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RIO DE JANEIRO
2022
ASPIRANTE FN-404 RODRIGO OLIVEIRA DA SILVA
RIO DE JANEIRO
2022
"O samba é alegria, amor e poesia
Que embala o povo a sonhar
Sempre a sonhar
O samba me acalma
É luz que envolve a alma
O show tem que continuar"
(Fundo de Quintal)
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi evidenciar um diálogo cultural existente entre as bandas militares
e a música popular brasileira do século XX – Samba – e, em razão disso, o trabalho foi divido
em três momentos. A primeira etapa trata-se de uma conversa entre os diferentes autores que
abordam a formação e origem do samba. A segunda parte elenca uma linha de pensamento a
ser seguida oriunda dessa conversa, segundo a qual esse gênero musical teria possibilidades de
se expandir e atingir diversas camadas sociais, com foco, nesse texto, nas praças que exerciam
a função de músicos nas Forças Armadas. E a terceira parte busca estabelecer a origem das
bandas militares e apresentar exemplos que comprovam que a forma de fazer música dos
militares foram influenciadas pela transformação cultural que o samba exerceu na sociedade
assumindo o papel de símbolo identitário brasileiro na metade do século passado. Na
apresentação dos resultados e considerações finais fica claro que este trabalho não se visa
esgotar o assunto, mas sim abrir uma ala acadêmica a ser explorada futuramente. E destaca-se
por fim, o ganho cultural que esse caminho pode proporcionar às bandas navais.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 5
2 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................ 7
2.1 ORIGEM ESPACIAL DO SAMBA ...................................................................... 7
2.2 FORMAÇÃO IDENTITÁRIA DO GÊNERO ....................................................... 8
2.3 INSERÇÃO DO SAMBA NA INDÚSTRIA MUSICAL .................................... 11
3 ANÁLISE DA BIBLIOGRAFIA ....................................................................... 13
4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ........................................................ 17
4.1 HISTÓRICO E ORIGEM DAS BANDAS MILITARES .................................... 17
4.2 FUNÇÕES EXERCIDAS PELAS BANDAS MILITARES ................................ 19
4.3 O DIÁLOGO ENTRE BANDAS MILITARES E MÚSICA POPULAR
BRASILEIRA .......................................................................................................................... 21
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 23
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 24
5
1 INTRODUÇÃO
2 REVISÃO DA LITERATURA
Em sua dissertação, Juliana Lessa Vieira afirma ser possível classificar os autores
responsáveis pela historiografia do samba em dois grupos. Havia um grupo de autores cujo foco
era priorizar as relações interculturais, sem negar a existência do choque cultural e da
perseguição sofrida pelo samba, evidenciando, porém, a negociação muitas vezes pacífica entre
a cultura dominante e a cultura da classe dos trabalhadores como fator determinante para a
formação desse gênero musical, e um outro grupo de autores que buscaram reafirmar o samba
como símbolo de resistência étnica e cultural negra, enfatizando justamente as diferenças
culturais existentes na época (VIEIRA, 2012). Tal divisão facilita a compreensão dos diferentes
tipos de abordagens estratégicas que os autores usaram para analisar o desenvolvimento do
samba como música popular brasileira. É verdade, contudo, que cada autor pensa esse
desenvolvimento de forma particular seguindo critérios próprios e estabelecendo as mais
diversas conclusões, ainda que possuam em comum a preocupação de destacar as negociações
pacíficas ou as divergências entre a cultura dominante e a cultura popular.
Dentre essas vertentes, existe uma enorme dificuldade em estabelecer quando e onde
ocorreu o surgimento do samba, uma vez que tal fato é narrado ao longo do tempo de um modo
que falseou a realidade em torno de seu local de origem. O samba é oriundo dos bairros da
região central do Rio de Janeiro, sobretudo na Praça Onze num primeiro momento e no Estácio
posteriormente, num ambiente propício para sua fomentação, onde conviviam trabalhadores
negros e brancos que frequentavam as casas das tias baianas, apesar de muitas narrativas que
8
elencavam as favelas como esse lugar onde o samba poderia se desenvolver e se expressar
livremente da dominação da cultura elitista e da repressão policial (JOST, 2015).
Segundo Muniz Sodré, os esforços para essa eleição das favelas como local de
nascimento do samba, apesar do caráter romantizado, surgem como uma forma que a cultura
negra marginalizada encontra para se opor à cultura dominante, além de reafirmar o local social
do samba (SODRÉ, 1998). No entanto, na entrevista para o Museu da Imagem e do Som em
1966 de João da Baiana- ilustre sambista do século XX e um dos pioneiros do gênero - que a
autora Cláudia Neiva de Matos ressalta, percebe-se que na verdade o samba é levado para os
morros pelos sambistas:
O samba saiu da cidade. Nós fugíamos da polícia e íamos para os morros fazer samba.
Não havia essas favelas todas. Existiam a Favela do Meus Amores, e o Morro de São
Carlos, mais conhecido como Chácara do Céu. Nós sambávamos nestes dois morros.
[...] Mas o samba não nasceu no morro, nós é que o levávamos, para fugir da polícia
que nos perseguia. Os delegados Meira Lima e o Dr. Querubim não queriam o samba
(MATOS, 1982, p.28 apud JOST, 2015).
para eles a busca da origem na tentativa de autenticar o samba como identidade única brasileira
reproduz uma visão deturpada dos inúmeros fatores que compuseram o gênero.
Hermano Vianna é um dos principais autores que seguiram essa linha. Segundo ele, não
existe um samba originário autêntico, mas sim um samba que vai agregando diversos elementos
e estéticas culturais de diferentes classes sociais que o fazem se tornar autêntico (VIANNA
apud NAPOLITANO, 2000). Nesse sentido, Hermano é um dos autores que enfocam seus
estudos aos processos de trocas culturais harmoniosos entre as diferentes culturas e minimiza o
impacto da repressão e da perseguição que o samba sofreu no início dos anos 20.
Inegavelmente, a estética negra é característica marcante do ritmo, porém Hermano não
acredita ser possível atribuir o samba somente aos negros ou a qualquer determinado segmento
social, como ele mesmo cita:
“Levando isso em conta, não penso ser uma afirmação arriscada dizer que o samba
não é apenas criação de grupos negros pobres moradores dos morros do Rio de janeiro,
mas que outros grupos, de outras classes e outras raças e outras nações, participaram
desse processo, pelo menos como “ativos” espectadores e incentivadores das
performances musicais. Por isso serão privilegiadas, aqui, as “relações exteriores” ao
mundo do samba.” (VIANNA, 2007, p. 35)
O autor cita ainda encontros que ocorriam entre jovens intelectuais da elite e sambistas
do grupo Oito Batutas (JOST, 2015) que corroboram com a sua tese de negociação cultural e
denotam o interesse em comum de construção de uma identidade nacional. Não obstante, é
necessário esclarecer que Hermano não busca negar “a existência de repressão a determinados
aspectos dessa cultura popular (ou dessas culturas populares), mas apenas mostrar como a
repressão convivia com outros tipos de interação social (...)” (VIANNA, 2007: p. 34).
Seguindo na direção oposta de Hermano, Muniz Sodré reafirma a importância dos
valores culturais negros para a formação do samba e utiliza o conceito de expropriação cultural
para esclarecer a relação existente entre cultural dominante branca e a cultura negra. O samba,
nesse contexto, é caracterizado como forma de resistência cultural negra. Quando se trata das
interações harmoniosas, Sodré também não nega sua existência, mas utiliza o conceito de
"biombos culturais" para impor um limite a essas trocas. Os "biombos culturais" podem ser
definidos como filtros que ditam quais aspectos da cultura negra podem entrar em contato com
a cultura branca. A exemplo disso, cita-se os espaços como a casa da Tia Ciata onde haveria a
sala de visitas em que aconteceria os eventos que possibilitariam o compartilhamento de
elementos culturais negros, mas o quintal seria o lugar onde os negros poderiam dançar e
10
batucar o samba sem se preocupar com a aceitação da cultura dominante (VIEIRA, 2012, p.
89).
Enquanto isso, Carlos Sandroni apresenta uma perspectiva semelhante a de Hermano,
no sentido de que ambos visam exaltar a "cultura popular". Dessa forma, ele também é um dos
autores que visam focar no processo de diálogo cultural em detrimento dos conflitos
socioculturais e , por conseguinte, não seria possível que o samba pertencesse a um grupo social
específico. Então, para Sandroni seria uma "tradição inventada por negros, ciganos, baianos,
cariocas, intelectuais, políticos, folcloristas, compositores eruditos, franceses, milionários..."
(SANDRONI, 2001: p. 113). E ainda destaca que, apesar de cada um desses grupos ter seus
próprios interesses e propósitos, essa heterogeneidade contribuiu para a formulação de uma
"noção de música nacional", logo antes desse processo de diálogo cultural não existiu um samba
original que foi transformado em "música nacional" (SANDRONI, 2001: p. 113). Diante disso,
Sandroni afasta-se tanto da visão repressiva quanto da visão de que o samba pertence a um
grupo social característico pois este seria desprovido de estéticas culturais contraditórias ou
opostas (SANDRONI, 2001: p. 113).
A historiadora Juliana Lessa Vieira sugere uma nova interpretação de todos os
elementos já discutidos, fazendo uma concatenação das ideias desses autores. Ela compartilha
a visão de Sodré de que o samba pertence a cultura afro-brasileira e, em decorrência dos
conflitos étnicos, sofre perseguição pela classe dominante de matriz cultural branca/europeia.
Porém, ela amplia essa visão para o conceito de conflitos entre classes.
Nesse sentido, embora a estética afro-brasileira predomine no samba, este expressa
muito mais a visão de mundo da classe trabalhadora - que era composta por brancos também,
ainda que minoritariamente - em sua totalidade, do que somente a visão de mundo dos
trabalhadores negros. E é exatamente neste ponto que a historiadora diverge de Sodré: o fator
étnico não tem importância central em sua análise, uma vez que "embora contribuam
significativamente para a complexidade da compreensão das lutas de classes (ao introduzirem
o fator étnico), não consigam dar conta da totalidade das relações de dominação" (VIEIRA,
2012, p. 69)
Ela ainda destaca em sua dissertação a entrevista de João da Baiana para o Museu da
Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em que fica explícito o contexto de repressão e
marginalização cultural em que se encontravam inseridos os sambistas:
[Festa da] Penha. A polícia me tomava o pandeiro. (...) Pois então não fui
preso por pandeiro? Diversas vezes. Me tomavam o pandeiro e me prendiam.
Eu tenho fotografia em casa, nas revistas, eu dentro do xadrez com o
pandeiro. (...) Prendiam para corrigir. (VIEIRA, 2012, p. 33)
3 ANÁLISE DA BIBLIOGRAFIA
Com base na análise da bibliografia levantada, a atual etapa desta pesquisa não busca
pretensiosamente eleger uma narrativa vitoriosa a qual representa mais fidedignamente como o
samba despontou como elemento central da música nacional. Entende-se aqui que, no processo
dialogal entre os principais autores do tema, o consenso fica de fora do debate, aliás, tampouco
pode-se estabelecer uma ruptura total, uma vez que os historiadores se cruzam e se afastam em
diversos momentos de suas análises. Assim, o objetivo do presente capítulo é elencar os fatores
primordiais já discutidos, solidificando uma vertente a ser seguida.
O contexto sociocultural e político da cidade do Rio de Janeiro no período conhecido
como Belle Époque Carioca é de fundamental importância para o entendimento de como a
repressão e busca da eliminação dos traços da cidade considerados atrasados funcionava como
instrumento de reafirmação dos valores elitistas da época, numa capital fortemente marcada
pela colonização e escravidão ainda recente. Mônica Velloso faz esse mapeamento de forma
bastante assertiva ao traçar um paralelo entre as andanças e percepções dos cronistas João do
Rio - pseudônimo de Paulo Barreto - e Lima Barreto, elucidando o cenário de modernização
em que a cidade se encontrara (VELLOSO, 1988).
Passando pelas crônicas desses escritores, a autora retrata uma capital conflituosa na
qual os anseios modernistas das elites iam de encontro ao modo de vida das camadas mais
populares. O intercâmbio cultural entre artistas eruditos, intelectuais e músicos populares; o
papel das ruas como espaço informal de cultura e sociabilidade marcam de fato essa estética
modernista do Rio de Janeiro, mas a violência contra as camadas populares representa grande
parcela nessa equação. Dessa forma, a historiadora levanta a questão de como seria possível
uma articulação desse grupo marginalizado a fim de garantir sua sobrevivência e de sua
expressão (VELLOSO, 2000).
As camadas populares encontraram estratégias para afirmar sua cultura, sobretudo após
o período pós Primeira Guerra Mundial, devido ao declínio da influência da cultura francesa,
mas tal afirmação veio carregada de resistências conjuntamente (VELLOSO, 2000). Uma
charge publicada na Revista da Semana em 13 de outubro de 1907 sintetiza tão bem a resistência
sofrida e o desprestígio da cultura desse grupo pela elite erudita que vale a pena ser descrita.
Um mulato e um português entram em tensão conflituosa na Penha, então o português diz ao
mulato: "Ô manduca, guarda o pandeiro!". Ao que o mulato responde com: "E você, meta a sua
viola no saco". Essa representação é apenas uma dentre várias ações empreendidas pela
imprensa carioca com o intuito de promover uma campanha negativa contra as festas e ritos
14
populares. Assim, as vertentes que visam ao privilégio dos conflitos culturais e étnicos
desencadeados em detrimento da valorização dos intercâmbios culturais e um certo grau de
harmonização ganha uma base mais forte para ser defendida.
Apesar de toda discriminação, a cultura negra tinha grande potência de se afirmar e
exercer um contrapeso a essas políticas impositivas devido a "sua capacidade de atrair um
número crescente de pessoas para sua órbita de influência" (VELLOSO, 2000). Com isso,
apesar de Hermano e Sandroni não estarem errados ao afirmar que diversos grupos étnicos e
sociais participaram da formatação do samba, a estética e ritmo desse gênero musical eram
claramente influenciados pelas danças africanas como a polca, o maxixe e o lundu, suas letras
exalavam o cotidiano das sociedades dos cronistas João do Rio e Lima Barreto, apesar de suas
diferenças, abordadas pela Mônica Velloso. Logo, pode-se concluir sim que o samba nasce da
expressão artística negra e o conceito de biombo cultural de Muniz Sodré ganha mais força
nesse sentido.
Diante desse cenário, entendendo que o Quadro de Praças, maioria constituinte das
bandas militares navais, era majoritariamente composto pelas classes populares, ainda que não
necessariamente negros, estavam bastantes familiarizados não somente com as músicas e
aglomerações populares e suas expressões, como também com suas estratégias de
sobrevivência na sociedade. Muitos dessas praças ou eram moradores da "Pequena África" ou
frequentadores das casas das "tias baianas" que eram verdadeiros centros culturais, na qual
destaca a casa da Tia Ciata, onde aconteciam rodas de samba, festas, e nos fundos (aplicação
evidente do conceito de biombo cultural) ocorria o candomblé. Outros compareciam à Festa da
Igreja da Penha, que, se incialmente era uma festa notoriamente portuguesa e religiosa, com o
tempo foi se transformando em um espaço onde os negros baianos se faziam notoriamente
presente, logo sua cultura também com suas comidas, danças e as rodas de samba. (VELLOSO,
2000).
Quando se fala em surgimento do samba, não se pode deixar de citar Donga e
Pixinguinha, e consequentemente o grupo Oito Batutas em 1922. O sucesso de um grupo de
músicos negros tanto no Brasil, quanto no exterior foi imprescindível a todo um gênero musical
que estava sendo formado. No entanto, outra figura foi fundamental para a materialização da
memória negra acerca da história do Rio de Janeiro através de suas músicas: José Barbosa da
Silva, o Sinhô.
A vida artística de Sinhô elucida a estratégia dos sambistas negros, nascidos humildes,
para transmitir sua música e como a repressão foi dando lugar a uma troca mais harmoniosa
como Hermano defende. De subúrbios e morros até os bairros da zona sul, de rodas de samba
até festas em mansões de Botafogo, Sinhô levava sua música. '"Era amigo de alguns figurões
da política, amigo dos bambas, dos intelectuais e dos moradores da favela" (VELLOSO, 2000,
p.108). Dessa forma, ele encontrou espaço para divulgar o samba no teatro, unindo culturas de
forma muito inteligente e consciente. Aliás, a consciência era fator primordial na sua música,
pois Sinhô sempre se ateve às questões políticas e sociais. A sua mensagem era caracterizada,
por uma linguagem bastante coloquial, por traços de jocosidade e ironia, o que se pode estender
a todo o gênero musical. Não é de se espantar, portanto, que o surgimento do samba passe a
permear em algum momento todo o seio da sociedade, já que foi uma maneira encontrada pelas
camadas populares, marginalizadas e excluídas de uma vida política, de expressar seus anseios,
sua visão de mundo e colocar suas histórias em evidência.
Hermano e Sandroni valorizam as trocas culturais, não negando a repressão e as
resistências nesse processo que de fato ocorreram. Porém, na sua estratégia de desmistificar a
origem do samba, Hermano forma a imagem de uma interpenetração da cultura dominante na
cultura popular e vice-versa partindo de uma troca realizada por mediadores culturais que
possibilitariam as negociações dos valores sociais distintos e, consequentemente, uma imagem
passiva dessas camadas, na tentativa de explicar a formação de uma identidade nacional.
Sandroni, além disso, retira totalmente a matriz negra do principal gênero musical brasileiro ao
afirmar que seria uma "música neutra, despida de marcas culturais potencialmente conflitivas"
(SANDRONI, 2001, p. 114). Não parece, depois da percepção concebida da sociedade
anteriormente exposta, que estas análises sejam em certo grau assertivas quanto à formação do
samba na sua origem, uma vez que a repressão e até mesmo violência que a cultura dominante
usara diversas vezes para reafirmar seus valores descaracterizava essa negociação. Para esses
autores esses conflitos são muito mais pontuais do que se deve concluir após o discutido.
Por outro lado, Muniz Sodré, segue o sentido oposto enaltecendo a expropriação cultural
praticada pelas classes dominantes. Para ele não seria possível, desse jeito, esse interesse
despido do desejo de imbuir sua estética a essas expressões, logo, o negro aqui tem papel
principal na formulação e origem do samba e as o intercâmbio cultural não só é minimizado,
16
mas é tachado de expropriador cultural e um agente que tem como fim suprimir a estética
popular e negra e afirmar a cultura dominante naquilo que devia ser uma resistência cultural ao
modo de produção da cultura dominante (SODRÉ, 1998). Contudo, ele não leva em conta os
interesses de membros da elite que transitavam pelas camadas populares e consumia sua cultura
de forma diversas vezes admirada, como o próprio João do Rio.
Em síntese, o caminho seguido por Jost, Sodré, Juliana Vieira, e outros historiadores e
autores parece estar mais alinhado à realidade da história do samba e sua trajetória para se tornar
o rosto da identidade nacional brasileira, sabendo que nenhuma dessas histórias podem ser
consideradas integralmente peremptórias. Ainda assim, a narrativa de Vieira, que é enfocada
na visão de mundo da classe trabalhadora, composta por brancos e em grande maioria negros,
se destaca por saber exprimir os dois opostos equilibradamente de forma a evitar os exageros e
erros cometidos, ao afirmar a estética afro-brasileira sem atribuir uma exclusividade étnica.
Essa conclusão é importante pois explica como o samba teve a força para transitar entre os
diversos seguimentos sociais, sobretudo os quartéis e bandas navais militares, enfoque desse
estudo, uma vez que sua potência de atingir a sociedade como um todo é evidente e logo
atingiria as Praças dessas bandas militares. Aí que essa análise ganha relevância, isto é, para
entender a conversa entre o samba e as bandas e desfiles militares. Seria possível um gênero
musical ascendente, reprimido, marginalizado e policialmente perseguido atingir os quarteis
militares e vice-versa? Diante da atual etapa desta pesquisa, torna-se possível afirmar que sim.
17
O presente capítulo deste trabalho trata-se de uma tentativa de traçar uma correlação
entre as bandas militares e a música popular brasileira com o enfoque no samba com base nos
aspectos elencados anteriormente, que justificam essa possibilidade. Adiante, então, serão
apresentados alguns conceitos relativos às bandas militares cujo entendimento é imprescindível
para estabelecer esse paralelo. Faz-se necessário, por outro lado, mencionar que este trabalho
não esgota o assunto devido à dificuldade do levantamento de documentos e dados mais
concretos, porém tem sua relevância para evidenciar um campo de estudo pouco explorado
academicamente, embora interessante, que pode contribuir grandemente para o aspecto cultural
da Marinha do Brasil. O jornalista Tinhorão que contribuiu em grande escala para o estudo
historiográfico da música brasileira afirma “uma das mais antigas e menos estudadas
instituições ligadas à divulgação da música popular, no Brasil, é a das bandas de corporações
militares” (TINHORÃO, 2005, p. 108 apud PONTES, 2013).
Dado o exposto, inicialmente esse capítulo passará por um histórico da origem das
bandas militares, como foco na banda do Corpo de Fuzileiros Navais. Numa segunda etapa, é
interessante fazer um levantamento acerca das funções exercidas por uma banda militar
evidenciando que não se pode atribuir carácter estritamente funcional a esses grupos. Com essa
discussão, pode-se abrir o debate do porquê de bandas militares navais passarem a agregar a
música popular brasileira no seu repertório com o auxílio de alguns exemplos que indicam a
existência da influência mútua entre esses dois universos.
A origem das bandas militares nos remonta a concepção do que é uma banda, uma tarefa
que, segundo Joelson Pontes Vieira (2013), pode partir de diferentes fontes de estudo. Dessa
forma, Pontes faz um mapeamento da origem etimológica da palavra em sua dissertação
segundo diversos autores de idiomas variados e se depara com diversas semelhanças nessas
origens, contudo destaca-se o fato de que essa origem está intimamente relacionada com as
designações musicais militares e suas estruturas organizacionais. Nesse sentido, uma
peculiaridade cerca as bandas militares:
Outro com a tradição da música militar, construída na história militar mesma, (...). As
bandas militares são um conjunto que por excelência devem executar a música militar
com garbo, beleza e zelo. (CARVALHO, 2007, p. 6 e7 apud SILVA, 2019, p. 27)
Pontes cita a definição de banda segundo os autores Antônio Gonçalves Meira e Pedro
Schirmer que seria uma palavra de origem germânica do termo bandwa – bandeira ou
estandarte. Então, para esses autores pode-se dizer que banda seria o termo que designa uma
tropa formada sob um mesmo estandarte ou bandeira, assim como as bandas atualmente
representam as instituições às quais fazem parte (MEIRA & SCHIRMER, 2000 apud PONTES,
2013).
Quando se trata da classificação das formações das bandas, Oscar Brum definiu três
tipos: Pequena, Média e Grande. A partir das quais o autor estabelece as transformações das
bandas de músicas durante os séculos XIX e XX (PONTES, 2013):
Destaca-se dessa passagem a caracterização da Pequena Banda como Banda Militar, que
Brum justifica afirmando que na Banda Militar devem ser empregados instrumentos com certas
características como intensidade sonora, sons rígidos e facilidade de serem carregados
marchando e tocando. Isto porque o maior emprego desse tipo de banda são os desfiles e
marchas militares, o que não impede, contudo, seu emprego de forma recreativa ou em
cerimônias civis ou militares. (BRUM apud PONTES, 2013)
Poucos são os relatos acerca da existência de grupos musicais no Brasil colonial e
documentos que endossem a existência de uma banda militar até então. Portanto, a Banda do
Corpo de Fuzileiros Navais pode ser considerada pioneira em território nacional com a chegada
da Família Real em 1808 e tem sua origem na Música Marcial da Brigada da Marinha
(CARVALHO, 2007, p.2 apud SILVA, 2019, p. 30).
A participação desse grupo musical nos eventos da sociedade no Rio de Janeiro, nesse
período, é documentada em diversas fontes em que se destacam o próprio desembarque da
Família Real, o casamento da princesa Maria Teresa, a recepção da princesa Leopoldina e a
coroação de Dom João IV (RABELLO, 2013, p 63 apud SILVA, 2019). Verifica-se, então, a
atividade social desempenhada por esse grupo militar - atividades que não necessariamente
estavam relacionadas com funções militares diárias como toques de corneta e sinalizações ou
19
Prosseguindo com o histórico e origem das bandas militares, surge a questão: quais
funções as bandas militares exerceram, sobretudo no território nacional? Em cima da visão de
Carvalho acerca do compromisso duplo das bandas militares, podemos estabelecer a premissa
de que os atributos militares desses grupos não eliminam os traços artísticos e culturais. Nesse
sentido, as diversas atividades exercidas além do ambiente militar, o contexto sociocultural em
que essas bandas e seus músicos se encaixam, o repertório utilizado, além do público-alvo são
fatores expositivos das formas de emprego e papel social.
Diante disso, Camus foi um autor que se preocupou em classificar os tipos de
atividades/funções exercidas pelas bandas das forças armadas da seguinte forma: “a)
Desenvolver o espírito de corpo e o moral da tropa; b) Auxiliar nas tarefas de campo; c) Prover
com música cerimônias militares; e d) Prover com música atividades sociais e recreativas”
(CAMUS apud BINDER, 2006, p. 15). Dentre essa classificação, para esse estudo, o último
item ganha um grau de relevância elevado, uma vez que a partir do entendimento que as
atividades sociais e recreativas fazem parte do cotidiano do músico militar, entende-se, como
discutido no Capítulo 3 dessa pesquisa, que os músicos estariam familiarizados com a produção
musical em voga no contexto da popularização do Samba.
Anderson Rieti buscou trabalhar esse assunto discutindo a função das bandas militares
no contexto específico da Guerra do Paraguai. Rieti apresenta diversos cenários de emprego
dos músicos na guerra, como por exemplo para sinalizar a rendição ou a vitória de um grupo.
No entanto, elenca que seria impossível, no conflito militar, os músicos exercerem estritamente
atividade musical. Porém, a passagem que chama atenção é quando ele retrata, mesmo que no
contexto de guerra, que os músicos militares continuaram exercendo algumas atividades do
cotidiano comum:
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Esse trecho dialoga com a tese já discutida de que as bandas militares se inserem no
contexto urbano e, portanto, não estão isentas de sofrerem influências musicais externas,
mesmo com a rigidez inerente a esse círculo. Além disso, percebe-se que as práticas musicais
cotidianas alheias às funções militares foram introduzidas também no cenário da guerra, embora
ainda seja um campo que também necessite ser mais explorado.
Os poucos trabalhos e estudos que tratam da produção musical militar no período
Imperial e Republicano bem como do seu repertório limitam bastante essa pesquisa. Além
disso, os trabalhos onde é possível encontrar algum tipo de fonte abordam de maneira bem
sucinta, geralmente em alguns poucos e pequenos capítulos. Não obstante, esses trabalhos
debatidos servem para demonstrar a existência de uma parte inexplorada da cultura militar e de
sua contribuição para a produção musical, assim como dos elementos e traços presentes nas
bandas militares navais atuais que podem ser decorrência desse intercâmbio.
Kiefer foi um pesquisador da música brasileira, sobretudo militar, no período colonial
que encontrou diversos desafios para desenvolver sua teoria relacionados à falta de documentos
que concretizassem os relatos históricos e, apesar do período abordado por ele, tal fato estende-
se aos outros períodos históricos do país. Contudo, ele chama a atenção para a importância
dessas bandas na difusão de alguns instrumentos musicais, de preferência de sopro e percussão,
e para a contribuição dos músicos militares no desenvolvimento da prática de ensino musical,
divulgação de repertório e conhecimento musical na música geral (KIEFER apud PONTES,
2013, p. 89).
Binder (2006) ainda acrescenta a principal contribuição desses grupos musicais que
seria a difusão da cultura de bandas, da cultura de desfiles e marchas. A principal festividade
cultural do país, o carnaval, bebeu muito dessa fonte, isto é, a marcialidade e evolução dos
desfiles de escolas de samba no carnaval se assemelham em diversos momentos aos desfiles
militares. Além disso, os temas retratados nesses desfiles, sobretudo nos anos 30 e 40, possuem
muitas vezes caráter ufanista, patriótico, até temas exaltando as Forças Armadas, o que torna
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inegável a conversa entre esses dois universos, que a princípio tendem a ser vistos totalmente
dissociados um do outro.
que Hermano Vianna aborda em seu livro responsáveis por promover o encontro entre a cultura
erudita e a cultura popular, as bandas militares, segundo Pontes, também tem essa capacidade
de transitar e dialogar com as diferentes expressões sociais e artísticas.
A biografia de um Soldado do Corpo de Fuzileiros Navais é uma grande representação
do que vem a ser esse músico construído anteriormente. Aristides Júlio de Oliveira, nascido no
Rio de Janeiro, foi um compositor e instrumentista de grande relevância no cenário musical do
século XX, ficou conhecido como Moleque Diabo. Embora tenha servido o CFN, ele não
integrou a banda da instituição efetivamente. No entanto, organizou uma banda – Jazz-Band
dos Fuzileiros Navais - que veio a alcançar alta popularidade nos anos 20, sendo composta o
por outros militares do CFN, a exemplo de Antonio Rodrigues de Jesus, maestro da banda do
Batalhão Naval. Analisando, então, temos uma banda constituída por militares do Corpo de
Fuzileiros Navais que alcançou tanto ou mais sucesso quanto a própria Banda do CFN tocando
música popular brasileira. Esse é mais um elemento que corrobora com a tese de que existe um
forte diálogo entre a música popular brasileira e as bandas navais. Ademais, encorpa a
concepção de que os músicos militares, por muitas vezes estarem inseridos no contexto popular
e consumirem o Samba, incorporaram esse gênero ao repertório nas bandas militares.
Atualmente, a banda do Corpo de Fuzileiros Navais é composta por 120 militares, uma
das maiores bandas marciais do mundo, realiza diversos concertos e atividades recreativas,
assume muito mais caráter e função social do que militar e agrega diversos gêneros musicais
nas suas apresentações. No site da Marinha do Brasil, é possível encontrar uma matéria que
retrata a comoção causada por sua apresentação no Theatro Municipal, no centro do Rio de
Janeiro, alusiva ao 208º aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais. Na ocasião, o samba-enredo
Aquarela do Brasil, considerado um dos mais icônicos e importantes de todos, foi apresentado.
Em 1950, o G.R.E.S Império Serrano homenageou a Marinha do Brasil com o enredo Batalha
Naval do Riachuelo, em 1958 foi a vez do Salgueiro de exaltar o Corpo de Fuzileiros Navais.
O diálogo entre o samba e as bandas militares, para além dos aspectos musicais e artísticos, em
diversas vezes se dá no âmbito das narrativas, exprimindo um imaginário popular comum.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALVES, Reinaldo Bruno Batista. O carnaval da caserna: relação do universo militar com as
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