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Vozes, Pretérito & Devir Ano III, Vol.

VI, Nº I (2016)
Dossiê Temático: História, África e Africanidades ISSN: 2317-1979

A contribuição da cultura afrodescendente para o samba como


parte da identidade musical brasileira

Carmelio Ferreira da Silva1

Resumo: O presente trabalho faz uma revisão sobre o samba como forma de verificar seu
processo histórico social e compreender seu valor no processo de formação cultural do povo
brasileiro. Este artigo teve a pretensão de demonstrar o prazer de ser o samba um símbolo da
cultura afrodescendente e sua contribuição para a formação da identidade musical brasileira. O
samba tem sua origem nas raízes africanas e foi configurado pelos afrodescendentes em amplas
vivências, transformando-se em um ritmo que traduz o sentimento e a essência do povo
brasileiro, adaptando-se as características e necessidades encontradas no Brasil ao longo do
tempo por sua história, suas conquistas e sua originalidade. Este enfoque tem como objetivos
identificar as denotações consideradas imprescindíveis do prazer de ser o samba um símbolo
da cultura afrodescendente para a identidade musical brasileira, compreender o samba como
expressão de sentimento de um canto retrato de outra história e averiguar a cultura negra na
miscigenação como precursora da identidade musical do Brasil.

Palavras-chave: Cultura afrodescendente; Samba; Identidade musical brasileira.

Abstract: His work is a review of the samba as a way to check your social historical process
and understand their value in the cultural formation of the Brazilian people process. This article
has the intention to demonstrate the pleasure of being the samba a symbol of African descent
culture and its contribution to the formation of Brazilian musical identity. Samba has its origin
in African roots and was set up by the African descendants in broad experiences, becoming
over time by its history, its achievements, its originality and for being a pace that reflects the
feeling and the essence of the Brazilian people, adapting -if such characteristics and needs found
in Brazil. This approach aims to identify the denotations considered essential pleasure of being
the samba a symbol of African descent culture to the Brazilian musical identity, understand the
samba as expression of feeling of a picture corner of another story and verify the black culture
in the miscegenation as a precursor the musical identity of Brazil.

Keywords: African descent culture, Samba; Brazilian musical identity

The contribution of African descent culture to samba as part of the


Brazilian musical identity

1
Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI. Especialista em
História Geral – INTA. Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana – NEAD/UESPI. Professor
do Ensino Médio no Estado do Maranhão. e-mail: ferreirasilva2002@hotmail.com.

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1. Introdução

Tem-se o conhecimento de que na construção da identidade brasileira, entre outros


aspectos, teve o encontro de povos de diferentes culturas como um dos responsáveis pela
formação da nação brasileira. Especificamente em relação ao papel do samba como
contribuição da cultura afrodescendente para a determinação da identidade musical brasileira,
embora poucos debates e trabalhos ainda se reportem ao tema, parece tratar-se de um fato
inquestionável, inclusive com a divulgação da mídia em geral de que o Brasil é o país do samba,
entre outros aspectos que significativamente demonstram ser essa a identidade musical
nacional.
E é no âmbito desse inquestionável fato que se formou a pretensão deste artigo que
partiu do problema de qual conhecimento poderia se obter quanto à contribuição da cultura
afrodescendente para o samba como identidade musical brasileira, em razão dos argumentos
vistos anteriormente. No entendimento dessa questão, os objetivos foram o de identificar as
denotações consideradas imprescindíveis do prazer de ser o samba um símbolo da cultura
afrodescendente para a identidade musical brasileira, compreender o samba como expressão de
sentimento de um canto retrato de outra história e averiguar a cultura negra na miscigenação
como precursora da identidade musical brasileira.
O amparo destes objetivos tem foco em uma metodologia qualitativa, bibliográfica e
descritiva. Qualitativa, por buscar um acréscimo ao pequeno rol de trabalhos que já se
reportaram à essa temática. Bibliográfica, por se valer da consulta de textos já publicados a seu
respeito nos meios disponíveis e descritiva pela descrição clara, objetiva e paulatinamente
delimitada para um melhor esclarecimento do objeto pesquisado.
O interesse partiu da constatação pessoal de um fato intrigante, que teve o cotidiano
como aspecto gerador, em razão do samba ser tocado e visto em permanente repercussão como
parte da identidade musical brasileira. Logo, indo diretamente em confronto com a sua
importância pessoal, em virtude da realização de um desejo. Sua relevância profissional
encontra-se na aquisição de um respaldo no enfretamento de obstáculos que necessitam ser
ultrapassados. Sua importância social é centrada na demonstração de uma constatação já há
muito denotada historicamente.

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2. A construção da identidade brasileira

Nas informações de Albuquerque (2006, p. 225) a noção de democracia racial, já em


construção no Brasil por volta de 1920, ganhou nas décadas seguintes mais adeptos. Segundo
o autor, determinados políticos e intelectuais brancos e negros concebiam a cultura como “mais
explicitamente a singularidade de um país, formada a partir de tradições herdadas de africanos,
europeus e índios”.
E é nesse marco histórico especificado pelo autor que têm início as considerações sobre
a construção de uma das identidades brasileira em razão de tratar-se de uma característica
peculiar do que se pretendeu conhecer a respeito da constituição da cultura afrodescendente
como identidade cultural brasileira.
Nesse ponto, questionando a respeito do “encontro” de povos e de culturas como
elementos de formação da nação brasileira “por meio de uma mistura um tanto quanto especial
e peculiar”, Nogueira (2006, p.02) já havia esclarecido que o conceito de identidade “funciona
como o balizador quando sujeitos diferentes culturalmente passam a conviver em um espaço
comum”. De acordo com a autora, “à luz do conceito de identidade, é possível perceber as
diferenças de cada cultura, perpassadas pelos valores, costumes e tradições de cada um”.
Vários são os enfoques dado à identidade. Em termos individuais Nogueira (2006, p.3-
4) revelou ser essa “um ponto de intersecção entre o ‘eu’ e o ‘outro’, entre o indivíduo e a
sociedade, seria o reconhecimento de ser quem se é, e é esta realidade que possibilita aos outros
reconhecerem no sujeito o que ele é”.
Nogueira evocou a identidade étnica, denominada pela Antropologia como tal,
construída por meio da afirmação de uma peculiaridade cultural diferenciada de um grupo
étnico, que se estabelece para ele próprio e para os outros, “fronteiras étnicas, os limites de sua
etnia”. Observou a identidade cultural do sujeito como sendo a que se vem passando por
distintas definições, especificando a mesma forma na interação entre o eu e a sociedade. E
quanto a identidade nacional, assegurou ser necessário:

Ressaltar acerca do papel que esta cumpre, como conciliadora das diferenças
na perspectiva da formação da unidade identitária de uma nação, a partir de
um padrão homogêneo. A cultura nacional é composta de instituições
culturais, de símbolos e representações. Ela se forma a partir de três aspectos
inter-relacionados; a narrativa da nação – contada e recontada nas histórias e
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nas literaturas nacionais e na cultura popular; as origens – na tradição e na


intemporalidade, onde o objetivo é inspirar valores e normas de
comportamentos por meio da continuidade com o passado histórico adequado
e o mito fundacional – o qual é responsável por contar a história que localiza
a origem da nação, do povo e do seu passado num imaginário longínquo. (Hall,
1997, p.50)

Retomando as denotações inicialmente vistas, determinando o marco histórico dos anos


de 1920 como o período em que as atenções voltaram-se para a construção da identidade
brasileira, é possível dizer que diante da narrativa da nação, um exemplo de compreensão da
trajetória de construção da identidade brasileira é encontrado, segundo Nogueira (2006, p.4) no
modernismo brasileiro dos anos 20, movimento artístico e cultural de repressão na época, com
a sua primeira fase preocupada com a “estética, e o modelo é a Europa do século XIX com o
estabelecimento da ordem burguesa”.
Sua segunda fase, estendida até os anos de 1950, houve a elaboração de um projeto de
cultura que se expressa a luz da questão da brasilidade, a exemplo da arquitetura de Oscar
Niermeyer, criação do Instituto superior de Estudos brasileiros (ISEB), em 1955, e a literatura
de Oswald de Andrade (Manifesto Antropofágico), sendo este o modelo de cultura nacional por
meio da visão de suas origens.
Diante do mito fundacional na busca da identidade nacional, este nas denotações de
Nogueira (2006, p.05-06) pode ser notado no ideal daqueles que pensavam o Brasil, caso de:

Sérgio Buarque de Holanda, com as raízes na “cordialidade” do brasileiro;


Cassiano Ricardo (“bondade”), Silvio Romero que definiu seu método como
“popular e étnico” (brasileiro como “raça mestiça”). Os outros autores tomam
eventos como o carnaval ou a índole malandra para definirem o “ser” nacional.
Todas as definições procuraram atribuir ao brasileiro um caráter imutável à
maneira de uma substância filosófica.

Quanto à questão da ideologia também correspondente ao mito fundacional, Ortiz Apud


Nogueira (2006, p. 5-6) revela que foi a partir dos anos de 1950 que o debate teve maior foco
no fato de que “sem a ideologia do desenvolvimento não há desenvolvimento” o que
permaneceu por um longo período. Para a própria Nogueira:

À luz dessas considerações, é possível perceber, então, que o “estado


Nacional”, fundado na soberania popular é uma totalidade que dissolve a
heterogeneidade da cultura brasileira na univocidade do discurso ideológico.
É através de uma relação política, portanto (via Estado), que se constitui assim

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a identidade nacional, como construção de segunda ordem que se estrutura no


jogo da interação entre o nacional e o popular, tendo como suporte real a
sociedade global como um todo.

Percebe-se, então, a complexidade e a abrangência na construção da identidade


brasileira, o que faz recorrer novamente às denotações de Nogueira (2006, p. 6) quando ressalta
que “as características culturais como costumes, tradições, sentimentos de pertencimento a um
lugar, línguas e religião - dos povos que no Brasil se fixaram - provocou uma mistura de raças
originais e peculiar”.
Nas palavras da autora, “a alegoria às três raças – índios, brancos e negros – e o conjunto
de uma miscigenação brasileira”, por uma convenção , veio a representar a verdadeira e
diferencial riqueza cultural desse país, e por outra compreensão, o mito da mestiçagem, ao
incorporar os elementos ideológicos que são há base da construção da identidade nacional,
torna-se pauta para os movimentos negros, o problema que colocando o samba como música
de identidade nacional, como o mesmo é considerado hoje, é tentar isolar sua peculiaridade
máxima de origem negra, o que Ortiz (1985, p. 43) já asseverou :

Na medida em que a sociedade se apropria das manifestações de cor e as


integra no discurso unívoco do nacional, tem-se que elas perdem sua
especificidade. Tem-se insistido muito sobre a dificuldade de se definir o que
é o negro no Brasil. O impasse não é simplesmente teórico, ele reflete as
ambiguidades da própria sociedade brasileira. A construção de uma identidade
nacional mestiça deixa ainda mais difícil o discernimento entre as fronteiras
de cor. Ao se promover o samba ao título nacional, o que efetivamente ele é
hoje, esvazia-se sua especificidade de origem, que era ser uma música negra.

Embora já tenha sido asseverado pelo autor, um dos assuntos a ser visto em muita ênfase
no decorrer deste enfoque, em razão de um dos seus objetivos que permeiam seu objeto de
denotação – o samba, não se pode esquecer o fenômeno histórico da miscigenação e seu papel
na representatividade da identidade brasileira, em especial o desempenhado pelos negros.

2.1. O papel da cultura negra na miscigenação como precursora da identidade musical


brasileira.

Recorrendo às conspecções de Albuquerque (2016, p. 225) a noção de democracia racial


em construção no Brasil por volta de 1920, ganhou mais adeptos nos anos posteriores, sendo
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na cultura que determinados políticos e intelectuais negros e brancos viam mais explicitamente
a singularidade de um país místico, isto é, formado pelas tradições herdadas de africanos,
portugueses e índios. E é em razão disso, ao contrário dos que celebram a convivência racial,
importante e harmoniosa, ao longo das décadas de 1940 e 1950 que essas noções de mestiçagem
e de democracia racial foram entrelaçadas na construção de uma identidade nacional. Aliado a
isso, foram constituídos como símbolos de nacionalidade, “expressões da síntese cultural
própria ao Brasil”, a exemplo do carnaval, capoeira, candomblé, samba, entre outros.
É necessário então, considerar algumas denotações a respeito de alguns desses símbolos
que, unanimemente, tem referência não só com o papel desempenhado pela cultura negra na
miscigenação precursora da identidade musical brasileira, como também por virem de encontro
com os objetivos pretendidos por este enfoque. Tais considerações também são devidas ao fato
de se respaldar em Nogueira (2006, p. 6) por já ter advertido que “a miscigenação que germina
no seio de uma convivência não espontânea”, nem passa a compor um cenário que toca
particularmente nas características regionais quando se trata de pensar na formação do povo
brasileiro.
Entretanto, antes disso, convém anotar o que relata Fiorentini (2016, p. 2) quando
categoricamente informa:

Dessa maneira a miscigenação e a mistura é uma marca da formação da


sociedade e da cultura brasileira. A índia, grávida do português dá a luz a um
filho que já não é índio e que tampouco é europeu. A negra que engravidava
de um branco gerava uma criança que já não era africano e sob nenhuma
hipótese seria português. Tanto este mulato quanto aquele índio já serão filhos
da terra, aprenderão a falar em português e na África seria um estrangeiro.
Assim, o produto dessa mistura será alguém que já não possui identidade
definida. Ele não é africano, nem indígena muito menos português, por isso
ele só pode surgir sendo outra coisa. E, é na conjunção desses atores que se
formará esse povo miscigenado que chamamos de brasileiros. Esse processo
produziu um povo único, cultural e linguisticamente unificado e ao mesmo
tempo diverso. Nesse sentido, a cultura brasileira é fruto dessa relação de
conflito e interação que marcam o quotidiano dos brasileiros em hábitos,
costumes, palavras, comportamentos, etc.

Acrescentando a sua informação, Fiorentini (2016, p. 3) revela que os negros trouxeram


ao país, aliado às suas vidas, suas culturas, músicas, artes, danças, religiões “e sua percepção
de vida e de mundo que aqui deixaram marcas profundas nos brasileiros”, visto que longe de
suas terras natais cumpriram o papel de identificar suas identidades com o local de origem. De
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acordo com o autor, a diversidade da prática religiosa, satírica e cultural, foram ferramentas
utilizadas pelos negros, “como forma de aproximar-se da sua terra natal bem como de
resistência à imposição da cultura cristã ocidental pelos portugueses”.
No decorrer dos anos, no final de 1969, o compositor Martinho da Vila, segundo
Nogueira (2006, p.6), ao compor o samba enredo o qual foi cantado pela escola de samba
Unidos de Vila Isabel, no ano de 1969, embora não tenha se referido exclusivamente à cultura
negra como relevante e precursora na miscigenação e na identidade musical, em alguns de seus
trechos, se reporta a este aspecto, sendo exemplo:

Negros, brancos, índios


Eis a miscigenação
Ditando a moda, fixado os costumes
Os rituais e a tradição

Nesse ponto Nogueira (2016, p. 7) lembra que no mesmo samba enredo, o compositor
coloca lado a lado as pessoas do branco e do negro, relatando o caráter de “convivência
interetnica”. Entretanto, a autora ressalta que o sambista também chama a atenção na questão
do relacionamento entre classes, isto é:

Lá vem o negro
Veja as mucamas
Também vem com o branco
Elegante demais

No samba enredo em evidência, o que mais deve ser considerado em relação à cultura
negra como significativa na miscigenação e como precursora da identidade musical brasileira,
é o fato da possibilidade de identificação da “configuração de outros paramentos e elementos
que remetem aos costumes regionais caracterizados pela diversidade dos ritos e das
manifestações culturais”, nos versos:

Desfilam modas no Rio


Costumes do Norte
E a dança do Sul
Capoeira, desafios
Frevos e maracatu

Laiaraiá, ô
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Laiaraiá

Festa da menina moça


Na tribo dos Carajás
Candomblés lá da Bahia
Onde baixam os orixás

Em relação a música como símbolo de nacionalidade herdada dos africanos, Fiorentini


(2016, p. 4-5) pronuncia que as músicas e as danças como elementos marcantes trazidos pelos
africanos para o Brasil, “no contato com indígenas e europeus, bem como na resistência a
aculturação, a escravidão e ao desterro foram resinificadas, ganharam novos sentidos e
elementos, mas preservaram sua africanidade”. Nas palavras da autora:

As danças e músicas de origem africanas inculcaram elementos definidores da


identidade do brasileiro. A relação com a sensualidade, o toque e o
entendimento de que o mundo não se movimenta em linha reta, que não é
estático é contraditório ao universo europeu de maneira geral. Ao contrário
disso a cultura brasileira, o brasileiro estão repletos dessas sinuosidades,
dessas curvas, encontros e desencontros, da relação com seu corpo, etc. Assim,
dessa malemolência, essa ginga produziram gêneros novos que nasceram nas
senzalas, na resistência e na clandestinidade porém, ao mesmo tempo,
afirmativos como o lundu e a capoeira.

Diante do Lundú, dança nascida na senzala da Bahia, Fiorentini (2016, p. 5-6) afirma ter sido
“o objeto de estimação entre os escravos e, com o passar dos tempos foi introduzido na
sociedade, chegando a ser proibida pelas autoridades que viam nela uma sensualidade e lascívia
pouco coerente com a época”. Quanto a capoeira, segundo Albuquerque (2016, p. 243), na
primeira metade do século XIX “era praticada pelos escravos e libertos. Jogar capoeira consistia
no uso de agilidade corporal e no manejo da navalha para golpear os adversários. E avançando
no tempo a autora esclarece que em 1993 a capoeira foi reconhecida como prática desportiva,
com a sua inclusão no âmbito do pugilismo ao lado do boxe e do jui- jitsu, e ressalta:

Com o status de luta corporal, vislumbrou-se um período de expansão dessa


nova prática esportiva. Àquela altura da década de 1930, do mesmo modo que
outras expressões culturais negras, pouco a pouco a capoeira passava a ser
vista como legítima manifestação da cultura brasileira.

Outro elemento merecedor de destaque é a religião africana como símbolo de


nacionalidade que, embora tenha-se o conhecimento de que foram proibidas, perseguidas entre
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outros aspectos que merecem maiores destaques, há de se ressaltar as palavras de Albuquerque


(2016, p. 239) ao enfatizar que: “quando o século XX se instaurou, as religiões afro-brasileiras
já estavam solidificadamente assentadas na sociedade brasileira”. Conforme a autora já estavam
construídos o candomblé na Bahia, a umbanda no Rio de Janeiro, o xangô em Recife, batuque
em Porto Alegre e casa das minas no Maranhão, ou seja, “essas religiões se formaram recriando
tradições de diferentes etnias africanas”.
Evidentemente que não se poderia esquecer do carnaval como símbolo de relevância da
cultura herdada dos africanos na miscigenação como precursora da identidade musical
brasileira, embora a maioria das fontes consultadas se refiram ao mesmo como sendo uma
tradição de repercussão internacional e, não especificamente como contribuição da cultura
afrodescendente para a identidade musical brasileira, preferindo deixar essa responsabilidade a
cargo do samba - objeto de denotações posteriores - por se tratar do principal objeto desse autor.
Entretanto retornando ao símbolo do carnaval, convém lembrar as observações de
Albuquerque (2016, p. 228), ao relatar que o carnaval brasileiro “não se tornou uma cópia de
sua matriz europeia”, visto que a “influência europeia estava longe de ser suficiente para
suprimir expressões de tradições negras que o carnaval trazia a público”.
Na continuidade do seu relato, Albuquerque (2016, p. 238) notifica que, por volta de
1928, no Rio de Janeiro, surgiram as primeiras escolas de samba em morros, favelas e no centro
da cidade, isto é:

As escolas de samba, no início, eram agremiações com fins festivos e


assistenciais e aos poucos conquistaram espaço na indústria do entretenimento
celebrando temas nacionais. À estrutura dramática dos enredos, personagens,
estandarte e alas, já definidas pelos ranchos, foi acrescida a novidade rítmica
do samba, das coreografias e da exaltação à nação brasileira. A beleza e o
exotismo nacional passaram a fazer parte do repertório dos sambistas. Ao
mesmo tempo, as escolas de samba foram oficializadas como principais
atrações do carnaval carioca. A partir de 1932 coube a cada agremiação a
escolha de tema e o enredo, para que pudessem concorrer às subvenções e
prêmios pagos pela prefeitura. Àquela altura o Carnaval já era a grande festa
nacional, a mais autêntica representação de brasilidade, sem que isto
significasse a inclusão da população negra na categoria de cidadãos.

Albuquerque (2016, p. 238-239) ainda assevera o fato de que “o interesse de intelectuais


na época em identificar o que seria uma identidade brasileira, muito contribuiu para a
legitimação do caráter nacional da cultura de origem africana” visto que em 1930, o carnaval
era oficializado nas escolas de samba do Rio de Janeiro.

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3. O samba como expressão de sentimento de um canto retrato de outra história

Antes de adentrarmos ao que se refere ao principal objetivo deste enfoque, é primordial


considerar que o samba teve sua origem brasileira na cidade do Rio de Janeiro. Nesse ponto
Fiorentini (2016, p.6) relata que após a abolição, foi intensificado o processo de urbanização
das cidades brasileiras “incorporando o negro liberto, porém marginalizado nas cidades “em
especial a cidade do Rio de Janeiro que sofreu ondas de migração de vários negros oriundos de
Salvador. Segundo o autor:

Diante disso muitas casas de família habitadas por baianos, em especial


baianas, tendo em vista a força que tem o papel da mulher na cosmo visão
africana, passaram a ser pontos de encontro para a realização de festas, e
prática de candomblé. Destacou-se aqui a casa de Tia Ciata, localizada na
Praça Onze do Rio de Janeiro que se tornara um centro de resistência e
produção criativa da comunidade negra em confrontação com a repressão ou
o “branqueamento” das tradições africanas.

Na elaboração de Sodré Apud Fiorentini (2016, p. 6-7) é esclarecido como eram essas
casas e onde o samba era tocado:

“A casa de Tia Ciata, babalaô-mirim respeitada simboliza toda a estratégia de


resistência musical à cortina de marginalização erguida contra o negro em
seguida à Abolição. A habitação – segundo depoimento de seus velhos
frequentadores – tinha seis cômodos, um corredor e um terreiro (quintal). Na
sala de visitas, realizavam-se bailes (polcas, lundus, etc.); na parte dos fundos,
samba de partido-alto ou samba raiado; no terreiro, batucada.”

Nessa linha de pensamento respaldando-se em Fiorentini (2016, p. 7), pode-se dizer que
essas casas se tornaram significativos locais onde correlacionavam-se aspectos “sincretizados
e produto histórico das realizações sociais, políticas e culturais ao longo dos anos e elementos
da cultura africana que se mantiveram preservados durante esse período”. Aliado a isso essas
casas foram lugares onde houve tais manifestações, sendo que, na parte da frente “se
executavam músicas e danças mais aceitáveis no âmbito do status do período e nos fundos, ou
seja, mais escondido, o samba, a onde se fazia presente o elemento religioso”. Também
podemos destacar nas palavras de Napolitano (2002, p.34) que:
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A princípio, a palavra samba designava as festas de dança dos negros escravos,


sobretudo na Bahia do século XIX. Com a imigração negra da Bahia para o
Rio de Janeiro, as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e
cultural e tiveram nas “tias”, velhas senhoras que exerciam um papel
catalisador na comunidade, o seu elo central. A primeira geração do samba,
João da Baiana, Donga e Pixinguinha, entre outros, tinha a marca do maxixe
e do choro, e a partir das comunidades negras do centro do Rio, principalmente
nos bairros da Saúde e da Cidade Nova, irradiou esta forma para toda a vida
carioca e, posteriormente, para toda a vida musical brasileira.

Nas denotações de Lopes Apud Fiorentini (2016, p.07) é esclarecido que o processo
descrito acima produziu o samba como é concebido hoje, visto que a urbanização da cidade do
Rio de Janeiro e da comunidade baiana que lá residia na região conhecida historicamente como
“Pequena África”, o samba passou a ganhar feições urbanas:

Nas festas dessa comunidade a diversão era geograficamente estratificada: na


sala tocava o choro, o conjunto musical composto basicamente de flauta,
cavaquinho e violão; no quintal, acontecia o samba rural batido na palma da
mão, no pandeiro, no prato-e-faca e dançado à base de sapateados, peneiradas
e umbigadas. Foi aí, então, que ocorreu, entre o samba rural baiano e outras
formas musicais, a mistura que veio dar origem ao samba urbano carioca. E
esse samba só começou a adquirir os contornos da forma atual ao chegar aos
bairros do Estácio e de Osvaldo Cruz, aos morros, para onde foi empurrada a
população de baixa renda quando, na década de 1910, o centro do Rio sofreu
sua primeira grande intervenção urbanística”.

Retornando a respeito do samba como expressão de sentimento de um canto retrato de


outra história, há de se considerar que o antecedente visto, leva a crer no que se reporta as
aspirações e lutas por liberdade que nas denotações de Nogueira (2006, p.08), “se recorrermos
ao samba, é possível identificar letras que retratam com maestria a luta dos negros para se
livrarem do cativeiro”, caso do samba de Paulinho da Viola, “Uma História Diferente”, também
um samba enredo:

A história desse negro


É um pouco diferente
Não tenho palavras
Para dizer o que ele sente

Tudo aquilo que você ouviu


A respeito do que ele fez

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Nogueira (2006, p0.9) salienta que Paulinho da Viola contrapôs neste mesmo samba “a
imagem do negro, quantas vezes associada à de um povo fadado à submissão e desprovido de
civilidade” de um modo que “retrata a nossa herança escravista e, ao mesmo tempo, as lutas de
resistência do negro no Brasil”. Eis os versos que comprovam a literalidade da autora:

Foi um bravo no passado


Quando resistiu com valentia
Para se livrar do sofrimento
Que o cativeiro infligia

Nesse sentido, Nogueira (2006, p.09) enfatiza que “o significado da resistência aparece,
ainda ligado à contribuição dos negros à história da formação do povo brasileiro”. Na realidade,
por intermédio da arte e da religião e até da culinária, os negros foram disseminadores dos
valores da tradição, ao mesmo tempo em que imprimiram o sentimento de liberdade, sendo
estampado no trecho do samba enredo em evidência:

E apesar de toda opressão


Soube conservar os seus valores
Dando em todos os setores da nossa cultura
A sua contribuição

Guarda contigo
O que não é mais segredo
Que esse negro tem história, meu irmão
Pra fazer um novo enredo

Nesse âmbito vale também destacar alguns versos do samba “Mistura de Liberdade no
Brasil”, do compositor Aurinho da Ilha, também cantado por Martinho da Vila que segundo
Nogueira (2006, p.9), busca o resgate de fatos históricos ligados as lutas por liberdade,
resgatando as personagens que estiveram à frente da resistência e da opressão, como no caso
do Zumbi dos Palmares:

Nos Palmares
Zumbi, um grande herói
Chefia o povo a lutar
Só para um dia alcançar
Liberdade
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3.1. O prazer de ser o samba uma instituição símbolo da cultura afrodescendente para a
identidade musical brasileira

No relato de Nogueira (2006, p. 11) é denotado que a partir do final do século XVIII e
início do século XIX, houve um só entendimento de que a ideia de civilização era reportada “a
uma forma de cultura diferente de outras, em termos qualitativos”. Para a autora esse fato
fundamenta-se na justificativa de que a civilização significava o próprio ato de civilizar povos
não-ocidentais, levando-os a assimilarem os mesmos valores e os costumes dos europeus, bem
como esse fenômeno que a Antropologia especifica como “etnocentrismo”, marcou como bem
sabemos, o processo de colonização do Brasil.
Nogueira (2006, p. 12) acrescenta ao seu relato o fato de que a tendência da crença do
homem ver o mundo por meio de sua cultura, isto é, “visão etnocêntrica” – traduz-se num
fenômeno universal, onde a crença de que a própria sociedade seja o centro da humanidade.
Assim, a humanidade deixa de ser referência em detrimento de um grupo particular. Para Laraia
(2003, p. 72-73) a questão é que “tais crenças contém o germe do racismo e da intolerância que
são frequentemente utilizadas para justificar a violência praticada contra os outros”.
Nesse ponto há de se reconhecer novamente as considerações de Nogueira (2006, p. 11)
em virtude de, categoricamente, argumentar diretamente em confronto com o principal objetivo
deste enfoque, isto é considerar de ser o samba um símbolo da cultura afrodescendente para a
identidade musical brasileira:

Um contraponto, porém, à ideologia do etnocentrismo, pode ser vislumbrada


à luz do samba que traduz, como procuramos demonstrar, o ideal de liberdade,
a alegria e a resistência do povo brasileiro. Contudo, o samba da cidade e o
samba do morro, ainda que tenham sido apropriados como símbolos da
identidade nacional, são uma promessa de diálogo intercultural, no sentido de
reciprocidade e de convivência interétnica, capazes de promover uma
manifestação autêntica das culturas populares, enquanto expressão da
pluralidade cultural existente no universo brasileiro.

Referindo-se ao samba como símbolo da unidade e da diversidade da cultura brasileira,


Fiorentini (2016, p.08) presume que no decorrer de toda a história do Brasil, a tentativa de
catequização dos índios até o “branqueamento da cultura negra ou africana a descaracterização

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das identidades populares foi objeto de busca das elites desse país e de fora dele”. E a autora
assegura:

Se no período colonial fazer com que os indígenas aderissem ao cristianismo


os tornava mais palatáveis ou mais aceitáveis pelo universo ocidental, retirar
do samba os elementos afro-brasileiros é também a busca por descaracterizá-
lo enquanto música do povo e que, da mesma forma que no período escravista,
pode produzir uma consciência e identidade social e de classe comum.

Também são válidas e oportunas as considerações de Nogueira (2006, p. 12-13) que,


tendo como marco histórico a década de 1930 por intermédio da qual o samba como símbolo
nacional, pronuncia ser este veiculado em diversas partes do mundo, bem como, “exaltava o
sucesso que este gênero musical alcançava na América do Norte, através da voz e da figura
marcante de Carmem Miranda” visto principalmente no samba “Brasil Pandeiro”, do
compositor Assis Valente:

O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada


Anda dizendo que o molho da baiana
Melhorou seu prato
Vai entrar no cuzcuz, acarajé e abará
Na Casa Branca
Já dançou a batucada
Com ioiô e iaiá

Brasil
Esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros
Que nós queremos sambar

Há quem sambe diferente


Noutras terras, outra gente
Num batuque de matar

Batucada
Reuni vossos valores
Pastorinhas e cantores
Expressões que não têm par.

Embora tenha-se o conhecimento de que outras interpretações já foram feitas a respeito


do samba “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, que vão de encontro com o agora evidenciado,
será evidenciada algumas interpretações na concepção deste autor. Desse modo, o primeiro
delas é referente ao início do samba:
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Brasil
Meu Brasil brasileiro
Meu mulato izoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
Ô Brasil, samba que dá
Bamboleio que faz gingar
Ô Brasil, do meu amor
Terra de nosso Senhor
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim

Há de se observar nesses versos que Ary Barroso ao escrever “meu Brasil brasileiro”
referiu-se ao seu país como se fosse um “mulato izoneiro”, levando a crer que seu país natal é
brasileiro em razão de ser filho de pai escravo e mãe preta ou vice-versa, com caráter intrigante,
sonso e manhoso, sendo o responsável pelo samba produzido, isso é, um balançar corpo,
quadris, gingar e rebolar.Posteriormente, o autor reporta-se aos antepassados africanos,
evocando termos de relevância ao berço natal da África, bem como as próprias raízes da
musicalidade que proporcionaram um Brasil para ele, nos versos que se seguem:

Ah, abre a cortina do passado


Tira mãe, preta do serrado
Bota o rei Congo, no congado
Brasil, Brasil
Pra mim, Pra mim

Desse modo em “abre a cortina do passado” para retirar a “mãe preta, do serrado” e
sobre o “Rei Congo, no congado” parece transparecer que a Mãe preta é a África devendo ser
recolhida do que é carregado de nuvens escuras, de difícil entendimento, visto a existência da
escravidão entre outros aspectos que educaram a Mãe Preta (África) densa, úmid, coberta por
esse tipo de nuvem.
Já o “Rei Congo” pode ser visto como o país natal para colocá-lo no congado que
segundo Fiorentini (2006, p.04) os descendentes dos escravos continuaram realizando essa festa
com “adornos no corpo e esquecendo temporariamente seus desencantos com a sorte, em festas
ao mesmo tempo profanas e religiosas”. Aliado a isso, em “Brasil, Brasil pra mim, pra mim”
Ary Barroso destaca os termos Mãe Preta e rei do Congo como símbolos africanos de formação
da identidade brasileira, em especial da sua identidade musical que é o samba.

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A diante, o compositor considera a presença da moça do corpo (moreno) como sua


mulata, com cacoetes e olhar indiscreto evocando sua presença em no “Brasil, samba que dá”,
isto é nos versos:

Brasil
Terra boa e gostosa
Da morena sestrosa
De olhar indiscreto
Ô Brasil, samba que dá ...

Também há de serem destacados os últimos versos de “Aquarela do Brasil” em razão


de referirem-se a um Brasil bonito e que tem a cor do trigo maduro - queimado na cor do
indivíduo moreno, sendo uma Terra de samba e pandeiro” isto é:

Ah, este Brasil lindo e trigueiro


É o meu Brasil, brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim

Nos versos acima, o Brasil é considerado como a Terra do samba que tem origem no
Brasil através da contribuição africana, já visto no decorrer deste enfoque. Entretanto, é
destacado o pandeiro, um dos vários instrumentos musicais tão comuns em nosso cotidiano
aportados em solo brasiliero vindos do continente africano. Comparando o fato, Lopes Apud
Fiorentini (2016, p.03) esclarece:

Responsáveis pela introdução, no continente americano, de múltiplos


instrumentos musicais, como a cuíca ou puíta, o berimbau, o ganzá e o reco-
reco, bem como pela criação da maior parte dos folguedos de rua até hoje
brincados nas Américas e no Caribe, foram certamente africanos do grande
grupo etnolinguístico banto que legaram à música brasileira as bases do samba
e a grande variedade de manifestações que lhe são afins.

Nesse contexto, há autores que se referem à atualidade do samba como elemento


identificador da musicalidade brasileira em razão de que “desafricanizar o Brasil é a destruição
da brasilidade”, caso de Fiorentini (2016, p.08) por complementar tal fato esclarecendo que são
componentes imprescindíveis de nossa brasilidade “o sorriso largo, a informalidade, o corpo

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que balança sozinho ao som do samba, a mão que batuca na mesa automaticamente produzindo
a percussão”.
Assim, consolidado o que já foi visto, Nogueira (2006, p. 13) já ressaltou em um texto
para a Universidade Católica de Goiás, denominado “Negros na Sociedade e Cultura Brasileira:
construindo uma nova consciência, que:

É por isso que, calar o samba é apagar a história real, a “outra” história, de
paixões e lutas, de conquistas e perdas, de derrotas e vitórias do povo
brasileiro. Calar o samba, por outro lado, pode obstruir o processo de abertura
por meio do qual o nosso país pode relacionar-se com outros e oferecer o que
ele tem de melhor: sua arte, sua cultura, seu senso estético, sua criatividade,
“expressão que não tem par”.

Portanto, descaracterizar o samba como contribuição da cultura afrodescendente da


identidade musical brasileira é conscientemente pensado como uma impossibilidade. Vários
são os argumentos que comprovam essa contestação, e a História está aí para comprovar.
Todavia, não há como deixar de considerar que, ao longo da história o samba se cristalizou
como símbolo da nacionalidade.

4. Conclusão

No caminho da busca da identidade musical, não se pode questionar o papel do samba


como símbolo da cultura afrodescendente determinante para a identidade musical brasileira.
Histórico e socialmente vivenciado, o samba é merecedor de tal denominação por ter se valido
de um passado formador de nação a qual aportou e o acolheu, inicialmente, como um “escravo”.
Nesse caso, não se pode negar a imprescindibilidade do samba ter o prazer de ser a
contribuição símbolo da cultura afrodescendente para a identidade musical brasileira, visto o
samba estar presente na própria essência da nação e sua veiculação na mídia em qual, em virtude
do mesmo ser vivenciado cotidianamente pelo povo brasileiro. Na realidade tal observação é
constatada em letras de vários sambsa.
A relevância do samba como expressão de sentimento de um canto retrato de outra
história, também pode ser considerada inquestionável frente a sua atuação inicial a grupo
fechado em busca da manutenção da cultura original, no caso a africana, ou mesmo para manter
suas lembranças que, por intermédio do avanço dos tempos, passou a ser visto e vivenciado

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como música nacional incluindo os sambas enredos das Escolas de Samba com repercussão
mundial.
Quanto ao papel da cultura negra na miscigenação como precursora da identidade
musical brasileira, não se pode negar que, ter a presença do negro e seus descendentes na
história brasileira, o samba não seria o símbolo que é hoje. Logo a cultura com sua religião,
musicalidade, culinária e outros aspectos, tiveram muita influência na construção da identidade
musical brasileira, sendo o seu maior destaque o samba.
Em relação ao conhecimento da construção da identidade brasileira, também não se
pode duvidar do papel do índio como brasileiro nativo, do europeu como seu colonizador
escravagista do negro africano, que aqui aportou e pode ser considerado o principal responsável
pela construção dessa identidade, inclusive o privilégio de sua cultura afrodescendente ter
propiciado o samba denotado como símbolo máximo da identidade musical brasileira.

Referências

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_Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
DOSSIN, Francielly Rocha – Apontamentos acerca da presença do artista afro-descendente
na história da arte brasileira. Revista da Pesquisa – UDESC.
FIORENTINI, Mateus. Muito prazer, eu sou o samba.
Em<http://www.vermelho.org.br/noticia/254610-297˃. Acesso em: 05 julho 2016.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na PósModernidade. Tradução de Tomáz Tadeu da
Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro. DP&A Ed., 1997.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro:Jorge
Zahar Ed., 2003.
LOPES, Nei. A presença africana na música popular brasileira. Revista Espaço Acadêmico,
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NAPOLITANO, Marco. História e Música: história cultural da música popular. Belo
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NOGUEIRA, Mara Natércia. O samba: cantando a história do Brasil. Em<
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05 julho 2016.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 3 a. ed. São Paulo: Brasiliense,
1985.
SODRÉ, Muniz. Samba, o Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Maud, 1998.

Recebido em: 23 de julho de 2016.

Aprovado em: 02 de janeiro de 2017.

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