Executivo do POUM. Con-
firmo minhas instruções anteriores. Por fim, a divisão acentuou-se entre
os grupos dos Pirenéus mais baixos que já mencionamos. Se pudermos ti-
rar proveito dessa dissensão, poderemos formar um novo grupo de nosso
próprio partido. Os melhores do grupo, entre eles Walter e Bobinof, cuja
influência é particularmente forte, discordam dos de St. Jean de Luz
porque se recusam a enviar pessoas em uma missão precária antes de te-
rem instruções completas. Devemos obter a devida autorização, embora
o pessoal da Baiona só tome medidas se estiver bastante confiante nos
resultados. Uma coisa é particularmente interessante: eles nos enviam

204 Idem. Ibidem.


205 Idem. Ibidem.

124
KLAUS SCARMELOTO

material de Barcelona, e vários e todos os tipos de indicações das quais


podemos reunir a distribuição do partido; prosseguiremos tentando for-
mar um grupo absolutamente firme e decidido em todas as questões...
A esposa de Franco está agora na França. Você deve se lembrar que em
uma comunicação anterior foi sugerido que ela deveria ir para Barcelona.
Que oportunidades isso nos daria no assunto que Bonet discutiu com
Quim? Insisto, entretanto, que é vitalmente necessário apoiar material
e ideologicamente este grupo que pode ser de tão grande utilidade para
nós; mas para isso você deve garantir que Walter vá para Barcelona. C. já
estabeleceu contato com Perpignan. Onde estou hoje, é difícil ter notícias
com certeza. Você deve acusar o recebimento de tudo isso por telégrafo
e me informar se pretende agir a respeito. Salut e POUM.
Assinado: “IMA.”
O documento apresentado constituía, segundo Soria, apenas uma das
muitas provas da colaboração dos dirigentes do POUM com os agentes de
Franco. A seguir, por exemplo, uma das declarações publicadas pelo Pre-
feito de Polícia de Barcelona em 20 de agosto de 1937, após a descoberta
de um centro secreto do POUM na rua Bailen 158, em Barcelona. “A
dona da casa, Carmen Llorenis, e sua filha Maria Antonia Salines e o ale-
mão Walter Schwarz foram presos. Publicações secretas do POUM foram
descobertas nas instalações, bem como propaganda fascista.”206
O comunicado infere: “está provado que os detidos cruzaram várias
vezes a fronteira francesa, estiveram em contacto com os agentes de Fran-
co”207 .
No decorrer de 23 de outubro de 1937, o Chefe da Polícia de Barce-
lona, tenente. Coronel Burillo, oficial do Exército Regular, que se des-
tacou na defesa de Madri por sua notável energia e pela luta que travou
contra o espírito de derrotismo, convocou uma conferência de represen-
tantes da imprensa internacional e deu-lhes o seguinte comunicado, o
conteúdo dos quais seguem abaixo, e que também estabelece a cumplici-
dade do POUM com os rebeldes espanhóis:
“A polícia descobriu uma organização de ões, de caráter militar, que,
dirigida pelo estado-maior dos rebeldes, estendeu suas atividades a todo
o território da República, e especialmente à Catalunha.
“Esta organização introduziu seus agentes nos centros vitais do Exér-
cito — infantaria, artilharia, tanques — Força Aérea e Marinha. Enviou

206 Idem. Ibidem.


207 Idem. Ibidem.
125
A ATUALIDADE DE STALIN

informações secretas ao inimigo sobre a preparação e planos de nossas


operações militares, sobre aeródromos e posições de tropas, sobre supri-
mentos de munições e várias atividades militares, tanto na linha de frente
quanto na retaguarda.
“Para direcionar os movimentos desses ões que trabalham em territó-
rio republicano e para fazer um uso melhor e mais rápido das informa-
ções que coletam, o ex-general Franco organizou uma seção do serviço
secreto de seu estado-maior em Perpignan. Esta seção do serviço secreto
em Perpignan estabelecera contato com as organizações de onagem por
meio de agentes de ligação que mantinham comunicações regulares entre
Perpignan e as diferentes cidades da República. Como resultado da busca
que fizemos, estamos agora em posse de uma série de papéis, com as assi-
naturas dos presos, contendo informações secretas de caráter militar que
deveriam ser transmitidas ao inimigo.
“Os depoimentos dos presos, assim como os documentos encontrados,
mostram que a organização também estava envolvida na sabotagem e que
pretendia destruir importantes edifícios militares, pontes, arsenais, etc.,
e que estava planejando o assassinato de alguns de os principais membros
do Governo e os líderes do Exército.
A busca, efetuada na casa da Roca, um dos dirigentes da organização,
revelou, entre dois colchões, alguns documentos de extrema importância
que, com os depoimentos da própria Roca, mostram que um dos cen-
tros mais importantes desta organização de onagem era composta por
um grande e bem organizado grupo muitos dos quais eram membros do
POUM. Este grupo tinha como sinal distintivo a letra C e cada um dos
seus agentes na rede de ões era designado pela letra C e um número cor-
respondente”.208
É importante comentar, que muitos tentam obstruir essa documenta-
ção, alegando que Soria, comunista francês da terceira internacional, te-
ria confessado que se tratava de falsidade, mas Soria, limitou-se a afirmar
que a falsificação residia sobre “a história do desaparecimento de Andrés
Nin, o fundador do POUM, onde foi libertado da prisão por agentes fas-
cistas. Soria então culpa o NKVD pela morte de Nin, que é o que ele
descartou como uma extensão para a arena internacional dos métodos
que constituíam o aspecto mais sombrio do que desde então foi chamado
de stalinismo”209 .
Disso, pode-se ter certo que apesar de Soria alegar que as acusações

208 Idem. Ibidem.


209 Idem. Ibidem.
126
KLAUS SCARMELOTO

da liderança do P.O.U.M, incluindo Nin, serem ões fascistas não tinham


provas, ele ainda culpava o P.O.U.M por tomar uma posição de ultraes-
querda e minar a frente popular na Espanha, que ainda prestava ser-
viço de fato aos fascistas. Em outras palavras, mesmo que os trotskistas e
ultra-esquerdistas no P.O.U.M fossem completamente inocentes de todas
as acusações e não fossem agentes da Gestapo ou de Franco, eles “apenas”
ofereceram de fato, e não de jure, serviço a Franco.
Até que haja evidências mais objetivas de que Georges Soria denun-
ciou seus artigos e os documentos que citou neles como falsificações, e
também a demonstração de como esses documentos foram falsificados ou
plantados, não há razão para “rejeitá-los” da consideração como evidên-
cia. Embora Soria posteriormente tenha alegado que as acusações contra
a liderança do POUM foram sem fundamento e não havia nenhuma evi-
dência para eles, ele não demonstrou isso diretamente implicando que,
pelo menos, parte da obra original era falsa e / ou errada, a conclusão de
que Soria admitiu que sua obra e todo o seu conteúdo eram falsificações
completas não pode ser sustentada pelos fatos existentes. Soria não de-
mosntrou a existência dessa falsidade. Ademais, a desestalinização plan-
tou documentos e manipulou provas como anteriormente demonstrado
pela calúnia dos protocolos adicionais do pacto de não agressão.
No curso de suas operações de desobstrução, a polícia espanhola con-
tatou a embaixada peruana em Madri. Ali descobriu os detalhes de um
grupo de onagem fascista bem organizado em contato com agentes nos
quartéis-generais do Estado-Maior, no serviço médico militar, nos servi-
ços de informação do ministro da Guerra, no Birô de Defesa do Ministro
da Marinha e da Aeronáutica e em numerosas outras organizações gover-
namentais. Em um dos documentos descobertos no curso do desmasca-
ramento dessa organização, lê-se o seguinte:
“Por outro lado, o agrupamento de nossas forças para um movimento
de retaguarda prossegue com certa lentidão. Não obstante, confiamos
nos quatrocentos homens que estão prontos para agir. Eles estão bem
armados e em posições favoráveis na frente de Madri; a infiltração de
nossos homens nos anarquistas extremistas e nas fileiras do POUM está
ocorrendo com sucesso. Necessitamos de um bom chefe de propaganda
que se encarregue desse trabalho, independentemente de nós, para que
possamos agir com maior segurança. . . No cumprimento de sua ordem,
eu próprio fui a Barcelona entrevistar um membro dirigente do POUM.
Comuniquei a ele tudo que você havia recomendado. A falta de comuni-
cação entre você e ele é explicada pelo defeito da estação de radiotrans-

127
A ATUALIDADE DE STALIN

missão, que começou a funcionar de novo enquanto eu estava ainda lá.


Você certamente terá recebido uma resposta com respeito ao problema
fundamental. N, particularmente, pede a você e aos amigos estrangeiros
que a pessoa indicada para comunicar-se com ele seja eu próprio, única
e exclusivamente. Ele me prometeu mandar novas pessoas a Madri para
agilizar o trabalho do POUM. Com este reforço, o POUM se tornará,
como em Barcelona, um apoio firme e efetivo ao nosso movimento.”
O ’N’ referido no documento citado não era outro senão Andréas
Nin, dirigente do POUM. Por isso ele foi preso, mas foi mais tarde resga-
tado pelos fascistas disfarçados com uniformes militares, que recorreram
a essa medida na esperança de evitar que as autoridades obtivessem novas
e mais completas provas de seus crimes.
A 23 de outubro, o chefe da Polícia de Barcelona, tenente-coronel
Burillo. deu a representantes da imprensa um relato detalhado da des-
coberta de um complô similar do POUM na Catalunha.210
Sobre esse assunto, o serviço de inteligência soviética, entre 1939 e
1941, recebeu informações de ões acerca da atuação do trotskysmo fora
da URSS, o responsável por essa atividade era o insuspeito antistalinista
declarado Pavel Sudoplatov, que foi o diretor-assistente da Inteligência
Externa Soviética a Primeira Diretoria de inteligência da própria NKVD
da URSS. No decorrer de 1939, Lavrentii Beria, ocupava o Comissari-
ado do Povo para Assuntos Internos, designou Sudoplatov de ”Operatsia
Utka”, o assassinato de Leon Trotsky. Em suas memórias, sobre o Serviço
de Inteligência e o Kremlin, Sudoplatov afirma o seguinte:
No interesse da situação política, as atividades de Trotsky e seus apoia-
dores no exterior na década de 1930 teriam sido apenas propaganda. Mas
não é assim. Os trotskistas também estavam envolvidos em ações. Utili-
zando o apoio de pessoas ligadas à inteligência militar alemã [a ’Abwehr’],
eles organizaram uma revolta contra o governo republicano em Barcelona
em 1937. Dos círculos trotskistas dos serviços de inteligência especiais
franceses e alemães vieram informações “indicativas” sobre as ações dos
partidos comunistas em apoio à União Soviética. Sobre as conexões dos
líderes da revolta trotskista em Barcelona em 1937 fomos informados por
Schulze-Boysen. . . Posteriormente, após sua prisão, a Gestapo o acusou
de nos transmitir essa informação, e esse fato figurou em sua sentença de
morte pelo hitlerista tribunal em seu caso. (Sudoplatov, 1997, p. 58). 211

210 BRAR, Harpal. Trotskysmo x Leninismo. Lições da História. Caravansari, São


Paulo. Pag.33. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1GWe2hYcqxBK4zhcde-
afpjW2pRSr_j4HO/view>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.
211 FURR, G. Leon Trotsky and the Barcelona “May Days” of 1937. Disponível em:
128
KLAUS SCARMELOTO

Essa informação se torna relevante quando combinada com os julga-


mentos do Tribunal militar do Reich, que constitui, portanto, mais uma
evidência não soviética da atuação de Trotsky e o Trotskysmo com o na-
zismo. Existem inúmeras evidências advindas da rede de espionagem.
A Orquestra Vermelha, como era conhecida na Alemanha, foi o nome
dado pela seção III.F da Abwehr aos trabalhadores da resistência anti-
nazista em Agosto de 1941. Referia-se principalmente a uma rede de
resistência, conectados por meio de contatos pessoais, unindo centenas
de oponentes do regime nazista. Isso incluiu grupos de amigos que man-
tiveram discussões centradas em Harro Schulze-Boysen, Adam Kuckhoff
e Arvid Harnackem Berlim, ao lado de muitos outros. Eles imprimiram
e distribuíram folhetos, cartazes e adesivos proibidos, na esperança de in-
citar a desobediência civil. Judeus ajudados e a resistência escaparam do
regime, documentaram as atrocidades dos nazistas e transmitiram inteli-
gência militar aos Aliados.
O texto atual do Reichskriegsgericht alemão (Tribunal Militar do Rei-
ch) contra Harro Schulze-Boysen foi publicado. Schulze-Boysen era um
oficial da Luftwaffe e membro da ”Orquestra Vermelha”(Rote Kapelle),
grupo de espiões anti-nazistas que canalizaram inteligência para os so-
viéticos durante a Guerra Mundial 2.4. Em dezembro de 1942, ele e sua
esposa Libertas foram condenados por espionagem por a União Soviética
e executado. O parágrafo relevante é o seguinte:
No início de 1938, durante a guerra na Espanha, o réu soube no tra-
balho que um levante contra o governo vermelho estava sendo preparado
na área de Barcelona com a ajuda do serviço secreto alemão. Ele e von
Pöllnitz encaminharam esta notícia para a embaixada russa soviética em
Paris. No início de 1938, durante a Guerra Civil Espanhola, o acusado
soube oficialmente que uma rebelião contra o governo vermelho local
no território de Barcelona estava sendo preparada com a cooperação do
Serviço Secreto Alemão. Estas informações, em conjunto com o de von
Pöllnitz, foi por ele transmitido à embaixada russa soviética em Paris.
(Haase, 1993, p. 105)
Os arquivos nazistas foram capturados pelos Aliados após a Segunda
Guerra Mundial e publicados nos Estados Unidos sob o título “Documen-
tos sobre a Polícia Estrangeira Alemã”. Na realidade trata-se da mesma
sorte dos arquivos de Smolensk, aqueles que serviram de base para des-
mentir Conquest, Trotsky anos mais tarde na pesquisa de Getty. Aqui es-

<https://msuweb.montclair.edu/∼ furrg/research/gf_trotsky_maydays_0519.pdf>. Acesso


em 20 de fevereiro de 2021.

129
A ATUALIDADE DE STALIN

tamos interessados na série D, publicada em 1950, cujo terceiro volume


é o que se refere à guerra civil espanhola. Lá, nas páginas 284-286, está
um relatório interessante dirigido em 11 de maio por Wilhelm Faupel
a Hitler. Faupel, um ex-general do exército alemão, era o embaixador
nazista no quartel-general de Franco. Apenas alguns dias se passaram
desde a traição e Faupel diz ao Führer.
Quanto às desordens em Barcelona, Franco informou-me que as lutas
de rua tinham sido iniciadas pelos seus agentes. Como Nicolas Franco,
disse-me ainda, eles tinham no total cerca de 13 agentes em Barcelona.
Um deles tinha dado a informação há muito tempo que a tensão entre
os anarquistas e os comunistas era tão grande em Barcelona que ele ga-
rantiria que os combates iriam começar ali. O Generalissimo disse-me
que não tinha inicialmente depositado confiança nas declarações deste
agente, mas que depois as tinha mandado verificar por outros, que as
tinham confirmado. No início, tinha a intenção de não fazer uso desta
possibilidade até uma operação militar contra a Catalunha foi iniciada.
Contudo, uma vez que os Vermelhos tinham atacado recentemente em
Teruel para aliviar o Governo de Euzkadi, ele tinha julgado que o mo-
mento atual era propício ao surto de desordens em Barcelona. Na ver-
dade, o agente tinha conseguido, dentro de um poucos dias de recepção
de tais instruções, em ter tiroteio de rua iniciado por três ou quatro pes-
soas, e isto tinha então produzido o sucesso desejado. 212
Não só Franco esteve envolvido na mobilização dos antistalinistas espa-
nhois, mas “o conde Galeazzo Ciano, ministro das Relações Exteriores e
genro de Mussolini, também reivindicou a provocação em Barcelona”213 .
García Conde, foi o embaixador de Franco em Roma, dizia ele em uma
carta ao Ministério que “Ciano acrescentou por conta própria, e até me
pediu para transmiti-la ao Generalíssimo, que o importante agora era
acelerar e intensificar nossa ofensiva, aproveitando a situação da revolta
na Catalunha, em cuja desordem a participação é atribuída por meio de
espiões italianos a seu serviço”214 . O presidente Roosevelt sempre se cer-
cou de diplomatas bem relacionados, na Espanha, não foi diferente. “Em
suas memórias, o embaixador americano na Espanha, Claude G. Bowers,

212 Document on German Foreign Policy, 1918-1945: séries D. Disponível em:


<https://bit.ly/3sX8pX2>. Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
213 POUM, Traición a la República. Disponível em:<https://bit.ly/3l63gt1>. Acesso em 20 de

fevereiro de 2020.
214 Arquivo Geral do Ministério das Relações Exteriores, série renovada de Barcelona,

1106/10). Apud in: POUM, Traición a la República. <https://bit.ly/3l63gt1>. Acesso em


20 de fevereiro de 2020.

130
KLAUS SCARMELOTO

também escreveu que a crise havia sido causada pelos anarquistas e pelo
POUM. . . Acredita-se geralmente que muitos deles eram agentes de Fran-
co”215 .
Hoje é comum que anarquistas e trotskistas se gabem de terem atra-
palhado o processo revolucionário na Espanha. ´Por meio da tentativa
de ressignificação da história a apresentam como uma daquelas revolu-
ções que, atualmente, convencionou-se chamar de “revolução colorida”
(conceito problemático, mas que será discutido em outra oportunidade).
E é mais surpreendente que essa “revolução” tenha sido celebrada e diri-
gida nas sedes de Hitler, Mussolini e Franco. Os fascistas tinham plena
consciência de que em Barcelona não havia nada com que se preocupar,
que o verdadeiro inimigo estava no campo de batalha e que a tentativa de
Barcelona só poderia beneficiá-los. Tudo o que prejudicou a República
e a Frente Popular interessou aos fascistas. É por isso que o governo re-
publicano e a Frente Popular — não apenas os comunistas — esmagaram
a traição. García Oliver escreve em suas memórias:
A revolução não poderia derivar dessa rebelião sem cabeça. A vitória
foi alcançada abafando aquela rebelião absurda. A vitória não poderia
vir daquela rebelião sem cabeça. A vitória foi alcançada sufocando aquela
rebelião absurda. Em breve encontro, os delegados da CNT e da UGT
concordaram que deveríamos entrar em contato com as pessoas das barri-
cadas e dos centros transformados em fortes. Entre em contato com eles
e peça que se desarmem, parem de lutar, diga-lhes que esperem até que
os problemas pendentes possam ser levantados e resolvidos nas conver-
sas que se iniciariam na Generalitat da Catalunha. Companys assentiu,
sem demonstrar entusiasmo. E foi então que falamos com os combaten-
tes pelo rádio. Um após o outro nós da CNT e da UGT falamos: ”Cessar
fogo!”era o slogan geral. Muitos foram os que apoiaram os apelos por
um cessar-fogo! Muitos que, das barricadas, foram para suas casas. Eles
foram falados em nome da CNT, da FAI e da Juventude Libertária. E em
nome da UGT.216
Os comunistas estavam — e nós — concordamos com isso: não foi uma
revolução, como agora afirmam os anarquistas e trotskistas, e teve de ser
sufocada. O arcabouço teórico antileninista possui, na sua essência, a dis-

215 BOWERS, C. My Mission to Spain: Watching the Rehearsal for World War II. Apud in:
POUM, Traición a la República. <https://bit.ly/3l63gt1>. Acesso em 20 de fevereiro de
2020.
216 GARCIA, Oliver. El eco de los passos. Ruedo Ibérico de edciones e publicaciones.

Pág. 425. Disponível em: <http://www.fondation-besnard.org/IMG/pdf/Garcia_Oli-


ver_El_eco_de_los_paso> Acesso em 20 de fevereiro de 2021.
131
A ATUALIDADE DE STALIN

solução das questões concretas, guia-se pelo espontaneísmo que leva a se


comemorar qualquer atividade protagonizada pela grande massa, pouco
importando a quem seu resultado beneficia, ou seja, o que nem sempre
se traduz numa emancipação revolucionária. Assim, pode-se dizer que,
guerra civil espanhola, não pecaram por excesso na destruição da quinta
coluna, mas por omissão, e isso se provou fatal no longo prazo para a
República. Em qualquer outro país do mundo, cabeças teriam rolado de
forma fulminante; a República nem mesmo abriu inquérito para apurar
os fatos.
Para dissimular sua atuação no golpe, quando a Catalunha passou as
mãos dos franquistas, Mussolini outorgou a Ciano que fuzilasse os envol-
vidos de sua própria ação, pois os mortos não podiam falar do ocorrido
(Diário, 22 de fevereiro de 1939). Foi um claro reconhecimento de que
por trás do golpe estava sua mão comprida.
Em 1939, Mussolini endossara plano de Ciano para uma invasão, mas
em 16 de março subitamente se acovardou. Ordenou a Ciano que sus-
pendesse a operação, pois temia que facilitasse a criação de um estado
croata independente sob protetorado alemão. No dia seguinte o embai-
xador alemão, Hans Georg von Mackensen, reassegurou a Ciano o desin-
teresse da Alemanha pela Croácia, garantia confirmada por Ribbentrop
em longa carta. Mussolini então decidiu agir sobre a Albânia e, em 23 de
março, ele e Ciano elaboraram uma proposta para a criação de um prote-
torado italiano, pedindo a Zog que a aceitasse. Porém, vendo pouca valia
na posse da Albânia, o rei Vittorio Emanuele advertiu o Duce que não
devia se arriscar tanto para “se apoderar de quatro rochedos.”17 Musso-
lini, irritado com a reação do Rei, disse a Ciano: “Se Hitler tivesse de
lidar com 5. Guerra na Albânia um rei que tem merda na cabeça, nunca
teria se apoderado da Áustria e da Tchecoslováquia.”18 Em 28 de março,
Madrid caiu, e a Guerra Civil Espanhola terminou. Assim, estava cum-
prido um dos pré-requisitos para a ocupação da Albânia. Barcelona se
rendera em 22 de fevereiro, e muitos italianos que combatiam pela repú-
blica foram aprisionados. Ciano informou Mussolini a respeito e o Duce
deu ordem para que fossem todos fuzilados, acrescentando: “Mortos não
contam histórias.”217
A República espanhola de Franco, conivente com o crime, não quis
investigar; Mussolini empreendeu a queima de arquivos para esconder as
provas. Assim, era necessário silenciar, mas, paralelamente, era preciso

217 MOSELEY, Ray. O conde Ciano. A Sombra de Mussoline. Editora: globo, São Paulo. Pag.
71.

132
KLAUS SCARMELOTO

induzir, distorcer e lubridiar.


“Na época em que liderava a federação anarco-comunista em Paris,
Bernardo Cremonini era confidente da POLPOL italiana. Ele foi um dos
primeiros a escrever um panfleto anticomunista sobre o golpe de Barce-
lona. Suas teses — que eram dos fascistas italianos — se espalharam por
todo o movimento libertário. O plano originário da polícia política da
Itália fascista, foi o primeiro de uma série de publicações anticomunis-
tas elaboradas por Mussolini. O antistalisnismo, portanto, sempre serviu
no mínimo indiretamente aos interesses fascistas mais deploráveis. À luz
do que aconteceu em Barcelona, o Duce chegou a propor a publicação
de um jornal anarquista que ataca violentamente o fascismo, mas cujo
verdadeiro objetivo é atacar o comunismo da forma mais resoluta e vul-
gar”218 .
Mussolini queria uma rede de impressa que se chamasse Lotta di Classe,
como o jornal de Berneri, ou Il Riscatto Libertario. O chefe da POLPOL,
Di Stefano providenciou o processo.

Stalin e Democracia
A URSS do período staliniano era o único país do mundo, naquele
período, onde o conceito de democracia era socialmente eficaz, onde um
verdadeiro poder popular foi criado, onde os valores humanos eram re-
alizados não no papel, mas na prática. Esses direitos do povo soviético
foram garantidos pela Constituição aprovada no VIII Congresso Extra-
ordinário dos Sovietes da URSS.
Vale ressaltar que 42% dos trabalhadores, 40% dos camponeses e 18%
dos empregados estiveram presentes no congresso.
A Constituição aprovada, neste congresso, foi a única Constituição do
mundo, talvez ainda hoje, que não declarou a si própria como um pro-
jeto para o futuro, comum interpretação viável ao fato de que a maioria
das constituições capitalistas contém pouca, ou nenhuma, eficácia social.
Os juristas como Canotilho, criaram todo um arcabouço teórico para es-
conder o fato de que, no capitalismo, as normas não possuem eficácia
social.
Apesar da realidade econômica e jurídica demonstrar no capitalismo
que a desigualdade vem aumentando, e que os mecanismos constitucio-
nais mais coabitam com ela do que a excluem, existem juristas que mais

218 CANALI, M. Le spie del regime. Biblioteca Storica Bolonha, 2004, página 170
133
A ATUALIDADE DE STALIN

justificam essas superestruturas para esconder que elas são geradas pela
estrutura econômica perversa que lhe é própria. A título de exemplo:
é o caso da corrente de pensamento que explica as Constituições como
“projetos para o futuro”, em função da falta de eficácia social de inúme-
ras normas que possuiriam caráter programático, trata-se da concepção
“Dirigente de Constituição”. “A Constituição ainda deve “constituir-a-
ação” onde nunca constituiu. Em seu texto, há um “núcleo essencial”,
não cumprido, contendo um conjunto de promessas da modernidade,
que necessita ser resgatado”219 .
A constituição dita “dirigente” — para autores do direito — se faz
como uma garantia para as alegações no plano real, o que também se
revela problemático, neste sentido, Gilberto Bercovici diz:
A batalha ideológica em torno da constituição (...) é cada vez mais acir-
rada. As críticas conservadoras todas podem ser solucionadas, formal-
mente, por uma hermenêutica constitucional leal à Constituição. Mas,
só isso não. Para resistir às críticas e às tentativas de enfraquecimento
e desfiguração da Constituição (...) é necessário sair do instrumenta-
lismo constitucional a que fomos jogados pela adoção exageradamente
acrítica da Teoria da Constituição Dirigente, que é uma teoria da Consti-
tuição autocentrada em si mesma. Ela é uma teoria “auto-suficiente” da
Constituição. Ou seja, criou-se uma teoria da constituição tão poderosa,
que a constituição, por si só, resolve todos os problemas. O instrumenta-
lismo constitucional é, dessa forma, favorecido: acredita-se que é possível
mudar a sociedade, transformar a realidade apenas com os dispositivos
constitucionais. Consequentemente, o Estado e a política são ignorados,
deixados de lado. A teoria da constituição dirigente é uma teoria da cons-
tituição sem teoria do Estado e sem política. E é justamente por meio da
política e do Estado que a constituição vai ser concretizada. 220
Sobre essa discussão acerca do Direito e o Estado, muitos dizem que
Stalin reduziu sua concepção de Direito ao mero positivismo, e alargou
o Estado ao invés de extingui-lo, mas, em realidade, Stalin sabia que en-
quanto o Imperialismo existisse, esse objetivo estratégico jamais poderia
ser traçado. Sobre isso, Engels dizia: “A palavra de ordem da abolição do
Estado esconde a fuga covarde das lutas imediatas que se apresentam; ou

219 HOMMERDING, Adalberto. Constituição, Poder Judiciário e Estado Democrático de Di-


reito: A Necessidade do Debate “Procedimentalismo Versus Substancialismo”. Disponível
em: < http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/310807.pdf >. Acessado em
3 de agosto de 2014. Pag. 5.
220 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da

constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. Pag. 44-41.


134
KLAUS SCARMELOTO

uma espúria inflação da liberdade burguesa à absoluta independência e


autonomia do indivíduo; ou, finalmente a total indiferença do cidadão
perante qualquer forma de Estado, desde que o avanço dos seus interesses
não seja interrompido”221 .
A constituição de Stalin não tratava daquilo que deveria ser, mas fora
uma afirmação do que já existia, o que já foi conquistado, o que se tornou
propriedade inviolável do povo. As estruturas econômicas, portanto, de-
mandaram suas superestruturas jurídicas e ideológicas como diria Marx.
Sobre Stalin e democracia, é digno de nota, as avaliações dos arquivos de
moscou feitas por YURI EMELIANOV, apesar de defensor de Stalin, em
seu texto ele alça além dos arquivos:
“Outro princípio relevante foi a supremacia dos soviéticos sobre to-
dos os órgãos estatais responsáveis, com base na representação em massa
(mais de 2 milhões de deputados), e o direito dos soviéticos de decidir
diretamente ou através de seus órgãos subordinados todas as questões de
desenvolvimento estatal, econômico e sociocultural. O projeto de Cons-
tituição da URSS foi publicado e divulgado em todos os jornais do país,
transmitido no rádio, editado em brochuras separadas em cem idiomas
dos povos da URSS, com uma circulação de mais de 70 milhões de cópias.
O escopo da discussão nacional do projeto é evidenciado pelos seguin-
tes dados: ele foi discutido em 450.000 reuniões e 160.000 plenários de
soviéticos e seus comitês executivos, reuniões de seções e grupos substi-
tutos; mais de 50 milhões de pessoas (55% da população adulta do país)
participaram dessas reuniões e sessões; durante a discussão, foram feitas
cerca de 2 milhões de emendas, adições e propostas ao projeto. A úl-
tima circunstância indica que a discussão do projeto não foi meramente
formal.”222
Tudo o que está no território do Estado — o país dos soviéticos, desde
a terra e suas entranhas, fábricas, minas até o faturamento total, está
nas mãos do estado, cooperativas e fazendas coletivas. Criou-se assim
uma nova economia socialista, que não conhece crises e desemprego, não
conhece pobreza e ruína e dá aos cidadãos todas as oportunidades de
uma vida próspera e cultural. Em consonância com essas mudanças na
economia da URSS, a estrutura de classes dessa sociedade também se
alterou.

221 ENGELS, F. Sobre a solução da Abolição do Estado e os “amigos da anarquia” alemães.


Disponível em: <https://lavrapalavra.com/2021/02/01/abolicao_do_estado_por_engels/>.
Acesso em 8 de fevereiro de 2021.
222 EMELYANOV, Y. Stalin e Democracia. Disponível em: < https://www.cienciasrevoluciona-

rias.com/post/stalin-e-democracia>. Acesso em Novembro de 2020.


135
A ATUALIDADE DE STALIN

Com a vitória do socialismo, a classe trabalhadora, a classe campesina,


os intelectuais prosperaram e cresceram muito. Esses extratos sociais,
em analogia a época do capitalismo, sofreram mudanças drásticas. O
proletariado da URSS tornou-se em uma classe gestora completamente
nova, na classe trabalhadora, que, junto com todo o povo, é dona dos
instrumentos e meios de produção, livrou-se do jugo da exploração e está
construindo uma nova sociedade.
A esmagadora maioria dos camponeses soviéticos, livres da explora-
ção, tornou-se uma classe coletiva associada a uma forma socialista de
economia e, por conseguinte, baseá-se sua atividade não no trabalho indi-
vidual e tecnologia atrasada, mas no trabalho coletivo e na mais avançada
tecnologia moderna.
A união entre a classe trabalhadora e o campesinato tornou-se uma
amizade duradoura e inquebrantável. A intelectualidade soviética tornou-
se um membro igual da sociedade soviética, diminuindo drasticamente a
distância alienante do trabalho manual com o trabalho intelectual.
A democracia nas fábricas era uma constante. Na era Stalin o sistema
socialista é definido pelo controle operário dos meios de produção, ou
seja, os trabalhadores dominam coletivamente a produção: determinam
quantas horas de trabalho serão destinadas, o quanto será produzido,
como será produzido, e o mais importante, quem controla o lucro. Sabe-
se que no decorrer de toda a década de 1920, o trabalho continuava orga-
nizado de maneira capitalista, com a classe dominante se apropriando do
lucro dos trabalhadores. E na era Stalin, pode-se afirmar que a classe do-
minante foi abolida, a União Soviética era de fato um regime socialista?
Como afirmam os economistas Sidney e Beatrice Webb, o controle ope-
rário coletivo nas fábricas era plenamente exercido pelas organizações de
trabalhadores 223 .
“nos grandes estabelecimentos industriais [. . . ] os 18.000.000 de sin-
dicalizados [. . . ] controlam, em grande proporção, as suas condições de
emprego, por suas constantes consultas com a gerência e com todos os ór-
gãos do governo, determinando assim as horas de trabalho, a execução da
disciplina fabril, a segurança e amenidade de seus locais de trabalho e a
partilha da proporção do produto que, segundo acordo, deva ser adjudi-
cada à remuneração pessoal. De modo semelhante, os sindicatos não so-
mente controlam como também verdadeiramente administram, por seus

223 WEBB, S, B. A URSS UMA NOVA CIVILIZAÇÃO. Editorial Calvino, rio de janeiro.1938.
Pag. 388. Disponível: <http://www.grabois.org.br/uploads/arquivos/1487180319.pdf>.
Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

136
KLAUS SCARMELOTO

próprios comitês, aparte da produção que se concordou em atribuir aos


seguros sociais de toda espécie, à educação, à assistência médica, às férias
e à recreação organizada em todas as suas modalidades.”224
A “comunização” do “excedente”, consumava-se devido ao controle
proletário sobre o mais-valor, por meio da redução de preços e aportes
estatais, promovendo o aumento do consumo social. Aqui nos cabe refle-
tir, a essência do mais-valor que é, na sua forma mais simples na sociedade
capitalista, o aumento da propriedade privada dos oligopólios e monopó-
lios, o excedente soviético era considerado mais-valor por aproximação,
no entanto, não enriquecia qualquer monopólio e nem o próprio Estado.
Essa categoria, portanto, no socialismo encontra-se em transição, ou seja,
é e não é mais-valor, uma forma dialética possível somente no estado ope-
rário em transição para o socialismo. Os trabalhadores conduziam essa
premissa por meios diretos e o papel do Estado socialista era o de rea-
lizar esse tipo de política para assegurar que o excedente ficasse com os
trabalhadores e não com agentes de uma nova classe dominante.
No socialismo distribui-se segundo o trabalho a principal massa do
novo valor produzido que tomou a forma de rendimento líquido no Es-
tado. Lembro que numa economia socialista que funcione corretamente,
isto é, no modelo económico de Stálin, o rendimento líquido centralizado
do Estado é na realidade a expressão monetária da acumulação realizada
num dado período mediante o aumento da eficiência da economia. Uma
parte desta acumulação é dada pelo Estado aos trabalhadores através da
regular redução dos preços de retalho, o que se efetua em concreto através
do imposto sobre transações. Outra parte significativa da acumulação é
distribuída por outro canal: o do alargamento da esfera de consumo so-
cial gratuito. Segundo algumas estimativas, no período soviético, cada
família auferia por esta via entre 12 mil a 15 mil dólares anualmente.
Face à redução dos preços de consumo, o Estado devia manter o equilí-
brio, o que era cumprido de forma irrepreensível durante a direção de
Stálin. As gerações mais velhas lembram-se de que as reduções de pre-
ços no período de Stálin nunca provocaram um aumento especulativo da
procura. As prateleiras do comércio não só não ficavam vazias como au-
mentava a abundância da oferta, o que levava as pessoas a encararem com
naturalidade tal abundância.225
Sobre a questão da liberdade de expressão e de crítica dentro das fá-

224 Idem. Ibidem.


225 KHABOROVA, T. A Socialização da Mais-valia. A socialização do sobreproduto to-
tal tarefa económica integral da revolução proletária e do socialismo. Disponível em:
<http://www.hist-socialismo.com/docs/KhabarovaMaisValia.pdf>.
137
A ATUALIDADE DE STALIN

bricas, Thurston lembra que era vigente e mesmo estimulada pelo PCUS
durante os anos de 1930, com discursos de Stalin enfatizando a necessi-
dade de o Partido estar ligado às massas e suas críticas para o desenvol-
vimento concreto do socialismo. Assim, os sindicatos de trabalhadores e
seus meios de imprensa (como jornais) podiam criticar abertamente suas
condições de vida, seus salários, a ineficiência dos gestores das indústrias
e diversas outras questões, sem nenhum problema com a repressão do
estado. Com exceção de altas lideranças do Presidium, quaisquer proble-
mas ou indivíduos da sociedade soviética eram passíveis de serem criti-
cados. Nesse sentido, a União Soviética era mais democrática em termos
trabalhistas do que os Estados Unidos
“Os limites do discurso permitiram uma discussão aberta de tópicos
profundamente significativos para os trabalhadores, incluindo alguns as-
pectos do profissional normas de produção, taxas e classificações salari-
ais, segurança no trabalho, moradia e tratamento por parte dos gestores.
Isso permitiu o discurso, e seus resultados, muitas vezes satisfatórios para
as mãos dos industriais, ocorreram em um momento em que os traba-
lhadores americanos em particular lutavam por um reconhecimento sin-
dical básico, que, mesmo quando o conquistaram, não forneceu neces-
sariamente muita influência formal no trabalho Lugar, colocar. Vários
homens que haviam trabalhado em fábricas soviéticas e americanas disse-
ram a entrevistadores nos Estados Unidos que as condições e a atmosfera
das instalações eram superiores na URSS. ”226 .
Essa liberdade de expressão solidificou um avanço jurídico das su-
perestruturas econômicas jamais vistas antes na história da humanidade
e alavancou transformações levadas a cabo pelo Estado para aumentar
qualitativamente as condições de trabalho, habitação, etc. No decorrer
da era Stalin, a liberdade de expressão foi um dos fatores que permitiu
ao regime soviético elevar substancialmente as condições de vida do povo.
Terror, no sentido de prisões injustas, aconteceram na URSS durante o
final dos anos 1930. Mas, argumenta Robert Thurston, Stalin não pre-
tendia aterrorizar o país e não precisava governar pelo medo. Memórias
e entrevistas com o povo soviético indicam que muitos mais acreditaram
na procura de Stalin para liquidar os inimigos internos do que temiam
de fato suas empreitadas. Baseando-se em arquivos soviéticos recente-
mente abertos e outras fontes, Thurston mostra que entre 1934 e 1936 a
polícia e a prática judiciária relaxaram significativamente. Em seguida,
uma série de eventos, juntamente a tensa situação internacional e memó-

226 THURSTON, R. Life and Terror in Stalin’s Russia. 1934-1941. New Haven, 1996. p. 192

138
KLAUS SCARMELOTO

rias de atividades inimigas reais durante a selvagem Guerra Civil Russa,


combinaram-se para empurrar líderes e pessoas em uma caçada histérica
por destruidores. Depois do final de 1938, entretanto, a polícia e os tri-
bunais tornaram-se dramaticamente mais brandos. A coerção não foi o
fator chave para manter o regime no poder. Mais importante era o apoio
voluntário, fomentado pelo menos nas cidades por amplas oportunida-
des de criticar as condições e participar da tomada de decisões em nível
local.
Sam Darcy Adams, verdadeiro nome Samuel Dardeck, (1905-2005), da
Universidade de Nova Iorque, foi uma testemunha ocular de significativo
valor do processo soviético de democracia.
(. . . ) Em Dezembro de 1936, o Partido Comunista devia realizar as
eleições anuais dos seus dirigentes. Até ali, as candidaturas e eleições para
cargos partidários tinham sido sempre feitas abertamente. Mas devido a
esta prática havia membros que se sentiam muitas vezes constrangidos em
expressar a sua oposição a certas figuras poderosas dos comités executi-
vos, com receio de represálias. O Comité Central decidiu então submeter
toda a direção a um teste para saber se os seus membros tinham real-
mente a aceitação das bases. Aqueles que realizavam um serviço público
útil seriam provavelmente reeleitos, enquanto outros, que estavam sim-
plesmente agarrados a uma sinecura e a um lugar de poder, dificilmente
manteriam os seus cargos. Com este fim foi introduzido o voto secreto.
Os resultados foram surpreendentes. Em algumas organizações distritais
do partido, direções inteiras foram varridas das suas funções. Noutras
houve uma sanção severa à direção através de um forte voto de oposição,
embora, no seu conjunto, a direção nacional do partido tenha recebido
um retumbante apoio. O partido sentiu-se fortemente revigorado pelos
novos quadros eleitos e pelo afastamento daqueles que se tinham tornado
burocratas empedernidos e já não eram bem-vistos em cargos de direção.
(...)
A batalha para manter o país nos eixos, contra a paralisia crescente
(que, por um lado, a oposição tentava deliberadamente apresentar e, por
outro, a simples existência da burocracia tinha tendência a provocar), foi
travada com particular severidade nas eleições gerais, realizadas em De-
zembro de 1935, para o Congresso dos Sovietes da URSS,3 que procedeu
à aprovação da nova Constituição [em Dezembro de 1936].
Segundo Darcy, esse processo de confecção democrática constitucio-
nal foi precedido por muitas discussões. “Tratava-se das eleições para o
VIII Congresso Extraordinário dos Sovietes da URSS, que teve lugar em

139
A ATUALIDADE DE STALIN

Moscovo entre 25 de Novembro e 5 de Dezembro de 1936 e aprovou por


unanimidade o projeto de Constituição da URSS” Todas as categorias
possíveis estavam representadas. “Nos trabalhos participaram 2016 dele-
gados (419 mulheres) com voto deliberativo, dos quais 42 por cento eram
operários, 40% camponeses e 18 por cento empregados; os membros do
partido comunista representavam 72 por cento, sendo 28 por cento dos
delegados sem partido. Estiveram presentes delegados de 63 nacionali-
dades”227 . Assim podemos dizer que a URSS era a sociedade inclusiva da
época.
A segunda coisa que se tem de compreender a respeito das eleições
soviéticas, e que lhes confere a sua qualidade democrática especial,
é o fato de o momento decisivo da seleção dos candidatos não está
na votação final, mas no processo de apuramento das candidaturas.
Tive o privilégio de observar do princípio ao fim as candidaturas e
as eleições na zona em que vivi e trabalhei. A eleição específica a
que me refiro foi para os delegados ao Congresso dos Sovietes da
URSS, que equivale à eleição dos membros para a Câmara dos Re-
presentantes dos Estados Unidos em Washington. Cada instituição
da circunscrição eleitoral em que residi e trabalhei realizou as suas
reuniões para a apresentação de candidatos. Houve reuniões nas
fábricas. A Universidade de Moscovo que se situava nesta circuns-
crição realizou a sua reunião. O pessoal da Grande Biblioteca Lê-
nin reuniu-se para designar candidatos. Também o fizeram todas
as associações cooperativas de lojas comerciais da zona, os sindica-
tos, o partido comunista, as organizações de juventude, etc. Em cada
reunião era proposto um grande número de candidatos. O proce-
dimento de cada candidato consistia em levantar-se, apresentar uma
breve biografia e as razões pelas quais considerava que a sua candi-
datura deveria ser ou não aceite. A recusa por parte do nomeado era
vista como uma falta de responsabilidade cívica. Se considerava que
não devia ser eleito, tinha o dever de subir ao palanque, apresentar a
sua breve biografia e explicar porque é que a sua nomeação não de-
via ser aceite. Este processo durou duas semanas inteiras. Algumas
organizações reuniam-se todas as noites durante este período para
examinar milhares de candidaturas. Cada candidato tinha de se sub-
meter às perguntas da assembleia. No final, um ou mais candidatos
eram propostos para representar toda a circunscrição, com indicação
do organismo que os tinha escolhido. Para além da propor os seus
candidatos, cada grupo elegeu um determinado número de delega-

227 DARCY, S. Como funcionava a democracia soviética nos anos 30. Disponível em:
<http://www.hist-socialismo.com/docs/DarcyDemocraciaURSS30.pdf>. Acesso em 20 de
março de 2020. Pag.2.
140
KLAUS SCARMELOTO

dos, numa base de representação proporcional, à conferência con-


gressual da circunscrição. Os trabalhos desta conferência duraram
também cerca de duas semanas. As candidaturas foram apresenta-
das a este órgão. Seguiu-se o mesmo procedimento. Cada candidato
foi examinado, confrontaram-se as respectivas qualificações com as
dos restantes candidatos e finalmente as propostas foram colocadas
à votação dos delegados para uma seleção final. 228
Outra testemunha ocular de grande importância, é a jornalista Anne
Louise Strong, Podemos deduzir com base em suas memórias que é falsa a
ideia de que os sovietes foram desativados e que a ERA STALIN petrificou
todo o funcionamento desse órgão de representação popular, vamos a
alguns simples fatos, a jornalista ANNE LOUISE STRONG, que morou
décadas na URSS de STALIN, afirma o seguinte, sobre a questão das
mulheres na era STALIN:
Em cada aldeia, as mulheres tinham que lutar contra hábitos secu-
lares. Notícias vindas de uma aldeia da Sibéria, por exemplo, onde —
depois de implantadas as granjas coletivas, as mulheres passaram a ter
uma renda independente —, as esposas se decidiram por uma greve diri-
gida contra as surras que levavam dos maridos e, no prazo de uma única
semana, puseram fim à tradição consagrada ao longo dos séculos de divi-
são social do trabalho. ”Os homens todos zombaram da primeira mulher
que nós elegemos no soviete da nossa aldeia”, me falou uma presidenta
da aldeia, ”mas na próxima eleição nós elegeremos seis mulheres e sere-
mos nós quem riremos”. Conheci vinte destas presidentas de aldeias, em
1928, em um trem na Sibéria, rumo ao Congresso das Mulheres em Mos-
cou. Para a maioria delas, aquela tinha sido a primeira viagem de trem e
apenas uma estivera fora da Sibéria alguma vez. Elas tinham sido convi-
dadas para ir a Moscou com o intuito de ”aconselhar o governo”sobre as
exigências das mulheres; para tanto, seus municípios as haviam escolhido
por votação para representá-los. A mais difícil região onde as mulheres
tiveram que se bater pela sua liberdade foi a Ásia Central.229
Durante os anos da Revolução Socialista, as mulheres evoluíram muito
mesmo quando a Terra dos Soviéticos estava no auge da Guerra Civil e
enfrentava o bloqueio e o cerco dos imperialistas, bem como após o fim
da guerra civil, o crescimento desses direitos ocorreu de maneira mais ou
menos livre, ainda sobre isso Strong é bastante categórica:

228 idem,ibdem
229 STRONG, A. AS MULHERES NA ERA STALIN <https://anovademocracia.com.br/no-
7/1217-as-mulheres-na-epoca-de-stalin>. Acesso em 20 de outubro de 2020.

141
A ATUALIDADE DE STALIN

Em consequência, um grupo de dezoito homens, incitados pelo pro-


prietário, a violou no oitavo mês de gravidez e lançou seu corpo em um
rio. Poemas foram escritos por mulheres para expressar sua valentia e
o suplício a que fora submetida. Quando Zulfia Khan, uma lutadora da
liberdade, foi queimada viva pelos mulás, as mulheres de sua aldeia escre-
veram um lamento: ”Ó mulher, o mundo não esquecerá da sua luta pela
liberdade! Sua chama não os deixou pensar que te consumiu. A chama na
qual você queimou é uma tocha em nossas mãos.”A fortaleza da opressão
ortodoxa era Santa Bokhara. Ali, um dramático desvelamento vinha se
organizando. Foi difundida a notícia de que ”algo espetacular”acontece-
ria no dia 8 de março, o Dia Internacional das Mulheres. Celebraram-se
reuniões massivas de mulheres em muitas partes da cidade naquele dia,
e as oradoras urgiram que todas as mulheres se ”desvelassem de uma só
vez”. As mulheres marcharam, então, à plataforma, lançaram seus véus
ante suas companheiras e realizaram uma manifestação pelas ruas. Tribu-
nas foram erguidas, de onde os líderes do governo saudavam as mulheres.
Outras companheiras mais, se uniram à parada, saindo diretamente de
suas casas e abandonando seus véus ao passar nas tribunas. Aquele ato
quebrou a tradição do véu em Santa Bokhara. Muitas mulheres, claro,
vestiram seus véus novamente antes de encarar seus maridos enfurecidos.
Mas o véu aparecia cada vez menos, desde então. Ao tomar conhecimento
deste fato, o Poder Soviético usou várias armas para libertar as mulheres,
como a educação, a propaganda e a lei em todas as partes. Grandes jul-
gamentos públicos condenaram duramente os maridos que assassinaram
suas esposas. Com a pressão das novas exigências, juízes confirmaram a
pena de morte para os praticantes do que o velho costume não conside-
rava como crime∗ ∗ . A arma mais importante para livrar as mulheres era,
como na própria Rússia, a industrialização. Visitei um novo moinho de
seda em Velha Bokhara. O diretor desse empreendimento, era um ho-
mem pálido, exausto, trabalhando sem sono para construir uma nova in-
dústria. Disse não esperar que o moinho fosse lucrativo por muito tempo.
“Nós estamos treinando as aldeãs para ter um novo pessoal nos futuros
moinhos de seda do Turcomenistão. Nosso moinho é a força conscien-
temente aplicada que quebrou o véu das mulheres; nós exigimos que as
mulheres se desvelassem no moinho”. Jovens trabalhadoras do setor têx-
til escreveram canções para o novo significado da vida, quando trocaram
o véu pelo lenço de cabeça russo, o kerchief. “Quando tomei a estrada
da fábrica, eu lá encontrei um novo kerchief, um kerchief vermelho, um
kerchief de seda, comprado com o trabalho das minhas próprias mãos!
O rugido da fábrica está em mim. Me dá o ritmo, me dá a energia”. Al-

142
KLAUS SCARMELOTO

guém pode ler isto quase sem recordar, mas em contraste ”A Canção da
Camisa”, de Thomas Hood, expressou como eram as fábricas inglesas de
hoje: ”Com dedos cansando e trabalhando/com as pálpebras pesadas e
vermelhas, uma mulher sentou, vestida de trapos/manipulando a agulha
e a linha. Pondo, ponto a ponto, em pobreza, fome e sujeira,/ e ainda,
com uma voz de doloroso cansaço/ela cantou a canção da camisa”. Na
Inglaterra capitalista, a fábrica apareceu como uma arma de exploração
para lucro. Na URSS, ela era não apenas um meio de riqueza coletiva,
mas, também, uma ferramenta conscientemente usada para quebrar as
algemas do passado.230
Os números em geral são bastante significativos. Na indústria sovié-
tica, milhares de mulheres eram gerentes de fábrica, capatazes e adjuntas.
Há 250.000 mulheres no vasto exército de técnicos. Milhares de mulheres
estão encarregadas de fazendas coletivas e outras milhares são líderes de
brigadas231 . A mulher soviética detinha excesso de representatividade.
Centenas de mulheres foram homenageadas com o título de Herói do
Trabalho Socialista por sua alta produtividade de trabalho232 . Assim po-
demos dizer que as mulheres tinham um poder inigualável para época,
e até mais avançado do que muitas sociedades atuais. Isso pode ser veri-
ficado pelo fato de que dos técnicos com formação universitária, 43 por
cento são mulheres. As 277 deputadas aos Sovietes Supremos da União
e Repúblicas Autônomas são a prova viva da plena igualdade política de
que goza a mulher soviética e da sua participação ativa na administração
do Estado233 . A Revolução mudou a vida das mulheres, e isso deve ser
dito, inclusive, sobre a Era Stalin.
Antes, as mulheres eram tratadas como bens semoventes, vendidas em
matrimônio. Mesmo assim, quando muito jovens, e nunca, depois disso,
eram vistas em público sem o horroroso paranja∗ — um longo véu preto
feito com crina de cavalo tecida, que cobria toda a face, dificultando a res-
piração e a visão das mulheres. A tradição conferia aos maridos o direito
de matar as esposas caso retirassem o véu e os mulás, sacerdotes muçul-
manos, justificavam tal prática através da religião. As russas trouxeram
a primeira mensagem de liberdade: elas montaram clínicas de bem-estar
para a criança e, através delas, as mulheres nativas retiraram o véu em

230 Idem.
231 POPOVA, N. Women of the World Fight for Democracy Against Warmongers. Disponível
em: <https://revolutionarydemocracy.org/archive/women.htm>. Acesso em 20 de janeiro
de 2020.
232 Idem.
233 Idem.

143
A ATUALIDADE DE STALIN

suas presenças. Ali, foram discutidas as liberdades a serem conquistadas


pelas mulheres e os males advindos do uso do véu. O Partido Comu-
nista pressionou seus filiados a permitir que suas esposas retirassem os
véus se assim desejassem. Quando visitei Tashkent pela primeira vez,
em 1928, uma conferência de mulheres comunistas estava denunciando:
”Nossas camaradas estão sendo violadas, torturadas e assassinadas. Por
isso, ainda este ano, teremos que acabar com essa horrorosa obrigação do
uso de véus; este deve ser um ano histórico.”Enquanto isso, incidentes
chocantes deram razão a esta resolução. Houve o caso da garota de uma
escola de Tashkent, que recebeu férias para que pudesse participar de agi-
tações pelos direitos das mulheres na aldeia de sua casa. Como resposta,
seu corpo desmembrado foi mandado de volta à escola em uma carroça,
onde se lia: Isto é para a liberdade de suas mulheres. Uma outra mulher
havia recusado as atenções de um proprietário de terras e casara-se com
um camponês comunista234 .
Podemos assim afirmar, que milhões de mulheres eram traficadas,
não tinham direitos iguais, e nem qualquer liberdade para decidir o pró-
prio destino sem a intervenção ou imposição dos pais, mas poucas ou
nenhuma delas, eram soviéticas. Dados podem apresentar alguns núme-
ros que demonstram como as mulheres soviéticas exerciam seu direito de
trabalhar antes da guerra.
“De 1929 a 1941, o número de mulheres trabalhadoras e empregadas
aumentou mais de três vezes e meia e constituiu cerca de 12 milhões ou
38,4 por cento de toda a população ativa”235 . Assim, com base nessas esti-
mativas, pode-se dizer que, na indústria, “a participação da mão de obra
feminina aumentou de 27,9% em 1929 para 41,6% em 1939. É possível
afirmar que em comparação a tempos anteriores com o czarismo, e com
o bloco capitalista as condições sociais de vida e reprodução da vida mu-
daram sensivelmente. ”Na Rússia czarista, de todas as mulheres que tra-
balhavam por conta de outrem, 80% eram empregadas como domésticas
ou agricultoras, mas em 1939 apenas 2,4% eram empregadas domésticas
ou diaristas, enquanto o restante trabalhava em ramos da produção, no
aparelho do Estado, nas instituições educacionais e científicas”236 .

234 STRONG, A. L. AS MULHERES NA ERA STALIN <https://anovademocracia.com.br/no-


7/1217-as-mulheres-na-epoca-de-stalin>. Acesso em 20 de outubro de 2020.
235 POPOVA, N. Igualdade das Mulheres Soviéticas na Esfera Econômica. Relatório da Secretá-

ria do Conselho Central de Todos os Sindicatos. Setembro de 1956. Edições de Publicações


em Linguas Estrangeiras. Impresso na URSS. Disponível em: <https://revolutionarydemo-
cracy.org/archive/equality.htm>. Acesso em 20 de outubro de 2020.
236 Idem. Ibidem.

144
KLAUS SCARMELOTO

A eliminação dos trabalhos domésticos representou um duro golpe


na alienação do trabalho. “Esses resultados na realização do direito das
mulheres ao trabalho foram alcançados pelos enormes esforços do Estado
soviético, dos sindicatos e de outras organizações públicas que criaram
todas as condições de que as mulheres precisam para trabalhar em seu
campo escolhido”237 .
Foi realizado um trabalho imenso e multilateral para edificar o nível
cultural, ideológico, econômico, social e político das mulheres, “para es-
tabelecer escolas profissionais, cursos, estabelecimentos técnicos e outros
estabelecimentos de ensino onde as mulheres podem adquirir profissões
e melhorar suas habilidades; também foi organizada uma extensa rede es-
tadual de instituições infantis para ajudar as mães trabalhadoras a criar
seus filhos”238 .
Mesmo com os perigos do Estado de exceção que entrou em vigor
após o assassinato de Kirov, “o desfecho de tudo isso foi que já em 1941,
às vésperas da guerra do povo soviético contra o agressor alemão que
atacou o país, as mulheres desempenharam um papel importante em toda
a vida do país”239 . A guerra contra o nazifascismo afetou drasticamente
o desenvolvimento da economia. Isso nos fez mobilizar todas as nossas
forças, todos os nossos recursos internos para garantir a vitória sobre o
inimigo. Também é de conhecimento público e notório a quão nociva foi
a guerra e os danos que infligiu a URSS.
31.850 empreendimentos industriais, 98.000 fazendas coletivas, 1.876
fazendas estatais, 2.890 estações de máquinas e tratores, 1.710 cidades e
mais de 70.000 aldeias foram destruídas como resultado da guerra. Cerca
de 25 milhões de pessoas ficaram sem teto sobre suas cabeças. Não estou
dizendo nada sobre os milhões de mutilados e aleijados, das famílias que
perderam seus chefes de família, pais, maridos e filhos; Não estou pen-
sando no fato de que cada dia de guerra exigia uma enorme quantidade
de aviões, armas e projéteis. O povo soviético gastou enormes recursos
materiais e de trabalho para produzi-los. O povo soviético foi forçado a
gastar suas energias não para promover seu desenvolvimento econômico,
mas para garantir a vitória sobre o inimigo e então restaurar o que havia
sido destruído durante a guerra.240
Após toda a calamidade causada pelos nazifascistas, constatou-se que

237 Idem. Ibidem.


238 Idem. Ibidem.
239 Idem. Ibidem.
240 Idem. Ibidem.

145
A ATUALIDADE DE STALIN

o papel das mulheres fora de suma importância na reconstrução. “O


enorme papel construtivo de nossas mulheres se manifestou de forma
particularmente vívida durante os anos difíceis de guerra”241 . Sem dei-
xar de cumprir seus dilemas próprios as mulheres soviéticas ajudaram a
emancipar os trabalhadores, e sem elas, isso não seria possível. “Com pro-
funda consciência de seu dever para com seu país e para com toda a hu-
manidade, a mulher soviética trabalhou abnegadamente na retaguarda,
substituindo o homem em vários ramos do trabalho”242 . Assim jamais se-
ria forçoso reconhecer que “A mulher soviética trabalhou heroicamente
em nome da liberdade de seu país, em nome da segurança de seus filhos,
para salvar a civilização e proteger a independência de outros povos”243 .
Após a guerra as mulheres lutaram para se manter na reconstrução
do país e para melhorar a qualidade de vida de toda nação.
Em boa parte dos casos, as mulheres soviéticas eram o bode expiatório
para a reprodução de posições arcaicas e oportunistas, quando os estran-
geiros mal diziam o fato de que elas trabalhavam na construção civil e na
reforma de estradas. Ora, além do machismo habitual de afirmar que a
mulher não é capaz de tal tarefa, havia a questão de que “esta situação
é o resultado da guerra destrutiva na qual milhões de homens mais jo-
vens e fortes foram mortos”244 . Pois, sem dúvida alguma, “os soviéticos
preferiam ver a mulher, mais emancipada, principalmente em um pai-
nel de controle, em uma máquina automática, na posição de engenheira,
professora, médica, agrônoma ou fazendo trabalho administrativo, etc”.
Por fim, não se deve questionar que seria impossível realizar as coisas de
outro modo. “Mas teria sido possível para a União Soviética derrotar o
inimigo e ressurgir das cinzas e ruínas sem a ajuda das mulheres? Po-
deríamos ter reconstruído em 4-5 anos as cidades e aldeias, as fábricas e
fábricas, as escolas e casas destruídas pela guerra sem a participação ativa
das mulheres?”245 .
Em 1947, a União Soviética atingiu o nível de produção industrial
anterior à guerra. Em 1955, o nível de produção industrial do pré-guerra
foi ultrapassado em mais de três vezes e o de 1913 em mais de 27 vezes.
É importante retratar uma questão constantemente alegada para man-
char o legado de Stalin, constantemente utilizado para afirmar que a
URSS de seu período perdia a democracia: a criminalização tanto do

241 Idem. Ibidem.


242 Idem. Ibidem.
243 Idem. Ibidem.
244 Idem. Ibidem.
245 Idem. Ibidem.

146
KLAUS SCARMELOTO

aborto como da Homossexualidade, ao qual evidencia-se uma simplifica-


ção dos fatos para apunhalar o líder da URSS.
“É da maior importância, neste contexto, referir-se ao texto da lei ori-
ginal que legalizou o aborto na Rússia Soviética em 1921”246 . Somente a
fonte primária expressa na letra da lei pode ajudar a desmistificar a acu-
sação de que o Stalinismo fora um “retrocesso”. Assim podemos concluir
que a criminalidade do aborto e da homossexualidade, constantemente,
atribuídos a Stalin possuem um histórico que antecede a própria gestão
staliniana. Sem dúvida alguma, “é importante notar que, nesta lei, ne-
nhuma palavra foi dita sobre igualdade de sexo, e o direito ao aborto
nunca foi apresentado como um direito fundamental da mulher sovié-
tica”247 . Sobre isso, evidencia-se, portanto, que a própria mentalidade
do povo soviético, era limitada a uma concepção que, para os parâmetros
atuais, pode-se considerar arcaica. Neste sentido ao contrário do que pre-
gam os antistalinistas, “o aborto era tratado como um mal social, mas um
mal que provavelmente seria menos prejudicial quando praticado legal-
mente do que quando realizado em sigilo”248 . Aqui colocamos parte do
texto da lei original, comentado pelo economista e historiador britânico
Patrick Alan Sloan249 sobre o aborto:
“Durante as últimas décadas, o número de mulheres que recorrem à
interrupção artificial da gravidez tem crescido tanto no Ocidente como
neste país. A legislação de todos os países combate esse mal punindo a
mulher que opta por fazer o aborto e o médico que o pratica. Sem levar a
resultados favoráveis, esse método de combate ao aborto levou a operação
à clandestinidade e fez da mulher uma vítima de mercenários e muitas
vezes charlatães ignorantes que fazem profissão de operações secretas.
Como resultado, até 50 por cento dessas mulheres são infectadas durante
a operação e até 4 por cento delas morrem.
O Governo dos Trabalhadores e Camponeses está consciente deste
grave mal para a comunidade. Combate esse mal por meio da propaganda
contra o aborto entre as mulheres trabalhadoras. Ao trabalhar pelo soci-

246 SLOAN, Pat. Soviet Democracy. London. Publisher: Victor Gollancz.


1937. pp. 125-126. Disponível em: < https://archive.org/details/in.er-
net.dli.2015.261348/page/n125/mode/2up>. Acesso em 20 de Março de 2020. Tradução
Nossa.
247 Idem. Ibidem.
248 Idem. Ibidem.
249 Nascido Patrick Alan Sloan em 19 de maio de 1908 em Northumberland, seu pai

era gerente de uma empresa de energia elétrica. Pat Sloan se formou em Econo-
mia pela Universidade de Cambridge. Mais informações em: < https://grahamsteven-
son.me.uk/2013/08/23/sloan-pat/>
147
A ATUALIDADE DE STALIN

alismo, e ao introduzir a proteção da maternidade e da infância em larga


escala, ela se sente segura de conseguir o desaparecimento gradual desse
mal. Mas como as sobrevivências morais do passado e as difíceis condi-
ções econômicas do presente ainda obrigam muitas mulheres a recorrer
a esta operação ... ’é permitido nos hospitais públicos.”250
A característica essencial dessa lei é que ela se baseou em “condições
econômicas difíceis’’ e era de natureza temporária. O direito ao aborto
nunca foi apresentado como um dos direitos das mulheres soviéticas, a
ser desfrutado em todas as circunstâncias. Foi considerado um ’mal’ e foi
introduzido como uma forma improvisada de combater a grave taxa de
mortalidade por abortos ilegais realizados em condições insatisfatórias.
Há evidências de que, atualmente, devido ao maior conhecimento dos
anticoncepcionais de um lado e ao crescente senso de segurança econô-
mica do outro, as mulheres não praticarão o aborto dessa forma e que,
portanto, a lei permissiva não é mais necessária no interesse da saúde.
O aborto na legislação soviética sempre foi considerado principalmente
como uma questão de saúde, não de igualdade. 251
No mesmo sentido, Kollontai também explana a questão, quando o
aborto passa a ser restringido na URSS em meados de 1936, aproximando-

250 Texto integral do decreto: “Durante as últimas décadas, o número de mulheres que re-
corre à interrupção artificial da gravidez cresceu tanto no Ocidente como no nosso país.
A legislação de todos os países combate este mal mediante o castigo da mulher que decide
praticar um aborto e do médico que o pratica. Sem proporcionar resultados favoráveis, este
método de luta contra o aborto impulsionou a prática de abortos clandestinos e fez das
mulheres vítimas de charlatães mercenários – e, muitas das vezes, ignorantes – que fazem
das operações secretas uma profissão. Como resultado, quase 50% destas mulheres apa-
nham infecções no decorrer da operação, e quase 4% delas morrem. O Governo operário
e camponês está consciente do mal que esta situação causa à comunidade. Ele combate-o
através da propaganda contra os abortos entre as mulheres trabalhadoras. Ao trabalhar no
sentido do avanço para o socialismo e da introdução da proteção à maternidade e à infân-
cia, em grande escala, sente-se seguro de conseguir a desaparição gradual deste mal. Mas,
na medida em que ainda sobrevivem preconceitos morais do passado e dado que as difíceis
condições económicas existentes obrigam muitas mulheres a recorrer a esta operação, os
Comissariados do Povo da Saúde e da Justiça – desejando proteger a saúde das mulheres
e tendo em conta que o método baseado na repressão fracassou, por completo, no atingir
deste objetivo – decidiram:– Permitir que este tipo de operações seja praticado livremente e
sem nenhum custo, em todos os hospitais soviéticos onde as condições necessárias para mi-
nimizar o risco da operação estejam asseguradas.– Proibir absolutamente que quem não seja
médico possa levar a cabo esta operação.– Qualquer enfermeira ou parteira que seja con-
siderada culpada de realizar uma operação deste tipo será privada do direito à sua prática
profissional e julgada por um tribunal popular.– Um médico que leve a cabo um aborto,
na sua prática privada com fins mercenários, será chamado a prestar contas perante um
tribunal popular.”
251 Idem.

148
KLAUS SCARMELOTO

se da questão:
Mas o que significa o artigo 1 da lei, que abole a lei anterior para a
permissibilidade de abortos e proíbe abortos?
A lei sobre a permissibilidade de abortos foi aprovada em 1920 na
União Soviética sob a pressão de condições desfavoráveis específicas que
prevaleciam no país naquele momento. A Guerra Civil ainda não havia
terminado. Prevaleceram severas condições de vida econômica e a prin-
cipal tarefa do país que lutava por sua liberdade consistia em usar todas
as forças para a construção de uma nova ordem social. As mulheres como
cidadãs ativas do estado precisavam participar, mesmo que seus deveres
maternos fossem deixados para trás.
Embora o governo tenha reconhecido legalmente a maternidade em
função de mulheres de igual valor como seu trabalho para o estado, o
estado ainda não podia garantir suficientemente as mulheres como mães.
Assim, nessas condições, a lei que permitia o aborto foi aprovada.
Agora a população da União Soviética vive em condições completa-
mente diferentes, mais favoráveis e felizes. O bem-estar das pessoas na
cidade e, em particular, no campo, melhorou bastante nos últimos anos.
A posição das mulheres como em grupos de trabalho coletivo foi forta-
lecida. Chegou a hora do Estado e da sociedade fazerem tudo o que
podem e devem para dar às mulheres a oportunidade de não apenas ter
uma ocupação, mas também de serem mães. (. . . )
Não se pode comparar as condições sob as quais as mulheres na União
Soviética vivem e trabalham com as condições em outros países. Enquanto
o estado da União Soviética não fosse capaz de fornecer assistência com-
pleta, ampla e eficaz para a maternidade, e enquanto a prosperidade
econômica para as grandes massas da população da União Soviética não
fosse garantida, os abortos na União Soviética seriam permitidos por lei.
(. . . )
A lei de 27 de junho na União Soviética foi aprovada após uma ação
extremamente democrática do governo soviético. O projeto desta lei foi
discutido livremente durante um mês inteiro nas fábricas, escritórios, no
campo, etc. Milhares de cartas foram enviadas pelas próprias mulheres e
também pelos homens. A imprensa discutiu a favor e contra a lei e mui-
tas das propostas do projeto foram levadas em consideração na aprovação
da lei. A maioria das mulheres se manifestou a favor da nova lei, princi-
palmente, porque a lei teria um certo efeito na mentalidade dos homens;
devendo aumentar o sentimento de responsabilidade dos homens por cri-
anças e mulheres. As mulheres são calorosas defensoras desta lei. Mas,

149
A ATUALIDADE DE STALIN

parece-me que os homens eram um pouco mais reservados. Isso mostra


particularmente a utilidade da lei252 .
Stalin nunca ousou escrever a respeito da homossexualidade ou do
aborto, e não há em absoluto nenhuma razão para crer que este último
foi apoiado pelos bolcheviques como um direito e garantia fundamental
de longo prazo das mulheres. A restrição ao aborto foi implementada
após debates em massa em todo o país, com a preocupação com a segu-
rança dos procedimentos de aborto e a necessidade de crescimento popu-
lacional sendo citados como fatores decisivos para essa decisão. Quanto
à homossexualidade, não devemos esquecer o contexto de sua proibição,
uma vez que mesmo sob Lenin a homossexualidade era considerada por
médicos especialistas como uma anomalia doentia, e o número de co-
munistas na época que falavam bravamente em defesa dos direitos dos
homossexuais foi esparso (e não porque Stalin matou todos eles). Com
relação à homossexualidade ser considerada problemática sob Lenin, O
próprio Lenin frequentemente sugeria que Georgy Chicherin procurasse
ajuda médica para problemas mentais aparentes e que fosse enviado “para
um sanatório”. O primo de Chicerin, o Barão A. Meyendorff, continua-
ria observando em 1971 que as referências a seus “problemas de saúde”
eram “eufemismos para sua homossexualidade”. Portanto, não devemos
nos permitir a ilusão ridícula de que a legalização da homossexualidade
ou do aborto em 1917 era geralmente considerada um direito eterno que
deveria ser protegido a todo custo até que aparecesse o grande e mau
Stalin e o dissolvesse. Pode-se ter quase certeza de que teria sido banido
novamente, afinal a concepção que o descriminalizou não foi a de um
direito fundamental, o mesmo vale ao Aborto. Krupskaya, também fora
contra o aborto, e essa uma questão não enfrentada pelo antistalinismo:
No bolchevismo são garantidos direitos iguais às mulheres, pela pró-
pria Constituição. A liberdade de casamento é maior do que na maior
parte dos outros países, e, como todos ganham dinheiro — ou não co-
meriam — e ambas as partes geralmente ganham ao mesmo tempo, não
há obstáculo aos casamentos cedo. Durante a grande fome, o aborto era
permitido por lei, embora a mulher de Lenin tenha escrito contra ele
mesmo por esse tempo. Sua proibição em 1936 foi recebida por um de-
bate público de muitos meses em que o povo manifestou sua preferência
por mais filhos. Lenin opunha-se à depravação sexual e manifestava-se
assim a respeito: ”Qual o homem normal que, em circunstâncias nor-

252 KOLLONTAI, A. Sobre a Nova Lei do Aborto (17 de Junho de 1936). Dispo-
nível em: <https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/2016/05/03/interview-with-an-
author-louis-louis>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.
150
KLAUS SCARMELOTO

mais, se sujaria bebendo numa poça de lama? Ou mesmo por um copo


cujas bordas tivessem sido sujas por muitos lábios?”Um divórcio obtém,
facilmente, se uma das partes o deseja; mas frequentemente é condenado
pela opinião pública. O pai e a mãe, ambos têm que prover a manuten-
ção dos filhos e uma mulher divorciada a manutenção do ex-marido, se
este é atacado de moléstia e o Estado não cuida dele como deve. Trinta
e três por cento de todo o operariado da União dos Soviets compõem-se
de mulheres que conseguiram ingressar em todas as profissões; represen-
tam metade dos médicos, um quarto dos pesquisadores científicos e nove
décimos do professorado das escolas. Como cozinhas comunais foram
instaladas no campo e nas cidades bem como máquinas e operárias espe-
cializadas em trabalhos domésticos ajudam no governo das casas, todas
as mulheres podem continuar seus estudos nas suas horas vagas e pensar
no bem do Estado. 253

Stalin e o combate ao racismo


A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se originou após a re-
volução de outubro em 1917, formada pelo tratado da união em 1922 e
foi derrubada pela contrarrevolução em 1991. Os russos eram a maioria
da população, a própria URSS era, na verdade, uma sociedade extrema-
mente multifacetada e irradiante em toda a sua existência sendo consi-
derada uma sociedade multiétnica. A União Soviética abarcava 14 fusos
horários sendo composta por muitas nacionalidades, cerca de 160 delas e
grupos étnicos independentes, como tadjiques, cazaques, lituanos, tárta-
ros todos falavam línguas diferentes, praticavam religiões distintas - e em
comum sofreram terrível opressão racista sob o regime do czar. A vitória
da revolução socialista e a própria subsistência desta formação política
única foi o resultado de uma revolução realizada por povos oprimidos
unidos, que se levantaram como uma só e tomaram o controle da socie-
dade de seus exploradores czaristas e capitalistas. Os bolcheviques foram
os pioneiros a levaram a tarefa de unir os povos colonizados e oprimidos a
elevar sua luta muito a sério. Foi Lênin o pioneiro da oposição comunista
ao imperialismo e ele quem mudou a formulação marxista, “Trabalhado-
res do Mundo, Uni-vos” para “Trabalhadores e oprimidos do mundo,
uni-vos” como uma expressão da prioridade que colocaram na luta dos
povos colonizados contra imperialismo. Na perspectiva negra estaduni-

253 Ludwig,E. Stalin. Apud In: Org. Scarmeloto, K. Em Defesa De Stalin: Textos Biográficos.
Ciências Revolucionárias. São Paulo, 2020. Pag. 181-182.
151
A ATUALIDADE DE STALIN

dense, o exemplo mais convincente foi a rapidez e seriedade com que os


soviéticos começaram a corrigir a desigualdade histórica sofrida pelos ju-
deus, incluindo imediatamente a proibição de discriminação contra eles
e o fim dos violentos pogroms que os atormentaram sob o czar. Sobre a
questão do racismo antissemita, Stalin afirmou:
Stalin — Antissemitismo: Resposta a uma Consulta da Agência Ju-
daica Telegráfica nos Estados Unidos O chauvinismo nacional e racial é
uma sobrevivência de costumes anti-humanos próprio do canibalismo. O
antissemitismo, como uma forma extrema de chauvinismo racial, é a so-
brevivência mais perigosa do canibalismo. O antissemitismo é útil para os
exploradores como um para raios que preserva o capitalismo do golpe dos
trabalhadores. O antissemitismo é perigoso para os trabalhadores como
um caminho falso que se desvia do caminho certo e leva para a selva.
Portanto, os comunistas, como internacionalistas consequentes, não po-
dem deixar de ser inimigos implacáveis e amargos do antissemitismo. Na
URSS, a lei persegue de modo mais rigoroso o antissemitismo como um
fenômeno profundamente hostil ao regime soviético. As leis da U.R.S.S.
punem com a morte os antissemitas ativos. Josef Stalin
12 de janeiro de 1931.
Publicado primeiramente no Pravda de 30 de novembro de 1936, edição
nº 329.254
A recepção que os negros receberam em Moscou é realmente notável,
especialmente considerando o contexto histórico de época. Os negros
na URSS foram “regados a vinho e jantares” nas próprias palavras de
Hughes, foram alojados nos hotéis mais luxuosos e brindados com bilhe-
tes gratuitos para o teatro, ópera, ballet e jantares e festas com dignitários
e pessoas importantes, quase todas as noites. Eles foram convidados ofici-
ais do estado e tratados com as maiores honras. Nenhuma delegação ne-
gra jamais foi recebida nos EUA ou na Europa com tanta graça. Hughes
diz que eles sempre foram apresentados como “representantes do grande
povo negro” e depois de descrever as incríveis comodidades em um dos re-
sorts elaborados em que estavam hospedados, ele acrescenta: ”Eu nunca
tinha me hospedado em um hotel como esse só meu país, uma vez que,
via de regra. Em sua recepção por cidadãos soviéticos comuns, Hughes
escreve:
“De todas as grandes cidades do mundo onde estive, os moscovitas me

254 Stalin; Antissemitismo: Resposta a uma Consulta da Agência Judaica Telegráfica nos Es-
tados Unidos. Disponível em: <https://iglusubversivo.wordpress.com/2012/03/11/stalin-
antissemitismo-resposta-a-uma-consulta-da-agencia-judaica-telegrafica-nos-estados-
unidos/> Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
152
KLAUS SCARMELOTO

pareciam ser os mais educados dos povos com os estranhos. Mas talvez
fosse porque éramos negros e, naquela época, com o caso Scottsboro em
julgamento mundial nos jornais de todos os lugares, e especialmente na
Rússia, as pessoas se esforçaram para nos mostrar cortesia. Em um ônibus
lotado, nove em cada dez vezes, algum russo diria: ”Negrochanski tova-
rish - camarada negro - sente-se!”Nas ruas, na fila de jornais, cigarros ou
refrigerantes, muitas vezes as pessoas na fila diziam: “Deixe o camarada
negro ir em frente”.255
Esse fato aconteceu em 1932! Em nenhum lugar dos EUA, ou do pla-
neta, os negros eram tratados assim em 1932, somente na URSS.Esse re-
lato reverbera latentemente a outros de afro-americanos que visitaram ou
se mudaram para a União Soviética. O depoimento de Langston Hughes
introduz a historia de homens em seu grupo namorando mulheres sovié-
ticas e nenhuma palavra sobre alguém pestanejar por tais casais, o que, na
decada de 1930, teria levado alguém ao linchamento nos Estados Unidos.
Era necessário não projetar o racismo estadunidense na União Soviética,
quando você simplesmente não tem as evidências para apoiá-lo. Como
WEB Dubois escreveu em sua terceira visita à URSS em 1949, “de todos
os países, só a Rússia tornou o preconceito racial um crime; de todos os
grandes imperialismos, a Rússia sozinha não possui colônias de servos
escuros ou brancos e o que é mais importante não tem investimentos em
colônias e não está levantando lucros ensanguentados com a mão de obra
barata na Ásia e na África ”. Segundo Du Bois:
Stalin não era um homem de conhecimento convencional; ele era
muito mais do que isso: ele era um homem que pensava profundamente,
lia com compreensão e ouvia a sabedoria, não importa de onde ela vi-
esse. Ele foi atacado e caluniado como poucos homens poderosos; no
entanto, raramente perdia a cortesia e o equilíbrio; nem permitiu que o
ataque o afastasse de suas convicções, nem o induzisse a renunciar a po-
sições que ele sabia serem corretas. Como uma das desprezadas minorias
humanas, ele primeiro colocou a Rússia no caminho para vencer o pre-
conceito racial e fazer uma nação de seus 140 grupos sem destruir sua
individualidade.256
Paul Robeson o grande ator negro americano diz:
“A humanidade nunca testemunhou algo igual a Constituição da URSS.

255 LINDSAY, P. BOLCHEVIQUES NEGROS E MENTIRAS BRANCAS. Disponível:


<https://traduagindo.com/2017/10/11/bolcheviques-negros-e-mentiras-brancas/>. Acesso
em 15 de março de 2021.
256 SCARMELOTO, K. ORG. Em defesa de Stalin. Textos Biográficos. Ciências Revolucioná-

rias: São Paulo, 2020. Pag. 377.


153
A ATUALIDADE DE STALIN

. . Em primeiro lugar, pelo significado que tem para o meu povo em ge-
ral. Em todos os outros lugares, fora do mundo soviético, os homens ne-
gros são um povo oprimido e explorado de forma desumana. Aqui, eles se
enquadram nas disposições do Artigo 123 do Capítulo X da Constituição,
que diz: “A igualdade de direitos dos cidadãos da URSS, independente-
mente de sua nacionalidade ou raça, em todos os campos do econômico,
estadual, cultural, social , e a vida política, é uma lei irrevogável. Qual-
quer restrição direta ou indireta desses direitos, ou inversamente, o esta-
belecimento de privilégios diretos ou indiretos para os cidadãos em razão
da raça ou nacionalidade a que pertencem, bem como a propagação de
excepcionalismo racial ou nacional, ou ódio e desprezo, são puníveis por
lei.257
Stalin também denunciou a lenda reacionária de que as nações são di-
vididas em raças superiores e inferiores: “Antigamente era a ’ideia aceita’
que o mundo se dividisse desde tempos imemoriais em raças inferiores e
superiores, em negros e brancos, dos quais os primeiros não são adequa-
dos para a civilização e estão condenados a serem objetos de exploração,
enquanto os últimos são os únicos veículos da civilização, cuja missão é
explorar o primeiro”258 . Stalin continua a rechaçar essa ideia absurda:
“Agora, essa lenda deve ser considerada destruída e descartada. Um dos
resultados mais importantes da Revolução de Outubro é que deu a esta
lenda um golpe mortal”259 , segundo as estimativas de Stalin, a revolu-
ção de outubro deu o primeiro passo para acabar com o projeto colonial
racista “tendo demonstrado na prática que nações não-europeias liberta-
das, arrastadas para o canal do desenvolvimento soviético, não são menos
capazes de promover um progresso realmente progressivo. cultura e uma
civilização realmente progressista do que as nações europeias.”260

257 LINDSAY, P. BOLCHEVIQUES NEGROS E MENTIRAS BRANCAS. Disponível:


<https://traduagindo.com/2017/10/11/bolcheviques-negros-e-mentiras-brancas/>. Acesso
em 15 de março de 2021.
258 SCARMELOTO, K. ORG. Em defesa de Stalin. Textos Biográficos. Ciências Revolucioná-

rias: São Paulo, 2020. Pag. 278.


259 Idem, Ibidem.
260 Idem, Ibidem.

154
KLAUS SCARMELOTO

O Legado da Grande Guerra Patriótica para o


Presente
Pelos interesses de toda a humanidade contra os invasores da horda
hitlerista o povo soviético fez um heroico esforço.
Stalin como o grande comandante do Exército Vermelho afirmou “a
finalidade desta Guerra Patriótica de todo o povo contra os opressores
fascistas não se reduz à conjuração do perigo que caiu sobre o país, mas
implica a ajuda a todos os povos da Europa que sofrem sob o jugo do
fascismo alemão”.
A vitória dos Revolucionários de Outubro sobre o bloco do eixo na-
zifascista gerou grande motivação na batalha dos povos contra o imperi-
alismo e mudou a geopolítica internacional no pós-guerra alavancou as
vitórias anticoloniais na América Latina Ásia e África e fincou-se como
um dos maiores feitos senão o maior da história da humanidade e do
século XX que deve ser exaltado.
O camarada Pedro Pomar dirigente do Partido Comunista do Brasil
numa reflexão publicada na revista problemas em 1949 conceituou: “nós
a devemos à alta classe dos seus comandantes Quadros militares educados
e forjados na grande escola do patriotismo soviético do Partido de Lenin e
de Stalin na ciência militar mais avançada de nossos dias a ciência militar
soviética. E nós devemos a vitória ao gênio do camarada Stalin que foi seu
artífice principal que é a maior encarnação viva das qualidades do povo
soviético do regime socialista e do seu Partido e o herdeiro e continuador
do grande Lenin”.
Mesmo com toda aparelhagem dos meios de comunicação e com a ten-
tativa fajuta da historiografia imperialista de simular e diminuir o êxito
resolutivo do Exército Vermelho nada em absoluto poderá esconder o
enorme feito da URSS na solução da batalha contra o fascismo. A URSS
que por seu poderio econômico sua mobilização social; sua garra em cons-
cientizar seus soldados e cidadãos para vencer pela humanidade a guerra;
e pelo suas forças militares eliminou segundo o próprio Eixo 75% de seu
efetivo em armas homens e equipamentos.
Haider em 2 de agosto reconheceu os erros de avaliação: “está ficando
cada vez mais claro que subestimamos o colosso russo que se preparou de
modo consciente para a guerra”. Em agosto ele avaliou que os alemães já
tinham perdido 10% de seus soldados que foram mortos ou feridos pela
resistência até o final de julho. Em 15 de agosto ele anotou em seu diário:

155
A ATUALIDADE DE STALIN

“Em vista da fraqueza de nossas forças e dos espaços infindáveis podemos


jamais alcançar o sucesso”1. Quando a notícia da derrota em Stalingrado
foi transmitida por rádio em Berlim em 4 de fevereiro de 1943 Goebbels
registrou em seu diário: “As notícias de Stalingrado tiveram um efeito
de choque no povo alemão” (Der Spiegel). Aparentemente era um senti-
mento geral. Um relatório do Serviço de Segurança da SS registrou que
algumas pessoas de fato viram em Stalingrado “o começo do fim” e dizia-
se que nos gabinetes de governo de Berlim havia “em certa medida uma
nítida atmosfera de desespero iminente” (citado por Richard Evans)2
A nação soviética vitoriosa foi vitoriosa praticamente sozinha sobre
o terceiro Reich nada poderá provar o contrário principalmente os que
dizem que o determinante foi tão somente a chegada dos aliados na Nor-
mandia — sendo, portanto, mais relevante do que a derrota dos nazifas-
cistas em Kursk Stalingrado e Moscou — nada mais falso.
Neste sentido a publicação desta obra é uma contribuição para que
não se faça revisão na história.
Toda a humanidade trabalhadora deve comemorar desmedidamente
o aniversário de 76 anos da vitória dos povos proletários soviéticos sobre
a ameaça da escravização nazi-fascista. A data de 2 de maio de 1945 deve
pregar no coração os 27 milhões da Pátria Soviética que perderam sua
generosa vida pela libertação da humanidade trabalhadora. É de suma
importância aos que se pretendem comunistas honrar a memória das cen-
tenas de milhares de bolcheviques de aço que estiveram na linha de frente
da resistência antifascista — em nome da emancipação humana demos
nos lembrar acima de tudo do legado da luta antifascista de todos os seus
agentes e de todos que assim como povo cumpriram papel fundamental
para que a guerra tivesse um final postivo tais como o camarada Stalin os
Marechais V. Chuikov G. Zukhov A. Eremenko A. Vasilevsky; o sargento
Pavlov; os franco-atiradores: Vassili Zaitsev Lyudmila Pavlichenko e Roza
Shanina.
Nossa comemoração deve ser festiva e nostálgica todos os anos, sendo
feliz devido ao fato de que o nazifascismo foi destruído quase que exclusi-
vamente pelos únicos representantes que lhe eram tanto em teoria como
na prática seus inimigos: a esquerda comunista. A segunda guerra foi
vencida exclusivamente pela esquerda e deve ser, portanto, reivindicada
como parte de seu legado.
Muito embora o nazifascismo não tenha superado em carnificina a
confissão maléfica realizada tanto pelo império britânico e quanto pelo
imperialismo francês na Ásia e África (como se evidenciará adiante) isto

156
KLAUS SCARMELOTO

se deve evidentemente pelo fato de que a URSS e os comunistas para-


ram os nazistas muito antes do esperado! Por isto podemos dizer que
não houve tempo e oportunidade para o eixo superar quantitativamente
os massacres já realizados pelo imperialismo francês e britânico, pois
suas atividades predatórias nazifascistas duraram do começo da década
de 1930 até meados de 1945. No entanto, justamente por ter durado por
volta de 15 a 25 anos ao máximo o nazifascismo jamais poderia deixar de
ser a força mais violenta porque foi a que a confessou a maior quantidade
de atrocidades em pouco tempo de existência. Sua violência reacionária
conservadora e genocida foi a mais eficiente máquina de morte de época.

As prisões na era Stalin


O papel do Relatório Khrushchev foi indispensável para o sucesso do
imperialismo, sua principal característica foi permitir aos inimigos do
marxismo um canal para expressar, mundialmente, uma convergência
metodológica mesmo com fundamentações e intenções distintas dentro
da direita e, também, da “esquerda”. O impacto deste relatório era ines-
perado até mesmo para os percursores da Guerra Fria antissoviética e
serviu, na realidade, para colocar, no poder, o embrião do processo de
dissolução do bloco socialista que estava se formando: o revisionismo. Ao
atacar Stalin, atacava-se Lenin e, desta forma, todo a sustentação teórica
e prática da grande Revolução de Outubro. A partir, deste momento, o
imperialismo e sua agência de inteligência, passaram a atuar ainda mais
intensamente no combate ideológico anticomunista aproveitando-se da
confusão instalada por Khrushchev. Pouco a pouco, os intelectuais que
antes saudavam o heroico Uncle Joe da II Guerra Mundial, passam a
compará-lo a Hitler, para assim, ampliar a criação abstrata da identidade
entre a Alemanha nazista e a União Soviética, do campo de concentração
nazista (konzentrationslager) com a prisão russa (Gulag). Aqui a propa-
ganda anticomunista chega ao seu ponto primordial, explora a imagem
comum entre ambos países, antros do totalitarismo, para assim vender a
idílica democracia liberal burguesa como a única via possível. As compa-
rações atuam de maneira eficiente, porque exploram as falhas do cérebro
na hora de criar padrões, bastando qualquer generalidade para realizar
a analogia e depois sacralizar a igualdade dos dois objetos, fazendo da
mentira, por repetição, uma verdade inquestionável.
Tendo em vista o objetivo de desmontar o anticomunismo tanto ori-
undo da “esquerda” como na direita, vale a pena mencionar um pouco

157
A ATUALIDADE DE STALIN

de uma rotina numa fábrica da época. É notório o fato de que no país de


Stalin “os trabalhadores são chamados a julgar seus chefes”, a moderniza-
ção promovida no período Staliniano permitiu decisões vindas de baixo,
contrariando a lógica da Rússia Czarista, o poder disciplinar capitalista
que cria sobretrabalho já se tornaram, pela primeira vez na história da
humanidade, não absolutos! Em 1938 mais de 87 % dos trabalhadores
deixaram as fábricas em que trabalhavam, sem qualquer receio de serem,
necessariamente, punidos. Ao refletir este contexto prático das fábricas
da URSS não é possível fundamentar a ideia de totalitarismo. Na Rússia
Czarista havia vigorado o mandamento de soberania ao dono da fábrica,
sendo dele a prerrogativa de legislar seus preceitos de trabalho, sendo,
por isso, “totalitária” de fato, não se aplicando ao período de Stalin que
já trazia em seu bojo o socialismo em construção.
As costumeiras analises do totalitarismo fazem abstração total dos lu-
gares de produção, e já por essa razão elas se tornam unilaterais e su-
perficiais. Se acabarmos com essa abstração total e indevida, a categoria
de totalitarismo aparece em toda a sua inadequação: não nos ajuda a
compreender uma sociedade que na sua fase final, [...] é uma verda-
deira anarquia nos locais de trabalho, abandonados com toda tranqui-
lidade pelos seus empregados que, mesmo quando estão presentes, pa-
recem comprometidos numa espécie de greve branca, aliás, tolerada: é
esta a impressão que dão, um pouco perplexas e um pouco admiradas, as
delegações operárias e sindicais em visita a URSS dos últimos anos. Na
China [...], no setor público continuavam a vigorar costumes que foram
assim descritos por um jornalista ocidental: “até o último servente [...],
se quiser, pode decidir não fazer absolutamente nada, ficar em casa por
um ou dois anos e continuar a receber o salário no fim do mês” [...]. “Os
ex-empregados do Estado [...] chegam uma hora antes” e se ausentam
frequentemente [...]. E os dirigentes e os técnicos que procuram introdu-
zir no local de trabalho disciplina e eficiência são obrigados a enfrentar
não só resistência e a indignação moral dos empregados (é uma infâmia
a multa dada a um operário que se ausenta para assistir a mulher!) [...].
É muito difícil descrever essas relações com base na categoria de “totali-
tarismo” [...], o que caracteriza o dia a dia é um regime que está muito
longe do totalitarismo.261
Como se pode ver, quanto mais recuamos na história, sobretudo, na
rica totalidade de fontes que ela nos oferece, a categoria de totalitarismo
se dissolve na sua completa impropriedade de descrever a rotina da so-

261 Ibidem.

158
KLAUS SCARMELOTO

ciedade soviética como pertencente a mesma sistemática da Alemanha


nazista, sobretudo, há um abismo colossal que separa a União Soviética
de Stalin do Ocidente Liberal e do nazifascismo do Eixo. Estas análises
trazem a ausência, proposital dos países liberais com o nazismo. Com-
parar, neste sentido, a URSS com a Alemanha é, no mínimo, fugir da
história, sobretudo, porque o próprio anticomunismo nos sugere, facil-
mente, análises para desmontar o mito de que Gulag era um campo de
Concentração. Convém mencionar que as prisões soviéticas tinham es-
truturas melhores que as periferias do capitalismo na atualidade, sem dú-
vida alguma, isto se deve a revolução, embora o objetivo das prisões e do
cárcere fossem sempre o de ressocializar, tal premissa não pode ser con-
quistada sem uma revolução de caráter democrático, isto é, a promessa
pode até ser encontrada nas pautas da revolução burguesa na França em
1789, mas sua efetivação, evidentemente, não pode ser realizada pela so-
ciedade burguesa, mas, somente, na revolução proletária. Em 1921 na
prisão moscovita de Butyrka:
Os presos podiam fazer o que quisessem na prisão. Organizavam ses-
sões matinais de ginástica, fundaram uma orquestra e um coro, criaram
um “grêmio” que dispunha de periódicos estrangeiros e boa biblioteca.
Conforme a tradição (remontando aos tempos pré-revolucionários), todo
preso deixava seus livros quando era solto. Um conselho dos prisioneiros
designava celas para todos, algumas das quais eram muitíssimos bem su-
pridas de tapetes no chão e tapeçarias nas paredes. Outro preso lembraria
que “flanávamos pelos corredores como se fossem bulevares”. Para Berta,
a vida na prisão parecia inverossímil: “Será que eles não conseguem nos
prender a sério?” 262
Em outras localizações relatos mais impressionantes vem à tona, em
1924, em Savvatievo no arquipélogo de Soloveckia, outra prisioneira fica
gratificada ao encontrar na prisão um local bem longe de parecer um pre-
sídio, os prisioneiros políticos encontravam alimentos em grande quanti-
dade, de boa qualidade em excesso e roupas à vontade. Além disto, havia
também, teatro, uma biblioteca com mais de 30.000 volumes e um jardim
para prática de botânica. Isto é, melhor seria morar em uma prisão na
União Soviética, do que numa periferia controlada pela polícia nos Esta-
dos Unidos. A vida no “campo de concentração Soviético” mostra certa
brandura acolhendo pedidos que nenhuma prisão, na atualidade, faria.
A direção de Gulag, sem hesitar, permitiu que a dieta dos vegetarianos

262 APPLEBAUM, Anne. GULAG Uma História dos Campos de Prisioneiros Soviéticos. São
Paulo: Ediouro. Pag. 37.

159
A ATUALIDADE DE STALIN

fosse cumprida à risca. Precisando de hospitais, os administradores dos


campos os construíam e ainda
implantavam sistemas para treinar presos como farmacêuticos e en-
fermeiros. Precisando de comida, estabeleciam suas fazendas coletivas,
seus armazéns e seus sistemas de distribuição. Precisando de eletrici-
dade, instalavam usinas de força. Precisando de material de construção,
criavam olarias. Precisando de trabalhadores qualificados, treinaram os
que tinham. Boa parte da mão-de-obra que fora kulak era analfabeta ou
semi-alfabetizada, o que acarretava enormes problemas quando se lidava
com projetos de relativa complexidade técnica. Assim, a administração
montou escolas técnicas, que por sua vez exigiam novos edifícios e novos
quadros: professores de matemática e física, bem como “instrutores po-
líticos” para supervisionar o trabalho desses docentes.321 Na década de
1940, Vorkuta - uma cidade construída sobre o permafrost, onde todo
ano as estradas tinham que ser repavimentadas e as tubulações, conser-
tadas - já ganhara um instituto geológico, uma universidade, teatros e
cinemas, teatros de marionetes, piscinas e creches. 263
O Gulag, cumpria o objetivo comunista como qualquer outra institui-
ção soviética, isto é, emancipar a civilização e a humanidade. Mesmo com
o Estado de Exceção em curso, com as desordens da guerra civil em an-
damento, o perigo com a ascensão do nazifascismo, do cerco imperialista
e o estourar da segunda guerra mundial, nada pôde impedir os soviéti-
cos no plano interno de concretizar reabilitações dos presos políticos. As
atividades em curso para isto variavam, mas sempre se ligavam desde o
estimulo ao trabalho até meios de sublimação como salas cinematográfi-
cas, círculos de leitura e discussões. Vemos, portanto, o totalitarismo se
transformar em uma mera dissimulação anticomunista.
As prisões, assim como as relações sociais, são reflexos de uma ide-
ologia, o sistema carcerário soviético não pode ser julgado sem que se
considere a ideologia no comando. O sistema soviético dirigido por Sta-
lin, pode até ser acusado de trazer prejuízos em algumas ocasiões pelos
imperativos do desenvolvimento das forças produtivas, como foi o caso
da ilha Nazino. Ao contrário do que acontece nos países imperialistas,
nas residuais colônias e semicolônias, o terror na prisão na URSS, foi um
fenômeno de exceção, que a propaganda anticomunista tenta a todo o
custo transformar em regra, mas infelizmente, as excepcionalidades só
confirmam as rotinas. Mas, há de se ter em mente, que para os dias de

263 APPLEBAUM, Anne. GULAG Uma História dos Campos de Prisioneiros Soviéticos. São
Paulo: Ediouro. Pag. 92.

160
KLAUS SCARMELOTO

hoje, as prisões soviéticas soam excessivamente revolucionárias, atingindo


objetivos úteis para a nação e promovendo o bem-estar social que nunca
foi conquistado em nenhuma prisão dos países capitalistas e, sobretudo,
nas, ainda existentes, semicolônias do Imperialismo.
O sistema carcerário reproduz as relações da sociedade que o exprime.
Na URSS, dentro e fora do Gulag, vemos fundamentalmente, em ação
uma força em função da superação do atraso secular, tornada mais ur-
gente ainda pela proximidade de uma guerra que, por declaração expli-
cita do Mein Kampf, quer ser de escravização e de aniquilamento. Nesse
quadro, o terror da URSS se entrelaça com a emancipação de naciona-
lidades oprimidas, bem como uma forte mobilidade social com acesso a
instrução a cultura, e até a postos de responsabilidade e de direção por
parte de extratos sociais até aquele momento totalmente marginalizados.
A preocupação produtivista e pedagógica e a mobilidade conexa se fazem
notar, para bem e para o mal até dentro do gulag. O Universo Concen-
tracionário nazista reflete, ao contrário, a Hierarquia em base racial que
caracteriza o Estado racial já existente e império racial a edificar. Neste
caso, o comportamento concreto dos indivíduos detidos desempenha um
papel irrelevante ou bastante marginal. Portanto, a preocupação pedagó-
gica não teria sentido. Em conclusão. O Detido no Gulag é um potencial
“camarada” obrigado a participar em condições de particular dureza no
esforço produtivo dentro do país e, depois, de 1937 é um potencial “ci-
dadão”, embora se tenha tornado sutil a linha de demarcação do inimigo
do povo e do Membro da quinta coluna, que a guerra total no horizonte,
ou já em curso, impõe que se neutralize; o detido no Lager nazista é, em
primeiro lugar, o Untermensch marcado para sempre pela colocação ou
degeneração racial. 264
Quaisquer comparações entre estas duas realidades não são apenas
desonestas, mas completamente descabidas; não se sustentam ao estudo
científico da história do século XX. Esses são alguns dos exemplos de
como se estruturou os principais pontos de apoio da propaganda antico-
munista para — a partir do seu gigantesco aparato midiático mundial —,
buscar desacreditar o socialismo pela calunia e difamação da figura de J.
V. Stalin, concentrando assim o ataque ao marxismo-leninismo, ao ma-
terialismo histórico e a rica experiência histórica da primeira revolução
proletária da humanidade e o grande processo de emancipação iniciado
em outubro de 1917, que levou a dezenas de povos a se levantar con-

264 LOSURDO, Domênico. Stalin História Crítica de uma Lenda Negra. Rio de Janeiro: Re-
van, 2010. Pág. 166.

161
A ATUALIDADE DE STALIN

tra o colonialismo e o imperialismo para lutar pela libertação nacional


e pela independência. Os dados sobre os encarceirados na URSS tam-
bém surpreendem muito as estimativas e não dão base a uma ideia de
totalitarismo. Zemskov argumenta:
“Desse modo, alicerçado na nossa hipótese, a quantidade total de in-
divíduos destinados a repressão por motivos políticos, corresponde a uma
pequena fração da população que viveu em 1918-1958, é de 2,5% (cerca
de 10 milhões em relação a mais de 400 milhões). Isso significa que 97,5%
da população da URSS não foi submetida a qualquer forma de repressão
política”. Aqui há de se considerar o conceito Lato Sensu de “reprimido
por motivos políticos ”, ou seja, sentido amplo, incluindo os que foram
banidos como os kulaks”, ”por motivos sociais” e etc. 265
“Toda força do aparato de propaganda tem sido coordenada para
ocultar este acontecimento inalterável nos últimos quase 25 anos. Todo
possível e impossível foi realizado para a manutenção da ilusão introdu-
zida na mente popular de que, hipoteticamente, todas ou quase todas as
pessoas foram subordinadas a várias repressões. A geração mais nova de
nosso país é educada nesta “lenda tenebrosa” e as gerações mais antigas
são muito popularizadas com esse espírito. No decorrer da Guerra Fria,
muitos no Ocidente questionavam a credibilidade da propaganda fascista
alemã, anglo-americana e perestroika-soviética acerca da “escala gigan-
tesca” do terror político e das opressões na URSS nos anos 30 e 40, agora
quase não há mais nenhuma. A. N. Yakovlev, na função de presidente
da Comissão citada acima, por vezes utilizou as estatísticas do ”Memo-
rial”em seus discursos e nas entrevistas nos anos 90, mas em 2000 ele o
abandonou: ele disse, ”não há dados exatos”. Em seu livro ”Memory ma-
elstrom”, publicado em 2000, ele escreveu: ”Não existem dados exatos
sobre o total da desgraça nacional com fundamento em documentos”.
Esta é uma sentença difamatória: de fato, os dados baseados em docu-
mentos são mais do que suficientes, se não para conseguir um número
preciso, então para estabelecer a escala real (e A. N. Yakovlev falou exa-
tamente sobre a escala) da repressão política em um sentido estreito e
amplo.266
Não se pode deixar a suspeita de que A. N. Yakovlev fez tal afirmativa
para permitir aos falsificadores produzirem estatísticas de repressão ini-
maginavelmente altas e fantasiosas. Ademais, sua referida citação detém

265 ZEMSKOV, V. Stalin e o povo Por que não houve um levante?.


Disponível em: <https://stali-
nism.ru/dokumentyi/stalin-i-narod-pochemu-ne-bylo-vosstaniya.html?start=1>. Acesso em
21 de fevereiro de 2021.
266 Idem Ibidem.

162
KLAUS SCARMELOTO

uma ardilosa falsificação para manter no imaginário público uma falsa


ideia da escala ”gigantesca”da repressão. Afinal, a mistura das expressões
”não há dados exatos”e ”tragédia nacional”, se pretendido, pode ser con-
siderada de tal maneira que, afirmam, as repressões foram de medidas
tão ”enormes”, que, necessariamente, estende-se a quase toda população,
que é impossível contabilizar (o leitor mais leigo entende isso)267
Dentre outras coisas mais, esta afirmação de A. N. Yakovlev é direci-
onada contra pesquisadores sérios que estão tentando entender este pro-
blema de forma verdadeira e imparcial268 .
Assim podemos reafirmar com base nessa densa pesquisa que o Ter-
ror descrito na era Stalin não existiu. É nisso que consiste as pesquisas
de Robert Thurston, John Arch Getty, Losurdo e Grover Furr. O Terror,
portanto, não foi uma política aplicada amplamente as massas popula-
res, não teve um significado amplo, como comumente se afirma. Para
responder à pergunta sobre o impacto da repressão em sua escala real na
sociedade soviética, recomendamos que se leia as conclusões do histori-
ador americano Robert Thurston, que publicou em meados da década
de 1990 a monografia científica Life and Terror in Stalin’s Russia. 1934-
1941. As principais conclusões, de acordo com Thurston, são as seguin-
tes: o sistema de terror stalinista na forma em que foi descrito por gera-
ções anteriores de pesquisadores [ocidentais] nunca existiu; a influência
do terror na sociedade soviética durante os anos de Stalin não foi signi-
ficativa; não havia medo em massa de represálias na década de 1930 na
União Soviética; a repressão foi limitada e não afetou a maioria do povo
soviético; A sociedade soviética preferia apoiar o regime stalinista do que
temê-lo;
Existe uma imagem de que na URSS a maior parte do povo penou
sobre repressões e foi intimidado por elas. É evidente que todo esse con-
ceito constitui um grande exagero. O levantamento factual de repressões
são fato público e notório - foram editadas publicações inúmeras vezes
e disso procedem conclusões totalmente distintas. Ademais, os cidadãos
da união soviética majoritariamente conheciam pouco ou nada sobre as
repressões, das quais as vítimas eram milhares de inocentes, que soube-
ram disso somente após o famigerado discurso de NS Khrushchev no XX
Congresso do PCUS em 1956. E foi em tal caso que, nos precedentes à
guerra, o regime político que se desenrolou na URSS na consciência das
massas foi fortemente ligado não ao terror e à repressão, mas as ideias

267 Idem. Ibidem. Capitulo 2.


268 Idem. Ibidem.

163
A ATUALIDADE DE STALIN

cristalizadas pela justiça social. E este governo era, sem dúvida, visto
pela majoritária leva de cidadãos soviéticos como o mais honesto de todo
o mundo.269
“Eles não entendem, por exemplo, como foi possível lutar pela terra
que as autoridades soviéticas privaram os camponeses de camponeses “,”
apreendidos “,” confiscados “,” expropriados “etc. No entanto, todo esse
argumento seria justo apenas no caso em que a terra “selecionada” se mu-
dou para alguns outros proprietários, mas foi deixada em posse coletiva
dos mesmos camponeses. Todo o conjunto de fontes históricas que pos-
suímos é prova irrefutável de que os camponeses soviéticos, em sua massa,
não consideravam a terra agrícola coletiva como ostensivamente estranha
e não a dariam sem uma luta contra os conquistadores estrangeiros”270 .
“É lógico que os ressentimentos antissoviéticos, antibolcheviques e anti-
stalinistas eram constatáveis na URSS. Porém, não se deve exacerbar sua
dimensão. O regime social e político que se criou na URSS era massiva-
mente apoiado – a majoritária leva de cidadãos, com orgulho, esforçava-se
pelo país e pelo sistema socialista. Ele foi incorporado no povo com os
ideais herdados da Revolução de Outubro de 1917, e o Estado soviético na
consciência de milhões de pessoas foi concebido como o exclusivo Estado
dos trabalhadores e camponeses do mundo. Logo, as pessoas na URSS
na hipótese de perigo militar estavam preparadas para lutar não apenas
sua pátria, nação e Então, independentemente de sua base política, mas
também o regime sociopolítico que se desenrolou na URSS, seu sistema
social e estatal”271
“Na realidade, na sexta parte do mundo, uma original civilização se
configurou. Era uma civilização exclusiva, não comparáveis na história
da humanidade nem no passado nem na atualidade”.

O massacre de Katyn
Um grande número de prisioneiros de guerra poloneses morreu no
massacre de Katyn em circunstâncias misteriosas. Acredita-se agora, em
todos os meios de comunicação, principalmente em todos os aparelhos
hegemônicos privados, que o NKVD soviético executou esses fuzilamen-
tos em massa. Mas esta é toda a verdade?
Quando se verifica a historiografia burguesa hoje, inevitavelmente,

269 Idem. Ibidem. CAPÍTULO 3


270 Idem. Ibidem. Capítulo 4
271 Idem. Ibidem. Capitulo 3
164
KLAUS SCARMELOTO

todas sentenciam que a União Soviética foi a responsável pelo massacre


de Katyn, pela morte de milhares de oficiais poloneses e esta narrativa é
repetida com tanta convicção e constância que tentar impugná-la faz qual-
quer um parecer um nazista revisionista tentando negar o holocausto de
judeus de Hitler. Após a queda da União Soviética, Gorbachev juntou-
se a esta campanha de desinformação e produziu material que suposta-
mente ”provava”que os soviéticos cometeram tais atrocidades e que, claro,
o fizeram por ordem de Stalin.
No entanto, a verdade “é que Joseph Goebbels, ministro da propa-
ganda de Hitler, compreendeu claramente o problema que residia na
descoberta de cartuchos de granada alemães para a campanha de pro-
paganda alemã em torno de Katyn”272 , assim o ministro de propaganda
afirmou, na verdade, confessou:
Infelizmente, munições alemãs foram encontradas nos túmulos de Katyn.
A questão de como eles chegaram lá precisa ser esclarecida. É o caso de
munições vendidas por nós durante o período de nosso acordo amigável
com os russos soviéticos, ou dos próprios soviéticos jogando essas muni-
ções nas sepulturas. Em qualquer caso, é essencial que este incidente seja
mantido em sigilo absoluto. Se fosse para chegar ao conhecimento do
inimigo, todo o caso katyn teria que ser abandonado. 273
Goebbels deixa evidente seu desconforto com o fato das munições ale-
mãs serem encontradas em Katyn. O propagandista de Hitler chega a re-
comendar sigilo absoluto, e ainda acrescenta, mostrando-se preocupado
com o que pensaria os inimigos diante dessas evidencias, que o caso é
quase perdido. Assim, sem dúvida alguma, Goebbels acreditava que o
relatório alemão, deveria ocultar esses detalhes, a ponto de crer que se
estes fatos fossem evidenciados pelos inimigos dos nazistas, estaria com-
prometida toda a operação de publicidade e credibilidade alemã no caso.
No relatório da comissão de Burdenko, inúmeras testemunhas polo-
nesas dão conta de explicar que os alemães procuraram exaustivamente
os oficiais poloneses com fins predatórios274 . Corroborando a evidência
e a preocupação de Goebbels os testemunhos complementam a evidência
mostrando que os túmulos foram falsificados em a devida vênia nazista.

272 FURR, G. The Mystery Of Katyn: The Evidence The Solution. Erythros Press and Media,
LLC 2018. Pag. 42,43.
273 GOEBBELS, J. The Goebbels Diaries 1942 – 1943. Doubleday 8c Company, Inc. Garden

City 1948 New York. PAG 354. Tradução Nossa.


274 Relatório da comissão especial soviética de 24 de janeiro de 1944. Disponível em: http://so-

viethistory.msu.edu/1943-2/katyn-forest-massacre/katyn-forest-massacre-texts/report-of-
soviet-special-commission/. Acesso em 20 de março de 2021.
165
A ATUALIDADE DE STALIN

As tentativas de limpar os vestígios não foram suficientemente elucida-


das275 .
Como capítulo final do drama de Katyn, os “historiadores” gorbache-
vistas anunciaram em 1992 a descoberta de três documentos, provando
inegavelmente a culpa soviética em Katyn. O primeiro documento era
um pedido de Beria ao Bureau Político, para dar a ordem de execução
dos oficiais poloneses. O segundo documento, é o protocolo do Bureau
Político para a sua Sessão No.13, onde é anotado o pedido de Beria. O
terceiro documento é uma carta de Shepelin para Khrushchev datada de
3 de março de 1959, informando-o de que toda a documentação sobre
Katyn seria destruída.
Todos os três documentos são falsos, e este texto provará isso. A carta
de Beria ao Politburo é da maior importância. Também é a farsa mais
óbvia. Na carta datada de 5 de março de 1940, Beria diz considerar ne-
cessário que “o NKVD” proponha ao “NKVD” a transferência dos casos
de 14.700 prisioneiros de guerra e 11.000 pessoas presas. Solicita ao Po-
litburo, no pedido I, que ordene “a aplicação da mais alta medida de
punição - a execução”. No requerimento II, pede que as sentenças para
as pessoas sejam executadas sem sua presença e sem representação por
elas. No pedido III, pede ao Politburo que nomeie este assunto para uma
“troika276 ” composta por Cabulov, Merkulov e Bashtakov. Esta carta tem
o título “Top Secret”. Na primeira página do documento, ele é assinado
por Stalin, Molotov, Mikoyan, Voroshilov.
Os erros e inconsistências nesta carta são muitos. Para começar, a
carta é “Top Secret”. O procedimento padrão para uma carta ”Top Se-
cret”consistia em escrever na carta o nome da pessoa que a digitou, os
nomes de todas as pessoas que viram o documento, os nomes de todas
as pessoas a quem esta carta deve ser enviada, o número de cópias feitas
desta carta, o papel carbono usado para fazer uma cópia dela e final-
mente a fita da máquina de escrever usada para fazer este papel. Para
o “documento Beria”, nenhum deles existe. Sem essas precauções, não
é uma carta “Top Secret”. O falsificador deste documento não tinha co-
nhecimento dos requisitos de um artigo “Top Secret” ou tais requisitos
não podiam ser forjados por ele. De qualquer forma, este papel perde
imediatamente seu valor e, além disso, mostra que é uma falsificação.
Mas os erros não param por aqui. As assinaturas dos membros do
Politburo vão contra a forma. Nesta carta, 4 membros do Politburo sim-

275 Idem. Ibidem.


276 Troika era o nome dado a qualquer comissão investigativa na URSS.
166
KLAUS SCARMELOTO

plesmente assinaram seus nomes. Por este ato, eles rejeitaram o pedido
de Beria. Veja, se os membros do Politburo concordavam em mandar
uma ordem ou cumprir uma solicitação, era necessário que eles assinas-
sem o documento e escrevessem ao lado de suas assinaturas “acordado”
ou “depois”. Para que o pedido fosse aceite e a encomenda fosse enviada,
os membros deviam manifestar a sua concordância com a solicitação ou
com o envio de uma encomenda. Se eles simplesmente assinaram o pa-
pel, significa que os membros leram o documento, mas não concordaram
com ele e não enviaram quaisquer ordens. O falsificador obviamente não
sabia disso e cometeu o erro. Mesmo que este pedido seja autêntico,
Na primeira página do documento, junto com as quatro assinaturas
de Stalin, Molotov, Mikoyan e Voroshilov, o falsificador acrescentou os
nomes de Kaganovich e Kalinin abaixo delas. O que o falsificador não
sabia é que Kaganovich e Kalinin estavam ausentes da 13ª Sessão do Polit-
buro em março de 1940. Eles não poderiam ter colocado suas assinaturas
neste documento.
Os pedidos de Beria contêm ainda mais provas de que é uma falsifi-
cação. Os pedidos de Beria de que ele acha necessário que o NKVD faça
uma proposta ao NKVD não faz sentido. Por que Beria acharia necessá-
rio propor a Beria? Este é um erro que o falsificador cometeu acidental-
mente. Por que ele cometeu esse erro será discutido abaixo.
No terceiro pedido de Beria, ele pede a criação de uma “troika” de
três pessoas citadas nominalmente. Todo esse pedido não faz sentido.
Quando uma troika é criada, seus membros nunca são mencionados pelo
nome. Eles são mencionados por sua postagem. O que aconteceria se
um dos membros morresse ou fosse removido do cargo? A troika foi
destruída ou esta pessoa, que já não estava em posição, ainda estava na
troika? Não poderia ter sido feito dessa maneira. Como exemplo, o leitor
deve consultar a decisão acima da Comissão Especial do NKVD, onde seus
membros são identificados apenas por seus cargos. Não é importante
quem são os indivíduos. Os indivíduos nos postos podem mudar, mas a
troika continua de pé.
Além disso, este documento não dá nenhuma indicação sobre quem
deve receber ou ser informado da decisão do Politburo. A única pessoa
mencionada é L. Beria. Mas em um documento como este, os nomes das
pessoas que irão recebê-lo também estão incluídos. Caso contrário, como
Kabulov saberá que é membro da “troika”? Este documento é “Top Se-
cret”. É dado a ele apenas pelo Politburo. Além disso, os responsáveis
pela execução das ordens do Politburo, neste caso as pessoas ou órgãos en-

167
A ATUALIDADE DE STALIN

carregados de efetuar as execuções, também devem ser nomeados. Caso


contrário, se for simplesmente anunciado a eles por uma segunda ou ter-
ceira parte, não é mais uma decisão “Top Secret”, mas algo para todo o
mundo saber. Este documento não contém tais nomes.
O pedido de execução ao Politburo é mais um erro do falsificador.
Tal pedido nunca teria sido feito. O Politburo não tinha autoridade para
fazer tal ordem. O único órgão capaz de emitir uma ordem de execução
era o Soviete Supremo da URSS, especificamente a Suprema Corte da
URSS. Somente por decisão da Suprema Corte é que uma execução pode
ser realizada. O Tribunal também estabeleceu “troikas” especiais, que por
autoridade do Tribunal tinham o poder de condenar à execução. Nesse
documento, Beria pede ao Politburo que crie uma “troika” para condenar
as pessoas à morte. Era impossível! Só uma decisão do Supremo Tribunal
poderia ter criado tal “troika”. Um exemplo de como tal processo foi rea-
lizado, aconteceu em 1941. O avanço alemão ameaçava capturar a prisão
de Orel, onde membros importantes de grupos anti-soviéticos estavam
detidos. Não poderia ser permitido que caíssem nas mãos dos alemães,
que os usariam contra a URSS. Portanto, foi convocada uma reunião do
Supremo Tribunal Federal, onde emitiu uma ordem de execução, e só en-
tão os presos foram executados. Mesmo na época mais premente, 1941,
o império da lei soviética não foi violado. Então, por que Beria estava
pedindo tal decisão ao Politburo?
A pergunta deve ser feita: por que o falsificador cometeu tais erros?
A razão para eles é que o falsificador usou um documento original de Be-
ria para o Politburo. O falsificador precisava de um documento original
para ter um número de documento e manter o mesmo estilo caracterís-
tico de Beria. Ele não mudou a primeira página, exceto para adicionar
os nomes de Kaganovich e Kalinin (que o falsificador pensava que de-
veriam estar lá). No entanto, o falsificador mudou a segunda página,
a pedido de Beria. Assim, no documento original de Beria lia-se “... o
NKVD acha necessário propor à Comissão Especial do NKVD ...” Então
faria sentido. O falsificador, no entanto, destituiu a Comissão Especial,
pois sua decisão foi condenar os policiais a no máximo 5 anos de prisão.
Portanto, no documento original, o pedido de Beria não era para execu-
tar os presos, e, portanto, discordam da conclusão da Comissão Especial.
Estava de acordo com a Comissão Especial. Em vez de ordenar uma exe-
cução, o documento original deveria ter lido “com a aplicação a eles da
pena de 5-8 anos de prisão, conforme especificado pela Comissão Espe-
cial do NKVD”. Além disso, no original não havia nenhum pedido para
a criação de uma troika. Só então esse documento faria sentido. Estava

168
KLAUS SCARMELOTO

apenas pedindo aos membros do Politburo que concordassem em permi-


tir que o NKVD propusesse à Comissão Especial do NKVD a transferên-
cia de arquivos para eles e que o NKVD propusesse à Comissão Especial
a realização de sua investigação de indivíduos sem seus presença e sem
a presença de sua representação. Este pedido original do documento é
apoiado no fato de que em 16 de março de 1940, a Comissão Especial pas-
sou a receber informações pessoais sobre os presos e iniciou sua sentença
individual. Este é o pedido exato da carta original de Beria ao Politburo.
Se o documento original foi lido como tal, as assinaturas na primeira
página são transformadas em um acordo. Isso não é bizarro, mas se o
Politburo não fosse solicitado a cumprir uma ordem ou a tomar qualquer
ação, mas apenas a concordar, uma simples assinatura teria bastado. Se
não houvesse ordens ou ações a serem realizadas, nenhuma teria que ser
especificada ao lado dos nomes. Assim, ao mudar os pedidos de Beria,
o falsificador também mudou a decisão do Politburo. No entanto, este
documento tão orgulhosamente exibido pelos revisionistas é sem dúvida
uma farsa.
O segundo documento é o protocolo do Politburo a pedido de Be-
ria. Confirma todos os pedidos de Beria, a execução dos prisioneiros e
a criação da “troika” com os membros mencionados por Beria. Esta é a
carta retirada dos registros do Politburo e enviada às pessoas indicadas
no pedido de Beria para recebê-la. No entanto, uma vez que tais pes-
soas não foram indicadas na carta de Beria, a quem este protocolo foi
enviado? Além disso, visto que, por simples assinaturas, os membros do
Politburo não concordaram com o pedido de Beria, por que foi feito um
protocolo do Politburo para isso? Além disso, não contém a assinatura
do Secretário do Politburo. Sem a assinatura, não significa nada. Este
segundo documento é simplesmente uma continuação do primeiro, uma
tentativa dos falsificadores de mostrar que o Politburo concordou e en-
viou uma ordem. Assim como o Korger alterou o documento original de
Beria para sugerir a execução, também foi alterado o protocolo original
do Politburo.
O terceiro documento está muito mal feito e parece ter o propósito
de dizer a todos os outros historiadores para não pesquisarem mais do-
cumentos sobre Katyn, Khrushchev destruiu todos eles! Nesta carta de
Shepelin para Khrushchev, não há número algum e não há assinatura.
Não segue nenhuma forma. No entanto, nesta carta, Shepelin diz a Kh-
rushchev que todos os documentos sobre Katyn serão destruídos, pois
não têm “valor histórico” para ninguém. Como Shepelin achava que do-

169
A ATUALIDADE DE STALIN

cumentos sobre execuções de milhares de estrangeiros não tinham valor


para ninguém? Entre os documentos que Shepelin menciona, estão os
documentos de inventário dos prisioneiros de guerra de seus campos, en-
tre eles mencionado está o campo Starobelsk. Como já vimos, uma ordem
foi enviada de Beria ao comandante da Starobelsk em setembro de 1940,
destruir os documentos de inventário dos prisioneiros de guerra, uma vez
que seriam abertos processos criminais para eles. Como esses documentos
de avaliação reapareceram em 1959 para Shepelin destruir? Para os prisi-
oneiros de guerra condenados à prisão pela Comissão Especial do NKVD,
foram abertos processos criminais e não existiam mais documentos do
seu estatuto de prisioneiro de guerra. Além disso, neste documento, o
protocolo para executar os poloneses é dito ter vindo do Politburo do
PCUS. Shepelin simplesmente se refere “ao protocolo do Politburo do
PCUS para executar ...” O problema com isso é que o PCUS não existia
até 1952. Em 1940, não existia tal órgão governamental! Em 1940, era
denominado Politburo do AUCP (B) (Partido Comunista da União - Bol-
chevique). Além disso, Shepelin não pode simplesmente referir-se a tal
documento “Top Secret” sem citá-lo ou sem incluir uma cópia dele para
Khrushchev. Do contrário, como Khrushchev saberia do que Shepelin
estava falando. No entanto, todos esses erros simples são cometidos pelo
falsificador.
Todos os três documentos são falsificações. Existem apenas alguns do-
cumentos autênticos recuperados sobre Katyn (a resolução da Comissão
Especial, as ordens para Starobelsk ext.) Quaisquer documentos adici-
onais sobre Katyn, como os processos criminais dos prisioneiros, foram
localizados nos Arquivos Smolensk. Infelizmente, os arquivos de Smo-
lensk foram capturados pelos alemães durante a segunda guerra mundial
e mais tarde pelos americanos. Se esses documentos ainda existem, eles
estão nas mãos dos americanos e, portanto, nunca serão revelados. No
entanto, é importante mostrar que os revisionistas não têm documentos
implicando a URSS, mas recorrem a falsificações e mentiras.
Que conclusão pode ser tirada das evidências, contra-evidências, do-
cumentos, falsificações e pilhas de propaganda sobre Katyn? Por 60 anos,
as forças anticomunistas do mundo nos disseram que Katyn era uma res-
ponsabilidade soviética. Os nazistas proclamaram isso como um crime
dos comunistas judeus. Eles usaram isso como um dos muitos pretex-
tos para colocar em campos de concentração e massacrar dezenas de mi-
lhões de cidadãos soviéticos e judeus. Os imperialistas ocidentais usaram
o pretexto nazista nos anos 1950, para colocar em julgamento os comu-
nistas. Eles o usaram para lançar uma cruzada contra o comunismo, para

170
KLAUS SCARMELOTO

proteger seus impérios e colônias, massacrando mais milhões. Os anti-


comunistas e canalhas que governaram a URSS nos anos 80 e 90 usaram
Katyn como pretexto para destruir a URSS e lançar o povo soviético na
exploração brutal dos gângsteres capitalistas e mafiosos. Outros milhões
morreram. Hoje, os “historiadores” revisionistas modernos gostariam de
exonerar os nazistas de qualquer responsabilidade. Hoje eles usam Katyn
como mais um pretexto para mostrar como os soviéticos “fabricaram” o
Holocausto e como eles “fabricaram” Auschwitz e todos os outros crimes
inimagináveis dos nazistas. Katyn sempre foi usada como uma arma dos
fascistas e imperialistas para justificar suas campanhas assassinas. A ver-
dade sobre Katyn, entretanto, está longe do que esses simpatizantes e
canalhas nazistas gostariam que acreditássemos. Katyn foi obra dos nazis-
tas. Foram eles que mataram os oficiais poloneses depois de capturá-los
dos campos soviéticos. A conclusão que se deve tirar simplesmente das
pilhas de mentiras, propaganda e falsificações dos imperialistas e simpa-
tizantes do nazismo é que Katyn é sua responsabilidade. De outra forma,
não haveria razão para os nazistas conduzirem sua investigação “interna-
cional” como fizeram e para os revisionistas gorbachevistas criarem do-
cumentos falsos. Mas, além de suas mentiras e falsificações, deve-se olhar
para a verdade sobre Katyn. A verdade é que os oficiais polacos foram
condenados a penas de prisão pelos seus vários crimes de guerra. Para fa-
lar a verdade, ninguém deveria sentir pena desses oficiais poloneses. Eles
eram traidores e covardes diante de seu país e de seu povo. No entanto,
eles não mereciam uma bala alemã na nuca. Apenas uma bala polonesa
teria bastado para seus crimes contra o povo polonês. A verdade é que
os oficiais polacos foram condenados a penas de prisão pelos seus vários
crimes de guerra. Para falar a verdade, ninguém deveria sentir pena des-
ses oficiais poloneses. Eles eram traidores e covardes diante de seu país
e de seu povo. No entanto, eles não mereciam uma bala alemã na nuca.
Apenas uma bala polonesa teria bastado para seus crimes contra o povo
polonês. A verdade é que os oficiais polacos foram condenados a penas
de prisão pelos seus vários crimes de guerra. Para falar a verdade, nin-
guém deveria sentir pena desses oficiais poloneses. Eles eram traidores e
covardes diante de seu país e de seu povo. No entanto, eles não mereciam
uma bala alemã na nuca. Apenas uma bala polonesa teria bastado para
seus crimes contra o povo polonês.
Em 31 de março de 2009, Sergey Strygin (principal especialista em
Katyn da Rússia) recorreu a um especialista forense licenciado, Eduard
Petrovich Molokov com um pedido para analisar a “carta de Beria nr. 794
/ B ”de“ __ de março de 1940 ”para determinar se foi escrito em uma ou

171
A ATUALIDADE DE STALIN

várias máquinas de escrever.


Molokov tem um diploma de especialista (emitido em 1973 pelo MVD,
ou seja, o Ministério do Interior da URSS) e está autorizado a conduzir
tais investigações. Ele usou um microscópio “MBS-10”, que permite uma
ampliação de até 32 vezes, ao analisar o documento. Durante a análise
da “carta de Beria” (que consiste em quatro páginas), ele ampliou o texto
3 vezes e comparou cuidadosamente as imagens.
Molokov descobriu que as páginas 1, 2 e 3 são escritas em uma má-
quina de escrever diferente da página 4. Ele, entre outras coisas, exami-
nou a distância das letras umas das outras, sua altura e a clareza da tinta
de impressão. Sua conclusão é que as páginas 1, 2 e 3 são consistente-
mente iguais. Mas a página 4 (aquela com a assinatura de Beria) difere
das três primeiras páginas.
Deve-se acrescentar que a máquina de escrever que foi usada para im-
primir a página 4 tem uma fonte que se sabe ter estado em uma das má-
quinas de escrever no escritório de Beria, enquanto a fonte da máquina
de escrever que escreveu as páginas 1-3 é desconhecida (não encontrado
em algum dos documentos enviados por Beria).
Existe um outro detalhe importante. Molokov só teve acesso a cópias
digitais coloridas de alta definição que Strygin teve permissão de fazer
nos arquivos russos alguns anos atrás. Isso significa que Molokov não
teve acesso à carta física, o que, por sua vez, significa que coisas como a
idade do papel não foram possíveis de examinar277 .
Novos dados, evidências e resultados de pesquisas indicam o contrário.
Ou seja, novas bases dão conta de compreender que foram os alemães que
fizeram isso. Na duma Russa atual, um debate se coloca em cena. Pre-
venindo contra uma nova empreitada anticomunista em volta de Katyn,
o deputado do Partido Comunista da Federação Russa, Víktor Iliúkhine,
no decorrer de uma intervenção na Duma realizada na sessão de dia 12 de
Fevereiro, e que aqui se faz publicidade, exigiu o apuramento da verdade
e o fim das falsificações da história da União Soviética.
Testemunhas e balas alemãs
Há vários anos que existe no nosso país uma comissão de historiado-
res, deputados da Duma, cujo trabalho permitiu confirmar que os pola-
cos foram fuzilados com armas alemãs depois de, no Verão-Outono de
1941, os fascistas terem ocupado Smolensk e os seus arredores, onde se

277 Mais informações sobre a análise de Molokov da “carta de Beria” podem ser encon-
tradas aqui neste link: “http://katynmassakern.blogspot.com/2010/07/katyn-berias-letter-
was-written-on-two.html”.
172
KLAUS SCARMELOTO

situavam os campos em que estavam acantoados os oficiais polacos. Fo-


ram identificadas testemunhas do massacre, incluindo soldados alemães.
Um conjunto de oficiais polacos, dados como fuzilados, na realidade per-
maneceu vivo. Estabeleceram-se provas que podem demonstrar a falsifi-
cação de documentos do CC do PCUS, que transitaram para o arquivo
do presidente Iéltsine. Todavia, ao tentar desenvolver o seu trabalho, a
comissão tem encontrado uma resistência assinalável por parte de uma
série de ministérios e departamentos.
Sob o pretexto de que tudo está já esclarecido recusam-lhe a consulta
de documentos de arquivo, apesar de a parte polaca ter tido amplo acesso
a eles.
A comissão está a ser impedida de aceder aos processos criminais que
estão nos arquivos.
Neste sentido, o nosso grupo insiste na criação de uma comissão par-
lamentar para o apuramento de todas as circunstâncias da morte dos ofi-
ciais polacos, e solicita a reabertura da investigação criminal destes factos
pela procuradoria geral.
Em simultâneo insistimos na realização de uma investigação parla-
mentar sobre a morte de 80 a 120 mil oficiais do Exército Vermelho feitos
prisioneiros pelos polacos em 1920.
Nós elaborámos um filme histórico-documental sobre o fuzilamento
dos polacos, que dentro em breve poderá ser visto no site do PCFR. Nós
queremos que o poder russo cesse de combater o nosso passado soviético,
só então o país poderá ter um belo futuro.278

A verdade sobre a revolução de outubro vencerá


A esta altura, uma questão se coloca, como é possível tanta desinfor-
mação?
Sendo a máxima verdade da revolução de outubro: a catapulta inicial
de maior importância do século XX para os conceitos de civilização e de
emancipação, e Stalin foi um de seus expoentes mais longínquos e dura-
douros, como essa situação toda de desconhecimento coletivo sobre isso
se configurou? E pior, como é possível Stalin ser considerado o oposto
do que realmente foi? Vejamos: a experiência soviética, foi pioneira no

278 ILIÚKHINE, V. Repor a verdade sobre o massacre de Kátine. Disponível em:


<http://www.hist-socialismo.com/docs/Katine_Avante.pdf>. Acesso em 20 de março de
2020.

173
A ATUALIDADE DE STALIN

século XX em gerar direitos aos trabalhadores, mulheres e raças e a, pra-


ticamente, dar voz a todos os oprimidos, cujas bases inspiraram a descolo-
nização mundial sobre um punhado de monopolistas, sendo Stalin o que
mais ampliou o processo, no entanto, ele não é exatamente reconhecido
por isso, principalmente, no ocidente.
Isso acontece porque, embora a verdade seja radiante como o sol (Le-
nin), e sempre há de se confirmar (Shakespeare), pode ela — em qualquer
instância de sua existência, pela ação social humana — ser vítima de uma
intensa crise, sendo velada e coberta por um forte feitiço que, imedia-
tamente, faz-se com um padrão impessoal, objetivo, lógico-formalmente
rigoroso e “imune de qualquer ideologia”, mesmo que nada venha a pro-
var. Trata-se de uma espécie de fetichismo.
O fetichismo desse processo no qual a informação se torna objeto —
tende a monopolização — ao se tornar mercadoria, é o completo inverso
do fetichismo da mercadoria. No fetichismo da mercadoria a econo-
mia mercantil, baseada na propriedade privada sobre os meios de pro-
dução, as relações de produção entre os homens revestem, inevitavel-
mente, a forma de relações entre coisas-mercadorias. Ou seja, leva-nos a
ver as relações originalmente humanas e sociais sintetizadas nos objetos,
apagando-se os homens, os proprietários de mercadorias, ascendendo-se
os objetos por eles produzidos: as mercadorias. Com efeito, esse feti-
chismo nos faz ver e concluir que as informações, propagandas, publici-
dades e notícias são “livres”, “imparciais” e “isentas de partido político e
ideológico”.
Qualquer fato histórico (a expressão da verdade) pode surgir como
quimera e mera exterioridade nesse processo, sendo distorcido e trans-
gredido. Para tanto, a todo momento, pela ação humana giram-no de
um lado a outro, de cima a baixo, de dentro para fora, reduzem-no a
uma aparência, fragmentam-no a este fenômeno ilusório e, novamente,
repetem o procedimento até que a situação esteja não apenas dissociada
do que é, mas irreconhecível. Através do efeito, da sutileza e do con-
trole do discurso, do fetichismo, vendido pela imprensa imperialista na
forma e aparência de informação, desvirtua-se uma realidade. Tão logo,
querendo fazer crer que tal deformação se trata de um legítimo acon-
tecimento, e sabendo que a repetição da mentira causa a aparência da
verdade (Goebbels), colocam-na em transmissão constante, em todos os
meios de comunicação ou nos aparelhos hegemônicos privados e ideoló-
gicos de Estado(Gramsci e Althusser).
Povos do mundo todo, com as emoções controladas, compartilham,

174
KLAUS SCARMELOTO

das mais diversas formas, a informação torcida e retorcida, sem a menor


condição de fazer — na maioria dos casos — uma genealogia e arqueologia
histórica para, com isto, constatar a veracidade de que se trata de uma
falsificação.
A desmistificação de todo o feitiço jogado pela manipulação, a depen-
der do contexto, pode levar anos ou décadas para ser desfeito. A título de
exemplo, levaram décadas de desinformação para que Robert Conquest
e a Gestapo fossem desmentidos. Somente agora Khruschov está sendo
desmentido cabalmente, e o que Conquest, Goebbels e Khruschov tem
em comum? Ambos jamais basearam suas falas em provas. Mesmo que
a própria informação em si não contenha nenhum conteúdo probatório,
isso não retira o efeito na psicologia popular, no imaginário coletivo e na
memória coletiva restando, na maior parte dos casos, as gerações futuras
a missão de reverter o dano causado. E com Stalin, a verdade ainda se
encontra sobre descoberta histórica.
Sendo Goebbels o grande mestre da desinformação, seu legado e aper-
feiçoamento foi muito bem realizado pelos mais diversos agentes da CIA.
Em qualquer luta burguesa importante, as informações são constituídas
por uma sábia mistura de falsidades, de meias verdades e fatos.
Na sua autobiografia, Joseph Smith, um dos melhores peritos da CIA
em propaganda obscura, quer dizer, na ciência da mentira, explica que
utilizou durante anos o senhor Li, o melhor jornalista de Singapura, para
espalhar no mundo inteiro as falsas notícias que prepararam o ambiente
para a intervenção americana no Vietnã. Mas, segundo Smith, mentir de
maneira convincente é ainda a menor das proezas: “Dizer que os comu-
nistas são maus é apenas tagarelice. Apresentar atos maus, mascarados
de comunistas, eis o que pode ter credibilidade efetiva”279 .
Contar meia verdade para convencer pela mentira é uma tradição mi-
lenar da sociedade de classes.
Uma arte descrita em um livro antigo, atribuída normalmente as atitu-
des das classes dominantes, escrito já no decorrer da sociedade de classes
como, por exemplo, a sedução praticada pela serpente bíblica que, com
êxito, cindiu as divindades, de um lado, e a humanidade de outro. Ao
contar a meia verdade da autoconsciência que residia, no mito judaico
cristão, na digestão do fruto proibido, efeito verdadeiro, a serpente não
explica a consequência negativa como a mortalidade, o trabalho, a dor
e tudo que viria a “acontecer posteriormente”, como a miséria, desigual-

279 Smith Joseph, Portrait of a cold warrior, Ballantine books, Nova Iorque, 1976, pp. 164 e
80.
175
A ATUALIDADE DE STALIN

dade e fome. Nesse caso, a serpente conta uma verdade a autoconsciência


para convencer pela mentira: a rebelião contra deus é positiva. Esse mito
milenar, só tomou lugar na linguagem escrita em 500 A.C, e sugere que
quem conta meia verdade conta meia mentira.
Isso demonstra que, infelizmente, essa maléfica prática é narrada em
discurso secular e atribuída a classe dominante há tempos no mundo da
sociedade de classes e se acentua no capitalismo monopolista, levando
o socialismo a passar por duras provas. Assim, sofreu e sofre o socia-
lismo com as constantes propagandas burguesas, sendo atacado, insisten-
temente, por notícias que se dizem neutras, imparciais e completamente
desvinculadas de partidos e ideologias.
Desde o início da revolução de outubro, até o atual momento histórico,
os opressores procuram produzir não só meios de controlar a ideologia
dos que sofrem os efeitos de um fetichismo nas informações, mas, tam-
bém, controlar, através dessas notícias, as emoções de seus alvos e, com
isso, implantam o nazismo sem Hitler.
Em maior ou menor medida, desde o sucesso da Revolução Bolchevi-
que, em 1917, uma cruzada sistemática contra o comunismo é executada
em todas as potencias imperialistas, e, principalmente, nos países delas
dependentes e Stalin se tornou seu maior alvo porque simbolizou aquele
que mais gerou derrotas ao imperialismo. Ocorreu um recesso no de-
correr da segunda guerra mundial, porque o dito “mundo ocidental e
cristão” não se envergonhou em deixar totalmente sem auxilio o arqui-
inimigo soviético e ser, completamente, salvo por ele em todos os mo-
mentos decisivos, o que foi fundamental para classificar a guerra como
conflito de libertação.
Mas, Os conflitos em Stalingrado, Moscou, Leningrado e Kursk, des-
truíram a espinha dorsal da Wehrrmcht, e foram etapas fundamentais
para a vitória final, comemorada, universalmente, com protestos de fra-
ternidade e respeito mútuo, mas sangrada, sobretudo, e quase que, ex-
clusivamente, pelo povo soviético, malgrado as diferenças ideológicas no
mundo.
No entanto, se não há mal que sempre dure, não há bem que não se
acabe. E aquele clima de détente, de dialogo frutífero, logo cedeu lugar
a chamada Guerra Fria, as manobras de bastidores destinadas a impedir
que a pureza ocidental e crista fosse contaminada pela praga vermelha,
fosse qual fosse a máscara com que ela se disfarçasse.
Através da política imperialista, que é uma guerra continuada por to-
dos os meios possíveis — ressignificando Clausewitz —, usam contra a re-

176
KLAUS SCARMELOTO

volução de outubro e contra seus inspirados revolucionários pelo mundo,


a estratégia militar que deixou de ser acessória para ser a principal fa-
ceta da guerra após a invenção da bomba atômica: a guerra hibrida. A
Guerra Híbrida é uma estratégia militar que mescla táticas de guerra po-
lítica e guerra convencional quando o inimigo não tem meios de resistên-
cia. Trata-se de uma guerra irregular, de uma ciberguerra com outros
métodos de influência, tais como fake news, diplomacia, lawfare e inter-
venção eleitoral externa. Ao combinar operações de campo com esforços
subversivos, o agressor pretende evitar responsabilização ou retaliação de
si para projetá-la em outrem.
Atualmente, com o advento da rede mundial de computadores, as no-
vas mídias e redes sociais, a classe dominante não tem somente o mono-
pólio da produção de ideias, mas também, o que é muito importante, o
monopólio da produção das emoções. O algoritmo das redes sociais é
gerado para prender a atenção e, para tanto, mantém o foco na criação
de dopamina. Diferentemente das drogas, nas redes sociais (Facebook,
Instagram. . . ) sentimos prazer por fazer parte de um grupo, especial-
mente se ele tem pessoas com pensamentos parecidos com os nossos. Ao
compartilhar uma notícia, ideia ou prato de comida, esperamos que nos-
sos amigos virtuais curtam e comentem a postagem. Quando nossos posts
recebem um monte de curtidas e visualizações, nosso cérebro entende que
essa atitude é digna de recompensa e sentimos prazer. Tome dopamina!
Caso o post não tenha sucesso, ficamos frustrados. Além disso, as redes
podem gerar aquela compulsão por atualizar a página a cada cinco minu-
tos. Sentimos que precisamos acompanhar tudo o que acontece. O que
nossos amigos andam fazendo, por onde estão viajando, o que comem
e curtem. . . E, claro, lá vem a necessidade de se expor e fazer o mesmo.
Caso contrário, você fica fora da conversa. . . Fora do grupo.
A Classe dominante na posse do meio de produção da informação,
transmite imagens horríveis escolhidas em série propositalmente mani-
puladas. Através desse artifício, provocam indignação geral [na opinião
pública] e esse monopólio de produção das emoções é a base das guer-
ras híbridas280 . Notícias falsas elegem governos, derrubam-nos, e a tática
para tal artimanha consiste na produção e no controle das emoções. Po-
vos do mundo todo já não sabem o que são fatos e, por isso, a verdade se
encontra, coletivamente, em crise.

280 Ver LOSURDO, D.A produção das emoções é o novo Estágio de Controle da
Classe dominante. Disponível em <https://operamundi.uol.com.br/politica-e-
economia/31615/losurdo-producao-das-emocoes-e-novo-estagio-do-controle-da-classe-
dominante>. Acesso em 20 de maio de 2020.
177
A ATUALIDADE DE STALIN

A visão de mundo do presente controla também as emoções e a me-


mória coletiva do passado que é, constantemente, moldada a evitar que
se compreenda a história da humanidade.
Por mais que as fontes historiográficas, majoritariamente, neguem
boa parte das conclusões do anticomunismo, sua história consiste em re-
petir as fontes secundárias e terciarias, por uma série de historiadores,
jornalistas, filósofos, acadêmicos, militantes políticos que reproduzem,
constantemente, uma parcialidade da história, com meias verdades, ou
mentiras completas.
Só a luta revolucionária pode reverter por completo essa situação, e
sem Stalin, será impossível realiza-la! A obra de Stálin e o juízo correto
sobre seu tempo são necessários para barrar a desemancipação humana.

A Verdade sobre Stalin também vencerá!


Tal como Lênin, Stálin realizou a representação de uma legião de po-
vos e trabalhadores em todo o mundo, simbolizou a firmeza e a vitória
das batalhas de classe mais encarniçadas e mais impiedosas. Stálin de-
monstrou que nas situações mais complexas só uma atitude forte e inva-
riável diante do inimigo de classe resolverá os problemas fundamentais
das massas trabalhadoras.
Hoje, as massas trabalhadoras e os povos do Terceiro Mundo estão
numa das mais difíceis situações, tendo seus direitos, sua vida e sua es-
sência cortadas pelas ações pavorosas do imperialismo que implementa
o retomar do projeto colonial. Aparentemente, estamos todos sem pers-
pectiva, em uma situação que se assemelha à do início do século XX. Com
uma única diferença: se no passado o leninismo derrotou o imperialismo
e motivou todas as revoluções e as lutas de libertação nacional, poderá
fazê-lo novamente! Ao menos, diferente dos trabalhadores do início do
século XX, e dos povos coloniais desta época, nós temos mais preceden-
tes históricos de vitória do que se imagina: temos todas revoluções e lutas
de libertação nacional e temos seus guias, temos Lenin, Stalin, Mao Ze-
dong, Enver Hoxha, Ho Chi Minh, Kim Il Sung, Giap, Fidel, Che Gue
Vara, Nkrumah, Fanon, Agostinho Neto, Mulumba, Almilcar Cabral, ou
seja, temos muito mais do Lenin e Stalin, que tinham a sua deriva: Marx,
Engels, e antes, o grande Robespiere. Estamos a frente só por sermos a
esperança!
Lembremos camaradas!
Fora de Stalin o mérito de dificultar a ocorrência da guerra de tipo

178
KLAUS SCARMELOTO

mundial! Fora de Stalin o mérito de leva-la a uma hipótese irracional,


sem ganhos até para o núcleo central do imperialismo! Fora de Stalin e
de sua rede de espiões o mérito de capturar o segredo da bomba atômica
e de dificultar seu uso, visto que a retaliação leva ao fim de todos! Foi
de Stalin, portanto, o mérito de dificultar a guerra mundial, antes, uma
constante da burguesia para decidir quem será o dono das colônias e do
próprio mundo! Antes, uma característica chave do conceito de imperi-
alismo, mas hoje, o imperialismo segue condenado a pequenas guerras
localizadas e a guerras psicológicas ou hibridas. Stalin Algemou as mãos
do imperialismo e é por isso que ele sempre será o homem que a burgue-
sia odeia com razão, parafraseando o saudoso Graciliano Ramos!
Mesmo diante de situações extremas, o exemplo de Stálin mostra como
mobilizar as massas para um combate impiedoso e vitorioso contra inimi-
gos dispostos a tudo e é por isso de suma importância.
Devemos clamar para reorientar todos os partidos revolucionários do
Terceiro Mundo, envolvidos em combates encarniçados contra o impe-
rialismo, mas que desviaram-se progressivamente para o derrotismo e a
capitulação!
Devemos clamar pelo fim de todas as pretensas e insensatas “críticas”
a Stálin, que não são mais do que a recuperação simples de velhos ataques
anticomunistas da social-democracia. Devemos pela ciência clamar pelo
fim deste caminho nefasto, e mostrar que o seguir até ao fim significa, a
tempo, a morte da organização revolucionária. O roteiro de todos que se-
guiram esta rota no passado não deixa dúvida a este respeito. Haja vista
o já citado caso do PCUS, dos partidos de Leste e dos brasileiros euro-
comunistas que hoje são quadros abertos da direita no Brasil. Devemos
clamar ao fim desse quadro, custe o que custar!
Nesse contexto devemos mostrar a verdade cuja obra de Stálin adquire
também um novo significado na situação criada depois da restauração
capitalista, diante dos cortes no terceiro mundo e o desmantelamento do
bem-estar social.
Hoje, as ligações entre os grandes centros capitalistas os Estados Uni-
dos, na Europa e o Japão tornaram-se muito instáveis! Os EUA seguem os
aprisionando, os espionando e mostrando como o desrespeito aos aliados
lhe é uma necessidade diante da própria desconfiança de traição. Esta-
mos num período em que o chauvinismo se desgasta e mostra que suas
vitórias são paliativas, em uma situação que as alianças se fazem e des-
fazem e as batalhas no domínio econômico e comercial são conduzidas
com um vigor crescente. A formação de novos grupos imperialistas dis-

179
A ATUALIDADE DE STALIN

postos a enfrentarem-se pelas armas entra no domínio das possibilidades,


mesmo não sendo a hipótese mais racional. Perante tal eventualidade, a
obra de Stálin merece um novo estudo e mostra que o mundo deve ser res-
significado ainda que numa mesma direção: a retomada da emancipação
humana.
Nos partidos comunistas através do mundo, a luta ideológica em torno
da questão de Stálin apresenta numerosas características comuns. Mas,
deve, urgentemente, assumir ares de reivindicação, e não mais de vergo-
nha, não mais de autofobia, não mais de vexação!
Em todos os países no mundo capitalista, o impacto econômico, po-
lítico e ideológico criada pela burguesia sobre os comunistas é extrema-
mente voraz e visa desorientar a todos sobre sua própria história, visa ali-
enar nossa luta de nossas reivindicações mais necessárias. Há uma fonte
constante de degeneração, de traição, de lento resvalar para, de recuo
em recuo, adentrar outro campo. Mas, qualquer a traição precisa de uma
justificação ideológica aos olhos daqueles que a cometem. Em geral, um
revolucionário que desce pelo escorregador do oportunismo “descobre a
verdade sobre o stalinismo”, evita até o último grau de cientificidade, ao
qual adotamos anteriormente, neste texto, e opta pela versão burguesa
da história do movimento “revolucionário” sob Stálin, ressalta até mesmo
notícias oriundas do fascismo. De fato, os traidores e renegados não fa-
zem descobertas, moldam-se simplesmente pela burguesia: reivindicam
seus historiadores, financiam-se pelas suas instituições, fundações, filan-
tropos e todo seu programa. Por que é que tantos renegados que “en-
contraram a verdade sobre Stálin”, e nenhum deles “descobriu a verdade
sobre Churchill”? Esta seria uma descoberta muito mais importante para
“aperfeiçoar” ao combate ao imperialismo!
Lembremos o número exato de mortos causados pelos britânicos e
franceses só na primeira guerra no que se refere a deportações: A partir
do início do século XVI, os comerciantes europeus capturaram e depois
venderam entre 100 e 200 milhões de negros. Dezenas de milhões de ho-
mens perderam a vida na Ásia e na África quando as conquistas coloniais
do século passado que destruíram as sociedades locais, deram origem a
fomes, espalharam doenças desconhecidas, impuseram o ópio e o álcool.
A revolução industrial na Europa nos séculos XVIII e XIX foi acompa-
nhada da expulsão violenta de milhões de camponeses das suas terras
e pelo trabalho forçado das crianças e das mulheres, 12 a 15 horas por
dia. Os Estados burgueses europeus lançaram-se numa Primeira Guerra
Mundial visando uma nova partilha das colónias: milhões de trabalhado-

180
KLAUS SCARMELOTO

res pagaram com a vida essa rivalidade entre colonialistas. Face a estas
realidades, o socialismo não podia nascer e manter-se senão através da
ditadura do proletariado, unindo todas as camadas populares contra a
burguesia.
A Primeira Guerra Mundial, por exemplo, foi um completo massa-
cre em que povos totalmente enlevados ao confronto foram compulsori-
amente levados ao campo de batalha. Como demonstrou o famoso histo-
riador britânico A. J. P. Taylor, “cerca de 50 milhões de africanos e 150
milhões de indianos foram envolvidos, sem consulta, em uma guerra a
respeito da qual não compreendiam nada”. Recolhidos, sem qualquer
voluntarismo, foram levados pelo Estado britânico e deportados a milha-
res de quilômetros de distância, dirigidos a uma “tenebrosa produção de
mortos” que agora fabricava a toda velocidade na Europa. Arrastados
como seres de uma “raça inferior”, que uma “raça superior” conseguia,
tranquilamente, sacrificar como bucha de canhão.281
Tendo no crédito de séculos de crimes o liberalismo, a exemplo do ser-
viço do império britânico contabiliza: a guerra na África do Sul, terror
nas Índias, I Guerra Mundial inter-imperialista, seguida da intervenção
militar contra a República Soviética, guerra contra o Iraque, terror no
Quénia, desencadeamento da guerra fria, agressão contra a Grécia anti-
fascista, guerra na argentina e etc., Churchill é, sem dúvida, a personifi-
cação de todos as mortes do liberalismo, o único político burguês deste
século a ser igualado Hitler.
Os escritos dos comunistas e dos intelectuais progressistas de esquerda
defendendo a experiência soviética devem deixar de constituir uma fraca
contraposição de defesa da verdade sobre a experiência soviética, ao con-
trário, devem formar uma contracorrente unívoca e massiva. Sabemos
que a partir de 1956, Khruchov e o Partido Comunista da União Sovié-
tica perfilharam, pedaço a pedaço, toda a historiografia burguesa sobre
o período de Stálin. Mas, hoje, a verdade é clara como o sol, já se sabe
hoje, a partir da liberação dos arquivos, que Khruschov conhecia os ar-
quivos e sabia que mentia, e não atoa os fechou. Segundo o historiador
Igor Pikhalov:
“O mais famoso dos documentos publicados contendo informações
resumidas sobre repressões é o seguinte memorando dirigido a N.S. Kh-
rushchev 2 :
Em 1º de fevereiro de 1954O Secretário do Comitê Central do PCUS,

281 LOSURDO, D. Guerra e revolução: o mundo um século após Outubro de 1917: São Paulo,
2018.Pag.176-7, 309 e 168.
181
A ATUALIDADE DE STALIN

Camarada NS Khrushchev
Em conexão com os sinais recebidos pelo Comitê Central do PCUS
de várias pessoas sobre condenações ilegais por crimes contrarrevoluci-
onários nos últimos anos pelo OGPU Collegium, NKVD troikas, uma
Reunião Especial, o Colégio Militar, cortes e tribunais militares e de
acordo com suas instruções sobre a necessidade de revisar os casos de
pessoas condenadas para crimes contrarrevolucionários e aqueles atual-
mente detidos em campos e prisões, relatamos: durante o período de
1921 até o presente, 3.777.380 pessoas foram condenadas por crimes
contra-revolucionários, incluindo 642.980 pessoas para o VMN, para de-
tenção em campos e prisões por um período de 25 anos e abaixo - 2.369.220,
no exílio e deportação - 765.180 pessoas.
Em conexão com os sinais recebidos pelo Comitê Central do PCUS de
várias pessoas sobre condenações ilegais por crimes contra-revolucionários
nos últimos anos pelo OGPU Collegium, NKVD troikas, uma Reunião Es-
pecial, o Colégio Militar, cortes e tribunais militares e de acordo com suas
instruções sobre a necessidade de revisar os casos de pessoas condena-
das para crimes contra-revolucionários e aqueles atualmente detidos em
campos e prisões, relatamos: durante o período de 1921 até o presente,
3.777.380 pessoas foram condenadas por crimes contra-revolucionários,
incluindo 642.980 pessoas para o VMN, para detenção em campos e pri-
sões por um período de 25 anos e abaixo - 2.369.220, no exílio e depor-
tação - 765.180 pessoas.
Do total de condenados, aproximadamente 2.900.000 foram conde-
nados pelo Colégio OGPU, as troikas NKVD e o Conselho Especial, e
877.000 pessoas - pelos tribunais, tribunais militares, Colégio Especial e
Colégio Militar.
... Deve-se notar que a Reunião Extraordinária do NKVD da URSS,
criada com base no Decreto do Comitê Executivo Central e do Conselho
dos Comissários do Povo da URSS de 5 de novembro de 1934, que durou
até 1º de setembro de 1953, condenou 442.531 pessoas, incluindo 10.101
pessoas ao VMN, à privação liberdade - 360.921 pessoas, ao exílio e de-
portação (dentro do país) - 57.539 pessoas e a outras penas (compensação
do tempo em custódia, expulsão para o exterior, tratamento compulsó-
rio) - 3.970 pessoas ...
Procurador-Geral R. Rudenko
Ministro da Administração Interna S. Kruglov
Ministro da Justiça K. Gorshenin
Assim, como se depreende do documento acima, somente de 1921 ao

182
KLAUS SCARMELOTO

início de 1954, sob acusações políticas, foi condenado à morte 642.980


pessoas à prisão - 2.369.220 , ao vínculo - 765.180 . Deve-se também ter
em mente que nem todas as sentenças foram cumpridas. Por exemplo,
em 15 de julho de 1939 a 20 de abril de 1940, pela interrupção da vida e
produção do campo, foi condenado à morte 201 prisioneiros, mas alguns
deles a pena de morte foi comutada para prisão por períodos que variam
de 10 a 15 anos. Em 1934, os campos continham 3.849 presos condenados
à pena de morte com reposição de reclusão, em 1935 - 5671, em 1936 -
7303, em 1937 - 6239, em 1938 - 5926, em 1939 - 3425, em 1940 - 4037282 .
Sabe-se que, infelizmente, todos os revolucionários do mundo oci-
dental estão sujeitos a uma pressão ideológica, a guerra hibrida, ao fe-
tichismo, que são incessantes enquanto o imperialismo existir, em rela-
ção as épocas históricas cruciais do ascenso do movimento comunista, ao
controle das emoções, sobretudo, ao período de Stálin. Lênin guiou a
Revolução de Outubro e escreveu as orientações teóricas para a constru-
ção do socialismo, mas foi Stálin que as sistematizou e realizou a vita-
lidade socialista e sua edificação durante um período de praticamente
30 anos, tanto nacionalmente quanto internacionalmente. Assim, todo o
ódio da burguesia se canalizou sobre o trabalho colossal realizado sob a
ótica de Stálin. Um comunista, e vosso partido, devem adotar uma po-
sição de classe forte diante à informação maliciosa, unilateral, obscura
ou mentirosa divulgada pelos aparelhos burgueses ou perecerá inevita-
velmente! Não há interesse nem precedentes de difamação tão grandes
por parte da burguesia quanto aquela realizada contra Stalin. Aos comu-
nistas é necessário portar uma atitude de desconfiança geral em relação
às “informações” fornecidas pela burguesia e seus canais (e pelos khru-
chovistas-revisionista) sobre a era Stálin. Devem pôr tudo em questão
para descobrirem as raras fontes alternativas de informação que defen-
dem a obra revolucionária de Stálin. Devem também priorizar o estudo
dos arquivos recentemente abertos e dispensar fontes que conciliem ou
com Khruschov ou com a burguesia, isto significa em relação a Stalin,
abandonar as fontes produzidas pelos chineses, cubanos e vietnamitas até
os anos 1990 visto que em regra consubstanciaram boa parte do revisio-
nismo Khruschovista. E devemos ter ciência de que sim, estes erros não
comprometem o apoio que devemos fazer a tais experiências. E também
compreender que os erros de avaliação das experiências socialistas sobre
Stalin, guardam influências de Khruschov.

282 PIKHALOV, IGOR. Qual a Escala das repressões de Stalin?. Disponível: https://stali-
nism.ru/repressii/kakovyi-masshtabyi-stalinskih-repressiy.html. Acesso em 20 de maio de
2020.
183
A ATUALIDADE DE STALIN

Contudo, os oportunistas nos diferentes partidos não ousam opor-


se frontalmente à ofensiva ideológica anti-Stálin, cujo objetivo anticomu-
nista é, no entanto, evidente. Os oportunistas cedem à pressão, dizem
“sim” à crítica a Stálin, mas alegam criticar Stálin “pela esquerda”.
Hoje é necessário realizar o levantamento de mais de 60 anos de “crí-
ticas de esquerda” contra o legado do partido bolchevique sob Stálin. A
disposição de materiais de diversase obras escritas por, pós-modernos, li-
berais, sociais-democratas, trotskistas, por bukharinistas e intelectuais de
esquerda “independentes”. Os seus pontos de vista foram acentuados e
desenvolvidos pelos khruchovistas e pelos seguidores de Tito que capitu-
laram diante do imperialismo. Hoje, é possível compreender melhor o
verdadeiro sentido de classe dessa literatura. Terão tais devaneios gerado
práticas revolucionárias mais firmes do que aquela presente na obra de
Stálin? Afinal, as teorias, e as avaliações medem-se pela prática social que
engendram. A prática revolucionária do movimento comunista mundial
a época da liderança de Stálin expandiu o socialismo para mais de um
terço do mundo e agitou o planeta inteiro, aplicou uma nova orientação
à história da humanidade. No decorrer dos anos 1985-1990 verificou-
se que as pretensas “críticas de esquerda” contra Stálin, desaguaram no
curso do rio do anticomunismo. Sociais-democratas, trotskistas, anarquis-
tas, bukharinistas, titistas, khruchovistas, ecologistas, uniram-se no movi-
mento “pela liberdade, pela democracia, pelos direitos do homem”, que
liquidou o que restava de socialismo na URSS conforme quis o impe-
rialismo estadunidense. Todas essas “críticas de esquerda” contra Stálin
contribuíram para a restauração do capitalismo selvagem, para a ditadura
burguesa impiedosa, a destruição das conquistas sociais, políticas e cultu-
rais das massas trabalhadoras e, em numerosos casos, para a emergência
do fascismo e de guerras civis reacionárias.
As campanhas anti-stalinistas fizeram-se sentir de modo particular so-
bre os comunistas que resistiram ao revisionismo em 1956 e tomaram a
defesa de Stálin.
Em 1963, o Partido Comunista da China teve a coragem de defender
a obra de Stálin. No entanto, em 1956 no texto “De novo a propósito da
experiência da ditadura do proletariado” forneceu uma ajuda considerá-
vel aos revisionistas do mundo inteiro sobretudo ao famigerado revisio-
nismo do maoismo europeu. É perfeitamente normal expressar criticas,
no entanto, agora com um maior distanciamento, vemos que muitas des-
sas críticas foram formuladas de maneira insipiente. E isso influenciou
negativamente muitos comunistas que deram credibilidade a todo o tipo

184
KLAUS SCARMELOTO

de críticas oportunistas.
Assim, por exemplo, os camaradas chineses afirmaram que Stálin, por
vezes, não distinguiu claramente dois tipos de contradições: as existentes
no seio do próprio povo, que podem ser superadas pela educação e pela
luta, e as que opõem o povo ao inimigo, que necessitam de formas de luta
adequadas.
Desta crítica global, alguns entenderam que Stálin não tinha tratado
bem as contradições com Bukhárin e acabaram por abraçar a linha polí-
tica social-democrata de Bukhárin.
Os camaradas chineses erroneamente afirmaram que Stálin se intro-
meteu muitas vezes nos assuntos de outros partidos e que lhes negava a
sua independência, o que é completo absurdo, haja vista que ele expres-
sou inúmeras vezes o direito das republicas soviéticas requererem sua in-
dependência, e nunca fez frente a soberania da Finlândia em 1917, da
Hungria em 1919, nem da Dinamarca e de uma série de ex-republicas
cujos czaristas exerceram domínio. Desta crítica geral, alguns concluí-
ram que Stálin tinha condenado equivocadamente a política de Tito e
terminaram por aceitar o titismo como a forma específica jugoslava sem
entender que o rompimento com os soviéticos se devia aos alinhamentos
com os EUA, que inclusive, atrapalharam em muito a revolução na Grécia
e na Itália.
As oscilações e os erros ideológicos sobre à questão de Stálin que
acabamos de referir seguiram-se em quase todos os partidos marxista-
leninistas.
Podemos tirar uma conclusão de ordem geral. Para ajuizarmos so-
bre todos os episódios do período 1923-1953 é necessário esforçarmo-nos
para conhecer integralmente a linha e a política defendidas pelo partido
bolchevique e por Stálin. Não se pode subscrever nenhuma crítica à obra
de Stálin sem verificar os dados fundamentais da questão e sem se conhe-
cer a versão apresentada pela direção bolchevique, os arquivos abertos
em 1991 e os historiadores que se debruçam sobre isso. Jamais devemos
estudar um país somente em vista do grande debate entre os países, é
necessário conhecer os meandros internos.
No fundo, todos esses problemas, aconteceram se valendo de Stalin
como bode expiatório, o revisionismo o acusou, mas a realidade o revisi-
onismo também negou. Por isso finalizamos este aporte afirmando que
o estudo criterioso da obra de J. V. Stalin, e do período em que ele vi-
veu sempre por fontes novas, longe de ser tarefa meramente acadêmica,
nem tampouco fonte para pinçar citações isoladas para defender posi-

185
A ATUALIDADE DE STALIN

ções dogmáticas, é uma necessidade imperativa a todos aqueles que se


pretendem marxista-leninistas, patriotas ou progressistas. Se apropriar
da rica experiência da Revolução Russa e da produção teórica de um dos
seus dirigentes mais destacados, compreender a luta ideológica travada
entre os bolcheviques e outras correntes danosas à luta do proletariado,
a organização do partido revolucionário de novo tipo, do processo de to-
mada do poder, da construção da economia socialista, da luta contra o
nazifascismo, em suma, nas páginas das obras de Stalin se encontram um
registro histórico das questões candentes do movimento revolucionário
russo desde o seu surgimento até o início da segunda metade do XX.

186
Anexos

Sobre a ''tortura física''


Por Igor Pykhalov
Tradução de Matheus ‘Gusev’ Jorge
Original em: https://pyhalov.livejournal.com/77861.html

Expondo o ”culto à personalidade”no XX Congresso do PCUS, en-


tre outras coisas, Nikita Sergeevich Khruschov mencionou um fato tão
ultrajante:
Quando a onda de repressão massiva começou a diminuir em 1939, quando
os líderes de organizações partidárias locais começaram a culpar a NKVD por
tortura física aplicada aos presos, Stalin enviou em 10 em janeiro de 1939 um
telegrama criptografado aos secretários dos comitês regionais e nacionais, ao Co-
mitê Central dos Partidos Comunistas Nacionais, aos Comissários do Povo para
Assuntos Internos e aos chefes de departamento da NKVD. Neste telegrama, dizia:
“O Comitê Central do PCUS explica que o uso de tortura física na prática
da NKVD foi permitido desde 1937, tendo sua aprovação... Sabe-se que todas
as agências de inteligência burguesas utilizam da tortura física contra os repre-
sentantes do proletariado socialista e, além disso, aplicam-nas das maneiras mais
hediondas e repugnantes possíveis. Pergunta-se por que a inteligência socialista
deveria ser mais humana em relação aos ávidos agentes da burguesia, inimigos ju-
rados da classe trabalhadora e agricultores coletivos. O Comitê Central do PCUS
acredita que o método de tortura física deve ser necessariamente aplicado, apenas
em relação aos ávidos inimigos do povo, os quais recusam-se a ceder, como um
método perfeitamente correto e aconselhável.”
Assim, as violações mais grosseiras da legalidade socialista, tortura e flagela-
ção, que, como fora mostrado acima, levaram à repreensão de pessoas inocentes,
as quais foram sancionadas por Stalin em nome do Comitê Central do PCUS.

(Sobre o culto à personalidade e suas consequências. Relatório do pri-


meiro secretário do Comitê Central do PCUS, camarada Nikita Khrush-
chov. XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética / / Notí-
cias do Comitê Central do PCUS. 1989. �3. P. 145).
A ATUALIDADE DE STALIN

Ao contrário dos delegados do XX Congresso, hoje sabemos que é


impossível acreditar nas palavras de Khrushchov: muitas de suas ”reve-
lações”acabaram sendo mentiras e calúnias. No entanto, neste caso, à
primeira vista, o fato foi confirmado — o telegrama foi publicado com
referência aos arquivos do Presidente da Federação Russa:

10.01.1939

N◦ 26

Código do Comitê Central do PCUS(b)

A todos os Secretários dos comitês regionais, Comitê Central dos Parti-


dos Comunistas Nacionais, Comissários do Povo para Assuntos Internos
e chefes da NKVD

O Comitê Central do PCUS tomou consciência de que os secretários dos comi-


tês regionais, fiscalizando os empregados da NKVD, acusam-nos de usar a força
física sobre os presos como algo criminoso. O Comitê Central do PCUS explica
que o uso de tortura física na prática da NKVD foi permitido desde 1937, tendo
sua aprovação. Ao mesmo tempo, verificou-se que a força física é permitida como
uma exceção, e, além disso, somente em relação aos mais óbvios inimigos do povo
que, usando um método humano de interrogatório, descaradamente recusam-se a
entregar os conspiradores, não dão provas durante meses, tentam diminuir a ex-
posição dos conspiradores restantes, e, por conseguinte, continuam a luta contra
o governo Soviético também na prisão. A experiência mostrou que tal diretriz
deu seus resultados, acelerando muito a questão para expor os inimigos do povo.
No entanto, mais tarde, na prática, o método de força física foi contaminado pe-
los canalhas Zakovsky, Litvin, Uspensky e outros, transformando uma exceção à
regra, aplicando-o acidentalmente em pessoas honestas detidas. Por culpa disto,
sofreram a devida punição. Mas isso não desaprova o método em si, uma vez
que é corretamente aplicado em nossas práticas. Sabe-se que todas as agências
de inteligência burguesas utilizam da tortura física contra os representantes do
proletariado socialista e, além disso, aplicam-nas das maneiras mais hediondas e
repugnantes possíveis. Pergunta-se por que a inteligência socialista deveria ser
mais humana em relação aos ávidos agentes da burguesia, inimigos jurados da
classe trabalhadora e agricultores coletivos. O Comitê Central do PCUS acredita
que o método de tortura física deve ser necessariamente aplicado como uma ex-
ceção, utilizando-o como um método perfeitamente correto e aconselhável apenas
aos ávidos inimigos do povo, os quais recusam-se a ceder. O Comitê Central do

190
KLAUS SCARMELOTO

PCUS exige que os secretários dos comitês regionais e do Comitê Central dos Par-
tidos Comunistas Nacionais sejam guiados por esta explicação ao fiscalizarem os
empregados da NKVD.

Secretário Geral do PCUS(b), J. STALIN.


AP RF. F. 3. Op.58. D. 6. L. 145–146. Original. Texto datilografado.
(Lubyanka. Stalin e NKVD–NKGB–GUKR ”Smersh”. 1939 a março
1946 / Arquivos de Stalin. Documentos dos órgãos mais altos do par-
tido e do poder do estado. M., 2006. p. 14–15).

No entanto, antes de se arrepender, espalhando abundantemente cin-


zas na sua cabeça, faz sentido prestar atenção a uma série de esquisitices
e inconsistências do documento acima.
Primeiro, observações sobre o formulário. O ”telegrama”não é im-
presso em papel timbrado, mas em pedaços de papel comuns. Não há
assinatura: nem de Stalin, nem de ninguém. No entanto, os editores do
”documento”afirmam que as palavras ”ávidos”e ”jurados”estão inscritas
pela mão de Stalin (em torno da pág. 15), no entanto, nenhuma evidência
é dada a isso.
Também não é completamente claro em que base o funcionário de
1956 deixou notas em um documento de arquivo secreto de 1939.
Ainda mais significativas são as observações sobre o conteúdo. O
texto do telegrama menciona os nomes de três ”canalhas”que ”contami-
naram”o método de força física e sofreram uma ”punição devida”por isso
(Zakovsky, Litvin e Uspensky). E, de fato, o Comissário de Segurança do
Estado de 1ª classe, Leonid M. Zakovsky, foi preso em 30 de abril de 1938
e condenado ao fuzilamento em 29 de agosto do mesmo ano (N. V. Petrov,
K. V. Scorkin. Quem liderou o NKVD, 1934-1941: Roteiro. M., 1999. C.
199).
No entanto, o Comissário de Segurança do Estado 3ª classe, Mikhail
I. Litvin não foi submetido a repressão. Em 12 de novembro de 1938, ele
cometeu suicídio:
Depois de uma conversa telefônica à tarde com Yezhov, Litvin teve de
ir à Moscou à noite. Uma hora antes da partida do trem, ele se matou
em seu apartamento. Tentou-se esconder este fato na NKVD: Litvin foi
enterrado secretamente. (Ibidem, pág. 273).
Considerar o suicídio um ”castigo adequado”seria um exagero. Aqui,
pelo contrário, a frase ”ele escapou da justa retribuição”implora para ser
colocado na linguagem.

191
A ATUALIDADE DE STALIN

Mas isto ainda é ”flores”. Muito mais interessante é a situação com o


terceiro personagem. O Comissário do Povo para Assuntos Internos do
Comissariado Estatal de Segurança da SSR Ucraniana de 3ª classe Alek-
sandr I. Uspensky em 14 de novembro de 1938, fugiu de Kiev e desa-
pareceu, deixando uma nota em seu escritório: ”procure um cadáver no
Dnieper.”Ele foi colocado na lista de procurados do Sindicato. A ori-
entação para a sua detenção foi enviada às autoridades territoriais, de
transportes e de fronteiras da NKVD.
No final, Uspensky recebeu a ”punição devida”: em 15 de abril de
1939, ele foi detido na cidade de Miass, na região de Chelyabinsk. Em
27 de janeiro de 1940, foi condenado ao mais alto grau de punição pelo
Colégio Militar da Suprema Corte da URSS e foi fuzilado no dia seguinte
(Ibid. p. 416–417). No entanto, em 10 de janeiro de 1939, a data do
”telegrama”, o ex-oficial de segurança ainda estava fugindo.
Se o ”telegrama”fosse genuíno, não seria difícil para Stalin indicar em
seu texto os nomes daqueles altos funcionários da NKVD que foram re-
almente condenados e baleados por excessos no trabalho de investigação.
No entanto, é impossível. Se o suicídio de Litvin, com uma grande di-
ferença ainda pode ser interpretado como uma ”punição devida”, então
Uspensky ainda está à solta. E pode muito bem escapar
“por trás do cordão”, assim como o chefe da NKVD da região do Ex-
tremo Oriente, o Comissário de segurança do Estado de 3º nível, G. S.
Lyushkov, que fugiu em 13 de junho de 1938 para a Manchúria ocupada
pelos japoneses (Ibid., p. 281). Mas que desgraça!
Mas se o ”telegrama”foi inventado no ano 1956, tudo se encaixa per-
feitamente. Qual é a diferença se Litvin foi baleado ou cometeu suicídio?
Qual é a diferença quando exatamente Uspensky foi pego? Vinte anos
se passaram, quem se lembra dos detalhes? Nestes ”pequenos detalhes”,
aqueles que fabricaram os documentos falham.
Mais algumas observações. O telegrama afirma que ”o uso de força
física na prática do NKVD foi permitido desde 1937 com a permissão do
Comitê Central do PCUS”.
Infelizmente, essa ”resolução”não é encontrada em nenhum lugar.
Novamente, se a aplicação de força física às pessoas sob investigação
fosse autorizada pelo Comitê Central do PCUS, somente o Comitê Cen-
tral poderia cancelar essa permissão. No entanto, não sabemos de ne-
nhuma decisão do PCUS sobre uma ”abolição da tortura”.
Os defensores da versão sobre a autenticidade do telegrama apontam
para vários documentos publicados na mesma coleção ”Lubyanka: Stalin

192
KLAUS SCARMELOTO

e NKVD–NKGB–GUKR ’Smersh”’, onde este é mencionado. No entanto,


vamos ver esses documentos:

26 de janeiro de 1939

�58

Extremamente secreto

CC do PCUS(c) - Ao camarada Stalin.

Peço a permissão para tranquilizar os funcionários do escritório central da


procuradoria da URSS que supervisionam a investigação da NKVD, através do
conteúdo da codificação no telegrama do Comitê Central do PCUS(b), datado de
10 de janeiro deste ano, dirigido aos secretários dos comitês regionais do PCUS, o
Comitê Central dos Partidos Comunistas Nacionais, a NKVD da União e Re-
públicas Autônomas e a NKVD relativa a outras fronteiras e regiões.
Ao mesmo tempo, peço-lhe que permita que os secretários dos comitês regionais
do PCUS(b) e do Comitê Central dos Partidos Comunistas Nacionais familiarizem
os procuradores locais que supervisionam a investigação nos órgãos da NKVD com
o conteúdo deste telegrama codificado.

ANDREY VYSHINSKY

(Lubyanka. Stalin e NKVD–NKGB–GUKR ”Smersh”... pág. 19)

Nem uma palavra sobre o conteúdo do telegrama codificado em si.

Próximo documento

27 de janeiro de 1939.

Extremamente Secreto Codificado.

Cópia.

Aos secretários dos comitês regionais do PCUS(b) e do Comitê Central


dos Partidos Comunistas Nacionais.

193
A ATUALIDADE DE STALIN

Informe aos promotores locais, os quais supervisionam a investigação


dos órgãos da NKVD, com o conteúdo do telegrama codificado do CC
do PCUS(b) de 10 janeiro de �26 sobre os nossos métodos utilizados em
nossas investigações. �83.
Secretário Geral do PCUS(b), J. STALIN. (Ibidem., pág. 20).
E mais uma vez, nem uma palavra sobre o conteúdo do próprio tele-
grama codificado. Como em uma nota semelhante de Stalin datada de
14 de fevereiro de 1939, onde foi prescrito para familiarizar os presiden-
tes dos tribunais regionais, regionais e republicanos com o seu conteúdo
(ibidem., p. 24).
Desta forma, bastava apenas substituir o texto original do telegrama
codificado de 10 de janeiro de 1939 por um falso, acrescentando passa-
gens sobre a permissibilidade da violência física, e tudo estaria em ordem.
Finalmente, o próprio significado de escrever este ”documento”não
era claro. Os ”serviços de inteligência burgueses”mencionados no texto
(ou, por exemplo, a moderna polícia russa) utilizam frequentemente a
tortura física em suas práticas.
No entanto, não há nenhuma permissão oficial por escrito, ou mesmo
assinada pelas principais faces/personalidades do país, para que tais me-
didas sejam tomadas. Mas, comprometer um telegrama, mesmo que este
tenha sido enviado a todos os comitês regionais, pode-se facilmente fa-
zer. Parece que Stalin decidiu facilitar a vida dos futuros desestaliniza-
dores com antecedência, dando-lhes uma razão para falar bastante sobre
as atrocidades de seu ”sangrento regime total itário”.

Stalin e a Questão das Mulheres283


“As mulheres trabalhadoras”, disse Stalin, “as trabalhadoras indus-
triais e camponesas constituem uma das maiores autodomínio da classe
trabalhadora, representa metade da população.
Se esse autodomínio feminino está de acordo com a classe trabalha-
dora, ou contra ele determinará o destino do movimento proletário, a
vitória ou derrota da revolução proletária, a vitória ou derrota do go-
verno proletário. A primeira tarefa do proletariado e de sua vanguarda,
o Partido Comunista, é, portanto, empreender uma luta resoluta para
arrancar as mulheres, as trabalhadoras e camponesas, da influência da

283 Org.Scarmeloto, K. Em defesa de Stalin. Ciências Revolucionarias. São Paulo, 2020. PAG.
276-278.
194
KLAUS SCARMELOTO

burguesia, educar politicamente e organizar as trabalhadoras e campo-


nesas sob a bandeira do proletariado.” 7
“Mas as mulheres trabalhadoras”, continuou Stalin, “são algo mais que
uma reserva. Eles podem se tornar e devem se tornar � se a classe traba-
lhadora segue uma política correta � um exército regular da classe traba-
lhadora operando contra a burguesia. Moldar a reserva de mão-de-obra
feminina em um exército de trabalhadoras e camponesas lutando lado
a lado com o grande exército do proletariado � essa é a segunda e mais
importante tarefa da classe trabalhadora.” 8
Quanto ao manto e ao significado das mulheres nas fazendas cole-
tivas, Stalin expressou sua opinião sobre esse assunto no primeiro con-
gresso dos trabalhadores em choque nas fazendas coletivas. Ele disse: “A
questão da mulher nas fazendas coletivas é uma grande questão, cama-
radas. Eu sei que muitos de vocês subestimam as mulheres e até riem
delas. Isso é um erro, camaradas, um erro sério. A questão não é apenas
que as mulheres compreendem metade da população. O ponto princi-
pal é que o movimento das fazendas coletivas avançou várias mulheres
notáveis e capazes para posições de liderança. Olhe para este congresso,
para os delegados, e você perceberá que há muito as mulheres avançaram
das fileiras dos atrasados para as fileiras dos avançados. As mulheres nas
fazendas coletivas são uma grande força. Manter essa força baixa seria
criminoso. É nosso dever levar as mulheres das fazendas coletivas adiante
e fazer uso dessa grande força. ” 9
“Quanto às próprias agricultoras coletivas”, continuou Stalin, “elas de-
vem se lembrar do poder e do significado das fazendas coletivas para as
mulheres; eles devem lembrar que somente na fazenda coletiva eles têm a
oportunidade de se tornarem iguais aos homens. Sem fazendas coletivas
temos desigualdade; nas fazendas coletivas temos direitos iguais. Deixe
que as nossas camaradas, as mulheres agricultoras coletivas, lembrem-se
disso e que elas apreciam o sistema kolkosiano como a menina dos seus
olhos.” 10

Notas

1. História do PCUS (B.) , P. 288, Moscou, 1945.


2. História do PCUS (B.) , P. 287, Moscou, 1945.
3. Lenin, Obras Escolhidas , Russ. ed., vol. XXIV, p. 540
4. J. Stalin, Problemas do leninismo , p. 269, Moscou, 1945.
5. Ibid , p. 298

195
A ATUALIDADE DE STALIN

6. Pravda , nº 56, 8 de março de 1925.


7.Ibid.
8. Pravda , nº 56, 8 de março de 1925.
9. J. Stalin, Problemas do Leninismo , p. 450, Moscou, 1945.
10. Ibid. 450-451.
11. Ibid. p. 200
12. J. Stalin, Problemas do Leninismo , p. 210, Moscou, 1945.

Homossexualidade e Stalin
A Homofobia na era Stalin é um tema reiterado de confusões e opor-
tunismos utilizados para de um lado glorificar Lenin e de outro apedrejar
Stalin. O fato de uma simples lei ter vigorado nos tempos de Stalin acerca
da homossexualidade serve de pretexto para afirmar que ele odiava Gays.
Mas, pessoalmente, isso não verdade, conforme demonstraremos.
Em qualquer âmbito tal premissa é, por sua própria espécie, descon-
textualizada e enganadora. O que precisa ser evidenciado é que a opinião
médica e legal soviética sobre o assunto naquela época não era tão distante
do que ciência do período no mundo pregava, sobre a homossexualidade
era a falsa ideia de que se tratava de uma desordem psicossexual, uma
forma de transtorno mental. Além disso, homossexualidade era sinô-
nimo reiterado de pederastia, pedofilia, estupro, zoofilia, então a com-
preensão do conceito, levava a carga dessas palavras também. Assim, no
decorrer dos anos 1930 houvera “argumentos” bastante infundados de
que tentaram ligar a homossexualidade ao fascismo, considerando espe-
cialmente que muitos dos Camisas Marrons de Hitler eram homossexuais.
Péssimo como se apresenta atualmente, o problema deve ser visto his-
toricamente.
A ciência evoluiu muito, principalmente, após a morte de Stalin que
morreu antes da chamada revolução sexual e sequer chegou a conhecer
os percursores desses avanços
Foi somente no decorrer de 1975 que a Associação Americana de Psi-
cologia em si que parou de classificar homossexualidade como uma do-
ença mental. Cobrar que Stalin, ou a União Soviética dos anos 30, esti-
vessem a frente dessa luta para promover os avanços em ciência médica e
psicológica ocorridos em 40 anos no futuro é ou ingenuidade ou malícia.
É importante notar que a RDA (Alemanha Oriental) teve uma política
mais humana e positiva a respeito da homossexualidade. Isso explica

196
KLAUS SCARMELOTO

o fato de os avanços lá serem maiores do que em qualquer outro país.


Mas isso também deve ser visto sob o contexto histórico, como parte não
apenas do aprofundamento do conhecimento científico, mas da propa-
gação de tal conhecimento por toda sociedade em geral. Em 1987, a RDA
ditava um avanço fora do comum e afirmava que a “homossexualidade,
assim como heterossexualidade, representa uma variante do comporta-
mento sexual. O que pessoas homossexuais fazem portanto não está fora
da sociedade socialista e os direitos civis são assegurados a eles/elas assim
como quaisquer outros cidadãos.”
A verdadeira resposta consiste em compreender que como Marxistas-
Leninistas, somos cientistas, e seguimos a sorte das mudanças que o curso
da ciência reserva. Como cientistas procuramos o avanço do conheci-
mento e entendimento humano. E como nosso conhecimento e entendi-
mento crescem, assim o faz nossa ideologia. Hoje não há nem um único
comunista, que mereça a alcunha de comunista, que não respeite de co-
ração os direitos dos gays.
Além disso é importante apontar um dado concreto: apesar da vi-
são que a homossexualidade era uma doença mental, a verdadeira lei
em questão, artigo 121 do Código Criminal Soviético, era praticamente
apenas compelido em casos de pedofilia, com 800 entre 1000 acusações
anualmente.
“A Grande Enciclopédia Soviética” de 1930 abordava o problema da
seguinte forma: A legislação Soviética não reconhece os, assim chamados,
crimes contra a moralidade. “Nossas leis partem do princípio de prote-
ção à sociedade e, portanto, punição apenas nos casos quando juvenis e
menores são objetos de interesse homossexual, enquanto reconhecendo
a incorreção do desenvolvimento homossexual nossa sociedade combina
profilaxia e outras medidas terapêuticas com todas as condições necessá-
rias para fazer os conflitos que afligem os homossexuais o mais indolor
possível e para resolver seus estranhamentos típicos da sociedade dentro
do coletivo”284 .
Na verdade os comunistas sempre foram mais progressistas na questão
de direitos gays do que era a sociedade burguesa da época, não castrando
quimicamente os homossexuais. Mais uma vez o importante aqui é o
nível de entendimento científico e a extensão que esse conhecimento se
espalhara através da sociedade ao todo. A Alemanha tinha a mais longa
histórica de pesquisa médica e psicológica sobre a sexualidade humana.
Houve um Instituto de Sexologia tão cedo nos anos 20. Os nazistas fecha-

284 – Sereisky, Grande Enciclopédia Soviética, 1930, página 593.


197
A ATUALIDADE DE STALIN

ram ela quando chegaram ao poder. Pesquisadores médicos líderes em


pesquisa no Instituto de Sexologia eram afiliados ao KPD. É isso mesmo,
o KPD, o Partido “STALINISTA” Comunista da Alemanha. Muitos co-
munistas alemães eram não apenas apoiadores de direitos gays mas eram
pioneiros em libertação sexual. Na verdade uma parte deles elogiava,
como saudável, o nudismo. O que inclui o pai de Markus Wolf e sua fa-
mília. Markus Wolf seria mais tarde o Chefe de inteligência estrangeira
para a RDA; o homem que a CIA chamaria de “o homem sem rosto” por
que eles não tinham uma única foto dele.
Além do mais, “Lênin descriminalizou a homossexualidade” é um
tropo trotskista tão amado que eles adoram jogar contra Marxistas-Leninis-
tas. Os fatos são um pouco diferentes:
“A iniciativa para revogação da legislação anti-homossexual, após a
Revolução de Fevereiro de 1917, veio não dos Bolcheviques, mas veio dos
Cadetes (Democratas Constitucionais) e de anarquistas. Todavia, uma vez
que o velho código criminal foi rejeitado após a Revolução de Outubro,
o artigo anti-homossexual também foi revogado. Os códigos penais da
Federação Russa entre 1922 e 1926 não mencionavam homossexualidade,
apesar de que as leis correspondentes permaneceram em vigor em lugares
onde a homossexualidade era mais prevalente: Nas Repúblicas Islâmicas
do Azerbaijão, Turcomenistão e Uzbequistão, assim como na Geórgia
Cristã.”
“Experts médicos e legais soviéticos eram muito orgulhosos da natu-
reza progressista de sua legislação, em 1930, o expert médico Sereisky
escreveu na Grande Enciclopédia Soviética: ” A legislação Soviética não
reconhece os, assim chamados, crimes contra a moralidade. Nossas leis
partem do princípio de proteção à sociedade e, portanto, punição apenas
nos casos quando juvenis e menores são objetos de interesse homossexual’
(Página 593).”
“Como Engelstein (1995) justamente menciona, a descriminalização
formal de sodomia não significou que tal conduta era invulnerável à acu-
sação. A ausência de estatutos formais contra coito anal ou lesbianismo
não parou as acusações de comportamento homossexual como forma de
conduta desordeira. Logo após que o Código Penal de 1922 foi publicado
houveram, no mesmo ano, ao menos dois julgamentos conhecidos de prá-
ticas homossexuais. O psiquiatra eminente, Vladimir Bekhterev, testemu-
nhou que ”demonstração pública de tais impulsos...é socialmente danoso
e não pode ser permitido” (Engelstein, 1995, página 167). O posicio-
namento oficial da lei e medicina Soviética nos anos 20, como retratado

198
KLAUS SCARMELOTO

pelo artigo de Sereisky na Enciclopédia, era que homossexualidade era


uma doença e que era difícil, talvez até impossível, de ser curada. Então
“enquanto reconhecendo a incorreção do desenvolvimento homossexual
... nossa sociedade combina profilaxia e outras medidas terapêuticas com
todas as condições necessárias para fazer os conflitos que afligem os ho-
mossexuais o mais indolor possível e para resolver seus estranhamentos
típicos da sociedade dentro do coletivo.” (Sereisky, 1930, página 593)”
“O número exato de pessoas acusadas sob o Artigo 121 é desconhe-
cido (a primeira informação oficial foi liberada apenas em 1988), mas é
acreditado que era algo em torno de 1000 ao ano. Desde o fim dos anos
80, de acordo com dados oficiais, o número de homens condenados sob
o Artigo 121 foi diminuindo consideravelmente. Em 1987, 831 homens
foram sentenciados (esse número é referente a toda União Soviética); em
1989, 539; em 1990, 497; em 1991, 462; e, pelos primeiros 6 meses de
1992, 227, entre os quais todos menos 10 foram sentenciados sob o Ar-
tigo 121.2 (números são apenas para a Rússia) (Gessen, 1994). De acordo
com advogados russos, maioria das condenações estiveram de fato sob o
Artigo 121.2, 80% dos casos em relação ao envolvimento de menores de
até 18 anos de idade (Ignatov, 1974). Em uma análise de 130 condenações
sob o Artigo 121, entre 1985 e 1992, foi concluído que 74% dos acusa-
dos foram condenados sob 121.2, dos quais 20% foram condenados por
estupro usando força, 8% por ameaçarem, 52% por terem contato sexual
com menores. 2% e 18% , respectivamente, por explorarem as vítimas
dependente de status de vulnerável (Dychenko, 1995).”285
Então pode-se afirmar que Lênin não descriminalizou a atividade ho-
mossexual. O código criminal czarista foi declarado nulo e sem efeito, os
estatutos anti-homossexual junto com os outros foram completamente re-
vogados. Os códigos penais Soviéticos de 1922 e 1926 não mencionavam
homossexualidade, mas leis anti-homossexuais permaneceram nos livros
nas Repúblicas Islâmicas e na Geórgia. Quando a homossexualidade de
fato entra de volta no código penal Soviético, acusações são relativamente
raras (1.000 por ano de uma população de 200 milhões) e aqueles que
eram acusados eram por casos específicos de estupro, abuso de criança e
abuso de pessoas dependentes ou vulneráveis.
Esses são os fatos. A lei era perfeita de 1933? De forma alguma!
Era uma lei boa ou algo para ser admirado ou replicado? Não. A lei foi
abusada e pessoas inocentes sancionadas? Provável, assim como em todos
os sistemas legais. Mas a intenção e extensão da lei eram muito distintas

285 Idem. Ibidem. Fonte: http://www.gay.ru/english/history/kon/soviet.htm


199
A ATUALIDADE DE STALIN

do que a propaganda anti-Stalin, ou anticomunista de esquerda, fariam


alguém ter acreditado.”
Logo depois da morte de Lênin, Stálin se esgueirou até o poder ofere-
cendo a melhor plataforma para derrotar os imperialistas ocidentais que
estavam tentando destruir a Russia. Ele esteve encarregado de angariar
novos membros ao Partido Comunista e adorava encher as fileiras com
pessoas capazes. Ele construiu a indústria Soviética, e o metrô de Mos-
cou se tornou invejável aos olhos do Oeste. Ele priorizou a educação e
o desenvolvimento, e logo as massas de cidadão soviéticos emergiram da
pobreza e analfabetismo para se tornarem a nação mais bem-educada do
planeta. Durante os anos 30 e 40, grande ênfase foi colocada no desenvol-
vimento científico. Durante a Grande Guerra Patriótica ele pulverizou as
lideranças do Partido Nazista em todos os níveis, e os Soviets derrotaram
Hitler sem apoios. As nações ocidentais capitalistas estavam tão felizes
e ansiosas em lutar contra Hitler apenas com o objetivo da participação
simbólica, já que eles não correram nenhum risco antes de 1944, apenas
para impedir que Stalin derrotasse Hitler sozinho, para que eles pudes-
sem distorcer a história para a posteridade. Milhões de russos sacrifica-
ram suas vidas lutando contra Hitler, muitos foram executados, sovietes,
não judeus, foram as maiores vítimas dos campos de concentração e do
genocídio de Hitler. Na Ucrânia e e Bielorussia sob Hitler eles passaram
fome e foram queimados vivos em igrejas, até que as tropas vitoriosas de
Stalin os libertaram.
Guy Burgess era um homossexual colérico que vivia abertamente como
gay quando desertou do Reino Unido para a URSS em 1951. Stalin sa-
bia muito bem que ele era gay e ainda assim aprovou a sua deserção para
Moscou, assim como aprovou que lhe fosse concedido um espaçoso e lu-
xuoso apartamento no coração de Moscou, em reconhecimento às suas
imensuráveis contribuições para a causa comunista. Ele eventualmente
promoveria orgias regadas a álcool nesse mesmo apartamento, e mesmo
assim ele ainda é reconhecido como um herói da causa comunista. A mãe
de um amigo meu também me disse que ela teve alguns amigos homosse-
xuais nos anos 70 então toda essa conversa sobre uma perseguição a gays
promovida pelo governo me soa muito duvidosa. É impossível erradicar
uma orientação sexual perfeitamente normal da sociedade, que é exata-
mente o que ser gay significa e isso já foi aceito pela maioria da comu-
nidade científica. Só porque uma lei passou por interesses políticos nos
quais o partido legislativo não deve nem acreditar isso não significa que
será executado ou levado a sério. E daí que uma lei ridícula relacionada
a gays passou com o objetivo de agradar a uma sociedade conservadora?

200
KLAUS SCARMELOTO

Isso com certeza não significa que houve qualquer efeito real. Isso cer-
tamente também não é um aspecto relevante sobre o qual se possa fazer
julgamentos objetivos e apurados a respeito da sociedade soviética.
Lembram-se de que quando leis proibitivas passavam na America dos
anos 1920? Ninguém dava a mínima e todos enchiam a cara de qualquer
forma e a mesma coisa está acontecendo hoje com um monte de leis cria-
das por todo o mundo; leis criadas com o exclusivo propósito de promoção
política e apaziguamento social ao invés de realmente tentar conquistar
algo prático em relação à sociedade na qual são implementadas. Haviam
gays na URSS independentemente de quaisquer leis aprovadas e se existe
qualquer documento provando que pessoas foram presas e perseguidas
por homossexualidade na URSS eu gostaria de vê-los, do contrário eu
nem sei do que estamos falando aqui
A lei contra sexo com menores foi incluída na pós-1933 proibição da
homossexualidade masculina enquanto uma lei contra lésbicas nunca foi
promulgada. Haviam lésbicas assumidas entre os membros do Partido
Comunista, assim como no exército soviético. Não existem documentos
provando que qualquer um foi preso por homossexualidade masculina
adulta, apenas por pedofilia, caso em que a pena era de 5 anos e continua
sendo de 5 anos. O diretor de filmes favorito de Stalin, Sergei Eisenstein
também era homossexual. Entretanto isso não o impediu de receber nu-
merosos prêmios soviéticos incluindo o Prêmio Stalin de Estado por suas
conquistas artísticas.
A lei promulgada em 1933 era vaga? Sim. Era retrógrada e inapu-
rada, submetida à exploração? Sim. A homofobia na URSS é descrita
de forma exagerada por parte de comunistas anti-soviéticos e por racistas
borderline russófobos? Com certeza sim. Eu tenho um amigo que viveu
em Kiev e visitou bares gays ocasionalmente e ele nunca percebeu qual-
quer homofobia que fosse excepcionalmente óbvia e singular para o povo
eslavo somente. Existem 3 baladas gays que estão a 15-20 minutos de
caminhada da Praça da Independência. Sim, gays crossdresser foram es-
pancados ocasionalmente nas ruas; e sim eu acredito que eslavos orientais
são menos abertos a atividade homossexual do que, digamos, pessoas em
Amsterdam, mas definitivamente não existe ofensiva governamental ou
nacional contra gays lá. A maioria das pessoas não poderia se importar
menos de qualquer forma.”

201
A ATUALIDADE DE STALIN

Ver Bibliografia
Halona, E. mulher trans e prima de Stálin, desmistifica o “terror” con-
tra os LGBTs na URSS: <https://groups.google.com/forum/# !topic/cuba-
coraje/LDSG-ZN-T84>
Qual foi o papel do próprio Stalin na (re) criminalização do aborto e
da homossexualidade ocorrida durante seu governo? Ele abordou qual-
quer um deles em seus escritos teóricos anteriores? Disponível em:
<https://stalinsociety.tumblr.com/post/100596496155/what-role-did-sta-
lin-himself-play-in-the>
BUONICORE, A. Os marxistas e a homossexualidade 27 de janeiro de
2020, disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/buonicore/2-
020/01/27.htm>

202

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