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Londrina – PR
2020
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O rap artificado de Kanye West, Kendrick Lamar, Baco Exu do Blues e Criolo:
contemporâneo 1
INTRODUÇÃO:
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Artigo final de iniciação científica com bolsa do “Programa Institucional de Apoio à Inclusão Social, Pesquisa e
Extensão Universitária – PIBIS 2019 – Fundação Araucária” referente à pesquisa “O fenômeno da intersecção
musical e artística: um estudo de áreas e casos”, desenvolvido no bojo do projeto “As subjetividades e os processos
de subjetivação na vida social: um entendimento da agência como parte integrante da análise antropológica”,
coordenado pela Profa. Dra. Carla Delgado de Souza.
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Estudante do curso de ciências sociais, na UEL. Membro do LAVIS – Laboratório de Antropologia Visual e Sonora
da UEL. E-mail para contato: icaroabade1@hotmail.com.
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elencados bebem nessas fontes tradicionais do rap, eles tiveram em suas formações
outras referências artísticas que também os ajudaram a constituir seus gostos, o que
provavelmente foi determinante para o fato deles buscarem ampliar seus repertórios
poéticos, bem como a reconfigurarem suas carreiras musicais. Nesse sentido, é
importante ressaltar como novas subjetividades também foram configuradas nesse
processo, dando margem à construção de um ethos artístico na condução das
carreiras desses rappers que se veem, antes de tudo, como artistas e profissionais da
música. Na fala de Criolo:
"É justamente por, por receber dessa manjedoura artística que, que é uma
mistura do que você escuta no seu bairro, do que os seus pais apresentam pra você, e
sobretudo dessa arte maravilhosa chamada rap. E acho que foi o conjunto dessas
coisas que, que foram me dando situação pra, pra experimentar outras coisas, mas não
é que é um lance de vou experimentar outras coisas agora, isso sempre foi presente,
sempre esteve presente.” [...].3
3
Transcrição feita pelos autores da entrevista Criolo em entrevista à Marília Gabriela, 31/05/2015,
min.3:35. Transcrição feita pelo autor Ver na íntegra em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Dj0l2deqNpk&list=PLXlcYSvRp18JtLibbcYj3Y6W13yL5YTk2&ind
ex=10&t=243s> Acesso em 29.jun.2020.
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rap. Isso ocorreu porque desde os anos 1980 houve uma consolidação do mercado
interno da música popular brasileira, propiciada pela massificação do consumo de LP
(disco de vinil) gravados por bandas de rock cariocas e paulistas, uma vez que esse
gênero, o BRock, se infiltrava nas grandes capitais e falava de perto sobre as
experiências urbanas e cosmopolitas dos jovens de classe média moradores das
grandes cidades, o que foi de fato importante para consolidar o consumo dessas
músicas entre esse público. Com isso, Morelli argumenta que o campo e o mercado
da MPB foi ficando “mais jovem” e mais massivo ao apelo e ao engajamento no
processo político que acompanhava o país na época, fazendo-o na linguagem musical
das massas pubescentes.
O ingresso do rap como ator social nesse campo, possibilitou uma ampliação
das músicas com temas caros à juventude, abarcando as experiências juvenis de
sujeitos negros e periféricos, também moradores das grandes capitais brasileiras.
Esse movimento pôde ser visto no alcance que os álbuns do grupo Racionais MC’s
obtiveram, pois, embora inicialmente o grupo fosse conhecido apenas na cena
paulista, local de seu surgimento, ele conseguiu alavancar um maior sucesso a partir
do percurso traçado com as músicas presentes em seus três primeiros álbuns de
estúdio: “Raio X do Brasil” (1993), “Sobrevivendo no Inferno” (1997) e “Nada como um
Dia após o Outro Dia” (2002).
Dito isso, a proposta permitiu perceber como se configura o rap/hip hop nesse
contexto em que ele se encontra em vias de artificação por meio do estudo de um
fenômeno que vem sendo observado nos rappers artistas mais contemporâneos, isto
é, a utilização por esses sujeitos de misturas rítmicas e melódicas que, em suas
músicas, abrem um franco diálogo entre o fazer musical tradicional do rap/hip hop com
outros gêneros e influências musicais. Acredita-se que a necessidade em ir além do
que convencionalmente se chama e atribui ao rap e ao hip hop enquanto gênero
estritamente musical, pode denotar condições próprias em que os trabalhos dos
rappers artistas acontecem na atualidade. Vale considerar que, no campo da música
popular, o conhecimento de técnicas musicais distintas tende a ser entendido como
uma prova de conhecimento intrínseco ao metier artístico, fato que contribui para a
construção de um rap/hip hop artificado. Com isso, alguns rappers artistas tem
investido nesse tipo de produção interseccional, resultando na ascensão de novos
caminhos e status sociais antes inalcançáveis para aqueles que moldavam suas
carreiras exclusivamente no eixo rap/hip-hop na indústria da música.
rap que vem sendo desenvolvido tanto nos Estados Unidos da América quanto no
Brasil no século XXI?
hoje em dia como uma grande referência para a cena do rap contemporâneo, ao forjar
esse processo de artificação de maneira muito intensa através de um diálogo
extremamente melódico. Em seu primeiro álbum, “The College Dropout” (2004),
produzido por ele mesmo, ele descarta a persona de gangster então muito vigente no
hip hop por volta do início dos anos 2000. As letras do artista sobre os temas do álbum
regem em torno de preocupação com a família, religião, autoconsciência e lutas
pessoais cotidianas, consagrando o projeto como um grande sucesso comercial e de
críticas positivas que ganhou vários prêmios, incluindo um Grammy Awards para
melhor Álbum de Rap na quadragésima sétima edição da premiação, conhecida por
ser uma das mais importantes da indústria da música norte-americana. Este disco, é
importante por demarcar a assinatura artística de West como um rapper de estilo
melódico e de inserção de samples de soul music, feitio esse, que pode ter parecido
um tanto quanto inovador incialmente, mas que é exacerbado em seu segundo álbum
de estúdio, “Late Registration”, lançado em 30 de agosto de 2005.
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Ver em: <https://www.youtube.com/watch?v=I3KOywRHKgg>. Acesso em 29.jun.2020.
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produções até então entre os outros três. Os demais se abrem para estilos, ritmos e
poéticas vinde de África, ou seja, para essa ideia de africanidade existente nas
Américas, como modo de troca cultural e música hibrida ilustrando aquilo que Paul
Gilroy (1993) conceitualiza como o atlântico negro. De acordo com o autor, o papel
dos significados externos em torno da negritude, aqui entendidos como as novas
produções em vias de artificação e as novas subjetividades que vem sendo galgadas,
tornaram-se importante na elaboração de uma cultura conectiva (1993:174) que passa
a atrair cada vez mais novos rappers a se juntarem àquilo que pode ser entendido
como “ethos de um novo rap”. Essa reflexão ajuda a pensar um sistema circulatório
que passa atribuir um lugar central às músicas e produções desses rappers-artistas
que informam e ao mesmo tempo registram as lutas negras de maneiras diferentes
dentro da sociedade contemporânea, articulando condições para tal do mesmo modo
analisado pelo autor na Grã-Bretanha sobre as lutas negras diaspóricas na Europa.
Isso, a partir do momento em que essas condições deslocadas, “as trilhas sonoras
dessa irradiação cultural africano-americana alimentaram uma nova metafísica da
negritude elaborada e instituída [...]” (Gilroy 1993:175).
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Para perceber esse trabalho de maneira estridente, ouvir “Jesus is King” (2019). Ouvir em:
<https://www.youtube.com/watch?v=T58tRXzjC7c&list=OLAK5uy_nG0R7GxWTXwhsxxi_cwx8QwZe0
QI1tED8> Acesso em 29.jun.2020.
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Ver em: <https://pitchfork.com/features/lists-and-guides/the-200-best-songs-of-the-2010s/> Acesso
em 29.jun.2020.
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bem!”, foi cantado e utilizado por diversas pessoas como emblema de resistência das
pessoas negras contra opressão nos EUA. Essa expressão autêntica de uma
resistência racial pode ser averiguada em semelhança com aquilo que Paul Gilroy
(1993) destacou como a autenticidade para qual os exemplos de política racial podem
ter e atribuir para as massas presentes nas Américas diaspóricas. Para o autor, o
problema que essas origens culturais invocadas fora de África adquirem ganham um
significado maior à medida em que a cultura de massa vai apanhando novas bases
tecnológicas e a música negra se torna um fenômeno global. Disso, é importante
pensar que: “Aqui, a ideia da comunidade racial como uma família tem sido invocada
e utilizada como meio para significar a conexão e a continuidade experiencial, que é
por toda parte refutada pelas realidades profanas da vida negra em meio aos detritos
da desindustrialização.” (GILROY, 1993, p.204).”
No que pode ser averiguado em conjunto dos outros dois rappers brasileiros, é
sobretudo uma abertura para se consagrar a partir de ritmos tradicionais e melodias
de outros ritmos musicais já consagrados em seus ambientes de origem. Melhor
dizendo, mudam os ritmos, mas permanece uma musicalidade afro. No Brasil, onde o
nascimento do hip hop se deu de maneira diferenciada da que ocorreu nos EUA, os
ritmos como samba, funk e MPB entram com mais força efetivando um alargamento
do que seriam os ritmos consagrados dentro da cultura popular, como aquele do
campo social segmentado nos termos de Rita Morelli (2008). Um outro artista
considerado parte desse processo de intersecção de diferentes ritmos é o rapper
Criolo que, em seu álbum “Nó na orelha (2011)”, mistura o rap com elementos do
afrobeat, reggae, samba e brega, num ethos criativo que resultou, três anos depois,
no álbum “Convoque seu Buda” (2014), onde o artista vai ainda mais além com um
rap aberto ao lírico e a rirmos afrodiaspóricos brasileiros, como é possível perceber
pelas faixas “Convoque seu Buda”, que dentre um rap se faz ao mesmo tempo pop
pelo canto e batidas, “Fermento pra massa”, que se destaca por ser inteiramente um
samba dentro de um disco supostamente de um artista apenas de rap, e “Pé de
Breque”, que se incluí no leque de variedades do álbum como uma música reggae.
Criolo e Baco Exu do Blues são dois rappers que, em reconhecimento, querem
consagrar o gênero do rap a partir de um diálogo de perto com referências da MPB,
onde, no Brasil, é o caminho percorrido por esses agentes para se consagrarem não
só como rappers, mas também como artistas. Ou seja, quando o samba e os ritmos
populares entram, eles fazem uma abertura para aquilo que seria uma legitimação em
torno de expressa ser parte de um lugar da “Música Popular Brasileira”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASANTE, Molefi K. It's Bigger Than Hip Hop: the rise of the post-Hip-Hop
generation. EUA: St Martin’s Griff Edition, 2008.
GILROY, Paul. O atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo:
ed. 34/ Rio de Janeiro: UCAM, 2012.
MORELLI, Rita de C. L. “O campo da MPB e o mercado moderno de música no Brasil:
do nacional-popular à segmentação contemporânea”. ArtCultura, Uberlândia, vol. 10, n. 16,
p. 87-101, 2008.
ORTNER, Sherry. “Teoria na antropologia desde os anos 60”. Mana, vol. 17, n. 2,
p.419-466, 2011.
SHAPIRO, Roberta. “O que é artificação?”: Sociedade e Estado, vol. 22, n. 1, p. 135-
151, 2007.
TEPERMAN, Ricardo. “Se liga no som: as transformações do rap no Brasil”. -1°ed.-
São Paulo: Claro Enigma, 2015. – (Coleção Agenda Brasileira).
GILBERT, Bem. “Kendrick Lamar’s civil rights anthen “Alright” almost didn’t happen”.
Business Insider, Oct 25, 2016. <https://www.businessinsider.com/kendrick-lamar-alright-
2016-10> Acesso em 29.jun.2020.
MATERIAL AUDIOVISUAL:
EXU DO BLUES, Baco. Bluesman. Brasil: Selo EAEO Records, 2018. CD.
EXU DO BLUES, Baco. Esú. Brasil: 999, 2017. CD.
LAMAR, Kendrick. DAMN. EUA: Top Dawg, Interscope, 2017. CD.
LAMAR, Kendrick. Good Kid, M.A.A.D City. EUA: Top Dawg, Aftermath, Interscope,
2012. CD.
LAMAR, Kendrick. Untitled Unmastered. EUA: Top Dawg, Aftermath, Interscope, 2016.
CD.
MC’s, Racionais. Nada Como Um Dia Após o Outro Dia. Brasil: Boogie Naipe, 2002.
CD.
MC’s, Racionais. Sobrevivendo no Inferno. Brasil: Cosa Nostra Fonográfica, 1997. CD.
RAP Gourmet e a Geração Pós-Hip-Hop | Bluesman, This is America, Kanye West,
Death Grips... . João da Mata. Youtube. 26 jan. 2019. 8min41s. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=pTVTxA-KTq4>. Acesso em 19 abr. 2019.
WEST, Kanye. Jesus is King. EUA: G.O.O.D. Music, Def Jam, 2019. CD.
WEST, Kanye. Late Registration. EUA: Roc-A-Fella, Def Jam, 2006. CD.
WEST, Kanye. The College Dropout. EUA: Roc-A-Fella, Def Jam, 2005. CD.