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Slam: uma nova forma de fazer poesia

Instituto Singularidades, 15 nov. 2017.

“Pow. Pow. Pow”, “Creedooo”, “Esse é o SlamPeão”! Você já ouviu alguns desses gritos pela cidade?
Não? Então você não conhece uma das manifestações recentes mais inquietantes que acontecem na cidade
de São Paulo: os Slams! E o que isso tem a ver com educação? Continue a leitura para descobrir…
Slam é uma palavra de língua inglesa que quer dizer “batida”, e é na década de 80 que surge, nos Estados
Unidos, a iniciativa de fazer a poesia “descer as ruas”, na batida, na lata, no tapa, na pressa da dinâmica
citadina. Já na década de 90, na França, o movimento se intensifica como algo essencialmente poético, mas,
sobretudo, cultural e social. Aqueles que participam de um Slam declamam, leem, movimentam o corpo,
improvisam e disputam, como num repente contemporâneo, seu texto com outros slammers. Esse
movimento ainda é pouco conhecido no Brasil, talvez por falta de divulgação e/ou incentivo. O Slam da
Guilhermina, por exemplo, é um que resiste e, hoje, já é bem popular, tendo muitos adeptos fiéis. Quando
começou, contudo, alguns anos atrás, tinha um público bem pequeno e um número de “batalhas” bem
reduzido. Sim, “batalha” é o nome que se dá às disputas entre os poetas, como se se tratasse de uma
guerra poética…

O Slam da Guilhermina
O Slam da Guilhermina não é o único da cidade de São Paulo e nem o primeiro, mas já existe desde 2012.
Os criadores são Emerson e Cristina Assunção, Rodrigo Motta e Uilian Chapéu, organizadores que têm
atividades paralelas diversas, desde a docência até o trabalho como fotógrafo e outras atividades “comuns”,
isto é, não diretamente ligadas à arte e à literatura. O evento acontece ao ar livre (faça chuva ou faça sol!),
ao lado de uma estação de metrô (estação Guilhermina-Esperança, dá o seu nome), na periferia da cidade.
Local, espaço, horário, estética não foram escolhidos à toa, pois levar poesia e arte para um espaço periférico
e da maneira como é realizado foi e tem sido, segundo seus organizadores, um ato de resistência. São esses
mesmos organizadores, aliás, que pensaram em tudo: o horário (para fazer as pessoas saírem da mesmice
na semana e ter um momento de lazer), o local (um lugar que tem poucos eventos culturais) e o formato
(pensado de modo a que todos participem,
de trabalhadores a caminho de casa a
moradores do bairro). Assim, todos (até
mesmo moradores de rua!) podem pegar
o microfone e lançar ao público suas
palavras, pois, como afirmam os
organizadores do evento, a poesia é de
todo mundo. Os temas são um caso à
parte: geralmente são inquietações
nascidas da realidade dos excluídos, com
ataques ao contexto político, demandas
sociais, desabafos de toda ordem, quase
sempre de uma perspectiva crítica,
prezando pela liberdade e rejeitando
qualquer tipo de opressão.

Alunas de Letras participam do Slam Interescolar como monitoras, em


sua 2ª edição (2016). Fonte: Arquivo institucional.

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Retomando a questão do começo do texto: e o que isso tem a ver com educação? Infelizmente, com
escola: quase nada. Com formação de leitores, produção de texto (oral e escrita) e práticas de letramento:
absolutamente tudo. Os Slams têm mostrado para o grande público, especialmente da periferia, que todos
temos direito à palavra e à fruição estética; todos podemos ter voz e não só as vozes reconhecidas pela
academia podem e devem ser ouvidas. Os Slams nos ensinam que uma praça pode ser um espaço de
aprendizagem. E que a literatura não tem dono: assim como a língua, ela é um direito de todos.
Cientes disso, o grupo do Slam da Guilhermina já tem conseguido chegar às escolas públicas paulistanas:
em sua 3ª edição, o Slam Interescolar engaja pré-adolescentes e adolescentes a pegarem nos microfones e
apresentarem suas produções, num evento que hoje já envolve 40 escolas, promovendo a leitura, a escrita
literária, a formação crítica dos alunos, sem nos esquecermos de que se trata de uma das práticas mais
atuantes (e atuais!) de educação não formal.

Slam na formação de educadores


Por isso, seja como futuros educadores, seja como cidadãos críticos em geral, é importante conhecer
essa “nova” realidade de nossa cultura popular e urbana, inserindo-a no cotidiano escolar de alunos e
professores. A Educação é um processo coletivo, democrático e real, que deve deslocar-se do que é imposto
no livro didático e na rigidez do espaço formal da sala de aula para todos os espaços possíveis em que, de
alguma maneira, todos ensinam e aprendem algo. E, principalmente, sem grilhões e amarras!
Afinal, como diz um trecho do “grito de guerra” do Slam da Resistência, um dos mais ativos e críticos da
cidade de São Paulo, “sem massagem na mensagem!”.

Alunos de Letras do Singularidades participam de um pocket do Slam da


Guilhermina, no espaço da aula de Ensino de Literatura. Fonte: Arquivo
institucional.
Márcia Moreira Pereira é professora da disciplina de Literaturas no curso de Letras
do Instituto Singularidades. Contato: marcia.moreira@singularidades.com.br

(Disponível em: <https://educacao.estadao.com.br/blogs/instituto-


singularidades/slam-poesia/>. Acesso em: 8 abr. 2019. Corrigido.)

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O que são slams e como eles estão popularizando a poesia
Juliana Domingos de Lima, 20 dez. 2016

Eventos de “batalhas de versos” se firmam como espaço de literatura nas periferias. Aqui estão 6 vídeos
que dão a dimensão dessa cultura.
Foto: FLUPP

A poeta Mel Duarte na competição Rio Poetry Slam, da qual foi vencedora.

Em novembro de 2016, a Flupp (Festa Literária das Periferias), no Rio de Janeiro, sediou o primeiro
campeonato de poesia falada internacional da América Latina, o Rio Poetry Slam. A competição recebeu
‘slammers’ de 16 países diferentes e teve como campeã a poeta paulistana Mel Duarte, autora do livro “Negra
Nua Crua”.
Os slams são campeonatos de poesia. Normalmente, os participantes têm até três minutos para
apresentarem sua performance – uma poesia de autoria própria, sem adereços ou acompanhamento musical.
O texto pode ser escrito previamente, mas também pode haver improvisação. Não há regras sobre o formato
da poesia.
O júri é escolhido na hora e dá notas de 0 a 10, que podem ser fracionadas, explica Jéssica Balbino,
escritora e pesquisadora de literatura marginal e hip-hop, em entrevista ao Nexo. Entre todos os
competidores, a maior nota vence.
Os campeonatos não são obrigados a seguir normas rígidas, mas a maior parte obedece a essas diretrizes.

A origem da cultura dos slams


O slam foi criado nos anos 1980 em Chicago, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a cultura
hip hop tomava forma, mas só chegou ao Brasil mais tarde, nos anos 2000.
O campeonato ZAP, Zona Autônoma da Palavra, foi o primeiro deles, trazido pelo Núcleo Bartolomeu de
Depoimentos, um Coletivo Paulistano de Teatro Hip-Hop. Atualmente, existem em torno de 30 slams como
o “ZAP” no Brasil.
São Paulo tem o maior número de slams do país, como o Slam Interescolar e o Slam da Guilhermina,

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bairro da zona leste da cidade.
Mas há competições em todo país: no Slam BR deste ano, campeonato de abrangência nacional, por
exemplo, participaram poetas de 29 slams, 17 de São Paulo, 4 do Rio de Janeiro, 4 de Minas Gerais, 2 de
Brasília e 2 da Bahia.
Com o auxílio da pesquisadora Jéssica Balbino e da slammer Luz Ribeiro, o Nexo selecionou seis
performances de slammers brasileiros:

VER VÍDEOS NO ENDEREÇO AO FINAL DA MATÉRIA

A poesia falada e a literatura periférica


No Brasil, os slams são próximos de outro espaço da literatura das periferias: os saraus. O público das
duas manifestações culturais muitas vezes coincidem, e há, em ambos, uma interação muito grande entre
os participantes.
“Mas o slam dialoga mais com o público mais jovem, talvez pelo caráter competitivo, talvez pelo caráter
performático, mas existe uma crescente no público, o que é muito bacana, porque justamente exercita o
ouvir”, diz Jéssica Balbino.
Segundo a pesquisadora, o slam contribui na autorrepresentação de minorias, como mulheres, negros,
lésbicas e gays e moradores das periferias em geral.

“Para competir no slam, a pessoa


não precisa ter livro publicado, ser
rapper, ser artista, nada. Vale para
donas de casa, taxistas,
vendedores, etc. No sarau também,
claro. Existe algo de: todos
podemos fazer poesia. Todos
podemos usar a palavra para nos
manifestarmos. Não há
necessidade de um livro publicado
para validar o ofício de poeta e/ou
slammer”

(Jéssica Balbino, criadora do


projeto ‘Margens’)

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Mulheres têm slams exclusivos
A slammer Luz Ribeiro venceu a edição de 2016 do Slam BR, realizada no Itaú Cultural no dia 15 de
dezembro, e faz parte da organização do “Slam das Minas” de São Paulo, um espaço exclusivo das mulheres
cis e trans nas competições de poesia falada.
Quando Luz começou a participar dos slams, em 2012, os homens eram maioria na competição. “Eu me
recordo de ser a única mulher em muitas competições, ou de ter só mais uma”, diz a poeta em entrevista ao
Nexo. “O ‘Slam das Minas’ surgiu para ser um lugar onde as mulheres se sentissem à vontade para falarem
seus textos. Acho que ele recria esse lugar em que a mulher tem direito de fala”.
O “Slam das Minas” de São Paulo, do qual Luz faz parte, já existia antes no Distrito Federal. Na capital
paulista, a competição é itinerante e acontece ao menos uma vez por mês.
Jéssica Balbino identifica, por meio de sua pesquisa “Margens”, uma participação maior das mulheres
no cenário da literatura periférica nos últimos anos. “As mulheres ainda publicam menos. Porém, nos últimos
cinco anos, isso vem mudando. Identifiquei um número bem maior de mulheres na cena, publicando seus
livros, se identificando como poetas, participando de saraus e de slams”, diz.
Dos seis representantes brasileiros que já participaram da Copa do Mundo da França de Poesia Falada, a
única mulher a competir foi Roberta Estrela D’Alva. As performances na competição internacional são
traduzidas simultaneamente.

(Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/12/20/O-que-são-slams-e-como-eles-estão-


popularizando-a-poesia>. Acesso em: 9 abr. 2019.)

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