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ÍNDICE
ACADEMIAS
Sérgio Sant’Anna
Academia Pedralva Letras e Artes......................................163 A Senhorita Simpson............................................................ 130

CURIOSIDADES DE NOSSA LÍNGUA FOLCLORE


Deonísio da Silva Folclore do Algarve/Portugal
Expressões e Suas Origens B, C, D........................................ 82 As Três Nuvens......................................................................67
Folclore Frances
ENTREVISTAS O Galo e o Rei..................................................................... 124
Ademar Macedo Folclore Popular Árabe
O Homem atrás do Escritor, o Escritor atrás O Menino Que Consertou o Mundo........................................181
do Homem............................................................................. 75 Pedro Malasartes
Ai, Que Dor de Dente............................................................. 61
ESTANTE DE LIVROS
Ariano Suassuna MÚSICA NA LITERATURA
Romance da Pedra do Reino................................................ 152 Richard Wagner
O Anel do Nibelungo
José Lins do Rego Parte III: Siegfried.............................................. 55
Fogo Morto.......................................................................... 145

Milton Hatoum POESIAS


Relato de um certo Oriente................................................... 116
A. A. de Assis, Ademar Macedo, Delcy Canalles, Gislaine Canales,
O Índio na Literatura Brasileira (2)............................................. 107 Prof. Garcia, Zé Lucas
Sexteto em Setilhas.......................................................................26

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Alice Ruiz Roza de Oliveira
Cristais Poéticos...................................................................182 Poemas Avulsos...................................................................161
Amélia Luz Ruth Rocha
Cristais Poéticos.................................................................... 32 As Coisas que a Gente Fala..................................................141
Anair Weirich Silviah Carvalho
Album de Poemas................................................................ 126 Um Coração que Ama: poemas em versos e textos................104
Andréa Motta Tânia Tomé
Folhas Soltas....................................................................... 176 Livro de Poesias.....................................................................53
Astrid Cabral
Antologia Poética................................................................... 64 TEXTOS DIVERSOS
Colombina A. A. de Assis
Poesias e Trovas Avulsas..................................................... 113 A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá -
Cora Coralina Parte 2.................................................................................187
Livro de Poemas.................................................................... 69 Antonio Brás Constante
Evelyn Heine O filme que ainda não assistimos….........................................34
Poesias Divertidas para Crianças ............................................. 8 Carolina Ramos
Florbela Espanca Triângulo............................................................................... 29
Livro de Poemas.................................................................... 88 Isabel Furini
Janske Niemann O Poder do Livro.................................................................. 169
Poemas Escolhidos.............................................................. 148
Jussara Gabin José de Alencar
Poesias Avulsas.....................................................................60 Ao Correr da Pena (2)
Conto de Fada...................................................12
Lígia Antunes Leivas
Versos Avulsos.................................................................... 119

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Luís Fernando Veríssimo Na Solidão nos Campos de Algodão.................................... 62
Na Fila...................................................................................87
Luiz Poeta TROVAS
Azuis....................................................................................... 7
Antonio Colavite Filho......................................................... 99
Machado de Assis
Pílades e Orestes...................................................................36 Renato Alves........................................................................ 16

Mara Mellini Rita Marciano Mourão.......................................................... 43


Palavra por Palavra..................................................................6 Vanda Fagundes Queiróz................................................... 135
Nilto Maciel
Os Urubus e Deus................................................................ 121
FONTES.....................................................................................194
Panorama da Literatura Italiana............................................92
Rachel de Queiroz José Feldman (biografia).......................................................... 197
Marmota.............................................................................. 139
Stanislaw Ponte Preta
História de um Nome............................................................ 102
Vicência Jaguaribe
Complô no Reino da Fantasia................................................. 19

TEATRO DE ONTEM E DE HOJE


Lua de Cetim........................................................................ 31
Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite...................24
Marina Strachman
Peça Teatral: Bom Demais pra Ser…...................................... 46

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Mara Melinni
Palavra por
palavra

Gosto de me revelar pelas palavras… de depositar nelas os Então chega de emprestar minhas palavras a quem faz delas
meus pensamentos mais profundos, mais humanos. Sou tudo o um meio de contramão; a quem mal fere uma boa intenção,
que está contido no que escrevo, ao meu modo, meu estilo. E subvertendo as minhas vírgulas e pontos finais, buscando neles
aqui, no meu espaço, reino soberana… Tenho liberdade para o que não foi dito. A palavra, sim, tem poder. Mas o que tenho
dizer o que penso, sem amarras, sem algemas. Porque não há em mira é somente o que eu disse no início e o que se
nada pior, para um escritor, do que viver sob a sombra da apresenta em todo o meu universo real e virtual: o BEM. O que
censura… Especialmente, quando se usa da palavra para atingir faço com tanto gosto é inspirado em um mundo mais humano.
bons fins. Para tocar alguém, resgatar o bem. E, permitam-se dizer, mais justo. Longe de ser perfeita, pelo
A minha palavra não visa outra coisa, senão unir, somar, contrário… tendo consciência das minhas ações.
dedilhar sonhos, semear esperança. Nas minhas reticências, Minha palavra não mora em gaiola, nem sobrevive de favores.
procuro lançar ao vento novos pensamentos, ideais, buscando Tem existência própria, respira ar puro. Voa… Às vezes, chora…
sopros de valores e de conforto para quem lê ou escuta. Assim, é melancolia. Em outras, ri… e se mostra larga. Chega em
sou inteira. Sou verdadeira. Não preciso de disfarces, minha versos, sai em prosa. Mas o mais importante de tudo isso:
palavra tem a força da coragem e a leveza da serenidade. Não Procura apaziguar, não desunir; é livre e me pertence. E tenho
preciso fazer mea-culpa pelo que digo, tampouco temer o fato dito.
de que não fui compreendida… É que eu não procuro intervir,
procuro somar. Positivamente. Quem me conhece, sabe.

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Luiz Poeta
Azuis

Elas estavam nos lados opostos da rua. Uma chamava-se oportunamente, não titubearam: atravessaram logo a rua. Uma,
Ruth; a outra, Carolina. Precisavam de um nome, entretanto a vagarosamente apoiada na expressiva nudez de uma bengala de
espontânea maneira como se miravam à distância de uns vinte madeira; a outra, aos pulinhos, solta sob o vento realçando os
metros dava-lhes uma especial identidade. movimentos do vestidinho rosa.
Não havia semáforos e os carros eram mecanicamente Encontraram-se quase no meio da estrada, sob os
vorazes, mas as duas ignoravam suas velocidades; fitavam-se implacáveis raios de sol do mês de dezembro... afinal,
alheias aos flashes de cada veículo a oitenta quilômetros precisavam de uma data para celebrar aquele momento pleno
horários sobre a sedutora e lisa excitação do asfalto. de embevecimento e excitação.
Os sorrisos tornaram-se reciprocamente simultâneos. O Não se conheciam, porém não havia necessidade de
de oitenta e cinco anos nunca fora tão inocente; o de três, tão apresentação; os sorrisos cumprimentavam-se desde a primeira
ávido. Ambos, cada qual com sua tema peculiaridade, eram uma troca de olhares.
agradável e afetuosa conversa sem palavras, Pararam uma frente a outra, numa serenidade
Ruth sorria para um nebuloso tempo do seu passado; contemplativa de cujos azuis emanavam eternidades.
Carolina, para um futuro longínquo, ambas magnetizadas pelo A menininha alongou a frágil mãozinha, puxando
inusitado brilho de dois olhares profundamente azuis... carinhosamente a idosa para o lado de onde viera. Era um
azuladamente felizes. retorno marcado por cuidadosa precaução, numa silenciosa e
Num átimo, depois que dois últimos carros cruzaram-se lírica perenidade de passos calculados.

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Findo o trajeto, num quase derradeiro sorriso de leveza de gestos, os carros foram parando... um... a um... para
felicidade, retribuído por outro de agradecimento. Carolina que a menina de três anos avançasse levando, nos seus
simulou retomar. momentos mais azuis, a realização de um sonho tão grandioso e
A velhinha comprimiu sua mãozinha com suavidade, necessário como a sua aparentemente menor e mais expressiva
como que pedindo mudamente que aguardasse. A seguir, abriu atitude.
uma antiga e rota bolsa que levava consigo, retirou dela uma Carolina voava como um passarinho e nem o calor do
frágil bonequinha de pano c entregou-a para a menina. asfalto incomodava a maciez dos seus pezinhos descalços. Na
O êxtase durou o tempo do embevecimento que mão, a bonequinha de pano parecia dizer adeus à úmida
eternizaria aquele sublime instante. lágrima de Ruth, que deslizava afetuosa sobre o melhor dos seus
A inefável fisionomia de Carolina congregava todos os silêncios e o mais sublime dos seus sorrisos... azuis.
risos num único sorriso imediatamente correspondido.
Em reverência àquele lírico momento marcado pela (Texto premiado pela União Brasileira de Escritores)

Evelyn Heine
Poesias Divertidas
para Crianças
DOENCITE Olho embaçado,
Braço cruzado.
Às vezes a gente acorda
Achando tudo errado: Tontura, enxaqueca…
Nariz tapado, Tem nhaca de todo lado.
Quem será que me botou

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Todo esse mau-olhado? BI, BI, FON, FON!
Dorzinha esquisita,
Será que é sério? Carro cachorro louco
Ai, corpo humano… Late, buzina, avança!
Quanto mistério! Um rosnando para o outro
Depois, tudo passa! Feito briga de criança.
Vai como veio! Pra que isso, minha gente?
E até acho graça Paz é mais inteligente!
De tanto receio!
Na estrada ou na rua
ÁGUA DOCE, DOCE ÁGUA O caminho vai e volta.
De mar é feita a terra, Passa a vida das pessoas,
De água é feita a gente. Passa o sol, passa a paisagem.
Abaixo o desperdício! Passam carros coloridos,
Poupar água: coisa urgente! O destino na bagagem.
“Quem fica parado é poste”,
Clara, doce ou gelada, Como diz José Simão.
Verde, azul ou transparente, Para o trânsito dar certo,
Sem a água não há nada. Tem a sinalização.
Nem floresta, nem semente.
Eu vou, tu vais, ele vai.
Água doce mata a sede, Nós vamos, vós ides, eles vão.
Água doce é a que lava. Cada um tem seu caminho,
Cachoeira, rio ou fonte… Mas não vale contramão!
Só não pode ser salgada.
Se eu pego a contramão,
Tanto bate até que fura, Passo no sinal fechado,
Diz ditado popular… Está feita a confusão.
Cuida dela! Você jura? É encrenca pro meu lado.
Vamos economizar!

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Vai falar no celular, Um favor nunca negou.
Ou mudar de estação? Dá conselhos sempre espertos.
Então é melhor parar!
Dirigir pede atenção. Sua mãe também deve ser única, sem igual.
Aposto que é especial!
Pra que serve tanta placa? Porque mãe é feita de encomenda pra gente,
Tem até uma com vaca. Só o amor é que é igual.
Menino, montanha, “E” com “X”…
Tem flechinha pra cá e pra lá… OLHA A CARETA!
Eu pergunto e meu pai diz:
“Serve para organizar”. Amanda era uma menina bonitinha.
Cheia de sardinha. Cabelo de trancinha.
Tão engraçadinha!
MÃE… A MINHA É DIFERENTE! Mas foto dela, não tinha.
Dizem que mãe é tudo igual. Na hora de tirar fotografia, só fazia estripulia.
Só muda o endereço. Não ria.
Mas a minha é mais legal, Nem sorria.
A melhor que eu conheço. Sabe o que é que aparecia?
Só careta!
Minha mãe é diferente, De todo jeito…
Com sotaque engraçado. Nariz torto, boca torta, só folia.
Ela faz tudo ao mesmo tempo, A cara mesmo, ninguém via.
Deixa o tempo até cansado. O pai pedia:
– Risadinha, minha filha!
Conversa com todo mundo de uma vez, Aí ela estufava as bochechas o mais que podia.
Faz pergunta e nem ouve a resposta. Ficava com cara de melancia.
Você fala, ela já está longe, A mãe dizia:
Mas é assim que a gente gosta. – Faz “X”, filhinha!
Mas não fazia.
Do seu jeitinho, nos conquistou Nem pra vovó, nem pra titia.
A todos os filhos, genros e netos. “Ninguém me manda”, sacudia Amanda.

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Mas um dia, um belo dia, a danadinha arranjou um namorado.
E ele pediu uma foto. Você brinca o dia todo
Pra guardar na carteira, com os adesivos de estimação, um E com tudo que aparece.
chiclete e duas moedas. Se adulto é quem brinca,
– Xi… não tenho. – disse Amanda, desenxabida. Dizem dele: “Este não cresce!”
– Ora, então tira. – pediu o namorado.
– Não posso. – tristinha, disse ela… Mas criança se diverte
– …Agora estou banguela! De um jeito diferente.
Ela leva mais a sério
QUER BRINCAR? A missão de ser contente.
Alegria de criança Qualquer coisa nessa vida
É tão fácil, tão gostosa! Pode virar brincadeira.
Qualquer sonho se alcança. Chuva, rio, nuvem surgida…
E a vida é cor-de-rosa. Qualquer coisa que se queira.
O brinquedo ou a caixa, Quando você for grande
Tudo serve pra brincar. Continue a diversão.
Tudo sempre se encaixa Com bola, pintura ou casinha…
Nesta fase de inventar. Existe uma profissão!
Pega-pega, esconde-esconde, mau-mau… Até mesmo com palavras
Gato mia, polícia e ladrão… A gente pode brincar.
Brincadeira mais legal Está vendo esta poesia?
Vem da imaginação. Eu brinco é de rimar!

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José de Alencar
Ao Correr da Pena (2)
Conto de Fada
(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7
de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).
sofrer a inconstância, no que lhes acho toda a razão; e por isso a
O título que leva este artigo me lembra um conto de fada que fada de meu conto, temendo a rivalidade dos anjinhos cá deste
se passou não há muito tempo, e que desejo contar por muitas mundo, onde os há tão belos, tomou as formas de uma pena,
razões; porque acho-o interessante, porque me livra dos pena de cisne, linda como os amores, e entregou-se ao seu
embaraços de um começo, e me tira de uma grande dificuldade, amante de corpo e alma.
dispensando-me da explicação que de qualquer modo seria Não serei eu que desvendarei os mistérios desses amores
obrigado a dar. Há de haver muita gente que não acreditará no fantásticos, e vos contarei as horas deliciosas que corriam no
meu conto fantástico; mas isto me é indiferente, convencido silêncio do gabinete, mudas e sem palavras. Só vos direi e sito
como estou de que escritos ao correr da pena são para serem mesmo, é confidência, que, depois de muito sonho e de muita
lidos ao correr dos olhos. inspiração, a pena se lançava sobre o papel, deslizava docemente,
Um belo dia, não sei de que ano, uma linda fada, que chamareis brincava como uma fade que era, bordando as flores mais
como quiserdes, a poesia ou a imaginação, tomou-se de amores delicadas, destilando perfumes mais esquisitos que todos os
por um moço de talento, um tanto volúvel como de ordinário o perfumes do Oriente. As folhas se animavam ao seu contato, a
são as fantasias ricas e brilhantes que se deleitam admirando o poesia corria em ondas de ouro, donde saltavam chispas
belo em todas as formas. Ora, dizem que as fadas não podem brilhantes de graça e espírito.

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Por fim, a desoras, quando já não havia mais papel, quando a de repente e sem esperar a ler o que escreveu. Estou persuadido
luz a morrer apenas empalidecia as sombras da noite, a pena que não gastareis o vosso tempo a censurar o título, que vale
trêmula e vacilante caía sobre a mesa sem forças e sem vida, e tanto como qualquer outro. Quanto ao artigo, correi os olhos,
soltava uns acentos doces, notas estremecidas como as cordas como já vos disse, deixai correr a pena; e posso assegurar-vos
da harpa ferida pelo vento. Era o último beijo da fada que se que, ainda assim, nem uns nem a outra correrão tão
despedia, o último canto do cisne moribundo. rapidamente como os ministros espanhóis diante das pedradas e
Assim se passou muito tempo; mas já não há amores que durem do motim revolucionário de Madri.
sempre, principalmente em dias como os nossos, nos quais o Já sabeis em que deu toda esta história, e por isso prefiro
símbolo de constância é uma borboleta. Acabou o poema contar-vos outras notícias trazidas pelos dois últimos paquetes
fantástico no fim de dois anos; e um dia o herói do meu conto, a respeito da questão do Oriente, que , segundo uma
chamado a estudos mais graves, lembrou-se de um amigo observação muito espirituosa, tomou para a Áustria certo
obscuro, e deu-lhe a sua pena de ouro. O outro aceitou-a como caráter medicinal de muita importância. Napier, como velho
um depósito sagrado; sabia o que lhe esperava, mas era um teimoso, continuava de namoro ferrado com a soberba
sacrifício que devia à amizade, e por conseguinte prestou-se a Cronstadt, que em negócio de amores parece-me ter mais fé nos
carregar aquela pena, que já adivinhava havia de ser para ele cossacos do que nos ingleses velhos. Entretanto por prudência o
como uma cruz pesada que levasse ao calvário. nosso almirante foi-se arranjando com Bommarsund para
Com efeito, a fada tinha sofrido uma mudança completa: passar o inverno. Bem mostra que é inglês e teimoso. Jurou que
quando a lançavam sobre a mesa, só fazia correr. Havia perdido havia de passar, e, como não lhe deixam passar o canal,
as formas elegantes, os meneios feiticeiros, e deslizava embirrou que havia de passar o inverno. Queira deus, porém,
rapidamente sobre o papel sem aquela graça e faceirice de que não seja o inverno que passe por ele!
outrora. Já não tinha flores nem perfumes, e nem centelhas de Enquanto os ingleses na Finlândia se conservam frios, não por
ouro e de poesia: eram letras, e unicamente letras, que nem causa dos gelos do norte, mas sim por causa do fogo da Rússia,
sequer tinham o mérito de serem de praça, que serviria de os ingleses de Londres saíram do sério e deram a mais
consolo ao espírito mais prosaico.Por fim de contas, o outro, formidável pateada em Mário, o belo tenor, que cantava Cujus
depois de riscar muito papel e de rasgar muito original, animam numa noite de representação em Convent-Garden.. A
convenceu-se que, a escrever alguma coisa com aquela fada que história desses motim teatral, contada pelo folhetim do
o aborrecia, não podia ser de outra maneira senão – Ao correr Constitutionnel, deveria ser bem estudada por grande número
da pena dos nossos dilettanti, que se contentam em fazerem um barulho
De feito, começou a escrever ao correr da pena, e como se trata insuportável no teatro, desaprovando pobres artistas sem
de conto fantástico, não vos admirareis de certo se vos achardes

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mérito, e deixando em paz os únicos responsáveis de e, depois de muitas salvas de aplausos, consta-nos que o nosso
semelhantes atos. barítono brilhante saiu do teatro mais brilhante do que nunca
O povo de Londres é mais positivo; depois de ter desaprovado entrara.
os cantores, obrigou a vir à cena o empresário, e a todos os seus Tão feliz como Ferranti não foram dois inspetores de quarteirão
speechs respondeu um só grito uníssono: money, money. A lá das bandas de São Cristóvão, que faziam o seu benefício à
coisa não prestava, exigiam a restituição do dinheiro, o que era nossa custa, sem nem ao menos terem a delicadeza de nos
muito justo: até dez horas pagaram-se bilhetes recambiados! O advertirem. A polícia, que nem sempre está ocupada em dar
empresário teve de repor dinheiro de sua algibeira, mas no dia passaportes e prender negros fugidos, assentou que, sendo a
seguinte Mário foi aplaudido com três salvas estrepitosas no semana de benefícios, devia também fazer o nosso, o do público,
romance da Favorita. demitindo-os, isto é, dispensando aqueles honrados cidadãos do
Decerto, a causa desta demonstração a favor de Mário não foi grande obséquio que nos faziam em servir-nos de graça.
unicamente a sua bela voz de tenor e a sua presença agradável, O excesso em tudo, porém, é prejudicial, e o benefício, quando
mas também a influência da Favorita, que ainda nos desperta não é pedido, é incômodo, como essa resolução dos números
tantas emoções e na qual os parisienses, mais felizes do que nós, dos bilhetes de teatro que ontem foi posta em vigor. Tiram-nos
vão recordar atrasados ouvindo a Stoltz, que se esperava devia os lenços e as marcas, que eram mais pitorescas e mostravam
cantar no primeiro meado de agosto na ópera de Paris. Também no público uma delicadeza louvável. Acharam que isto era mau;
nós tivemos esta semana nossas recordações bem doces da dessem-nos coisa melhor, e não pusessem em homem grave na
Stoltz e da Favorita e lembramo-nos com saudade de Arsace dura necessidade de ir ao teatro lírico recordar a tabuada. Além
na noite do concerto Malavazi, que esteve brilhante em todos os de não se saber que número terão as travessas e mochos, se
sentidos. Nada faltou, houve de tudo, e até desgostosos, que pertencerão aos inteiros, aos quebrados ou aos décimos, faço
sentiam que ainda faltava alguma coisa; o que isto era não sei; é idéia em que apertos não se verá um pobre homem que não
provável que fosse o chá do costume, que, a falar a verdade, não souber ler ou que for míope, a procurar o tal número constante
atino com o princípio higiênico por que foi banido dos de um pedacinho de papel microscópio, que precisamente no
concertos. momento necessário, e como para fazer pirraça, some-se no
Além destas recordações, tivemos a nossa festa musical na labirinto de uma carteira ou nas profundezas de um desses
segunda-feira, noite do benefício do Ferranti. O ator simpático bolsos à maneira, de vastas dimensões!
cantou como nos seus bons dias, e desempenhou Quando vi pela primeira vez enfileirados pelos recostos das
primorosamente a cena dos Prigioni de Edimburgo, que, à custa cadeiras aqueles batalhões de números brancos, que sem licença
de esforços seus, foi o mais bem ensaiado possível. Nesta noite e com a maior sem-cerimônia do mundo se iam retratando a
as mãos pagaram os prazeres do ouvido, num e noutro sentido, daguerreótipo nas costas das nossas pobres casacas, julguei que

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aquilo seria uma medida policial, por meio da qual os agentes Falemos sério. – A independência de um povo é a primeira
ocultos poderiam seguir fora do teatro algum indiciado ou página de sua história; é um fato sagrado, uma recordação que
suspeito de importância, que fosse reconhecido no salão. Mas se deve conservar pura e sem mancha, porque é ela que nutre
nunca pensei que, quisessem ainda numerarem os bancos as esse alto sentimento de nacionalidade, que faz o país grande e o
casacas dos dilettanti, quisessem ainda numerar-lhes os assentos, povo nobre. Cumpre não marear essas reminiscências de glória
e obrigar um homem a comprar por dois mil réis o direito de com exprobrações pouco generosas. Cumpre não falar a
estar preso numa cadeira e adstrito a um número como um linguagem do cálculo e do dinheiro, quando só deve ser ouvida
servo da gleba. a voz da consciência e da dignidade da nação.
Também o que nos faltava era justamente uma nova questão de Com essa questão importante tem ocupado a atenção da
bancos, embora de espécie diferente, porque a outra, a das Câmara a discussão de um projeto do Sr. Wanderley sobre a
sociedades comanditárias, já vai ficando velha e está quase a ir proibição do transporte de escravos de uma para outra
fazer companhia à do Oriente, à dos seiscentos contos e outras, província. Este projeto, que encerra medidas muito previdentes
que provavelmente hão de reaparecer daqui a algum tempo, a bem da nossa agricultura, e que tende a prevenir, ou pelo
como está sucedendo na Câmara dos Deputados com a das menos atenuar uma crise iminente, é combatido pelo lado da
presas da independência. inconstitucionalidade, por envolver uma restrição ao direito de
O crédito proposto pelo Ministério da Marinha tem sido propriedade. Entretanto a própria Constituição autoriza a
combatido por falta de uma liquidação regular; mas tudo induz limitar o exercício da propriedade em favor da utilidade pública,
a crer que desta vez o negócio ficará decidido. E depois disto, que ninguém contestará achar-se empenhada no futuro da
neguem-me que o Brasil seja um gigante! Uma criancinha que nossa agricultura e da nossa indústria, principal fim do projeto.
só aos trinta anos lhe começam a sair as primeiras presas! A Por hoje basta. Vamos acabar a semana no baile da Beneficência
falar a verdade, já era mais que tempo de soltarem-se estas Francesa, onde felizmente não há, como em Paria, a quête feita
malditas presas, por causa das quais andam presas tantas pelas lindas marquesinha, e onde teremos o duplo prazer de
algibeiras. beneficiar aos pobres e a nós mesmo divertindo-nos.

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Renato Alves
Jardim de Trovas

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A água pura não tem cor, Ao repensar minha história, Com esplendor natural
nem branca, nem amarela; encontrei com emoção e fulgor exuberante,
não tem cheiro, nem sabor... por trás de cada vitória de uma gota no varal
Mas ninguém vive sem ela! um mestre no coração! o sol faz um diamante.
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Agradeço a quem quiser-me Ao te encontrar, velha agenda, “Conhecer não é saber”
como eu sou, como um irmão... lá no fundo da gaveta, - ensina a douta ciência...
Não é na cor da epiderme meu passado se desvenda... ”Pôr alma no que aprender” ,
que se vê meu coração! És a minha “caixa-preta”! isto, sim, é sapiência!
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Ao receber tuas cartas Beleza de mais efeito Coração, relógio louco
uma frustração me invade: que este colar de rainha que registra o meu desejo,
tu me dás notícias fartas, tu não tens sobre o teu peito, bate muito ou bate pouco,
mas me matas de saudade! dentro dele é que se aninha... na medida em que te vejo!

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10 16 22
De meu pai herdei o nome, Minha vida era rotina O mar geme nos rochedos
de minha mãe, a ternura; tão amarga quanto fel, prantos tão desconsolados,
da pobreza herdei a fome, mas transformou-se, menina, pois guarda muitos segredos
a minha herança mais dura! com sua chegada, em mel! e sonhos dos afogados...
11 17 23
Eis meu desejo ideal, Não diga que é velho alguém O mestre faz da alma um templo
minha utopia e quimera: pela idade transcorrida... para ouvir nossa oração,
– Ver teus braços, afinal, Só é velho quem não tem e, assim, mostra que é o exemplo
abrirem-se à minha espera! mais sonhos em sua vida! que ensina qualquer lição!
12 18 24
Escute a voz da razão: Ninguém há que saiba tudo, O muro é separação,
– Nunca esmoreça, persista!... nem tudo pode saber... produto de preconceito;
É com determinação Muito se aprende e, contudo, se você quer união,
que o sonho vira conquista. há sempre o que se aprender! construa pontes no peito!
13 19 25
Mais rápido do que a luz, No campo foi algodão, O trabalho é punição,
através do imaginar, tornou-se fio e tecido, uma herança do passado...
pensamento nos conduz ganhou cor e confecção... Deus quis castigar Adão,
a todo e qualquer lugar, Está pronto o seu vestido! e sobrou pro nosso lado!..
14 20 26
Mesmo em meio à dura lida, Nunca condenes o irmão “O vinho seco faz bem!”
fazer versos nos renova: sem de provas ter ciência; - recomendou sua avó...
– Cabe todo o bem da vida dá-lhe, sem contestação, E ele foi ao armazém,
nas quatro linhas da trova! a presunção da inocência. e lá pediu: “Vinho em pó!”
15 21 27
Mil livros já devorei, O gajo, sendo um velhaco, Pandorga... cafifa... pipas...
mas neles não achei graça, engajou-se bem no ofício: tens nomes em abundância,
até hoje eu nada sei... – um cargo de puxa-saco mas com todos participas
– Muito prazer, sou a traça! pra puxar palma em comício! dos sonhos da nossa infância!

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28 34 40
Planto o grão com uma meta: Quando o amor é inconsequente, Se és duro de coração,
- Gerar vida em profusão... nas mais tórridas paixões, não perdes por esperar:
E este ciclo se completa pode fundir-se a corrente do céu só terá perdão
quando o trigo vira pão. que liga os dois corações! quem é capaz de perdoar.
29 35 41
Pode ser pobre ou poeta, Quem de si não cede nada, Ser poeta é transformar
sem perder a autoestima; no céu não terá lugar. a palavra em brasa ardente
mas há de ter como meta Coisa mais abençoada para com ela queimar
não ter pobreza na rima. do que receber... é dar! a emoção que está na gente!
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Quando a feia se “embeleza” , Quem não tem medo da morte, Se tens pela vida apreço,
mas o resultado é trágico, quem nunca faz nada em vão, não entres na droga braba!
diz o espelho, que se preza: quem, antes de tudo é um forte... Tu decides o começo,
– Ela pensa quer eu sou mágico!... Este é o homem do sertão! mas não sabes como acaba.
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Quando a humana insensatez Que nome você daria Sigo, no delírio infindo
dissemina a poluição, ao que sente a mãe que chora da saudade que me arrasa,
para ter sol outra vez, ao pé da cama vazia uma só música ouvindo:
só com imaginação... de um filho que foi embora?... os teus passos pela casa!
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Quando do meu lar amado Razão e Emoção, na gente, Sob chuva ou sol que abrasa,
transpus o velho portão, são irmãs, mas não se dão: como nos tempos antigos,
pedaços do meu passado a primeira habita a mente, o portão da minha casa
espalharam-se no chão! a segunda, o coração! não se fecha aos meus amigos!
33 39 45
Quando estou no teu regaço, Se és de fato um vencedor Tal qual pérola valiosa
tu me dás consolo e mel... deves sempre ter em vista, que na ostra tem morada,
Como há sonho em teu espaço, não o prêmio e seu valor, minha alma tão pretensiosa
livro, amigo de papel! mas o prazer da conquista! mora no peito da amada.

18
46 48 50
Te enfeiticei, fui omisso, Terrível palavra é o “não” Tu me prendes, me agrilhoas,
quis um “caso” passageiro; que corta, poda, cerceia... me escravizas sem sentir,
mas o Amor fez o feitiço Feliz quem, no coração, mas destas algemas boas
virar contra o feiticeiro! traz o “sim” que a paz semeia! eu não pretendo fugir..
47 49 51
Ter fé, amor, otimismo Tua pele o vento alisa, “Vitamina está na casca!”
e uma inabalável crença sensual, com seu frescor. -De um comilão eu ouvi...
nos faz saltar sobre o abismo Como eu invejo esta brisa E quase que ele se enrasca
de qualquer indiferença! que te alisa, meu amor!... ao comer abacaxi!

Vicência Jaguaribe
Complô no
Reino da Fantasia
Uma palavra para o leitor à procura de um autor, do italiano Luigi Pirandello, seis
Esta história não deve, de maneira alguma, causar-lhe personagens, ao serem rejeitadas por seu criador, entram
estranheza, leitor, pois o fenômeno não é novo: não é a na vida real e tentam convencer um diretor de teatro a
primeira vez que personagens de ficção saem das páginas encenar suas histórias.
dos livros, ganham autonomia e penetram no mundo real. **********
Vou dar só um exemplo: na peça teatral Seis personagens

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Conta-se — mas eu não assino embaixo — que, certa os príncipes fazem tudo isso diferente de nosotros. Não
vez, viu-se, no castelo do Príncipe Rodolfo, herdeiro do confirmo nem nego essa afirmação porque nunca em
reino da Appelândia, uma movimentação desusada: há minha vida vi um príncipe de verdade.
três dias, cavalariços sonolentos limpavam as cocheiras e Os convidados fizeram-se anunciar um a um para
reorganizavam as baias para receber mais animais; imprimir à entrada mais pompa e circunstância:
fornecedores chegavam a todo momento para abastecer Sua Alteza Real o Príncipe Nicolau, do Reino da
as despensas; criados domésticos limpavam e arejavam Hipnolândia e da história “A Bela Adormecida”;
os aposentos fechados e com cheiro de mofo, trocando a Sua Alteza Real o Príncipe Alexandre, do Reino da
roupa de cama, acendendo lareiras e enchendo as Cindelândia e da história “Cinderela”;
grandes tinas de banho, com uma água que talvez nem Sua Alteza Real o Príncipe Aníbal, do Reino da
fosse usada — dizia-se, em surdina, que a maioria dos Ferolândia e da história “A Bela e a Fera”;
príncipes não gostava de banho —; chefes de cozinha de Sua Alteza Real o Príncipe Orlando, do Reino da
fama internacional começavam a preparar pratos que, só Ursolândia e da história “Branca de Neve e Rosa
de olhar, despertavam não apenas a fome, mas a vontade Vermelha”;
de comer. Sua Alteza Real o Príncipe Alberto, do Reino da
Sua Alteza Real receberia em seu castelo os príncipes Bravolândia e da história “O príncipe que não temia coisa
que tinham suas vidas e aventuras registradas e alguma”;
deturpadas nos tradicionais contos de fada. Ele próprio Sua Alteza Real o Príncipe Ambrósio, do Reino da
fora atingido no papel que desempenha no conto “Branca Sapolândia e da história “Rei Sapo ou Henrique de Ferro”.
de Neve e os sete anões”. Mas isso vamos deixar para E foram anunciados outros príncipes de terras
depois. longínquas, cujas histórias eram pouco conhecidas. O
Tudo pronto, o príncipe Rodolfo vestiu sua roupa príncipe Rodolfo encaminhou suas altezas a um grande
principesca, com manto de príncipe, sapato de príncipe, salão decorado de espelhos e de lustres feitos do cristal
chapéu de príncipe e tudo o mais de príncipe, e esperou. mais puro.
Se alguém duvidava ser ele um príncipe de verdade, a Todos entraram e a porta foi fechada. Aquela era uma
dúvida acabava ali, naquele momento. Ser príncipe estava reunião cuja pauta devia ficar em completo sigilo.
em seu corpo e em sua alma: no jeito de olhar, de falar, Príncipes de reinos mais pobres olhavam aparvalhados
de andar, de dar ordens, de amar e de odiar. Dizem que para tanta beleza e luxo. Os do Oriente admiravam-se

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com a diferença do gosto e da noção de beleza. Os dos de muitos dos seus pares, como elas eram retratadas nas
países mais próximos observavam tudo com uma histórias. E não gostou do desvelamento feito pelo seu
pontinha, deste tamanho, de inveja. senso crítico agora aguçado.)
Quando todos se acomodaram, o Príncipe Rodolfo, — Nossas vidas são exatamente como vou aqui expor.
sentado na cabeceira da enorme mesa, abriu a reunião, Digo, sem titubeio, que não temos nenhuma importância,
falando o maravilhês, língua usada por todos os que nenhum carisma e, principalmente, não temos caráter ou
vivem na dimensão da magia e do maravilhoso. personalidade.
— Meus amigos, dignos Príncipes dos reinos vizinhos e — Vossa Alteza nos chamou aqui para nos falar de
dos reinos longínquos, vocês devem ter ficado curiosos e nossos defeitos e fraquezas? — Ouviu-se a vozinha fraca
também preocupados com o meu convite. Deixem-me do Príncipe Sapo.
dizer-lhes o motivo pelo qual eu, presidente da Associação — Não. — Retomou a palavra o Príncipe Rodolfo. —
dos Príncipes dos Contos de Fada — APCF —, Chamei-os para alertá-los sobre a maneira como os
convoquei-os para esta reunião: rever a posição e a escritores nos apresentam em suas histórias. Eles
caracterização dos príncipes nos contos de fadas. Relendo, desvalorizam nossas figuras. Esse é um ponto que atinge
há pouco tempo, algumas obras famosas, tomei todos os príncipes dos contos maravilhosos, que só
consciência de como somos tratados nas histórias. E não existem neles e por eles. Nesses contos, não temos nem
gostei do que descobri. nomes; somos conhecidos pelo nome da protagonista da
(Vamos dizer a verdade sobre o despertar da história, que geralmente está presente no título da
consciência crítica do Príncipe Rodolfo. Não foram os narrativa — o príncipe de “Branca de Neve”; o príncipe de
livros que ele diz haver lido, mas algo muito mais sério. “Rapunzel”, e assim por diante. Cada um de nós é
Um dia, quando admirava aquela sala e seus lustres, simplesmente o Príncipe, como se não fôssemos
acompanhado do pai, o Rei William, ouviu dele a indivíduos, mas entidades sociais ou pessoas jurídicas.
informação do encantamento que envolvia o aposento: se Você, por exemplo, Príncipe Nicolau, seu nome não
uma pessoa tivesse certeza do que queria, se estivesse aparece uma única vez na história da Bela Adormecida. E,
disposta a corrigir os erros de uma situação, ao fixar-se o que é mais, grave: amputaram o seu conto. Ele termina
em um dos espelhos teria o senso crítico intensificado. Na no seu casamento com a princesa ex-adormecida. Nada
primeira oportunidade, o Príncipe voltou ao salão e, ao daquele final macabro, que faz até jacaré chorar.
mirar-se em um dos espelhos, enxergou a própria vida e a

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— É verdade que o cortaram nesse ponto?! E o que preso em sua garganta. Imediatamente após o incidente,
fizeram com o restante? pedi a princesa em casamento.
— Ora! Amassaram e jogaram no lixo. Não vê que E com sua história — “Rei Sapo ou Henrique de Ferro”
agora, no mundo do reality show, é proibido contar para —, Príncipe Ambrósio, ainda foi pior. Nem príncipe
as crianças certos detalhes das histórias. Também aparece. Em uma das versões modernas da história, o
inventaram um tal de politicamente correto, que está sapo se transforma, vejam só, em um corretor de imóveis,
levando os novos escritores a deformar as histórias que planeja construir, na bela floresta do reino da
tradicionais. Sapolândia, o que eles chamam de shopping center.
— Como pode ser isso? — Perguntou o Príncipe Outro detalhe: até o criado tem nome — Henrique. E
Ambrósio. Vossa Alteza, nada.
— Pode, meu amigo, no mundo do reality show, as — Mas qual a razão de fazerem isso com a minha
coisas mais estapafúrdias acontecem. E tudo é muito história?
contraditório. A minha história foi alterada: inventaram — Acho que foi para denunciar a destruição das
que Branca de Neve acordou com um beijo meu. florestas que está acontecendo por lá, pelo mundo da
Imaginem se eu beijaria uma defunta ou uma quase! Os realidade.
deuses me protejam! A verdade é que, quando a vi — E o que houve com minha história? — A pergunta
deitada no esquife, bela como eu jamais pensara que uma vinha do príncipe Alexandre.
princesa pudesse ser, apaixonei-me. Tentei comprar o — A sua história, Alteza, já é ridícula desde que foi
esquife, mas os anões negaram-se a vendê-lo. Quando, inventada — falou o príncipe Rodolfo, com sua franqueza
porém, entenderam que eu ficara profundamente habitual. Quem já viu um príncipe de sangue real ir de
apaixonado pela garota e ouviram minha declaração de casa em casa com um sapato na mão, procurar a dona
amor — Dai-me, então, como um presente, pois não desse sapato, que poderia até ser uma plebeia, para com
posso viver sem ver Branca de Neve. —, tiveram ela se casar! E, ainda por cima, Vossa Alteza prepara a
piedade de mim e mandaram-me levar o caixão. Os festa, dança com a jovem desconhecida e ninguém sabe,
servos que traziam o esquife para o meu castelo nem a jovem, muito menos o leitor da história, que seu
tropeçaram. A urna não caiu, mas balançou muito, o que nome é Alexandre.
fez a princesa expelir o pedaço da maçã envenenada — Suas palavras me ofendem, príncipe Rodolfo.

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— Desculpe-me. É esta minha boca que insiste em ser falsos heróis. São tão sensíveis, mas tão sensíveis mesmo,
sincera, por isso exagera na verdade. que sentem o desconforto causado por uma ervilha
— Desculpas aceitas, Príncipe Rodolfo. colocada sob vários colchões. Me dá vontade de falar
— E sabe, Príncipe Alexandre —, continuou o Príncipe como falam os príncipes e os não príncipes do mundo real:
Rodolfo — que os estudiosos descobriram uma versão da Minha amiga, me dá um tempo. Que tal se garantir um
sua história muito mais antiga do que a europeia que pouco e esperar menos? Afinal de contas, o que as
conhecemos? E, talvez, bem mais interessante. É chinesa pessoas do mundo do reality show pensam que nós,
e parece ter sido a primeira versão escrita do conto moradores do mundo paralelo da fantasia, somos, para
“Cinderela” ou “Branca de Neve”. nos representar assim?
— Interessante, muito interessante! Mas humilhante — É, a situação é grave e vergonhosa. O que Vossa
para este Príncipe aqui, que nem original é. — Alteza sugere que façamos? — Perguntaram os príncipes
Choramingou o Príncipe Alexandre. ao mesmo tempo.
— Bem — retomou a palavra o Príncipe Rodolfo — para — Sugiro uma crise de ilustrações. Sem ilustrações,
encerrar nossa reunião, um detalhe dos mais graves: nada de livro para criança. Cada um de nós se
todos nós, os príncipes, parecemos, nos contos de fada, encarregará de achar alguém com o poder de fazer
uns idiotas. Apaixonamo-nos, à primeira vista, pela desaparecerem todas as ilustrações das histórias que
primeira jovem bonitinha que aparece e, rápido como a foram alteradas. Vamos marcar outra reunião para de
queda de um raio, contratamos casamento. E ainda hoje a um mês.
somos apresentados como uns imbecis e preguiçosos, Satisfeitos, Suas Altezas dirigiram-se à sala onde
que levam a vida caçando, passeando e tentando serviriam o almoço, que foi digno dos deuses. Depois do
encontrar dragão. Não temos nenhum papel no reino, a almoço, repousaram uma meia hora e foram à caça. O
não ser procurar uma noiva e defendê-la dos dragões e Príncipe Rodolfo, com seu senso crítico hipertrofiado pela
das maldições das bruxas. Isso me deixa desolado. E tem permanência na sala mágica, pensou um pensamento tão
mais: aquele felizes para sempre já está tão fora de moda! estranho quanto polêmico: Será que os contadores de
Quem é feliz para sempre, principalmente casando com as histórias não estão certos na caracterização — ou falta de
princesas mofinas dos contos de fada? Princesas que não caracterização — dos príncipes? Parece que somos todos
fazem nada de proveitoso, não conseguem nem vestir-se iguais: parasitas em busca de aventuras e de um amor
sozinhas, passam os dias esperando a chegada de seus instantâneo, feito leite em pó.

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P.S. A partir daquele dia, as editoras que trabalhavam boas indenizações aos clientes, por venderem livros cujas
com livros infantis foram processadas e tiveram que pagar ilustrações se apagaram.

Jornada de um Longo Dia


para Dentro da Noite
Segundo espetáculo do Teatro Cacilda Becker, a estreia da direção está em ser imperceptível: seu desafio é
da obra-prima do autor norte-americano Eugene O’Neill, materializar em cena a expressão do sentido humano e
inédita no Brasil, cria intensa expectativa na elite cultural poético do texto. Eugene O’Neill é um dos autores mais
brasileira e o espetáculo transforma-se em um grande cultuados daquele momento e, o teatro, a manifestação
acontecimento. artística mais propícia a aglutinar jornalistas, intelectuais e
A montagem deveria inaugurar as atividades do Teatro artistas em um acontecimento social.
Cacilda Becker – TCB, mas a companhia é obrigada a A peça conta a história da família do ator James Tyrone,
estrear com texto de autor nacional, obedecendo a uma que desperdiçou seu talento, repetindo-se no papel do
lei de 1953 que exigia das novas companhias dramáticas Conde de Monte Cristo, está reunida em sua casa de
que encenassem peças de dramaturgos brasileiros em campo, durante o verão, quando as temporadas teatrais
seus primeiros espetáculos. Mesmo assim, enquanto são suspensas. Mary Tyrone, sua esposa, acaba de voltar
prepara O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna, a equipe de um período de cura e todos esperam que ela evite
ensaia Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, a recaídas no uso de morfina, da qual se tornara
peça à qual a companhia dedica o maior período de dependente devido ao tratamento ministrado por um mau
elaboração em toda a sua trajetória. médico depois do parto de um dos filhos. A avareza de
O texto encarna o gosto de uma geração que descende James Tyrone sacrifica também James Tyrone Jr. e
do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC, e que se afina Edmund Tyrone, alter-ego de Eugene O’Neill. Ao longo de
com o teatro europeu, valorizando a obra literária como um dia, todas as tensões e ressentimentos da família
expressão cultural e histórica. Nesse teatro, a qualidade emergem e, quando a noite chega, Mary já está

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mergulhada em seu delírio, por não suportar a realidade, maneira de encarar e resolver a personagem não se
especialmente a doença do caçula Edmund, cuja assemelha à de Florence Eldridge, criadora original do
tuberculose acaba de ser diagnosticada. papel em Nova York. Cacilda, levada pelo seu
Os críticos, são unânimes em exaltar o mérito e a temperamento, é menos sonhadora, menos fora da
honestidade do empreendimento, o desempenho dos realidade, mais atuante, mais incisiva, mais presente,
atores, a intimidade do diretor Ziembinski com o estilo mais de carne e osso, mais afirmativa e dramá¬tica. O
psicológico, que lhe permite criar uma ampla variedade de resultado, entretanto, a quantidade final de emoção, se
climas. “A Companhia Cacilda Becker, pelo valor dos seus assim ios dizer, é igual, elevadíssima em ambos os casos –
elementos, é provavelmente a primeira do teatro exceto na cena final, a da ‘loucura de Ofélia’, como a
brasileiro atual. Queremos dizer com isso que nenhum, classifica cruelmente James Tyrone Jr., que se presta
entre os nossos jovens conjuntos, possui igual experiência, melhor à linha desenvolvida por Florence Eldridge. Em
igual número de primeiras figuras. Este espetáculo vale suma, uma grande criação dramática da nossa maior
também por demonstrar que os seus diretores sabem atriz”. Paulo Francis escreve que em determinada cena há
compreender a responsabilidade que lhes pesa sobre os um movimento de cabeça da atriz que “vale mais do que
ombros, ao escolher, para estreia em São Paulo, um texto meia hora de conversa de O’Neill”. A Associação Brasileira
de enorme valor e de interpretação dificílima”. Ao mesmo de Críticos Teatrais – ABCT, considera Cacilda Becker a
tempo, as críticas mostram pouco entusiasmo no que diz melhor atriz daquele ano e Ziembinski o melhor diretor.
respeito ao resultado. Cacilda Becker, que aos 37 anos O espetáculo não obtém, no entanto, o êxito esperado.
interpreta uma mulher de 54, Mary Tyrone, tem um de A temporada é interrompida ao fim de cinco semanas. A
seus momentos de maior brilho. Mas até mesmo em historiadora Maria Inez Barros de Almeida avalia sua
relação ao seu desempenho e ao de Walmor Chagas há importância histórica: “Na verdade, não se realizando o
discordância. Enquanto alguns consideram que a atriz desejado êxito, realizou-se uma aventura artística que
realiza uma de suas melhores interpretações, outros valeu por si mesma. As gerações da época sabiam que
afirmam que ela parece menos convincente que nas algo de muito intenso tinha sido tentado. O espetáculo
atuações anteriores e atribuem o problema ao preservou-se na memória dos contemporâneos como um
monocórdio da voz, embora todos reconheçam que ela ponto de referência, mesmo que tenha sido para negá-lo
tem emoção e força. “Cacilda Becker é Mary Tyrone. A sua como obra plena”.

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31 – Assis 32 – Ademar 33 – Delcy
Gostei muito, de verdade, É Poeta e Trovador Linda verdade nos dás,
dos verbos que, com primor, e um professor eficaz, grande poeta Ademar,
Zé Lucas usou acima, um competente advogado pois és o que mais trabalha
provando que é professor que defende Leis e Paz; pra poesia divulgar
na arte em que ele se expressa e os versos que ele já fez e, inda dizes que o Zé Lucas,
com máximo esmero e amor. confesso… que ninguém faz! é quem mais sabe trovar!

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34 – Prof. Garcia 38 – Ademar 42 – Zé Lucas
É um eterno labutar Tal qual grande Trovador, Se acaso meu coração
essa luta sempre a sós; meus versos vivem jorrando. bater errado algum dia,
um no Sul, outro no Norte, Quando eu apronto um na mente, não vou procurar remédio
e o verso frio, sem voz, já vem um outro brotando para cardiopatia,
quebrando o silêncio mudo e antes mesmo de escrevê-lo porque meu mal é saudade,
desta distância, entre nós. já tem outro se formando… meu remédio é poesia.
35 – Gislaine 39 – Delcy 43 – Assis
O nosso verso veloz Fico, às vezes, divagando Da saudade eu lhes diria
tem do arco-íris a cor sobre poemas diversos, o que a seguir vou dizer:
e a luz de muitas estrelas… que primam pela beleza – Saudade é dor diferente,
Tem a pureza do amor, das suas rimas e versos que, doendo, dá prazer;
e a grandeza da amizade e sonho ser “pajador” é dor que só dói se a gente
para, em nosso mundo pôr! pra cantar os universos! tem do que saudade ter.
36 – Zé Lucas 40 – Prof. Garcia 44 – Ademar
Aonde meu verso for A inspiração de meus versos Eu também vou lhe dizer
leva um fluido de esperança, vem do infinito, do além; o que eu sei sobre a saudade:
a juventude dos sonhos dos arpejos dos suspiros é um grande espinho que fere
e um sopro de brisa mansa, que as cordas da lira tem, e fura só por maldade,
pra mostrar que, neste mundo, e do sorriso da noite, se hospeda dentro da gente
todo poeta é criança. de todo canto ela vem! e dói sem ter piedade…
37 – Assis 41 – Gislaine 45 – Delcy
E todo poeta alcança, Sonhamos como ninguém, Penso, amigo, que a saudade
via sonho, o esplendor pois vivemos a emoção não é um mal; é um bem,
da esperança e da alegria que nos versos descrevemos… que se mostra diferente
enquanto semeia o amor E nos bate o coração, e entra na vida de alguém,
neste mundo tão carente embalado na alegria, pra lembrar, que no passado,
de paz e humano calor. que nos desperta a afeição! houve ventura também!

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46 – Prof. Garcia 50 – Ademar 54 – Zé Lucas
A saudade é um grande bem A saudade traz tormentos Mesmo quando o verso é triste,
na vida de um sonhador; que nem um outro arremeda, transmite alguma alegria,
pois se não fosse a saudade finge às vezes ir embora, como a flor que desabrocha
que provoca pranto e dor, volta e nos dá outra queda… sob a luz de um novo dia:
não havia entre os amantes E o sofrimento é maior pode até gotejar pranto,
os lindos sonhos de amor! se no coração se hospeda! porém não perde a magia.
47 – Gislaine 51 – Delcy 55 – Assis
Sentimento encantador, Nosso coração não veda Isso é próprio da poesia
que fez lembrar juventude sentimentos que aparecem, e é assim que eu penso também:
e os dias bem coloridos como as lembranças que temos se o verso às vezes é triste,
vividos em plenitude, de coisas que não se esquecem: e certo azedume tem,
com imensas alegrias são as saudades, que chegam, todavia nada existe
que desfrutar, feliz, pude! e, em nós, se hospedam e crescem! que nos faça tanto bem.
48 – Zé Lucas 52 – Prof. Garcia 56 – Ademar
O recordar é virtude Nossos versos não merecem Quando a poesia vem
que cresce ao correr da idade, tratamentos desiguais; munida de inspiração,
trazendo de volta os sonhos são os fiéis guardiãs ela não goteja prantos,
longínquos da mocidade, que amamos cada vez mais, e sim, com muita emoção,
e as lembranças mais felizes e a mais feliz harmonia goteja gotas de amor
viram filmes de saudade. das liras celestiais! na bica do coração.
49 – Assis 53 – Gislaine 57 – Delcy
Verdade, amigos, verdade, Nossos versos são sinais Sou tomada de emoção,
procedem seus argumentos: de que o que é bom, inda existe, quando versos de amizade
a saudade sintetiza falamos com emoção chegam, às vezes, a mim,
sonhos, glórias, sentimentos, até de uma coisa triste em poemas de saudade,
como um filme que eterniza e conseguimos provar e eu agradeço ao destino,
nossos melhores momentos. que o que é bom, em nós, persiste! que me sorri com bondade!

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58 – Prof. Garcia 59 – Gislaine 60 – Zé Lucas
Se o destino na verdade Digo com todo o carinho, Quando falece um poeta,
aponta o nosso caminho, é uma bênção ser poeta, a terra guarda seu rastro,
que me dê a inspiração poder divagar em sonhos, a bandeira da poesia
de um poeta passarinho, para atingir nossa meta tremula triste no mastro,
que canta versos ao vento e, então, sentir-se feliz, cala-se uma voz no mundo,
e faz serestas no ninho! por ser, em verdade, esteta. no céu brilha mais um astro.

continua...

Carolina Ramos
Triângulo
Carnaval. Noite de sábado – aquele apêndice agregado negros. A fantasia de Colombina, estendida na cama,
ao calendário, ampliador dos três dias programados para descansava, por antecipação, da refrega que teria de
a folia. enfrentar, logo adiante.
Zulma, Carlão e Zico – trio escolhido para representar a – Tira a mão daí, menina. Vai vestir a tua borboleta
tríade mais famosa das folias de Momo – Colombina, azul.
Pierrô e Arlequim. Noite quente, sem chuva. Ar parado. E a caçula voou, sem asas, em busca das asas
Noite de fevereiro, autêntica, prenunciadora das águas de embrionárias, dobradas, ainda, na gaveta-crisálida.
março, próximas. Carlão e Zico. Um dilema a ser resolvido. Por ironia, os
A moça acordara cedo. Banhada e perfumada, dois pretendentes ao coração da moça assumiam figuras
desenrolava os bóbis, soltando as mechas de cabelos

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polêmicas que mais confundiam seus sentimentos, a Do outro lado, exuberante Arlequim, exibindo o colante
impedir que chegasse a uma decisão, na vida real. de losangos coloridos, máscara negra, sensual e
Zico ou Carlão – Arlequim ou Pierrô? misteriosa, e um sorriso amplo, absolutamente confiante
Carlão – romântico, tímido, sem muita iniciativa, de que sua presença agradava, sem exceções.
música de fundo, suave e transparente como bola de O eterno triângulo, vezes se conta, repetido dentro e
cristal. Pierrô autêntico, carente de carinho, despertando fora do Carnaval!
ternura e amor. Às tantas, não se sabe como, nem se sabe por quê, a
Zico, o oposto. Auto-suficiente, algo arrogante, narciso, frágil Colombina despencou do alto da plataforma,
dominador, Autêntico Arlequim, volúvel e imediatista, candidata a múltiplas fraturas e mesmo, quem sabe, a
arrastando à paixão. sucumbir face a qualquer delas!
Perfeitos! Carlão nunca poderia ser um Arlequim, Zico, A surpresa amarrou a todos. Estupefação! Nem mesmo
jamais um Pierrô! a decantada auto-suficiência do Zico conseguiu vencer o
Zulma sorriu para o espelho, enquanto pingava no estupor geral.
canto direito da face, uma pinta negra, que lhe Surpresa maior foi, no entanto, a providencial e
emprestava a coqueteria indispensável à figura que prestativa atitude de um Pierrô apaixonado, conseguindo
encarnava. aparar nos braços, com força imprevista, o corpo da bela
Quando a Escola adentrou a av. Tiradentes, e o ritmo Colombina, aparentemente desacordada.
das baterias sacudiu as almas, Colombina estremeceu no Ao abrir os olhos, Zulma encontrou outros dois olhos,
alto da plataforma, apoiando-se nas duas bengalas ansiosos, iluminando uma cara branca. A lágrima de prata
prateadas, fincadas como arrimo às suas evoluções. Delas brilhava mais ainda, autenticada por outras que abriam
dependiam, pelo menos, noventa por cento da sua sulcos na face alvaiade.
segurança. Grande responsabilidade! Acarinhou-as com Carlão virou herói! E o coração de Zulma deixou de
respeito. balançar, indeciso. Pendeu, definitivamente, para o lado
Lá em baixo, um Pierrô de cara branca e triste, vestido certo!
de cetim azul celeste, com sua gola entiotada, abraçando Pela primeira vez, quem sabe, na turbulenta história do
o alaúde estilizado, propositadamente alongado e Carnaval, um Arlequim, fascinante e extrovertido, perdeu,
enfeitado de fitas. Uma lágrima de prata, brilhando na fragorosamente, para um tímido e sonhador Pierrô!
cara branca.

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Lua de Cetim

Espetáculo baseado em texto de Alcides Nogueira e trama, assim como o garoto Ulisses Bezerra, participante
encenação de Márcio Aurélio, realização bem-sucedida apenas do primeiro ato.
que alia poesia cênica à preocupação sociopolítica. A encenação de Márcio Aurélio é sóbria, discreta,
O texto ambienta os atos intervalados por década: deslocando para os desempenhos do casal central a
1961, 1971 e 1981, flagrando a vida de uma família ênfase da montagem. Sua cenografia é funcional, assim
interiorana. O pai é um pequeno comerciante de tecidos; como a iluminação, adequadamente fornecendo os climas
a mãe, uma modesta dona de casa; o filho aparece na requeridos pela ação.
infância e na juventude, transformando-se em estudante Em seu comentário, o crítico Sábato Magaldi destaca
universitário e membro da guerrilha urbana, aquilo que lhe parece o melhor da montagem: “A
acompanhado da namorada Marisa. sensibilidade é o traço dominante na encenação de Márcio
Ao contrário de seus textos anteriores, calcados sobre Aurélio. Ela valoriza a verdade interior, as reações
procedimentos vinculados às vanguardas, Alcides abafadas, os subtendidos sutis. A rigor, ele não soluciona
Nogueira faz aqui um exercício de realismo. O enredo apenas as mudanças de ambiente, que rompem o clima
privilegia as figuras do pai e da mãe, seus conflitos e criado. Esse é, aliás, um dos problemas que
felicidades de marido e mulher, esperanças e permanentemente desafiam a imaginação dos diretores.
desassossegos típicos de quem vive tempos atribulados e Umberto Magnani aproveita a melhor oportunidade que
sempre à beira do precipício. Aproveitando largamente as teve como ator e vive um Guima comovido, mentindo-se
possibilidades dos papéis, Umberto Magnani e Denise Del no fracasso e bebida, marcado pela tragédia. Denise Del
Vecchio alcançam grandes interpretações, merecedoras Vecchio apaga a sua juventude para metamorfosear-se
de prêmios e indicações. Elias Andreato e Júlia Pascale em Candelária, incorporando das maneiras ao sotaque
encarregam-se dos jovens, bem menos destacados na interiorano. Elias Andreato (Júnior) faz o estudante sem

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nenhum cacoete, humanizando o relacionamento com os pais. Júlia Pascale (Marisa) não se perde num papel
ingrato”.

Amélia Luz
Cristais
Poéticos
FEIRA DE IDEIAS Compre um anzol
vá pescar novos pensamentos
Mude de compasso mude o seu momento!
saia do laço, conquiste o espaço. Saia do enlatado seja ousada!
Entre na dança volte à infância Jogue botão, figurinhas, futebol,
vire criança, espalhe esperança! tome bastante sol
Coloque uma roupa engraçada cante em soprano ou em bemol…
ponha um nariz de bola vermelha Não durma como um caracol
saia no bloco dos sujos, espalhe-se enquanto é tempo
faça palhaçada, sinta-se alforriada… caminhe na contramão
Compre uma prancha estimule a sua criação
pegue uma onda monte na asa da ficção
vá surfar na vida atire-se do viaduto
tire o peso dos ombros saia voando impoluto
desentorte, troque de avenida… troque de rótulo
seja outro produto!

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Fotografe um amanhã risonho Ortográfica ou gramatical…
enfim onde tu estarás??? Erudita, culta, acadêmica,
Aprenda a ser, Polêmica ou irreverente,
assuma-se como um irreal Luz que brota livre na nossa boca
resolva todos os teus conflitos Sedenta de versos…
no tapa, na carícia ou no grito… Popular, simples, corriqueira,
Batize-se com um outro nome Língua de muitos “falares”,
troque o teu figurino Língua dos sete mares,
aprenda a fazer arte, Atravessando os oceanos
a tristeza descarte… Na força dos ventos,
A vida é uma proposta… Seguindo o caminho mágico
Coloque nela uma palavra mágica: Das ousadas caravelas portuguesas…
FELICIDADE!!! Identidade cultural do baú de Camões,
Com heranças ibéricas próprias e definidas,
LÍNGUA LUSA Trânsito poético da linguagem que liberta.
Temos nossas raízes próprias
Minha língua lusa é um laço, Ao partilhar a palavra viva
É um traço, é o meu espaço! Saída do ovário da “última flor do Lácio”,
Esdrúxula, confusa, pessoal, Brotada em terras brasileiras…
Abusa das palavras Resmungo o âmago da minha latinidade,
Num mesmo ritual Afinal, quem sou, quem somos?
Lambendo a poesia Eu sou, nós somos: cidadãos Portugueses,
No sabor sublime do ofício, Brasileiros, Angolanos, Moçambicanos
Dia após dia!… Caboverdianos, Guineeenses, Goeses,
Minha sina, minha musa, Macaenses, Sãotomenses ou Timorenses…
Herança do meu Portugal, NÓS SOMOS SOBRETUDO
A LÍNGUA PORTUGUESA!!!

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Antonio Brás Constante
O filme que ainda não
assistimos
Joana está na frente da locadora de DVD. Não lembra da escola, e depois da faculdade. A excursão para Paris.
como chegou ali, mas sua vontade agora é de voltar para Seus amores. Os amigos conquistados. Os empregos por
casa o mais breve possível, e ver o filme que está em suas onde passou.
mãos. Cada pedacinho de sua história é contata
Chegando em casa vai direto para seu quarto, coloca o detalhadamente. Apresentada com tal realismo, que
DVD no aparelho e deita-se confortavelmente em sua parece que está tudo acontecendo novamente. O filme
cama. chega então ao seu momento presente. Começa
O filme começa com um nascimento, a mulher que deu mostrando a hora em que Joana acorda, seu café, o jornal
a luz ao bebê parece-lhe estranhamente familiar. As cenas deixado sobre o sofá. O dia vai transcorrendo através da
seguintes vão mostrando a vida desta criança, o primeiro tela do televisor. Ela então se recorda do que aconteceu
banho, seus primeiros passos, as primeiras palavras. De ao se aproximar da locadora de filmes. Já estava a poucos
repente, Joana se dá conta que aquela menina que metros da loja quando começou a escutar o barulho das
aparece nas imagens é ela. Consegue finalmente sirenes. Ouviu o ruído de uma freada de carros. O som de
identificar sua mãe, que na época estava bem mais jovem, tiros. Gritos. Confusão. Lembra de se sentir tonta, o
seu pai, seus irmãos. O filme transcorre mostrando toda mundo todo girando diante de si, e então o desmaio.
sua vida, suas alegrias, tristezas, brigas, vitórias e Agora estava tudo muito claro, aquilo não foi um
derrotas. desmaio. O ambiente ao seu redor vai se modificando
“Que incrível”, pensa Joana. Cada momento neste instante. O quarto desaparece. Joana está
apresentado é uma recordação preciosa. Sua mente novamente em pé, parada em frente à locadora, olhando
retorna no tempo junto com o filme, viajando até época para ela mesma caída no chão. Várias pessoas em volta

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do corpo sem vida, algumas chamando por socorro. Ela mundo. O que aconteceu com Joana poderia ter
foi atingida por uma bala perdida. Está morta. Uma luz acontecido com qualquer pessoa, comigo, com um
aparece envolvendo-lhe por completo. Sua história parente seu, um conhecido, quem sabe seu pai, irmão,
termina aqui. esposa, filhos ou até mesmo com você. A violência não faz
Tudo fica escuro e nesta escuridão começam a distinção quanto ao sexo, credo, idade, ou cor da pele. Ela
aparecer legendas, iguais às que surgem ao final de um está a nossa volta e, para ser o ator principal, o único
filme. Nelas está escrito: critério exigido é o de se estar vivo”.
“Estes acontecimentos, foram baseados em fatos que
se tornam reais a cada momento, em todas às partes do

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Machado de Assis
Pílades
e Orestes

Quintanilha engendrou Gonçalves. Tal era a impressão réis. Veio para o seu Gonçalves, que advogava no Rio de
que davam os dois juntos, não que se parecessem. Ao Janeiro.
contrário, Quintanilha tinha o rosto redondo, Gonçalves Posto que abastado, moço, amigo do seu único amigo,
comprido, o primeiro era baixo e moreno, o segundo alto não se pode dizer que Quintanilha fosse inteiramente feliz,
e claro, e a expressão total divergia inteiramente. Acresce como vais ver. Ponho de lado o desgosto que lhe trouxe a
que eram quase da mesma idade. A idéia da paternidade herança com o ódio dos parentes; tal ódio foi que ele
nascia das maneiras com que o primeiro tratava o esteve prestes a abrir mão dela, e não o fez porque o
segundo; um pai não se desfaria mais em carinhos, amigo Gonçalves, que lhe dava ideias e conselhos, o
cautelas e pensamentos. convenceu de que semelhante ato seria rematada
Tinham estudado juntos, morado juntos, e eram loucura.
bacharéis do mesmo ano. Quintanilha não seguiu – Que culpa tem você que merecesse mais a seu tio
advocacia nem magistratura, meteu-se na política; mas, que os outros parentes? Não foi você que fez o
eleito deputado provincial em 187…, cumpriu o prazo da testamento nem andou a bajular o defunto como os
legislatura e abandonou a carreira. Herdara os bens de outros. Se ele deixou tudo a você, é que o achou melhor
um tio, que lhe davam de renda cerca de trinta contos de

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que eles; fique-se com a fortuna, que é a vontade do – Pois então?
morto, e não seja tolo. – Mas é…
Quintanilha acabou concordando. Dos parentes alguns – Não é tal!
buscaram reconciliar-se com ele, mas o amigo A vida que viviam os dois, era a mais unida do mundo.
mostrou-lhe a intenção recôndita dos tais, e Quintanilha Quintanilha acordava, pensava no outro, almoçava e ia ter
não lhes abriu a porta. Um desses, ao vê-lo ligado com o com ele. Jantavam juntos, faziam alguma visita,
antigo companheiro de estudos, bradava por toda a passeavam ou acabavam a noite no teatro. Se Gonçalves
parte: tinha algum trabalho que fazer à noite, Quintanilha ia
– Aí está, deixa os parentes para se meter com ajudá-lo como obrigação; dava busca aos textos de lei,
estranhos; há de ver o fim que leva. marcava-os, copiava-os, carregava os livros. Gonçalves
Ao saber disto, Quintanilha correu a contá-lo a esquecia com facilidade, ora um recado, ora uma carta,
Gonçalves, indignado. Gonçalves sorriu, chamou-lhe tolo sapatos, charutos, papéis. Quintanilha supria-lhe a
e aquietou-lhe o ânimo; não valia a pena irritar-se por memória. Às vezes, na rua do Ouvidor, vendo passar as
ditinhos. moças, Gonçalves lembrava-se de uns autos que deixara
– Uma só coisa desejo, continuou, é que nos no escritório. Quintanilha voava a buscá-los e tornava
separemos, para que se não diga… com eles, tão contente que não se podia saber se eram
– Que se não diga o quê? É boa! Tinha que ver, se eu autos, se a sorte grande; procurava-o ansiosamente com
passava a escolher as minhas amizades conforme o os olhos, corria, sorria, morria de fadiga.
capricho de alguns peraltas sem-vergonha! – São estes?
– Não fale assim, Quintanilha. Você é grosseiro com – São; deixa ver, são estes mesmos. Dá cá.
seus parentes. – Deixa, eu levo.
– Parentes do diabo que os leve! Pois eu hei de viver A princípio, Gonçalves suspirava:
com as pessoas que me forem designadas por meia dúzia – Que maçada que dei a você!
de velhacos que o que querem é comer-me o dinheiro? Quintanilha ria do suspiro com tão bom humor que o
Não, Gonçalves; tudo o que você quiser, menos isso. outro, para não o molestar, não se acusou de mais nada;
Quem escolhe os meus amigos sou eu, é o meu coração. concordou em receber os obséquios. Com o tempo, os
Ou você está… está aborrecido de mim? obséquios ficaram sendo puro ofício. Gonçalves dizia ao
– Eu? Tinha graça. outro: “Você hoje há de lembrar-me isto e aquilo.” E o

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outro decorava as recomendações, ou escrevia-as, se – Não, ele não tem culpa, fez o seu negócio; você é
eram muitas. Algumas dependiam de horas; era de ver que não tem o sentimento da arte, nem prática, e
como o bom Quintanilha suspirava aflito, à espera que espichou-se redondamente. A intenção foi boa, creio…
chegasse tal ou tal hora para ter o gosto de lembrar os – Sim, a intenção foi boa.
negócios ao amigo. E levava-lhe as cartas e papéis, ia – E aposto que já pagou?
buscar as respostas, procurar as pessoas, esperá-las na – Já.
estrada de ferro, fazia viagens ao interior. De si mesmo Gonçalves abanou a cabeça, chamou-lhe ignorante e
descobria-lhe bons charutos, bons jantares, bons acabou rindo. A vida tem muitas de tais pagas.
espetáculos. Gonçalves já não tinha liberdade de falar de Demais, uma letra de Gonçalves que se venceu dali a
um livro novo, ou somente caro, que não achasse um dias e que este não pôde pagar, veio trazer ao espírito de
exemplar em casa. Quintanilha uma diversão. Quase brigaram; a ideia de
– Você é um perdulário – dizia-lhe em tom repreensivo. Gonçalves era reformar a letra; Quintanilha, que era o
– Então gastar com letras e ciências é botar fora? É boa! endossante, entendia não valer a pena pedir o favor por
– concluía o outro. tão escassa quantia (um conto e quinhentos), ele
No fim do ano quis obrigá-lo a passar fora as férias. emprestaria o valor da letra, e o outro que lhe pagasse
Gonçalves acabou aceitando, e o prazer que lhe deu com quando pudesse. Gonçalves não consentiu e fez-se a
isto foi enorme. Subiram a Petrópolis. Na volta, serra reforma. Quando, ao fim dela, a situação se repetiu, o
abaixo, como falassem de pintura, Quintanilha advertiu mais que este admitiu foi aceitar uma letra de Quintanilha,
que não tinham ainda uma tela com o retrato dos dois, e com o mesmo juro.
mandou fazê-la. Quando a levou ao amigo, este não pôde – Você não vê que me envergonha, Gonçalves? Pois eu
deixar de lhe dizer que não prestava para nada. hei de receber juro de você…?
Quintanilha ficou sem voz. – Ou recebe, ou não fazemos nada.
– É uma porcaria, insistiu Gonçalves. – Mas, meu querido…
– Pois o pintor disse-me… Teve que concordar. A união dos dois era tal que uma
– Você não entende de pintura, Quintanilha, e o pintor senhora chamava-lhes os “casadinhos de fresco”, e um
aproveitou a ocasião para meter a espiga. Pois isto é cara letrado, “Pílades e Orestes”. Eles riam, naturalmente, mas
decente? Eu tenho este braço torto? o riso de Quintanilha trazia alguma coisa parecida com
– Que ladrão! lágrimas: era, nos olhos, uma ternura úmida. Outra

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diferença é que o sentimento de Quintanilha tinha uma é fácil, e não quero confiar a qualquer pessoa as minhas
nota de entusiasmo, que absolutamente faltava ao de últimas vontades.
Gonçalves; mas, entusiasmo não se inventa. É claro que o Foi por esse tempo que sucedeu um caso que vou
segundo era mais capaz de inspirá-lo ao primeiro do que contar.
este a ele. Em verdade, Quintanilha era mui sensível a Quintanilha tinha uma prima-segunda, Camila, moça
qualquer distinção; uma palavra, um olhar bastava a de vinte e dois anos, modesta, educada e bonita. Não era
acender-lhe o cérebro. Uma pancadinha no ombro ou no rica; o pai, João Bastos, era guarda-livros de uma casa de
ventre, com o fim de aprová-lo ou só acentuar a café. Haviam brigado por ocasião da herança; mas,
intimidade, era para derretê-lo de prazer. Contava o gesto Quintanilha foi ao enterro da mulher de João Bastos, e
e as circunstâncias durante dois e três dias. este ato de piedade novamente os ligou. João Bastos
A letra sacada contra Gonçalves tinha o prazo de seis esqueceu facilmente alguns nomes crus que dissera do
meses. No dia do vencimento, não só não pensou em primo, chamou-lhe outros nomes doces, e pediu-lhe que
cobrá-la, mas resolveu ir jantar a algum arrabalde para fosse jantar com ele. Quintanilha foi e tornou a ir. Ouviu
não ver o amigo, se fosse convidado à reforma. Gonçalves ao primo o elogio da finada mulher; numa ocasião em que
destruiu todo esse plano; logo cedo, foi levar-lhe o Camila os deixou sós, João Bastos louvou as raras
dinheiro. O primeiro gesto de Quintanilha foi recusá-lo, prendas da filha, que afirmava haver recebido
dizendo-lhe que o guardasse, podia precisar dele; o integralmente a herança moral da mãe.
devedor teimou em pagar e pagou. – Não direi isto nunca à pequena, nem você lhe diga
Quintanilha acompanhava os atos de Gonçalves. nada. É modesta, e, se começarmos a elogiá-la, pode
– Você por que não se casa? – perguntou-lhe um dia; perder-se. Assim, por exemplo, nunca lhe direi que é tão
um advogado precisa casar. bonita como foi a mãe, quando tinha a idade dela; pode
Gonçalves respondia rindo: ficar vaidosa. Mas a verdade é que é mais, não lhe parece?
– Agora só me resta você. Tem ainda o talento de tocar piano, que a mãe não
Quintanilha um dia acordou com a idéia de fazer possuía.
testamento. Sem revelar nada ao outro, nomeou-o Quando Camila voltou à sala de jantar, Quintanilha
testamenteiro e herdeiro universal. sentiu vontade de lhe descobrir tudo, conteve-se e piscou
– Guarde-me este papel, Gonçalves – disse-lhe o olho ao primo. Quis ouvi-la ao piano; ela respondeu,
entregando o testamento. – Sinto-me forte, mas a morte cheia de melancolia:

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– Ainda não, há apenas um mês que mamãe faleceu, obedecem sem vontade às ordens do mestre ou do pai;
deixe passar mais tempo. Demais, eu toco mal. mas pousava-os, e eles eram tais que, ainda sem intenção,
– Mal? feriam de morte. Também sorria com frequência e falava
– Muito mal. com graça. Ao piano, e por mais aborrecida que tocasse,
Quintanilha tornou a piscar o olho ao primo, e tocava bem. Em suma, Camila não faria obra de impulso
ponderou à moça que a prova de tocar bem ou mal só se próprio, sem ser por isso menos feiticeira. Quintanilha
dava ao piano. Quanto ao prazo do luto, lembrou uma descobriu um dia de manhã que sonhara com ela a noite
composição elegíaca. Camila abanou a cabeça. toda, e à noite que pensara nela todo o dia, e concluiu da
– Não, não, sempre é tocar piano; os vizinhos são descoberta que a amava e era amado. Tão tonto ficou que
capazes de inventar que eu toquei uma polca. esteve prestes a imprimi-lo nas folhas públicas. Quando
Quintanilha achou graça e riu. Depois concordou e menos, quis dizê-lo ao amigo Gonçalves e correu ao
esperou que os três meses fossem passados. Até lá, viu a escritório deste. A afeição de Quintanilha complicava-se
prima algumas vezes, sendo as três últimas visitas mais de respeito e temor. Quase a abrir a boca, engoliu outra
próximas e longas. Enfim, pôde ouvi-la tocar piano, e vez o segredo. Não ousou dizê-lo nesse dia nem no outro.
gostou. O pai confessou que, ao princípio, não gostava Antes dissesse; talvez fosse tempo de vencer a
muito daquelas músicas alemãs; com o tempo e o campanha. Adiou a revelação por uma semana. Um dia foi
costume achou-lhes sabor. Chamava à filha “a minha jantar com o amigo, e, depois de muitas hesitações,
alemãzinha”, apelido que foi adotado por Quintanilha, disse-lhe tudo; amava a prima e era amado.
apenas modificado para o plural: “a nossa alemãzinha”. – Você aprova, Gonçalves?
Pronomes possessivos dão intimidade; dentro em pouco, Gonçalves empalideceu, – ou, pelo menos, ficou sério;
ela existia entre os três, – ou quatro, se contarmos nele a seriedade confundia-se com a palidez. Mas, não;
Gonçalves, que ali foi apresentado pelo amigo. Mas verdadeiramente ficou pálido.
fiquemos nos três… – Aprova? – repetiu Quintanilha.
Que ele é coisa já farejada por ti, leitor sagaz. Após alguns segundos, Gonçalves ia abrir a boca para
Quintanilha acabou gostando da moça. Como não, se responder, mas fechou-a de novo, e fitou os olhos “em
Camila tinha uns longos olhos mortais? Não é que os ontem”, como ele mesmo dizia de si, quando os estendia
pousasse muita vez nele, e, se o fazia, era com tal ou qual ao longe. Em vão Quintanilha teimou em saber o que era,
constrangimento, a princípio, como as crianças que o que pensava, se aquele amor era asneira.

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– Não me pergunte nada; faça o que quiser. Mas o lance não podia ser melhor para clarear a situação.
– Gonçalves, que é isso? – perguntou Quintanilha, Contando o que se passara com o amigo, tinha o ensejo
pegando-lhe nas mãos, assustado. de lhe fazer saber que a amava e ia pedi-la ao pai. Era
Gonçalves soltou um grande suspiro que, se tinha asas, uma consolação no meio daquela agonia, o acaso
ainda agora estará voando. Tal foi, sem esta forma negou-lha, e Quintanilha saiu da casa, pior do que entrara.
paradoxal, a impressão de Quintanilha. O relógio da sala Recolheu-se à sua.
de jantar bateu oito horas, Gonçalves alegou que ia visitar Não dormiu antes das duas horas da manhã, e não foi
um desembargador, e o outro despediu-se. para repouso, senão para agitação maior e nova. Sonhou
Na rua, Quintanilha parou atordoado. Entrara e falara, que ia a atravessar uma ponte velha e longa, entre duas
disposto a ouvir do outro um ou mais daqueles epítetos montanhas, e a meio caminho viu surgir debaixo um vulto
costumados e amigos, idiota, crédulo, paspalhão, e não e fincar os pés defronte dele. Era Gonçalves. “Infame,
ouviu nenhum. Ao contrário, havia nos gestos de disse este com os olhos acesos, por que me vens tirar a
Gonçalves alguma coisa que pegava com o respeito. Não noiva de meu coração, a mulher que eu amo e é minha?”
se lembrava de nada, ao jantar, que pudesse tê-lo Afinal o amigo ergueu os braços e estendeu-lhe as mãos
ofendido; foi só depois de lhe confiar o sentimento novo com o gesto de maldição que ele vira nos melodramas,
que trazia a respeito da prima que o amigo ficou em dias de rapaz; logo depois, brotaram-lhe dos olhos
acabrunhado. duas imensas lágrimas, que encheram o vale de água,
– Mas, não pode ser – pensava ele. – O que é que atirou-se abaixo e desapareceu. Quintanilha acordou
Camila tem que não possa ser boa esposa? sufocado.
Nisto gastou, parado, defronte da casa, mais de meia A ilusão do pesadelo era tal que ele ainda levou as
hora. Advertiu então que Gonçalves não saíra. Esperou mãos à boca, para arrancar de lá o coração do amigo.
mais meia hora, nada. Quis entrar outra vez, abraçá-lo, Achou a língua somente, esfregou os olhos e sentou-se.
interrogá-lo… Não teve forças; enfiou pela rua fora, Onde estava? Que era? E a ponte? E o Gonçalves? Voltou
desesperado. Chegou à casa de João Bastos, e não viu a si de todo, compreendeu e novamente se deitou, para
Camila; tinha-se recolhido, constipada. Queria justamente outra insônia, menor que a primeira, é certo; veio a
contar-lhe tudo, e aqui é preciso explicar que ele ainda dormir às quatro horas.
não se havia declarado à prima. Os olhares da moça não De dia, rememorando toda a véspera, realidade e
fugiam dos seus; era tudo, e podia não passar de faceirice. sonho, chegou à conclusão de que o amigo Gonçalves era

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seu rival, amava a prima dele, era talvez amado por ela… Não se adivinha todo o resto; basta saber o final. Nem
Sim, sim, podia ser. Quintanilha passou duas horas cruéis. se adivinha nem se crê; mas a alma humana é capaz de
Afinal pegou em si e foi ao escritório de Gonçalves, para esforços grandes, no bem como no mal. Quintanilha fez
saber tudo de uma vez; e, se fosse verdade, sim, se fosse outro testamento, legando tudo à prima, com a condição
verdade… de desposar o amigo. Camila não aceitou o testamento,
Gonçalves redigia umas razões de embargo. mas ficou tão contente, quando o primo lhe falou das
Interrompeu-as para fitá-lo um instante, erguer-se, abrir lágrimas de Gonçalves, que aceitou Gonçalves e as
o armário de ferro, onde guardava os papéis graves, tirar lágrimas. Então Quintanilha não achou melhor remédio
de lá o testamento de Quintanilha, e entregá-lo ao que fazer terceiro testamento legando tudo ao amigo.
testador. O final da história foi dito em latim. Quintanilha serviu
– Que é isto? de testemunha ao noivo, e de padrinho aos dois primeiros
– Você vai mudar de estado, não vai? – respondeu filhos.
Gonçalves, sentando-se à mesa. Um dia em que, levando doces para os afilhados,
Quintanilha sentiu-lhe lágrimas na voz; assim lhe atravessava a Praça Quinze de Novembro, recebeu uma
pareceu, ao menos. Pediu-lhe que guardasse o bala revoltosa (1893) que o matou quase
testamento; era o seu depositário natural. Instou muito; instantaneamente. Está enterrado no cemitério de S. João
só lhe respondia o som áspero da pena correndo no Batista; a sepultura é simples, a pedra tem um epitáfio
papel. que termina com esta pia frase: “Orai por ele!”
– Entendo – disse Quintanilha subitamente, – ela será É também o fecho da minha história. Orestes vive
tua. ainda, sem os remorsos do modelo grego. Pílades é agora
– Ela quem? – quis perguntar Gonçalves, mas já o o personagem mudo de Sófocles. Orai por ele!
amigo voava, escada abaixo, como uma flecha, e ele
continuou as suas razões de embargo.

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Rita Marciano Mourão
Jardim de Trovas

1 4 7
Ante os nãos e os poucos prós, Com máscara da ilusão Depois de tantos verões,
nosso Amor meio tardio, minha altivez nem percebe talento pouco me importa.
mostra a força que há em nós quando a porta da emoção No jardim das ilusões
quando amar e um desafio. ergue a tranca e te recebe. já sou como folha morta.
2 5 8
Bilhetes de amor... saudade Com ousadia me olhaste, Deriva meu corpo, enquanto
que a lembrança hoje cultua ousada eu correspondi. contra os reveses reluto.
onde a tal felicidade Com loucura me abraçaste, Hoje o tempo usa meu pranto
era o carteiro da rua!... e o resto eu juro, nem vi! para cobrar seu tributo.
3 6 9
Cansado, frágil, tristonho, De minissaia, a coroa Desato o nó da lembrança
quando a fé lhe pede um preço, tenta a sorte... lá na praça. e um facho de luz sem fim
o escritor faz de um bom sonho De longe alguém diz: - É boa... me traz de volta a criança
outro livro, outro começo… Mas de perto... assusta a caça. que o tempo levou de mim!

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10 16 22
Descrevê-lo, não me iludo, Este espinho que me atira - Meu filho, veja onde está
a minha fé nem se atreve. aos braços da dor sem fim, o seu querido paizão!...
Deus é bem mais do que tudo é o fruto desta mentira - Ah! Mamãe, não sejas má,
que a mente humana descreve. que você plantou em mim. da outra vez levei "sabão"!
11 17 23
Diante a miséria e o afeto É um velho lar meu legado Meu salário é duvidoso
eu jamais vi tanto brilho onde o amor gerou bonança qual moça de minissaia.
no olhar de uma mãe sem teto e pôs um filho ao meu lado De longe, acena maldoso,
enquanto amamenta o filho! multiplicando essa herança. mas, na mão, foge da raia!
12 18 24
Diz o velho, em maus trejeitos: Faço versos da incerteza, Minha jangada à distância,
- Como o carnaval é ingrato: com talento a dor suplanto. (velha tábua na enxurrada)
com produtos tão perfeitos, É bem mais leve a tristeza remada por mãos da infância
a distância nega o prato! dissimulada em meu canto. foi bem mais do que jangada!
13 19 25
Entre cristais, vinhos nobres, Lembrança da mocidade, Na fonte antiga da praça,
com saudade, hoje lamento de um som de lira em seresta... que em lembranças recomponho,
do campo as canecas pobres Ah! como fere a saudade a minha ilusão te abraça,
mas tão ricas de alimento! quando lembrança é o que resta… movida por este sonho!…
14 20 26
Ergo o cristal, já vencida, Levada por fantasia Não lamento o meu passado,
mas a razão me renega, de um desejo inconsciente, nem mesmo o tempo me ofende.
quando a emoção, iludida, eu beijo na cama fria Viver é um aprendizado
bebe o vinho e a ti me entrega! as formas de um corpo ausente! que mais vive mais aprende!
15 21 27
Escrevo, reluto... E assim Mesmo ante o furor medonho No céu a espalhar magia
da tristeza eu vou fugindo. de um mar que raivoso freme, com frases mudas, a lua
O escritor que habita em mim solto a jangada de um sonho nas pautas da noite fria
me ensina a sofrer sorrindo. e o sonho conduz meu leme! faz versos à minha rua…

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28 34 40
No céu tecendo magia, Perdi meu esteio mor Quando renova a paisagem
com frases mudas a lua, quando perdi minha fé. na tela de um novo dia,
nas pautas da noite fria Mas Deus construtor maior Deus capricha na mensagem
faz versos á minha rua! de novo me pôs em pé! que eu chamo de poesia!
29 35 41
Nos limites da demência Perfumada e porte nobre, Relembrando os sons dispersos
entre o delírio e a razão na incerteza que a consome, das liras da mocidade,
eu beijo um rosto que a ausência testou com sabão de pobre meu sonho acompanha os versos
desenha na solidão! e da rival soube o nome. nas cordas desta saudade!...
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Nosso amor meio sem jeito Pondero... Mas, atrevida, Ribeirão, cidade nobre,
mas, talentoso e insistente, minha ilusão enche a taça mas de alma humilde e serena,
vai vencendo o preconceito desta fonte proibida és mãe do rico e do pobre,
que a idade lança entre a gente. que à razão condena e embaça! da pele clara e morena!
31 37 43
Nos volteios dos deslizes Por mais que o orgulho insista, Ribeirão é terra quente
quando o corpo já cansou, peço a Deus, a quem me entrego, de clima e de coração.
como dói pisar raizes que no calor da conquista Qualquer raça, aqui se sente
que a nossa fé não regou! eu saiba despir meu ego! bem mais gente, mais irmão!
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No vazio do meu peito, Quando a lua me abre as frestas Rondando marco após marco,
meu destino de escritor das lembranças que são tuas, a minha sorte à deriva,
vai preenchendo, a seu jeito, de uma lira ouço as serestas a ventura é sempre o barco
velhas lacunas de amor… feitas à luz de outras luas!... que do meu porto se esquiva.
33 39 45
Peço a Deus que a minha prece Quando esta lua indiscreta Se a opressão se faz maior
seja feita em tom de trova me traz lembranças sem fim, ante a paz em construção,
e a inspiração me trouxesse eu choro o velho poeta a família e o esteio mor
a graça da fé que inova. que morreu dentro de mim. que sustenta uma nação.

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Seja lírica ou de humor, Sem lamentar, eu suponho, Talentoso no passado
a trova encanta o universo, ao ver um sonho à deriva: mas depois um tanto frio...
rimando sem se opor - mais importante que um sonho e desse amor mal cuidado
nossa fé cantada em verso! é eu sentir que estou viva! restou-me um lar tão vazio!
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Sem dinheiro, a pobre Aninha Se o verão tudo arrefece, Tiro a máscara... - ouço aflita
se refaz em volta e meia: talento é inovar quimera; de um mar de farsas sem fim
depois de rodar bolsinha, onde um novo sonho cresce, um outro Eu que ainda grita
tem sempre a panela cheia! sempre existe primavera. por vida, dentro de mim!
48 51 54
Se me entrego ao devaneio, Sobras desta trajetória, Usou truques à vontade,
minha esperança se aflora os espinhos do desgosto tentando a sorte a coroa...
e vai fincando outro esteio vão escrevendo outra história Mas alguém diz: - "Nessa idade,
onde a ilusão pede escora! sobre as linhas do meu rosto! só gasta cartucho à toa!”

Marina Strachman
Peça Teatral:
Bom demais pra ser...
Peça teatral: Bom demais pra ser… Baseado em “Um conto de Natal” de Charles Dickens
Autora: Marina Strachman

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Enredo Leila – motorista do carro vermelho, chorona, desempregada,
Esta narrativa é uma obra de ficção que envolve personagens frustrada, acha que sua vida é um erro atrás do outro.
reais, imaginando o que seria deles se morressem; o que estas Beka – Amiga de Leila, está no carro, mas não aguenta
personagens, que foram tão importantes em vida deixaram de mais.
bom, de realmente bom depois que se foram. A peça pretende Renato – Um jovem muito feliz, motorista do outro carro.
mostrar que o que realmente importa, é a essência da pessoa, e
não seus bens! Mauro – amigo de Renato, companheiro pra tudo.
Cenário Três Anjos da Guarda – Um para Asdrúbal, outro para
Uesley e o terceiro para Leila.
Dividido em três espaços. Uma sala, com TV tudo de última
geração com lap top, com televisão e som ligados. Outra um Abertura
“campo” de futebol e na outra, dois carros um vermelho e um Narrador
preto no trânsito, tudo separado por biombos.
Vivemos hoje a nossa vida, uma vida boa, bacana, mas se
Descrição dos Personagens deixássemos esta vida pra trás agora, já! O que teríamos deixado
Asdrúbal – Têm 40 anos, pai de família, um executivo que só para trás?!
faz trabalhar, não dá atenção à esposa e nem ao filho. (Pausa, música mais alta – por meio minuto)
Marilda a linda – Têm 30 anos, só fala de regime, ginástica e Narrador prossegue:
calorias, não dá atenção ao filho e ao marido.
– No mundo atual, mundo dos vivos, malandros, espertos a
Junior – Têm 10 anos, cabelo penteado como o Neymar, usa vida segue segue.
roupa de grife, tem Ipod, Ipad, e wii, e sempre todos ligados e
brinca sozinho. Ilumina-se um de cada vez as três cenas, a família na sala, o
jogo de futebol, os carros no trânsito.
Uesley Uilson – Jogador de futebol profissional, bom jogador,
mas é trapaceiro, encrenqueiro. Cena I
São Januário – Um garoto bonito, muito bom jogador, e uma (Cenário – Sala da família, com Asdrúbal, Marilda a linda e
pessoa do bem. Junior)
Beto Esperto – Joga bem, mas tem mania de querer ser mais Narrador
esperto que os outros e só se dá mal. - Era uma vez…

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(Música e foco de luz passando sobre os objetos e as pessoas Venha cá, meu filho, não chore que o papai compra para você
da cena da família) aquele Jet Ski, último modelo.
Narrador – Asdrúbal é um super executivo de uma Junior (enxugando as lágrimas rapidamente)– Obaaaa, agora,
multinacional que tem escritórios em Londres, Nova Deli, Hong pai, agora?!?!
Kong e Rio de Janeiro. Como o fuso horário varia muito de um Marilda a linda (interrompendo) – é sempre assim, para ele
escritório para outro, Asdrúbal passa os dias conectado a algum você compra tudo, e pra mim nada. Já faz DOIS dias que pedi
computador, não tem tempo de folga e viaja muito, mas é muito uma mixaria para fazer novamente minha plástica de barriga e
rico, possui helicóptero, avião particular, iate, casa de campo e você nem respondeu!
de praia e dá para esposa e para o filho tudo o que pedem, sem
discutir. Asdrúbal- Desculpe minha linda, tem toda a razão, aonde
está meu talão de cheques? (pegando o talão na pasta) –
(Enquanto o narrador fala, mostra Asdrúbal falando em Quanto é minha linda, 500 mil está bom?! Não, não, é pouco
dois celulares, em línguas diferentes, na frente do computador por toda esta beleza, querida leve logo um milhão e aproveita
que está ligado. Quando o narrador finaliza, entra o filho e a renove seu guarda roupa. Se quiser ir para Miami, o jatinho
esposa discutindo.) estará disponível amanhã!
Asdrúbal (aos gritos) – vocês não percebem que estou Marilda a linda (beijando o marido) – é por isso que
trabalhando?! Preciso resolver este assunto urgente! TODAS as minhas amigas morrem de inveja do MEU Asdrúbal!
Marilda a linda – Você está SEMPRE trabalhando e Narrador – Asdrúbal volta ao telefone, para acabar de
resolvendo alguma coisa urgente. Não percebe que este assunto resolver os problemas dos escritórios.
é URGENTE também?!
– Cena II –
Junior – é pai, a mamãe….
(Cenário – campo de futebol, Uesley Uilson,São Januário,
Marilda a linda (interrompendo) – Já disse que não gosto Beto Esperto, brincando com a bola)
que você me chame assim, sou Marilda a linda!
Narrador – Uesley Uilson é um jovem de 17 anos, que joga
Junior (chorando) – eu sou a única pessoa do mundo que futebol tão bem que já têm alguns times atrás dele, mas ele
não pode chamar a mãe de mãe!!! bebe e usa drogas, seu melhor amigo, Beto Esperto, é um perna
Asdrúbal (em seus celulares)- Sorry, but I have a problem de pau que acha que joga MUITA bola, neste time existe
here. (e desliga os telefones, olhando muito feio para os dois!) – também o goleiro São Januario, ótimo jogador, joga bem, é
voluntário em duas ONGs é um garoto do bem.

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São Januário – Uesley, não te disse para você parar de Narrador – Leila a motorista do carro vermelho, é uma
beber e jogar bola que você ganha mais?! chorona, desempregada, frustrada, acha que sua vida é um erro
Beto Esperto (com desdém) – Se fosse só bebida o nosso atrás do outro. Beka, sua grande amiga, está tentando ajudar,
problema, tava moleza! até lhe ofereceu um ótimo emprego, que Leila recusou, mas a
Beka está cansada desta amiga que parece gostar de sofrer.
Uesley Uilson – (interrompendo) – Cala boca, Beto! E
Januário, o que é que você tem ficar me dando conselho, se (No carro vermelho)
conselho fosse bom, ninguém dava de graça!! (rindo), Né não Leila (com a maquiagem borrada de tanto chorar)- eu não
Betão!! sirvo pra nada MESMO, perdi meu emprego, perdi o noivo e
(Betão e Usley, rindo) agora estou a um passo de perder meu apartamento! EU VOU
ME MATAR!
São Januário – Olha cara, o negócio é o seguinte: tem uma
conversa que o Santos tá querendo te contratar pra jogar com o Beka – Ah, pois não! Mas se mata sozinha que estou
Neymar, mas pra isso, você tem que deixar de faltar em treino descendo do carro. Eu já te ofereci o cargo de gerente geral em
por causa de bebida. meu escritório, mas você me respondeu que: trabalhar com a
amiga só pode dar errado… você gosta é de reclamar!
Beto Esperto (com desdém) – Eu já disse que, se fosse só
bebida o nosso problema, tava moleza! Você com esse apelido (No carro preto)
encardido de São Januário, só quer dar bons conselhos… Mauro – Renato olha só que mulherão no banco do
(Uma voz lá de dentro- Beto Esperto, fica quieto que este passageiro!
papo não é com você, você quando está bem, serve pra Renato – Só se for, porque a motorista toda borrada tá
esquentar banco, não sei se você percebeu, mas nem no banco parecendo que saiu do baile de halloween!
tu tá escalado!. Uesley, esta conversa do São Januário é séria, (os dois caem na gargalhada)
mas, só vai funcionar se você por 3 meses comparecer aos
treinos sem estar drogado, ou bêbado, ou os dois!) E os três (No carro vermelho)
saem jogando bola. Beka – Você ouviu isso, sua louca?! Até quando você vai se
– Cena III – fazer de vitima, olha só que dupla “tudo bom” aí do lado! E
parece que estão rindo de nós!
(Mostram os dois carros parados no farol, um vermelho com
a Leila ao volante e a Beka ao lado, e no outro no carro de cor (No carro preto)
prata Renato dirigindo e Mauro ao lado)

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Renato (dirigindo-se para Beka no outro carro)– Oi! Nós mulher só quer saber do seu dinheiro, e seu filho que tanto
estamos indo no Shopping, você quer vir?! quer seu amor, não consegue ganhar nem um abraço! Você
(Leila engata uma primeira e sai correndo com o carro) nunca fez uma boa ação na vida! Veja o que será de você depois
que morrer:
Beka (assustada e gritando) – Para o carro já que eu vou
descer! Você precisa de um médico urgente! Mostra a parte do cenário do céu, e Asdrúbal, sozinho,
ninguém vem conversar com ele. E ele está, olhando para seu
Apaga-se a luz do cenário. filho que está brincando, e sua esposa que está adorando estar
– Cena IV– sozinha com o dinheiro da herança que ele deixou.
(Nesta cena camas são necessárias) Asdrúbal se desespera.
Narrador – e o dia acabou e todos foram dormir… Anjo da Guarda de Asdrúbal prossegue – Asdrúbal, este
quadro pode mudar, se for da sua vontade, você é jovem, tem
Mostra cada um deitado em sua cama… Asdrúbal em seu lap muita coisa boa para fazer ainda, que tal?!
top, enquanto Marilda pensa em suas plásticas, e Junior está
dormindo. Beto Esperto, em sua cama bebendo a segunda Asdrúbal (acorda assustado) – Marilda minha linda, tive um
garrafa de vodka, Uesley tentando jogar a garrafa de bebida fora, sonho e preciso mudar! Querida, amanhã vou começar a
mas acaba bebendo… e São Januário fazendo suas preces antes instruir meus diretores, para ter mais tempo com vocês.
de se deitar. Leila desmaiada ao lado de MUITOS remédios que Também vou ajudar a quem eu puder, mas por enquanto…
ela ingeriu, Beka em sua cama preocupada com Leila, pedindo Asdrúbal corre para o quarto do Junior e o abraça e beija.
que o anjo da guarda olhe por sua amiga, Renato e Mauro cada
um dormindo em sua cama. – Cena V–
Narrador – Me enganei, agora sim, e o dia acabou e todos Anjo da Guarda de Uesley – Uesley Uilson, sou seu Anjo
foram dormir. da Guarda, estou aqui para te ajudar: você é um menino ainda,
tem um lindo futuro pela frente, mas sua vida é só beber e se
E mostra todos dormindo. drogar, Deus te deu um Dom de jogar bola maravilhosamente,
Narrador – E eles sonham, sonham com o seu futuro, e com mas você prefere as drogas… Veja o que será de você depois que
o que será de cada um deles…. morrer:
Anjo da Guarda de Asdrúbal – Asdrúbal, sou seu Anjo da Mostra a parte do cenário do céu, e Uesley Uilson, sozinho,
Guarda, estou aqui para te ajudar: você é um homem bem ninguém vem conversar com ele. E ele está, olhando para o
sucedido financeiramente, mas sua vida é uma droga… sua nada, pois não tem nada nem para olhar

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Anjo da Guarda de Uesley prossegue – Uesley Uilson, este Liga para a Beka e diz:- Beka, você tem a partir de hoje uma
quadro pode mudar, se for da sua vontade, você é jovem, tem nova amiga, e eu quero sim o emprego que você me ofereceu,
muita coisa boa para fazer ainda, que tal?! você verá de agora em diante, sou uma pessoa melhor!
Uesley Uilson acorda MUITO assustado e diz para si mesmo: Narrador – E eles se tornaram pessoas melhores, e você?!
Véio eu preciso mudar já! – Cena VII –
Ele liga para São Januário e diz: Narrador – E enquanto isso na lanchonete do bairro. Em
– São Januário, preciso muito da sua ajuda, tive um sonho e uma mesa, dividindo uma pizza, contando estórias e se
eu preciso mudar, você me ajuda?! divertindo estão, Leila, Beka, Renato e Mauro.
São Januário – Uesley, claro que sim, aliás, eu vou adorar Leila – Quero propor um brinde a minha amiga que não me
poder te ajudar! abandonou quando mais precisei e ao que sobrou de legal
– Cena VI – daquela época, A Beka, ao Mauro e ao meu amor, o Renato!
Anjo da Guarda de Leila – Leila, sou seu Anjo da Guarda, Beka – Ah, isso merece um brinde mesmo, Leila, você é
estou aqui para te ajudar: você é uma mulher inteligente, bonita outra pessoa, eu não sei o que te fez mudar assim pra melhor,
e que ainda, tem um lindo futuro pela frente, mas sua vida é só mas eu agradeço! Posso confessar que pedi muita ajuda para
reclamar, você acha que a responsabilidade é sempre do outro, seu anjo da guarda!
nunca é sua! A sua vida pode mudar mas… E preste atenção a Mauro – Renato e você achando que ela parecia uma
este detalhe: VOCÊ e somente VOCÊ é a responsável por suas assombração! rsrsrsr Ainda bem que nos encontramos
escolhas. novamente, e foi incrível vê-las ajudando as crianças a refazer a
Veja este é seu futuro… mostra Leila pedindo esmola. mata ciliar daquela nascente!
Anjo da Guarda de Leila prossegue – Leila, este quadro pode Renato – Ainda bem que nos encontramos novamente, e foi
mudar, se for da sua vontade, você é jovem, tem muita coisa incrível vê-las ajudando as crianças a refazer a mata ciliar
boa para fazer ainda, que tal?! daquela nascente!
Leila acorda MUITO assustada e diz para si mesma: Eu não Beka – Ei rapazes, semana que vem tem uma distribuição de
tinha percebido que passava por cima das minhas mudas de árvores da região e meu escritório vai emprestar dois
responsabilidades! caminhões, será uma ação no fim de semana inteiro, pois vamos
promover também a plantação na beira do rio, topam?

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(Renato, Leila e Mauro)- Ah, Beka com certeza e você não vai Asdrúbal- eu só tenho a agradecer por aquela noite! Sou
se livrar de nós tão cedo! outra pessoa e serei pai de gêmeos!
Narrador – E na outra mesa, estão….Mostra a mesa com Narrador – e entrando na lanchonete… São Januario e Uesley.
Asdrúbal, Marilda e Junior. Eles estão comendo uma salada! Uesley está triste.
Junior – Quero mais alface e tomate, mamãe! São Januário – Uesley, você tá bem?
Marilda a linda (que está grávida) – Claro meu querido, eu Uesley Uilson – To sim Janú, mas to muito triste! Nunca
também vou repetir. Asdrúbal amor, pede um suco de laranja pensei que o Beto fosse morrer assim de overdose!! Sabe acho
pra mim? que é uma mistura de sentimentos… afinal, se não fosse por
Asdrúbal- Claro. Ah, Marilda, eu quero te agradecer a dica você, eu ia acabar assim também!
das empresas que investem em ações ambientais, eu estou São Januário – Olha cara, mas você conseguiu, teve uma
adorando trabalhar com está área! Aliás, filho, este fim próximo tremenda força de vontade e conseguiu ficar um ano inteiro
fim de semana, vamos plantar árvores na beira do rio, e longe da bebida e das drogas!
escolhemos você e a Marilda para representarem a empresa, Uesley Uilson – E agora é seguir em frente! Este ano vou
vocês aceitam? jogar no Santos e agradeço a Deus todos os dias por eles terem
Marilda a linda (beijando o marido) – é claro querido, te contratado junto comigo, pois você é meu parceiro, irmão e
nossa vida mudou pra melhor agora, eu me sinto melhor e sou amigo!
uma mãe de verdade agora, eu curto estar com vocês! Apaga-se a luz do cenário.
Junior – é mesmo mamãe, agora a gente pedala juntos, e
almoça juntos!
__________________
Marina Strachman – arquiteta e urbanista, mestre em desenvolvimento regional e meio ambiente e especialista em educação ambiental.

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Tânia Tomé
Poemas
Escolhidos
MOÇAMBIQUE a pupila
de uma luz imensa
Quando me sento descalça no fundo da concha.
sobre o sapato do menino pobre
que me enche o pé É o que se me vê(m) além
muito mais que outro qualquer da cotilédone da pele:
me lembro que existir sons ruidosos
não é sozinha em uníssono.
é com toda gente.
E me lembro SERMENTE
que tenho de embebedar-me de ti
Moçambique E se Paul Celan
Porque tenho saudades de mim me entrasse
aqui, no futuro verso
SONS EM UNÍSSONO eu seria a flor
tu serias a morte
A mão que me lê e não te escreveria
ganha no espelho neste desejo

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incerto ENCANTOEMA
de morrer-te
como murcha a flor Pois há urna verdade,
para ser semente é a verdade do poema.
Urna verdade que não existe
SE O MEU PESCADOR PESCASSE e que não importa.
O que importa és tu
Se o meu pescador me pescasse e és tu que existes
pelo arpão me agarrasse os versos no peixe que sonhas.
um a um, sem pressa
a melhor palavra do mar… ENCANTAMENTE
Mas em que lugar da asa Uma confusão de dedos
a palavra poderia ser mais bela? procurando as mãos
Com que cheiro? Com que sabor? da menina
Onde seria o lugar do sol — Onde estão, mãe,
Com que cor? Com que brilho? as minhas asinhas da loucura?
E sei que hei de escolher A PALAVRA
depressa mas devagar
a palavra mais carnuda para comer A palavra quer deitar-se
E vou comer intensamente sozinha, reflexa
Com toda forca dos meus (d)entes contemplar devagar
na ponta dos dedos o sol morre ao silêncio
as palavras que não me calo Não há pressa, não há medo
E um peixe com asas A palavra quer morrer
Há de nascer quantas vezes for preciso
E há de pescar-me no alto
o pescador
Espero

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SONHO quase sempre
na plenitude
Inspirada num poema que de igual forma me caracteriza de como na forma
poeta amigo CAVALAIRE (Adilson Pinto). em que respiro.
Não tenho medo de assumir quem sou, uma eterna sonhadora
que luta por aquilo em que acredita. (Tânia Tomé) AMOR
Eu tenho um sonho, Meu poema infinito
e dentro dele milhares Tu escreves-me tão bem
de sonhos possíveis… esse amor todo nos teus dedos
em que acredito, escrevives-me exatamente
como me sonhei

Richard Wagner
O Anel do Nibelungo
Parte 3: Siegfried
Sua estreia ocorreu no Bayreuth Festspielhaus, Ato I
Bayreuth, em 16 de agosto de 1876, como parte da Cena I
primeira apresentação completa da Saga do Anel. Irmão de Alberich, Mime, está forjando uma lâmina
de espada em sua caverna no meio da floresta.

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Enquanto trabalha, reclama sobre não conseguir forjar bebê. Perguntado sobre seu pai, Mime explica possuir
os pedaços de uma certa espada, e sonha com o tesouro total desconhecimento, exceto pelo fato dele ter morrido
almejado anteriormente por seu irmão. O nibelungo tem em combate, como informado por Sieglinde. Como prova
como objetivo obter o Anel para si, tendo criado o órfão do que havia acabado de contar, ele também mostra ao
Siegfried para matar Fafner por ele. O gigante estava jovem os estilhaços da espada Nothung, e Siegfried o
com posse do Anel e do elmo mágico Tarnhelm, e havia ordena a reforjá-la, animando-se com o potencial dessa
transformado-se em dragão com os poderes do elmo. arma de verdade. Siegfried então deixa o local.
Mime precisava da espada para que Siegfried usasse,
mas o jovem quebrava facilmente todas as lâminas Cena II
forjadas. Mime está desesperado: estava acima de sua
Siegfried retorna de suas caminhadas na floresta com capacidade consertar a Nothung. Um velho homem (a
um urso encoleirado, o que apavora Mime, que pede a platéia percebe ser Wotan) aparece abruptamente na
retirada do animal. O jovem atende o pedido e solta o residência. Sua presença não é positiva ao nibelungo,
urso, que sai pela floresta. Ele incomoda-se com a falta que deseja a retirada do sujeito, apesar da insistência. O
de progresso de Mime na forja da espada. O velho então andarilho propõe a aposta de sua cabeça em um jogo de
o apresenta sua nova produção, que assim como todas três charadas para Mime, que aceita a fim de dispensar o
as anteriores, é destruída por Siegfried, já enfurecido. sujeito mal vindo. Ele pergunta ao andarilho o nome das
Mime tenta acalmá-lo, lembrando-o sobre a gratidão que raças que vivem abaixo do solo, na superfície e nos céus.
o jovem o deve pela tutoria durante tantos anos. O andarilho responde corretamente os nibelungos, os
Entretanto, o jovem não o suporta. Siegfried exige saber gigantes e os deuses, respectivamente. Mime então
sobre seus pais; nas suas caminhadas ele havia pede que o sujeito se retire, mas, não se dando por
percebido que todos entre os animais os filhos possuem vencido, Mime é então forçado pelo sujeito a apostar sua
pai e mãe, e estes são parecidos com a cria. Mime era cabeça para responder charadas. Ele é perguntado sobre
nada parecido com Siegfried, mas o velho explica que é a raça mais amada por Wotan (ainda que tratada
tanto pai quanto mãe do garoto. Ameaçado por Siegfried, cruelmente), o nome da espada que pode destruir Fafner
Mime é forçado a ceder e explicar sobre a mãe do jovem, e a pessoa que pode fabricar a lâmina da espada. Mime
a moribunda Sieglinde. Ela morrera durante o parto do responde corretamente as duas primeiras perguntas, os
filho, não antes de confiar ao nibelungo os cuidados do Volsungas e Nothung respectivamente. Entretanto, ele é

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incapaz de responder a última charada. Wotan livra obtido com o contrato de Wotan. O andarilho chega ao
Mime, explicando-o que somente quem não conhece o local, onde Alberich mantém vigia esperando a
medo pode reforjar Nothung, declara que sua cabeça oportunidade de reaver o Anel que anteriormente já teve
pertence à tal pessoa sem medo e deixa a residência. posse. Os dois inimigos logo se reconhecem (ao
contrário de Mime, que em nenhum momento percebe
Cena III que o andarilho é Wotan). Alberich conta seus planos
A essas alturas Mime já está alucinado. Siegfried para dominar o mundo assim que o Anel retorne para si.
retorna, exigindo a reparação da espada estilhaçada. Calmamente, Wotan alega que não deseja obter o Anel,
Mime percebe que a única coisa que não havia ensinado estando ali somente como observador. Alberich não
a Siegfried durante sua criação foi o medo. Ao saber acredita nas intenções de Wotan, alegando que o herói
disso, Siegfried se mostra interessado em aprender livre era a forma indireta de Wotan obter o Anel, então
sobre o medo, e Mime promete ensiná-lo ao levá-lo para ele ainda estava interessado. Wotan então o alerta,
o dragão Fafner. dizendo que Mime é que esta usando o jovem Siegfried
Como o nibelungo não consegue forjar a espada por para obter o anel, era com seu próprio irmão que
conta própria, Siegfried decide realizar a tarefa sozinho, Alberich deveria se preocupar. Ele termina, dizendo que
tendo sucesso na tarefa apesar da descrença de Mime. logo o jovem chegaria ao local com seu tutor a fim de
Nesse meio tempo, Mime percebe que, com o acordo matar o dragão.
com o andarilho, sua cabeça agora pertence a Siegfried. Para surpresa do nibelungo, Wotan acorda Fafner e o
Ele então prepara uma bebida envenenada para oferecer informa sobre o herói que está chegando para lutar
ao jovem logo após ele derrotar o dragão. Ao terminar a contra ele. Ele propõe que ele ceda o Anel pacificamente
forja, o jovem demonstra o poder de sua lâmina ao partir para sair ileso. Sem se importar, o dragão recusa-se a
uma bigorna ao meio, impressionando o nibelungo. entregar o anel e retorna ao sono. Wotan parte e
Alberich esconde-se em uma fenda das rochas do local.
Ato II
Cena I Cena II
É noite e se está na saída da caverna do gigante Ao amanhecer, Siegfried e Mime chegam ao local, e
Fafner, que, sob forma de dragão por conta do elmo Mime decide recuar enquanto Siegfried confronta o
mágico, guarda consigo o elmo, o Anel e o tesouro dragão. Enquanto o jovem espera o Fafner aparecer,

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divaga sobre seus verdadeiros pais e percebe um tesouro. O pássaro então o alerta sobre as intenções de
pássaro da floresta em uma árvore. Amigável ao ser, ele Mime, e avisa que agora o jovem possuía o dom da
tenta imitar seu canto usando um pífaro talhado na hora, clarividência por conta do sangue do dragão. Mime
sem sucesso. Ele então executa uma nota em sua reaparece, e Siegfried reclama que ainda não havia
trompa, acordando Fafner e levando-o para fora de sua aprendido o significado do medo. Mime então o oferece
caverna. Apesar da fúria de Fafner, Siegfried age como a bebida envenenada com um jeito amigável, mas
de costume, atrevido. Após discussão, eles lutam, e Siegfried consegue ler os pensamentos de cobiça, ódio e
Siegfried fere o coração do inimigo com Nothung. assassinato na mente do velho nibelungo. Siegfried
Em seus últimos momentos, Fafner toma então mata o nibelungo com um golpe de sua espada.
conhecimento do nome de Siegfried, diz um pouco de Ele então atira o corpo de Mime na caverna de Fafner,
sua história e que havia matado seu irmão Fasolt. Por fim, assim como o cadáver de Fafner.
o alerta sobre traição. Quando Siegfried remove sua Após pedido de Siegfried, que lamentava sua solidão
espada do cadáver, suas mãos são queimadas pelo o pássaro da floresta então começa a cantar sobre uma
sangue do dragão, e ele instintivamente as coloca em mulher dormindo em uma rocha rodeada por fogo
sua boca. Ao provar o gosto do sangue, ele percebe que mágico, e cujo herói que, salvando-a, tornar-se-ia noivo
agora consegue entender a língua do pássaro da floresta da dama. Imaginando se finalmente poderia entender o
(Segundo a mitologia, beber sangue de dragão torna a significado do medo, Siegfried parte para a montanha
pessoa clarividente e apta a entender a língua dos sendo guiado pelo pássaro.
pássaros).. O pássaro lhe revela os poderes do Anel e do Ato III
elmo mágico, e Siegfried entra na caverna para procurar Cena I
tais tesouros. Ainda sob forma de andarilho, Wotan aparece no
Cena III caminho da rocha onde repousa Brünnhild e invoca Erda,
Mime retorna para assegurar a morte do dragão, deusa da terra. Aparentando estar confusa e
Alberich também chega ao local e os dois discutem sobre questionando o motivo de ter sido acordada, ela emerge
o direito a posse do Anel. Com o retorno do jovem os da gruta onde se encontrava. Wotan se identifica e pede
dois irmãos cessam a discussão e deixam o local. conselhos, mas Erda o sugere procurar suas filhas
Seguindo suas instruções, ele toma para seu o anel e o nornas. Wotan insiste, mas Erda faz nova sugestão: que
elmo mágico da residência de Fafner, e ignora o resto de

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ele procurasse Brünnhild, uma das valquírias filhas de no passado quebrado a espada que o jovem tinha em
Erda com Wotan. punho. Percebendo então que aquele sujeito era o
Ele responde alegando que era justamente sobre ela responsável pela morte de seu pai, o dono original da
o assunto, e descreve a situação atual da valquíria, que espada, Siegfried quebra a lança com um golpe da
estava condenada a sono profundo por sua Nothung. Wotan então calmamente reúne os estilhaços
desobediência. Apesar do espanto de Erda, Wotan de sua arma, e deixa o local. Siegfried chega às rochas e
continua, dizendo a ela que seu período de sabedoria observa o círculo de fogo que enfrentará. Ele sopra sua
estava chegando ao fim. Ele a informa que não teme trompa e avança sobre o fogo, que é rapidamente
mais o destino final dos deuses; é inclusive seu desejo amenizado.
que isso ocorra. Sua herança seria deixada para o Cena III
Volsunga Siegfried, e sua filha Brünnhild trabalharia nas Siegfried encontra Brünnhild e seu cavalo.
tarefas que ainda assolavam o mundo. Dispensada, Erda Primeiramente pensa tratar-se de um homem, por causa
mergulha novamente às profundezas da terra. da armadura típica das valquírias. Entretanto, remove a
Cena II armadura com sua espada e encontra a mulher por trás
Wotan permanece no local. Siegfried chega auxiliado do equipamento. Incerto sobre como agir por nunca
pelo pássaro da floresta, que parte ao ver o andarilho. antes ter visto uma mulher, clama por sua mãe e
Wotan pergunta o destino do jovem, e pensando que experimenta o medo pela primeira vez. Desesperado, ele
aquela pessoa poderia ajudá-lo, Siegfried responde que a beija, acordando-a do sono mágico. Questionando
procurava uma rocha sobre a qual repousava uma quem ser aquela pessoa que a havia acordado, ele se
mulher. Segue um interrogatório de Wotan ao jovem, apresenta. Ela responde, dizendo que já havia cuidado
que por sua vez começa a se irritar. Em uma discussão do jovem antes mesmo dele ter nascido. Confuso,
agora acalorada, o andarilho adverte Siegfried para que Siegfried chega a cogitar ser ela sua mãe, mas Brünnhild
ele não desafiasse, mas o jovem, que ainda não conhecia responde que não, e que sua mãe nunca mais voltaria.
o medo, age atrevidamente como de costume. Ele Siegfried começa a atrair-se pela moça, sendo
responde insolentemente e direciona-se a caminho da repelido por ela. Brünnhild está triste por ter perdido a
rocha de Brünnhild. condição de valquíria, mas acaba cedendo e entrega-se
Wotan bloqueia a passagem de Siegfried através da ao amor de Siegfried, renunciando o mundo dos deuses.
lança dos tratados, e o diz que a mesma lança já havia

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Jussara Gabin
Poemas
Avulsos
TODO DIA é porque Eu me encontrei
e, finalmente, soltei minhas asas.
TODO O DIA, Voei.
no mesmo compasso,
toco minha vida. ONDE MORO
Curo as feridas
e busco um espaço. a beleza tem muitas formas,
Não guardo rancor, o som faz muitas melodias,
nem mágoa de amor, o vento passa faceiro,
tristeza ou cansaço. o gavião voa ligeiro,
Tenho na algibeira tem festa todos os dias.
pedrinhas preciosas, A água canta lá embaixo,
nas mãos, um rosa, o galho dança brejeiro,
colhida no jardim. e do alto do pinheiro,
Sou peça importante salta a pinha com alegria.
neste mundo inconstante Cá onde eu moro,
que escolheram pra mim. tristeza não faz parada
e tem tudo o que eu preciso,
SE VOCÊ CHEGAR DE REPENTE dispensando o dinheiro.
Não é o céu por inteiro,
e não me encontrar, mas é um pedaço do paraíso.

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Pedro Malasartes
Ai, que dor de dente!
Cansado de andar, Pedro Malasarte chegou a uma O dono da padaria estava na porta, com seu avental
grande cidade. Já haviam se passado dois dias desde branco, e parecia ter o rei na barriga. Em tom de mofa,
que se banqueteara com os cegos e seu estômago dava vendo a cara de Pedro Malasarte, perguntou-lhe:
horas. – Quantos pães e doces seriam necessários para
Para piorar ainda mais sua situação, estava com uma matar a sua fome, hein?
dor de dentes que mal podia suportar. Nosso herói respondeu sem hesitar:
Mas não tinha dinheiro nem para pagar o dentista – Puxa, aposto que comeria uns cem…
-que naquele tempo era o barbeiro -nem para comer. – Ora, ora! – exclamou o padeiro, que adorava fazer
Gastara as últimas moedas no caminho, comprando um apostas. – Que posso lhe fazer se não conseguir comer
burrico para uma pobre velha que também ia para a mesmo cem pães e doces?
cidade mas mal podia andar. – Amigo padeiro, já deve ter percebido que não tenho
Ia mergulhado em tristes pensamentos quando comigo um só tostão. Mas para lhe mostrar que sou
passou na porta de uma padaria. Acabava de sair uma mesmo capaz de fazer o que estou dizendo, pode
fornada e o cheiro de pão enchia o ar. mandar me arrancar um dente de quatro raízes se não
Pedro Malasarte olhou para dentro e viu toda espécie comer cem pães e doces!
de pães e bolos. Arrancar dente sempre foi coisa de meter medo.
Ficou com água na boca. Divertido com a aposta, o dono da padaria mandou
Pedro Malasartes entrar e serviu-lhe os mais finos

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produtos do seu estabelecimento. Pãezinhos de queijo e – Este aqui, este aqui -apontou Pedro Malasartes,
broas, bolos, doces, marias-moles e tudo o mais. mais que depressa, rindo por dentro.
Nosso herói estava mesmo com uma fome de lobo e O barbeiro arrancou-lhe o dente dolorido em três
conseguiu comer, sem maior esforço, uns quatro pães, tempos. Não doeu tanto assim, mas Malasartes fez
duas ou três broas, algumas roscas e quatro ou cinco muitas caretas.
doces. -Está vendo só no que dá fazer apostas? - disse o
Dando-se por satisfeito, virou-se para o padeiro: padeiro, com ar triunfante. -Devia ter visto logo que não
– É… Não é que não consigo nem olhar mais para poderia comer tanto assim.
pães e doces? – Pois agora é que vou comer muito mais! - retrucou
Prontamente o outro o agarrou pelo braço e levou-o Pedro Malasartes.
ao barbeiro: E foi-se embora assobiando, com a barriga cheia e
– Amigo barbeiro, trate de arrancar por minha conta livre do dente que tanto o incomodava, sem gastar um
um dente de quatro raízes desse malandro! tostão…

Na solidão nos campos de


algodão
Estreia, no Brasil, da peça de Bernard-Marie Koltès, Em Na Solidão dos Campos de Algodão, o autor
encenada por Gilberto Gawronski, que encontra na francês, como em outras obras, tematiza a solidão. Não
economia de meios e na secura expressiva uma via de há uma ação evidenciada – o texto é construído a partir
valorização do texto e da tensão dramática. de extensos monólogos e o conflito se estabelece até o
final pela contraposição desses discursos que

62
subentendem dois lados complementares de uma jogo de gato e rato, de compra e venda, trabalhado
situação. São dois homens sem nome e sem referências apenas na voz e na atitude, com quase nenhum
passadas explícitas, que expõem, por meio da palavra, deslocamento e economia de gestos. Segundo o crítico
um jogo feito apenas de sugestões ao longo de cada Macksen Luiz, a montagem “pulsa com a virulência de
monólogo. Tráfico de droga ou de sexo, o texto não um enfrentamento, ao mesmo tempo que leva o
explicita as motivações nem o local onde se dá o espectador a um universo provocantemente poético” e
encontro. “procura ser aliciante, quando a força dramática da peça
As qualidades poéticas do texto são ressaltadas pela não está naquilo que sugere ação, mas naquilo que
tradução de Jacqueline Laurence. Na montagem de encobre a falta de ação”.1
Gilberto Gawronski, o cenário trata apenas de Os dois atores trabalham em vias quase opostas.
circunscrever o espaço e neutralizá-lo, enquanto que a Ricardo Blat busca a interiorização e um tempo
iluminação cria áreas de sombra e favorece o clima ermo. dramático emocional enquanto Gilberto Gawronski
Não há divisão entre palco e platéia. O espetáculo é compõe uma figura socialmente nítida, com um humor
encenado para poucos espectadores que se sentam sobre ácido e uma tonicidade que sustentam o clima de tensão
caixas espalhadas pela pequena sala, onde os dois do espetáculo.
personagens se encontram. O diretor consegue imprimir Notas
ação ao texto por meio da sugestão, estabelecendo este 1. LUIZ, Macksen. A solidão pulsante. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 30 nov. 1996.

63
Astrid Cabral
Antologia Poética

NO COLO DO ANJO O olhar de Deus tudo abarca.


Só os homens têm pálpebras.
Empoleirado
na torre do meu sonho DESASTRES DE AMOR
um anjo resplandece.
Cílios cintilantes Mulher bule de louça
estrelas nos olhos deixa-se pegar pela alça
ele me acena com plumas e verte suor e sangue
e me abraça com asas. em quantia exata.
Juntos vagamos Dei com o nariz
entre rastros de astros na porta do teu coração.
a cavalgar nuvens Foi sangria desatada
por planícies etéreas e a porta do pronto-socorro
até que me sinto serena. também encontrei fechada.
É como se mudo dissera
não temas véus ou névoas Eu disse a meu coração:
qualquer neblina passa. Sossega pois tudo passa.
Mas eis que então fala: O nada não é perdição
Não sejas cega, menina. mas estado de graça.

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inaugurando auroras
Desde que o mundo é mundo ou ateando faíscas e incêndios
a sina: nas trevas da minha noite.
o amor, centelha Amor como açudes sangrando
que faz o incêndio ou caudais e tempestades
e a cinza. despencando dilúvios.
E não me falem de ruínas
BUSCA nem de cinzas, nem de lama.

Minha infância é hoje AMOR NO PÍER


aquele peixe de prata
que me escorregou da mão Confesso: o amor por ti
como se fosse sabão. não atravessou o mar.
Mergulho no antigo rio Só molhou as pernas na espuma
atrás do peixe vadio e temendo vagas, dunas
— Quem viu? Quem viu? não quis cavalgar o vento.
Minha infância é hoje
aquele papagaio fujão Confesso: o amor por ti
No ar, sua muda canção deixou-se ficar no píer
Subo nos galhos da goiabeira sem percorrer ponte alguma.
atrás do falaz papagaio Acenavas terra ao longe
— Me segura, me segura a ventura de outra margem.
senão eu caio.
Meu amor ficou no meio
MODO DE AMAR refém do medo de risco.
Queria apenas passeio
Amor com tremor de terra a bordo escuna sem lastro.
abalando montanhas e minérios Nunca a viagem de fato
nas entranhas da minha carne.
Amor como relâmpago e sóis

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CREPÚSCULO não fazem mais acrobacias
nem discursos inflamados
Por que esta ânsia de sobreviver Arrastam chinelos e redes
assim se amoita no âmago de mim ruminam silêncio amargo.
sempre que as lerdas pálpebras da noite Um dia fui bela, filha,
baixam nas altas ramas com os morcegos? digo a surpreendê-la.
Por que o poente assim me abala o eixo Devo provar com retratos
e de fúnebre pompa alma me embrulha o que tem ar de mentira.
tal qual mortalha um pouco prematura?
Por que me pesa suportar as trevas ÁUREOS TEMPOS
que o implacável fim do dia instaura
quando já estagiei em precipícios Áureos tempos aqueles
saltando trampolins perto de abismos? quando na manhãzinha goiaba
Por que morrer me assusta e paralisa colhíamos no cerrado gabirobas
se o que temo perder, de longe sei ainda vestidas de orvalho.
nada tem de Eldorado ou paraíso? Pés e patas competiam no capim
pródigo de carrapichos.
CANÇÃO TRÔPEGA Gestos elásticos ultra-rápidos
assustávamos insetos e aves.
A vida não tem volta. Um séquito de suaves súditos
Sobra o séquito de sombras nos seguia em semi-adoração
e uma canção trôpega nós, os príncipes daquele feudo.
atravessada no peito: Depois, o asfalto rasgou o campo.
espada, rubra espada Cogumelos de concreto brotaram.
cravada de mau jeito. Cresceram as crianças e a cidade.
Aqueles rapazes esbeltos Anãs ficaram as árvores aos pés
ai, estrangularam-se de edifícios colossais. Sumiram
nas gravatas da rotina. pássaros gabirobas araçás.
Ai, crucificaram-se Fim de passeios e piqueniques.
no lenho das doenças. Só ficou a fome funda das frutas
Aqueles rapazes tão belos no vão sem remissão das bocas .

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Folclore do
Algarve/Portugal
As três nuvens

Era uma vez um lavrador muito rico e tinha três filhos: Despediu-se do pai e dos irmãos e foi para o seu
dois, os mais velhos, eram muito estimados pelos seus desterro, levando consigo uma cítara, seu instrumento
pais e andavam ricamente vestidos; o mais novo era favorito.
desprezado. O prédio onde o caseiro costumava dormir ficava no
Tinha o lavrador uma rica propriedade, onde centro da propriedade. O rapaz chegou ali e tirou do
aparecia um medo. prédio uma cama que colocou sobre um parque, de
Caseiro que lá se deixava dormir numa noite era bonita vista, através do prédio. Logo que escureceu foi
encontrado morto no dia seguinte. Vendo o pai que a deitar-se, entretendo-se muito tempo a tocar o seu
propriedade estava muito estragada, porque os vizinhos instrumento. Alta noite adormeceu. Tinha pegado no
metiam nela os seus gados, resolveu mandar o filho mais sono, sentiu-se afogado sob um grande peso; sentou-se
novo guardá-la. Aceitou o mancebo a incumbência, pois na cama, pegou na cítara e disse em voz alta:
era muito bom e obediente, mas pediu ao pai que – Que peso é o que sinto? Olhem que parto a cabeça
mandasse no dia seguinte buscar o seu cadáver para não seja a quem for.
permanecer por muito tempo insepulto. E pôs-se a fazer um grande sarilho com a cítara,
como se fora um alfanje.

67
Então ouviu o mancebo uma voz: ocupados em talhar e fazer riquíssimos fatos de homem;
– Não me mates, dizia a voz, porque te faço bem. Eu soube então que o rei mandara anunciar que casaria
sou a nuvem negra, e, quando tiveres necessidade de com a princesa o cavalheiro que se saísse vitorioso de
alguma coisa, chama por mim. três torneios a seguir.
No dia seguinte ergueu-se ele da cama e dirigiu-se Entretida a família nos arranjos dos dois irmãos, que
para casa, onde era esperado por quatro homens com aspiravam à mão da princesa, nenhum caso fizeram do
uma tumba para o levar ao cemitério. irmão mais novo. Este demorou-se pouco tempo em
– Podem retirar-se: ainda não foi desta, disse o casa dos seus e retirou-se para a propriedade.
mancebo. Nessa noite pensou que ele poderia entrar nos
Na noite seguinte repetiu-se a mesma cena com a torneios, e quando foram marcados os dias para as lutas
diferença da resposta: já tinha formada a tenção de lá se apresentar.
– Não me mates: eu sou a nuvem parda e, quando Na manhã do dia do primeiro torneio disse o
queiras alguma coisa, chama por mim. mancebo: – Valha-me a nuvem preta.
Na terceira noite, e depois da mesma cena das Apareceu logo uma nuvem e dela saiu uma jovem. –
noites antecedentes, ouviu: O que me queres? perguntou.
– Não me mates: sou a nuvem branca. Sempre que – Entrar no torneio e sair vencedor.
te seja preciso, chama por mim. Eu e as minhas irmãs A jovem ergueu uma pequena vara, proferiu
estávamos aqui encantadas, foste tu que nos algumas palavras, e apareceu um cavalo negro, trazendo
desencantaste com os maviosos sons do teu pequena mala, onde vinham riquíssimas vestes e armas
instrumento. de cavaleiro da mesma cor do cavalo.
E a nuvem branca desapareceu como tinham O mancebo vestiu-se, empunhou as armas, montou
desaparecido as outras. no cavalo e entrou no torneio, saindo vencedor. Logo
Conservou-se o mancebo por algum tempo na que saiu da cidade desapareceram o cavalo, as vestes e
propriedade, sendo raríssimas vezes visitado pelo pai e as armas.
isso no mero intuito de examinar como o filho a No dia seguinte disse:
administrava. – Valha-me a nuvem parda.
Um dia teve saudades da família e foi visitá-la. Logo Apareceu outra nuvem, de onde saiu uma Jovem
que entrou na casa paterna viu muitos alfaiates que perguntou ao mancebo o que queria.

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– Entrar no torneio e sair vencedor. Na presença do rei e da princesa, tirou a viseira. E o
E sucedeu como no dia antecedente. Quando ele rei e a princesa agradaram-se do jovem e logo foi ali
entrou na praça percebeu que a princesa o atendia com resolvido o seu casamento.
especial agrado. Ainda outra vez saiu vencedor, Os dois irmãos do mancebo conservavam-se a certa
retirando-se logo para fora da cidade e desaparecendo o distância e, quando viram que estava resolvido o
cavalo, as vestes e as armas. casamento com o seu irmão, tiveram grande desespero.
No terceiro dia invocou a nuvem branca e entrou no Um deles lançou-se da janela à rua, morrendo
torneio montado em cavalo branco e com armas brancas despedaçado, o outro atravessou-se no próprio alfange.
bordadas a ouro. Ficou vencedor, e então viu-se cercado Houve grandes festas no palácio e em todo o reino por
das pessoas da corte que o convidaram a ir à presença ocasião daquele casamento.
do rei. O mancebo foi.

Cora Coralina
Livro de
Poemas

CORA CORALINA, QUEM É VOCÊ? e trago comigo todas as idades.

Sou mulher como outra qualquer. Nasci numa rebaixa de serra


Venho do século passado Entre serras e morros.
“Longe de todos os lugares”.

69
Numa cidade de onde levaram Os adultos eram sádicos
o ouro e deixaram as pedras. aplicavam castigos humilhantes.

Junto a estas decorreram Tive uma velha mestra que já


a minha infância e adolescência. havia ensinado uma geração
antes da minha.
Aos meus anseios respondiam Os métodos de ensino eram
as escarpas agrestes. antiquados e aprendi as letras
E eu fechada dentro em livros superados de que
da imensa serrania ninguém mais fala.
que se azulava na distância
longínqua. Nunca os algarismos me
entraram no entendimento.
Numa ânsia de vida eu abria De certo pela pobreza que marcaria
O voo nas asas impossíveis Para sempre minha vida.
do sonho. Precisei pouco dos números.

Venho do século passado. Sendo eu mais doméstica do


Pertenço a uma geração que intelectual,
ponte, entre a libertação não escrevo jamais de forma
dos escravos e o trabalhador livre. consciente e racionada, e sim
Entre a monarquia caída e a república impelida por um impulso incontrolável.
que se instalava. Sendo assim, tenho a
consciência de ser autêntica.
Todo o ranço do passado era presente.
A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo. Nasci para escrever, mas, o meio,
Os castigos corporais. o tempo, as criaturas e fatores
Nas casas. Nas escolas. outros, contra-marcaram minha vida.
Nos quartéis e nas roças.
A criança não tinha vez, Sou mais doceira e cozinheira

70
Do que escritora, sendo a culinária Nenhum segundo lugar.
a mais nobre de todas as Artes:
objetiva, concreta, jamais abstrata Nem Menção Honrosa.
a que está ligada à vida e Nenhuma Láurea.
à saúde humana.
Apenas a autenticidade da minha
Nunca recebi estímulos familiares para ser literata. poesia arrancada aos pedaços
Sempre houve na família, senão uma do fundo da minha sensibilidade,
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada e este anseio:
a essa minha tendência inata. procuro superar todos os dias
Talvez, por tudo isso e muito mais, Minha própria personalidade
sinta dentro de mim, no fundo dos meus renovada,
reservatórios secretos, um vago desejo de analfabetismo. despedaçando dentro de mim
Sobrevivi, me recompondo aos tudo que é velho e morto.
bocados, à dura compreensão dos
rígidos preconceitos do passado. Luta, a palavra vibrante
que levanta os fracos
Preconceitos de classe. e determina os fortes.
Preconceitos de cor e de família.
Preconceitos econômicos. Quem sentirá a Vida
Férreos preconceitos sociais. destas páginas…
Gerações que hão de vir
A escola da vida me suplementou de gerações que vão nascer.
as deficiências da escola primária
que outras o destino não me deu. (Meu Livro de Cordel, p.73 -76, 8°ed, 1998)

Foi assim que cheguei a este livro TODAS AS VIDAS


Sem referências a mencionar.
Vive dentro de mim
Nenhum primeiro prêmio. uma cabocla velha

71
de mau-olhado, Bem proletária.
acocorada ao pé do borralho, Bem linguaruda,
olhando pra o fogo. desabusada, sem preconceitos,
Benze quebranto. de casca-grossa,
Bota feitiço… de chinelinha,
Ogum. Orixá. e filharada.
Macumba, terreiro. Vive dentro de mim
Ogã, pai-de-santo… a mulher roceira.
Vive dentro de mim – Enxerto da terra,
a lavadeira do Rio Vermelho, meio casmurra.
Seu cheiro gostoso Trabalhadeira.
d’água e sabão. Madrugadeira.
Rodilha de pano. Analfabeta.
Trouxa de roupa, De pé no chão.
pedra de anil. Bem parideira.
Sua coroa verde de são-caetano. Bem criadeira.
Vive dentro de mim Seus doze filhos.
a mulher cozinheira. Seus vinte netos.
Pimenta e cebola. Vive dentro de mim
Quitute bem feito. a mulher da vida.
Panela de barro. Minha irmãzinha…
Taipa de lenha. tão desprezada,
Cozinha antiga tão murmurada…
toda pretinha. Fingindo alegre seu triste fado.
Bem cacheada de picumã. Todas as vidas dentro de mim:
Pedra pontuda. Na minha vida –
Cumbuco de coco. a vida mera das obscuras.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.

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O CHAMADO DAS PEDRAS o perdido tempo que ficou pra trás.

A estrada está deserta. Do perdido tempo.


Vou caminhando sozinha. Do passado tempo
Ninguém me espera no caminho. escuto a voz das pedras:
Ninguém acende a luz.
A velha candeia de azeite Volta…Volta…Volta…
de lá muito se apagou. E os morros abriam para mim
Imensos braços vegetais.
Tudo deserto.
A longa caminhada. E os sinos das igrejas
A longa noite escura. Que ouvia na distância
Ninguém me estende a mão. Diziam: Vem… Vem… Vem…
E as mãos atiram pedras.
Sozinha… E as rolinhas fogo-pagou
Errada a estrada. Das velhas cumeeiras:
No frio, no escuro, no abandono. Porque não voltou…
Tateio em volta e procuro a luz. Porque não voltou…
Meus olhos estão fechados. E a água do rio que corria
Meus olhos estão cegos. Chamava…chamava…
Vêm do passado.
Vestida de cabelos brancos
Num bramido de dor. Voltei sozinha à velha casa deserta.
Num espasmo de agonia
Ouço um vagido de criança. DAS PEDRAS
É meu filho que acaba de nascer.
Ajuntei todas as pedras
Sozinha… que vieram sobre mim.
Na estrada deserta, Levantei uma escada muito alta
Sempre a procurar e no alto subi.

73
Teci um tapete floreado Nasci em tempos rudes
e no sonho me perdi. Aceitei contradições
lutas e pedras
Uma estrada, como lições de vida
um leito, e delas me sirvo
uma casa, Aprendi a viver.
um companheiro.
Tudo de pedra. HUMILDADE
Entre pedras Senhor, fazei com que eu aceite
cresceu a minha poesia. minha pobreza tal como sempre foi.
Minha vida…
Quebrando pedras Que não sinta o que não tenho.
e plantando flores. Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
Entre pedras que me esmagavam e nunca mais voltou.
Levantei a pedra rude
dos meus versos. Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
ASSIM EU VEJO A VIDA caindo mansa,
longa noite escura
A vida tem duas faces: numa terra sedenta
Positiva e negativa e num telhado velho.
O passado foi duro
mas deixou o seu legado Que eu possa agradecer a Vós,
Saber viver é a grande sabedoria minha cama estreita,
Que eu possa dignificar minhas coisinhas pobres,
Minha condição de mulher, minha casa de chão,
Aceitar suas limitações pedras e tábuas remontadas.
E me fazer pedra de segurança E ter sempre um feixe de lenha
dos valores que vão desmoronando. debaixo do meu fogão de taipa,

74
e acender, eu mesma, numa concha azul do mar
o fogo alegre da minha casa ou numa cesta de flores do campo.
na manhã de um novo dia que começa.” Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
POEMINHA AMOROSO não importa.
Já está declarado e estampado
Este é um poema de amor nas linhas e entrelinhas
tão meigo, tão terno, tão teu… deste pequeno poema,
É uma oferenda aos teus momentos o verso;
de luta e de brisa e de céu… o tão famoso e inesperado verso que
E eu, te deixará pasmo, surpreso, perplexo…
quero te servir a poesia eu te amo, perdoa-me, eu te amo…”

Ademar Macedo
O homem atrás do escritor,
o escritor atrás do homem

Entrevista concedida pelo poeta potiguar para José Feldman, em 26 de novembro de 2010.
O poeta faleceu em 15 de janeiro de 2013. em Natal/RN, de câncer.

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INFANCIA E PRIMEIROS LIVROS
JF: Recebeu estímulo na casa da sua infância?
JF: Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu,
onde cresceu, o que estudou. AM: Perdi meu Pai muito cedo, aos 7 anos, minha
infância foi um tanto difícil, mas minha Mãe e meu irmão
AM: Nasci em Santana do Matos/RN, no dia 10 de mais velho nunca deixaram faltar nada, Inclusive o
setembro de 1951, aos oito anos fui morar em Zabelê, estímulo.
município de Touros também no Rio Grande do Norte,
onde fiquei até 1963, quando mudamos para Natal, onde JF: Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever?
terminei o primário e através de uma seleção (concurso),
em 1965 fui para o Ginásio Agrícola de Ceará-Mirim/RN; AM: Confesso que nunca fui muito de ler…Lembro bem
terminando o ginásio voltei para Natal onde fiz o de “O Pequeno Príncipe” e alguns pouco mais.
Científico (naquela época) que era o 2º Grau. Em 1971
entrei Para o Corpo de Fuzileiros Navais, passei no 1º JF: Como foi que você chegou à poesia e às trovas?
concurso para Cabo, fui cursar no Rio de Janeiro e nunca
mais estudei. Voltei para Natal em 1980 e em 81 perdi AM: Tudo começou após o meu acidente. Numa maneira
uma perna num acidente. de passar melhor o tempo, comecei a frequentar
cantorias de viola, festivais de Violeiros, tudo o que dizia
JF: Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a respeito a Poesia Popular, e por meu Pai ter sido Poeta,
disciplina, como era? eu sentia correr nas minhas veias o sangue da Poesia e
comecei a fazer algumas estrofes; e meus irmãos
AM: No Ginásio agrícola (que era um Internato) Sob o Francisco Macedo e Augusto Macedo (falecido) que já
duro comando de Paulo Mesquita, o Diretor, um Oficial eram poetas, me disseram que eu levava jeito pra coisa!
Reformado da Aeronáutica, eu tive a melhor Eu, já poeta popular, conhecido em todo estado devido
aprendizagem da minha vida, lá era um verdadeiro as minhas declamações nas rádios: (Rural de Natal,
quartel, mas até hoje eu agradeço pelos seus Rádio Poti e 98FM), fui convidado por José Lucas de
ensinamentos, principalmente no que tange a moral, Barros, que assistia as minhas declamações nas
dignidade, honestidade que me acompanham até Hoje! cantorias e nos festivais e por Joamir Medeiros, que me

76
ouvia nas Rádios, para ingressar na ATRN (Academia de ABSURSO”, é um livro inspirado em ZÉ LIMEIRA, o Poeta
Trovas do R.G.do Norte), fui sabatinado e após uma do Absurdo.
comissão analisar as trovas feitas por mim, fui aprovado A inspiração para tudo isso veio, com certeza, da
e lá estou desde 2004. Natureza e do Sertão!

SEUS TEXTOS E PREMIOS: JF: Como definiria seu estilo literário?

JF: Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em AM: Como escrevo poesia popular nordestina, o estilo
seus livros? predominante é o Cordel.

AM: Lancei o meu primeiro Livro em 1993: “…E DA DOR JF: Dentre os livros escritos por você, qual te chamou mais
SE FEZ POESIA.” E tenho ainda os seguintes Livros (Em atenção? E por quê?
Parceria): “POESIAS EM QUATRO VERSOS”, “DOIS
POETAS EM SETILHAS”, “UM DEBATE EM SETILHA AM: É muito difícil um Pai amar os seus Filhos de maneira
AGALOPADA”, “NOS ARPEJOS DAS SETILHAS” e “UM diferente, assim é com os Livros; no entanto, para mim,
ROJÃO EM SEXTILHA AGALOPADA”. Já prontos tenho: o Livro onde mais eu me inspirei, onde estão as melhores
“SEXTETO EM SEXTILHAS”, “SEXTETO POTIGUAR”, poesias É: “UM DEBATE EM SETILHA AGALOPADA”.
“SEXTILHAS A QUATRO VOZES”, “TRÊS À MESA DA
POESIA”, E em andamento: “NO COMPASSO DAS JF: Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela
SETILHAS”. tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

Editei um Cordel que intitulei: “DIVAGAÇÕES POÉTICAS” AM: Basta dizer que os livros em parceria (DEZ) foram
E tenho dois CDs declamando Poesias: “NA CADÊNCIA todos feitos pela Internet, Por exemplo: “TRÊS À MESA
DA POESIA” e “O POETA E A RAPOSA”(Com minhas DA POESIA”, Zé Lucas me mandou a sua estrofe, eu
declamações ao vivo, na 98 FM) respondi e enviei as duas para o Professor Garcia, que
E tenho um Livro pronto esperando ajuda para por sua vez, me respondeu e as enviou para Zé Lucas e
publicação, que se chama: “…E DA POESIA SE FEZ O assim sucessivamente até chegar 150 estrofes. VEJAM
AS TRÊS PRIMEIRAS:

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01 – Zé Lucas foram todas em Concursos Nacionais de Trovas. Tive
Com Ademar e Garcia também alguns Prêmios em “Poesia” apenas aqui no
vou pelejar desta vez, meu Estado.
enchendo a taça dos versos
com carinho e lucidez, CRIAÇÃO LITERÁRIA :
para que o vinho sagrado
das musas dê para os três. JF: Você precisa ter uma situação
psicologicamente muito definida ou já chegou
02 – Ademar num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa
Vou beber com honradez pinta de lá de dentro? Para se inspirar
uma taça todo dia, literariamente, precisa de algum ambiente
e eu peço a Deus neste verso especial ?
talento e sabedoria,
e que este vinho sagrado AM: Esta eu vou responder com uma Trova e uma
me embriague de poesia. estrofe apenas:

03 – Prof. Garcia “Vi à luz de lamparina,


Eu vou beber todo dia em inspirações imerso
para afastar o meu pranto, que a musa se faz menina
deste vinho que embriaga para brincar no meu verso.”
e nunca me causa espanto,
porque o vinho do verso “Na inspiração do poeta
tanto é puro quanto é santo. sinto um pouco de magia,
porque toda estrofe minha
JF: Tem prêmios literários? me fascina e me extasia;
e em cada verso que faço
AM: Eu já fui premiado em 21 Cidades de diferentes vou mastigando um pedaço
estados da nossa federação; mas estas premiações do pão da minha poesia.”

78
JF: Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, JF: De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais
você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você de globalização?
concebe os textos?
AM: Com a mesma visão de sempre…Falta de apoio para
AM: Não projeto nada, os versos nascem assim…de a edição de Livros e Etc…
repente.
CONSELHOS PARA OS ESCRITORES :
JF: Você acredita que para ser poeta ou trovador basta
somente exercitar a escrita ou vocação é essencial? JF: Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a
escrever ?
AM: A poesia é um dom divino, nenhuma escola ensina
você se tornar Poeta…O Poeta já nasce feito! AM: Que tenha muito amor pelo que faz e muita Fé.
Quem sabe, um dia você encontre uma porta aberta!
A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR :
JF: O que é preciso para ser um bom poeta ou/e trovador?
JF: O que o choca hoje em dia?
AM: …Apenas Inspiração.
AM: A violência. (que é a falta de Deus no coração das
pessoa…) JF: Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros
trabalhos culturais, opiniões, crítica, etc.
JF: O que lê hoje?
AM: Queria apenas agradecer esta oportunidade que me
AM: Livros de Poesias… foi dada, para que eu pudesse aqui, da forma mais
sincera, me desnudar poeticamente perante todos
JF: Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver? vocês…

AM: Divulgar a poesia nas escolas… JF: Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos,
quais seriam?

79
AM: Seriam apenas de agradecimentos por tudo o que TROVAS:
Ele tem feito na minha vida… Resumindo:
Fiz minha casa de barro
Nunca quis ganhar fama nem cartaz, ao lado de uma favela.
sou feliz no papel que desempenho, Lá fora, eu sei, não tem carro,
sou um homem de fé, temente a Deus, mas tem amor dentro dela!…
não reclamo do peso do meu lenho
nem de tudo na vida que padeço… Após causar desencantos
Eu já tenho até mais do que mereço e nos fazer peregrinos,
e me sinto feliz com o que tenho! a seca faz chover prantos
nos olhos dos nordestinos!
JF: Para finalizar, um poema e trovas de sua autoria que possui
um carinho especial. O grande desmatamento,
por ganância ou esperteza,
POESIA põe rugas de sofrimento
no rosto da natureza…
Há sorriso que fere e que magoa
e há pranto que comove e traz alento, Quando a inspiração lhe acena,
e os que trazem a dor e o sofrimento o bom Trovador se expande.
deixam marcas no rosto da pessoa; Numa Trova tão pequena,
e por mais que este pranto não lhe doa faz um poema tão grande!
deixará para sempre uma seqüela,
que se faz cicatriz no rosto dela Quem se entrega a solidão
maculando esta dor que não termina; e dela se faz refém,
se tiver que chorar feche a cortina, anda em meio à multidão
quando for pra sorrir, abra a janela. mas não enxerga ninguém!

Numa combatividade,

80
cheia de brilho e de glória, Cura. E hoje a minha vida é regida pelo AMOR, pela
saber perder, na verdade, ALEGRIA e pela FÉ, e são baseados nesses temas que
é também uma Vitória! nascem a inspiração para as minhas poesias e Graças ao
nosso bom DEUS e a minha FÉ, é que estou hoje aqui
Na Floresta, a “derrubada” contando a minha história…
deixa em minha alma seqüela,
pois a dor da machadada Em Versos:
dói mais em mim do que nela.
Guardei todos momentos que passei
Ademar Macedo ainda complementa mais sobre ele: de ternura, de carinho e de amor,
momentos que na vida mais gozei
UM POUCO MAIS DE MIM: e os momentos que mais eu senti dor.
O momento feliz da minha vida,
Como eu relatei no início, Eu Sou um Fuzileiro Naval quando Deus curou em mim uma ferida,
(Reformado) perdi uma perna num acidente no ano de que os médicos diziam não ter jeito,
1981, desde então me entreguei de corpo e alma a e apesar de hoje eu ser um mutilado,
Poesia. Em 2006 tive um câncer no intestino, me operei guardo sempre as lembranças do passado
no dia 09/05/2006, no Rio de Janeiro; fiz 52 pra curar as feridas do meu peito!…
Quimioterapias e 25 Radioterapias, terminei o
tratamento no dia 20 de Outubro do mesmo ano, e como A minha poesia é Santa
DEUS é Maravilhoso acredito que eu já esteja Curado, porque é Deus quem a projeta,
pois eu Estou sendo acompanhado aqui em Natal pela pois ele mesmo é quem planta
Liga contra o Câncer através de exames feitos de 6 em 6 no coração do poeta;
meses, e agora em Setembro último fiz uma pois todos os versos meus
Colonoscopia e havia um pólipo que foi retirado para vêm lá da mansão de Deus
fazer a biópsia e deu o seguinte resultado: “ausência de como se fosse uma luz;
malignidade no material Examinado” E Deus, na sua são escritos com emoção
misericórdia, além do dom da Poesia deu-me também a pela minha própria mão,

81
mas seu autor, é Jesus!… e escrito, seja onde for:
– Eis aqui um trovador
Quero então quando eu morrer, que morreu feliz demais!
feito em letras garrafais,
aquela minha poesia Abraços Fraternos:
que me deu nome e cartaz; Ademar Macedo.

Deonísio da Silva
Expressões e suas origens
B , C, D

Beija-me com os beijos da tua boca suas proclamada sabedoria, mas também seus amores
Esta frase, inserida em diversos textos literários por tornaram-se lendários, como foi o caso daquele que
escritores de muitos países, está num dos mais belos viveu com a Rainha de Sabá. Salomão, fruto do amor
livros da Bíblia, o Cântico dos cânticos, esplêndido arrebatado e dramático vivido pelo rei Davi (1015-975
poema sobre o amor, da autoria de Salomão (970-931 a.C.) com uma mulher casada, Betsabéia, foi o terceiro
a.C.), que, além de construir o famosos templo de rei de Israel.
Jerusalém, escreveu livros cheios de sabedoria,
apaixonou-se, namorou e casou com cerca de mil
mulheres, incluídas esposas e concubinas. Não apenas

82
Cada povo tem o governo que merece Cobra que perdeu o veneno
Esta frase é proferida quando se quer falar mal do Aplica-se esta frase a pessoas iradas que, entretanto,
governo, atribuindo-se ao povo a má escolha. É de nada podem fazer em situações de desespero. Nasceu
autoria do filósofo francês Joseph De Maistre da crendice popular de que as cobras, para não
(1753-1821), crítico da Revolução Francesa, inimigo das sucumbirem ao próprio veneno, depositam-no em folhas
repúblicas e defensor das monarquias e do papa. Apesar quando precisam tomar água. Ao voltarem dos riachos,
de a frase ter servido sempre para vituperar todos os algumas acabam esquecendo-se de onde o puseram,
governos, os alvos preferidos são aqueles escolhidos por mantendo-se como loucas à procura da peçonha
voto popular. Porém, nada se diz quando os eleitores temporariamente dispensada. O escritor maranhense
mostram sabedoria nas votações. Assim, contrariando a Henrique Maximiano Coelho Neto (1864-1934), autor de
máxima popular, o filho feio sempre tem por pai o mais de cem livros e um dos membros fundadores da
próprio povo. No fundo, a crítica não é aos maus Academia Brasileira de Letras, registrou o adágio em sua
governantes, mas aos responsáveis por sua elevação aos peça A muralha, numa fala da personagem Ana que,
cargos. incapaz de resistir ao jogo do bicho, comporta-se como
cobra que perdeu o veneno.
Chegar de mãos abanando
Os primeiros imigrantes deviam trazer as ferramentas Com uma mão se lava a outra
indispensáveis ao cultivo da terra, entre as quais eram Esta frase resume preceitos de solidariedade, dando
importantes a foice e o machado, para a derrubada de conta de que as ajudas devem ser mútuas. Foi
matas. Dos colonos europeus esperava-se que originalmente registrada no parágrafo 45 do romance
trouxessem também galinhas, porcos e vacas, bases de Satyricon, do escritor latino Tito Petrônio Arbiter (século
uma economia auto-sustentável. Quem chegasse, pois, primeiro a.C.), transposto para o cinema pelo famoso
de mãos abanando, não vinha disposto a trabalhar. cineasta italiano Federico Fellini (1920-1994). Em síntese,
Manter, pois as mãos ocupadas era sinal de disposição o romance narra a história de um triângulo amoroso,
para o trabalho e ajuda mútua. O imigrante, que no dizer envolvendo dois rapazes apaixonados por um terceiro,
de Ambrose Bierce (1842-1914), é um indivíduo mas livro e filme põem em relevo a decadência dos
mal-informado, que pensa que um país é melhor que costumes políticos. Tanto o romancista como o diretor
outro, não poderia chegar de mãos abanando. criticam duramente a civilização ocidental, apesar dos 20

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séculos que o separam, onde o que mais falta é mensageiro de triste notícia: a casa do já célebre
justamente a solidariedade. humanista francês tinha pegado fogo. Sem levantar os
olhos dos manuscritos de grego, língua cujos estudos
Custar os olhos da cara disseminou na França toda, limitou-se a pronunciar esta
A história desta frase começa com um costume bárbaro frase. Mas nada restou depois do incêndio para a mulher
de tempos muitos antigos, que consistia em arrancar os cuidar.
olhos de governantes depostos, de prisioneiros de guerra
e de indivíduos que, pela influência que detinham, De boas intenções o inferno está cheio
ameaçavam a estabilidade dos novos ocupantes do Esta frase é de autoria de um teólogo e santo famoso, o
poder. Cegos, eles seriam inofensivos ou menos francês São Bernardo de Clairvaux (1090-1153). Muito
perigosos. Naturalmente, a expressão alude também ao místico, travou grandes polêmicas com o célebre
incomparável valor da visão. Por isso, pagar alguma namorado de Heloísa, o também teólogo e filósofo
coisa com a perda dos olhos passou a ser sinônimo de escolástico Pedro Abelardo (1079-1142). Conselheiro de
custo excessivo, que ninguém pode pagar. A expressão reis e papas, São Bernardo pregou a segunda Cruzada,
tem servido para designar preços exagerados em destacando-se no combate àqueles que eram
qualquer produto. Um dos primeiros a registrá-la foi o considerados hereges por ousarem interpretar de modos
escritor romano Plauto (254-184 a.C.), numa das 130 plurais a ortodoxia católica. A frase foi brandida, não
peças de teatro que escreveu. apenas contra seus desafetos, mas também a seus
aliados, e tornou-se proverbial para denunciar que as
Coisas da casa cuide a mulher boas intenções, além de não serem suficientes, podem
Esta frase, dando conta de que os trabalhos domésticos levar a fins contrários aos esperados.
são incumbência exclusivamente femininas, tem suas
origens remotas, mas houve um caso que a tornou ainda Deixo a vida para entrar na história
mais proverbial e famosa. Guilhaume Budé (1467-1540), A celebridade desta frase deve-se à carta-testemunha do
um dos fundadores do College de France, onde presidente Getúlio Vargas, assinada momentos antes de
ensinaram alguns dos maiores intelectuais do mundo nas suicidar-se, na madrugada de 24 de agosto de 1954, no
diversas épocas, estava pesquisando etimologia quando Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Um padre ainda o
irrompeu em seu escritório, todo esbaforido e aflito, um encontrou consciente e de olhos abertos. Antes de

84
ocupar a Presidência da República por quase 20 anos, ele mictórios públicos. Logo nas primeiras arrecadações,
foi governador do Rio Grande do Sul, seu Estado natal. Vespasiano tomou uma das moedas recolhidas nas
Um dos maiores estadistas brasileiros, foi sob seu privadas imperiais e pediu que o filho a cheirasse,
governo que ocorreu a maior industrialização do Brasil. dizendo: non olet, isto é, não tem cheiro. Vespasiano fez
Logo depois de deposto a primeira vez, em 1945, boa administração, recuperou a economia do império e
candidatou-se a senador, conseguindo 17 por cento dos entre seus feitos está também a construção do Coliseu.
votos, recorde jamais alcançado por qualquer outro. No Mas, como todo administrador austero,
segundo mandato, cumpriu a frase profética. incompatibilizou-se com os meios senatoriais.

Deus me defenda dos amigos, que dos inimigos Dize-me o que comes e eu te direi quem és
me defendo eu Variação do preceito evangélico “dize-me com quem
Frase atribuída ao escritor e filósofo francês Voltaire, andas e eu te direi quem és”, esta frase famosa está
pseudônimo de François Marie Arquet. Teve presente em A filosofia do gosto, livro clássico do célebre
desempenho brilhante nas célebres polêmicas do Século gastrônomo Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826) e faz
das Luzes, com suas ideias claras, temperadas por parte dos 20 aforismos ali reunidos, os mandamentos de
cáustica ironia, arma verbal que lhe rendeu muitos quem quer comer bem. Bom gourmet e bom gourmand,
inimigos entre os obscurantistas, sendo obrigado a esse francês notabilizou-se por suas célebres tiradas a
retirar-se de Paris após a publicação do seu livro Cartas respeito do ato de comer. Entre outras prescrições,
filosóficas, em 1734. Foi, porém, apoiado e acolhido pela recomendou aos cozinheiros e aos visitantes a
escritora Madame de Châtelet (1706-1749), sua pontualidade e escreveu que convidar alguém para
inspiradora e amiga, da qual Deus não precisou comer em nossa casa equivale a encarregar-se de sua
defendê-lo. felicidade. Sempre com verve, proclamou que mais vale
para o gênero humano a invenção de um novo prato do
Dinheiro não tem cheiro que o descobrimento de um novo astro.
A frase original foi pronunciada em latim, pelo imperador
Vespasiano (9-79), cujo filho, Tito, estava inconformado Dizer as coisas em alto e bom som
com o novo imposto baixado pelo pai, que, para Esta frase nasceu das dificuldades de comunicação em
melhorar as finanças da antiga Roma, taxara os sociedade, principalmente no trabalho, nas lides e em

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conversas de rua. Não se sabe quem a inventou, com o vice-presidentes do Brasil, entre os quais Jânio Quadros
fim de deixar muito claro o que dizia, mas há um bom e João Goulart. O primeiro mandou o outro para a
exemplo recolhido do célebre escritor, jornalista, orador, Cochinchina – oficialmente, seria a China, mas
político e jurisconsulto brasileiro Rui Barbosa de Oliveira conhecendo as intenções ocultas de Jânio, sabemos que
(1849-1923). Foi também vice-presidente da República e ele queria o vice ainda mais longe – e renunciou para ver
teve uma desastrada atuação como ministro da Fazenda. que bicho dava. Deu o maior bode, como a História
Redigiu nossa primeira constituição republicana, a de mostrou, resultando, por fim, na deposição do
1891. Esta frase está presente em célebre conferência presidente que os militares não queriam empossar.
que fez sobre o dever da imprensa de dizer a verdade em
alto e bom som. Dourar a pílula
Esta frase tem o significado de se apresentar algo difícil
Dois bicudos não se beijam ou desagradável como coisa fácil de aceitar. Nasceu de
Ao contrário do que se possa parecer, o vocábulo não se conhecida prática das farmácias antigas, que consistia
aplica às aves, mas aos homens. Antigamente eram em embrulhar pílulas em finos papéis, com o fim de
chamados de bicudo tanto estiletes compridos e armas preparar psicologicamente o cliente para engolir um
pontudas, como certos valentões que, nas bodegas, remédio de gosto amargo. Do sentido literal, passou a
festas e ajuntamentos diversos, patrocinavam arruaças. metáfora e logo recebeu aplicação literário, estando um
Indivíduos de pouca conversa e gestos grosseiros, de seus mais antigos registros na peça Anfitrião, de Jean
brigavam por qualquer coisa. O brasileiro, tido por Baptiste Poquelin Molière (1622-1673), em que Sósia, na
cordial e afável no trato entre colegas e amigos, sempre última cena do terceiro ato, diz: “o senhor Júpiter sabe
se caracterizou por abraços, afagos, beijos e outras dourar a pílula”. Dourar a pílula é ainda hoje tática sutil
efusivas demonstrações de carinho. Daí o contraste de de persuadir renitentes, quando se procura destacar os
dois bicudos que não se beijam, de que são exemplo aspectos positivos de algo desfavorável.
célebres parcerias impossíveis como certos presidentes e

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Luís Fernando Veríssimo
Na fila

– Olha a fila! Olha a fila! Tem gente furando aí. – O Dom Pedro! Dom Pedro Primeiro!
– Tanta pressa só pra ver um caixão… – Primeiro chegou o Dom Pedro e depois inauguraram
– Um caixão, não: o caixão do Dom Pedro. o viaduto?
– Como é que eu sei que é o Dom Pedro mesmo que – Olha a fila!
está lá dentro? – Primeiro inauguraram o Viaduto Dom Pedro
– A gente tem que acreditar, ora. Já se acredita em Primeiro e, segundo, chegou o Dom Pedro Primeiro em
tanta coisa que o Go… pessoa. Quer dizer, no caixão. Está claro? E eu acho que
– Com licença, é aqui a inauguração do Dom Pedro o senhor está puxando conversa para pegar lugar na fila.
Segundo? Não pode, não, eu cheguei primeiro.
– Meu filho, duas coisas. Primeiro: não é segundo, é – Ouvi dizer que ele não serviu para nada.
primeiro. E segundo a inauguração do viaduto foi ontem. – Como, para nada? E o grito? E a Independência?
Esta fila é para ver o caixão do Dom Pedro. – Não, o viaduto.
– Eles inauguraram o viaduto primeiro? – Ah. Não sei. Mas é bonito. Como esse negócio todo,
– Como, primeiro? o caixão, os restos do Imperador, as bandeiras, Brasil e
– Primeiro inauguraram o viaduto e depois chegou o Portugal irmanados, essas coisas simbólicas e tal. Eu
Dom Pedro Segundo? acho bacana.
– Segundo, não, Primeiro! – Olha a fila! Vamos andar, gente. Pra frente, Brasil.
– Primeiro o quê?

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Florbela Espanca
Livro de Poemas

FOLHAS DE ROSA A doce oferta que eu amava tanto,


Que refletia outrora tantos risos,
Todas as prendas que me deste, um dia, E agora reflete apenas pranto,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol, E o colar de pedras preciosas,
Eu vou falar com elas em segredo… De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho
E falo-lhes d’amores e de ilusões, De vago e de feliz no meu passado…
Choro e rio com elas, mansamente…
Pouco a pouco o perfume do outrora Mas de todas as prendas, a mais rara,
Flutua em volta delas, docemente… Aquela que mais fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca
Pelo copinho de cristal e prata Que a meus pés desfolhaste, aquele dia…
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita NAVIOS-FANTASMAS
Que, triste, me deslumbra e m’embriaga
O arabesco fantástico do fumo
O espelho de prata cinzelada, Do meu cigarro traça o que disseste,

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A azul, no ar, e o que me escreveste, Hão-de fazer-se leves e suaves…
E tudo o que sonhastes e eu presumo.
Hão-de pousar-se num fervor de crente,
Para a minha alma estática e sem rumo, Rosas brancas tombando docemente,
A lembrança de tudo o que me deste Sobre o teu rosto, como penas de aves…
Passa como o navio que perdestes,
No arabesco fantástico do fumo… TOLEDO

Lá vão! Lá vão! Sem velas e sem mastros, Diluído numa taça de oiro a arder
Têm o brilho rutilante de astros, Toledo é um rubi. E hoje é nosso!
Navios-fantasmas, perdem-se a distância! O sol a rir… Vivalma… Não esboço
Um gesto que me não sinta esvaecer…
Vão-me buscar, sem mastros e sem velas,
Noiva-menina, a doidas caravelas, As tuas mãos tateiam-me a tremer…
Ao ignoto País da minha infância… Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço,
É como um jasmineiro em alvoroço
SUAVIDADE Ébrio de sol, de aroma, de prazer!

Pousa a tua cabeça dolorida Cerro um pouco o olhar, onde subsiste


Tão cheia de quimeras, de ideal, Um romântico apelo vago e mudo
Sobre o regaço brando e maternal – Um grande amor é sempre grave e triste.
Da tua doce Irmã compadecida.
Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo…
Hás-de contar-me nessa voz tão qu’rida Uma torre ergue ao céu um grito agudo…
A tua dor que julgas sem igual, Tua boca desfolha-me num beijo…
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida. NIHIL NOVUM

E hás-de adormecer nos meus joelhos… Na penumbra do pórtico encantado


E os meus dedos enrugados, velhos, De Bruges, noutras eras, já vivi;

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Vi os templos do Egipto com Loti; E é de seda vermelha e canta e ri
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.
E é como um cravo ao sol a minha boca…
No horizonte de bruma opalizado, Quando os olhos se me cerram de desejo…
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti! E os meus braços se estendem para ti…
O silêncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado… LOUCURA
Mordi as rosas brancas de Ispaã Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada
E o gosto a cinza em todas era igual! Pavorosa! Não sei onde era dantes.
Sempre a charneca bárbara e deserta, Meu solar, meus palácios, meus mirantes!
Não sei de nada, Deus, não sei de nada! …
Triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida ? o mesmo estranho mal, Passa em tropel febril a cavalgada
E o coração ? a mesma chaga aberta! Das paixões e loucuras triunfantes!
Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!
SE TU VIESSES VER-ME… Não tenho nada, Deus, não tenho nada! …

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha, Pesadelos de insónia, ébrios de anseio!


A essa hora dos mágicos cansaços, Loucura a esboçar-se, a enegrecer
Quando a noite de manso se avizinha, Cada vez mais as trevas do meu seio!
E me prendesses toda nos teus braços…
Ó pavoroso mal de ser sozinha!
Quando me lembra: esse sabor que tinha Ó pavoroso e atroz mal de trazer
A tua boca… o eco dos teus passos… Tantas almas a rir dentro da minha!
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha… À MORTE
Se tu viesses quando, linda e louca, Morte, minha Senhora Dona Morte,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo Tão bom que deve ser o teu abraço!

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Lânguido e doce como um doce laço Os dias são outonos: choram… choram…
E como uma raiz, sereno e forte. Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo, Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
Em ti, dentro de ti, no teu regaço E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Não há triste destino nem má sorte. Fumo leve que foge entre os meus dedos! …

Dona Morte dos dedos de veludo, A TUA VOZ NA PRIMAVERA


Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto! Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Vim da Moirama, sou filha de rei, Tenho os meus lábios húmidos: tomai
Má fada me encantou e aqui fiquei A flor e o mel que a vida nos promete!
À tua espera… quebra-me o encanto
Sinfonia de luz meu corpo não repete
FUMO O ritmo e a cor dum mesmo beijo… olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Longe de ti são ermos os caminhos. Sem que a visão dos poentes se complete!
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas, Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos! Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos…
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas… Para os teus beijos, sensual, flori!
Abertos, sonham mãos cariciosas, E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos! Só me exalto e sou linda para ti!

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Panorama da Literatura
Italiana

Após a queda do Império Romano, verificou-se na marcados pela publicação das outras obras de Dante
Europa uma série de transformações políticas que (Convivio, De Vulgari Eloquentia, De Monarquia) e,
determinaram um processo de desenvolvimento das sobretudo, pela Divina Commedia, a grande composição
línguas faladas, dando origem ao “vulgar”, no qual a em versos que sintetiza e conclui a Idade Média, obra
língua do povo prevalece sobre a língua erudita. Entre as que tanta importância teve em toda a história literária da
línguas românicas, isto é, derivadas do “romano”, ou Europa até à nossa época. Mas quando a Idade Média
seja do latim, tiveram especial importância para o início entrava em declínio, uma nova cultura, inspirada na
da literatura italiana a língua e a literatura provençal, e a redescoberta das obras clássicas da antiguidade, dava os
língua e a literatura francesa. No Século XII, a cultura seus primeiros passos. Dessa nova era são testemunhas
ainda é monástica e assim não surpreende o florescer de imortais as obras de Francesco Petrarca, do Secretum ao
uma literatura religiosa com Francisco de Assis, Canzoniere, inspiradas no mais alto lirismo, cristão e
Jacopone da Todi, etc. Mais importante, na segunda profano, clássico e renovador ao mesmo tempo.
metade do século, foi o movimento do Dolce Stil Nuovo, Se as obras do Petrarca já parecem voltadas no
que teve início em Bolonha com Guido Guinizelli e sentido de uma nova cultura humanista, o Decameron de
prosseguiu em Florença com Guido Cavalcanti, Dante Giovanni Boccaccio demonstra estar profundamente
Alighieri, Lapo Gianni, etc. ligado à realidade comum, numa narração
No final do século, aparece a primeira obra de Dante cómico-realística, inspirada nos horizontes da classe
Alighieri (Vida Nova) e os anos iniciais do século XIV são

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mercantil que nela encontrava o seu momento Depois de um breve período neoclássico, o
privilegiado. romantismo, que já se tinha afirmado na Europa do
O século XV oferece-nos a explosão do conhecido Norte, chegou à Itália, precedido de mil disputas e
movimento humanista que, nos primeiros cinquenta polêmicas com os defensores do Classicismo.
anos procura e estuda os clássicos, mas que, na segunda As motivações principais do Romantismo italiano
metade do século, dá-nos uma floração de obras de resumem-se ao princípio de espontaneidade da poesia,
inspiração nova e de uma beleza singular. na recusa das regras clássicas e da imitação de modelos,
E do Humanismo passou-se ao Renascimento, que no caráter popular da literatura que deve ter motivações
domina toda a cultura italiana do século XVI. Eis aqui as nacionais e patrióticas, na exaltação dos grandes
obras de Ludovico Ariosto (autor do poema Orlando acontecimentos do passado, na função social, moral,
Furioso), Torquato Tasso (autor da Gerusalemme educativa e religiosa da literatura e, finalmente, na
Liberata), de Niccolò Machiavelli (autor de Il Principe e I pesquisa de uma linguagem cada vez menos acadêmica.
Discorsi), de Francesco Guicciardini (Storia d’Italia), de Ugo Foscolo e Giacomo Leopardi encontram-se numa
Castiglione (Il Cortegiano). Foi uma época memorável posição dialética entre Classicismo e Romantismo.
não só para a literatura, bem como para todas as artes e Enquanto Le ultime lettere di Jacopo Ortis de Foscolo são
até a língua se renovou, não somente nas obras dos ricas em influências pré-românticas e Le Grazie
autores, mas também nos estudos dos filólogos. reproduzem uma arquitectura clássica, os Sepolcri ainda
A busca de um esmero formal exagerado, as estão parcialmente ligados a modelos do século XVIII
dificuldades criadas pelas autoridades religiosas, a com a criação de grandes mitos e a pesquisa romântica
decadência política, privou a Itália daquela supremacia do sublime. De Leopardi podemos sublinhar a
cultural da qual até então tinha desfrutado. Entretanto, a classicismo de alguns Canti, a elegância e o equilíbrio da
Europa se encaminhava para um novo ciclo de civilização, composição e o romantismo da autobiografia, o
o Iluminismo, que chegou à Itália só em meados do sentimento do infinito, a concepção existencial, a ideia
século XVIII. do destino e da natureza, a linguagem poética que tanto
O século registra também um nome importante, o de nos Idilli, quanto nas Operette morali, oferece a lúcida
Carlo Goldoni, reformador da Commedia dell’arte e do constatação da inelutável infelicidade humana.
teatro italiano em geral. As suas peças são ainda hoje Rejeitando o Romantismo lírico e individualista,
representadas em todo o mundo. Alessandro Manzoni revoluciona de vez a tradição

93
clássica italiana, de tipo lírico e ainda inspirada em foram Manzoni, Cesare Cantù, Massimo D’Azeglio,
Petrarca, a fim de atuar na História, vista como relação Niccolò Tommaseo, Tommaso Grossi, o grupo toscano
homem-sociedade, dirigida pela Providência e pela da Antologia e uma escola democrática que se
Graça. desenvolveu em torno da figura de Giuseppe Mazzini e
Após a tensão espiritual que nos Inni Sacri parece uma que produziu uma corrente de adeptos que chegou até
verdade reencontrada e nas tragédias colide com a Carlo Cattaneo.
história e com a descoberta da vitória do mal, o autor de No período do Risorgimento desenvolveu-se o gênero
I Promessi Sposi chega a uma afirmação confiante de “memorialístico” que, por um lado, correspondia a uma
que o bem acaba finalmente triunfando. O romance precisa exigência de compromisso ético-político e, por
histórico torna-se, com Manzoni, um romance de ideias e outro lado, apoiava o gosto romântico pela confissão
o realismo literário coincide com a substância do seu autobiográfica. Desta corrente, que voltará um século
cristianismo numa concepção da obra de arte mais tarde com a literatura memorialística do segundo
estritamente ligada a um fim moral e civil. pós-guerra, são testemunhas Le mie prigioni, de Silvio
O Romantismo italiano correspondeu ao espírito Pellico, Le ricordanze della mia vita, de Luigi Settembrini
nacional e literal do Risorgimento, ao qual transmitiu e I miei ricordi, de Massimo D’Azeglio.
também um firme fundamento ideológico, influenciando Na poesia, ao lado das composições épico-políticas de
o público que viveu o problema nacional mais como um Berchet e das sátiras de Giuseppe Giusti, verificou-se
problema moral do que político. A literatura dos uma grande produção de obras em dialecto, como as
primeiros anos do século XIX é, portanto, uma literatura Poesie do milanês Carlo Porta, os Sonetti do romano
“militante”, visando a criação de uma consciência Giuseppe Goacchino Belli, La scoperta dell’America de
nacional e a pesquisa de um conteúdo moderno, popular Cesare Pascarella e as poesias napolitanas de Salvatore
e concreto. Podemos distinguir duas correntes dentro do di Giacomo.
Romantismo, de acordo com a distinção feita por Mazzini: Uma característica da segunda metade do século XIX
os manzonianos eram os escritores que atuavam é o novo papel intelectual que explode em toda a sua
baseando-se num prudente reformismo; os foscolianos, contraditoriedade com o movimento chamado
os que procuravam soluções radicalmente Scapigliatura segundo o título de um romance de Cletto
revolucionárias. O crítico De Santis aceitou esta distinção Arrighi.
e falou de uma escola liberal cujos máximos expoentes

94
A Scapigliatura não encontrou uma formulação teórica dividida em dois períodos pela primeira novela de
e poética completa como o Futurismo, mas teve, da ambiente siciliano e de inspiração verística, Nedda, do
mesma forma, o papel de colocar em crise a cultura ano de 1874, Grazia Deledda da Sardenha, Prêmio Nobel
oficial e o gosto burguês, embora não tenha com seguido no ano de 1926, escreveu seus romances com um estilo
evitar muitos motivos da escola romântica, como a ideia sóbrio, vigoroso e austero.
do suicídio, da morte, do macabro, do individualismo, Também Carducci, Pascoli e D’Annunzio representam
motivos que até mesmo o Romantismo dos primeiros um problema para a crítica contemporânea, embora esta
anos do Século XIX não tinha recusado. Emilio Praga, concorde em sublinhar a sua importância para a poesia
Arrigo Boito, Iginio Ugo Tarchetti e Giovanni Camerana do século XX. Os três poetas representam três diferentes
são considerados os escritores mais interessantes do soluções para um único problema, o métrico-estilístico,
movimento. que se torna uma tentativa de superar a métrica italiana
A “Scapigliatura” é o momento no qual a literatura tradicional no sentido do verso livre e da grande
italiana começa a se separar do provincianismo e da falta revolução poética deste século.
de correspondência com a grande literatura europeia: Crítico e filólogo, Giosuè Carducci inaugurou um tipo
começa-se a ler Victor Hugo, Edgar Allan Poe, Charles de escola chamada “histórica” erudita, dirigida no
Baudelaire, Heinrich Heine e, mais tarde, Maupassant, sentido de pesquisas positivistas e analíticas, de edições
Zola, Goncourt e Balzac. críticas e da reconstrução do desenvolvimento da cultura
Dali vemos surgir o fenômeno do Verismo, e da vida nacional italiana, influenciando as tendências
literalmente ligado ao Naturalismo francês, mas com a historiográficas sucessivas.
notável diferença que o Verismo italiano tem caráter Gabriele D’Annunzio é considerado o maior
regional, dialetal e provincial (sobretudo do Sul de Itália), representante do Decadentismo famoso graças aos
enquanto o Naturalismo francês se coloca num ambiente romances Il Piacere e L’Innocente aos quatro livros das
de proletariado urbano (Zola). O maior teórico do Laudi às poesias de Alcyone, às tragédias La figlia di Iorio
Verismo é Luigi Capuana, mas não podemos esquecer e La Fiaccola sotto il moggio e à sua poesia, rica de uma
Federico De Roberto, Matilde Serao e os representantes temática variada, que abrange problemas de estética,
da cultura regional toscana, Mario Pratesi e Renato parnasianismo, a ideia do super-homem, etc.,
Fucini. O maior representante do Verismo italiano é características estas do chamado fenômeno do
Giovanni Verga, cuja atividade literária é claramente dannunzianesimo. A poesia torna-se, para D’Annunzio,

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uma descoberta intuitiva, para além das mediações experiências de Pascoli e Montale, encontramos a poesia
intelectuais e reais, uma verdadeira orgia de imagens, futurista.
sons, sensações, que encontram a sua expressão O movimento que se desenvolveu em torno da figura
literária num estilo refinado e sensual. de Filippo Tommaso Marinetti é importante, não só pela
A personagem-homem (naturalista) morre num dos produção artística em si, mas também por ter sido a
romances mais famosos de Luigi Pirandello, Il fu Mattia primeira verdadeira vanguarda, na Itália e na Europa,
Pascal, aonde, pela primeira vez, um protagonista actua em que a arte tem ligação com a vida. O Futurismo é
sem motivações, podendo ou não fazer certas coisas. A caracterizado pelo gesto, pela revolução anarquista,
personagem é desumanizada, avulso do seu próprio ser, voltada no sentido da destruição, do enfraquecimento do
observa a realidade, mas não participa nela. poder burguês, através dos mesmos mitos que da
É esta a linha da grande literatura europeia, de sociedade eram símbolo e produto.
Pasternick a Beckett, que na Itália continua até hoje, nos O período entre as duas guerras regista uma série de
romances de Moravia ou nas tentativas da fenômenos: na poesia, o Hermetismo; na prosa, o
nova-vanguarda. Surrealismo italiano, o Realismo e o Neo-realismo de
Além de Pirandello, autor de romances, novelas e Vittorini e Pavese. Vittorini, depois da experiência de
dramas (Così è se vi pare, Sei personaggi in certa revolta política de Il garofano rosso atingiu, apenas em
d’autore, Enrico IV, Tutto per bene) é preciso recordar 1936-37, a superação definitiva do Naturalismo e a
um inovador da nossa tradição cultural: Italo Svevo de identificação da celebração histórica da personagem com
Trieste, pseudónimo de Schmitz. Representante da o seu lirismo. Toda a produção de Pavese se
cultura da Europa Central, foi o criador do romance desenvolveu na dialética entre o mundo do campo e a
psicológico La coscienza di Zeno, ao qual se seguiu Una cidade, pólo negativo que significa falsidade e engano.
vita e Senilità. Entre as suas obras lembramos Paesi tuoi, la Spiaggia,
Ao lado de uma poesia denominada “crepuscular”, Ferie d’Agosto, La luna e i Falò, Il carcere, Il Compagno e
cujos maiores expoentes são Sergio Corazzini, Guido I dialoghi com Leucò.
Gozzano e Marino Moretti, que nos transmitiram uma Ungaretti, Montale, Quasimodo e Saba, representam
produção poética e narrativa de tipo intimista e as vozes mais importantes da lírica do século XX, dirigida
decadente, porém rica, como demonstrou a crítica mais no sentido de uma realidade inexplicável, desdobrada
recente, de temas e técnicas que relembram as em momentos, impossível de ser configurada num

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significado preciso, num estilo justamente chamado No entanto, o termo “Neo-realismo” dilatou-se até
“hermético” que, como foi demonstrado em recentes atingir um arco de produção que abrange Vittorini,
estudos, representa o último desenvolvimento de uma Pavese, Moravia, Calvino, Fenoglio, Soldati, Levi,
tendência clássica que percorre toda a literatura italiana. Pratolini, Mastronardi e Seminara.
Em torno da década de 30, paralelamente à literatura O fenômeno esgota-se no decênio 1950-60 por um
tradicional, embora renovada com romances tipo Il processo interno de esclerotização. De qualquer modo, é
Mulino del Po, de Bacchelli, Le Sorelle Materassi, de importante lembrar Moravia que, a partir de 1929,
Palazzaschi, desenvolve-se, em Itália, o fenómeno assumiu o papel de moralista crítico da sociedade
chamado Realismo ou Primeiro Realismo, para burguesa, ainda que permanecendo exclusivamente no
diferenciá-lo do Neo-realismo da década de 50, campo narrativo. Da sua vasta produção podemos
parcialmente inspirado na tradição literária do período lembrar Gli Indifferenti, Le ambizioni sbagliate,
entre as duas guerras. L’imbroglio, Agostino, La romana, La ciociaria, Il
Levi e Pratolini não se incluem cronologicamente na conformista e i Racconti romani.
geração do Realismo da década de 30, mesmo tendo Tommasi di Lampedusa, autor do “O Leopardo”,
ressentindo-se da sua influência. O primeiro escolheu um representa o retorno a uma forma literária mais refinada
caminho criado com a experiência de Turim e o exemplo e ao gosto do romance histórico.
de Gobetti, e o segundo voltou ao regionalismo toscano, Um discurso à parte merecem dois autores como Carlo
seguindo a linha Pratesi-Palazzeschi-Tozzi. Emilio Gadda e Pier Paolo Pasolini, os quais, na sua
Levi foi o arquétipo do escritor que transmitiu nas suas diversidade estilística, cronológica e literária,
obras o empenho e a problemática do pós-guerra, como representam duas soluções diferentes para o problema
em Cristo si è fermato a Eboli e L’orologio, enquanto da linguagem. Gadda iniciara a sua atividade literária em
Pratolini se manteve sempre em equilíbrio entre 1926, com Il giornale di guerra e di prigionia, ao qual se
autobiografia lírica, o memorialismo e o compromisso seguiram La madonna dei filosofi, Il castello di Udine,
político. L’Adalgisa, Novelle del ducato in fiamme, até ao sucesso
O clima cultural do imediato pós-guerra sofreu com Quer pasticciaccio brutto de Via Merulana, editado
enormemente com os problemas que a reconstrução em 1957, mas já anteriormente publicado em capítulos,
impôs à classe política e, logo, também à intelectual. em 1947, na revista Letteratura. Gadda depois de ter
passado por três diferentes fases literárias, inaugurou

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um tipo de experimentação linguística que se tornou o provocatória junto do público, que agora os consome
produto de uma série de elementos diversos, como um produto literário qualquer. Por um lado,
amalgamados de forma, às vezes, caricatural. assiste-se à repetição de experimentações já conhecidas
Pasolini pertence a uma geração mais jovem de e parcialmente desgastadas, por outro lado, é restaurada
escritores. Começou a escrever em dialeto friulano com uma literatura tradicional que põe entre aspas a
La meglio gioventù até chegar à ideologia marxista, neo-vanguarda: explode, com toda a sua força, a
interpretada através de uma visão pessoal de Gramsci literatura kitsch.
(Le ceneri di Gramsci). O momento final deste processo – Ressurge a literatura de tipo naturalístico e o romance
do individual ao coletivo – é representado pelos psicológico, tendências que frequentemente se
romances, pela exaltação do primitivo, da adolescência e entrelaçam até mesmo numa única obra. Saem os novos
do proletariado urbano. Nascem, assim, Ragazzi di vita e romances de Cassola, Bassani, Berto, Piovene, Prisco,
Una vita violenta e, mais tarde, as poesias de La religione Pomilio e das escritoras Manzini, Morante e Ginzburg.
del mio tempo e Poesia in forma di rosa. Um caso a parte é representado pelo escritor Ignazio
Cassola e Bussani são talvez os escritores mais Silone. Ele viveu a sua utopia em apartada solidão: o
representativos de uma certa atitude intelectual, visando sonho do encontro entre socialismo e cristianismo. Dão
mais a análise dos insucessos do que a interpretação da disso testemunho os seus romances: Fontamara, talvez
situação. o primeiro romance coral do século XX italiano, Vino e
Depois de 1968, também a neo-vanguarda se Pane, Una manciata di mare, L’avventura di un povero
encaminhou no sentido da liquidação de certos produtos cristiano, expressões do drama da sua consciência.
que já tinham perdido grande parte da sua característica

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Antonio Colavite Filho
Jardim de
Trovas
1 5 9
Angelina, artista bela, A régua ficando exposta Bonifácio, em nossa História,
que tanto bem faz à vista, e a terra tão ressequida deixaste uma eterna marca.
para encontrar-me com ela nos dão, enfim, a resposta E, para nós, quanta glória,
só mesmo sendo um..."turista"... de que sem água... sem vida... chamar-te de “O Patriarca”!
2 6 10
Ante o relógio gigante, A Seta, muito à vontade “Cara-de-pau!” E o grã-fino
este casal, de mãos dadas, e sem fazer escarcéu, não se abala, não se afoba;
só quer passar adiante mostra que a Felicidade e no rosto, enfim, ladino,
as horas abençoadas! mora mesmo é lá no céu... passa um óleo de peroba…
3 7 11
Ao “bebum” que choraminga, As lágrimas das meninas, Com suas mãos espalmadas,
o doutor não mais engana: Deus, não podendo contê-las, num gesto humano e profundo,
-“Se, por lá,cana dá pinga; recolhe nas mãos divinas pessoas compromissadas
por aqui, pinga dá cana!!!” e com elas faz estrelas… querem salvar nosso mundo !
4 8 12
Aquelas flores vermelhas, Bancando a halterofilista, Com tanta poluição
perfumando o trem que passa, - sem ninguém que a contradiga - que o céu azul todo embaça,
fazem brilhar as centelhas a todos nós já conquista eu percebo um cidadão
dessa "Maria Fumaça"! essa dengosa formiga... pintando um Sol na fumaça...

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13 19 25
De posse de uma paleta, Eu sempre narrei um fato Nesta ambígua caminhada
Deus, com um pincel na mão, da minha falta de fé: há mistério e não me iludo:
no azul do céu, sem luneta, ” – Eu não tinha nem sapato -“Não sinto medo de nada,
pintou nuvens de algodão ! até ver alguém sem pé…”. mas tenho medo de tudo!!!”
14 20 26
De uma folha de jornal, Família – um novo conceito – No "Dia dos Namorados",
entre palavras e traços, pois temos modificado - tão propício para amar,
nasce em mundo virtual tudo aquilo que foi feito rapaz e moça sentados
o mais terno dos abraços! em velho tempo passado… numa rede à beira-mar !
15 21 27
Embora o céu carregado, Fim de semana eu capricho, Num dos raros sonhos meus
eu vejo, às minhas maneiras, trabalho muito e não minto: e, talvez, no mais bonito,
um barco só, desolado, Meu salário vem do “bicho”, fomos juntos, eu e Deus,
entre as folhas das palmeiras... sempre do primeiro ao quinto… ver estrelas no infinito…
16 22 28
Em meio a um campo de flores, Já lutei o quanto eu pude Num simbolismo patente,
na festa primaveril, e ainda nutro a esperança para esculpir o que é belo,
três jovens cheios de amores de encontrar a tal virtude a estátua, imitando a gente,
dão vivas para o Brasil !!! que se chama temperança… ergue bem alto o martelo!
17 23 29
Entre bombas, na trincheira, Na terra bem preparada, Nunca supus que a saudade
tremendo, o pobre rapaz este ponto eu não discuto: tivesse um tiro certeiro!
abraça a branca bandeira - A semente bem plantada Em vez de matar metade,
numa súplica de paz ! traz esperança de fruto ! me matou foi por inteiro.
18 24 30
Era muito diferente Nenhum governo da Terra O estudante de hoje em dia,
a vida em comunidade... assume aquilo que faz, salvo uma honrosa exceção,
Hoje se vê muita gente pois não declara que é guerra só quer saber de “alegria”,
"curtindo" a modernidade... sua guerra pela paz... não quer saber de “lição”…

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31 37 43
Olhando o início da ponte, Representando outras vidas Sonhando um sonho mais nobre
antevejo - e bem bonito - que vivem fazendo festa, e uma vida plena em ouro,
o caminho do horizonte seis araras coloridas descalço, o pé do mais pobre
que me leva ao infinito... sobrevoam a floresta... repousa em balão de couro...
32 38 44
O racismo superando Se do mundo eu fosse o dono Sorrir de felicidade
de uma forma tão segura escreveria nas portas: e correr à beira-mar...
traz cores se equiparando - "Liquidação deste outono, O casal, de certa idade,
da mais clara à mais escura! tapete de folhas mortas !" com certeza irá surfar !!!
33 39 45
O Sol, que nasce brilhando, Se houver alguém precisando Sufoco teve o enforcado
prenunciando uma alvorada, de que você faça um bem, que, em nervos, pôs-se a gritar:
dá um beijo saudoso e brando não se importe com o “quando”, - Não façam laço apertado
nos lábios da madrugada… nem o “como”, nem “a quem”. que pode faltar-me o ar...
34 40 46
Quando a tristeza malvada Sendo inédito de fato Superando os meus problemas,
mareja os olhos da gente, e não tendo quem reclame... descubro que os teus abraços
forma-se, então, a enxurrada Um menino, a bola e um gato são elos com que me algemas
que desce feito vertente… se equilibrando no arame... no presídio dos teus braços.
35 41 47
Quando, em idade, eu avanço, Se olhar bem atentamente “Terra à vista!” E o marinheiro,
me lembro deste ditado: mata verde e céu de anil, num aviso genial,
-“se a morte, enfim é um descanso, tal foto até represente fez, do país brasileiro,
prefiro viver cansado!!!” a bandeira do Brasil... pedaço de Portugal !
36 42 48
Quero, por tudo e por nada, Se o noivo é pequeno e mudo, Velhas fotos! Que saudade!
esquecer-te a qualquer preço aqui segue uma receita:- Imagens bem conhecidas
mas a distância danada - Corrente, cadeado em tudo dos tempos da mocidade,
já sabe o meu endereço! e tabuleta: - "Ele aceita!"... dos fatos das nossas vidas…

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Stanislaw Ponte Preta
História de um nome

No capítulo dos nomes difíceis têm acontecido coisas Acrescente-se também que Vovó não mantinha
das mais pitorescas. Ou é um camarada chamado relações com pessoas de nomes tirados metade da mãe
Mimoso, que tem físico de mastodonte, ou é um sujeito e metade do pai. Jamais perdoou a um velho amigo seu
fraquinho e insignificante chamado Hércules. Os nomes — o “Seu” Wagner — porque se casara com uma
difíceis, principalmente os nomes tirados de adjetivos senhora chamada Emília, muito respeitável, aliás, mas
condizentes com seus portadores, são raríssimos, e é por que tivera o mau-gosto de convencer o marido de batizar
isso que minha avó a paterna – dizia: o primeiro filho com o nome leguminoso de Wagem —
— Gente honesta, se for homem deve ser José, se for “wag” de Wagner e “em” de Emília. É verdade que a
mulher, deve ser Maria! vagem comum, crua ou ensopada, será sempre com “v”,
enquanto o filho de “Seu” Wagner herdara o “w” do pai.
É verdade que Vovó não tinha nada contra os joões, Mas isso não tinha nenhuma importância: a consoante
paulos, mários, odetes e — vá lá — fidélis. A sua não era um detalhe bastante forte para impedir o risinho
implicância era, sobretudo, com nomes inventados, gozador de todos aqueles que eram apresentados ao
comemorativos de um acontecimento qualquer, como menino Wagem.
era o caso, muito citado por ela, de uma tal Dona
Holofotina, batizada no dia em que inauguraram a luz Mas deixemos de lado as birras de minha avó —
elétrica na rua em que a família morava. velhinha que Deus tenha, em Sua santa glória — e

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passemos ao estranho caso da família Veiga, que morava — Vai levar a biblioteca para o banho? “Seu” Veiga
pertinho de nossa casa, em tempos idos. ficou queimado durante muito tempo.
“Seu” Veiga, amante de boa leitura e cuja cachaça era Dona Odete — por alcunha “A Estante” — mãe dos
colecionar livros, embora colecionasse também filhos, meninos, sofria o desgosto de ter tantos filhos homens e
talvez com a mesma paixão, levou sua mania ao extremo não ter uma menina “para me fazer companhia” – como
de batizar os rebentos com nomes que tivessem relação costumava dizer. Acreditava, inclusive, que aquilo era
com livros. Assim, o mais velho chamou-se Prefácio da castigo de Deus, por causa da ideia do marido de botar
Veiga; o segundo, Prólogo; o terceiro, Índice e, aqueles nomes nos garotos. Por isso, fez uma promessa:
sucessivamente, foram nascendo o Tomo, o Capítulo e, se ainda tivesse uma menina, havia de chamá-la Maria.
por fim, Epílogo da Veiga, caçula do casal. As esperanças já estavam quase perdidas.
Lembro-me bem dos filhos de “Seu” Veiga, todos Epílogozinho já tinha oito anos, quando a vontade de
excelentes rapazes, principalmente o Capítulo, sujeito Dona Odete tornou-se uma bela realidade, pesando
prendado na confecção de balões e papagaios. Até hoje cinco quilos e mamando uma enormidade. Os vizinhos
(é verdade que não me tenho dedicado muito na busca) comentaram que “Seu” Veiga não gostou, ainda que se
não encontrei ninguém que fizesse um papagaio tão bem conformasse, com a vinda de mais um herdeiro, só
quanto Capítulo. Nem balões. Tomo era um bom porque já lhe faltavam palavras relacionadas a livros
extrema-direita e Prefácio pegou o vício do pai – vivia para denominar a criança.
comprando livros. Era, aliás, o filho querido de “Seu” Só meses depois, na hora do batizado, o pai foi
Veiga, pai extremoso, que não admitia piadas. Não tinha informado da antiga promessa. Ficou furioso com a
o menor senso de humor. Certa vez ficou mesmo de mulher, esbravejou, bufou, mas — bom católico —
relações estremecidas com meu pai, por causa de uma acabou concordando em parte. E assim, em vez de
brincadeira. “Seu” Veiga ia passando pela nossa porta, receber somente o nome suave de Maria, a garotinha foi
levando a família para o banho de mar. Iam todos registrada, no livro da paróquia, após a cerimônia
armados de barracas de praia, toalhas etc. Papai estava batismal, como Errata Maria da Veiga.
na janela e, ao saudá-lo, fez a graça:
Estava cumprida a promessa de Dona Odete, estava
de pé a mania de “Seu” Veiga.

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Silviah Carvalho
Um Coração que ama:
Poemas em versos e textos

INSENSATO CORAÇÃO me faz preferir o silêncio a uma triste surpresa. Consciente


desprezo as agruras que este amor possa deixar aqui dentro e,
Meu pobre coração perdeu-se em meio as suas palavras, assumo este sentimento mesmo sem esperança de poder
dúvidas e incertezas ferem minha consciência, como pode este vivê-lo.
amor surgir do vazio de suas respostas, do silêncio que
domestica minha impaciência, eu que sou um ser arredio e CANÇÃO DO AMOR
limitado levo-te frases, mas, deixo cair palavras que, alimentam
outros corações, mesmo sem intenção e percebo a semelhança Quando no frio da madrugada meu corpo tremer na solidão
de estupidez com inocência. Às vezes, nos parecemos egoístas Unirei meus sentidos e em uma só voz cantarei – Eu te amo…
agindo de acordo com nossos interesses, como a águia que, E um som borbulhante, um brotar de águas e uma corrente
quando avista uma presa, se lança sem se dar conta das encherá seu meigo coração…
intempéries, dos obstáculos… Insensato coração, pois, não
deseja mais ninguém além de você, nem se vê em outros Quando pela manhã acordares e aquecer-se do frio do fim da
braços senão nos teus, os olhos do meu sentimento te vê só, madrugada, no vento banhado pelos primeiros raios de sol
sem ninguém a cuidar-te, desprotegido cercado pelas águas… Levarei aos seus ouvidos o meu canto de fidelidade – Eu te
Saiba, o anseio da minha alma é parecido com a tristeza que, espero

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Sentirás aquecido na sobriedade de minha sinceridade… Somos duas metades separadas pela vida, eu sei tão pouco de
você e nem sabes que existo, nada sabes de mim… Se um dia a
Quando a integridade de meu amor tocar o curso das águas vida nos unir, então meu ser se satisfará de tudo que falta para
no fundo do seu ser, e alcançarem as torrentes que há muito mim.
estavam ocultas, a música do meu desejo acendera a chama
que se consumirá em você… Aqui no vazio do meu quarto, na solidão do meu viver, no
momento em que falando com Deus Penso em você!
Sim, na noite, está se preparando nosso cântico, e no monte
afinamos nossa voz, sem rimas, as nuvens darão sonoridades – Rogo, com o rosto banhado em pranto, me perdoa por em
aos tão pouco tempo e, sem nenhuma explicação, te querer deste
acordes que dissipam toda dor. jeito – te amar tanto…

A chuva suaviza a melodia, eternizando este louvor ATÉ QUE AS ÁGUAS NOS UNAM
na transição brusca do meu medo à minha esperança
Eu te ofereço este sincero cântico de amor… Dir-se-ia uma prova de amor um tanto estranha… Mas,
quem deixaria seus sonhos para viver um amor desconhecido
ME PERDOA Alguém de quem pouco se ouviu falar, nem tenha visto seu
rosto
No vale, lugar onde o menor sobrepõe o maior, onde as Quem atravessaria um oceano na possibilidade de um desgosto
lágrimas substituem as palavras…
Eu, pois ainda ontem eu me encontrava em terra firme, hoje
Onde a obsessão perde a razão, entendo que, em nenhum dos perdi
seus estágios o amor verdadeiro é vulgar. Esvazio-me no meu o chão, eu cantava no esplendor da manhã, hoje estou abatida
silêncio, revelo o desalento de te amar… e,
canto na prisão. Ao meio dia eu me aquecia com o calor da
Mergulho no fundo do meu ser, vitimada pelo sentir em solidão
demasia, quanto mais me humilho em oração, mais sinto no Agora sinto medo deste sentir, do silêncio a afligir meu
meu peito esta agonia. coração

Bem sei que a sombra faz o trabalho que a claridade não faz

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Mas sei que o amor pede sempre mais, pois na sombra ou na Olhos pairados em outro Mundo.
luz
O amor se refaz e, vive de refazer-se, o amor é como a canção Eu que sufoquei minha solidão,
Faz dormir ou acordar, sugere palavras, proporciona ocasião… Sonhando preencher meus dias ao seu lado,
Vi seus pés galgando outra estrada,
A minha alma engrandece este amor, pois nenhum outro a Passo a passo até afastar-se completamente de mim,
alcançou
Um querer se apega a suas palavras que, o meu ser as adotou Eu que tantas vezes tentei cruzar seu caminho,
Ah! Alma minha, um amor além do mar te arrebatou? Saibas, Mas você sempre encontrou um atalho,
nem Para não encontrar-se comigo,
sempre estamos preparados para o deserto, desta vez eu não Para não sentir pesados os meus olhos em seus olhos,
estou. Ou minhas mãos em suas mãos.

Diga-me amor distante, esperava um amor assim tão presente? Eu que tentei ser alguém em sua vida,
Procura-me, estou tão só! Se for sua vontade logo me achará Fui apenas uma sombra, um vulto na solidão,
Encontremos-nos no meio deste caminho, encurtemos este Tu foste tudo para mim, e me fizeste nada para você.
mar
Anjo tecedor de sentimentos rasgue o oceano e vem me buscar Algum dia quando o sol brilhar mais forte em seu caminho,
O meu vulto se tornará real em sua frente,
O VULTO E não haverá atalho para você.

Eu, que fui à vida uma sonhadora, Porque o meu caminho começará,
Desfiz meus Sonhos ao ver seus, Aonde o seu terminar,
E então o vulto será você.

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O Índio na
Literatura Brasileira (2)

ALENCAR, José de. O Guarani. origem o local que um dia veio a tornar-se o estado do
Narra a história do chefe Aymoré Peri, que encarna um Ceará.
herói de romance de cavalaria. Destemido, cheio de
sentimentos nobres, apaixonado e bom, Peri se envolve ALENCAR, José de. Ubirajara: lenda Tupi.
em batalhas e aventuras em nome de sua amada, Ceci, Narra a história de Jaguarê, figura central do romance,
filha do invasor branco. Com músculos de aço e coragem que procura derrotar outros guerreiros para, com isto, vir
invencível, Peri (palavra que significa “junco silvestre” a ser considerado o mais forte e valente índio do povo
em Guarani) luta contra os conquistadores e é capaz de Araguaia. Durante sua busca pelos adversários, conhece
realizar todos os sacrifícios por amor a Ceci (termo Araci, índia Tocantim, por quem se apaixona, mesmo já
Guarani equivalente a “magoar”). estando comprometido com Jandira, jovem Araguaia
como ele. A busca pelo seu reconhecimento como
ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. guerreiro e pela conquista de seu amor são elementos
Narra a história de um irresistível e proibido amor, entre que estão presentes em toda a narrativa e que se cruzam
Iracema, a mais bela de todas as índias Tabajara, e para a criação dos episódios que estruturam a obra.
Martim, um bravo guerreiro português. Na história tem

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ALMEIDA, Gercilga. O mistério do Memuã. injustamente acusado de ter roubado um arco e uma
Narra a história de Lalá e Tito, que são amigos de Piá, flecha que pertenceram a um grande guerreiro. Assim,
filho do chefe dos Kamayurá. Um dia, recebem de Iakti foge da aldeia e vai viver com um ermitão, que lhe
presente uma linda arara azul, e vovô Eraldo percebe transmite muitos ensinamentos sábios.
que este pássaro lhe traz uma mensagem, um mistério
para ele resolver. Logo que chegam as férias, as crianças AMARAL, Maria Lúcia. O robô e o índio.
e o avô viajam para o Parque do Xingu, onde aprendem Narra o encontro entre um robô e um índio,
como os índios trabalham e vivem. Para encontrarem a intermediado por dois meninos, levados num passeio
solução do mistério, eles viajam também para Brasília. cheio de aventuras pela cidade grande. O contraste,
mesmo no terreno do faz-de-conta, é dos mais insólitos.
ALVAREZ, Reynaldo Valinho. Um índio caiu do A magia da fábula se intensifica com o convívio entre o
céu. robô e o índio, provando que a harmonização das
Apresenta a história de Ariranha, personagem central de diferenças é possível quando se opera numa atmosfera
Um índio caiu do céu, representante de todas as nações de entendimento e de amor.
indígenas brasileiras. As ações do personagem retratam
a vivência do trágico processo de desestruturação ANDRADE, João Batista de. A terra do Deus dará.
cultural. Narra a aventura de dois adolescentes da cidade que, em
viagem à fazenda do tio, chamado Olavo, localizada em
AMADO, Roberto. As aventuras de Iakti, o Minas Gerais, conhecem Tuim, um rapaz mestiço, cujo
indiozinho. pai, o líder camponês Ramiro, fugira para o Paraná
Narra a história de Iakti, um indiozinho muito inteligente depois de ter matado um capataz numa briga.
e esper to que se envolve em várias aventuras na Interessados pelo destino de Ramiro, os dois colegas
floresta. Primeiro, recebe a missão de recuperar a voz de decidem acompanhar Tuim na busca do pai, na “terra do
um amigo, roubada por Puara, um espírito brincalhão da Deus dará”. Esta aventura os levará a uma região
selva. Depois, apaixona-se pela lua e sonha com um jeito violenta, marcada por conflitos entre índios, posseiros e
de alcançá-la. Acordado desse sonho, Iakti vive, grileiros.
juntamente com seus amiguinhos, uma disputa acirrada
com os meninos da aldeia vizinha. Por fim, nosso herói é

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ANDRADE, Telma Guimarães Castro. Uma aldeia AUSTRIANO, Poliana. Três histórias do povo das
perto de casa. terras do Brasil.
Conta a história de um menino que, para fazer uma Aborda a história da formação do povo brasileiro,
pesquisa escolar, visita uma aldeia Guarani. Observa a enfocando o índio, o branco e o negro. Tudo começa
rotina diária da aldeia, aprendendo sobre a cultura, a quando os portugueses decidem colonizar o Brasil. Isto
educação e, principalmente, sobre a luta dos índios pela aconteceu há 500 anos!
terra e por seus direitos.
AZEVEDO, Ricardo. Armazém do folclore.
ANDRADE E SILVA, Waldemar. Lendas e mitos dos Apresenta o Saci, a Iara, o Curupira, o Bicho Papão, o
índios brasileiros. Lobisomem e muitas outras personagens do imaginário
Apresenta 24 lendas indígenas, selecionadas e popular. Coletânea de contos, quadras populares,
interpretadas pelo pintor-contador de histórias frases-feitas, adivinhas, ditados, trava-línguas e receitas
Waldemar de Andrade e Silva. Ilustrado com 25 obras culinárias, que abre ao leitor o vasto universo do folclore
deste grande artista, o livro é fruto de sua convivência de brasileiro.
oito anos com os principais povos do Xingu. De um lado,
a obra mostra a riqueza de detalhes e as cores vibrantes BANDEIRA, Pedro. Pântano de sangue – mais
da pintura naturalista, do outro, um texto revelador da uma aventura com os Karas.
sensibilidade desse “aluno do índio e da natureza”. Conta a história da turma dos Karas, em sua luta contra
o crime organizado, que está agindo no Pantanal de
AQUINO, Rubim Santos Leão de. Os primeiros Mato Grosso, sob a liderança do implacável Ente. Em um
brasileiros. enredo fascinante, repleto de suspense do começo ao
Apresenta, em quadrinhos e literatura, o resgate da fim, os Karas envolvem-se em uma trama criminosa, que
Pré-História do Brasil, com um texto emocionante e leva à dramática destruição de uma cultura indígena e da
original. O resultado são aventuras incríveis, capazes de natureza.
empolgar até mesmo quem nunca se interessou por
História.

109
BARBOSA, Ely. Viagem fantástica ao Brasil de BARBOSA, Rogério Andrade. Sangue de índio.
1800: nossos índios. Descreve a história de Érico, um jovem consciente dos
Narra a aventura de Priscila e Terremoto, os quais, problemas sociais brasileiros que acaba de participar de
levados pelo XPeteleco, vão conhecer os povos indígenas um debate sobre o assassinato de um índio Pataxó, em
em contato com os colonizadores no Brasil de 1800. As Brasília, cometido por jovens de classe média.
paisagens, o povo e os costumes do Brasil do século XIX
estão registrados em belas gravuras e desenhos de dois BITTENCOURT, Aline M. Momeucáua.
ilustres artistas europeus que se encantaram com o que Consiste na criação a partir de mitos e costumes
viram nesse país: o alemão Rugendas e o francês oriundos de vários povos indígenas e de diversos
Debret. elementos folclóricos, sem com isso transformar-se
numa colagem. As palavras indígenas e termos caboclos
BARBOSA, Rogério Andrade. Na trilha do encontrados no texto são explicados ao final do livro.
mamute.
Conta a história do doutor Arlã Garcia, renomado BORGES, Rogério. Você cria o texto.
cientista que, no interior de Roraima, constrói um Apresenta ilustrações com imagens sobre o meio
sofisticado laboratório, onde pretende desenvolver sua ambiente e a questão indígena. A proposta é lançada
ambiciosa pesquisa: a clonagem de um mamute. Para para que as crianças possam trabalhar a expressão oral,
essa mesma região viaja outro cientista, o professor a escrita e o desenho, de forma a estimular sua
Baltazar, especialista em cultura oral indígena, o qual criatividade e, ao mesmo tempo, sensibilizá-las para uma
pretende fazer contato com os Yanomami. Em seu percepção mais crítica de seu universo.
trabalho, conta com a ajuda de Guilherme, seu sobrinho,
de Mayop, professora Yanomami e de Ranulfo, o piloto OS BOROROS DE MERURI-MT. Boe Eno Bakaru:
da aeronave. Os estudiosos acabam se encontrando e lendas Bororó.
Baltazar é obrigado a acompanhar Arlã Garcia numa Apresenta uma notável contribuição ao estudo bilíngüe
arriscada viagem de helicóptero em busca do mamute do idioma Bororo Ocidentais, Orári Mogo-Dóge. As cinco
clonado. breves lendas apresentadas neste opúsculo destinam-se
às crianças e adolescentes Bororó das Missões
Salesianas.

110
BRANCO, Samuel Murgel. A Iara e a poluição das memória viva de seu povo, dando continuidade à
águas. tradição dos mais velhos.
Aborda o conceito de poluição das águas, suas causas e
consequências. Iara, protetora das águas, e o Curupira, BRASIL, Assis. O destino é cego: aventura de
protetor das florestas e dos animais, são os gavião vaqueiro.
protagonistas da aventura em que descobrem a poluição Focaliza o ambiente rural nordestino. Raramente
dos rios, seus efeitos nocivos, mas, felizmente, podemos ter contato com personagens tão tipicamente
encontram também as soluções para o problema. brasileiros como o Gavião Vaqueiro e a Minaiá, que
representam a cultura indígena.
BRANDÃO, Toni. Perdido na Amazônia.
Narra a história de um garoto chamado Dan, o qual, ao BRASIL, Francisco de Assis Almeida. Yakima, o
completar 11 anos, ganha uma viagem à Amazônia. Mas, menino-onça.
em Manaus, ele embarca no avião errado e se vê perdido Conta a história de dois aventureiros, Quizila e Gavião,
na floresta. que se embrenham na floresta amazônica à procura de
Jonas, o filho mais velho de um rico fazendeiro,
BRANDÃO, Toni. Tutu, o menino índio. desaparecido durante uma caçada, há quase dois anos.
Narra a história de um indiozinho da nação Tutu que, A aventura os leva à aldeia do temido tuxáua Inapricio,
desde seu crescimento, é tratado de maneira diferente raptor do menino, onde Jonas deverá ser resgatado.
dos outros meninos de sua sociedade. Um dia, é expulso
de sua aldeia e mandado para a floresta em companhia BRAZ, Júlio Emílio. Saguairu.
de uma onça. O menino faz, então, uma viagem de Narra aventura numa floresta virgem, em que um
aprendizado em busca de sua identidade e de seu lobo-guará e um índio travam um duelo interminável,
destino. alternando-se nos papéis de caça e caçador. Na luta pela
sobrevivência, uma lição de respeito à vida, narrada de
BRASIL, Assis. Os desafios de Kaíto. maneira emocionante e poética.
Descreve a história de Kaíto, um indiozinho Kamayurá,
BRITO, Iremar. Aldeia dos pássaros.
muito esperto e corajoso, que é escolhido para conhecer
Apresenta um conjunto de lendas indígenas,
a longa história de seu passado, e assim tornar-se a
entrelaçadas pela história de amor entre uma índia Suyá

111
e um guerreiro Iarumá. Apesar de ser uma obra de ficção, a levá-lo. Durante vários dias, eles voltam com a rede
também inserem-se no enredo histórias dos povos vazia. Desanimado, o pai resolve levar o pequeno Noel,
Kamayurá e Juruna. para dar sorte. O menino descobre onde estão os peixes,
mas… desaparece da jangada. Quando volta para casa,
CANTON, Kátia. Lendas de amor dos índios traz novos amigos e uma grande surpresa para a família.
brasileiros. No decorrer da história, o autor introduz alguns nomes
Apresenta diversas lendas presentes no imaginário indígenas e, ao final, apresenta seus significados.
indígena, tendo o amor como fio condutor. As delicadas
aquarelas de Lina Kim tornam o texto ainda mais CARVALHO, André; ÁULICUS, Célius. Nas terras
saboroso. do índio Peri.
Apresenta uma livre adaptação do romance O Guarani,
CAPELLA, Vladimir; ROCHA, José Geraldo. Panos e de José de Alencar. Nesta versão, O Guarani se
lendas. transforma em aventura vivida por Laurinha, Tusuca e
Delineia a trajetória entre o começo e o fim do mundo, Aristóteles, mantendo, no entanto, suas características e
por meio de sete atores, que assumem diversos papéis, sua beleza original.
como o de mestres-de-cerimônia, contadores de
histórias ou simplesmente dos atores que são. São COSTA E SILVA, Alberto da. Lendas do índio
abordados costumes, crendices, cantos, bichos, brasileiro.
brincadeiras, cores e cantos brasileiros, num clima que Apresenta 44 lendas, originárias do imaginário de
busca ser uma festa cantada e dançada. diversos povos indígenas do Brasil, abordando temas
como a criação do universo, o início do mundo, a origem
CARDOSO, Manoel. Rolando na duna. do homem e o cotidiano em diferentes comunidades.
Narra a aventura de Noel, filho de pescadores que quer ir
para o mar, mas não consegue convencer o pai e o irmão

112
Colombina
Poesias e Trovas
Avulsas

VERTIGEM Sete dias ardentes de Novembro…


Deves ter esquecido. E eu só me lembro
Uma semana só. Nem mais um dia que nunca fui com tanto amor beijada!
durou aquela estranha sensação
que nos aproximava, nos unia… EU
e amor não era e nem era paixão.
Sou só e sou eu mesma. O que pensem e digam
Algo em mim te agradava, te atraía. os demais, nada importa; eu tenho a minha lei.
Tu tinhas para mim tal sedução Que outros a multidão, covardemente, sigam,
que, tendo-te ao meu lado, eu me sentia pelo caminho oposto, altiva, eu seguirei.
a mulher mais feliz da criação.
Que, sem brio e vergonha, outros tudo consigam
Uma semana só… No meu caminho e que zombem de mim porque nada alcancei;
um vislumbre de sol e de carinho: quanto mais, com seu ódio, o meu nome persigam,
uma sombra, talvez, na tua estrada… tanto mais orgulhosa em trazê-lo, serei.

113
Às pedradas não fujo e as tormentas aceito; TROVAS: SAUDADE
mas a espinha não curvo em prol de algum proveito,
minha atitude sempre a mesma se revela; A saudade é uma andorinha,
mas uma andorinha estranha:
A mim mesma fiel, a minha fé não traio; quando, num peito se aninha,
e, se em dia fatal ferida pelo raio as outras não acompanha…
tombar minha bandeira eu tombarei com ela!
Saudade – coisa que a gente
TARDE DE OUTONO não explica nem traduz;
faz do passado, presente,
Foi numa tarde assim. O vento soluçava e traz sombras, sendo luz…
Agoirando do inverno a lúgubre hospedagem
No céu pálido, branco, há muito não rodava Saudade – febre que a gente
Do sol a luminosa e rútila equipagem. sem querer, pode apanhar,
nunca mata de repente,
A derradeira flor, no jardim desfolhava vai matando, devagar…
Sua pétalas. Era inóspita a paisagem
Em tudo uma tristeza imorredoura errava Saudade – a princípio é pena
Meu Deus! Que dolorosa e tristonha miragem! que nos deixa uma partida;
depois é dor que condena
E eu, sonhando, revia em meu dourado sonho, a morrer dentro da vida…
O meu viver tranquilo, o meu viver risonho,
Tento junto de mim o teu amor calmo e terno.
se é triste sentir saudade,
Reinava um frio intenso…e tu partiste, envolto muita saudade de alguém,
Num último sorriso a murmurar “eu volto” maior infelicidade
E não voltaste mais! Voltou somente o inverno… é não tê-la de ninguém.

114
NÓS DUAS Falas… ouço-te a voz, e, impetuosa, radiante,
num gesto de ternura, os lábios te ofereço.
Parecemo-nos muito; assim dizem – e eu o creio.
Além do mesmo sangue, almas iguais nós temos; Beijas a minha boca. E neste beijo grande
pois, pelo mesmo ideal e com o mesmo anseio, — como uma flor que ao sol desabrocha e se expande — ,
dentro da vida, nós lutamos e sofremos. todo o meu ser palpita e freme e vibra e estua.

Vemos na arte um refúgio, um oásis, um esteio Tudo é um sonho, no entanto; o seu beijo… o meu crime.
para a nossa inquietude, e num barco sem remos Mentirosa ilusão! Pobre ilusão que exprime
vagamos à mercê do próprio devaneio, somente o meu desejo imenso de ser tua!
sabendo que jamais à enseada chegaremos…
SIMPLICIDADE
E, apesar de ela ter todo um sol na cabeça
e o nevoeiro do inverno a minha já embranqueça, Tu não podes saber (e és tão inteligente
da angústia de minha alma a sua compartilha. E tão conhecedor do mundo) o bem que fazes
Para o meu coração, tão triste e tão descrente,
Ela pensa, eu medito… Ela sonha, eu me lembro… Quando, com tua voz, a ventura lhe trazes.
Nossa pobreza é igual de Dezembro a Novembro.
Quem somos, afinal? Apenas, mãe e filha. Tu não podes saber como é grande o presente
Que me dás cada dia: algumas poucas frases
EXALTAÇÃO Repletas de ternura… E, generosamente,
Um sonho de mulher, de longe, satisfazes.
Olhas nos olhos meus. E eu vejo neste instante
toda a terra subir a um céu que desconheço. Dirás que é pouco o que me dás. Porém, na vida,
Olho nos olhos teus. E fica tão distante Onde tanta maldade encontrei, é o bastante
o mundo: e todo o fel que ele contem, esqueço. Esse bem que me faz a tua voz querida;

Sorris… e, contemplando o teu lindo semblante, E quando para mim esse presente vale,
o ideal de minha vida, enfim, eu reconheço. Tu não podes saber… Nem como é apavorante
Imaginar, que um dia, a tua voz se cale…

115
Milton Hatoum
Relato de um certo
Oriente
A obra de estreia do escritor amazonense Milton própria história, quase que incomunicável com outro
Hatoum, Relato de um certo Oriente, nasceu em 1989, mundo que não seja o dele.
quando o autor apresentou à então editora da A memória, a identidade e a reconstituição de
Companhia das Letras, Maria Emília Bender, o lembranças são os temas principais deste romance. A
manuscrito de seu livro. Aprovado por Luiz Schwarcz, personagem protagonista consegue, por meio da
proprietário da Cia das Letras, o romance foi finalmente rememoração de seu passado e com a ajuda das
publicado, depois de um longo percurso de escrita, lembranças de outros, enriquecer sua vida, dar sentido e
iniciado em 1982, na capital francesa. valor à sua origem.
Busca mostrar as dificuldades presentes na A (re)construção do passado é interessante, pois a
convivência diária de familiares e amigos entre si, com narradora utiliza de diferentes recursos para reanimá-lo,
seus diferentes segredos e comportamentos, faz deste seja por um odor, seja por uma voz, seja por um lugar.
um grande enredo. Esses e outros recursos são utilizados como meios de
O romance mostra que o refúgio da memória é a recuperar a memória perdida.
interioridade do indivíduo, reduzido e isolado na sua

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O enredo do romance é uma tessitura de retalhos noite que precede o dia da morte de Emilie, sua mãe
narrativos que se alinham em oito capítulos. São várias adotiva.
histórias que se entrelaçam e se completam, lembrando Inicia-se, então, o trabalho de recuperar Emelie
assim o estilo da narrativa oral. Estas várias narrações, através da memória, não apenas a sua, mas também a
que em muito lembram a estrutura das Mil e Uma Noites, de outros personagens que entrelaçaram seu percurso
se desenrolam em um cenário que lembra de forma significativa ao daquela família: o filho mais
constantemente as estruturas de passagem que velho, o único a aprender o árabe e que também irá se
compõem a existência humana. distanciar de todos, ao mudar-se para o sul; o alemão
A trama se passa numa cidade marcada pelo Dorner, amigo da família e fotógrafo; o marido de Emelie,
hibridismo cultural e atravessada pelas ideias de recuperado, mesmo depois de morto, através da
fronteira e trânsito: Manaus, uma capital que se separa memória de Dorner, e Hindié Conceição, amiga sempre
da floresta pelas águas fluviais e se situa num estado que presente, a partilhar com a conterrânea a solidão da
faz divisa com três outros países. Ela também é a cidade velhice. Muitas vozes a compor um mosaico, nem
natal do escritor. No livro também estão presentes a sempre ordenado, nem sempre claro naquilo que revela,
diversidade de costumes, línguas, e a convivência entre mas sobretudo rico em pequenos detalhes de extrema
indivíduos de diferentes nacionalidades. significação.
Nesta busca incansável da personagem principal por No intuito de enviar uma carta ao irmão, que se
sua identidade e suas origens, em uma Manaus que é encontra em Barcelona, a fim de lhe revelar a morte de
mais margem do que propriamente uma metrópole, Emilie, escreve um relato com depoimento de membros
apesar de ser a capital amazonense, o leitor vai da família e de amigos, conforme o irmão lhe pedira na
desvelando junto com a protagonista um passado última correspondência que lhe enviara. Esses
repleto de segredos e revelações inimagináveis, testemunhos proporcionam uma verdadeira viagem à
relembrando e descobrindo histórias do seu passado e memória, com regresso à infância e aos fatos marcantes
da família que a criou. da vida familiar.
Retornando a Manaus, após estar internada em uma No primeiro capítulo, a narradora descreve uma parte
clínica de repouso em São Paulo, a narradora chega na da casa na qual acabara de acordar, em Manaus. A
descrição das duas salas contíguas é repleta de marcas

117
identificatórias do Oriente, indicando uma representação A obra, em sua estrutura e estratégia de composição,
estilizada desse local: tapete de Isfahan, elefante indiano parece oscilar entre a narração – em que a figura do
e reproduções de ideogramas chineses são alguns dos narrador é extremamente importante e o relato é feito
objetos de consumo dos ocidentais, tomados como principalmente com base nas tradições orais, como uma
símbolos, que estão presentes nos cômodos. tentativa de rememorar as experiências coletivas do
No romance as histórias falam das possibilidades e passado – e o romance, que surgiria como um gênero
das dificuldades do trabalho com a memória, das tensões literário devido as transformações da sociedade
e da convivência de culturas, religiões, línguas, lugares, capitalista, que destrói cada vez mais a possibilidade de
sentimentos e sentidos diferentes das personagens em que a experiência comum viva e se revele no relato dos
relação ao mundo. A casa de Emilie, matriarca da família narradores.
na narrativa do Relato, é um microcosmo onde estas Este mosaico narrativo é também influenciado por
tensões aparecem e são vividas cotidianamente. outro retrato memorialístico, tecido pelo francês Marcel
O que mantêm a tensão no romance é a narrativa Proust no seu clássico Em Busca do Tempo Perdido. Para
centrada em incidentes – o atropelamento de Soraya Hatoum a memória é uma peça fundamental, sem a qual
Ângela, o afogamento de Emir. não se tece a verdadeira literatura. E esta obra é, sem
dúvida, uma das maiores apologias ao seu poder.

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Lígia Antunes Leivas
Versos
Avulsos
QUANTAS VEZES QUIS TE DIZER… carinho mel, enlevo céu, doce afeição
PAIXÃO sentidos e aquerenciados
sem qualquer presença além da imaginação.
Quantas vezes quis te dizer “Te amo!” Sei… neste ‘ser mais ser’ vivi o pranto, a dor,
Não sei por que dobrei essa vontade. senti o coração sofrido…
Não sei por que guardei essas palavras. transparente, porém… muito mais bonito!
Nem sei por que tanto adiei esse dizer Nenhum silêncio foi suficientemente forte
que tão feliz faz quem o declara calmamente! para constranger tão fiel amor
Estranho… talvez não possas entender tão fácil que a ti dediquei sem nada pedir em troca.
(assim também comigo acontece) Sim! Este amor que hoje ainda tanto se propaga
mas já naquela primeira frase e que não cansa de andar por todo meu ser
que me escreveste tão desinteressadamente me faz feliz mesmo que por todo lado
fascínio intenso assomou-me inteiramente… com ele – tão calado – eu sempre ande!
o coração e todos os melhores sentimentos
(eu os senti no entusiasmo do meu viver) Teu – desconhecido(?) – amor
Sim!… Como foi bom! Foi como pensei
devesse ser o verdadeiro amor:
contemplação, ardor, arrebatamento

119
NAMORADO Quisera eu que nenhuma saudade me afligisse.
Quisera ser pássaro sem ter de dizer ‘adeus’…
Veio chegando junto com a juventude
Veio sorrateiro, disfarçado, de mansinho QUANDO O AMOR SE DESPEDE
E eu cuidava nos olhos seus o sorriso
e em sua boca eu buscava todo riso “Adeus!”, dissemos… nunca mais nos vimos
Nem mesmo nos procuramos sequer…
Algo invisível (não sei se era o silêncio) Permutamos olhares… tantos mimos!!
dizia-me muito… tudo que meu coração queria (Ele? Garoto sem plano qualquer.)
e eu o seguia, espreitava-o em cada canto
e nesse jeito ia encantando todo meu dia Menina eu (quando nos despedimos),
Jamais supunha um dia ser mulher
Passou o tempo, a hora, cada momento Para ter prova do que nós sentimos,
e no meu peito foi brotando um sentimento Mesmo sabendo o que o amor requer.
que era mel (não era fel!…) era começo
de um amor que igual até hoje desconheço! Hoje sozinha aqui, vou refletindo
E concluo que mesmo ele partindo,
Ah! mas veio o destino, a sina e não sei mais Foi puro o nosso amor… quase fraterno.
Ele se foi… pra onde? …não soube jamais
Voltou a vida em seus caminhos na calçada Pois sem a dúbia sensação carnal,
e aqui fiquei… às lembranças abraçada. A nossa união foi divinal
E fez nosso amor tornar-se eterno.
QUISERA SER PÁSSARO SEM TER DE DIZER ‘ADEUS’ SOB O MESMO CÉU
Pelo vidro da janela, a paisagem viaja embaçada. Por muito tempo fiquei sem prumo
(- … meus olhos marejados? – ou o vidro esfumaçado?) perdida e só não distinguia o rumo
Afinal,em que destino embarquei ao entrar por esta porta? e sobre mim, silencioso e triste,
Já não sei mais nada… Já faz tempo demais… prostrou-se o mal, quase punhal em riste.
Jamais julguei ter a paixão assim
No bilhete que ficou, jaz uma única palavra. motivo (in)justo de impor-se um fim
eis que quem ama humanamente o faz

120
sem nem pensar que tudo se desfaz. se o chão não temos, se tudo é dissabor,
(por Deus!)temos estrelas, um céu compensador
Se a distância, o não-encontro, a dor a nos cobrir com a vastidão do afeto.
se o calvário deste louco amor
nos impediram a vida sob um mesmo teto,

Nilto Maciel
Os Urubus e Deus

– Qual a diferença entre a alma e um passarinho? humano, pequenino ser humano, recém-nascido,
O que é a alma, indefeso, deveria morrer para que urubus sobrevivessem?
Isaac L. Peretz Não entendia a lógica da morte.
Maria, coitada, mãe tão jovem, sem forças, sem
(…) formavit igitur Dominus Deus hominem de limo terrae amparo, desorientada, machucada, ferida, agiu por
et inspiravit in faciem eius spiraculum vitae et factus est homo impulso, por loucura, desespero de não ter como criar o
in animam viventem (…) filho, de não ter lar, marido, nada. Quem seria o pai?
Vulgate, Genesis, 2:7
José, João, Marcos, Mateus, Lucas? Pobre Maria,
apaixonada, usada, objeto. Grávida, procurou amigas.
O urubu avistou o corpo do menino, empinou-se e
Não podia ser mãe, abortaria. Ou criava o filho com o
bateu as asas. Não pude fazer nada. Aliás, nunca posso
pão amassado pelo diabo? Não encontrou quem lhe
fazer nada. Não devo fazer nada. Não posso estorvar os
tirasse as dúvidas. Se me buscou, não lembro. Se rezou
impulsos instintivos dos urubus, nem dos leões, nem dos
a mim, pouco importa. Há o livre arbítrio.
sapos. Todos eles precisam sobreviver. Os olhos da alma
do menino pareciam horrorizados. Então ele, um ser

121
Chegado o momento de parir, Maria se acocorou, interior do caminhão. Levado para o monturo junto ao
pôs-se a gemer, chorar, praguejar. Um corpo mole e lixo, o menino foi lançado fora. Urubus, impacientes,
ensanguentado escorria de suas entranhas. Quase a espiavam de longe a movimentação dos trabalhadores.
desmaiar, puxou com as mãos o fruto de seu ventre. Ao virem afastar-se o caminhão, voaram sobre o
Sentou-se e chorou mais. Urgia cortar o cordão umbilical, repasto.
livrar-se daquilo. Apalpou a faca, agarrou-a e fez o corte. O capitão dos urubus se aproximou do pequeno ser.
Estrangulava a criança? Não, ia lavar-se, descansar, Olhos arregalados para o mundo, a criança chorava. A
dormir. Ou morrer. Cochilou, recostada à parede do ave deu a primeira bicada. Faminta, passou a bicar a
banheiro. Uma barata passeava pelo chão. Apanhou o barriga, as pernas, o peito. O sangue tingia as penas
lençol e jogou-o sobre o corpo do filho. Ajoelhou-se, negras do bicho.
suada. Enrolou o pano no menino. Colheu o pacote e
ergueu-se. Abriu a porta do banheiro e, pé ante pé, Outros urubus se acercaram do pequeno corpo ainda
dirigiu-se à rua. Talvez fosse madrugada. Caminhou pela vivo. E logo o banquete virou disputa, guerra. Com
calçada. Latas de lixo recostadas a postes e muros. pouco tempo restavam apenas ossos. No entanto, a
Olhou para os lados, as portas e janelas fechadas. Um alma do menino evaporou-se e subiu ao céu. Os urubus
carro passou longe, em disparada. Depositou o pacote se lamentaram, crocitando feito aves malditas. A fome
numa das latas e correu para casa. não se resolve nunca, menino. Sim, todos são alimento,
tudo é alimento. Nunca viste leão caçando veado? Se é
A alminha não parava de fazer perguntas. Por que não justo ou injusto? Justiça e injustiça são apenas palavras.
impedi a fecundação de Maria? Porque não posso
impedir a procriação. A vida é necessária, imperiosa. A O menino quis saber se os causadores de sua tragédia
alma infantil não aceitava as minhas ponderações. Tudo, foram os urubus, sua mãe, seu pai, os garis ou o prefeito.
para ela, parecia injusto, errado, torto, feio, cruel. Fui Não posso acusar ninguém. Não devemos julgar os
insultado: chamou-me de tudo, menos de deus. personagens das tragédias. Nem qualificá-los,
Chamou-me de caos, confusão, desordem, diabo. adjetivá-los. Nada de lobo mau, mãe santa, pai-nosso.
Compete-nos apenas ver e contar. Não nos cabe
De manhã garis passaram pela rua, aos gritos e desenhar nada, nem dar lições de moral. Os seres
correrias. Pegavam as latas e despejavam o lixo no existem, os fatos se dão, a vida se faz. E é só.

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123
Folclore da França
O Galo e o Rei

Era uma vez uma mulher que tinha um galo. Ela era tão No caminho para o palácio, o galo encontrou a raposa,
pobre que não podia nem comprar uma galinha para que, ao saber do acontecido, se ofereceu para
fazer companhia a ele. Mas tratava multo bem o galo, acompanhá-lo. Mas, pouco depois, a raposa sentiu-se
preferindo passar fome a deixar de alimentá-lo. cansada e o galo se propôs a carregá-la sob a asa.
Certo d¡a, quando ciscava pela rua, o galo achou uma O galo e a raposa iam pela estrada quando encontraram
bolsa repleta de moedas de ouro. “vou levar desse uma abelha.
tesouro uma querida parte”, pensou. – Aonde vão vocês? – ela quis saber.
Mas, no caminho de casa, encontrou o rei, que, ao ver a Quando o galo e a raposa lhe contaram sobre a bolsa
bolsa no seu bico, ordenou ao pajem: roubada pelo rei, a abelha decidiu acompanhá-los. Mas
– Apanhe já aquele galo para mim. logo se cansou de voar e pediu ao galo que a levasse
O pajem rapidamente pegou o galo e lhe arrancou a debaixo de sua asa. Assim, o galo, a raposa e a abelha
bolsa do bico, entregando-a ao rei. O galo, furioso, disse prosseguiram viagem até que chegaram a um riacho.
consigo mesmo: “Amanhã irei até o palácio real. Tenho – Aonde vão vocês? – quis saber o riacho.
que recuperar a bolsa com o tesouro! Custe o que Quando lhe contaram sobre a bolsa roubada pelo rei, o
custar!”. riacho decidiu acompanhá-los. No meio do caminho ele

124
se cansou, e o galo o guardou debaixo da asa. – Socorro, dona abelha!
Finalmente chegaram ao palácio. A abelha saiu picando o rei, que, chamando seus lacaios,
– Vim recuperar a bolsa que Sua Majestade tirou de gritou:
mim! declarou o galo. – Matem esse galo!
– Amanhã eu a devolvo – disse o rei, e mandou-o para o E o galo pediu:
galinheiro.
– Socorro, meu amigo riacho!
Acontece que as galinhas do rei tinham recebido ordens
para matá-lo a bicadas. Avançaram contra o pobre galo, O riacho saiu de sob a asa do galo, inundou o palácio e
mas ele pediu: salvou a vida dele.
– Socorro, raposa! O rei percebeu que havia perdido a parada. Devolveu a
bolsa ao galo e o libertou.
A raposa saiu de sob a asa do galo e rapidamente
comeu as galinhas. O galo correu para sua dona e entregou-lhe o tesouro.
E foi assim que uma mulher tão pobre, que não pod¡a
Quando o rei viu que o galo tinha sobrevivido, ficou nem comprar uma galinha, ficou multo rica com a ajuda
furioso e investiu contra ele para matá-lo com as de um galo que venceu um rei com a ajuda de uma
próprias mãos. Mas o galo pediu: abelha, uma raposa e um riacho!

Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes


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Anair Weirich
Álbum de
Poemas

PACIÊNCIA A EMOÇÃO DE LER


Quem já viu algo funcionar – Passarinho, passarinho!
aos tapas e empurrões? Eu também queria voar
Nada mesmo dá certo, E conhecer outros mundos…
quando é feito aos trambolhões! Mas não tenho asas, nem dinheiro.

Mas, se formos com jeitinho, -Menininho, menininho!


(como diz sempre a ciência…) Você deixe de bobagem.
com amor e com carinho Quem lê viaja ao mundo inteiro,
tudo conseguiremos! Sem ter que pagar passagem.

– Isso se chama PACIENCIA! AMIGOS


Amigos vêm e vão.
Amigos são uma nação

126
de corações leais. Amigos são o muro seguro
Amigos são demais! que nos protege do abismo.
Amigos são trigos ao sol.
São cama e lençol LIMIAR DO TEMPO
para deitar-se tranquilo.
Amigos são aquilo Amar é…
de tudo o que contas. Te encontrar,
Amigos são contas como agora!
de um colar de diamantes. Só que na velhice,
São vogais e consoantes de bengala,
do alfabeto do amor. e ainda assim
Amigos são abrigos sentir a mesma emoção
da maldade e da dor. que estou sentindo
São a segurança das pontes, nesta hora!
e a água das fontes!
Amigos são artigos de luxo. O EXEMPLO DO PIÃO
Amigos são bruxos
da distância e do tempo. Se há uma coisa que fascina e encanta,
Amigos são o elemento É ver um pião enquanto dança!
que conta na hora H… E quando estamos no nosso limite,
Amigos são maná! Olhemos o pião que rodopia,
São faróis no nevoeiro. Como se fosse um convite!
São arco e arqueiro
na precisão do alvo. Sejamos inimigos da ociosidade.
Amigos estão a salvo Façamos tudo com entusiasmo
das tempestades da vida. E até estardalhaço..
Amigos são guarida Viva a escandalosidade
nas horas incautas. Para sair do marasmo
Amigos são flautas E não perder o compasso.
que anunciam companheirismo.

127
O pião tem uma dança INCÓGNITA
Que assusta e que fascina,
Pelo espetáculo que ensina Moro numa rua sem saída.
A nos mantermos em pé A única medida para sair dela
Pelo impulso. é dando meia-volta
Para o pião é insulto até chegar na esquina.
Entregar-se antes Nesta rua tem menina
Do tempo determinado. brincando de sol.
Tem até bicicleta
Mas quando fica cansado, que passeia sozinha.
Nos mostra algo assustador: Tem Luluzinha de estimação,
Traça um círculo ao seu redor tem bola, tem boneca, tem canção.
E dentro do próprio círculo
Então cai. Tem gato que passeia no muro
Fim! Nada mais resta. e toma sol no telhado.
Tudo aquilo que era festa Minha rua é um achado!
Agora é gota que se esvai.
Tem noite de luar
Tal qual o pião, e tem verso com rima.
Estamos em pé, Quem disse que quero
Se estamos em movimento. chegar na esquina?
Nossa base é nossa fé,
Nossa força é o sentimento! Moro numa rua sem saída
que tem porta e tem janela.
Tomara que na dança da vida Mas… quem disse
Haja sempre uma base plana que quero sair dela?
Para nosso pião interior girar,
Impulsionado pela força do trabalho Minha rua tem até Mercearia.
E pelo poder de sonhar! Tem linda pradaria
e tem jardim.

128
Quem quer sair De cada sabiá
de uma rua assim? saltitando na praça,
eu bebo seu momento.
EMBEVECIMENTO E de cada turista
(Homenagem a Chapecó – SC) seu encantamento.
Em cada badalada
Sinto que conheço cada grão dos sinos na catedral,
da terra que compõe este chão. é entoado um hino sem igual.
Adivinho a bala do papel Cada canto da minha cidade
que o vento leva, encanta de lirismo meu viver,
e sinto que conheço seu sabor. enternece e aquece todo meu ser.
Conheço e sinto o perfume Luzes noturnas estribilham canções
de cada pétala de flor e da torre da igreja emanam orações!
que brota nos canteiros. Com a fronte erguida
E de cada caminheiro vejo esperança e vejo vida.
conheço seu sorriso Dos desenganos quase esqueço,
e seu semblante. pois em cada melodia
De cada margarida, que roda nas estações,
sua labuta constante. eu sinto que amo e que conheço

129
Sérgio Sant’Anna
A Senhorita
Simpson
A narrativa A Senhorita Simpson, de Sérgio Sant’Anna, Justiça, separado da mulher, um casal de filhos,
foi publicada em 1989. A obra serviu de inspiração para o habitando sozinho um pequeno apartamento na Prado
cineasta Bruno Barreto produzir “Bossa Nova”, filme Júnior e profundamente envolvido com uma
lançado em 2000. dependência por Valium, como soporífero, e por
O assunto deste conto envolve o choque de valores mulheres, como carência de afeto. De certa forma
que se dá entre a puritana protagonista, que parece ter sugerindo em tom de paródia o tipo romântico: a crise
saído das páginas do romancista americano Henry James, existencial, uma espécie de obsessão pelo encontro
e a burguesia carioca com quem convive nas aulas de intermeada por um ligeiro temor, a fuga das
inglês que ministra em Copacabana. responsabilidades ‘morais’ e a fragilidade das relações
não duradoura.
Em A Senhorita Simpson o ponto de partida é um
cursinho de inglês, o Piccadilly, que serve como motivo A narrativa sugere um pequeno espaço brasileiro,
principal para a narrativa. As inter-relações vitais para o essencialmente urbano: a zona sul da cidade do Rio de
enredo vão surgindo como decorrência dos encontros Janeiro, Copacabana, a classe-média, o inglês como
noturnos para as aulas, tendo como língua de mercado e da moda, a mulher no trabalho, a
narrador-protagonista Pedro Paulo Silva, um dos alunos separação conjugal, o misticismo oriental e a utopia da
da turma, 29 anos, funcionário-público no Tribunal de trilha pela Bolívia e Peru rumo a Cuzco e Machu-Pichu

130
(roteiro seguido por tantos jovens da época). Tudo isto O gênero “meu tipo inesquecível” instala-se na figura
trabalhado com muita ironia e consciência crítica sobre o de Miss Simpson, faixa etária dos 40, sobrevivente de
ato de narrar, por parte de um autor que certamente Woodstock, professorinha de inglês no Picadilly e que
esteve no contexto, olhando desconfiado para alguns por um instante se converte na mãe desejada no auxílio
modelos, apreciando o sabor e a possibilidade do geral e no sexo. E aqui também, como em toda história
encontro e parecendo ter nunca se submetido ao vício. do gênero, aparece um final de “agradeço por tê-lo(a)
Assim, mantendo-se fora do interior da narrativa, conhecido”, em deferência à importância da personagem
Sérgio Sant’Anna distancia-se do mundo de seu narrada para a vida de quem com ele(a), de algum modo,
protagonista, não se identifica enquanto narrador e um dia conviveu. Para o protagonista Pedro Paulo Silva,
através da alteridade transfere para a personagem a trata-se de Miss Simpson, que “lhe restará sempre na
vivência da história (em seu duplo sentido: ficção e memória” enquanto forma de encontro necessário e
experiências do passado). A intertextualidade vital.
metaficcional enquanto reflexividade consciente do papel Assim, como técnica de narração, o tema e o enredo
da ficção na contemporaneidade, é feita através do parecem juntar-se enquanto arranjo de linguagem e
‘pastiche’ em relação às histórias do gênero “meu tipo artificio cênico da mera banalidade do ato de viver: a
inesquecível”, que aparecem na “Seleções do Reader’s linguagem é simples, objetivando uma aceitabilidade
Digest”, conforme apresentação feita na epígrafe da fácil e sugerindo o efeito comum de representação da
obra. E esse roteiro problematizador confunde-se com a vida enquanto dissolução do cânone maior. Ao mesmo
própria narração enquanto técnica e modo de compor a tempo, no entanto, realçando o caráter da importância
narrativa. Como característica pós-modernista, no do fato para o narrador que tem na vivência do texto
entanto, em tomo de uma superposição crítica e elaborado um motivo a mais para viver. Como pretexto
paródica, ficcional e historiográfica, Sérgio Sant’Anna de ter o que contar e lembrar. Não importa que quem
procura reconstituir o estilo (gênero) ao invés da narre seja deveras um escritor (no sentido de autor em
sensibilidade compositiva mais do que sob uma alto grau), mas um narrador cônscio da sua própria
conceituação estética que privilegie o contexto fragilidade, um que se identifica (ou pelo menos pode
puramente ideológico do discurso. fazê-lo) com tantos outros que pretendem também
participar da ação de terem um dia narrado. Desta forma,
vivência e ficção se confundem já que o gênero “meu

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tipo inesquecível” reproduz a verossimilhança com o rompimento com o estado diurno do trabalho. As aulas
vivido. E diante da extinção na contemporaneidade da noturnas de inglês funcionam, assim, como um espaço
experiência de narrar”, quando o ser humano está lúdico: próprio para o relaxamento e a desrepressão.
diluído no meio da multidão e se torna presa fácil da Brincadeiras acontecem, num constante passar de
tecnologia, as vivências históricas (não mais experiências bilhetinhos em classe, além das gozações mútuas.
propriamente)” tornam-se ocasionais, dissolvidas nos Evidente que a trama maior se dá em tomo do
fragmentos colhidos pelos meios de comunicação de narrador e protagonista Pedro Paulo Silva: seu
massa. Este é o lugar da narrativas do gênero “meu tipo relacionamento remoto com a ex-esposa Antonieta; sua
inesquecível”: um último refúgio que possibilite às visita ocasional aos filhos quando lhes conta estórias
gerações terem ainda o que e onde contar. inventadas; seu ligeiro contato com o pai e amigo
O ponto de vista do narrador não é onisciente. Ele advogado, alcoolatra e depois suicida, que vive com a
não mergulha na vida das demais personagens, que só quarta mulher, Maria de Fátima (nome artístico: Mara
se formam enquanto incursão cotidiana de Regina), num apartamento em Laranjeiras; seu
relacionamento. Personagens opacas, portanto, sem distanciamento da mãe agora casada “com um joalheiro
aprofundamento psicológico. Apresentadas não em si careca e chatísismo”; seu encontro com o misterioso e
mesmas, mas em relação às demais. Delas só se suspeito Wan-Kim-Lau chinês, amigo de Antonieta,
conhecem as superficialidades que estão presentes no impregnado com a sabedoria oriental e professor de
contexto da ação. O próprio Pedro Paulo Silva é tai-chi-chuan numa academia; sua dependência por
construído a partir de migalhas: pequenos detalhes aqui Valium antes de dormir e seu infatigável apetite sexual
e ali. Assim, através de uma sugestão cênica por mulheres movido por uma espécie de descontrole
fragmentada em episódios, o leitor vai se apropriando emocional baseado no desejo de livrar-se do tédio.
aos poucos de todo o enredo, o qual também é Em forma de flashes momentâneos, a ação e o
desprovido de profundeza. E as inter-relações pessoais cenário vão se compondo, quando a narrativa se propõe
no contexto da obra se esgotam rápido e fácil. O a realçar a similitude com as histórias do gênero “meu
Piccadilly é quase que o único local de encontro. Nele os tipo inesquecível”. Assim, o estilo é claro, sem maior
alunos da turma de Miss Simpson (sete no total) se ostentação retórica e técnica, a não ser pelo recurso
conhecem e se entretêm como se fossem jovens utilizado na passagem em que Pedro Paulo Silva conta
adolescentes, possivelmente como um pretexto para o

132
para o Gordo sua transa com Ana e o autor sobrepõe da escola e um ruidoso Mr. Higgins, o diretor, pretende
simultaneamente e de modo engenhoso três focos expulsá-lo pois, embora fosse uma droga leve e que “se
narrativos diversos. Também algumas frases de efeito disseminara por todas as escolas”, conforme
aparecem: “A gente sempre morre antes da última dose” argumentara Miss Simpson assumindo a defesa dos
(deixada pelo pai suicida dentro de uma “garrafa quase alunos, em “- Escolas só de inglês, não -“, receoso de
vazia”, antes de se matar); “meu reflexo de passageiro que “se aquilo se tomasse um hábito”, “o nome do
da vida no espelho” (em conotação com a Piccadilly (…) iria por água abaixo”. Como se fosse um ‘É
contemporaneidade); “a fragrância de um perfume na proibido proibir’ a greve então é proposta. No entanto
memória” (parecendo Marcel Proust); “o alvorecer das não acontece; Miss Simpson convence o diretor.
utopias” (em analogia ao sonho hippie); “A história se Mas, tem-se a alusão a “um marco histórico no
repetia como comédia; esperava-se que não se repetisse movimento estudantil”, ao “dinheiro da CIA no negócio”;
como tragédia” (parodiando Karl Marx). o eco das “palavras liberty and democracy” e a ovação
No interior da narrativa uma proposta intertextual para que o protagonista Pedro Paulo Silva seja elevado à
aparece enquanto uso constante de um inglês básico, categoria de “líder revolucionário”. A ironia se faz
que aqui e ali postula do leitor um mínimo de domínio. E presente, então, de forma completa: em seu caráter
esse cruzamento interlinguístico deriva do Picadilly, onde, ideológico contraditório, já que estabelece um vínculo
através de Miss Simpson, Pedro Paulo Silva e o resto da com a história ao mesmo tempo em que sugere o tema
turma preenchem o vazio de suas próprias histórias com como um passado perdido. Assim, o que ocorrera em
as aventuras vividas pelos Dickinsons, Harrisons e Jones, termos reais até em desprendimento (enquanto
personagens de uma outra história; o livro didático abnegação = sacrifício dos próprios interesses em
utilizado. beneficio de uma causa maior) torna-se agora
Por outro lado, as questões sociais e políticas são fragmentos do passado, memória apenas de uma
abandonadas ou, no mais, deixadas à imaginação do vivência de se ‘ter ouvido falar’.
leitor enquanto apelo irônico; como exemplo, o episódio A partir dessa analogia intertextual entre o passado e
da greve no Piccadilly, ironizando maio de 68 e o o presente, entre a novela e as histórias do gênero “meu
movimento político brasileiro pós-64. O Matoso, um dos tipo inesquecível”, percebe-se na composição cênica de
alunos da turma, é pego fumando marijuana no banheiro A Senhorita Simpson a vida aparecendo como o grande

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intertexto. Já não mais em torno de um ‘eu’ utópico, composição. Para Pedro Paulo Silva, esse recurso
indivisível e potente enquanto projeto “liberal significa procurar a lembrança de seu ‘tipo inesquecível’
humanista”, mas de um ‘eu’ fragmentado e, de repente, e, conforme sugere Walter Benjamin, “começar tudo de
se vê no vazio. Vale, então, a lembrança de ‘roteiros’, novo”, “contentar-se com pouco”, operando “a partir de
não mais como um enredo coeso em tomo de um uma tábula rasa’. E ele assim faz: fura uma das orelhas
princípio, um meio e um fim. Mas, enquanto para “colocar nela um brinco dourado” e ao completar 30
possibilidade de apego a um presente de imagens anos estará deixando para trás não a sua juventude, mas
meio-ambientais (natureza – indivíduo(s) – objetos) que a sua velhice, rumo à Bolívia, Peru, Cuzco e
se arranja ou se compõe como ajuntamento de Machu-Pichu.
estilhaços visuais: como “um tremendo pôr-do-sol sobre A senhorita Simpson é o exemplo da terceira fase do
o mar de Copacabana”, a “porta pantográfica” do autor, onde continua fazendo exercícios metalinguísticos,
elevador, ou os “reflexos luminosos que estampavam mas os subordina ironicamente à história que conta. A
tonalidades fantasmagóricas na pele de Miss Simpson”. obra transgride as próprias “convenções” do autor: o
O arranjo cênico então sugere ‘os olhos a se diálogo é ágil, mais “realista”, sem as massas verbais
alimentarem de luz’, fixos na possibilidade que o típicas da sua representação do mundo; há uma nitidez,
meio-ambiente oferece, uma vez que o passado virou uma luminosidade que atravessa a narrativa inteira; e, o
migalhas e já não há mais experiências reais para se mais significativo, no final da novela encontramos um
narrar: somente vivências ou lembranças momentâneas. dos raros momentos em que o narrador, com
Neste ponto, a intertextualidade entre ficção e simplicidade, endossa o ponto de vista de seu
historiografia propõe a reflexão de que todo o jogo personagem, entregando-se ao texto sem atravessá-lo
político do passado foi apenas um modo de constructo de ironia: “Aos trinta anos, eu estaria deixando para trás
ideológico enquanto jogo de poder. E a identidade não a minha juventude, mas a minha velhice”.
histórica torna-se qualidade apenas narrativa, na arte da

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Vanda Fagundes Queiróz
Jardim de
Trovas
1 5 9
A criança tem mania, Ao voltar do burburinho A vitória que se alcança
quer ser grande, sem saber da rua – a humana agressão, tem lição para ensinar.
que, na dura travessia, a meiguice de um cãozinho – Não fique na praia mansa,
dói tanto a gente crescer! vem receber-me ao portão. saiba as ondas enfrentar!
2 6 10
A mais sublime lição A primavera, suponho, Caso a sobremesa fosse
de grandeza, amor e fé, que tendo sonhos de amor, escassa, a mamãe mentia:
foi ver um homem sem mão faz, sim, com que cada sonho - Tomem! Não gosto de doce...
pintando flores com o pé. nasça em forma de uma flor. e, docemente, sorria.
3 7 11
A minha alma adolescente, Aquela duna imponente, Certas trovas são tão belas,
de braços dados com a vida, que na paisagem se alteia, dão tal encanto e prazer,
parece nem ser parente tem na origem, certamente, que eu vejo, pensando nelas,
desta face envelhecida. minúsculos grãos de areia. quanto preciso aprender!
4 8 12
Antes que nossa atitude Arrumei minha bagagem Chinelinho na janela,
maiores males cometa, com sonhos e fantasia, belo sonho de criança...
Deus convoca a juventude: e agora, no fim da viagem, Antes de fugir por ela,
- Protejam esse planeta! abro a mala… está vazia. Noel deixou a esperança!

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13 19 25
Chora o nenê. Fico olhando Duas taças sobre a mesa, Freio o carro, junto ao mar,
e me enlevo, a refletir: numa espera malograda… e o cenário é um esplendor,
a sua emoção chorando Só veio Dona Tristeza, que só faz acelerar
faz minha emoção sorrir. que nunca foi convidada! nossos impulsos de amor.
14 20 26
Chuva a molhar nosso riso, Enquanto, amor, tu demoras - Lá se foi meu pé-de-meia…
riso feliz e molhado… e eu vou somando ansiedade, diz, desolado, o vovô.
qualquer tempo é paraíso, a travessia das horas Vovó se alarma e esperneia:
quando o amor é partilhado. é calculada em saudade. - Não diga que é o de tricô!
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Colheita, ainda guardada Enquanto há bens passageiros Maior prêmio, no decurso
num simples grão amarelo, exibidos no aparato, da vida de um trovador,
é uma obra a ser lançada, há tesouros verdadeiros bem mais que ganhar concurso,
mas que ainda está no prelo. ocultos no anonimato. é erguer o troféu do amor!
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Contraste se manifesta, Entro em casa e, no consolo Meu caderno confidente,
a razão seja qual for: de ter, no lar, proteção, primeiros versos de amor:
- nem sempre o riso é de festa, piso o primeiro tijolo… ilusão de adolescente…
nem sempre o pranto é de dor. e sinto o céu, no meu chão! que endeusava um professor!
17 23 29
– Corte o texto!… Longo assim, Eu sempre lutei sentindo, Não basta apenas sonhar,
A ideia até se desdoura. nesta arena em que se vive, a vida requer firmeza
– Pois não, mestre, corto sim, a mão de Deus, dirigindo de agir, para transformar
vou procurar a tesoura… cada conquista que eu tive! uma esperança em certeza.
18 24 30
Doce mistério de amar, Fez plástica no nariz Não há recursos que domem
que me concede o talento e comprou peruca loura… predação de tal grandeza,
de abraçar-te com o olhar Pirracenta, a outra diz: quando é a própria mão do homem
e beijar-te em pensamento. - Falta montar na vassoura… que destrói a Natureza.

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31 37 43
Na rua… tantos passantes… Olhando do meu terraço Poda as plantas, na lavoura,
e a marcha, incessantemente, o céu que ilumina a rua, Mas planeja, o tempo inteiro:
traça, em passos semelhantes, com enlevo um gesto eu faço… - vou crescer, vender tesoura…
tanta história diferente… e quase que abraço a lua! Eu hei de ser tesoureiro!
32 38 44
Neste mundo tão mesquinho, Olhando o velho retrato Por mais que o progresso iluda,
é um prazer ouvir a voz da praça, eu ouço à distância deturpe e inverta valor,
de quem faz o bem sozinho, acordes que são, de fato, o que Deus fez ninguém muda:
mas usa o pronome “Nós”. cirandas da minha infância. amor será sempre Amor.
33 39 45
No ditado, a turma estoura Olhaste...Nada foi dito, Quatro abraços, meigos passos,
de rir, quando, erguendo a mão, mas consegui decifrar traços de amor e bonança,
Pergunta o aluno: – “tesoura” um conto de amor, escrito infância: pequenos braços -
é com “tezinho” ou “tezão”? no apelo do teu olhar! sustentam grande Esperança!
34 40 46
No meu Livro da Lembrança, O luar intenso me induz Que imenso mundo se esconde
ainda sem conclusão, a crer que Deus guarda o dia, na pena de intenso brilho
saudade é aquela esperança diz ao céu que acenda a luz… que torna em sábio Visconde
que compôs a introdução… mas nos cobra uma poesia. um sabuguinho de milho…
35 41 47
Num dos lances mais astutos O mar, a tarde silente, Quem crê não teme o fracasso
que a vida tem-me inspirado, a rede, a troca de afeto… e nunca segue sozinho,
eu mostro os olhos enxutos, Um momento, simplesmente, pois, quando quer dar um passo,
e escondo o lenço molhado. mas… um momento completo! Deus já prepara o caminho.
36 42 48
Num momento de magia, Para um garoto, os quintais Meu “eu” antigo encontrei…
nós dois ali, face a face… eram reinos de magia, sinto que não perdoou
e o meu coração pedia guardando tesouros reais por ver que não realizei
para que o tempo parasse! nos mapas de fantasia… os sonhos que ele sonhou.

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49 55 61
Meu lenço, meu companheiro, Que este preceito se integre Sou vaso, às vezes quebrado...
saiba os segredos guardar. ao meu simples dia-a-dia: mas, cada vez, Deus permite
Além do meu travesseiro, Melhor do que estar alegre, que eu volte a ser restaurado,
só você me viu chorar… só mesmo dar alegria com Seu amor sem limite!
50 56 62
Parece um conto de fadas Revezam-se em nossas rotas Tenho no meu peito um mar
ver, em perfeita harmonia, sombra e luz, contras e prós, de amor, imenso e profundo
sete cores alinhadas, e as vitórias e derrotas sonho vê-lo transbordar,
no céu, jorrando poesia! começam dentro de nós… causando enchentes no mundo.
51 57 63
Por mais que o progresso iluda, Se ausência é cena vazia, Todos têm um potencial
deturpe e inverta valor, guarda, invisível, latente, diferente… é indiscutível.
o que Deus fez ninguém muda: a marca de algo que, um dia, O que importa é cada qual
o amor será sempre amor! ali já esteve presente tentar o melhor possível!
52 58 64
Praia tranquila, discreta… Sinto imensa gratidão Uma alegria incontida,
Deus escuta, com certeza, por alguém que nunca vi, por algo que a gente goste,
o silêncio do poeta mas que fez a plantação gera luz mais desmedida
falando com a Natureza… dos frutos que hoje colhi! que a luminária do poste.
53 59 65
Prossigo em minha viagem, Sombra e luz fazem nuança Um barquinho deslizando
ora alegre, ora tristonho… no largo painel da vida. sobre a ondulação tão mansa…
levando em minha bagagem Luz é o raio de esperança, parece um anjo levando
pouca coisa e muito sonho. e sombra, a ilusão perdida”. ao mundo paz e esperança.
54 60 66
Quando a vida é limitada Somos heróis, sem medalhas, Um casebre na favela…
eu lhe amplio a dimensão: vencendo, com valentia, o espaço ganhou fulgor,
cada coluna é bordada as anônimas batalhas, quando alguém pôs na janela
com retalhos de ilusão… na luta de cada dia. um simples vaso de flor!

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Rachel de Queiróz
Marmota

Aqui ninguém duvida de que marmota existe. Quase mas é sempre preta e com uma barriga mole, se
todo o mundo já viu. De noite, nas conversas do terreiro, arrastando. Às vezes se encontra cascavel morta junto
é raro quem não tenha seu caso a contar. Marmota não é da pedra, às vezes um preá. É o bicho que mata. Alguns
bem fantasma, pode ser alma do outro mundo, ou é uma falam que há muitos anos apareceu ali uma ossada de
aparência, uma coisa do mato, quem sabe? Às vezes é gente, ainda com as carnes. Engraçado, nesses anos
um bicho. Em geral é um vulto; e também um ruído, uma todos nunca mudaram o caminho.
chama. Aparece de noite ou de dia. No corte da estrada de ferro, na saída da lagoa da
Todo mundo encara as marmotas como realidades do Carnaúba, compadre Chico Barbosa vinha uma noite com
cotidiano, que fazem um medo desgraçado, mas com as o seu filho Eliseu e de repente lhes surgiu à frente aquele
quais se tem que contar. E há delas passageiras, como vulto preto, de andar arrastado, como um bicho grande e
há outras muito antigas. No caminho de chegada à disforme, tomando o caminho. Eles desviaram à
fazenda de minha irmã, no Choró, existe uma pedra esquerda, o bicho também, desviaram à direita, o bicho
grande, escura, bem na descida de um alto. O povo a também bandeou. Chico trazia um facão, brandiu o ferro,
chama “Pedra do Bicho”, porque ali costuma aparecer a marmota nem se importou. Riscaram um fósforo,
uma marmota; e já faz mais de cem anos que ela se sacudiram em cima, o bicho nada. Afinal resolveram
mostra. Milhares de pessoas já a encontraram. Pode ser fechar os olhos e o pai esgrimindo com o facão, o filho
do tamanho de um porco, ou do tamanho de um cavalo, açoitando o ar com uma vara, correram em frente, com

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bicho e tudo. Não sabem como atravessaram nem como Chico Preto (morto misteriosamente há alguns anos),
chegaram em casa. Mas ainda hoje ficam com as carnes viram um vulto agachado ao pé de uma imburana. A
tremendo quando se lembram. coisa olhava de um lado e de outro da árvore, como
Pedro Ferreira vinha de uma noitada de jogo, sozinho, quem brinca com criança. Chico Ferreira soltou um uivo e
pela meia-noite. Eis que numa vereda lhe apareceu a desabou; e as mulheres correram atrás, lutando para ver
marmota – alta, de braços abertos, no sistema de uma se chegavam na frente dos homens. E, se a visagem
pessoa. Ele trazia um pau grosso na mão, plantou o pau quisesse tinha até apanhado um menino, coitadinho, que
no bicho, facheou o pau todo, a visagem não se ficou por último na disparada. Na hora do medo parece
espantou. Pedro sentiu que o cabelo lhe crescia na cara, que até coração de mãe se esquece.
na nuca. Sentou-se no chão, ficou de olhos fechados, O mesmo Pedro Ferreira tem outra recordação do seu
esperando, com vontade até de chorar. Afinal olhou – a tempo de jogador. Vinha em noite escura, por um
marmota tinha sumido. E o pau, que ele largara no chão, caminho que passa perto da represa do açude velho do
ao seu lado, tinha sumido também. Junco, cansado, com fome e frio. Nisso avistou um fogo
Comadre Delurdes ia de manhã ao roçado, levar ao e se alegrou – deviam ser uns amigos que planejavam
marido o “sonhim” de pão de milho. Junto à capoeira uma pescaria. Parece que tinham tocado fogo num toco
velha deu com uma coisa – não era bem uma marmota, e as suas sombras iam e vinham ao redor. Pedro chamou,
era mais uma aparência, um rasgar forte de pano, e um ninguém respondeu. Aí a chama baixou e voou brasa pra
rufar de asas grandes, uma coisa agitando o ar, aquele todo lado, como se alguém batesse com uma vara no
sorvo, que não se via mas se sentia. Ela correu tanto que fogo, estilhaçando-o. Assustado ele parou – firmou a
ao chegar em casa teve uma oura, quase morreu. O vista – agora não tinha mais toco, nem fogo, nem brasa,
marido zombou, no outro dia foi com ela – e aí quem só um escuro mais escuro, como um vulto, no lugar onde
correu foi ele. Ninguém da família vai mais sozinho ao o fogo estivera. O chapéu lhe subiu nas alturas; ele
roçado. sentiu que o vulto se deslocava em sua direção. Correu,
botando a alma pela boca. Mas o bicho, lerdo, não o
Certa noite um bando de gente vinha de uma festa, perseguiu.
pela rodagem do Quixadá. Zéza, a hoje finada Dora,
Terezinha, seu marido Chico Ferreira, e outros. Ao E até mesmo aqui perto de casa, antes de se
passarem perto do local onde foi encontrada a ossada de atravessar o riacho do açude, tem uma moita de

140
mofungo, junto a um pé de violeta, onde o povo sempre As pessoas que contam esses casos nunca mentem
encontra uma marmota. Tem dia em que ela balança a em outras coisas. São gente de respeito, nem é
moita, e solta gemidos, aqueles ais. Ou se divisa um impressão de bebida – como se diz: “visagem de bêbedo
vulto por baixo da moita, e então se escuta um ruído fede a cachaça”. Será que elas mentem só nesses casos?
forte de dentes, como um cachorrão quebrando ossos. Ou se enganam, ou sonham?

Ruth Rocha
As Coisas que
a Gente Fala
As coisas que a gente fala Sem fazer complicação.
saem da boca da gente
e vão voando, voando, Mas ás vezes as palavras
correndo sempre pra frente. Vão entrando nas cabeças,
Entrando pelos ouvidos Vão dando voltas e voltas,
de quem estiver presente. Fazendo reviravoltas
Quando a pessoa presente E vão dando piruetas.
É pessoa distraída Quando saem pela boca
Não presta muita atenção. Saem todas enfeitadas.
Então as palavras entram Engraçadas, diferentes,
E saem pelo outro lado Com palavras penduradas.

141
Mas depende das pessoas No dia em que a Gabriela
Que repetem as palavras. Quebrou o vaso da mãe dela
Algumas enfeitam pouco. E acusou o Filisteu.
Algumas enfeitam muito.
Algumas enfeitam tanto, – Quem foi que quebrou meu vaso?
Que as palavras – que Meu vaso de ouro e laquê,
Engraçado! Que eu conquistei no concurso,
– nem parece as palavras No concurso de crochê?
que entraram pelo outro lado. – Quem foi que quebrou seu vaso?
– a Gabriela respondeu
E depois que elas se espalham, – quem quebrou seu vaso foi…
Por mais que a gente procure, o vizinho, o Filisteu.
Por mais que a gente recolha,
Sempre fica uma palavra, Pronto! Lá vão as palavras!
Voando como uma folha, Vão voando, vão voando…
Caindo pelos quintais, Entrando pelos ouvidos
Pousando pelos telhados, De quem estiver passando.
Entrando pelas janelas, Então entram pelo ouvido
Pendurada nos beirais. De dona Felicidade:
– o Filisteu? Que bandido!
Por isso, quando falamos, que irresponsabilidade!
Temos de tomar cuidado. As palavras continuam
Que as coisas que a gente fala A voar pela cidade.
Vão voando, vão voando, Vão entrando nos ouvidos
E ficam por todo lado. De gente de toda idade.
E até mesmo modificam E aquilo que era mentira
O que era nosso recado. Até parece verdade…

Eu vou contar pra vocês Seu Golias, que é vizinho


O que foi que aconteceu, De dona Felicidade,,

142
E que é o pai do Filisteu,
Ao ouvir que o filho seu Mas sabia compreender
Cometeu barbaridade, As coisas que a gente pode
Fica danado da vida, E as que não pode fazer;
Invente logo um castigo, E a confusão que ela armou,
Sem tamanho, sem medida! Saiu para resolver.
Não tem mais festa!
Não tem mais coca-cola! Gabriela foi andando.
Não tem TV! E as mentiras que ela achava
Não tem jogo de bola! Na sacola ia guardando.
Trote no telefone? Mas cada vez mais mentiras
Nem mais pensar! O vento ia carregando…
Isqueite? Milquicheique?? Gabriela encheu sacola,
Vão acabar! Bolsa de fecho de mola,
Mala, malinha, maleta.
Filisteu, que já sabia
Do que tinha acontecido, E quanto mais ia enchendo,
Ficou muito chateado! Mais mentiras ia vendo,
Ficou muito aborrecido! Voando, entrando nas casas,
E correu logo pro lado, Como se tivessem asas,
Pra casa de Gabriela: Como se fossem – que coisa!
– Que papelão você fez! – um milhão de borboletas!
Me deixou em mal estado,
Com essa mentira louca Gabriela então chegou
Correndo por todo lado. No começo de uma praça.
Você tem que dar um jeito! E quando olhou para cima
Recolher essa mentira Não achou a menor graça!
Que em deixa atrapalhado! Percebeu – calamidade!
– que a mentira que ela disse
Gabriela era levada, cobria toda a cidade!

143
E as mentiras lavou.
Gabriela era levada,
Era esperta, era ladina, Mas mesmo depois do caso
Mas, no fundo, Gabriela Que eu acabei de contar,
Ainda era uma menina. Até hoje Gabriela
Quando viu a trapalhada Vive sempre a procurar.
Que ela conseguiu fazer, De vez em quando ela encontra
Foi ficando apavorada, Um pedaço de mentira.
Sentou-se numa calçada, Então recolhe depressa,
Botou a boca no mundo, Antes dela se espalhar.
Num desespero profundo… Porque é como eu lhes dizia.
As coisas que a gente fala
Todo mundo em volta dela Saem da boca da gente
Perguntava o que é que havia. E vão voando, voando,
Por que chora Gabriela? Correndo sempre pra frente.
Por que toda esta agonia?
Gabriela olhou pro céu Sejam palavras bonitas
E renovou a aflição. Ou sejam palavras feias;
E gritou com toda força Sejam mentira ou verdade
Que tinha no seu pulmão: Ou sejam verdades meias;
– Foi mentira! São sempre muito importantes
– Foi mentira! As coisas que a gente fala.
Aliás, também têm força
Com as palavras da menina As coisas que a gente cala.
Uma nuvem se formou, Ás vezes, importam mais
Lá no alto, muito escura, Que as coisas que a gente fez…
Que logo se desmanchou. “Mas isso é uma outra história
Caiu em forma de chuva que fica pra uma outra vez…”

144
José Lins do Rego
Fogo
Morto
José Lins do Rego é um dos escritores mais Reinado, incluindo a Revolução Praieira e a Abolição, até
importantes do chamado Neo-Realismo Regionalista as primeiras décadas do século XX.
Nordestino, que integra a segunda fase do Modernismo O tema central de Fogo Morto é o desajuste das
brasileiro, ao lado de nomes como Graciliano Ramos, na pessoas com a realidade resultante do declínio do
prosa, e Drummond, na poesia. escravismo nos engenhos nordestinos, nas primeiras
O romance modernista dos anos 30 recebeu muitas décadas do século XX. O romance conta a história de um
sugestões da sociologia de Gilberto Freire, um dos poderoso engenho, o Santa Fé, desde sua fundação até
organizadores do Congresso Regionalista do Recife, que, o declínio, quando se transforma em “fogo morto”,
em 1926, apresentou um amplo projeto de estudo e expressão com que, no Nordeste, designam-se os
compreensão da sociedade local. O livro mais importante engenhos inativos. Retomando o espírito de observação
de Gilberto Freire é Casa Grande e Senzala (1933). realista, o autor produz um minucioso levantamento da
Fogo Morto (1943) é a obra-prima de José Lins do vida social e psicológica dos engenhos da Paraíba. Em
Rego. Como romance de feição realista, esse livro virtude do apego ao cotidiano da região, Fogo Morto
procura penetrar a superfície das coisas e revelar o apresenta não apenas valor estético, mas também
processo de mudanças sociais por que passa o Nordeste interesse documental.
brasileiro, num largo período que vai desde o Segundo

145
Fogo Morto não se esgota na classificação de romance senso do real. Poucas vezes um autor obteve tanto êxito
regionalista, embora essa seja uma noção correta. Há na manipulação da frase curta e elementar, com palavras
outros componentes importantes na obra, a partir dos extraídas do uso diário. Seu ritmo sintático e narrativo é
quais se pode enquadrá-la numa tipologia consagrada. nervoso, quase frenético, imitando o vaivém das pessoas
Talvez o mais ilustre antecedente de Fogo Morto na pelas estradas do engenho. Pertence ao Regionalismo
literatura brasileira seja O Cortiço (1890), de Aluísio Nordestino, porque aborda a paisagem específica dessa
Azevedo. Em que sentido? No sentido de tomar uma região, mas as questões abordadas transcendem os
personagem coletiva como objeto de análise. Assim limites regionais, o que é comum nas obras bem
como Aluísio investiga o nascimento, vida e morte de um realizadas.
cortiço do Rio de Janeiro, José Lins penetra no Em Fogo Morto, o autor soube transformar em ficção a
surgimento, plenitude e declínio do Engenho Santa Fé, vida real dos engenhos nordestinos. Trata-se de uma
localizado na zona da mata da Paraíba. Com efeito, o sociedade decadente, marcada pelo ressentimento, pelo
engenho parece possuir vida própria, embora suas desajuste e pela revolta. Domina em tudo uma
células sejam as pessoas que o formam. Como análise atmosfera de ruína social e depauperamento psicológico,
quer dizer decomposição, o autor decompõe as pessoas embora persistam aqui e ali sinais de uma felicidade
como forma de expor a constituição do todo. Por essa antiga, restrita aos habitantes da casa-grande. Sem
perspectiva, Fogo Morto tanto pode ser entendido como pertencer propriamente ao famoso Ciclo da
um romance social quanto psicológico. Em rigor, uma Cana-de-Açúcar, Fogo Morto é uma retomada mais
categoria não existe sem a outra. O livro é forte em densa da matéria dos romances que o compõem: Menino
ambas as dimensões. de Engenho (1932), Doidinho (1933), Bangüê (1934), e
Embora Fogo Morto apresente uma estória muito Usina (1936). Neste último romance, José Lins retrata a
movimentada, não se trata de um romance de ação: decadência dos engenhos por força do processo
pretende atrair pela problematização social e existencial, industrial das usinas, que suplantam a produção
e não pela surpresa dos acontecimentos. O estilo da obra artesanal. Todavia, em Fogo Morto, ainda não há sinais
é modernista, pois baseia-se na linguagem cotidiana, de industrialização na produção de açúcar. Quanto a
revestindo-se de oralidade espontânea, isto é, o autor José Amaro, sim, sua decadência decorre em parte do
procura escrever como se fala. Resulta daí a impressão processo de industrialização das selas, que já ocorre nos
de vivacidade e dinamismo. Possui força dramática e centros urbanos.

146
A fábula do livro não apresenta rigorosa unidade, isto É também contra o governo, mas não admite a
é, não conta apenas uma estória, mas diversas, porque o subversão da lei. Em rigor, é um aventureiro do sonho.
propósito do romance é investigar e revelar o variado Estabelece o elo entre ricos e pobres, fracos e fortes.
tecido social de um engenho típico da Paraíba. Assim, o Para ele, o homem mais valente do mundo é ele mesmo.
livro divide-se em três partes: “O Mestre José Amaro”, “O Não obstante, empregava a valentia apenas no auxílio do
Engenho de Seu Lula” e “Capitão Vitorino Carneiro da próximo. Trata-se de uma paródia muito convincente de
Cunha”. Dom Quixote. Por isso, sua figura resulta numa mescla
Na primeira parte domina a figura do seleiro Zé Amaro, de momentos sublimes com momentos ridículos. Apesar
morador revoltado do Engenho Santa Fé, que enfrenta dos percalços, surras e prisões, é a única personagem
enorme problema de inadaptação com o mundo. Na gloriosa no romance.
verdade, está praticamente se despedindo da vida. Em Personagens que não sofrem alteração são
aguda crise existencial, pressente a morte nos mínimos consideradas sem profundidade psicológica. Por isso são
detalhes. Permanece sentado na tenda de trabalho em chamadas planas, das quais os tipos são uma variação.
frente de casa, à beira da estrada, por onde passam os José Passarinho é personagem plana, pois mantém
diversos moradores do engenho. sempre o mesmo estatuto, do princípio ao fim do
A segunda parte de Fogo Morto traça os antecedentes romance. Por outro lado, trata-se de personagem
da situação de José Amaro, que é semelhante à de seu secundária, cuja função é apoiar a existência das demais.
compadre Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, cujo Assim são o pintor Laurentino, o aguardenteiro Alípio, o
destino também se confunde com a vida do engenho. negro Floripes e outros coadjuvantes.
Nesta parte, há um longo flashback ou retrospectiva da Tipo é a personagem que se confunde com o
formação do latifúndio, em que se evocam as lutas do estereótipo, no qual se condensam características
fundador, Capitão Tomás Cabral, para o estabelecimento genéricas de uma certa categoria de pessoas. Capitão
daquela unidade econômica. Antônio Silvino é um tipo revestido de significação
A terceira parte concentra-se nas aventuras do alegórica. Funciona como uma espécie de emblema,
Capitão Vitorino, cujas ações se pautam pelo desejo de representando a força da subversão, o poder de uma
justiça. Nesse particular, irmana-se a José Amaro. Mas é justiça ilegal porém legítima. Tira dos ricos para dar aos
radicalmente contra a alternativa oferecida pelo cangaço. pobres. O Tenente Maurício é semelhante ao cangaceiro,

147
pois também representa uma instituição, a força legal do tom memorialístico, como se fizesse uma crônica sobre o
governo, manchada de mando ilegítimo. que vivenciou em sua experiência com a realidade do
As personagens que sofrem mudança substancial povo da Paraíba, sua terra natal. Sendo um neo-realista,
possuem mais densidade psicológica, sendo por isso só poderia escrever sobre fatos observados
chamadas de esféricas. As três personagens principais empiricamente.
de Fogo Morto são esféricas, pois toda a trama do Fogo Morto é uma obra caracterizada pela captação da
romance decorre das transformações de seu estado vida interior das personagens. Nela, a paisagem externa
psicossocial. Quanto mais ambígua a personagem, mais é importante, mas as vivências interiores recebem mais
rico o seu significado. Num certo sentido, essas três atenção do artista. Há muita ruminação psicológica no
personagens podem ser consideradas loucas, embora livro. Tal investigação do universo mental processa-se
em diferentes graus e com sintomas diversos. sobretudo através do discurso indireto livre, pelo qual se
A eficiência das situações e personagens de Fogo chega a densos monólogos interiores, que se confundem
Morto decorre também do fato de o autor escrever em com o fluxo de consciência.

Janske Niemann
Poemas
Escolhidos
A PETRÓPOLIS com montes e céu, confundindo-se além.
És minha nas mais infantis alegria
És minha! Com tuas manhãs muito frias, se és minha na lágrima triste que vem...

148
é só o que sei fazer...
És minha! com toda a balbúrdia dos dias
e com toda a calma das noites também. Canta para mim! Grita Poesia!
Às vezes te encontro nas minhas poesias Canta pela boca, as mãos, o olhar!
e às vezes em sonhos que os outros não têm... Vou cantar também, cantar contigo...
... mas eu só sei chorar...
És minha, quando eu te contemplo e, sozinha,
escrevo o que sinto. Que felicidade CONVITE PARA O CAFÉ
olhar-te e dizer o que mais ninguém diz!
Observo a mesa posta. Com cuidado
Mas nesta alegria de ter-te tão minha, coloco cada coisa em seu lugar:
ocorre-me às vezes (estranho em verdade) a xícara mais bela deste lado
que eu tenho vergonha... de ser tão feliz! e logo poderemos nos sentar.

CANTA! O pão quentinho (o aroma paira no ar...)


Para Oswaldo Montenegro o guardanapo limpo, bem dobrado.
Colho um botão de rosa; meu olhar
Canta para mim! Canta a tristeza, se alegra ao ver chegar o convidado.
canta a solidão e canta o mar!
Quero acompanhar-te no teu canto... Esta manhã de inverno, um pouco fria,
... mas eu não sei cantar... parece que aumentou minha alegria
e me aqueceu enquanto eu esperei.
Toca o violão, toca bem alto
para que não me ouçam soluçar. O filho chega - alegre e desatento -
Amo o violão contra o teu peito... (não vê que eu esperava este momento)
... mas eu não sei tocar... e apenas diz:"Café? Eu já tomei...”

Canta para mim, enquanto escrevo DEIXA-ME RIR


versos que, talvez, ninguém vá ler.
Ouço-te cantar e escrevo versos: RIR, como se fosse eterna a primavera...

149
... como se eu pudesse adormecer Conseguirei, no rosto que padece,
entre flores a máscara moldar, qual fosse argila.
A boca esconde a dor: até parece
RIR, como se eu não te amasse... não a sentir... ou finge não senti-la...
... como se não houvesse adeus
e eu fosse livre Não me ouvirão palavras de revolta,
qual na planície uma rajada de vento... o grito angustiado não se solta,
a estranha solidão não se revela.
RIR, embriagada pelo amor
até me tornar uma nuvem branca Da dor, nasce a poesia quase feita:
solta no espaço contra o azul do céu - a rima bela, a métrica perfeita! -
Amas a dor, poeta! Vives dela...
... como se o rugido da tempestade
me perseguisse LIVRE
sem me alcançar
Julguei que eu fosse livre:
RIR, como se o clamor pela paz fosse ouvido... livre como uma nuvem é livre
... como se a vida fosse um poema como uma borboleta é livre
como é livre o vento...
RIR, louca, desvairadamente,
e viver num riso interminável Julguei-me bela:
... como se Poesia não fosse dor… bela como uma flor é bela
como o crepúsculo é belo
DOR e como é belo o luar...

Não me verão, no dia que amanhece, Pensei ter encontrado o amor:


a voz que treme, o passo que vacila aquele amor que é sempre amor
e nem, na face, a lágrima que desce: que é ternura e afago
sorrindo chegarei, quase tranquila... aquele que não existe...

150
(De repente quero ficar só: Nem fecho a porta: saio pela vida,
preciso chorar um pouquinho...) avaliando o quanto empobreci!

MINHA CASA SER SÍLABA


Conheço-te tão bem! A sala, o quarto, Não me ouvirás queixume nem lamento
a vista da janela escancarada! (só o frio da manhã me reanima...)
Na mesa da cozinha, o almoço farto, e mesmo estando triste de momento,
o som de cada porta ao ser fechada... não me ouvirás chorar, pois choro em rima.

Conheço-te demais! No entanto, parto... Não me verás a dor, pois mostro apenas
De tudo o que era meu, não fica nada: a mão que apara os golpes mais adversos.
na sala, nada... e nada no meu quarto, Um lânguido sorriso esconde as penas:
só o vento na varanda ensolarada... não me verás chorar, pois choro em versos.

E deixo a antiga casa na ladeira: Ser frágil como pétala intocada


risadas quantas! quanta brincadeira! e ainda assim ser símbolo da paz;
Mas parto... e minha casa deixo aqui. ser luz... ser sombra... e se não for mais nada,
ser sílaba, que em versos se desfaz…
Horrível ver-te assim: fria e despida...

151
Ariano Suassuna
Romance da
Pedra do Reino
“O assunto da obra esteia-se no mistério da atividades dessa personagem, o desaparecimento, no
decifração da morte de Sebastião Garcia-Barretto; dia do crime, de Sinésio, filho de Sebastião
afinal, é, aparentemente, por estar ligado a ela que o Garcia-Barretto, e o posterior aparecimento do rapaz do
narrador se encontra preso e depondo num processo cavalo branco.
que constitui(rá) a narrativa. Essa morte é atribuída, Esse assunto apresenta características de epopéia:
pelo narrador, a motivos políticos que se relacionariam está em jogo o destino da Vila e, pela megalomania do
à sucessão do trono do Imperador do Brasil, da dinastia narrador, o do Brasil; há a volta de um herói, tido por
de João Ferreira, fanático que se proclamou rei do Brasil, morto, depois responsável por grandes façanhas que
em 1836, na comarca de Vila Bela. incluem a vingança do pai assassinado e o
No plano histórico, a década de 30 é marcada por estabelecimento de uma nova ordem (‘um reino de
confrontos políticos. Fundem-se o real e o imaginário, glória, justiça e paz’), condizente com os mais elevados
para surgimento da ficção, o que corresponde à destinos da Raça e da Nação brasileira, se amolda ao
proposta quadernesca de ajeitar o real para que possa projeto de Quaderna.
‘caber nas métricas da Poesia’. (…)
Na verdade, a morte instaura apenas um enigma,
gerador de um discurso sobre fatos mais relevantes: a
genealogia de Quaderna, que lhe impõe um Destino, as

152
O rapaz do cavalo branco e o próprio Quaderna são duas outras partes da trilogia não vieram a público, pelo
‘assinalados’, isto é, devem cumprir um Destino como menos em edições comerciais. Em vista disso, a
os heróis Ulisses, Enéias, Gama.” possibilidade de análise é um tanto precária, apesar de
(MICHELETTI, Guaraciaba. Na Confluência das Formas, a obra oferecer, em suas mais de 600 páginas, matéria
ed.Clíper, 1997, p. 75-76) suficiente não apenas para ensaios como para livros
inteiros.
“Para atingir seus objetivos, Quaderna,
respaldando-se na sua tradição familiar, funda a religião De leitura um pouco árida na primeira centena de
Católica-Sertaneja, que toma de outras princípios páginas, A pedra do reino, mesmo isolada da trilogia de
básicos, refundindo-os, de acordo com seus propósitos. que faz parte, é um verdadeiro monumento literário que
se liga à cultura caboclo-sertaneja nordestina, muito
Desta religião, essencialmente pragmática, nasce
marcada pelas tradições do mundo ibérico (Portugal e
outra demanda: a política. As duas confundem-se no
Espanha), trazidas pelos primeiros colonizadores
‘rapaz do cavalo branco’, que se revela herdeiro do mito
europeus e transformadas ao longo dos séculos.
de D.Sebastião e da tradição cavaleiresca do Santo
Graal. D.Sebastião é o casto guerreiro que, em seu Em linhas gerais, A pedra do reino é a apresentação
cavalo branco, em Alcácer-Qibir, luta contra os mouros, do memorial – obviamente em primeira pessoa – de D.
me defesa dos ideais cristãos. Roberto do Diabo, depois Dinis Ferreira – Quaderna, que, preso em Taperoá, faz
pai de Ricarte da Normandia, um dos Doze Pares de sua própria defesa perante o corregedor e, para tanto,
França, purgou suas culpas, redimiu-se, quando conta a história de sua família, das desavenças, das
montado em seu cavalo branco, que ‘era encantado’, lutas e das controvérsias políticas, literárias e filosóficas
livrou o reino de sua amada de um grande traidor. em que se vira envolvido. Como diz um crítico, na obra
Ambos, mito e romance, partilham da crença de que os de Suassuna podem ser percebidas “duas distintas
novos tempos são anunciados pela chegada do tradições a informarem a concepção de mundo do herói:
predestinado.”(MICHELETTI, p. Cit., p. 66) a tradição mítico-sertaneja e a tradição erudita” (J. H.
Weber). O que faz, como no caso de todas as demais
A PEDRA DO REINO
obras da nova narrativa, com que A pedra do reino se
Publicado em 1970, A pedra do reino continua sendo diferencie claramente do romance brasileiro tradicional.
considerado um romance completo, pois até hoje as

153
O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do herdeiro do reino, a longa viagem iniciática que lhe
Sangue do Vai-e-Volta foi publicado no Rio de Janeiro permite reencontrar este passado, seus mestres e os
em agosto de 1971. Seu sucesso foi imediato e as problemas filosóficos, literários e políticos que os
reedições traduzem o interesse dos leitores (janeiro de ocupam, o espírito aventureiro que leva Quaderna a
1972, agosto de 1972). organizar a sua reconquista do Reino Perdido e lhe
Resumir A Pedra do Reino seria, sem dúvida, destruir permitirá talvez, um dia, revelar a verdade sobre a
uma obra composta de idas e vindas, de momentos morte rocambolesca do seu tio. A chegada do Rapaz do
líricos e cômicos, de debates políticos e filosóficos, de Cavalo Branco, misterioso e perigoso, será o início da
múltiplas citações, alusões e referências históricas e grande aventura de Quaderna, sua “Demanda do
literárias. Basta esboçar o argumento narrativo para se Graal” : demanda da identidade do rapaz, busca da
convencer da dificuldade da empreitada : Pedro Dinis verdade, procura de um tesouro perdido mas, antes de
Ferreira-Quaderna, poeta, humorista, memorialista e mais nada, espera e procura da Revelação, do
bibliotecário da Vila de Taperoá, no sertão da Paraíba, «Sacramento» que o tornará Imperador do Sertão e
decide relatar os acontecimentos que o trouxeram onde Gênio da Raça. A aventura de fato não começou : o
se encontra no início do livro, ou seja na cadeia. Elabora romance inteiro não é senão preparação à aventura,
assim um Memorial dirigido «aos magistrados e relato mesclado de muitas histórias ou anedotas ligadas,
soldados, toda essa raça ilustre que tem o poder de direta ou indiretamente, à narrativa principal.
julgar e prender os outros […] aos nobres Senhores e 1. Uma Pedra movediça ou a constelação de
belas Damas de peitos brandos…» Após a evocação do variantes
fator determinante, isto é a chegada do Donzel Branco, Se o Auto da Compadecida foi imediatamente
seu primo, Sinesio o Alumioso, e o assassinado do tio de traduzido e representado em várias línguas no mundo
Quaderna, este conta a história de sua família, ligada à inteiro, A Pedra do Reino, apesar do entusiasmo que
proclamação de um reino, estabelecido sobre duas desperta em críticos e leitores, assustou os editores
pedras «encantadas», situadas no Alto Sertão de estrangeiros pelas suas dimensões (625 páginas) tanto
Pernambuco. Descreve seu itinerário pessoal e até quanto pelo seu mundo denso de referências culturais
íntimo : sua infância, sua formação poética com um brasileiras, eruditas e populares. As editoras alemãs
cantador, a descoberta do passado da família e do tomaram a frente : a edição, em dois volumes reunidos
mundo da cavalaria, a tomada de consciência de

154
numa caixinha, teve um formato semi-bolso, uma Contudo, o trabalho de redução assim iniciado não
diagramação atraente e uma capa original. restringiu somente o volume global de palavras por
Os editores franceses reagiram positivamente à capítulo como atingiu aos poucos a própria estrutura do
leitura do romance mas pretenderam aplicar uma regra romance, obrigando o autor a uma revisão de sua obra.
então quase generalizada para as obras volumosas de Deste modo, Suassuna elabora uma variante que não
autores estrangeiros pouco conhecidos : a redução do se destina mais exclusivamente à tradução. A redução
volume por amputação de uma ou várias partes. Jorge do texto implica corte de parte do volume inicial, as
Amado já tinha sido vítima deste procedimento e sua duas primeiras partes que relatam a infância e a
Tereza Batista só foi editada na sua integridade textual formação literária do narrador-protagonista, Quaderna.
nos anos 90 : na primeira edição francesa, faltavam o Por outro lado, são suprimidas varias citações e alusões
primeiro e o último capítulos o que resultava num diretas ou indiretas a obras literárias, em particular a
considerável empobrecimento do significado da obra. folhetos, cantigas ou quadras populares.

1.1. Informado, Ariano Suassuna começou recusando 1.2. Quaderna, o Decifrador (tapuscrito com
mas reavaliou posteriormente a sua posição e entregou correções manuais, datado de 1978) reduziu-se de fato
(à sua tradutora), em 1976, uma primeira tentativa de a um primeiro livro, A Pedra do Reino ou a Quarta-feira
redução textual, uma variante do primeiro livro do de Trevas. A matéria narrativa continua distribuída em
Romance d’A Pedra do Reino, intitulada A Pedra do partes, intituladas «Canto» e não «Livro» como na
Reino, versão para Franceses e outros estrangeiros edição de 1971. Estas três partes são :
sensatos. Mas as negociações de edição foram Canto I – Os Três Irmãos Sertanejos nas teias da
suspensas e a reescritura parou neste ponto. Esta sorte cega
primeira versão reduzida foi vertida para o francês e Canto II – Os Gaviões Cegadores
figura, com autorização do autor, em anexo da minha
tese de Doutoramento em Letras, na Universidade de Canto III – A Demanda do Sangral
Paris III , juntamente com poemas e textos de outros Apesar da transformação do intitulado do segundo
autores, membros do Movimento Armorial. Esta canto, podemos encontrar no conteúdo narrativo do
«Antologia Armorial» não saiu, até o presente momento, livro bem como no intitulado dos «folhetos» ou
das páginas da tese.

155
capítulos, uma exata correspondência com o conteúdo 1.3. Em 1994, antevendo a possibilidade concreta de
dos Livros III, IV e V da versão editada em 1976. traduzir A Pedra do Reino e tendo encontrado um editor
Suassuna acaba por redistribuir os elementos de sua francês decidido a publicá-la, submeti a proposta a
trilogia: este primeiro volume de Quaderna o Decifrador, Ariano. A aceitação foi seguida, dois meses mais tarde,
A Pedra do Reino ou a Quarta-feira de Trevas, deveria pela remessa de um tapuscrito intitulado A Pedra do
ser seguido por um segundo volume, provavelmente Reino, versão para Europeus e Brasileiros sensatos. O
intitulado As infâncias de Quaderna, que retomaria a título era evidentemente adaptado da primeira versão
matéria narrativa dos dois primeiros livros da edição de reduzida e destinada à tradução (a de 1976), contudo
1971, parte da História d’O Rei Degolado nas Catingas Ariano, ao incluir os «Brasileiros» entre os destinatários
do Sertão, além dos folhetos publicados sob este título desta nova obra, manifestou claramente o caráter
em forma de folhetins semanais no Diário de definitivo desta nova estrutura narrativa e que será
Pernambuco, de 2 de maio 1976 a 19 de junho de 1977. algum dia publicada em português. Esta versão retoma
o texto de Quaderna, o Decifrador, com muitas
Sem prazo para concluir estas transformações do correções manuscritas, algumas supressões e alguns
segundo e do terceiro volume, Suassuna prefere acréscimos4, e mantém a mesma estrutura em folhetos
manter inédita a nova versão para reeditar os três (capítulos) de mesmo título, suprimindo contudo a
volumes de uma só vez ou com poucos meses de divisão em partes ou «cantos» da versão de 1978. Os
distância. Contudo, em curto artigo, datado de 9 de folhetos apresentam-se portanto uns após os outros
agosto de 1981 e publicado no Diário de Pernambuco, sem qualquer separação ou forma de estruturação.
Ariano Suassuna comunica a sua retirada da vida
pública e da literatura. O aparente, e tão Este livro, traduzido por mim, foi publicado pelas
apressadamente comentado, fracasso do seu Editions Anne-Marie Métailié em fevereiro de 1998,
engajamento cultural [no Movimento Armorial] poucos dias antes da realização do Salão do Livro de
juntou-se às dúvidas e questionamentos de um escritor Paris, cujo convidado de honra era, naquele ano, o
e de um homem que se declarou sempre «perturbado Brasil. A edição foi primorosa e reproduziu na capa uma
por sonhos, quimeras e visões até utópicas da vida e do xilogravura colorida de Gilvan Samico, intitulada
real». «Alexandrino e o Pássaro de Fogo», escolhida pela
editora entre as muitas sugestões apresentadas, sem
saber que esta gravura tinha sido preferida por Ariano

156
Suassuna para ilustrar a capa do primeiro disco LP do Eis o estado da questão em matéria textual : a Pedra
Quinteto Armorial (capa conservada na edição em CD). do Reino continuará sem dúvida alguma a se mexer e
Dispomos portanto de quatro textos distintos d’A esperamos que chegue a uma edição completa e
Pedra do Reino : satisfatória.

A. O Romance d’A Pedra do Reino, de 1971, editado 2. O processo de tradução de La Pierre du


pela José Olympio, só se encontra hoje nos sebos e saiu Royaume
há muito tempo do catálogo da editora. Desconfio que Existem dois tipos de tradutores : os que traduzem
esta situação de «quase desaparecimento» seja aceita por amor à língua e os que traduzem por amor a uma
com certa satisfação pelo autor que deixa se criar um obra literária. Não considero evidentemente aqueles
hiato antes da publicação da nova versão; que traduzem por apego ao dinheiro porque geralmente
B. A Pedra do Reino, versão para Franceses e outros desistem logo de ser tradutores! Na França, tradutor
estrangeiros sensatos, de 1976, ensaio de redução do tem estatuto, tem tarifa sindical, tem associação
primeiro livro (ou parte) que foi interrompido. Foi representativa. Tradutor de português tem
traduzido para o francês e tornado público como anexo principalmente dificuldades para encontrar um editor
de uma tese (ou seja está inédito para o grande que queira publicar obras da literatura portuguesa ou
público!); brasileira.

C. Quaderna, o Decifrador : Livro I – A Pedra do Eu me situo objetivamente entre os tradutores que


Reino ou a Quarta-feira de Trevas, de 1978, versão traduzem por amor a uma obra literária : descobriram
completa e inédita em português ; um autor ou um livro e querem fazer compartilhar aos
seus compatriotas – que não têm a sorte de poder ler
D. A Pedra do Reino, versão para Europeus e no original – o prazer desta leitura. A minha leitura d’A
Brasileiros sensatos, de 1994, versão corrigida do texto Pedra do Reino foi apaixonada e apaixonante. A
anterior, inédita em português e publicada em francês tradução do livro tornou-se portanto um objetivo.
em tradução minha, com o título de La Pierre du Durante anos, andei nas editoras parisienses em cada
Royaume, version pour Européens et Brésiliens de bon viagem à França, deixava o livro, umas páginas
sens. traduzidas e esperava o diagnóstico. Ele sempre foi o
mesmo : a obra era magnífica, a tradução de qualidade

157
mas… e no «mas» entrava segundo os anos e as tradutor, na França como em qualquer parte do mundo,
editoras : a crise da edição francesa, a falta de interesse dificilmente vive graças a suas traduções.
para a literatura estrangeira, o tamanho do livro, o Eu pensava conhecer o livro : afinal tinha lido
custo da tradução, a situação financeira da referida inúmeras vezes, consultado, anotado, fichado, tinha
editora etc. escrito uma dissertação de mestrado sobre A Pedra do
Em 1994, a França lia e a-do-ra-va um escritor Reino como novela de cavalaria e uma tese de
brasileiro, que fazia um sucesso inacreditável e vendia doutorado sobre o Movimento Armorial em que a obra
até cinco edições paralelas de um mesmo livro. Precisa figurava e era analisada pormenorizadamente. Tinha
dizer o nome? Pois era mesmo aquele que vocês feito comunicações, conferências, debates mas nunca
imaginam : Paulo Coelho. Esta situação me deu força havia experimentado esta relação íntima com o texto,
para ir à luta novamente. Resolvi procurar desta vez este pisar no rasto do autor, este passar pelas próprias
uma pequena casa editorial que tinha 15 anos de palavras as emoções, as dúvidas, as alegrias. A
existência e um invejável catálogo de autores tradução me revelou dimensões da obra que a crítica e
brasileiros : Machado de Assis, Euclydes da Cunha, a análise não podiam alcançar mas, em compensação,
Guimarães Rosa, Cornélio Penna e Raquel de Queiroz sem este trabalho anterior de longos anos de pesquisa e
figuravam, entre outros, na sua «Biblioteca brasileira». aprofundamento não somente deste livro senão da obra
Não precisei de nenhum esforço para convencer completa de Suassuna e dos integrantes do Movimento
Anne-Marie Métailié da importância da Pedra do Reino : Armorial, nunca teria ousado enfrentar tamanho
mencionei a Versão para Franceses e outros desafio.
estrangeiros sensatos de 1976 e o Quaderna, o A Pedra do Reino é um livro oral, ele é dito, contado,
Decifrador, de 1978. Poucos mêses depois, o contrato por um narrador falante e mentiroso, que envolve o seu
estava assinado e Ariano me mandava a versão leitor em conversas, relatos e discursos brilhantes
definitiva, corrigida e transformada em Versão para interrompidos por crises de sinceridade ou de medo. Eu
Europeus e Brasileiros sensatos. traduzi este livro falando em voz alta, frente ao meu
O meu trabalho de tradução, correção, releitura e computador; revisava teatralizando e muitas vezes
recorreção durou 3 anos, sem exclusiva, claro, porque preferi tal palavra a tal outra simplesmente porque
soava melhor. Esta busca do tom, do som, da justeza da

158
conversa me levou frequentemente a simplificar as d’Indien-Tapuia) e sugeriu «um Nègre métis
formas verbais porque o subjuntivo, por exemplo, não d’Indien-Tapuia». Desprezando este «meio-sangue»
tem o mesmo valor nem a mesma significação social em que, em português como em francês, refere-se à
português e em francês. mistura de sangue da raça equina, ignorou a paixão do
Além da dimensão oral, A Pedra do Reino é um livro narrador Quaderna pelos cavalos : as comparações
visual, com ilustrações reproduzidas na edição de 1971 entre homens e cavalos são freqüentes no romance e
em página inteira ou integrada no texto. Para a edição sempre positivas enquanto o termo «mestiço» conserva,
francesa, Ariano Suassuna retrabalhou seus desenhos a em ambas as línguas, uma carga semântica negativa.
modo de vinhetas situadas na abertura de cada folheto, Outro objeto de debate, o nome do Estado, a Paraíba.
lembrando as iluminuras e iniciais ricamente A prática habitual dos geógrafos consistiria em
ornamentadas dos manuscritos antigos. O efeito é traduzi-la por «la province du Paraïba», termo que me
surpreendente e belíssimo. pareceu de imediato muito estreito para designar o que,
O léxico apresenta-se sempre como a dificuldade para o narrador, representa um verdadeiro país e até o
mais visível de uma tradução. A pesquisa lexicográfica centro do Império do Sertão, seu território mítico. A
representa sem dúvida uma parte importante do estrutura federal do Brasil impõe, por outro lado, de não
trabalho : alguns termos de geografia, culinária ou assimilar um Estado a uma simples província, que se
história foram mantidos no texto, sem nota quando se define em relação a um centro, numa perspectiva
tratavam de termos já dicionarizados, como caatinga ou centralizadora e jacobina inaceitável no Brasil. O Estado
sertão, ou com nota de rodapé, retomados num da Paraíba apresenta-se nesta obra como um país
glossário no final do livro, quando muito específicos designado no feminino em razão do seu final em –a.
como foi o caso de certas manifestações folclóricas ou Escrever-se-á portanto la Paraïba como se escreve la
plantas. Louisiane ou la Californie. Le Paraïba, no entanto,
continuou designando o rio Paraíba e Paraïba, «tout
Por outro lado, o respeito do texto obriga a desconfiar court», foi reservado à capital do Estado que mudou de
do peso adquirido por certos termos na língua-meta : nome em 1930 para escolher o nome do seu Presidente
um dos meus leitores (foram vários) criticou minha assassinado, João Pessoa.
tradução, aparentemente preguiçosa, de «um Negro
meio sangue de Índio-Tapuia» (un Noir demi-sang

159
La Pierre du Royaume, version pour Européens et Assim, me atrevo a concluir esta reflexão com a ajuda
Brésiliens de bon sens não obedece, portanto, a de Samuel, personagem de A Pedra do Reino :
critérios acadêmicos : os famosos exercícios de «[…] quando um Poeta brasileiro ou português traduz
aprendizagem de língua estrangeira, latim ou grego, uma obra estrangeira, para mim, o original fica sendo o
version ou thème, que a universidade francesa continua trabalho dele. Sou nacionalista, e, podendo, pilho os
valorizando ao extremo, para as línguas vivas tanto estrangeiros o mais que posso! Para mim, Manoel
quanto para as mortas. Todos os anos, por ocasião da Odorico Mendes é o autor dos originais da Ilíada e da
preparação dos concursos que dão acesso à carreira Eneida brasileira : Homero e Virgílio são, apenas, os
docente (Capes e Agrégation) as traduções das obras tradutores gregos e latinos dessas obras dele! Castilho
inscritas ao programa são analisadas, dissecadas e é o autor do Fausto e do Dom Quixote, assim como José
geralmente condenadas por professores universitários Pedro Xavier Pinheiro é o verdadeiro autor da Divina
que perseguem o «faux-sens», o «contre-sens», o Comédia que Dante traduziu para o italiano!»
«solécisme» ou qualquer um destes graves pecados da
vida docente. E propõem textos impecáveis, Posso portanto com tranquilidade e orgulho assinar
conservando todos os modos e pretéritos perfeitos e este texto :
imperfeitos, mas geralmente textos mortos, destruídos Idelette Muzart Fonseca dos Santos
pelas marteladas conjugadas da erudição e da
autora de La Pierre du Royaume,
gramática. Não estou defendendo o erro e muito menos
a aproximação ou a falta de rigor mas, como no teatro, Version pour Européens et Brésiliens de bon sens,
a tradução deve se tornar de algum modo interpretação obra traduzida para o português por Ariano Suassuna.
para conseguir atingir a verossimilhança discursiva e a
poética.

160
Roza de Oliveira
Poemas
Avulsos

PRIMAVERA Se, de repente as flores criam asas…


Não é verso-fantasma! – é borboleta!
Todo ser tem seu tempo de expressão.
Baila a ave se a vida é movimento, VERSOS LIVRES
E canta quando a vida é uma canção,
Seja na alegria ou no tormento.
INSTANTÂNEO
A primavera é um festival de vida.
Da planta sai poesia colorida: Sempre que me inauguro
Poesia-flor que transborda docemente em teu sorriso
O prazer de ser fruto e ser semente. sinto tocar de leve
o Paraíso
Cada flor tem seu verso e sua rima
Nas florestas, nas praças e nas casas, METAMORFOSE
Do amor é poesia cristalina!
Dentre as setas
E na expressão que vitaliza esse planeta com que me feres

161
eu forjarei a Agulha de estrelas, de andorinhas!
com que bordarei a tela
da minha noite escura. Minha cama é uma nuvem,
Nela tecerei minha mesa – a lua cheia.
a Estrela que nos guia O vento – é o meu cavalo!
com mãos de ternura Sou turista do infinito!

RELÓGIO DE SOL RELÂMPAGOS DIVINOS


Relógio de sol Relâmpagos luzindo em noite escura
Eu sou. em seus corcéis de luz aurifulgente,
Nuvens e trevas anunciais de forma rica e pura
Rejeitando vou… um mágico saber – clarividente!
Só registro as horas
Em que o sol brilhou Telegramas de luz cuja linguagem
computador nenhum pode gravar
CASA ONÍRICA e, presciente dessa luz-imagem,
só o poeta a sabe decifrar.
Bem no pico dos meus sonhos
construí minha morada, Bendito seja tal conhecimento
sem paredes, sem telhados, que em seus raios de luz, força e verdade
sem limites nos seus lados. emerge dos arcanos de uma alma.

Bem que o telhado varia. E, assim sendo, relâmpagos divinos


Varia conforme o dia: trazeis da criação a tempestade
há telhado de gaivotas, que me compensará com paz e calma.

162
Academia Pedralva
Letras e Artes

A Academia Pedralva Letras e Artes foi fundada em inteligentes, agradáveis, bem-humoradas, durante as
20 de fevereiro de 1947 por Pedro Batista Manhães, quais eram servidos café e refresco amigos. Pedro foi
Almir Soares e pelo professor Walter Siqueira na cidade sempre um gentleman.
de Campos dos Goytacazes, situada no norte do estado A academia cresceu e por motivos vários, passou a
do Rio de Janeiro. realizar as suas reuniões no escritório do advogado e
Foi numa oficina de bicicletas, de Hermann Lessa, na intelectual Walter Silva, pedralvense, no antigo Edifício
antiga Rua Barão de Cotegipe, atual Governador Bartholomeu Lysandro (também conhecido por edifício
Theotônio Ferreira de Araújo, onde funciona hoje a d’A Brasileira). Mas não ficou por muito tempo.
firma Neves e Irmãos, que nasceu a idéia da fundação Crescendo e se projetando cada vez mais, a Pedralva foi
da Academia Pedralva, formada pelas iniciais de seus abrigada pela Associação de Imprensa Campista (AIC),
três fundadores, poetas Pedro Baptista Manhães, Almir entidade pronta a atender às iniciativas comunitárias,
Maciel Soares e Walter Siqueira, todos, na época, em particular às culturais. Retornando, mais tarde, a se
jovens, inspirados e entusiastas pela poesia. reunir na oficina de bicicletas, em outro endereço.
Mais tarde, já fundada, a Pedralva começou a se Na sede da AIC, a Pedralva, que contava também
reunir efetivamente na residência do poeta-fundador com jornalistas pedralvenses, realizou importantes e
Pedro Manhães, na Rua Conselheiro José Fernandes memoráveis reuniões e solenidades, com a participação
(ex-Rua dos Bondes), em frente à Primeira Igreja de intelectuais campistas e visitantes e a presença
Batista de Campos, com a presença de dezenas de constante de convidados e populares.
poetas, trovadores e cronistas da terra. Eram reuniões

163
Com o passar do tempo, por exigências estruturais, a Oswaldo Lima), graças ao ex-prefeito Raul David
entidade passou a se chamar Academia Pedralva – Linhares Corrêa e mantida pelos prefeitos posteriores.
Letras e Artes, editando livros e boletins, realizando Foram presidentes, segundo arquivo, os
palestras e conferências, programação de intercâmbio pedralvenses Walter Siqueira (o poeta), Pedro Manhães,
literário e a saudosa criação dos Salões Campistas de Walter Silva, Latour Neves Silva Arueira, Ebenézer
Trovas, de dois em dois anos. Soares Ferreira, Herbson da Rocha Freitas, José
Os salões de trovas marcaram época, desde a sua Ferreira da Silva, Adamastor Barros da Cunha, Waldir
instituição em 1959. Até o último, em 1993, foram Pinto de Carvalho, José Florentino Salles e Heloísa
abordados os mais variados temas, contando Helena Crespo Henriques.
invariavelmente com a participação de trovadores locais, A APLA tem hoje a administrá-la o cronista José
nacionais e internacionais. Nesses períodos de Gurgel dos Santos, empossado em 2008. Nomes como
realizações trovadorescas, a Pedralva trouxe a Campos, os de José Viana Gonçalves, Aldiney de Souza Sá, Carlos
para palestras, manhãs, tardes e noites de autógrafos, Augusto Souto de Alencar, Geraldo Ferreira da Silva,
lançamentos de livros e outras iniciativas, renomados Manoel Junqueira e Elias Rocha Gonçalves compõem a
nomes da cultura, como J. G. de Araújo Jorge, Hélio atual diretoria pedralvense.
Teixeira, João Felício dos Santos, Vitor Visconti, Lourdes
Povoa Bley, Aparício Fernandes, Zalkind Piatigorsky, Eis, em síntese, uma micro-história da Academia
Alice de Oliveira, Jacy Pacheco, Pedro Paulo Gavazzoni, Pedralva Letras e Artes, que toda Campos dos
Nabor Fernandes, Raul de Oliveira Rodrigues, Navega Goytacazes conhece e admira pelos seus trabalhos
Cretton, Alípio Mendes, Aurélio Buarque de Hollanda, culturais. Por fim, como muito bem disse, certa vez, o
Herberto Sales, entre muitos e muitos outros. Os salões poeta Walter Siqueira, “o sonho de Almir Soares não se
deixaram de ser realizados por questões financeiras. desfez com a sua morte: materializou-se na Academia
que ele desejou ver triunfar e recebeu o cognome feliz
A Academia Pedralva possui 40 cadeiras. Há 62 anos de “Casa de Almir Soares”.
ininterruptos difunde a cultura campista pelo Brasil. Foi
fundada em 20 de fevereiro de 1947, com sede no
Palácio da Cultura (Fundação Cultural Jornalista

164
Acadêmicos
Cadeira no. 06
Cadeira no. 01 Patrono Antônio Arêas Júnior
Patrono Alberto Ferreira 1º. Ocupante Rosa Maria Soares
1º. Ocupante José Florentino Salles 2º. Ocupante Pedro Paulo Caputti
3º. Ocupante Carlos Augusto Souto de Alencar
Cadeira no. 02
Patrono Alberto José Sampaio Cadeira no. 07
1º. Ocupante Andral Nunes Tavares Patrono Dalton Guimarães
2º. Ocupante Waldir Pinto de Carvalho 1º. Ocupante Hernon Viana
3º. Ocupante Thelmo Lopes Albernaz 2º. Ocupante Mário de Barros Wagner
3º. Ocupante Fernando Siqueira
Cadeira no. 03 4º. Ocupante Aldiney de Souza Sá
Patrono Alberto Frederico de Morais Lamego
1º. Ocupante José Moreira Machado Cadeira no. 08
2º. Ocupante José Gurgel dos Santos Patrono Horácio Souza
1º. Ocupante Ubirajara Cruz
Cadeira no. 04 2º. Ocupante José Ferreira da Silva
Patrono Alcides Carlos Maciel 3º. Ocupante Jayro Rodrigues Faria
1º. Ocupante Joel Maciel Soares
2º. Ocupante Jaélzia Denise Barreto Crespo Rangel Cadeira no. 09
Patrono Everardo Tinoco
Cadeira no. 05 1º. Ocupante Lucas Vieira Neto
Patrono Anthero Ferraz Manhães 2º. Ocupante José Ramos Bernardes Pinheiro
1º. Ocupante Murilo Abreu Henrique 3º. Ocupante Ruy Alves
2º. Ocupante José Marques 4º. Ocupante Carlos Luiz Azevedo Allemand
3º. Ocupante Sueli Maria Vasconcelos de Azevedo 5º. Ocupante Sônia Vasconcelos Tavares
Petrucci

165
Cadeira no. 10 2º. Ocupante Marília Bulhões dos Santos Carneiro
Patrono Joaquim Laranjeira
1º. Ocupante Vero Baptista de Azevedo Cadeira no. 15
2º. Ocupante Jonas Lopes de Carvalho Patrono Oswaldo Tinoco
3º. Ocupante Anete Rodrigues Carneiro 1º. Ocupante Pedro Marins Rangel
4º. Ocupante Amy Barbosa Costa 2º. Ocupante Joel Ferreira Mello

Cadeira no. 11 Cadeira no. 16


Patrono Latelbe Barroso Patrono Péricles Maciel
1º. Ocupante Walter Silva 1º. Ocupante Herval da Silva Coutinho
2º. Ocupante Eloy Barreto 3º. Ocupante Nísia 2º. Ocupante Amaro Prata Tavares
Campos 3º. Ocupante Ignácio Gonçalves de Azevedo

Cadeira no. 12 Cadeira no. 17


Patrono Mário Barroso Patrono Rufino Carneiro
1º. Ocupante Décio Aquino 1º. Ocupante Pedro Dias de Carvalho
2º. Ocupante Genaro Teixeira Vasconcelos 2º. Ocupante Alceir Maia Mendonça
3º. Ocupante Jahel Ramalho Pereira
4º. Ocupante Neiva de Souza Fernandes Cadeira no. 18
Patrono Silvio Fontoura
Cadeira no. 13 1º. Ocupante Prof. Walter Siqueira
Patrono Narcisa Amália de Campos 2º. Ocupante Luiz Omar Amerio Monteiro
1º. Ocupante Gercy Pinheiro de Souza
2º. Ocupante Luísa Lins Costa “Lysa” Castro Cadeira no. 19
Patrono Thecilia Cruz
Cadeira no. 14 1º. Ocupante Vilmar Ferreira Rangel
Patrono Mário Fontoura
1º. Ocupante Pedro Batista Manhães

166
Cadeira no. 20 1º. Ocupante Plinio Bacelar da Silva
Patrono Tomé da Costa Guimarães 2º. Ocupante Oldemar Pimentel Tavares
1º. Ocupante Pedro Gomes Nogueira 3º. Ocupante Helio Bulhões Mayerhofer
2º. Ocupante Carlos Rodolfo Ferreira da Rocha
3º. Ocupante Vitória Rangel França Cadeira no. 26
Patrono Ulysses Martins
Cadeira no. 21 1º. Ocupante Coriolano Henriques da Silva
Patrono Phocion Serpa 2º. Ocupante Dr. Walter Siqueira
1º. Ocupante Ebenézer Soares Ferreira
Cadeira no. 27
Cadeira no. 22 Patrono Joaquim de Melo
Patrono Aloísio Faria 1º. Ocupante Afrânio Maciel
1º. Ocupante Floriana Eloy Ribeiro 2º. Ocupante Manoel Junqueira Vieira
2º. Ocupante Jairo de Souza Pontes
3º. Ocupante Paulo Muylaert Tinoco Cadeira no. 28
4º. Ocupante Gil Wagner Quintanilha Patrono Campos Sobrinho
1º. Ocupante Gastão de Barros Wagner
Cadeira no. 23 2º. Ocupante Sérgio Soares Fernandes
Patrono Gastão Machado 3º. Ocupante Vera Lúcia Gonçalves Manhães Moço
1º. Ocupante Latour Neves Silva Arueira
2º. Ocupante Celso Cordeiro Filho Cadeira no. 29
Patrono João Antunes de Freitas
Cadeira no. 24 1º. Ocupante Herbson da Rocha Freitas
Patrono Claudinier Martins
1º. Ocupante Orávio de Campos Soares Cadeira no. 30
Patrono Belo da Gama Bilot
Cadeira no. 25 1º. Ocupante Denancy de Melo Anomal
Patrono Silvio Cardoso Tavares 2º. Ocupante Geraldo Ferreira da Silva

167
Cadeira no. 31 Cadeira no. 36
Patrono Abelardo N. Vasconcelos Patrono Júlio Nogueira
1º. Ocupante Antonio Miguel 1º. Ocupante Nilo Terra Arêas
2º. Ocupante Roberto Pinheiro Acruche 2º. Ocupante Antonio Morgado Pinto
3º. Ocupante Hyran Tinoco Botelho
Cadeira no. 32 4º. Ocupante Aylton Damas dos Santos
Patrono Antonio Sarlo 5º. Ocupante Heloísa Helena Crespo Henriques
1º. Ocupante Constantino Gonçalves
Cadeira no. 37
2º. Ocupante José Carlos Fontes
Patrono Laert Chaves
3º. Ocupante José Viana Gonçalves
1º. Ocupante Antônio Roberto Fernandes
Cadeira no. 33 Cadeira no. 38
Patrono Átila Moreira Patrono Manoel Ferreira de Souza
1º. Ocupante Octacílio Cruz Peixoto 1º. Ocupante Paulo Muylaert Tinoco
2º. Ocupante Manoel Leandro Filho 2º. Ocupante Manoel José de Assis
3º. Ocupante Eduardo Augusto de Souza 3º. Ocupante Haroldo Werneck
4º. Ocupante Elias Rocha Gonçalves 4º. Ocupante Agostinho da Conceição Rodrigues
Filho
Cadeira no. 34
Cadeira no. 39
Patrono João Barreto da Silva
Patrono Thiers Cardoso
1º. Ocupante Elmar Rodrigues Martins
1º. Ocupante Artur Gomes Abreu
2º. Ocupante Walnize Carvalho de Lemos
2º. Ocupante Wellington Paes
Cadeira no. 35 Cadeira no. 40
Patrono João Batista Tavares da Hora Patrono Thiers Martins Moreira
1º. Ocupante Edson de Souza Neto 1º. Ocupante Jerônimo Ribeiro
2º. Ocupante Ana Lúcia Rodrigues Gomes 2º. Ocupante Adamastor Barros da Cunha

168
Isabel Furini
O Poder do
Livro

O relógio de pêndulo deu oito badaladas. Um som ligou o computador e disse “bom dia” para o senhor
metálico vibrou no ar. Roberto entrou na sala, colocou o Roberto.
paletó escuro e desbotado no espaldar da cadeira e – Dona Irineia… pode vir… – pediu ele.
sentou-se. Vestia uma camisa branca, com o colarinho
gasto e um pulôver já fora de moda. Olhou o relógio. Dona Irineia entrou, abriu as cortinas. Um raio de sol
Um relógio enorme, antigo, de madeira escura e entrou pela janela de vidro, atravessou a metade da
lustrosa, herdada do avô. Depois consultou seu relógio sala e caiu como uma torrente de luz sobre a
de pulso. Tinha a sensação de que um dos relógios escrivaninha de ébano escuro, cheia de papéis, livros,
estava defasado alguns segundos. canetas, contratos. Roberto estava sentado diante da
escrivaninha, na cadeira alta com espaldar de veludo
Dona Irineia saiu do elevador apressada e avançou vermelho. Às suas costas, o retrato antigo de seu avô,
rapidamente pelo corredor. Abriu a porta. Na parede, Florêncio, fundador da Editora RT.1.
um cartaz que dizia: “ PROIBIDA A ENTRADA A
AUTORES” em letras grandes e, em letras pequenas: Nos cantos da sala, caixas enormes, abertas, onde
“Deixe seus originais na portaria”. Entrou na recepção, Irineia, todos os dias jogava, com indiferença, os
originais que vinham pelo correio. Jogava os sonhos, as

169
esperanças, as fantasias, as suposições, as ambições Tantos anos na Editora deram-lhe uma firmeza
dos autores nas caixas de papelão. Cérebros, corações, inigualável.
fígados com vesículas apodrecidas de tanta ansiedade – Dona Irineia…. – chamou o patrão.
na busca da fama ou do reconhecimento. Ela jogava
tudo nas caixas de papelão. – Sim, senhor – respondeu ela, enquanto se
levantava, empurrando a cadeira.
Irineia pegou uma faca grande, com o cabo forrado
em couro marrom e começou a abrir os pacotes do Ele respirou profundamente e disse com raiva:
correio. Chegavam originais de todos os tipos e de – Essa febre de escrever tomou conta da população!
todos os cantos deste enorme país. Romances, novelas, Todo mundo quer escrever, é irritante!
contos, crônicas, monografias, teses, livros técnicos e
Roberto acomodou os óculos grossos sobre o nariz
poesias. Chegavam obras dos lugares mais recônditos,
proeminente e alisou seus cabelos grisalhos, longos e
das grandes cidades, do campo e dos povoados.
oleosos.
Povoados que Irineia mal conseguia localizar no mapa e
nem sabia que existiam. – Por favor – pediu Roberto, acendendo um cigarro –
Isto é ridículo! Este cara já enviou mais de dez livros…
Roberto pegou alguns originais para análise. Sua
Soltou a fumaça do cigarro no ar. – Ele ainda não
forma de escolher os livros que seriam publicados no
entendeu que nunca vou publicar suas obras? Quando
semestre era, no mínimo, peculiar, para não dizer que
vir este nome no envelope nem abra. Jogue fora!
era uma maneira estranha, extravagante, ou
simplesmente, insana. O editor comum obedece a Irineia disse que enviaria a carta padrão. Carta
padrões de modernidade, originalidade, gosto popular padrão consistia num modelo, onde a obra do escritor
ou elementos como mudança de perspectiva, quebra de era elogiada e a Editora pedia desculpas por não poder
tempo, jogo de palavras, ironia, tipos de discursos e incluí-la, falta de espaço na programação. Isso evitava
outros. processos e discussões intermináveis com autores
inconformados.
Roberto era diferente. Como um alquimista em busca
da pedra filosofal, Roberto colocou pó de enxofre nos Leu uma página e ficou irritado, “vejo um escritor de
dedos das mãos e manuseou as páginas de um pulso vacilante, tentando contar uma história, mas sem
romance, abrindo-o ao acaso. Leu um parágrafo. técnica suficiente. Um trabalho superior a suas forças,

170
megalomaníaco” pensou. – Não é suficiente ter uma Ainda lembrava seu avô dizendo: Existem dois tipos de
história interessante, deve ser bem contada. Deve ser: editores, os editores alquimistas que procuram a pedra
“Alento de fogo.” Dona Irineia colocou novos livros filosofal das palavras e os editores alquimistas que
sobre a escrivaninha: “Sonhos”, “Heróis do presente”, procuram simplesmente o ouro filosofal. Ele era do tipo
“A Morte de Joana” “Chuva no telhado” e “Mundo em um.
guerra”. Roberto empurrou os óculos grossos de Seu avô tinha ideado um método infalível de
armação preta e enfiou o nariz nos originais de “Heróis classificar os originais. Tinha relação com o elemento ar.
do Presente”. Gás Bucal, murmurou. Talvez porque o avô Florêncio fosse de um signo de ar,
Fechou o livro e voltou a abri-lo. Leu um parágrafo. Gêmeos. E toda sua vida tinha acreditado no destino e
Fechou e tornou a abri-lo pela terceira vez. nas estrelas.
Não, eu estava certo na primeira classificação: Gás O método era o seguinte: Ruim, D – Gás estomacal.
Bucal. Anote, dona Irineia, Heróis do Presente, é Gás Bom – C: Gás bucal – Provinha da boca. Muito bom: B –
Bucal. Corrente de vento chega à garganta. Excelente: A – Gás
Sempre falava para a secretária qual tinha sido sua Pulmonar . Obras de grande qualidade chegavam
avaliação. Fazia anos que ela trabalhava para ele e já poucas. Extraordinário: AAA- ALENTO DE FOGO – O
não sabia viver sem sua presença calada e submissa. Só fogo do corpo e da alma.
uma vez Irineia levantara a voz, dois anos atrás, para Poucas obras “Alento de Fogo” havia recebido na vida.
defender um livro de amor e traição. Nunca antes, Na realidade, só recebera duas. Há trinta anos, seu avô
nunca depois. ainda era vivo, quando receberam uma obra Alento de
Pegou o livro “Chuva no Telhado” – Roberto deixou Fogo. O avô Florêncio estava doente, mas ao ler o texto
fluir os originais encadernados em cor cinza pelas mãos recuperou-se totalmente e viveu mais cinco anos, com
sensíveis. Passou os dedos pelas bordas e o abriu. Leu muita energia e vitalidade..
uma página, este é pior. – Só o Alento de Fogo pode dar a vida… ou a morte…
Nos últimos três meses, só os originais de “Lago em – disse o velho.
Sombra” tinham sido aceitos para edição. Roberto tinha, Dez anos atrás tinha reconhecido, ele sozinho, outra
à semelhança dos alquimistas, a busca incansável. obra Alento de Fogo. Foi fascinante. A cada página que

171
lia recuperava a vitalidade. Fez uma viagem ao redor do Roberto também escrevia. Ler e escrever. Escrever e
mundo. Nada de hotéis caros, de shoppings nem de ler. Sua vida tinha-se debruçado sobre os livros. Sua
restaurantes chiques. Caminhou pelas areias do deserto. vida tinha-se esgotado entre letras impressas e folhas
Escalou as pirâmides, dançou na Ilha de Páscoa diante de papel. Os livros inéditos se pareciam. Eram como
dos vigias. almas sem corpo. Todos pareciam iguais: papel branco
Foi feliz durante dois anos. Mas a energia do alento oficio ou A4, letra New Roman ou Arial, corpo doze,
também se esgota. Desde então, só procura o Alento. duplo espaço.
Há anos que traz os óculos grossos que escondem o Originais ruins que chegavam a suas mãos eram
desespero de sua alma na procura de um livro especial. jogados no lixo. Não lia. Só abria três vezes o livro.
Um livro que o tire da monotonia, da mesmice, das Abria o livro, lia uma página e anotava a classificação.
preocupações, do vazio da vida. Um livro revelador de Abria de novo e lia dois parágrafos. Abria-o, pela
um mundo paralelo que fale de suas expectativas, de terceira vez e só lia um parágrafo. Ele dava três chances.
seus sonhos, acertos e fracassos. Só três, para cada candidato.
Roberto procurava na literatura, na palavra, a antiga Originais ruins eram jogados no lixo. Não lia. E não
arte da transmutação da mente. Arte anterior às era por falta de tempo. Nem por preguiça. Não lia
técnicas da mente positiva ou da neurolinguística e porque lhe fazia mal, como a carne gordurosa o
outras ervas, que no seu entender, vendiam fantasias… intoxicava. Intoxicava sua alma, embotava seus
das boas e das ruins, e algumas dessas fantasias eram sentidos. Em síntese, diminuíam o ciclo de vida de
terrivelmente nocivas à alma. Roberto.
Roberto procurava na literatura a arte de entender o Para Roberto, não ler lixo não era modismo, capricho,
mundo. E a vitalidade para continuar a viver. A nem uma forma de esnobar a literatura. Era
vitalidade que tinha perdido nos longos dias de leitura, sobrevivência. Teve terríveis experiências, um livro mal
na luta constante para analisar os textos com justiça. A escrito aumentava sua úlcera, desregulava os
análise e a luta com os textos sugaram sua energia. No movimentos de diástole e sístole de seu músculo
fragor da contenda ficou míope e não conseguia cardíaco.
enxergar a beleza da vida. Poucos sabiam que o alimento de Roberto era a
literatura. Não só o alimento de sua alma, mas até certo

172
ponto, a literatura era também o alimento de seu corpo. – Panela de pressão! – exclamou José e soltou uma
Até suas vísceras precisavam de leitura. Uma página forte gargalhada que atravessou
ruim que lia, e seu corpo parecia desmembrar-se. o ar e bateu no relógio. O relógio deu algumas
– Hoje não estou com sorte – pensou, enquanto badaladas, longas, sem compasso, arrítmicas.
terminava de ler o parágrafo. Só achou um livro No dia seguinte, o céu nublou-se, a chuva bateu
C. Classificação A e B, lia do princípio até o final. Os sobre os vidros da janela. Roberto continuara lendo.
outros não, questão de saúde. Três dias depois, voltou a sair o sol.
Ao final da tarde, recebeu a visita de seu primo José, Nesta quinta-feira, Roberto chegou à Editora às 8 da
dono de uma grande editora manhã, como era habitual.
– Importa-se demais com qualidade, Roberto – A luz estava acesa. Entrou. Dona Irineia estava de pé,
recriminou-o – Marketing. Agora tudo é marketing. Eu falando com uma senhora baixinha e muito magra, de
dou para o departamento de marketing ver as cabelos brancos unidos no alto da cabeça por um coque,
possibilidades de venda, a gente nunca sabe quando ao estilo das avós antigas. Vestia com elegância uma
tem um best-seller nas mãos… blusa azul, com pequenos desenhos vermelhos e uma
– Lembra de nosso avô Florêncio? calça azul marinho.

– Você sempre foi o neto preferido dele. – A senhora é autora – disse Irineia, sem jeito.

– Vô Florencio sempre dizia que um livro é como uma – Bom dia, Senhor . – disse a velhinha, fitando-o com
panela de pressão. Tem ar quente… entende, José? seus olhos azuis, intensos.
Todo livro tem um ar… um alento… o livro ruim é como – Meu nome é Maysa – apresentou-se e estendeu-lhe
uma panela de pressão com ar gelado, esfria o sangue a mão direita para cumprimentá-lo, enquanto com a
nas veias, pois não foi purificado pela arte. Panela de esquerda apertava os originais.
pressão apitando, enfumaçando, é sinal do fogo do – A senhora não sabe ler? – perguntou Roberto, de
artista. Esse fogo fica impregnado em cada página, em forma ríspida, cruzando os braços.
cada parágrafo, em cada frase, em cada canto do livro.
– Sei, claro que sei ler – disse ela recolhendo o braço
e pegando o livro com ambas as mãos.

173
– Pois veja, então, minha senhora! – gritou Roberto, – Está bem – disse ele, num gesto resignado, como
abrindo a porta e assinalando o cartaz – Autores: um capitão depondo as armas.
Proibida a entrada. Roberto abriu o livro. Começou a ler a página, o
– Senhor Roberto – disse Irineia, tentando ajudar a primeiro parágrafo e nas solas de seus pés sentiu um
velha senhora – eu a deixei entrar, ela só quer falar comichão. Segundo parágrafo e um calor começou a
sobre o livro. Ficou anos escrevendo e… subir de seus tornozelos. Apertou o estômago, o
Roberto interrompeu sua fala. Pode deixá-lo… batimento cardíaco chegou à garganta e
transformou-se em admiração e em silêncio. Antes de
Abriu a porta, entrou e sentou-se em seu lugar. Pela terminar a página, viu um espírito, um dragão vermelho
porta entreaberta, viu que a velha continuava em pé, e preto. Um dragão enorme, que devorava as florestas
imóvel. da dúvida, derrubava as montanhas da presunção e
– Fora daqui – disse entre dentes – fora, velhinha, arrasava os vales da mediocridade.
fora. Eu não edito biografias de mortos ilustres, não – Uma obra prima! – tentou gritar, mas não
edito livros de tricô, nem receitas culinárias. Escutou a conseguiu. Sentiu um estouro na garganta… ou foi no
velha despedir-se e o ruído da porta fechando-se. peito? Eram cinco horas e o relógio de pêndulo
Roberto colocou enxofre nas pontas dos dedos e abriu começou a dar a primeira badalada.
um livro. Buscava a cada dia a áurica dos alquimistas, o
mercúrio. Roberto sentiu que seu peito doía. Era uma dor
dilacerante. Levou as mãos ao coração . Oh, Deus,
– Posso entrar? – perguntou dona Irineia. pensou, e sentindo a morte chegar, não lamentou sua
Roberto ficou impressionado. Raramente ela entrava busca. Não os anos perdidos diante da escrivaninha,
sem ser chamada. nem a janela fechada onde nunca entrava o vento. Não
lamentou ter ficado sem amigos, em ter sido
– Peço que o senhor avalie este livro, por favor,
abandonado pela esposa. Não lamentou ser
senhor Roberto. Não tomará muito de seu tempo. Faça
considerado estranho ou louco. A única coisa que
esse favor para mim – e colocou o livro sobre a
lamentava era ter que partir da terra sem poder
escrivaninha.
terminar de ler originais com

174
“Alento de Fogo”. Alento de fogo, alento de fogo, Irineia… Irineia…. – disse com voz quase carinhosa.
repetia. Abriu novamente o livro e tentou ler… Irineia, estou lendo e pensando… já somos quase
– Alento de Fogo! – gritou. Abriu os olhos e a boca e o velhos, Irineia, passamos tantos anos trabalhando
espírito do livro, o dragão invisível, transformou-se juntos… tantos anos. Olharam-se em silêncio.
numa bola de fogo incandescente, foi arremessado de – Quero dar a volta ao mundo. Quer viajar comigo,
seu corpo e jogou-se sobre os originais do livro. Seu Irineia?
rosto caía pesadamente sobre a escrivaninha, enquanto – Como sua secretária?
seu espírito livre revoava sobre a mesa, nas asas do
dragão. A asa esquerda do dragão bateu na janela, – Sim…Não! Não! Viajar comigo…. você sabe… você
quebrando o vidro. Entrou uma lufada de ar. Respirou sabe, Irineia… Nós nos damos bem… nós gostamos dos
profundamente. Esse ar que entrava pelo vidro mesmos livros…. vamos envelhecer sozinhos…. e
quebrado lhe fazia bem, muito bem, devolvia-lhe a envelhecer sozinho, é tolice, não acha? Vamos
vitalidade. compartilhar nossos últimos anos? O que diz, Irineia?
Abriu os olhos. – Vou chamar um médico – disse Irineia chorava como uma criança que, no Natal,
Irineia. ganha um presente inesperado de Papai Noel. Só
conseguiu enxugar as lágrimas. E sorrir.
– Não, não… estou bem. Só preciso ler.
Conto de Isabel Furini, recebeu Menção Honrosa no
Irineia olhou-o com assombro. Roberto abriu o livro e Concurso de Contos Paulo Leminski, de Toledo.
leu a primeira página. Sorriu.

175
Andréa Motta
Folhas
Soltas
ESCRITOR entre os dedos
escapa
Para ser escritor não basta sou tão breve
vestir-se de palavras como breve
há de despir-se da própria pele. é a vida.

AREIA NAQUELA CASA DA ESQUINA

nessa areia branca Naquela casa da esquina


desenho meu passado ao cair das tardes, reunem-se os intelectuais,
e busco no vento as prostitutas e os desocupados do meu bairro.
arrimo ao futuro Chegam aos grupos ou desacompanhados.

fujo dos ditames Aos poucos ao solo solitário d’um violão


e regulamentos mistura-se um bulício de vozes.
Ao verde das paredes incorpora-se euforia,
nessa areia branca talvez nostalgia. A tristeza fica do lado de fora.
onde o tempo

176
Naquela casa da esquina
os quitutes saborosos D’onde emergem sorrateiras verdades
juntam-se à poesia e à vadia. O mar não aniquila nem suga, sustenta.
O que era happy hour invade a madrugada.
Não tenho voz, tenho uma força que impele
Até que os olhos fiquem embaçados, endorfina da palavra viandante que não disfarça,
as vozes embargadas oscila, é verdade, feito areia solta pela brisa
e o violão se cale. [assinalada pelas horas].

Mas nunca há silêncio Não tenho voz, em resposta ao tempo


naquela casa da esquina, há uma força que impele e medra,
ali moram os pássaros do meu bairro. exorciza medos como ficção bordada
[na safira dos olhos].
Mal o dia amanhece
mansamente iniciam nova cantoria. HAIGATOS
A alegria reside
naquela casa da esquina. Miado forte ecoa.
Um gato maracajá
RESPOSTA AO TEMPO do caçador foge.

Silhuetas delineadas a pó de arroz Um gato selvagem


rasgam o oculto do espelho nascido no cativeiro.
não tenho voz Raça preservada.

apenas o vento esvoeja no tempo Noite de inverno,


cerrado pelas minhas mãos vazias. um vulto acorda a menina.
Gatinha em vigília.
Nas profundezas do silêncio
o reflexo duma floresta de algas
[avermelhadas]

177
TEMPO Oh tempo implacável
voa nas teias leves
Cada momento ultrapassa espalha teus ardis
no ensejo da lida ganha os céus
ao som dos impasses e suas cores
trilhas de despedida espanta o gris
Assumo sou caiçara! desta manhã

TEMPLO IMPLACÁVEL se preciso for


deixa teu próprio
voa ao vento tempo
vai carregar os bons ventos
oh tempo toda paz
faz da vida todo amor
um belo templo
dentro desta canção VISITA
se puderes Recebo-te de braços abertos
tempo amigo para que me possuas sobre
me leva contigo as rochas plantadas sob meus pés.
clareia meu destino Vens assim, agitado espumante
mostra-me as pedras
e as regras do caminho verde-azul-branco-verde- branco
muito branco azul azul azul
vai pigmentas minh’alma e sentes
oh tempo meu gosto de destino
faz da vida
um belo templo Vens agora e
dentro desta canção me levas às tuas areias profundas
onde minha pele confunde-se com a tua

178
sem inúteis explicações É PRA TI QUE ESCREVO
Sem timidez Mote: Porque tu deixas em mim tanto de ti
ou resistência Pedro Abrunhosa
recebo-te nos meus sonhos
vens viver as minhas fantasias É p’ra ti que escrevo, nesta manhã chuvosa
porque tu deixas em mim tanto de ti
Vens e me beijas me fazes sentir tua alma no balanço das folhas,
(os pés!) no vôo irrequieto das andorinhas
as mãos
encharcas meus cabelos É p’ra ti que escrevo, no reflexo do espelho
ensopas-me, devoras-me pois é na inversão da imagem que teus dedos sorriem
porque tu deixas em mim tanto de ti
azul-branco-verde-azul no silêncio das madrugadas.
muito azul verde verde verde
envolves-me em tuas águas Porque tu deixas em mim tanto de ti,
festejando o encontro ritmado é p’ra ti que escrevo, por acreditar que além da mente
o corpo também voa, e cada passo deixa de ser
Dos braços – toques um sonho cruel no rastro de teus segredos.
das pernas – abraços
da pele dos poros – arrepios Porque tu deixas em mim tanto de ti,
verde azul branco azul azul azul é p’ra ti que escrevo, para te dizer que aprendi
com este misto de saudade e ansiedade impregnada
Vens, na ausente presença delineada na janela embaçada.
recebo-te em mim
mar mar atlântico! É p’ra ti que escrevo, na fechadura do instante,
meu mar..verde azul azul azul. porque tu deixas em mim tanto de ti
na tua voz rebelde de poeta, no desejo apertado
de abraçar o vento e ancorar tua nau inquieta.

179
Porque tu deixas em mim tanto de ti, é p’ra ti que escrevo de desejos e medos.
para que saibas que no leito das tuas palavras Quem é?
eu me deito e encontro sossego, seco meu pranto
e adormeço na saliva que do teu peito brota. NOITE
É p’ra ti que escrevo Anoitece em tons vibrantes
para desvendar tua teia sagrada prenuncio de noite fria
para entender por que tu deixas em mim tanto de ti e geada densa.
porque teces a luz da manhã e preenches meu olhar vazio.
Sombras azul-róseo -amarelo-lilás
ENIGMA deambulam pelos vértices da anima
estancando o tempo – como se isto
Quem é esta sereia fosse possível – fora dos sonhos…
que me habita a cada insônia
e com seu canto lamurioso Seus ponteiros em triangulação indócil
desvenda meu avesso? agasalham-se na sintonia afinada
de pernas e braços
quem é?
encaixe perfeito
Esta mulher oculta aquecendo versos não acabados..
por longas madeixas
que me despe a pele IRREVERÊNCIA
me deflora sem pânico
Na boleia do vento
em querer ora cúmplice do sul ele veio prematuro.
ora cético Inundou o verão
incendeia -me
viscera por viscera.

transformando-me num grande dilúvio

180
BORDANDO ESSÊNCIAS há sim
segredos de passarinhos
Dentro de cada um há um jardim cazuza, metralhadoras
cravos, rosas e camélias, delitos contravenções
há sim.
in(quieta)ções
mão e contramão tantas imperfeições
silêncios e algazarras há sim
há sim
indiferença saudade
um jardim dentro de cada um intuição atrevimento
araucárias, ipês eucaliptos pelo sim e pelo não
uma selva povoada por querubins
há um jardim em cada um

Folclore Popular Árabe


O Menino que Consertou o
Mundo
Um cientista vivia preocupado com os problemas do Certo dia, seu filho de sete anos invadiu seu santuário
mundo e estava resolvido a encontrar meios de resolvido a ajudá-lo a trabalhar. Vendo que seria
minorá-los. Passava dias em seu laboratório em busca impossível demove-lo, o pai procurou algo que pudesse
de respostas para suas dúvidas. atrair sua atenção. Até que se deparou com o mapa do

181
mundo. Com o auxilio de uma tesoura, cortou em vários lugares. “Como seria possível? Como o menino havia
pedaços e, junto com um rolo de fita adesiva entregou sido capaz?”, pensou.
ao filho: – Você não sabia como era o mundo, como conseguiu
– Vou lhe dar o mundo para consertar. Veja se meu filho?
consegue. Faça tudo sozinho. – Pai eu não sabia como era o mundo, mas quando
Pensou que, assim estava se livrando do garoto, pois você tirou o papel da revista para recortar, eu vi que do
ele não conhecia a geografia do planeta e certamente outro lado havia a figura de um homem. Quando você
levaria dias para montar um quebra-cabeça. Uma hora me deu o mundo para consertar, eu não consegui. Foi
depois, porém, ouviu a voz do filho: aí que eu me lembrei do homem, virei os recortes e
– Pai, pai consegui terminar todinho! comecei a consertar o homem que eu sabia como era.
Quando consegui consertar o homem, virei à folha e
Para a surpresa do pai o mapa estava completo. descobri que havia consertado o mundo.
Todos os pedaços haviam sido colados nos devidos

Alice Ruiz
Cristais
Poéticos
EXPECTATIVAS do mesmo jeito
diferente
tudo começa
o que se quebra

182
pesa mais
do que o sonho leva aí, ainda assim
minha saudade
como se o dia te saúda
não passasse e se despede
dessa noite de mim

SAUDAÇÃO DA SAUDADE MINAS


minha saudade ANDAR
saúda tua ida ANDOR
mesmo sabendo ARDOR
que uma vinda AR D’OURO
só é possível PRETO
noutra vida
há muito para subir em Ouro Preto
aqui, no reino mesmo que o tempo tarde
do escuro andar devagar, bem devagar
e do silêncio escalar ruas
minha saudade passo a passo
absurda e muda olhar para o chão
procura às cegas enquanto as montanhas
te trazer à luz impassíveis
disputam nosso olhar
ali, onde é no passar
nem mesmo você que se põe o ardor
sabe mais acima e abaixo
talvez, enfim aos pés, ao céu
nos espere rochas para caminhar
o esquecimento mar de rochas

183
montanhas de pedra
ele veio
há muito para descer em Ouro Preto meio a esmo
o frio das alturas praticamente não disse nada
impregnado desse spleen e ficou por isso mesmo
que não se explica
e a cada passo UM OLHAR
uma lição de paciência
e a cada olhar o poeta me viu
uma lição de silêncio
e a cada casa, porta, beiral bastou um olhar
uma lição de história e pode ver
que aqui perdura a mola mestra
dura, dura rocha da aprendiz
pedra sobre pedra que sou
tudo que aqui se passou
também ficou a escolha que fiz
e fica em nosso passo no avesso e apesar
nessa rua da sorte adversa
a ressoar de não pesar
que a história de ser feliz
é a pré-história
de nós mesmos poeta é quem vê
o que não é de dizer
ARTE DO CHÁ e ainda assim
ainda ontem diz
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo

184
SEM CHANCE Se a vaidade é um erro,
por que nos fez
plantei uva À sua imagem e semelhança?
para o vinho Ou terá sido o contrário?
para as festas
para as passas Por que criar alguém
só deu batatas capaz de duvidar da criação?
Por que nós e ele não?
AO MEU ANJO
BAÚ DE GUARDADOS
luz da manhã
afagada em meu seio Trago, fechado no peito,
apagada em meu céu um baú de guardados.
noite escura
lua de outro sol Joias, gemas e pérolas
que não sei que podem
ofuscar meus olhos.
QUESTÕES III
Pedras, perdas, penas
Se a preguiça é pecado, que conseguem
o que Deus estará fazendo agora? represar meu rio.
Em que se ocupa aquele que tudo pode?
Terá restado algo por fazer Mas basta um som de flauta,
depois que o mundo foi criado? um dedilhar de piano,
o acorde de um violão,
Se o desejo é fraqueza, o cristal de uma voz
Deus nunca deseja? e todas as comportas
Mas se é verdade que nos criou, se abrem
algo nele desejou. e me descobrem
levando de roldão

185
tudo que cabe Muitas lágrimas nasceram,
nesse cofre desvendado, quentes, em liberdade,
o coração. do fundo da intimidade
mais antiga do que elas
Joias, gemas, pérolas, vinda, talvez, de outras eras.
pedras, perdas, penas. Depois trocaram risadas
Brilhos que se confundem olhares telepáticos
no que sou. e o mais enigmático:
Rolam nas águas e me levam uns silêncios eloquentes.
para perto, bem mais perto
de onde estou. São poetas, viu a lua,
talvez para compensar
TRÊS AMIGAS a sensibilidade tão crua
para Maria Lúcia Dal Farra tramando seus fios de prata,
achou de torná-las vizinhas.
Quando se encontraram De lá para cá, quando surge,
cheia, a lua, brilhava alta. mesmo longe, é o mesmo céu,
As faltas do inconsciente em vez de esconder, tira um véu
que a gente da gente esconde e envolve suas almas nuas.
pulsaram na superfície.
Sem ao menos perceber Ignorando distâncias
já estavam no porão em seus raios, compartilha,
vasculhando assombrações segredos e confidências
e vivendo, sem intenção, de amigas, irmãs, mães e filhas.
as lembranças mais sagradas. E tal qual na noite escura,
quando há lua, a solidão,
já não está mais sozinha.

186
A Província do Guairá:
Um pouco da história do
antes de Maringá
Parte II
AS REDUÇÕES JESUÍTICAS primeiras foram erguidas em 16l0: Nossa Senhora do
Loreto e Santo Inácio, na confluência do Pirapó com o
Paranapanema. Em seguida formaram-se muitas outras,
- E deu certo o esquema? entre as quais se destacavam as de São José, São Francisco
- Nem tanto. Os padres chegaram com ordem expressa Xavier, Encarnação e São Miguel, no rio Tibagi; Jesus Maria
do governador e do bispo de Assunção para, em nome do e Santo Antônio, no rio Ivaí; São Tomé e Sete Arcanjos,no
rei, impedir a escravização dos índios. Isso irritou muito os rio Corumbataí; e Santa Maria, no rio Iguaçu, perto das
colonizadores. Habituados a utilizar a mão de obra indígena, cataratas. Compunham, juntas, o que se sonhou ser a
sentiram-se “traídos”, passando então a sabotar o trabalho República Teocrática Guarani.
dos jesuítas. Apesar, porém, dessas dificuldades, foram - Comovente utopia!
implantadas as reduções, umas vinte, ao longo dos rios.
- De fato. Mas vamos em frente: as reduções, que como
- Onde exatamente? eu lhe disse obedeciam a um esquema semelhante ao da
- Distantes cerca de 45 quilometros umas das outras, as Praça Dom Pedro II, de Maringá, tinham ao centro um
reduções eram uma espécie de “municípios indígenas”, grande largo para festas, esportes e outras atividades
formando uma confederação em que os administradores de coletivas; em torno, a igreja, a escola, um salão de oficinas
Ciudad Real e Villa Rica não podiam interferir. As duas e artesanatos, o escritório do alcaide e demais repartições

187
públicas (cabildo, armazém, enfermarias etc.) e, em fileiras, - Os jesuítas eram muito hábeis. Sabiam como
os pavilhões residenciais dos índios, cabendo a cada família conquistar a simpatia dos nativos, a ponto de convencê-los
um aposento com divisões internas feitas de couro e esteira. a andar vestidos. Os homens usavam calções; as mulheres,
No pátio havia ainda um relógio de sol. Em algumas longas saias, embora continuassem pintando o rosto e
reduções, mantinha-se também um alojamento para enfeitando os cabelos com charmosos cocares. Com os
hóspedes eventuais. Nas terras em volta formavam-se as missionários os índios aprenderam técnicas agrícolas e
lavouras e os pastos para criação de gado. pecuárias, aprimoraram-se na produção de tecidos,
- Quem administrava a aldeia? tornaram-se carpinteiros, ferreiros, fundidores, pintores,
escultores. As crianças frequentavam a escola, aprendiam a
- Em cada redução moravam dois ou três padres, que ler e escrever, até em latim…
era ao mesmo tempo sacerdotes, médicos, professores,
catequistas, contabilistas, engenheiros, veterinários, - Como era o regime de trabalho?
agrônomos… A administração geral, todavia, era exercida - Não se permitia a ociosidade, e a disciplina era rigorosa,
pelos próprios índios, que escolhiam, por eleição direta, o mas ninguém trabalhava mais que seis horas diárias,
alcaide (prefeito), o corregedor (encarregado dos assuntos respeitando-se os domingos e os dias santos. Havia tempo
judiciários) e os membros do cabildo (conselho de chefes para o lazer, para o estudo, para o namoro, para as orações,
setoriais). O regime político era uma forma primitiva de como em qualquer sociedade organizada.
socialismo, preservando os costumes tribais. - Muito bonito. Mas não teria sido uma forma de
- Tinham tudo em comum? agressão à cultura original dos índios?
- Edifícios, ferramentas e outros bens pertenciam à - Esse é um assunto bastante polêmico. Discute-se
comunidade. A produção da terra e das oficinas era sobre até que ponto teria sido válida a “ajuda” dos jesuítas.
distribuída de forma equitativa entre as famílias. A Talvez os indígenas tivessem sido mais felizes sem essa
produção excedente era exportada via Assunção, intromissão na vida deles. Quem sabe? Pode-se afirmar,
sobretudo a erva-mate. Com os lucros desse comércio, contudo, a favor dos religiosos, que suas intenções eram
realizavam-se melhoramentos nas aldeias. honestas. A obra que tentaram realizar junto aos guaranis
- E os índios se adaptavam facilmente a essa forma de merece máximo respeito.
vida?

188
OS CAÇADORES DE GENTE tornavam-se escassos: muitos deles fugiam para lugares
- Não deu certo, principalmente, por quê? distantes, os demais estavam envelhecendo e morrendo.
Era urgente renovar a escravatura, e a solução seria buscar
- Durante alguns anos os aldeados prosperaram em nativos no Guairá.
relativa paz. Os espanhóis de Ciudad Real e Villa Rica se
conformavam em manter a seu serviço uns poucos nativos - E foi assim que os bandeirantes se tornaram
preados nas matas e aos quais diziam remunerar na forma “caçadores de gente”…
de alimentação e roupas… como se os índios precisassem - Os primeiros bandeirantes eram portugueses arrojados
disso. Era um modo disfarçado de escravizá-los. A maior e ambiciosos que vieram para o Brasil atraídos pelo sonho
ameaça, entretanto, eram os portugueses de São Paulo, do enriquecimento rápido. Despertando neles a sede do
que à caça de índios penetravam seguidamente a região do ouro, Portugal usava-os para expandir seu domínio em
Guairá Vinham pelos rios ou pelo Caminho do Peabiru. terras brasileiras e conquistar parcelas do chão espanhol
- O Tratado de Tordesilhas não vigorava mais? além da linha de Tordesilhas. Como a essa altura já
estavam todos desiludidos da esperança de encontrar
- Portugal e Espanha estando na época sob o mesmo rei, montanhas de ouro, prata e esmeralda nos sertões a
o Tratado foi mais ou menos esquecido. Alinha divisória era sudoeste de São Paulo, a nova forma de lançá-los mata
facilmente “furada”, de um lado e de outro. Os castelhanos adentro era incentivá-los a caçar outro “tesouro”, os nossos
tentando conquistar a costa leste e os lusitanos invadindo o irmãos índios, altamente cotados no mercado de escravos.
sertão. Em 1607, Manuel Preto, um terrível sertanista, já
estivera nas matas do Guairá. Consta que até 1612 os - Os donos da terra transformados em “ferramentas de
paulistas já haviam levado daqui uns 5 mil nativos. trabalho” dos invasores…

- O senhor disse que havia uma lei proibindo a - Durante vários anos os bandeirantes vasculharam as
escravização de índios… florestas do Paraná. Nas primeiras incursões não lhes foi
muito fácil pegar os nativos: tinham de usar diversos
- Ocorre que Madri estava muito longe para fiscalizar o artifícios, como, por exemplo, oferecer presentes,
cumprimento da lei. Por outro lado, os fazendeiros paulistas embebedá-los com cachaça e depois acorrentá-los.
enfrentavam grave crise: sem mão de obra indígena, Passaram então a botar “olho gordo” nas reduções, em
diziam sem impossível prosseguir a colonização. Até cada uma das quais viviam perto de 4 mil índios. Bastaria
ameaçaram abandonar as terras. No litoral os índios

189
aos caçadores fazer o cerco em torno da aldeia e “colher”, mamelucos (mestiços de brancos com índios) e 3 mil
numa só investida, milhares de “peças”. nativos aliados (na maioria escravos), dirigindo-se à região
- Isso significa que os jesuítas, nucleando os guaranis, do Guairá. Sabiam que os espanhóis de Ciudad Real e Villa
sem querer acabaram facilitando o “trabalho” dos Rica não lhes fariam oposição, interessados que estavam
paulistas… em também escravizar os índios. Em defesa dos guaranis
haveria, portanto, e tão somente, a força moral dos
- O diabólico projeto foi discutido em São Vicente e São jesuítas.
Paulo, formando-se na ocasião uma arrasadora bandeira,
tipo “arrastão”, cujo comando foi entregue ao sanguinário - Foram chegando e destruindo tudo?…
Antônio Raposo Tavares. - Não exatamente, Raposo acampou a tropa nas
- O Raposo Tavares que é nome de praça em Maringá? proximidades da redução de Santo Antônio e,
acompanhado de pequena guarda, fez uma “visita de
- Ele mesmo. Se eu fosse vereador trocava o nome da cortesia” ao padre Mola, cura da aldeia. Almoçaram juntos.
praça. Esse homem, a meu ver, não merece homenagem Durante a conversa, afirmou cinicamente que seu propósito
alguma. era colaborar na conversão dos índios levando-os para São
- Poderia ser Praça Montoya, como alguém já sugeriu. Paulo a fim de viverem com famílias cristãs, que lhes
Ou Praça do Trabalho. Ou Praça do Café, lembrando o ensinariam os “bons costumes”. O jesuíta retrucou,
produto que deu o impulso inicial no desenvolvimento da argumentando que o Cristo não aprovaria tal método de
região. “conversão na marra”, preferindo deixar os nativos onde
estavam, confiados à paciente e amorosa catequese dos
- Estou de pleno acordo. Mas voltemos à história.
missionários. “O pastor não escraviza as suas ovelhas”,
Raposo Tavares, então com 30 anos, era um homem alto,
acrescentou. O bandeirante não se deu por vencido. Citou
arrogante, ambicioso e frio. Português nascido no
uma nova lei editada por Filipe III, na qual se mantinha a
Além-Tejo, viera para São Paulo já fazia uns 10 anos. Tinha
proibição de submeter os índios a trabalhos forçados,
muitos inimigos, mas, pela sua fama de valente e pela
permitindo-se todavia a escravização daqueles
capacidade de liderança em tarefas desse tipo, foi o
considerados “turbulentos” ou que fossem feitos
escolhido para chefiar o ataque às reduções, assessorado
prisioneiros em “guerra justa”. -Inventar uma “guerra
pelo velho e experiente Manuel Preto. Saiu de São Paulo no
justa” não deveria ser difícil…
dia 18 de setembro de 1628, com 69 portugueses, 900

190
- Dou-lhe um exemplo: os caçadores de gente erguiam para atacar. O pretexto surgiu quando o sertanista ficou
cruzes ao lado dos seus acampamentos; dois dias após, sabendo que o padre Mola andava a acolher em Santo
alegavam que faltava uma cruz e punham a culpa nos Antônio escravos fugidos, que escapavam tanto dos
índios, acusando-os de “desrespeito à religião”. Era o paulistas quanto dos espanhóis.
bastante para iniciarem uma “guerra justa”, aprisionando - Ai então…
centenas de “inimigos da fé”.
- E os padres não podiam fazer nada?…
SETE HORAS DE BATISMO
- Bem que tentavam, mas como? Naquele tal encontro
com Raposo Tavares, padre Mola fez o possível, porém o - Dias após, os jesuítas deram asilo a um chefe indígena
máximo que conseguiu foi obter do perverso a “generosa” chamado Tataurana, fugido das garras do próprio Raposo.
promessa de que só levaria índios pagãos, deixando em paz O sertanista foi lá e exigiu o escravo de volta: ou devolviam
os batizados. Tataurana ou a missão seria invadida. Padre Mola
endureceu, recusando entregar o nativo.
- Coitados dos pagãos…
- O pé de briga que faltava…
- Era uma estratégia. O missionário, sabendo que os
arcos e flechas dos guaranis pouco valeriam contra a - Era o dia 28 de janeiro de 1629. Os bandeirantes, com
pólvora dos agressores, aceitou o acordo como forma de seus mamelucos, cercaram Santo Antônio. Dentro da aldeia
ganhar tempo. generalizou-se o pânico. Com os índios reunidos na praça,
os jesuítas celebraram várias missas, uma após outra.
- Começo a entender. Aumentava a cada momento o nervosismo. Padre Mola
- Enquanto isso, procuraria batizar o máximo possível de mandou então que passassem à sua frente todos os que
nativos, aldeados ou não, e mandaria emissários aos não haviam sido batizados, mesmo os que não tivessem
padres das outras reduções sugerindo que tomassem a completado o catecismo. Durante sete horas seguidas,
mesma providência. abençoou crianças e adultos. No final já estava quase sem
- Os bandeirantes cumpriram o acordo? voz, e tão cansado que outros precisavam levantar seu
braço para a bênção.
- O que você acha?… Raposo era manhoso. Também ele
estava querendo ganhar tempo, à espera de um pretexto - Imagino o horror que se instalou ali.

191
- Justamente naquele dia, chegara a Santo Antônio um crianças; nem a igreja respeitaram. Em poucos instantes a
amigo do padre Mola, chamado Bartolomeu. Morador em aldeia inteira estava em chamas. Padre Mola, rouco e em
Ciudad Real, onde nascera, filho de espanhóis fundadores lágrimas, procurava controlar o caos: “Homens de São
daquela povoação, Bartolomeu Torales, 32 anos, exercia Paulo, vocês estão violando uma reserva de Deus!”, dizia
cargo de autoridade. Ao contrário, porém, da maioria dos ele em tom dramático. Insensível, Raposo ordenava a seu
castelhanos, mantinha bom relacionamento com os índios e bando que prosseguisse o massacre. “Raposo Tavares,
com os religiosos e era muito respeitado pela sua você será amaldiçoado por isso. Deus condenará sua alma
generosidade. Ao ver na fila para o batismo um indiozinho às penas eternas pelo que você está fazendo a essas
que chorava muito, aproximou-se e soube que os pais do crianças de Jesus!”, insistia o sacerdote. “Jesuíta, saia da
menino haviam sido capturados pelos paulistas horas antes, minha frente”, rosnava o bandido, levantando a espada.
quando retornavam à missão. Bartolomeu simpatizou-se - Quanta estupidez!
com o garoto e se ofereceu para ser o padrinho dele. Mais
ainda: iria adotá-lo como filho. O indiozinho, de 7 anos, - Morreram ali cerca de 500 índios. Outros tantos
disse chamar-se Catu, que significa “bom”. conseguiram fugir. No final, os paulistas levaram uns 1.500
para serem vendidos em leilões de escravos. Deixaram
- Até que enfim vou conhecer o nosso Catu! para trás apenas as mulheres e as crianças. Os prisioneiros,
- Que no batismo recebeu o nome de Francisco Torales, atrelados uns aos outros, foram postos a caminho de São
meu mais antigo avô, como lhe falei no início desta nossa Paulo sob os açoites dos mamelucos. Muitos morreram
conversa. durante a viagem, não suportando a fadiga, os castigos e a
- Agora estou começando a entender. fome. Quando nem o chicote podia obrigá-los a seguir em
frente, eram simplesmente abandonados sem a mínima
compaixão. Chegaram vivos uns 1.200, logo vendidos aos
O GRANDE MASSACRE fazendeiros do planalto e do litoral.
- No dia seguinte, 29 de janeiro de 1629, logo ao - Barbaridade!
amanhecer, os paulistas tomaram de assalto a redução. Lá - Dois jesuítas, os padres Mansilha e Maceta, seguiram
dentro, 4 mil índios tentando desesperadamente se de perto os índios aprisionados: iam distribuindo a unção
defender. Os invasores entraram atirando, incendiando aos moribundos encontrados no caminho. Chegando a São
casas, chutando porcos e galinhas, pisoteando mulheres e Paulo, foram queixar-se às autoridades, que entretanto não

192
lhes deram atenção. Os padres continuaram até o Rio de de
Janeiro, onde o governador geral os recebeu com aparente
boa vontade, mandando um comissário acompanhá-los a
São Paulo para impor justiça. O comissário foi recebido
pelos paulistas com uma saraivada de insultos e posto a
correr debaixo de tiros. Acabaram prendendo os próprios
jesuítas. Libertados um mês depois, Manilha e Maceta,
desconsolados, retornaram ao Guairá.
- O governo de Assunção também nada fez?
- Nesse meio tempo, outro missionário, o padre Tanho,
foi a Assunção pedir ajuda ao governador, na época D. Luís
de Céspedes y Xeria, que aliás era casado com uma
sobrinha de Martin de Sá, governador do Rio de Janeiro. D.
Luís limitou-se a comentar friamente: “Os senhores
levantam grande alarido por pequenas coisas e se tornam
odiados onde quer que apareçam”.
- Matar e escravizar indígenas eram ”pequenas coisas”…
- Segundo as más línguas, esse tal Luís de Céspedes
teria um “acordo” com os paulistas: fecharia os olhos à
invasão das reduções do Guairá e receberia em troca boa
parte dos escravos capturados. Os índios seriam postos a
seu serviço num engenho que ele tinha no Rio de Janeiro.
- Corrupção é coisa antiga…
–––––––––––-
continua…

193
FONTES
LIVROS ENVIADOS PELO/A AUTOR/A
Anair Weirich
A. A. de Assis http://anairweirich.blogspot.com/
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BARROS, Luís Gilberto de. Canção de Ninas Estátuas. Ilhéus/BA:
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MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006. Antonio Colavite Filho
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TEXTO/VERSOS ENVIADOS PELO/A AUTOR/A
Astrid Cabral
Ademar Macedo http://www.jornaldepoesia.jor.br/astridcabral.html
Amélia Luz http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/astrid_c
Antonio Brás Constante abral.html
Vicência Jaguaribe
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RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos. Edição: Cláudio de Cápua, abril de
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https://nuhtaradahab.wordpress.com/ http://www.seruniversitario.com.br

Deonísio da Silva Jussara Gabin


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http://www.nehnaarab.net/a-sabedoria-popular/212-o-menino-que-conser Marina Strachman
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Roza de Oliveira Vanda Fagundes Queiroz


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196
José Feldman nasceu em São Paulo/SP, em 1954. Morou 2 anos em Taboão da Serra/SP, 2 anos em
Curitiba/PR, 10 anos em Ubiratã/PR e finalmente radicou-se em Maringá/PR em 2011.
Iniciou-se nas trovas com o Magnífico Trovador Izo Goldman, na cidade paulistana. Estudou romance
com Mário Amato e Ficção Científica na literatura e no cinema com o escritor de renome
internacional, falecido em Curitiba, André Carneiro, tornando-se amigos. Neste tempo fez amizade
com o escritor Artur da Távola, que lhe deu orientações para o desenvolvimento de seu trabalho no
mundo da literatura.
Em 1995 casou-se com a escritora e tradutora, professora de literatura inglesa da Universidade
Estadual de Maringá, pós-doutorada em Vancouver/Canadá, Alba Krishna Topan e mudou-se para o
Paraná, onde foi, vice-presidente da Associação dos Literatos de Ubiratã e pela União Brasileira dos
Trovadores, Delegado de Ubiratã, membro da UBT Maringá e auxiliar de delegado em Arapongas/PR.
Premiado em concursos de trovas, de Ribeirão Preto/SP, Nova - Cadeira n. 1 da Academia de Letras do Brasil/Paraná, tendo por
Friburgo/RJ, Curitiba/PR, Santos/SP, Itapema/SC, Cantagalo/RJ, patrono Paulo Leminski.
Bandeirantes/PR, Natal/RN, Taubaté/SP, Cruz Alta/RS etc. e no Presidente estadual e vice-presidente do Conselho de Ética.
concurso de poesias de Teófilo Ottoni/MG, 2018 e Cruz Alta/RS,
2019. - Cadeira n. 135 da Academia de Letras do Brasil, em
Berna/Suiça, tendo por patrono Mário Quintana,
Escritor, poeta, trovador, gestor cultural, orientador, ministra
aulas de trovas. Jurado em Concursos de Poesias e de Trovas. - Cadeira n.1 da Confraria Paranaense de Letras. Patrono:
Organizador de concursos literários. Criou o blog Fernando Amaro. Presidente.
http://singrandohorizontes.blogspot.com.br em 2007, e - Conselheiro Internacional do Movimento União Cultural,
http://florilegiodetrovas.blogspot.com.br, em 2016. Idealizador
e editor dos ebooks Chuva de Versos com mais de 400 números, - Acadêmico Correspondente no Grau de Oficial 1º. Grau, da
Trova Brasil, Almanaque Paraná, O Encanto das Trovas, ALARC, Academia Rotary de Letras, Artes e Cultura.
Florilégio de Trovas, O Voo da Gralha Azul e Folhetim Literário - Acadêmico correspondente de Acad.de Letras de Teófilo
Desiderata e Recanto das Trovas (boletim da Delegacia de Otoni/MG,
Arapongas, da UBT).
- Acadêmico correspondente da Academia Formiguense de
ENTIDADES LITERÁRIAS: Letras/MG, tendo por patronesse Cora Coralina,

- Foi vice-presidente da Associação de Literatos de Ubiratã - Cadeira n. 35 da Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte

197
e Filosofia (AVIPAF), tendo por patrono Apollo Taborda França, LIVROS PUBLICADOS E PARTICIPAÇÃO:
- Foi Auxiliar de Delegado da União Brasileira dos - Coleção Terra e Céu, em 2016 com trovas de sua autoria e de
Trovadores/Delegacia de Arapongas/PR, seu mestre Izo Goldman e
- Membro da União Brasileira dos Trovadores/Seção de - “Canteiro de Trovas”, com suas trovas.
Maringá/PR, - Poesia na Edição comemorativa de 35 anos do Movimento
- Membro da Academia Virtual Brasileira de Trovadores, Poético em São Paulo e
- Membro da Tertúlia Luso-Brasileira de Trovadores, - Poesia no Café com Letras, da Acad.de Letras de Teófilo Ottoni.
- Sociedade Mundial de Poetas, - Crônica em coletânea organizada por Isabel Furini, de Curitiba.
- UniónHispanomundial de Escritores, - Prefácio em livros dos curitibanos Isabel Furini e de Átila José
- Casa do Poeta Lampião de Gaz, Borges.

HONRARIAS: - Trovas em livros de Vânia Ennes, de Curitiba e da UBT


Nacional.
- Medalha e Diploma de Mérito Cultural da Academia Pan
- Referência no livro A Trova, de Carolina Ramos, e em boletins
Americana de Letras e Artes,
nacionais.
- Diploma de Mérito Cultural da Academia Brasileira de Trovas,
- Referência nos Anais da Academia de Letras Maçonicas.
- Diploma de Mérito Cultural da Tertúlia Luso-Brasileira de
Trovadores,
- Medalha e Diploma de Mérito Cultural Euclides da Cunha da
Academia de Letras do Brasil, em Berna/Suiça,
- Medalha Heitor Stockler de França, da UBT Paraná.
- Prêmio Mahatma Ghandi, de Liderança pela Paz, do Rotary
Club de Taubaté Oeste.
- Prêmio “União Cultural – Monteiro Lobato”, do Movimento
União Cultural, de Taubaté/SP.
- Doutor “Honoris Causa” da Academia de Letras do Brasil.

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Nota sobre o Almanaque

Este Almanaque tem a intenção de divulgar os valores literários de ontem e


de hoje, sejam de renome ou não.

Seus textos por normas não são preconceituosos, racistas, que ataquem diretamente os
meios religiosos, nações ou mesmo pessoas ou órgãos específicos.

Este almanaque não pode ser comercializado em hipótese


alguma, sem a autorização de todos os seus autores, ou
representantes legais.

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