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MENTIU
A evidência de que toda "revelação" dos "Crimes" de Stalin (e de Beria) no
infame "Discurso Secreto" de Nikita Khrushchev ao 20º Congresso do Partido
Comunista da União Soviética em 25 de fevereiro de 1956 é provavelmente Falsa*
(* Toda, exceto uma, que eu não posso provar verdadeira nem refutar)
Organização:
Heribaldo Maia
Primeira edição em inglês publicada pela Erythros Press and Media, LLC,
fevereiro de 2011; edição corrigida julho de 2011; segunda edição corrigida
janeiro 2014
Publicado em russo pela Algoritm Publishers, Moscou, dezembro de 2007
sob o título Antistalinskaia Podlost’
http : //www.algoritm − kniga.ru/f err − g. − antistalinskaya − podlost.html Repu-
blicado pela EKSMO Publishers, Moscou, novembro de 2010 sob o título Teni
XX S”ezda. Antistalinskaia Podlost’ http : //www.eksmo.ru/catalog/882/481650/
© Grover Furr 2007, 2010, 2011, 2014
Publicado e impresso com a permissão do autor, que assume toda a respon-
sabilidade pelo conteúdo aqui.
Agradecimentos e Dedicatória
Quero expressar minha gratidão especial ao meu editor, tradutor e amigo
Vladimir L. Bobrov, de Moscou. Sem seu encorajamento e ajuda em cada passo
este livro nunca teria sido escrito.
Meus agradecimentos especiais aos bibliotecários de empréstimos interbibli-
otecas da Biblioteca Harry S. Sprague, Universidade Estadual de Montclair –
Kevin Prendergast, Arthur Hudson e Sergio Ferreira, por sua incansável ajuda
na obtenção de livros e artigos soviéticos difíceis de encontrar.
***
Dedico este livro à memória do meu filho Joseph Furr: filho e amigo mara-
vilhoso, qualificado mecânico de caminhões a diesel, e um dos “sais da terra”.
SUMÁRIO
Introdução 7
2 Colegialidade “Pisoteada” 21
3 “Colegialidade” em funcionamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
4 Stalin “Aniquilou Moral e Fisicamente” Líderes que se opuseram
a ele . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
5 Repressões em massa em geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
6 “Inimigo do Povo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
7 Zinoviev e Kamenev . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
8 Trotskistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
9 Stalin negligenciou o Partido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
5 Stalin e a Guerra 66
30 Stalin não ouviu avisos sobre a guerra. . . . . . . . . . . . . . . . . 66
31 Carta de Vorontsov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
32 Soldado alemão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
33 Comandantes Mortos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
34 “Desmoralização” de Stalin após o início da guerra . . . . . . . . . 70
35 Stalin Um Mau Comandante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
36 Kharkov 1942 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
37 Stalin planejou operações militares em um globo . . . . . . . . . . 73
38 Stalin Rebaixou Zhukov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
8 Ideologia e Cultura 90
49 Stalin, Biografia Curta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
50 O ‘Curso Curto’ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
51 Stalin assinou a ordem para um monumento a si mesmo em 2 de
julho de 1951 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
52 O Palácio dos Sovietes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
53 O Prêmio Lênin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Lembrei-me que Arch Getty escreveu algo muito semelhante em sua obra
magistral Origins of the Great Purges
Outras inconsistências no relato de Khrushchev incluem uma aparente confusão de
Yezhov por Beria. Embora o nome de Yezhov ser mencionado ocasionalmente, Beria
é acusado de um sem-número de delitos e repressões; no entanto, até 1938 este úl-
timo foi apenas um secretário regional. Além disso, muitos relatos notam que o terror
policial começou a diminuir quando Beria assumiu o cargo de Yezhov em 1938. Kh-
rushchev poderia convenientemente ter substituído Beria por Yezhov em seu relato?
O que mais ele poderia ter escondido? De qualquer forma, a recente execução de
Beria, por Khrushchev e pela liderança, fizeram dele um bode expiatório conveniente.
1
O texto completo do discurso de Khrushchev está disponível online em: http :
//chss.montclair.edu/english/f urr/research/kl/speech.html
2
Khrushchev, Nikita S. The New Leader. The Crimes of the Stalin Era. Introduction by Anatol
Shub, notes by Boris Nikolaevsky. Nova York: The New Leader, 1962
O uso oportunista de Beria, por Khrushchev, certamente levanta suspeitas sobre
a exatidão de suas outras afirmações. (p. 268 n.28; ênfase adicionada pelo autor)
Então eu suspeitei que hoje, à luz dos muitos documentos dos arquivos
soviéticos secretos agora disponíveis, pesquisas sérias poderiam descobrir que
ainda mais das “revelações” de Khrushchev sobre Stalin eram falsas.
Na verdade, fiz uma descoberta muito diferente. Nenhuma declaração es-
pecífica da “revelação” que Khrushchev fez sobre Stalin ou Beria acabou
por ser verdadeira. Entre aquelas que podem ser checadas para verificação,
cada uma delas acaba por ser falsa. Khrushchev, ao que parece, não apenas
“mentiu” sobre Stalin e Beria – ele não fez praticamente nada além de mentir.
Todo o “Discurso Secreto” é constituído de fabricações. Este é o “grande ato”
pelo qual Taubman elogiou Khrushchev! (Um artigo separado, embora muito
mais curto, pode ser escrito para expor as falsidades no próprio artigo do New
York Times, que celebra o discurso meretrício de Khrushchev).3
Para mim, como estudioso, foi uma descoberta preocupante e até indese-
jável. Se, como eu tinha previsto, eu tivesse descoberto que, digamos, 25%
ou mais das “revelações” de Khrushchev eram falsificações, minha pesquisa
certamente excitaria algum ceticismo, bem como alguma surpresa. Mas, no
principal, eu poderia antecipar aceitação e louvor: “Bom trabalho de pesquisa
por Furr”, e assim por diante.
Mas eu temia – e meus medos nasceram pela minha experiência com o ori-
ginal em russo deste livro, publicado em dezembro de 2007 – que se eu reivin-
dicasse que todas as ”revelações” de Khrushchev eram falsas, ninguém acre-
ditaria em mim. Não faria diferença o quão meticulosa ou cuidadosamente
citasse evidências em apoio aos meus argumentos. Refutar todo o discurso
de Khrushchev é, ao mesmo tempo, desafiar todo o paradigma histórico da
história soviética do período Stalin, um paradigma ao qual este discurso é fun-
damental.
O discurso mais influente do século XX – senão de todos os tempos – é uma
fraude completa? A noção era muito monstruosa. Quem iria querer lidar com
a revisão da história soviética, do Comintern e até mundial, que a lógica de tal
conclusão exigiria? Seria infinitamente mais fácil para todos acreditarem que
eu tinha “adulterado os livros”, sombreado a verdade – que eu estava falsifi-
cando coisas, assim como eu estava acusando Khrushchev de fazê-lo. Então,
meu trabalho poderia ser ignorado com segurança, e o problema iria “desapa-
recer”. Especialmente porque sou conhecido por ter simpatia em relação ao
movimento comunista mundial do qual Stalin era o líder reconhecido. Quan-
do um pesquisador chega a conclusões que, suspeitosamente, parecem apoiar
suas próprias ideias preconcebidas, é apenas prudente suspeitar dele, por al-
3
Alguns exemplos aqui: Foi Beria, não Khrushchev, que libertou muitos prisioneiros, embora
não “milhões”, como Taubman afirma. O “degelo”, que ele celebra, começou durante os últimos
anos de Stalin. Khrushchev limitou-o apenas a material “direitista” e antistalin. Stalin tentou
se aposentar em outubro de 1952, mas o 19º Congresso do Partido se recusou a permiti-lo.
Taubman afirma que Khrushchev disse que “não estava envolvido” nas repressões, mas Kh-
rushchev não respondeu aos pedidos de Stalin, senão tomou a iniciativa, exigindo “cotas” mai-
ores para repressões do que a liderança de Stalin queria. Taubman afirma que “Khrushchev
de alguma forma manteve sua humanidade.” Seria mais preciso dizer o contrário: Khrushchev
parece mais um bandido e um assassino.
8
guma falta de objetividade, se não pior.
Então, eu teria sido muito mais feliz se minha pesquisa tivesse concluído
que 25% das “revelações” de Khrushchev sobre Stalin e Beria eram falsas. No
entanto, uma vez que praticamente todas essas “revelações” verificáveis são,
de fato, falsidades, o ônus das evidências reside ainda mais fortemente sobre
mim, enquanto estudioso, do que seria o caso em situações normais. Assim,
organizei meu relatório sobre esta pesquisa de uma forma um tanto incomum.
O livro inteiro é dividido em duas seções separadas, mas interrelacionadas.
Na primeira parte, constituída pelos capítulos 1 a 9, examino cada uma
das declarações, ou afirmações, que Khrushchev fez em seu relatório e que
constituem a essência de suas chamadas “revelações” (para saltar um pouco
à frente, notei que identifiquei sessenta e um dessas afirmações).
Cada uma dessas “revelações” é precedida por uma citação do “Discurso Se-
creto” que é, então, examinada à luz da evidência documental. A maior parte
dessas evidências é apresentada como citações de fontes primárias. Só em
alguns casos cito fontes secundárias. Eu me propus a apresentar a melhor
evidência que pude encontrar, retirada, no principal, dos antigos arquivos so-
viéticos, a fim de demonstrar o falso caráter do discurso de Khrushchev no 20º
Congresso do Partido. Uma vez que, se intercaladas com o texto, longas cita-
ções documentais tornariam difícil a leitura, apenas me referi brevemente às
evidências do texto e reservei as citações mais completas das fontes primárias
(e ocasionalmente secundárias) nas seções de cada capítulo do Apêndice.
A segunda parte do livro, Capítulos 10 a 12, é dedicada a questões de natu-
reza metodológica e a discussão de algumas das conclusões que fluem deste
estudo. Dei atenção especial a uma tipologia das falsidades, ou métodos de
decepção, que Khrushchev empregou. Um estudo dos materiais de “reabilita-
ção” de alguns dos líderes do Partido citados no Discurso está incluído nesta
parte.
Eu lido com as referências a fontes primárias de duas maneiras. Além da
documentação acadêmica tradicional, por meio de nota de rodapé e bibliogra-
fia, tentei sempre que possível orientar o leitor para os documentos primários
disponíveis, em parte ou na íntegra, na Internet. Todas essas referências de
URL estavam online quando a edição em inglês deste livro foi concluída.
Em alguns casos, eu coloquei documentos primários importantes na Inter-
net, normalmente no formato Adobe Acrobat (pdf). Em alguns casos, isso tor-
nou possível fazer referência aos números de página, algo que é desajeitado ou
impossível quando se usa a linguagem de marcação de hipertexto (HTML).
Em conclusão, gostaria de agradecer aos meus colegas nos Estados Unidos
e na Rússia que leram este trabalho em seus rascunhos anteriores e me deram
o benefício de sua crítica. Naturalmente, eles não são responsáveis por quais-
quer erros e deficiências que permanecem no livro, apesar de seus melhores
esforços.
Minha gratidão especial vai para meu maravilhoso colega de Moscou, Vla-
dimir Lvovich Bobrov. Estudioso, pesquisador, editor e tradutor, mestre de
seu russo nativo e do inglês, eu nunca teria empreendido este trabalho, muito
menos o concluído, sem sua inspiração, orientação e assistência de todos os
9
tipos.
Serei grato por quaisquer comentários e críticas a este trabalho por parte
dos leitores.
10
Capítulo 1
1 O Culto
Khrushchev:
Camaradas! No relatório do Comitê Central do Partido no 20º Congresso, em uma
série de discursos de delegados ao Congresso, como também durante a Plenária e
as sessões do CC/PCUS [Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética]
anteriores, muito tem sido dito sobre o culto ao indivíduo e sobre suas consequências
prejudiciais.
Após a morte de Stalin, o Comitê Central do Partido começou a implementar uma
política de explicar, de forma concisa e consistente, que é inadmissível e estranho
ao espírito do marxismo-leninismo elevar uma pessoa, para transformá-lo em um
super-homem possuidor características sobrenaturais, semelhantes às de um deus.
Tal homem supostamente sabe de tudo, vê tudo, pensa por todos, pode fazer qualquer
coisa, é infalível em seu comportamento.
Tal crença sobre um homem, e especificamente sobre Stalin, foi cultivada entre nós
por muitos anos.
O objetivo do presente relatório não é uma avaliação minuciosa da vida e da atividade
de Stalin. Quanto aos méritos de Stalin, um número suficiente de livros, panfletos e
estudos já havia sido escrito em sua vida. O papel de Stalin na preparação e execução
da Revolução Socialista, na Guerra Civil e na luta pela construção do socialismo em
nosso país, é universalmente conhecido. Todo mundo sabe bem disso.
No momento, estamos preocupados com uma questão que tem imensa importância
para o Partido, agora e para o futuro – com como tem gradualmente crescido o culto à
pessoa de Stalin, o culto que se tornou, em um certo estágio específico, a fonte de toda
uma série de perversões extremamente sérias e graves dos princípios partidários, da
democracia partidária e da legalidade revolucionária.
– o que ele deveria ter provado, mas não pôde fazer: que o próprio Stalin cul-
tivou este culto a fim de ganhar poder ditatorial. Na verdade, durante todo o
seu discurso, Khrushchev foi incapaz de citar um único exemplo verdadeiro
de como Stalin encorajou esse “culto” – presumivelmente, porque ele não con-
seguia encontrar sequer um exemplo.
Todo o discurso de Khrushchev foi construído sobre esta falsidade. Todas as
suas “revelações” foram encaixadas dentro do paradigma explicativo do “culto”
em torno de si mesmo, que, segundo Khrushchev, Stalin criou e cultivou.
Este estudo mostrará que praticamente todas as “revelações” de Khrush-
chev acerca de Stalin são falsas. Mas vale a pena mencionar no início que a
estrutura explicativa de Khrushchev – a noção do “culto” construído por Stalin
e, como resultado do qual, o resto de seus chamados “crimes” poderia ser co-
metido com impunidade – é em si uma falsidade. Stalin não só não cometeu os
crimes e delitos que Khrushchev imputa a ele. Stalin também não construiu o
“culto” em torno de si mesmo. Na verdade, as evidências provam o contrário:
que Stalin se opôs ao repugnante “culto” em torno de si mesmo.
Alguns argumentaram que a oposição de Stalin ao culto em torno de si deve
ter sido hipocrisia. Afinal, Stalin era tão poderoso que se ele realmente quisesse
acabar com o culto, ele poderia tê-lo feito. Mas este argumento assume o que
deve provar. Assumir que ele era tão poderoso é assumir também que Stalin
era de fato o que o “culto” absurdamente o faz parecer: um autocrata com
poder supremo sobre tudo e todos na URSS.
12
1. O CULTO
Stalin foi mais bem sucedido em impedir que outros no Politburo renome-
assem Moscou para “Stalinodar” (”presente de Stalin”) em 1937. Mas sua ten-
tativa de recusar o prêmio de Herói da União Soviética foi frustrada quando
o prêmio, que nunca aceitou, foi fixado a uma almofada e colocado em seu
caixão após sua morte.
13
CAPÍTULO 1. O CULTO E O “TESTAMENTO” DE LÊNIN
Khrushchev e Mikoian
Khrushchev e Mikoian, as principais figuras do Politburo de Stalin, que insti-
garam e promoveram avidamente o movimento de “desestalinização”, estavam
entre aqueles que, na década de 1930, mais avidamente haviam fomentado o
“culto”.
Se isso fosse tudo, poderíamos hipoteticamente assumir que Khrushchev
e Mikoian tinham realmente respeitado Stalin a ponto de temê-lo. Este foi
certamente o caso com muitos outros. O livro de memórias de Mgeladze mostra
um exemplo de um oficial líder do Partido, que manteve sua admiração por
Stalin muito depois de estar na moda descartá-lo.
Mas Khrushchev e Mikoian participaram das discussões do Presidium de
março de 1953, durante o qual a tentativa de Malenkov chamar uma Plenária
do Comitê Central para discutir o “culto” tinha sido frustrada. Eles tinham
sido líderes na Plenária de junho de 1953, durante a qual Beria havia sido
duramente criticado por se opor ao “culto” de Stalin.
Essas questões, juntamente com o fato de que as “revelações” de Khrushchev
são, na realidade, fabricações significa que deve haver algo mais acontecendo
aqui.
2 “Testamento” de Lênin
Khrushchev:
Temendo o futuro destino do Partido e da nação soviética, V. I. Lênin fez uma carac-
terização completamente correta de Stalin, apontando que era necessário considerar
a questão de transferir Stalin do cargo de Secretário General pelo fato de Stalin ser
excessivamente rude, que ele não teria uma atitude adequada em relação aos seus
companheiros, que ele seria caprichoso e abusaria de seu poder.
Em dezembro de 1922, em uma carta ao Congresso do Partido, Vladimir Ilyich escre-
veu: “Depois de assumir o cargo de Secretário-Geral, o camarada Stalin acumulou
em suas mãos um poder imensurável e não tenho certeza se ele será sempre capaz
de usar este poder com os cuidados necessários.”
14
2. “TESTAMENTO” DE LÊNIN
não pode ser tolerado em quem ocupa o cargo de Secretário-Geral. Por causa
disso, proponho que os camaradas considerem o método pelo qual Stalin se-
ria removido desta posição e pelo qual outro homem seria selecionado para
ela, um homem que, acima de tudo, difira-se de Stalin em apenas uma qua-
lidade, ou seja, maior tolerância, maior lealdade, maior bondade e atitude
mais atenciosa em relação aos camaradas, um temperamento menos capri-
choso etc.
Este documento de Lênin foi divulgado pelos delegados do 13º Congresso do Partido,
que discutiram a questão da transferência de Stalin do cargo de Secretário-Geral.
Os delegados declararam-se a favor de manter Stalin neste posto, esperando que ele
respondesse às observações críticas de Vladimir Ilyich e fosse capaz de superar os
defeitos que causaram em Lênin séria ansiedade.
Camaradas! O Congresso do Partido deve se familiarizar com dois novos documentos,
que confirmam o caráter de Stalin, como já descrito por Vladimir Ilyich Lenin em
seu “testamento”. Estes documentos são uma carta de Nadezhda Konstantinovna
Krupskaia para [Lev B.] Kamenev, que na época era chefe do Gabinete Político, e uma
carta pessoal de Vladimir Ilyich Lenin a Stalin.Agora lerei este documentos:
LEV BORISOVICH!
Por causa de uma pequena carta que eu havia escrito em palavras ditadas
por Vladimir Ilyich, com permissão dos médicos, ontem Stalin se permitiu a
uma explosão extraordinariamente rude dirigida a mim. Este não é meu pri-
meiro dia no Partido. Durante todos esses 30 anos, nunca ouvi de nenhum
camarada uma palavra de grosseria. Os negócios do partido e de Ilyich não
são menos queridos, para mim do que para Stalin. Eu preciso, no momento,
do máximo de autocontrole. O que se pode e o que não se pode discutir com
Ilyich eu sei melhor do que qualquer médico, porque eu sei o que o deixa
nervoso e o que não, em qualquer caso, eu sei melhor do que Stalin. Estou
voltando-me para você e para Grigorii [E. Zinoviev], como camaradas muito
mais próximos de V. I., e peço que me protejam de interferências rudes na
minha vida privada e de invectivos e de ameaças vis. Não tenho dúvidas de
qual será a decisão unânime da Comissão de Controle, com a qual Stalin
acha adequado me ameaçar; no entanto, eu não tenho nem a força nem o
tempo a perder nesta briga tola. E eu sou uma pessoa viva e meus nervos
estão tensos ao máximo.
KRUPSKAIA
AO CAMARADA STALIN:
CÓPIAS PARA: KAMENEV E ZINOVIEV
Caro camarada Stalin!
Ao telefone, você permitiu a si mesmo uma convocação rude da minha esposa
e uma reprimenda rude contra ela.
Apesar do fato dela dizer-lhe que concordou em esquecer o que foi dito, no
entanto Zinoviev e Kamenev ouviram sobre o assunto. Eu não tenho intenção
de esquecer tão facilmente o que está sendo feito contra mim; e eu não preciso
enfatizar aqui que eu considero como dirigido contra mim o que está sendo
feito contra minha esposa. Peço-lhe, portanto, que pese cuidadosamente se
concorda em retratar suas palavras e se desculpar ou se prefere a ruptura
das relações entre nós.
SINCERAMENTE: LÊNIN
5 DE MARÇO DE 1923
(Comoção no salão.)
15
CAPÍTULO 1. O CULTO E O “TESTAMENTO” DE LÊNIN
Camaradas! Não vou comentar esses documentos. Eles falam eloquentemente por
si mesmos. Uma vez que Stalin pôde se comportar desta maneira durante a vida de
Lênin, pôde se comportar dessa forma em direção a Nadezhda Konstantinovna Krups-
kaia – a quem o Partido conhece bem e valoriza altamente como uma amiga leal de
Lênin e como uma lutadora ativa para a causa do Partido desde sua criação – pode-
mos facilmente imaginar como Stalin tratava outras pessoas. Essas características
negativas dele se desenvolveram de forma constante e, nos últimos anos, adquiriram
um caráter absolutamente insuportável.
16
2. “TESTAMENTO” DE LÊNIN
17
CAPÍTULO 1. O CULTO E O “TESTAMENTO” DE LÊNIN
De acordo com Robert Service (Lênin), Lênin sofreu graves “eventos” (prova-
velmente derrames) nas seguintes datas:
18
2. “TESTAMENTO” DE LÊNIN
Nadezhda Konstantinovna nem sempre se conduziu como deveria ter feito. Ela pode
ter dito demais para Vladimir Ilyich. Ela estava acostumada a compartilhar tudo com
ele, mesmo em situações em que ela não deveria ter feito isso... Por exemplo, por que
ela disse a Vladimir Ilyich que Stalin tinha sido rude com ela ao telefone?...12
Esta carta mostra, mais uma vez, que Stalin não se afastou da esposa de
Lênin após o desentendimento de dezembro de 1922.
Stalin era tido em alta estima por todos aqueles da casa de Lênin. O escritor
Aleksandr Bek escreveu as reminiscências de Lidia Fotieva, nas quais ela diz:
Você não entende aqueles tempos. Você não entende o grande significado que Stalin
tinha. Stalin foi ótimo... Maria Ilyinichna [Ul’ianova, irmã de Lênin], durante a vida
de Vladimir Ilyich, me disse: “Depois de Lênin, Stalin é a pessoa mais inteligente do
Partido...” Stalin era uma autoridade para nós. Nós amávamos Stalin. Ele era um
grande homem. No entanto, ele muitas vezes disse: “Eu sou apenas um pupilo de
Lênin.” (Em Bek, op.cit.)
19
CAPÍTULO 1. O CULTO E O “TESTAMENTO” DE LÊNIN
20
Capítulo 2
Colegialidade “Pisoteada”
3 “Colegialidade” em funcionamento
Em vários pontos de seu discurso, Khrushchev reclama da falta de cole-
gialidade de Stalin e da violação da liderança coletiva. Aqui está uma típica
passagem:
Temos que considerar seriamente e analisar corretamente este assunto para que pos-
samos impedir qualquer possibilidade de repetição, em qualquer forma, do que ocor-
reu durante a vida de Stalin, que absolutamente não tolerava colegialidade na lide-
rança e no trabalho, e que praticou violência brutal, não apenas para tudo o que se
opunha a ele, mas também para o que parecia, por seu caráter caprichoso e despótico,
contrário aos seus conceitos.
Esta acusação muito geral pode ser facilmente refutada, mas apenas em
termos similares, citando o testemunho de muitos outros que trabalharam com
Stalin, alguns mais próximos do que Khrushchev jamais esteve. O Marechal
Georgii Zhukov trabalhou de perto com Stalin durante a guerra, e testemunhou
o método de trabalho de Stalin. Na primeira citação, ele obviamente tem o
“Discurso Secreto” em mente e chama Khrushchev de mentiroso. O General
Shtemenko diz a mesma coisa.1414
De acordo com Ivan A. Benediktov, Comissário do Povo da Agricultura de
longa data, as decisões sempre foram tomadas de forma colegiada. Dmitrii T.
Shepilov, de uma geração anterior a Stalin, não trabalhou tão próximo a ele,
mas sua efeméride é reveladora. Até o próprio Khrushchev, em suas memórias,
se contradisse e chamou atenção à capacidade de Stalin de mudar de ideia
quando confrontado com alguém que discordava dele e defendia bem seu ponto
de vista, a qual categorizou como “característica”.
Anastas Mikoian apoiou Khrushchev de todo coração e foi muito antagô-
nico a Stalin. No entanto, Mikoian reclamou que a democracia e a liderança
coletiva nunca foram alcançadas em nenhum momento sob Khrushchev nem
Brezhnev.
Foi o próprio Khrushchev que se recusou a liderar coletivamente e, em gran-
de parte por isso, foi removido em 1964. Parece que Mikhail A. Suslov, que fez
o discurso principal contra Khrushchev, ecoou em sua redação tanto a carta
14
Essas e outras citações são dadas no Apêndice 1.
CAPÍTULO 2. COLEGIALIDADE “PISOTEADA”
22
5. REPRESSÕES EM MASSA EM GERAL
23
CAPÍTULO 2. COLEGIALIDADE “PISOTEADA”
19
Voltaremos a esta pergunta no capítulo final.
20
O “Relatório da Comissão Pospelov” ou simplesmente “Relatório Pospelov” é datado de 9 de
fevereiro de 1956. Seu título oficial é “O Relatório da Comissão do Comitê Central do PCUS ao
Presidium do CC PCUS para estabelecer as causas das repressões em massa contra Membros
e candidatos do CC PCUS Eleitos no 17º Congresso do Partido.” O relatório foi assinado por
A.B. Aristov Shvernik e P.T. Komarov, além de Pospelov. Para o texto russo, consulte Doklad
Khrushcheva 185-230; RKEB 1 317-348 não contém os apêndices, incluindo a carta de Eikhe.
21
Veja o Capítulo 4.
22
Para alguns destes ver no apêndice referente ao capítulo atual.
24
6. “INIMIGO DO POVO”
Tal hipótese faz sentido a partir de grande parte das evidências que temos, mas
é sugestiva e não conclusiva. No entanto, tal hipótese iria longe em explicar o
ataque de Khrushchev a Stalin e, até mesmo, a história subsequente do PCUS.
Incluído na seção apêndice ao final e online em russo e inglês estão:
6 “Inimigo do Povo”
Khrushchev:
Stalin originou o conceito de “inimigo do povo”. Este termo tornou automaticamente
desnecessário que os erros ideológicos de um homem ou homens envolvidos em uma
controvérsia fossem comprovados; este termo possibilitou o uso da repressão mais
cruel, violando todas as normas da legalidade revolucionária, contra qualquer um
que, de alguma forma, discordasse de Stalin, contra aqueles que eram apenas sus-
peitos de intenção hostil, contra aqueles que tinham más reputações. Esse conceito
de “inimigo do povo” realmente eliminou a possibilidade de qualquer tipo de luta ide-
ológica ou a se fazer conhecidas as opiniões de alguém nessa ou naquela questão,
mesmo as de caráter prático. No principal, e na realidade, a única prova de culpa uti-
lizada, contra todas as normas da ciência jurídica vigente, era a “confissão” do próprio
acusado; e, como uma sondagem subsequente provou, as “confissões” foram adqui-
ridas através de pressões físicas contra o acusado. Isso levou a violações flagrantes
da legalidade revolucionária e ao fato de muitas pessoas totalmente inocentes, que
no passado haviam defendido a linha partidária, se tornarem vítimas.
Devemos afirmar que, em relação às pessoas que, em seu tempo, se opuseram à linha
partidária, muitas vezes não havia razões suficientemente sérias para sua aniquilação
física. A fórmula “inimigo do povo” foi introduzida especificamente com o propósito
de aniquilar fisicamente tais indivíduos.
25
CAPÍTULO 2. COLEGIALIDADE “PISOTEADA”
7 Zinoviev e Kamenev
Khrushchev:
Em seu “testamento”, Lenin advertiu que “o episódio de outubro de Zinoviev e Ka-
menev não foi um acidente”. Mas Lênin não colocava a questão de suas prisões e
certamente nem de seus fuzilamentos.
26
8. TROTSKISTAS
8 Trotskistas
Khrushchev:
Ou, vamos tomar o exemplo dos trotskistas. Atualmente, após um período histórico
suficientemente longo, podemos falar com total calma sobre a luta contra os trotskis-
tas e podemos analisar este assunto com objetividade suficiente. Afinal, em torno de
Trotsky havia pessoas cuja origem não pode, de forma alguma, ser rastreada à soci-
edade burguesa. Parte deles pertencia à intelligentsia do Partido e uma certa parte
foi recrutada entre os trabalhadores. Podemos nomear muitos indivíduos que, em
seu tempo, se juntaram aos trotskistas; no entanto, esses mesmos indivíduos par-
ticiparam ativamente do movimento operário antes da Revolução, durante a própria
Revolução Socialista de Outubro, e na consolidação da vitória desta maior das revo-
luções. Muitos deles romperam com o trotskismo e voltaram às posições leninistas.
Era necessário aniquilar essas pessoas?
27
CAPÍTULO 2. COLEGIALIDADE “PISOTEADA”
28
9. STALIN NEGLIGENCIOU O PARTIDO
Então, mais uma vez Khrushchev não estava sendo honesto: um Congresso
foi planejado para 1947 ou 1948, mas nunca foi realizado. Khrushchev deve
ter sabido os detalhes desta discussão muito interessante, incluindo as razões
pelas quais não chamaram o Congresso. Mas nunca aludiu ao fato. Nem ele,
nem qualquer um de seus sucessores jamais liberam a transcrição deste ou
das Plenas do CC que a sucederam. Nada foi divulgado até o momento.
Khrushchev também fez a seguinte acusação semelhante e igualmente falsa:
Deve ser suficiente mencionar que durante todos os anos da Guerra Patriótica não
ocorreu uma única Plenária do Comitê Central. É verdade que houve uma tentativa
de convocar uma Plenária do Comitê Central em outubro de 1941, quando membros
do Comitê Central de todo o país foram chamados para Moscou. Eles esperaram dois
dias pela abertura do pleno, mas em vão.
Stalin não queria se encontrar e falar com os membros do Comitê Central. Este fato
mostra como Stalin estava desmoralizado nos primeiros meses da guerra e como ele
tratou os membros do Comitê Central.
Até mesmo a nota de Boris Nikolaevsky deste discurso para a edição original
do New Leader reconheceu que esta é uma mentira, embora em sua sentença
final, Nikolaevsky mostre que ele prefere acreditar em Khrushchev em vez de
fontes soviéticas da era Stalin.
Se alguém fosse confiar em fontes oficiais soviéticas, esta declaração de Khrushchev
não seria verdadeira: de acordo com a coleção, o Partido Comunista da União So-
viética nas Resoluções e Decisões de Congressos, Conferências e Plenários do Comitê
Central (publicado pelo Instituto Marx-Engels-Lenin-Stalin do Comitê Central do Par-
tido em 1954), um plenário do Comitê Central foi realizada durante a guerra (27 de
janeiro de 1944), quando foi decidido dar às várias Repúblicas da União o direito de
ter seus próprios ministérios estrangeiros e foi também decidido substituir a Inter-
nacional pelo novo hino nacional soviético. Mas é provável que Khrushchev esteja
certo, que não houve nenhum plenário do Comitê Central em 1944 e uma fraude foi
perpetrada: O plenário foi anunciado como tendo ocorrido embora nunca tivesse tido.
29
Doklad Khrushcheva 152 n. Dia 23.
30
Outras decisões do Plenário do CC de janeiro de 1944 são descritas em um livro soviético de
1985 Velikaia Otechestvennaia Voina. Voprosy i Otvety. Eds. P.N. Bobylev et al. Moscou: Poli-
tizdat, 1985. Em http : //www.biograf ia.ru/cgi−bin/quotes.pl?oaction = show&name = voyna0833.
29
Capítulo 3
“Arbitrariedade” de Stalin em
relação ao Partido
Esta declaração é um dos meus três “Casos Especiais”31 pela seguinte razão:
Khrushchev implica que Stalin foi responsável por algo, mas não diz precisa-
mente o quê. Nem faz uma acusação explícita. Portanto, estritamente falando,
não há “revelação”, nem nada para expor.
No entanto, a declaração de Khrushchev foi certamente destinada a aludir
que Stalin simplesmente fez todos esses membros do Partido serem assassi-
nados. Essa implicação é completamente falsa e será refutada na seção atual
deste ensaio. No entanto, embora essa implicação tenha sido claramente in-
31
Ver Capítulo 10, “Uma Tipologia das Prevaricações de Khrushchev”, para discussão desta e de
outras categorias das prevaricações de Khrushchev.
10. REFERÊNCIA A “UMA COMISSÃO PARTIDÁRIA SOB O CONTROLE DO
PRESIDIUM DO COMITÊ CENTRAL”; FABRICAÇÃO DE MATERIAIS DURANTE
tencional e, como veremos, falsa, Stalin não é explicitamenteREPRESSÕES
acusado de
nada.
Temos agora o relatório desta comissão, conhecida como “Comissão Pos-
pelov”32 , nomeada em homenagem a Petr N. Pospelov, diretor do Instituto de
Marx-Engels-Lenin e secretário do Comitê Central. Historiador, Pospelov di-
rigiu esta comissão e mais tarde escreveu o primeiro rascunho do “Discurso
Secreto” de Khrushchev. Durante a vida de Stalin, as obras de Pospelov es-
tavam entre os exemplos mais flagrantes do “culto”. Ele se tornou um aliado
próximo de Khrushchev. Pospelov é considerado um historiador muito afe-
tado pelos humores políticos. Dada a sua posição, seria surpreendente se ele
não tivesse sido. Mesmo que não soubéssemos nada sobre ele, no entanto, o
relatório que leva seu nome sugeriria que este era o caso.
O relatório da Comissão Pospelov de fato conclui que muitas figuras do Par-
tido executadas eram inocentes. Mas as provas citadas no relatório não
demonstram essa inocência. A Comissão simplesmente os declarou inocen-
tes. Toda a estrutura do relatório deixa claro que seu propósito era declarar
Stalin culpado de repressões maciças e silenciar qualquer evidência que con-
tradissesse esta conclusão prévia.
Também temos os relatórios resumidos preparados para as “reabilitações”
das principais figuras do Partido reprimidas durante a década de 1930. Alguns
destes relatórios foram preparados antes do Relatório Pospelov, e a maioria
deles foram preparados depois. Editados e publicados pelo fundo “Memorial”
de Alexandr N. Iakovlev, eles incluem o Relatório Pospelov dentro de si, mas
muitos outros materiais também. O “Memorial” é uma organização bastante
anticomunista extremamente hostil a Stalin. Pode-se supor que eles teriam
incluído toda e qualquer evidência que tendia a fazer Stalin parecer culpado
de reprimir pessoas inocentes.33
Nesta seção, cobrimos os seguintes assuntos:
• Yezhov foi responsável por fabricar casos contra muitos cidadãos soviéticos. É
possível que isso inclua alguns dos membros do Partido citados por Khrushchev.
Yezhov confessou ter feito isso e foi julgado e executado em decorrência (veja a
seção separada 17 sobre Yezhov, abaixo).
31
CAPÍTULO 3. “ARBITRARIEDADE” DE STALIN EM RELAÇÃO AO PARTIDO
• Alguns foram falsamente implicados por terceiros. Tanto Eikhe quanto E. G. Ev-
dokimov falam em acusar falsamente outros, incluindo membros do CC, quando
foram espancados ou torturados de outra forma.
• Alguns foram torturados para assinar confissões falsas e acusações contra ou-
tros membros/delegados.
32
11. 1 DE DEZEMBRO DE 1934 “DIRETIVA” ASSINADA POR YENUKIDZE
33
CAPÍTULO 3. “ARBITRARIEDADE” DE STALIN EM RELAÇÃO AO PARTIDO
O fato de Khrushchev ter reclamado que Stalin não havia pedido aprovação
do Politburo para este decreto apoia a teoria apresentada por alguns pesqui-
sadores, que um dos motivos para Khrushchev atacar Stalin foi a tentativa
de Stalin de retirar o Partido da governança da sociedade e da administração
econômica. Essa teoria tem sido apoiada de várias maneiras por pesquisado-
res como Iuri Zhukov, Arch Getty e Iuri Mukhin, bem como pelo autor deste
presente trabalho.36
34
13. O TELEGRAMA DE STALIN E ZHDANOV PARA O POLITBURO DE 25 DE
SETEMBRO DE 1936.
35
CAPÍTULO 3. “ARBITRARIEDADE” DE STALIN EM RELAÇÃO AO PARTIDO
36
14. RELATÓRIO DE STALIN NO PLENÁRIO DO COMITÊ CENTRAL DE FEVEREIRO
A MARÇO DE 1937
Em vez de pedir uma “política de terror em massa”, Stalin teceu um forte
argumento contra ela. Iuri Zhukov (Inoi Stalin, 360 ff.) concorda que o dis-
curso de Stalin foi muito leve. Uma resolução foi preparada a partir de seu
relatório. Foi aprovada por unanimidade, mas nunca foi publicada. Zhukov a
cita a partir de uma cópia de arquivo (362-3).
Longe de pedir “repressão em massa”, como Khrushchev falsamente alegou,
Stalin pediu mais formação política interna do Partido, especialmente para
líderes partidários como os da Plenária do Comitê Central. Ele pediu a cada
um desses líderes do Partido para escolher dois substitutos para eles próprios
para pudessem ir a cursos do Partido com duração de quatro meses, enquanto
mais líderes locais do Partido iriam para cursos com duração de seis Meses.
Muitos, ou a maioria, dos Delegados da Plenária eram primeiros secretários
e secretários locais do Partido. Eles poderiam ter interpretado este plano como
uma ameaça. Na verdade, eles deveriam escolher seus próprios substitutos
em potencial. Uma espécie de “competição” para esses altos postos do Partido
parecia sendo preparada. Se os secretários do Partido fossem a esses cursos,
quem poderia dizer que voltariam aos mesmos cargos?
Na realidade, foram os Primeiros Secretários do Partido e outros em todo o
país – incluindo, como vimos, o próprio Khrushchev – que se voltaram para a
“repressão em massa”. Esses cursos nunca foram criados. No pleno seguinte,
em junho de 1937, os secretários, em vez disso, recorreram a Stalin com his-
tórias assustadoras de ameaças por reacionários e a volta dos kulaks. Eles
exigiram poderes extraordinários para fuzilar e aprisionar dezenas de milha-
res dessas pessoas. Isso será discutido com mais detalhes abaixo.
Mais cedo na Plenária, em 27 de fevereiro, Stalin deu o relatório da comis-
são sobre a investigação de Bukharin e Rykov. Isso marcou um total de três
relatórios de Stalin – o máximo que ele já fez em qualquer Pleno. Neste relató-
rio, ele recomendou uma resolução muito branda. Getty e Naumov (411-416)
estudaram a votação da comissão e apontam que as recomendações de Stalin
foram as mais brandas de todas – exílio interno. Yezhov, o relator original, jun-
tamente com Budienniy, Manuilskii, Shvernik, Kosarev e Iakir votaram para
“entregá-los a julgamento com uma recomendação para fuzilá-los”.
Veja a discussão detalhada de Vladimir Bobrov e Igor Pykhalov43
em um artigo que examina um boato, espalhado pela viúva de Bukharin,
Larina, em suas memórias, no qual Stalin tinha sido a favor da execução e
Iakir tinha se oposto - exatamente o contrário do que realmente ocorreu, mais
um pouco de “folclore” antistalinista que se elevou ao status de “fato” histórico
até que os documentos foram publicados nos tempos pós-soviéticos.
Stalin esboçou uma visão de que a luta de classes tinha que aguçar à medida
que a União Soviética se desenvolvia em direção ao socialismo. Mas isso não
foi em 1937, e sim no Plenário Conjunto de Abril de 1928 do Comitê Central e
da Comissão Central de Controle:
Qual é o problema aqui? Não é de todo a questão que quanto mais à frente dirigimos,
mais forte a tarefa da construção socialista se desenvolve, então mais forte crescerá
a oposição dos capitalistas. Esse não é o problema. A questão é por que a oposição
43
”Iakir I Bukharin: Spletni I Dokumenty.” http : //delostalina.ru/?p = 333. É reimpresso em Igor
Pykhalov, Velikii Obolgannyi Vozhd’ (Moscou: Yauza, 2010), Capítulo 6, 355-366.
37
CAPÍTULO 3. “ARBITRARIEDADE” DE STALIN EM RELAÇÃO AO PARTIDO
De acordo com Bordiugov e Kozlov, esta tese havia sido ainda mais desen-
volvida por Valerian Kuibyshev no Plenário de Setembro de 1928. Eles acres-
centam que Bukharin se opôs a ela no Plenário de abril de 1929, mas de uma
forma ambígua: Bukharin havia concordado que a luta de classes aguçava em
certos momentos – e concordou que 1929 era uma dessas vezes – mas disse
que não era um princípio geral.
38
15. “MUITOS DEPUTADOS QUESTIONARAM A REPRESSÃO EM MASSA”,
ESPECIALMENTE PAVEL POSTYSHEV
Postyshev foi, na verdade, o mais severo de todos no expurgo de um grande
número de pessoas, e foi removido da posição de membro candidato do Polit-
buro por isso no Pleno do CC de janeiro de 1938. Getty demonstra longamente
como Postyshev foi assado sobre as brasas neste Pleno por conta de repres-
são excessiva, falando “o supervigilante Postyshev foi sacrificado pelo fim das
expulsões em massa Partido...”46 (Getty & Naumov 517; cf 533ff.).
A análise de Iuri Zhukov concorda que, na Plenária de Janeiro de 1938, a
liderança de Stalin tentou novamente frear as repressões ilegais dos Primeiros
Secretários. O documento que confirma a expulsão e prisão de Postyshev por
reprimir pessoas inocentes em massa é citado longamente, em sua tradução,
por Getty e Naumov.
Khrushchev estava presente no Pleno do CC de janeiro de 1938, e certamente
sabia tudo sobre o destino de Postyshev e o porquê de ele ser retirado. Como
participante do Plenário, Khrushchev também tinha que saber que “muitos
membros” não “questionaram a correção” das repressões. O próprio Khrush-
chev fez um discurso duro e repressivo no Pleno do CC de fevereiro a março de
1937, no qual apoiou a repressão de todo o coração.
Além disso, foi Khrushchev quem substituiu Postyshev como membro can-
didato do Politburo47 . De acordo com Getty e Naumov, o próprio Khrushchev
foi um dos que estavam “falando com força contra Postyshev”.48
Portanto, Khrushchev estava mentindo. Longe de “questionar” as repres-
sões em massa, Postyshev foi um dos que mais flagrantemente se envolveu
nelas, a ponto de ser o primeiro a ser afastado da filiação de candidatos no
Politburo, e logo depois foi expulso do Partido e preso. A transcrição parcial
deste Pleno, agora disponível, confirma isso. As repressões sem lei e arbitrá-
rias de Postyshev são documentadas em uma carta de Andreev a Stalin de 31
de janeiro de 1938.
Postyshev logo foi preso, e mais tarde confessou envolvimento em algum tipo
de conspiração para participar de uma conspiração direitista, nomeando uma
série de outros, incluindo outros primeiros secretários e membros do CC. De
acordo com Vladimir Karpov, Postyshev confirmou sua confissão a Molotov.
Dada a documentação citada acima – uma pequena fração de tudo o que está
disponível, mas ainda não liberado – há todos os motivos para acreditar que a
prisão, julgamento e execução de Postyshev foram justificadas. Sua execução
veio mais de um ano após sua prisão. Sabemos que há um longo arquivo
investigativo sobre ele, e uma transcrição do julgamento, mas praticamente
nada disso foi liberado pelo governo russo.
46
Getty, J. Arch; Oleg V. Naumov The Road to Terror. Stalin and the Self-Destruction of the
Bolsheviks, 1932-1939. New Haven: Yale University Press, 1999 (doravante Getty & Naumov),
517; cf. 533 ff. O documento que confirma a expulsão e prisão de Postyshev é reproduzido na
PP. 514-516.
47
Stalinskoe Politbiuro v30-e gody. Sbornik dokumentov (Moscou: AIRO-XX, 1995), p.167.
48
Getty & Naumov, 512.
39
Capítulo 4
16 Eikhe
Khrushchev:
O Comitê Central considera absolutamente necessário informar ao Congresso de mui-
tos desses “casos” fabricados contra os membros do Comitê Central do Partido eleitos
no 17º Partido Congresso. Um exemplo de provocação vil, de falsificação odiosa e de
violação criminosa da legalidade revolucionária é o caso do ex-candidato ao Politburo
do Comitê Central, um dos mais proeminentes militantes do Partido e do governo
soviético, camarada Eikhe, membro do partido desde 1905.
Sobre “Tortura”
Devemos ter em mente algumas coisas que são, ou deveriam ser, óbvias. O
fato de alguém ter sido espancado ou torturado não significa que essa pessoa
era “inocente”. O fato de uma pessoa ter dado falsas confissões sob tortura
49
A carta é publicada em Doklad Khrushcheva, pp. 225-229, sem identificadores de arquiva-
mento. A carta original, bem como talvez muito mais do arquivo de investigação de Eikhe,
ainda é mantido em segredo pelas autoridades russas hoje. Nem mesmo os editores desta
publicação oficial foram autorizados a citar sua localização exata nos arquivos. Traduzimos e
anotamos no Capítulo 11 abaixo.
50
RKEB 1, p. 328
16. EIKHE
não significa que essa pessoa não era culpada de outros delitos. O fato de
uma pessoa alegar ter sido espancada, torturada, intimidada etc., para dar
uma confissão falsa não significa que ele esteja dizendo a verdade – que ele foi,
de fato, torturado ou que as confissões que ele deu eram falsas. Claro, isso
não significa que ele está mentindo, também.
Em suma, não há substituto para provas. A carta de Eikhe não é evidência
suficiente para estabelecer nada, incluindo se ele foi torturado ou não.
Em uma das poucas citações que temos de seu próprio julgamento em 1940,
Yezhov também afirma ter sido espancado para dar confissões falsas. No en-
tanto, não pode haver dúvida de que Yezhov era culpado de falsificar confis-
sões, de espancamentos e torturas, de fabricar casos contra muitas pessoas
inocentes e de executá-las.
No entanto, isso é apenas uma parte da história de Eikhe. Não sabemos
tudo, porque nem Khrushchev nem nenhum de seus sucessores como chefes
do PCUS, nem Gorbachev, Yeltsin ou Putin, jamais acharam adequado publi-
car os documentos do caso de Eikhe ou mesmo disponibilizar o caso de Eikhe
para pesquisadores.
Há boas evidências sugerindo que foi precisamente Eikhe quem liderou o
caminho para os Primeiros Secretários exigirem poderes extraordinários para
atirar em milhares de pessoas e enviar milhares mais para o que se tornou
o GULAG – que foi, de fato, Eikhe que começou a repressão em massa que
Khrushchev está alegando denunciar51 . Iuri Zhukov destaca os detalhes que
sabemos. (KP 16 de novembro de 2002). Ele acredita que Yezhov estava traba-
lhando junto aos Primeiros Secretários nas repressões e que teria prendido e
executado Stalin se Stalin os tivesse recusado estas exigências (16 de novem-
bro de 2002; novembro 20 de 2002).
No início de 2006, um volume foi publicado com transcrições de um único e
longo interrogatório de Yezhov e Frinovskii, o segundo em comando no NKVD52 .
Ambos confessaram ser parte da conspiração dos Direitistas que incluía Bukha-
rin, Rykov, e o antecessor de Yezhov como chefe da NKVD, Iagoda. Frinovskii
nomeia Evdokimov e Yezhov, bem como Iagoda, como os principais conspira-
dores direitistas. Ele menciona especificamente Eikhe, uma vez como visitante
de Evdokimov, uma segunda vez junto a Yezhov e Evdokimov53 . Evdokimov era
muito próximo de Yezhov, e foi julgado, condenado e executado junto dele em
fevereiro de 1940. É claro que Frinovskii suspeitava que Eikhe estava envol-
vido no mesmo grupo conspiratório direitista do qual ele, Yezhov, Evdokimov
e outros faziam parte, caso contrário não teria mencionado-o nesta conexão.
Mas Frinovskii não dá detalhes sobre Eikhe.
A hipótese de Zhukov melhor explicou os fatos conhecidos antes mesmo da
51
Ver a nota de S.N. Mironov para Nikolai Yezhov de 17 de junho de 1937, impressa na “comu-
nicação especial” de Yezhov a Stalin de 22 de junho de 1937, em Vladimir Khaustov e Lennart
Samuelson, Stalin, NKVD i repressii 1936-1938 gg. (Moscou: ROSSPEN, 2009) 332-333. Mi-
ronov explicitamente nomeia Eikhe nesta nota.
52
Lubianka. Stalin i NKVD-NKGB-GUKR “Smersh”. 1939 - Mart 1946. Moscou: MDF, 2006,
Documento No. 37, pp. 52-72, e Doc. No. 33, pp. 33-50. Este volume será citado a partir de
agora como Lubianka 3.
53
Eikhe confirma uma dessas visitas a Yezhov junto com Evdokimov na carta a Stalin. Cf.
Doklad p. 228.
41
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
publicação da declaração de Frinovskii de 11 de abril de 1939. Nela Frinovskii
confirma a existência de uma conspiração direitista muito ampla em toda a
União Soviética. Evdokimov, que esboçou esta conspiração para Frinovskii em
1934, disse-lhe que já em 1934 os Direitistas haviam recrutado, em toda URSS,
muitos oficiais soviéticos importantes54 . Foi precisamente os julgamentos e
execuções de tais pessoas que Khrushchev alegou que Stalin havia fabricado.
A declaração de Frinovskii deixa claro que não foi uma invenção.
Evdokimov enfatizou que agora era necessário recrutar, entre os níveis mais
baixos do Partido, do Estado e do campesinato – por exemplo nos kolkhozes
– membros, para assumir o comando da onda de revoltas que já estavam em
curso, e que os Direitistas esperavam organizar em um movimento golpista.55
De acordo com documentos disponíveis para Jansen e Petrov, muitos dos
quais foram reclassificados pelo governo russo, Eikhe interferiu em assuntos
da NKVD, insistindo na prisão de pessoas contra as quais não havia provas56 .
Yezhov disse a seus subordinados não se oporem a Eikhe, mas sim coope-
rar com ele. Isso é consistente com a declaração de Frinovskii sobre a forma
como Yezhov, e ele próprio, operavam – espancando e enquadrando pessoas
inocentes, com objetivo de parecer estarem lutando contra uma conspiração
enquanto escondiam sua própria conspiração.
Zhukov acredita que o objetivo de Eikhe, juntamente com outros primeiros
secretários, era evitar a todo custo as eleições contestadas, que estavam mar-
cadas para dezembro de 1937, alegando que as conspirações oposicionistas
eram muito perigosas57 . Se eles realmente acreditavam nisso ou não, durante
o Pleno do CC de outubro de 1937 eles foram bem-sucedidos em persuadir
Stalin e Molotov a cancelar as eleições contestadas.
Stalin também estava sob outras pressões. Um de seus colaboradores mais
próximos na Constituição e nas questões eleitorais, Ia. A. Yakovlev, foi preso
subitamente em 12 de outubro de 1937. Em um interrogatório de confissão,
publicado pela primeira vez apenas em 2004, Yakovlev disse que estava tra-
balhando para a clandestinidade Trotskista desde a época da morte de Lênin,
e estava cooperando com Trotsky através de um espião alemão58 . Dada esta
avalanche de evidências de conspirações reais e extremamente perigosas envol-
vendo pessoas altamente posicionadas no governo soviético, Partido e Exército,
Stalin e o Politburo não estavam em posição de ignorar as exigências firmes de
um número de Primeiros Secretários para uma guerra total contra o perigo.
É interessante que Eikhe pareça ter sido julgado e executado ao mesmo tem-
54
Lubianka 3, p. 38.
55
Ibid.
56
M. Jansen, N. Petrov. Stalin’s Loyal Executioner: People’s Commissar Nikolai Yezhov. 1895 -
1940 (Hoover Inst4itution Press, 2002), p.91.
57
Stalin queria que as eleições para o Soviete Supremo da URSS ocorressem com 2-3 can-
didatos para um determinado cargo. Os candidatos seriam propostos não apenas pelo
Partido Comunista (PCTU(b)), mas também por organizações sindicais com representação
em toda a União. Como evidência Zhukov publicou uma cédula de amostra para as elei-
ções de dezembro de 1937 em que está escrito: “Deixe nesta cédula o sobrenome de um
candidato para quem você deseja votar. Risque o resto. É a sexta ilustração depois
de p. 256 em Zhukov, UI. Inoi Stalin. Vagrius, 2003. Eu coloquei on-line em http :
//chss.montclair.edu/english/f urr/research/sample_ballot_1937.html.
58
Lubianka 2 Doc. No. 26, pp. 387-395.
42
16. EIKHE
59
Yakovlev, A S, Tsel’ Zhizni. Moscou: Politizdat, 1973, p. 264. Este livro também está disponível
online em http : //militera.lib.ru/memo/russian/yakovlev − as/20.html
60
Lubianka 3, 45.
43
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
de Eikhe a Stalin não estava no discurso de Khrushchev nem no Relatório
Pospelov. Especificamente, Eikhe escreveu que ele não estava disposto a
... sofrer espancamentos novamente por Yezhov, que tinha sido preso e exposto como
um contrarrevolucionário, e que foi a ruína de mim [ou, “quem me destruiu”] estava
além da minha força61 .
17 Yezhov
Embora quebre um pouco a ordem do original, aqui é conveniente examinar
o que Khrushchev diz sobre Yezhov, uma vez que está intimamente ligado a
Eikhe.
Khrushchev:
Estamos justamente acusando Yezhov pelas práticas degeneradas de 1937. Mas te-
mos que responder a essas perguntas: Yezhov poderia ter prendido Kossior, por exem-
plo, sem o conhecimento de Stalin? Houve uma troca de opiniões ou uma decisão do
Politburo sobre isso? Não, não havia, como não havia nenhuma em relação a ou-
tros casos desse tipo. Yezhov poderia ter decidido assuntos tão importantes como o
destino de figuras tão eminentes do Partido? Não, seria uma demonstração de inge-
nuidade considerar isso o trabalho de Yezhov sozinho. É claro que essas questões
foram decididas por Stalin, e que sem suas ordens e sua sanção Yezhov não poderia
ter feito isso.
44
17. YEZHOV
62
Traduções em inglês dos textos de todos os interrogatórios de Yezhov publicados a partir de
2010 estão em Grover Furr, “Interrogations of Nikolai Yezhov, former People’s Comissar for
Internal Affairs”, em http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/ezhovinterrogs.html.
63
Consulte o apêndice deste capítulo para citações.
64
Ver RKEB 1, pp. 308-9 e apêndice para este capítulo.
45
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
1939, Yezhov foi preso por, e imediatamente confessou, abusos grosseiros nas
investigações: espancamentos, confissões falsificadas, tortura e execuções ile-
gais. Jansen e Petrov, se baseando em parte em documentos que não são mais
disponíveis aos pesquisadores e, em parte, em alguns documentos lançados
apenas em 2006, mostram a tremenda extensão desses abusos e descrevem
os métodos criminosos de Yezhov e seus homens. Não há nenhuma evidência
– nenhuma – de que Stalin ou a liderança central desejassem que ele agisse
dessa maneira, e há vasta evidência que eles consideravam tal comportamento
criminoso.
18 Rudzutak
Khrushchev:
O camarada Rudzutak, candidato-membro do Politburo, membro do Partido desde
1905, que passou 10 anos em um campo de trabalho forçado tsarista, retirou com-
pletamente a confissão que foi forçada a ele durante julgamento... Após uma análise
cuidadosa do caso em 1955, foi estabelecido que a acusação contra Rudzutak era
falsa e que se baseava em materiais caluniosos.
Rudzutak foi reabilitado postumamente.
46
18. RUDZUTAK
sugerir é que os depoimentos contra ele são “contraditórios”. Isso não é evidên-
cia de que eles sejam falsos. Exatamente o oposto: se um número substancial
de confissões ou testemunhos fossem idênticos, isso seria uma evidência prima
facie de que eles tinham sido “orquestrados” de alguma forma.
Rudzutak evidentemente retirou sua confissão no julgamento. Mas não po-
demos ter certeza de que retirou tudo. Os Materiais de Reabilitação Rudenko
de 1955 dão informações muito mais extensas sobre as acusações contra Rud-
zutak. O Relatório Pospelov menciona apenas a acusação de que ele estava em
uma “organização nacionalista Letã, envolvido em sabotagem, e era um espião
para a inteligência estrangeira”67 . Khrushchev falsificou até isso:
Eles nem sequer o chamaram para o Politburo, Stalin não queria falar com ele. Atra-
vés de uma verificação exaustiva realizada em 1955, foi estabelecido que o caso contra
Rudzutak foi falsificado. E ele foi condenado com base em provas caluniosas.
Não há nada nos materiais Rudenko ou no Relatório Pospelov sobre essas
coisas. Talvez Khrushchev as tenha inventado.
E muito é omitido. Por exemplo, os materiais de reabilitação sobre Rudzu-
tak nem sequer mencionam Tukhachevsky, embora Rudzutak estivesse inti-
mamente associado a ele nos expurgos etc.68
É assim que sabemos que Khrushchev mentiu – se o relatório de “reabi-
litação” sobre Rudzutak não o inocentou, então Khrushchev não sabia, na
realidade, se Rudzutak era culpado ou não. Khrushchev falou “em flagrante
negligência da verdade” – ele pode não ter sabido o que era, mas ele alegou
saber. E, claro, Khrushchev e Pospelov tiveram acesso a todo o arquivo de
Rudzutak e a todos os materiais investigativos ligados a ele. Se existiam pro-
vas exculpatórias, por que não a citaram?
Ainda assim, sabemos agora que Yezhov e, sob sua instrução, seus homens,
estavam fabricando confissões contra milhares de pessoas. É bastante possível
que houve alguma falsificação no caso de Rudzutak. Yezhov e sua corja de
interrogadores poderiam ter falsificado algumas informações contra Rudzutak,
embora Rudzutak tivesse admitido sua culpa em alguns assuntos, e tenha sido
implicado por muitos outros.
É ainda mais importante, então, ser capaz de examinar cuidadosamente
todas as evidências disponíveis para investigadores e tribunais soviéticos à
época. Mas isso é exatamente o que não podemos fazer. Nem na época de Kh-
rushchev, na época de Gorbachev – quando “glasnost”, ou “abertura”, deveria
levar à “abertura” dos arquivos – e nem mesmo hoje não foi lançada qualquer
proporção minúscula dos materiais investigativos contra até mesmo os princi-
pais réus dos três famosos Julgamentos de Moscou de 1936, 1937 e 1938.
Nenhum material do caso de Rudzutak foi publicado, seja pela URSS ou
desde então. Isso em si é suspeito, já que Rudzutak foi preso em estreita
associação com Tukhachevsky.
Rudzutak foi uma das pessoas acusadas por Stalin, em 2 de junho de 1937,
de envolvimento na Conspiração Militar na sessão extraordinária expandida
do Soviete Militar69 .No entanto, ele não foi executado até 28 de julho de 1938,
67
RKEB 1, p.328.
68
RKEB 1, pp. 294-5.
69
Lubianka 2, , No. 92 pp. 202 ff. Sobre Rudzutak particularmente ver 204-5.
47
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
mais de um ano após o grupo Tukhachevsky. Isso sugere que uma longa e
séria investigação ocorreu. Mas não temos acesso a nada disso.
Rudzutak foi condenado através do testemunho de outros, apesar da falta
de qualquer confissão de sua autoria. Ele é citado em vários documentos da
NKVD publicados em Lubianka 2, como
• Nº 290, M.L. Confissão muito detalhada de Rukhimovich. Rudzutak é nomeado
na p. 484.
É claro que isso não prova sua culpa, ainda mais porque são “documentos
Yezhov”, confissões feitas durante o mandato de Yezhov como chefe da NKVD
– e vimos acima o tipo de coisas que se passavam sob Yezhov. Mas eles são in-
compatíveis com qualquer alegação de que Rudzutak era inocente – isto é, com
sua “reabilitação”. A confissão de culpa de um réu pode não ser verdadeira,
por uma razão ou outra. Mas nunca pode ser evidência de inocência.
As anotações privadas de Stalin sobre estes70 , bem como outros documen-
tos, são consistentes com alguém tentando aprender com os relatórios policiais
que estão sendo submetidos a ele, mas não com alguém “fabricando” qualquer
coisa.
É difícil imaginar alguém fazendo tais anotações, destinadas apenas aos
olhos de seus apoiadores mais próximos, se ele não as aceitasse como verda-
deiras.
Rudzutak é nomeado muitas vezes no julgamento de Moscou de 1938 pelos
réus Grinko, Rozengolts e Krestinsky, que testemunham sobre ele longamente
e em grande detalhe. Em outro interrogatório – a confissão publicada no início
de 2006 – Rozengolts é nomeado por Tamarin como a pessoa que o recrutou
para a conspiração direitista-trotskista.71
De acordo com Krestinsky, Rudzutak foi o centro de toda a conspiração. Mo-
lotov concorda que Rudzutak lhe disse que tinha sido espancado e torturado,
mas ainda se recusou a confessar. No entanto, houve muitos testemunhos
contra ele72 .
19 Rozenblium
Khrushchev:
A forma com a qual os antigos militantes da NKVD fabricavam vários “centros antis-
soviéticos” e “blocos” fictícios com a ajuda de métodos provocativos é vista a partir
da confissão do camarada Rozenblium, membro do partido desde 1906, que foi preso
em 1937 pelo NKVD de Leningrado.
Em 1955, durante o exame do caso Komarov, Rozenblium revelou o seguinte fato:
Quando Rozenblium foi preso em 1937, ele foi submetido a uma terrível tortura du-
rante a qual foi ordenado a confessar informações falsas sobre si mesmo e sobre
outras pessoas. Ele foi então levado para o escritório de Zakovskii, que lhe ofereceu
70
Ibid. p. 537.
71
Lubianka 3, 84-90, 92-93.
72
Chuev, Molotov, 483-5.
48
19. ROZENBLIUM
liberdade com a condição de que fizesse, perante o tribunal, uma confissão falsa sobre
“sabotagem, espionagem e desvio em um centro terrorista em Leningrado”, fabricada
em 1937 pelo NKVD (Movimento no salão). Com um cinismo inacreditável, Zakovs-
kii contou sobre o vil “mecanismo” para a criação astuta de “tramas antissoviéticas”
forjadas.
Para ilustrar isso para mim, – afirmou Rozenblium –”Zakovskii me deu vá-
rias variantes possíveis da organização deste centro e de suas ramificações.
Depois que ele detalhou a organização para mim, Zakovskii me disse que
a NKVD prepararia o caso deste centro, observando que o julgamento seria
público.
Antes do tribunal deveriam ser trazidos 4 ou 5 membros deste centro: Chu-
dov, Ugarov, Smorodin, Pozern, Shaposhnikova (esposa de Chudov) e outros,
juntamente com 2 ou 3 membros dos ramos deste centro...
... O caso do centro de Leningrado tem que ser construído solidamente, e
por isso testemunhas são necessárias.
A origem social (é claro, no passado) e a posição partidária da testemunha
irão desempenhar mais do que um pequeno papel.
Você, você mesmo – disse Zakovskii – não precisará inventar nada. O NKVD
preparará para você um esboço pronto para cada ramo do centro; você terá
que estudá-lo cuidadosamente e lembrar bem todas as perguntas e respostas
que o Tribunal pode fazer. Este caso estará pronto em quatro ou cinco meses,
ou talvez meio ano. Durante todo esse tempo você se preparará para que
não comprometa a investigação nem a si mesmo. Seu futuro dependerá
de como o julgamento for e de seus resultados. Se você começar a mentir
e testemunhar falsamente, culpe a si mesmo. Se você conseguir suportar
isso, você vai salvar sua cabeça e nós vamos alimentá-lo e vesti-lo a custo
do Governo até a sua morte.
Este é o tipo de coisas vis que foram então praticadas. (Movimento no salão.)
Khrushchev nunca afirma explicitamente, mas implica fortemente, que Sta-
lin estava envolvido nisso. Na realidade, as evidências que temos hoje – e que
Khrushchev tinha então – mostram que Zakovskii era homem de Yezhov.
Rozenblium testemunhou sobre a fabricação de casos de Zakovskii. Zakovs-
kii era “um dos colegas mais próximos de Yezhov.73 ” Zakovskii foi preso em 30
de abril de 1938, e condenado à morte em 29 de agosto de 1938. Beria foi
nomeado como o segundo em comando de Yezhov em agosto de 1938.
Se aqui Rosenblum74 estava dizendo a verdade, então duas conclusões emer-
gem. Primeiro, Zakovskii não teria feito tudo isso sem a liderança de Yezhov.
Portanto, é claro que Yezhov estava envolvido em algum tipo de grande cons-
piração para construir-se conspirações em grande escala. Isso é consistente
com os detalhes disponíveis, e relatados por, Jansen e Petrov a respeito da
conspiração de Yezhov, a qual examinamos brevemente acima.
Em segundo lugar, Beria – que significava Stalin e aqueles ao seu redor
no Politburo – estava envolvido na investigação, e, finalmente, descobrindo e
eliminando esta conspiração. Stalin e Beria estavam envolvidos na destruição
da conspiração de Yezhov, não em seu fomento. Isso é consistente com as
deduções de Zhukov.
73
Yezhov é chamado de “um dos colegas mais próximos do N.I. Yezhov” na biografia de Zakovskii
de Zalesky, Imperiia Stalina, em http : //www.hrono.ru/biograf /zakovski.html.
74
A,M Rozenblum, de acordo com o Relatório Pospelov de Fevereiro. 9, 1956 - ver Doklad Kh-
rushcheva, p. 193, 865; RKEB 1.323. Quando foi preso em 1937, ele era o chefe do departa-
mento político da ferrovia de outubro. Em seu discurso, Khrushchev não se referiu aos autos
criminais de Rozenblum, mas às suas declarações à Comissão da CC PCUS em 1955.
49
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
Jansen e Petrov (151) citam Yezhov como tendo Zakovskii fuzilado em agosto
de 1938 para tirá-lo do caminho, para que não pudesse testemunhar contra ele
(Yezhov). Frinovskii afirma isso em sua declaração de confissão de 11 de abril
de 1939, recentemente publicada (fevereiro de 2006). De acordo com Frinovskii
e a outra evidência que temos, Zakovskii fazia parte da conspiração de Yezhov.
Segundo Frinovskii, Yezhov disse-lhe, em outubro de 1937, que Zakovskii “é
completamente nosso”. Então, em 27 e 28 de agosto de 1938, Evdokimov,
braço direito de Yezhov, disse a Frinovskii para garantir que Zakovskii e “todos
os homens de Iagoda” tivessem sido fuzilados, porque Beria poderia reabrir
seus casos e “esses casos poderiam se voltar contra nós”.75
No telegrama de Stalin de 10 de janeiro de 1939, Zakovskii foi explicitamente
acusado de torturar pessoas “como regra” (o telegrama pode, de fato, ter sido
enviado, ou reenviado, em julho – para este telegrama, veja abaixo). Mesmo
sem as declarações e confissões de Yezhov recém liberadas, Frinovskii e outros,
este telegrama seria uma forte evidência de que Stalin se opôs a esse tipo de
comportamento.
Mas Khrushchev omitiu esta parte do telegrama de Stalin no “Discurso Se-
creto” – sem dúvida, porque entraria em conflito com a impressão que aqui
estava tentando produzir. Portanto, Khrushchev está culpando Stalin pela
conspiração de Yezhov, enquanto na verdade Stalin mandou prender, julgar e
executar Yezhov precisamente por esta conspiração.
20 I. D. Kabakov
Khrushchev:
Ainda mais ampla foi a falsificação de casos praticadas nas províncias. A sede da
NKVD do Oblast de Sverdlov “descobriu” o chamado “equipe de insurreição dos Urais”
– um órgão do bloco de direitistas, trotskistas, socialistas revolucionários, líderes da
igreja – cujo chefe supostamente era o Secretário do Comitê do Partido do Oblast de
Sverdlov e membro do Comitê Central do Partido Comunista da União (Bolcheviques),
Kabakov, que era um membro do Partido desde 1914. Os materiais investigativos da
época mostram que em quase todos os krais, oblasts [províncias] e repúblicas su-
postamente existiam “organizações e centros trotskistas direitistas, de espionagem e
sabotagem” e que os chefes dessas organizações como uma regra – sem motivo co-
nhecido – eram primeiros secretários de comitês de Oblast ou de Partidos Comunistas
das repúblicas, ou Comitês Centrais.
50
20. I. D. KABAKOV
76
James R. Harris. The Great Urals: Regionalism and the evolution of the Soviet System (Ithaca
NY: Cornell University Press, 1999) 163 nas notas 78 e 81.
77
RKEB 1, Doc. No. 52, p. 280; cf Pospelov report, ibid., p. 323.
78
Jansen & Petrov, p. 75.
79
Lubianka 2, Doc. No. 276, p. 463.
51
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
21 -24. S. V. Kossior; V. A Ia. Chubar; P. P. Postyshev;
A. V. Kosarev
Khrushchev:
Muitos milhares de comunistas honestos e inocentes morreram como resultado da
falsificação monstruosa de tais “casos”, como resultado da aceitação de todos os tipos
de “confissões” caluniosas e como resultado da prática de se forçar acusações contra
si mesmo e outros. Da mesma forma, foram fabricados os “casos” contra eminentes
e militantes do Partido e do Estado- Kossior, Chubar, Postyshev, Kosarev e outros.
Kossior e Chubar.
Em sua confissão-interrogatório de 26 de abril de 1939 Yezhov nomeia Chu-
bar e Kossior como dois de uma série de altos funcionários soviéticos que esta-
vam passando informações para a inteligência alemã – em linguagem simples,
espiões alemães. Yezhov diz que o agente alemão Norden estava em contato
com “muitos” outros.80
De acordo com os materiais de reabilitação de Postyshev preparados para
Khrushchev, Kossior implicou Postyshev, então retirou suas confissões, mas
80
Lubianka 3, 79.
52
21. -24. S. V. KOSSIOR; V. A IA. CHUBAR; P. P. POSTYSHEV; A. V. KOSAREV
Kosarev
Não é verdade, como Khrushchev afirmou, que os Materiais de Reabilitação
estabeleceram que o caso contra Kosarev havia sido fabricado.
Há muita pouca informação sobre Kosarev nos materiais de reabilitação pu-
81
RKEB 1, p. 219.
82
Ibid., p. 251.
83
F.I. Chuev. Kaganovich. Shepilov. Moscou: OLMA-PRESS, 2001, p. 117
84
Chuev, Molotov, pp. 486-7.
85
RKEB 1, p. 326.
86
Lubianka 3, 85. 590.
53
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
blicados (Reabilitatsiia Kak Eto Bylo 1, 79-80; 166-8; 219; doravante RKEB 1).
Ele confessou e partes curtas foram publicadas – embora o relatório de reabi-
litação de 1954 afirmar que Kosarev foi torturado por Beria (167) para fazer a
confissão. Seu próprio dossiê – interrogatórios, julgamentos etc. – nunca foi
disponibilizado aos pesquisadores.
Kosarev é nomeado na carta de Ulrikh de 16 de março de 1939, como um dos
acusados que confirmou sua admissão de culpa no julgamento (veja acima).
Também sabemos que Postyshev acusou Kosarev.
De acordo com o relatório de reabilitação, Kosarev tinha sido hostil a Beria
quando este era primeiro secretário do partido georgiano. Ele continua dizendo
que Kosarev foi torturado para confessar e talvez enquadrado. Kosarev confes-
sou no julgamento. De acordo com o relatório de reabilitação, ele foi enganado
a pensar que isso salvá-lo-ia. Sabemos de exemplos em que os réus alegaram
ter sido espancados para confessar durante os interrogatórios, mas renuncia-
ram a essas confissões no julgamento. Mas é difícil imaginar porque alguém
confessaria um crime capital no julgamento para se salvar!
Os Materiais de Reabilitação de Kosarev estão muito preocupados em culpar
Beria por tudo, tal qual uma carta escrita pela viúva de Kosarev em dezembro
de 1953,época em que Beria e outros estavam supostamente em julgamento
(RKEB 1, 79-80). E Khrushchev foi rápido em afirmar que praticamente qual-
quer um preso e condenado durante o mandato de Beria como chefe da NKVD
foi “enquadrado”.
Kosarev foi preso em 29 de novembro de 1937 depois de Yezhov ser efetiva-
mente expulso. Ele teve certo contato com Yezhov, tendo sido editor do jornal
do Komsomol em que a esposa de Yezhov trabalhava. Jansen e Petrov especu-
lam que ele pode ter se envolvido com Yezhov de alguma forma, embora façam
a advertência de que isso era improvável(185).
Mas em um interrogatório recentemente publicado (fevereiro de 2006) A. N.
Babulin, sobrinho de Yezhov, colega conspirador, e testemunha da “degene-
ração moral” de Yezhov e da esposa de Yezhov, nomeia Kosarev como um dos
“convidados mais frequentes na casa de Yezhov”, juntamente com Piatakov,
Uritsky, Mikhail Koltsov, Glikina, Iagoda, Frinovskii, Mnoviro, Agranov e ou-
tros homens da NKVD mais tarde julgados e executados junto com Yezhov. Era
uma companhia estranha para um líder “inocente” do Komsomol manter. Em
seu próprio interrogatório recentemente publicado, O próprio Yezhov nomeia
Koltsov e Glikina – ambos na lista de “convidados mais frequentes” de Babulin
– como espiões ingleses, juntamente com sua falecida esposa Yevgenia.
Vadim Rogovin escreveu que Kosarev foi dispensado de seu posto como chefe
do Komsomol e preso por conta de repressão injustificada de militantes do
Komsomol. Vários artigos apareceram na imprensa popular, alguns da família
de Kosarev, estabelecendo a visão de que ele foi injustamente acusado e que
Olga P. Mishakova, a militante do Komsomol que Kosarev tinha maltratado,
havia denunciando-o incorretamente.87
87
Alguns desses artigos insistem que Kosarev nunca confessou, apesar do fato de que os materi-
ais de reabilitação da era Khrushchev afirmam que ele foi “forçado” a uma confissão enquanto
a carta de Ulrikh afirma definitivamente que ele confessou. Portanto, é improvável que esses
artigos sejam, no mínimo, confiáveis. Sem mais provas de interrogatórios e julgamentos, nada
54
21. -24. S. V. KOSSIOR; V. A IA. CHUBAR; P. P. POSTYSHEV; A. V. KOSAREV
Quem quer que seja o culpado, esta parece ser a razão para a prisão de
Kosarev, uma vez que é referido por Mgeladze em suas memórias. O relatório
de reabilitação de 1954 não menciona nada. Em vez disso, coloca a prisão de
Kosarev como devida a um ódio pessoal deste por Beria, por algumas coisas
negativas que havia dito a respeito de Beria.
Após a prisão de Beria em junho de 1953, Khrushchev, apoiado pelo resto
da liderança da PCUS, passou a demonizar Beria de todas as formas possí-
veis. Essa falha em mencionar a verdadeira razão para a prisão de Kosarev é
uma evidência de que os relatórios de reabilitação foram fabricados para fins
políticos, não como estudos sérios das evidências contra os reprimidos.
Não temos informações suficientes sobre Kosarev que sejam confiáveis – ou
seja, não baseadas em anedotas ou rumores – para dizer qualquer coisa além
de que ele tinha uma relação muito suspeita com Yezhov e sua esposa, e muitos
outros associados dos Yezhovs, todos os quais parecem estar envolvidos na
conspiração direitista centrada em Yezhov.
Os relatórios de reabilitação sobre Kosarev alegam que ele foi torturado.
(RKEB 1, 79-80; 166-8 ; 219). Uma vez que Frinovskii diz que, a fim de desatar
a investigação para longe de sua própria conspiração, Yezhov mandou torturar
os culpados bem como os inocentes, incluindo alguns de seus amigos, pode
muito bem ser que Kosarev tenha sido torturado também (Veja abaixo de 16.
Yezhov, acima).
Certamente não temos nenhuma evidência de que Stalin ou Beria “incrimi-
naram” Kosarev. Mesmo a informação anedótica apenas acusa Stalin de ser
muito crédulo. O que sabemos é que Khrushchev e a “comissão de reabilita-
ção” esconderam uma grande quantidade de informações sobre Kosarev, como
também fizeram sobre muitos outros.
No caso de Kosarev, Khrushchev e seus pesquisadores esconderam as co-
nexões que ele tinha com Yezhov, que parecem ter sido a sua ruína. Estas
ligações nem sequer são mencionadas nos materiais de reabilitação da era
Khrushchev. A conclusão mais cautelosa que podemos chegar é que Khrush-
chev declarou Kosarev inocente “em flagrante desconsideração à verdade”, sem
qualquer estudo sério relativo sua culpa ou inocência.
Akakii Mgeladze, mais tarde Primeiro Secretário do Partido Georgiano, mas
na década de 1930 uma figura dirigente do Komsomol, tinha gostado e res-
peitado Kosarev quando este era o chefe do Komsomol. De acordo com suas
memórias escritas na década de 1960 e recentemente publicadas, Mgeladze
discutiu Kosarev com Stalin em 1947 (p. 165). Stalin ouviu e, em seguida,
pacientemente explicou que a culpa de Kosarev tinha sido cuidadosamente
verificada por Zhdanov e Andreev.88
Isso é consistente com o que sabemos de outras fontes – que esses membros
do Politburo, bem como outros, foram designados para verificar as prisões e
acusações da NKVD contra os principais membros do Partido89 . Mgeladze –
podemos dizer.
88
A. I. Mgeladze. Stalin. Kak ia ego Znal. Stranitsy nedavnogo proshlogo. N.pl., 2001, pp. 165;
172.
89
Sovetskoe Rukovodstvo, Perepiska 1928-1941. Moscou: Rosspen, 1999, reimprime uma série
dessas cartas por Andreev e Zhdanov.
55
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
que claramente queria acreditar que Kosarev era: ou inteiramente inocente e
tinha sido incriminado por Beria por razões pessoais; ou simplesmente tinha
cometido algum erro ou outro – então disse a Stalin que ele próprio tinha lido
esses relatórios, bem como um por Shkiriatov, e achou impossível duvidar do
que diziam.
Se o relato de Mgeladze é significativo, é porque Mgeladze teve grande difi-
culdade em acreditar que Kosarev era culpado – ao ponto de confrontar Stalin,
por mais educado que tenha sido, sobre esta questão – e Stalin calmamente
reiterou sua posição, com base na investigação, de que Kosarev era culpado.
De acordo com Mgeladze, Stalin explicou que todos cometeram erros, e que
muitos erros foram cometidos em 1937. Mas Stalin não aplicou isso ao caso
de Kosarev.
Até hoje, todos os materiais documentais relacionados com a expulsão, pri-
são, investigação e julgamento de Kosarev são mantidos em segredo pelo go-
verno russo. Kosarev foi criticado e removido da liderança do Komsomol na 7º
Plenária do Comitê Central do Komsomol, realizada em Moscou nos dias 19 e
22 de novembro de 1938. A transcrição desta Plenária existe; e é citada em
uma biografia recente de Georgii M. Popov, que falou neste Pleno. Portanto,
existiam esses materiais na época de Khrushchev, mas nunca os mencionou.90
25 As Listas
Khrushchev:
Foi tolerada a prática cruel da NKVD preparar listas de pessoas cujos casos estavam
sob a jurisdição do Colegiado Militar e cujas sentenças foram preparadas antecipada-
mente. Yezhov enviaria pessoalmente essas listas a Stalin para a aprovação da puni-
ção proposta. Em 1937-1938, 383 listas contendo os nomes de milhares de militantes
do Partido, dos sovietes, do Komsomol, do exército e trabalhadores administrativos
foram enviadas para Stalin. Ele aprovou estas listas.
56
25. AS LISTAS
Snegov, a quem Khrushchev menciona mais tarde neste discurso, está nas
listas pelo menos duas vezes.
• Em http : //stalin.memo.ru/spiski/pg13026.htm
Nº. 383;
• http : //www.memo.ru/history/vkvs/images/intro.htm
Então Khrushchev sabia que Stalin não estava “sentenciando” ninguém mas
revisando as listas no caso de ter alguma objeção. Podemos ter certeza de que
Khrushchev sabia disso porque a nota de S. N. Kruglov, Ministro dos Assuntos
Internos (MVD) para Khrushchev, datada d 3 de fevereiro de 1954, sobreviveu.
Não diz nada sobre “sentenças preparadas com antecedência”, mas dá a ver-
dade:
Estas listas foram compiladas em 1937 e 1938 pela NKVD da URSS e apre-
sentadas ao CC da PCTU(b) para revisão imediata [ênfase adicionada pelo
autor].92
O Ministério Público foi ao julgamento não só com provas, mas com uma
sentença a ser recomendada aos juízes em caso de condenação.
Parece que os nomes dos membros do Partido, mas não de não membros
foram enviados para revisão. A introdução dissimulada observa que aqueles
signatários das listas consistiam em “nem todos os membros do Politburo, mas
apenas aqueles que eram mais próximos de Stalin”93 . Mas as evidências suge-
rem que foram aos membros do Secretariado do Partido, ao invés do Politburo,
que as listas foram submetidas. Até os editores notam que Yezhov – membro
do Secretariado, mas não do Politburo – assinou “como secretário do Comitê
Central”.94
Khrushchev escondeu o fato de que não Stalin, mas ele próprio, estava pro-
fundamente envolvido na seleção das pessoas para inclusão nessas listas, e
92
Em http : //www.memo.ru/history/vkvs/images/intro1.htm.
93
”Nem todos os membros do Politburo, mas apenas os membros mais próximos de Sta-
lin, participaram da revisão (na realidade, da co-assinatura) das listas.” Em http :
//www.memo.ru/history/vkvs/images/intro.htm.
94
”Nas 8 listas encontramos a assinatura de Yezhov (evidentemente aqui ele estava agindo não
como o Comissário Popular para Assuntos Internos, mas como secretário do CC)”, ibid.
57
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
na escolha da categoria de punição proposta para eles. Khrushchev menciona
que o NKVD preparou as listas. Mas ele não menciona o fato de que o NKVD
agiu em conjunto com a liderança do Partido, e que muitos dos nomes nestas
listas – talvez mais do que de qualquer outra região da URSS – se originaram
nas áreas sob o próprio poder de Khrushchev.
Até janeiro de 1938, Khrushchev foi primeiro-secretário do Partido em Mos-
cou e no oblast de Moscou. Depois disso, foi primeiro-secretário na Ucrânia.
A carta para Stalin (ver seção 4) pedindo permissão para atirar em 8.500 pes-
soas é datada de 10 de julho de 1937, mesma data da primeira das “listas de
fuzilamento” de Moscou.95
Na mesma carta, Khrushchev também confirma sua própria participação na
troika responsável pela seleção desses nomes, juntamente com o chefe da dire-
ção do NKVD para Moscou, S. F. Redens, e o promotor assistente K. I. Maslov
(Khrushchev admite que, “quando necessário”, foi substituído pelo segundo
secretário A. A. Volkov).
Volkov serviu como segundo secretário da Região de Moscou do PCTU(b)
apenas até o início de agosto de 1937, quando saiu para servir como Primeiro
Secretário do Partido bielorrusso. Depois disso, ele não era mais subordinado
de Khrushchev, o que pode ter salvado sua vida96 . Maslov se manteve o Pro-
curador (promotor) do oblast de Moscou até novembro de 1937. Em 1938 ele
foi preso e em março de 1939, executado, após ter sido considerado culpado
de atividade contrarrevolucionária subversiva97 . O mesmo destino se deu a K.
I. Mamonov que no início ocupou a posição de Maslov e mais tarde foi fuzilado
no mesmo dia que Maslov98
. Nem Redens escapou da punição. Ele foi preso em novembro de 1938 como
membro de um “grupo de espionagem diversionista polonês”, julgado, senten-
ciado e baleado em 21 de janeiro de 1940. Jansen e Petrov descrevem Redens
como um dos “homens de Yezhov”99 . Durante os anos do “degelo”, Redens foi
reabilitado por insistência de Khrushchev, mas devido a tais violações grossei-
ras dos procedimentos legais, em 1988 a reabilitação de Redens foi revertida –
uma época em que uma enorme onda de reabilitações estava em curso!100
Em outras palavras, com exceção de Volkov, todos os colegas mais próxi-
mos de Khrushchev que participaram das repressões em Moscou e no oblast
de Moscou foram severamente punidos. Como Khrushchev conseguiu escapar
da mesma punição? A resposta para este quebra-cabeça continua a ser des-
coberta. No capítulo final, examinaremos alguns fatos interessantes sobre o
sucessor de Khrushchev na dirigência do Partido em Moscou, A. S. Shcherba-
95
Cf. http : //www.memo.ru/history/vkvs/spiski/pg02049.htm
96
Em 11 de agosto de 1937 Volkov foi escolhido primeiro secretário do CC do Partido Comunista
(b) da Bielorrússia, e de outubro de 1938 a fevereiro de 1940 ocupou o cargo de Primeiro
Secretário da Obkom Chuvash da PCTU(b). Até onde sabemos, ele morreu em 1941 ou 1942.
Um relato mais detalhado de Volkov foi publicado no jornal Sovetskaia Belorussia de 21 de
abril de 2001. cf http : //sb.by/article.php?articleID = 4039
97
Cf. http : //www.mosoblproc.ru/history/prokurors/7/ e http :
//www.memo.ru/memory/donskoe/d39.htm.
98
Cf. http : //www.mosoblproc.ru/history/prokurors/8/ e http : //mos.memo.ru/shot − 63.htm.
99
Jansen & Petrov. 84; 148.
100
RKEB 3, p. 660.
58
26. RESOLUÇÕES DO PLENÁRIO DO COMITÊ CENTRAL JANEIRO DE 1938
59
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
Seja lá do que Uspensky era culpado, Khrushchev também deve ter sido cul-
pado por incriminar pessoas inocentes – ambos estavam na mesma troika103 .
Em interrogatórios que hoje não estão mais disponíveis para os pesquisado-
res, Uspensky revelou as instruções de Yezhov para falsificar casos de maneira
maciça104 (Jansen e Petrov 84; 148).
27 “Gangue de Beria”
Khrushchev:
Enquanto isso, a gangue de Beria, que dirigia os órgãos de segurança do Estado, se
superou em provar a culpa do preso e a verdade dos materiais que ele falsificou.
60
28. “TELEGRAMA SOBRE TORTURA”
• Ele omitiu partes importantes do texto do telegrama, que minam suas afirma-
ções.
• Ele não disse ao seu público que o texto do “telegrama” possuído por ele certa-
mente nunca foi enviado. Na verdade, o texto que temos parece uma cópia feita
em 1956.
• Há muitos problemas com o texto “original” deste telegrama, que foi publicado
durante a década de 1990. Seria preciso um estudo completo de duração de
artigo para desembaraçar todos os problemas com ele. Alguns desses ficarão
claros na discussão abaixo.
61
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
pessoas em ambas as categorias.108
Parece, portanto, que um dos principais propósitos do “Discurso Secreto” era
encobrir a sede de sangue dos Primeiros Secretários, como ele. Khrushchev
culpa Yezhov um pouco – ele o menciona algumas vezes. Mas Khrushchev
culpa principalmente Beria, a quem ele realmente tem ódio, mas que realmente
parou a Yezhovshchina e corrigiu seus abusos ao revisar sentenças. E, claro,
Khrushchev coloca a principal culpa em Stalin, que foi mais responsável do
que qualquer outro por parar a repressão.
A primeira coisa que devemos notar, para nossos propósitos, é o que Khrush-
chev omitiu – a passagem em negrito (ver nos Apêndices). O que foi omitido
faz várias coisas:
• Qualifica, limita e restringe as condições sob as quais devem ser utilizados “meios
de pressão física”.
• Se não for uma falsificação, pode ou não ser um “rascunho” não enviado. Parece
uma cópia digitada em 1956, como é declarado diretamente sobre ela. Além
disso, a tipografia da adição de 1956 e a do resto do telegrama parece idêntica.
Tudo isso teria que ser verificado cientifica e objetivamente. Mas o governo russo
não está prestes a realizar esse tipo de estudo, seja com este documento ou
com qualquer um dos muitos outros documentos de veracidade questionável
descobertos desde o fim da URSS. Mas, se é uma cópia, como parece provável
de ser, onde está o documento original?
108
Komsomolskaia Pravda 3 de dezembro de 2002; J. Arch Getty. “Excesses are not permitted:
Mass Terror and Stalinist Governance in the Late 1930s”. The Russian Review.Vol.61 (Janeiro
de 2002), p.127.
109
Lubianka 3, No. 8, pp. 14-15 e n. p. 15.
62
28. “TELEGRAMA SOBRE TORTURA”
110
Molotov, Malenkov, Kaganovich, 1957. Stenogramma iul’skogo plenuma TsK KPSS I drugie
dokumenty. Ed. A.N. Yakovlev, N. Kovaleva, A. Korotkov, et al. Moscou: MDF, 1998, pp.
121-2.
111
Getty, “Excesses” p. 114, n.4.
63
CAPÍTULO 4. OS “CASOS” CONTRA MEMBROS DO PARTIDO E PERGUNTAS
RELACIONADAS
que qualquer outro112 . Benediktov, ex-ministro da agricultura, disse a mesma
coisa em um artigo publicado em 1989. Neste cenário, o documento que Getty
encontrou é uma cópia que Khrushchev não conseguiu encontrar e destruir.
Nós realmente não sabemos.
O que sabemos é que, no mínimo, partes deste documento foram citadas
seletivamente por Khrushchev, com a intenção de enganar seu público.
64
29. RODOS TORTUROU CHUBAR E KOSSIOR POR ORDEM DE BERIA
É possível que Rodos tivesse simplesmente “seguido ordens”, como ele ale-
gou ter feito. Se, como alegado por Khrushchev e pelo “telegrama de tortura”,
a tortura tivesse sido autorizada pelo Comitê Central, e se Rodos tivesse sido
instruído a torturar alguns réus, como ele parece ter admitido, então ele tinha
apenas seguido ordens. Logo, ele não cometeu nenhum crime. Talvez seu ver-
dadeiro crime fosse ter sido um investigador sob Beria, bem como sob Yezhov.
Khrushchev fez o possível para culpar Beria.
Rodos foi julgado e sentenciado durante o período de 21 a 26 de fevereiro de
1956 – durante o próprio Congresso do Partido 20114 ! (RKEB 1 411, n. 13 ).
Por quê? Isso sugere que Rodos pode ter sido “julgado” e executado para calá-
lo. Como chefe da Seção de Investigação do NKVD, Rodos teria participado
ativamente nas investigações das atividades de Yezhov e teria sido responsável
pelos casos daqueles que estavam no círculo em torno da esposa de Yezhov,
incluindo Isaac Babel, Vsevolod Meierkhold, entre outros.
Outra possibilidade é que seu destino servisse para advertir os outros para
fazê-los cooperar com as “reabilitações” de Khrushchev, dizer aquilo que ele
queria que eles dissessem. Pavel Sudoplatov, um dos subordinados de Beria,
foi evidentemente preso por quinze anos por ter se recusado a falsificar acusa-
ções contra Beria, apenas conseguindo escapar da execução através do difícil
estratagema de fingir insanidade por alguns anos.
Os materiais do julgamento de Rodos nunca foram liberados. Ele obvia-
mente não tinha sido processado após a dispensa de Yezhov, assim como tan-
tos outros do NKVD que haviam torturado réus e fabricado casos. Era cer-
tamente conveniente para Khrushchev ter Rodos e Beria como pessoas que
poderia culpar pelas repressões. Esta pressa para se livrar de Rodos sugere
que pode ter havido algum tipo de conexão entre Khrushchev e Yezhov que
permanece desconhecida para nós hoje e cujas origens remontam aos anos
em que Khrushchev foi um dos Primeiros Secretários.
O General Pavel Sudoplatov foi convidado por Roman Rudenko, promotor
chefe soviético e uma cria de Khrushchev, para escrever falso testemunho con-
tra Beria após a morte deste. Quando Sudoplatov se recusou, ele foi preso e
acusado de ser um participante de uma “conspiração” imaginária de Beria. De
acordo com o relato de Sudoplatov, o General Ivan I. Maslennikov, um herói da
União Soviética, cometeu suicídio ao invés de fazer a mesma coisa. Sudoplatov
escapou da execução apenas fingindo insanidade, mas permaneceu preso por
15 anos115 . É possível que alguma coisa semelhante aconteceu com Rodos.
114
RKEB 1, p. 411, nota 13. O arquivo investigativo de Rodos ainda não foi desclassificado.
Na exposição “1953 god. Mezhu proshlym i budushchim” (2004) no Salão de Exposições dos
Arquivos Federais em Moscou havia na exposição dois documentos relativos a Rodos. Veja
o catálogo da exposição em http : //www.rusarchives.ru/evants/exhibitions/stalin_sp.shtml , Nº
269 e 270. Parece provável que o arquivo investigativo de Rodos ainda exista.
115
Pavel Sudoplatov, Spetsoperatsii. Lubianka i Kreml’ 1930-1950 gody. Moscou: Sovremennik,
1997. O capítulo em questão está online em http : //www.hrono.ru/libris/lib_s/beria1.php.
65
Capítulo 5
Stalin e a Guerra
sevelt por não prever o ataque a Pearl Harbor. Portanto, culpar Stalin por
não prever a hora e o local exatos do ataque nazista é ser vítima do “culto à
personalidade”, acreditar que Stalin deveria ter habilidades sobre-humanas e
inexplicavelmente falhou em usá-las.117
Os soviéticos não poderiam declarar uma mobilização porque isso era uni-
versalmente entendido como uma declaração de guerra. Foi precisamente uma
mobilização que desencadeou a Primeira Guerra Mundial. Teria dado a Hitler
a oportunidade de declarar guerra, deixando a URSS vulnerável a um acordo
separado entre Hitler e os Aliados. E em um plano para a “Operação Ost” ela-
borado em 1940, o general-major alemão, Marks, faz a observação lamentável
de que “os russos não nos farão o favor de nos atacar [primeiro]”.118
Os soviéticos não podiam confiar nos avisos britânicos, pois os britânicos
claramente queriam colocar Hitler contra a União Soviética e enfraquecer am-
bos, se não usar a oportunidade para fazer as pazes com Hitler contra os so-
viéticos, como muitos no establishment britânico queriam.
O Marechal Meretskov, nenhum admirador de Stalin, acreditava que a si-
tuação que precedia a guerra era muito complexa, impossível de prever. Suas
memórias foram publicadas após a expulsão de Khrushchev, em 1968. Zhu-
kov, que havia sido rebaixado em desgraça após a guerra por Stalin e tinha
ajudado Khrushchev a atacar Stalin em 1957, pensou que a União Soviética
sob Stalin tinha feito tudo o que podia para se preparar para a guerra.
Os Marechais Vasilevskii e Zhukov discordaram sobre se Stalin deveria ter
ordenado que todas as tropas tomassem posições ao longo da fronteira. Co-
mentando o artigo de Vasilevskii em 1965, após a expulsão de Khrushchev,
Zhukov escreveu que acreditava que isso teria sido um erro grave.
Embora Khrushchev não se refira a ele aqui, vale mencionar o “aviso” mais
famoso de um ataque alemão iminente, aquele do famoso espião soviético Ri-
chard Sorge, que estava na embaixada alemã no Japão, o qual foi recentemente
denunciado como uma farsa criada durante os anos do “Degelo” de Khrush-
chev.119
31 Carta de Vorontsov
Khrushchev:
Devemos afirmar que informações desse tipo, relativas à ameaça de invasão armada
alemã ao território soviético, vinham também de nossas próprias fontes militares e di-
plomáticas; no entanto, porque a liderança era condicionada contra tais informações,
117
Embora Khrushchev não aborde diretamente a questão aqui, queremos mencionar que foram
publicadas boas evidências de que o General Dmitry Pavlov, comandante da frente ocidental,
onde o Exército Vermelho foi surpreendido completamente despreparado, onde as maiores
perdas foram sofridas e onde os alemães efetuaram sua maior penetração na URSS após 22 de
junho, foi de fato culpado de conspirar a derrota para beneficiar os alemães. Algumas citações
e bibliografia sobre esta questão estão incluídas na seção de língua russa neste ponto.
118
1941 god v 2-kh knigakh. Kniga pervaia (Moscou: MFD, 1998) p. 154.
119
”22 iiunia 1941 goda. Moglo li vse byt ‘po-inomu? (”22 de junho de 1941: Poderia ter
tudo sido de outra forma?”), Krasnaia Zvezda 16 de junho de 2001. Online em http :
//www.redstar.ru/2001/06/16_06/4_01.html.
67
CAPÍTULO 5. STALIN E A GUERRA
32 Soldado alemão
Um pouco mais tarde, no “Discurso Secreto” Khrushchev voltou a este tema
dos “avisos”:
O próximo fato também é conhecido: Na véspera da invasão ao território da União
Soviética pelo exército hitlerista, um certo cidadão alemão cruzou nossa fronteira
e afirmou que os exércitos alemães haviam recebido ordens para iniciar a ofensiva
contra a União Soviética na noite de 22 de junho às 3 horas. Stalin foi informado
sobre isso imediatamente, mas até mesmo este aviso foi ignorado.
68
33. COMANDANTES MORTOS
33 Comandantes Mortos
Khrushchev:
Consequências muito graves, especialmente em referência ao início da guerra, segui-
ram à aniquilação, por Stalin, de muitos comandantes militares e militantes políticos
durante 1937-1941 por causa de sua suspeita e através de acusações caluniosas.
Durante esses anos, foram instituídas repressões contra certas partes dos quadros
militares, começando literalmente no nível de comandante da companhia e do bata-
lhão e estendendo-se aos centros militares mais altos; durante este tempo o quadro
de líderes que tinham adquirido experiência militar na Espanha e no Extremo Oriente
foi quase completamente liquidado.
• Desde o fim da URSS, uma grande massa de evidências foi publicada confir-
mando a culpa de Tukhachevsky e esses outros comandantes naquilo que eram
acusados. Desde a época de Khrushchev, esses mesmos comandantes têm sido
considerados heróis na URSS e também agora na Rússia pós-soviética. O go-
verno, que controla o arquivo presidencial onde os materiais sobre isso e os jul-
gamentos e investigações de 1936-1938 são mantidos hoje, só liberou pequenos
pedaços da documentação, e historiadores oficiais ainda negam que os coman-
dantes eram culpados.
120
eu coloquei este artigo on-line em http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/liskowpravda062741.pdf
69
CAPÍTULO 5. STALIN E A GUERRA
Mas mesmo essa documentação demonstra sua culpa além de qualquer dú-
vida. Por exemplo, em sua confissão-interrogatório recentemente publicada
(fevereiro de 2006) de 26 de abril de 1939, Yezhov confirma plenamente a exis-
tência de três conspirações militares separadas e concomitantes: uma com-
posta por “grandes líderes militares” liderados pelo Marechal A. I. Egorov; um
grupo trotskista liderado por Gamarnik, Iakir e Uborevich; e um “grupo bona-
partista de oficiais” liderado por Tukhachevsky.121
Para agravar sua desonestidade, Khrushchev reabilitou Tukhachevsky e a
maioria dos outros em 1957. Mas Khrushchev não criou uma comissão para
estudar a questão da culpa até 1962. O relatório, com provas adicionais de
culpa, foi mantido em segredo até 1994.122
• Khrushchev e os historiadores anticomunistas que vieram após dele exageraram
muito o número e a porcentagem dos comandantes militares executados e dis-
pensados durante 1937-38. Bons estudos sobre este assunto existiam na época
de Khrushchev e foram feitos hoje. Da mesma forma, o nível de treinamento
militar, e até mesmo da experiência de campo de batalha - pelo menos, a experi-
ência na Primeira Guerra Mundial – aumentou como resultado da substituição
de oficiais executados, presos e demitidos por aqueles promovidos para ocupar
suas posições.
Os melhores resumos de publicações russas recentes sobre esses assuntos são:
70
34. “DESMORALIZAÇÃO” DE STALIN APÓS O INÍCIO DA GUERRA
Seria incorreto esquecer que, após o primeiro desastre severo e a derrota no front,
Stalin pensou que este era o fim. Em um de seus discursos naqueles dias, ele disse:
”Tudo o que Lênin criou, perdemos para sempre.”
Depois disso, Stalin por muito tempo não dirigiu as operações militares e deixou de
fazer qualquer coisa.
Isso é completamente falso, e Khrushchev tinha que saber que era. A maioria
dos que trabalharam em estreita colaboração com Stalin durante as primeiras
semanas da guerra (e após) ainda estavam vivos e em altos cargos. No entanto,
eles nunca reportaram nada assim. O próprio Khrushchev esteve na Ucrânia
durante todo esse período, e não poderia ter conhecimento em primeira mão
de nada que Stalin disse ou fez.
Os livros de registros daqueles que vieram ao escritório de Stalin para tra-
balhar com ele foram publicados agora. Eles demonstram que Stalin estava
extremamente ativo desde o primeiro dia da guerra. Claro, estes também esta-
vam disponíveis para Khrushchev. Os livros de registros de 21 a 28 de junho
de 1941 foram publicados em Istoricheskii Arkhiv No. 2, 1996, pp. 51-54, e
documentam a atividade contínua de Stalin. Também colocamos cópias de
fac-símile das páginas manuscritas originais on-line.123
O Marechal Zhukov não tinha amor particular por Stalin. Stalin o rebaixou
após a guerra, quando Zhukov foi pego em posse de espólios de guerra ale-
mão. Zhukov também apoiou Khrushchev durante a expulsão em 1957 dos
“stalinistas” Malenkov, Molotov e Kaganovich. Apesar disso, Zhukov parece
ter mantido uma boa dose de respeito por Stalin, e, em suas memórias, ele
refutou a afirmação de Khrushchev.
Georgi Dimitrov, o chefe búlgaro do Comintern, escreveu em seu diário que
foi convocado para o Kremlin às 7 da manhã em 22 de junho de 1941, onde
encontrou Poskrebyshev (secretário de Stalin), marechal Timoshenko, Almi-
rante Kuznetsov, Lev Mekhlis, editor do Pravda e chefe do Diretório Político
do Exército, e Beria, chefe do NKVD. Ele comentou: “Calma impressionante,
resolutividade, confiança de Stalin e todos os outros”.124
Tentando resgatar a falsidade de Khrushchev sobre a suposta inatividade de
Stalin, biógrafos de Stalin do período da Guerra Fria, aproveitaram o fato de
que não há entradas no livro de registros dos visitantes ao escritório de Stalin
para 29 e 30 de junho e, portanto, eles concluem, seu suposto colapso deve
ter ocorrido nestes dias.
Até mesmo o historiador dissidente soviético e feroz antistalinista, Roi Med-
vedev, diz ser mentira esta versão dos acontecimentos. A versão de Khrush-
chev, diz Medvedev, é “uma completa invenção”125 , mas apareceu em biografias
123
Elas foram reproduzidas em http : //www.hrono.ru/libris/stalin/16 − 13.html. Uma
fonte conveniente para essa informação está no artigo de Igor Pykhalov “Did Sta-
lin colapse into innactivity?” (”Did Stalin fall into prostration?”), Capítulo 10 de
seu livro Velikaya Obolgannaya Voina (A Grande Guerra caluniada), também online
em http : //militera.lib.ru/research/pyhalov_i/10.html. Fac-símiles das cópias originais
de arquivo estão em http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/stalinvisitors41.pdf .
As páginas de Istoricheskii Arkhiv nº 2, de 1996, são reproduzidas em http :
//chss.montclair.edu/english/f urr/research/stalinvisitors41_istarkh96.pdf .
124
The diary of Georgi Dimitrov, ed. Ivo Banac (Yale U.P., 2003), p. 166
125
R. Medvedev, Z. Medvedev. The Unknown Stalin (Woodstock, NY: The Overlook Press, 2003),
71
CAPÍTULO 5. STALIN E A GUERRA
de Stalin por Jonathan Lewis e Phillip Whitehead (1990), Alan Bullock (1991)
e na Enciclopédia de Oxford da Segunda Guerra Mundial (1995). Medvedev
continua a citar as provas.
Stalin foi continuamente muito ativo desde de 22 de junho, incluindo 29 e
30 de junho. Em 29 de junho, houve uma discussão famosa com seus co-
mandados, incluindo Timoshenko e Zhukov. Mikoian a descreveu para a G.
A. Kumanev (Riadom so Stalinym, pp. 28-9). Também em 29 de junho, Stalin
formulou e assinou a importante diretiva sobre a guerra de guerrilha. Em 30
de junho foi emitido o Decreto do Soviete Supremo, do Conselho de Comissá-
rios do Povo e do Comitê Central do Partido, formando o Comitê Estadual de
Defesa.
O General Dmitri Volkogonov bem como Pavel Sudoplatov concordam que
Khrushchev estava mentindo. Ambos eram hostis a Stalin, Volkogonov extre-
mamente, nos anos 90, quando escreveu seus livros.
36 Kharkov 1942
Khrushchev:
Permitir-me-ei, nesta conexão, trazer à tona um fato característico ilustrativo da ma-
neira com a qual Stalin dirigiu as operações nos fronts. Está presente neste Congresso
Marechal Bagramian, que já foi o chefe de operações na sede da frente sudoeste e que
pode corroborar o que eu vou dizer a vocês. Quando em 1942 na região de Kharkov se
desenvolveu uma situação excepcionalmente grave para o nosso Exército. E qual foi
o resultado disso? O pior que esperávamos. Os alemães cercaram nossos bolsões do
exército e, consequentemente, perdemos centenas de milhares de nossos soldados.
Esse é o “gênio” militar de Stalin; isto é o que nos custou.
p. 242.
72
37. STALIN PLANEJOU OPERAÇÕES MILITARES EM UM GLOBO
Não só isso é errado - a maioria dos generais não culpam Stalin - mas alguns
dizem que o próprio Khrushchev é o culpado!
Em um artigo de aniversário sobre o tema do “Discurso Secreto” de Khrush-
chev, Sergei Konstantinov resumiu as reações de muitos líderes militares nas
observações de Khrushchev sobre Stalin. (Veja o apêndice) De acordo com o
acadêmico A. M. Samsonov, Zhukov discordou do relato de Khrushchev. Em
suas memórias Zhukov culpa Stalin, mas apenas em parte.126
Como vimos (ver seção 35, apêndice) O Marechal Vasilevskii chamou di-
retamente de uma mentira a versão de Khrushchev sobre defesa Kharkov.
Ele diz que Khrushchev e o General Kirponos receberam planos e lançado-
res de foguetes, bem como conselhos sobre como construir por suas próprias
armas. Na verdade, diz Vasilevskii, a culpa foi de Khrushchev, não de Stalin.
O Historiador Vadim Kozhinov aponta que Khrushchev usou esta história para
descreditar Malenkov127 , e evitou completamente o ponto óbvio de que, como
primeiro-secretário da Ucrânia há mais de três anos, Khrushchev poderia ter
feio a preparação de rifles muito antes.
A Short History of the Great Patriotic War (edição de 1970, pp. 164-5), pu-
blicada após a expulsão de Khrushchev, carrega esta versão, que culpa o co-
mando da frente ao invés de Stalin e o GKO. Isso é consistente com a carta de
Stalin de 26 de junho de 1942 citada por muitas fontes, incluindo a biografia
de Portugalskii et ali. de Timoshenko, e que culpava não apenas Bagramian,
mas também Timoshenko e o próprio Khrushchev.
Mais cedo, no “Discurso Secreto”, Khrushchev alegou que “Quem opinou
contra esse conceito ou tentou provar seu ponto de vista e a correção de sua
posição estava condenado à remoção da coletividade principal e à subsequente
aniquilação moral e física”. Isso não é verdade, e Khrushchev nem sequer deu
um único exemplo disso. O Marechal Timoshenko sobreviveu a Stalin por
17 anos, Khrushchev, por 18, Marechal Bagramian por 29 anos. Todos eles
insistiram em seu “ponto de vista”, e ainda assim nenhum foi punido, muito
menos “aniquilado”.
Dmitry Volkogonov, que era intensamente hostil a Stalin, sugere que Kh-
rushchev ou se lembrou mal depois de tantos anos, ou estava mentindo sobre
este ponto em seu “Discurso Secreto “.
73
CAPÍTULO 5. STALIN E A GUERRA
no salão.) Sim, camaradas, ele costumava pegar o globo e rastrear a linha de frente
nele. Eu disse ao camarada Vasilevsky: “Mostre-lhe a situação em um mapa...
Ninguém mais ouviu Stalin dizer isso. De acordo com uma observação do
próprio Zhukov, que é citada por vários escritores, Stalin o rebaixou, mas nun-
ca o insultou. Esta observação de Zhukov foi provavelmente uma resposta di-
reta a Khrushchev aqui, já que é difícil imaginar qualquer outra razão para ele
ter feito isso.
Stalin rebaixou Zhukov após a guerra, quando foi descoberto que o Mare-
chal estava roubando em grande escala espólios de guerra alemães, em vez de
contribuir para o Estado a fim de serem usados na reconstrução da destruição
imensa causada pelos alemães durante a guerra.128
Como todos sabiam do rebaixamento de Zhukov após a guerra, mas poucos
sabiam os detalhes do porquê isso havia ocorrido, Khrushchev provavelmente
estava apenas fazendo favores a Zhukov aqui. Ele precisava de Zhukov no ano
seguinte, para ajudá-lo a derrotar os “stalinistas” Malenkov, Molotov, Kagano-
vich e Shepilov, que tentaram tirá-lo do cargo.
128
Os detalhes foram publicados em um obscuro, mas evidentemente oficial jornal chamado
Voenniye Arkhivy Rossii 1, 1993, pp. 175-245. Nunca houve outra edição deste miste-
rioso diário. Um fac-símile dessas páginas específicas pode ser baixado a partir de http :
//chss.montclair.edu/english/f urr/research/zhukovthef t4648_var93.pdf .
74
Capítulo 6
39 Deportações de nacionalidades
Khrushchev:
Camaradas, vamos pegar outros fatos. A União Soviética é justamente considerada
como um modelo de Estado multinacional porque, na prática, garantimos a igualdade
e a amizade de todas as nações que vivem em nossa grande Pátria.
Ainda mais monstruosos são os atos cujo iniciador era Stalin e que são grosseiras
violações dos princípios leninistas básicos da política de nacionalidade do Estado so-
viético. Referimo-nos às deportações em massa de seus lugares nativos , juntamente
com todos os comunistas e komsomols, sem exceção; esta ação de deportação não foi
ditada por quaisquer considerações militares...
Não só um marxista-leninista, mas também nenhum homem de bom senso pode com-
preender como é possível tornar nações inteiras responsáveis por atividade inimiga,
incluindo mulheres, crianças, idosos, comunistas e komsomols, usar a repressão em
massa contra eles, e expô-los à miséria e sofrimento pelos atos hostis de pessoas
individuais ou grupos de pessoas.
Khrushchev não está “revelando” essas deportações; elas eram bem conhe-
cidas quando aconteceram. O que era “novo” foram suas três acusações contra
Stalin aqui: (1) as deportações foram feitas “sem qualquer exceção”; (2) as de-
portações “não foram ditadas por qualquer consideração militar”. (3) “nações
inteiras” foram punidas “pelos atos hostis de pessoas ou grupos de pessoas
individuais”. Estas são as “revelações” com as quais lidaremos.
Khrushchev menciona os Karachai, Kalmyks, Checheno-Ingushes e Balka-
res. Por alguma razão, ele não menciona os tártaros da Criméia ou os alemães
do Volga.
Os eventos que levaram a essas deportações, as próprias deportações e suas
as consequências estão extremamente bem documentados nos arquivos sovié-
ticos. Embora nenhuma dessas informações de arquivamento tenha sido pu-
blicada até o fim da URSS, Khrushchev, sem dúvida, teve acesso a ela. Ele, ou
seus assessores, tinham que saber que cada uma das críticas que Khrushchev
fez era falsa.
De acordo com Bugai e A. M. Gomov, ambos hostis a Stalin e que não apro-
vam as deportações,
...o governo soviético tinha, em geral, alocado suas prioridades corretamente, base-
ando essas prioridades em seu direito de manter a ordem atrás das linhas de frente,
e no Cáucaso Norte em particular.129
Isso era pra ser uma piada, já que Khrushchev não alegou seriamente que
Stalin queria deportar os ucranianos. Mas talvez Khrushchev mencionou os
ucranianos por uma razão, porque, como ele bem sabia, um pequeno número
de ucranianos, a maioria dos quais tinham entrado na União Soviética junto
aos nazistas e que haviam apoiado os crimes nazistas, estava em revolta, do
lado nazista e contra a União Soviética. Isso causou enormes problemas na re-
taguarda do Exército Vermelho enquanto ele avançava para o oeste em direção
à Polônia e Alemanha em 1944-45130 . À luz da natureza maciça das rebe-
liões antissoviéticas que estavam acontecendo na Checheno-Ingushia e entre
os tártaros da Criméia, os soviéticos tinham todos os motivos para temer que
a mesma coisa poderia ocorrer lá.
• A questão de saber se nacionalidades inteiras deveriam ter sido deportadas ou
não se resolve em dois pontos. Primeiro, quão massivas foram as rebeliões en-
tre esses grupos étnicos? Elas eram tão massivas que envolviam a maioria da
população? Citaremos evidências abaixo de que, no caso de duas dessas nacio-
nalidades tomadas para exemplos aqui, as rebeliões foram maciças, envolvendo
muito mais da metade da população.
76
39. DEPORTAÇÕES DE NACIONALIDADES
Tártaros da Criméia
Os tártaros da Criméia foram deportados em massa. Muitos documentos
preocupantes sobre sua deportação foram publicados na Rússia, a partir de
arquivos soviéticos anteriormente classificados. Naturalmente, eles foram pu-
blicados por pesquisadores anticomunistas, cujos comentários são muito ten-
denciosos. Mas os documentos em si são muito interessantes!
Em 1939 havia 218.000 tártaros da Criméia. Isso deve significar cerca de
22.000 homens em idade militar – cerca de 10% da população. Em 1941,
com base em números soviéticos contemporâneas, 20.000 soldados tártaros
da Criméia abandonaram o Exército Vermelho. Em 1944, 20.000 soldados
tártaros da Criméia haviam se juntado às forças nazistas e lutavam contra o
Exército Vermelho.
Então, a acusação de colaboração maciça procede131
. A questão é: o que os soviéticos deveriam ter feito sobre isso?
Eles não poderiam deixar de tomar alguma ação - deixá-los todos impunes.
Bem, eles não iam fazer isso!
Eles poderiam ter fuzilado os 20.000 desertores. Ou, poderiam ter prendido
- deportado - apenas eles, os jovens de idade militar. Qualquer uma dessas
ações teria significado praticamente o fim da nação tártara da Criméia, pois
não haveria maridos para a próxima geração de jovens tártaras.
Em vez disso, o governo soviético decidiu deportar toda a nacionalidade para
a Ásia Central, o que fizeram em 1944. Os tártaros da Criméia receberam
131
O pesquisador J. Otto Pohl, um autor extremamente anticomunista, argumentou a partir
de fontes alemãs que nem todos esses homens se juntaram às forças nazistas. Veja “The
False Charges of Treason against the Crimean Tartars.” (International Commitee for Crimea,
Washington, DC, 18 de maio de 2010). Mas mesmo que seja verdade, isso não faz diferença.
Os soviéticos não poderiam saber disso; deserção ainda era um crime grave; e a maioria dos
homens teria se juntado a grupos ou bandos antissoviéticos.
77
CAPÍTULO 6. SOBRE ARMAÇÕES E CASOS
Os chechenos e Ingushes
Em 1943 havia cerca de 450.000 chechenos e Ingushes na República Socia-
lista Soviética Autônoma chechena (CHASSR). Isso deveria significar cerca de
40.000-50.000 homens em idade para o serviço militar. Em 1942, no auge dos
sucessos militares nazistas, 14576 homens foram chamados ao serviço mili-
tar, dos quais 13560, ou 93%, desertaram e se esconderam ou se juntaram a
grupos rebeldes ou a bandidos nas montanhas.
Houve uma colaboração maciça com as forças alemãs por parte da popula-
ção chechena e ingush. Em 23 de fevereiro de 2000, a Rádio Svoboda entrevis-
tou nacionalistas chechenos que se gabavam orgulhosamente de uma rebelião
armada antissoviética pró-alemã em fevereiro de 1943, quando a penetração
alemã no Cáucaso estava no seu auge.
O problema com essa consideração é que ela mente por omissão. A revolta
em questão ocorreu, mas estava sob bandeira nazista e com o objetivo de uma
aliança nazista.
As baixas entre os exilados durante a deportação foram mínimas– 0,25%
dos deportados, segundo Bugai e Gomov.
Os registros do NKVD atestam 180 trens de comboio transportando 493.269 cidadãos
chechenos e ingushes e membros de outras nacionalidades apreendidos ao mesmo
tempo. Cinquenta pessoas foram mortas durante a operação, e 1.272 morreram na
viagem. (p. 56)
40 O Caso Leningrado
Khrushchev:
Após o término da Guerra Patriótica, a nação soviética enfatizou com orgulho as mag-
níficas vitórias obtidas através de grandes sacrifícios e esforços tremendos. O país
viveu um período de entusiasmo político.
E foi precisamente nessa época que nasceu o chamado “caso Leningrado”. Como já
provamos, este caso foi fabricado. Aqueles que inocentemente perderam suas vidas
incluíam os camaradas Voznesensky, Kuznetsov, Rodionov, Popkov, e outros...
78
41. O CASO MINGRELIANO
Como é que essas pessoas foram marcadas como inimigas do povo e liquidadas?
Fatos provam que o “caso Leningrado” também é o resultado da vontade que Stalin
exerceu contra os quadros do Partido.
41 O Caso Mingreliano
Khrushchev:
Instrutivo da mesma forma é o caso da organização nacionalista mingreliana que
supostamente existia na Geórgia. Como se sabe, resoluções do Comitê Central do
Partido Comunista da União Soviética foram tomadas sobre este caso em novembro de
1951 e em março de 1952. Essas resoluções foram feitas sem discussão prévia junto
ao Gabinete Político. Stalin as ditou pessoalmente. Elas faziam sérias acusações
contra muitos comunistas leais. Com base em documentos falsificados, foi provado
que existia na Geórgia uma organização supostamente nacionalista cujo objetivo era
a liquidação do poder soviético naquela república com ajuda de poderes imperialistas.
132
Na verdade, há boas evidências de que nenhuma fabricação estava envolvida no “Caso Lenin-
grado”, mas não vamos realizar um estudo sobre este assunto complicado aqui.
79
CAPÍTULO 6. SOBRE ARMAÇÕES E CASOS
Nesse sentido, vários responsáveis militantes do Partido e dos Sovietes foram presos
na Geórgia. Como foi mais tarde provado, esta foi uma calúnia dirigida contra a
organização do partido georgiano.
A única acusação específica que Khrushchev faz aqui é que Stalin ditou
pessoalmente as decisões do CC de novembro de 1951 e março de 1952, e sem
discussão prévia sobre elas no Politburo. Sabemos que isso não é verdade.
Uma edição crítica da resolução do Politburo de 9 de novembro de 1951
foi publicada. Os editores notam as correções de Stalin ao texto original: em
alguns casos para torná-lo mais preciso, mas em outros casos para suavizar
acusações mais duras de nacionalismo133 . No entanto, esta e a resolução de
27 de março de 1952 do Politburo (ibid., 352-4) foram tomadas nas sessões do
Politburo (ibid., p. 351 n. 1; p. 354 nº.1). Neste último caso Stalin escreveu o
título, mas a resolução estava na agenda do Politburo.134
Mas a principal alegação de Khrushchev é que Stalin foi responsável pela
fabricação deste caso, que “Tudo isso aconteceu sob a liderança ‘genial’ de
Stalin, ‘o grande filho da nação georgiana’, como os georgianos gostam de se
referir a Stalin.” Isso não é verdade. Documentos citados por Nikita Petrov,
um pesquisador extremamente antistalin que trabalha para a extremamente
anticomunista “Organização Memorial”, sugerem que a verdadeira questão era
“a luta contra os clãs na liderança georgiana”.135
Em 10 de abril de 1953, um mês após a morte de Stalin, o Presidium do CC
do PCUS adotou uma decisão culpando, sobre todos os outros, S. D. Ignatiev,
o chefe do MGB, por fabricar todo o caso e por submeter uma série de presos
à tortura prolongada, aprisionamento e a maus tratos. O próprio Khrushchev
era membro do Presidium!
Ignatiev foi explicitamente apontado como responsável, pelo menos, por não
controlar seus subordinados M. D. Riumin, Tsepkov e outros. Em 1º de abril
de 1953, Ignatiev também foi responsabilizado pelo Presidium pelo enquadra-
mento do “Caso dos Médicos” e em 3 de abril demitido do cargo de secretário
do CC por sua negligência (p. 24). Um relatório feito por Beria em 25 de junho
de 1953 ao Presidium culpa Ignatiev por permitir que Riumin e outros subor-
dinados usassem tortura contra os réus do “Caso Leningrado”, entre outros
(p.66).136
No entanto, foi o próprio Khrushchev quem restaurou Ignatiev para postos
de responsabilidade uma vez que Beria tinha sido preso ou morto! Ignatiev
esteve presente no 20º Congresso, e Khrushchev se referiu especificamente
a ele no que diz respeito ao “Caso dos Médicos” – pelo seu papel, o qual o
Presidium já havia o criticado fortemente e rebaixado!
A nota de Boris Nikolaevsky para a edição do New Leader também aponta
para a responsabilidade de Ignatiev na “conspiração mingreliana”.
A declaração de Khrushchev sobre a “conspiração mingreliana” explica os expurgos
na Geórgia em 1952. Embora ele insinue que o “caso Mingreliano”, bem como o “caso
133
Politbiuro TsK VKP(b) i Sovet Ministrov SSSR. 1945-1953 gg. Moscou, 2002, p. 350-352.
134
Para os textos, consulte apêndice e fac-símiles das páginas do ibid., 349-354, em http :
//chss.montclair.edu/english/f urr/research/mingrelianres.pdf .
135
Petrov, Nikita. Pervyi predsedatel’ KGB. Ivan Serov. Moscou: Materik, 2005, p. 114.
136
Veja os relatórios de Beria do RKEB 1 em http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/mingrelianaf f.pdf
80
42. IUGOSLÁVIA
Leningrado”, também foi encenado por Beria e Abakumov, esta é uma distorção deli-
berada. Foi precisamente em novembro de 1951 que S. D. Ignatiev, um dos inimigos
mais amargos de Beria, foi nomeado Ministro da Segurança do Estado; o “caso Min-
greliano” foi, portanto, forjado como um golpe contra Beria.
42 Iugoslávia
Khrushchev:
A obstinação de Stalin mostrou-se não apenas nas decisões relativas à vida interna
do país, mas também nas relações internacionais da União Soviética.
A plenária de julho do Comitê Central estudou detalhadamente as razões para o de-
senvolvimento do conflito com a Iugoslávia. Foi um papel vergonhoso que Stalin de-
sempenhou aqui. O “caso Iugoslavo” não continha problemas que não poderiam ter
sido resolvidos através de discussões partidárias entre camaradas. Não houve base
significativa para a escalada deste “caso”; era completamente possível ter evitado a
ruptura das relações com aquele país. Isso não significa, no entanto, que os líderes
iugoslavos não cometeram erros ou não apresentaram deficiências. Mas esses erros
e deficiências foram ampliados de forma monstruosa por Stalin, o que resultou em
uma ruptura de relações com um país amigo.
81
CAPÍTULO 6. SOBRE ARMAÇÕES E CASOS
Pouco depois que os médicos foram presos, nós, membros do Politburo, recebemos
protocolos com as confissões de culpa dos médicos. Depois de distribuir esses proto-
colos, Stalin nos disse: “Vocês são cegos como gatinhos jovens, o que vai acontecer
sem mim? O país vai perecer porque vocês não sabem reconhecer inimigos.”
O caso foi apresentado de modo que ninguém pôde verificar os fatos nos quais a
investigação se baseara. Não havia possibilidade de tentar verificar os fatos entrando
em contato com aqueles que haviam feito as confissões de culpa.
Achamos, no entanto, que o caso dos médicos presos era questionável. Conhecíamos
algumas dessas pessoas pessoalmente porque já haviam nos tratado.
Quando examinamos este “caso” após a morte de Stalin, descobrimos que ele foi fa-
bricado do início ao fim.
Este “caso” ignominioso foi criado por Stalin; ele, no entanto, não teve o tempo para
finalizá-lo (da forma que havia concebido), e por isso os médicos ainda estão vivos.
Agora todos foram reabilitados; eles estão trabalhando nos mesmos lugares que es-
tavam antes; tratam os indivíduos importantes, não excluindo membros do Governo;
eles têm nossa total confiança; e eles executam seus deveres honestamente, como
faziam antes.
Ao organizar os vários casos sujos e vergonhosos, um papel muito básico foi desempe-
nhado pelo inimigo raivoso do nosso Partido, um agente de um serviço de inteligência
estrangeiro – Beria, que havia roubado a confiança de Stalin.
• Ignatiev era chefe da KGB neste momento, não Beria. Em abril de 1953, menos
de um mês após a morte de Stalin, o Presidium – do qual Khrushchev era membro
– havia criticado Ignatiev por sua responsabilidade em armações no “Caso dos
Médicos” (Beria p. 22). Não lhes ocorreu culpar Stalin.
• Foi Beria quem parou as tramas do Caso dos Médicos, quem libertou os médicos,
e prendeu os responsáveis, incluindo Ignatiev, que foi solto pouco depois de
terem lidado com Beria (preso ou morto) no final de junho de 1953.
• De acordo com sua filha, Svetlana Stalin não acreditava que os médicos judeus
eram culpados.
82
43. O CASO DOS MÉDICOS
Stalin estava doente, porque ninguém podia ter certeza da morte de Stalin.
Portanto, parece mais provável que a nomeação conjunta de Beria para esses
dois ministérios foi decidida com acordo de Stalin e talvez, até provavelmente,
por sua sugestão.
Os artigos do “Caso dos Médicos” pararam de aparecer nos jornais antes de
Stalin morrer. O antistalinista e ex-dissidente soviético, Zhores Medvedev, ar-
gumenta que isso, juntamente com outros fatos, mostra que foi o próprio Stalin
quem acabou com os ataques do “Caso de Médicos” na imprensa. Medvedev
ressalta que Stalin se opôs ao antissemitismo que tinha feito parte da campa-
nha desde o início. (Zhores Medvedev, Stalin i Evreiskaia Problema. Moscou,
2003, 208ff; 216 f.) O próprio Stalin era famoso por se opor ao antissemitismo,
como admite Medvedev.138
138
Em The Unknown Stalin, uma coleção de ensaios escritos em vários momentos, Roi e Zhores
Medvedev ambos acusam Stalin de incitar o antissemitismo e, em seguida, de encerrar decisi-
vamente a campanha de imprensa sobre bem como a preparação de um julgamento do “Caso
dos Médicos”. Ou seja, esses dois autores antistalin decidem que foi Stalin quem pôs fim à
campanha do “Caso dos Médicos”. The Unknown Stalin (Woodstock and New York: Overlook
Press, 2004), 32.
83
Capítulo 7
44 Beria
Khrushchev:
Ao organizar os vários casos sujos e vergonhosos, um papel muito básico foi desempe-
nhado pelo inimigo raivoso do nosso partido, um agente de um serviço de inteligência
estrangeiro – Beria, que havia roubado a confiança de Stalin.
uma proposta. Não havia nada de errado em levantar a questão; ela não po-
deria ser colocada em prática sem a aprovação do Presidium. Para a pergunta
direta de Chuev, se Beria realmente era um agente de inteligência estrangeira
e se isso havia sido confirmado por evidências, Molotov respondeu de forma
negativa.
Khrushchev:
Havia sinais de que Beria era inimigo do Partido? Sim, havia. Já em 1937, em uma
Plenária do Comitê Central, o ex-Comissário do Povo para a Saúde, Kaminsky, disse
que Beria trabalhava para o serviço de inteligência Mussavat. Mas a Plenário do
Comitê Central mal tinha concluído quando Kaminsky foi preso e depois fuzilado.
Stalin tinha examinado a declaração de Kaminsky? Não, porque Stalin acreditava em
Beria e isso foi o suficiente para ele.
Muito material para refutar essa fabricação de Khrushchev tem sido publi-
cado desde o fim da União Soviética. Por exemplo, só foi publicada recente-
mente a carta de Pavlunovsky de junho de 1937, testemunhando que Beria
tinha de fato feito trabalhos clandestinos do Partido entre os nacionalistas.
A autobiografia do próprio Beria sobre, sua vida no Partido, cita seu trabalho
clandestino entre os nacionalistas, algo que nunca teria feito se não tivesse
pensado que isso distinguiria seu serviço partidário.141
A enciclopédia biográfica de Zalessky, Imperiia Stalina, é extremamente an-
tistalin, mas concorda com aquilo alegado por Beria, isto é, que ele fez um
trabalho clandestino. Na verdade, é impossível imaginar a intercessão de Ser-
gei Kirov em nome de Beria, ou a proximidade da família Beria com a família
Ordzhonikidze como atestado nas memórias de Sergo sobre Beria, a não ser
que a lealdade de Beria ao Partido fosse cristalina.
Parece claro que Khrushchev simplesmente reviveu um velho boato sobre
Beria, datado de seus dias no trabalho clandestino no subterrâneo naciona-
lista. O trabalho disfarçado é muito perigoso, e o “disfarce” de Beria tinha que
ser bom o suficiente para enganar o próprio Partido Mussavat de modo a fazê-lo
acreditar que Beria estava trabalhando para eles. Não é surpresa que também
enganaria bolcheviques. A carta de Beria de 1933 para Ordzhonikidze mostra
que ele ainda estava tentando anular este rumor vicioso. Ele dificilmente teria
escrito a um membro do Politburo sobre isso a menos que quisesse que isso
ficasse “no registro.”
Khrushchev teve acesso a todas as informações que temos agora, e muito
mais. Ele tinha que saber que isso era mentira. Era somente outra ferramenta
para difamar Beria.
141
Beriia: Konets kar’ery. Ed. V.F. Nekrasov. Moscou: Politizdat, 1991, pp. 320-325; 323. Este
volume de documentos, no entanto, contém materiais interessantes.
85
CAPÍTULO 7. BERIA, SUAS “MAQUINAÇÕES” E “CRIMES
46 Kartvelishvili
Khrushchev:
As longas e hostis relações entre Kartvelishvili e Beria eram amplamente conhecidas;
datam da época em que o camarada Sergo [Ordzhonikidze] estava ativo no Transcau-
caso; Kartvelishvili era o assistente mais próximo de Sergo. A relação hostil impeliu
Beria a fabricar um “caso” contra Kartvelishvili. É característico que neste “caso”
Kartvelishvili foi acusado de um ato terrorista contra Beria.
Kartvelishvili (que também era conhecido por seu nome russo, Lavrentiev)
foi expulso do Partido e preso em 22 de junho de 1937, durante o Pleno do
CC de junho de 1937, e executado em 22 de agosto de 1938, sob Yezhov, não
Beria.
Existe uma carta de Beria a Stalin sobre a suposta descoberta, por Beria,
de um grupo direitista ilegal na Geórgia que incluía Kartvelishvili. Contudo
86
47. KEDROV
não chegou a Moscou para tomar sua posição até por volta do primeiro de
setembro.143
De acordo com o Relatório Pospelov (RKEB 1,332), Lavrentiev- Kartvelishvili
foi torturado para confessar e nomear outros. Isso é plausível já que temos
a declaração de Frinovskii de que Yezhov e seus subordinados, incluindo o
próprio Frinovskii, regularmente faziam isso.
Dadas as datas, porém, Beria não poderia ter sido responsável pelo destino
de Lavrentiev-Kartvelishvili. Khrushchev tinha que saber disso. Esta é pro-
vavelmente a razão pela qual a data da execução de Lavrentiev-Kartvelishvili
não é dada no Relatório Pospelov, que foi elaborado para ajudar Khrushchev a
culpar Beria. Citar uma data para a execução antes mesmo de Beria chegar à
NKVD teria contrariado todo o propósito do Relatório Pospelov, que certamente
não era para chegar à verdade!
47 Kedrov
Khrushchev:
Aqui está o que o velho comunista, camarada Kedrov, escreveu ao Comitê Central
através do camarada Andreev (camarada Andreev era então um secretário do Comitê
Central): “Estou chamando por sua ajuda de uma célula sombria da prisão de Le-
fortovsky. Deixe meu grito de horror alcançar seus ouvidos; não permaneça surdo,
leve-me sob sua proteção; por favor, ajude a remover o pesadelo dos interrogatórios
e mostre que tudo isso é um erro”.
”Eu sofro inocentemente...”
O velho bolchevique, camarada Kedrov, foi considerado inocente pelo Collegium Mili-
tar. Mas, apesar disso, ele foi fuzilado por ordem de Beria.
87
CAPÍTULO 7. BERIA, SUAS “MAQUINAÇÕES” E “CRIMES
48 O Irmão de Ordzhonikidze
Khrushchev:
Beria também lidou cruelmente com a família do camarada Ordzhonikidze. Por quê?
Porque Ordzhonikidze tentou impedir Beria de concretizar seus planos vergonhosos.
Beria tinha limpado de seu caminho todas as pessoas que poderiam interferir com
ele. Ordzhonikidze sempre foi um oponente de Beria, como disse a Stalin. Em vez de
examinar este caso e tomar as medidas apropriadas, Stalin permitiu a liquidação do
irmão de Ordzhonikidze e levou Ordzhonikidze a tal estado que ele foi forçado a atirar
em si mesmo.
De acordo com a pesquisa de Oleg Khlevniuk (In the Shadow of Stalin: The
carreer of ‘Sergo’ Ordzhonikidze. NY: Sharpe, 1995), Sergo cometeu suicídio,
provavelmente por má saúde. Ele estava muito doente há muito tempo e, na
verdade, tinha uma rotina normal de trabalho em seu último dia de vida.145
Sua morte não teve nada a ver com Stalin, seu irmão ou Beria. Pelo contrá-
rio: “A julgar por fatos bem conhecidos, Ordzhonikidze ativamente protegeu
Beria e manteve boas relações com ele até meados da década de 1930 (106).”
Uma pesquisa de Vladimir L. Bobrov provou recentemente (outubro de 2008)
que até mesmo a história de que Ordzhonikidze cometeu suicídio não tem fun-
damento, mais uma fabricação da era Khrushchev. Ordzhonikidze certamente
morreu de causas naturais - de insuficiência cardíaca - como foi relatado à
época146 . Khlevniuk simplesmente continua a repetir como fato as mentiras
provindas de uma introdução apócrifa sobre Ordzhonikidze a uma biografia
da era Khrushchev. Esta introdução foi omitida quando o livro foi republicado
quatro anos depois, após a expulsão de Khrushchev.147
Em, ou próximo, de 24 de outubro de 1936, em seu quinquagésimo ani-
versário, Sergo ouviu que seu irmão Papulia havia sido preso na Geórgia (p.
105)148 . Valiko, irmão de Sergo, defendeu Papulia no Comitê Central da Geór-
gia e foi demitido como resultado. Beria era chefe do partido georgiano, então
Sergo ligou para Beria em meados de dezembro para pedir ajuda. De acordo
com Khlevniuk “Beria mostrou enorme consternação...”, cuidou do caso, fez
Valiko ser reintegrado e enviou uma nota educada para Sergo (p. 108).149
Sergo morreu de insuficiência cardíaca durante a noite de 17 a 18 de fe-
vereiro de 1937 (147)150 . Ele tinha tido um dia de trabalho completamente
normal naquele dia. Mas ele sofria há muito tempo de problemas de saúde, e
estava piorando. Khlevniuk, que tem grande ódio por Stalin, se esforça para
encontrar evidências de que Stalin teve algo a ver com a morte de Sergo, tenta
145
Khlevniuk, Capítulos 12-13; cf. O.V. Khlevniuk, Stalin i Ordzhonikidze. Konflikty v Politbiuro
v 1930-e gody. Moscou: Rossiia molodaia, 1993, p. 115. A versão em inglês do livro de
Khlevniuk é um pouco diferente do original russo.
146
Vladimir L. Bobrov, “Taina smerti Ordzhonikidze”, em http :
//vif 2ne.ru/nvz/f orum/archive/238/238967.htm; versão russa totalmente anotada em
http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/bobrov − ordzhon08.html; tradução em inglês
disponível em http : //chss.monttclair.edu/english/f urr/research/bobrov − ordzhon08eng.html.
147
Compare a seção de abertura da versão de 1963 de I. Dubinskii-Mukhadze, Ordzhonikidze
com a “segunda edição corrigida” de 1967 (ambas as edições Moscou: Molodaia Gvardiia).
148
Cf. Versão russa, p. 77.
149
Cf. Versão russa, p. 80.
150
Cf. Versão russa, pp. 116-129.
88
48. O IRMÃO DE ORDZHONIKIDZE
“reconstruir” uma discussão por telefone entre os dois homens, mas finalmente
não é capaz de fazê-lo. Khlevniuk não poderia provar que tal telefonema ocor-
reu, muito menos o que foi dito nele!
Papulia foi executado em novembro de 1937 (173). Khlevniuk não dá mais
informações sobre isso, uma vez que, evidentemente, ele não tinha nenhuma.
É óbvio que a morte de Sergo não poderia estar relacionada com a execução
de Papulia.
Segundo Sergo Beria, as relações de Sergo com seu irmão Papulia eram
distantes. Papulia era hostil à União Soviética; e Sergo sempre ficava com os
Berias em vez de com seu próprio irmão quando ia a Tbilisi.
Nos dias de Khrushchev e novamente nos de Gorbachev estórias de que
Ordzhonikidze era um “liberal” circulavam como “fato”, contrário aos Julga-
mentos de Moscou, e assim por diante. Não há provas disso. De acordo com
Arch Getty:
... Ordzhonikidze não parece ter se oposto ao terror em geral, incluindo o dirigido con-
tra Zinoviev, Kamenev e Bukharin, e foi de fato solicitado por Stalin a dar o discurso
principal sobre a sabotagem na indústria na Plenária de Fevereiro de 1937 do Co-
mitê Central [n. 64]. O rascunho do discurso que Ordzhonikidze estava preparando
para dar como orador-chefe ao Plenário de Fevereiro de 1937, sobre as destruições
ocorridas na indústria, foi aprovado por Stalin e seguia a linha dura dos tempos:
RTsKhIDNI (TsPA), f.558, op.1 d. 3350, ll. 1-16.151
• A morte de Ordzhonikidze não teve nada a ver com Beria. O abertamente antista-
lin Oleg Khlevniuk conclui que Ordzhonikidze se matou por causa de sua própria
saúde ruim. Mas todas as evidências sugerem que a história do “suicídio” é uma
falsificação da era Khrushchev.
151
J. Arch Getty, “The Politics of Repression Revisited “, p. 131 e n. 64, p. 140. Em Ward, Chris,
ed. The Stalinist Dictatorship. Londres, Nova Iorque: Arnold, 1998.
89
Capítulo 8
Ideologia e Cultura
As mudanças feitas por Stalin nesta biografia foram agora publicadas, pri-
meiro em Izvestia TsK KPSS No. 9, 1990, e depois reimpressas amplamente.
Isso nos permite ver como Khrushchev mentiu sobre as mudanças de Stalin
nesta biografia. Mesmo o editor antistalin dessas seleções para o jornal, V. A.
Belianov, admitiu que muitas das correções de Stalin estavam na direção de
remover elogios exacerbados dado pelos autores e fazer Stalin parecer modesto.
Khrushchev deliberadamente distorceu o caráter de algumas das citações
que ele mesmo faz. Por exemplo, Khrushchev citou apenas a primeira parte
da seguinte frase, marcada (2) na passagem acima. Desta forma, Khrushchev
deliberadamente mudou o significado do todo. Aqui está a parte omitida por
Khrushchev:
Em sua entrevista com o escritor alemão Ludwig, onde ele observa sobre o grande
papel do gênio Lênin na questão de transformar nosso país, Stalin disse simplesmente
sobre si mesmo: “No que me tange, sou apenas um aluno de Lênin e meu objetivo é
ser digno dele.”
91
CAPÍTULO 8. IDEOLOGIA E CULTURA
Na passagem marcada (3) acima, é óbvio mesmo sem o original que Stalin
transformou uma passagem que o equiparava a Lênin em uma passagem que
deixa claro que ele é apenas um continuador do trabalho de Lênin.
Khrushchev atribuiu as seleções (4) e (5) acima a Stalin. Isto é um erro. Na
verdade, foram escritas pelo General-Major M. R. Galaktionov. Maksimenkov,
que aponta isso, continua:
92
50. O ‘CURSO CURTO’
50 O ‘Curso Curto’
Khrushchev:
Como se sabe, O Curto Curso da História do Partido Comunista de toda a União
(Bolcheviques) foi escrito por uma comissão do Comitê Central do Partido... Este
fato foi refletido na seguinte formulação na cópia de prova da Biografia Curta de
Stalin: “Uma Comissão do Comitê Central do Partido Comunista de toda a União
(Bolcheviques), sob a direção do camarada Stalin e com sua participação pessoal
mais ativa, preparou um curso curto sobre a História do Partido Comunista de toda
a União (Bolcheviques).”
Mas mesmo esta frase não satisfez Stalin: A seguinte frase substituiu-a na versão
final da Biografia Curta: “Em 1938 apareceu o livro, História do Partido Comunista
de toda a União (Bolcheviques), Curso curto, escrito pelo camarada Stalin e aprovado
por uma comissão do Comitê Central, Partido Comunista da União (Bolcheviques)”.
Pode-se acrescentar mais alguma coisa?
Como você vê, uma surpreendente metamorfose mudou a obra criada por um grupo
para um livro escrito por Stalin. Não é necessário afirmar como e por que essa meta-
morfose ocorreu......
E quando o próprio Stalin afirma que ele mesmo escreveu O Curso Curto da História
do Partido Comunista de toda União (Bolcheviques), isso pede, pelo menos, espanto.
Pode um marxista-leninista assim escrever sobre si mesmo, louvando sua própria
pessoa às alturas?
Parece que ninguém além de Khrushchev jamais afirmou que Stalin reivin-
dicou a autoria do Curso Curto. Nem Khrushchev nem ninguém jamais aduziu
qualquer evidência de que Stalin alegou tê-lo escrito. Molotov afirmou catego-
ricamente que Stalin nunca alegou tê-lo escrito.
Seja como for, na realidade a primeira indicação da autoria do “Curso Curto”
apareceu primeiramente na primeira edição da “ Biografia Curta” de Stalin
(1940) – um livro com o qual, segundo Maksimenkov (citado acima), Stalin não
tinha nenhuma relação como autor ou editor. Maksimenkov explica:
Ocupado com a direção da guerra “de inverno” soviético-finlandesa ele [Sta-
lin] se distanciou da edição do livro... Em 14 de dezembro de 1939, uma se-
mana antes do 60º aniversário de Stalin, o primeiro rascunho da biografia em
seu nome foi enviado a ele com uma carta assinada por Mitin e Pospelov: “Caro
Camarada Stalin. Estamos enviando este rascunho de sua “Biografia Curta”,
preparado pelo Instituto Marx-Engels-Lenin, juntamente com as instruções
para propaganda e agitação. Solicitamos atenção no uso das informações for-
necidas. Stalin sublinhou todo o texto da carta que acompanhava e escreveu
com um lápis verde na página: “Não há tempo para ‘analisá-la’. Devolva ao
MELI [Instituto Marx-Engels-Lenin]. J. Stalin”.154
A frase sobre o papel de Stalin na criação do “Curso Curto” não foi inserida
pelo próprio Stalin sobre si mesmo, mas pertence à caneta de um dos muitos
autores e editores que trabalharam no livro. E aqui Khrushchev mentiu de
novo.
Resta apenas esclarecer a questão: Qual foi o papel real de Stalin na escrita
do “Curso Curto”?
Em um de seus esboços, Roi Medvedev, pouco simpatizante de Stalin, es-
creve sobre ele como “o principal autor do ‘Curso Curto’”. Os historiadores
154
Maksimenkov, “Kul’t”.
93
CAPÍTULO 8. IDEOLOGIA E CULTURA
notam que a acusação virtual de plágio feita por Khrushchev a Stalin é total-
mente sem fundamento. Como evidência da sua posição, ele se refere à pu-
blicação em Voprosy Istorii dos textos datilografados com correções de Stalin e
uma série de outros materiais.155
Independentemente da óbvia lacuna e natureza incompleta dos documentos
primários na opinião de Medvedev, não há dúvida de que o trabalho no “Curso
Curto” foi conduzido sob a direção e com a participação ativa de Stalin como
um dos principais autores do livro didático.
Khrushchev havia afirmado que Stalin não tinha o direito de escrever que
ele era o autor do “Curso Curto” porque, segundo ele, ele não o tinha escrito.
Como se vê, na realidade Stalin tinha todas as bases para afirmar que ele tinha
sido um dos principais autores, mas nunca fez essa afirmação a ninguém ou
em qualquer lugar. Mesmo Molotov, que tinha sido um dos mais próximos
colaboradores de Stalin, não sabia precisamente o quanto Stalin havia escrito
e acreditava que ele tinha escrito apenas a seção sobre dialética, uma vez que
eles tinham discutido isso em algum momento.
Neste caso, Khrushchev foi mais inteligente que si próprio. Ele disse que
Stalin reivindicou uma autoria que não merecia. Na realidade, Stalin era de
fato o autor principal, mas nunca alegou ser tal.
94
51. STALIN ASSINOU A ORDEM PARA UM MONUMENTO A SI MESMO EM 2 DE
JULHO DE 1951
adotou a decisão de que o Presidium seria presidido por outras pessoas e que,
quando fosse necessário, um carimbo de borracha seria usado para a assina-
tura de Stalin como Chefe de Estado (Presidente do Conselho de Ministros).
Este documento, e os selos de borracha, foram exibidos em Moscou157 (veja o
apêndice para as URLs para essas exposições).
Ou seja, Stalin não assinou mais “decisões e instruções do Conselho de
Ministros da URSS”, mas ainda foram emitidas sob sua assinatura, em sua
ausência. Como era o caso desde fevereiro de 1951, é lógico supor que ainda
era o caso em julho do mesmo ano. Mas não podemos dizer, de uma forma ou
de outra com certeza, se Stalin assinou pessoalmente esses documentos sem
ver os originais ou então nem sequer assinou.
Quanto à “ordem” de 4 de setembro de 1951, é improvável que Stalin possa
tê-la emitido. Ele estava de licença, ou “férias”, provavelmente por problemas
de saúde, entre 10 de agosto de 1951 e 11 de fevereiro de 1952, quando então
retornou ao seu escritório.158
O ponto principal é este – e Khrushchev sabia disso – a essa altura Sta-
lin era politicamente ativo apenas esporadicamente. Membros do Politburo,
incluindo o próprio Khrushchev, declararam em 1953 que Stalin não estava
politicamente ativo. Stalin disse isso no 19º Congresso do Partido em outubro
de 1952: “Eu não leio mais jornais”.159
De acordo com o “Journal of visitors to Stalin’s Kremlin office” a carga de
trabalho de Stalin começou a diminuir em fevereiro de 1950. A julgar por esta
fonte, Stalin trabalhou 73 dias em 1950, mas apenas 48 dias em 1951, e 45
dias em 1952.160
Portanto, é muito duvidoso que Stalin pessoalmente assinou a ordem de 4
de setembro de 1951. Quanto à de 2 de julho de 1951, simplesmente não
sabemos.
Mas mesmo que Stalin tenha de fato assinado pessoalmente este documento
– ou seja, mesmo que este não tenha sido um caso de votação do Politburo para
afixar sua assinatura com o carimbo – isto tem pouco significado. Mesmo
Khrushchev não afirma que Stalin iniciou a ordem para o monumento.
157
Uma fotografia desses selos pode ser vista em http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/stalinsigstamps5
158
Estas páginas do “Visitors to Stalin’s Kremlin Office” podem ser consultadas em http :
//chss.montclair.edu/english/f urr/research/istarkh197.pdf .
159
”’V ch’i ruki vruchim estafetu nashego velikogo dela?’ Neopublikovannaia rech
‘ I.V. Stalina na Plenume Tsentral’nogo Komiteta KPSS 16 oktiabria 1952 goda
(po zapisi L.N. Efremova).” Sovetskaka Rossiia 13 de janeiro de 2000. Em
http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/stalinoct1652.pdf e também em http :
//grachev62.narod.ru/stalin/t18/t18_262.htm
160
IU. N. Zhukov, Tainy Kremlia. Stalin, Molotov, Beriia, Malenkov. Moscou: TERRA,
2000,p. 549. Cf. também fontes na nota 7 acima. O monumento a Sta-
lin foi construído, mas derrubado durante o tempo de Khrushchev e posterior-
mente substituído por um monumento a Lênin. Monumento a Stalin: http :
//elef antmuller.users.photof ile.ru/photo/elef antmuller/2911172/xlarge/115411211.jpg; a Lenin:
http : //f oto − f leet.users.photof ile.ru/photo/f otto − f leet/9517224/xlarge/115411831.jpg
95
CAPÍTULO 8. IDEOLOGIA E CULTURA
53 O Prêmio Lênin
Khrushchev:
Não podemos esquecer de recordar a resolução do governo soviético de 14 de agosto de
1925 sobre “a fundação do prêmio Lênin para o trabalho educacional”. Esta resolução
foi publicada na imprensa, mas até hoje não há prêmios Lênin. Isso, também, deve
ser corrigido.
96
53. O PRÊMIO LÊNIN
a ver com esta iniciativa. Mas uma coisa é bem conhecida: os prêmios Stalin
não foram iniciados em vez de ou em substituição aos prêmios Lênin. Eles
foram instituídos numa época em que não havia prêmios anuais em ciências e
artes na URSS. Consequentemente, a contraposição de Khrushchev sobre os
prêmios Lenin e Stalin é incorreta e desonesta.
decreto semelhante intitulado “No que diz respeito ao estabelecimento de prêmios Stalin na
literatura”. Também foi assinado por Molotov e Khlomov (Pravda 2 de fevereiro de 1940). Ver
http : //f eb − web.ru/f eb/sholokh/critics/nos/nos − 486 − .htm.
97
Capítulo 9
99
CAPÍTULO 9. OS ÚLTIMOS ANOS DE STALIN NO PODER
nhum dos “crimes” de que Khrushchev o acusava? Por que não tomaram me-
didas para deter Stalin, já que sabiam dessas coisas? Fraco como é, a única
resposta que Khrushchev e o resto poderiam dar era a seguinte: “Seríamos
mortos se protestássemos. Olha o que aconteceu com Postyshev, só por dizer
“Eu sou um bolchevique”!
Em suas memórias, Khrushchev relata muitos rumores que ele disse serem
conhecidos apenas por “alguns de nós”. Neste caso, não há outra documenta-
ção de tais rumores.
Por exemplo, não está nas memórias de Mikoian, que possui muitas “memó-
rias” falsas, como Stalin lhe dizer que Benes havia assegurado sobre a culpa de
100
58. ANDREEV; 59. MOLOTOV; 60. MIKOIAN
Andreev
Khrushchev:
Por decisão unilateral, Stalin também separou outro homem do trabalho do Politburo–
Andrei Andreyevich Andreev. Este foi um dos atos mais desenfreados de vontade.
Estritamente falando, não sabemos exatamente o que Stalin disse, porque
nenhuma transcrição oficial foi publicada (de acordo com Mikoian, nenhuma
foi feita). Nem a transcrição do 19º Congresso do Partido foi publicada165 .
Imediatamente após a morte de Stalin, a liderança do Partido fez o possível
para mudar as principais decisões tomadas nessas duas sessões e destruir
qualquer lembrança delas.
Portanto, não temos nenhuma razão oficial pela qual Andreev não foi man-
tido no recém-renomeado Presidium (anteriormente o Politburo). Mas temos
informações suficientes de outras fontes para ver que Khrushchev não está
dizendo a verdade.
Andreev perdeu seu cargo no Conselho de Ministros em 15 de março de
1953, dez dias após a morte de Stalin166 . Se foi um “ato desenfreado de von-
tade” não renomear Andreev para o Presidium do CC da PCUS, por que Khrush-
chev, Malenkov e Beria o removeram também dos ministros soviéticos (Ele foi
nomeado para o Presidium do Supremo Soviético, uma posição muito menos
exigente)?
De acordo com a única parte do discurso de Stalin no Pleno do CC de 16
de Outubro de 1952 que temos, ele realmente não citou Andreev para o novo
Presidium porque Andreev era surdo. Konstantin Simonov167 diz algo seme-
lhante168
. Estes são os únicos relatos da Plenária que mencionam de qualquer forma
o nome de Andreev. Ambos afirmam que Stalin explicitamente excluiu Andreev
por causa de sua saúde.
164
Ibid., p.553.
165
Pelo menos, não como uma publicação separada. Discursos formais foram todos publicados
no Pravda em outubro de 1952, na época do Congresso. Talvez isso seja tudo o que havia.
166
Ver a entrada sobre a biografia de Andreev em http : //www.hrono.ru/biograf /andree_aa.html
167
De acordo com as notas de L.N. Efremov sobre o Pleno publica-
das em Sovetskaia Rossia, 13 de Janeiro de 2000. Disponíveis em
http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/stalinoct1652.pdf e em http :
//grachev62.narod.ru/stalin/t18/t18_262.htm
168
Konstantin M. Simonov, 167, Glazami cheloveka moego pokoleniia. Moscou: Novosti, 1988,
p. 246.
101
CAPÍTULO 9. OS ÚLTIMOS ANOS DE STALIN NO PODER
Molotov e Mikoian
Khrushchev:
Consideremos o primeiro plenário do Comitê Central após o 19º Congresso do Partido,
quando Stalin, em sua palestra no plenário, caracterizou Viacheslav Mikhailovich
Molotov e Anastas Ivanovich Mikoian sugerindo que esses velhos trabalhadores do
nosso Partido eram culpados de algumas acusações infundadas. Não está excluído
que se Stalin tivesse permanecido no comando por mais alguns meses, os camaradas
Molotov e Mikoian provavelmente não teriam feito nenhum discurso neste Congresso.
Pelo que sabemos sobre este Plenário de alguns que estavam presentes e
escreveram suas anotações sobre ele, é certo que Stalin criticou Molotov e
Mikoian.
Para determinar se Khrushchev está dizendo a verdade aqui, precisamos
examinar
• Se é verdade que eles não teriam falado no 20º Congresso do Partido se Stalin
tivesse sobrevivido.
• Há quatro relatos da conversa de Stalin neste Pleno por pessoas que estavam
presentes. São eles: o do próprio Mikoian (Tak Bylo, Ch. 46); a do escritor
Konstantin Simonov (Glazami cheloveka moego pokoleniia), o de Dmitrii Shepilov
(Neprimknuvshii, pp. 225-8.), e o de Leonid Nikolaevich Efremov (Sovetskaia
Rossiia, 13 de janeiro de 2000, p. 6). Mikoian foi, naturalmente, um membro
de longa data do CC e do Politburo; os outros três eram novos membros do CC.
Exceto por uma pequena nota de Simonov que ele escreveu em março de 1953,
o resto foi escrito anos após o evento.
102
62. EXPANSÃO DO PRESIDIUM
críticas, qualquer que fossem suas causas, serviam para justificar a exclusão
de Molotov e Mikoian do novo Gabinete do Presidium.
O relato de Mikoian, também escrito anos depois, concorda que Stalin cri-
ticou Molotov por sua fraqueza na política externa e tanto Molotov quanto ele,
Mikoian, na política doméstica. Mas, segundo Mikoian, Stalin era crítico, mas
respeitoso com eles. Mikoian não menciona nada sobre se sentir ameaçado. O
relato de Efremov descreve as críticas de Stalin aos dois homens, mas também
não faz com que essas críticas pareçam ameaçadoras.
Em suas memórias volumosas, Khrushchev tem apenas algumas frases a
dizer sobre o Plenário de Outubro de 1952 e não diz nada sobre qualquer “pe-
rigo” para Mikoian ou Molotov.
Mikoian, Molotov e Voroshilov também foram nomeados para o Presidium,
e Voroshilov – mas não Mikoian ou Molotov – para o “Gabinete do Presidium”.
Mas e a veracidade da alegação de Khrushchev? As acusações – uma palavra
melhor seriam “críticas” – não parecem ter sido “infundadas”. Elas podem ou
não ter sido corretas. Em essência, elas refletiam diferenças políticas entre
Stalin e esses dois membros do Politburo.
Estritamente falando, a declaração de Khrushchev – de que é “possível” que
Molotov e Mikoian não teriam se dirigido ao 20º Congresso do Partido se Sta-
lin tivesse sobrevivido – não pode ser provada ou refutada. Mas é inconsis-
tente com as ações de Stalin no 19º Congresso do Partido. Mikoian e Molotov,
embora não no mais alto órgão (o Gabinete do Presidium), ainda estavam no
Presidium de 25 membros e, como tal, certamente estariam em posição de se
dirigir ao próximo Congresso.
Em suas próprias memórias Khrushchev não repete a história de que Molo-
tov e Mikoian estavam sob qualquer tipo de ameaça.
62 Expansão do Presidium
Khrushchev:
Stalin, evidentemente, tinha planos para acabar com os antigos membros do Gabinete
Político. Ele frequentemente afirmava que os membros do Gabinete Político deveriam
ser substituídos por novos.
Sua proposta, após o 19º Congresso, relativa à eleição de 25 pessoas ao Presidium do
Comitê Central, visava a remoção dos antigos membros do Politburo e a instituição
de pessoas menos experientes para que o louvassem de todos as maneiras possíveis.
Podemos assumir que este também foi um projeto para a futura aniquilação dos anti-
gos membros do Politburo e, desta forma, um disfarce para todos os atos vergonhosos
de Stalin, atos que estamos considerando agora.
Khrushchev mentiu aqui, pois não há provas de que sua acusação tenha a
menor base em fatos. Não é sustentado pelos relatos que sobrevivem do Pleno.
De acordo com as anotações de Efremov sobre o Pleno do Comitê Central de
Outubro de 1952, Stalin foi extremamente claro ao explicar sua proposta de
ampliar o Presidium além dos limites do antigo Politburo. Efremov, um jovem
em seu primeiro Plenário, pode ter ficado especialmente impressionado com a
ênfase de Stalin na necessidade de sangue novo na liderança do Partido, pois
a explicação de Stalin ocupa um lugar substancial em suas notas.
103
Capítulo 10
105
CAPÍTULO 10. UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO
• No começo eu não conseguia entender comentários como este. Mas percebi que
essas respostas não foram direcionadas para a minha fala. Em vez disso, eles
estavam respondendo ao que sentiam que minha fala implicava. Eles refletiram
o fato de que o discurso de Khrushchev não é apenas o documento fundamental
do “paradigma antistalin” da história soviética. É também uma sinédoque para
esse paradigma: representa esse paradigma como a parte representa o todo.
Provar, como eu tento fazer, que as declarações feitas no discurso de Khrush-
chev são falsas é considerada uma alegação de que todos os outros componentes
deste paradigma, a maioria dos quais Khrushchev nunca menciona, também são
falsos.
É razoável esperar que um artigo ou livro prove o que ele se propõe a provar.
Não é razoável esperar que um artigo ou livro sobre um único tema refute todo
um paradigma histórico, refutando no processo um número indefinido – na
verdade, infinito – de reivindicações de fatos que não fazem parte do artigo.
O presente livro, portanto, confronta uma estranha situação retórica. Evoca,
uma resposta se não “totalitária”, pelo menos “totalizante”. O “discurso se-
creto” de Khrushchev representa o “paradigma antistalin” a tal ponto que qual-
quer referência a ele evoca todo o paradigma. Algumas vezes a resposta que
resulta é de indignação: Como posso presumir escamotear uma refutação de
todo o paradigma “antistalin” quando estou realmente refutando apenas uma
parte dele? Mas para outros, o artigo é simplesmente uma decepção. Ele não
consegue lidar com o GULAG ou Trotsky ou Bukharin ou o massacre de Katyn
ou outra coisa que não aparece de todo no discurso de Khrushchev, e, assim,
o artigo é um fracasso e uma decepção, não importa o quão completamente ele
consiga provar a falsidade do que Khrushchev disse.
Concordo que o discurso de Khrushchev é o documento fundacional do para-
digma “antistalin”. Além disso, o fato de que a fala de Khrushchev é um tecido
de fabricações, virtualmente, do começo ao fim também tem implicações para
futuras pesquisas. Dado esse grau de falsidade no próprio
começo do que supostamente era uma exposição dos “crimes de Stalin”, é
improvável que a história termine aqui. Justifica-se suspeitar que pelo menos
algumas das outras “revelações” sobre as quais Khrushchev versou também
podem ser falsas.
E então o paradigma “antistalin” está de fato em jogo. Os livros Let His-
tory Judge de Roi Medvedev (1971) e The Great Terror: Stalin’s Purge of the
106
O PROBLEMA DE INTRODUZIR UM NOVO PARADIGMA
Thirties (1968) de Robert Conquest, que são as duas principais sínteses das
“revelações” da era Khrushchev, são precisamente as popularizações formati-
vas do paradigma “antistalin”. Eles resumem o que seus autores coletaram da
imprensa soviética, anúncios de “reabilitações” e memórias públicas e priva-
das (Para o relato de Aleksandr Solzhenitsyn ver a nota)173 . Tanto Medvedev
quanto Conquest aceitaram essas “revelações” – incluindo o Discurso Secreto
de Khrushchev, mas indo muito além dele – pelo seu valor nominal, como
“verdadeiras”. Se o discurso de Khrushchev for provado falso e quanto a esses
outros materiais?
Minha tentativa de testar a exatidão das acusações feitas por Khrushchev
em seu discurso e minhas conclusões resultantes, de que praticamente to-
das elas são falsas, não compreende uma tentativa direta da minha parte de
destruir o paradigma “antistalin”. No entanto, ela pelo menos remove um dos
principais pilares de suporte sobre os quais todo o edifício desse paradigma
permanece. Uma vez convencido de que o discurso de Khrushchev é pouco
mais do que uma longa, cuidadosamente planejada e elaborada mentira, ne-
nhum estudante pode ver a história soviética do período Stalin da mesma ma-
neira novamente.
Declarações de fatos só podem ser avaliadas no nível de sua fatualidade –
ou seja, se dadas as evidências que temos, tais declarações são as conclusões
mais exatas que podem ser tiradas. Nenhum paradigma pode ser “refutado”
pela refutação de um, ou qualquer número particular, de afirmações de fatos.
Esses colegas e críticos que mencionei e sem dúvida inumeráveis outros, são
– como outro colega disse – “pessoas razoáveis nas garras de uma narrativa
irracional”. Essa narrativa irracional é o “culto à personalidade” em torno de
Stalin em seu disfarce khrushchevista.
Embora ele alegou estar criticando e exorcizando o que é mais bem tradu-
zido por “culto do grande homem” (Kul’t lichnosti), o que Khrushchev realmente
fez foi reforçá-lo de forma invertida. Ele tentou substituir o “onisciente, bene-
volente” Stalin do “culto” por outro Stalin que era igualmente todo-poderoso,
mas malévolo. Nisto Khrushchev se assemelhava a Trotsky, que também se
concentrava no que ele alegou serem as falhas pessoais de seu arquirrival e
explicou a ascensão de Stalin à liderança, suas políticas, suas oposições e re-
pressões, atribuindo-as à combinação de astúcia, crueldade e defeitos morais
de Stalin.
Em um esboço da crítica de Noam Chomsky às mídias de massa, Mark
Grimsley escreveu:
Uma declaração que se encaixa em uma visão de mundo aceita requer pouca explica-
173
Os vários relatos de Solzhenitsyn, dos quais o mais famoso é seu The Gulag Archipelago em
suas várias edições, não são, estritamente falando, obras históricas. Solzhenitsyn se baseou
quase exclusivamente em rumores e memórias não publicadas. O interrogatório crítico das
fontes é virtualmente desconhecido para ele. Solzhenitsyn também fez muitas declarações de-
liberadamente falsas, incluindo muitas sobre sua própria vida. Além disso, é patente que ele
não compôs todos o The Gulag Archipelago. A amplitude do quanto a vida do próprio Solzhe-
nitsyn foi “construída” e falsificada precisa ser estudada para que um possa acreditar. Para
um relato muito detalhado e altamente documentado de todos os problemas com Solzhenitsyn
e seu trabalho ver Aleksandr V. Ostrovskii, Solzhenitsyn: Proshchanie s mifom (”Solzhenitsyn:
Adeus ao mito”) Moscou: IAuza, 2004.
107
CAPÍTULO 10. UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO
ção e, portanto, pode ser esboçada em poucas palavras. Para ter qualquer chance de
ser persuasiva, uma afirmação que desafia uma visão de mundo aceita precisa mais
do que uma frase de efeito.174
174
Mark Grimsley, “Noam Chomsky (1928-)”. Disponível para consulta em http :
//people.cohums.ohio − state.edu/grimsley1/h582/2001/Chomsky.htm
108
EXPOR UMA MENTIRA NÃO É O MESMO QUE ESTABELECER A VERDADE
109
CAPÍTULO 10. UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO
110
TORTURA E OS PROBLEMAS HISTÓRICOS RELACIONADOS A ELA
111
CAPÍTULO 10. UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO
obtidas de um réu por meio de tortura eram inválidas e não podiam ser usadas
legalmente.
O fato de um réu ter sido torturado não significa que o réu era inocente.
Não é evidência de que o réu era inocente. Mas muitas vezes é erroneamente
assumido ser.
Na realidade, existem muitas possibilidades diferentes:
• Uma pessoa pode ser inocente, ser torturada e confessar (para parar a tortura);
• Uma pessoa pode ser inocente, ser torturada e ainda não confessar.
• Uma pessoa pode ser inocente, não ser torturada, e ainda confessar a culpa de
outro crime. (Exemplos disso ocorrem nos documentos de Reabilitação).
• Uma pessoa pode ter sido torturada, mas ser considerada culpada por outras
provas, como testemunhos de outros réus ou provas físicas. Outros testemunhos
de outros indivíduos e outras evidências geralmente entram em jogo.
Estabelecer o fato de que alguém realmente foi torturado nem sempre é fá-
cil. O simples fato de alguém dizer que confessou sob tortura não é infalível.
Há muitas razões pelas quais as pessoas algumas vezes querem retratar uma
confissão de culpa. Alegar que se foi torturado é uma maneira de fazer isso,
preservando alguma dignidade. Então, para ter certeza de que uma pessoa
foi torturada, deve haver mais evidências do fato, como uma declaração ou
confissão por uma pessoa que realmente fez a tortura ou uma testemunha de
primeira mão.
Quando não há nenhuma evidência de que um réu foi torturado, estudi-
osos objetivos não devem concluir que ele foi torturado. Este ponto óbvio é
muitas vezes negligenciado, provavelmente porque um “paradigma” de que to-
dos foram torturados e todos eram inocentes, age poderosamente na mente de
pesquisadores e leitores.
Investigadores podem ter diferentes razões para torturar um suspeito. Con-
vencidos que uma pessoa é um criminoso perigoso ou espião, eles podem usar
tortura para forçá-lo a produzir informações que podem salvar vidas ou pro-
priedades, incriminar seus comparsas ou levar à solução de crimes anteriores.
Ou, os investigadores podem torturar suspeitos a fim de fazê-los confessar
crimes que nunca cometeram – talvez para melhorar a reputação dos próprios
investigadores. Eles podem usar a tortura para forçar o detento a incriminar
outras pessoas que podem então ser torturadas com o mesmo propósito. Des-
sa forma, uma história sobre uma enorme conspiração pode ser fabricada do
nada.
Mikhail Frinovskii, vice de Nikolai Yezhov, chefe do NKVD (Comissário dos
Assuntos Internos), em uma declaração confessional que foi citada muitas ve-
zes, mas só foi publicada em sua totalidade em fevereiro 2006, afirmou que
112
TORTURA E OS PROBLEMAS HISTÓRICOS RELACIONADOS A ELA
• Não podemos assumir que uma pessoa foi torturada sem provas de que ela o foi.
• Não podemos assumir que uma pessoa era culpada ou inocente só porque foi
torturada, muito menos com base em uma mera alegação de que foi torturada.
• Cada caso tem que ser decidido individualmente, de acordo com as evidências
que temos.
113
CAPÍTULO 10. UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO
que qualquer evidência que tende a mostrar Stalin culpado de enquadrar pes-
soas inocentes teria sido ignorada.
Da mesma forma, podemos esperar que boa parte do material que não foi
lançado tende a lançar dúvidas sobre a versão “oficial” antistalin. E, na ver-
dade, documentos foram liberados aqui e ali que tendem a eximir Stalin. Às
vezes parece que isso foi feito por causa de brigas burocráticas. Normalmente,
simplesmente não sabemos por que foi feito. Às vezes, também, documentos
são lançados várias vezes com as versões posteriores contradizendo as versões
anteriores de tal forma que é claro que documentos “primários” estão sendo
fabricados até que uma versão forjada final seja declarada “oficial” por estar
inserida em um arquivo.
Como sempre na escrita da história, nossas conclusões devem ser provisó-
rias. Não há “certeza”. Historiadores raramente, se nunca, estão na posição
confortável de lidar com “certezas”. À medida que mais evidências vierem à
tona no futuro, temos que estar preparados para ajustar ou até mesmo des-
cartar nossas conclusões anteriores, se necessário.
Temos que estar preparados para questionar nossas próprias ideias precon-
cebidas e seus paradigmas históricos. Não é fácil fazer isso. Mas se não manti-
vermos a necessidade de fazê-lo na vanguarda de nossa consciência, corremos
o risco de olhar com favor a evidências que tendem a apoiar nossas próprias
ideias preconcebidas enquanto olhamos criticamente apenas para evidências
que tendem a refutar essas mesmas ideias.
• Khrushchev certamente sabia que a declaração em questão era falsa quando ele
a fez.
• Khrushchev fez a declaração “em flagrante desrespeito pela verdade”. Neste úl-
timo caso, não podemos ter certeza de que Khrushchev sabia com certeza que
sua declaração era falsa. Em vez disso, ele apresentou a declaração como ver-
dadeira sem qualquer boa razão para fazê-lo.
114
UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO KHRUSHCHEVISTA
115
CAPÍTULO 10. UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO
As “Revelações”
116
A TIPOLOGIA
A tipologia
DK - “Não Sei” – Uma declaração (#51). Sem estudar o original do do-
cumento relevante, não podemos determinar se Khrushchev estava dizendo
a verdade quando ele alegou que Stalin assinou pessoalmente a ordem para
um monumento a si mesmo em 2 de julho de 1951. Khrushchev certamente
distorceu o contexto por omissão.
O que constituiria prova desta afirmação de uma forma ou de outra não é
certo. Por exemplo, uma fotocópia por si só não seria suficiente, como será
explicado quando considerarmos esta alegação de Khrushchev.
KW – “Palavra de Khrushchev (apenas)” – 4 declarações. Khrushchev
afirma que Stalin disse algo, mas ninguém mais confirmou . Mesmo que outros
tenham negado, ainda não pode ser definitivamente estabelecido como falso.
No entanto, essas declarações provavelmente são mentiras, já que em ape-
nas um caso Khrushchev diz que ele foi a única pessoa a ouvir essas observa-
ções de Stalin. Se o resto dessas declarações tivessem sido feitas na presença
de outros, certamente alguém as teria confirmado, já que todas elas se torna-
ram bem conhecidas após o Discurso Secreto. Não podemos, no entanto, ter
certeza disso, daí a classificação especial “KW”.
LW – “Mentira, informações Retidas” – 12 declarações. São declarações
que dão uma falsa impressão porque o contexto essencial – outras informações
– é omitido. O próprio Khrushchev pode, ou não, ter conhecido este contexto,
mas aqueles que fizeram a pesquisa e relataram a ele certamente sabiam disso,
baseando no princípio de que o que sabemos hoje e provavelmente muito mais
era certamente conhecido à época. É mais do que improvável que seus pes-
quisadores se atrevessem a esconder essa informação de Khrushchev.
S – “Caso especial” – 3 instâncias. Estas são declarações muito amplas que,
quando examinadas cuidadosamente, não fazem realmente nenhuma acusa-
ção específica contra Stalin, mas implicam uma acusação, e assim criam um
falso impressão sem realmente fazer uma alegação específica.
L – “Mentira” – 41 declarações, de longe a maior categoria. Essas declara-
ções são comprovadamente falsas ou feitas em flagrante desrespeito aos fatos.
Neste último caso, podemos mostrar que Khrushchev não sabia de fato se eram
verdadeiras ou não.
Um exemplo ou dois de cada categoria (exceto, é claro, o primeiro, que já foi
citado) deve dar uma ideia do tipo de classificação e engano que está envolvido
em cada um.
KW – Palavra de Khrushchev
De acordo com Khrushchev, Stalin disse, na presença de Khrushchev, “vou
sacudir meu dedinho – e não haverá mais Tito. Ele vai cair. (p. 35) Khrushchev
implica, embora ele não explicitamente afirme, que ele era a única testemunha
dessas palavras de Stalin. Se assim for, não há como verificar este incidente.
Ninguém confirmou isso.
Um segundo exemplo é a questão da proposta de Stalin de aumentar os
117
CAPÍTULO 10. UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO
118
A TIPOLOGIA
S – Caso Especial
Khrushchev discute repressões em massa de forma geral (nº 5) antes de en-
trar em detalhes. Ele esquece de mencionar que ele próprio estava fortemente
envolvido em repressões em massa, como primeiro-secretário do partido do
oblast (província) de Moscou e de comitês municipais durante 1935-38 e, em
seguida, depois de janeiro de 1938, da Ucrânia (1938-49).
Os estudos que estão disponíveis para nós hoje sugerem que Khrushchev
pode muito bem ter reprimido mais pessoas do que qualquer outro líder do
Partido. Certamente ele estava entre os líderes na repressão. Este contexto
está totalmente ausente do Discurso Secreto. Eu classifico isso aqui como
S, “caso especial” em vez de como LW, “mentira, informação retida”, porque
Khrushchev não culpa explicitamente Stalin ou Beria por toda a repressão,
embora essa seja a impressão que ele, sem dúvida, pretendia deixar seu pú-
blico.
Outro exemplo desta categoria é a declaração de Khrushchev sobre Zinoviev
e Kamenev:
Em seu “testamento”, Lenin advertiu que “o episódio de outubro de Zinoviev e Ka-
menev não foi um acidente”. Mas Lênin não colocava a questão de suas prisões e
certamente nem de seus fuzilamentos (p. 26).
Esta declaração se afasta de todo da questão da inocência ou culpa de Zino-
viev e Kamenev em conspirar para derrubar o governo soviético e envolvimento
indireto no assassinato de Kirov. Estas foram as acusações apresentadas con-
tra eles no primeiro “julgamento espetáculo” público em Moscou em agosto de
1936, e no qual ambos confessaram. Estas confissões juntamente com todo o
resto do material de investigação estavam disponíveis para Khrushchev.
A pequena parte dessas informações disponíveis para nós hoje sugere que
Zinoviev e Kamenev eram culpados do que confessaram. Mesmo Khrushchev
não os declarou inocentes, como fez com vários outros líderes de alto escalão
do Partido de cuja culpa temos uma boa dose de evidência hoje. Em vez disso,
119
CAPÍTULO 10. UMA TIPOLOGIA DA PREVARICAÇÃO
L - Mentira
De longe, a maior categoria é “L” – as mentiras deslavadas. Todas as menti-
ras dependem de contexto – algo com referência a que podem ser reconhecidas
como contrarias aos fatos. Assim, dependendo do contexto específico, alguns
deles margeiam a categoria “LW, ou “Mentira, informações Retidas”.
Mas algumas são apenas falsidades descaradas. Exemplos delas incluem a
“Carta de Vorontsov” (Nº 31). Aqui Khrushchev omite o último parágrafo, que
inverte o significado de toda a carta e de fato contradiz seu ponto de vista.
Outro é o “Telegrama de Tortura” (Nº 28), onde novamente Khrushchev omi-
tiu partes cruciais do documento. Nele, Stalin178 enquanto reafirma o uso
de “pressão física” em criminosos “calejados”, rejeita vigorosamente este uso
salvo como “exceção” ao mesmo tempo em que revela que certos NKVDistas
conhecidos foram punidos por torná-la uma “Regra”. A citação de Khrushchev
remove a ordem de Stalin para que a tortura só seja usada “em circunstâncias
excepcionais”.
Um terceiro exemplo é a suposta “desmoralização” de Stalin no início da
guerra (nº 34). Isso é refutado por praticamente todas as pessoas que estavam
presentes e trabalhando com Stalin na época. E Khrushchev não estava com
Stalin, nem mesmo em Moscou, mas em Kiev!
177
Por exemplo em Doklad Khrushcheva (citado acima), pp. 185-230.
178
Ou “Stalin” – o documento em si é de autenticidade questionável, como explico separadamente
no Capítulo 4.
120
Capítulo 11
Reabilitações falsificadas
Ele então passou a discutir uma série de casos específicos cuja inocência,
segundo ele, havia sido estabelecida.
Após o colapso da URSS, foram publicados os documentos desta comis-
são chefiada por Petr Pospelov. Também o foram os relatórios de reabilitação
assinados pelo procurador-chefe da URSS, Rudenko, nos quais Pospelov se
baseou179
. Citações integrais e outras semelhanças mostram que os relatórios de
reabilitação foram a base fatual do Relatório Pospelov.
O Relatório Pospelov foi discutido algumas vezes de uma forma muito cré-
dula, que não conseguiu expor as falsificações que contém. Algumas delas são
óbvias. Por exemplo, uma seção do relatório conclui que todos os chamados
“blocos” e “centros” de atividade oposicionista foram fabricados por investi-
gadores da NKVD. Sabemos que não é assim, já que os próprios jornais de
Trotsky mencionam um “bloco” de seus partidários junto aos Direitistas.180
179
178 .Reabilitatsiia Kak Eto Bylo. Dokumenty Prezidiuma Ts KPSS I Drugie Materialy. V 3-x
tomakh. T. 1. Mart 1953 - Fevral’ 1956 gg. (Reabilitação. Como aconteceu. Documentos do
Presidium do CC do PCUS e Outros Materiais. Em 3 volumes. Volume 1. março de 1953
a fevereiro de 1956.) Moscou: MDF, 2000. A partir de agora RKEB 1. O Relatório Pospelov
está nas pp. 317-348; on-line em http : //www.alexanderyakovlev.org/almanah/inside/almanah−
doc/55752
180
RKEB 1, 322-3. Ver J. Arch Getty, “Trotsky in Exile: The Founding of the Fourth Internati-
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
Mas os relatórios de reabilitação nunca foram objeto de qualquer escrutí-
nio. Estudos anteriores das reabilitações referidas no Discurso de Khrush-
chev, como os de Rogovin e Naumov, foram pouco mais do que resumos das
próprias memórias de Khrushchev e aceitaram credulamente os relatos auto
adulatórios de Khrushchev.181
Nas páginas seguintes, discutimos os relatórios de reabilitação sobre algu-
mas das figuras do Partido que aparecem no Discurso de Khrushchev e compa-
ramos seus conteúdos com o que sabemos de outras fontes publicadas desde
o fim da URSS. Concluímos que os relatórios de reabilitação em questão não
foram compilados para descobrir a verdade sobre a culpa ou inocência dos
réus. Eles não poderiam ter sido, porque eles não revisaram nem mesmo to-
dos os materiais que temos agora sobre esses indivíduos. Quem sabe o que
mais existe nos arquivos investigativos e judiciais que não conhecemos?
Então por que os relatórios de reabilitação foram preparados? Quanto às
pessoas que figuram no Discurso de Khrushchev, todos membros do Comitê
Central, a única explicação lógica é que seu propósito era fornecer a Khrush-
chev uma documentação plausível para suas alegações das inocências de todos
eles.
Esta não pode ter sido a razão para os milhares de relatórios de reabilitação
de funcionários menores, membros do Partido de menor patente e de indiví-
duos privados. A maioria, se não todos, foram preparadas como resultado de
petições dos parentes dos réus e poucos deles foram publicados.
Mas mesmo nesses casos não podemos estar confiantes de que investigações
adequadas para determinar culpa ou inocência foram de fato realizadas. Um
exemplo é o de Alexandr Iulevich Tivel-Levit.
Tivel
Getty conseguiu ver o inédito arquivo do Partido de Tivel e resumiu breve-
mente seu caso conforme esse arquivo. Em maio de 1957, a Suprema Corte da
URSS anulou a condenação e expulsão de Tivel do Partido realizada em 1937.
Mas não há evidências de que qualquer estudo sério do caso de Tivel tenha
sido realizado, a Suprema Corte apenas afirmando que sua condenação “tinha
sido baseada em materiais contraditórios e duvidosos”.182
Na verdade, agora temos uma boa quantidade de informações sobre Tivel.
onal”, Soviet Studies 38, No. 1 (janeiro de 1986), p. 28 e notas 18-21, p. 34; Pierre Broué,
“Trotsky et le bloc des oppositions de 1932”, Cahiers Léon Trotsky 5 (janeiro- março de 1980),
pp. 5-37
181
Naumov, V.V. “K istorii sekretnogo doklada N.S. Khrushcheva na XX s”ezd
KPSS”, Novaia i Noveishaia Istoriia No. 4 (1996); também em http :
//vivovoco.rsl.ru/V V /P AP ERS/HIST ORY /AN T IST.HT M ; Rogovin, Vadim. “Prilozhenie
I: Iz istorii razoblacheniia stalinskikh prestupleniy.” Partiia rasstreliannykh. Também em
http : //web.mit.edu/people/f jk/Rogovin/volume5/pi.html Rogovin repete de forma inocente a
versão conveniente de Khrushchev dos eventos. Naumov é um pouco mais crítico dos relatos
de memórias de Khrushchev e Mikoian, mas nunca questiona a validade do processo em si,
começando com os relatórios de reabilitação.
182
Getty, J. Arch e Oleg V. Naumov, A Estrada para o Terror. Stalin e a Autodestruição dos bol-
cheviques, 1932-1939. New Haven: Yale University Press, 1999, p. 5; Tivel é discutido no pp.
1-5.
122
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
Isso é porque, como se vê, ele não era um “Homem Soviético Ordinário”, como
Getty o chamou183 . Tivel tinha sido coautor de uma história oficial dos primei-
ros dez anos do Comintern. Tivel foi referido pelo nome como o intérprete na
transcrição do 17º Congresso do Partido quando, em 2 de fevereiro de 1934,
Okano, um representante do Partido Comunista japonês, falou.
Alexander Barmine, um oficial soviético que fugiu para o Ocidente, escreveu
que Tivel tinha sido secretário de Zinoviev. Radek o chamou de “meu cola-
borador” e testemunhou que Tivel estava ligado a um grupo zinovievista. Ele
foi citado como conspirador por Iuri Piatakov e Grigorii Sokolnikov, dois dos
principais réus no julgamento de 1937. Sokolnikov disse que Tivel se apro-
ximou dele, Sokolnikov, como membro de um grupo trotskista que planejava
assassinar Stalin.
Sokolnikov: Em 1935, Tivel veio até mim e me informou que ele estava ligado ao
grupo terrorista Zaks-Gladnev. Tivel pediu instruções sobre as outras atividades
deste grupo...
O Presidente: Contra a vida de quem esse grupo se preparava para atentar?
Sokolnikov: Tivel me disse então que eles tinham instruções para preparem um ato
terrorista contra Stalin... Eu estava pessoalmente conectado com Tivel, Tivel estava
pessoalmente ligado com o grupo Zaks-Gladnyev.
Se o próprio Tivel era um membro deste grupo, eu não sei.184
Na verdade, há muito mais. Zaks-Gladnev, que tinha sido editor de Lenin-
gradskaya Pravda enquanto Zinoviev chefiava o Partido em Leningrado e era
cunhado do próprio Zinoviev. Victor Serge escreveu sobre o encontro com Zi-
noviev em 1927 no apartamento de Zaks após a fracassada manifestação trots-
kista contra a liderança do Partido – Bukharin e Stalin na época – e o protesto
suicida de Adolf Yoffe (Yoffe era um trotskista dedicado), onde eles planejaram
uma oposição clandestina.
Desde que Sokolnikov e Piatakov discutiram Tivel em seu testemunho de
julgamento, eles, sem dúvida, também o mencionaram, e possivelmente em
maior duração, em interrogatórios investigativos pré-julgamento185 . Quando
o nomearam em júri, Tivel não só ainda estava vivo – ele ainda nem havia
sido preso, embora tivesse sido evidentemente expulso do Partido em agosto
de 1936. Talvez seu nome tenha vindo à tona em conexão com o julgamento
de Zinoviev-Kamenev do mesmo mês. O nome de Tivel foi mencionado por
Yezhov no confronto cara a cara entre Bukharin e Kulikov, um dos acusadores
de Bukharin, em dezembro de 1936.186
De acordo com Getty, a reabilitação de Tivel foi resultado de apelos de sua
viúva, que queria a mancha de “filho de um inimigo do povo” removida de
seu filho. Da pouca documentação que foi disponibilizada até agora, é claro
que, apesar de sua reabilitação, havia uma boa quantidade de evidências im-
plicando Tivel na rede de conspirações alegadas durante o final da década
183
Getty & Naumov, 182, p.1.
184
Relatório de Processos Judiciais no Caso do Centro Trotskismo Antissoviético. ...eu não vou.
Relatório Verbatim. Moscou: Comissariado popular da Justiça da URSS, 1937, pp. 162-3.165.
185
Sabemos que esses interrogatórios pré-julgamento existem porque uma seção muito curta de
um interrogatório de Sokolnikov foi publicada em 1991 em Reabilitatsiia: Politicheskii Prot-
sessy 30- x - 50-x Gg. ((Moscou, 1991), pp. 228-9.)
186
”Stenogramma ochnykh stavki v TsK VKP(b). Goda de Dekabr, 1936.” Voprosy Istorii
Nº 3, 2002, pp. 3-31, na P. 6.
123
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
de 1930. Isso é ainda mais evidentemente verdade no caso dos bolcheviques
muito mais proeminentes, cujos exemplos são citados por Khrushchev em seu
Discurso.
Postyshev
Khrushchev afirmou em seu discurso que, na Plenária de fevereiro a março
de 1937, “muitos membros” do Comitê Central “questionaram a correção das
“Repressões em massa”, e que “Postyshev expressou mais habilmente essas
dúvidas”. Essa afirmação não pôde ser verificada até que a seção correspon-
dente da transcrição daquela Plenária fosse publicada em meados de 1995.187
A declaração acaba sendo uma mentira deliberada. Na realidade, nem Pavel
Postyshev nem um único outro membro questionaram as repressões.
Mas a mentira de Khrushchev é muito maior que isso. Postyshev era cul-
pado de repressões maciças. Stalin chamou as ações de Postyshev de “um
massacre... fuzilamento” de membros inocentes do Partido em sua área. Esta
foi a razão pela qual o próprio Postyshev foi removido de seu posto no Partido,
removido enquanto candidato a membro do Politburo, expulso do Comitê Cen-
tral, depois do Partido, preso, julgado e executado (Veja nossa análise mais
detalhada do que Khrushchev disse sobre Postyshev, e as evidências que reu-
nimos, no Capítulo Três).
Até hoje, o governo russo continua a proibir a publicação ou mesmo o acesso
ao caso de Postyshev188 . Sem acesso a materiais investigativos como as decla-
rações e confissões feitas pelo próprio Postyshev, por aqueles que o acusaram
e aqueles a quem ele acusou, bem como a transcrição de seu julgamento, não
podemos ter um relato completo do que realmente aconteceu. Este é o caso
de todas as figuras que Khrushchev alegou terem sido executadas apesar de
inocentes.
Portanto, não podemos saber toda a história, seja no caso de Postyshev ou
de qualquer um dos outros. O que podemos fazer é comparar os relatórios de
reabilitação que foram publicados agora com o que sabemos sobre Postyshev
a partir de outras fontes que se tornaram públicas.
A seção dos relatórios Pospelov sobre a reabilitação de Postyshev é muito me-
nor até mesmo do que o breve relatório de reabilitação, e é totalmente tirada
dele, com a adição de um ataque pessoal a Stalin189 . Khrushchev certamente
187
Em Voprosy Istorii, 5/6, 1995. A citação de Postyshev que Khrushchev cita de forma desonesta
está na p. 4.
188
Uma razão dada para isso é a aprovação de uma estranha lei de acordo com a qual os parentes
mais próximos dos julgados e executados devem dar sua permissão antes de tais materiais
poderem ser tornados públicos. O filho de Postyshev, Leonid, um notável economista, deu
algumas entrevistas nas quais ele lembra calorosamente de seu pai e toma como certo que ele
era inocente.
A reabilitação foi vantajosa para a família dos “reabilitados”, uma vez que havia várias maneiras
formais e informais em que os familiares dos executados por traição sofreram discriminação.
Parece que, na maioria dos casos, foram os membros da família que pediram a reabilitação
de seus parentes executados, embora no caso de Postyshev, Khrushchev possa ter iniciado o
processo ele mesmo.
189
RKEB 1.325.
124
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
viu esses relatórios, uma vez que todos foram enviados para os membros do
Presidium. Alguns são assinados por eles e alguns mais são até mesmo ende-
reçados pessoalmente a Khrushchev190 . Vamos nos concentrar no relatório de
reabilitação mais detalhado aqui.
Uma coisa imediatamente se torna evidente: o relatório de reabilitação de
Postyshev191 não diz nada sobre seu envolvimento em execuções extralegais
massivas de membros do Partido, sobre as quais temos uma grande quanti-
dade de documentação. Levantar esta questão não teria induzido simpatia por
Postyshev nem hostilidade contra Stalin.
É significativo que nada sobre isso seja discorrido no relatório, uma vez que,
para realmente eximir Postyshev, isto teria que ser incluído. Qualquer revisão
de boa-fé do caso de Postyshev teria naturalmente que reexaminar a ques-
tão do assassinato em massa! Se tivesse sido incluído, Khrushchev poderia
simplesmente ter desconsiderado esta informação. Mas isso teria deixado um
rastro de papel. Um dos adversários políticos de Khrushchev, como Molotov
ou Kaganovich, poderia querer ler o relatório de reabilitação e visto por meio
das mentiras.
O próprio Khrushchev estava presente na Plenária do Comitê Central de
Janeiro de 1938, na qual Postyshev foi criticado e expulso do C.C. por esta
repressão. Khrushchev certamente sabia tudo sobre o que Postyshev tinha
feito e as razões para sua expulsão do C.C. Sem dúvida ele mesmo votou a
favor.
Pelas evidências, fica claro que tanto o Relatório Pospelov quanto o relató-
rio de reabilitação são forjados. Eles foram uma maquinação para fornecer
uma desculpa para declarar Postyshev inocente, em vez de qualquer tentativa
genuína de rever seu caso. Khrushchev certamente sabia disso. Ninguém se
atreveria a fazer isso sem a ordem de Khrushchev.
É notável que, no caso da reabilitação de Postyshev, bem como na maioria,
ou todos, do restante, aqueles membros do Presidium que tinham estado no
Politburo em 1938 - Molotov, Kaganovich, Mikoian e Voroshilov - deveriam
saber disso assim como Khrushchev sabia.192
É bem possível que Postyshev tenha sido julgado apenas por um, ou um
número limitado, de crimes capitais – por exemplo, por estar envolvido em uma
conspiração trotskista. Também é comum nos EUA um réu não ser julgado
consecutivamente por cada delito capital. É provável que Postyshev nunca
tenha sido julgado por outros delitos capitais – afinal, uma pessoa só pode ser
190
Assinado por membros do Presidium: pp. 203, 207, 217, 220, 227, 229, 231, 233, 236, 237,
251, 260, 261, 263. Endereçado a Khrushchev: p. 192, em alguns casos, os relatórios não
foram especificamente endereçados a Khrushchev, mas as anotações sobre eles deixam claro
que foram diretamente para ele. Veja as versões p. 188, 191, 208, 233, 236, 237, 251, 264.
Alguns foram enviados primeiro para Malenkov ou Bulganin ou as deles são as cópias que
foram encontradas nos arquivos e impressas.
191
RKEB 1.218-220. Datado de 19 de maio de 1955.
192
Além dos membros do Presidium já mencionados (Khrushchev, Bulganin, Molotov, Kagano-
vich, Mikoian) a única outra pessoa que era um membro do CC antes de 1939 e em 1956 foi
Shvernik, um aliado próximo de Khrushchev. O Marechal Semion Budionniy foi candidato em
1934, 1939 e 1956; e A.P. Zaveniagin foi candidato em 1934, evidentemente em 1939 também,
e 1956. Bulganin foi candidato em 1934.
125
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
executada uma vez.
Mas nesse caso, a fim de “reabilitá-lo completamente”, tudo o que seria ne-
cessário seria ter sua condenação pelo crime do qual foi condenado. Se essa
condenação pudesse ser anulada, ele seria então “inocente”, ou seja: sua única
condenação havia sido anulada. Parece que foi isso que aconteceu. É prova-
velmente o caso de muitos, se não todos, daqueles “reabilitados” nos relatórios
utilizados pelo Relatório Pospelov.
O relatório confirma que Postyshev confessou tanto a participação em uma
conspiração Trotskista-Direitista quanto espionagem para a Polônia, mas al-
guns daqueles que Postyshev citou como seus cúmplices ou falharam em nomeá-
lo em suas próprias confissões ou nomearam Postyshev como um dos alvos de
suas próprias conspirações.193
Parte do material deste relatório está escrita de forma muito estranha.
• Popov confessou que ele, Balitskii e Iakir “tentaram usar Postyshev em seus
planos antissoviéticos, mas não foram bem-sucedidos”. Isso é interessante! Se
Postyshev fosse “inocente”, ele teria relatado tais tentativas de recrutá-lo para
uma conspiração. Se ele tivesse feito isso, este fato certamente teria sido no-
tado a seu favor. Mas se não há provas de que ele fez isso, como ele pode ser
“inocente”?
• “No arquivo do caso Kosior há uma declaração de N. K. Antipov na qual ele afirma
a existência de relações pessoais muito anormais entre Kosior e Postyshev, e que
Postyshev não era um membro do centro geral de organizações contrarrevoluci-
onárias na Ucrânia.”
126
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
confissão sobre Postyshev e B. I. Kozlovskii nem foi preso. Desta forma, as “con-
fissões” de Postyshev sobre suas atividades contrarrevolucionárias na Ucrânia e
conexões com a inteligência japonesa não eram confirmadas e, como ficou com-
provado neste momento foram falsificadas pelos órgãos do NKVD.”
127
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
Lulov e Tserpento, em suma, são acusados de terem sido apoiadores dos
Direitistas (Lulov – Zinoviev) e de Trotsky (Tserpento), respectivamente. O que
isso significa sobre Postyshev veremos abaixo. Mas também confirma a exis-
tência de conspirações trotskistas, algo que o Relatório Pospelov negou menos
de nove meses depois.
O relatório Ukhanov continua citando ipsis literis uma declaração do interro-
gatório do braço direito de Yezhov no NKVD, Mikhail Frinovskii. Nela Frinovskii
detalha como Yezhov dirigiu fabricações massivas de confissões com a ajuda
de tortura, a fim de encobrir sua própria liderança em uma conspiração anti-
governo direita-trotskista de sua autoria. Muitas vezes citado seletivamente,
este documento só recentemente foi publicado na Rússia pela primeira vez (fe-
vereiro de 2006).195
Tudo isso nos diz algumas coisas importantes.
• Isso significa que o caso de Postyshev foi revisto sob Beria, depois que ele substi-
tuiu Yezhov ao final de novembro de 1938, mas evidentemente antes de Postyshev
ser julgado e executado em 26 de fevereiro de 1939196 . Seu interrogador, Tser-
pento, e o comandante deste, Lulov, foram julgados e executados por falsificação
de casos, então isso ocorreu sob Beria também.
• Alguns dos que confessaram conspirar contra Postyshev confirmaram, pela mesma
lógica, a existência de conspirações.
• Se Postyshev realmente estivesse em uma conspiração isso não teria sido conhe-
cido para além de um número muito restrito de pessoas. Assim, o fato de que
outros conspiradores confessaram conspirar contra Postyshev não o dirime de
culpa.
195
RKEB 1.234. O texto russo da declaração de Frinovskii está em http :
//chss.montclair.edu/english/f urr/research/f rinovskyru.html, o texto em inglês pode ser
visto em http : //chss.montclair.edu/english/f urr/research/f rinovskyeng.html
196
Tserpento é citado como dizendo que suas declarações poderiam ser facilmente verificadas
ligando para Postyshev e Bubnov – outro preso – e conversando com eles (RKEB 1 219). É
possível também que Postyshev já tivesse sido executado e Tserpento simplesmente não sabia
disso.
128
CONCLUSÃO
Conclusão
Só há uma teoria que pode explicar todas essas questões: o relatório de
reabilitação sobre Postyshev é uma fraude. Nenhuma das acusações impor-
tantes contra Postyshev foram realmente investigadas e então ele não foi real-
mente inocentado de nenhuma delas. O objetivo do relatório não era verificar
se Postyshev era realmente culpado ou não. Era fornecer à falsa pesquisa de
Khrushchev um expediente para justificar sua tentativa de culpar a Stalin pela
execução de Postyshev.
O Relatório Pospelov, que se baseia nesses relatórios de reabilitação, tam-
bém é uma fraude. Sua passagem sobre Postyshev é muito menos detalhada,
culpa Stalin mais diretamente e foi claramente elaborada para fins polêmicos
e não analíticos.
Kosarev
Temos um relatório de reabilitação sobre Alexandr Kosarev197 . Mas não há
uma seção dedicada a ele no Relatório Pospelov; nem na minuta do Discurso
de Pospelov e Aristov198 ou no rascunho das incorporações de Khrushchev199 .
Portanto, foi adicionado pelo próprio Khrushchev e constitui a melhor evidên-
cia possível de que Khrushchev trabalhou não apenas a partir do Relatório
Pospelov e do rascunho de Pospelov-Aristov, mas a partir dos próprios relató-
rios de reabilitação.
Sabemos muito menos sobre o destino de Kosarev do que sobre Postyshev,
mas só porque as autoridades russas não liberaram nada. O relatório de reabi-
litação sobre ele, datado de 4 de agosto de 1954, estabelece a prisão de Kosarev
por Beria em de 28 de novembro de 1938, por conta de um entrevero pessoal.
No início, Kosarev se recusou a confessar qualquer atividade de traição, mas
teria sido espancado até assinar, em 5 de dezembro, uma confissão falsa, na
qual admitiu fazer parte da conspiração direitista-trotskista para derrubar o
governo soviético.
Tudo é culpa de Beria, que se diz odiava Kosarev por conta deste tê-lo despre-
zado por distorcer a história do Partido Bolchevique na Geórgia e por oprimir
velhos bolcheviques georgianos. Beria aproveitou sua primeira oportunidade
como chefe da NKVD para prender Kosarev e sua esposa. Quando Kosarev se
recusou a “confessar”, Beria o espancou e lhe arrancou uma confissão falsa .
Beria supostamente ordenou Bogdan Kobulov, um de seus homens de confi-
ança. e o principal investigador, Lev Shvartsman, a bater em Valentina Pikina,
uma ex-colega de trabalho de Kosarev no Komsomol, embora Pikina ainda se
recusasse a acusar falsamente Kosarev. Nos é dito que Kosarev confessou em
197
RKEB 1, 166-168
198
”Proekt doklada ‘O kul’te lichnosti I ego postledstviiakh’, predstavlenniy P.N. Pospelovym I
A.B. Aristovym. 18 fevralia 1956 g.” N.S. Doklad Khrushcheva O Kul’te Lichnosti Stalina na XX
S”ezde KPSS. Dokumenty. Ed K. Aimermakher et al. Moscou: ROSSPEN, 2002, pp. 120-133;
também em RKEB 1, 353-364.
199
”Dopolneniia N.S. Khrushcheva k proektu doklada ‘O kul’te lichnosti i ego posledstviiakh’”.
Doklad Khrushcheva, pp. 134-150; também em RKEB 1, 365-379.
129
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
seu julgamento apenas porque Beria e Kobulov lhe garantiram que, ao fazê-lo,
sua vida seria poupada. Beria então se recusou a passar a apelação de Kosarev
ao tribunal e Kosarev foi fuzilado.
Em 1953, Khrushchev já havia fuzilado Beria e sete de seus associados mais
próximos, incluindo Kobulov. O investigador Shvartsman, que. junto com
a viúva de Kosarev, forneceu praticamente todas as informações do relatório
de reabilitação, seria executado sob Khrushchev em 1955. Assim, o relatório
conta uma “história de terror” de Beria semelhante a muitas outras que Kh-
rushchev estava espalhando. Diz-se que Beria fez tudo isso por vingança, sem
qualquer motivo político.
Isso em si é suspeito, já que sabemos por outros documentos que havia
acusações políticas contra Kosarev. Estes foram brevemente revisados abaixo
(#24) e com um pouco mais de detalhes no corpo deste estudo. O relatório de
reabilitação nem sequer os menciona, muito menos tenta refutá-los.
Rogovin cita um relato no qual, em março de 1938, Kosarev se encontrou
com um ex-líder do Komsomol de Leningrado chamado Sergei Utkin, que havia
reclamado que a NKVD o havia forçado a fazer falsas acusações. Kosarev então
denunciou Utkin para Yezhov e Utkin foi enviado para um campo por 16 anos.
Uma relação estreita entre Kosarev e Yezhov também é atestada por Anatoly
Babulin, um sobrinho de Yezhov cuja declaração foi publicada recentemente.
De acordo com Rogovin, que baseou seu resumo a partir de publicações da
era Gorbachev, Kosarev foi realmente preso logo após uma Plenária do Comitê
Central do Komsomol, que se reuniu de 19 a 22 de novembro de 1938 e na
qual a maioria do Politburo do Partido compareceu e discursou: Stalin, Molo-
tov, Kaganovich, Andreev, Zhdanov, Malenkov e Shkiriatov. Kosarev e outros
haviam rejeitado e perseguido uma certa Mishakova, uma instrutora do Co-
mitê Central do Komsomol, que havia denunciado várias figuras da Juventude
da Chuvashiia.
As memórias de Akakii Mgeladze, um ex-Komsomol e, mais tarde, líder do
Partido Georgiano foram publicadas em 2001. Elas foram escritas na década
de 1960 e dizem respeito às suas reuniões com Stalin. Mgeladze lembrou que,
por volta de 1950, ele havia perguntado a Stalin sobre Kosarev, a quem ele
tinha em alta estima. Mgeladze disse a Stalin que não podia acreditar nas
acusações contra Kosarev, e se perguntou se um erro havia sido cometido.
Stalin ouviu calmamente, e respondeu a Mgeladze que todos cometeram
erros, incluindo ele mesmo (Stalin). Mas, continuou Stalin, o Politburo tinha
discutido o caso Kosarev duas vezes, e tinha designado Andreev e Zhdanov para
verificar as acusações contra ele e verificar os relatórios da NKVD. Mgeladze
então afirma que ele mesmo leu a transcrição do Pleno do Komsomol, incluindo
os discursos de Andreev e Zhdanov, e o relatório de Shkiriatov e os considerou
totalmente convincentes em suas provas contra Kosarev.
Obviamente houve sérias acusações políticas feitas contra Kosarev. Elas
provavelmente incluíram envolvimento com Yezhov, que também confessou
ser o chefe de uma conspiração direitista-trotskista. A transcrição do Plená-
rio do Komsomol, relatórios de investigação da NKVD e provavelmente muitas
outras evidências também, existiam na época de Khrushchev, bem como pro-
vavelmente ainda existem. Porém, nunca foram abertas aos pesquisadores.
130
CONCLUSÃO
Rudzutak
Ian Rudzutak foi preso em maio de 1937, ao mesmo tempo que Tukha-
chevsky e os outros líderes militares, e foi acusado de estar envolvido com a
conspiração destes201 . Quando Stalin falou com a Sessão expandida do Soviet
Militar sobre a conspiração Direitista-Trotskista de Tukhachevsky ele nomeou
Rudzutak como uma das 13 pessoas até então identificadas.202
O relatório de reabilitação, datado de 24 de dezembro de 1955, não diz nada
sobre isso203 . Somos informados que Rudzutak confirmou “atividade antis-
soviética” em sua confissão preliminar, mas que essas declarações de confis-
são são “contraditórias, não concretas (ou seja, não são específicas) e pouco
convincentes” e que no julgamento Rudzutak as retratou, dizendo que eram
“imaginadas”. Nada é dito sobre o envolvimento com a conspiração militar.
A seção curta correspondente a Rudzutak no Relatório Pospelov204 baseia-se
inteiramente neste relatório de reabilitação, acrescentando que “uma verifica-
ção meticulosa realizada em 1955 determinou que o caso contra Rudzutak foi
falsificado e que ele foi condenado com base em materiais caluniosos”. Como
mostramos abaixo, isso é falso. O relatório de reabilitação sobre Rudzutak é
uma tentativa de cobertura.
Muitos réus inculparam Rudzutak. O relatório de reabilitação dispensa isso
de várias maneiras:
• Alguns (Magalif, Eikhe e outros) nomearam Rudzutak em suas confissões, mas
mais tarde retrataram suas confissões. O fato de uma confissão ser retratada
não torna essa retratação mais “verdadeira” do que a confissão original.
• Alguns (Alksnis, German, “e outros militantes dos Sovietes e do Partido de nacio-
nalidade letã”) nomearam Rudzutak, mas sua investigação foi realizada “com as
mais graves violações da legalidade” e assim seus testemunhos foram retirados.
• O relatório de reabilitação sobre Iakov Alksnis205 não foi preparado até três se-
200
Khrushchev, N.S. Vremia, Liudy, Vlast’ (Tempo, Pessoas, Poder). Moscou:
‘Moskovskie Novosti’, 1999. I, Ch. 11, p. 119. Disponível em http :
//kursk1943.mil.ru/kursk/arch/books/memo/hruschev_ns/11.html
201
Rudzutak e Tukhachevsky foram nomeados na mesma resolução do Politburo acusando-os de
participação em uma conspiração antissoviética direitista-trotskista e de espionagem para a
Alemanha, em 24 de maio de 1937, e foram expulsos pelo Pleno do Comitê Central em 25-26
de maio de 1937 (Lubianka 2, Nos. 86 e 87, p.190).
202
O Discurso de Stalin de 201 está em Istochnik No.3, 1994; Lubianka 2, Nº. 92, pp. 202-209
e é reimpresso amplamente, por exemplo, http : //grachev62.narod.ru/stalin/t14/t14_48.htm
203
RKEB 1, 294-5.
204
RKEB 1, 328-329.
205
RKEB 1, 300-1, 14 de janeiro de 1956.
131
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
manas depois. Diz que Alksnis confessou e confirmou sua confissão em seu
julgamento, mas diz que o fez porque tinha sido torturado, embora nenhum de-
talhe, como nomes de investigadores – torturadores etc., seja dado em apoio a
esta declaração.
• O fato de uma confissão ser retratada não significa que a retratação seja “ver-
dadeira” e a confissão “falsa”. Neste caso, simplesmente não sabemos qual, se
alguma, das afirmações é verdadeira.
• Não há base para descartar tais confissões com base em “contradições”. Espera-
se que confissões de muitos réus diferentes tenham “contradições” entre eles.
Isso está longe de significar que elas são inúteis como evidência. Pelo contrário:
confissões idênticas de pessoas diferentes seriam altamente suspeitas.
132
CONCLUSÃO
com o próprio Yezhov em sua conspiração direitista. Este fato tende a adicionar
credibilidade à incriminação de Rozengolts, de Rudzutak e de outros também.
Rudzutak também é nomeado na confissão de Rukhimovich de 8 de fevereiro
de 1938 (Lubianka 2, No. 290). Não há dúvida de que Yezhov e seus homens
estavam fabricando confissões e forçando os réus a assiná-las torturando-os,
como confirma a declaração de Frinovskii recentemente publicada. Há teste-
munhos por testemunhas oculares de que Rukhimovich foi espancado (Lubi-
anka 2, 656-7), embora não por um dos homens de Yezhov, muitos dos quais
foram mais tarde foram punidos por fabricar confissões207 . No entanto, o fato
de que alguém tenha sido espancado não significa que suas declarações ou
confissões sejam verdadeiras ou falsas.
Kabakov
Não há nenhum relatório de reabilitação sobre Ivan Kabakov, que simples-
mente foi incluído na lista de 36 pessoas junto a Eikhe e Evdokimov, bem
como também não há nenhuma tentativa de confrontar as acusações contra
ele. Dos materiais agora disponíveis para nós hoje (nº 19), e, por suposto, dis-
poníveis conjuntamente a vários outros para Khrushchev em 1956, existem
vários testemunhos contra Kabakov.
Rykov e Zubarev, ambos réus no julgamento “Bukharin” de março de 1938,
nomearam Kabakov como um conspirador. Ninguém alega que esses réus
estavam sujeitos a torturas ou ameaças de qualquer tipo. Este conhecido tes-
temunho é simplesmente ignorado pelo Relatório Pospelov e por Khrushchev.
O engenheiro de mineração estadunidense John Littlepage expressou sua con-
vicção de que Kabakov devia estar envolvido em algum tipo de sabotagem. O
estudioso americano John Harris teve acesso e cita a partir do delo de Kaba-
kov, ou seja, o seu arquivo investigativo. Harris não cita nenhuma indicação
de que as confissões de Kabakov não eram genuínas.
Eikhe
Robert I. Eikhe foi a primeira pessoa que Khrushchev citou como injusta-
mente reprimida por Stalin. Deixamos o caso de Eikhe por último porque ele
revela mais do que os outros.
Nossa seção sobre ele (Nº 16) detalha o que sabemos sobre sua prisão e
julgamento. Como acontece com outros réus, nem os soviéticos, tampouco os
russos, liberaram o arquivo investigativo e as informações do julgamento para
os pesquisadores. Mas, o que é claro e patente, é que o próprio Eikhe estava
207
O relato das testemunhas oculares diz que Rukhimovich foi espancado por Meshik, mais tarde
um associado de Beria e executado com outros em dezembro de 1953. O relatório de reabili-
tação sobre Rudzutak nomeia Iartsev como o fabricante de uma das confissões de Rudzutak
e observa que Iartsev foi mais tarde executado por tais falsificações (p. 295). Iartsev foi preso
em junho de 1939 e executado junto com Yezhov e muitos dos homens da nkvd de Yezhov –
já sob o comando de Beria. Isso significaria que a acusação contra Meshik e, portanto, contra
Beria, é falsa. Veja Nikita Petrov e K.V. Skorkin, Kto rukovodil NKVD 1934-1941. Spravochnik
(Moscou, 1999). Em http : //www.memo.ru/history/nkvd/kto/biogr/gb572.htm.
133
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
envolvido em repressões em larga escala de pessoas inocentes em conjunto com
o NKVD. Ele provavelmente foi punido por isso dentre outras ofensas. O fato
de ele ter trabalhado tão estreitamente com Yezhov nessas repressões levaria
qualquer investigador a se perguntar se os dois estavam conspirativamente
ligados – embora não possamos ter certeza sem maiores evidências.
No final da seção de seu discurso sobre Eikhe, Khrushchev diz:
Foi definitivamente estabelecido agora que o caso de Eikhe foi fabricado; ele foi pos-
tumamente reabilitado.
134
CONCLUSÃO
• Eikhe diz que o “Comissário Kobulov” concordou que ele não poderia ter inven-
tado todas as histórias de atividade de traição às quais ele havia confessado.
Kobulov foi um dos sete homens da KGB que foram assassinados judicialmente
em dezembro de 1953 por terem sido próximos de Beria. Esta passagem tende-
ria a fazer Kobulov, e, portanto, Beria, parecer homens responsáveis. Destarte,
Khrushchev não poderia permitir que este trecho se tornasse público.
• A carta de Eikhe revela que ele foi acusado de conspiração por muitos outros ofi-
ciais do Partido. Ele chama todas essas acusações de “provocações” e dá várias
explicações para elas. Isso naturalmente sugere que sua prisão foi justificada.
Uma pessoa nomeada como co-conspiradora por muitos outros conspiradores
pode, de fato, ser culpada. Qualquer um concluiria que todo o arquivo investi-
gativo deve ser examinado para determinar se Eikhe estava dizendo a verdade
ou não. Tal exame teria mostrado que era Khrushchev quem não estava dizendo
a verdade.
• Da mesma forma, a carta de Eikhe deixa claro que algum tipo de procedimento
investigativo adequado, ou seja, judicial, estava em andamento à época. Ele
210
As observações a seguir não pretendem ser um estudo abrangente deste muito importante
documento
211
Petrov e Skorkin, op.cit, http : //www.memo.ru/history/nkvd/kto/biogr/gb355.htm. Tanto Niko-
laev como Ushakov estão na mesma “lista” de 16 de janeiro de 1940 assim como Yezhov;
ver “Stalinskie rasstrelnye spiski” [Listas de Fuzilamento de Stalin] disponíveis em http :
//stalin.memo.ru/spiski/pg12117.htmesubsequentes.
135
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
tinha sido autorizado a escrever para Beria, que agora era o chefe do NKVD
(Comissário do Povo para Assuntos Internos). O investigador Kobulov, um dos
homens de Beria, havia expressado algum grau de acordo com suas profissões
de inocência ou, pelo menos, estava tentando descobrir o que era verdade e o
que não era. E é claro que Eikhe tinha sido autorizado a escrever esta carta para
Stalin, a qual Khrushchev sugere ter sido entregue ao seu destinatário.
• Tudo isso implica Beria e Stalin estarem tentando realizar uma investigação sé-
ria, separando erros e acertos. Isto é o que o público de Khrushchev esperaria, no
mínimo, de Stalin, mas que vai diretamente contra todo o propósito do Discurso,
que era afirmar que Stalin e Beria não agiram com responsabilidade.
• Eikhe deixa claro que conspirações existiam e nomeia vários membros proemi-
nentes do CC como participantes destas conspirações ou falsos acusadores dele
próprio. Todo o sentido do Discurso de Khrushchev é lançar dúvidas sobre a
existência de quaisquer conspirações.
• * Eikhe afirma que tanto Evdokimov quanto Frinovskii o citaram como envolvido
com Yezhov em atividades conspiratórias. Eikhe culpa Yezhov e Ushakov por
tê-lo espancado para obter confissões falsas. Eikhe alegou que não tinha laços
conspiratórios com Yezhov, embora Frinovskii tivesse afirmado que sim.
Não há razão para duvidar que Eikhe foi espancado, pelos homens de Yezhov,
para a obtenção de confissões falsas, pois Frinovskii e Yezhov admitem ter feito
precisamente isso com diversas pessoas. Mas, neste caso, esse fato não ne-
cessariamente sugere inocência por parte de Eikhe. Quando questionados por
Beria, Frinovskii admite que ele e Yezhov fabricaram casos contra seus pró-
prios homens, e os mataram também, a fim de evitar qualquer chance destes
“se voltarem” contra eles.
Reproduzir toda a carta de Eikhe – para não dizer todo o arquivo de inves-
tigação de Eikhe – teria turvado as águas consideravelmente. Levantaria a
questão da conspiração de Yezhov, uma história que teria interferido com o
objetivo de colocar toda a culpa sobre Stalin. Teria introduzido os nomes de
muitos outros membros do Partido, revelando que todos esses casos tinham
que ser examinados antes que as confissões genuínas pudessem ser separadas
das falsas.
• Teria introduzido Evdokimov, nomeado por Frinovskii e Yezhov como um co-
conspirador próximo a eles. Mas o nome de Evdokimov está na “reabilitação” de
2 de março de 1956 assim como o de Eikhe!
Uma negação de culpa como é a carta de Eikhe a Stalin não é mais crível
em si do que uma admissão de culpa. No entanto, as únicas informações
ilibatórias citadas por Khrushchev ou pelo Relatório Pospelov foram os trechos
cuidadosamente selecionados da carta de Eikhe.
136
CONCLUSÃO
Quando o texto completo desta carta é colocado lado a lado com a informação
sobre o papel de Eikhe nas repressões em massa, a conclusão é inevitável:
Pospelov e Khrushchev fizeram o possível para encobrir qualquer evidência
que tendia a sugerir a culpa de Eikhe. Ao fazer isso, eles evitaram qualquer
investigação séria sobre o caso de Eikhe e, por extensão, sobre a conspiração
de Yezhov.
Eikhe também afirma que Stalin havia dito que todos os membros do CC
tinham permissão para “se familiarizar com os arquivos especiais do Politburo”.
O que exatamente estava nestes osobye papki provavelmente não era claro para
os membros do CC de 1956. Mas eles teriam se perguntado se eles próprios
continuavam a ter tal permissão!
Se os membros do CC acreditassem que pudessem de fazê-lo, isto tornaria
impossível a Khrushchev negá-los ao direito de revisar os materiais de investi-
gação sobre essas pessoas ou outras. E podemos estar confiantes de que eles
não tinham esse direito, porque mesmo membros do Politburo, como Molotov e
Kaganovich, não tinham visto esses materiais investigativos. Presumivelmente
isso se deu porque Khrushchev lhes negou o acesso. Ao contrário, seria impos-
sível imaginar como Khrushchev e seus partidários conseguiriam se safar em
relação a várias das falsas acusações que fizeram contra o “grupo anti-partido”
em 1957.
Em suma: a carta de Eikhe em sua totalidade era muito prejudicial para
o caso de Khrushchev. Seu conteúdo tende a absolver tanto Stalin quanto
Beria e confirmar a existência de uma grave conspiração entre, pelo menos,
alguns membros do CC e provavelmente entre outros. Khrushchev só poderia
citá-la se ele tivesse a certeza de antemão que ninguém além de seus próprios
partidários a veriam.
***
Nosso exame desses três relatórios de reabilitação nos leva a algumas con-
clusões que são importantes para o nosso estudo do Discurso de Khrushchev.
• Os relatórios ignoram uma grande quantidade de evidências contra as pessoas
“reabilitadas”.
• Eles não submetem nenhuma das evidências a uma análise minuciosa. Quais-
quer contradições entre diferentes confissões são consideradas suficientes para
descartar todas elas.
• Esses relatórios não tentaram determinar a verdade, mas fornecer uma base
documental para declarar as pessoas “inocentes”.
• Temos o que Khrushchev tinha; o que Pospelov tinha; e o que Rudenko relatou
a eles. A conclusão inevitável de nossa análise deste material é que Khrushchev
137
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
havia instruído Rudenko a “produzir” documentos que declaravam o acusado
inocente, recobertos com tanto viés de plausibilidade quanto fosse necessário.
138
CONCLUSÃO
212
Nota da tradução contrarrevolucionária nacionalista
139
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
mesma provocação presente na confissão de Turlo), a descrição da mania de
banquetes, corrupção moral etc, novamente sem indicar por quem ele soube.
A verdade é essa: quando eu era presidente do Comitê Executivo da área e
não havia nenhum representante do Comissariado de Assuntos Externos, eu
participar de reuniões no cônsul duas vezes por ano (no dia da ratificação da
constituição de Weimar e no dia em que o Tratado de Rapallo foi assinado).
Mas eu fiz isso sob recomendação do Comissariado de Assuntos Externos. Eu
não ofereci banquetes em retorno e a inadequação e incorreção de tal compor-
tamento tinhsa sido até mesmo indicada a mim. Eu nunca saí para caçar com
o Cônsul e nem permitir nenhuma corrupção moral dos ativistas. A governanta
que vivia conosco, os trabalhadores da seção econômica do Comitê Executivo
da área, e os choferes que dirigiam comigo em meu carro podem confirmar a
acurácia de minhas palavras. A crueza dessas acusações também é óbvia pelo
fato de que, se eu tivesse sido um espião alemão, então a inteligência alemã
teria sido obrigada a proibir categoricamente qualquer associação pública com
o Cônsul, para manter minha cobertura. Mas eu nunca fui nem um c.r. nem
um espião. Todo espião, naturalmente, deve se esforçar para se familiarizar
com as decisões e diretrizes mais secretas. Você disse aos membros do CC
muitas vezes, e em minha presença, que cada membro do CC tem o direito de
se familiarizar com os arquivos especiais [”osobye papki”-GF] do P.B., mas eu
nunca consultei os arquivos especiais, e Poskrebyshev pode confirmar isso.
Em suas próprias confissões, Gailit, ex-comandante do Distrito Militar da
Sibéria, confirma as provocações sobre minha espionagem, e eu sou forçado a
descrever a você como essas confissões foram fabricadas.
Em maio de 1938 o Major Ushakov leu para mim um excerto da confissões
de Gailit no qual em um dia de folga, Gailit meu viu, caminhando ao lado do
Cônsul alemão, e ele, Gailit, entendeu que eu estava transmitindo informações
secretas para o cônsul. Quando eu pontuei a Ushakov que, no início de 1935,
um comissário e a inteligência do NKVD me acompanhavam, eles tentaram
adicionar que eu havia escapado deles de carro. Mas quando ficou claro para
eles que eu não sabia dirigir, eles me deixaram quieto. Agora, no meu arquivo
de caso, foi inserido um transcrito de Gailit do qual essa parte foi extirpada.
Pramnek confessou que estabeleceu laços contrarrevolucionários comigo
durante a Plenária do CC de janeiro de 1938. Isso é uma mentira descarada.
Eu nunca falei com Pramnek sobre qualquer coisa, e durante a Plenária do CC
do PCT(b) de janeiro, depois que ele terminou seu relato, bem ali em frente à
tribuna em um grupo de secretários de Comitês Regionais que demandaram
ser dado tempo para que eles pudessem vir para o PCA decidir um série de
questões, aconteceu a seguinte conversação. Pramnek me perguntou quando
ele poderia vir para o PCA e eu dei a ele um apontamento para o próximo dia
depois das 24 horas, mas ele não veio. Pramnek mentiu que eu estava doente,
pode ser verificado através dos secretários e do comissário da NKVD que, a
partir de 11 de janeiro, o dia que eu saí do hospital, eu estava no comissari-
ado todos os dias até às 3-4 horas da manhã. A natureza monstruosa dessa
calúnia também se faz clara pelo fato que um conspirador experiente como eu
destemidamente estabeleci contato com as ideias de Mezhlauk um mês após a
prisão de Mezhlauk.
140
CONCLUSÃO
141
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
da história que Ushakov fabricou e que eu assinei não casavam bem, eu
era obrigado a assinar outra variação. A mesma coisa foi feita a Rukhi-
movich, que a princípio estava designado como membro da rede reserva
e cujo nome foi removido sem me dizerem nada sobre; o mesmo também
foi feito com o líder da rede reserva, supostamente criada por Bukharin
em 1935. A princípio eu escrevi meu nome e depois eu fui instruído a
inserir V. I. Mezhlauk. Houveram outros incidentes similares.
Devo fazer uma pausa especialmente na lenda provocatória da traição do
CPS da Letônia em 1918. Essa lenda foi inventada inteiramente por Ushakov
e Nikolaev. Nunca houve, entre os Soc Dem Letões, uma tendência favorável à
separação da Rússia e eu e toda uma geração de trabalhadores de minha idade
foram educados na literatura russa e em nas publicações legais e clandestinas
dos Bolcheviques. A questão de um corpo de estado soviético separado, tal
qual uma república soc. Letã, parece tão estranha para mim como para muitos
outros, tanto que no primeiro congresso dos sovietes em Riga eu tomei posição
contrária a isso e eu não estava sozinho. A decisão relativa ao estabelecimento
de uma república soviética só foi levada em conta depois de ser anunciado que
foi uma decisão do CC PCR(b).
Eu trabalhei apenas por cerca de duas semanas na Letônia soviética e no
final de novembro de 1918 eu saí para fazer trabalho de provisão na Ucrânia e
estava lá até o colapso do poder soviético na Letônia. Riga caiu porque estava
de fato quase cercada pelos Brancos. Na Estônia os Brancos foram vitoriosos
e ocuparam Balk. Os Brancos também tomaram Vilno e Mitava e avançaram
para Dvinsk. Nessa conexão, já havia sido proposto evacuar Riga, em março
de 1919, mas a cidade resistiu até 15 de maio de 1919.
Eu nunca estive em nenhuma reunião c.r. nem com Kosior nem com Mezh-
lauk. Essas reuniões indicadas em minha confissão se deram na presença
de uma série de outras pessoas que também podem ser questionadas. Minha
confissão de laços c.r. com Yezhov é o ponto mais sombrio de minha consci-
ência. Eu dei essa falsa confissão quando o investigado tinha me reduzido ao
ponto de perder a consciência, ao me interrogar por 16 horas. Quando ele disse,
como um ultimato, que eu deveria escolher entre dois caminhos (um era uma
caneta e o outro era um bastão de borracha) então eu, acreditando que eles me
trouxeram para a nova prisão para me fuzilar, mais uma vez demonstrei a maior
das covardias e dei a confissão caluniosa. Eu não me importei sobre os crimes
pelos quais assumi, desde que me fuzilassem o mais cedo possível. Mas me su-
jeitar novamente aos espancamentos por aquele c.r. preso e exposto, Yezhov,
que me condenou, eu que jamais fiz nada criminoso, estava além de minhas
forças.
Essa é a verdade sobre meu caso e sobre mim. Cada passo da minha vida
e trabalho podem ser verificados e ninguém jamais encontrará nada que não
seja dedicação ao Partido e a você.
Eu estou pedindo e implorando a você que examine meu caso mais
uma vez, não com o propósito de me poupar, mas para desmascarar a
provocação vil que se enroscou como uma cobra em muitas pessoas, em
parte, também, por conta de minha covardia e calúnia criminosa. Eu
nunca traí a você ou ao Partido. Sei que pereço perante ao vil trabalho
142
CONCLUSÃO
143
CAPÍTULO 11. OS RESULTADOS DAS “REVELAÇÕES” DE KHRUSHCHEV;
REABILITAÇÕES FALSIFICADAS
“Reabilitações por listas”
2 de março de 1956
CC PCUS
Tendo revisto os casos daqueles membros e candidatos membros do CC do
PCT(b), eleitos no 17 Congresso, que foram condenados, o Comitê para Segu-
rança do Estado [KGB] do Conselho de Ministros da URSS e a Procuradoria da
URSS determinou que a maioria desses casos foram falsificados pelos órgãos
investigativos, e que as então chamadas confissões de culpa dos presos foram
obtidas pelo resultado de sérios espancamentos e provocações.
Tendo relatado isso, acreditamos ser expediente propor que o Colégio Militar
do Supremo Tribunal da URSS revise e reabilite postumamente as pessoas
ilegalmente condenadas listadas abaixo:
1. Kosior Stanislav Vikentevich - ex-vice-presidente do Conselho de Comis-
sários do Povo da URSS, membro do PCUS desde 1907.
2. Eikhe Robert Indrikovich - ex-Comissário do Povo para Agricultura da
URSS, membro do PCUS desde 1905.
3. Bubnov Andrei Sergevich - ex-Comissário do Povo para Educação da
RSFSR [a República russa], membro do PCUS desde 1903.
4. Evdokimov Efim Georgievich - ex-secretário do Comitê Regional do Partido
de Azov-Mar Negro, membro do PCUS desde 1918
...
6. Kabakov Ivan Dmitrievich - ex- secretário do Comitê de oblast do Partido
de Sverdlovsk, membro do PCUS desde 1918
...
14. Rukhimovich Moisei Lvocich - ex-Comissário do Povo para a Defesa da
Indústria da RSFSR. membro do PCUS desde 1913.
...
Os casos relativos às acusações dos outros membros e candidatos do CC do
PCT(b), membros da Comissão de Controle do Partido, do Controle do Soviete, e
da Comissão Central de Revisão, que foram eleitos no 17 Congresso do Partido,
também serão revistos e reportados ao CC do PCUS.
Nós requisitamos uma decisão.
Presidente do Comitê de Segurança do Estado
do Conselho de Ministros da URSS
I. Serov
Procurador Geral da URSS
R. Rudenko
O decreto de reabilitação do Presidium do CC PCUS seguiu sem atrasos:
144
CONCLUSÃO
”5 de março de 1956”
No. 3.II.54 Relativo às Reabilitações Póstumas dos membros do CC
PCT(b), eleitos no 17 Congresso do Partido, condenados ilegalmente
Para confirmar a proposta do Presidente do Comitê de Segurança do Estado
do Conselho de Ministros da URSS, camarada Serov e do Procurador Geral da
URSS, camarada Rudenko, relativos à revisão dos casos e reabilitações póstu-
mas dos membros do CC PCT(b) e candidatos membros do CC PCT(b), eleitos
no 17 Congresso do Partido, condenados ilegalmente: Kosior S.V, Eikhe R.I.,
Bubnov A.S., Evdokimov E.G.,..., Kabakov I.D., ..., Rukhimovich M.
145
Capítulo 12
Por décadas foi assumido que Khrushchev atacou Stalin pelas razões expos-
tas no “Discurso Secreto”. Mas agora que nós já estabelecemos que as acu-
sações, ou “revelações”, no Discurso de Khrushchev contra Stalin são falsas,
a questão retorna com ainda mais força: O que realmente estava acontecendo?
uma série de questões. Por que Khrushchev fez esse relatório? Por que ele foi
tão longe - pesquisas falsas, escondendo documentos genuínos, - e por que
fez tais sacrifícios políticos para entregar um discurso que foi, para todos os
propósitos, nada além de falsificações?
O Partido Comunista Chinês veio com uma resposta. Eles acreditavam que
Khrushchev e seus aliados queriam guiar a URSS por um caminho político
agudamente diferente daquele que eles acreditavam que foi trilhado durante
Stalin. Nós aludimos brevemente a algumas medidas políticas e econômicas
instituídas sob Khrushchev que a dirigência do PCC viu como um abandono
dos princípios básicos do Marxismo-Leninismo.
Deve haver alguma verdade nessa teoria. Mas a base para essas ideias já
existiam na URSS. As origens de tais políticas, agora identificadas com Kh-
rushchev e seus epígonos, como Brezhnev e o resto, residem imediatamente
no período pós-Stalin, muito antes de Khrushchev dominar a dirigência so-
viética. De fato, muitas delas são traçadas ao final das décadas de 1940 e
1950.
É difícil discernir em que medida o próprio Stalin apoiava ou opunha-se a
essas políticas. Em seus últimos anos ele foi menos e menos ativo politi-
camente. Parece que Stalin, taciturnamente, tentou trilhar um caminho dife-
rente para o comunismo, como visto em seu último livro Problemas Econômicos
do Socialismo na URSS (1952), por exemplo, e no 19 Congresso do Partido em
outubro de 1952. Depois, Mikoyan escreveu que as visões tardias de Stalin
eram “um incrível desvio esquerdista”213 . Mas imediatamente após a morte
de Stalin toda a “liderança coletiva”concordou em retirar todas as menções ao
livro de Stalin e em abandonar o novo sistema de governança do Partido.
Khrushchev usou seu ataque a Stalin e Beria como uma arma contra os ou-
tros na “liderança coletiva”, especialmente Malenkov, Molotov e Kaganovich.
No entanto, este curso estava repleto de riscos. Como poderia saber que eles
não o acusaram igualmente, ou até mais? Parte da razão para isso deve ter
sido que Khrushchev podia contar com aliados como Pospelov, que o ajudou a
“expurgar”os arquivos documentais sobre sua própria participação na repres-
são em massa.
Khrushchev também pode ter percebido que sem Beria ele, sozinho, tinha
um “programa”: um plano e a iniciativa de levá-lo a cabo. Nós podemos ver em
retrospecto que outros membros do Presidium foram incrivelmente passivos
durante esse período. Talvez eles sempre tenham dependido de Stalin para
tomar a iniciativa, para tomar decisões importantes. Ou talvez essa aparente
passividade esconda uma luta de ideias políticas confinadas ao corpo dirigente.
O historiador Iuri Zhukov estabeleceu uma terceira teoria. Em sua visão, o
objetivo de Khrushchev era decisivamente fechar a porta das reformas demo-
cráticas, as quais Stalin estava associado e que os antigos aliados de Stalin
no Presidium (até outubro de 1952 chamado de Politburo), especialmente Ma-
lenkov, ainda estavam tentando promover. Estas reformas eram destinadas
a retirar do Partido o controle sobre políticas, economia e cultura e colocá-lo
nas mãos de Sovietes eleitos. Isso teria sido uma “perestroika”virtual, ou “re-
213
Neveroiatno levatskii zagib. Mikoyan, Tak Bylo, Ch46: “Nas vésperas e durante o 19 Congresso
do Partido: Os Últimos dias de Stalin
147
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
estruturação”, mas dentro dos limites do socialismo, em oposição a completa
restauração do capitalismo a qual a futura “perestroika”de Gorbachev levou.
Zhukov detalha uma série de momentos de embate entre Stalin e seus alia-
dos, que queriam remover o Partido das alavancas do poder, e o resto do Polit-
buro, que firmemente se opunha a isso. Em maio de 1953, brevemente após
a morte de Stalin, o ramo executivo do governo soviético, o Conselho (Soviete)
de Ministros, passou resoluções privando figuras de dirigência do Partido de
seus “envelopes”, ou pagamento extra, reduzindo a renda um nível ou dois
em comparação às figuras governativas correspondentes. De acordo com
Zhukov, Malenkov promoveu esta reforma. É consistente com o projeto de des-
locar o poder para o governo dos sovietes e reduzir o papel do Partido, tirando
o partido da guia do país, da economia e da cultura. Significantemente, isso
foi feito antes das repressão ilegais de Lavrenti Beria que, nós agora sabemos,
apoiou esse mesmo projeto.
Ao final de junho de 1953, Beria foi reprimido, ou por prisão e isolamento ou
por assassinato imediato. Em agosto, Khrushchev conseguiu - nós não sabe-
mos como - restabelecer os “envelopes”de bônus especial para os funcionários
de alto escalão e até mesmo conseguiu ter de volta os três meses que não fo-
ram pagos. Três semanas depois, bem no fim da Plenária do Comitê Central,
o posto de Primeiro Secretário do Partido foi restabelecido (desde 1934 ele era
chamado de “Secretário Geral”) e Khrushchev foi eleito para ocupá-lo. É difícil
não ver isso como recompensa de nomenklatura do Partido para “seu homem”.
Zhukov conclui:
148
A CONSPIRAÇÃO DE KHRUSHCHEV?
parece ter tido o apoio dos Primeiros Secretários, que estavam determinados a
sabotar este projeto e perpetuar suas próprias posições de privilégio.
Khrushchev seguiu políticas, tanto internas quanto externas, que observa-
dores contemporâneos reconhecem como sendo uma parada brusca daquelas
associadas à dirigência de Stalin. De fato mudanças políticas similares - não
idênticas a aquelas iniciadas ou defendidas posteriormente por Khrushchev,
mas amplamente congruente a elas - começaram imediatamente após a morte
de Stalin, quando Khrushchev ainda era apenas mais um membro, e não o
mais importante, do Presidium o Comitê Central216 . Entre as “reformas”mais
frequentemente citadas que eram diretamente contrárias às políticas duradou-
ras de Stalin temos:
• Um nova noção de que o capitalismo pode ser derrubado sem uma revolução
através da “competição pacífica”e por meios parlamentares;
Khrushchev não poderia ter tomado o poder, nem seu “Discurso Secreto”ser
concebido, pesquisado, entregue e fazer sucesso que fez, sem mudanças pro-
fundas na sociedade soviética e no Partido Comunista da União Soviética217 .
A Conspiração de Khrushchev?
Em outro lugar, Zhukov argumenta que foram os Primeiros Secretários, li-
derados por Robert Eikhe, que parecem ter iniciado as repressões em massa
de 1937-1938218 . Khrushchev, um desses poderosos Primeiros Secretários,
estava pesadamente envolvido nas repressões em larga escala, incluindo a exe-
cução de milhares de pessoas.
216
De fato pode-se dizer que o “’degelo’ pós-Stalin”começou durante a vida de Stalin, pelo menos
no que se refere a cultura. Essa ideia é desenvolvida pelo historiador Vadim Kozhinov, no
Capítulo 8 de Rossia: Vek XX (1939-1964) Moscou: EKSMO/Algoritm 2005) “Sobre o então
chamado “degelo”, pp. 309-344.
217
Antes de 1952 o nome do Partido era Partido Comunista de Toda-União(Bolcheviques)
218
Eu sumarizei e discute a teoria de Zhukov, citando todos os livros e artigos relevante, em dois
volumes passados “Stalin and the Struggle for Democratic Reform”, Cultural Logic 2005. Em:
www.clogic.eserver.org/2005/2005.html
149
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
Muitos desses Primeiros Secretários foram posteriormente presos e execu-
tados. Alguns deles, como Kabakov, foram acusados de fazerem parte de uma
conspiração. Outros, como Postyshev, foram acusados, pelo menos inicial-
mente, de repressão em massa e injustificada. Eikhe também parece estar
neste grupo. Posteriormente muitos desses homens também foram acusados
de fazer parte de várias conspirações. Khrushchev foi um dos únicos Primei-
ros Secretários durante os anos de 1937-1938 que não apenas escapou de tais
acusações como também foi promovido.
Pode ser que Khrushchev era parte de uma conspiração como aquelas, mas
ter sido um dos membros de alto escalão a não ter sido detectado? Nós não
podemos provar nem refutar essa hipótese. Mas isso explicaria todas as evi-
dências que nós temos agora.
O Discurso de Khrushchev foi descrito como objetivando a reabilitação de
Bukharin. Algumas das figuras do Julgamento de Moscou “Bukharin”de 1938.
Então seria lógico incluir Bukharin [nas reabilitações], mas isso não foi feito.
O próprio Khrushchev escreveu que queria a reabilitação de Bukharin, mas
não o fez por causa da oposição de alguns dirigentes comunistas estrangei-
ros. Mikoyan escreveu que os documentos já estavam assinados, mas que foi
Khrushchev que renegou219 .
De todas as figuras nos três grandes Julgamentos de Moscou, por que Kh-
rushchev queria reabilitar especificamente Bukharin? Ele devia ter alguma
lealdade para com Bukharin maior que para com os outros. Talvez esta leal-
dade tenha sido apenas para com as ideias de Bukharin. Mas essa não é a
única explicação possível.
Desde os dias de Khrushchev, mas especialmente desde as reabilitações
formais sob Gorbachev, a “inocência”Bukharin era dada como certa. Em um
recém publicado artigo Vladimir L. Bobrov e eu mostramos que não há ra-
zões para pensar que isso é verdade220 . A evidência que nós temos - apenas
uma pequena fração da evidência que o governo soviético tinha na década de
1930 - esmagadoramente sugere que Bukharin estava de fato em uma conspi-
ração abrangente. Em outro estudo publicado recentemente em russo221 Nós
temos demonstrado que o decreto de reabilitação de Bukharin, da era Gorba-
chev, pela Plenária do Supremo Tribunal Soviético, emitida em 4 de fevereiro
de 1988, contém falsificações deliberadas.
De acordo com essa teoria Bukharin disse a verdade em sua confissão no
Julgamento de Moscou de março de 1938. Mas nós sabemos que Bukharin
não disse toda a verdade. Getty sugeriu que Bukharin não confessou até que
depois que Tukhachevsky tinha confessado, e o aprisionado Bukharin poderia
219
Khrushchev, N.S., Vremia, Liudi, Vlast. Vospominania (“Tempo, pessoas, poder: Memó-
rias.”Moscou, 199, Livro 2, Parte 3, p 192. Anastas Mikoyan, Tak Bylo “Como foi”. Moscou:
Vagrius, 1999. Capítulo 49, “Khrushchev u Vlasti” (Khrushchev no poder), versão impressa,
p. 611
220
Grover Furr e Vladimir L. Bobrov, “Nikolai Bkhurain’s First Statement of Confession in the
Lubianka” Cultural Logic 2007 em
www.clogic.eserver.org/2007/F urrB robov.pdf Este artigo foi publicado primeiramente em russo
no jornal histórico Klio 1 (36), 2005, 38-52. Eu coloquei a versão em russo em site do furr
221
“Reabilitasionnoe moshnichestvo”, em Grover Furr e Vladimir Brobov, 1937. Pravosudie Sta-
lina. Obzhalovaniiu ne podlezhit! Moscou: EKSMO, 2010. Glava 2, 64-84.
150
A CONSPIRAÇÃO DE KHRUSHCHEV?
151
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
Yezhov tinha dito a Bukharin que ele seria poupado em retorno ao seu silên-
cio. Isso é possível -embora isso seja uma explicação que credita a Bukharin
que era, afinal, um bolchevique, veterano dos dias sangrentos da revolução de
outubro de 1917 em Moscou.
Revolucionários clandestinos algumas vezes preferem a execução a delatar
seus camaradas. Por que não pensar que Bukharin talvez não tenha dado
o nome de Yezhov por apenas esse motivo? Nós sabemos que Bukharin, de
fato, não disse “toda a verdade”em nenhuma de suas declarações anteriores
ao julgamento. Por que não - a menos que ainda não estivesse desarmado,
estava ainda lutando contra Stalin? As declarações humilhantes de Stalin
“amar”Stalin “sabiamente224 são embaraçosas de se ler. Elas não poderiam
ser sinceras, e Stalin dificilmente poderia ter acreditado nelas.
Nós vimos que Bukharin apenas delatou Tukhachevsky depois que ele soube
que ele tinha sido preso e já tinha confessado. Se Bukharin, por qualquer mo-
tivo, foi para sua execução sem nomear Yezhov como sendo um co-conspirador
- como Frinovsky clamou posteriormente - por que ele também não teria pro-
tegido outros co-conspiradores?
Nós não podemos saber por certo se Khrushchev era um desses conspi-
radores escondidos, ou se Bukharin sabia sobre ele. Mas nós sabemos que
conspiradores anti-governo continuaram a existir na URSS depois de 1937-
38225 , e que alguns deles estavam em altas posições. Nós sabemos também que
Khrushchev permaneceu leal a Bukharin mesmo bem depois de ele morrer.
A hipótese que Khrushchev talvez tenha sido um membro secreto de um dos
ramos de uma conspiração trotskista de direta bastante ramificada é amplifi-
cada pelo fato de que ele certamente estava envolvido em uma série de outras
conspirações que nós sabemos.
• Khrushchev foi a força motriz por trás da conspiração para reprimir- prender,
talvez assassinar - Lavrentii Beria. Nós sabemos que esta prisão não foi pla-
nejada em avanço, porque o rascunho do discurso de Malenkov para a reunião
do Presidium no qual a prisão (ou assassinato) aconteceu, foi publicado. O ras-
cunho pede apenas pela remoção de Beria da chefia combinada do MVD-MGB
e de Vice-Presidente do Conselho de Ministros, e o apontamento de Beria para
Ministro da Indústria do Petróleo.
• Uma vez que eu Khush Shev foi capaz de negar a outros membros do Presidium
o acesso aos documentos estudados por no Relatório Pospelov e comissões de
224
Carta a Stalin de 10 de dezembro de 1937, foi publicada em dois grandes jornais históricos
russos no mesmo ano. Para a passagem citada veja “Poslednoe psimo”, Rodina 2, 1993, p 52
col. 2; “’Prosti menia, Koba...’ Neizvestnoe pismo N. Bukharina, Istochnik 0, 1993, p. 23 col. .
Está traduzida no Road to Terror, pp. 556 f, de Getty e Naumov, passagem citada na página
557
225
Por exemplo, veja Griogry Tokaev, Comrad X. Londres: Harvil Press, 1956
152
A CONSPIRAÇÃO DE KHRUSHCHEV?
reabilitação, ele tinha que encabeçar uma outra conspiração de pessoas que lhe
davam acesso a informações, mas negava a outros.
Essa conspiração tinha que incluir Pospelov, que escreveu o Relatório. Ti-
nha que incluir Rudenko também, porque ele assinou a maioria dos relatórios
de reabilitação. Ainda tem que ser feitas pesquisas sobre como a comissão Pos-
pelov e de reabilitação foram preparadas. Presumidamente os outros membros
das comissão de reabilitação, mais os pesquisadores e arquivistas que locali-
zaram os documentos para estes relatórios e para Pospelov, juraram silêncio,
ou de fato eram parte da conspiração também.
Nós sabemos os nomes e um pouco sobre as pessoas que, supostamente,
revisaram os materiais de investigação. Por exemplo, nós sabemos que um
certo Boris Viktorov foi um dos juristas envolvidos nas reabilitações. Viktorov
escreveu pelo menos um artigo sobre seu trabalho, no Pravda de 29 de abril
de 1988, o propósito era reafirmar a inocência do Marechal Tukhachevsky e
de outros camaradas militares condenados com ele em 11 de junho de 1937.
Em 1990 Viktorov publicou um livro clamando para dar mais detalhes sobre
muitas outras repressões.
Sua contribuição é certamente um acobertamento desonesto. Viktorov afirma
a inocência deles, mas não a demonstra. Ele cita um documento disputado e
ignora algumas evidências condenatórias que ele próprio certamente viu e que
não eram públicas quando ele escreveu, mas que agora temos acesso. Então
Viktorov, pelo menos, foi parte da conspiração para prover Khrushchev de fal-
sas evidências de que aqueles que foram discutidos no Discurso Secreto eram
de fato inocentes.
É um consenso geral que depois que Khrushchev tomou o poder ele procu-
rou nos arquivos e muitos documentos foram removidos e sem dúvidas des-
truídos226 . Esses mesmos acadêmicos concordam que esses documentos pro-
vavelmente tinham a ver com o papel do próprio Khrushchev nas repressões
em massa do final da década de 1930. Agora que sabemos que Khrushchev
falsificou virtualmente todas as declarações de seu relatório Secreto, e que os
relatórios de reabilitação e relatório Pospelov foram também pesadamente falsi-
ficados também, parece provável que Khrushchev removeu outros documentos
também.
Isso é um trabalho muito grande, e teria sido necessário muitos arquivistas,
que teriam quer ser supervisionados. Parecer ser um trabalho muito grande
para ter sido supervisionado por Rudenko e Pospelov sozinhos. Um grande
número de pesquisadores e oficiais, incluindo, é claro, oficiais do Partido leais
a Khrushchev, mas ainda desconhecidos a nós, teriam que estar envolvidos,
Naturalmente aquelas pessoas teriam que saber qual evidência Khrushchev
estava escondendo ou destruindo.
226
Zhukov ”Zhupel Stalina... Chast’ 3”. Komsomolskaia Pravda Nov. 12 2002; Nikita Petrov,
Pervyi predsedatel’ KGB Ivan Serov. Moscou: Materik, 2005, pp. 157-162; Mark IUnge e
R. Binner, kak terror stal ”Bal’shim”. Sekretnyi prikaz nº 00447 i tekhnologiia eto ispolneniia.
Moscou: AIRO-XX, 2003, p. 16. Por conveniência, repeti essas referências na minha discussão
sobre Nº. 28, o ”Telegrama de Tortura”.
153
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
Aleksnadr S. Shcherbakov
Em janeiro de 1938 Khrushchev foi removido do poto de Primeiro Secretário
de Moscou, cidade e oblast e enviado para ser Primeiro Secretário da Ucrânia.
Alexndr Sergeevich Shcherbakov o substituiu em Moscou.
Em suas memórias Khrushchev mostra um ódio real para com Shcherba-
kov, embora as razões que Khrushchev cita sejam vagas. A biografia recente de
Shcherbakov por A.N. Ponomarev publicado pelo Arquivo Central de Moscou
examina a hostilidade de Khrushchev em algum detalhe. De acordo com este
estudo, o ódio de Khrushchev a Shcherbakov pode ser traçado à recusa poste-
rior de permitir Khrushchev inflar os gráficos de colheita ao contar sementes
como grãos colhidos227 .
Mais ameaçador a Khrushchev foi o papel de Shcherbakov nos processos
de apelação nos quais 90 % dos membros dos partido, expurgados por Kh-
rushchev, que apelaram - quando Khrushchev dirigia o Oblast de Moscou e os
Comitês da Cidade - foram reintegrados, mais de 12.000 apenas para o ano de
1937. O que Ponomarev não deixa dito é que grande parte desses membros do
Partido foram executados, seus apelos foram trazidos por seus familiares.228
Khrushchev era, é claro, um membro da troika que decidiu sobre essa mas-
sivas repressões, embora ele algumas vezes fosse representado por um depu-
tado. Todos os outros membros da troika de Moscou foram executados por
repressões ilegais. É lógico concluir que o próprio Khrushchev se sentiu extre-
mamente vulnerável. Poucos, se algum, outro Primeiro Secretário (Khrushchev
estava na Ucrânia por 1939) fosse responsável por tantas expulsões e execu-
ções - tantas “repressões- quanto ele foi.
Ponomarev cita outra evidência da frieza de Scherbakov para com Khrush-
chev. No 18 Congresso do Partido em 1939 Shcherbakov deu um relatório no
qual ele abertamente não mencionou seu predecessor Khrushchev nem sequer
uma vez. Georgii Popov, segundo secretário sob Khrushchev e Shcherbakov,
abertamente elogiou Khrushchev em seu discurso - um fato que destacou o
silêncio de Shcherbakov229 .
Usando o testemunho da família de Shcherbakov assim com evidências dos
arquivos de Moscou, Ponomarev refuta dolorosamente um série de acusações
contra Shcherbakov que foram feitas por Khrushchev em suas memórias - por
exemplo, a alegação de que Shcherbakov eram um alcoólatra convicto230 . Po-
nomarev detalha a falsidade de Khrushchev para com a família de Shcherbakov
depois de sua morte. Khrushchev foi amigável enquanto Stalin ainda era vivo.
Mas uma vez em poder Khrushchev privou-os da sua dacha e cancelou todos
os memoriais a Shcherbakov.
227
A.N. Ponomarev. Aleksandr Shchebakov, Stranitsy biografi M:Izd. Glavarkhiva Moskvy, 2004,
p. 49
228
Ponomarev dá especificamente o exemplo de decisões apeladas da ”troika”NKVD e ouvidas em
abril de 1939. Dos 690 protestos, os juízes revisaram 130 em abril de 1939 e reintegraram
todos, menos 14 – cerca de 90%.
229
Ponomarev, pp. 51-2. Popov não foi poupado da ira de Khrushchev nos anos posteriores e
escreveu sobre Khrushchev em termos fortemente negativos em suas memórias. Veja Taranov,
”Partiinii gubernator Moskvy Georgii Popov. Izd. Glavarkhiva Moskvy, 2004.
230
Khrushchev, N.S. Vremia, vremia. Liudy, liudy. Vlast’. Kn. 2. Chast’ III, p. 41.
154
ALEKSNADR S. SHCHERBAKOV
Certamente, Khrushchev era uma cobra; para usar a mesma linguagem que
Khrushchev usou contra o morto Shcherbakov, ele tinha um “caráter vene-
noso, com de uma serpente”231 . Anastas Mikoyan, embora um aliado político
próximo, denunciou que Khrushchev era muito desonesto e desleal para com
as pessoas, e também desonesto ao contar fatos históricos232 . Mas por que
Khrushchev era tão vingativo para com Shcherbakov e sua família? Por que
ele odiava tanto Shcherbakov?
Em suas memórias, Khrushchev não menciona que Shcherbakov tinha sido
essencial em desmascarar A.V. Snegov com sendo um conspirador, em 1937.
Khrushchev posteriormente se tornou muito amigável para com Snegov, tirou-
o do campo de trabalho, deu a ele um posto importante, consultou Snegov e o
citou em seu Discurso Secreto. De acordo com o enteado de Khrushchev Alexi
Adzhubei Snegov se tornou amigo de confidente de Khrushchev233 .
Por que Khrushchev teria sido tão parcial a Sengov a ponto de pessoal-
mente interceder por Snegov e libertado do campo de trabalho em 1954 e então
promovê-lo e favorece-lo tanto? Um bom palpite deve ser que Khrushchev era
amigo de longa data de Snegov, antes de Snegov ser preso. Talvez Khrushchev
tenha gerido as coisas de forma que Snegov escapou da execução, mesmo ha-
vendo tantas evidências contra ele, e ele estar na “Categoria Um”.
Dado que Khrushchev e Snegov devem ter sido próximos, que Snegov foi
condenado por estar envolvido em uma conspiração, e que Khrushchev se deu
o trabalho de “resgatar”e favorecer Snegov - nunca foi um membro de alto-
escalão do Partido, certamente nunca foi uma pessoa poderosa - não é lógico
supor que Snegov sabia algo sobre Khurshchev? É claro, Khrushchev poderia
ter matado Snegov, sem dúvida. Mas se eles fossem velhos camaradas faria
sentido para Khrushchev fazer o que ele fez, em honra a Snegov.
Acadêmicos contemporâneos estabeleceram que Khrushchev se apressou
para encobrir evidências de seu papel nas repressões, Durante a época de
Stalin muitas dirigências do Partido e agentes da NKVD foram julgados e até
mesmo executados por tais abusos. Segue que Khrushchev teria vivido com
medo por muitos anos, que seu papel nas massivas e injustificáveis repressões
tornou-se conhecido. Seu medo teria sido ainda maior se, como suspeitamos,
ele estivesse envolvido em algum tipo de conspiração trotskista-direitista e sim-
plesmente tenha evitado ser descoberto.
Shcherbakov não estava apenas em posição de saber sobre o papel de Kh-
rushchev nas repressões melhor que ninguém234 , ele também era influente o
suficiente para que sua palavra tivesse peso sobre Stalin e o Politburo. Em
231
Estas são as palavras que Khrushchev usa sobre Shcherbakov em op.cit. p. 39.
232
Ponomarev, p. 207 n. 32, citando Mikoian, Tak Bylo. Eu verifiquei essas citações com a versão
digital das memórias de Mikoian.
233
Shcherbakov discute confissões contra Snegov em uma carta a Zhdanov de 18 de junho de
1937. Veja Nº. 206, p. 363 em Sovetskoe Rukovodstvo. Perepiska, perepiska. 1928-1941.
Moscou: ROSSPEN, 1999. Adzhubei, Krushenie Illiuzii (Moscou: Interbuk, 1991), pp. 162-
167.
Após a expulsão de Khrushchev, Snegov foi de fato disciplinado pelo Partido por espalhar
ideias trotskistas. Veja RKEB 2, Seção 6, Nº. 23, pp. 521-525.
234
Como primeiro-secretário na Ucrânia, Khrushchev havia realizado uma repressão em massa
na Ucrânia, bem como em Moscou. Mas permaneceu por 12 anos, até 1949. Ele teve tempo
de sobra para cobrir seus rastros lá, e deixar o partido ucraniano em mãos seguras.
155
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
maio de 1941 Shcherbakov foi um dos secretários do Comitê Central, uma po-
sição mais poderosa que a de Khrushchev. Shcherbako morreu em maio de
1945 com 44 anos de idade. Ele sofreu um ataque do coração em 10 de dezem-
bro de 1944, e desde então estava convalescendo em casa. Em 9 de maio de
1945 o permitiram levantar da cama e ir para Moscou se alegrar com a difícil
vitória sobre a Alemanha Nazista. Isso o levou a um ataque final do coração
que o levou à morte em 10 de maio.
Por que os doutores de Shcherbakov deixaram um homem com tais con-
dições sair da cama, quando o melhor tratamento e o completo descanso235 ?
Um dos médicos de Shcherbakov, Etinger, confessou ao seu investigador M.T.
Likhchev que ele tinha “feito tudo para encurtar a vida de Shcherbakov”pois
ocnsiderava que Shcherbakov era um antissemita236 . Sendo questionado por
Abakumov, Ministro da Segurança de Estado (chefe da MGB), Etinger retirou
sua confissão, mas depois a repetiu novamente. Não muito depois ele morreu
na prisão.
Isso foi parte do que depois se tornou “A trama dos médicos”, um negócio
muito obscuro com elementos que certamente foram fabricados. A confissão
de Etinger talvez tenha sido forçada, e ele talvez tenha sido inocente de causar
a morte de Shcherbakov por negligência. Ainda, mesmo os médicos na “Trama
dos médicos”que tinham realmente tratado Andre Zhdanov em 1948 concorda-
ram que eles foram muito negligentes e ao fazerem isso causaram sua morte.
Eles não só deixaram o paciente levantar da cama e caminhar; eles chamaram
um cardiologista ECG e, quando ele reportou que Zhdanov teve um ataque car-
díaco, disseram que ela estava errada e se recusaram a a acreditar nessa ou até
mesmo deixá-la incluir sua descoberta no relatório sobre a saúde de Zhdanov.
Que “erro”! De fato, o comportamento deles preenche todos os requisitos de
uma “conspiração- embora se a conspiração era matar dirigências do Partido,
como veio posteriormente na acusação, ou simplesmente “encobrir”outra, está
longe de ser claro.
Além disso, houve história desse tipo de coisa. No Julgamento de Moscou
de Bukharin de março de 1938, Rykov e outros dois doutores médicos, Pletnev
e Levin, tinham confessado uma conspiração para provocar a morte do escri-
tor Maxim Gorki, Valerian V. Kuibyshev, membro do Politburo, e Vyaceslav
menzhinsky, chefe da OGPU, para quem Iagoda era o segundo em comando e
que Iagoda queria fora do caminho o mais rápido possível. Nós agora temos
235
Ponomarev, p. 275 e p. 277 n. 20, afirma que os médicos ”não se opuseram”a Shcherbakov
fazer a viagem que o matou. Ou seja, Ponomarev levanta, e assim reconhece, a questão da
decisão dos médicos, incompetente se não criminosa. Mas ele não a persegue.
236
IA.IA. Etinger, Eto nevozmozhno zabyt. Vospominaniia. Moscou: Ves’ Mir,
2001, p. 87. Disponível para a consulta online em http : //www.sakharov −
center.ru/asf cd/auth/authp ages.xhtmpl?Key = 10153&page = 78&print = yes. Carta de Riu-
min para Stalin de 2 de julho de 1951, da qual esses detalhes provem em última análise,
impressa traduzida em Jonathan Brent e Vladimir P. Naumov, O Último Crime de Stalin:
O Complô Contra os Médicos Judeus, 1948-1953. Harper Collins, 2003, pp. 115-118. O
livro em si não é confiável. Mas os documentos podem muito bem ser genuínos, como eles
vêm de Naumov que, como um arquivista proeminente, certamente poderia ter tido acesso
a eles. Ele nunca disponibilizou os originais russos. Ponomarev examina as acusações de
antissemitismo contra Shcherbakov e conclui que todas são falsas; veja pp. 212-3; 218 ff.;
227-8.
156
ALEKSNADR S. SHCHERBAKOV
237
Os materiais dos interrogatórios de Iagoda e confrontações presenciais estão em Genrikh
Iagoda. Narkom vnutrennikhdel SSSR, General’niy komissar gosudarstvennoi bezopasnosti.
Sbornik dokumentov. Kazan, 1997, pp. 218-223. A primeira das duas transcrições dos inter-
rogatórios de Enukidze, a de 30 de maio de 1937, também é publicada aqui (pp. 508-517).
Nele, o investigador da NKVD refere-se a um interrogatório anterior de Enukidze a partir de
27 de abril de 1937, que agora foi publicado em Lubianka 2 No. 60, pp. 144-156. Esta última
publicação, do fundo Yakovlev, tem um status semioficial e, portanto, confirma a natureza
genuína da primeira publicação. Sobre os contatos entre Levin e Enukidze veja ibid. p. 222.
238
RKEB 2, p. 135.
239
Vsesoiuznoe soveshchanie o merakh uluchsheniia podgotovki nauchno-pedagogicheskikh ka-
drov po istoricheskim naukam, 18-21 dekabria 1962 g. Moscou: Nauka, 1964, p. 298. Iuri
Felshtinskii, um conhecido estudioso trotskista russo, afirma que Pospelov disse que isso ”re-
sumiu os resultados oficiais das pesquisas secretas realizadas pelos órgãos apropriados do
Comite Central do PCUS”. Veja IU. G. Fel’shtinskii, Razgovory s Bukharinym. Kommentarii
k vospominaniem A.M. Larinoi (Bukharinoi ‘Nezabyvaemoe’ prelozheniami. Izd. Gumanitarnoi
literatury, 1993, p. 92. Não há razão para pensar que isso é verdade, uma vez que todo o
contexto da declaração de Pospelov é o seguinte: ”Posso afirmar que é suficiente estudar cui-
dadosamente os documentos do 22º Congresso do Partido para dizer que nem Bukharin nem
Rykov, por suposto, eram espiões ou terroristas. Sabemos que as fabricações absolutas foram
declaradas como fato no 22º Congresso do Partido – a leitura errada de Shelepin da carta de
Iona Iakir, discutida abaixo, é um exemplo – então não há razão para pensar que Pospelov
estava dizendo a verdade aqui.
157
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
Khrushchev tinha anteriormente apenas implicado: a alegação - falsa, como
agora podemos provar - que os Julgamentos de Moscou foram uma fraude, um
testemunho falso.
Em seu Discurso Secreto Khrushchev declarou que a “Trama dos médi-
cos”foi uma fabricação. Mas ele mentiu completamente sobre isso. Ele alegou
que isso foi falsificado por Beria quando de fato foi a investigação de Beria, em
primeiro lugar, que descobriu que era uma farsa. Ele também culpou o Dr.
Timashuk por iniciar a “trama”. Mas Timashuk não tinha nada a ver com isso.
Todas as evidências primárias que temos atestam esses fatos.
Em todo caso, a morte de Shcherbakov não poderia ser nada além de bem
vida a Khrushchev. Muito do que Khrushchev alegou ter revelado sobre os
anos de Stalin foram provadas falsas de modo que seria imprudente simples-
mente “acreditar”nele neste caso. à luz das evidências que nós temos agora,
relativa à “Trama dos Médicos”alegado nos Julgamentos de Moscou de 1938
seria um erro excluir a possibilidade de que alguns, pelo menos, dos “Tramas
dos Médicos”no pós-guerra talvez tenham alguma base na realidade.
Finalmente, tem um reconhecido mistério do porquê o tratamento médico
não foi chamado para o Stalin gravemente doente até o dia ou mais depois
que foi descoberto que ele teve um derrame. Qualquer que sejam os detalhes,
Khrushchev estava envolvido.
158
IMPLICAÇÕES: A INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE SOVIÉTICA.
Este texto foi falsificado pela omissão da parte da carta de Yakir em que ele
confirma sua culpa e se arrepende. Aqui está o texto do “Relatório Shvernik”no
caso de Tukhachevski dado ao Khrushchev em 1964, brevemente após seu
afastamento, mas não publicado até 1994. As sentenças omitidas na leitura
de Zhukov estão em negrito aqui:
“Querido, camarada Stalin! Ouso dirigir-me assim porque eu disse tudo e me parece
que sou mais uma vez um guerreiro honrado, dedicado ao Partido, ao estado e ao
povo, que fui durante muitos anos. Toda a minha vida consciente foi passada em
um trabalho altruísta e honrado aos olhos do Partido e de seus líderes. - então
eu cai em um pesadelo, no irreparável horror da traição... a investigação está
finalizada. Foi apresentada a mim indiciamento de traição ao estado, eu admiti
minha culpa, eu me arrependi completamente. Eu tenho fé ilimitada na justiça
e adequação da decisão do tribunal e do governo. Agora cada uma das minhas
palavras é honesta, eu morro com palavras de amor a você, o Partido, o país, com
uma fé fervorosa na vitória do comunismo.
Na declaração de Yakir nós encontramos a seguinte resolução: “Em meu arquivo.
St.”“Um canalha e postituto. St[alin].”“Um descrição precisa.”“Molotov”. “Por um
vilão, porco e p***, há apenas uma punição - a pena de morte. Kaganovich241 ”
159
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
poupou-o da punição que outros tiveram. Essa mesma carta falsificada foi lida
no 22 Congresso do Partido em novembro de 1961 por Alexander Shelepin242 .
Em 1957 nenhum dos acusados - Malenkov, Molotov, e Kaganovich - recla-
maram sobre a falsificação da carta de Yakir por Zhukov. Portanto, nós de-
vemos assumir que ele não tinha acesso a isso, mesmo embora eles próprios
fossem membros do Presidium. É possível que o próprio Zhukov não soubesse
que estava lendo uma um documento falsificado, mas os pesquisadores de Kh-
rushchev tinham que saber - eles que provaram o texto! Eles não ousariam
fazer isso pelas costas de Khrushchev. Portanto Khrushchev também sabia243 .
(Nós devemos notar também que a versão da carta de Yakir publicada em
1997 há uma elipse - as reticências, em russo troetochie - depois da palavra
“traição”. Alguma coisa ainda é omitida da carta de Yakir, do qual, portanto, o
texto genuíno e completo ainda está sendo negado a nós pelo governo russo.)
Portanto, nenhuma das decisões de “reabilitação”, nas quais um grande nú-
mero de comunistas reprimidos foram declarados inocentes, podem ser toma-
das com valor de face. Mas portanto o mesmo é verdade para os outros docu-
mentos criados para uso de Khrushchev.
Um conjunto de tais documentos é conhecido como os relatórios de “Coro-
nel Pavlov”. Um trabalho recente de Oleg Khlevniuk os chama de “principal
fonte do nosso conhecimento sobre a escala das repressões244 ”Eles proveram
as fontes principais para estimar o numero de pessoas “reprimidas”durante
a década de 1930245 . Mas uma vez que eles foram preparados para Khrush-
chev nós não podemos assumir que foram feitos de maneira honesta. Talvez
fosse do interesse de Khrushchev exagerar - ou, por outra razão, minimizar
- o número daqueles executados? Ou talvez Povlov, como Pospelov, pensou
que devesse fazer um ou outro? Dada a natureza fraudulenta dos estudos
feitos por Khrushchev, nós não podemos mais simplesmente assumir que os
relatório do “Coronel Pavlov”são precisos.
Em termos acadêmicos, quase todas as pesquisas sobre os anos de Sta-
lin publicados durante o último meio século dependem pesadamente de pu-
blicações soviéticas da era Khrushchev246 . Isso também inclui muitos ou a
242
No 22º Congresso do Partido em 1961, durante o qual Khrushchev e seus partidários condu-
ziram um ataque ainda mais virulento a Stalin do que em 1956, Alexander Shelepin repetiu
essa mesma distorção, lendo em voz alta a carta de Iakir enquanto omitia as partes em que
Iakir confirmava sua culpa (Sokolov, B.V. Mikhail Tukhachevskii. Zhizn’ I Smert’ ‘Krasnogo
Marshala’. Smolensk, 1999; também em http : //militera.lib.ru/bio/sokolov/09.html; Leskov,
Valentin. Stalin i Zagovor Tukhachevskogo. Moscou: Veche, 2003, n. 171 p. 461. A trans-
crição real do Discurso de Shelepin para o 22º Congresso do Partido da PCUS está impressa
em Pravda, 27 de outubro de 1961. A citação equivocada de Shelepin da carta de Iakir está
em p. 10, cols 3-4. Também está na transcrição oficial: XXII’s”ezd Kommunisticheskoi Partii
Sovetskogo Soiuza. 17-31 oktiabria 1961 goda. Stenograficheskii otchiot. Moscou: Gos. O Izd.
Politicheskoi Literatury, 1962, 399-409.
243
Matthew Lenoe também conclui que Khrushchev manteve documentos importantes em se-
gredo de Molotov e outros. Veja The Kirov Murder and Soviet History(New Haven: Yale U.P.
2010) 592. Estou preparando uma revisão detalhada deste livro extremamente falho.
244
The History of the Gulag. Yale University Press,2004, p. 287.
245
Eles são a fonte principal no agora famoso artigo de Getty, Rittersporn e Zemskov, ”Victims
of the Soviet Penal System in the Pre-war Years: A First approach on the Basis of Archival
Evidence”, AHR outubro de 1993, 1017-1049.
246
Estudantes cuidadosos há muito questionam o valor histórico de algumas dessas obras, como
160
IMPLICAÇÕES POLÍTICAS
maioria das fontes não imigrantes citadas em trabalhos numerosos por Ro-
bert Conquest tais como “The Great Terror ”, a famosa biografia de Bukharin
por Stephen Cohen247 , e muitos outros trabalhos. Cohen desenha sua evidên-
cia para seu capítulo final sobre a década de 1930 a partir de fontes da era
Khrushchev e do próprio “Discurso Secreto”, como resultado quase todas as
afirmações de fatos neste capítulo se mostraram falsas. Tal tipo de trabalho
não pode ser aceito a menos e até que as declarações feitas nele possam ser
verificadas independentemente.
Isso também vale para os supostos documentos de “fontes primarias”. Kh-
rushchev e outros fizeram citações desonestas de tais fontes. A menos, e até,
que acadêmicos possam ver os originais, e a totalidade de seus textos, é inva-
lido assumir que Khrushchev, ou um livro, artigo, ou orador da era Khrushchev
os citaram honestamente248 .
Implicações políticas
O “Discurso Secreto”lançou o movimento comunista mundial em uma crise.
Mas a alegação é que todo o dano causado foi necessário, profilático. Um
parte maléfica do pasta, amplamente desconhecida aos comunistas do mundo
e mesmo os da URSS, tinha sido exposta, um câncer potencialmente fatal no
corpo do comunismo mundial tinha que ser impiedosamente extirpado, então
o movimentos poderia se corrigir e mais uma vez se mover em direção ao seu
objetivo final.
Nos anos que o seguiram se tornou mais e mais claro que a URSS não estava
se movendo em direção a uma sociedade sem classe, mas, ao invés, na dire-
ção oposta. Ainda assim, aqueles que se mantiveram com com o movimento
liderado pelos soviéticos o fizeram porque eles ainda tinham a ideia original.
Milhões de pessoas ao redor do mundo esperou e acredito que um movimento
que pode se dar ao luxo de tomar tamanhas perdas, admite os crimes que
foram cometidos em seu nome, os expõem implacavelmente - como Khrush-
chev clamou ter feito - talvez tenha a integridade e a fortuna de se corrigir e
mover, com qualquer que sejam os zig zags políticos, em direção a um futuro
comunista. Essa figura não é mais sustentável.
Khrushchev não estava tentando “ajeitar o navio do comunismo”. Uma des-
truição total da verdade como é o “Discurso Secreto”é incompatível com o mar-
xismo, ou com motivos idealistas de qualquer tipo. Nada positivo, democrático
ou libertador pode ser construído sob a fundamentação de uma falsidade. Em
as de Roi Medvedev Let History Judge (título russo: K sudu istorii) ou Alexander Solzhenitsyn
The GULAG Archipelago.
247
Bukharin and the Bolshevik Revolution(1973).
248
Um artigo meu e de Vladimir Bobrov prova, citando documentos dos arquivos soviéticos ante-
riormente secretos, que cada declaração feita por Cohen no capítulo final de sua biografia de
Bukharin é falsa. Todas foram baseadas em fontes da era Khrushchev, com alguns rumores
de emigrados adicionados a estes. Veja ”V krivoi zerkale «antistalinskoi paradigvy»”em 1937.
Pravosudie Stalin. Obzhalovaniiu ne podlezhit’. (Moscou: Eksmo 2010) 195-333. Uma versão
em inglês deste artigo está no prelo para aparecer na edição de 2010 da Cultural Logic, que
dev ser publicada em 2011.
161
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
vez de reviver o movimento comunista, e o Partido Bolchevique, que foi des-
viado do seu verdadeiro curso através de graves erros, Khrushchev o estava
matando.
O próprio Khrushchev não é “revelado”com um honesto comunista, mas, ao
contrário, com um líder político buscando por vantagens pessoais enquanto se
esconde atrás de uma personalidade oficial de idealismo e probidade, um tipo
familiar em países capitalistas. Levando em conta seu assassinato de Beria e
os homens executados com “Gangue de Beria”em 1953, ele parece ainda pior -
um gangster político. Khrushchev de fato era culpado dos tipos de crimes que
ele deliberada e falsamente acusou Stalin no “Discurso Secreto”.
A natureza fraudulenta do Relatório de Khrushchev nos força a rever nossa
visão daqueles “stalinistas”que tentaram e falharam depor Khrushchev em
1957 e que foram dispensados e expelidos do Partido. Com todos os seus
pecados e falhas as entrevistas do velho Molotov e Kaganovich (como recon-
tado por Felix Chuev) revelam homens dedicados a Lenin, Stalin e o ideal do
comunismo até o fim, que muitas vezes comentaram negativamente sobre os
desenvolvimentos capitalistas no final da URSS. Molotov previu a derrubada
do socialismo por forças capitalistas dentro do Partido, ainda em seus 80, 90
anos, ele buscou se reintegrar a ele.
Ainda as suas aceitações dos principais destaques do ataque de Khrushchev
a Stalin sugerem que ele tinha suas próprias dúvidas sobre algumas políticas
seguidas durante o período de Stalin. A um certo grau ou outro eles com-
partilhavam a visão política de Khrushchev. Além disso, eles não sabiam os
detalhes das repressões da década de 1930 e além disso, estavam totalmente
despreparados para refutar qualquer coisa que Khrushchev e seus apoiadores
dissessem sobre elas - até que fosse tarde demais.
Talvez o único passo positivo da dirigência soviética pós Stalin fez, foi criti-
car, e parcialmente desmontar, o nojento “culto a personalidade”que eles mes-
mos tinham ao redor da figura de Stalin. Mesmo aqui Khrushchev não merece
créditos. Ele tinha se oposto às tentativas ainda mais anteriores de Malenkov
- durante os dias de morte de Stalin - de criticar o “culto”. E Malenkov teve
a honestidade de culpar, não Stalin, mas aqueles ao redor dele, ele próprio
inclusive, por serem tão fracos para parar o “culto”, ao qual Stalin finalmente
se acostumou, mas nunca endossou e via com desagradável.
O próprio Khrushchev não perdeu tempo e tentou construir ao redor de si
um “culto”maior que o ao redor de Stalin. Ele foi criticado por fazer isso até
mesmo pelos seus apoiadores em 1956 e 1957, e seu auto-engrandecimento e
arrogância foi uma das principais acusações feitas pela dirigência do Presidium
que o depôs em outubro de 1964249 .
A natureza fraudulenta do relatório de Khrushchev demanda que nós repen-
semos os anos de Stalin e o próprio Stalin. Despojado tanto do “culto”idólatra
ao seu redor e calúnias de Khrushchev à figura de Stalin e a forma das políti-
cas que ele tentou colocar em prática, reafirmam-se como a questão central, o
maior ponto de interrogação na história soviética e do Comintern. Os sucessos
e fracassos de Stalin devem ser apenas reestudados; eles ainda precisam ser
249
A transcrição do Plenário de Outubro de 1964 em que Khrushchev foi removido foi publicada
em Istoricheskii Arkhiv 1, 1993, pp. 3-19.
162
TROTSKY
descobertos e conhecidos.
Trotsky
O Relatório também demanda uma reconsideração de Trotsky e do trots-
kismo. Nos essenciais das denúncias de Khrushchev sobre Stalin no “Discurso
Secreto”ecoou a anterior demonização de Stalin por Trotsky. Mas em 1956 o
trotskismo era uma força marginal, seu líder assassinado era geralmente dis-
pensado com uma falha megalomaníaca.
O discurso de Khrushchev deu nova vida para as caricaturas quase mortas
de Trotsky sobre Stalin. Comunistas e anticomunistas começaram igualmente
a ver Trotsky como um “profeta”. Não tinha ele dito coisas muito similares que
Khrushchev apenas “revelou”serem verdade? Eles tiraram a poeira dos traba-
lhos pouco lidos de Trotsky. A reputação de Trotsky, e de seus apoiadores, se
elevaram. Que o “Discurso Secreto”constituiu uma “reabilitação”não confes-
sada de Trotsky foi reconhecido pela viúva de Trotsky, Sedova, que, um dia
após o Relatório, solicitou ao Presidium dos 20 Congresso do Partido a rea-
bilitação total para seu falecido marido e seu filho250 . Mas agora, não mais
“confirmado”pelo testemunho de Khrushchev, o retrato altamente partisan de
Stalin e da sociedade ou políticas soviéticas durante seu tempo deve ser revi-
sada com um olhar crítico.
163
CAPÍTULO 12. CONCLUSÃO: O LEGADO DURADOURO DA FRAUDE DE
KHRUSHCHEV
mostram que eles não suspeitavam que o que Khrushchev dizia era falso. Além
disso, eles aceitaram as implicações políticas do relatório.
Se Malenkov tivesse conseguido de alguma forma se defender de Khrushchev
e manter a dirigência do PCUS, o “Discurso Secreto”nunca seria divulgado, e
a história do movimento comunista e, portanto, grande parte da história do
mundo poderia ter se desenvolvido de forma muito diferente. Da mesma forma,
muitas pessoas raciocinam que a União Soviética poderia muito bem ainda
existir se Iuri Andropov tivesse o tempo normal a cargo como seu dirigente e
Mikhail Gorbachev nunca tivesse assumido o cargo. Mas o “papel do indivíduo
na história”não concede escolha ilimitada nem mesmo aos líderes mais fortes.
O URSS de Andropov estava em crise tanto quanto a de Gorbachev - ou como
estava a URSS em 1953.
Khrushchev foi capaz de tomar o poder, entregou a bomba do “Discurso
Secreto”com todas as suas fabricações, e então “fez ele pegar”: para vencer
sobre o alto-escalão soviético, e entre a maior parte e da população soviética
e - embora não sem grandes perdas - a maioria dos comunistas ao redor do
mundo. Esses fatos demandam explicações. E as raízes desse resultado tem
que ser procuradas nos períodos anteriores da história soviética, o período
da dirigência de Stalin, e do de Lenin antes dele, e em muitas condições que
levaram à Revolução Russa e a vitória Bolchevique.
Há raízes históricas e ideológicas no Relatório de Khrushchev, e essas tam-
bém devem ser procuradas na história soviética. Stalin tentou fortemente apli-
car a análise de Lenin das condições que ele encontrou na Rússia e no movi-
mento comunista mundial. Lenin tentou aplicar as intuições de Marx e Engels.
Lenin tentou achar as respostas para os problemas críticos da construção do
socialismo na Rússia nos trabalhos dos fundadores do comunismo moderno.
Stalin, nunca clamou nenhuma inovação para si mesmo, tentou seguir a
guia de Lenin o mais próximo que pode. Enquanto isso Trotsky e Bukharin,
bem como outros oposicionistas, também encontram suporte para suas pro-
postas políticas no trabalho de Lenin. E Khrushchev, como seus epígonos até e
incluindo Gorbachev, citaram os trabalhos de Lênin para justificar, e dar uma
abertura Leninista ou de “esquerda”para todas as escolhas políticas.
Portanto, alguma coisa nos trabalhos de Lenin, e naqueles dos grandes pro-
fessores de Lenin, Marx e Engels, facilitaram os erro que seu honesto sucessor
Stalin cometeu honestamente, e que seu desonesto sucessor, Khrsuhchev, foi
capaz de usar como cobertura para sua própria traição.
Mas este é um tema para uma futura pesquisa e um diferente livro
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