Você está na página 1de 12

1

MOVIMENTO SLAM NO BRASIL E NO RS: ORIGENS, CARACTERÍSTICAS E


DINÂMICAS DAS BATALHAS POÉTICAS DE JUVENTUDE
Liége Barbosa1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Introdução
“A gente acredita muito na palavra”. “Abra o coração, jurado!”. “O que vocês precisam
ouvir pra dar 10?”. “O Slam é lugar de fala, mas principalmente de escuta”. “O silêncio é uma
prece”. “A gente é a voz da revolução”. Esses pequenos fragmentos, registrados em rodas de
poesia realizadas em Porto Alegre (RS) no primeiro semestre de 2019, trazem pistas modestas
que apontam para a existência de um movimento contemporâneo que tem ganhado força entre
uma parcela de jovens no cenário urbano das capitais brasileiras: a poesia Slam.
O Slam pode ser compreendido como um fenômeno social, cultural e artístico que reúne
juventude, poesia autoral e performance em competições ou “batalhas” poéticas que têm se
propagado pelo Brasil nos últimos onze anos. As rodas de poesia são frequentadas por um
público jovem e protagonizadas por slammers (como são denominados os poetas do Slam) que
ocupam ruas, praças e pontos de cultura para apresentar poesias que versam sobre temas de seu
cotidiano e da atualidade. No repertório são recorrentes temas como: racismo, feminismo,
violência, machismo, drogas, desigualdade social, sexualidade, relações familiares,
relacionamentos, entre outros.
Historicamente, essa modalidade de “batalhas” de poesia oral surgiu na década de 80
em Chicago, nos Estados Unidos. Espalhou-se pelas periferias de lá, conquistou países da
Europa e se espraiou pelo mundo em competições nacionais e internacionais. Chegou ao Brasil
em 2008 e, de acordo com D’Alva (2011), começou a ganhar destaque no cenário nacional a
partir de 2011, quando uma brasileira foi finalista da Copa do Mundo de Poesia Slam na França
- considerado o campeonato de poesia falada mais importante da atualidade. No final de 2016
o Slam chegou ao Rio Grande do Sul, onde tem se espalhado pela capital gaúcha e cidades da
Região Metropolitana em diversos coletivos de poesia.

1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), mestre em Educação (ULBRA). Bolsista do CNPq.
2

Ao mesmo tempo em que se desenha como encontro e poesia, fala e escuta, o Slam
também é competição em formato de jogo: possui regras, etapas e critérios específicos de
funcionamento, além de jurados, escolhidos aleatoriamente entre o público, que atribuem notas
às poesias. Some-se a isso o contexto da cultura digital e dos smartphones, com os quais os
jovens articulam, registram e compartilham os eventos – conferindo visibilidade coletiva aos
grupos de Slam, e individual aos poetas - pela propagação imediata nas redes sociais digitais.
Neste trabalho apresento breve recorte de pesquisa de doutorado em andamento, a partir
da perspectiva pós-estruturalista dos Estudos Culturais em Educação. O texto tem como
objetivos: a) produzir um movimento exploratório pelo universo do Slam, a fim de identificar
suas origens, características, regras, dinâmicas de funcionamento e aspectos conceituais, e b)
estabelecer um panorama histórico do surgimento deste fenômeno no Brasil e no Rio Grande
do Sul.

As origens do Poetry Slam


O termo Slam se refere a uma onomatopeia da língua inglesa que indica o som de uma
batida de porta ou janela, um estouro, um barulho que causa impacto - algo que na língua
portuguesa seria equivalente ao nosso “pá!”. Slam também é uma palavra que se refere aos
grandes torneios de tênis, beisebol, bridge e basquete, por exemplo - os chamados Grand Slam.
De acordo com D’alva (2011), foi nesse sentido que o termo foi tomado de empréstimo por
Marc Kelly Smith, então operário da construção civil e poeta, para dar nome ao Uptown Poetry
Slam, evento de poesia criado em 1986 em Chicago, Estados Unidos. De início o termo foi
cunhado para denominar as performances poéticas, e mais tarde foi ampliado para nomear as
próprias competições de poesia (D’ALVA, 2011, p. 120).
Conforme Somers-Willett no livro The Cultural Politcs of Slam Poetry, Smith buscava
popularizar a poesia junto a um público que estava fora dos espaços intelectuais sancionados e
restritos pela academia. Reuniu-se com outros oito artistas e poetas locais e juntos criaram o
Chicago Poetry Ensemble, que foi a base da experimentação inicial do Slam. Ele, então, passou
a organizar espetáculos de variedades que reuniam poesia, cabaré, experimentação musical e
performance em bares da vizinhança de classe trabalhadora branca da cidade (2009, p. 3). Foi
3

no verão de 1986, em uma das noites de performances poéticas no Green Mill Jazz Club, por
meio de um jogo improvisado, que o Poetry Slam nasceu.
Com uma audiência diversificada e não tradicional, longe do monopólio acadêmico e
do ambiente intelectual dos eventos convencionais de leitura de poesia o Slam produziu uma
atmosfera própria, “turbulenta e contracultural”, que permanece em muitos locais até os dias de
hoje, segundo Sommers-Willet (2009, p. 4). A autora afirma ainda que, com a invenção do
Slam se estabeleceu um tipo diferente de relação entre os poetas e o público, uma conexão
“interativa, teatral, física e imediata”. Era algo diferente da “leitura estagnada” (stagnant
reading) de uma poesia, pois esta passou a ser apresentada como uma experiência física e
sensorial - o que contribuiu para conquistar outro nível de envolvimento e engajamento do
público (id.ibidem).
Do bar de jazz, o Uptown Poetry Slam chegou às ruas das periferias de Chicago e
conquistou adeptos em outras cidades dos Estados Unidos. As competições cresceram e
atingiram nível nacional em 1990, quando aconteceu o primeiro National Poetry Slam na cidade
de São Francisco, que reuniu três times de slammers de Chicago, São Francisco e Nova York
(D’ALVA, 2011, p. 120). De acordo com o website2 de Mark Smith, desde então o Slam se
espalhou pelo mundo em competições nacionais e internacionais (entre poetas de diferentes
países), tendo sido exportado para mais de mil cidades (SMITH, 2018). Em 2002 aconteceu o
primeiro campeonato internacional de Slam. Foi em Roma e agregou poetas da Espanha,
França, Rússia, Alemanha, Inglaterra, Itália e Estados Unidos, que se apresentavam em suas
línguas nativas, sendo que o público acompanhava as traduções de forma simultânea em uma
tela de projeção posicionada atrás dos slammers.
Anualmente, acontece, na França, a Copa do Mundo3 de Poesia Falada (Spoken word4),
que envolve a participação de mais ou menos 20 slammers - cada poeta representando seu
respectivo país. O evento, que em maio de 2019 teve a sua 13ª edição, é realizado ao longo de
uma semana no Théâtre Belleville de Paris, é organizado e financiado pelo governo parisiense

2
Disponível em http://www.marckellysmith.net/. Acesso em 06 de abril de 2018.
3
“La Coupe du Monde de Slam”. Mais informações em http://grandpoetryslam.com/
4
O Spoken word pode ser entendido como uma forma de arte performática baseada em palavras, na qual as letras
de músicas, poemas ou histórias são faladas ao invés de cantadas. De acordo com D’alva: “literalmente ‘palavra
falada’ ou poeticamente ‘poesia falada’, é uma performance na qual as pessoas recitam textos. Pode acontecer em
vários contextos: literatura, artes plásticas, música, mas sempre com foco na oralidade” (2009).
4

e conta com ampla divulgação da mídia local através de reportagens na TV, jornais, rádios,
cartazes e outdoors (NEVES, 2017, p. 96). A edição de 2019 ocorreu no fim do mês de maio e
teve a presença de 22 slammers oriundos da Inglaterra, Bélgica, Brasil, Canadá, Escócia,
Espanha, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Madagascar, Mali,
Moçambique, Noruega, Polônia, Portugal, Quebec, Rússia e Vietnã. O Brasil (e a América
Latina) foram representados pela mineira Pieta5 Poeta, 24 anos, vencedora do Slam Nacional
de 2018, que chegou às semifinais da competição.

Slam – características, regras, dinâmicas


Quais seriam os princípios, as regras e as dinâmicas que dão vida ao Slam e às suas
comunidades nos cenários urbanos das cidades em suas mais diversas realidades culturais? De
maneira didática, Smith e Kraynak (2009) estabelecem cinco características ou propriedades
que determinariam a poesia slam, sendo elas: 1) o slam é poesia (que incorpora narrativas e
retóricas de muitas formas diferentes); 2) o slam é performado (as poesias são apresentadas de
maneira precisa e profissional como em qualquer outra arte performática, o que configura a
principal distinção do Slam dentro do campo da Poesia - a fusão das artes da performance com
a arte de escrever poesia); 3) o slam é competitivo (a competição não é o ponto central mas é
um elemento essencial - o público tem a palavra soberana sobre o que considera bom ou ruim);
4) o slam é interativo (pois encoraja o feedback do público, que se torna um parceiro ativo de
tudo o que acontece); 5) o slam é comunidade (como uma família de pessoas que participam e
celebram tanto a poesia quanto a sua performance) (p.5-6).
Enquanto modalidade competitiva e do ponto de vista prático, o Slam oferece um
formato simples que não exige estruturas físicas ou equipamentos sofisticados. Para que um
Slam aconteça, são necessários os poetas, um mestre de cerimônias (geralmente alguém da
própria organização do slam), o público e cinco jurados (sorteados ou escolhidos aleatoriamente
entre os presentes) que ocupam espaços públicos, geralmente ruas, praças ou pontos de cultura.
Mesmo que haja variações na forma como os slams são feitos, D’alva afirma que, na maior
parte das comunidades, existem três regras fundamentais que permanecem: as poesias devem

5
Mais informações em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/05/28/poeta-de-belo-horizonte-
representa-o-brasil-na-copa-do-mundo-de-poesia-na-franca.ghtml Acesso em 05 de junho de 2018.
5

ser de autoria própria do poeta que as apresenta, as performances não podem ultrapassar três
minutos e não devem ser utilizados figurinos, adereços nem acompanhamento musical - o
slammer tem como recursos somente o seu corpo e a sua voz (2011, p. 122). Quando o tempo-
limite de três minutos é ultrapassado, o poeta é avisado pelo counter (a pessoa encarregada de
cronometrar o tempo e de registrar as notas), e ganha dez segundos de tolerância para concluir
a apresentação. Caso ultrapasse esse tempo, o poeta é penalizado com o desconto de meio ponto
a cada dez segundos a mais. Para além das três regras básicas, Smith estimula os grupos a se
organizarem de acordo com as suas realidades, de modo que cada um adote formatos e crie
dinâmicas que atendam às suas necessidades - uma vez que é preciso pensar também nas
especificidades de cada público onde o Slam acontece (SMITH; KRAYNAK, 2009, p.31-32).
A participação coletiva de todos os atores envolvidos é fator crucial para que um Slam
exista. Conforme D’alva salienta, tudo se desenrola de maneira dinâmica e roteirizada, ou seja,
existe uma espécie de ritual com um percurso pré-determinado de início e fim (2011, p. 121).
De fato, os Slams que tenho acompanhado ao longo da pesquisa seguem uma espécie de
protocolo com abertura, desenvolvimento e fechamento. Inicialmente, a organização abre as
inscrições, momento no qual cada slammer define se vai participar da competição ou do
chamado verso livre (quando se apresentam sem serem julgados). Cada competidor deve chegar
para a batalha com três poesias prontas para que garanta material caso chegue à rodada final
(geralmente os mais experientes decoram suas poesias, contudo, não há restrição para os que
optam por lê-las no celular ou no papel). Em seguida, o (a) mestre de cerimônias explica as
regras do Slam e convida pessoas do público a se candidatarem ao júri. Logo após, com os cinco
jurados já escolhidos, começa a etapa do verso livre - oportunidade na qual os recém chegados
ao movimento aproveitam para se aventurar e viver a experiência do Slam sem a pressão da
competição. No verso livre, os jurados também treinam e simulam notas para se prepararem
para o momento seguinte das batalhas – esse ensaio é denominado pelos organizadores como
“calibragem”.
Antes de cada performance poética, o mestre de cerimônias faz o “grito de guerra”
daquele slam, por exemplo: a slammaster grita: “poesia contamina” e o público responde “slam
das minas”, como acontece no Slam das Minas RS. O público é constantemente convocado a
participar. No início, é convidado a silenciar para apreciar o momento inicial da performance
6

poética, pois “o silêncio é uma prece” e a necessidade de respeitar e escutar o poeta que irá falar
é destacada. Contudo, ao mesmo tempo é estimulado a interagir especialmente no momento das
notas - e não raras são as intervenções. Quando gostam muito da performance, batem palma e
exclamam “uow!”, “pesado!”. Quando não gostam de alguma nota atribuída pelo júri gritam:
“credoooo!”.
Os jurados recebem plaquetas ou papéis onde marcam/registram notas de 0,0 a 10 e são
incentivadas a dar notas quebradas para evitar empate entre os competidores. Tais notas devem
ser atribuídas considerando o conteúdo do texto, mas também a maneira como as poesias são
apresentadas - o impacto das apresentações. D’alva explica: “As placas são levantadas
individualmente, imediatamente ao final de cada poema, e dessa maneira não há tempo para
análises demoradas, o impacto da performance e das palavras é o que geralmente é ‘julgado’”
(2011, p. 123). Após as rodadas de apresentações, a menor e a maior nota são descartadas e o
poeta que obtém a maior pontuação na média é declarado o campeão (ou campeã) e pode
receber como premiação: livros, ingressos para shows de hip hop, pôsteres, tatuagens, além de
ganhar o direito de competir na final anual do grupo de Slam (que reúne os vencedores das
etapas realizadas ao longo do ano).
Além da atmosfera contracultural de suas origens e da ideia de popularizar a poesia, o
Slam se desenvolveu através de certos ideais democráticos, conforme indica Smomers-Willet
(2009, p. 5). Isso quer dizer que todos podem participar do Slam, todos são bem vindos, todos
são slammers em potencial. Como aponta a autora, qualquer pessoa pode se inscrever, e
qualquer pessoa do público é qualificada para julgar e em tese tem esse poder - o que significa
também que há uma grande variedade na qualidade do trabalho que é performado (id.,ibidem).
O caráter democrático do Slam também é corroborado por D’alva (2009), quando afirma que o
Slam dá a voz a todos, com uma liberdade total de estilo, de gênero e de assunto abordado. Em
relação às críticas ao formato competitivo pelo qual se julgam as poesias com notas, Smith
sustenta que a grande questão não está nos pontos obtidos ou nas notas mais altas, mas em que
o protagonismo está na própria poesia e na celebração da palavra. “O verdadeiro objetivo é
inspirar pessoas de todos os estilos de vida a ouvir poesia, apreciar e respeitar o seu poder e,
7

finalmente, a subir ao palco e performar o seu trabalho próprio e original” (SMITH;


KRAYNAK, 2009, p.10, tradução6 minha).
Portanto, se a ideia é compartilhar o Slam e fazê-lo se espraiar, o movimento adquire,
segundo D’alva, um “caráter copyleft” que permite que seu método seja livremente copiado:
“nenhuma das comunidades paga para usar o nome ou o ‘método’, as informações são
disponibilizadas em rede para todos, e são não só comuns, mas incentivados, o diálogo e o
trânsito entre diferentes comunidades” (D’ALVA, 2011, p. 122). É com alguns desses
princípios, neste formato e com essas características que o Slam tem se espraiado pelo mundo
e pelo Brasil.

Breve panorama do Slam no Brasil


O Slam chegou ao Brasil em dezembro de 2008 através de Roberta Estrela D’alva, atriz,
slammer (poeta), diretora musical, pesquisadora e atualmente apresentadora do programa
juvenil de TV “Manos e Minas”, da TV Cultura. Ela trouxe o Poetry Slam para o Brasil quando
inaugurou em São Paulo o ZAP – Zona Autônoma da Palavra – o primeiro slam de poesia
brasileiro (D’ALVA, 2011 p. 93). O ZAP! Slam, que inicialmente acontecia no Núcleo
Bartolomeu, na Pompeia (SP), foi descentralizado e nos dias atuais é realizado toda primeira
quinta-feira do mês, a partir das 20h (com exceção do mês de janeiro) em algum ponto do centro
de São Paulo. Três anos depois de fundar o ZAP, D’alva conquistou o terceiro lugar na Copa 7
do Mundo de Poesia Slam na França, em 2011, e foi a partir deste momento que o Slam foi
despertando o interesse do público.
Já no ano seguinte, 2012, o ator, poeta, produtor e gestor cultural Emerson Alcalde 8,
que já era frequentador de saraus, conheceu o ZAP! Slam, na Pompeia, e levou a proposta para

6
“The true goal is to inspire people from all walks of life to listen to poetry, appreciate and respect its power, and
ultimately to take the stage and perform their own original works”.
7
No vídeo disponibilizado neste link (https://vimeo.com/59914978) é possível assistir Roberta representando o
Brasil na Copa do Mundo de Slam, em 2011, em Paris. O vídeo é um teaser do projeto “Valendo a Vida", que em
2017 deu origem ao documentário “Slam - Voz de Levante”, co-dirigido por Tatiana Lohmman, o qual mostra o
nascimento da poetry slam no Brasil. O documentário foi lançado nos cinemas brasileiros no segundo semestre de
2018, em comemoração aos dez anos do Slam no Brasil.
8
Arte-educador, gestor cultural, fundador e mestre de cerimônias (slammaster) do Slam da Guilhermina e do Slam
Sófálá (no Red Bull Station). Autor dos Livros (A) massa: Poesias e Dramaturgias (2013), O Vendedor de
Travesseiros (2015) e Diário Bolivariano (2019). Possui o blog (http://emersonalcalde.blogspot.com/) e o canal no
8

o seu bairro (FOLHA, 2018). Fundou o Slam da Guilhermina, o segundo slam do Brasil, na
Zona Leste de São Paulo, que acontece todas as últimas sextas-feiras de cada mês, a partir das
20h, também com exceção do mês de janeiro, na praça Guilhermina-Esperança, ao lado da
estação do metrô que leva o mesmo nome (NEVES, 2017, p. 94). Em 2014 Alcalde também
representou o Brasil na Copa do Mundo de Poesia Slam, oportunidade na qual obteve o vice-
campeonato. A partir dessas conquistas de dois poetas brasileiros no cenário internacional de
competições, o Slam ganhou projeção no país, o que impulsionou o surgimento de outros grupos
e comunidades pelo Brasil.
É difícil obter um levantamento preciso e atualizado sobre o número de grupos de Slam
que existem pelo país, tendo em vista que o movimento é fluído e se alastra rapidamente. Em
reportagem9 produzida pela RBS TV e transmitida em maio de 2018, Roberta Estrela D’alva
informou que havia mais de 100 comunidades de Slam espalhadas por 16 Estados do Brasil,
sendo quase 40 em São Paulo, 12 no Rio de Janeiro, aproximadamente 20 em Minas Gerais e
15 em Porto Alegre. Em uma declaração 10 mais recente de D’alva, em dezembro de 2018
durante o Slam BR, os números já haviam se ampliado: o levantamento mais atual dava conta
da existência de 149 comunidades no Brasil, com 18 Estados sendo representados no
campeonato nacional de poesia falada.
Em relação ao calendário de competições do Slam, a nível nacional há dois eventos que
se destacam: o Slam BR e o Rio Poetry Slam. O Slam BR foi o primeiro campeonato nacional
de poesia falada e acontece anualmente em São Paulo, organizado pelo Núcleo Bartolomeu de
Depoimentos/ZAP!SLAM. Ele acontece desde 2013 quando ainda era chamado de Slam SP
(restrito aos Slams do estado de São Paulo), mas a partir de 2014 com o crescimento do
movimento, começou a incluir poetas campeões representantes de Slams de outros estados do
país (PEREIRA, 2016). Atualmente o Slam BR 11 acontece no mês de dezembro no SESC

Youtube (https://www.youtube.com/channel/UCtBt_Mk0o8l4FYu7fH33EZw), no qual fala sobre Slams e


literatura periférica e marginal (FOLHA, 2018).
9
Reportagem exibida no programa de TV “Compartilhe”, da RBS TV, em 27 de maio de 2018, disponível em:
https://globoplay.globo.com/v/6763504/
10
Vídeo sobre a edição de 2018 do Slam BR disponível em:
https://www.facebook.com/POETRYSLAMBRASIL/videos/2027414927371229/
11
Para estar habilitado a participar do Slam BR e enviar um representante ao campeonato, cada slam deve
promover, no mínimo, seis edições ao longo do ano. Ao final do calendário acontece uma grande final que reúne
os campeões de cada edição para decidir quem será o ganhador anual daquele slam (NEVES, 2017, p. 96).
9

Pinheiros, em quatro dias de batalhas nos quais os slammers disputam uma vaga para
representar o Brasil na Copa do Mundo de Slam na França.
Outro campeonato importante na cena nacional é o Rio Poetry Slam, que existe desde
2014 e se configura como o primeiro campeonato de poesia falada internacional da América
Latina. Acontece durante a Festa Literária das Periferias (FLUP)12, no Rio de Janeiro, e reúne
poetas vindos de países da África, Europa e Américas do Sul, do Norte e Central. Um terceiro
campeonato surgido recentemente é o Slam Nacional em Dupla, uma iniciativa da Fundação
Perseu Abramo 13(FPA) em parceria com os coletivos e grupos de slam. O torneio teve cinco
etapas eliminatórias que aconteceram em Rio Branco (AC), Salvador (BA), Brasília (DF), São
Paulo (SP) e Porto Alegre (RS), representando as cinco regiões do Brasil. (PERSEU ABRAMO,
2018). Cada região enviou à final, realizada em18 de maio de 2018, uma dupla de slammers
(que podia ser formada por dois homens, duas mulheres, ou mista). Todas as cinco duplas
finalistas tiveram como premiação a publicação de uma antologia em livro e um DVD do Slam
Nacional em Dupla com as poesias das duplas finalistas. Os campeões14 da noite foram os
gaúchos “Lipe Deds” e “Agnes com G mudo”.

O Slam chega ao RS através das minas


O primeiro slam do Rio Grande do Sul aconteceu no dia 17 de dezembro de 2016 na
Praça da Matriz, em Porto Alegre. O encontro foi realizado pelo primeiro grupo de slam gaúcho,
o Slam das Minas RS, formado exclusivamente por mulheres e assumidamente inspirado pelo
Slam das Minas de São Paulo e Distrito Federal. Em entrevista15, Daniela 16 Alves (conhecida
como Dany Alves), conta que conheceu o Slam no final de 2015 através das redes sociais

12
Segundo página oficial no Facebook, a FLUP foi criada em 2012 por Ecio Salles e Julio Ludemir com o objetivo
de ser um espaço de formação de novos leitores e autores na periferia das grandes cidades brasileiras, fortalecendo
o papel das periferias brasileiras nos debates sobre literatura e leitura. Disponível em:
https://www.facebook.com/FlupRJ/ Acesso em: 15 de junho de 2018.
13
A Fundação Perseu Abramo (FPA) é uma instituição privada, criada em 5 de maio de 1996 pelo Partido dos
Trabalhadores (PT), para desenvolver projetos de caráter político-cultural Fonte:
https://fpabramo.org.br/fundacao-perseu-abramo/ Acesso em: 25 de maio de 2018.
14
O vídeo da final, na íntegra, está disponível em
https://www.facebook.com/pt.brasil/videos/1751977828221918/ As performances das duplas finalistas começam
a partir de 01h11min do vídeo, com a apresentação inicial da dupla que sairia campeã.
15
Entrevista concedida a essa pesquisadora em 13 de junho de 2018, na Faculdade de Educação da UFRGS.
16
Daniela Alves da Silva tem 30 anos e é estudante de graduação da Educação do Campo e Ciências da Natureza
da UFRGS. Natural de Passo Fundo (RS), mora em Eldorado do Sul (RS) e integra o grupo Rap4love.
10

digitais, assistindo a vídeos do Slam Resistência 17 na internet. Em 2016, junto com a amiga e
rapper Vanessa Oliveira (conhecida como Vanessa Girlove), idealizou um encontro mensal
para reunir as meninas do Rap, já que umas moram longe das outras, pouco se viam e a
comunicação acontecia mais pela internet.
Conforme o relato de uma das precursoras do Slam no RS, o objetivo inicial era
promover uma batalha de rap e a ideia de inserir o Slam surgiu como uma possibilidade para as
meninas que não sabiam ou não queriam fazer freestyle18, mas que tinham poesias guardadas e,
assim, também poderiam participar do encontro. A partir disso, Daniela e Vanessa pesquisaram
sobre o Slam na internet, conheceram as regras básicas de funcionamento, passaram a
acompanhar o Slam das Minas SP e o Slam das Minas de Brasília e então tiveram a ideia de
fundar o Slam das Minas RS. Entraram em contato com uma das fundadoras do Slam das Minas
SP através das redes sociais digitais, quando foram autorizadas a usar o nome “Slam das Minas”
e orientadas a se organizarem com autonomia.
No início, Dany Alves conta que, à medida que os outros slams foram surgindo e o
interesse da mídia local foi crescendo, houve cobrança por parte de outros coletivos para que
elas, enquanto fundadoras do primeiro slam do RS, soubessem mais informações sobre o
movimento - como surgiu, as origens, a vinda do Slam para o Brasil através de Roberta Estrela
D’alva, quem eram as pessoas de referência etc. Contudo, ela revela que isso não foi uma
preocupação naquele momento inicial, pois tudo aconteceu em um impulso, de forma genuína:
“A gente compreende esse reconhecimento até um ponto, porque antes de ter pessoas de
referência, é algo solto pra nós. Não há uma consciência política e social. É senso comum: a
gente viu, quis, reproduz, faz, sem muito essa carga ideológica e de responsabilidade de quem
é e quem não é” (ALVES, 2018, entrevista).
Em um segundo momento é que se teve a consciência mais ampla do movimento, e com
o tempo elas passaram a obter mais informações e referências. Porém, a ideia da autonomia do
grupo se manteve: “É algo também da autonomia da gente criar [...] a gente quer contar a partir
da nossa história”, disse ela, deixando marcado o desejo de serem protagonistas do que
produzem na cena local. Atentas a isso, desde então as mulheres que integram o Slam das Minas

17
Perfil do Slam Resistência no Facebook: https://www.facebook.com/slamresistencia/
18
O freestyle é uma batalha do improviso, onde o MC faz rimas improvisadas. É uma prática que nasceu junto
com o movimento Hip Hop.
11

RS também começaram a produzir suas memórias através da página do Facebook19 e


Instagram20, no intuito de registrar a trajetória do coletivo. De dezembro de 2016 a junho de
2019 foram 28 edições do Slam das Minas RS, que acontece todo o 2º sábado do mês na Praça
da Matriz, escolhida por ser um ponto central, histórico e simbólico de Porto Alegre.
Na sequência do Slam das Minas RS, outros slams surgiram. Os mais antigos e sólidos
são Slam RS, Slam Peleia e Slam Chamego. Além desses quatro slams que emergem com mais
destaque por serem os mais populares e consolidados, a partir de um levantamento provisório
e inicial, é possível apontar também a existência de mais 14 grupos em Porto Alegre e Região
Metropolitana, sendo eles: Slam do Trago (que acontece no Bar da Carla, em Porto Alegre),
Slam do Sopapo (grupo Sopapo Poético), Slam da Tinga (bairro Restinga), Slam da Bonja
(bairro Bom Jesus), Slam Crânio (Canoas), Slam Matriz (Viamão), Vale das Minas
(exclusivamente de mulheres - São Leopoldo), Slam Novo Hamburgo, Slam de Maria
(exclusivamente de mulheres - em Esteio), Slam Liberta (Esteio), Slam 48 (Alvorada), Slam do
Gozo (sobre sexualidade, erotismo), Slam da Beira (Porto Alegre), Slam Poetas Vivos (do
coletivo homônimo). No interior do Rio Grande do Sul existem alguns grupos como o Slam da
Montanha (de Caxias do Sul), o Slam Poesia e o Slam das Minas (de Pelotas).

Considerações finais
A partir da proposta de apresentar as origens, características e dinâmicas do movimento
Slam e do modesto panorama histórico construído neste texto, é possível afirmar que estamos
frente a um fenômeno recente, híbrido e que se mostra atravessado por diferentes
complexidades. Assim, torna-se um tema instigante e desafiador para quem se propõe a
pesquisá-lo na perspectiva dos Estudos Culturais em Educação. Nesse sentido, a ideia foi
contribuir, em alguma medida, para a construção da memória de um movimento potente no
cenário brasileiro e gaúcho e para a reflexão acerca das práticas inventadas pelo Slam – práticas
estas que constituem espaços de fala, de escuta e, porque não dizer, de resistência ao/no mundo
contemporâneo.

Referências

19
Página do Slam das Minas RS: https://www.facebook.com/SlamdasMinasRS/
20
Perfil do Slam das Minas RS no Instagram: https://www.instagram.com/slamdasminasrs/
12

D’ALVA, Roberta Estrela. Um microfone na mão e uma ideia na cabeça– o poetry slam entra
em cena. Synergies Brésil n° 9 - 2011 p. 119-126.
_______, Roberta Estrela. Mas que raios é SLAM?!? ZAP!Um SLAM brasileiro! 2009. Web.
Disponível em: http://zapslam.blogspot.com/search/label/SLAM Acesso em: 02 de maio de
2018.
FIGUEIREDO, Patricia. Batalha de poesia ganha jovens e ruas dos bairros da zona leste. Folha
de São Paulo, 2018. Web. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/morar/2018/03/1959976-batalha-de-poesia-ganha-
jovens-e-ruas-dos-bairros-da-zona-leste.shtml. Acesso em: 5 de junho de 2018.
FPA - FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Fundação Perseu Abramo realizará Slam
Nacional em Dupla. Web. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2018/03/17/fundacao-
perseu-abramo-realizara-slam-nacional-em-dupla/ Acesso em: 28 de junho de 2018.
KRAYNAK, Joe. SMITH, Marc Kelly. Take the Mic: The Art of Performance Poetry, Slam,
and the Spoken Word. Sourcebooks MediaFusion, 2009.
NEVES, Cynthia Agra de Brito. Slams - letramentos literários de reexistência ao/no mundo
contemporâneo. Linha D'Água (Online), São Paulo, v. 30, n. 2, p. 92-112, out. 2017.
SMITH, Marc Kelly. There's actually a guy who started all this stuff… Marc Kelly Smith
Official Website, 2018. Disponível em: http://www.marckellysmith.net/ Acesso em 02 de
março de 2018.
SOMERS-WILLET S. B. A., The Cultural Politics of Slam Poetry: race, identity and the
performance of popular verse in America. Michigan: Ed. The University of Michigan Press.
2009. 191p.

Você também pode gostar