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Introdução
Djonga e A Quadrilha
Gustavo Pereira Marques, mais conhecido como Djonga, nasceu na zona leste de
Belo Horizonte. Através do movimento cultural hip-hop, mais precisamente do rap,
Djonga produziu um extenso repertório musical. Em 7 anos lançou 7 álbuns e diversos
singles, por meio dos quais expressa e reflete as contradições vividas por um sujeito
negro, masculino e marginalizado no Brasil. Uma figura importantíssima no cenário
social de Belo Horizonte e, hoje, na cena de rap no Brasil, com reconhecimento
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Foi em 2021 que Djonga criou o selo musical independente ‘’A Quadrilha’’, uma
produtora em seu bairro de origem, ‘’São Lucas’’. Todos os funcionários da produtora
são familiares e/ou amigos do artista, em sua grande maioria mulheres negras. É da
preocupação de Djonga e sua equipe tornar Belo Horizonte um polo de produção
cultural tal qual São Paulo e Rio de Janeiro, sem perder de vista as opressões que
atravessam a realidade social (gênero, raça, classe, território...) para isso foram tomadas
algumas decisões: como fortalecer a cena musical de Belo Horizonte, apoiando artistas
mineiros, possibilitando-os visibilidade, e financiamento, além de focar suas
contratações de serviços a empresas e pessoas da capital de Minas Gerais. Atualmente, a
produtora conta com artistas em ascensão, a somatória dos ouvintes de todos os artistas
é de quase 6 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Foi responsável pela explosão de
sucesso de Marina Sena, que conta com 5 milhões de ouvintes mensais no Spotify, e
que atualmente já não faz parte da ‘’A Quadrilha’’. Em quase dois anos de história ela
se posiciona como uma das maiores produtoras musicais do Brasil.
A socióloga discorre sobre como a partir de 2010 o rap sofre uma grande
transformação, a expressão artística até então reduzida a um gênero musical, que havia
sido apropriado pela indústria cultural, o que produziu artistas que não tinham contato
com o movimento cultural hip-hop, passa a se expressar para além da música. Os
encontros com um público mais amplo aumentam, e o rap ganha reconhecimento. Deixa
de circular somente em espaços vinculados a ideia de cultura de rua e/ou periférica.
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Santos considera essa nova condição da cena brasileira de rap como uma
ampliação do processo de legitimação do rap, tendo em vista este reconhecimento
crescente em espaços consagrados como a universidade e espaços culturais (SESC,
livrarias...). Ela percebe toda uma transformação na percepção social do rap,
Reconhecimento X Distribuição
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A ideia neste momento não é esgotar toda as discussões possíveis a partir dos textos, até porque
neste trabalho não teria espaço, mas apresentar as aproximações necessárias para os movimentos os quais
farei logo em seguida. Para uma compreensão mais ampla de toda essa discussão recomendo a leitura do
artigo de Aléxia Freitas (2017).
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valorização das identidades culturais.’’ (abid, p.229) Mas que ‘’...boa parte do confronto
teórico entre Butler e Fraser radica-se precisamente na compreensão da própria natureza
do capitalismo contemporâneo, incidindo diretamente sobre a viabilidade dos modos
pelos quais ele poderia vir a ser superado.’’ (abid, p.239)
O olhar de Butler é pautado por várias de suas preocupações, o que instiga analises
como essa anteriormente descrita, porém uma delas, e talvez a mais importante para ela
nesse artigo (meramente cultural), é a defesa de que não deve-se caracterizar o
movimento queer como somente a esfera cultural, ou de caráter pouco rigoroso. Sua
reflexão assume ‘’tanto o “gênero” quanto a “sexualidade” tornam-se parte da “vida
material” não apenas pelo modo que atendem à divisão sexual do trabalho, mas,
principalmente, pelo fato de o gênero normativo ser indissociável da reprodução da
família heterossexual.’’ (BRETAS, 2017, p.239)
está repleta de afirmações sobre ele mesmo (BRETAS, 2017). Sua proposta é ‘’um
olhar transversal, em especial, sobre os estudos feministas e LGBTs’’ (abid, p.233) Pois
na visão da filósofa certamente ninguém se reduz a uma única identidade, e nem a
conceitos identitários inertes. Gênero e sexualidade são diversos e se constituem a partir
da interação com uma pluralidade de contextos e de expressões identitárias construídas
discursivamente como: raça, classe, étnico, e regional. Para a autora não existem
culturas inertes, são processos. Portanto, estão a todo momento mudando e se
constituindo. São nas trocas simbólicas que as identidades se tornam como são, o
movimento de se identificar e a organização de uma cultura ocorrem simultaneamente, a
todo momento, sujeitos compartilham intersubjetivamente performances, discursos...
Ambas as questões levantas por mim e elaboradas por Butler tendem a demonstrar
um novo olhar2 sobre os novos movimentos sociais, seus funcionamentos e
características.
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Um novo olhar tendo em vista o ano de publicação dessas ideias pela autora. Após 1997 outras
reflexões foram feitas, mas até então Butler era uma das intelectuais que fugiam dos consensos
acadêmicos da época.
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...a autora pretende mostrar que o falso reconhecimento não significa, pura e
simplesmente, ser desrespeitado, menosprezado ou desvalorizado nas atitudes
conscientes ou mentais de outros. Antes, é ter negado o status de “parceiro
integral” nas interações sociais, sendo, portanto, impedido de “participar
como um igual na vida social” – não em consequência de uma má
distribuição de recursos, senão como resultado de “padrões
institucionalizados” de interpretação e avaliação, os quais levam à
consideração de alguém como digno ou indigno de respeito ou estima – nas
leis, nas políticas de bem-estar social, na medicina ou na cultura pop, por
exemplo. (abid, p.240)
Fica claro a partir dessa apresentação as divergências políticas das autoras, suas
diferentes percepções sobre
Tendo em vista esse debate e as posições das autoras, entendo Butler em 1997
como uma intelectual que propõem uma análise aos novos movimentos sociais que não
necessariamente se expressava na vida social, me parece muito mais um projeto de
futuro, e nesse sentido talvez Butler tenha influenciado a realidade social com seu
trabalho, pois me parece que sua explicação sobre as articulações dessas coletividades
se expressam atualmente. Porém, a historicização materialista de Fraser me parece mais
frutífera para superação das relações de opressão, considerando que a autora se
aproxima com mais ênfase explicativa das relações entre os fundamentos do capitalismo
contemporâneo (neoliberalismo) e os novos movimentos sociais.
território...). E os rappers em sua maioria apropriam-se da sua relação intima com o hip-
hop, constantemente produzindo uma visão crítica da realidade e mantendo uma relação
firme entre a formação intelectual e a experiência comunitária (PINHO, 2001). São nas
letras de rap que as articulações entre os movimentos sociais são presentes. Sem dúvida
diversas músicas ainda reproduzem discursos que afirmam relações de poder, ao mesmo
tempo, é frequente a circulação e a discussão dos debates políticos propostos pelos
outros movimentos sociais na cena do rap. As repercussões são várias, como a música
Sulicídio do Baco Exu do Blues, onde ele discute questões ligadas a distribuição e
reconhecimento do povo nordestino, ou uma recente música lançada pela Ebony que
provoca grandes rappers da cena sobre diversos assuntos desde branqueamento a
questões de gênero.
Algo que Butler chama a atenção é ‘’culpar os novos movimentos sociais por sua
vitalidade, como alguns fizeram, é precisamente recusar-se a entender que qualquer
futuro para a esquerda será construído com base em movimentos que levam à
participação popular...’’ (BUTLER, 2016[1997], p.236). Não me parece banal a
amplitude que o movimento cultural hip-hop tem tomado. Puxando essa reflexão da
autora, penso como este movimento tem papel fundamental na esfera política atual,
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como Daniela traz em seu artigo anteriormente apresentado, alguns dos grandes nomes
da cena brasileira de rap têm alcançado lugares dentro do debate público de grande
evidência, as pessoas querem ouvi-los, e como isso tem impactado as pessoas que os
acompanham. No final de 2017, Mano Brown foi entrevistado pela revista trip do site
uol, na entrevista ele conta um encontro com a mãe de um fã, um jovem branco. A mãe
contava a Brown sobre como seu filho cantava rap, e andava revoltado, que qualquer
coisa que ele via sobre racismo ele brigava, não deixava passar. Brown disse a mãe do
garoto que deveria ter orgulho dele e não reclamar do seu comportamento, que era um
branco lutando contra racismo. Atualmente esse relato pode parecer banal tendo em
vista a grande discussão sobre antirracismo, mas na época essa entrevista suscitou um
grande debate sobre a luta antirracista. O movimento cultural hip-hop é uma instituição
reflexiva, e transmissora dos debates contemporâneos, com uma forma específica de
pensar sobre as coisas e de como transmiti-la. Os novos movimentos sociais
potencializam os debates discutidos dentro do movimento,
A Socióloga Daniela Vieira busca por meio de seu artigo pensar, de maneira
deliberada ou não, as relações de reconhecimento deste movimento. Santos (2022)
argumenta:
Ela demonstra como a nova condição do rap tem se materializado como um caminho
ambíguo de aumento de reconhecimento, novas formas de reexistir nos espaços
diversos, a consolidação de um estilo de vida, uma marca que vai além do gênero
musical, uma nova cara às relações com o mercado de bens simbólicos e econômicos,
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Djonga vê sua produtora e seu trabalho artístico como um resgate de tudo aquilo que lhe
foi tirado, não so dele, mas de todos os quais ele se identifica, ligadas principalmente as
questões raciais, de gênero e de classe, dando atenção tanto ao reconhecimento quanto a
distribuição.
maiores da cena de rap brasileira, e disputa o cenário com outras grandes produtoras
internacionais, nacionais, independentes ou não, o que não me parece banal. Um
reconhecimento no mercado que traz um grande impacto na distribuição local de renda
àqueles os quais a constitui. Porém, é uma situação complexa, ela tem conquistado uma
grande atenção pública a partir de sua atuação, que se deve a luta construída pelo
movimento cultual hip-hop durante toda sua existência, mas também a relação do
mesmo com as lógicas neoliberais, uma mudança na atenção do mercado, e uma
valorização desse gênero musical extremamente rentável. Essa é uma situação social
cheia de contradições, sua produtora está situada em um lugar muito desfavorável neste
jogo, uma produtora independente formada por sujeitos majoritariamente
marginalizados, ter chegado a esse nível de reconhecimento e estar disputando espaços
com essas grandes outras produtoras, demonstra a efetividade política da produtora e do
seu fundador Djonga. Apropriando-se de Fraser (2017[1997]), essas ações políticas e
artísticas carregam caráter ‘’afirmativo’’ e ‘’transformador’’, refletem calmarias nos
sintomas mais evidentes e desestabilizam as bases do sistema capitalista.
Conclusão
Os discursos e ações políticas encontrados por Djonga e sua produtora para lidar
com essas contradições da vida social contemporânea tem efeito real no reconhecimento
e distribuição daqueles que a compõem. E esse tipo de enfrentamento é recorrente com
outros rappers e suas produtoras, como a própria Laboratório Fantasma analisada por
Santos (2022), é importante levar em conta que cada um desses sujeitos apresentam
formas diferentes de lidar com essas questões, mas carregam similaridades. Porém,
ainda sim esse reconhecimento não é pleno, trata-se de um ‘’falso reconhecimento’’, se
fosse pleno, tendo em vista as ideias de Fraser, o movimento cultural hip-hop já teria
superado suas questões de distribuição e estão longe disso, nele outras questões além
das artísticas são imbricadas e dificultam essa luta. Ainda, sim, o movimento cultural
hip-hop constitui sua luta cotidianamente tentando resolver as questões sociais, mesmo
as que só dizem ao seu respeito, na forma como demonstra um grande potencial de
produção de intelectuais orgânicos, que refletem em comunhão com os debates
públicos, e dos novos movimentos sociais, além de ter um grande potencial de difusão
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Referências Bibliográficas
Butler, Judith. Meramente cultural. Ideias, Campinas, SP, v.7, n.2, p. 227-248, jul/dez.
2016.
SANTOS, D. V. A nova condição do rap: De cultura de rua à São Paulo Fashion Week.
Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 27, n. esp. 1, e022005, abr. 2022.
Url: https://oglobo.globo.com/fotogalerias/noticia/2023/11/16/voce-sabe-o-que-e-uma-
diss-ebony-viraliza-provocando-rappers-brasileiros-como-filipe-ret-l7nnon-e-djonga-
em-musica-or-entenda-a-trend.ghtml, 16 nov. 2023, último acesso em: 28 dez. 2023.