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Escurecendo o Anarquismo
Setembro de 2023
«Copyleft 2023
O conteúdo deste livro ou partes dele
podem ser utilizados desde que citada a fonte.
Parsons, Lucy
Mais Perigosa que Mil Manifestantes/Lucy Parsons ;
tradução: Escurecendo o Anarquismo. Rio de Janeiro,
RJ : 2023.
308 p.
ISBN: 978-65-00-79482-3
CDD 320.57
Esta publicação foi feita de forma inteiramente voluntária. Todo recurso gerado com
a venda deste livro será destinado para custear novas publicações que contribuam na
construção de um anarquismo não branco.
Escurecendo o Anarquismo,
Rio de Janeiro, RJ
https://www.escurecendoanarquismo.wordpress.com
Conteúdo
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ix
por Escurecendo o Anarquismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4 Mulheres trabalhadoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
5 Aos vagabundos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
6 Nossa civilização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
8 O Negro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
9 A Assembleia de Haymarket . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
17 Tempos ominosos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
19 O “fura-greve” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
21 Objeções à variedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
24 Saudação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
25 Reflexões cotidianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
29 A criança da fábrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
30 A farsa da urna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
40 Patriotismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
41 Anarquismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
51 Anarquismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
sua real origem étnica? Há poucos textos dela traduzidos para o português
e, de forma geral, estão espalhados em diferentes locais. No máximo, foram
publicados zines e livretos3 com alguns poucos textos traduzidos e que não
dão conta de traduzir a trajetória do pensamento de Parsons.
A nossa falta de interesse, mesmo que inconsciente, em difundir a vida e
a produção da Lucy Parsons não pode deixar de ser vista como uma atitude
racista. Os esforços em traduzir e publicar textos de anarquistas brancos,
homens e mulheres, continuam, ainda hoje, inversamente proporcionais aos
esforços para resgatar anarquistas Pretos, indígenas e não brancos em geral.
Apesar de hoje se reconhecer bastante a invisibilização histórica de anar-
quistas Pretos no Brasil, ela continua a acontecer. Isto não quer dizer que
a publicação de textos inéditos em português de nomes como Kropotkin,
Bakunin etc. não sejam importantes, porém a disparidade de publicações
é gritante. O caso da Lucy Parsons não poderia ser mais simbólico, bas-
tando comparar a quantidade de publicações em português sobre a Emma
Goldman, para pegar um nome contemporâneo ao da Lucy Parsons.
Assim, este livro se soma aos esforços feitos pelo projeto de propaganda
e editoração Escurecendo o Anarquismo de contribuir, de forma humilde
e comprometida, no resgate da memória de anarquistas não brancos, na
difusão da luta pela libertação dos diversos povos de cor e na racialização,
com seriedade, das lutas travadas pelos grupos anarquistas no Brasil.
A montagem do livro
O presente livro pretende não apenas registrar os escritos da Lucy Par-
sons, mas também levantar as diversas polêmicas e incertezas que surgiram
não só durante a sua vida, mas também após a sua morte. Assim, ele é di-
vidido em duas partes: a primeira com os textos escritos pela Lucy Parsons
e a segunda com textos escritos sobre ela.
A primeira parte é baseada em grande parte no livro organizado pela
Gale Ahrens e lançado em 2004 nos EUA. Entretanto, ao estudar o livro
com mais detalhes, algumas falhas e possíveis erros foram encontrados, o
que nos levou a tentar obter os textos direto das fontes, ou seja, dos jornais
onde os textos foram publicados. Infelizmente, boa parte desses jornais não
estão disponíveis para acesso digital, apenas físico, porém diversos estão e
conseguimos acesso a alguns deles. Aqui, devemos agradecer aos compa-
nheiros Tariq Khan e Sunny Ture pela contribuição no acesso a coleções
3
Ver, por exemplo, Mulheres, raça, classe e sindicalismo revolucionário: textos escolhidos
de Lucy Parsons, Editora Terra sem Amos, 2020; e Aos Vagabundos: textos reunidos de
Lucy Parsons, Edições Tormenta, 2021.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes xi
restritas.
Com acesso a algumas fontes originais, ratificamos alguns problemas:
alguns textos foram cortados, sendo reproduzidos no livro da Ahrens apenas
excertos; diversas datas dos textos estão registradas de forma equivocada
no livro; e diversos textos foram deixados de fora. Na apresentação, a
editora explica que isso ocorreu pelo fato de Parsons introduzir partes de
textos antigos em novos, porém identificamos vários casos em que não foi o
ocorrido. Assim, resolvemos incluir o máximo de textos possível neste livro,
sendo limitado apenas pela nossa capacidade de tradução. Assim, alguns
textos aos quais tivemos acesso ainda ficaram de fora, porém podem entrar
em próximas edições.
Lucy Parsons publicou apenas um panfleto próprio: Os Princípios do
Anarquismo. O resto de seus escritos foram publicados em jornais e revistas
ao longo da sua vida. Em todo texto há indicação do título original, da
data de publicação e em qual jornal foi publicado originalmente. Para que
o entendimento das fontes dos textos e do contexto de publicação fique
mais evidente, segue um breve resumo desses jornais, incluindo os anos de
publicação e a organização e pessoa responsável.
• The Socialist (1876 - 1881) - órgão do então Workingmen’s Party
of the United States que, em 1877, virou Socialistic Labor Party e,
hoje, é o Socialist Labor Party of America (Partido Trabalhista Soci-
alista dos Estados Unidos). Tanto Lucy quanto Albert Parsons, logo
após chegarem a Chicago, começam a contribuir com o The Socia-
list e a atuar junto ao recém-criado partido, inspirado na Primeira
Internacional;
• The Alarm (1884 - 1889) - jornal fundado e editado por Albert
Parsons. Era o órgão oficial da International Working People’s Asso-
ciation (IWPA), organização anarquista fundada por Albert Parsons
em 1881 e da qual Lucy Parsons participou. Ela contribuía constan-
temente para o jornal. O The Alarm foi crucial para a condenação
dos Mártires de Chicago, pois em suas páginas era comum a difusão
da estratégia da propaganda pelo fato, incluindo o incentivo ao uso
de explosivos. Foram publicados, por exemplo, artigos ensinando a
manusear e fabricar bombas caseiras e dinamites. Após a prisão de
Albert Parsons, passou a ser editado por Dyer D. Lum;
• Freedom (1890 - 1892) - jornal fundado e editado pela própria Lucy
Parsons;
• The Advance and Labor Leaf - jornal editado pelo anarquista
individualista Joseph Labadie. Existiu na década de 1880;
Prefácio xii
• The Liberator (1905 - 1906) - jornal editado pela própria Lucy Par-
sons sob o selo da Industrial Workers of the World (IWW);
Sobre as traduções
As traduções feitas pelo Escurecendo o Anarquismo, assim como aquelas
feitas por outros grupos e revisadas por nós para serem publicadas neste
livro, seguiram a formatação da autora em termos de composição do texto e
realces, como palavras em itálico ou letras maiúsculas. Tentamos uniformi-
zar ao máximo as escolhas de traduções de termos os quais a Lucy Parsons
usava repetidamente.
Em relação aos nomes de organizações, movimentos e grupos, escolhe-
mos traduzir dentro do texto apenas aquelas as quais possuem nomes conhe-
cidos em português. O mesmo foi feito com nomes de lugares, instituições
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes xv
Dos Punhos
de Lucy Parsons
Os princípios
do anarquismo 1
errados e que algo precisa ser feito logo ou a classe assalariada afundará em
uma escravidão pior do que a do servo feudal. Eu digo à classe trabalha-
dora: pensem com clareza e ajam rapidamente, ou estarão perdidos. Não
façam greve por alguns centavos a mais por hora porque o custo de vida
aumentará ainda mais rápido, mas façam greve por tudo o que produzam,
não se contentem com nada menos.
*****
Será que é preciso, para quem pensa bem, alguma prova mais convin-
cente ou argumento mais forte do que o mencionado acima contra a pos-
sibilidade de haver harmonia entre capital e trabalho sob o atual arranjo
do sistema industrial - ou que seus interesses possam, de alguma forma, ser
“idênticos”?
Se houvesse algo possível como a harmonia entre empregador e empre-
gado (senhor e escravo), haveria ou, para ser coerente, poderia haver algo
como uma “greve”, que significa uma resistência por parte do oprimido em
relação ao opressor - um protesto, por assim dizer? Todos nós conhecemos
muito bem a definição das palavras harmonia e identidade, quando apre-
sentadas em linguagem simples, para confundir seu significado. E como é
5
Título original: On the “Harmony” Between Capital & Labor. Artigo publicado origi-
nalmente em 7 de dezembro de 1878, no periódico The Socialist como uma carta ao
editor do jornal. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
6
O lockout é uma estratégia usada por donos de indústrias para parar o trabalho em
contraponto às greves usadas pelos trabalhadores e consiste em simplesmente trancar
as fábricas e não deixar que os trabalhadores trabalhem.
Lucy Parsons 14
Agora, meninas, vocês podem julgar como devem ser alimentadas en-
quanto estiverem na escravidão da aristocracia, pois a revista supracitada
explica isso com precisão, da seguinte forma:
deserdados e miseráveis10
Uma palavra para os 35.000 que agora estão perambulando pelas ruas
desta grande cidade, com as mãos nos bolsos, olhando apáticos ao seu redor
para a evidência de riqueza e prazer, da qual não possuem nenhuma parte,
nem mesmo o suficiente para comprar um pouco de comida para apaziguar
as dores da fome que agora lhes atormentam os órgãos vitais. É com você
e com as centenas de milhares de outras pessoas em situação semelhante
nesta grande terra de abundância que desejo conversar.
Você não trabalhou duro durante toda a sua vida, desde que tinha idade
suficiente para que seu trabalho fosse útil na produção de riqueza? Não
trabalhou longa, árdua e laboriosamente para produzir riqueza? E, em todos
esses anos de trabalho árduo, não sabe que produziu milhares e milhares de
dólares em riqueza, a qual não possuía na época, não possui agora e, a menos
que AJA, nunca possuirá qualquer parte? Não sabe que, quando estava
atrelado a uma máquina e essa máquina atrelada ao vapor e, portanto,
trabalhava 10, 12 e 16 horas por dia, durante esse tempo, em todos esses
anos, você recebia apenas o suficiente de seu produto do trabalho para
suprir as necessidades básicas e grosseiras da vida e que, quando desejava
comprar qualquer coisa para si mesmo e para a família, sempre tinha de ser
da qualidade mais barata? Se quisesse ir a algum lugar, teria de esperar até
domingo, pois recebia tão pouco por seu trabalho incessante que não ousava
parar por um momento, por assim dizer? E você não sabe que, com todo o
10
Título original: To Tramps, The Unemployed, the Disinherited, and Miserable. Artigo
publicado originalmente no periódico The Alarm em 4 de outubro de 1884. A palavra
Tramp também pode ser traduzida como pedinte, mendigo. Utilizamos a tradução
como ‘vagabundo’, pois era uma palavra que os jornais da imprensa capitalista usavam
para se referir aos desempregados e pedintes (parecido como o termo ‘vagabundo’ é
utilizado pela extrema direita no Brasil). Lucy parece ter usado o mesmo termo de
propósito. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 21
seu aperto, restrição e economia, nunca foi capaz de se manter apenas alguns
dias à frente dos lobos da escassez? E que, por fim, quando o capricho de seu
empregador achou por bem criar uma fome artificial limitando a produção,
os fogos na fornalha foram extintos, o cavalo de ferro ao qual você havia
sido atrelado foi imobilizado; a porta da fábrica foi trancada, e você virou
um vagabundo na estrada, com fome no estômago e trapos nas costas?
Ainda assim, seu empregador lhe disse que foi o excesso de produção que
o fez fechar as portas. Quem se importou com as lágrimas amargas e as dores
no coração de sua amada esposa e de seus filhos desamparados, quando você
lhes disse um carinhoso “Deus o abençoe” e saiu para a estrada para procurar
emprego em outro lugar? Quem se importou com essas mágoas e dores?
Você era apenas um vagabundo agora, para ser execrado e denunciado como
um “vagabundo inútil e vadio” por aquela mesma classe que esteve envolvida
todos esses anos em roubar você e os seus. Então, você não consegue ver que
o “bom patrão” ou o “mau patrão” não tem importância alguma? que você
é a presa comum de ambos e que a missão deles é simplesmente roubar?
Não consegue ver que é o SISTEMA INDUSTRIAL, e não o “chefe”, que
precisa ser mudado?
Agora, quando todos esses dias brilhantes de verão e outono estiverem
passando e você não tiver emprego e, consequentemente, não puder econo-
mizar nada, e quando o vento do inverno vier do norte e toda a terra estiver
envolta em um manto de gelo, não dê ouvidos à voz do hipócrita que lhe
dirá que foi ordenado por Deus que “os pobres sempre terão”; ou ao ladrão
arrogante que lhe dirá que você “bebeu todo o seu salário no verão passado,
quando tinha trabalho, e essa é a razão pela qual você não tem nada agora,
e a casa de trabalho ou o pátio de trabalho é bom demais para você; que
você deveria ser fuzilado”. E eles o fuzilarão se você apresentar suas petições
de maneira muito enfática. Portanto, não dê ouvidos a eles, mas se aliste!
No próximo inverno, quando as rajadas de frio estiverem se infiltrando pe-
las fendas de suas roupas sujas, quando a geada estiver mordendo seus pés
pelos buracos de seus sapatos gastos e quando toda a miséria parecer ter se
concentrado em você e sobre você, quando a miséria o tiver marcado como
seu e a vida tiver se tornado um fardo e a existência uma zombaria, quando
você tiver caminhado pelas ruas durante o dia e dormido sobre tábuas duras
durante a noite e, por fim, decidir por suas próprias mãos tirar a própria
vida - pois você prefere ir para o nada absoluto a suportar por mais tempo
uma existência que se tornou um fardo -, então, talvez, você decida se jogar
no abraço frio do lago em vez de sofrer por mais tempo. Mas pare, antes de
cometer esse último ato trágico no drama de sua simples existência. Pare!
Não há nada que você possa fazer para proteger aqueles que estão prestes
Lucy Parsons 22
conhecem o valor deles. É o trabalho que vai para a selva sem trilhas, e em-
punha a varinha mágica que a ciência colocou em suas mãos. Seus monstros
hediondos e sibilantes logo sucumbem, e ela floresce como a rosa.
Só o trabalho pode nivelar a montanha até a planície, ou elevar o vale
até a montanha, mergulhar nas entranhas da terra e trazer os tesouros ali
contidos, que foram preservados durante os ciclos de mudança do tempo,
e com mão astuta moldá-los em artigos de uso e luxo para o deleite e be-
nefício da humanidade. Agora, por que este importante fator nas artes do
progresso e do refinamento continua a ocupar uma posição secundária em
todas as camadas mais elevadas e nobres da vida? Não é fato que algumas
pessoas que se movimentam em luxuosidade e conforto, poucas se dignifi-
caram a si mesmas como “classes altas”? É esta “classe alta” que determina
em que tipo de casas (se houver alguma) a classe produtora deverá viver, a
quantidade e qualidade dos alimentos que deverão colocar sobre sua mesa,
o tipo de vestimenta que deverão usar e se a criança do proletariado deverá
entrar na escola ou na fábrica na mais tenra idade. E quando o proletari-
ado, não vendo a justiça desta economia burguesa, começa a murmurar, o
cassetete da polícia é chamado ao serviço ativo por seis dias na semana, e no
sétimo o pastor lhe assegura que reclamar dos poderes existentes é bastante
pecaminoso, além de ser um jogo perdido, na medida em que por esta ação
ele está diminuindo sua chance de obter uma habitação muito confortável
“nas mansões eternas nos céus”. E a classe possuidora, entretanto, está per-
feitamente disposta a pagar bem ao pastor, e fornecer ao proletariado todo o
crédito necessário para isso caso lhes forneçam o dinheiro para a construção
de suas mansões terrenas.
Ah, trabalhador! Oh, operário faminto, ultrajado e roubado, por quanto
tempo você dará ouvidos aos autores de sua miséria? Quando você se
cansará de sua escravidão e demonstrará isso, entrando corajosamente na
arena com aqueles que declaram que “Não ser escravo é ousar e FAZER?”
Quando você se cansará de tal civilização e declarará com palavras, cuja
amargura não será confundida, “Estou fora desta civilização que me degrada
tanto; não vale a pena salvá-la”?
Uma história de Natal 12
E aqui está a minha correspondência com uma carta do Papai Noel que
nem mesmo me esqueceu, apesar dos idílicos dias da doce ilusão da infância
há muito me tenha desaparecido. E a preciosa missiva a qual o venerável
lorde13 em seus passeios em terras estrangeiras achou e me trouxe se torna
tão interessante enquanto eu atentamente leio seu conteúdo que eu decidi
deixar que os leitores do The Alarm tirem proveito dela.
A estória se passa em uma ilha bárbara e é o resultado da muito re-
pentina criação do navio Cristão que em contrapartida às muitas benesses
que recebeu das mãos dos seus novos vizinhos, propõe levar alguns deles
de volta com ele para seu país e ele os mostrará os benefícios de uma ci-
vilização Cristã para que o bárbaro ignorante retorne para o seu país e se
torne um missionário da causa da civilização Cristã e seu bom governo. A
pequena missiva a qual o Papai Noel tão gentilmente me trouxe parece ser
um relatório daqueles missionários feita após o seu retorno para o seu país
de origem. O relatório diz:
“Eles nos carregaram a uma direção a leste sobre as ondas do poderoso
oceano nas asas de uma gigante e bela ave marinha (eles a chamam de
navio a vapor) e nos deixaram na beira de um grande continente onde a
natureza parecia sempre sorrir. E quando nós pousamos da nossa amável
ave marinha, fomos colocados atrás de um cavalo de aço que apitava e
relinchava e arfava, impaciente para iniciar sua longa jornada pelo grande e
expansivo continente, e quando finalmente começou, ele nos transportou na
velocidade da luz; ele rodou por vales, por planícies e escalou as encostas
com toda a facilidade com a qual um gigante faria, nunca cansando, nunca
sem energia, sempre no alcance como se procurasse mais terras para cobrir;
o tempo parecia encurtar diante das suas pernadas a frente e o espaço era
aniquilado.”
Uma voz na audiência indagou: “Como ele podia aguentar?”
12
Título original: A Christmas Story. Artigo publicado originalmente em 26 de dezembro
de 1885 no periódico The Alarm. Trata-se do único texto ficcional conhecido da Lucy
Parsons. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
13
Do original sire.
Lucy Parsons 26
“Ah, ele era movido a vapor, uma descoberta que eles clamam ser a mais
maravilhosa feita desde que o Deus deles criou o mundo.”
O missionário continuou a ler o relatório: “No quinto dia após o iní-
cio, eles nos deixaram no coração de uma magnífica cidade. Era cerca de
10 horas da manhã e as pessoas as quais vimos se movimentando com tal
aparente conforto, conduzindo nas avenidas de riqueza e mercados de troca
em equipamentos magníficos, vestidas em custosos trajes, nossos guias nos
informaram que eram as donas exclusivas de todas aquelas enormes estru-
turas que tanto nos maravilharam; que elas eram as donas sozinhas da terra
e de tudo que tinha nela e vivem apenas para aproveitar. Em admiração,
exclamamos, “Poderosa é a Civilização Cristã! Grandioso é o seu governo!”
[Forte sentimento na audiência e gritos de ‘Vamos emigrar.’]
“Esperem, companheiros, nos ouçam relatar,” disse o missionário, retor-
nando: “Foram nos mostradas todas as belas vistas nas feiras de artes e
jeitos e nos foi prometido apresentar aquelas da indústria do povo Cristão.
Nós fomos conduzidos para dentro de salões de mármore onde tábuas de
banquete foram espalhadas e lindas mulheres iam e vinham, parecendo fa-
das, todas enfeitadas com joias preciosas e pérolas de alto valor. Seus rostos
claros irradiavam de contentamento, tranquilidade e felicidade.” [Murmúrios
na audiência: ‘Grandiosa é a Civilização Cristã!’]
“À medida que a noite surgia em ritmo acelerado e vinho espumante
das taças espiraladas com videiras era livremente bebido, e brindes em rá-
pida sucessão eram oferecidos livre e hilariamente, que eram mais ou menos
como: ‘Felizes, contentes e prósperos são o nosso povo sob a influência be-
nigna de um governo sabiamente administrado e cristão’, e como os aplausos
do último brinde ecoaram ao longo das colunas de granito do salão de ban-
quetes que fizeram as cortinas de seda tremerem e razoavelmente rasgarem
o magnífico teto decorado, uma estranha aparição apareceu e ficou no meio
do caminho no salão para que ninguém pudesse deixar de vê-la.”
“Aquela aparição era a mais miserável das mulheres. E de seus olhos
cavernosos, flashes pálidos pareciam surgir, como quando os céus do norte
brilharam em dezembro. E como o fluxo da água sob a neve de dezembro,
veio uma voz enfadonha de pesar da câmara do coração:
‘Senhoras e senhores, povo cristão”, disse ela, “enquanto estiverem em
seu banquete, vocês ouvirão a oração da viúva, o grito do órfão? Sem ele,
a neve ofuscante cai grossa e rápida. Três meses atrás, neste dia, eu, pela
quinta vez, me tornei mãe e naquele mesmo dia eu fiquei viúva e eles ficaram
órfãos pelo meu pobre marido sendo esmagado a uma massa disforme entre
as máquinas da fábrica daquele homem (apontando para o proponente do
último brinde) e eu juro a você que duas vezes nessas últimas doze horas
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 27
mãe idosa estava sem “comida ou combustível”, e outra disse: “Oh, senhor,
por favor, por favor, deixe-me ir apenas desta vez. Juro-lhe que tenho me
esforçado tanto para conseguir trabalho, mas não consegui, e agora meu
senhorio me notificou, e eu e as criancinhas seremos jogados na rua se o
aluguel não for pago amanhã.”
“Ao me voltar para o nosso amigo, ele adivinhou a pergunta que eu
estava prestes a fazer e, com um aceno impaciente da mão, nos informou que
essas pessoas ‘eram apenas um monte de criaturas infelizes que nós, neste
país cristão, entregamos às autoridades para serem lidadas. Na verdade, é
principalmente para isso que temos o nosso governo, para se responsabilizar
pelas classes mais baixas’.”
“Quando os sinos de Sabá tocaram chamando esses cristãos a seus belos
templos para adorar seus deuses, nós também fomos escoltados a um deles
e apresentados ao pastor encarregado como alguns ‘bárbaros que haviam
sido induzidos a vir entre nós para aprender os hábitos de um povo temente
a Deus, que eles talvez aprendam os caminhos do cristão, a fim de que
pudessem retornar à sua própria terra e se tornarem missionários’. O pastor
muito santimoniosamente declarou que “somos fiéis seguidores do manso e
humilde Jesus, que não tinha onde reclinar a cabeça”, então montou seu
lindo púlpito e tomou para seu texto palavras para este efeito: ‘Que era tão
difícil para um homem rico entrar no reino dos céus quanto para um camelo
passar pelo buraco de uma agulha, a menos que fossem muito generosos
com os pobres’, e quando a caixa de contribuição foi passada ao redor, foi
muito generosamente lembrada.”
“Um belo dia, depois de termos estado no país cristão não mais que al-
gumas semanas, passeamos no meio dos mercados de comércio e enquanto
estávamos de pé e olhávamos com admiração e maravilhados para os im-
ponentes edifícios, esses mesmos edifícios pareciam de repente começar a
assumir um aspecto diferente, enquanto ouvimos o grande relógio da torre
começar a tocar a hora das seis e, ao fazê-lo, começou a fluir de todos es-
ses edifícios monstruosos um fluxo escurecido de pessoas, que, à medida
que saíam, pareciam estar se apressando em todas as direções, como se sua
própria vida dependesse de chegarem a algum lugar no menor tempo ima-
ginável. Essas pessoas pareciam tão diferentes daquelas que costumamos
ver. Estes últimos eram pessoas de rosto pálido, desgastado e trabalhador,
que pareciam não ter tempo nem desejo de parar e apreciar as belas exibi-
ções nas vitrines como os bem vestidos que tínhamos durante o dia visto
fazendo isso; e nesta massa lutadora de humanidade apressada pudemos ver
criancinhas de tenra idade parecendo tão sobrecarregadas quanto as mais
maduras em anos.”
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 29
lado pelos seus inimigos mortais; vítimas não apenas dos seus infortúnios,
mas do preconceito enraizado, cego e implacável, esses nossos companheiros
humanos estão sendo assassinados sem descanso.
Essa é a história resumida: os fatos simples e diretos desse mais exe-
crável ultraje o qual, com essa e quase incontáveis ocorrências similares da
mesma natureza perpetrada contra esse povo, deveriam trazer um tom de
indignação à face de cada alma quem pode de alguma forma compreender
o significado da palavra Liberdade!
Enquanto esses são os fatos óbvios, qual a lição que eles ensinam? Existe
alguém tão estúpido de acreditar que esses ultrajes foram feitos, são feitos
e serão empilhados sobre o Negro porque ele é preto? De forma alguma. É
porque ele é pobre. É porque ele é dependente. Porque ele é mais pobre
enquanto classe do que o seu irmão branco escravo do salário do Norte.
E para o Negro ele mesmo, nós dizemos que a sua libertação está prin-
cipalmente em suas mãos. Você é o Hilota16 moderno. Você semeia, mas
outro colhe. Você cultiva o solo para outro aproveitar. Quem é esse outro
que continua a aproveitar os frutos do seu trabalho? Não são eles os poucos
ociosos os quais até recentemente você chamava de senhor de engenho e
não são esses vagabundos ainda seus senhores absorvendo todo o produto
do seu trabalho sem mesmo serem forçados a lhe retornar o suficiente para
manter-lhe com roupas e alimentação decentes?
A mesma terra a qual você outrora arou como um escravo comprado
você hoje ainda ara como um escravo pago e na mesma cabana na qual
você entrava de véspera sem saber que seria vendido e separado de suas
mulheres e crianças antes do pôr do sol do dia seguinte, você agora entra
com medo de que será massacrado pela mão assassina daqueles que outrora
simplesmente o teriam vendido se não gostassem de você.
Verifique a sua situação e veja que ainda é deplorável. As palavras
suaves de quem tenta comprar o seu voto vai lhe emancipar dessas con-
dições? Quem já tentou as alternativas enganosas mais fielmente do que
você? Trouxe-lhe algo de bom? Orações irão parar as mãos do opressor?
Quem orou com mais zelo do que você? Que bem real isso lhe serviu? Então
nitidamente a estrada para redenção não está nesses caminhos. Mas a sua
rota no futuro, se você valoriza a liberdade real, é deixar a política para
os políticos e orações para aqueles que conseguem mostrar onde que lhes
fez mais bem do que já fez para você e dar as mãos para aqueles que estão
lutando por liberdade econômica.
Você consegue imaginar o que essa liberdade significa? Moradias para
16
Hilotas eram as pessoas submetidas à escravidão na cidade de Esparta, na Grécia
Antiga.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 33
o produtor sem teto de hoje e apenas aqueles que produzem as terão e não
mais os muitos trabalhadores alimentarão os poucos ociosos, que se banham
em luxos e conforto.
Quanto aos massacres locais, periódicos e odiosos aos quais vocês estão
sempre sujeitos, esses vocês precisam se vingar do seu próprio jeito. Vocês
estão surdos, mudos e cegos às atrocidades as quais vocês estão sujeitos?
As feridas escancaradas dos seus companheiros mortos se tornaram tão co-
muns que elas não mais os comovem? Os seus corações são feitos de pedra
ou suas palpitações são de covardes que vocês se esgueiram para suas mi-
seráveis moradias e não oferecem resistência? Vocês precisam de algo que
te impulsione a agir? Então olhe nos olhos manchados de lágrimas da sua
triste esposa e crianças famintas ou pense no seu filho, que foi mandado
acorrentado ao trabalho ou talvez tenha sido assassinado na sua porta. Vo-
cês precisam de mais realidades horripilantes do que essas para lhes incitar
à ação de vingança que façam ao menos seus opressores lhes temerem? E
esse é o começo do respeito! Vocês me perguntam o que eu faria se eu fosse
como vocês, pobres, desarmados e sem defesa? Vocês definitivamente não
estão desprotegidos.
Que a tocha do incendiário, a qual tem sido conhecida por apontar
assassinos e tiranos a perigosa linha além da qual eles não se aventurarão
com impunidade, não possa ser tirada de você.
A Assembleia
de Haymarket:
Uma descrição gráfica do ataque
nos domínios da ciência com resultados tão terríveis? A causa pode ser
apresentada em uma carta futura, mas os resultados podem ser apresentados
aqui.
Os asseclas da classe opressora estavam marchando em direção a uma
das reuniões mais pacíficas já realizadas neste país por qualquer classe de
pessoas para discutir questões relativas a seus próprios interesses e ordena-
ram que eles “se dispersassem”. O indivíduo que deu essa ordem foi apoiado
por cerca de 300 policiais armados e empunhando cassetetes, que a imprensa
capitalista descreveu como tendo “agarrado seus porretes com mais força ao
avistar os anarquistas reunidos”.
Bem, quando os lacaios saíram da estação, que ficava a meio quarteirão
de distância da reunião, eles vieram como uma nuvem baixa para apagar a
luz do sol da liberdade de expressão em solo estadunidense. Varrendo de
meio-fio em meio-fio (uma nova tática militar que eles vinham praticando
há algum tempo, especialmente para os anarquistas), e pisando com pre-
cisão militar e em fileiras ininterruptas, cada um “segurando firmemente
seu porrete”, obrigaram as pessoas pacificamente reunidas ali a recuar para
a calçada. Quando as três primeiras colunas passaram pelo estande dos
oradores, foi decretada uma parada. O indivíduo mencionado ordenou que
essas pessoas pacíficas “se dispersassem”. A resposta foi dada em tom de
trovão, que sacudiu os grandes e maciços prédios ao redor. Uma grande
faixa havia sido cortada nas fileiras da polícia. Mas antes que seus gemidos,
misturados com os ecos da grande explosão, pudessem se elevar, por assim
dizer, do local onde se originaram, houve uma fuzilaria de tiros de pistola.
A bomba havia sido lançada com um efeito tão repentino e mortal que de-
sorganizou e desmoralizou completamente a polícia, e ela se tornou uma
presa fácil para um inimigo atacar e aniquilar completamente, caso hou-
vesse qualquer conspiração ou entendimento forjado, como foi alardeado e
gritado pela imprensa capitalista.
Acredito que tenha sido a batalha mais curta, mais aguda e mais deci-
siva de que se tem registro. Em menos de três minutos, ocorreu a explosão
mais horrível já conhecida desse tipo, mais de duzentos tiros foram dispa-
rados e mais de cinquenta policiais jaziam contorcidos em seu sangue no
chão. As 3.000 ou mais pessoas que haviam se reunido no local menos de
uma hora antes - onde estavam? Pois agora não se ouvia nem se via nada
além de policiais contorcidos e gemendo e cidadãos cujos nomes nunca fo-
ram conhecidos, e o ir e vir da patrulha, cada uma carregada de vítimas e
transportando-as para hospitais.
Desde aquela data, foi inaugurado um reinado de terror que envergonha-
ria o mais zeloso cão de caça russo. Os bandidos organizados e os bandidos
Lucy Parsons 36
para que os capitalistas, que controlam a terra que deveria ser livre para
todos, possam aumentar ainda mais seus milhões! Ah, há muitas razões
para a existência de anarquistas.
Mas em Chicago eles não acham que os anarquistas tenham o direito
de existir. Eles querem enforcá-los lá, legal ou ilegalmente. Vocês já ouvi-
ram falar de um certo encontro em Haymarket. Vocês ouviram falar de uma
bomba. Vocês ouviram falar de prisões e de prisões sucessivas efetuadas por
detetives. Esses detetives! Há um grupo de homens, ou melhor, de animais
para vocês! Os detetives da Pinkerton27 ! Eles fariam qualquer coisa. Tenho
certeza de que os capitalistas queriam que um homem jogasse aquela bomba
no encontro de Haymarket e que os anarquistas fossem culpados por isso.
A Pinkerton poderia ter conseguido isso para ele. Você já ouviu falar muito
sobre bombas. Ouviram dizer que os anarquistas falavam muito sobre dina-
mite. Disseram a você que Lingg fabricou bombas. Ele não violou nenhuma
lei. As bombas de dinamite podem matar, podem assassinar, assim como
as pistolas Gatling. Suponha que essa bomba tenha sido lançada por um
anarquista. A constituição diz que há certos direitos inalienáveis, entre os
quais estão a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e a liberdade
de reunião. A Constituição concede aos cidadãos deste grande país o direito
de repelir a invasão ilegal desses direitos. A reunião na praça Haymarket
foi uma reunião pacífica. Suponhamos que, quando um anarquista visse a
polícia chegar ao local, com um olhar assassino, determinada a interrom-
per aquela reunião, suponhamos que ele tivesse jogado aquela bomba; ele
não teria violado nenhuma lei. Esse será o veredicto de seus filhos. Se eu
estivesse lá, se tivesse visto aqueles policiais assassinos se aproximarem, se
tivesse ouvido aquela ordem insolente de dispersão, se tivesse ouvido Fielden
dizer: ’Capitão, esta é uma reunião pacífica’, se tivesse visto as liberdades
de meus compatriotas serem pisoteadas, eu mesmo teria jogado a bomba.
Eu não teria violado nenhuma lei, mas teria defendido a constituição.
Se os anarquistas tivessem planejado destruir a cidade de Chicago e mas-
sacrar a polícia, por que eles tinham apenas duas ou três bombas em mãos?
Não era essa a intenção deles. Era uma reunião pacífica. Carter Harrison,
o prefeito de Chicago, estava lá. Ele disse que foi uma reunião tranquila.
Ele disse a Bonfield [capitão John Bonfield, comandante da Delegacia de
Polícia de Desplaines] para enviar a polícia para suas diferentes áreas. Não
estou aqui para me vangloriar do assassinato desses policiais. Desprezo o
assassinato. Mas quando uma bala do revólver de um policial mata, é tão
assassinato quanto quando a morte resulta de uma bomba.
27
A agência Pinkerton é uma empresa de segurança privada e investigação e que tinha
um longo histórico de infiltração nos movimentos trabalhistas.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 45
para mostrar que havia milhares de pessoas que não podiam desfrutar de
uma refeição de 2 centavos.
Mas a bandeira vermelha, a horrível bandeira vermelha, o que isso sig-
nifica? Não que as ruas devam estar cheias de sangue, mas que o mesmo
sangue vermelho corre nas veias de toda a raça humana. Significava a ir-
mandade do homem. Quando a bandeira vermelha flutuar sobre o mundo,
os ociosos serão chamados ao trabalho. Haverá o fim da prostituição para
as mulheres, da escravidão para o homem, da fome para as crianças.
A liberdade foi batizada de anarquia. Se esse veredicto for cumprido,
será a sentença de morte da liberdade dos Estados Unidos. Você e seus
filhos serão escravos. Você terá liberdade se puder pagar por ela. Se esse
veredicto for cumprido, coloque a bandeira de nosso país a meio mastro e
escreva em cada dobra “vergonha”. Que nossa bandeira seja arrastada na
poeira. Que os filhos dos trabalhadores coloquem louros na testa desses
heróis modernos, pois eles não cometeram nenhum crime. Quebrem os
grilhões. Pão é liberdade e liberdade é pão.
Prisão
em Columbus, Ohio 28
“Aqui, pegue isso!” Isso foi testemunhado por pelo menos cinquenta
pessoas no corredor, e nenhuma delas pode dizer com sinceridade que eu
estava usando uma linguagem imprópria para uma dama. Nesse momento,
a rapidez do ataque e o término da minha entrevista com o prefeito foram
tão diferentes do que eu esperava, que acho que fiquei mais atordoada do
que qualquer outra coisa. Mas o que me lembro de ter dito àqueles dois
brutamontes - que haviam arrancado meu xale dos ombros e o jogado na
Sra. Lyndall, como dito acima, para que pudessem segurar melhor meus
braços como em uma morsa e enquanto me arrastavam escada abaixo - foi
o seguinte “Seus canalhas! São necessários dois de vocês para carregar uma
mulherzinha?”
A essa altura, eu já havia sido apressada escada abaixo e a acusação
de “conduta desordeira” colocada ao lado do meu nome. E o leitor pode
imaginar que isso ocorreu em dez vezes menos tempo do que o necessário
para contar a história. De fato, tudo terminou em três minutos.
O local em que fui colocada durante as primeiras quatro horas de minha
prisão, pelo que sei pelos jornais de Columbus, é conhecido como “rancho”.
Vou descrever o “rancho”. Esse “rancho” consiste em uma passagem longa e
estreita (com cerca de um metro de largura e seis metros de comprimento)
na qual se abrem pesadas portas de ferro, que dão acesso a celas pequenas,
escuras, imundas, malcheirosas e semelhantes a masmorras; na verdade, são
masmorras. Bem, quando fui empurrada para dentro da passagem estreita
descrita acima e o ferrolho de ferro se encaixou em seu lugar, indicando que
eu estava enterrada do mundo por enquanto, as imagens que vi e o que passei
nas vinte e uma horas seguintes jamais poderão ser apagados de minha
memória, mesmo que eu pudesse viver mil anos. Vi uma mulher jovem
deitada sobre uma colcha indescritivelmente imunda, com uma expressão
facial não muito ruim. Em seguida, sentadas no chão de pedra dura e
imunda, havia outras quatro mulheres; não havia cadeira ou qualquer outra
coisa para se sentar. Em pé, perto da janela gradeada, havia outra jovem de
boa aparência, eu diria que tinha cerca de vinte anos. Assim que a porta se
fechou, todas elas começaram a me fazer perguntas que eram as seguintes:
“Por que você foi presa?”
“Conduta desordeira”, respondi.
“Essa é sua primeira vez?”
“Sim”, respondi.
“Oh, bem, então não será muito difícil para você, se for a primeira vez.”
“Quão difícil você acha que será para mim?” perguntei.
“Ah, se for a primeira vez, US$ 5 e os custos e se você puder mostrar
que nunca entrou antes, não será tanto assim.”
Lucy Parsons 52
“Bem, você acha que eu posso sair sob fiança hoje à noite?” perguntei.
“Sim, se você tiver cerca de US$ 10 para pagar e se não tiver essa quantia,
vejo que tem um relógio. Coloque-o no bolso. Mas não deixe que as pessoas
daqui saibam que você tem muito dinheiro. Se o fizer, eles a deixarão de
molho”.
A conversa prosseguiu nessa linha por algum tempo, até que obtive
todas as informações que desejava; então, encerrei-a perguntando-lhes o
que tinham para comer e quando o tinham. A resposta foi:
“Pão, água e sal no café da manhã, nada no jantar, e pão, água e sal na
ceia.”
“E isso é tudo o que vocês têm?”
“Sim”, responderam.
“E isso é o que vocês têm, e vocês foram colocadas aqui para serem
punidas. Vocês estarão melhores quando saírem?”
Todos responderam em coro: “Ha! Estamos muito pior. Só piora a
situação de uma garota quem a trata como nós somos tratadas”.
Comecei então a dar uma olhada nas pequenas masmorras imundas e
escuras e estava prestes a entrar em uma delas quando elas gritaram:
“Não entre aí! Você vai ficar cheia de percevejos”.
“Bem, onde você dorme?” perguntei.
“Aqui fora, no chão”, responderam.
“O quê, nesse chão duro de pedra? Onde estão suas roupas de cama?”
“Não temos nenhuma”, foi a resposta.
“O quê, vocês dormem sem nada?”
Algumas delas começaram a desejar que o homem voltasse com o pão e
o sal, pois estavam ficando com fome. Enquanto conversava com algumas,
notei que outros estavam indo até a porta e falando por um pequeno buraco
não muito maior do que uma moeda, usando a linguagem mais vil que já
ouvi sair dos lábios de seres humanos. Nesse momento, um homem foi até
a porta, abriu-a e perguntou se estávamos com fome. Perguntei às meninas
se elas gostariam de um sanduíche. Elas me agradeceram e eu mandei pedir
sete - o número presente - seis além de mim.
Depois disso, um guarda foi até a porta e eu lhe perguntei se não havia
uma maneira de eu sair, pois não queria ficar naquele lugar a noite toda. Ele
disse que achava que sim. Perguntei-lhe quanto seria necessário. Ele disse
que normalmente eram necessários US$ 10 e que se eu tivesse essa quantia
e a deixasse com o funcionário da recepção, ele achava que eu poderia sair.
Eu lhe disse que não tinha apenas US$ 10, mas também um relógio de US$
50, e que fosse dizer aos responsáveis que eu deixaria os dois. Nunca mais
o vi depois disso.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 53
Eu já estava nesse esconderijo (que precisa ser visto para ser apreciado)
há cerca de três horas. Durante todo esse tempo, parecia que todos os
homens vis, baixos e desprezíveis de Columbus haviam sido admitidos e es-
piaram e conversaram com as criaturas daquele antro - inclusive os soldados
do quartel - e é preciso ouvir a linguagem que usavam para acreditar. Por
volta das 10 horas da noite, um guarda veio até a porta e ordenou que eu
pegasse minhas coisas e o seguisse.
Minhas “coisas” consistiam em meu xale, que havia sido roubado de
mim à tarde e que a Sra. Lyndall havia me devolvido a meu pedido. Fui
conduzida a uma cela estreita, ou melhor, calabouço, com cerca de um
metro e meio de comprimento e um metro e meio de largura. Nesse buraco
insuportavelmente quente, fiquei trancada até as 4 horas do dia seguinte,
sem nada para dormir, exceto algumas ripas de carvalho que estavam presas
por parafusos de ferro e suspensas por correntes de ferro. A Sra. Lyndall,
quando ligou na manhã seguinte, perguntou ao guarda por que eu não tinha
permissão para sair pela passagem, fazer exercícios e tomar ar fresco. A
resposta foi que havia sido dada uma ordem para que eu ficasse trancada.
Nenhum de meus amigos teve permissão para me ver durante todo o tempo
em que estive presa, embora uns trinta ou quarenta tenham telefonado -
nenhum, exceto a Sra. Lyndall, que tinha permissão para trazer minhas
refeições. No entanto, todos os detetives desocupados e vagabundos da
cidade, todos os brutamontes homens de má reputação que quisessem vir e
se encostar na grade de ferro da pequena caixa de suor escura e quente em
que eu estava trancada podiam fazê-lo.
Sempre que um bando desses aparecia - bandos em número nunca in-
ferior a três ou até dez - na porta que dava para a passagem que continha
a masmorra na qual eu estava confinada, aquele grande ferrolho da outra
porta voava para trás e eles entravam e me encaravam como se eu fosse um
animal selvagem pertencente a um zoológico. E riam de mim e pergunta-
vam “se eu estava gostando”; como estava minha “saúde”. Isso não aconteceu
uma, duas ou três vezes, mas houve uma multidão contínua durante todo o
tempo em que estive lá.
No dia seguinte àquele em que fui encarcerada, fui levada ao tribunal e
lá encontrei, no mesmo indivíduo, o reclamante, o advogado de acusação,
a testemunha principal - todos ocupando o banco dos réus para me fazer
justiça “imparcial”. Essa pessoa era nada menos que o prefeito Walcott, de
Columbus, e o tipo de “justiça” que recebi dele foi a ordem de me mandar
para a cadeia sem audiência, sob fiança de US$ 300, sendo a acusação
simplesmente de “conduta desordeira”, que era uma acusação forjada para
me colocar atrás das grades e, assim, impedir a possibilidade de eu falar
Lucy Parsons 54
Não há quadro tão sombrio que não tenha seu lado luminoso - não há
vida tão triste que não tenha em algum momento um raio de esperança
atravessando seu caminho sem alegria. Não há movimento tão abominável
(?) que não tenha seu lado divertido para aqueles que dele participam. Mas
quem pode supor, por um momento sequer, que o terrível, horrível movi-
mento anarquista dos anarquistas “bebedores de sangue” possa ter algum
lado divertido? Como esses “demônios” poderiam sorrir? Pois depois de ler
insinuações do púlpito, afirmações da imprensa e “críticas” de críticos pro-
fissionais, para o leitor comum, uma sociedade anarquista declarada deve
ser composta de seres que se assemelham um pouco à família humana, que
realizam orgias, que eles designam como reuniões, tendo sido obrigados a
entrar em contato com a raça humana o suficiente (apenas o suficiente) para
aprender algumas palavras de seu idioma.
Os locais escolhidos para a realização dessas reuniões (orgias) por esses
“demônios anarquistas” estão de acordo com todo o resto de suas diabruras,
pois eles invariavelmente escolhem apenas lugares escuros, úmidos e repug-
nantes, onde não é permitida a penetração de nenhuma luz, seja do sol ou
da inteligência. E, nesses horários e locais determinados, esses “histéricos
do movimento trabalhista” (pois esses “demônios” se iludiram acreditando
que têm algo em comum com o movimento trabalhista) escrevem seus man-
datos diabólicos sobre mesas sujas cobertas de capitalistas massacrados por
bombas, pois esses “demônios” aprimoraram o método capitalista de ma-
tar essas vítimas de fome e, em seguida, tirar suas peles para fazer belos
chinelos para suas filhas etc.
E enquanto esses “conspiradores imundos”, cada um por sua vez, enfiam
uma mão sarnenta embaixo da mesa e tiram de lá o crânio de um bebê
capitalista, cada um levanta lentamente os olhos injetados de sangue, enche
o crânio com cerveja azeda e bate no mesmo com a cerveja azeda de outro
29
Título original: We Are All Anarchists. Texto publicado originalmente no periódico
The Advance and Labor Leaf em 12 de março de 1887. Este texto foi reproduzido em
livros sob o título What Anarchy Means ou O que significa anarquia. Traduzido por
Escurecendo o Anarquismo.
Lucy Parsons 56
Será que esse cavalheiro reverendo joga isso ao vento como um favor aos
capitalistas? Sim, “baluartes”, “anarquismo de mão vermelha” etc. Bem,
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 57
W. C. Marshall.
O que foram aqueles ruídos que foram ouvidos nas siderúrgicas da Pen-
silvânia e nas minas de Idaho nas últimas semanas? São os estrondos da
Revolução Social que se aproxima e que inundará o mundo antes do fim do
século atual.
O que é o mundo hoje senão uma vasta enfermaria de hospital? O
ar está repleto de gemidos e lamentações e todas as formas de sofrimento
podem ser vistas se contorcendo e se revirando em leitos de pobreza. Que
espetáculo em um mundo de abundância!
Percorra o mundo e pergunte a cada país que encontrar: “A paz, a
abundância e a felicidade habitam aqui?” e a resposta será a mesma em
todos eles: “Passe adiante; o que você procura não está aqui”.
Faça uma pausa e ouça as fronteiras de cada um deles, e a brisa soprará
em seus ouvidos os mesmos ecos confusos de contendas, tumultos, revoltas
e opressão.
Quanto tempo essa situação pode durar?
Por quanto tempo mais a escola terá de ser roubada para que a fábrica
dos ladrões possa ser recheada com as belas rosas que florescem nas lareiras
da pobreza e murcham nesses infernos?
Por quanto tempo mais nossos filhos terão de ser transformados em va-
dios e criminosos e nossas filhas em prostitutas para que uns poucos possam
se divertir no luxo?
Por quanto tempo mais será permitido que uns poucos se sentem em
lugares elevados e respondam às reclamações do povo com frases curtas
e concisas como esta: “Nós possuímos todos os direitos; vocês, todos os
deveres; cumpram-nos ou faremos com que sejam espancados por nossa
polícia, enforcados por nossos xerifes e fuzilados por nossa milícia”.
Será que eles abrirão mão de seus “direitos” pacificamente? Nunca! E
37
Título original: Rumblings of the Coming Storm. Artigo publicado originalmente no
periódico Freedom em agosto de 1892. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 67
aqueles que respondem que o farão são ignorantes e idiotas e leram a história
à toa.
O “fura-greve”
Um resultado de condições38
40
Título original: Cause of Sex Slavery. Artigo publicado originalmente no periódico
Firebrand em 27 de janeiro de 1895. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Objeções à variedade 41
44
Pessoas apoiadoras do varietism, que defendia que as pessoas mantivessem múltiplos
parceiros sexuais ao mesmo tempo.
Discursos no congresso
fundacional da Industrial
Workers of the World 45
47
August Bebel foi um socialista alemão. Seus escritos sobre a libertação das mulheres
da opressão dos homens foram pioneiros e usados para atrair mais mulheres para o
socialismo. O livro citado por Parsons é de 1885.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 75
uma jovem tão cheia de vida, ânimo e esperança. É da juventude que vem
a esperança; é da idade que vem a reflexão. Acompanhei convenções desde
essa época até hoje, de uma e outra forma, participei delas. Estive presente
em algumas em que nosso companheiro Debs48 participou. Estive na que
ele organizou nesta cidade há cerca de oito ou dez anos. Agora, o que eu
quero dizer é que estas convenções estão cheias de entusiasmo. E é verdade;
às vezes devemos misturar sentimento com sobriedade; faz parte da vida.
Mas quando se sai deste salão, quando se deixa de lado o entusiasmo,
então vem o trabalho duro. Estão saindo daqui convencidos de que a classe
que chamamos de socialista revolucionária - essa classe - está organizada
para encontrar o capital organizado com milhões sob seu comando? Esta
classe tem muitas armas para nos combater. Primeiro, ela tem dinheiro.
Depois, ela tem ferramentas legislativas. Depois, tem arsenais; e por último,
tem a forca. Nós nos chamamos revolucionários. Vocês sabem o que os
capitalistas querem fazer com vocês revolucionários? Eu simplesmente lanço
estas orientações para que vocês, jovens, possam refletir e saber o que têm
que enfrentar inicialmente, e então isso lhes dará força. Não estou aqui para
causar nenhum desânimo, mas simplesmente para encorajá-los a continuar
em seu grande trabalho.
Agora, esta é a base sólida sobre a qual espero que esta organização
seja construída; que ela possa ser construída não como uma casa sobre a
areia, que quando as ondas da adversidade vierem, ela acabe no oceano do
esquecimento; mas que ela seja construída sobre uma base forte, sólida, e
firme; uma fundação feita dos corações e aspirações dos homens e mulheres
deste século XX, que colocaram suas mentes, suas mãos, seus corações e
suas cabeças contra o passado e toda a sua miserável pobreza, com seus
escravos assalariados, com seus filhos transformados em dividendos, com
seus mineiros debaixo da terra sem jamais ver a luz do sol, e com suas mu-
lheres vendendo a sagrada condição de mulher por meio-expediente. Espero
que compreendamos que esta organização colocou sua face contra essa ini-
quidade, e que colocou seus olhos na estrela ascendente da liberdade, que
significa fraternidade, solidariedade, a irmandade universal do homem. Em-
bora a política tenha sido mencionada aqui - não sou daquelas que, porque
um homem ou mulher discorda de mim, não posso fazer nada com eles -
estou feliz e orgulhosa de poder dizer que tenho a mente aberta demais para
dizer que eles são faquires ou tolos, ou uma fraude porque pensam diferente
de mim.
48
Eugene Debs foi um sindicalista estadunidense e um dos membros fundadores da IWW.
Ele também concorreu por cinco vezes à presidência dos EUA pelo Partido Socialista
dos Estados Unidos (Socialist Party of America).
Lucy Parsons 76
Minha visão pode ser estreita e a deles pode ser ampla; mas eu digo
àqueles que têm intimidado a política aqui como sendo necessária ou parte
desta organização, que eu não lhes imputo desonestidade ou motivos im-
puros. Mas como entendo o chamado para esta convenção, a política não
tinha lugar aqui; era simplesmente para ser uma organização econômica,
e espero para o bem desta organização que quando sairmos desta sala, e
nossos companheiros forem alguns para o oeste, para o leste, alguns para
o norte e outros para o sul, enquanto alguns permanecerem em Chicago,
e todos espalharem esta luz sobre esta ampla terra e levarem a mensagem
do que esta convenção fez, que não haverá lugar para a política de forma
alguma.
Pode haver espaço para a política; não tenho nada a dizer sobre isso;
mas é uma questão de pão e manteiga, uma questão econômica, sobre a
qual a luta deve ser feita. Agora, o que queremos dizer quando dizemos
“socialista revolucionário”? Queremos dizer que a terra deve pertencer aos
sem-terra, as ferra- mentas para os trabalhadores, e os produtos para os
produtores. Agora, vamos analisar isso por um momento, antes que vocês
me aplaudam. Primeiro, a terra pertence aos sem-terra. Existe um único
proprietário de terra neste país que possui terras pelos direitos constituci-
onais dados pela Constituição dos Estados Unidos que lhe permitirá votar
contra ele? Não sou tão tola a ponto de acreditar nisso. Nós dizemos: “As
ferramentas pertencem ao trabalhador”. Elas são de propriedade da classe
capitalista. Você acredita que eles lhe permitirão entrar nos corredores da
legislatura e simplesmente dizer: “Seja decretado que a partir de um certo
dia o capitalista não será mais dono das ferramentas e das fábricas e dos
lugares da indústria, dos navios que lavram o oceano e nossos lagos”?
Você acredita que eles se submeterão? Eu não acredito. Nós dizemos:
“todo o produto pertence aos produtores”. Ele pertence à classe capitalista
como sua propriedade legal. Você acha que eles permitirão que você os
retire votando em uma lei e dizendo: “Seja promulgado que em e após
um certo dia o Sr. Capitalista será expropriado”? Você pode, mas eu
não acredito nisso. Por isso, quando você colocar debaixo da sua língua a
expressão de que vocês são revolucionários, lembre-se do significado dessa
palavra. Significa uma revolução que deve conduzir todas essas coisas para
onde elas pertencem - para os produtores da riqueza. Agora, como é que
os produtores de riqueza vão se apropriar deles? Eu acredito que se todo
homem e toda mulher que trabalha nas minas, nos moinhos, nas oficinas,
nos campos, nas fábricas e nas fazendas do nosso grande Estados Unidos
devem decidir em suas mentes que terão o que lhes pertence por direito, e
que nenhum ocioso viverá de seu trabalho, e quando sua nova organização,
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 77
grande e magnífico Lincoln foi enterrado, no Estado que deveria ser o mais
progressista da união, cinco homens dormem o sono eterno em Waldheim49
sob um monumento que foi levantado lá porque ousaram levantar a voz pela
humanidade. Digo a qualquer um de vocês que está aqui e pode fazê-lo, vale
a pena ir lá fora e se inspirar nos túmulos dos primeiros mártires que caíram
na grande luta industrial pela liberdade em solo estadunidense. Digo-lhes
que mesmo ao som da minha voz, a apenas dois curtos quarteirões de onde
nos encontramos hoje, foi erguido o cadafalso sobre o qual aqueles cinco
homens pagaram a pena por ousarem levantar a voz contra as iniquidades
da época em que vivemos. Estamos aqui reunidos com o mesmo propósito.
E algum de vocês, homens mais velhos, se lembra dos telegramas que foram
enviados de Chicago enquanto nossos companheiros ainda não tinham sido
mortos na cruel forca? “A anarquia está morta, e estes canalhas foram
postos fora do caminho”. Oh, amigos, lamento até mesmo ter que usar essa
palavra, “anarquia” agora mesmo em sua presença, o que não estava em
minha mente no início.
Portanto, se algum de vocês quiser ir lá fora e olhar para este monumento
que foi levantado por aqueles que acreditaram na inocência e sinceridade de
seus companheiros, eu lhes pedirei, quando tiverem saído e olhado para o
monumento, que vão para a parte de trás do monumento e lá encontrarão
as palavras de um homem, ele próprio o mais puro e o mais nobre homem
que já se sentou na cadeira governamental do Estado de Illinois, John P.
Altgeld50 . Nesse monumento você lerá a cláusula de sua mensagem na qual
ele perdoou os homens que se encontravam então na prisão em Joliet.
Não tenho mais nada a dizer. Peço que leiam as palavras de Altgeld, que
naquela época era o governador, e que tinha sido advogado e juiz, e sabia
do que ele falava, e depois tirem seus livros de cópias e copiem as palavras
de Altgeld quando ele soltou aqueles que não tinham sido massacrados a
mando dos capitalistas, e depois os levem para casa e mudem de ideia sobre
o motivo pelo qual aqueles homens foram condenados à morte.
Agora, tomei seu tempo nisto porque simplesmente sinto que tenho o
direito, como esposa de um desses homens sacrificados, de dizer o que pu-
der para trazer luz sobre esta conspiração e mostrar a vocês como ela era.
Agora, agradeço-lhe pelo tempo de vocês, que gastei. Espero que nos en-
49
O monumento aos mártires de Chicago se encontra no Forest Home Cemetery (antigo
Waldheim Cemetery), em Forest Park, Illinois. No mesmo cemitério estão os restos
mortais de diversos nomes importantes da luta sindical e do anarquismo como da
própria Lucy Parsons, da Emma Goldman e da Voltairine de Cleyre.
50
Foi governador do estado de Illinois, onde fica a cidade de Chicago, nos anos após
a Revolta de Haymarket, de 1893 a 1897. Ele perdoou as penas de Michel Schwab,
Samuel Fielden e Oscar Neebe.
Lucy Parsons 80
51
Título original: Our Label: The IWW Label. Este texto foi publicado originalmente
no periódico The Liberator em 3 de setembro de 1905. O mesmo texto foi publicado
também na edição seguinte do jornal, datada de 10 de setembro de 1905. Traduzido
por Escurecendo o Anarquismo.
52
Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Gráfica, afiliado à American Federation of
Labor.
Saudação
Aos amigos da liberdade53
#1 - 3 de setembro de 1905
O que já foi concedido aos incontáveis milhões de trabalhadores da Terra
sem luta?
O Czar Nicolau descobriu que ele não é toda a Rússia. Será que ele
“permitirá que a voz do povo seja ouvida”?
Quantos inventores, pelo que você sabe, lucraram com suas invenções?
Mas quantos inventores ajudaram a enriquecer o capitalista?
54
Durante a publicação do jornal The Liberator, Lucy Parsons publicou uma coluna cha-
mada Every Day Reflections onde apareciam apenas frases ou reflexões curtas, quase
sempre sem conexão entre elas. Esta seção foi publicada em diversos números do jornal,
especialmente nos primeiros, porém em várias não foi assinada. Apesar de parecer ser
uma coluna fixa escrita sempre pela Lucy Parsons, não é possível ter certeza. Repro-
duzimos aqui, separada por edições do jornal e suas datas, algumas que apareceram
devidamente assinadas. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 85
“Por seus caminhos que são sombrios e por seus truques que são vãos,
os chineses pagãos são peculiares” 55
Nos “bons e velhos tempos”, quando as únicas informações que nós, un-
gidos de Deus, conseguíamos obter das terras pagãs vinham por meio dos
missionários, éramos levados, em nossa ingênua inocência, a acreditar que
a única utilidade que nós, bons cristãos, poderíamos ter para o “pagão in-
culto” era colocar seus pés no caminho estreito e apertado que leva ao céu
(nosso céu). Mas, vejam só! Nossos “capitães da indústria”, sempre atentos
aos negócios e às questões deste mundo, descobriram que os pagãos tinham
tanto as costas para cobrir quanto as almas para salvar, então aconteceu que
os produtos de má qualidade dos bons cristãos foram pressionados, justa-
mente forçados a esses pagãos. Mas o pagão deve se contentar, ele não deve
presumir por um momento sequer que é uma companhia desejável para os
cristãos se associarem. Mas aqui mesmo, todo o plano belamente organizado
de nossos capitalistas parece estar prestes a ter um fim ruim, de modo que
toda a máquina governamental em Washington - ainda por cima “Teddy” 56
- é colocada em movimento para salvar os piratas comerciais que, ao que
parece, não estão praticando o que pregam. Eles não estão depositando sua
“fé em Deus”, mas estão clamando vigorosamente ao governo para salvá-los!
É exatamente aqui que os truques dos chineses “pagãos” estão causando
estragos. O chinês raciocinou (se é que um “pagão” pode raciocinar) que,
se seu dinheiro é bom o suficiente para encher os bolsos dos cristãos, por
que ele deveria ser excluído do país deles? O chinês não conseguiu adotar
a religião dos cristãos. No entanto, ele encontrou sua arma, o boicote - um
instrumento muito poderoso e eficaz, de fato. Ele está respondendo à Lei de
Exclusão usando-a - daí o choro e o ranger de dentes no campo dos cristãos.
Mas o chinês é muito complacente. Ele formou uma espécie de sindicato,
que se recusa a permitir que os navios descarreguem suas cargas. O chinês
sabe que se deu bem em seu próprio país por incontáveis séculos. Contente
à sua maneira, ele nunca tentou converter ninguém à sua maneira de pensar;
se estranhos entrassem em seus portões por livre e espontânea vontade e se
interessassem em investigar sua religião e filosofia, tudo bem; se não, não
havia problema. O que o chinês desejava, acima de tudo, era ser deixado
em paz.
#2 - 10 de setembro de 1905
Todo governo é tirania.
55
Excerto do poema “The Heathen Chinee” do escritor estadunidense Bret Harte.
56
Referência a Theodore Roosevelt, presidente dos Estados Unidos à época.
Lucy Parsons 86
O governo das maiorias não pode tornar errados os direitos das minorias.
O único título justo para a terra é o título de uso; tal título eliminaria
imediatamente a hipoteca de todas as fazendas.
Preâmbulo da IWW
A classe trabalhadora e a classe empregadora não têm nada em comum.
Não pode haver paz enquanto houver fome e miséria entre os milhões de
trabalhadores e os poucos que compõem a classe empregadora, têm todas
as coisas boas da vida. Entre estas duas classes, uma luta deve continuar
até que todos os trabalhadores se unam no campo político, bem como no
campo industrial, e tomem e sustentem o que produzem por seu trabalho
através de uma organização econômica da classe trabalhadora sem filiação
a nenhum partido político. O rápido acúmulo de riqueza e a centralização
da gestão das indústrias em cada vez menos mãos tornam os sindicatos in-
capazes de lidar com o poder sempre crescente da classe trabalhadora, pois
os sindicatos fomentam um estado de coisas que permite que um conjunto
de trabalhadores seja colocado contra outro conjunto de trabalhadores da
mesma indústria, ajudando assim a derrotar uns aos outros nas guerras
salariais. Os sindicatos ajudam a classe empregadora a induzir os traba-
lhadores a acreditar que a classe trabalhadora tem interesses em comum
com seus empregadores. Estas tristes condições podem ser alteradas e os
interesses da classe trabalhadora defendidos somente por uma organização
formada de tal forma que todos os seus membros em qualquer indústria, ou
em todas as indústrias, se necessário, cessem o trabalho sempre que houver
uma greve ou um bloqueio em qualquer departamento da mesma, fazendo
de uma injúria para um, uma injúria para todos.
Mulher:
seu desenvolvimento
evolutivo 58
RESPOSTA
O movimento sindical nos Estados Unidos, assim como o país, é novo
em comparação com a Europa.
Os primeiros sindicatos organizados neste país surgiram por volta de
1825 e eram de natureza espasmódica. A verdadeira organização só começou
por volta de 1865. A razão para isso foi que, durante a Guerra Civil,
praticamente todos os jovens estavam engajados em guerras. No final da
guerra, quase um milhão de homens foram lançados de volta aos centros
industriais. O vapor havia se tornado um fator de produção da riqueza
mundial, e o sistema capitalista estava sendo lançado.
Até então, o empregador trabalhava na loja ao lado de seus operários;
ele os conhecia pessoalmente. Ele não considerava uma condescendência
de sua parte ser visto na rua com seus homens ou comer na mesma mesa
que eles. Um mecânico que fosse digno poderia pedir a mão de sua filha
em casamento e ser aceito. Depois de 1865, o movimento em prol das
organizações trabalhistas cresceu rapidamente e muitos sindicatos diferentes
foram organizados. O primeiro trabalho dos sindicatos foi uma tentativa
de reduzir as horas de trabalho diário de 16 para 10 horas por dia. Esse
movimento encontrou grande oposição da classe empregadora, que havia
se tornado bastante rica nessa época. Os homens chegaram a ser presos e
multados por ousarem pertencer a um sindicato, mas, graças a seus esforços
persistentes, os sindicatos conseguiram reduzir as horas de trabalho de 16
para 10 horas e, atualmente, muitos ofícios estão trabalhando apenas 8
horas por dia.
O primeiro grande órgão central, que tinha como objetivo colocar todos
os trabalhadores sob um único controle e reconhecer, até certo ponto, a
identidade de interesses de toda a classe produtora, foi a Knights of Labor,
organizada na Filadélfia, Pensilvânia, em 23 de dezembro de 1869. O lema
Lucy Parsons 94
mente. Não é preciso ser um inimigo para fazer essa afirmação; na verdade,
a autora é alguém simpática à organização trabalhista, mas fatos são fa-
tos. A American Federation of Labor está condenada: primeiro, por causa
de sua própria podridão inerente; e segundo, porque, assim como todas as
outras organizações de ofício, ela cresceu além da sua utilidade e deve dar
lugar ao próximo passo na evolução, que é a Industrial Union, que propõe
a organização de acordo com as linhas industriais, da mesma forma que o
capital é organizado.
Embora eu tenha certeza de que os dias da AFL estão contados, reco-
nheço e sou obrigada a dar crédito a essa organização pelo grande benefício
que ela proporcionou às classes trabalhadoras dos Estados Unidos.
Sobre as ruínas da AFL, está surgindo atualmente a Industrial Union,
que foi organizada em Chicago, em 8 de julho de 1905. Essa organização
industrial é organizada de acordo com as linhas da Evolução Industrial e,
portanto, está fadada ao sucesso.
O que quer que ouçamos de todos os lados estamos muito aptos a acre-
ditar, se requer algum esforço para acreditar, se é verdade ou não, especial-
mente se requer algum esforço para analisar. De todas as ilusões modernas,
o voto certamente foi a maior. No entanto, a maioria das pessoas acre-
dita nele. Em primeiro lugar, ele se baseia no princípio de que a maioria
deve liderar e a minoria deve seguir (não importa se existe vantagem para
a maioria se a minoria os siga ou não). Tomemos um corpo de legisladores,
absolutamente honestos, e vejamos o que eles podem fazer. A, B e C têm
cada um princípio distinto a cumprir, e não há nenhuma boa razão para que
cada um não deva cumprir seu princípio até certo ponto sem interferir com
os outros dois. A política intervém e diz: vamos decidir este assunto por
votação, pois isso é justo. Qual é o resultado? A e C finalmente chegam
a um acordo e se unem, desistindo de uma parte de suas ideias. A e C
são então a maioria e os princípios de B não são mais considerados, sendo
simplesmente excluídos. Esta é a lei da maioria.
Observe o resultado. Em vez de três princípios bem definidos que pode-
riam ter sido continuados, desenvolvidos e desfrutados, perdemos um com-
pletamente, e corrompemos os outros dois. Este é o resultado inevitável da
lei da maioria em um órgão legislativo que tenta fabricar regras para impor
às pessoas de grandes coletividades que têm todos os tipos de interesses con-
flitantes. É claro que é melhor haver uma lei da maioria se ela representar
os verdadeiros desejos de um grande número de pessoas do que ter uma lei
da minoria, o que é apenas no interesse de poucos, como é o caso hoje, onde
todas as leis são em geral a favor da classe capitalista. Mas o princípio de
governo é em si mesmo errado; nenhum homem tem o direito de governar
outro homem.
É óbvio, se um está invadindo os direitos de outro, ele deve ser contido.
63
Título original The Ballot Humbug. Texto publicado originalmente no periódico The
Liberator em 10 de setembro de 1905. Tradução retirada do livreto Mulheres, raça,
classe e sindicalismo revolucionário: textos escolhidos de Lucy Parsons, lançado em
dezembro de 2020 pela Editora Terra Sem Amos, e revisada por Escurecendo o Anar-
quismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 99
64
Título original: What Freedom Means. Texto publicado originalmente no periódico
The Liberator em 10 de setembro de 1905. Artigo datado em outras fontes de forma
equivocada de 8 de outubro de 1905. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Estadunidenses!
Despertem! 65
Não faz muitos anos que se aceitou o fato de que esta era uma república
de classe média. Por isso, ela estava imune a essas perturbações que, no pas-
sado, abalaram a tranquilidade das “classes melhores” da Europa. Se houver
alguma dessas pessoas atualmente abraçando essas ilusões, ficaríamos satis-
feitos em fazê-la ler os seguintes trechos, extraídos de uma entrevista com
James R. Keene, famoso em Wall Street. Ele diz:
Sim, acredito que devo dizer, agora que não há nenhuma agita-
ção política para distrair a atenção do público, que o presidente
da New York Life não foi o único contribuinte desse tipo. Os di-
retores de outras grandes companhias de seguro de vida, como
a Equitable e a Mutual, também contribuíram com os fundos
dos segurados para fins de campanha no ano passado. O que foi
provado no caso da New York Life, sem dúvida, seria provado
em outros casos. Se houvesse uma investigação de empresas
ferroviárias, manufatureiras e outras, seria descoberto que esses
diretores de seguros de vida não eram os únicos diretores de em-
presas que colocaram as mãos na tesouraria e retiraram dinheiro
pertencente a viúvas e órfãos para ajudar a garantir um triunfo
partidário.
Não é preciso dizer que seus atos eram ilegais e que seus propó-
sitos eram corruptos. Tais homens desejam o triunfo do partido
que melhor atenderá a seus interesses financeiros pessoais e con-
tinuarão - por contribuições passadas, presentes e futuras - a
proteger esses interesses por meio de legislação leniente e da
pretensão de executar a lei que será ternamente cega a todas as
suas ofensas. Esse partido que eles defendem na sala de reuniões
e para o qual contribuem com o dinheiro que detêm em fundos
e, ocasionalmente, com um pouco do seu próprio dinheiro. . . .
Os oficiais responsáveis por esses ataques aos cofres das corpo-
rações receberam sua recompensa na administração irrestrita de
corporações de seguro de vida; em ataques descarados ao público
por meio de fundos - condenados tanto pela lei comum quanto
pela lei estatutária; na recusa em punir criminalmente os oficiais
de ferrovias e outras corporações que violam as leis e na permis-
são estatutária para que as corporações de manufatura cobrem
impostos do povo.
Não há esperança de controlar as agressões ilegais dos direto-
Lucy Parsons 104
Leitor, você leu atentamente o texto acima? Sim? Então lhe pergun-
tamos novamente: O que você vai fazer a respeito? Há quarenta anos, um
lamento veio do ensolarado sul de que 4 milhões de escravos pretos eram
mantidos em cativeiro. Os eloquentes Wendell Phillips, William Lloyd Gar-
rison e muitos outros retrataram o bloco de leilões, o lamento da infância
inocente, a angústia das mulheres que eram obrigadas a cumprir as ordens
de seus senhores. Não é tão ruim no Norte hoje em dia, é verdade, mas
quantos da classe assalariada, enquanto classe, podem evitar obedecer aos
comandos da classe dos patrões (empregadores), enquanto classe? Não são
muitos, não é mesmo?
Então vocês não são escravos do poder do dinheiro tanto quanto os escra-
vos pretos eram dos escravagistas do sul? Então perguntamos novamente:
O que você vai fazer a respeito? Na época, vocês tinham o direito de votar.
Poderiam ter votado contra a escravidão dos pretos? Vocês sabem que não
poderiam porque os proprietários de escravos não aceitariam tal coisa pela
mesma razão que vocês não podem votar para sair da escravidão assala-
riada. Os fundos não permitirão que vocês votem para tirá-los do poder
porque eles são o poder, como mostra a entrevista dada acima.
Tudo o que a classe dominante quer é apressar suas “mãos” sobre o com-
bustível da fábrica, extrair tudo o que há de força e vitalidade dele para
pagar os juros de seu estoque regado e, quando estiver praticamente exaus-
tos, entregá-los às ternas misericórdias de sua polícia, para serem “presas”
como vagabundos.
Esse é o destino que aguarda muitos da classe média e da classe as-
salariada. O que você vai fazer a respeito? Vão notificar esses ladrões e
assaltantes de estradas, que ocupam altos cargos de “honra” e “confiança”,
que, pelo eterno deus da justiça e pela masculinidade que há em vocês,
não permitirão, nesta terra de abundância, que seus filhos se tornem meros
mercenários e dependentes da doce vontade de seus filhos?
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 105
“Pelo que sei, houve uma cisão em suas fileiras, não vejo nenhum artigo
de Bernard, Fox ou Morton. Por favor, explique isso para nós.”
É com a maior relutância que trazemos esse assunto sobre uma “cisão”
para as colunas do The Liberator, mas como estamos recebendo perguntas
de todo o país sobre a “cisão”, sentimo-nos compelidos a deixar de lado
nossa própria relutância e escrever uma declaração direta e franca sobre o
assunto.
Na primavera passada, quando Morton esteve nesta cidade, fiz uma pro-
posta em uma de suas reuniões para que tentássemos publicar um jornal
nesta cidade. Poucos dias depois, Fox e Morton foram à minha casa para
falar sobre o assunto. A partir disso, convocamos uma reunião de compa-
nheiros alguns dias depois e iniciamos o movimento para a publicação do
jornal. Várias reuniões foram convocadas, planos foram traçados e um co-
mitê foi nomeado para elaborar um apelo aos companheiros de todo o país
em relação ao jornal proposto etc. Eu fazia parte desse comitê.
As coisas andaram muito bem por um tempo. Conforme planejado,
realizamos vários piqueniques para ajudar a arrecadar dinheiro para o The
Liberator, que pretendíamos lançar em 1º de setembro.
Em meados de agosto, Fox veio à minha casa e disse que pretendia ir
para Home, Washington; que não gostava do clima daqui; que um homem
poderia ir para Washington agora, comprar terras e ser um homem rico em
vinte anos. Eu simplesmente ri do fato de ele ser rico.
Antes de Fox sair de minha casa, eu e outro camarada estávamos pre-
sentes, ele começou a desencorajar a ideia de tentar fazer com que o The
Liberator fosse lançado em Chicago; ele disse que houve tão pouca resposta
ao apelo que fizemos que não valia a pena continuar com o projeto, e que era
melhor entregar o dinheiro que tínhamos em mãos para ele, para o Demons-
67
Título original: Our Statement Regarding Fox. Texto publicado originalmente no perió-
dico The Liberator em 8 de outubro de 1905. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 109
res não teriam sido obrigados a passar pela longa luta de pessoas demitidas,
multas, injunções etc. e, por fim, forçados a se render porque o choro das
suas crianças famintas foram demais para os seus corações viris suportarem.
Será a mesma velha cena de um membro do sindicato furando a greve de
outros membros do sindicato na próxima primavera, caso os trabalhadores
de minas façam greve.
Então será testemunhado o espetáculo dos outros membros da AFL
lidando com carvão produzido por fura-greves. Isso precisa continuar a ser
o assunto enquanto o trabalho foi divido por ofícios em vez de por classe.
The Liberator aconselha a todos os homens e mulheres trabalhadoras a
pesquisar os princípios e planos da organização Industrial Workers of the
World.
Se nossos arranjos sociais fossem ajustados de tal forma que cada pessoa
pudesse seguir o chamado na vida para o qual é, por natureza, adaptada, a
sociedade como um todo teria um grande ganho. As poucas pessoas que têm
a sorte de poder seguir a vocação que seu coração deseja fazem da vida um
sucesso. Florence Nightingale foi uma dessas poucas pessoas afortunadas,
que pôde se dedicar à ocupação para a qual estava mais bem adaptada.
Florence Nightingale era uma enfermeira nata. Nela era vista aquela rara
combinação de coração, cérebro e simpatia que faz a enfermeira ideal. É
quando uma pessoa está abatida pelos estragos da doença que ela pode
apreciar ao máximo o valor da bondade humana.
Muitas histórias encantadoras são contadas sobre a natureza solidária
de Florence, mesmo em sua infância: como ela procurava animais feridos
e cuidava deles com ternura e como ela enfaixava cientificamente suas bo-
necas e trabalhava seriamente nessa ocupação por horas a fio. Os pais de
Florence Nightingale eram de uma classe abastada. Mesmo assim, ela não
se contentou em sentar e viver uma vida de ociosidade e facilidade, como
muitos que pertencem a essa classe. No início de sua vida adulta, ela fez
um estágio de nove anos em diferentes hospitais. Esse curso de treinamento
a preparou amplamente para o árduo trabalho que teria de realizar entre os
feridos dos campos de batalha.
Durante a guerra da Crimeia, Wm. H. Russell escreveu várias cartas da
Crimeia para o London Times. Nessas cartas, ele demonstrou tão nitida-
mente que a condição insalubre do exército britânico estava matando mais
69
Título original: Famous Women of History: Florence Nightingale. Este texto foi pu-
blicado originalmente no periódico The Liberator em 22 de outubro de 1905. Durante
alguns números do jornal, Lucy Parsons usou esta coluna para homenagear mulheres
com destacado papel histórico. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Lucy Parsons 114
ela ficava de pé vinte horas por vez e, depois que os médicos se retiravam,
ela era vista fazendo suas rondas noturnas por quilômetros de pacientes em
sofrimento, protegendo com a mão a lâmpada que carregava, para que não
incomodasse os doentes, muitos dos quais, ao passar, beijavam sua sombra
nos travesseiros com entusiasmo apaixonado. Longfellow comemorou esse
incidente em seu primoroso “Santa Filomena” com tanta simpatia que ne-
nhum biógrafo de Florence Nightingale pode deixar de citá-lo:
Quantos são das incontáveis milhões de pessoas que entraram nesta vida,
passaram por suas cenas mutáveis e, por fim, descansaram, das quais se pode
realmente dizer: “Aqui descansam aquelas que trabalharam para a elevação
dos oprimidos, que dedicaram suas energias incansavelmente ao interesse
das ’pessoas comuns’ ?” Tememos que sejam poucas, de fato. Uma vida
dedicada aos interesses da classe trabalhadora; uma vida de autoabnegação,
uma vida cheia de amor, bondade, gentileza, tragédia, atividade, tristeza e
bondade são algumas das características que compuseram a vida variada de
nossa camarada, Louise Michel. Na mulher idosa, vestida com roupas pretas
simples, com cabelos grisalhos sobre os ombros arredondados e os olhos azuis
mais gentis que brilham no rosto fortemente marcado, ninguém, exceto
aqueles que a conheciam pessoalmente, teria reconhecido Louise Michel nos
últimos anos.
Ao ouvir sua voz calma e musical, com suas cadências levemente ascen-
dentes e descendentes, proferindo frases tão dignas e impressionantes quanto
71
Título original: Famous Women of History: Louise Michel. Este texto foi publicado
originalmente no periódico The Liberator em 29 de outubro de 1905. Durante alguns
números do jornal, Lucy Parsons usou esta coluna para homenagear mulheres com
destacado papel histórico. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 119
as falas de uma peça heroica, era preciso ter algum conhecimento pessoal
para imaginá-la chamando os companheiros nas ruas de Paris, há trinta e
três anos, para protestar e encorajando-os a permanecer de pé e defender
as barricadas das ruas em meio à saraivada de bombas e fogo.
Ainda mais incríveis devem ter parecido as cenas tempestuosas de sua
longa vida para aqueles que só a viram no pequeno lar que ela encontrou so-
mente há poucos anos em um subúrbio de Londres, alimentando ou acarici-
ando os inúmeros amigos de peles e penas abrigados por sua terna caridade,
muitos deles com cicatrizes de crueldades das quais ela tentou salvá-los.
Para si mesma, ela não pensava em privação e sofrimento, mas sentia cada
nervo e fibra de sua mente por toda a criação que gemia e sofria com a dor.
Quando menina, enquanto morava no antigo castelo perto de Troyes,
onde nasceu, ela notou e questionou o sofrimento dos animais que o ho-
mem havia submetido. Um de seus primeiros romances começa com uma
descrição gráfica dos sofrimentos de um cavalo desgastado que foi levado a
um lago para alimentar as sanguessugas criadas para os médicos de Paris.
Assim que conseguiu raciocinar, Louise Michel concebeu a ideia de que o
mundo só precisava ser ensinado a fazer melhor. Sua ambição era ajudar a
ensiná-lo, e ela se tornou professora. Ela estava lecionando quando os pro-
blemas da guerra franco-prussiana começaram; durante todos esses anos,
ela usou sua pena em questões políticas, modelando seus versos com base
nos poemas de Victor Hugo, e já havia conquistado alguma reputação entre
os partidos políticos avançados.
Quando foi proposta a rendição de Paris sem um golpe, ela se apresentou
para protestar contra essa desonra. Sua proposta de emancipar Paris de
um governo infame e traiçoeiro atraiu a atenção dos líderes revolucionários
durante todos os dias da Comuna72 .
Louise Michel compartilhou seus conselhos e deliberações. O momento
de maior orgulho de sua vida, sem dúvida, foi o dia em que ela vestiu o quépi
e a túnica da Guarda Nacional e, com o rifle no ombro, marchou contra as
tropas de Versalhes. Absolutamente destemida, sua presença, por si só,
teria sido suficiente para encorajar os adeptos da causa mais desesperada.
O fato de ela ter escapado da morte nessa luta pela liberdade foi ainda mais
maravilhoso, pois ela não fez nada para evitá-la. Ela organizou o comitê
central de mulheres e lutou nas fileiras com uma coragem ainda maior do
que a dos homens, sendo gravemente ferida na defesa do Forte Isay. Antes
que seu ferimento cicatrizasse, ela estava de volta ao seu posto. Foi presa e
72
A Comuna de Paris foi um governo revolucionário instaurado em Paris, na França,
de 18 de março a 28 de maio de 1871, pelos trabalhadores franceses como resposta à
rendição da França durante a Guerra Franco-Prussiana.
Lucy Parsons 120
A vida, a “maior dádiva dada aos mortais”. Ser, sentir as ondas inspi-
radoras e vibrantes da linda e abundante Mãe Natureza brincando a nossa
volta, através de nós; sentir a si mesmo uma parte de um grandioso e mag-
nífico todo, uma totalidade: quem poderia pedir algo mais? Ainda assim,
há milhares (um a cada dezoito horas, nosso pesquisador de casos de morte
nos informa) afora no Vasto Desconhecido porque não conseguem mais su-
portar as condições do que deveria ser um lugar agradável e duradouro para
o homem, mas por sua ganância, ele o tornou um verdadeiro inferno!
Patriotismo 75
O amor pelo lar, pelo local em torno do qual se aglomeram as mais ternas
reminiscências da juventude, onde os anos felizes da infância foram passados
e com o qual associamos lembranças sagradas de entes queridos, é um dos
mais doces sentimentos concebidos. Nós, anarquistas, lutamos pela exten-
são desse sentimento para o lar mais amplo, a associação daqueles que falam
uma língua comum, que têm interesses e desejos comuns e compartilham
as mesmas alegrias e tristezas, onde uma raça comum e uma humanidade
comum se misturam em um todo harmonioso: uma humanidade que terá
superado a superstição da necessidade de governos com suas classes privile-
giadas especiais, suas regras e regulamentos que dificultam a vida; mas, em
vez disso, uma sociedade em que cada indivíduo adulto será um soberano
para si mesmo. É nessa sociedade que podemos, de fato, esperar produzir
verdadeiros patriotas e semear as sementes do verdadeiro patriotismo em
cada coração. Então, a nação será apenas a extensão do princípio do lar e
será guardada com a mesma solicitude com que atualmente guardamos lares
felizes. Estamos certamente entrando nessa Nova Era. Uma nova literatura
está sendo escrita e complementada o tempo todo. A mente do público está
sendo treinada para novos canais de pensamento. Isso afeta a sociedade e
desenvolve uma nova consciência.
Pode existir um verdadeiro patriotismo em nossas condições atuais?
Não. Ele é apenas uma farsa, falso e artificial. A grande massa do povo
não tem um lar nem um país para amar ou defender. O lar deve ser um
local sagrado onde se agarram as lembranças mais ternas dos anos tenros
da infância, onde o cuidado vigilante do amor de uma mãe orientou os pés
cambaleantes do bebê querido e observou suas flores tenras crescerem e se
desenvolverem e, por vezes, regou-as com suas lágrimas.
Quando essas flores atingem a idade adulta, geralmente se espalham
pelo mundo. O lar deve ser tão bonito, tão agradável, tão idealista, que
a mente da criança possa sempre voltar a ele como um lugar sagrado de
75
Título original: Patriotism. Texto publicado originalmente no periódico The Liberator
em 14 de janeiro de 1906. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 125
sonhos agradáveis. Infelizmente, esse não é o caso agora, nem pode ser sob
nossos arranjos injustos da sociedade.
As crianças estão amadurecendo e seus anos de juventude estão associ-
ados à necessidade: onde o lar era um cortiço em que reinavam a discórdia
e a penúria, onde os primeiros anos estavam associados à vida na fábrica,
onde o sorriso do pai e o amor da mãe eram encobertos pelo sofrimento.
A precariedade, a ansiedade e a exaustão nervosa estavam presentes com
muita frequência. É verdade que há um certo egoísmo sórdido, uma fina
camada de sentimento doentio no que temos o prazer de chamar de lar e
país atualmente. “Minha pátria, esta é tua” se torna um “som de metais
e um címbalo tilintante”. Seus verdadeiros proprietários são um grupo de
executores de tarefas árduos, implacáveis e obstinados; não é a morada de
um povo livre e soberano.
De fato, ninguém pode ter um interesse profundo em algo do qual não
faz parte. Os mais estúpidos de todas as terras devem se dar conta de que
não possuem nenhuma parte do país em que vivem, que são sem-terra, em-
pregados dependentes, que existem meramente para o prazer e a satisfação
de outra classe. Algum dia as pessoas, as pessoas “comuns”, concluirão que
não é uma prova de patriotismo sair e lutar e morrer aos milhares nos cam-
pos de batalha e passar por todos os horrores da guerra por um país do
qual não têm parte. Não há base real para o verdadeiro patriotismo entre
as massas.
Anarquismo 76
ticas teriam sido “tensas”; “Teddy” estaria falando em alto e bom som sobre
os “direitos” dos cidadãos estadunidenses. Mas quão diferente tudo isso é
quando os direitos do cidadão estadunidense são impiedosamente deixados
de lado pelos czares de seu próprio país, se por acaso ele pertence à classe
trabalhadora!
Há tamanha semelhança entre a atual “grande conspiração da dinamite”
que está sendo encenada para a ação em Idaho e a conduzida pela classe
capitalista no “Julgamento dos Anarquistas” em Chicago há quase vinte
anos, que uma breve recapitulação não está fora de lugar.
No presente caso, como no primeiro, o bandido mentiroso de Pinker-
ton aparece com suas “evidências”. E então há outros detetives de graus
menos luminosos, para serem usados como supranumerários no preenchi-
mento das partes menos importantes da tragédia. No presente, como no
caso anterior, bombas de dinamite foram plantadas pelos “conspiradores” e
convenientemente encontradas pelos detetives, e também, como o caso an-
terior, a “conspiração” remonta a alguns anos atrás. Isso é feito para manter
o público na expectativa ofegante, como o palhaço no circo que anuncia em
tons de clarim as maravilhas que em breve serão trazidas à tona! O gover-
nador de Idaho, palhaço-chefe, há pouco começa a falar em voz alta sobre
“uma conspiração que vai chocar a civilização”.
Isto é decididamente aos modos de Bonfield, Schaack, Grinell etc. Povo
dos Estados Unidos – cidadãos, irmãos e irmãs, amantes da liberdade e da
justiça – vocês vão ficar de braços cruzados e ver esses homens assassinados
pela Mine Owners’ Association dos estados de Idaho e Colorado porque eles
os querem fora do caminho – porque eles são “personagens problemáticos”?
Se você não deseja ver o solo estadunidense novamente manchado com
o sangue de trabalhadores inocentes; se você não deseja ouvir novamente o
som da forca amaldiçoada enquanto ela estrangula suas vozes e os silencia
para sempre, então não percam tempo, levantem-se! Aja agora!
Que suas vozes sejam ouvidas em protesto do Atlântico ao Pacífico, de
Maine ao México. Sirva de aviso sobre a classe capitalista assassina de que
você não ficará de braços cruzados e verá seus irmãos feitos vítimas, porque
eles também o farão, e eles não se atreverão a fazê-lo!
Mostre por sua ação, sua força e sua determinação que as pessoas são
mais poderosas do que alguns conspiradores ricos.
Viagem pelo Leste 82
“O Escândalo de Colorado”
“Definindo o Anarquismo”
82
Título original: Trip East. Texto publicado originalmente no periódico The Liberator
em 4 de março de 1906. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
83
Parsons se refere à Comuna de Paris.
Cabeças doloridas 84
Uma palavra sobre este jornal: o The Liberator não foi publicado nas
últimas duas semanas. Durante esse período, recebemos muitas cartas com
perguntas ansiosas sobre o não aparecimento do jornal.
Algumas das cartas eram pessimistas, declarando ser impossível manter
vivo um jornal anarquista. Outras eram simplesmente críticas, que não
conseguiam entender por que não recebiam seu jornal regularmente, “quando
eu paguei minha assinatura de 50 centavos” etc., como se o The Liberator
tivesse uma renda estável e uma base financeira sólida. Nunca parece ocorrer
a esses companheiros que se cada assinante se interessasse em conseguir
alguns outros e enviasse os nomes e o dinheiro, o The Liberator poderia e
seria publicado regularmente. Que cada assinante se torne um agente do
jornal e veja como ele logo estará em uma boa base.
Para os mais pessimistas, gostaríamos de afirmar que o sucesso do jornal
tem sido satisfatório para todos os diretamente envolvidos com sua adminis-
tração. Quando consideramos que o jornal começou sem um único dólar na
tesouraria, que tivemos que passar o chapéu para conseguir dinheiro para
a primeira edição, para a seguinte, para a seguinte e para muitas edições
seguintes, e que essas coletas foram feitas junto a companheiros e simpati-
zantes, ainda assim o The Liberator está vivo há seis meses e não deve um
dólar sequer para as contas da gráfica. Além de nossa pobreza, enfrentamos
o antagonismo de muitos, mesmo antes de o jornal ser publicado. Um pe-
queno grupo de supostos anarquistas fez tudo o que estava ao seu alcance
para impedir a publicação do jornal, chegando ao ponto de escrever cartas
em todo o país aconselhando os companheiros a não enviarem dinheiro e pre-
vendo que apenas uma ou duas edições seriam lançadas e que essas seriam
apenas para mostrar trabalho. Essa mesma panelinha ainda está fazendo de
tudo em sua maneira desprezível para expor o The Liberator, mas a maioria
dos anarquistas de Chicago, temos o prazer de afirmar, são pessoas sensatas
e capazes de raciocinar, por isso estão entendendo que a única maneira de
84
Título original: Sore Heads. Texto publicado originalmente no The Liberator em 4 de
março de 1906. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Lucy Parsons 132
“A Comuna”
“Definindo o Anarquismo”
86
Título original: Trip East. Texto publicado originalmente no periódico The Liberator
em 11 de março de 1906. Parsons repetiu a propaganda, agora de forma reduzida,
que publicou na edição do jornal de 4 de março sobre a sua viagem a Nova Iorque.
Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
A Comuna de Paris 87
Sua revolta; sua batalha pela liberdade; sua derrota. Os terríveis massacres
que se seguiram. Ainda hoje seu espírito não está morto.
guerra que haviam caído nas mãos dos soldados da Comuna, até o dia 28
de maio, quando a Comuna foi derrotada.
Foi principalmente devido à devoção das mulheres da Comuna que a
Guarda Nacional francesa foi induzida a confraternizar com o povo. Desde o
dia 18 de março, quando a Comuna chegou ao poder com uma eleição esma-
gadoramente contrária aos termos de paz assinados pelos governos francês e
alemão, encerrando assim a guerra Franco-Prussiana, até o dia 28 de maio
seguinte, quando a última barricada foi derrubada, esse intervalo de tempo
foi repleto de atos de heroísmo, devoção e sacrifício raramente igualados na
história moderna.
No dia 20 de março, a Comuna foi formalmente declarada; daquele mo-
mento em diante, a dificuldade, a responsabilidade e o cuidado, a reconstru-
ção e a reorganização recaíram sobre os conselhos da Comuna. Eles tiveram
que se proteger sempre contra as tramas e contra-tramas do governo de
Thiers88 , que havia sido estabelecido em Versalhes, mas, finalmente, devido
à traição interna e aos traidores externos, juntamente com a conivência dos
oficiais do exército alemão com os franceses, a Comuna foi traída e os por-
tões de Paris foram abertos, furtivamente durante a noite, e os monstros
desumanos de Versalhes invadiram a cidade. Da última vez em diante, por
sete longos dias e noites, as terríveis cenas de carnificina continuaram inin-
terruptamente, até que os soldados pareceram, por pura exaustão, cessar a
carnificina.
Quando as últimas barricadas foram derrubadas e o último insurgente
armado foi caçado até a morte no Cemitério de Pere la Chaise, o sol da
manhã seguinte nasceu nas ruas da cidade repletas de mortos. Em Sortory,
vinte mil seres humanos estavam encurralados como animais selvagens das
florestas, homens, mulheres com seus bebês chorosos nos braços, criancinhas
que se agarravam às saias de suas mães aterrorizadas e estavam encurrala-
das e expostas onde o canhão lançava seu terrível fogo de uvas e balas na
carne trêmula dessa massa indefesa, desarmada e indefesa de humanidade!
Nenhum deles permaneceu vivo! As barracas, as mesmas que foram monta-
das na “sangrenta Sortory”, foram montadas em diferentes partes da cidade
e as mesmas cenas foram encenadas e reencenadas. Pelotões de homens,
mulheres e crianças foram forçados a marchar de cabeça descoberta pelas
ruas, sob os raios escaldantes do sol, acorrentados com pesadas correntes,
sob a guarda de brutos militares que, caso os prisioneiros demonstrassem o
mínimo de cansaço, atiravam e esfaqueavam. As mulheres eram violentadas
e os bebês que ainda não haviam nascido eram arrancados dos corpos de
88
Marie Joseph Louis Adolphe Thiers era o chefe-executivo do governo da França à época
da Comuna de Paris. Ele foi eleito presidente em agosto daquele ano, 1871.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 139
suas mães e carregados para o alto nas baionetas desses soldados; os doen-
tes eram tirados de suas camas e massacrados para ajudar a aumentar a
lista de Gorey. Grandes correntes foram colocadas ao redor de centenas de
pessoas e elas foram puxadas juntas até se tornarem uma massa trêmula de
humanidade; depois, foram mortas a tiros. Do palco de um único teatro,
doze mil pessoas foram condenadas à morte; elas eram chamadas e obriga-
das a mostrar as mãos. Se mostrassem as mãos de um trabalhador, ele era
imediatamente condenado à morte. Toda tortura, toda indignidade e toda
crueldade, nascidas do cérebro dos brutos, foram infligidas àqueles que se
inscreveram sob a bandeira da Comuna.
Para entender melhor as metas e os objetivos da Comuna, faremos um
breve relato do que ela realizou durante sua curta existência.
Na época, Paris era uma cidade com mais de 2.000.000 de habitantes.
Tinha acabado de terminar uma guerra com uma potência estrangeira. Os
termos de paz foram considerados infames pela maioria da população. O
exército vitorioso estava acampado do lado de fora dos portões. Seus ha-
bitantes estavam muito angustiados por causa da guerra e criaram oficinas
para aliviar o sofrimento.
Esse é um vislumbre da condição de Paris na época da inauguração da
Comuna. Um dos primeiros atos da Comuna foi queimar até as cinzas o
terrível mecanismo de morte da primeira revolução, a guilhotina. Isso foi
feito para que ela pudesse mostrar ao mundo que sua missão era a paz e
a boa vontade na Terra. Ela lançou no rio Sena a Coluna de Vendôme,
o monumento de tantas guerras sangrentas sob o comando de Napoleão,
o primeiro. Os cofres dos bancos foram guardados por guardas nomeados
pela Comuna e nenhum dólar foi tocado, nem as casas dos ricos, das quais
eles haviam fugido aterrorizados, imaginando, sem dúvida, que as cenas da
grande Revolução seriam reencenadas; mas não foi esse o caso. A Comuna
havia se dedicado à tarefa de aliviar a angústia do povo por meio da criação
de oficinas.
A força policial foi dissolvida e, durante as dez semanas de seu reinado,
os atos contra os direitos pessoais ou a propriedade foram quase desconhe-
cidos.
Negamos as alegações dos jornais de que a Comuna tenha sido culpada
de atos de má vontade intencional e maliciosa.
Ela não foi oficialmente responsável pela morte de nenhum dos reféns.
Também é falsa a afirmação de que os comunistas destruíram prédios pú-
blicos. Fredric Harrison bem perguntou: “Se a Comuna desejava destruir
Paris, por que não o fez? E por que os bairros mais ricos da cidade foram
deixados intocados?”
Lucy Parsons 140
89
Título original: About My Trip East. Texto publicado originalmente no periódico The
Liberator em 18 de março de 1906. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Conspiração capitalista
em Idaho 90
90
Título original: Capitalist Conspiracy em Idaho. Texto publicado originalmente no
periódico The Liberator em 25 de março de 1906. Traduzido por Escurecendo o Anar-
quismo.
Crime e criminosos 91
ror e seus detalhes e elas, por sua vez, impressionam seus filhos ainda não
nascidos. A criança nasce, atinge o estado de homem e mulher, alguma
adversidade cruza seu caminho e a antiga impressão pré-natal corre sobre
ela e uma terrível ação é cometida! A comunidade se choca e imagina de
onde tamanho monstro poderia ter saído. Outro candidato se inicia para a
prisão ou para a forca. Assim, a longa procissão está sempre trilhando seu
caminho através dos tempos. A velha bruxa de cabeça grisalha, a sociedade,
joga suas mãos para cima em horror “sagrado” quando um dos seus filhos
comete um ato horrível. Ela nunca reconhece o fato de que é apenas um
reflexo das suas próprias maldades. O crime é apenas uma doença social.
Quando a sociedade se desenvolver o suficiente para suplantar a prisão
por escolas, pôr o professor no lugar do carrasco e um tratamento generoso
no lugar da punição e substituir a justiça e bondade no lugar da brutalidade,
nós ouviremos bem menos sobre “crimes e criminosos”.
que isso não possa ser reproduzido em nenhum outro lugar dos Estados
Unidos. Em resumo, acredito sinceramente que os males e as desigualdades
gritantes das condições de nosso atual sistema injusto e antissocial são mais
evidentes aqui do que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos.
Aqui, dezenas de milhares de crianças nascem todos os anos, condenadas
a serem criadas em cortiços abafados, sujos e superlotados e em ruas e
calçadas sujas, que nunca saberão o que significam as belezas da natureza,
nunca saberão o que é deitar-se sob uma árvore frondosa e observar as
nuvens que passam voando ou ouvir o canto de um pássaro, ou observar
as folhas verdes com as quais a brisa suave brinca, ou sentar-se ao lado de
um riacho e construir castelos de ar. Não! Todos os encantos da natureza
em sua pureza permanecerão para elas como um livro lacrado. Ai de mim!
Nenhum desses passatempos inocentes jamais será desfrutado por milhares
de crianças da cidade de Nova Iorque.
Dos cortiços nus, estéreis e pouco convidativos, elas irão para as fábricas
e se tornarão meras engrenagens nas grandes engrenagens giratórias. Seus
intelectos, já estupefatos, se tornarão brutalizados.
Como tirar esses seres humanos indefesos das cidades superlotadas e
levá-los para o seio da Mãe Terra é um dos maiores problemas da época.
Nas ruas e nos bairros onde vivem os pobres, não há evidência de suicídio
racial. Na casa onde estou parada, há seis famílias por andar; o prédio tem
seis andares; há apenas uma entrada para toda a casa. Os únicos lugares
para as crianças brincarem são nos corredores e na rua ou nas escadas.
Essa é uma das casas modernas; na verdade, ela acabou de ser concluída. Os
quartos são tão pequenos que só podem ser usados com camas de solteiro ou
berços. Nesses pequenos apartamentos, muitas vezes se aglomeram quatro,
cinco ou seis famílias, caro leitor. Apenas apresento os fatos.
Se o presidente Roosevelt viesse a esta parte da cidade, sua odontologia
brilharia resplandecente; ele não veria sinais de suicídio racial por aqui.
O custo de vida é algo impensável para aqueles que nunca visitaram
Nova Iorque. Por quatro cômodos pequenos - meros armários - no quarto
ou quinto andares, paga-se $25; nos andares mais baixos, paga-se ainda
mais, são cobrados aluguéis mais altos. Em bairros melhores, aluguéis mais
caros são cobrados. Todas as necessidades da vida são cobradas a preços
exorbitantes. Quando esses preços são levados em conta, pode-se imaginar
como as pessoas são obrigadas a se amontoar para pagar o aluguel e viver.
Mas, leitores do The Liberator, aqui está a melhor piada da temporada
sobre sua humilde correspondente:
Dois dias depois de chegar à cidade de Nova Iorque, saí para conhecer
um pouco das favelas e reunir material para o The Liberator.
Lucy Parsons 150
ponto. Uma redução das horas de trabalho até o ponto em que todos pos-
sam ter emprego vale uma Greve Geral porque todos os esforços podem
ser concentrados nesse ponto e, se forem realizados, seus efeitos benéficos
seriam sentidos imediatamente por toda a classe trabalhadora, homens, mu-
lheres e crianças.
Seria uma lição objetiva que demonstraria imediatamente o que um
esforço coletivo pode realizar. Uma vez que esse ponto de ataque tenha sido
superado, outros movimentos poderiam ser instituídos para atacar a classe
que obtém lucros e conquistados até que o sistema de salários seja abolido
e um sistema de cooperação seja instituído, enquanto a classe trabalhadora
se prepara para uma liberdade maior.
Houve um movimento em uma época, não há muitos anos, que era in-
ternacional em seu escopo, que tinha como objetivo reservar o primeiro de
maio para um feriado geral e internacional, visando, em última instância,
à inauguração de um dia de trabalho de curta duração, mas essa grande
ideia foi desviada nos últimos anos por uma série de besteiras e armadilhas
políticas, persuadindo, assim, a classe trabalhadora a acreditar que pode
conquistar sua liberdade elegendo muitos companheiros para o governo.
A IWW e outras organizações trabalhistas avançadas não poderiam mos-
trar sua real utilidade para as classes trabalhadoras melhor do que revivendo
esse feriado internacional. Pois a IWW não pode esperar obter e manter a
confiança da classe assalariada por muito tempo se não tiver um objetivo
definido em vista de uma melhoria duradoura das condições econômicas. A
Industrial Workers of the World está organizada há quase um ano. O que
eles fizeram que valha a pena mencionar? Realizaram algumas greves iso-
ladas e insignificantes? O que isso acumulou? A organização inteira parece
estar se debatendo como um navio perdido no mar sem leme. Veja a revista
The Industrial Worker. Três edições foram lançadas. Não há uma linha de
ação definida delineada nela. Que tipo de exposição eles podem fazer em
sua próxima convenção, a ser realizada em breve?
Movimento anarquista em
Nova Iorque tornando-se ativo 95
3 de abril
96
Parsons se refere ao periódico anarquista Freie Arbeiter Stimme publicado na língua
ídiche. O jornal ficou ativo de 1890 a 1977.
97
Saul Yanovsky (1864–1939), anarquista editor de alguns periódicos e membro da orga-
nização anarquista judaica Pionners of Liberty ou Pioneiros da Liberdade.
Por que anarquistas não
acreditam que a
emancipação virá através
do voto 98
3. Mesmo sob as condições mais justas, elas não podem resolver proble-
mas econômicos.
99
Título original: The Importance of a Press. Artigo publicado originalmente em 19 de
abril de 1906, no periódico The Liberator. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Vendedores
de rua de Nova Iorque 100
Você pode ler sobre uma viagem oceânica, você pode ler atentamente
os melhores livros sobre viagens, você pode deitar o livro e parabenizar-se
por saber tanto sobre uma viagem oceânica como se você a tivesse atra-
vessado pessoalmente. Isto era o que eu pensava uma vez, mas deve-se ter
experimentado a sensação de estar em um grande transatlântico, você deve
sentir o rolar das poderosas ondulações abaixo de você, você deve contar
as estrelas à noite no meio do oceano, com apenas o firmamento acima e a
vasta extensão de água abaixo, e ouvir o pulsar dos corações dos poderosos
motores, e sonhar com o continente que está deixando e aquele que está se
aproximando, ou ver o sol nascer e lançar seus raios sobre a ampla extensão
de um deserto oceânico. Você deve sentir aquela calma de espírito e relaxa-
mento da tensão nervosa que somente uma viagem oceânica traz. Para ser
capaz de realizar uma tempestade no mar, você deve se deitar em seu berço
e ouvir as grandes ondas correrem loucamente acima de você, sentir o “mer-
gulho” do navio e se perguntar se ela algum dia se “corrigirá” novamente. É
preciso ser jogado no oceano, castigado pela tempestade, para saber o que
é; pelo menos esta foi a minha experiência.
Passar do oceano de água para o oceano da humanidade é a mesma
coisa. É preciso vê-la para perceber o que é.
Muitos de vocês, sem dúvida, leram sobre a pobreza da população “sub-
mersa” da cidade de Nova Iorque; da sua população do gueto; do que os
trabalhadores do assentamento estão fazendo para aliviar os pobres do East
Side. Mas, a fim de obter uma verdadeira concepção do que é, você deve
vir para a cidade de Nova Iorque e passear por Hester, Chrystie, baixa
100
Título original: New York Street Vendors - A Day in the Ghetto: Once Seen, Never
Forgotten. Artigo publicado originalmente em 15 de abril de 1906, no periódico The
Liberator. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 159
Bowery, Broom e algumas outras ruas. Você deve testemunhar essas ondas
de pobreza enquanto elas rolam cortiços lotados acima dos porões, baten-
tes, sobre as calçadas estreitas e imundas, ao longo das quais estão longas
filas de latas de lixo transbordando com seu conteúdo mal variado, que em
clima quente emitem odores ao mesmo tempo repugnantes e insalubres. As
ruas estreitas e calçadas igualmente são aglomeradas com crianças sujas e
mulheres de cabelos desleixados.
Quanto mais pobre a aparência das mulheres, maior o número de filhos
que elas parecem ter agarradas às suas saias. Ao longo e contra as cal-
çadas do gueto estão carrinhos de mão dos quais os vendedores oferecem
para venda praticamente todos os artigos sob o sol - pratos, copos, briques,
ferragens, produtos secos de todos os tipos, mantimentos, frutas, legumes,
carnes; em suma, tudo, desde fósforos – duas caixas por um centavo – até um
conjunto de móveis. Fale sobre suas ruas do Cairo, no Egito, ou Jerusalém
etc., para ser visto nas Feiras Mundiais: elas não são nada em comparação
com as ruas do gueto de Nova Iorque. Há mais pessoas vivendo em um
determinado espaço na cidade de Nova Iorque do que em qualquer outro
ponto da Terra, sem excluir Pequim, na China. Misericórdia, no entanto!
Não se percebe o grande número de pessoas que vivem nesta cidade até
entre cinco e seis da tarde. Então as altas fábricas arrotam sua cota de seres
humanos; depois, ao longo das ruas, a longa procissão começa a serpentear
o seu caminho cansado; homens, mulheres e crianças (mas não muitos dos
últimos) lotam as calçadas até que um terço deve sair às ruas porque espaço
na calçada está fora de questão. Esta condição excessivamente lotada não
dura muito tempo, no entanto. Muito em breve os grandes cortiços terão
engolido o que as fábricas emitiram. Apressando-se para casa, essas pessoas
partilham de sua escassa refeição em pequenos quartos abafados, retiram-se
cedo para descansar para a rodada de trabalho do dia seguinte. Esta é a
rotina da vida de centenas de milhares de habitantes da cidade de Nova
Iorque. Esta é a condição do centro da cidade.
No alto da cidade, onde habitam os ladrões ricos, senhores de escravos,
como tudo isso é diferente! Abracadabra! Tudo é riqueza, luxo, quietude e
facilidade.
Enquanto isso, o espírito da revolução está progredindo, lento, mas certo.
Algum dia, a justiça retributiva tomará mão; ela alcançará acima e derru-
bará o que é insultante, vil, despótico, plutocrático e dominador. Alcan-
çando abaixo, ela levantará os caídos, espoliados, roubados e fracos. Não
teremos, então, ociosos ricos ou trabalhadores atingidos pela pobreza, mas
uma humanidade totalmente completa. Nossos distritos de “favela” são uma
maldição para a nossa civilização. Eles devem acabar!
Lucy Parsons 160
Que belas vidas esses milhões fervilhantes poderiam viver se apenas esse
espírito, “Faça aos outros o que você gostaria que os outros fizessem a você”,
prevalecesse.
Não houve nenhum evento nos últimos anos que tenha demonstrado o
avanço das organizações trabalhistas com consciência de classe de forma
mais evidente do que o julgamento de classe que acabou de terminar em
Boise, Idaho, e sua comparação com o caso dos anarquistas em Chicago, em
1886.
O julgamento dos anarquistas foi um julgamento de classe - implacá-
vel, vingativo, selvagem e sangrento. Com aquela acusação, os capitalistas
buscavam interromper a grande greve pela jornada de oito horas que es-
tava sendo inaugurada com sucesso em Chicago, sendo essa cidade o centro
de agitação desse grande movimento; e eles também pretendiam, pela ma-
neira selvagem com que conduziram o julgamento desses homens, assustar a
classe trabalhadora e fazê-la voltar às longas horas de trabalho e aos baixos
salários dos quais estavam tentando sair. A classe capitalista imaginava que
poderia levar a cabo sua trama infernal matando de forma ignominiosa os
líderes mais progressistas da classe trabalhadora daquela época. Na execu-
ção de seu ato sangrento de assassinato judicial, eles foram bem-sucedidos,
mas falharam totalmente em deter o poderoso movimento de avanço da luta
de classes.
Da mesma forma, no julgamento que acabou de ser concluído em Boise,
Idaho, eles queriam acabar com aquela esplêndida organização, a Western
Federation of Miners, assassinando de forma cruel, sob as formas da lei,
seus valentes dirigentes e líderes - Moyer, Haywood e Pettibone.
A montagem do palco, preparatória para a promulgação dessa conspira-
ção capitalista, foi quase a mesma que no caso dos anarquistas de Chicago.
Lá estava o mentiroso da Pinkerton com seus bolsos cheios de “evidências”.
No caso dos anarquistas, era o movimento das oito horas que deveria ser
101
Título original: The Haywood Trial and the Anarchist Trial. Texto publicado origi-
nalmente no periódico The Demonstrator em 4 de setembro de 1907. Traduzido por
Escurecendo o Anarquismo.
Lucy Parsons 162
Estive aqui na cidade de Nova Iorque nos últimos três meses, vendendo
os famosos discursos dos mártires de Chicago. Aqui a humanidade encontra-
se amontoada, armazenada em camadas; quarenta famílias em um único
cortiço que deveria ser suficiente apenas para um quarto desse número.
Nessas cidades do Leste, nascem anualmente dezenas de milhares de crian-
ças que nunca conhecerão as belezas da natureza. Do cortiço, elas terão
como espaço para brincar as calçadas e pavimentos de pedra, duros, sujos e
insalubres; depois, alguns anos na escola, onde o treinamento será tão ina-
dequado para o desenvolvimento de uma individualidade forte e autônoma
quanto foram as condições anteriores para a construção de um corpo físico
forte; em seguida, vem o último passo, a fábrica, a prisão de escravos. A
partir daí, alguns se graduarão para as prisões, outros para o enforcamento
e outros se tornarão prostitutas, oferecendo nas ruas, por um preço, os res-
tos de um corpo depletado. Esse é o objetivo para o qual a longa procissão
da classe trabalhadora está sempre se movendo. A imagem está exagerada?
Ninguém poderia desejar mais sinceramente do que a autora que ela fosse
imaginária, mas, infelizmente, ela é terrivelmente verdadeira.
Tenho diante de mim dois relatórios de comitês, retornados nos últimos
dias da cidade de Nova Iorque. Um deles afirma que “nasceram na cidade,
em 1910, 8.750 crianças com mentes fracas, e que essa tendência está sempre
aumentando”. O outro, que algo terá de ser feito para controlar a alarmante
superlotação dos cortiços. Não há superlotação na parte alta da cidade, onde
vivem os ricos.
Recebi um tratamento muito cortês dos sindicatos no Oeste e estou re-
cebendo o mesmo aqui. Tenho credenciais e o endosso da Central Federated
Union, e meu sucesso é esplêndido nos locais. Mas acho que o mundo do
104
Título original: Reflections of a Propagandist. Artigo publicado originalmente no
periódico The Agitator em 1 de março de 1911. Traduzido por Escurecendo o Anar-
quismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 169
105
Artigo publicado originalmente no periódico The Agitator em 15 de novembro de 1911.
Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
O Onze de Novembro
de 1887 106
O júri que julgou o caso ficou fora menos de três horas. Eles deixaram a
sala de audiências depois das quatro horas do dia 23 de agosto e, antes das
sete horas da mesma tarde, haviam chegado a um veredicto surpreendente,
mandando sete homens para a forca e o oitavo para a penitenciária por
um período de quinze anos. O julgamento durou cerca de sessenta e três
dias. Pense na quantidade de testemunhos que o júri teria de ouvir para que
eles tivessem até mesmo a aparência de um julgamento justo! Em seguida,
pense na audácia de um júri que ficou menos de três horas de fora e na
brutalidade de uma comunidade que leva homens à morte sob tal veredicto
e nunca lhes permite um novo julgamento!
Albert R. Parsons, meu marido, nunca foi preso. Em 5 de maio, um
dia após a reunião de Haymarket, quando viu os homens com quem havia
organizado o trabalho nos últimos dez anos de sua vida sendo presos e
jogados na prisão e tratados como criminosos, ele deixou Chicago. Em 21 de
junho, no dia em que o julgamento começou, ele entrou na sala do tribunal,
sem ser reconhecido pela polícia e pelos detetives, e se entregou, tendo
sido indiciado durante sua ausência e tendo sido oferecida uma recompensa
de $5.000 por sua prisão. Ele pediu ao tribunal que lhe concedesse um
julgamento justo para que pudesse provar sua absoluta inocência. Nunca
lhe foi concedida a sombra de um julgamento justo e imparcial e ele foi
condenado à morte com o resto de seus companheiros em 11 de novembro
de 1887!
Perguntaram aos homens se eles tinham algo a dizer sobre o motivo
pelo qual a sentença de morte não deveria ser proferida contra eles. Eles
se levantaram na sala do tribunal nos dias 7, 8 e 9 de outubro de 1886
e proferiram seus agora tão “famosos discursos”, apresentando suas razões
pelas quais a sentença de morte deveria ser suspensa e eles deveriam ser
submetidos a um novo julgamento. Eles chamaram a atenção do juiz para
o fato de que o principal jornal capitalista de Chicago havia aberto suas
colunas para receber assinaturas para um fundo de $100.000,00, a ser pago
ao júri como um presente pelo veredicto que havia sido dado contra eles.
Mas nunca lhes foi concedido um novo julgamento. Em vez disso, foram
levados para a forca por ordem do poder do capital!
Nos últimos dois anos, dediquei-me a vender seus discursos. A sétima
edição, de 14.000 exemplares, será lançada em algumas semanas e já está
no prelo. Essas cópias dos discursos foram praticamente todas vendidas
Lucy Parsons 174
tra isso, havia uma multidão de milhares de pessoas. Apelei sem sucesso
para um policial após o outro, até que um deles nos disse para irmos até a
esquina e ele nos “deixaria entrar”, o que ele fez, colocando-nos em um carro
de patrulha e levando-nos para a delegacia, onde fomos despidos, revista-
dos e trancados o dia todo, até as três da tarde, ou seja, três horas após
a execução. A cidade estava nas mãos do povo e da polícia entorpecida.
Os ricos, em sua maioria, tinham saído para passar alguns dias de férias,
aterrorizados por suas próprias consciências sombrias.
A execução em si foi realizada o mais rápido possível. Nossos compa-
nheiros não tiveram permissão para fazer os discursos habituais, sempre
concedidos a homens condenados. No entanto, eles haviam previsto isso e
cada um havia preparado uma frase para expressar seus últimos sentimen-
tos. Disseram isso no momento em que as capas estavam sendo ajustadas
para fechar para sempre a luz de seus olhos. Suas vozes claras ressoaram
nas frases que agora se tornaram clássicas. Vamos passar por cima das ce-
nas agonizantes nas casas dos homens, quando esposas, filhos, mães, irmãs,
irmãos, amigos receberam de volta os corpos de seus entes queridos, dos
quais a vida havia sido esmagada, e tudo isso apenas porque eles ousaram
dizer aos trabalhadores a simples verdade!
Na manhã de domingo, 14 de novembro, foi realizado o funeral, e ne-
nhuma visão mais notável jamais será testemunhada do que aquela procis-
são de incontáveis milhares de pessoas que passaram pelos mortos enquanto
eles jaziam em suas casas e, em seguida, a procissão de cinco carros fune-
rários pretos que passaram pela cidade, acompanhados por bandas tocando
canções de natal e carruagens que levavam os amigos e simpatizantes, os en-
lutados diretamente atrás dos carros funerários. Passando pelos escritórios
dos jornais que Parsons e Spies haviam editado, até o trem da Northwestern
que os aguardava, passou o cortejo que os levou ao cemitério de Waldheim.
As ruas pelas quais essa notável procissão seguia seu caminho estavam re-
pletas de rostos humanos e, à medida que os carros funerários passavam,
milhares de pessoas tiravam os chapéus, instintivamente, por assim dizer.
Eles não sabiam, mas de alguma forma sentiam que estavam na presença
de grandes mortos que haviam morrido nobremente!
No cemitério, foi necessário abrir caminho para a procissão em meio à
densa multidão. Foram feitos quatro discursos em inglês e alemão, sendo
o mais notável o pronunciamento do Capitão Black, principal advogado de
defesa. E assim, sob montanhas de oferendas florais, diante de parentes e
amigos entristecidos, tudo o que restava de nossos amados camaradas foi
levado ao seu último lugar de descanso, às margens do Rio Des Plaines.
Mas apenas suas cinzas, pois suas almas nobres e verdadeiras, animadas
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 179
A Execução.
Fonte: Labor Defender, novembro de 1926.
Os Mártires de Chicago de 1886
Gravura de 1901
A greve por 8 horas de 1886 107
109
Versos do poema “Freedom” (Liberdade) recitado por Albert Parsons em um de seus
últimos discursos perante o tribunal no julgamento dos Mártires de Chicago.
Reflexões soltas
sobre o 1◦ de Maio 110
***
***
Poderiam as guerras serem levadas adiante se não fosse por essa creduli-
dade institucionalizada que se manifesta na confiança no “Estado”? Nossos
amigos socialistas costumam dizer: “Vemos que o anarquismo não leva a
lugar algum”. Onde o socialismo político “científico” levou os milhões de
socialistas da Europa? Francamente, a Europa poderia estar mais conde-
nada do que está se nunca tivesse havido um único discurso proferido por
um socialista político ou um livro escrito por um deles? Sério, poderia ser
pior?
Trabalhadores e a guerra 114
114
Título original: Workers and War. Artigo publicado originalmente no periódico The
Agitator em 15 de fevereiro de 1912. Em outras fontes, este escrito está datado de
forma equivocada como sendo de 1917. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
As mentiras
de Melville Stone 115
115
Título original: Melville Stone’s Lies. Este texto é uma carta escrita por Lucy Parsons
direcionada ao editor da Federated Press em 27 de fevereiro de 1922 com críticas sobre
um artigo publicado na revista Collier’s: The National Weekly escrito por Melville
Elijah Stone. A Federated Press foi uma agência de notícias de esquerda que, além
de possuir seu próprio boletim, o Federated Press Bulletin, produzia conteúdo para
outros jornais de esquerda. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Carta
para Eugene V. Debs 116
116
Título original: Letter to Eugene V. Debs. Este texto é uma carta escrita por Lucy
Parsons para Eugene Victor Debs em 12 de março de 1926. Debs faleceu pouco depois
do envio da carta de Parsons, em 20 de outubro de 1926. Traduzido por Escurecendo
o Anarquismo.
Lucy Parsons no túmulo dos Mártires de
Chicago, no Forest Home Cemitery
(antigo Waldheim Cemitery), Illinois, 1937
Foto por Arthur Weinberg
Os Mártires
de Chicago 117
Será que esta nova geração sabe que aqueles que inauguraram a jornada
de oito horas foram condenados à morte por ordem do capital?
Até quarenta anos atrás, homens, mulheres e crianças trabalhavam dez
e, muitas vezes, doze horas por dia nas fábricas por uma mísera ninharia, e
as crianças de seis a nove anos de idade tinham que trabalhar para ajudar
a manter a família.
A Knights of Labor, uma poderosa organização com 500.000 membros,
nunca havia mobilizado por uma redução das horas de trabalho. Então,
quem foram os pioneiros do movimento das oito horas?
Aqueles mártires que foram pendurados na forca em Chicago em 11 de
novembro de 1887, os tão caluniados e maltratados anarquistas.
Eu vou verificar essa afirmação. Até 1885, nunca houve uma ação con-
junta para a redução das horas de trabalho. Se oito horas foram mencio-
nadas em algumas de nossas reuniões (elas nunca foram realmente mencio-
nadas), isso não passava de um sonho a ser realizado por tolos; os patrões
nunca tolerariam tal coisa, era a resposta.
Em 1885, foi realizada uma convenção em Chicago, composta em grande
parte por delegados do Canadá. Eles aprovaram uma resolução concla-
mando os trabalhadores desse país e do Canadá a se unirem para exigir a
redução das horas de trabalho para oito horas por dia em 1º de maio de
1886 e a fazer greve onde quer que isso fosse recusado. Albert R. Parsons
levou a questão à Trade and Labor Assembly118 de Chicago, o primeiro ór-
gão central de trabalhadores já organizado nessa cidade, um órgão que ele
mesmo organizou e do qual foi eleito presidente por três vezes consecutivas.
A questão foi debatida calorosamente e, por fim, rejeitada com base no fato
de que os patrões jamais a tolerariam.
117
Título original: The Haymarket Martyrs. Artigo publicado originalmente no periódico
Labor Defender em novembro de 1926. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
118
Assembleia de Comércio e Trabalho.
Lucy Parsons 194
Por atender aquele encontro de protesto pacífico, cinco dos jovens ra-
pazes mais excelentes que já viveram, todos organizadores sindicais, foram
condenados e mortos judicialmente em 11 de novembro de 1887, em Chi-
cago, Illinois.
Houve uma rebelião na reunião de Haymarket, é verdade, mas foi uma
rebelião policial. O prefeito Harrison, posteriormente, testemunhou que,
quando a reunião estava prestes a terminar, ele foi à estação policial, dis-
tante meia-quadra, e ordenou ao Capitão Bondfield para mandar a reserva
para outras estações, pois a reunião estava prestes a terminar e estava tran-
quila. Em vez de Bondfield obedecer às ordens do prefeito, assim que o
prefeito começou a ir embora, Bondfield apressou um grupo de policiais ra-
pidamente, com cassetetes em punho, para o encontro de pacíficos homens,
mulheres e crianças em assembleia. Durante a investida desses violadores
dos direitos constitucionais do povo, alguém jogou uma bomba. Nunca
tornou-se sabido quem atirou aquela bomba. Nem a polícia nem os ca-
pitalistas queriam saber; o que eles queriam era prender os organizadores
sindicais e fazê-los de exemplos como disseram abertamente que fariam.
O julgamento, suposto julgamento, durou sessenta e um dias. O júri
chegou ao veredicto em menos de três horas, condenando os sete homens
à forca e um à prisão por catorze anos. Aqui, eu deixo algumas, apenas
algumas, das decisões do juiz que presidiu o julgamento na seleção do júri.
James H. Walker disse que formou sua opinião de culpados ou inocentes
sobres os réus, opinião a qual ele ainda mantinha. Agora, o juiz se encarre-
gou dele:
“Eu sinto que sim, mas eu creio que seria influenciado em meu julgamento.
Eu estou influenciado, senhor.”
“Bem, isso é uma qualificação suficiente para um jurado neste caso. Logi-
camente, quanto mais um homem sente que está influenciado, mais ele irá
se vigiar contra isso.”
“Eu preguntarei a você se o que você tem formado a partir do que leu ou
ouviu é uma pequena impressão ou uma opinião, ou uma convicção.”
“É uma convicção decididamente.”
“Você já fez a sua cabeça sobre se esses homens são culpados ou inocentes?”
“Sim, senhor.”
“Seria difícil mudar essa convicção ou impressão talvez?”
“Seria difícil mudar minha convicção.”
Sete anos mais tarde, o governador John P. Altgeld revisou todo o caso.
Ele, tendo sido um juiz antes de ser eleito governador, era amplamente
competente para revisar o caso de uma forma legal. Ele pegou o testemunho
e provou a partir dele que os nossos companheiros eram absolutamente
inocentes. De forma magistral, em seu documento oficial As “Razões” de
Altgeld (eu somente posso reproduzir alguns excertos aqui, o documento
completo está no livro The Life of Albert R. Parsons), o governador Altgeld
diz:
Receio muito, camaradas, que minha voz não chegue a todos vocês, mas
acreditem que meu espírito chegará aos cantos mais distantes da sala.
Já falei neste salão antes, e em outros salões, e sempre desejei que o
arquiteto que construiu um salão como este - com a acústica que este salão
tem - nunca mais construísse outro igual.
Agora, vou lhes trazer uma mensagem: há exatos quarenta e quatro
anos, tivemos a primeira introdução em solo estadunidense do que era co-
nhecido como uma grande greve. Foi a introdução da jornada de oito horas
nos Estados Unidos. Passar de doze horas para oito horas foi um grande
passo e tenho a honra de ser uma das pessoas que, de forma pequena e
humilde, contribuiu para a preparação dessa grande greve.
Estou no movimento trabalhista há muitos anos, estou no movimento
trabalhista desde que era uma simples garota como essas crianças que vejo
hoje. Quando vi essas garotinhas com seus olhos brilhantes e movimentos
voltados para o futuro, e como elas eram brilhantes e felizes, voltei a todos
esses anos e olhei para mim mesma, e disse: depois de quarenta e quatro
anos, vejo essas crianças que virão e tomarão o lugar daquelas que, como
eu, um dia, e muito em breve, é óbvio, morrerão. Mas elas continuarão a
grande luta até que a última batalha tenha sido travada e vencida.
Eu gostaria de ter a força. Gostaria de ter a sabedoria. Gostaria de
ser uma oradora suficientemente boa para descrever Chicago há quarenta e
quatro anos. Na minha humilde maneira de ser, tentarei lhes dar apenas
um esboço dela. Estávamos organizando a classe trabalhadora há quase um
ano. Muito discretamente. Naquela época, ela estava tão abatida que os
121
Título original: I’ll be Damned if I go Back to Work Under Those Conditions! A May
Day Speech. Este texto é um discurso proferido por Lucy Parsons no 1◦ de Maio de
1930 que foi transcrito. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 199
capitalistas não davam muita atenção a ela, mas quando chegou o primeiro
de maio e o slogan “Larguem as armas, larguem as ferramentas e saiam”
foi lançado, nunca vi uma greve assim. Foi um momento psicológico. Foi
uma greve espontânea, e eles saíram aos milhares, até que a classe capita-
lista alegou que havia quarenta mil pessoas nas ruas de Chicago e, quando
tentaram fazê-las voltar ao trabalho,([responderam): “Eu que não volto a
trabalhar nessas condições”.
Esse era o espírito daquele dia. Essa foi a linha divisória entre o mo-
vimento das horas longas e as horas curtas nos Estados Unidos. Daquele
dia em diante, há sindicatos nesta cidade hoje que foram organizados na-
quela época; o sindicato dos padeiros e outros sindicatos. E eles nunca mais
voltaram aos velhos tempos. Se não fosse pela organização que surgiu logo
depois disso - nossos líderes foram mortos e, depois de mortos, surgiu uma
organização, uma suposta organização trabalhista, a AFL, a American Fe-
deration of Labor. O que eles têm a produzir? O que eles têm a mostrar
por seus quarenta e seis anos? Eles se uniram e juntaram os mecânicos,
dois milhões em uma população de trinta e oito milhões. Eles têm dois
milhões sob sua bandeira. Os outros podem ir direto para o inferno, não
lhes importa, pois não passam de um rebanho comum.
Como vejo esse movimento hoje, daqui a quarenta e quatro anos a his-
tória será diferente. Daqui a quarenta e quatro anos, acredito que esse tipo
de coisa terá desaparecido. Terá desaparecido da face da Terra porque vejo
esse movimento hoje - já vi muitos movimentos surgirem e desaparecerem.
Participei de todos esses movimentos. Fui uma delegada que organizou a
Industrial Workers of the World. Fui membra do antigo Partido Socialista.
E hoje estou ligada aos comunistas [por meio da International Labor De-
fense]. Portanto, vi esses movimentos surgirem e desaparecerem.
Nos assuntos humanos, na vida, é exatamente como o fluxo e refluxo
da natureza. É como o fluxo e refluxo ao longo do caminho do oceano,
ao longo da costa à beira-mar. Essas ondas vêm, desempenham seu papel
e vão embora, mas todas deixam sua marca, até que o próprio oceano se
desgaste com o tempo. Portanto, ninguém precisa ficar desanimado porque
essas ondas de forças humanas para o movimento radical vêm e vão. Todas
elas deixam sua impressão. A impressão radical, todas elas deixam algo
para trás, e o próximo grande movimento, como este que está surgindo,
simplesmente segue os passos dos que já se foram e o leva adiante até que
a emancipação chegue. Essa é uma lição da história. Não conquistamos
tudo em um dia ou em uma geração. Isso continua para as outras gerações
e acredito, sem bajular essa organização, que elas têm a esperança certa.
Não posso deixar de acreditar que eles continuarão e não morrerão como as
Lucy Parsons 200
então tem de haver algo melhor - hoje os comunistas estão exigindo seis
horas ou sete horas, na verdade. Daqui a quarenta e quatro anos, e muito
antes disso, eles exigirão quatro horas ou até menos, até que não haja um
único homem ou mulher no mundo que queira trabalhar e não possa fazê-lo.
Esse é o tipo de movimento do futuro.
Isso não será tudo. Se esse for o caso, o capitalismo terá ido por água
abaixo. Não espero viver tanto tempo, mas acredito que, quando vejo jo-
vens e pessoas sérias que largam o trabalho em épocas como esta, quando
o trabalho é tão escasso, saem no meio da semana e desafiam as classes
capitalistas, saem à luz do sol e mostram que estão firmes em prol de horas
mais curtas e melhores condições, isso significa que são pessoas sérias e esse
é o tipo de pessoa que precisamos ter.
O Partido Comunista tem centenas e centenas de pessoas nas celas das
prisões. Eles estão lá e, antes que eu termine, vou pedir que enviem a
eles um forte grito de incentivo, dizendo que os estamos apoiando. Farei
isso em um instante. Agora, companheiros, continuem com o movimento,
levem-no adiante, porque o companheiro disse aqui que eles nos chamam de
Vermelhos. Não sei se isso é muito ruim. Não acredito que seja um nome
muito ruim. Somos bem vermelhos. Eu lhes digo que sou uma verdadeira
Vermelha. A bandeira escarlate (segurando o pano escarlate).
Se algum de vocês quiser ler esses discursos, eles têm os cortes dos cinco
mártires. Eles estão aqui no salão. Agradeço a vocês.
Carta para Carl Nold 123
Caro Carl: Sua carta de 13 de fevereiro foi uma grande surpresa e escla-
recedora, sabendo que você chegou às mesmas conclusões que eu cheguei há
alguns anos: ou seja, que o anarquismo não produziu nenhuma habilidade
organizada na geração atual, apenas alguns pequenos grupos soltos e com-
bativos, espalhados por este vasto país, que se reúnem em “conferências”
ocasionalmente, conversam entre si e depois vão para casa. Depois, nunca
mais ouvimos falar deles até que outra conferência seja realizada. O senhor
chama isso de movimento? Você fala de “o movimento” em sua carta. Onde
ele está? Você diz: “Sinto-me enojado”. Há muito tempo que estou.
Os anarquistas são bons em mostrar as deficiências das organizações de
outros. Mas o que eles fizeram nos últimos cinquenta anos, você diz. Nada
para construir um movimento; eles são meros sonhadores. Consequente-
mente, o anarquismo não atrai o público. Esse mundo ocupado e prático
não se importa com teorias bem elaboradas - eles querem fatos e também
querem que alguns exemplos sejam mostrados.
Eles falam sobre cooperação. O senhor afirma que tem tentado fazer
com que os quatro pequenos disfarces de jornais cooperem para produzir
uma publicação que valha a pena, mas não consegue. . . .
O anarquismo é uma questão morta na vida estadunidense de hoje. O
radicalismo foi apagado do mapa da Europa. O massacre horroroso de Viena
é chocante demais para ser percebido. O trabalhador é um mero apêndice
da fábrica capitalista. O maquinário o eliminou. Robert Burns disse: “Ó
Deus, que os homens sejam tão baratos e que o pão seja tão caro!”
O radicalismo está em baixa hoje em dia. Estamos vivendo em tempos
estranhos! O despotismo está montado a cavalo, cavalgando em alta velo-
123
Este texto aparece em outras fontes sob o título U.S Anarchism in the 1930s ou
Anarquismo dos EUA nos anos 1930. Ele é uma carta escrita por Lucy Parsons para
Carl Nold em 27 de fevereiro de 1934. Carl Nold (1869 - 1934) foi um anarquista alemão
que fez dua vida nos Estados Unidos. Ele participou da greve dos trabalhadores da
empresa Homestead em 1892 e participou do planejamento da tentativa de assassinato
de Henry Clay Frick, diretor da empresa, posta em prática por Alexander Berkman
no mesmo ano. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Lucy Parsons 204
cidade. O trabalhador está desamparado; ele não tem voz em seu modo
ou método de vida - ele simplesmente flutua nas marés de tempos adver-
sos. Fui trabalhar para a International Labor Defense (ILD) porque queria
fazer alguma coisa para ajudar a defender as vítimas do capitalismo que
estivessem em apuros e não ficar sempre falando, falando, falando. Quando
o pouco trabalho que está sendo realizado agora (for finalmente realizado),
o que vai acontecer?
Como sempre, fraternalmente, com você
Lucy E. Parsons
Carta para Tom Mooney 124
124
Este texto é uma carta de Lucy Parsons para Thomas Joseph Mooney em 11 de
junho de 1936. Mooney foi um sindicalista estadunidense que foi condenado à morte,
pena convertida posteriormente em prisão perpétua, acusado do lançamento de uma
bomba em um evento que defendia a entrada dos EUA na I Guerra Mundial, em
22 de julho de 1916, na Califórnia. A bomba matou 10 pessoas e feriu outras 20.
Mooney foi condenado junto com Warren Knox Billings, outro líder sindical. Após
22 anos na prisão, ele foi libertado e somente em 1939 foi reconhecido que ambos
foram condenados baseado em falsos testemunhos e eles foram perdoados pelo governo.
Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Carta para Alan Calmer 125
Chicago. . . .
Espero e acredito que seu livro terá uma ampla circulação; aparecendo
às vésperas do quinquagésimo aniversário do martírio dos líderes trabalhis-
tas de Chicago, ele será de grande interesse; além disso, há muita história
trabalhista de qualidade nele que esta geração deveria conhecer.
A Assembleia de Haymarket
A reunião de Haymarket foi realizada como um protesto contra a bru-
talidade da polícia que, durante a grande greve pela jornada de trabalho
de oito horas de 1886, tentou, com todo o poder cruel de que dispunha,
derrotar as esperanças dos trabalhadores.
Ao meio-dia de 3 de maio de 1886, os trabalhadores grevistas da McCor-
mick Reaper Works estavam discutindo seus problemas em uma reunião de
massa perto da fábrica quando dois vagões de patrulha carregados de poli-
ciais apareceram. Com cassetetes em punho, a polícia correu para cima dos
trabalhadores, golpeando-os. Dois trabalhadores foram baleados (e mor-
tos).
126
Título original: November 11: Fifty Years Ago. Artigo publicado originalmente no
periódico One Big Union Monthly em novembro de 1937. Traduzido por Escurecendo
o Anarquismo.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 209
A Onda “Anarquista”
Os jornais saíram na manhã seguinte com grandes manchetes: “Os dina-
mitadores anarquistas, atiradores de bombas, haviam iniciado um tumulto
e pretendiam explodir a cidade; e se não fosse a coragem da polícia, teriam
jogado muito mais bombas”, e assim por diante. Eles exigiram que os líderes
fossem presos e servissem de exemplo.
Seis semanas depois, oito homens (nossos mártires de Chicago) foram
julgados em um tribunal enviesado, perante um juiz também enviesado e
um júri lotado. Eles foram acusados de assassinato.
O prefeito Harrison de Chicago testemunhou a favor da defesa. Aqui
estão algumas linhas de seu depoimento:
O Triunfo da Reação
O suposto julgamento durou sessenta e três dias. O júri emitiu um
veredicto de culpado em três horas.
O juiz, ao dispensar os jurados, agradeceu-lhes pelo veredicto e disse-lhes
que havia carruagens do lado de fora para levá-los para casa. Os capitalistas
ficaram muito felizes. Uma quantia de US$ 100.000 foi paga ao júri. O
Chicago Tribune, em 20 de agosto, abriu suas colunas assim:
Chicago, 22/12/37
Comissão de Defesa Geral: Um Feliz Ano Novo para todos vocês e muitos
anos mais a todos vocês.
Com vocês pela Liberdade Industrial,
Lucy E. Parsons
127
Título original: Message to the IWW’s General Defense Committee. Carta enviada
por Lucy Parsons a membros da IWW. Carta retirada do livro Lucy Parsons: Freedom,
Equality & Solidarity - Writtings & Speeches, 1878-1937. Carta original do arquivo
pessoal de Carlos Cortez. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.
Parte II
***
Gaithings. Ao longo dos anos, ela usou muitos sobrenomes diferentes (in-
cluindo Carter, Hull, Diaz e Gonzalez) ao preencher vários formulários bu-
rocráticos. Seu nome do meio também é uma questão em aberto. Ela quase
sempre assinava seu nome Lucy E. Parsons, mas se o E é de Ella ou Eldine
depende do documento que você consultar. Muito bem, Lucy! Que gesto
grandioso contra os burocratas que reduzem nossas vidas a papéis e núme-
ros!
Com relação aos primeiros vinte anos de sua vida, a maior parte do que
temos são perguntas. Ela sabia quem eram seus pais, principalmente seu
pai? Quando e onde ela aprendeu a escrever e a ler? E o que ela lia? Ela era
fluente em espanhol? E como ela se tornou uma radical? O que a levou ao
fervor revolucionário, a abandonar a conformidade por sonhos que a maioria
das pessoas considera impossíveis, perigosos, quixotescos, utópicos?
Os poucos fatos mais ou menos verificáveis sobre seus primeiros anos
de vida podem ser contados em poucos parágrafos. Lucy Parsons nasceu
por volta de 1853 em Waco, Texas. Considerando a época e o local de seu
nascimento e o fato de que Oliver Gaithings, com quem ela morava, era um
ex-escravizado, é praticamente certo que ela própria nasceu na escravidão.
Os registros parecem indicar que ela era de fato de descendência “mista” -
afro-estadunidense, mexicana, nativa estadunidense.
Ela presenciou a Guerra Civil quando era uma criança pubescente e,
quando adolescente, viveu suas horrendas consequências no Texas, incluindo
as atrocidades da Ku Klux Klan. Em algum momento entre 1869 e 1871,
em Waco, ela conheceu Albert Parsons, um jovem tipógrafo e ex-soldado do
exército Confederado que havia se tornado um radical e abraçado a causa
da Reconstrução e do Republicanismo Radical5 , incluindo o direito ao voto
das pessoas Pretas. Eles se casaram (oficialmente ou não) em 1871 ou 72,
em Austin, e se mudaram para Chicago em 73 ou início de 74.
Em Chicago, eles se estabeleceram em um bairro pobre de imigrantes
alemães no North Side. Embora tivessem que se mudar com frequência, por
motivos políticos e outros, eles moraram principalmente nas proximidades
da ruas North Avenue e da Larrabee no Lincoln Park - hoje uma das áreas
mais gentrificadas da cidade6 . Em Chicago, pelo menos eles não precisavam
5
O período chamado de Reconstrução dos Estados Unidos (1865 - 1877) tem início após
a Guerra Civil Americana, a qual aconteceu em torno da questão da escravidão, e teve
como objetivo a unificação do país. À época, o Partido Republicano apoiava o fim da
escravidão e o Partido Democrata defendia sua expansão. O Republicanismo Radical
defendia ações mais efetivas rumo à abolição.
6
William J. Adelman, Haymarket Revisited: A Tour Guide of Labor History and Ethnic
Neighborhoods Connected with the Haymarket Afair. Chicago: The Ilinois Labor History
Society, Segunda Edição, 1986. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 219
***
De fato, foram seus artigos no Alarm, mais do que qualquer outra coisa,
que estabeleceram sua reputação de incendiária - uma Vermelha perigosa
e incendiária. Seu discurso de 1884, “To Tramps, the Unemployed, the
Disinherited, and Miserable” - geralmente citado simplesmente como “To
Tramps” - termina incentivando os pobres a “aprender o uso de explosi-
vos!” (itálico e ponto de exclamação de Lucy). Reeditado como um folheto
(reproduzido no livro de Ashbaugh), tornou-se um dos documentos mais
notórios da história do anarquismo estadunidense.
O “To Tramps” de Lucy Parsons foi citado repetidas vezes na imprensa
capitalista e pela acusação no julgamento do show de Haymarket para “pro-
var” que os anarquistas de Chicago eram os mais insanos dos terroristas,
buscando fomentar uma guerra civil contra um público satisfeito e pacífico.
A verdade pura e simples é que a classe dominante da cidade e sua força
policial absurdamente fora de controle já estavam aterrorizando a popu-
lação trabalhadora bem antes de “To Tramps” aparecer na imprensa. Os
explosivos, e a dinamite em particular, ainda eram novos e pouco conheci-
dos na época, mas os figurões militares (General Sheridan, por exemplo),
os executivos de empresas e os proprietários de jornais diários incentivavam
seu uso contra os trabalhadores, especialmente contra os trabalhadores em
greve. Por acaso, a retórica imprudente de Lucy Parsons em “To Tramps” é,
na verdade, bastante branda em comparação com as ferozes e frias diatribes
contra os trabalhadores que apareciam regularmente nos jornais capitalistas
daqueles anos. Aqui estão apenas alguns exemplos.
O presidente da Pennsylvania Railroad, Tom Scott, recomendou que os
grevistas recebessem “a dieta do rifle”. Um editorial do Chicago Times reco-
mendou que “granadas de mão deveriam ser jogadas entre os marinheiros do
sindicato, que estão lutando para obter salários mais altos e menos horas de
trabalho. Com esse tipo de tratamento, eles receberiam uma lição valiosa,
e outros grevistas poderiam aprender com seu destino”. E, de acordo com
o New York Herald, “a melhor refeição que se pode dar a um vagabundo
esfarrapado é uma refeição de chumbo, e ela deve ser fornecida em quanti-
dades suficientes para satisfazer o apetite mais voraz”. O Chicago Tribune
tinha suas próprias noções: “Quando um vagabundo lhe pedir pão, coloque
estricnina ou arsênico nele e ele não o incomodará mais, e os outros ficarão
longe da vizinhança!”
Algum desses defensores do assassinato em massa da classe dominante
chegou a ser preso, chamado ao tribunal, julgado por um júri e condenado
por seus crimes? É evidente que não, pois são eles que possuem a polícia e
os tribunais.
“To Tramps” alcançou notoriedade da noite para o dia e a manteve;
Lucy Parsons 222
***
9
Ida Bell Wells-Barnett (1862 - 1931) foi uma jornalista e educadora Preta ex-escravizada
que foi pioneira em expor críticas e documentar os linchamentos e advocar por melhores
condições para o povo Preto, enquanto uma mulher Preta. Foi uma das fundadoras da
National Association for the Advancement of Colored People (NAACP).
10
Robin D. G. Kelley “Lucy Parsons,” em Darlene Clark Hine, ed., Black Women in
America: An Encyclopedia. Brooklyn: Carlson, 1993, 910. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 223
às ideias socialistas nos EUA. Pode ser traduzido como Ameaça Vermelha.
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 225
***
***
Lembre-se de que Lucy Parsons estava ativa na causa dez anos antes de
Haymarket, e permaneceu ativa - uma militante incansável - por cinquenta e
cinco anos após o lamentável julgamento. São seis décadas e meia “a serviço
da revolução”.
E durante todos esses anos, as causas que ela defendeu foram notavel-
mente consistentes: anarquismo, socialismo revolucionário, o sindicalismo
industrial revolucionário da IWW e causas relacionadas como a igualdade
racial e sexual, as lutas dos desempregados, o anti-imperialismo, a liberdade
de expressão e de reunião, a separação real entre a Igreja e o Estado, o con-
trole de natalidade, a abolição do trabalho infantil e, não menos importante,
a libertação imediata de todos os prisioneiros da luta de classes (ou seja,
ativistas presos por organizarem sindicatos ou por atividades radicais).
Como ativista/apoiadora dessas muitas causas que, para ela, eram na
verdade uma grande causa única, Lucy Parsons reconheceu que somente
um movimento de massa bem organizado da classe trabalhadora poderia
realizar o sonho revolucionário de uma sociedade livre. Com isso em mente,
ela co-fundou, associou-se e trabalhou com muitas organizações diferentes
ao longo dos anos. Entre meados da década de 1870 e a virada do sé-
culo, ela participou do Greenback Labor Party, do Socialistic Labor Party,
do Knights of Labor, da Secular Union, da International Working People’s
Association, da Working Women’s Union e da Social Democracy. No sé-
culo seguinte, ela se identificou, em vários momentos, com diversos grupos
anarquistas, o Socialist Party, a Industrial Workers of the World (IWW),
a Syndicalist League of North America (SLNA), a International Labor De-
fense (ILD) e vários fóruns abertos, inclusive o hobohemian 19 Dil Pickle
19
Termo na língua inglesa que mistura boêmio e pessoas sem-teto, mendigos.
Lucy Parsons 228
Club.
Alguns dos críticos mais tacanhos de Lucy consideraram sua disposição
de trabalhar com grupos tão diferentes como inconsequente ou oportunista.
Entretanto, na opinião de Lucy, o movimento da classe trabalhadora classe
trabalhadora era muito mais importante do que qualquer organização espe-
cífica. Ela acreditava em promover a emancipação da classe trabalhadora de
todas as formas possíveis. Hoje, muitos chamariam seu envolvimento nas
atividades de vários grupos de uma forma de rede, solidariedade e apoio
mútuo.
O envolvimento de Lucy em vários grupos anarquistas diferentes e em
suas divisões faccionais é ligeiramente esboçado na biografia de Ashbaugh.
Sabe-se muito pouco sobre a vida interna desses grupos, mas Lucy Parsons
foi nitidamente uma presença forte em todos os grupos dos quais participou.
Sabemos que ela era inflexível em seu apoio ao anarquismo revolucionário e
da classe trabalhadora e crítica - e até mesmo desdenhosa - das correntes da
classe média que acabaram por dominar o anarquismo dos EUA. Uma cola-
boradora prolífica de um número impressionante de periódicos anarquistas,
ela falou a grupos anarquistas e/ou a grandes reuniões públicas organizadas
por anarquistas, de costa a costa nos EUA, bem como na Inglaterra e no
Canadá. Ela conheceu e atuou com - em um momento ou outro - muitos dos
anarquistas mais proeminentes da época, incluindo Peter Kropotkin, Errico
Malatesta, Johann Most, C. L. James, Jo Labadie, Voltairine de Cleyre,
Emma Goldman, Ben Reitman e, mais tarde, militantes mais jovens como
Irving Abrams, Boris Yelensky e Sam Dolgoff.
Lucy Parsons foi, sem dúvida, uma figura importante do anarquismo,
não apenas nos EUA, mas internacionalmente.
Sua associação com a Social Democracia de Eugene V. Debs e seu suces-
sor, o Socialist Party, foi breve, mas, como muitos anarquistas e sindicalistas
da IWW, ela era firme em sua admiração pelo próprio Debs. Assim como
Debs, Lucy foi próxima da empresa de extrema esquerda Charles H. Kerr
Company, cuja International Socialist Review promoveu com entusiasmo
seu livro Life of Albert R. Parsons (“conta os fatos ... da maneira mais
completa e precisa que se pode encontrar em qualquer lugar (e mostra) que
a atual classe dominante não se deterá diante de nada em seu esforço para
aterrorizar aqueles que ameaçam seu governo”). Mais tarde, sob a direção
da editora Mary Marcy, a Review apresentou muitos anúncios do livro Fa-
mous Speeches.
Dos grupos pós-Haymarket que a atraíram, a Industrial Workers of the
World foi o que mais marcou sua vida. Como delegada em sua conven-
ção de fundação (1905), ela fez o que muitos consideram o discurso mais
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 229
anti-AFL. De acordo com Elizabeth Gurley Flynn, foi Lucy Parsons, mais
do que qualquer outra pessoa, que “acostumou os homens do sindicato a
ouvir respeitosamente uma mulher falando sobre o trabalho” 20 .
De qualquer forma, Lucy Parsons tinha muitos companheiros, amigos e
admiradores nos sindicatos da AFL, especialmente na Chicago Federation
of Labor e, acima de tudo, entre os gráficos. Amplamente reconhecido como
o mais democrático de todos os sindicatos, a International Typographical
Union diferia em muitos aspectos importantes de outros afiliados da AFL.
Desde o início, por exemplo, a ITU acolheu mulheres e pessoas de cor em
suas fileiras, e seus membros incluíam um número impressionante de ra-
dicais ilustres, críticos sociais e editores trabalhistas, como o abolicionista
Martin F. Conway, Mark Twain, Henry George, Jo Labadie, Alzina P. Ste-
vens, Emma Langdon e Otto Huiswood. Por quatorze anos antes de seu
assassinato judicial, Albert Parsons foi um membro ativo e querido do Chi-
cago Typographical Union No. 16, que desempenhou um papel importante
na luta pelas oito horas de trabalho na década de 1880 e nos anos seguin-
tes. Embora Lucy tenha usado brevemente (1905-06) o rótulo IWW em
seus impressos em vez do rótulo Allied Printing Trades (AFL), ela ainda
permaneceu próxima de muitos gráficos do sindicato e amigável com o local
em si.
Quando Henry P. Rosemont, um jovem gráfico de São Francisco, mudou-
se para Chicago em 1926, ele conheceu vários veteranos do No. 16, entre eles
os irmãos Gritzmacher e o poeta gráfico canadense Alexander Spencer, que
haviam conhecido Albert e Lucy Parsons “naquela época” e que mantiveram
contato com Lucy ao passar dos anos21 . Os gráficos radicais mais jovens de
Chicago - principalmente Carl Berreitter, George Koop, Sam Ball, Donald
Crocker e “Red Martha” Biegler - também conheciam bem Lucy.
O No. 16 não era um sindicato “radical”, mas mesmo seus diretores mais
conservadores sempre foram amigáveis com Lucy Parsons, que era, afinal
de contas, uma lenda do movimento trabalhista e uma lembrança viva de
lutas heroicas. Henry Rosemont relembrou uma de suas visitas à sede do
sindicato em 1941 ou 42, alguns meses antes de sua morte. Ela estava com
mais de oitenta anos, doente e enferma, e veio pedir ajuda ao sindicato. Os
gráficos a receberam calorosamente, e todos os presentes - todos e cada um
dos diretores e membros do Comitê Executivo da No. 16 - deram a Lucy
Parsons um dia inteiro de pagamento.
Vários dos gráficos do sindicato que acabamos de mencionar - Berreit-
20
Elizabeth Gurley Flynn, “Lucy Parsons: Tribute to a Heroine of Labor,” Daily Worker,
March 11, 1942, 4. N da A
21
Henry P. Rosemont, “Albert Parsons, Union Printer”, em Haymarket Scrapbook, op.
cit., 36-37. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 231
ter, Ball, Biegler, Crocker - eram ativos no Dil Pickle Club de Chicago (“a
Bughouse Square coberta”) e em outros fóruns abertos, assim como a pró-
pria Lucy Parsons22 . De fato, ela parece ter sido uma das mais assíduas
frequentadoras de fóruns de todos os tempos. Como palestrante, painelista,
moderadora ou questionadora, ela perdia poucas oportunidades de exercer
seu direito à liberdade de expressão e, portanto, de dar às pessoas algo em
que pensar.
No Dil Pickle, cujos fundadores eram, em sua maioria, Wobblies de
boca, do passado e do presente, e cujos frequentadores incluíam radicais
e “personagens” de todos os tipos, Lucy Parsons discursou em vários Me-
moriais sobre Haymarket nas décadas de 1920 e 30, pelo menos uma vez
com uma apresentação de slides. Sua longa associação com o Dil Pickle é
significativa; muitos radicais mais velhos da época, bem como dogmáticos
de “linha dura” do tipo do Partido Comunista, desaprovavam a ênfase do
clube em brincadeiras e poesia, e seu bohemianismo geral, mas esses “des-
vios” evidentemente não incomodavam Lucy Parsons. Sua abertura para
novas e diferentes formas de ser radical e sua disposição para aprender com
os jovens estão entre suas qualidades mais interessantes.
Muito mais do que a maioria dos trabalhistas radicais de sua época, ela
tentava se manter atualizada com tudo o que era vibrante, ousado, rebelde
e vivo. Se ela estivesse por aqui hoje, tenho certeza de que participaria das
reuniões do Chicago Surrealist Group e visitaria regularmente lugares como
o Heartland Café, o Velvet Lounge e o Hothouse, só para ver o que está
acontecendo.
No antigo circuito de fóruns, Lucy Parsons era especialmente ativa no
Chicago Society of Anthropology Forum. De acordo com a tese de mes-
trado de Sophia Fagin na Universidade de Chicago em 1939, Public Forums
in Chicago, de 1939, o grupo foi fundado em 1895, logo após a World’s
Fair, por apoiadores do protesto de Ida B. Wells contra a exclusão dos
afro-estadunidenses do World’s Congress of Religions. Enfaticamente an-
tirracista desde o início, o grupo declarou que o objetivo da nova sociedade
era
Durante seus quase quarenta anos de atividade contínua, sua lista de pa-
lestrantes contou com um amplo espectro de autores radicais, acadêmicos
e ativistas, incluindo Ida B. Wells, Thomas J. Morgan, Lillian Herstein,
Curtis Reese, Ben Reitman e Slim Brundage.
A participação de Lucy Parsons no Anthropology Society Forum revela
que sua gama de interesses era consideravelmente maior do que os críticos
costumam supor. Entre os anos de 1920 e 22, conforme a listagem do
Chicago Daily News de “Reuniões e palestras indicadas”, ela deu palestras
ou debateu na sociedade sobre temas como casamento, extorsão de aluguel,
México, catolicismo, movimento trabalhista, Rússia, delinquência juvenil e
Revolução Francesa.
Sua provável familiaridade com Ida B. Wells por meio da Anthropo-
logical Society nos faz pensar sobre as outras relações de Lucy com afro-
estadunidenses. A historiadora Barbara Bair certamente está certa quando
escreve que o “tipo de ativismo de Lucy Parsons serviu de exemplo para o
envolvimento dos Pretos em vários movimentos da esquerda estadunidense”,
mas há poucas informações disponíveis23 . A IWW tinha muitos membros
Pretos, inclusive vários que moravam em Chicago: Lucy conhecia algum de-
les? Ela poderia facilmente ter conhecido jovens radicais Pretos, bem como
figuras conhecidas, como Jack Johnson, no Dil Pickle, mas não há registro
desses encontros. Em 1932, Lucy - juntamente com a mãe de Tom Mooney
e Viola Montgomery, mãe de um dos réus de Scottsboro - colocou uma co-
roa de flores no monumento de Haymarket no cemitério de Waldheim (hoje
Forest Home)24 . E o comunista Preto Ishmael Flory relembrou como ficou
emocionado, enquanto jovem no movimento, quando viu Lucy Parsons pela
primeira vez em um desfile do Primeiro de Maio de Chicago em meados da
década de 1930.
Esses exemplos são poucos em número e escassos em detalhes, mas,
mesmo assim, são estimulantes. Aqui está um amplo campo para pesquisa!
Uma boa maneira de começar seria investigar mais a fundo a história da
Anthropology Society e de outros fóruns inter-raciais.
No anúncio do Daily News de uma de suas palestras na Anthropology
Society, sobre “México e mexicanos”, Lucy foi descrita como “uma nativa”.
Outro anúncio se referia a ela como “descendente de astecas”. Os veteranos
de Chicago lembram que Albert Parsons geralmente descrevia sua esposa
como uma “senhora asteca espanhola”. Essas descrições são afirmações de
23
Barbara Bair, “Though Justice Sleeps,” em Robin D. G. Kelley and Earl Lewis, eds.,
To Make Our World Anew: A History of African Americans. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2000, 342-343. N da A
24
Curt Gentry, Frame-Up: The Incredible Case of Tom Mooney and Warren K. Billings.
Nova Iorque: W, W. Norton, 1967, 366. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 233
25
Letter to Carl Nodd, January 31, 1934; cópia nos documentos do arquivo Carolyn
Ashbaugh em Charles H. Kerr Publishing Company Archives, Coleções Especiais, The
Newberry Library, Chicago. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 235
uma parte tão agradável de sua vida diária por tantos anos. Os problemas
de visão também a privaram de outro de seus maiores prazeres: a leitura
(a biblioteca de Lucy incluía grande parte da grande literatura mundial,
inclusive as obras completas de Victor Hugo e muitos volumes de poesia).
Ela, de fato, desfrutou de visitas de antigos Wobblies e também de jo-
vens, como Art Weinberg26 do Chicago Junior Wobbly Union, bem como
de anarquistas, socialistas, comunistas e outros amigos. Ela também fez o
possível para se manter ativa na causa trabalhista. Ela foi a oradora princi-
pal no enorme Memorial do Quinquagésimo Aniversário de 11 de novembro
de 1937 em Haymarket, organizado pelo Free Society Group e realizado
no salão do Amalgamated Clothing Workers’ Union, em 333 North Ash-
land. O anarquista/Wobbly Sam Dolgoff, que também discursou naquela
ocasião, lembrou que Lucy estava “curvada pela idade”, mas “ainda desa-
fiadora, ainda lançando impropérios contra os poderosos, ainda clamando
pela derrubada do capitalismo” 27 .
Em um de seus últimos discursos públicos (23 de fevereiro de 1941), ela
se dirigiu aos membros da Farm Equipment Workers em greve na Inter-
national Harvester - sucessora da antiga McCormick Reaper Works, onde,
em maio de 1886, a violência policial havia provocado a famosa reunião de
protesto na Haymarket Square. Alguns meses depois, ela foi a convidada de
honra do carro alegórico da Farm Equipment Workers no desfile do Primeiro
de Maio de 1941 - seu último Primeiro de Maio.
Lucy Parsons morreu em 7 de março de 1942, com oitenta e nove anos
de idade. O fogão a lenha de sua casa em North Troy, 3130, pegou fogo.
Praticamente cega, ela ficou presa no fogo e morreu. Seu companheiro,
George Markstall - ele próprio bastante idoso e longe de estar em ótimas
condições - tentou salvá-la, mas sofreu queimaduras graves e outros feri-
mentos na tentativa e morreu no dia seguinte. Cerca de trezentas pessoas
compareceram ao funeral de Lucy Parsons/George Markstall e inauguraram
o marco de Lucy Parsons em Waldheim, a poucos metros do monumento
de Haymarket. Entre os oradores estavam seu velho amigo Ben Reitman e
J. O. Benthal, do Partido Comunista. Win Stracke, que mais tarde fundou
a Old Town School of Folk Music, cantou “I Dreamed I Saw Joe Hill Last
Night”.
***
26
Art Weinberg (que se chamava “Art Kopkins” nos seus dias de IWW) tornou-se um dos
principais biográficos/antologistas de Clarence Darrow. N da A
27
Sam Dolgoff, “Recollections of Lucy Parsons & the Fiftieth Anniverssary of November
11,” em Haymarket Scrapbook, op cit., 246. N da A
Lucy Parsons 236
***
28
Jayne Cortes, Somewhere in Advance of Nowhere. Nova Iorque: High Risk Books,
1996, 116. N da A
“Um lema infalível
e imutável: liberdade”
Reflexões sobre o anarquismo de Lucy Parsons1
jamais foi capaz de entender. Não é preciso vasculhar muito as páginas mo-
fadas da história para demonstrar esse fato.” No mesmo ano, em reação aos
tiros da milícia e à morte de trabalhadores em Illinois, ela pediu nada menos
que “uma guerra de extermínio e sem piedade” contra os ricos. Logo, seu
grupo resolveu “se armar e se organizar em associação e se tornar parte da
organização militar que está se formando em toda a cidade” e “estabelecer
uma escola de química onde a fabricação e o uso de explosivos seriam en-
sinados”. Ela aconselhou uma comunidade Preta no Mississípi a reagir aos
recentes massacres de seus amigos e familiares por supremacistas brancos,
dizendo
Vim falar com vocês sobre aqueles que estão à sombra de seus
próprios andaimes. Sou uma anarquista declarada, sou uma
revolucionária, mas não incito ninguém a se revoltar, pois não
estou nessa missão; espero estar algum dia. . .21
Lucy Parsons não foi apenas um ornamento, sentada na plataforma com Eu-
gene V. Debs e Mother Jones enquanto Big Bill Haywood fazia o discurso
20
Ibid., 107. N da A
21
Ibid., 110. N da A
Lucy Parsons 250
5
“Plan to Name Park after Anarchist Draws Fire,” Chicago Sun-Times, 22 de março de
2004, 7; “Daley Backs Plan to Name Park after Anarchist,” Chicago Sun-Times, 24 de
março de 2004, 17. Há muito tempo já foi aceito que Lucy e Albert Parsons não tiveram
papel direto algum na bomba atirada em 1886. Para um resumo da injusta natureza do
julgamento, ver o perdão do governador Altged a Neebe, Fielden e Schwab; a vindicação
dos mártires de Chicago de 1887. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 257
6
O melhor relato do caso da bomba é do livro do Avrich The Haymarket Tragedy. N da
A
7
“Park Plan Upsets Chicago Cops”, Chicago Tribune, 22 de março de 2004. N da A
8
De acordo com Ashbaugh, “Lucy Parsons afirmava ser uma “anarquista” quando o título
lhe foi atribuído pela imprensa burguesa.” Ashbaugh. Lucy Parsons: American Revo-
lutionary. p. 201. Um grande número de historiadores similarmente buscou reformar
as visões dos Mártires de Chicago para encaixá-las em suas predileções. N da A
9
Gale Ahrens, “Lucy Parsons: Mystery Revolutionist More Dangerous than a Thousand
Rioters,”. p. 19-20. Em: Jacob McKean. A Fury for Justice: Lucy Parsons and the
Revolutionary Anarchist Movement in Chicago. Tese, 2006. N da A
Lucy Parsons 258
Um histórico contestado
Com poucos registros remanescentes, tem sido difícil para os historia-
dores reconstituir o início da vida de Lucy Parsons. Na verdade, é impro-
vável que os fatos de sua infância jamais sejam completamente conhecidos.
Ashbaugh afirma que Parsons nasceu em março de 1853 perto de Waco,
no noroeste do Texas. De acordo com Albert Parsons, os dois se conhe-
ceram em 1869, enquanto ele levava uma vida perigosa como republicano
radical no Texas pós-reconstrução. Enquanto viajava por Johnson County
como correspondente do Houston Daily Telegraph, Albert conheceu Lucy
no rancho de seu tio. Entusiasmado, Albert a descreve como uma “jovem
e encantadora donzela hispano-indiana” 10 . Muitas perguntas sobre o início
da vida de Parsons ainda não foram respondidas. Por exemplo, de acordo
com algumas fontes, os dois se casaram em 1871, enquanto outras datam o
casamento de 1872. O casamento nunca foi confirmado por uma certidão
de casamento ou outro documento oficial11 .
A biografia de Ashbaugh contesta a descrição de Lucy feita por Albert
Parsons, afirmando que ela era, na verdade, uma ex-escrava. De acordo com
Ashbaugh, Parsons era escrava dos irmãos Gathings, que possuíam 62 escra-
vos perto de Waco em 1860. Ashbaugh afirmou que Parsons provavelmente
recebeu o nome da filha de Philip Gathings, nascida em 1849, e alega que
Henry e Marie del Gather, que Parsons chamou de mãe e tio, eram fictícios.
Além disso, Ashbaugh sugere que Albert não conheceu Lucy no rancho de
seu tio. Em vez disso, ela concluiu que eles se conheceram em Waco, onde
a defesa dos direitos políticos dos Pretos feita por Albert o tornou uma
figura popular entre a população Preta. Ashbaugh especula que, enquanto
vivia em Waco como ex-escrava, Parsons testemunhou as atrocidades da Ku
Klux Klan, que cresceu em poder à medida que a Reconstrução se desfez.
Entre os inúmeros eventos violentos que ela pode ter testemunhado estão
a castração de um jovem afro-estadunidense em 1867 e o assassinato de 13
afro-estadunidenses pela Klan perto de Waco em 1868.
Sem dúvida, a brutalidade racial que tomou conta do noroeste do Texas
na década de 1860 influenciou profundamente a sensibilidade e a aversão de
Parsons à violência contra os oprimidos. Entretanto, mesmo que Parsons
não fosse, como Ashbaugh especula, uma ex-escrava, ela teria testemunhado
a violência racial. A degradação e a opressão da população Preta levaram
Albert Parsons, que era um ex-soldado da Confederação, a fundar seu pró-
prio jornal em 1868, o Spectator, para desafiar a Ku Klux Klan e apoiar
10
Albert Parsons, “Auto-Biography” em The Life of Albert Parsons, Lucy E. Parsons,
ed., 9. N da A
11
Ashbaugh. Lucy Parsons. p. 268. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 259
Sou uma pessoa cujos ancestrais são nativos do solo dos Estados
Unidos. Quando Colombo avistou o continente ocidental pela
primeira vez, os ancestrais de meu pai estavam lá.... Quando as
hostes conquistadoras de Cortes chegaram ao México, os ances-
trais de minha mãe estavam lá para repelir o invasor; portanto,
eu represento o genuíno estadunidense16 .
Parsons”, Chicago Times, 7 de maio de 1886, p. 3. Deve ser apontado que descrições
raciais de Parsons encontradas em jornais estão quase sempre ligadas a uma tentativa
mais ampla de demonizá-la. Por exemplo, a descrição do bronzeamento mulato de
Parsons do Chicago Times de 9 de maio de 1886 é acompanhada da acusação de que
seus “lábios grossos, olhos pequenos e brilhantes e expressão sinistra” eram o testamento
do seu desejo de beber o sangue das crianças dos homens ricos. N da A
18
“The Mayor Testifies”, Tribune, 3 de agosto de 1886. N da A
19
De fato, “Lucy Parsons era Preta” são as primeiras quatro palavras da biografia escrita
por Ashbaugh. N da A
20
Roxanne Dunbar-Ortiz, “One Infallible, Unchangeable Motto: Freedom’ Reflections on
the Anarchism of Lucy Parsons,” em FES, p. 169. Dunbar-Ortiz tenta preencher a
lacuna afirmando que Parsons era de descendência mista Preta, mexicana e indígena.
Marion Tinling, Women Remembered: A Guide to Landmarks of Women’s History in
the United States (Greenwood Press, 1986, 479), se refere à Parsons como uma “negra
de pele clara.” De acordo com Robin D.G. Kelly, Freedom Dreams: the Black Radical
Imagination. Beacon Press, 2002. p. 41, Parsons foi “a mulher Preta radical mais
proeminente do final do século XIX”. N da A
21
Ver, p. ex., o site do African American Registry. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 261
Parsons ainda era uma mulher de cor, nascida e criada no estado do Texas,
extremamente violento e racialmente segregado.
no prédio do Times, foi forçado a sair por dois homens armados que amea-
çaram atirar em sua cabeça. Durante um dia da Grande Greve Ferroviária,
Albert Parsons foi demitido, mantido sob a mira de uma arma e mandado
sair da cidade. Assim, a Grande Greve da Ferrovia afetou os Parsons de
uma forma extremamente pessoal e serviu como catalisador para uma ide-
ologia muito mais radical.
Nos anos que se seguiram à grande greve, o Working Men’s Party se
fundiu com o Socialistic Labor Party e tentou várias vezes eleger socialis-
tas para os distritos da cidade. No entanto, em uma eleição após a outra,
os votos foram contados incorretamente ou as urnas foram descaradamente
recheadas, fazendo com que muitos perdessem toda a fé na reforma eleito-
ral. Em uma carta a um jornal trabalhista, Lucy Parsons explicou que as
“supostas leis” não “valiam o papel em que foram escritas” porque os capita-
listas tinham o poder de fazer o que quisessem, mesmo que “os produtores
de toda a riqueza tivessem desejado o contrário” 27 .
No início da década de 1880, como as ações eleitorais fracassavam re-
petidamente e as greves e manifestações eram reprimidas pela polícia, pela
milícia e por capangas contratados, muitos socialistas em todo o mundo
começaram a se concentrar na ação direta (geralmente chamada de “pro-
paganda pelo fato”) como um meio de inspirar as massas e provocar a re-
volução. Em 1882, o conhecido agitador revolucionário e ex-parlamentar
Johann Most discursou em Chicago, argumentando que os trabalhadores
precisavam se armar e travar uma guerra contra seus governantes capitalis-
tas. O movimento de Chicago, em particular, combinou o trabalho sindical
e de agitação com a defesa da autodefesa armada. Acreditando profunda-
mente na necessidade de organização, Albert e outros militantes de Chicago
partiram em outubro de 1883 para Pittsburgh, onde eles, Most e outros fun-
dariam a International Working People’s Association.
A declaração de princípios da IWPA, ou Manifesto de Pittsburgh, é o
trabalho mais importante que surgiu da conferência de 1883. Ele também
continua sendo uma excelente expressão da ideologia anarquista de Parsons.
Inspirado pela oposição de Bakunin à organização autoritária e pela teoria
da mais-valia de Marx, o Manifesto de Pittsburgh expressou a crença dos
redatores na futilidade do voto, seu apoio à insurreição armada e o poder do
sindicalismo revolucionário28 . O principal elemento anarquista do Manifesto
era sua visão dos sindicatos como “um instrumento de revolução social” e
como a estrutura de uma ordem social baseada na organização cooperativa
27
Lucy Parsons. “On the ’Harmony’ Between Capital and Labor or the Robber and the
Robbed”. The Socialist, 7 de setembro de 1878, p. 40. N da A
28
Avrish. The Haymarket Tragedy, p. 131. N da A
Lucy Parsons 264
Eles acreditavam que esses objetivos poderiam ser alcançados por meio
da federação de grupos autônomos da IWPA. Um departamento de infor-
mações facilitaria a comunicação entre os grupos da IWPA, mas não haveria
autoridade central ou comitê executivo, pois a existência de um órgão de
controle contradiria a visão do movimento de uma sociedade cooperativa.
Os princípios do Manifesto de Pittsburgh são os que melhor expressam
a visão de Lucy Parsons de mudança social radical ao longo de sua vida.
Anos mais tarde, em um ensaio sobre anarquismo, Parsons explicaria que
“os sindicatos são modelos embrionários” das “comunidades cooperativas”
que viriam a ser criadas30 . Parsons também retornou várias vezes à ideia
de que o Estado era apenas um agente de repressão e, portanto, tinha de
ser destruído por meio de ações revolucionárias. Além disso, os mecanis-
mos específicos de mudança social mencionados no Manifesto continuariam
29
“To the Workingmen of America”, The Alarm, 4 de outubro de 1884, p. 3. N da A
30
Lucy Parsons. “The Principles of Anarchism”, 1905, p. 32. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 265
sendo suas armas preferidas. Para Parsons, a revolução só viria por meio da
mobilização de um movimento de massa, baseado em sindicatos, aberto ao
poder da ação violenta. Esse protótipo de anarcossindicalismo mais tarde
a levaria a se envolver com a Industrial Workers of the World em 1905,
com a Syndicalist League of North America em 1912 e com a Internatio-
nal Defense League do Partido Comunista em 1927. Assim, o Manifesto
de Pittsburgh pode ser visto como a primeira e mais concisa expressão da
ideologia radical de Lucy Parsons. Após a convenção de Pittsburgh, as
atividades radicais de Lucy e Albert Parsons se concentraram no rápido de-
senvolvimento da IWPA. Com o estabelecimento de vários grupos em todo
o país, Albert assumiu a editoria do único jornal em inglês da associação,
o The Alarm. O jornal rapidamente se tornou a base dos anarquistas de
língua inglesa no movimento trabalhista de Chicago. Lucy Parsons, jun-
tamente com Lizzie M. Swank, começou a ajudar Albert na produção do
jornal e escreveu alguns de seus artigos mais contundentes. O artigo mais
conhecido de Parsons no The Alarm foi A Word to Tramps. Publicado na
primeira edição, To Tramps incentivava os “desempregados” e “deserdados”
a “aprender o uso de explosivos” e, quando estivessem à beira do suicídio,
a fazer uma declaração revolucionária indo para “as avenidas dos ricos” e
acabando com suas vidas enviando “o brilho vermelho da destruição” por
meio do poder da dinamite31 . Por meio de artigos como To Tramps e seus
discursos inflamados, ela rapidamente se tornou “uma das mulheres anar-
quistas mais ativas do país” 32 .
Parsons também estava ocupada trabalhando como costureira e cui-
dando de seus dois filhos pequenos. Em meio à luta pela emancipação dos
trabalhadores, Lucy e Albert constituíram família, com o nascimento de Al-
bert Richard Parsons, em 14 de setembro de 1879, e Lulu Eda Parsons, em
20 de abril de 1881. Essa nova posição como mãe trabalhadora explica em
parte seu envolvimento na organização das costureiras na Knights of Labor.
De fato, quando outra greve pela jornada de trabalho de oito horas varreu
Chicago em maio de 1886, Lucy Parsons podia ser encontrada regularmente
em reuniões para organizar as costureiras de Chicago.
Em 1º de maio de 1886, uma grande greve pela jornada de trabalho de
oito horas tomou conta de Chicago. As tensões entre os grevistas e a polícia
aumentaram rapidamente e, em 3 de maio, a polícia atirou e matou vários
grevistas do lado de fora da fábrica de máquinas de colheita McCormick.
No dia seguinte, alguns dos organizadores anarquistas da cidade reagiram à
violência policial com uma manifestação na Haymarket Square, onde apro-
31
Lucy Parsons. “A Word to Tramps”. The Alarm, 4 de outubro de 1884, p. 1. N da A
32
Avrich. The Haymarket Tragedy, p. 105. N da A
Lucy Parsons 266
perpétua, e outro homem, Louis Lingg, cometeu suicídio em sua cela. Fi-
nalmente, quatro homens - August Spies, George Engel, Adolph Fischer e
Albert Parsons - foram enforcados em 11 de novembro de 1887. O atentado
a bomba em Haymarket e o assassinato judicial dos líderes anarquistas de
Chicago que o seguiu lançaram uma sombra assustadora sobre o movimento
trabalhista dos Estados Unidos. Além disso, a tragédia pessoal infligida a
Lucy Parsons consolidou sua dedicação aos movimentos radicais da classe
trabalhadora e lhe conferiu um novo dever de compartilhar com o mundo a
história dos anarquistas sobre o atentado e o julgamento de Haymarket.
44
Lucy Parsons. “Forward”. Em: Calmers. Labor Agitator. International Publishers,
1937, p. 5. N da A
45
David. The History of the Haymarket Affair, p. 476. N da A
46
Ashbaugh, p. 6. N da A
47
Ahrens, “Lucy Parsons: Mystery Revolutionist, More Dangerous Than a Thousand
Rioters,” p. 12. N da A
48
Schaack. Anarchy and Anarchists. N da A
Lucy Parsons 270
vembro de 1905, p. 1. N da A
52
Por exemplo, em outubro de 1905 Parsons escreveu diversos artigos sobre “Mulheres
Famosas na História”, que incluiu um longo texto sobre a revolucionária francesa Louise
Michel. The Liberator, 29 de outubro de 1905, p. 1. The Liberator também demonstra
que os interesses de Parsons não eram limitados à história radical. Por exemplo, uma
coluna que durou muito tempo foi a série “As Maravilhas da Ciência”, a qual focava em
questões científicas indo desde explorações na Antártida até o Lago Crater em Oregon.
The Liberator, 18 de outubro de 1905, 3; 10 de dezembro de 1906, 3. N da A
53
Lucy Parsons. “Speeches at the Founding Convention of the Industrial Workers of the
World”, 28 de junho de 1905, p. 85; “I’ll be Damned if I Go back to Work under Those
Conditions! A May Day Speech,” p. 155. N da A
54
Lucy Parsons. “The Haymarket Meeting: A Graphic Description of the Attack on that
Peaceable Assembly”, p. 53. N da A
Lucy Parsons 272
Raça e a formação
da consciência de classe
A posição de Parsons com relação à opressão racial também é bastante
contestada. Ligada à celebração de Parsons como ativista dos direitos civis,
afirma-se com frequência que Parsons foi uma forte porta-voz contra o ra-
cismo. A página inicial do site celebrativo LucyParsonsProject.org afirma
que Parsons desafiou a discriminação racial. Na mesma linha, as autorida-
des dos parques de Chicago acreditavam que o parque proposto reconheceria
não apenas o ativismo trabalhista de Parsons, mas também seus esforços
em favor dos afro-estadunidenses61 . No entanto, essa celebração de Parsons
60
“Speeches at the Founding Convention of the Industrial Workers of the World”, 28 de
junho de 1905, p. 85. N da A
61
“Plan to Name Park after Anarchist Draws Fire,” Chicago Sun-Times, 22 de março de
2004, 7. N da A
Lucy Parsons 274
como uma voz ativa contra a opressão racial não foi confirmada pelos acadê-
micos. A historiadora Robin D. G. Kelly argumenta que Parsons lutou com
eloquência contra a opressão da classe trabalhadora, mas “ignorou raça” e
que, embora tenha escrito sobre linchamentos de Pretos, Parsons via essa
violência racial principalmente como uma extensão da opressão de classe.
Kelly baseou seu argumento em grande parte em um artigo de 1886 no The
Alarm, no qual ela escreveu que a opressão não era “lançada sobre o negro
porque ele é preto”, mas porque “ele é pobre” 62 . Kelly argumentou que Par-
sons praticava o reducionismo de classe e acredita que esse reducionismo é
explicado por sua incapacidade de operar fora “dos limites do pensamento
socialista ocidental do século XIX” 63 . Ashbaugh concorda, argumentando
que Parsons “acreditava que a abolição do capitalismo produziria automa-
ticamente a igualdade racial”. Ashbaugh explica que a posição de Parsons
(ou a falta dela) sobre a opressão racial refletia sua profunda internalização
do racismo branco, o que a impossibilitava de “analisar sua posição social
em relação a qualquer coisa que não fosse sua condição de classe” 64 . Essa
análise contradiz nitidamente a imagem mitificada de Parsons como “uma
defensora ferrenha” dos “direitos dos afro-estadunidenses” 65 . Essa contradi-
ção é explicada em parte pelos recentes desafios à visão de Kelly e Ashbaugh
de Parsons como um reducionista de classe.
A historiadora feminista Roxanne Dunbar-Ortiz argumentou recente-
mente que Parsons de fato reconheceu o racismo como uma força fora dos
limites da opressão de classe, baseando-se em um artigo de 1892 em que
Parsons protesta contra a violência racial “que está sendo perpetuada no
Sul contra cidadãos pacíficos simplesmente por serem pretos”. Em resposta
a esse racismo brutal, Parsons sugeriu que os afro-estadunidenses se inspi-
rassem no espírito de John Brown e “socorressem a si mesmos”, erguendo-se
em autodefesa66 . Dunbar-Ortiz argumenta que a posição de Parsons sobre
o racismo foi além do “economicismo reducionista” e que sua “linguagem de
autossuficiência e autodeterminação” foi precursora do radicalismo de “Mal-
colm X e dos Panteras Negras” 67 . A conexão feita aqui é bastante tênue.
No entanto, ao vincular os escritos de Parsons às ideias do “movimento pelos
direitos civis durante a década de 1960”, Dunbar-Ortiz plantou as sementes
62
“The Negro: Let Him Leave Politics to the Politician and Prayers to the Preacher”.
The Alarm, 3 de abril de 1886, 2. N da A
63
Kelly. Freedom Dreams, p. 42. N da A
64
Ashbaugh. Lucy Parsons, p. 66. N da A
65
Joe Lowndes. “Lucy Parsons (1853-1942): The Life of an Anarchist Labor Organizer”.
Free Society 2:4, 1995, Internet. N da A
66
“Southern Lynchings”. Freedom, 1892, p. 70. N da A
67
“One Infallible, Unchangeable Motto: Freedom’ Reflections on the Anarchism of Lucy
Parsons”, p. 181. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 275
70
Os seguintes artigos demonstram a duradoura dedicação de Parsons no forjamento
da consciência de classe através da formação dos trabalhadores sobre seus interesses
comuns enquanto produtores: “On the ’Harmony’ between Capital and Labor Or, the
Robber and the Robbed”. The Socialist, 7 de dezembro de 1878, p. 39-40. “The ’Scab’
a Result of Conditions.” Freedom, August 1892, p. 73; “Are Class interests Identical?
A Synopsis of the Aims and Objects of the Industrial Workers of the World.” The
Liberator, 3 de setembro de 1905, p. 1; “Workers and the War.” The Agitator, 12 de
fevereiro de, 1917, p. 151. N da A
71
“On the ’Harmony’ Between Capital and Labor,” p. 40. N da A
72
Lucy Parsons. “The Haywood Trial and the Anarchist Trial.” The Demonstrator, 4 de
setembro de 1907, p. 129-130. N da A
73
Griffin. “Union of ’Black’ and ’Red.” The Alarm, 26 de dezembro de 1885, p. 4. N da
A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 277
ela se esforçou para educar os trabalhadores sobre seus interesses de classe para con-
seguir derrubar concepções místicas da liberdade estadunidense. Parsons, “Are Class
interests Identical? A Synopsis of the Aims and Objects of the Industrial Workers of
the World.” The Liberator, 3 de setembro de 1905, p. 1. N da A
76
Ashbaugh, p. 200. N da A
77
John Quail. The Slow Burning Fuse: The Lost History of the British Anarchists.
Paladin, 1978, p. 82. Para a sua calorosa recepção, ver “Mrs. Parsons in London.” The
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 279
83
Parsons também apontou que a discussão sobre a liberdade sexual feminina, chamada
na época de “variedade sexual”, era dominada por homens. “Comrade Lucy Parsons
Writes.” The Firebrand, 14 de fevereiro de 1897, p.6. Dunbar-Ortiz situa Parsons na
história do feminismo estadunidense, mas articula cuidadosamente a natureza classista
do trabalho de Parsons para as mulheres. “One Infallible, Unchangeable Motto: Free-
dom’ Reflections on the Anarchism of Lucy Parsons,”, p. 171- 174. N da A
84
Ashbaugh. Lucy Parsons, p. 251. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 281
85
Parsons se refere a isso como “anarquismo da velha escola”. Por volta de 1907, Par-
sons acreditava que os anarquistas haviam abandonado a ideia de uma “organização”
formada por “membros” responsáveis por “pagar mensalidades e coletar fundos para
propaganda”, visando ao grande ideal de uma sociedade livre. Ver “A Wise Move: on
Anarchist Organization.” The Demonstrator, 6 de novembro de 1907, p. 131. N da A
86
“I’ll be Damned if I Go back to Work under Those Conditions! A May Day Speech,”
p. 156-157. N da A
87
Paradoxalmente, Ashbaugh reconhece que Parsons não se importava “sob os auspí-
cios de quem ela trabalhava”, desde que trabalhasse para “a classe trabalhadora”. No
entanto, Ashbaugh ainda a declara indefensavelmente como membra do Partido Co-
munista. Lucy Parsons, p. 256. N da A
88
Andrew Flood. “Review of Lucy Parsons: Freedom, Equality and Solidarity.” 5 de
maio de 2005. N da A
Lucy Parsons 282
distorcida pelos detentores do poder. Parsons usou essa história para educar
os jovens líderes trabalhistas dos Estados Unidos sobre o poder repressivo do
Estado e infundir indignação apaixonada no movimento trabalhista. Além
disso, Parsons contribuiu para o ideal estadunidense de justiça ao promo-
ver políticas trabalhistas racialmente inclusivas que ajudaram a fortalecer
a tradicionalmente fraca compreensão de classe dos Estados Unidos.
Em maio de 2004, a diretoria do Chicago Park District aprovou a pro-
posta do Parque Lucy Elis Gonzales Parsons. As contribuições de Parsons
ao radicalismo estadunidense certamente merecem ser celebradas, e o Lucy
Elis Gonzales Parsons Park pode servir como um local poderoso para essa
comemoração, apesar das suposições historicamente imprecisas que impul-
sionaram sua criação. Ladeado por várias fábricas em um bairro de classe
trabalhadora intocado pela gentrificação, o cenário do parque Parsons é bas-
tante apropriado91 . O parque poderia facilmente servir como um ponto de
encontro para diversos grupos se unirem por uma causa comum. O parque
também oferece uma oportunidade para Chicago e os Estados Unidos co-
meçarem a abraçar totalmente sua história radical. O passado dos Estados
Unidos é repleto de lutas pela liberdade econômica, e nossa sociedade não
é beneficiada por limitar nossa celebração histórica ao movimento pelos di-
reitos civis e a outras lutas que, muitas vezes, foram domesticadas em suas
narrativas.
De fato, a verdadeira questão não é de quem é a heroína Lucy Par-
sons, mas como podemos aprender com sua luta e como sua história pode
proporcionar uma melhor compreensão do radicalismo estadunidense. Mais
importante ainda, o Parque Parsons deve servir como um lembrete de que
a história que encontramos em uma placa, ou espremida em listas de he-
roínas, certamente foi influenciada pelo presente. A moldagem do legado
de Parsons para atender às necessidades de um governo municipal que não
quer ou não pode celebrar diretamente sua história anarquista nos ensina
que as histórias dos bancos de praça nunca devem ser vistas como a história
completa, mas devem servir como pontos de partida para explorações mais
profundas.
A pesquisa sobre a vida de Parsons está apenas começando. Com a
compreensão de como e por que a história dela foi distorcida, existe uma
oportunidade inestimável de se aprofundar nos registros na tentativa de
desmistificar a vida de Parsons. Há áreas inteiras de sua vida, especialmente
na época da Primeira Guerra Mundial e na década de 1920, que não constam
do registro histórico e que devem ser exploradas. A história de Lucy Parsons
é mais ampla e complexa do que sua condensação em uma biografia ou em
91
Rosenfeld. “Looking for Lucy...,” Social Anarchism. p. 37. N da A
Lucy Parsons 284
Trabalhos citados
AHRENS, Gale. Lucy Parsons: Freedom, Equality and Solidarity: Wri-
tings and Speeches, 1878-1937. Charles H. Kerr, 2004.
Anarchy at an End. Lives, Trial and Conviction of the Eight Chicago
Anarchists: How they Killed and What They Killed with: a History of
the Most Deliberate Planned and Murderous Bomb Throwing of Ancient
or Modern Times: the Eloquent and Stirring Speeches of the Attorneys for
the Defense and Prosecution, with the Able Charge of Judge Gary to the
Jury: Seven Dangling Nooses for the Dynamite Fiends. Hastings Library,
California; Chicago: G.S. Baldwin, 1886. text-fiche.
ASHBAUGH, Carolyn. Lucy Parsons: American Revolutionary. Char-
les H. Kerr, 1976.
AVRICH, Paul. The Haymarket Tragedy. Princeton University Press,
1984.
CLYMER, Jeffory. A. America’s Culture of Terrorism: Violence, Capi-
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DAVID, Henry. The History of the Haymarket Affair: A Study of the
American Social-Revolutionary and Labor Movements. Russell and Russell,
1936.
GREEN, James. Death in the Haymarket: a Story of Chicago, the
First Labor Movement and the Bombing That Divided Gilded Age Ame-
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of the Chicago Martyrs of 1887: Parsons, Spies, Fisher; Engel and Ling.
New York Labor News Co, 1906.
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“the Rebel Girl.” Masses and Mainstream, 1955.
MCKEAN, Jacob. “A Fury for Justice: Lucy Parsons and the Revolu-
tionary Anarchist Movement in Chicago.” Senior thesis, 2006.
PARSONS, Lucy.Life of Albert Parsons with Brief History of the labor
Movement in America. Chicago: by the author, 1889.
. Twenty-fifth anniversary, Eleventh of November, edição come-
morativa. Edição de lembrança dos famosos discursos de nossos mártires
92
“The Principles of Anarchism,” 1905, p. 30. N da A
Mais Perigosa Que Mil Manifestantes 285
para sua defesa. Tanto Goldman quanto Parsons participaram. Nas pa-
lavras de Emma Goldman, a reunião foi enfraquecida devido aos ataques
de Parsons aos editores por permitirem a publicação dos artigos. Goldman
disse que Parsons não tinha razão de se opor ao amor livre já que o anar-
quismo defendia a liberdade tanto econômica quanto social e sexual: