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PEDRO SASAMOTO FRANCIO

GRR 20120161

A MARGINALIDADE DO FUNK CARIOCA EM INSTITUIÇÕES MUSICAIS DE


CURITIBA

Monografia apresentada à disciplina OA028 -


Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura
como requisito parcial para conclusão do Curso
de Licenciatura em Música - Departamento de
Artes, Setor de Artes, Comunicação e Design da
Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. José Estevam Gava

CURITIBA
2016
RESUMO

O presente trabalho se propõe analisar a relação existente entre alguns membros da comunidade
musical de Curitiba e o estilo funk carioca. Para tanto, foi realizado um estudo de levantamento
através da aplicação de questionários sobre a opinião dos entrevistados a respeito do funk. O
grupo de participantes da pesquisa foi composto por músicos, professores e alunos vinculados a
instituições públicas de ensino, pesquisa ou performance musical. O levantamento foi realizado
em quatro instituições musicais de Curitiba: um grupo municipal de música de câmara, uma or-
questra municipal de música popular brasileira, uma instituição municipal de ensino e perfor-
mance de música popular brasileira e uma faculdade de música. A investigação parte do pressu-
posto que essas instituições – constituídas por músicos com educação formal – representam uma
intelectualidade musical dotada de autoridade e poder simbólico para estabelecer o chamado
“bom gosto musical”. A partir disso, esta pesquisa propõe investigar se a fala vinda dessas insti-
tuições reforça ou subverte a marginalização do funk carioca no meio musical. A primeira parte
do trabalho faz um apanhado histórico e algumas análises musicais do funk no sentido de identi-
ficá-lo como estilo musical próprio. A segunda parte traz a exposição e análise dos dados coleta-
dos em campo.
Palavras-chave: funk carioca, criminalização, marginalidade, bom-gosto musical, Curitiba.

ABSTRACT

This study proposes to analyze the relationship between some members of the music community
in Curitiba and the funk carioca style. With this pourpose, data collection was carried out
through questionnaires on the respondents‟ opinion about the funk. The survey group was com-
posed of musicians, teachers and students linked to public institutions of education, research or
musical performance. The survey was conducted in four musical institutions of Curitiba: a mu-
nicipal group of chamber music, a municipal orchestra of brazilian popular music, a municipal
institution of teaching and performance of brazilian popular music and a music college. The re-
search assumes that these institutions – consisting of musicians with formal education – repre-
sent a musical intelligentsia with authority and symbolic power to establish the so-called "good
taste in music". From this, this study proposes to investigate whether the talk coming from these
institutions reinforces or subverts the marginalization of funk carioca in the music metier. The
first part of the research makes a historical overview and some musical analysis of funk in order
to identify it as a genuine musical style. The second part brings the display and analysis of data
collected in the research.

Keywords: funk carioca, criminalization, marginalization, musical good taste, Curitiba.


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Sexo dos participantes 61

Gráfico 2 – Faixa etária dos participantes 61

Gráfico 3 – Atividades desenvolvidas pelos participantes 62

Gráfico 4 – Instrumentos tocados pelos participantes 63

Gráfico 5 – Estilos musicais menos apreciados 64

Gráfico 6 – Pessoas que já ouviram funk carioca 65

Gráfico 7 – Opinião dos participantes sobre o funk carioca 66

Gráfico 8 – Pessoas que consideram o funk carioca como sendo música 71

Gráfico 9 – Pessoas que consideram o funk carioca como música popular

brasileira 72

Gráfico 10 – Pessoas que trabalhariam com funk carioca 75


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1. HISTÓRICO MUSICAL DO FUNK CARIOCA 3


1.1 Anos 70: a black music na terra do samba 5
1.2 Do hip hop ao Funk Brasil 16
1.3 Volt mix e os MC´s do morro 27
1.4 Tamborzão 36
1.5 Beatbox 40

2. CONSTRUINDO A MARGINALIDADE 43
2.1 Música negra eletrônica popular brasileira 44
2.2 Música maldita: funk proibidão 49
2.3 Curitiba e o funk: levantamento de dados 59

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 78

REFERÊNCIAS 80
INTRODUÇÃO

O funk carioca é uma manifestação historicamente marginalizada por vários setores da


sociedade brasileira. O Estado e a mídia, por muito tempo, trataram-no não como expressão ar-
tística, mas como comportamento nocivo e criminoso (Facina, 2013; Herschmann, 2000; Palom-
bini, 2013). Esta pesquisa propõe analisar a relação existente entre esse ritmo marginal e algu-
mas instituições musicais da cidade de Curitiba. A investigação procura identificar se a discrimi-
nação praticada contra o funk na sociedade de maneira geral também se reproduz nesses meios
musicais formais. A motivação para aprofundar este tema partiu da constatação de certo padrão
discursivo proferido por algumas pessoas em relação ao funk. Comumente, músicos, alunos e
professores de música, sejam em universidades, conservatórios ou grupos musicais, desqualifi-
cam esse estilo musical. Frequentemente ele é colocado como sinônimo de “música ruim” ou
não-música, o que parece declarar certa resistência em relação ao funk. Trabalhando sobre essa
suposição, esta pesquisa buscou saber o que, de fato, pensam a respeito do funk alguns estudan-
tes e profissionais de música pertencentes a determinadas instituições de Curitiba.
A metodologia de pesquisa consistiu em um estudo de levantamento tendo como instru-
mento a aplicação de questionários sobre a opinião pessoal dos entrevistados a respeito do funk
carioca. O público escolhido para ser entrevistado está composto por cantores, instrumentistas,
docentes universitários e acadêmicos de música, todos provenientes de instituições públicas de
Curitiba dedicadas ao ensino, pesquisa e performance musical. Foram especificamente quatro as
instituições pesquisadas: um grupo de música de câmara, uma orquestra de música popular brasi-
leira, uma instituição de ensino e performance de música popular brasileira e um curso superior
de música. Todas elas trabalham com repertórios que se distanciam das manifestações de massa
– aquelas pertencentes à dita indústria cultural – e contemplam predominantemente estilos e
compositores historicamente consagrados, ou as vanguardas da música contemporânea.
Quando uma respeitada instituição musical pública, composta em sua grande parte por
músicos de formação, celebra alguns estilos musicais em detrimento de outros, além de definir
suas características estéticas, ela também exerce poder simbólico e ajuda a formar a ideia do que
seria um “bom gosto musical”. Esta constatação parte da ideia de Foulcault segundo a qual inte-
lectuais fazem parte de um sistema de poder responsável por barrar, proibir e invalidar discursos
e saberes vindos da massa (Foucault, 2015, p.131). A pesquisa parte, portanto, do pressuposto de
que a comunidade entrevistada – devido à formação que possui e ao espaço que ocupa – constitui
uma intelectualidade musical com autoridade para dizer qual música tem legitimidade para ser
tratada como arte. Por exclusão, também acaba estabelecendo, ainda que tacitamente, qual mú-
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sica não deve ser considerada. Em outras palavras, as instituições musicais aqui pesquisadas têm
o poder simbólico de determinar qual repertório pode ser apreciado como sendo “arte de quali-
dade”. A partir disso, propõe-se aqui observar como se dá a relação entre o funk carioca e as
falas de autoridade vindas dessas instituições. Analisando a opinião dos entrevistados, pretende-
se identificar se a comunidade observada reforça ou subverte o discurso que marginaliza o funk.
A primeira parte do trabalho consiste na apresentação de uma história do funk carioca.
Inicialmente será abordado o surgimento da cena de bailes de subúrbio do Rio de Janeiro a partir
da década de 1970. Frequentado majoritariamente pela população negra da cidade que ia dançar
ao som do soul e funk norte-americanos, o baile black foi o local da concepção do funk carioca.
A partir da década de 1980, a apropriação da cultura hip hop pela juventude negra do Rio trans-
formou a estética desse baile e o repertório dançado deslocou-se para o rap e para a electro music
(Vianna, 1988). A partir de 1990, alguns DJ´s passaram a conjugar as batidas eletrônicas interna-
cionais com o canto de MC´s do Rio de Janeiro e assim surgiram as primeiras composições do
funk carioca (Essinger, 2005). Com elas se estabeleceu um procedimento fundamental de criação
dentro do estilo: a apropriação de um material musical estrangeiro que, após sua ressignificação,
transforma-se em uma música com sentido local (Lopes, 2011). O funk, portanto, surgiu da mis-
tura de elementos musicais nacionais e internacionais amalgamados pelo DJ e pelo MC. Como
resultado desse trabalho, nasceram as três bases rítmicas arquetípicas do funk carioca: o volt
mix, o tamborzão e o beatbox (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014), as quais serão analisadas
separadamente. Através de relatos e análises musicais, esta primeira parte tem o objetivo de
apresentar o funk como estilo musical genuíno, possuidor de história e significados próprios.
A segunda parte do trabalho aborda o problema da marginalização propriamente dito. Ini-
cialmente serão colocados argumentos no sentido de contextualizar o funk como música negra,
eletrônica, popular e brasileira. Em seguida será analisado como a marginalidade do funk foi
sendo construída ao longo dos anos. Tomando em conta seu caráter de resistência, esse estilo
musical é considerado aqui como uma manifestação da diáspora africana. Este conceito circuns-
creve culturas negras nascidas em contextos urbanos e periféricos, disseminadas internacional-
mente através da música, como é o caso do hip hop. Essas manifestações são responsáveis pela
“construção de identidades de jovens negros habitantes de territórios urbanos que são marcados
por formas similares, mas não idênticas, de racismo, pobreza e segregação espacial” (Lopes,
2011, p.27). Identificada qual a condição social do objeto estudado, ao fim serão analisados os
dados coletados em campo no sentido de identificar se o discurso de marginalização do funk
carioca se faz presente no meio musical observado e de que formas ele se manifesta.
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1. HISTÓRICO MUSICAL DO FUNK CARIOCA

É difícil afirmar com precisão quantos anos de existência tem a música funk carioca. O
que pode ser dito categoricamente é que sua história foi construída em torno do baile, mais preci-
samente os bailes realizados para a população da periferia do Rio de Janeiro (Vianna, 1988; Es-
singer, 2005). Determinados bailes promovidos no início da década de 1970, na casa de shows e
choperia Canecão, são considerados por alguns historiadores do funk como seu mito fundador.
Eram os Bailes da Pesada, para onde ia boa parte da população jovem dos subúrbios cariocas em
busca de diversão. Considerando este advento histórico, o movimento dos bailes funk já teria
aproximadamente 46 anos de idade. Entretanto, cabe reforçar que nos Bailes da Pesada, assim
como em todos os bailes que se seguiram até o final dos anos 1980, o repertório tocado pelos
DJ´s não correspondia ao que ficaria conhecido como funk carioca. Nesse período, a música re-
produzida nos bailes era retirada de álbuns da música pop internacional, principalmente o soul e
o rock (Essinger, 2005). Ainda não havia uma música composta pelas pessoas envolvidas nos
bailes até então. Tudo se dava em torno da apropriação de um repertório estrangeiro, reproduzido
por equipamentos de som, com o objetivo de fazer o público dançar. A principal criação deste
período foi o baile black de subúrbio como forma de entretenimento e expressão de uma popula-
ção pobre e majoritariamente negra. A música ouvida e dançada já vinha pronta.
Finalmente, em 1989, começaram a surgir as primeiras composições musicais do funk
carioca propriamente dito (Essinger, 2005). Caso tomássemos este ponto como início de sua tra-
jetória, o funk estaria completando 27 anos, aproximadamente. Entretanto, delimitar uma data
fixa de seu surgimento, ou um suposto mito fundador, não é o objetivo deste relato histórico.
Fundamental aqui será identificar momentos da história responsáveis por construir o que hoje se
conhece por funk carioca. O primeiro recorte temporal possível compreende os anos de 1970 a
1977, aproximadamente. Neste período consolidou-se no Rio de Janeiro o movimento dos bailes
black realizados em clubes e associações do subúrbio carioca, como por exemplo o clube Renas-
cença, inicialmente localizado no bairro do Méier (Essinger, 2005). Uma das poucas opções de
lazer para boa parte da população da cidade, nestes bailes o público dançava ao som do soul e do
funk norte-americanos, que chegavam ao subúrbio do Rio e às rádios por meio de discos de vinil.
Dentro de pouco tempo, instaurou-se um efervescente circuito de bailes pelos bairros da cidade,
ensejando assim a cena cultural que ficaria conhecida como “black rio”. Estes bailes atravessa-
ram os anos 70 e 80 renovando o repertório musical de acordo com os lançamentos da música
black importada dos Estados Unidos. Reiterando a ideia do parágrafo anterior, essas duas déca-
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das compõem o período de consolidação do baile como espaço de entretenimento da população


periférica do Rio de Janeiro. O futuro funk carioca surgirá nesse baile.
Um segundo momento formador do funk se deu na passagem das décadas de 1980 para
1990. Após 20 anos digerindo a cultura pop negra norte-americana, chegou o momento da cria-
ção musical produzida nos bailes do subúrbio. O trabalho composicional que passou a ser cons-
truído a partir dos bailes deu continuidade ao processo de apropriação da música estrangeira.
Porém, o repertório utilizado não era mais o soul e o funk, mas sim o hip hop e a música eletrô-
nica, ambas também vindas dos Estados Unidos. Fazendo uso destes novos ingredientes musi-
cais, jovens começaram a escrever letras para serem cantadas sobre bases de baterias eletrônicas
(Essinger, 2005). Assim nasceu a música funk carioca que, apesar de haver surgido em um con-
texto histórico-cultural diferente daquele dos anos 70, continuou ocupando o mesmo lugar social
dos bailes black do passado: o subúrbio e as favelas do Rio de Janeiro.
Há, portanto, dois momentos estruturais. O primeiro está marcado pela presença de mú-
sicas trazidas de fora, para o usufruto do público dos bailes. O segundo momento representa o
início da produção musical local, porém ainda vinculada à música negra norte-americana. Assim,
ficará evidente como o movimento funk, desde o início até a atualidade, é capaz de tomar para si
músicas feitas em outros lugares e aplicar-lhes um sentido local. Apodera-se de recortes musicais
vindos de fora e constrói uma nova música, agora brasileira. Em todos os seus momentos o funk
carrega os traços da apropriação e da ressignificação musical. Tal fenômeno poderia encaixar-se
como exemplo prático da antropofagia idealizada pelos modernistas brasileiros. O soul, o funk
norte-americano, o hip hop e a música eletrônica são as matérias-primas para a construção desta
música nacional.
Para evidenciar a relação que há entre o estilo musical aqui estudado e suas
influências, o relato histórico que ocupa este primeiro capítulo trará uma descrição do cenário
cultural do Rio de Janeiro dos anos 1970 que proporcionou as condições necessárias ao
surgimento do funk nos anos seguintes. Esta história será permeada pela descrição sucinta dos
ritmos que habitam a gênese do funk carioca, sendo eles o rhythm and blues, o toasting
jamaicano, o soul, o funk norte-americano, o hip hop e a electro music (Palombini, 2013). As
linhas que seguem também se propõem a descrever e analisar três modelos rítmicos utilizados ao
longo do tempo na construção musical do funk carioca a partir do momento em que as primeiras
composições locais passaram a ser feitas. Esses modelos consistem em bases rítmicas produzidas
por baterias eletrônicas, sobre as quais se apoia a voz do cantor. São elas, em ordem cronológica
de surgimento, o volt mix, o tamborzão e o beatbox.
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1.1 Anos 70: a black music na terra do samba

Durante a Segunda Guerra Mundial, a música popular norte-americana passou a expe-


rimentar um novo estilo dançante, tocado por pequenos conjuntos instrumentais. Resultado da
mistura do blues elétrico e urbano com o swing jazz, esta nova música recebeu o nome de
rhythm and blues (Palombini, 2013, p.1). A partir dos anos 1950, a música gospel, proveniente
em sua maioria de igrejas batistas negras, intensificou sua influência musical sobre o rhythm and
blues, resultando em uma música de maior acuidade instrumental e com vocais melodicamente
mais apurados (Essinger, 2005, p.10). Soul foi o nome dado a este novo estilo surgido em meio
ao acirramento da luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos. Ele se caracterizou por
celebrar os estados profundos da alma humana, mas também incorporou certo cunho político em
suas canções e apresentações. Músicos como Ray Charles, Aretha Franklin e Sam Cooke torna-
ram-se ídolos do soul e ícones do movimento negro.
Conforme ganhava popularidade, gravadoras passaram a investir exclusivamente neste
novo estilo musical. Dentre os selos que patrocinavam o soul estava a Motown, fundada em
1957, na cidade de Detroit. Grupos vocais da região norte do país, como The Jacksons Five, The
Temptations e The Supremes, além de músicos como Stevie Wonder e Marvin Gaye, figuraram
entre os artistas representados pela gravadora. Outra gravadora dedicada à black music era a Stax
Records, também fundada em 1957 na cidade de Memphis, no Estado do Tennessee. Voltado
para os intérpretes da região sul dos Estados Unidos, este selo agenciou artistas como Otis Red-
ding, Albert King e Isaac Hayes. No ano de 1972 a Stax promoveu o festival de black music
Wattstax para celebrar a conquista de alguns direitos da causa negra na cidade de Watts, no esta-
do da Califórnia . Posteriormente o evento seria lembrado como o “Woodstock negro”. A partir
de 1968, no entanto, já assimilado pelos principais meios de comunicação e pelo público, o soul
passou a ser visto mais como um rótulo musical e menos como uma música revolucionária.
Devido ao esvaziamento ideológico sofrido pela soul music, um novo vocábulo entrou
em cena no meio black dos Estados Unidos: funky. O sentido original do termo significa “fedor”,
ou “mau cheiro”, e era usado de forma pejorativa, como xingamento. Porém, neste período, a
palavra funky foi reinterpretada e adotada pela população negra norte-americana como forma de
um estilo de vida. “Tudo pode ser funky: uma roupa, um bairro da cidade, o jeito de andar e uma
forma de música que ficou conhecida como funk” (Vianna, 1988, p.20). Como um desdobramen-
to direto da soul music, o funk imprimiu maior velocidade e acentuação aos temas soul através
de uma seção rítmica sustentada pela intensa relação entre baixo e bateria. A guitarra, adornada
com o pedal de efeito wha-wha, acentuou sua função rítmica. A base harmônica passou a ser
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construída por órgãos de timbres carregados em conjugação com arranjos para naipes de metal.
A forma de cantar este novo estilo seguia a estética preconizada por James Brown, com inflexões
e gritos que se misturavam à parte instrumental. A sincronia de todos estes elementos originou o
funk, uma música que preza pela exaltação do ritmo e tem a dança como seu objetivo principal.
Durante o mesmo período, final da década de 60, a cidade do Rio de Janeiro havia cria-
do sua própria geografia musical. As diferentes regiões e bairros, habitados por diferentes classes
sociais, poderiam ser identificados pelo som que era tocado em suas festas. A Zona Sul de Copa-
cabana, Ipanema e Leblon era o território legítimo da bossa-nova e do samba-jazz. Ali eram ce-
lebradas a exuberância das praias e das mulheres cariocas. O subúrbio carioca em torno do bairro
da Tijuca assumiu o rock norte-americano como bandeira. Chuck Berry, Elvis Presley, Beatles e
Rolling Stones compunham o repertório tocado em festas de garagem animadas por conjuntos
musicais formados por adolescentes brancos. Por fim, nos bairros de periferia da Zona Norte, de
população predominantemente negra, começava a surgir um circuito de bailes realizados em
quadras de escola de samba, clubes e associações. A população desta região, sem condições de
frequentar as boates da Zona Sul, passou a ter uma opção de lazer para os finais de semana. A
música que animava estas reuniões trazia uma nova mistura de samba e rock tocada por conjun-
tos de tecladistas como Ed Lincoln e Lafayette, além de conjuntos como Devaneios, Brasil Show
e Copa 7 (Essinger, 2005).
Um dos responsáveis pela realização dos primeiros bailes foi Asfilófilo de Oliveira Fi-
lho, o Dom Filó. Criado no morro do Jacaré, Dom Filó formou-se em engenharia e desde cedo se
engajou politicamente na causa negra. Sendo uma rara exceção em seu meio, por haver frequen-
tado uma universidade, ele teve acesso aos escritos de Malcolm X e Martin Luther King ainda no
final da década de 60. Estimulado pela filosofia da consciência negra, passou a promover reuni-
ões em que moradores de seu bairro se encontravam para debater os problemas da realidade so-
cial de então. O local destes primeiros encontros foi o Clube Renascença, localizado inicialmente
no bairro do Méier e posteriormente transferido para o Andaraí. Criado na década de 50 já com o
intuito de promover eventos em prol dos direitos dos negros, em 1968 o Renascença passou a
movimentar os finais de semana da periferia carioca com festas ao som de conjuntos de samba.
Em algumas dessas reuniões, Dom Filó promoveu uma campanha de conscientização contra a
doença de Chagas – um problema de saúde pública da época – e, no intervalo entre uma e outra
palestra, exibia filmes sobre jazz que haviam sido cedidos pelo Instituto Cultural Brasil-
Alemanha (ICBA). Vendo a boa recepção e o interesse pelo jazz que o público do Renascença
demonstrou, Dom Filó concluiu que a realização de bailes ao som de música negra norte-
americana poderia atrair a população jovem para os encontros e assim o fez. A partir de 1970 os
domingos do Clube Renascença passaram a ser dedicados aos jovens das comunidades próximas.
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O som dançado nesses encontros, todavia, não estava esteticamente definido, pois o repertório
musical não se limitava a nenhum estilo específico.
Na mesma época, em outra região da cidade, um jovem morador do Morro da Mineira,
chamado Oséas Moura dos Santos, também começou a promover bailes. No livro Batidão: uma
história do funk, lançado pelo jornalista carioca Silvio Essinger em 2005, Oséas relata que os
bailes que estavam surgindo nas periferias do Rio de Janeiro apresentavam um repertório híbri-
do. Ora dançava-se ao som de James Brown, ora o público ouvia as experimentações de Pink
Floyd. A falta de critério nas sequências musicais dos bailes acabava restringindo o público que
estava lá especialmente para dançar. O próprio Oséas pertencia a um grupo de jovens roqueiros,
porém, graças ao rádio, ele descobriu artistas como The Isley Brothers, Temptations, Steve
Wonder e outros expoentes da nova black music norte-americana. Inspirado pelos astros interna-
cionais e movido pela necessidade de um baile mais dançante, Oséas realizou o primeiro baile de
música totalmente black na cidade do Rio de Janeiro. Os encontros iniciaram em 1970 no Asto-
ria Futebol Clube, no bairro Catumbi, próximo ao sambódromo da Marquês de Sapucaí. Desde
então, Oséas Moura dos Santos passou a ser conhecido como DJ Mister Funky Santos.
Dom Filó foi a um dos bailes de Mister Funky e percebeu que poderia levar para o Re-
nascença a ideia de um baile inteiramente soul. Porém, seguindo seu compromisso com a mili-
tância negra, Dom Filó intercalava o som do toca-discos com mensagens ditas ao microfone.
Desferindo falas carregadas de engajamento sobre estudo, família, drogas e violência em pleno
baile, o discotecário caracterizou uma espécie de predecessor dos futuros MC´S cariocas (Essin-
ger, 2005). Um baile emblemático realizado no Renascença, já sob este novo conceito, foi a Noi-
te do Shaft, promovido no ano de 1972. O nome foi inspirado no filme Shaft do diretor Gordon
Parks, lançado em 1971, cuja trilha sonora havia sido inteiramente composta pelo ícone da black
music Isaac Hayes. Durante a festa, imagens do filme e fotos dos frequentadores do baile, tiradas
na mesma noite, eram projetadas em um telão. Esta foi a forma que Dom Filó encontrou para que
as pessoas ali se sentissem representadas pelo evento, assim como pela cultura negra internacio-
nal.
A escolha do nome A Noite do Shaft, baseada em um filme norte-americano lançado no
ano anterior, atesta a capacidade que a periferia do Rio desenvolveu para se manter atualizado às
novidades internacionais sem depender de grandes meios de comunicação. Em um tempo em que
a TV e o rádio brasileiros ainda celebravam a MPB e seus festivais, dificilmente alguma forma
de representação suburbana ocuparia esses meios. Portanto, a habilidade de acessar um material
novo e longínquo sem fazer uso da grande mídia foi decisiva para a realização dos bailes e fun-
damental para o desenvolvimento do funk carioca nas décadas seguintes. O contato com essa
cultura internacional, de maneira dinâmica e atualizada, deveu-se fundamentalmente ao trabalho
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de pesquisa musical empregado por alguns DJ´s cariocas. Contatos com donos de lojas de disco,
donos de boates e viagens ao exterior garantiram o abastecimento de discos de vinil voltados à
realização dos bailes.
Seguindo no circuito dos bailes, mas deslocando o olhar para outra região do Rio de Ja-
neiro, surge outro personagem importante na gênese do movimento black da cidade, o radialista
Newton Alvarenga Duarte, o Big Boy. Eis o responsável por promover os Bailes da Pesada, no
início da década de 1970. Entretanto, cabe ressaltar que, mais do que haver escrito uma parte da
história do funk carioca, Newton Duarte representou, no final dos anos 1960, uma profunda
transformação na forma de se fazer rádio no Brasil. Cabe aqui uma breve abordagem sobre o
trabalho deste comunicador com o intuito de compreender sua contribuição para a história do
funk carioca. As informações sobre sua carreira foram extraídas de uma edição de 2013 do pro-
grama De lá pra cá do canal TV Brasil, no qual ex-colegas de Big Boy e profissionais do rádio
comentam sobre sua trajetória. Também foi utilizado o documentário The Big Boy show (2003),
produzido por Leandro Petersen e Claudio Dager, então alunos do curso de radialismo da UFRJ.
A carreira de Newton Duarte teve início em 1964, quando entrou na Rádio Tamoio co-
mo programador musical – o responsável por montar a sequência das faixas que iriam ao ar. Em
1967 foi contratado para trabalhar como apresentador de um programa musical na Rádio Mundi-
al, quando ganhou o apelido de Big Boy, por ser gordo. A emissora, recém-comprada pelo grupo
Globo, buscava uma linguagem nova, voltada para o público jovem da época. Sob a direção do
jornalista e poeta Reinaldo Jardim, Big Boy passou a apresentar um programa que ia ao ar de
segunda a sexta-feira, às seis horas da tarde. A partir de então ele começou a construir um estilo
único de locução completamente estranho aos padrões do radio brasileiro. Inspirado no disc-
jockey norte-americano Wolfman Jack, Big Boy ficou famoso por sua voz rasgada ao gritar bor-
dões como “Hello, crazy people”. Ele também deu origem a uma abordagem diametralmente
aposta à dos locutores da época ainda marcados pela fala formal e a voz sempre empostada. Ten-
do carta branca da emissora para moldar seu próprio estilo, inclusive incluindo gírias em seu
texto, o locutor tornou-se sucesso de audiência no Rio de Janeiro. A atualidade com que apresen-
tava discos inéditos era um dos seus diferenciais. Uma das transmissões que lhe deu notoriedade
foi a reprodução na íntegra do álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Fã do
conjunto de Liverpool, Big Boy colocou o disco para tocar no programa do dia primeiro de junho
de 1967, data em que o álbum foi lançado no Reino Unido. Com isso o apresentador da Rádio
Mundial logrou apresentar ao público carioca, em primeira mão, um disco considerado paradig-
mático para a música pop desde então. Para ter esse acesso privilegiado aos discos de vinil, Big
Boy dispunha de uma rede de contatos que incluía donos de lojas e comissários de bordo, os
quais traziam do exterior os discos encomendados por ele.
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No ano de 1970, Big Boy passou a escrever a coluna musical Top Jovem para o jornal O
Globo. No mesmo ano, o discotecário da boate de Copacabana Le Bateau, Ademir Lemos, pro-
pôs a Big Boy a ideia de realizar um baile voltado para o público jovem que não podia frequentar
as casas noturnas. Assim foi criado o Baile da Pesada. Realizado aos sábados a tarde na tradicio-
nal choperia Canecão, no bairro de Botafogo, o evento chegou a registrar público de até 5000
pessoas – boa parte composta por jovens do subúrbio que enfim haviam encontrado uma opção
de diversão acessível. Os discos colocados para tocar nos Bailes da Pesada traziam os principais
lançamentos da música pop internacional, abarcando principalmente o rock, o soul e o funk nor-
te-americano. “Um passo à frente dos hi-fis (festas animadas por um simples aparelho de som e
um punhado de vinis), bastante comuns no subúrbio, e também da discotecagem das boates da
zona sul” (Essinger, 2005, p.17), Big Boy e Ademir Lemos criaram um baile em que o DJ era o
protagonista – entre uma sessão e outra, o locutor de rádio fazia intervenções alucinadas ao mi-
crofone, animando o público que dançava sob o jogo de luzes. Com os Bailes da Pesada, além de
levar para a pista de dança todo seu acervo de discos pop, o radialista usava sua versatilidade de
radialista para animar as festas, incorporando, assim como Dom Filó no Renascença, uma espé-
cie de “proto-MC”.
Considerando uma cidade como o Rio de Janeiro, simbolicamente dividida entre Zona
Sul (elite) e Zona Norte (periferia), as barreiras invisíveis que impedem a livre circulação em
determinados espaços sempre foram muito bem estabelecidas. Um dos marcos simbólicos desta
delimitação de territórios é o túnel Rebouças. Inaugurado em 1967, a obra foi construída com o
intuito de conectar as regiões sul e norte da cidade sem a necessidade de passar pelo centro. O
túnel liga os bairros Lagoa (sul) e Rio Comprido (norte), passando pelo Cosme Velho, através de
2,8 km de extensão que perfuram o rochedo do Maciço Carioca. Porém, a disparidade social e
econômica entre as duas pontas do túnel acabou por transformá-lo em um delimitador de frontei-
ra, determinando tacitamente que um grupo não deveria ocupar o espaço do outro. Foi exatamen-
te esse paradigma urbano que o Baile da Pesada conseguiu reverter quando a notícia do baile
chegou ao subúrbio. Grande parte do público que ia ao Canecão era formado por jovens negros
da periferia que, enfim, haviam encontrado um bom motivo para atravessar o túnel.
Analisando o Baile da Pesada para além da pista de dança é possível constatar que, mais
do que criar uma opção de entretenimento jovem, o baile conseguiu fazer com que parte da po-
pulação marginalizada se deslocasse para o Canecão, futuro templo da MPB em plena Zona Sul,
subvertendo as barreiras geográficas e culturais da cidade. Segundo a então esposa de Big Boy,
Lucia Duarte, em depoimento para o documentário da TV Brasil, o Baile da Pesada conseguiu
fazer com que a juventude do subúrbio atravessasse o túnel. Posteriormente o baile foi impedido
de continuar no Canecão para dar lugar a uma série de shows de Roberto Carlos, mas sua reper-
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cussão foi tamanha que Big Boy conseguiu manter o evento em outros locais, como afirma Her-
mano Vianna,

O Baile da Pesada foi transferido para os clubes do subúrbio, cada fim de semana em um bairro
diferente. Informantes que frequentavam esses bailes contam que uma legião fiel de dançarinos
ia a todos os lugares, do Ginásio do América ao Cascadura Tênis Clube. Big Boy, que tinha se
separado de Ademir mas contratava outras pessoas para cuidar dos toca-discos, anunciava seus
bailes no programa da Mundial, cada vez mais influente. Os Bailes da Pesada eram também rea-
lizados em clubes de outras cidades, chegando até a Brasília em 74 (Vianna, 1988, p.24-25).

Em março de 1977 Big Boy sofreu um enfarto devido a uma crise asmática vindo a fa-
lecer aos 33 anos de idade. Através dos Bailes da Pesada, promovidos em parceria com o DJ
Ademir Lemos, Big Boy deixou um importante legado para o futuro do funk carioca. Graças às
suas lições de organização, divulgação e discotecagem aprendidas por alguns assíduos frequen-
tadores dos Bailes da Pesada, começaram a surgir novos DJ´s e pequenos grupos que seguiram
promovendo bailes pelo subúrbio do Rio de Janeiro. Logo alguns destes grupos cresceram e ad-
quiriram equipamento de som próprio. A partir de então a discotecagem, sonorização, ilumina-
ção, divulgação, segurança e todos os detalhes que envolviam a organização do baile passaram a
ser serviço desses grupos organizados chamados “equipes de som”. Inclusive os DJ´s que co-
mandavam as pick-ups passaram a trabalhar em nome dessas equipes.
Uma das primeiras equipes a surgir foi a Soul Grand Prix, quando Nirto Batista de Sou-
za teve a ideia de circular com o baile da Noite do Shaft por outros clubes além do Renascença.
Primo de Dom Filó, Nirto queria aproveitar o sucesso do baile para propagar a cena por outros
bairros. Ele então organizou a SGP, como ficaria conhecida sua equipe, que no início contava
com um modesto equipamento de fabricação artesanal. “Assim, a Soul Grand Prix estava pronta
para começar a rodar os clubes do subúrbio. Com apenas duas caixas de som, o equipamento
podia ser transportado numa kombi” (Essinger, 2005, p.24). Conforme os bailes geravam lucro, a
Soul Grand Prix melhorava seu equipamento, contratava novos DJ´S e acrescentava elementos
que davam personalidade aos bailes. Um dos personagens-chave das apresentações da equipe era
o próprio Dom Filó que, através de intervenções ao microfone, propagava mensagens sobre en-
gajamento social aos jovens que dançavam na pista. Também foram incluídos conjuntos de dan-
ça, como o Angola Soul que contava com cerca de 30 dançarinos. Eles abriam espaço na pista e
apresentavam suas coreografias ao ritmo do soul e do funk. O visual dos integrantes da SGP,
todos com o penteado trança-raiz, também era uma marca importante para diferenciá-los das
demais equipes que optavam pelo penteado black power. “A bombástica música de abertura, as
luzes estroboscópicas, a chuva de filipetas... toda essa mise-en-scène criada por Nirto Promoções
(...) colaborou para o estabelecimento de um padrão que vigorou nos próximos bailes funks pelo
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menos até os dias em que este livro era escrito” (Essinger, 2005, p.24). Assim, com todos esses
elementos em funcionamento, a SGP contribuía não só com a realização dos bailes, mas também
ajudava a construir a estética do baile black que estava surgindo no subúrbio do Rio de Janeiro.
Conforme o circuito de bailes se consolidava, novas equipes surgiam. No bairro de Ro-
cha Miranda nasceu a equipe Black Power, sob o comando do DJ Paulão – frequentador dos Bai-
les da Pesada que iniciou suas atividades musicais discotecando em festas de rua. No bairro de
Irajá, Vanderlei Pimentel da Silva, colecionador de discos e dançarino dos Bailes da Pesada, cri-
ou a equipe Revolução na Mente. Outras equipes surgidas nesta primeira metade dos anos 70
foram Uma Mente Numa Boa, Dynamic Soul, Petrus, Boot Power, Sorac, Scorpio, Rick, Hol-
lywood, Soul Laser, Arte Negra, Black Soul, Atabaque e Joy Top. A proliferação destes grupos
foi tamanha que, em meados da década de 1970, o Rio de Janeiro contava com quase 300 equi-
pes de som responsáveis por realizar bailes semanais em clubes e escolas de samba cariocas.
Muitas destas equipes tiveram uma vida breve, entretanto, duas delas surgidas nesta
época, viriam a se consolidar como as principais realizadoras de bailes funk, a Furacão 2000 e a
Cashbox. A primeira surgiu na cidade de Petrópolis como uma equipe de rock que, ao mudar-se
para a capital, transformou-se em uma equipe de soul. Sob o comando do empresário Rômulo
Costa, a Furacão se tornou a principal equipe de som da cidade no início dos anos 1990, lideran-
do os sucessos dos bailes até meados dos anos 2000. Já a Cashbox nasceu no bairro do Méier por
obra de Marco Antônio Baranda, ouvinte assíduo das novidades apresentadas no programa de
Big Boy. Esta equipe também foi responsável por muitos bailes ao longo das décadas seguintes,
chegando a fazer forte concorrência à Furacão 2000.
A partir da metade da década de 1970 as equipes de som haviam se proliferado pelo Rio
de Janeiro e os bailes passaram a receber públicos cada vez mais numerosos. Conforme uma
equipe ganhava notoriedade na cena black ela acabava formando grupos de seguidores. Com
isso, começaram a ser promovidos os festivais de equipes de som – eventos no mesmo formato
dos bailes, porém com dimensões maiores. Um mesmo festival chegava a reunir – em um mesmo
dia – até sete equipes e público de até 15 mil pessoas. A juventude se encontrava para dançar ao
som do funk e soul norte-americanos e prestigiar a exibição do equipamento de som das equipes.
O primeiro destes festivais se chamou Primeiro Encontro dos Blacks, realizado no Grêmio Re-
creativo e Esportivo dos Industriários da Penha, em novembro de 1974. Nesse evento a equipe
Soul Grand Prix apresentou oficialmente o grupo de dança Angola Soul, que até então havia se
apresentado somente nos bailes do Clube Renascença. O ano seguinte, 1975, ficou marcado por
vários encontros de equipes, dentre os quais A Noite da Alma Irmã, Primeiro Encontro dos
Blacks Internacionais, Segundo Encontro dos Blacks, Primeira Concentra-Soul, A Convocação,
Primeira Procissão do Soul e o Terceiro Encontro dos Blacks. Algumas das equipes que partici-
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pavam destes festivais eram Soul Grand Prix, Equipe Black Power, Mr. Funky Santos, Monsieur
Limá, Uma Mente Numa Boa, Cashbox, Alma Negra, Modelo, América, B. Soul, Tropa Bagun-
ça, Black Star, Som Fischer e Apoluisom. Duelos entre a Soul Grand Prix e Big Boy marcaram
as duas edições do encontro A Briga: Big Boy e SGP.
Com equipes mais bem organizadas, um sistema próprio de divulgação e um público
cada vez mais fiel, o circuito dos bailes soul no subúrbio carioca atingiu seu ponto máximo na
metade da década de 1970. Como ilustra Hermano Vianna.

Mesmo com toda precariedade, os anos 74/75/76 foram momentos de glória para os bailes. Uma
equipe como a Soul Grand Prix, que cresceu rapidamente, fazia bailes todos os dias, de segunda
a domingo, sempre lotados. Existia uma grande circulação de equipes pelos vários clubes e de
um público que acompanhava suas equipes favoritas aonde quer que elas fossem, facilitando a
troca de informações e possibilitando o sucesso de determinadas músicas, danças e roupas em
todos os bailes (Vianna, 1988, p.26).

Conforme o público dos bailes crescia, alguns meios de comunicação começaram a


olhar com mais atenção para estes eventos até então despercebidos pelo restante da população da
cidade. Uma reportagem emblemática deste período foi a matéria da jornalista Lena Frias, publi-
cada no dia 17 de julho de 1976 no Caderno B do Jornal do Brasil, cujo título era O orgulho
(importado) de ser negro no Brasil Black Rio. Ao longo da reportagem a jornalista discorre so-
bre as equipes de som, sobre os bailes, cita números de frequentadores e destaca o lançamento de
discos de algumas equipes. Ela também discorre sobre o comportamento e a vestimenta caracte-
rística dos frequentadores dos bailes. Através de depoimentos de alguns líderes de equipes e de
jovens que iam aos bailes, a reportagem tratou de colocar o circuito black do Rio de Janeiro na
condição de uma manifestação estrangeira nascida dentro da cidade, mas que em nada se identi-
ficava com a cultura local. Segundo o texto, a música, a vestimenta, a dança e o comportamento
eram inspirados na imagem importada do jovem negro norte-americano por meio de filmes como
Wattstax, Claudine e Melinda, assistidos pelo público dos bailes. O texto também explora am-
plamente a oposição existente na época entre o rock (apreciado por brancos) e o soul (ouvido
pelo público negro) e o fato de pessoas brancas serem impedidas de entrar nos bailes de subúr-
bio. Alguns dos entrevistados afirmam que esta prática era uma reação ao fato de negros também
serem impedidos de frequentar alguns espaços de roqueiros brancos. Independentemente do viés
quase antropológico adotado pela reportagem, sua maior contribuição talvez tenha sido a desig-
nação de um nome para aquela nova cena musical do Rio de Janeiro. O nome Black Rio em le-
tras grandes no título da matéria de Lena Frias parece ter sido suficiente para batizar o movimen-
to dos bailes a partir de então.
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O surgimento daquela massa jovem que frequentava os bailes todos os finais de semana
e que agora era reconhecida pelo termo black rio logo despertou o interesse da indústria fonográ-
fica nacional. Em pouco tempo começaram a ser lançados discos das equipes de som. Porém,
cabe destacar que não eram trabalhos autorais. Tratava-se de compilações de soul e funk interna-
cionais que tocavam nos bailes. A capa de cada disco trazia o nome da equipe de som responsá-
vel pela organização da coletânea. Geralmente na contracapa estava o nome de todos os integran-
tes da equipe, agradecimentos ao público dos bailes e a lista de equipamentos utilizados nas
apresentações. “O primeiro disco „de equipe‟ (...) foi o LP Soul Grand Prix, lançado em dezem-
bro de 76 pela WEA” (Vianna, 1988, p.30). Em seguida equipes como Dynamic Soul, Black
Power e Furacão 2000 também lançaram suas compilações. Essa nova tendência fonográfica em
forma de coletâneas já havia tido seus primeiros lançamentos com discos de Big Boy e Ademir
Lemos no início dos anos 70, porém ainda traziam muito rock e pop internacionais. Já no auge
da black rio, nomes como Fred Wesley and The Horny Horns, Dennis Coffey, Kool and The
Gang, James Brown, Nelson Pickett, Bobby Byrd e Van McCoy predominavam na lista de artis-
tas internacionais que compunham estes discos. Nessa época os lançamentos contemplavam ex-
clusivamente o soul e o funk. Importante perceber que desde então começou a estabelecer-se
uma característica recorrente e fundamental ao mundo funk carioca: a apropriação e reutilização
de músicas internacionais, compiladas e reapresentadas ao público dos bailes sob um novo for-
mato. Este tornou-se um importante procedimento pelo qual o funk se fez como música ao longo
das décadas seguintes, inclusive quando os primeiro artistas autorais começaram a surgir.
Outra forma encontrada pelas gravadoras para estimular o mercado da black music no
Brasil foi o lançamento de artistas de soul e funk nacionais. Cabe lembrar que desde o início da
década de 1970, parte da música popular brasileira vinha se aproximando da soul music norte-
americana. Tim Maia, Gerson King Combo e Toni Tornado são exemplos de músicos brasileiros,
ligados ao círculo da MPB, que injetaram a sonoridade soul e funk em suas composições. Os três
cantores tiveram a oportunidade de morar nos Estados Unidos durante a década de 1960. De vol-
ta ao Brasil, trouxeram consigo as novas formas que a música negra internacional estava toman-
do naquele período. O compositor Cassiano também foi responsável por essa interação com a
black music integrando o conjunto Os Diagonais e fazendo parceria com Tim Maia em algumas
composições. Outro exemplo de nacionalização da música soul veio com o grupo carioca Aboli-
ção que em 1971 lançou o disco Som, sangue e raça sob o comando do pianista Salvador da Sil-
va Filho, o Dom Salvador. “O figurino e os cabelos black dos músicos na capa não desmentiam o
que se ouvia no vinil: era pura soul music amalgamada com música brasileira” (Essinger, 2005,
p.22). Por fim, até Roberto Carlos fez sua incursão por esse universo lançando, também em 71, a
canção Todos estão surdos, sob forte influência funk. Todavia, cabe esclarecer que todos esses
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artistas tendiam a uma identificação maior com o público de classe média, ouvinte da MPB, e
dificilmente eram tocados nos bailes de black music do subúrbio. Nestes era a música internaci-
onal que predominava até então.
Entretanto, nesse momento (1976), surgia o interesse em lançar artistas nacionais volta-
dos para a massa dos bailes, que vinha crescendo vertiginosamente. O empresário André Midani
investiu na tentativa de criar uma espécie de Motown brasileira (Essinger, 2005, p.36). À frente
da gravadora WEA (representante brasileira dos selos internacionais Warner, Elektra e Atlantic),
Midani solicitou aos integrantes da Soul Grand Prix que levassem até ele os músicos de black
music que existissem no Rio de Janeiro naquele momento. Dom Filó apresentou à WEA um con-
junto completo: Barrosinho (trompete), Oberdan Magalhães (saxofone), Lúcio da Silva (trombo-
ne), Jamil Joanes (baixo), Claudio Stevenson (guitarra), Cristovão Bastos (piano) e Luiz Carlos
Santos (bateria) compunham o conjunto musical batizado de Banda Black Rio que lançou seu
disco de estreia, o LP Maria Fumaça, em 1977. Além da Black Rio outros conjuntos foram pa-
trocinados por gravadoras para atrair o público dos bailes. Dentre eles estavam União Black,
Gerson King Combo, Robson Jorge, Rosa Maria, Alma Brasileira e até mesmo Tim Maia, Cassi-
ano e Tony Tornado (Vianna, 1988, p.30). Porém, a empreitada de criar uma MPB black não foi
bem sucedida, como mostra Hermano Vianna.

A maioria dos discos lançados como soul brasileiro foi um fracasso de venda. A sonoridade dos
arranjos nacionais, com exceção dos de Tim Maia, não agradou aos dançarinos cariocas. As
gravadoras foram pouco a pouco deixando o Black Rio de lado, argumentando que, se existe um
bom público de funk no Brasil, ele não tem “poder aquisitivo” suficiente para comprar discos
(Vianna, 1988, p.30-31).

O ano de 1977 marcou o início de um período de decadência na cena de bailes soul do


Rio de Janeiro, ou movimento black rio como ficou conhecida. Os motivos para a derrocada iam
além do desamparo que os artistas sofreram por parte das gravadoras. Alguns intelectuais e mei-
os de comunicação, diante do grande número de frequentadores dos bailes, adotaram um discur-
so nacionalista avesso à cena black carioca. Inclusive o antropólogo Gilberto Freyre teria alerta-
do sobre o risco de o movimento black rio desvirtuar o samba nacional (Essinger, 2005, p.41).
Programas de televisão passaram a ridicularizar o movimento e a própria gravadora que patroci-
nava alguns artistas blacks, a WEA, fomentou um certo clima de rivalidade entre artistas da
black rio e sambistas. Como ilustra Silvio Essinger, através de relatos de Dom Filó, o samba so-
fria certo ostracismo no final da década de 1970 e a gravadora usou da rivalidade com o soul
para tentar alavancar o ritmo nacional através de certo sentimento ufanista. O sambista Candeia,
contratado pela WEA, compôs o partido-alto Sou mais samba que trazia versos em defesa da
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língua portuguesa, do samba e seus instrumentos típicos em contraposição à juventude black


carioca e o gosto pela música norte-americana (Essinger, 2005, p.41).
O advento da disco music nos anos finais da década de 1970 também contribuiu para
que os bailes de soul e funk se dissolvessem rapidamente. Com um discurso distante das causas
raciais defendidas pelo soul e pelo funk, a disco pregava a alegria, o gosto pela dança e o respei-
to à diversidade de gêneros. Musicalmente, apesar de ser uma derivação do funk, a disco trazia
seções rítmicas mais uniformes e optava por arranjos de cordas no lugar dos metais do funk. Esta
música chegou ao Brasil através de discos, mas também por meio do cinema. O longa metragem
Saturday Night Fever, com John Travolta, rapidamente criou uma tendência discothèque no Rio
de Janeiro. No final dos anos 70, tanto as casas noturnas da Zona Sul, quanto os bailes de subúr-
bio, aderiram ao novo ritmo disco. Artistas como Barry White, Donna Summer, Bee Gees e
Abba tomaram o lugar da soul music e do funk. Hermano Vianna mostra o contexto que marcou
o declínio da black rio.

As equipes menores se debatiam com a indefinição do funk, em transição para o reinado disco.
Quando os filmes de John Travolta e a febre da discoteca chegaram ao Brasil, a maioria das
equipes aderiu ao novo ritmo, para o desespero dos fãs do soul. Esse foi um movimento raro:
Zona Sul e Zona Norte estavam dançando as mesmas músicas (Vianna, 1988, p.31).

Aqueles que acreditavam que a disco music havia corrompido o engajamento político
da black rio abandonaram os bailes. Esse foi o caso de Dom Filó que não aceitou que os bailes
passassem a tocar apenas disco e deixou sua sociedade na equipe Soul Grand Prix (Essinger,
2005, p.44). Gradualmente as equipes foram se adaptando ao novo repertório e dentro de pouco
tempo os bailes passaram a tocar predominantemente disco music. Esta adaptação marcou o fim
do período black rio nos bailes de subúrbio do Rio de Janeiro. Durante o tempo compreendido
entre os anos 1979 e 1984 aproximadamente, os bailes de periferia foram animados basicamente
por dois estilos. Primeiramente o “charme”, uma música black de dinâmica baixa, lenta e com
temática romântica. O outro estilo consistia em uma derivação da disco music que ficou conhe-
cido como “disco-funk”, ou “funky-disco”, caracterizado pela retomada de elementos do funk
tradicional, como explica Sílvio Essinger,

Um tipo de música com linhas de baixo bem presentes, feita por contrabaixos elétricos tocados
segundo a técnica do slap (de puxar as cordas e soltá-las para bater com força na escala e, ao
mesmo tempo, percuti-las com o polegar) ou mesmo teclados com som gordo, carregado nos
graves. Os avanços da eletrônica se fizeram presentes nos timbres robóticos dos teclados res-
ponsáveis pelas harmonias, e também no uso indiscriminado do vocoder – efeito para a voz, que
a deixa igualmente robótica (Essinger, 2005, p.52).
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Apesar da forte presença do charme e da disco-funk, um novo movimento cultural pas-


sou a influenciar profundamente o baile black carioca a partir da década de 1980. Trata-se do
fenômeno hip hop, gestado na cidade de Nova York a partir de meados da década de 1970. Além
de contribuir para as transformações sofridas pelos bailes e seus frequentadores, o hip hop foi
estrutural para a criação das primeiras composições da música funk carioca.

1.2 Do hip hop ao Funk Brasil

O hip hop é uma manifestação artística e cultural de origem afro-norte-americana, sur-


gida durante a década de 1970 no bairro do Bronx, na cidade de Nova York, e é composta por
quatro elementos fundamentais: o rap, o DJ, o break e o grafite. Rap é a sigla para rhythm and
poetry (ritmo e poesia) e consiste em um estilo musical em que um MC fala versos em rima so-
bre uma base rítmica reproduzida eletronicamente. Esta base pode ser criada por baterias eletrô-
nicas ou pode derivar do recorte e manipulação de um trecho musical pré-existente, posterior-
mente reproduzido em um aparelho de som. MC é a sigla para master of ceremony (mestre de
cerimônias), indivíduo responsável por cantar/falar a letra do rap enquanto a base é tocada. DJ,
sigla para disc jockey (disco jóquei), é o indivíduo responsável por reproduzir a base rítmica so-
bre a qual o rap é falado, além de selecionar as músicas para o público dançar. O break é a dança
realizada ao som do rap e das demais músicas, ou bases, reproduzidas pelo DJ. As designações
dadas aos dançarinos e dançarinas de break são b-boys e b-girls, respectivamente. Por fim, o
grafite é o estilo de arte visual vinculado à cultura hip hop, realizado com spray de tinta, origi-
nalmente pintado sobre muros e vagões de trens. Todavia, cabe destacar que cada um dos ele-
mentos constituintes do hip hop não foram criados instantaneamente. As figuras do MC e do DJ,
assim como os elementos formadores do rap, break e grafite foram concebidos gradualmente ao
longo da década de 1970 até constituírem o hip hop em sua forma conhecida.
Dentre as características musicais do hip hop, presentes no rap e no trabalho do DJ, ha-
bita a herança musical trazida pelo fluxo migratório da Jamaica para os Estados Unidos. A ilha
caribenha de fala inglesa, colônia do Reino Unido até 1962, desenvolveu ao longo da década de
1960 uma técnica musical denominada toasting. Este procedimento consistia em um indivíduo
falar ou cantar um texto enquanto era acompanhado por uma base instrumental reproduzida ele-
tronicamente em um equipamento de som. As letras poderiam ser improvisadas ou escritas pre-
viamente. Para compor as bases, o disc jockey poderia recortar um trecho da seção rítmica de
alguma canção, ou simplesmente reproduzir a parte instrumental de alguma faixa do repertório
popular jamaicano. Inclusive o formato como os discos de vinil eram lançados neste período
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contribuiu para consolidar o procedimento do toasting. Feitos no modelo 45 rotações, de tama-


nho reduzido, os discos traziam apenas uma faixa de cada lado. O lado A continha uma canção e
o lado B apresentava apenas a parte instrumental da mesma canção. Esta parte instrumental,
chamada version, era o material utilizado como base rítmica sobre a qual eram colocadas as le-
tras do toasting. Os ritmos jamaicanos encontrados nestas versions eram geralmente reggae, ska
e rocksteady. O cantor, ou declamador, deste estilo era denominado deejay, termo que não deve
ser confundido com a sigla DJ usada no contexto hip hop. O responsável por selecionar e repro-
duzir as bases instrumentais dos toastings chamava-se selector. As apresentações eram organiza-
das em espaços públicos e realizadas com equipamentos de som itinerantes denominados sound
systems. Todos estes elementos que compõem o sound system jamaicano e dão forma ao toasting
(deejay, selector e version) sofreram desdobramentos que resultaram na formação do rap. Em
última análise, a apropriação e manipulação de um material musical pré-existente em disco, usa-
do como apoio rítmico para uma fala musical, é o procedimento fundamental que o toasting her-
dou ao rap e, consequentemente, ao funk carioca, como sintetiza a fala do pesquisador Carlos
Palombini.

A música hip hop, da qual o funk carioca, em parte, deriva, tem sua origem na Jamaica, pelo
processamento em estúdio de gravações de rhythm and blues afro norte-americano. Removido o
canto, elas se transformavam em versions, e eram usadas como base rítmica para improvisações
vocais rimadas, nas tradições combinadas do toasting afro-jamaicano e do jive-talking (elocução
performática de alguns DJ´s de rádio norte-americanos), em festas ao ar livre animadas por
equipes móveis de som, os sound systems ou sounds, que compreendiam microfone, caixas de
som, amplificador, toca-discos, selector (equivalente ao nosso “DJ”), deejay (com função de
MC) e veículo para transportá-los (Palombini, 2013, p.141).

Em 1967 um garoto jamaicano nascido em Kingston chamado Clive Campbell chegou


ao Bronx sendo mais um dentre tantos imigrantes caribenhos a se estabelecer naquele bairro.
Campbell contribuiria profundamente para o futuro da música negra norte-americana, e interna-
cional, pois é tido como o responsável por levar para Nova York o modo de fazer música desen-
volvido pelos sound systems jamaicanos. Equipado com caixas de som e toca-discos, Clive
Campbell tornou-se o DJ Kool Herc e passou a organizar festas de rua nas quais tocava discos de
funk e soul norte-americano. Essas festas receberam o nome de bloc parties (festas de quartei-
rão) e transformaram-se na principal forma de diversão para a população desassistida dos guetos
nova-iorquinos. Uma das primeiras bloc parties organizadas pelo DJ Kool Herc ocorreu no dia
11 de agosto de 1973 no número 1520 da Avenida Sedgwick, no Bronx.
Atuando como DJ, Kool Herc era influenciado pelas técnicas de mixagem utilizadas pe-
los DJ´s da disco music de Nova York. Porém, o jamaicano desenvolveu uma nova forma de
manipulação das músicas tocadas. Através de um método de recorte feito com o aparelho de mi-
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xagem, Kool Herc selecionava e isolava um determinado trecho musical de alguma canção. Este
recorte geralmente provinha de alguma música de funk norte-americano e consistia em um tre-
cho exclusivamente rítmico, apenas com bateria, percussão e a linha de baixo. Este fragmento
rítmico selecionado pelo DJ recebeu o nome break e era tocado durante as demonstrações de
dança dos b-boys e, posteriormente, como base musical para as falas dos MC´s. Palombini deta-
lha como era o procedimento de Kool Herc.

Em discos de rhythm and blues e derivados (soul, funk, disco, rock), Kool Herc selecionava
segmentos rítmicos provenientes de breaks, fragmento da canção em que soa apenas a base (ge-
ralmente, baixo e bateria), e, com duas cópias da mesma gravação, uma em cada prato de dois
toca-discos, repetia os fragmentos em loop. Desse modo, surgia uma base, com função análoga
à da version jamaicana (Palombini, 2013, p.142).

Dois exemplos muito explicativos, e que eram usados como breaks, são as músicas
Scorpio da banda Dennis Coffey & The Detroit Guitar Band e Apache da banda Michael Viner´s
Incredible Bongo Band. Ambas trazem um momento de destaque rítmico no espaço intermediá-
rio da canção. Este trabalho de seleção, recorte e sobreposição musical trazido da Jamaica e de-
senvolvido por Kool Herc nas bloc parties do Bronx é considerado o início da cultura hip hop, a
qual viria a influenciar o funk carioca, como explica Silvio Essinger.

Em Nova York, Kool Herc faria o seguinte: no meio de algum sucesso do momento, ele jogaria
um break, ou seja, uma passagem instrumental com batidas boas para a dança, retirada de discos
de artistas obscuros (...). Assim, a partir de um material preexistente, Kool Herc criava novas
músicas e inaugurava não só a discotecagem autoral, como, mais tarde se veria, uma era de mú-
sica pós-moderna, feita a partir da colagem de pedaços de outras músicas (Essinger, 2005, p.
56).

Os breaks, além de fundo musical para a exibição de passos de dança do break dancing,
passaram a ser utilizados como base musical para a entoação de pequenas elocuções, frases, gri-
tos e jargões que tinham o objetivo de animar o público das festas. O responsável por criar as
falas e incitar a plateia através do microfone recebeu o nome de MC, master of ceremony, o qual
exercia uma função similar a do deejay jamaicano. Gradualmente a fala do MC foi se desenvol-
vendo e adquirindo maior protagonismo nas bloc parties. As pequenas frases e gritos se trans-
formaram em versos e estrofes e, dentro de pouco tempo, surgiram as primeiras letras. Os textos
eram falados ao microfone enquanto o DJ reproduzia as bases de funk selecionadas e mixadas. A
métrica da fala do MC não era independente da música reproduzida pelo DJ. Pelo contrário, ela
estabelecia uma íntima relação com o ritmo funk. Esse novo estilo musical feito de versos sobre-
postos a bases rítmicas de black music recebeu o nome rap, uma sigla para rhythm and poetry
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(ritmo e poesia). Por extensão, quem fala a letra do rap chama-se rapper, ou MC, nome que futu-
ramente seria usado para designar os cantores de funk carioca.
A segunda metade da década de 70 marcou o período de proliferação de DJ´s, MC´s e
raps pelos bairros de Nova York. Um dos discípulos de Kool Herc, considerado figura funda-
mental desta fase inicial do hip hop, é o DJ Grandmaster Flash. Dentre suas inovações como DJ,
destaca-se a criação do scratch (arranhão). Esta técnica consiste em mover o disco de vinil, com
a mão, para frente e para trás enquanto ele está tocando. O ruído gerado pelo atrito entre a agulha
e o disco se tornou símbolo do hip hop, além de ser um importante elemento rítmico nas compo-
sições de rap. Além de criar o scratch, Grandmaster contribuiu para a disseminação do rap, dan-
do espaço para MC´s apresentarem suas rimas nas festas em que promovia. Hermano Vianna
ilustra a contribuição de Grandmaster Flash.

Herc não se limitava a tocar os discos, mas usava o aparelho de mixagem para construir novas
músicas. Alguns jovens admiradores de Kool Herc desenvolveram as técnicas do mestre. Gran-
dmaster Flash, talvez o mais talentoso dos discípulos do DJ jamaicano, criou o
“scratch”(...)Além disso, Flash entregava um microfone para que os dançarinos pudessem im-
provisar discursos acompanhando o ritmo da música, uma espécie de repente-eletrônico que fi-
cou conhecido como rap. Os “repentistas” são chamados rappers ou MC´s, isto é, master os ce-
remony (Vianna, 1988, p.21).

Todavia, nos Estados Unidos, os precursores da prática de falar sobre uma base de black
music não foram os rappers. O músico Gil Scott-Heron figura entre os pioneiros na fusão entre
poesia falada e ritmo (Essinger, 2005, p.57), lançando ainda em 1971 a música The revolution
will not be televised. Outro grupo que também desenvolveu esta prática, denominada também
como spoken word (palavra falada) foi o The Last Poets, cujos integrantes discorriam poemas ao
som de atabaques. Porém, estas manifestações do início dos anos 70 ainda não figuravam como
manifestações do hip hop, uma vez que o conceito, bem como seus elementos formadores, ainda
não haviam surgido. Um dos primeiros nomes de destaque do rap, propriamente dito, foi o grupo
Furious Five, já na segunda metade da década de 70. Formado pelos rappers Cowboy, Melle
Mel, Kidd Creole, Scorpio e Rahiem, o grupo sobrepunha seus raps à discotecagem de Grand-
master Flash. Entretanto, a primeira faixa de rap a ser gravada foi a música Rapper´s Delight do
grupo Sugarhill Gang, composta pelo trio de rappers Big Hank, Wonder Mike e Master Gee.
Lançada em setembro de 1979, essa gravação inaugurou o selo independente Sugarhill que viria
a ser a principal gravadora de rap pelos próximos anos. Outro rap lançado ainda em 79 foi Chris-
tmas rappin’ (Rappin’ blow) de Kurtis Blow, mesmo autor do rap The breaks.
O primeiro disco de rap, com Rapper´s delight, foi um sucesso de vendas o que desper-
tou o interesse da algumas gravadoras independentes em relação ao hip hop (Vianna, 1988,
p.22). A Sugarhill logo contratou Grandmaster Flash & The Furious Five que lançaram o rap The
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message, em 1982. Com esta faixa surgiu mais um traço característico do hip hop: a denúncia
social (Essinger, 2005, p.59). A letra de The message descreve a realidade da vida nos guetos
nova-iorquinos de maneira crua e explícita. Em seguida surgiram outros grupos de rappers que
tratavam da temática social em suas letras, como por exemplo, Niggers With Attitude (N.W.A),
Public Enemy e Boogie Down Productions. Gradualmente as letras do rap de denúncia ficaram
cada vez mais pesadas. Falavam abertamente sobre violência, drogas e criminalidade. A intensi-
ficação desta temática acabou por criar um subgênero do rap denominado gangsta rap, tendo
como protagonistas os rappers 2Pac e Notorius B.I.G.
Neste contexto da virada das décadas de 70 para 80, além dos DJ´s Kool Herc e Grand-
master Flash, houve um terceiro personagem responsável pela concepção do hip hop: o DJ e
rapper norte-americano Afrika Bambaataa. Nascido no bairro do Bronx, Bambaataa é o funda-
dor do grupo de rap Soul Sonic Force, responsável por inserir novos elementos musicais à cultu-
ra hip hop da primeira metade da década de 1980. O raps que vinham sendo compostos até então,
principalmente aqueles sob a produção da gravadora Sugar Hill, invariavelmente se utilizavam
de trechos de soul e funk para construir as bases rítmicas que acompanhavam as rimas. A inova-
ção apresentada por Bambaataa e seu grupo consistiu na criação de seções rítmicas através do
uso de baterias eletrônicas, uma inovação da indústria de instrumentos da época. Os raps de
Bambaataa não eram mais acompanhados somente pelos breaks retirados de outras canções, mas
também pelas bases criadas nas baterias. Como resultado deste novo procedimento, as músicas
do Soul Sonic Force apresentavam timbres novos, sintetizados, resultando em uma atmosfera
futurista e espacial. A base rítmica, com timbres completamente eletrônicos, também caracteri-
zava-se pelos graves profundos. A influência para que Bambaataa buscasse esta nova sonoridade
vinha em grande parte da música pop eletrônica desenvolvida nos anos 70 pelo grupo alemão
Kraftwerk. Em 1982, sob a produção do DJ Arthur Baker, Bambaataa gravou Planet Rock, o rap
que simboliza este período de inovações no hip hop. A música faz uso da base harmônica da
música Trans-Europe Express do Kraftwerk, porém é acompanhada por uma base rítmica-
eletrônica dançante gravada em uma bateria eletrônica Roland TR-808.
Após Planet Rock, outras composições de Bambaataa seguiram o mesmo estilo e outros
artistas passaram a criar músicas dentro desta mesma estética eletrônica-futurista. Esta fase de
experimentações dentro do universo hip hop resultou no surgimento de um novo estilo musical,
denominado electro music. Composto por acompanhamentos eletrônicos e linhas vocais ao estilo
do rap tradicional, porém com timbres artificiais, a electro surgiu voltada para a dança. Os bailes
de periferia do Rio de Janeiro, que até 1982/83 vinham sofrendo com certa falta de identidade
musical após o fim da fase black rio, foram invadidos pelo hip hop e pela electro. Em seu livro
de 1988, Hermano Vianna descreve como, ao longo daquela década, os bailes foram adaptando
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seu repertório ao hip hop importado dos Estados Unidos e, não apenas a música, mas também a
dança e a vestimenta dos frequentadores sofreram mudanças.

Uma rádio FM, até então desconhecida, chamada Tropical, começou a divulgar os bailes e o
funk em programas especializados. Os discotecários desses programas, por volta de 83, tocavam
100% charme, mas reservavam os últimos minutos para alguns raps. A mudança foi “lenta e
gradual”: no final de 85 os mesmos programas já eram quase 100% hip hop, apenas os primei-
ros minutos ficavam com o charme. Os bailes também foram mudando do charme para o hip
hop. Paralelamente a essa transformação musical, apareceram as danças em grupo (as danças no
“soul” eram mais improvisadas, individualizadas) e o novo estilo indumentário: os bermudões,
os bonés, etc., nada soul, nada afro, tudo bem distante das regras do orgulho negro (Vianna,
1988, p.31).

O DJ precursor do funk carioca Fernando Luís Mattos da Matta, conhecido como DJ


Marlboro, iniciou seus trabalhos em bailes do Rio de Janeiro nesta época de incorporação do hip
hop e da electro. Ele e outros DJ´s realizaram uma pesquisa discográfica independente aos meios
de comunicação e trouxeram para os bailes do Rio os lançamentos musicais mais recentes dos
Estados Unidos. Após o sucesso causado por Plane Rock de Afrika Bambaataa, outros artistas de
electro passaram a compor a lista principal de músicas dos bailes. É neste período que a palavra
“funk” passa a ser utilizada pelos frequentadores dos bailes para denominar o repertório de hip
hop e electro que lhes era apresentado pelos DJ´s. Silvio Essinger descreve este período.

O rap também foi absorvido bem, especialmente as primeiras produções da Sugar Hill, de
Grandmaster Flash e The Sequence. (...) Mas nada foi tão marcante quanto Planet Rock. (...)
Assim, ele (Marlboro) e outros DJ´s cariocas chegariam a músicas que viraram clássicos do
electro, como Play at your own risk (Planet Patrol), One more shot (C-Bank), Space in the place
(Jonzun Crew), Clear (do Cybotron, projeto do pioneiro do Techno Juan Atkins) e Body me-
chanic (Quadrant Six). Os subúrbios do Rio consumiam essa eletrônica de vanguarda – batizada
por aqui, enfim, de funk – que ainda demoraria um tanto a chegar aos ditos bairros nobres da ci-
dade (Essinger, 2005, p.61).

Apesar de o funk norte-americano dos anos 70 estar na gênese da história do funk cario-
ca, no Rio de Janeiro o nome funk passou a ser utilizado para referir-se à música que animava os
bailes de periferia a partir de meados da década de 80. Portanto, nesse período, funk significava
o repertório de hip hop e electro tocado pelos DJ´s nos bailes. Futuramente também será o nome
dado à produção musical feita no Rio de Janeiro para animar os mesmos bailes, o funk carioca de
fato. Esta observação se faz importante para evitar uma relação equívoca entre o funk carioca e o
funk norte-americano, mas também para mostrar que ambos não estão desvinculados historica-
mente. Pelo contrário, o funk carioca deve boa parte de sua existência ao seu homônimo estran-
geiro. Segundo DJ Marlboro, o nome permaneceu da época em que se ouvia funk norte-
americano nos bailes. Mesmo quando o repertório mudou para a electro music, o público dos
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bailes continuou usando o termo para se referir às músicas dançadas, pois não havia outro nome
a ser usado (Essinger, 2005, p.92). Hermano Vianna faz referência ao uso da nomenclatura funk,
iniciado neste período, e estabelece algumas diferenças entre as novas características do baile
carioca e a cultura hip hop.

Apesar de os bailes suburbanos serem dedicados a esse tipo de música, são poucas as pessoas
que utilizam a palavra hip hop. Funk, funk pesado, balanço são os nomes mais populares. Tam-
bém não se pode dizer que o mundo funk do Rio faça parte de uma cultura hip hop. As roupas
dos dançarinos cariocas não têm nada a ver com o estilo b-boy. As danças também são muito di-
ferentes (Vianna, 1988, p.34).

O pesquisador em comunicação Micael Herschmann, em seu livro O funk e o hip hop


invadem a cena, segue o pensamento de Vianna explicando como surgiu o termo “funk” e mos-
trando a capacidade que o funk teve para se apropriar e reinterpretar a cultura hip hop.

Apesar de o hip hop norte-americano ter influenciado a dinâmica da cultura funk e algumas de
suas músicas serem tocadas com certa frequência nesses bailes realizados nos subúrbios da ci-
dade, poucas eram as pessoas associadas ao movimento que faziam referência ao termo hip hop.
Expressões como “funk”, “balanço” e “funk pesado” passam a ser as designações mais popula-
res. Também não se podia afirmar que o mundo funk carioca fizesse propriamente parte da cul-
tura hip hop. Pode-se dizer que, cada vez mais, o “local reinterpretava o global”; estava em an-
damento um intenso processo de apropriação da cultura hip hop por parte dos consumidores ca-
riocas que determinou similaridades mas, principalmente, diferenças entre o “funk nacional” e o
hip hop em geral, ressimbolizado no mundo inteiro (Herschmann, 2000, p. 23).

Além da definição de um nome para este movimento musical, o período trouxe um


crescimento na produção discográfica das equipes de som. A venda de LP´s voltou a aumentar
após a entrada do hip hop e da electro no circuito dos bailes cariocas. Dentre as principais equi-
pes desse momento estão a Soul Grand Prix (SGP), Furacão 2000 e Cashbox. O LP de 1986 da
SGP chegou à marca de 106 mil cópias vendidas, tornando-a a primeira equipe de som a receber
disco de ouro. Esta conquista fez com que fossem inscritas palavras de agradecimento ao público
dos bailes na contracapa do disco subsequente. O texto consegue dar a dimensão do movimento
dos bailes funk de então, como segue.

À atenção dos 680 mil jovens que a cada fim de semana em 61 clubes do Grande Rio dançam ao
som das equipes. Vamos multiplicar... Sem brigas nos clubes e fora deles, fazendo amor e não
guerra, respeitando o próximo, valorizando a liberdade com a liberdade, a paz. Só assim, no
próximo ano, seremos 1 milhão de pessoas nos 100 clubes a dançar com as equipes de som no
Grande Rio. Obrigado a esse povão e, em especial, às 106 mil pessoas que compraram o último
LP da Soul Grand Prix, que nos valeu o nosso 1º Disco de Ouro (Soul Grand Prix, 1988).

Voltando aos Estados Unidos da segunda metade da década de 1980, a electro music
ainda teve outro desdobramento que influenciou diretamente os bailes do Rio de Janeiro da
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mesma época. O som feito por baterias eletrônicas, em especial a Roland TR-808, estava saindo
de Nova York e se proliferando por todo o país. Um dos destinos da electro foi o Estado da Fló-
rida, onde o produtor musical Tony Butler compôs músicas como Don´t stop the rock e It´s au-
tomathic, as quais continuavam fazendo uso de atmosferas futuristas e timbres robóticos, porém
imprimiam maior contorno melódico nas linhas vocais e nas bases. Além disso, as frequências
graves ganharam mais destaque. Além de Butler, artistas como MC ADE, MC Shy-D, DJ Magic
Mike, Gucci Crew II, Boyz From the Bottom, Kooley C e 2 Live Crew também começaram a
produzir canções dentro deste mesmo estilo, o qual foi então denominado miami bass. O conteú-
do das letras trazia um clima festivo carregado de conotação sexual, distante do engajamento
político dos raps nova-iorquinos . As faixas com graves profundos eram comumente ouvidas em
carros com equipamentos de som muito potentes e as capas dos discos geralmente exibiam mu-
lheres seminuas. Esta era a estética em torno do miami bass.
MC Leonardo, integrante da primeira geração de funkeiros do Rio de Janeiro, explica
que a electro que chegou à Florida sofreu suas transformações devido às características geográfi-
cas e sociais presentes em Miami. Uma cidade turística, litorânea, de clima tropical e habitada
por um grande número de imigrantes latino-americanos, fez com que a música vinda de Nova
York adquirisse qualidades voltadas para a diversão e a dança. Portanto, aquela electro ainda
muito próxima ao hip hop do Bronx e aos passos de break transformou-se e um novo estilo mais
próximo de um contexto caribenho, marcado pela sensualidade.
Mais uma vez, graças ao trabalho de pesquisa fonográfica dos DJ´s dos bailes funk, o
miami bass, que passava longe dos grandes meios de comunicação brasileiros, foi trazido para os
bailes do Rio de Janeiro, onde obteve grande aceitação do público. MC Leonardo ressalta algu-
mas características em comum entre Miami e a capital carioca que explicariam a boa receptivi-
dade do novo estilo. Dentre elas o fato de o Rio de Janeiro também ser litorâneo, tropical e turís-
tico, mas também por possuir uma parcela da população que, por ser historicamente segregada,
precisa criar seus próprios meios de entretenimento. Segundo o MC, a população negra estava
para o Rio de Janeiro assim como os imigrantes latinos estavam para Miami.
Ao serem tocadas nos bailes do Rio, as faixas de miami bass que faziam mais sucesso,
cujos títulos originais eram em inglês, eram rebatizadas pelo público, ou pelos DJ´s. Os novos
nomes, em português, dados às canções eram precedidos pelo termo “melô”, uma derivação da
palavra melodia. Este período do final da década de 1980 ficou conhecido como a época das me-
lôs, uma fase que já encaminhava o universo do funk rumo às suas primeiras composições. Cabe
ressaltar que o ato de renomear as músicas de um repertório importado traz à tona a constante
capacidade de apropriação e ressignificação artística empregada pelo público dos bailes. A “mas-
sa funkeira”, em vários momentos de sua trajetória, mostrava-se disposta a imprimir um caráter
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local às músicas internacionais. Mesmo sem entender a língua inglesa, criava-se uma identifica-
ção particular com as músicas estrangeiras, dando-lhes nomes que fizessem sentido no baile. A
melô era a forma de o público se apropriar daquilo que lhe era trazido de fora. Às vezes esse
nome poderia ser uma simples derivação do som das palavras. Alguns dos principais sucessos do
miami bass que tocaram em bailes funk, com seus respectivos nomes locais, eram: How much
can you take (Melô da sexta-feira 13), Bass rock express (Melô da locomotiva), Bass mechanic
(Melô do cachorro), I´ve got to be touch (Melô da pantera), Do wha diddy (Melô da mulher feia)
e One and one (Melô dos números). Carlos Palombini traz outros exemplos da época e comenta
este processo de nomeação.

A ressignificação decorre do próprio modo de existência da reprodução: um som produzido


alhures, outrora, soa aqui, agora, e adquire significados inerentemente distintos. A apropriação
é ilustrada do modo mais simples pela nomeação: Le Freak do Chic (1975) é Já fiz xixi; You
talk too much com Run-D.M.C. (1985) é Taca tomate; It´s authomatic do Freestyle (1986) é a
Melô do thothomere; I’ll be all you ever need com Trinere (1986) é Ravióli eu comi; Whoomp!
(There it is) com Tag Team (1993) é Uh! Tererê (Palombini, 2013, p.146-147).

Freestyle, ou latin freestyle, foi outro estilo derivado da electro, também desenvolvido
pelo produtor de Miami Tony Butler e que tocou muito nos bailes do Rio de Janeiro no final dos
anos 80. Seguindo a mesma estética de sons completamente eletrônicos produzidos nas baterias
Roland, o freestyle se diferenciava do miami bass em relação ao conteúdo das letras, as quais
seguiam a linha romântica, ao invés do sexo explícito. No circuito dos bailes cariocas o freestyle
ficou conhecido como funk melody e tinha como principais artistas as cantoras Trinere e Debbie
Deb. Mas, apesar de nomenclaturas diferentes, todos os sucessos do freestyle, miami bass e hip
hop eram apresentados ao público sob o nome funk.
Gradualmente DJ´s e equipes de som foram conquistando espaço nas rádios do Rio, pe-
las quais divulgavam não apenas as músicas que tocariam nos bailes, mas também as datas dos
próximos eventos, tudo enunciado por meio das gírias próprias do público funkeiro. A equipe
Cashbox tinha seu programa na Rádio Imprensa, a Furacão 2000 na Rádio Antena 1, a Soul
Grand Prix nas rádios Imprensa e Manchete e o DJ Marlboro era apresentador na Rádio Tropical
(Essinger, 2005, p.71). Na televisão o funk também conquistou espaço, ainda que mais limitado,
representado principalmente pelo programa Som na Caixa da TV Corcovado, apresentado pelo
DJ Cidinho Cambalhota. Lá era apresentado o trabalho das principais equipes de som da cidade,
além de serem divulgadas as datas dos bailes funk e exibidos videoclipes de black music. “Numa
época em que o Brasil ainda não tinha MTV e os programas de clipes eram raros, a garotada se
fartava com as mais sensacionais novidades do R&B e do hip hop na hora do almoço, sempre de
segunda a sexta-feira” (Essinger, 2005, p.87).
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Dentre os DJ´s que faziam bailes funk no final da década de 1980, Marlboro vinha se
destacando devido à lista de sucessos que tocava em seu set e por conta de sua habilidade apura-
da ao usar os equipamentos de som. Ele era tido como um dos únicos DJ´s do Rio de Janeiro a
dominar a técnica do scratch. Através de seu programa de rádio e dos bailes em que trabalhava
em nome da equipe Soul Grand Prix, ele conseguiu visibilidade suficiente para participar de um
concurso de DJ´s em São Paulo. Vencedor do concurso, Marlboro foi premiado com uma viagem
para Londres, onde iria participar de uma competição internacional de DJ´s. De volta ao Brasil, o
DJ passou a gestar um projeto de nacionalização do funk, baseado na ideia de que a música dos
bailes precisava de representantes brasileiros para ganhar força, visibilidade e assim poder ir para
além do subúrbio carioca. Durante um longo período Marlboro passou fazendo experiências so-
noras com uma bateria eletrônica emprestada por seu amigo e pesquisador Hermano Vianna. A
bateria da marca Boss DR-110 pertencia ao seu irmão, Herbert Vianna, então guitarrista e voca-
lista do grupo Paralamas do Sucesso. Além da bateria Marlboro também adquiriu um teclado
Casio SK1 capaz de armazenar e reproduzir diversos tipos de bases rítmicas e melodias. Esta
funcionalidade dos equipamentos eletrônicos, denominada sampler, foi de muita importância
para que as primeiras composições de funk carioca pudessem surgir.
Após algumas experiências, em 1989 o DJ Marlboro finalmente fez a Melô da mulher
feia. A música era uma versão do miami bass Do wha diddy do grupo 2 Live Crew, que já fazia
muito sucesso nos bailes. O que Marlboro fez foi colocar uma letra nova, agora em português,
sobreposta à base da música original. A letra, cantada pelo rapper Abdulah, tratava de uma mu-
lher feia e que cheirava mal. Os versos são em tom irônico e jocoso, o que já anunciava a malícia
e a conotação sexual como traços típicos das futuras letras de funk. Dentre as características mu-
sicais, é evidente a estética de timbres eletrônicos trazida do miami bass. A canção também con-
tém uma forma responsorial estabelecida entre o rapper e o coro, característica que se adaptava
muito bem à atmosfera dos bailes, em que o MC cantava um verso e o público lhe respondia com
o verso seguinte. Além disso, a faixa obedece uma quadratura padrão de dois compassos de qua-
tro tempos para cada verso. Pode-se dizer, ainda que prematuramente, que esses elementos esta-
beleceram algo próximo a uma forma que a música funk carioca passaria a adotar em suas com-
posições, porém nada ainda muito definido. Assim, a Melô da mulher feia pode ser considerada
como a primeira composição de funk carioca. Em relação ao procedimento de criação utilizado
por Marlboro estão presentes a apropriação, o processamento e a ressignificação de uma música
pré-existente, estrangeira, transformada em um material com sentido artístico para o público lo-
cal. Esta forma de criação é o cerne da produção funkeira desse período.
Após concluir sua primeira melô, Marlboro tocou a música em seu programa de rádio.
A faixa obteve muito sucesso e rapidamente passou a ser a canção mais pedida pelos ouvintes.
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Consequentemente tornou-se presente em todos os bailes funk. Dentro de pouco tempo Marlboro
foi levado por Cidinho Cambalhota para a gravadora PolyGram, onde gravaria outras melôs que,
ao lado de Mulher feia, comporiam o disco DJ Marlboro apresenta funk brasil. Também conhe-
cido simplesmente como Funk Brasil. Na falta de MC´s no Rio de Janeiro, Marlboro convidou
alguns conhecidos da rádio e das equipes de som para cantarem as melôs que fariam parte do
primeiro registro fonográfico da história do funk carioca. Dentre os convidados estava o próprio
Cidinho Cambalhota, que cantou a faixa Rap das aranhas, uma versão da música Rock das ara-
nhas de Raul Seixas e Claudio Roberto. As faixas Entre nessa onda e a Melô do bêbado foram
interpretadas por MC Batata. Por fim, Ademir Lemos, o mesmo que discotecava ao lado de Big
Boy nos Bailes da Pesada, figurou no LP com a faixa Rap do arrastão. Todas as músicas faziam
uso de bases de miami bass, baterias eletrônicas, samplers e efeitos na voz.
Em 1989 a figura do MC ainda não estava bem estabelecida no meio funk carioca. Por-
tanto, é possível perceber nas interpretações de Funk Brasil uma forma de cantar ainda muito
neutra, sem traços característicos. E, de fato, os convidados de Marlboro para a gravação do dis-
co não tinham experiência alguma com canto de miami bass. O próprio DJ Marlboro confessa
que teve que inventar alguns MC´s para que Funk Brasil se tornasse uma realidade (Essinger,
2005, p.87). Apesar disso, as músicas do disco funcionaram muito bem nos bailes. As já consa-
gradas bases do miami bass estavam ali, mas agora acompanhando letras em português. Este
detalhe mudou a forma da apreciação do funk e acentuou a relação de identificação do público
com as canções, uma vez que elas passaram a ser compreendidas e cantadas por todos. Enfim, o
baile funk começava a ser possuidor de material musical próprio, feito aos “funkeiros”. Funk
Brasil é tido como um possível marco do início do funk carioca, conforme aponta Carlos Palom-
bini.

De acordo com uma historiografia dominada pelas narrativas concordes do antropólogo Herma-
no Viana e do DJ Marlboro, a música funk carioca surge em 1989 com o lançamento do LP DJ
Marlboro apresenta funk brasil (Polydor 839917-1), suprindo os bailes com o primeiro gênero
brasileiro de música eletrônica dançante, uma criação nacional cuja matriz é uma variedade do
hip hop conhecida como miami bass (Palombini, 2013, p.2).

Letras irreverentes, feitas com a linguagem dos bailes, acompanhadas por bases eletrô-
nicas de miami bass, esta era a essência do Funk Brasil de Marlboro, o qual alcançou a marca de
250 mil cópias vendidas. Após seu lançamento, outros discos dentro do mesmo estilo começaram
a ser produzidos. Ainda em 1989, Angelo Antônio Rafael, o DJ Grandmaster Raphael da equipe
Furacão 2000, lançou o disco Super Quente em parceria com o negociante de discos Tony Minis-
ter. O LP trazia, dentre outras faixas, a Melô da Funabem e Bananeira rap, que traz outro proce-
dimento básico do que ficou conhecido como funk carioca: o de juntar melodias de cantiga de
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roda ao miami” (Essinger, 2005, p.95). Em 1990 Marlboro lançou Funk Brasil 2, o qual apresen-
tava alguns grupos que estavam surgindo no Rio de Janeiro como União Rap Funk, Rap Raça,
Funk Club, Movimento, Só Kaô e Cashmere. Dentre algumas das músicas estavam a Melô do
tarado, Melô do Sunda e Melô do dá dá dá. Ainda fizeram parte do disco a atriz Dercy Gonçal-
ves, cantando a música Resposta das aranhas e os atores Luiz Fernando Guimarães e Regina
Casé com Melô do Terror.
Funk Brasil ainda teria mais três edições ao longo dos anos 1990. Segundo o próprio
Marlboro, o objetivo desse projeto não era criar um grupo de funk, mas sim dar visibilidade ao
trabalho dos artistas que estavam surgindo na cena. Em 1990, MC Batata lançou o disco Conse-
lho, contendo o sucesso dos bailes Feira de Acari feita em uma parceria de Marlboro com o DJ
Pirata. 1991 foi o ano em que Ademir Lemos lançou seu disco, chamado Um senhor baile, tra-
zendo o Rap da rapa, cuja temática era cocaína, e 171, sobre as brigas nos bailes. A partir desses
primeiros materiais gravados na virada da década de 80 para 90, o funk começou a ter música
própria, produzida pelos artistas dos bailes: os DJ´s e MC´s. Aqui tem início o funk propriamente
carioca.
A divisão histórica do funk carioca pode ser feita a partir de várias perspectivas, toman-
do-se em conta diferentes critérios. A premissa aqui utilizada nesta organização temporal se ba-
seia prioritariamente em transformações musicais sofridas pelo estilo. Toma-se em conta, portan-
to, o surgimento de novas bases eletrônicas, as mudanças no processo de gravação, os procedi-
mentos de composição e o desenvolvimento de diferentes formas de cantar. Evidentemente, não
está sendo ignorado o contexto sociológico em que esta música foi criada, estando presentes
também apontamentos sobre a origem e a trajetória dos seus principais compositores e intérpre-
tes, bem como análises do conteúdo das letras. A exemplo do que fazem os pesquisadores Guil-
lermo Caceres, Lucas Ferrari e Carlos Palombini no artigo A era Lula/Tamborzão: política e
sonoridade, cada etapa do funk exposta neste histórico receberá o nome da respectiva base ele-
trônica que mais bem a caracteriza. Portanto, nas linhas que seguem serão abordadas as três ba-
ses eletrônicas utilizadas pelo funk: volt mix, tamborzão e beatbox. Cada uma delas representa
uma etapa da subdivisão histórica do funk desenvolvida aqui.

1.3 Volt mix e os MC´s do morro

Conforme exposto até aqui, o funk carioca teve suas primeiras composições a partir de
experiências com baterias eletrônicas e samplers. Através de parcerias entre DJ´s, membros de
equipes de som, MC´s e produtores de rádio, foram feitos os primeiros raps e melôs. Rap, origi-
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nalmente um termo do universo hip hop, passou a ser utilizado para denominar as primeiras
composições de funk carioca, as quais consistiam em canto acompanhado por uma base eletrôni-
ca, geralmente retirada de um miami bass. O mundo funk enfim começava a construir seu reper-
tório próprio. Esta produção local levou a uma identificação cada vez mais consistente entre o
funk e o seu público. Consequentemente, o movimento dos bailes cresceu vertiginosamente, reu-
nindo cerca de 1 milhão de pessoas em aproximadamente 700 bailes em toda a cidade. O aumen-
to maciço do número de frequentadores nos bailes fez com que a violência se tornasse um pro-
blema frequente nesses eventos. Grupos de amigos, chamados de galeras, brigavam entre si e
colocavam em risco a continuidade dos bailes. Para tentar amenizar o problema da violência e
evitar que esse bom momento do funk fosse prejudicado, algumas equipes de som começaram a
organizar os chamados festivais de galeras. Similares a gincanas, nestes eventos os grupos dispu-
tavam diferentes provas e ao final a galera vencedora ganhava um prêmio. Substituía-se a panca-
daria por uma disputa sem maiores riscos.
Os DJ´s Marlboro e Grandmaster Raphael, determinados na empreitada de nacionaliza-
ção do funk, acreditavam que o futuro do estilo estava na juventude marginalizada que frequen-
tava os bailes. Para os dois, a essência do funk estava naqueles garotos que dançavam e canta-
vam ao som das batidas eletrônicas. Talvez um sentimento similar a quando os DJ´s do Bronx
abriram espaço para os primeiros rimadores do hip hop de Nova York. Grandmaster, que traba-
lhava para a equipe Furacão 2000, percebeu que os festivais de galera, cujo objetivo era sim-
plesmente conter a violência, poderiam ser catalisadores de possíveis talentos vindos da massa
funkeira. Os festivais da Furacão então passaram a incluir um concurso musical em que cada
galera deveria apresentar uma composição. A partir disso, aquele público que havia crescido
dançando ao som da electro norte-americana, e que há algum tempo vinha assimilando as formas
musicais apresentadas em Funk Brasil e outros discos, ganhou um espaço para tentar desenvol-
ver e expor sua própria maneira de fazer funk. Logo os primeiros compositores/cantores começa-
ram a surgir e os festivais de galeras se tornaram festivais de MC´s. As músicas apresentadas
estavam naturalmente dentro do estilo funk carioca feito na época. Um dos festivais emblemáti-
cos deste início foi o realizado no Baile do Mauá, na cidade e São Gonçalo, região metropolitana
do Rio de Janeiro, em 1992. A disputa foi vencida pela música Rap do Pirão, composta pelo
desconhecido Edimar Pedro Santana. Com o sucesso que a música teve nos bailes, o garoto se
transformou no MC D´Eddy. O cantor não era morador de favela, porém a letra do rap fazia uma
saudação às comunidades Mutuapira e Boa Vista, uma das maiores galeras de São Gonçalo, além
de pedir menos violência nos bailes. A música seguia a forma preconizada pelos DJ´s até então:
canto e base eletrônica de miami bass.
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O Rap do Pirão é um dos primeiros funks feitos por um indivíduo desconhecido e não
por um DJ ou produtor que já estivesse envolvido com o circuito de equipes e bailes. Portanto,
um dos méritos da música do MC D´Eddy é haver mostrado ao público dos bailes que qualquer
jovem ali, tendo uma ideia musical em mente, poderia mostrar sua composição no festival e ficar
famoso com ela. Quando um garoto compunha um rap e queria apresentá-lo no festival de MC´s,
bastava subir ao palco, escolher uma das bases eletrônicas tocadas pelo DJ e cantar seus versos
sobre o acompanhamento. A equipe do baile dava todo o equipamento necessário. O MC preci-
sava apenas criar e interpretar. Este procedimento composicional simples e acessível causou uma
rápida proliferação de MC´s pelo Rio de Janeiro. Aquela parcela pobre e marginalizada da juven-
tude carioca por fim encontrava uma forma de expressão artística viável e que a representasse,
bem como uma oportunidade para melhorar de vida. Uma vez que um funk ficava conhecido, o
MC que o havia feito se apresentava pelo circuito dos bailes e recebia por isso. Inclusive ganha-
va melhor do que em qualquer trabalho comum que pudesse realizar.
As bases eletrônicas que serviam de acompanhamento para estes novos MC´s nada mais
eram que a parte instrumental de algum sucesso da electro que já tocava nos bailes. Dentre as
bases mais utilizadas neste período estão a jive (faixa do disco Rhythm & Tracks da Jive Re-
cords), a volt mix (retirada da faixa 808 Beatapella Mix, do DJ Battery Brain), Ice T (extraída de
What ya wanna do, do rapper Ice T) e Hassan (da música Pump up the party, do cantor Hassan)
(Essinger, 2005, p.101-102). A base era tocada pelo DJ, acrescida de alguns efeitos de bateria
eletrônica e samples. Sobre ela fluía o texto trazido pelo MC. Este processo de manipulação so-
nora, envolvendo recorte e colagem de materiais fonográficos, e a sobreposição de vozes, ritmos
e efeitos, atesta a presença do toasting jamaicano e do rap norte-americano no modo de criação
do funk carioca. A atividade de DJ´s e MC´s do Rio de Janeiro deixa evidente a herança de um
procedimento composicional desenvolvido por outras manifestações musicais populares de ma-
triz africana. Caceres, Ferrari e Palombini explicitam esse processo de criação do funk.

A base rítmica pode consistir numa combinação de palmas e sons vocais executados por um
grupo em círculo ou semicírculo à volta de um corpo que improvisa e rima como em outras ma-
nifestações afro-brasileira. A história do funk carioca contudo depende menos dos cocos e da
teoria da música concreta que da inventividade da diáspora africana e dos fluxos e refluxos de
suas culturas – de Memphis para Kingston, de Kingston para o Bronx, do Bronx para Miami e
de Miami para o Rio de Janeiro – na partilha daquela “engenhosidade na redistribuição dos res-
tos” que caracteriza (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014, p.180).

No entanto, apesar de várias faixas de miami bass norte-americano serem utilizadas nos
raps do funk, foi um electro vindo de Los Angeles, e não de Miami, que obteve maior represen-
tatividade neste período: a base volt mix. Ela foi extraída da música 808 Beatapella Mix, presen-
te no single 8 Volt Mix do DJ Battery Brain. Gravado em uma bateria Roland TR-808, procedi-
30

mento muito comum na época, o som do volt mix tornou-se símbolo do funk carioca dos anos
1990, sendo utilizado em diversos raps ao longo da década. A base é composta por vozes rítmi-
cas: bumbo, caixa, chimbal e uma linha de som eletrônico feito a partir de ondas elétricas produ-
zidas pela própria TR-808. A seguir está citada a descrição rítmica da base volt mix, feita pelo
três pesquisadores supracitados, seguida da transcrição do volt mix em notação musical (Figura
1), apresentada no artigo Era Lula/Tamborzão. O texto usa o nome “impulsão” para referir-se à
referida linha rítmica de ondas elétricas.

O Volt Mix compõe-se de uma linha de chimbal fechado, dividindo em quatro a unidade do
tempo binário (ou em dois a do quaternário); de uma linha de caixa, marcando as segundas me-
tades de ambos os tempos (ou o segundo e o quarto tempos do quaternário); de uma linha de
impulsões, com quatro cliques na primeira metade do tempo forte (ou no primeiro tempo do
quaternário); e de uma linha de bumbo, sincopando três das dezesseis divisões do compasso (bi-
nário ou quaternário) (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014, p.184).

Figura 1 – Transcrição rítmica da base eletrônica Volt Mix (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014,
p.184).

As bases eletrônicas importadas dos Estados Unidos predominaram no mundo funk em


um período compreendido, aproximadamente, entre os anos 1992 e 2000. Nesta época o volt mix
teve maior destaque, sendo presença majoritária nas composições. Essa preponderância do volt
mix na fase de formação da música funk carioca deve-se ao fato de que “sua textura esparsa ofe-
rece amplo espaço à voz; suas divisões múltiplas fornecem ao canto uma rede de apoios; seus
sons complexos não impõe tonalidade” (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014, p.186). Talvez o que
o autor queira destacar seja o contraste entre o grave profundo do bumbo e o agudo do chimbal e
da caixa, perpassados pelas impulsões elétricas que ocupam uma zona intermediária da tessitura
total, criando uma massa sonora apropriada para receber o canto, ou a declamação, do MC. Nas
palavras dos autores,

O Volt Mix consiste em quatro linhas de TR808: no extremo grave, bumbo; no médio grave,
caixa clara; no extremo agudo, chimbal; para costurar isso tudo, cliques de voltagem que osci-
lam ciclicamente entre o grave e o agudo. Os termos bumbo, caixa clara e chimbal efetivamente
designam versões hiper-realistas dos sons correspondentes. Discreta, a voltagem é explicitamen-
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te eletrônica, com o perfil de um pinçamento duplo. Os demais sons são todos percussivos. Por
se tratar de materiais diferentes – pele, pele com esteira, metal – em linhas de densidades con-
trastantes, espaçosamente distribuídas na tessitura, a textura é nítida. O efeito é de equilíbrio.
(Palombini, 2015, p.3)

As divisões em dezesseis, no grave, em quatro, no médio, e em oito, no agudo, somam-se a dife-


renças de caráter entre os sons do bumbo, da caixa e do chimbal fechado para individualizar as
linhas de uma trama muito aberta e equilibrada, que a voltagem alinhava ao explicitar o máxi-
mo divisor comum, e atravessar, com sua massa, três zonas do campo das alturas, sem tocar os
extremos (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014, p.186).

Palombini ressalta que o Volt Mix não exige uma tonalidade definida por parte de quem
canta. Apesar de o funk possuir elementos melódicos, estando mais próximo ao canto se compa-
rado ao rap, por exemplo, realmente não há uma determinação harmônica clara nas canções. Essa
característica se faz presente nas composições até hoje. Ouvindo alguns exemplos pode-se inferir
os possíveis motivos para esta ausência de afinação. O primeiro deles é a forte ascendência que o
canto do funk possui em relação à declamação do rap, que em seu formato tradicional é pratica-
mente falado, sem melodia presente. Como no rap, o canto do funk é construído a partir das in-
flexões da fala cotidiana. O segundo motivo é a utilização de sons majoritariamente percussivos
na construção das bases eletrônicas que acompanham o canto do MC. Este fato torna o rigor to-
nal ainda mais prescindível. Muitos funks, todavia, apresentam em suas bases motivos e temas
melódicos com altura definida. Eles são geralmente gravados com teclados, sintetizadores ou
provenientes de samples. Entretanto, a presença de uma possível melodia instrumental, ou até
um acompanhamento harmônico, não impõe sua tonalidade sobre o canto do MC. O essencial
para o cantor é passar sua mensagem com clareza, respeitando o ritmo e a métrica – valores cla-
ramente herdados do rap. O terceiro motivo, de cunho menos musical e mais sociológico, pode
ser o fato de os MC´s, via de regra, nunca terem tido acesso a qualquer tipo de educação formal
em canto.
Durante esse início da era volt mix no funk, a equipe de som Cashbox também promo-
veu um concurso de MC´s. O prêmio iria para o compositor que criasse o melhor rap falando
sobre a favela da Rocinha (Essinger, 2005, p.103). O vencedor foi Everaldo Almeida da Silva,
morador daquela comunidade. Após ganhar a disputa contra outros 30 concorrentes, Everaldo
apostou na nova carreira e tornou-se o MC Galo, ganhando fama nos bailes funk do Rio de Ja-
neiro. Dentre suas principais criações estão o Rap das montagens (História do funk), Subo o
morro, Catador de latinha e Rap do romance. Com suas letras MC Galo traz para o universo do
funk os temas da contestação e denúncia sociais, retratando injustiças cometidas contra a popula-
ção dos morros cariocas. O Rap das montagens, por exemplo, faz menção à chacina ocorrida em
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29 de agosto de 1993 na favela Vigário Geral, em que 21 pessoas inocentes foram mortas pela
polícia do Rio.
Outra característica importante presente nos raps de MC Galo é a celebração do lugar
onde ele cresceu: a comunidade da Rocinha. Desta forma, exaltando os moradores da maior fa-
vela da América Latina e tudo o que aquele lugar lhe ensinou, MC Galo foi precursor no proces-
so de transformação do funk em símbolo identitário das favelas cariocas. A partir de então uma
constante nos versos de muitos funks é a homenagem e a exaltação feitas ao lugar de origem de
cada MC. Na forma de agradecimentos ao povo do morro, ou denúncias escancaradas da violên-
cia nas comunidades, a periferia passou a ser tema central nas letras de funk. Quem fosse mora-
dor de determinada favela e frequentasse o baile funk de sua comunidade a partir de então pode-
ria dançar ao som de canções que retratavam a mesma favela, pois havia sido composto por outro
morador do mesmo lugar. A identificação se dá pela música, pela poesia e pela figura do MC,
transformado em porta-voz de uma realidade. Estabelece-se uma relação íntima de cumplicidade
entre artista, público e obra, relação esta consagrada sempre no momento do baile, que cada vez
mais se transformava em espaço de celebração das coisas do lugar, fossem elas positivas, ou ne-
gativas. Constata-se, portanto, que neste período de surgimento das primeiras composições o
funk deixou de ser apenas meio de diversão, adquirindo também a função de crônica social,
constituindo-se em poderoso instrumento de identidade e representação para a população dos
morros e bairros periféricos. Sílvio Essinger descreve a representatividade do trabalho de MC
Galo no período, destacando a proximidade de suas composições com a estética de estilos tradi-
cionais brasileiros, como segue.

Com a chegada do MC da Rocinha, o que Marlboro preconizava para o funk se torna uma reali-
dade. Versador no estilo dos mestres do samba de partido alto, com melodias que derivavam
daquelas das cantigas de roda, Galo vinha com raps autenticamente cariocas, autenticamente fa-
vela. As suas letras eram compridas, com a estrutura dos repentistas, só que recitadas em cima
do Volt Mix ou outras bases (Essinger, 2005, p.104).

Durante a primeira metade dos anos 1990, novos MC´s continuaram surgindo nos festi-
vais de galeras e novas músicas continuaram sendo lançadas nos bailes. O retrato da vida na co-
munidade, a violência dos bailes e o elogio aos morros continuaram sendo a tônica das letras. O
volt mix continuou sendo a batida. Vindo da favela do Vidigal, surgiu Fábio de Oliveira Cordei-
ro, o MC Mascote, autor dos funks Rap da Daniela, Corredor, Lema do Vidigal e Bate na palma
da mão. De Santa Cruz surgiu Moysés Osmar da Silva, o MC Bob Rum, criador do Rap do Silva,
grande sucesso nos bailes e considerado um clássico do funk carioca. Além dos artistas solo,
começaram a se formar duplas de MC. Dentre algumas, as primeiras a surgirem foram Marqui-
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nhos e Dolores (Rap da diferença), Garrincha e Julinho (Rap de Santa Cruz) e Marcelo e Padilha
(Rap do curral). Silvio Essinger contextualiza o período.

Com muitas letras pedindo o fim da violência nos bailes, algumas desafinações e erros de por-
tuguês, além de um grande orgulho de serem funkeiros, os MC´s criaram um miami bass que ti-
vesse as suas caras. A Furacão 2000 e Marlboro (com sua produtora, a Afegan) gravaram as
músicas e as lançaram em discos. E o funk carioca se tornou uma realidade (Essinger, 2005,
p.110).

Além dos raps feitos por MC´s, outra forma musical surgiu no cenário funk nessa mes-
ma época: as montagens. Eram músicas que consistiam na sobreposição de um sample sobre uma
base eletrônica. O sample poderia derivar das mais variadas fontes. Poderia ser um trecho de
alguma canção de sucesso, ou mesmo uma fala retirada de algum filme. O DJ sobrepunha o áu-
dio selecionado ao ritmo. A frase escolhida era então recortada em inúmeras partes, gerando as-
sim a repetição seguida de algumas sílabas. As montagens eram obras exclusivas dos DJ´s e se
tornaram grandes sucessos dos bailes. Dentre os primeiros criadores de montagens está Ronaldo
Pimentel da Silva, o DJ Mamut da equipe Pipo´s, criador da montagem Jack matador. “A batida
era a do Volt Mix. As frases, de um seriado de faroeste, ditas por vozes empostadas de dublado-
res, foram tiradas de um disco com rótulo raspado, que Mamut disse não saber quem gravou”
(Essinger, 2005, p.110-111). Outras montagens famosas foram Princesinha 1, Montagem do sax,
Montagem da Cuca e Montagem The Smith.
Depois da primeira safra de cantores, o ano 1995 revelou as principais duplas de MC´s
responsáveis por consagrar o funk da fase volt mix. A primeira delas foi Cidinho e Doca, forma-
da pelos moradores da comunidade Cidade de Deus, Sidney da Silva e Marcos Paulo de Jesus
Peixoto. As duplas surgiram em um momento em que a violência nos bailes aumentava rapida-
mente, tanto aquela praticada entre os frequentadores, quanto pelas forças policiais contra os
funkeiros. Como resposta, as letras de seus funks reforçavam ainda mais os pedidos de paz, pe-
diam o fim das brigas e denunciavam o abuso da polícia no trato com o povo das favelas. Dentre
seus principais funks estão Rap da Cidade de Deus, Rap da Xuxa e Bonde da CDD. Porém, a
dupla ficou realmente conhecida com o Rap da Felicidade. Escrita ainda em 1993 em uma festa
de rua na Cidade de Deus, mas lançada oficialmente em 1995, a música que eternizou os versos
“Eu só quero é ser feliz/ Andar tranquilamente na favela onde eu nasci”, tornou-se uma bandeira
do funk carioca desde então. Ela ganhou um papel emblemático porque somava as principais
características que simbolizavam aquele estilo musical: MC´s provenientes da favela, a batida
eletrônica e a letra de resistência. A música tornou-se unanimidade não apenas nos bailes funk,
mas ultrapassou os limites da periferia e chegou às classes médias da cidade. Jovens da Zona Sul
carioca começavam a descobrir aquela sonoridade até então escondida nos morros da cidade.
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Consequentemente, os grandes meios de comunicação começaram a dar mais atenção ao funk.


Talvez o exemplo mais emblemático dessa ascensão midiática tenha sido a apresentação de vá-
rios MC´s no programa Xuxa Park da apresentadora Xuxa, que foi ao ar na Rede Globo entre os
anos 1994 e 2001. Além disso, Cidinho e Doca ganharam projeção nacional fazendo turnês por
várias cidades do Brasil ao longo dos anos 90.
Francisco de Assis Motta Júnior e Leonardo Pereira Motta formaram outra dupla de
MC‟s que se tornou referência no mundo funk: os irmãos Júnior e Leonardo, surgidos também a
partir dos festivais de galeras. Seguindo a estética volt mix, compuseram Endereço dos bailes e
Rap do ABC, ambas com letras que citam e saúdam muitas favelas do Rio de Janeiro. Em home-
nagem ao centenário do Flamengo compuseram o Rap do Centenário. Como forma de celebrar
aquela boa fase do funk e o surgimento de muitos MC´s, fizeram o Rap dos raps que conta com
a participação de D´Eddy, Galo, Marquinhos e Dolores, Grupo Geração, Big Rap e Luciano,
Cidinho e Doca e William e Duda. A música faz uma colagem de trechos dos principais funks
desse período, proporcionando uma síntese daquela geração de 1995 que estava consolidando o
funk no Rio e no Brasil. Um dos maiores sucessos de Júnior e Leonardo foi o Rap das armas. A
letra faz uma referência explícita ao armamento utilizado pelas facções do tráfico de drogas nos
morros cariocas. A música, que chegou a resultar no indiciamento da dupla, foi sucesso à época
do seu lançamento e passou por uma redescoberta em 2007, quando foi utilizada como trilha do
filme Tropa de Elite, do diretor José Padilha. De certa forma esta faixa começou a moldar as
formas do funk proibidão (subgênero do funk que celebra o crime organizado), muito populari-
zado a partir da década seguinte. Sob a produção do DJ Marlboro, ainda em 1995, a dupla fechou
contrato com a gravadora Sony, lançando o disco De baile em baile. Tornaram-se a primeira
dupla do funk carioca a entrar para um grande selo da indústria fonográfica. O disco vendeu 70
mil cópias e a dupla conseguiu projeção nacional, tendo muitas aparições na TV e fazendo shows
em várias cidades do país.
Na cidade de São Gonçalo, região metropolitana do Rio, mais especificamente no morro
do Salgueiro, foram criados Claucirlei Jovêncio de Souza e Cláudio Rodrigues de Mattos, ami-
gos desde a infância. Já muito novos começaram a participar dos festivais de galeras e concursos
de MC´s, apresentando-se como Claudinho e Buchecha. No ano de 1993 compuseram Bandeira
Branca e Rap do Salgueiro, este último vencedor do festival do Mauá de São Gonçalo, promovi-
do pela equipe Duda´s. Eles conquistaram a vitória concorrendo com mais de 20 outros MC´s.
“A diferença do Rap do Salgueiro para as centenas de raps que circulavam na época estava na
alegria e na afinação dos MC´s, bem acima da média, com Buchecha arriscando as inflexões soul
“ó yes” que virariam sua marca” (Essinger, 2005, p.176). Seus raps tocavam nas rádios e bailes e
a dupla tornava-se cada vez mais conhecida, até que receberam proposta da gravadora MCA para
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gravar um disco. Em 1996 foi lançado Claudinho e Buchecha, contendo, além dos dois primeiros
raps da dupla, as canções Nosso sonho, Tempos modernos (de Lulu Santos) e Conquista. Esta
última foi a música que deu projeção nacional à dupla. Cabe ressaltar, entretanto, que estas fai-
xas já se distanciavam do estilo funk e se aproximavam do pop romântico. Após o grande suces-
so do disco debut, que vendeu 1 milhão e 250 mil cópias, Claudinho e Buchecha enveredaram
totalmente pelo caminho do pop e deixaram de fazer funks. A dupla teve um final trágico em
2002, com a morte de Claudinho em um acidente de carro. Silvio Essinger sintetiza o procedi-
mento usado pela dupla na criação dos primeiros raps: “No quintal do vizinho de Buchecha, eles
ficavam testando seus raps em cima do Volt Mix e Ice T e os gravavam em fitas cassetes para
ficarem ouvindo em casa. De acordo com as opiniões dos amigos e vizinhos, escolhiam os raps
que iam levar para os festivais” (2005, p.175).
Os artistas apresentados até aqui são apenas alguns dos muitos MC´s que marcaram a
primeira época de criações do funk carioca. Este período, denominado aqui de fase volt mix,
estende-se, aproximadamente, entre os anos 1992 e 2001 e está caracterizado pelo processo de
nacionalização do funk. A música black importada dos Estados Unidos, até então apenas repro-
duzida nos bailes, era então apropriada e reconstruída por DJ´s e MC´s do Rio de Janeiro. O ma-
terial musical eletrônico vindo de fora era assimilado, manipulado e posto junto a uma linha vo-
cal marcada pela melodia da fala local. O canto do funk está intimamente ligado ao vocabulário e
às inflexões da fala proveniente das comunidades do Rio de Janeiro. Criou-se assim uma nova
música negra, eletrônica e brasileira, finalmente chamada de funk carioca. A pesquisadora Adri-
ana Carvalho Lopes dá a essência desta primeira fase do funk.

Nos subúrbios e nas favelas do Rio de Janeiro, a diáspora africana ganha novos contornos e sig-
nificados. Nas periferias da cidade, o hip hop da Flórida receberá o nome de funk carioca. Logo
nos primeiros dez anos de existência, essa prática musical deixa de ser uma simples imitação ou
reprodução da forma e do estilo que haviam sido afetuosamente tomados de empréstimo dos
negros de outros locais para se transformar num ritmo que conjuga a estética do hip hop às prá-
ticas negras locais. No funk encontramos várias performances que evidenciam essa mescla: a fa-
la cantada do rapper, muitas vezes, carrega a energia dos puxadores de escola de samba, a vul-
nerabilidade do corpo do break é acentuada com o rebolado e a sensualidade do samba, e o
sampler vira batida de um tambor ou atabaque eletrônico (Lopes, 2011, p.17-18).

A fase volt mix foi responsável por tornar o funk um mecanismo de identificação e re-
sistência popular da periferia. Primeiramente, porque passaram a ser compostas músicas em por-
tuguês, fazendo com que o público dos bailes pudesse entender o que estava sendo cantado.
Além disso, os próprios jovens moradores das favelas passaram a ser os compositores daquela
música. Garotos que até então cumpriam o papel de público receptivo do trabalho dos DJ´s pas-
saram à condição de protagonistas do funk, tomando para si o trabalho de criação musical do
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repertório dos bailes. Neste contexto, o Rap do Pirão é tomado como marco inicial da fase volt
mix, a qual irá se estender até o período de transição para a base tamborzão, que teve seu desdo-
bramento ao longo da década de 2000, conforme será tratado a seguir.

1.4 Tamborzão

Durante a segunda metade da década de 1990 alguns DJ´s do Rio de Janeiro começaram
a realizar experiências musicais misturando sons de percussão africana com a base volt mix. A
intenção era renovar o acompanhamento eletrônico dos funks, que vinham mantendo o mesmo
padrão desde o início da década. Pretendia-se também adicionar um traço afro-brasileiro ao som
da base electro norte-americana. Cabe esclarecer que para isso não eram utilizados instrumentos
percussivos de verdade, mas baterias eletrônicas que simulavam alguns batuques. O DJ Luciano
Oliveira, da cidade de Campo Grande, região metropolitana do Rio, criou um loop de percussão
eletrônica acrescentando sons de atabaque sobre a base volt mix. Segundo o DJ, sua inspiração
veio do grupo Funk n‟ Lata, do músico Ivo Meirelles, que fazia funk com instrumentos de escola
de samba. Além disso, a vontade de misturar a electro com sonoridades locais foi possível graças
ao avanço tecnológico das baterias eletrônicas da época, que passaram a trazer novas opções de
timbres.
Luciano fez seu experimento com uma bateria Roland R-8 MKII, utilizando dois tim-
bres de atabaque eletrônico. Primeiro o slap high conga que simulava um tipo de toque em que a
mão percute a pele do instrumento e permanece sobre ela após o ataque. O resultado é um som
de atabaque médio-agudo em staccato. O segundo timbre é o open low conga, representando um
som de pele percutida em que a mão realiza o ataque e se levanta imediatamente depois, deixan-
do a pele vibrar. O efeito é um som mais grave e com maior duração do que o slap high, uma vez
que a pele permanece soando após o toque. A linha dos atabaques, ou congas, é a faixa mais
aguda da composição rítmica feita pelo DJ. Além disso, Luciano acrescentou o attack tom 2,
simulando o tom médio de bateria, e o attack tom 1, simulando o tom grave ou surdo de bateria.
Ambos preenchem a faixa intermediária da tessitura. Por fim, foi colocado o som ambo kick,
cumprindo a função de sustentação do bumbo, localizado na parte mais grave. A própria bateria
trazia estes nomes referentes aos diferentes instrumentos. Após a conjugação destes elementos, a
tessitura atingida pelo tamborzão apresenta um resultado sonoro inserido no âmbito médio-
grave. Ao contrário do volt mix que apresentava um preenchimento mais bem distribuído entre
graves e agudos, o tamborzão explora essencialmente as baixas e médias frequências, como ex-
plica o autor citado.
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O Tamborzão apresenta três linhas de R8 MKII: no extremo grave, bumbo; no médio, tom-tom
médio e tom-tom grave; no médio agudo, conga dupla em slap e conga grave aberta. Três linhas
de densidades semelhantes executadas por peles percutidas se recolhem ao espaço entre o médio
e o grave. O efeito é pesado e propulsivo (Palombini, 2015, p.3).

A linha rítmica completa ocupa um compasso em tempo 4/4. O bumbo executa três no-
tas em semínima. A primeira está localizada na cabeça do primeiro tempo. As outras duas no
contratempo do segundo e terceiro tempos. O tom grave é tocado na cabeça do primeiro, segun-
do e terceiro tempos. O surdo está na cabeça do quarto tempo. A slap high conga tem uma semi-
colcheia no último quarto do primeiro tempo e uma colcheia no contratempo do segundo tempo.
A open low conga entra com duas colcheias no tempo e contratempo do último tempo do com-
passo, caracterizando uma anacruse para a repetição de toda a linha. Segue abaixo (Figura 2)
essa descrição traduzida em notação musical, demonstrando a estrutura da base rítmica de funk
criada pelo DJ Luciano, que ficou conhecida como tamborzão.

Figura 2 – Base tamborzão, criada na bateria eletrônica Roland R-8 MKII, pelo DJ Luciano
(Caceres, Ferrari e Palombini, 2014, p.195).

Na base volt mix, a linha de baixo inicia com uma nota na cabeça do primeiro tempo,
seguida de três síncopas, localizadas no último quarto do primeiro tempo e nos contratempos dos
segundo e terceiro tempos. Este mesmo motivo rítmico está presente no tamborzão, porém dis-
tribuído entre as linhas de bumbo e atabaque. A primeira nota no primeiro tempo do compasso é
feita pelo bumbo. As duas primeiras síncopas são feitas respectivamente pela semicolcheia e
colcheia do atabaque slap high conga. A terceira síncopa é feita novamente pelo bumbo no con-
tratempo do terceiro tempo. A recorrência deste motivo nas duas bases eletrônicas, mesmo que
disposto de maneiras distintas, evidencia a estreita relação musical entre ambas. Este fato talvez
justifique a boa receptividade do tamborzão pelos músicos do funk carioca. Apesar de uma certa
resistência inicial, logo DJ´s e MC´s do Rio, até então muito ligados ao volt mix, começaram a
desenvolver as primeiras composições sobre a nova base, que se tornaria hegemônica no funk
dos anos 2000.
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A concepção do tamborzão pelo DJ Luciano data do ano de 1998. No mesmo ano ele foi
utilizado na gravação do Rap da Vila Comari dos Ms´c Tito e Xandão. A música, lançada no cd
Lugarino apresenta os Melhores da Zona Oeste, ainda apresentava o tamborzão misturado ao
volt mix. No ano seguinte, o DJ Cabide fez uma montagem para a equipe de som A Gota na qual
usava a base de Luciano, porém sem misturá-la com outra base. Esta faixa foi responsável por
tornar o tamborzão conhecido em todo o meio funk do Rio de Janeiro. Dentro de pouco tempo,
outros DJ´s começaram a usar e manipular a nova base do funk, acrescentando outros elementos.
“Um „Tamborzão puro‟ cristalizou-se em dado instante, mas nunca deixou de conviver com va-
riantes, misturas, explosões, rajadas, rulos e floreios, como ocorria com o Volt Mix” (Caceres,
Ferrari e Palombini, 2014, p.195). Entre os anos 1999 e 2000 o DJ Duda levou o tamborzão para
a comunidade Cidade de Deus, onde foi amplamente utilizado no festival de galeras na quadra da
escola de samba Coroados. Nesse festival foram revelados alguns dos principais nomes do funk
carioca da década que se iniciava, todos eles fazendo uso da nova base. Em 2001, com a música
Tire a camisa, do MC Cabo, o tamborzão se estabeleceu como a nova base padrão do funk cario-
ca, então toda independente do volt mix.
Em entrevista gravada para o site DoLadoDeCá da jornalista Tatiana Ivanovici, o DJ
Sany Pitbull, um dos responsáveis pelos desdobramentos do tamborzão, e o DJ Mavi explicam
que a introdução de elementos percussivos afro-brasileiros marcou um momento de nacionaliza-
ção da batida eletrônica do funk. O DJ Marlboro já havia ensejado um plano de nacionalização
para o ritmo carioca na virada dos anos 80 para 90, quando foram feitos os primeiros funks em
português. Porém, naquele momento o abrasileiramento aconteceu apenas no âmbito das letras.
A base rítmica continuava sendo importada. A fase tamborzão marcou um período de nacionali-
zação do ritmo. Nela o som dos atabaques passou a representar um elemento brasileiro dentro da
sonoridade do funk. Além disso, a forma de criação das batidas rítmicas também se nacionalizou.
A partir deste momento, os DJ´s assumiram o processo completo de composição das bases.
Através de técnicas de manipulação de samples, recorte e colagem, as novas batidas do funk en-
tão passaram e ser feitas do início ao fim por DJ´s brasileiros, sem utilizar-se de bases pré-
fabricadas nos Estados Unidos, como ocorria com o volt mix.
O início dos anos 2000 revelou uma nova safra de MC´s do funk carioca, os quais pas-
saram a usar o tamborzão como a principal base eletrônica de suas músicas. Muitas destas reve-
lações do funk vieram da comunidade Cidade de Deus, Zona Oeste da capital fluminense. Dentre
os principais nomes está o de Tatiana dos Santos Lourenço. Ela surgiu como um dos primeiros
nomes femininos a protagonizar a cena funk, na qual até então predominavam os MC´s homens.
Tatiana quebrou essa regra ao surgir em 1999 com seus dois primeiros funks de sucesso: Barra-
co I e Barraco II. Ela ficou famosa rapidamente pelos bailes do Rio de Janeiro sob o nome artís-
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tico Tati Quebra Barraco. Em 2001, ela entrou para a equipe Pipo´s, com a qual gravou um CD.
Em parceria com o irmão Márcio dos Santos Silva, Tati tem entre seus principais funks Sou feia
mas tô na moda, Boladona, Montagem Marra de Sansão, Montagem desafio e Montagem tchut-
chuco. Uma característica sempre presente nas letras de Tati Quebra Barraco é o caráter explícito
com que trata o tema da sexualidade. Ela descreve seus desejos e relata situações sexuais de ma-
neira literal e muito descritiva. Segundo seu irmão e empresário, Márcio, a intenção das letras é
expor o lado das mulheres perante as relações sexuais, criando alternativa às narrativas masculi-
nas que sempre predominaram.
Também saído da Cidade de Deus, em 2000 surgiu o Bonde do Tigrão. Bonde foi o
termo utilizado para denominar grupos formados por MC´s e dançarinos que começaram a surgir
nesta época. Integrado por quatro jovens conhecidos como Leandrinho, Tiaguinho, Gustavinho e
Waguinho, o Bonde do Tigrão também produziu suas músicas utilizando a base tamborzão, a
qual era misturada com outros acompanhamentos eletrônicos e ganhava cada vez mais espaço
nas composições de funk. As letras de duplo sentido contemplavam o sexo e a diversão da forma
como eram vivenciados pelos garotos das comunidades do Rio de Janeiro. Ainda em 2000, o
bonde da Cidade de Deus foi descoberto pela Furacão 2000 e lançou uma música no CD da
equipe, Tornado muito nervoso 2. Era Cerol na mão, faixa que rapidamente se tornou a mais
pedida nos bailes daquele ano. Outras músicas importantes do grupo são Tchutchuca e O baile
todo, versão da música Who let the dogs out, do grupo Baha Men. O Bonde do Tigrão teve gran-
de repercussão nacional e contribuiu substancialmente para que o funk carioca passasse a ser
apreciado por outras camadas da sociedade.
A base tamborzão foi preponderante nas composições de funk carioca por aproximada-
mente uma década, estendendo-se ao longo dos anos 2000. Ela era mesclada com outras bases
que já vinham sendo utilizadas anteriormente, ou era utilizada em seu formato original, sem mis-
turas. O formato de dupla de MC´s que vigorou na década de 90 foi substituído por MC´s solo,
ou bondes. Além de Tati Quebra Barraco e o Bonde do Tigrão, alguns dos principais nomes que
desenvolveram trabalhos com a base tamborzão foram Bonde do Vinho, Os Carrascos, MC Beth,
MC Serginho e Lacraia e MC Mr. Catra. Este último foi protagonista na criação de uma nova
base rítmica para o funk, conforme será relatado a seguir.
40

1.5 Beatbox

A base beatbox, ao contrário de suas antecessoras, não surgiu de baterias eletrônicas.


Ela foi criada a partir da voz humana. Consiste em uma linha rítmica composta por sílabas e in-
flexões vocais dispostas em um compasso 4/4. Dentre as sílabas utilizadas estão “tu”, “dum”,
“tchu”, “tcha” e “gu”. Ouvindo-se a base beatbox, pode-se dizer que ela é a tradução da base
tamborzão feita pela voz humana. A relação entre as duas bases pode ser percebida pela presença
do mesmo motivo rítmico já destacado anteriormente: uma nota na cabeça do primeiro tempo,
seguida de síncopas ao longo do compasso. Este desenho rítmico, presente desde o baixo do volt
mix, apresenta-se como uma constante no ritmo do funk, independentemente da base que seja
utilizada. Esse ritmo é um elemento estrutural na identificação do estilo. No entanto, o beatbox,
em seu formato “puro”, apresenta apenas duas síncopas ao longo do compasso. O volt mix e o
tamborzão apresentam três síncopas. Palombini ressalta algumas característica desta terceira base
do funk.

O Beatbox inclui três linhas cuja origem comum é o aparato fonador: o “tum” do bumbo;u “tu-
gu” dos tom-tons; o “tcha” da caixa clara; e ocasionalmente o “tz” do chimbal ou do prato.
Comprimidas no médio, elas desocupam o grave e o agudo. Recupera-se assim a diversidade
das cores percussivas, característica do Volt Mix, e a unicidade do evento produtor de som, ca-
racterística do Tamborzão. O processo de redução o calibre e massa segue seu curso. O efeito é
ágil, translúcido, nervoso (Palombini, 2015, p.3)

Dentro do universo funk, a criação da base beatbox é consensualmente atribuída ao MC


Wagner Domingues da Costa, o Mr. Catra. Nascido no morro do Catrambi, no bairro da Tijuca,
Catra iniciou no funk na primeira metade dos anos 1990. Suas letras sempre contemplaram o
sexo e a realidade violenta da periferia. Certa vez estava cantando em um baile de comunidade,
quando o equipamento do DJ estragou. Para dar continuidade ao baile, Catra imediatamente co-
meçou a emular a batida do funk com a própria voz. O som da voz de Catra foi sampleado e pos-
teriormente transformado em base eletrônica. Desde então outros DJ´s e MC´s passaram a utili-
zá-la em suas composições. Segundo relatos do DJ Grandmaster Raphael, MC Créu e do próprio
Catra, a partir deste episódio teria surgido a base beatbox (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014,
p.199-201). Sua data de criação é difícil de precisar, porém Catra afirma que a utiliza desde
2003, segundo vídeo divulgado pelo MC na internet. Entretanto, a nova base começou a se dis-
seminar no universo do funk a partir dos anos 2010. Uma das primeiras composições a fazer uso
da base beatbox foi Vem pro cabaré de autoria de Mr. Catra e MC Duduzinho.
Conforme a notação musical (Figura 3), o beatbox apresenta duas linhas principais: uma
grave ocupada pelas sílabas com a vogal “u” e uma média-aguda, ocupadas pelas sílabas com a
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vogal “a”. Há ainda uma terceira linha ocupada pela inflexão “tz” A contrário do volt mix e do
tamborzão, que apresentam três síncopas ao longo do compasso, o beatbox fundamental de Catra
possui apenas duas: a semicolcheia no último quarto do primeiro tempo e a colcheia no contra-
tempo do segundo tempo. A terceira síncopa que nas outras bases aparece no contratempo do
terceiro tempo não figura mais no beatbox. O acento aparece agora na cabeça do quarto tempo.

Figura 3 – Base beat box criada pelo MC MR. Catra (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014, p.200).

Um dos elementos musicais presentes na cultura hip hop chama-se beatboxing, o qual
consiste na simulação vocal das bases rítmicas produzidas pelas baterias eletrônicas, ou „caixas
de som‟ como eram chamadas. Desta técnica deriva o beatbox do funk, fato que vem reforçar a
influência que a música negra norte-americana teve sobre o funk carioca. Assim como ocorreu
na transição do volt mix para o tamborzão, a passagem deste para o beatbox foi gradual. Em de-
terminado momento ambas as bases coexistiram nas composições de funk. “O beatboxing passa
a exercer o papel de base no funk carioca sob o nome de „Beatbox‟ (inicialmente „Beat Box‟).
Ele emerge encoberto pelo Tamborzão por volta de 2008 para tomar a dianteira em 2010 e subs-
tituí-lo em 2011” (Caceres, Ferrari e Palombini, 2014, p.198-199). Durante a primeira metade da
década de 2010 esta sonoridade estabeleceu-se como a base padrão do funk carioca, sendo pre-
sença majoritária nos lançamentos mais recentes dentro do estilo. Além disso, artistas que desen-
volveram seus trabalhos com o volt mix, ou o tamborzão, passaram a usar o beatbox em suas
novas criações. Por derivar da elocução vocal de um MC, o beatbox pode ser cantado por qual-
quer pessoa. A proximidade com a voz humana talvez seja o motivo que tenha levado à sua am-
pla aceitação pelo mundo funk, conforme explica Palombini.

Terceira base arquetípica do funk carioca, o Beatbox se caracteriza pela concentração da textura
no registro médio, em sobreposição ao canto. Ele retém a unicidade de corpos sonoros do Tam-
borzão e a radicaliza em dois tempos: ao substituir uma coleção de corpos sonoros semelhantes,
de calibres distintos (bumbo, tom-tons e congas), pelo corpo sonoro único que é o aparelho fo-
nador; e ao irmanar os corpos sonoros da base e do canto. O Beatbox recupera, do Volt Mix, a
diferença entre as massas e os ataques dos objetos constitutivos de suas linhas, no interior das
quais introduz variedade superior à das linhas do Tamborzão. Por outro lado, ao suprimir os
graves, o Beatbox dá continuidade ao processo de redução de calibre da base, mas compensa
essa redução ao situá-la na região da fala, onde o ouvido é mais sensível (Caceres, Ferrari e Pa-
lombini, 2014, p.203).
42

Descritas as três bases eletrônicas fundamentais do funk carioca, tratou-se de desenvol-


ver aqui um relato musical do estilo estudado. Todavia, deu-se destaque também à configuração
de fatos históricos e sociais que culminaram no movimento funk. Primeiramente relatou-se a
efervescente cena de bailes black no início dos anos 70 no subúrbio do Rio de Janeiro. A música
ouvida e dançada então era o soul e o funk norte-americanos. Na passagem para a década de 80 o
advento da cultura hip hop transformou a estética dos bailes cariocas e a electro norte-americana
passou a ser o principal estilo musical tocado na periferia carioca. No início dos anos 90 come-
çou um processo de nacionalização musical desse fenômeno de massa formado por milhões de
jovens cariocas. Assimiladas as influências trazidas pela música estrangeira, oficialmente sob o
nome de funk, surgiram os primeiros compositores e intérpretes locais. Os bailes passaram a ser
animados ao som de músicas em português feitas por pessoas vindas da própria periferia do Rio.
O volt mix, acompanhamento eletrônico tocado pelos DJ´s, entretanto, seguia sendo importado.
Somente a partir dos anos 2000 o funk carioca teria uma base eletrônica feita no Brasil, o tam-
borzão. A criação dessa batida logrou concluir o ciclo da nacionalização do funk. Letra e música
passaram a ser feitas no Rio de Janeiro. A partir dos anos 2010, deu-se o desdobramento do tam-
borzão, resultando na base beatbox, utilizada atualmente como acompanhamento padrão do funk.
Intentou-se, portanto, expor os três principais acompanhamentos eletrônicos utilizados na histó-
ria do funk. Os motivos rítmicos colocados em notação musical representam padrões fundamen-
tais das bases de funk. Evidentemente essas células não são estanques. Alterações rítmicas, assim
como a sobreposição de outros sons, deram origem a muitas variações. Entretanto, a essência
rítmica do funk está solidamente localizada no volt mix, tamborzão e beatbox.
Talvez o elemento central a ser destacado neste histórico seja o procedimento utilizado
pelos criadores de funk para dar vida a este estilo genuinamente carioca. Desde os primeiros
momentos do funk, DJ´s e MC´s se apropriam de sonoridades e formas musicais vindas de ou-
tros lugares e culturas. Manipularam, experimentaram e criaram novos sons, ressignificando e
imprimindo um caráter local àquela música outrora alheia ao Rio de Janeiro. Assim foi e ainda é
feito o funk carioca: através da transformação de sons já existentes, retirados de outras gravações
e de baterias eletrônicas. O funk surgiu exatamente da habilidade de criar música a partir de fra-
gmentos sonoros apropriados de outras culturas. Sobre as bases feitas desta maneira, apoia-se um
canto intimamente ligado à forma de falar e ao vocabulário da periferia carioca, o que imprime
ao funk originalidade e um traço profundamente brasileiro.
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2. CONTRUINDO A MARGINALIDADE

O objetivo desta pesquisa é compreender a relação entre música marginal e instituições


musicais que contemplam repertórios historicamente legitimados. Neste caso, a música tomada
como objeto é o funk carioca. O meio escolhido para a observação foi parte da comunidade
composta por músicos profissionais, docentes universitários de cursos de música e acadêmicos
de música da cidade de Curitiba. Para tanto, foi aplicado um questionário com questões de cará-
ter discursivo acerca da opinião pessoal dos entrevistados a respeito do funk carioca. Os lugares
onde a pesquisa foi realizada são uma universidade, um conservatório, uma orquestra e um grupo
vocal. Todas são instituições públicas de pesquisa, ensino, ou prática musical. Esse critério foi
estabelecido porque o repertório musical trabalhado nesses espaços contempla, majoritariamente,
a música de concerto e ritmos brasileiros já consagrados como choro, samba e bossa-nova. Ne-
nhuma das instituições pesquisadas toca ou pesquisa funk.
Pensar em grupos musicais instituídos pelo Estado, compostos por músicos com forma-
ção acadêmica e que trabalham apenas com certos estilos musicais consagrados, leva a crer que
esses espaços atuam no sentido de estabelecer e reforçar a ideia do que seja uma “música de qua-
lidade”. A ausência do funk nestes meios, por consequência, denota que o estilo supostamente
carece de qualidade musical e legitimidade artística, não podendo figurar dentro do repertório
que compõe o dito “bom gosto musical” defendido por essas instituições. Estabelece-se então
uma possível situação de marginalidade musical. Tratando de constatar a veracidade desta supo-
sição, esta pesquisa propõe a contraposição da opinião dessa intelectualidade musical curitibana,
representada pelas instituições entrevistadas, frente à marginalidade intrínseca do funk carioca
construída ao longo da sua história. A partir do diálogo entre esses dois universos, intenta-se
identificar se a comunidade entrevistada reproduz ou subverte o discurso que marginaliza o funk.
Durante anos a sociedade, a mídia e o Estado trataram de perseguir e demonizar o funk,
tratando-o não como atividade artística, mas como ato criminoso. Ao longo do tempo o estilo
ganhou força e espaço, conseguindo conquistar certo respeito. Porém, em virtude do caráter vio-
lento e provocativo de suas letras e da estética musical que apresenta, ainda são muito presentes
na sociedade discursos de depreciação, escárnio e rechaço contra esta manifestação cultural, in-
clusive dentro do meio musical. Por vezes o funk é enunciado como uma manifestação artística
menor, ou até mesmo como não-arte, ou não-música. Cabe aqui tentar identificar se esse discurso
está presente nos espaços pesquisados, constatando se o público entrevistado reforça ou não as
falas que marginalizam o funk. Para isso, ao longo deste capítulo primeiramente serão estabele-
cidas algumas classificações-chave inerentes ao funk a fim de situá-lo como estilo musical defi-
44

nido em meio à música popular brasileira. Em seguida serão abordados alguns fatos responsáveis
pela construção do funk como ritmo historicamente marginalizado. Por fim será discutida a rela-
ção entre o funk e as instituições musicais entrevistadas, tratando de identificar se está presente
nestes espaços o discurso que exclui o funk e de que formas ele se manifesta. Esta reflexão será
feita através da exposição e análise das respostas trazidas pelos questionários que foram aplica-
dos.

2.1 Música negra eletrônica popular brasileira

Para traçar uma análise sobre o funk carioca e sua receptividade no meio artístico curi-
tibano, é preciso antes estabelecê-lo como estilo musical definido. A partir das características
apresentadas ao longo do primeiro capítulo, e seguindo a linha da pesquisadora Simone Pereira
de Sá, é possível propor algumas classificações capazes de delinear com mais clareza o objeto
que está sendo estudado. Essencialmente, o funk está localizado em uma linhagem de música
eletrônica popular brasileira (Sá, 2007, p.3). É eletrônico, porque nasce da conjugação do canto
do MC com uma base rítmica eletronicamente produzida. A rigor não são utilizados instrumen-
tos convencionais, apenas a voz humana, baterias eletrônicas e samples. É popular e brasileiro,
porque nasceu a partir de um movimento de festas e bailes realizados em bairros de subúrbio do
Rio de Janeiro. “Como é comum nas músicas dançantes, ela (a música funk) foi gestada num
grupo que se reunia para dançar em determinados lugares, ao som de determinadas músicas, to-
cadas de determinadas formas” (Palombini, 2013, p.145). Desde então, é produzido e apreciado
como música e forma de entretenimento por uma camada expressiva da população do Brasil,
especialmente aquela localizada em periferias urbanas, com destaque para as favelas cariocas.
Consumido por milhões de jovens dos morros, o funk também atua como instrumento simbólico
de representação cultural feita através de relatos da vida cotidiana e da celebração do espaço das
favelas. Além disso, desde os anos 2000 o funk tem adquirido expressiva projeção nacional, pas-
sando a ser ouvido e produzido em outras cidades brasileiras. Transcender as fronteiras de sua
cidade natal é outro fato que atesta o caráter nacional e popular. Portanto, estes três adjetivos –
eletrônico, popular e brasileiro – são colocados aqui no sentido de enunciar o funk, definitiva-
mente, como um estilo musical específico, possuidor de história, identidade e significados. Esse
posicionamento é fundamental para a narrativa adotada ao longo da pesquisa, contrapondo pos-
síveis discursos que neguem a categoria de música ao funk. O termo escolhido aqui é “estilo”,
entretanto, Simone Sá utiliza a palavra “gênero” ao referir-se à importância das categorizações
no âmbito do debate sobre música popular.
45

Seja no momento em que estamos fazendo compras, como consumidores; seja na avaliação de
uma nova banda, como críticos ou aficionados, seja nos diversos momentos em que temos que
opinar e decidir sobre gostos no universo da música, o rótulo por gênero musical é uma orien-
tação fundamental para nos guiar, uma vez que avaliamos a partir das expectativas e convenções
de gêneros (Sá, 2007, p.4).

A forma pela qual esta música eletrônica popular brasileira foi criada revela muito sobre
sua filosofia. O funk é resultado da influência do hip hop norte-americano absorvida pelo circui-
to de bailes de periferia do Rio de Janeiro a partir dos anos 1980. Nesses bailes as batidas eletrô-
nicas da electro music, uma derivação do hip hop, eram tocadas para o público dançar. Além de
dançar, as pessoas começaram a cantar também. Por vezes, os DJ´s utilizavam apenas a versão
instrumental de algumas músicas, sobre as quais o público acrescentava um canto em português
– mesmo procedimento do toasting jamaicano integrante da genealogia do funk. “(...) Ignorantes
das letras em inglês, o que os frequentadores cantavam era uma frase que, sonoramente, se asse-
melhasse ao que estava sendo dito em inglês, mas que tinha um sentido absolutamente distinto
em português” (Sá, 2007, p.9). Este era o procedimento de criação das “melôs” que marcaram o
início da produção do funk carioca no final dos anos 80. É possível identificar, desde este perío-
do de gestação, que o funk parte da apropriação de elementos da cultura estrangeira e realiza
sobre eles um processo de ressignificação transformando-os em manifestação artística com sen-
tido local. O funk, portanto, é musicalmente híbrido, marcado por fluxos culturais vindos de di-
ferentes direções. Este trabalho conjunto entre DJ´s e público resultou em uma espécie de brico-
lagem artística capaz de conjugar materiais sonoros culturalmente distantes. É dessa forma que a
massa dos bailes funk, ignorada pelos grandes meios de comunicação, deu vida a uma música
própria, conforme aponta Simone Pereira Sá.

Temos aqui, então, uma primeira forma de apropriação criativa, que resulta num produto obvi-
amente híbrido: músicas estrangeiras tocadas em versões instrumentais com refrões gritados pe-
lo público dos bailes em português (...). Músicas internacionais, apropriações de refrões e uma
intensa atividade de leva-e-traz e de garimpo e descoberta de novos discos, importados, pelas
equipes de som marcam então este primeiro momento da construção do funk, que acontece à
margem das grandes gravadoras e da imprensa – que ignoram o fenômeno – e vai até o final da
década de 80 (Sá, 2007, p.9).

Após o processo de nacionalização do funk, a partir dos anos 90, melodias com letras
em português passaram a ser criadas no ambiente dos bailes e eram cantadas ao som das batidas
do Miami bass. Desde então o canto dos MC´s passou a não mais emular o som das músicas em
inglês. Os funkeiros do Rio começaram a escrever suas próprias letras, agora no idioma nacional.
Entretanto, a relação com culturas musicais estrangeiras permanecia estabelecida. Na “costura”
sonora que compunha o funk estavam presentes a conjugação entre voz e base rítmica advinda
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do toasting e do hip hop, a percussão eletrônica do Miami bass e agora as melodias e inflexões
vocais dos MC´s cariocas – intimamente ligadas aos hábitos vocais dos puxadores de escolas de
samba. O conteúdo e o vocabulário das letras também estabeleceram forte relação com a fala
cotidiana dos morros do Rio de Janeiro. Assim, estabeleceu-se a trama heterogênea de elementos
culturais que engendrou o funk, conforme aponta a autora citada.

Desta forma, ainda que as letras sejam escritas em português, retratando cada vez mais as ques-
tões do cotidiano das favelas e bairros de periferia e com forte apelo ao território e à comunida-
de a sonoridade pode remeter a inúmeras e inusitadas referências – da Tarantella a Madonna, de
Prodigy a Gilberto Gil, da vanguarda do Kraftwerk – uma das importantes e recorrentes citações
do funk – a trilhas de filmes famosos. Além disto, um mesmo material pode ser utilizado em
canções diferentes, em versões remixes ou em novas composições aproximando o funk das prá-
ticas de outros gêneros dentro da eletrônica e confirmando a importância das noções de reapro-
priação e circularidade para a compreensão do processo (Sá, 2007, p.11).

Durante o período em que o recorte e colagem de diferentes influências musicais davam


corpo ao funk, o novo ritmo carioca era invisível à grande mídia e à indústria fonográfica. Ele foi
obrigado a desenvolver, portanto, suas próprias regras econômicas, semióticas, técnicas e for-
mais (Sá, 2007, p.15). O acesso ao material musical estrangeiro era feito pelos DJ´s cariocas
através de contatos particulares com donos de lojas de discos e empresas de aviação que iam
para os Estados Unidos. Os bailes e artistas eram gerenciados pelas próprias equipes de som,
passando longe dos escritórios de gravadoras. Tais fatos demonstram que, ao contrário do que as
leis inexoráveis da indústria cultural tendem a afirmar, as classes subalternas não são completa-
mente passivas diante do processo de importação cultural (Lopes, 2011, p.25). Prova disso foi a
capacidade que a periferia do Rio de Janeiro desenvolveu para acessar a cultura hip hop por ca-
minhos paralelos e subterrâneos ao invés de seguir pelas evidentes rotas do rádio e da TV, que à
época ainda endossavam o rock branco das bandas brasileiras. O funk criou meios de sobrevi-
vência independentes ao fluxo hegemônico de informação estabelecido pela mídia corporativa.
Assim, seus sujeitos foram capazes de construir um hibridismo cultural que pode ser considerado
uma prática ou uma cultura nacional (Lopes, 2011,p.7).
Por essa perspectiva, a forma como o funk nasceu se aproxima da filosofia adotada nos
anos 1920 pelos idealizadores do movimento antropofágico brasileiro. Assim como os modernis-
tas da semana de 22, o funk baseia-se na apropriação de uma arte que não lhe pertence original-
mente que, após processada, acaba por dar vida a uma nova manifestação com significado local.
Entretanto, diferenças importantes devem ser observadas na comparação entre estes dois mo-
mentos históricos, principalmente com respeito aos contextos políticos diversos e às origens dos
protagonistas de ambos, conforme discorre Adriana Carvalho Lopes.
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(...) É preciso pontuar que, enquanto o movimento antropofágico se consagrou em 1930, época
em que a nação brasileira estava sendo inventada como o país da mistura e da mestiçagem raci-
al, os hibridismos culturais do funk carioca são encenados em um contexto no qual já não há
mais um projeto de construção da nação. Dito de outro modo, o funk carioca constitui-se num
momento em que a antiga imagem do Brasil – como um país da democracia racial e social –
começa a ser substituída por um retrato de uma nação altamente fragmentada e permeada por
conflitos. Em segundo lugar, é preciso estar atento para os distintos agentes/sujeitos que promo-
vem essas misturas. Ao passo que o movimento antropofágico era constituído por uma elite
branca que “deglutia” a cultura de uma determinada elite branca europeia, o funk carioca é for-
mado por jovens negros e pobres que “deglutem”, fundamentalmente, os “textos sonoros” de
uma cultura marginalizada produzida por outros jovens, também negros e pobres (Lopes, 2011,
p.26).

Por conta de quem eram os agentes protagonistas na criação do funk, além de híbrido,
eletrônico, popular e brasileiro, este estilo é considerado aqui como uma manifestação negra,
como propõe Lopes em sua citação. Mais especificamente, o funk é considerado como parte de
um fenômeno cultural denominado diáspora africana. Este conceito, trabalhado por intelectuais
como Paul Gilroy e Stuart Hall, abarca manifestações artísticas criadas a partir de trocas culturais
transnacionais, realizadas em espaços habitados por populações predominantemente negras ao
longo de todo o continente americano. A diáspora africana seriam esses movimentos de trocas e
influências culturais estabelecidos entre comunidades negras de diferentes países da América
capazes de dar vida a novas manifestações “afro”. A ideia da diáspora, entretanto, não busca uma
ancestralidade comum ou um traço homogeneizante das diferentes manifestações negras na
América (Lopes, 2011, p.27). Ao invés de estabelecer qualquer origem comum, ela ressalta o
caráter híbrido das criações diaspóricas. O conceito também se desapega de possíveis naciona-
lismos, uma vez que as criações são deliberadamente feitas a partir de um escambo cultural in-
ternacional. Portanto, os ritmos nascidos sob os movimentos da diáspora africana carregam em si
os resultados do intercâmbio e das apropriações musicais entre diversos países. A partir da con-
jugação de diferentes elementos musicais pré-existentes nascem novas formas musicais adapta-
das às realidades locais de cada comunidade, capazes de produzir sentido para juventudes negras
de diferentes partes do continente.
O funk é negro porque nasceu de trocas culturais da música negra internacional urbana
irradiadas através do fenômeno da diáspora africana. Essas trocas iniciaram nos Estados Unidos
com o rhythm and blues. Levado à Jamaica, o ritmo norte-americano misturou-se com o repertó-
rio musical da ilha caribenha, dando origem à tradição do toasting jamaicano. Graças às linhas
migratórias rumo aos Estados Unidos, ocorridas a partir da segunda metade do século XX, os
procedimentos do toasting chegaram ao bairro do Bronx, em Nova York, ensejando o início da
cultura hip hop. Por sua vez, o hip hop teve seus desdobramentos e chegou às favelas do Rio de
Janeiro em um formato eletrônico conhecido como Miami bass, quando, por fim, foi criado o
funk carioca. Em todas as etapas desse caminho, do rhythm and blues ao funk, os estilos musi-
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cais foram gestados e desenvolvidos em ambientes de pobreza e marginalização social onde a


população e os agentes artísticos sempre foram predominantemente negros. Outro traço consti-
tuinte da diáspora africana, portanto, é o compartilhamento de experiências de exclusão e margi-
nalidade baseadas no preconceito de raça. Seja na Trenchtown, no Bronx ou na Cidade de Deus,
as criações musicais produzidas nesses lugares nasceram sob o signo da segregação racial e fo-
ram capazes de estabelecer entre si caminhos alternativos de trocas da cultura negra. Trata-se de
um movimento desapegado de origens e nacionalismos e que, através de apropriações e reinven-
ções musicais, deu origem a novos ritmos, mesmo diante da escassez de recursos. Adriana Car-
valho explica a diáspora africana fazendo comparações entre o hip hop e o funk, ambos resulta-
dos deste fenômeno.

Não é a origem comum que define, simbolicamente, a diáspora africana e sim um compartilha-
mento de experiências marginais e subalternas. (...) Nascido nas periferias de uma cidade norte-
americana pós-industrial, o hip hop sempre carregou marcas de uma cultura transnacional, uma
vez que reunia os recursos e as tradições vernaculares não só de jovens afro-americanos, mas
também da juventude jamaicana, caribenha e latina que residia em Nova York. Portanto, visto
por esse ângulo diaspórico, a transformação do hip-hop – uma performance hibrida desde seu
início – em funk carioca não evidencia uma simples importação cultural de um ritmo estrangei-
ro. Trata-se da (re)invenção e renovação de ritmos negros que sempre pulsaram nos bairros po-
bres e nas favelas cariocas (Lopes, 2011, p.28).

O que define a diáspora africana, em última análise, é o compartilhamento de experiên-


cias marginais e subalternas que resultam em manifestações artísticas híbridas construídas a par-
tir da apropriação de elementos vindos de diferentes lugares e que adquirem um sentido local no
espaço onde são criadas. Diante do exposto, pretendeu-se mais que tudo estabelecer uma locali-
zação do funk em meio ao espectro de estilos musicais com o objetivo de definir as principais
características do objeto que está sendo estudado. Além de negro, o funk é uma música híbrida,
eletrônica, popular e brasileira.
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2.2 Música maldita: funk proibidão

Modernizar o passado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui?
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
O orgulho, a arrogância, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios, os que destroem o poder bravio da humanidade
Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi!
Antônio Conselheiro!
Todos os panteras negras
Lampião, sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia.

(Monólogo ao pé do ouvido – Chico Science & Nação Zumbi)

O historiador britânico Eric Hobsbawn, em seu livro Bandidos lançado em 1969, traba-
lhou o conceito de “bandido social”, indivíduo caracterizado por praticar crimes em áreas rurais.
Seus delitos não visavam necessariamente ao enriquecimento próprio. As pilhagens do bandido
social geralmente tinham como objetivo praticar a justiça em nome de camponeses defraudados
pelo Estado e pela lei, ou realizar a redistribuição social de bens – o principal estereótipo é Robin
Hood. O livro mostra que esta figura se fez presente em vários lugares do mundo ao longo da
história, sempre seguindo mais ou menos o mesmo padrão de comportamento e ideologia. Para
contar a história dos bandidos sociais Hobsbawn usou como fonte de pesquisa algumas músicas
do cancioneiro popular que enalteciam e celebravam os feitos e a bravura desses paladinos ru-
rais. Sua pesquisa prova que música e crime foram conjugados em muitas épocas e lugares do
mundo. Como assegura a letra de Chico Science, Zapata, Sandino, Zumbi, Antônio Conselheiro,
os panteras negras e Lampião – revolucionários considerados criminosos pela lei de seu tempo –
“também cantaram um dia”. Anacronismos e disparidades geográficas à parte, a cidade do Rio
de Janeiro também produziu um tipo de música que celebra crimes e bandidos: o funk proibidão.
50

Desde seu início, na década de 70, o movimento de bailes black do Rio de Janeiro so-
freu resistência por parte da sociedade e do Estado, precisando lidar com diversos entraves para
continuarem sendo realizados. Ainda na época de Big Boy, os Bailes da Pesada foram removidos
do Canecão em Botafogo, pois a casa de show pretendia tornar-se um espaço voltado para a
aclamada MPB. Logo, os blacks precisavam sair dali. Roberto Carlos requisitou o Canecão em
1973, fazendo com que os bailes fossem transferidos para o Catumbi e o Andaraí (Palombini,
2013, p.3). Essa saída compulsória da Zona Sul fez com que os bailes se espalhassem pelos bair-
ros suburbanos da Zona Norte. Os eventos eram realizados geralmente em associações e grêmios
recreativos. Ao longo dos anos 80 a quantidade de bailes aumentou significativamente, frequen-
temente reunindo pessoas de diferentes bairros em um mesmo evento.
Devido à presença de moradores de comunidades rivais, as brigas entre frequentadores
dos bailes funk começaram a ficar comuns. Como forma de amenizar a violência, as equipes de
som passaram a promover os festivais de galeras. Relembrando, esses festivais eram concursos
em que grupos de jovens vindos de lugares diferentes da cidade, as galeras, disputavam prêmios
e prestígio através de determinadas provas. Nesse contexto surgiram os primeiros MC´s cariocas
com raps que pediam por paz e menos violência. Entretanto, as brigas nos bailes se tornavam
mais frequentes. Os festivais acabavam promovendo o encontro entre grupos urbanos rivais o
que facilmente acabava acarretando a violência. “Ao longo dos anos 1990, a situação se deterio-
raria, com algumas galeras se voltando para o crime e a pancadaria nos bailes evoluindo para a
formação do corredor – uma das pragas do movimento funk” (Essinger, 2005, p.117). O corredor
a que Silvio Essinger se refere trata-se de uma forma de entretenimento violento que se estabele-
ceu nos anos 90 dentro do mundo funk – o baile de corredor. O funcionamento deste ritual base-
ava-se na divisão da pista de dança em dois lados: o lado A e o lado B. Feita essa organização
entre as galeras, ocorria então uma batalha física entre os envolvidos enquanto o funk tocava nas
caixas de som. “Durante o baile, as turmas ficavam o tempo todo ciscando para lá e para cá em
busca de uma vítima do outro lado – só paravam na hora que tinha a música lenta” (2005, p.
116).
Bailes de corredor, excesso de barulho, algumas depredações e até casos de morte co-
meçaram a incomodar a população de classe média que habitava as proximidades dos bailes.
Dentro de pouco tempo a imprensa voltou sua atenção para estas situações e o noticiário come-
çou a endossar um discurso midiático segundo o qual as causas da violência entre jovens da peri-
feria estavam relacionadas ao funk e a realização dos bailes. Um acontecimento emblemático
desse período foi um encontro de galeras rivais realizado no dia 18 de outubro de 1992 na praia
de Ipanema. Os jornais noticiaram o episódio como sendo uma invasão de jovens delinquentes
que foram à praia assaltar os banhistas, levando caos e pavor à Zona Sul. Batizado com o nome
51

de arrastão, esse caso marcou o início da chamada demonização do funk – termo empregado pelo
pesquisador em comunicação Micael Herschmann para referir-se à perseguição feita pela mídia
contra o movimento funk, generalizando os funkeiros como indivíduos violentos e perigosos
(Essinger, 2005, 124-125). Segundo citação de Herschmann feita por Silvio Essinger no livro
Batidão, a imagem do público funkeiro foi sendo sistematicamente construída como algo muito
nocivo para a sociedade.

Assim, deduz ele: “cada vez mais o funkeiro foi sendo apresentado à opinião pública como um
personagem „maligno/endemoniado‟ e, ao mesmo tempo, paradigmático da juventude da favela,
vista, em geral, como „revoltada‟ e „desesperançada‟ – e, por consequência, como candidato
compulsório a ingressar numa das duas organizações criminosas que controlavam o tráfico de
drogas no Rio” (Herschmann, apud Essinger, 2005, p.125).

Desde o episódio em Ipanema, os jornais começaram a circular notícias que sempre


vinculavam o funk a algum ato criminoso. Algumas manchetes selecionadas por Adriana Carva-
lho Lopes mostram esse fenômeno: “Firma acusada de furtar energia e fazer exorcismo em baile
funk” (O Dia, 20-08-1993); “Funkeiros apedrejam ônibus e ferem 3” (O Globo, 10-08-1993);
“Funk carioca: de James Brown ao Comando Vermelho” (O Dia, 23-04-1994); “Funkeiros ten-
tam estupro” (O Dia, 26-08-1994); “Juiz manda apurar apologia ao tráfico nos bailes funk” (O
Globo, 13-06-1995); “Rap é a nova arma do Comando Vermelho” (O Globo, 11-06-1995); “Fe-
bre Funk já matou 80” (O Dia, 12-09-1996) (Lopes, 2011, p.40-41). É notável como a responsa-
bilidade pelos atos criminosos das manchetes acima não são atribuídas aos agentes específicos da
criminalidade – vândalos, traficantes, estupradores e assassinos – mas aos apreciadores de um
estilo musical determinado. Tomou forma no Rio de Janeiro uma verdadeira campanha midiáiti-
ca contra o funk, o que resultou na proibição dos bailes em clubes e associações do subúrbio.
Desde então tais eventos passaram a ser realizados em sua maioria dentro das favelas. Conforme
aponta a autora,

Acontecendo ou não o fato no interior do baile funk, são essas as imagens – morte, violência,
assassinato – que serão frequentemente associadas ao funk dos subúrbios e das favelas. (...) To-
davia será a construção jornalística sobre o envolvimento do funk com os supostos traficantes
que tornará essa prática musical legitimamente criminalizada, após o período do arrastão. En-
quanto os seus artistas passam a ser identificados como aqueles que cantam a “apologia ao cri-
me”, os bailes estarão, no centro das discussões midiáticas, como uma festa financiada por ban-
didos. Assim, o funk foi durante esse período construído como parte integrante de um suposto
“crime organizado” existente nas favelas cariocas (Lopes, 2011, p. 42-43).

O processo de abertura política conduzido pelo último presidente militar João Batista
Figueiredo (1979-1985) teve como uma de suas consequências o aumento do fluxo de capitais, o
que acabou facilitando também a circulação de substâncias ilícitas no país (Palombini, 2013,
52

p.148-149). Durante a década de 1980, portanto, o Rio de Janeiro assistiu à ascensão de uma das
principais facções responsáveis pelo comércio de drogas na cidade – o Comando Vermelho –
cujos soldados são, em sua maioria, jovens provenientes das comunidades pobres da cidade. Por-
tanto, a partir de então, o funk e as facções começaram a habitar o mesmo espaço geográfico da
cidade: o morro. Devido a este fato, somado ao tratamento tendencioso que imprensa dava ao
funk – aproximando-o sempre ao crime e nunca à música – logo começava a se falar também
sobre a associação entre funkeiros e as grandes organizações criminosas das favelas (Essinger,
2005, p.123). Palombini dá o contexto.

A década de 1980 é a da criminalização da juventude favelada, da implantação do comércio de


cocaína em grande escala, e da ascensão, nas favelas cariocas, do Comando Vermelho, uma as-
sociação de comerciantes varejistas de substâncias ilícitas cujo o apogeu, na virada da década,
coincide com o surgimento da música funk carioca (Palombini, 2013, p.149-150).

Conforme dito, a partir dos anos 80 algumas favelas do Rio se transformaram em terri-
tórios dominados por facções criminosas. Desde então, as atividades desenvolvidas por esses
grupos do crime organizado passaram a fazer parte do cotidiano dessas comunidades. O funk não
foi indiferente a este fenômeno. O convívio compulsório de alguns MC´s com aquela realidade
atroz logo deu seu fruto musical. A partir de meados dos anos 90 começou a tomar forma um
novo subgênero do funk: o “proibidão”. Sua forma é a mesma do funk em geral: base eletrônica
sobreposta pelo canto do MC. A grande diferença está no conteúdo da poesia. As letras são rela-
tos do cotidiano das favelas habitadas pelo crime organizado, retratam as atividades das facções,
explicam suas políticas de funcionamento, exaltam suas leis morais e celebram a vida ganha
através da criminalidade. Muitas músicas narram embates com a polícia ou entre facções rivais.
A linguagem utilizada nesse tipo de funk é explícita e direta. Não existe pudor em expor a reali-
dade violenta dos morros, nem em citar os nomes das facções e seus líderes – muitos procurados
pela polícia. Algumas letras frequentemente descrevem o armamento utilizado pelas facções e
trazem discursos contra a força policial que invade as comunidades em busca de criminosos.
Para exemplificar segue abaixo a letra de um famoso proibidão de 2009 de autoria do MC Smith.

Vida Bandida

Partia pros bailes de briga,


Pegava carona e roupa emprestada
Era um dos mais falados, era brabo na porrada
Mas ninguém vive de fama
Queria grana queria poder
53

Se envolveu no artigo 12 pela facção C.V


FB se liga só mas olha ele quem diria
Ninguém lhe dava nada
Tá fortão na hierarquia
Abalando a mulherada
É o rasante do falcão, em cima da R1
A grossura do cordão tá causando zum zum zum
Mas é várias mulher, vários fuzil a sua disposição
O batalhão da área comendo na sua mão
Ele tem disposição para o mal e para o bem
mesmo rosto que faz rir é o que faz chorar também

REFRÃO
Nossa vida é bandida e o nosso jogo é bruto
Hoje somos festa, amanhã seremos luto
Caveirão não me assusta
Nós não foge do conflito,
Nós também somos blindados no sangue de Jesus Cristo

É que a BMW voa, nós mantemos o pé no chão


O nosso bonde zoa, nós só chega de patrão
Só disfolia só pacão
As piranhas passa mal
Nós só anda trepadão de Glock, Rajada, G3, Parafal
Nós estamos no problema
Nós não rende pra playboy
Nós não podemos ir na Zona Sul, a Zona Sul é que vem até nós
Estampado no jornal toda hora e todo instante
Patricinha sobe o morro só pra dar pra traficante
Nós não somos embriagados
Nem em fama e nem sucesso
Por que dentro da cadeia todos somos de processo
Tem que ter sabedoria pra poder viver no crime
Por que bandido burro morre no final do filme

A letra inicia contando a história de um garoto frequentador dos “bailes de briga” – os


bailes de corredor abordados anteriormente. Almejando “grana e poder” o jovem resolve entrar
para o a “facção CV” – sigla para Comando Vermelho. Logo consegue prestígio dentro da orga-
54

nização e fica “fortão na hierarquia”. Além de possuir moto, cordão de ouro e fazer sucesso entre
as mulheres, ele tem “o batalhão da área comendo na sua mão” – provável referência à cumplici-
dade existente entre membros da polícia e criminosos. Seguindo para o refrão a letra cita o “Ca-
veirão” – carro blindado usado pelo Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar para
invadir comunidades. Fazendo um jogo de palavras, MC Smith fala que, assim como o carro da
polícia, os membros das facções também são blindados, mas pelo sangue de Jesus. Mais adiante
“Glock, Rajada, G3, Parafal” formam um pequeno catálogo do armamento utilizado pelas fac-
ções. Em seguida a letra dá outra demonstração de poder que mistura segregação geográfica e
machismo – “Nós não podemos ir na Zona Sul, a Zona Sul é que vem até nós/Estampado no jor-
nal toda hora e todo instante/Patricinha sobe o morro só pra dar pra traficante”. Conforme dito, o
proibidão dispensa eufemismos. O texto termina enunciando a lei inexorável daqueles que vivem
essa realidade – “Tem que ter sabedoria pra poder viver no crime/Por que bandido burro morre
no final do filme”.
Em 1995, quase 15 anos antes de Vida Bandida, foi gravado o Rap das armas dos MC´s
Júnior e Leonardo. A letra apresenta uma extensa relação de armas de fogo, porém se atém a
denunciar a violência urbana e pedir paz, sem referências ao crime organizado. No mesmo ano a
dupla Cidinho e Doca lançou e mesma música, porém com letra diferente. Além de citar o ar-
mamento utilizado pelos bandidos, a música descreve situações de confronto entre criminosos e
as forças policiais e explica como funcionam alguns procedimentos de combate adotados pelas
facções. A letra se refere à polícia utilizando um tom provocativo e destemido em relação às for-
ças de repressão do Estado. Essa música foi proibida de tocar na rádio e, ainda em 1995, Júnior,
Leonardo, Cidinho, Doca e a dupla William e Duda foram chamados para depor na polícia (Pa-
lombini, 2013, p.2). O fato de existir uma versão liberada e outra proibida de tocar na rádio foi o
que, certamente, popularizou o termo proibidão. Com o sucesso de Rap das armas em 1995 – um
dos primeiros proibidões – tornou-se mais acentuada a depreciação do funk que já vinha em cur-
so desde a época dos arrastões em 1992. Porém, agora a perseguição seria diretamente contra os
MC´s que cantavam esse estilo. Outro caso emblemático ocorreu no ano de 2005 quando os
MC‟s Frank, Sapão, Mr. Catra, Tan, Cula, Sabrina, Cidinho, Doca, Duda do Borel, Menor do
Chapa, Colibri e Menor da Provi foram indiciados pela polícia (2013, p.2). A capa do jornal ca-
rioca O Dia de 30 de setembro trazia estampada uma foto 3x4 de cada um dos cantores sob a
manchete “Ofensiva contra os gritos de guerra do crime – Polícia indicia doze que cantam funk
do mal”. Já em 2010, os MC´s Frank, Max, Tikão, Dido e Smith sofreram prisão temporária de-
cretada por um juiz de direito do Rio de Janeiro sob acusação de incitação ao crime, apologia ao
crime, instigação ao uso de drogas e associação com o tráfico de drogas (2013, p.4-6). Segundo
análise legislativa feita por Palombini (2013, p.5-7), a prisão temporária dos MC´s não tinha am-
55

paro legal. Depois de o pedido de soltura ser levado à segunda instância, o juiz determinou a
liberação dos MC´s argumentando que a prisão temporária fora ilegal. Em 24 de dezembro os
MC´s foram soltos.
A perseguição a MC´s, o fechamento de bailes e a demonização do funk na mídia torna-
ram-se parte do cotidiano deste estilo musical. Os três episódios citados acima não são casos
isolados. “Desde pelo menos meados dos anos 1990, os bailes funk têm sido ora proibidos, ora
regulamentados com leis rígidas (...) e, muitas vezes, no caso dos bailes de favela, interrompidos
à base de tiros pela polícia” (Facina, 2013, p.66). A título de comparação, é interessante destacar
como casos pontuais de violência ocorridos em bailes funk são amplificados e utilizados para
estabelecer uma proibição generalizada desses eventos, algo diverso do que acontecia com as
festas da classe média carioca, em que casos de violência envolvendo os conhecidos pitboys
nunca foram motivo para proibições. “(...) As medidas direcionadas aos jovens de origem popu-
lar se deslocavam para o campo da repressão, onde a diversão também tinha de ser proibida. Aos
jovens da Zona Sul da cidade as confusões em boates eram individualizadas, e o enfoque dado se
deslocava para o campo psicológico(...)” (Batista, 2013, p.37). O Estado e a sociedade usam
como principal justificativa para esta retaliação um suposto crime de apologia e incitação à vio-
lência que o funk estaria promovendo. Entretanto, para a antropóloga Adriana Facina, a perse-
guição ao funk não ocorre apenas em decorrência do conteúdo poético de suas letras. Segundo a
autora, o problema do funk, em especial do proibidão, não é “o que ele fala”, mas “quem fala”. O
sujeito que cria, canta e gosta de funk geralmente é um jovem negro, morador de favela – uma
figura historicamente estigmatizada no Brasil. A autora propõe, portanto, que a criminalização de
MC´s, bailes e proibidões representam não o zelo pela segurança pública, mas sim uma versão
atualizada da perseguição racista às manifestações negras brasileiras (Facina, 2013, p. 57). O
tratamento diferenciado dispensado ao funk pode ser percebido quando comparado à ampla acei-
tação de outras obras de arte, como demonstra a autora.

Uma coisa me parece evidente: a questão não está nas histórias e situações cotidianas que são
narradas nos proibidões. Outras produções culturais narram coisas muito semelhantes e são am-
plamente sancionados pelo Estado, pela mídia corporativa, pela indústria cultural e por setores
conservadores da sociedade. Um exemplo, entre tantos que poderíamos citar aqui, é o filme
Tropa de Elite, dirigido por José Padilha e lançado em 2007. Recorde de bilheteria, aclamado
pela crítica e público, o filme tem como herói um policial que age contra a lei, inclusive come-
tendo o crime de tortura. A linguagem do filme com suas gírias, as práticas criminosas narradas
de modo glamourizado são elementos também presentes nos proibidões, com a diferença que
estes cantam a versão dos bandidos e o filme assume o ponto de vista do policial (Facina, 2013,
p. 55-56).

Uma favela com a presença de uma facção criminosa em seu território convive cotidia-
namente com a figura do bandido. Ele porta armas de fogo, cumpre funções, participa de confli-
56

tos, tem hábitos, jeito próprio de falar, de se relacionar com as pessoas. É um personagem. O
funk proibidão tem como característica a descrição da vida desse personagem, discorrendo sobre
seus valores, perdas e conquistas. É um relato da realidade do crime contado a partir da visão e
dos desejos do bandido. Quando um MC canta um proibidão, portanto, ele realiza um processo
de incorporação de outra persona para então contar a história dela. O intérprete incorpora a fala
do bandido, preocupando-se em transmitir a verdade a respeito daquele indivíduo. Trata-se de
um procedimento artístico amplamente utilizado em diversas obras de arte ao longo da história.
Entretanto, quando o funk faz uso desse processo de incorporação, suas músicas são interpreta-
das como apologia ao crime. Contar histórias sobre crimes, bandidos e facções parece ser uma
afronta à sociedade quando as narrativas partem da perspectiva do bandido e são enunciadas por
um artista da favela, conforme demonstra Adriana Facina.

A questão da liberdade estética, da liberdade de criação artística me parece o centro dessa ques-
tão. Assumir um personagem é parte do fazer artístico, seja no cinema, na literatura, nas artes
plásticas ou na música. Muita gente que admira as obras de Hélio Oiticica, com suas homena-
gens ao bandido Cara de Cavalo na década de 1960, vê os MC´s do funk proibido como vozes a
serem caladas. Estes artistas, condenados a verem suas músicas assimiladas a um realismo jor-
nalístico, não têm liberdade para encenar uma persona, uma máscara e assumir suas simpatias
pelos criminosos, como fez Oiticica em outros tempos (Facina, 2013, p. 68).

As comparações feitas por Facina, tanto em relação ao Tropa de Elite, quanto à obra de
Oiticica, expõem o tratamento desigual dado ao funk. A partir desses exemplos, pode-se perce-
ber que o ponto incômodo em relação ao estilo não está no conteúdo, mas em quem o produz,
quem a linguagem utilizada representa. Na mesma direção, Ariana Carvalho Lopes afirma que a
perseguição ao funk seria mais uma manifestação de um racismo inconfessável que existe no
Brasil. Como explica a autora, esta é uma nação fundada sob o mito da democracia racial, se-
gundo o qual seu povo seria o resultado de uma harmoniosa mestiçagem entre brancos, negros e
índios. Esta ideia, consolidada a partir da década de 1930, fez com que a discriminação racial –
objetivamente motivada pela cor da pele – se tornasse algo politicamente inaceitável, pois ia con-
tra a construção do ideal identitário brasileiro. Desde então começaram a surgir subterfúgios,
bodes expiatórios, que possibilitam que o processo de exclusão social do negro continue em
marcha, agora sem a necessidade de citar diretamente o elemento racial como justificativa, mas
sim um outro elemento que passa a ser “racializado”. O funk seria um dos bodes expiatórios des-
se racismo silencioso praticado no Brasil. Lopes descreve este fenômeno usando o termo “racia-
lização” conforme posto abaixo.

Uma vez que a discussão sobre “a raça” como a base para a diferenciação entre grupos já não é
mais politicamente aceitável, outros termos são frequentemente empregados para marcar deter-
57

minados sujeitos e práticas como “a diferença”. Neste texto, assumo que a racialização é um
processo simbólico de discriminação do discurso hegemônico, que atribui às favelas e aos sujei-
tos favelados certas características, situando-se como alienígenas, perigosos, bárbaros, etc. Nes-
se discurso a referência à raça ou a qualquer critério racial não são explicitamente mencionados
(Lopes, 2009, p. 376).

A perseguição ao funk, amparada ideologicamente por um preconceito de raça dissimu-


lado, dá origem a um discurso hegemônico segundo o qual funkeiros são elementos perigosos e
devem estar sempre sob suspeita. Entretanto, “o mesmo discurso que oprime e constitui certos
sujeitos como subalternizados, fornece, paradoxalmente, a possibilidade de existência e signos
de resistência para esses sujeitos” (Lopes, 2009, p. 377). Ou seja, o proibidão, além de uma for-
ma de relato, pode ser interpretado como uma reação ao discurso do Estado e da sociedade que
classificam como ruim e nocivo tudo o que provem da favela. Ao narrar a mesma rotina da cri-
minalidade presente nas manchetes de jornal, porém pela perspectiva marginal do criminoso, o
proibidão logra questionar e reinventar a narrativa hegemônica acerca da sua própria realidade,
propõe novos heróis, novos inimigos e uma nova moral em consonância com a realidade da peri-
feria retratada. Esse tipo de funk torna-se, por conseguinte, uma ferramenta de identidade e re-
presentação para os jovens dos morros cariocas. A partir das letras “proibidonas”, ganha espaço
o relato enunciado pela voz subalterna e marginal, descrevendo o cotidiano de milhares de pes-
soas que vivem nessas condições. Lopes demonstra como o proibidão, na condição de relato do
excluído, possibilita a existência pública dos marginalizados.

Nesse sentido, a política de identidade tem a ver com as reivindicações daqueles que foram ex-
cluídos da modernidade e que, diante dos processos mais amplos de globalização e de consumo,
encenam diferentes formas de solidariedade „nessas margens que inventam para si‟. (...) Assu-
mimos, portanto, que a política de identidade está intrinsecamente relacionada com essas „cultu-
ras de sobrevivência‟. Trata-se de um tipo de resposta subalterna às formas de dominação do
mundo moderno e globalizado (Lopes, 2011, p.80-81).

De acordo com a reflexão dos pesquisadores aqui citados, é possível compreender a


perseguição ao funk, mais especificamente ao estilo proibidão, como manifestação de um racis-
mo travestido de luta contra o crime. O que horroriza a sociedade não é uma suposta apologia,
nem os assuntos tratados nas letras, os quais foram abordados em obras de arte amplamente acei-
tas e celebradas pela sociedade. A indignação a respeito do proibidão, segundo o entendimento
aqui proposto, dá-se contra o sujeito que o profere. Quem faz o proibidão pertence a uma camada
social historicamente silenciada e perseguida no Brasil: afrodescendentes e pobres. Demonizar
este estilo musical pode representar uma grande perda, como coloca Facina.
58

Assim, como o samba um dia, as vozes do funk podem parecer rudes, incivilizadas, agressivas
aos ouvidos mais sensíveis de seu tempo, mas expressam uma experiência social de modo úni-
co, sob o ponto de vista específico de quem a vive. Nos dias de hoje, proibir o funk é segregar
ou tornar invisível essa experiência do que é ser jovem e favelado em nosso contexto urbano
(Facina, 2013, p.58).

O proibidão atesta mais uma caraterística a ser incluída na personalidade do funk. Além
de negro, híbrido, eletrônico, popular e brasileiro, ele também é marginal e, se o funk está à mar-
gem, o proibidão está à margem da margem. O signo da exclusão – social e artística – é uma
marca da história desse estilo. A partir da análise de alguns autores sobre a demonização do
funk, pretendeu-se desconstruir os principais juízos comuns feitos ao seu respeito, deslocando-o
da alcunha de manifestação delinquente a ser silenciada, ou tratada como crime. Ao contrário, o
funk é uma poderosa ferramenta de representação para jovens que habitam as periferias do Bra-
sil. Suas letras contêm o relato da vida marginal feito do ponto de vista de quem a vive diaria-
mente. Sua linguagem usa palavrões, celebra crimes e enaltece a vida nos morros. Conforme
Adriana Carvalho Lopes, o funk – assim como o hip hop – consiste em um “contradiscurso da
diáspora africana” que funciona como uma

prática de compensação à exclusão do letramento e política formais a que foram submetidos os


descendentes de escravos no ocidente. Tal contradiscurso é propagado através da música e está
relacionado com a construção de identidades de jovens habitantes de territórios urbanos que são
marcados por formas similares, mas não idênticas, de racismo, pobreza e segregação espacial
(Lopes, 2009, p. 372).

Ainda conforme essa autora, o funk funciona como uma “antidisciplina” de resistência.
Assumindo o discurso do negro, do pobre e do bandido, o funk consegue deturpar ou lesar siste-
mas de dominação (Lopes, 2009, p. 373). Segundo ela, “o prefixo „anti‟ sinaliza modos de resis-
tência linguísticos dessa cultura diaspórica. (...) os sujeitos no interior desse sistema inventam
pequenas estratégias simbólicas de sobrevivência, modificando e (re)significando o sistema e
suas representações, de modo que eles operem em seu favor” (2009, p.373). Portanto, o funk fala
em nome de determinada camada social, proporcionando-lhe meios de sobrevivência no campo
de batalhas simbólicas da sociedade. Um desses campos de batalha é o meio musical, no qual o
funk também sofre severa resistência e tem sua marginalidade constantemente reafirmada. Sobre
as relações entre o funk e músicos de Curitiba – especificamente membros de instituições artísti-
cas da cidade – tratará o seguinte item deste texto.
59

2.3 Curitiba e o funk: levantamento de dados

O funk é uma manifestação nascida no Rio de Janeiro e sua existência está intimamente
ligada à lógica geográfica e social daquela cidade. Porém, por se tratar de um fenômeno de mas-
sa, ele se espalhou por outras cidades do Brasil, criando novos adeptos e detratores. Após trans-
correr pela história do funk em sua cidade natal e observar uma parte dos conflitos que o envol-
vem lá, este ponto do trabalho desloca o olhar para Curitiba. Aqui serão apresentados os dados
levantados através de uma pesquisa de opinião feita com profissionais de música de Curitiba a
respeito de suas opiniões sobre o funk. Como critério de escolha do público observado foi esta-
belecido que o entrevistado deveria ser: a) músico vinculado a alguma instituição artística públi-
ca; ou b) docente universitário de música; ou c) acadêmico de música. Depois de propor a reali-
zação da pesquisa em alguns lugares, participaram do levantamento membros de quatro institui-
ções diferentes. Foram elas: a) um grupo municipal de música de câmara; b) uma orquestra mu-
nicipal de música popular brasileira; c) uma instituição municipal de ensino e performance de
música popular brasileira; d) uma faculdade de música. Estabeleceram-se, portanto, duas catego-
rias gerais de participantes. A primeira delas é composta por performers, cuja relação com a mú-
sica está pautada pela qualidade técnica e interpretativa das execuções a partir de um compro-
misso assumido com um repertório específico. A expectativa em relação às respostas desse gru-
po não abarcava discursos inclusivos do ponto de vista cultural. Pelo contrário, esperava-se mai-
or rigidez na crítica aos aspectos técnicos e estéticos do funk. A outra categoria é composta por
docentes e acadêmicos de música. Por habitar o território da educação e da universalidade musi-
cal, a expectativas em relação às respostas deste grupo giravam em torno de falas mais inclusi-
vas. Apesar disso, os dois grupos apresentaram discursos de rechaço e acolhimento em relação
ao funk. Porém o tom de repúdio se mostrou preponderante. Ao todo, responderam a pesquisa 40
pessoas, dentre as quais encontram-se cantores, instrumentistas, professores e alunos. Como será
visto na apresentação dos dados, a tabulação das informações não foi separada por instituição.
Optou-se por fazer a investigação em lugares diferentes no sentido de tornar mais heterogênea a
comunidade que estava sendo observada. Porém, as informações foram computadas consideran-
do os 40 questionários como um grupo único.
A escolha dos lugares pesquisados teve por objetivo traçar um determinado perfil do in-
divíduo que responderia à pesquisa. Em linhas gerais, buscou-se por pessoas que tivessem uma
relação formal com a música. São músicos com conhecimento de leitura e escrita musical e téc-
nicas vocal ou instrumental. O grupo também está composto por alunos, pessoas com formação
superior em música, mestres, doutores e pós-doutores na área. Além disso, todos os entrevistados
tocam, pesquisam, ou estudam repertórios voltados à música de concerto ocidental – de diferen-
60

tes períodos até a fase contemporânea – ou para a música popular, contemplando estilos como
jazz, samba, choro, bossa nova e manifestações regionais brasileiras – distanciando-se comple-
tamente da música de massa. Priorizando tais características, a pesquisa buscou fazer com que o
perfil do entrevistado estivesse propositalmente distante do universo do funk carioca. Com isso,
pretendeu-se estabelecer o diálogo entre duas realidades musicais diferentes. Objetivamente, a
pesquisa se propôs a observar o que músicos de gabarito, vinculados a instituições consolidadas
de Curitiba, pensam sobre o funk. Através da fala dos entrevistados, buscou-se identificar a pre-
sença de preconceitos, a reprodução de um possível senso comum ou a sua subversão, bem como
refletir sobre as relações de poder existentes entre ambientes musicais tão distintos.
Para a obtenção dos dados os entrevistados tiveram que responder a um questionário
composto por nove perguntas de caráter discursivo. Antes, todavia, era preciso informar sexo e
idade. A primeira metade do questionário é composta por quatro perguntas de localização com o
objetivo de identificar a atividade desenvolvida pelo entrevistado e saber sobre seus gostos musi-
cais. São elas: 1) Quais são suas atividades relacionadas à música? (músico profissional, docente,
aluno etc); 2) Qual seu instrumento principal?; 3) Quais são seus músicos e estilos musicais fa-
voritos?; 4) Quais músicos, ou estilos musicais menos lhe agradam?. A segunda parte traz cinco
questões acerca da relação do entrevistado com o funk carioca. São elas: 5) Você ouve, ou já
ouviu, funk carioca?; 6) Você gosta de funk carioca? Por quê?; 7) Você considera o funk carioca
como música? Por quê?; 8) Na sua opinião, o funk carioca é música popular brasileira? Por quê?;
9) Você comporia, arranjaria, ou tocaria uma peça de funk carioca para o seu instrumento ou
grupo musical? Por quê?. Ao longo deste item do trabalho serão apresentados os levantamentos
das respostas a estas nove perguntas.
Primeiramente serão expostos os resultados das quatro perguntas iniciais. Suas análises
serão quantitativas ou qualitativas, dependendo do caráter da pergunta. Esta primeira metade
atua no sentido de deixar mais claro qual o perfil do músico que foi entrevistado. Em seguida
serão colocados os resultados das cinco últimas questões. Esta porção do questionário adentra
objetivamente o tema da pesquisa. Como pode ser observado, cada uma das perguntas sobre o
funk, com exceção da questão número cinco, é formada por uma parte objetiva – cuja resposta
deve ser “sim” ou “não” – e uma parte subjetiva – representada pelo “por quê?” – na qual o en-
trevistado discorre sobre sua resposta. A primeira parte de cada uma dessas cinco perguntas fi-
nais foi tabulada quantitativamente. Em relação à parte discursiva, seria inviável analisar todas as
respostas devido à dimensão a que este trabalho se propõe. Portanto, para cada pergunta acerca
do funk foram selecionadas e analisadas algumas respostas que apresentaram maior pertinência
em relação ao que está sendo investigado. A seguir, cada uma das perguntas que compõe o ques-
tionário será abordada em tópicos individuais cujo título será a própria pergunta. Cabe ressaltar
61

que foi mantido o anonimato tanto dos entrevistados quanto das instituições a que eles perten-
cem.

Sexo e faixa etária

Sexo dos participantes


3%

20%

Masculino
Feminino
Não informado

77%

Gráfico 1: sexo dos participantes

Faixa etária dos participantes


3%3% 5%
19 anos

22% 20 a 29 anos
25%
30 a 39 anos
40 a 49 anos
50 a 59
7%
Acima de 60
Não informado
35%

Gráfico 2: faixa etária dos participantes

O grupo de 40 entrevistados foi composto por 31 pessoas do sexo masculino e oito pes-
soas do sexo feminino. Um indivíduo não informou. Como pode ser observado no gráfico 2,
mais da metade dos participantes tem entre 20 e 39 anos de idade. Boa parte tem também entre
50 e 59 anos de idade. Estas informações demonstram que o grupo é majoritariamente formado
62

por pessoas adultas, o que denota maior experiência de vida, inclusive no campo musical. A ida-
de média do grupo entrevistado é de 38 anos. A faixa etária pode revelar que a maioria dos en-
trevistados provavelmente não estabeleceu relação próxima com o funk durante a juventude.

1) Quais são suas atividades relacionadas à música? (músico profissional, docente, aluno etc).

1) Quais são suas atividades


relacionadas à música?

18%

Músico profissional
10%
Professor universitário
Acadêmico de música
72%

Gráfico 3: Atividades desenvolvidas pelos participantes

Do total de 40 pessoas, 29 atuam como músicos profissionais, quatro são professores


universitários e sete são acadêmicos de música.
63

2) Qual seu instrumento principal?

2) Qual seu instrumento principal?


14
12
10
Número de 8
participantes 6
4
2
0

Instrumento

Gráfico 4: Instrumentos tocados pelos participantes

3) Quais são seus músicos e estilos musicais favoritos?

O grande número de artistas e estilos citados neste item impede que as informações se-
jam apresentadas na forma de gráfico. Portanto, serão listados abaixo todos os músicos e estilos
mencionados pelo menos duas vezes. Entre parênteses consta o número de vezes que cada estilo
ou artista foi citado. As informações foram subdivididas em quatro grupos para serem mais bem
observadas. Os grupos são: estilos brasileiros, estilos internacionais, músicos brasileiros e músi-
cos internacionais.

Estilos brasileiros: MPB (17); samba (5); choro (4); música brasileira, música instrumental bra-
sileira e jazz brasileiro (cada um com duas citações);

Estilos internacionais: jazz (16); música erudita (10); música clássica e rock (cada um com seis
citações); blues (4); música barroca, música antiga, música romântica, música contemporânea e
música instrumental (cada um com três citações); folk, electro, pop, música de concerto e música
folclórica (cada um com duas citações);
64

Músicos brasileiros: Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal e Cartola (cada um com três citações);
Pixinguinha, Paulinho da Viola, César Camargo Mariano, Villa-Lobos, Chico Buarque, Nelson
Freire e Jorge Ben (cada um com duas citações);

Músicos internacionais: Bach (12); Mozart (8); Handel (5); Monteverdi (4); Stravinsky e John
Coltrane (cada um com três citações), Bill Evans, Debussy, Maurice Ravel, Beethoven, Nobuo
Uematsu, Red Hot Chilli Peppers e Frank Zappa (cada um com duas citações);

4) Quais músicos ou estilos musicais menos lhe agradam?

4) Quais músicos ou estilos musicais


menos lhe agradam?

Sertanejo
16%
4% Funk Carioca
38%
5% Axé
6% Pagode
Pop
31% Outros

Gráfico 5: estilos musicais menos apreciados

A pergunta neste item questiona sobre artistas ou estilos, entretanto nenhum nome de ar-
tista foi citado, apenas estilos musicais genéricos. Isto demonstrou que quando se trata de des-
crever a música apreciada o entrevistado é específico, citando nomes de artistas e conjuntos mu-
sicais. Quando descreve a música que não gosta, as respostas tendem às generalizações, sem
menções de nomes específicos, mas apenas estilos musicais. O estilo mais citado foi o sertanejo
com 21 citações, aparecendo sob as variáveis sertanejo universitário (11), apenas sertanejo (7),
sertanejo comercial (1), música sertaneja feita no século XXI (1) e sertanejo da TV Globo (1).
Em segundo lugar aparece o funk carioca com 17 citações. Dentre elas 16 utilizam apenas o no-
me funk e uma refere-se ao funk proibidão. Sertanejo e funk somam 69% das respostas. O res-
65

tante das citações compreendem estilos como axé, pagode, música pop, brega, heavy metal, mú-
sica gaúcha, indie rock, rock alternativo, música eletrônica, gospel melódico, rap e música ele-
troacústica.

5) Você ouve, ou já ouviu, funk carioca?

5) Você ouve, ou já ouviu, funk


carioca?

15%

Sim
Não

85%

Gráfico 6: pessoas que já ouviram funk carioca

Conforme demonstra o gráfico 6, a grande maioria dos participantes declarou já ter ou-
vido funk carioca. Deste percentual de 85% que respondeu afirmativamente, aproximadamente
um terço acrescentou ressalvas para esclarecer que quando ouviram funk nunca foi por vontade
própria, mas sim acidentalmente ou ocasionalmente, através de algum meio de comunicação de
massa como rádio e TV. “Já ouvi acidentalmente”, “Já ouvi, mas não por querer”, “Ouvi várias
vezes, mas em nenhuma delas foi por vontade própria”, “Já ouvi, mas não aprecio”, “Já ouvi na
televisão” foram algumas dessas respostas. Dentre os 15% dos entrevistados que responderam
nunca terem ouvido funk, todos afirmaram não gostar do estilo (questão 6).
66

6) Você gosta de funk carioca? Por quê?

6) Você gosta de funk carioca?

5%
15%

Sim
Não
Abstenções

80%

Gráfico 7: opinião dos participantes sobre o funk carioca

Dentre os 40 participantes da pesquisa, 32 responderam não gostar de funk carioca.


Desses 32, apenas nove questionários apresentaram algum argumento que analisasse objetiva-
mente aspectos musicais do funk. O número é notavelmente baixo se considerado que o público
entrevistado foi composto por músicos, professores e estudantes de música. A expectativa inicial
era uma presença maior de argumentos de natureza técnica, o que não foi constatado, pois mes-
mo aqueles que fizeram referência à musicalidade em suas críticas, por vezes limitaram-se a des-
crever o estilo com adjetivos muito amplos ou genéricos. Algumas das respostas contra o aspecto
musical foram: “música extremamente pobre”, “música extraordinariamente feia”, “é musical-
mente pobre, sem graça”, “como música acho muito pobre”, “não, pois não considero música”.
Dentre as críticas objetivamente musicais que apresentaram maior especificidade na argumenta-
ção estão: “faltam elementos musicais, principalmente melodia”, “o estilo é repetitivo na questão
melódica, harmônica, de timbres e de dinâmicas”, “a sonoridade é agressiva, o ritmo insistente,
às vezes estridente, os motivos musicais pobres”, “não me agrada por ser um pouco repetitivo na
questão rítmica e melódica (...) os cantores são fracos tecnicamente”.
O artigo Musicologia e direito na faixa de Gaza de autoria do professor Carlos Palom-
bini é um dos poucos textos acadêmicos a dar um enfoque musicológico ao funk carioca. Nele o
autor faz uso das ideias desenvolvidas pelo compositor francês Pierre Schaeffer - no livro Trata-
do dos objetos musicais de 1966 – para analisar as objeções e o senso comum musical presentes
na crítica feita ao funk carioca atualmente. Segundo Schaeffer, a música contemporânea trouxe
67

“três fatos novos” para o interior do debate musicológico. O primeiro deles é de natureza estética
e refere-se às transformações sofridas pelo conceito de tonalidade: “a expansão e a desagregação
do sistema tonal colocaram em xeque as estruturas de referência correspondente, e encontraram
contrapartida na busca por organizações outras que melodia, harmonia e contraponto” (Palombi-
ni, 2013, p.134). O segundo fato novo refere-se às inovações nas técnicas de composição e ins-
trumentação propostas pela música do século XX.

Criações como a da música concreta do final dos anos 1940, associada a procedimentos de gra-
vação, manipulação de montagem de registros sonoros, ou da música eletrônica do início dos
anos 1950, associada a procedimentos de síntese eletrônica aditiva e subtrativa, embora antagô-
nicas em seus princípios, ficaram ambas tão marcadas por tais procedimentos que alguns se re-
cusaram a atribuir-lhes o rótulo musical (Palombini, 2013, p.134-135).

O terceiro fato novo apresentado por Schaeffer é de ordem intercultural e contesta os


princípios musicais perpetuados pela tradição ocidental europeia: “gravações musicais advindas
das mais diversas regiões do globo contestaram a universalidade da teoria e solfejo da música
europeia” (2013, p.2). Ainda seguindo a análise de Palombini sobre Schaeffer, esses três fatos
novos tiveram como consequência aquilo que o francês chamou de “os três impasses da musico-
logia”. O primeiro deles trata da quebra de paradigmas em relação às “noções musicais, sobretu-
do a de nota, súmula de uma hierarquia de valores – altura, duração, intensidade e timbre – codi-
ficados de modo progressivamente menos preciso” (2013, p.135). Ou seja, a compreensão e o
tratamento dado aos elementos de teoria musical tradicional – como por exemplo a nota musical
– sofreram mudanças profundas em decorrência das inovações trazidas pela composição con-
temporânea. O segundo impasse refere-se às “fontes instrumentais: inclinados a reduzir os ins-
trumentos de outras culturas às normas da própria, musicólogos europeus se viram impotentes
diante das músicas concreta e eletrônica, que pareciam negar a própria ideia de instrumento”
(2013, p.135). O terceiro impasse refere-se ao “comentário estético”. Segundo ele, a análise es-
pecializada feita sobre obras musicais teriam se tornado demasiadamente superficiais, discorren-
do meramente sobre a origem e o destino da obra e os estados de espírito do compositor, care-
cendo de interpretações a respeito do conteúdo musical em si. Diante desses três novos proble-
mas musicológicos, Schaeffer conclui: “se toda explicação se esvai, seja ela nocional, instrumen-
tal ou estética, melhor confessar afinal que não sabemos grande coisa de música. E pior, que o
que sabemos é de natureza a desorientar-nos, ao invés de nortear-nos” (Schaeffer, apud Palombi-
ni, 2013, p.136).
68

Após apresentar as reflexões que o compositor francês propôs na década de 60, Palom-
bini utiliza a crítica de Schaeffer para interpretar o rechaço de natureza musical sofrido pelo funk
carioca nos dias de hoje.

A crítica de Schaeffer prefigura argumentos do senso comum contra o funk carioca. Essa “mú-
sica” não tem melodia, não tem harmonia, não tem ritmo, logo, não é música – quando as van-
guardas musicais do século XX procuraram superar essas noções ou negá-las. Essa “música”
não tem instrumentos musicais, logo, não é música – quando a música concreta mostrou, na prá-
tica e na teoria, a musicalidade intrínseca de microfones, alto-falantes e toca-discos. Essa “mú-
sica” não tem notas, logo, não é música – quando em inúmeras culturas, entre elas a da música
eletroacústica, a notação inexiste (Palombini, 2013, p.136-137).

Considerando os rumos tomados pela música ao longo do último século, o funk carioca
mostra-se plenamente integrado às propostas inovadoras que a tradição europeia das décadas de
40 e 50 apresentaram ao mundo. Ele é uma música essencialmente eletrônica, produzida a partir
da manipulação de fragmentos sonoros e sobreposição da voz humana. O instrumental utilizado
resume-se a baterias eletrônicas, computadores, voz e microfone. O canto não está sujeito ao
rigor diatônico de nenhuma escala. Não existem notas musicais claramente determinadas. Cada
MC interpreta a canção na altura que lhe for mais cômoda ou expressiva e é livre para aplicar
variações. Talvez os princípios mais caros ao ritmo carioca sejam a acuidade rítmica do DJ, o
vigor interpretativo do MC e a potência das caixas de som. Ao longo da sua história, o funk foi
capaz de determinar seus próprios valores estéticos e técnicos. Entretanto, o que as respostas à
questão 6 demonstram é que, por muitas vezes, o funk é julgado segundo critérios alheios à sua
estética particular. O que, por sua vez, denota que os princípios musicais próprios do funk não
teriam valor suficiente para serem utilizados como critérios de avaliação do próprio funk. Via de
regra, de forma naturalizada, utilizam-se os princípios musicais da tradição ocidental europeia,
os quais ela mesma já superou, para apreciar e avaliar uma música negra eletrônica popular bra-
sileira. Desta forma, a tendência será sempre um juízo negativo em relação ao funk.
Todavia, o argumento de Palombini não pretende identificar elementos da música con-
temporânea dentro do funk. A intenção do autor é demonstrar a fragilidade histórica em utilizar a
necessidade de melodias e alturas definidas para rebaixar a musicalidade do funk. Dentre as crí-
ticas de cunho musical presentes na questão 6 do questionário, o que parece mais incomodar os
participantes é, de fato, a ausência de melodias, ou a instabilidade da afinação dos MC‟s – a ex-
pressão “música pobre” foi utilizada repetidas vezes nesse sentido por aqueles que chegaram a
fazer uma análise musical. Cabe reiterar, portanto, que o funk carioca não se pauta por tais valo-
res. Não é uma música produzida sob essas condições. As prioridades estéticas são outras e estão
intimamente ligadas à realidade das pessoas que produzem essa música, bem como ao meio soci-
al em que ela é feita. Conclui-se, portanto, que a resistência ao funk identificada por Palombini
69

figura também entre as respostas a esta pesquisa. O autor conclui citando exemplos da vanguarda
musical europeia surgida em meados do século XX para ilustrar como pode ser precária a crítica
musical atualmente feita ao funk. Não raro, as mesmas características utilizadas para rebaixar o
funk são colocadas como mérito e virtude na obra de compositores advindos de contextos artisti-
camente legitimados. O que para o funk é posto como sinônimo de pobreza musical, em outros
estilos é tido como ímpeto vanguardista. Por fim, o autor ressalta a importância da escuta do fe-
nômeno sonoro como meio de organizá-lo, interpretá-lo e evitar o senso comum. Em última aná-
lise, o juízo prematuro e as adjetivações generalizantes podem ser superados a partir da escuta
atenta e da aceitação do funk tal como ele é. Interpretar o funk fazendo uso de valores alheios à
sua realidade – valores pertencentes a outro tipo de música – pode facilmente levar a um erro
metodológico de apreciação. Nas palavras do autor

Se levássemos às últimas consequências a tradição mesma que gestou Ionisation, de Edgar


Varèse (1931), 4’33”, de John Cage (1952), Structures I, de Pierre Boulez (1952), Quattro pezzi
su uma nota sola, de Giacinto Scelsi (1959), Variations pour une pourte et um soupir, de Pierre
Henry (1963), e I am sitting in a room, de Alvin Lucier (1969), não seríamos levados a concluir,
pelo próprio prisma dessa tradição, que todo o fenômeno sonoro é passível de escuta musical?
Se a música é som organizado, como queria Varèse, organizá-lo, em última análise, é trabalho
de escuta.

Dentre os 32 participantes que responderam negativamente à questão 6, 11 deles fize-


ram menção à poesia do funk. Em algumas respostas foi possível constatar um evidente descon-
forto moral em relação ao texto das canções: “não, especialmente pelo apelo sensual do texto”,
“não, pois não traz conteúdo, somente baixaria”, “letras extremamente vulgares”, “letras extre-
mamente ofensivas à mulher e de extrema vulgaridade”, “a letra é, na sua maioria, vulgar”. Ou-
tras duas respostas criticaram as letras de funk, entretanto utilizando a incitação ao crime e à vio-
lência como justificativa: “os assuntos tratados nas letras são questionáveis e polêmicos, às vezes
incentivam comportamentos e atitudes de enfrentamento”, “fazem apologia à violência e às dro-
gas”. Apenas um participante incluiu ressalvas à sua crítica, indicando algum aspecto positivo na
poética do funk: “algumas letras são excelentes, retratam uma vida social difícil das favelas e de
famílias de uma classe social precária, porém muitas letras são ofensivas ao extremo”. Esta foi a
única resposta que se preocupou em contextualizar as letras de funk em seu espaço de origem e
reconhecê-lo como forma de relato e representação de um grupo socialmente excluído. Essa é a
ideia defendida aqui: o funk como instrumento de identidade para quem é desprovido de qual-
quer instrumento de poder simbólico socialmente legitimado.
70

Nove participantes – dentre 32 que afirmaram não gostar de funk – usaram argumentos
diversos, sem fazer menção à música ou à letra. As justificativas alegam ausência de identifica-
ção pessoal com a música ou então se limitam à críticas genéricas ou mera adjetivação. Dentre
algumas respostas estão: “não me identifico”, “não me move”, “não, porque me causa náuseas”,
“não, degradante”, “não, sem qualidade”, “não, pois creio que não seja o tipo de música que
acrescente nada a ninguém”, “não acho elaborado”, “o funk institucionalizado, não – o funk é
uma forma agressiva, mecânica e violenta de auto-representação na sociedade brasileira, gerada
e institucionalizada, é claro, por vários fatores sociais e históricos”. Sete participantes responde-
ram apenas „não‟, sem apresentar nenhuma justificativa. Embora um deles tenha feito uma breve
ressalva respondendo “não, porém respeito”.
Os 15% de abstenções apresentados no gráfico 7 foram compostos por seis participantes
que não informaram categoricamente se gostam ou não de funk. As respostas oscilaram entre
críticas e elogios, apresentando certa indiferença em relação ao estilo: “não gosto da temática
abordada em alguns funks, mas em geral é indiferente pra mim”, “alguma coisa – às vezes o funk
tem um ritmo bacana, mas quase nunca”, “ouvi pouco – acho uma manifestação cultural legítima
– a micro-afinação e as imperfeições do sampler dão graça ao gênero”, “dentro do contexto fun-
ciona”, “indiferente em alguns casos – quase não tenho acesso”, “depende do cantor”. Apenas
dois participantes (5%) responderam “sim” à questão 6: “sim, lembrando Fausto Fawcett” – mú-
sico carioca compositor de Rio 40 graus em parceria com Fernanda Abreu e Laufer – “sim, por-
que é legal de dançar nas festas”.
71

7) Você considera funk carioca como música? Por quê?

7) Você considera funk carioca como


música?

8%

17% Sim
Não
Abstenções
75%

Gráfico 8: pessoas que consideram o funk carioca como sendo música

30 participantes responderam „sim‟ à questão 7, dentre os quais a maioria – aproxima-


damente um terço – justificou sua resposta afirmando que o funk possui elementos básicos da
música – ritmo, melodia, harmonia, letra. O ritmo, no entanto, foi o elemento mais destacado nas
respostas. Apesar de essa parcela reconhecer o estilo como música, algumas respostas trazem
ressalvas a respeito da qualidade do estilo: “sim – rigorosamente tem os elementos da música
(altura, ritmo, harmonia, timbre etc)”, “qualquer manifestação rítmica é música”, “sim, ele apre-
senta ritmo, melodia, letra – o fato de ser simples, ou repetitiva, não descaracteriza”, “sim – pois
é feito de notas musicais, ritmo e letra – possui movimento – a complexidade ou a mensagem
transmitida não o faz ser mais ou menos música” foram algumas resposta. Nessas falas, assim
como na questão 6, o conceito de música também está fortemente apegado à enumeração de de-
terminados elementos caros à tradição ocidental. Apenas quatro participantes referiram-se à mú-
sica como uma organização do som mais ampla, sem recorrer a conceitos como melodia, ritmo e
harmonia: “claro que sim – porque tem som”, “sim – é organização de som no tempo”, “sim,
pois apresenta uma sequência de sons organizados no tempo”, “sim, porque há uma organização
de sons com finalidade e proposição específica”. Outras respostas afirmativas não foram exata-
mente justificadas, apenas optaram por algum adjetivo: “sim – o fato de possuir um conteúdo
musicalmente simples não o classifica como „não-música‟”, “sim, apesar de ser musicalmente
fraco”, “sim, porém de baixo nível”, “sim, como música ruim”, “sim – é um produto industrial
72

da indústria musical – ocupa funções reservadas à música na sociedade”. Outros dez participan-
tes responderam „sim‟ mas não justificaram.
Sete participantes afirmaram não reconhecer o funk carioca como música. Três deles
não justificaram a resposta. Os outros quatro escrevem o seguinte: “não, pois não expressa nada
para mim”, “não – não tem conteúdo musical”, “considero um movimento”, “não! – existem
apenas alguns elementos musicais”. Essa última resposta considera que, mesmo a presença de
elementos musicais, não classifica o estilo como música. As três respostas classificadas como
abstenções foram: “ritmicamente até funciona, mas melodicamente é muito pobre”, “não todos”,
“do ponto de vista ético/estético, não considero o funk institucionalizado como música – do pon-
to de vista histórico, apenas como fonte, talvez uma forma de expressão musical”.

8) Funk carioca é música popular brasileira? Por quê?

8) O funk carioca é música popular


brasileira?

40% Sim
50% Não
Abstenções

10%

Gráfico 9: pessoas que consideram o funk carioca como música popular brasileira

Quando perguntados se consideram o funk como parte da música popular brasileira, a


maioria dos participantes respondeu afirmativamente, entretanto ressalvas de diversas naturezas
foram colocadas. Três dos entrevistados que responderam “sim” afirmaram que o estilo é popu-
lar e brasileiro, porém não representa uma expressão genuína advinda do povo, mas é um mero
produto fabricado pela indústria cultural para ser consumido pela massa. Algumas respostas:
“sim – é o que as pessoas compram, logo, é o que se vende, o que aparece e se destaca no meio
73

popular”, “sim – é direcionado à sociedade de massas, funciona como uma mercadoria dentro da
indústria cultural” e “sim – devido a grande distribuição na mídia (rádio, televisão, internet etc)
acabou atingindo e sendo aceito por grande parte da população, portanto é popular”. As expres-
sões „massa‟ e „indústria cultural‟ são utilizadas para situar o funk como música cooptada pela
mídia e pela indústria fonográfica. De fato, boa parte da produção musical do funk carioca tem
grande difusão nos meios de comunicação e chega a um grande número de pessoas. Todavia,
classificar sumariamente o estilo como música massiva pode ser um argumento frágil se forem
analisadas algumas nuances presentes no seu universo. O funk proibidão, por exemplo, talvez
represente uma expressão musical que nega muitos princípios e valores da indústria cultural.
Trata-se de uma música que celebra o crime e as facções do Rio de Janeiro. Por conta disso, está
proibida de tocar em qualquer emissora de rádio ou canal de televisão. Esse tipo de funk frequen-
temente é proibido de tocar nos bailes também. Quando os artistas de proibidão pretendem gra-
var um DVD ao vivo, são obrigados a alterar as letras originais, tornando o texto mais ameno. A
comercialização fonográfica é praticamente toda realizada no mercado informal por meio de fo-
nogramas caseiros ou piratas – desde sua origem o funk nunca pôde depender dos grandes meios
de comunicação. Conforme exposto anteriormente, diversos MC‟s já sofreram perseguição da
polícia acusados de apologia ao crime. Tais fatores demonstram que um estilo musical barrado
pela grande mídia, perseguido pelas forças de segurança pública e ouvido quase que clandesti-
namente por seus apreciadores tende a negar, mais do que reforçar, os ideias da indústria cultural
ou da música massiva.
Simone Pereira Sá cita o comentário feito pelo DJ Dolores em um debate sobre a supos-
ta cooptação sofrida pelo funk em relação à indústria cultural. Através do depoimento do DJ é
possível notar como o funk carrega traços que podem caracterizá-lo mais como uma manifesta-
ção underground do que massiva.

Os funkeiros do Rio fazem eletrônica tosca, com muito estilo (quer você goste ou não, há de re-
conhecer isso) e não dependem das graças de alguma gravadora, não pagam copyright, usam
samples ilegalmente e vendem a maior parte dos CD´s nas ruas do Rio sem sequer dar bola para
distribuidoras e lojistas. Quer ser mais underground do que isso? (DJ Dolores, apud Sá, 2007,
p.2).

Todavia, outros entrevistados que responderam afirmativamente deram respostas colo-


cando o funk como manifestação original e autônoma, responsável por representar e relatar o
cotidiano de uma parcela expressiva da população brasileira: “sim, pois expressa a cultura e o
cotidiano de parte da população”, “pra mim é – o funk carioca nasceu no Brasil, faz parte da cul-
74

tura das pessoas que vivem na periferia do Rio de Janeiro – é uma música que representa muita
gente, por isso a considero parte da MPB”, “ela representa a cultura e costumes de parte do povo,
então sim”. Todavia, a questão 8 chama mais a atenção pela expressiva parcela de abstenções.
Ela está composta por pessoas que simplesmente não responderam à pergunta ou deram opiniões
não categóricas ou com ressalvas, o que denota certo desconforto ou insegurança quando se pro-
põe pensar o funk carioca como música popular brasileira. Um dos incômodos demonstrados em
relação a essa pergunta foi relacionar o funk à sigla MPB: “é um estilo musical que se populari-
zou, mas não se enquadra como MPB”, “se considerar a música popular brasileira como música
do povo brasileira, o funk é com certeza, entretanto, muitas vezes a música popular brasileira é
vinculada com a MPB e ritmos nordestinos” e “mais ou menos, pela origem americana”. No con-
texto dessas respostas, a sigla MPB – a qual não foi mencionada na pergunta – parece surgir co-
mo instrumento de canonização de uma determinada música brasileira, feita por determinados
pessoas, em determinados lugares. É a música brasileira tida como „boa‟ ou „de qualidade‟. MPB
figura como um selo protetor de uma tradição da qual novos estilos – por mais populares e brasi-
leiros que possam ser – têm sua inclusão barrada.
A música brasileira aceita por instituições artísticas carrega ainda o critério nacionalista
segundo o qual a cultura local está determinada pela miscigenação de três raças fundamentais:
europeus, índios e negros. Tal ideal nacionalista acaba por excluir as manifestações que fogem à
genealogia que ele defende. A música eletrônica produzida, ouvida e dançada pelos jovens da
periferia do Rio de Janeiro desde 1990, apesar de representar boa parte da população, é facilmen-
te negada como música popular brasileira, talvez devido aos seus antepassados jamaicanos e
norte-americanos, bem como à sua estética eletrônica e urbana. Palombini discorre sobre o tema
citando Olavo Bilac.

Objeções de outra estirpe têm ancestrais no nacionalismo de nossa historiografia. Em poema


publicado postumamente em 1916, Olavo Bilac definiu a música brasileira como “flor amorosa
de três raças tristes”: a portuguesa, a africana e a ameríndia. (...) A despeito da xenofobia seleti-
va da historiografia nacionalista, a apropriação e a ressignificação da música afro norte-
americana por artistas brasileiros é tão antiga quanto a fonografia (Palombini, 2013, p.137-138).

Três das abstenções à questão 8 também utilizaram a ideia de indústria cultural como
argumento para distanciar o funk de uma possível classificação como música popular brasileira:
“popular da massa, não popular brasileira”, “depende do significado de popular – se deriva do
artesanato musical do povo, não – se é aquela música que mira ao povo como consumidor, sim”
e “o funk que nasceu no morro, talvez sim – o funk institucionalizado, por outro lado, reflete
75

uma parcela da população brasileira que é auto-masoquista, machista e alienada – ele se institui
como uma forma de representação dessa parcela da população”. Esta última resposta inicia esta-
belecendo uma distinção entre “o funk que nasceu no morro” e o “funk institucionalizado”, po-
rém não especifica qual seriam as características de cada um. O primeiro provavelmente faz alu-
são à uma possível tradição ou “raiz” dentro da cena funk, o segundo certamente refere-se a um
funk cooptado pela indústria. Em seguida, essa resposta apresenta uma forte tendência em gene-
ralizar os criadores e apreciadores de funk dito institucionalizado. Segundo a fala do participante,
essa categoria de funk seria o reflexo e a representação de uma população problemática, dotada
de “auto-masoquismo”, machismo e alienação.

Duas abstenções preferiram utilizar outros termos para classificar o estilo: “é um emer-
gente social” e “considero um movimento”. Os demais participantes foram incluídos nas absten-
ções porque deixaram a questão em branco.

9) Você comporia, arranjaria, ou tocaria uma peça de funk carioca para o seu instrumento ou
grupo musical?

9) Você comporia, arranjaria, ou tocaria uma


peça de funk carioca para o seu instrumento ou
grupo musical?
3%

12%
Sim
33%
Não
Depende

52% Abstenções

Gráfico 10: pessoas que trabalhariam com funk carioca

Esta questão exigia como resposta apenas „sim‟ ou „não‟, sem necessidade de justifica-
tiva. Entretanto, alguns entrevistados complementaram a resposta, principalmente aqueles que
responderam „sim‟. Mais da metade dos participantes respondeu enfaticamente que não pretende
76

trabalhar com funk carioca. Um terço dos entrevistados disse que poderia envolver-se com o
estilo dependendo de algumas condições: “sim, mas com cachê bem alto”, “sim, mas faria um
arranjo mais elaborado”, “sim – se viesse uma ideia de como dar minha cara ao gênero, por que
não?”, “somente quando solicitado profissionalmente”. Apenas um dos participantes, apesar de
fazer claras ressalvas, mostrou-se otimista em relação à interação do funk com músicos de outras
áreas: “seria interessante o diálogo entre uma instituição de formação clássica e um estilo musi-
cal polêmico – contextualizar e usar apropriadamente a linguagem pode render bons frutos – as
instituições e grupos têm sua própria economia interna e o funcionamento deve ser resguardado
– observadas estas condições, minha resposta seria sim”. Cinco pessoas responderam „sim‟ sem
impor condições. Dentre algumas respostas afirmativas estão: “sim – toda experiência é válida”,
“sim – como músico profissional tenho o dever de não me restringir a estilos musicais em traba-
lhos como instrumentista, produtor e, principalmente, como educador”.
O público escolhido para responder a essas nove questões foi formado por membros de
instituições musicais públicas situadas na cidade de Curitiba. Este critério para a formação do
público participante parte do pressuposto que tais instituições são dotadas de poder simbólico
capaz de determinar qual tipo de música pode ser considerada “de qualidade”, com legitimidade
artística para ser tocada a apreciada. Por sua vez, ao suprimirem certos estilos dos seus repertó-
rios, estes espaços também tem poder para determinar qual música não tem valor artístico. Cons-
tituem uma espécie de autoridade musical habilitada a dizer o que é música “boa” ou “ruim”.
Tratando de constatar estas relações de poder, este trabalho propôs o diálogo entre esses agentes
de autoridade e o ritmo funk carioca. A escolha do funk foi proposital por tratar-se de uma músi-
ca que carrega a marginalidade em sua gênese. Em última análise, esta pesquisa propôs analisar a
relação entre “a inteligência” e a música marginal. Entre o legítimo e o “proibidão”.
Michel Foucault, no livro Microfísica do Poder, lançado em 1979, demonstra como as
relações de poder são exercidas não apenas por grandes agentes ou forças de repressão. O poder
se faz presente também nos pequenos detalhes do cotidiano, nas pequenas falas. No capítulo qua-
tro, intitulado Os intelectuais e o poder, o autor troca cartas com Gilles Deleuze a respeito da
força política que os intelectuais detêm para dizer o que é a verdade. A ideia de poder exercido
pela intelectualidade sobre a sociedade norteia a contraposição feita aqui entre funk e músicos
ligados a instituições conceituadas de Curitiba. Foucault ressalta que as massas independem dos
intelectuais para saber, entretanto as relações de autoridade intelectual ainda assim conseguem
invalidar o saber desenvolvido fora das instituições. Nas palavras do autor.

Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para
saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito
77

bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Po-
der que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito
profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os próprios intelectuais fazem
parte desse sistema de poder, a ideia de que eles são agentes da “consciência” e do discurso
também faz parte desse sistema (Foucault, 2015, p.131).

Cabe ressaltar que o levantamento foi realizado com apenas 40 pessoas pertencentes a
um contexto muito mais numeroso e heterogêneo. Portanto, as quantificações e análises expostas
aqui não pretendem determinar uma realidade absoluta. O intuito principal é observar e refletir
sobre a opinião de algumas pessoas a respeito do funk.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O funk carioca tem sido objeto de estudo cada vez mais frequente no meio acadêmico.
Como o MC Leonardo afirmou em entrevista, até meados da década de 2000 ele já havia conta-
bilizado cerca de 400 pesquisas que tinham o ritmo carioca como objeto. Entretanto, são predo-
minantemente áreas como antropologia, sociologia, comunicação e linguística aquelas que têm
dedicado maior atenção ao funk. A pesquisa musicológica acerca desse tema ainda é muito es-
cassa. Prova disso são as referências deste trabalho, em sua maioria advindas de outras áreas das
humanidades. Mesmo assim, intentou-se aqui explorar claramente as características musicais do
funk. Foram abordadas suas formas, regras e procedimentos de criação e interpretação. Isso foi
feito no sentido de situar o funk como estilo musical próprio, dotado de história, significados e
lógica interna. Apresentando os detalhes históricos e formais desse estilo, pretende-se estimular a
pesquisa musical acerca de manifestações que, por terem caráter massivo e romperem com re-
gras canônicas da “boa música”, muitas vezes são tratadas com desdém.
O funk é massivo. É apreciado por milhões de jovens no Brasil e no mundo. Dependen-
te direto da tecnologia, ele não existiria sem os aparelhos de som, pick-ups e baterias eletrônicas.
Seria inviável sem o disco de vinil, o CD e a internet em suas respectivas épocas. Entretanto,
esse fenômeno de massa apresenta meandros que exigem uma análise mais cuidadosa. Apesar de
ser massivo, o funk não foi um produto engendrado em escritórios de gravadoras ou agências de
publicidade. Pelo contrário, surgiu no baile de favela, como um meio de entretenimento alterna-
tivo destinado à juventude negra do Rio de Janeiro. A TV, o rádio e as boates da Zona Sul sem-
pre delimitaram muito bem o seu público. Como fruto da segregação espacial, surgiu o baile
funk, organizado por equipes de som independentes, acessível aos moradores da periferia. As
músicas tocadas eram conseguidas graças ao trabalho de DJ´s habilidosos em acessar a cultura
hip hop por vias subterrâneas e paralelas.
A respeito da atual marginalidade do estilo, o levantamento de dados revelou que – no
contexto das instituições onde os questionários foram aplicados – existe uma clara resistência em
relação ao funk carioca. Houve respostas de simpatia, otimismo e boa vontade em relação ao
funk, porém o sentimento que predominou foi de rechaço. Dentre as principais críticas de natu-
reza exclusivamente musical, o estilo foi acusado de não possuir uma suposta riqueza melódica,
bem como apresentar cantores desafinados. O funk tem uma origem direta do rap norte-
americano e habita um espaço peculiar entre o canto e a declamação. Sobre esse fato soma-se a
forte influência das vocalizações típicas dos puxadores de samba cariocas, repentistas nordesti-
nos e toasters jamaicanos. O canto funkeiro carrega o símbolo da diáspora africana em cada ver-
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so. Essa música é cantada por pessoas que jamais frequentaram uma aula de técnica vocal, mas
que não deixaram de cantar e relatar as suas próprias vidas. O funk não carrega como valor in-
trínseco a presença de variações melódicas ou uma afinação impecável. O contexto do baile e a
necessidade de resistência marginal são seus elementos norteadores, os quais exigem um canto
claro, vigoroso e rítmico nas interpretações do MC. De fato, o funk carioca tem cantores com
força e expressividade apuradíssimas. Desafinar é apenas mais um ato de subversão dentre tantos
carregados pelo estilo.
Outro grande desconforto apresentado nas respostas refere-se à poesia funkeira. As le-
tras de funk atingem profundamente a moral e o pudor de algumas pessoas. Falar desabridamente
sobre sexo, drogas e crime parece não ser um procedimento aceito nos meios musicais consoli-
dados. Mais uma vez se faz necessária a compreensão do ambiente onde o funk é feito. A margi-
nalidade faz com que a música se transforme em instrumento de identidade e poder simbólico
para aqueles que não são representados pela „boa música‟. Como afirma MC Leonardo “até a
gente falando de amor a gente vai ser violento, porque existe uma norma culta que não nos re-
presenta e vice-versa. Nós também não representamos ela. Então o moleque da favela às vezes
tem 50 palavras no vocabulário: 25 é gíria e 25 é palavrão. E esse moleque quer falar” (Camar-
gos e Neves, 2015).
Por fim, a terceira crítica destacada em meio as respostas dos participantes coloca o
funk como um estilo musical cooptado pela indústria cultural, produzido com o objetivo especí-
fico de ser vendido aos seus consumidores supostamente alienados. O proibidão quebra o argu-
mento. Impedido de transitar por quaisquer meios de comunicação institucionalizados, o proibi-
dão é música subterrânea. Não deve ser tocado e não deve ser ouvido. Relata o conflito diário
nos morros do Rio, porém tem a audácia de fazê-lo sob o ponto de vista do criminoso, aquele
que jamais deveria ser exaltado em uma canção. Como consequência, o funk é acusado de prati-
car crime de apologia. Porém, é necessário admitir certa desproporção em creditar problemas
sociais a uma música. Essa música é posterior à violência presente no seu texto. É fruto dessa
violência.
De fato, o funk pode ser “desafinado”, violento e massivo. Porém o seu sentido e a sua
existência não se resumem à essas qualidades. Ele é genuíno, independente e tem suas próprias
regras, como qualquer tipo de música. O funk é uma manifestação muito peculiar porque conse-
gue ser massivo e subversivo ao mesmo tempo. É extremamente pop e, ao mesmo tempo, carre-
ga consigo um contra-discurso de resistência. É politizado sem ser rabugento, pelo contrário, é
debochado. Não há funk sem baile, sem dança, sem sensualidade, sem humor. Não há funk sem a
quebra de valores e a exaltação do mundo favelado. É uma música rara que conjuga de maneira
única a catarse física dos corpos no baile e um discurso político indisciplinado.
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