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Amaral
Aracy A. Amaral
TEXTOS DO
TRÓPICO DE
CAPRICÓRNIO
A rtigos e ensaios (1980-2005)
Vol. 3
Bienais e artistas contem porâneos no Brasil
editoraQ34
ED ITORA 34
Editora 34 Ltda.
Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000
São Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3816-6777 www.editora34.com.br
Assistência editorial:
Glória Kok
Pesquisa:
Regina Teixeira de Barros
Revisão:
N air Kayo, Fabrício Corsaletti, Alberto Martins
Ia Edição - 2006
ISBN 85-7326-366-0
C D D - 709.81
Textos do Trópico de Capricórnio
Apresentação........................................................................................ 11
Parte 1
A propósito das Bienais
Parte 2
Artistas contemporâneos no Brasil
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
posições de arte deveriam buscar uma articulação com um público mais vasto,
motivando-o a se aproximar permanentemente delas e não apenas em oca
siões de apresentação de exposições “estrelas”, quando a divulgação é feita pela
televisão, e, conseqüentemente, contam com uma freqüência incomum.
É necessário, também, que quando isso suceda, a promoção não resulte
numa armadilha, e o público não iniciado possa naturalmente contar com a
intermediação didática — para os que desejarem esse apoio — através de vi
sitas guiadas que realmente desfaçam a inibição que a entrada de um museu
significa para a maior parte da população.
A Bienal de Medellín, na Colômbia, recentemente aberta (aliás, a ter
ceira aberta neste ano na América Latina, depois da Bienal de Artes Gráficas
de Cali e da Bienal de Porto Rico, além do súbito cancelamento da Bienal
da Bolívia), também apresentou, pelo que vimos, apesar do anseio de inova
ção com a abolição da representação por países, uma tranqüila e morna se
qüência de obras, que se percorria pelo labirinto dirigido de seu espaço. Se a
economia de energia física pelo apreciador foi preservada pelos organizadores,
muitos se queixam da falta de “repousos” visuais, no longo desfile das obras
expostas. Que para os iniciados não era senão uma visão redundante — sal
vo no que diz respeito às obras de artistas colombianos pouco vistos no exte
rior, e que eram raros — , de coisas já vistas em outras mostras internacionais
e nacionais.
Medellín, através de Leonel Estrada, desejou assim retomar a realização
das Bienais, abandonada em 1972 (nove anos atrás). Iniciativa totalmente
privada, contando com patrocinadores que levam a termo as Bienais seguin
tes, pode, evidentemente, refletir o desfibramento, a ausência de vitalidade,
na atual crise de criatividade artística de que o mundo se ressente desde já
algum tempo. Porém, apesar da maneira amadorística pela qual é organiza
da, pois os critérios para as escolhas dos artistas do exterior são bastante difí
ceis de discernir, ninguém poderá dizer que Medellín está jogando fora o di
nheiro público.
Pode-se até criticar os seus organizadores por tratar a Bienal como um
brinquedo de luxo para pequeno público (embora na semana de inaugura
ção a afluência fosse grande). Porém, é uma realidade que faz sentido dentro
de um país como a Colômbia, mais rançoso que nós porque ainda dentro do
clima “das trinta famílias dominantes”, ao passo que, no Brasil, depois da
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BIENAL: IST O JÁ FOI IM PO RTAN TE
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
AS MUDANÇAS NECESSÁRIAS
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BIENAL: ISTO JÁ FOI IM PO RTAN TE
dades artísticas. É claro que seria dado crédito do financiamento aos patro
cinadores, que, assim, se beneficiariam com essas promoções veiculando os
nomes das empresas. Mas, em momento de mobilização da sociedade civil,
o capital privado (multinacional, como nativo) participando de fato — e não
apenas com o “prestígio” — , no esforço de atender a uma grande deficiência
de nossa população. Que é carente de cultura.
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2.
Talvez os dados mais polêmicos desta última Bienal não residam nas
obras em si, e sim na forma como elas foram apresentadas e promovidas. Ou
seja, nem foi o Neo-Expressionismo, sobretudo o de origem e influência eu
ropéia, em particular alemã, posto que a XVII Bienal de São Paulo também
nos trouxera artistas europeus e norte-americanos expressivos da nova pin
tura que tanto furor faz no mercado de arte internacional, mas a cenografia
cuidadosamente preparada para o impacto ambiental da chamada “Grande
Tela”, habilmente divulgada e promovida pela Fundação Bienal, como se fo
ra a única presença válida do evento.
E, na verdade, não o foi. Pensando bem, esta Bienal foi bastante con
vencional ao utilizar-se dos mesmos ingredientes que têm iluminado as últi
mas Bienais: uma parte histórica, uma parte eclética, abrigando os artistas de
países que não observam rigorosamente os conceitos propostos pela curado
ria, uma pitada de arte e tecnologia, uma colher de chá para a faceta popular
da criação plástica, tudo isso ao lado de um núcleo claramente identificado
com a diretriz que a curadoria amaria ver enfatizada no evento. Neste caso,
a pintura neo-expressionista.
O dado mais novo deste evento está vinculado não às obras, mas à or
ganização de seu espaço físico. N a manipulação do espaço, de forma mais ou
menos feliz, ou desastrada, das obras que compareceram ao evento. Dir-se-
ia que parece que entrou em voga, ao projetista da Bienal, a paginação em
oblíqua, que com tanta infelicidade o Museu de Arte Moderna de São Paulo
passou a se utilizar desde a reforma de seu espaço. A organização labiríntica
também parece ter sido, se não uma solução desejável, pelo menos uma saí
da para que todas as obras coubessem no espaço do amplo edifício do Pavi
lhão da Bienal. E mesmo que tivéssemos ouvido que o interessante para o
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XVIII BIENAL — I. O ECLET ISM O DA AR TE D E N O SSO TEM PO
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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XVIII BIENAL — I. O ECLETISM O DA A RTE D E N O SSO TEM PO
r
jogos de palavras e sutis imagens a sugerir analogias plenas de interioridade.
Entretanto, a grande vitalidade em instalação esteve, a meu ver, com o no
rueguês Per Inge Bjorlo, em alta tensão em seu ambiente negro, odoroso e
souple para o visitante inebriado.
Já fazendo uma seleção entre as propostas desta área, que injustamente
parece rodear o núcleo central (a pintura), mas que nos pareceram, como dis
semos, mais interessantes que o bidimensional exposto, não se pode deixar
de mencionar Flávio Garciandia, de Cuba, que teve sua instalação cindida e
portanto deturpada pelos montadores da Bienal, e que no entanto foi, ape
sar disso, tão apreciado pelos jovens artistas brasileiros. E se a preocupação
moral transpira da instalação de Borofsky (que já tem quatro anos de apre
sentações em eventos vários), vemos o mesmo dado claramente emergindo
da Procissão de p az (1985), do norte-americano Paul Thek, com toda a sim-
bologia pacifista bem facilmente decodificável: a jangada, arca de Noé meta
foricamente representada, as uvas maduras, a terra arada infértil, os mísseis,
a pomba. É difícil abordar a partir de algumas anotações as impressões todas
desta Bienal, mas a escultura, sempre tão em baixa, parece redobrar novo alen
to na figuração vital de Francisco Loire, da Espanha, sem dúvida o melhor
artista desse país nesta Bienal, rústico e forte como o próprio lenho por ele
sangrado. E mesmo meio sem jeito, não se pode deixar de mencionar o des
cabido do Neoclassicismo italiano contemporâneo presente através de uma
única obra de Stefano Di Statio, tão típico do ecletismo de nosso tempo nas
artes quanto insondáveis poderiam parecer à primeira vista as razões que fi
zeram a curadoria da Bienal convidar as releituras da Pinacoteca para parti
cipar da mostra. Realmente um desafio aos jovens monitores que passaram
meses a se preparar para tentar transmitir aos visitantes não iniciados uma
abordagem no mínimo didática para o que foi apresentado no Ibirapuera.
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3.
Anotações à margem da XVIII Bienal —
II. Os “históricos”, os latino-americanos e os “avulsos”
[1986]
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XVIII BIENAL — II. OS “H IST Ó R IC O S". OS LATINO-AM ERICANOS E OS “AVULSOS”
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A PROPÓSITO DAS BIENAIS
na dos anos 60. Dessa forma, foi a “nova pintura” a privilegiada pela exibi
ção de artistas-promessas que em outras épocas jamais sonhariam ter suas
obras convidadas para integrar uma Bienal internacional. Enfim, o ano é da
Juventude. Temos a lamentar apenas, que, na Grande Tela, o mais resisten
te seja, de fato, Daniel Senise, dentre os brasileiros. Talvez o excesso de soli
citações e a hiperprodução tenham causado em outros artistas — como os
talentosos pintores da Casa 7 — um descuido momentâneo por seus cami
nhos mais pessoais. De qualquer forma, parece ter faltado, nessa seleção, um
pintor como Ciro Cozzolino, que ao lado de Fernando Barata desenvolve sua
produção em Paris. É pena um certo esvaziamento momentâneo nas presen
ças de Leonilson e em particular de Leda Catunda. O primeiro, amplamen
te identificado com as correntes atuais (e a proximidade física com Eilís
0 ’Connell, da Irlanda, e com Hukkanen, da Finlândia, que acentuavam esse
dado da “aldeia global” artística), e Leda Catunda, diluída, depois de suas
excelentes mostras tanto na galeria Luisa Strina em São Paulo quanto no Rio
de Janeiro.
Parece-nos que os próprios artistas jovens tirarão do confronto interna
cional uma lição, da qual não deverá estar alheia a importância do rigor que
cada qual deve se exigir para o controle de qualidade, a despeito de sua carga
criativa ou garra de trabalho. N a liberdade concedida a cada artista, Carlos
Matuclc realizou amplo mural homenageando a cultura brasileira, mais ale
górico em seus referenciais decodificáveis para os iniciados nativos, ao passo
que Alex Vallauri, em ambiente neopop apresentou instalação humorosa em
seu kitsch divertido.
A nosso ver, contudo, o artista brasileiro mais interessante foi, por cer
to, Guto Lacaz, a espreitar entre apreensivo e divertido a reação dos visitan
tes ao seu espaço sonoro-visual. Significa bem o artista como inventor, seja
no toca-discos de braço extralongo, como na caixa de sapatos como objeto
criativo, a manipular inteligentemente objetos com um senso de humor e de
leveza raros de encontrar entre os de sua geração. À sutileza da proposta de
Paulo Garcez, em instalação com partituras e desenhos, faríamos reservas à
dificuldade de domínio do espaço dado, bem como em sua relação com o
público. Ao passo que Fernando Lucchesi magnificou de forma impactante
sua proposta plena de religiosidade apresentada já em São Paulo, no MAC,
no ano passado.
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XVIII BIENAL — II. OS “H IST Ó R IC O S”, OS LATINO-AM ERICANOS E OS “A VU LSOS"
E que dizer de Herman Braun Vega, o pintor peruano que pode se men
cionar como o campeão da Bienal em comunicação e vendas? Sem qualquer
dúvida, as suas foram as obras mais fotografadas deste evento nos períodos
brasileiros, e com seu achado, mais inteligente que sutil, conquistou o gran
de público. Do Paraguai, no trabalho de Margarida Mosell, vemos herança
da estirpe do pintor Carlos Colombino.
Indiscutivelmente, o destaque como país da América Latina, se pre-
miação para isso houvesse, caberia ao Uruguai, ostentando também a mais
importante contribuição individual do evento, com Nelson Ramos, artista
que acompanhamos há mais de vinte anos (participou também em 1978 da
exposição “Geometria Sensível”, devorada pelo fogo que destruiu a coleção
do MAM do Rio) e que, partindo do papel como suporte, há já alguns anos,
aqui exibe a caixa como constante, a precariedade como qualidade — vela
da, diáfana — de verdadeiro poema visual. A preocupação tectônica, assim,
se articula harmoniosamente com a poética, o quadrado dominante e as oblí
quas do triângulo trabalhadas como formas plenamente dominadas pela mão
sensível do artista. Coerente, em sua trajetória ascética, e exemplar como
criatividade e postura diante da arte.
Os argentinos da nova figuração dos anos 60 (Deira, Macció, De La
Vega e Noé) testemunham agora, para as novas gerações de nosso tempo, a
importância de sua contribuição, a cuja linhagem pertence também, pelo
caráter da obra, a pintura, do mesmo período, de Wesley Duke Lee. Para os
artistas em questão, a continuidade de sua obra se impunha, mas poderia ter
sido dispensável a apresentação de sua produção atual.
E veio finalmente Fernando Botero, da Colômbia, embora as duas pri
meiras telas de seu espaço sejam de longe as mais densas — e as demais, pin
turas boterianas. Curioso o desaparecimento da carga energética de um ar
tista a partir de determinado momento de sua produção restando apenas a
manutenção de sua “marca”, pois parece esvaziada de alma a sua pintura.
Embora cruel como constatação do final do ciclo criativo, trata-se de algo real
e perceptível nos mais variados artistas (e sobretudo entre os brasileiros do
primeiro e segundo tempos modernistas).
Um dos gigantes da fotografia da América Latina, Manuel Álvares Bra
vo, parece ter tido sua apresentação como um trailer de sua vasta contribui
ção, tão pouco difundida entre nós e, agora, com uma localização tão ingrata,
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A PROPÓSITO DAS BIENAIS
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XVIII BIENAL — II. OS “H IST Ó R IC O S”, OS LATINO-AM ERICANOS E OS “A VU LSOS”
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4 .
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XVIII BIENAL — III. O EX PRESSION ISM O N O BRASIL
não raro conflitantes entre si, talvez por razões de inexistência de um mercado
de arte que o prenda a um conformismo de aceitação, e nem sei se até posi
tivas, demonstrativas, estas razões, da geléia ainda não endurecida de nossas
incertezas e indefinições, tanto éticas como culturais, sociais e econômicas.
Tudo isso para dizer que parece que quase todo o meio artístico brasi
leiro, nessa abertura esgarçante, pode ser inserido nessa mostra. Mas por que
Antonio Bandeira?, como nos perguntava outro dia Roberto Pontual. Ao que
posso retorquir: e por que Odriozola?, e por que Boi?, e por que Brennand,
se não está aqui Farnese? Tudo é relativo, porém, e sem dúvida pareceu-nos
extremamente exagerado convidar também para a retrospectiva os artistas-
promessas de primeira juventude, já privilegiados para representar o Brasil no
andar inferior. A nosso ver, ainda prematuro incluí-los historicamente, se
apenas se iniciam em nosso meio artístico (como Cláudio Fonseca, Nuno Ra
mos, Ana Horta, Fábio Miguez, Francisco Cunha, Daniel Senise), embora
fosse correta uma menção, no ensaio introdutório, às novas tendências e aos
nomes que emergem no cenário nacional. H á vacilaçÕes negativas, por ou
tro lado, como a inclusão em dois tempos dos mesmos artistas (como foi o
caso de Gerchman, Antonio Henrique Amaral e Iberê Camargo, por exem
plo), quando se deveria ter buscado outra solução para abordar a permanên
cia ou retorno da tendência expressiva em suas obras. Por todas essas razões,
o que pudemos ver por ocasião da Bienal foi uma grande mostra de afinida
des e heranças expressionistas no Brasil, em panorama, e não em retrospecti
va, no sentido estrito e monográfico da palavra. Assim, o trabalho de Stella
Teixeira de Barros e Ivo Mesquita, nos quais reconheço o desejo de acertar,
trouxe uma contribuição valiosa para uma reflexão ainda por concluir, pois
certamente estes dois pesquisadores terão muitas insatisfações diante deste
projeto que tão bravamente destrincharam após o desaparecimento de Luiz
Carlos Daher.
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A n o tações à m arg e m d a XVIII B ien al —
IV. O desafio d a g ran d e p ro m o ç ã o
[1986]
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XVIII BIENAL — IV. O DESAFIO DA G RA N D E PROMOÇÃO
Que provavelmente tem a chave do filtro mágico que lhe abriu não apenas o
capital da iniciativa privada como desses meios de divulgação. Ou talvez seja
tudo isso o resultado do antigo pensamento de que “dinheiro faz dinheiro”,
e que portanto as coisas se atrelam quando existem as possibilidades de fi
nanciá-las, e, algo muito importante e respeitável, a organização por trás do
em p re en d im en to .
O setor de Arte-Educação pareceu-nos, por outro lado, de suma impor
tância nesta Bienal, e o resultado de seu trabalho neste evento deve ser exal
tado, não apenas em função do número de visitantes registrado, porém pela
iniciação à fruição e fazer artístico, impecavelmente exibido aos visitantes ao
final da Bienal, em montagem agradável e reveladora da sensibilidade dos
visitantes e monitores.
Vivemos um momento bastante auspicioso no Brasil, e particularmen
te em São Paulo, onde a iniciativa privada se abre, com interesse, aos projetos
culturais, dispondo-se a torná-los realizações. Não é a primeira nem a segunda
vez que abordamos este tema que nos parece preocupante pelo desafio que
encerra. Acreditamos que existam hoje mais empresas dispostas a investir no
meio cultural que projetos de fôlego ou de bom nível para receberem esse fi
nanciamento. O que torna muito grave a responsabilidade de intelectuais,
críticos, pesquisadores e dirigentes de entidades culturais diante de uma si
tuação que tende a tornar-se mais séria, caso seja passada a Lei Sarney para
deduções de imposto de renda mediante esse apoio. As autoridades deveriam
atentar, isso sim, seria para um trabalho a longo termo (mas que urge já ser
iniciado) para a formação de animadores culturais, promotores e organi
zadores, ligados à elaboração, coordenação e acompanhamento de projetos.
De nível universitário, dinâmicos, e com ambições que os possam levar in
clusive à arena internacional, e, para tanto, com conhecimento de idiomas e
gradativo entrosamento na área cultural de outros países. Caso não se realize
essa conscientização, correremos o risco, já perceptível em escala inicial, de
vermos um sem-número de publicações e eventos magnificamente financia
dos e absolutamente vazios como contribuição para nosso autoconhecimento
do meio cultural, e nossa necessária divulgação no exterior.
Ou seja, o perigo existente seria o da promoção mais preparada que os
meios da cultura, e, portanto, passível de manipulação indevida diante das
possibilidades de realização empresarial. O u o meio intelectual se torna mais
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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6.
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IN DAGAÇÕES EM T O R N O DA X IX BIENAL
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IN DA G AÇÕ ES EM T O R N O DA X IX BIENAL
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IN DAGAÇÕES EM TO R N O DA X IX BIENAL
A PINTURA NA BIENAL
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IN DA G AÇÕ ES EM TO R N O DA X IX BIENAL
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A PROPÓSITO DAS BIENAIS
1940, como uma reação ao muralismo, com suas telas de pequenas dimen
sões, óleo sobre madeira, em pintura filigranada de detalhes, também nesses
aspectos a nos lembrar os flamengos do século XV, como explicar que a Bienal
não tenha tido o cuidado de preparar-lhe um espaço arquitetônico diferencia
do? E a mesma pergunta que nos fazemos diante do envio de quatro pinturas
de Siqueiros, ou de Amélia Peláez e de Mareei Duchamp, todos a demandar
uma introdução didática para o visitante desavisado: quem são estes artistas?,
por que estas obras?, qual seu interesse no contexto da arte contemporânea?,
como não ter cogitado de um tratamento diverso do espaço, a distingui-los
dos demais artistas, em meio aos quais nos deparamos com suas obras?
Desde as primeiras Bienais, “sala especial” é sala especial, no catálogo
inclusive, por que então tentar desfazer o sentido da homenagem ou exposi
ção didática? No corredor de Amélia Peláez parece-nos mais grave essa au
sência de diferenciação, posto que foram enviados 55 trabalhos, de 1928 a
1967, inclusive com quatro belas peças, “fora do tempo”, datadas de 1933,
seu período cubista — colagem e lápis — , de finura que ombreia, como
modernidade, com os melhores D i Cavalcanti em desenho dos anos 20, os
mais refinados Xul Solar ou Pettoruti desse período, com o melhor e rarís-
simo Gomide dessa década (coleção Gilberto Chateaubriand), ou com os tra
balhos cubistas de Rivera, a nos mostrar o elevado nível de métier e com
preensão do fenômeno cubista por artistas da América Latina, embora essas
técnicas, para os artistas da Escola de Paris, tivessem ocorrido na segunda
década do século. Mesmo que suas obras posteriores não possuam um inte
resse maior, no caso de Peláez trata-se, a nosso ver, de tentar valorizar, mu-
seograficamente, a representação enviada.
Descabida é a presença, sem explicações, das quatro pinturas de Siquei
ros, e o dizemos em função do alto custo do seguro para sua vinda enigmática.
Domela, igualmente, é mais um dos artistas antológicos, aqui representados
por produção tardia (anos 50 e 60), e que, no despreparo da apresentação,
pode chocar a uns raríssimos que conhecem sua trajetória coerente de ex-par-
ticipante do grupo De Stijl, permanecendo totalmente despercebido como
personalidade à maioria dos visitantes.
O mesmo, é claro, se poderia dizer de Mareei Duchamp, abridor de ca
minhos e mito da arte em nosso século XX; tão pobremente representado na
Bienal que é como se tivesse o organizador desse espaço se disposto a desfa
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IN DAG AÇÕES EM TO R N O DA X IX BIENAL
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vés dessa instalação, a mensagem deste artista precocemente apoiado (aos trin
ta anos, já representava o Brasil em Veneza).
Como Ana Tavares, também Geórgia Creimer criou desnecessariamente
uma “instalação” para suas pinturas de clima metafísico, de inusual universo
intimista.
O visitante, no entanto, respira um momento de emoção pelo sabor de
autenticidade concentrado nas salas de Anna Mariani, que, pelo que já per
cebi nesta Bienal — e mais uma vez em nossa vida profissional — , se toca
aos brasileiros, independentemente de sua formação, não chega a sensibili
zar muitos dos estrangeiros que nos visitaram, a confirmar mais uma vez a
relatividade da comunicação em decorrência da diferença de repertório cul
tural. Isso não impede que consideremos esse espaço como o mais belo da re
presentação brasileira.
Quanto às duas exposições “Em busca da essência”, abordando os re-
ducionistas brasileiros, e “Imaginários singulares”, sobre as quais caberia ou
tro texto, diria que emerge insegurança na formulação dessas mostras, não
diferenciadas como espaço, para poder “passar” a concepção de seus cura
dores. N a primeira, os critérios de seleção não estão corretamente definidos,
o espaço é exíguo, atravancando, com um excesso de peças, a possibilidade
de observação das obras presentes, sendo, boa parte, versões brasileiras de ten
dências internacionais. Já a segunda mostra parece antes uma apresentação
de substanciosas individuais, justapostas, como no caso de Maria Martins, não
ficando claras as analogias de linguagens entre os artistas selecionados. Mas,
da forma como o conjunto está montado, nem isso é necessário, pois bem
poucos se apercebem de que as diversas individuais constituem uma única
exposição.
Por todas as reservas que apontamos nesta tentativa de observação crí
tica desta Bienal, no que tange ao espaço, conclui-se que a realização deste
evento tem uma de suas maiores dificuldades no projeto de sua fisicalidade.
Será realmente sem solução o espaço do edifício da Bienal? E, se na Bienal
de 1985 fizemos críticas aos espaços criados, percebemos, entretanto, concep
ções vinculadas ao projeto da curadoria. Ao passo que, nesta edição, a Bienal
parece ter agredido o edifício em sua espacialidade mesma, cindindo-o ao
meio, com o fechamento de áreas de fluxo de visitação, e concentrando ape
nas em torno às rampas a única área de amplidão maior para uma visão pano
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7.
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
projeto do evento reflete, desta forma, “seu” ponto de vista pessoal, a maneira
como esse curador pinça um fragmento ou um enfoque da produção artísti
ca a fim de corporificá-la, através de um grande show, hoje autogerador de
renda, lucrativo mesmo. E que se insere, como um entretenimento, entre as
múltiplas fontes para a distração do cidadão urbano de nossa aldeia global.
Esse “ponto de vista” do curador não significa, de forma alguma, que
seja essa a forma mais acertada de ver determinada tendência ou determina
do artista, porém simplesmente reflete um enfoque individual, passível de
posterior revisão ou confronto.
Se isso pode ser visto em Paris, no Museu D ’Orsay, quando se percebe
reescrita a história da arte do século X IX através da atuação conjunta de uma
curadoria e um arquiteto (uma história de continuidade, sem rupturas, ao con
trário do que até aqui se irradiara como informação), pode ser visto em re
trospectivas (como as realizadas de Le Corbusier, no decorrer de 1987, em
vários locais da Europa e do Brasil, por exemplo), ou pode ser apreciado em
grandes eventos como a Documenta de Kassel ou a Bienal de São Paulo.
A primeira, estritamente primeiro-mundista, focalizando aspectos da
responsabilidade social do artista, decalcada no respeito pelo pensamento de
Joseph Beuys, absolutamente indiferente à produção do artista fora dos cen
tros hegemônicos (Europa, Estados Unidos, Japão).
O artista, assim, parece ter se deslocado para um segundo plano, sendo
a vedete o curador. Curador: personagem aparentemente todo-poderoso, a
deslocar-se com facilidade similar aos grandes executivos de multinacionais,
de Nova York para Los Angeles, de Paris para Veneza, de Milão para Madri
ou Barcelona.
Talvez seja apenas um sinal dos tempos, mas esta constatação do curador
como manipulador da obra de arte (ou da produção do artista) é típica de
nossos dias, diante do “quase” desaparecimento do artista como abridor de
novos caminhos. Quem sabe neste fim de século não haja mais caminhos a
serem abertos, quem sabe esta seja mais uma faceta da crise de criação de
nosso tempo?
Não existe arte latino-americana, nem artistas latino-americanos. Exis
tem artistas nascidos no Peru, Argentina, Brasil, Panamá, Porto Rico, Cuba,
México, Guatemala, Costa Rica, Nicarágua, Equador, Colômbia, Venezuela,
Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai, El Salvador, República Dominicana. Es
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O CU RAD OR CO M O ESTRELA
ses países têm em comum uma história de colonização ibérica, uma tradição
religiosa e uma dependência econômica comum, desde o século XIX, primei
ro da Inglaterra, depois dos Estados Unidos, com a exceção de Cuba, eco
nomicamente dependente da União Soviética. N a verdade, os artistas de to
dos esses países, quando vivem no exterior da América Latina, como na Eu
ropa e nos Estados Unidos, se unem ou estabelecem vínculos fraternos de
amizade por uma similaridade de comportamento cultural.
Mas suas realidades são diversas, como o podem constatar os que já via
jaram pela América do Sul. Embora, é claro, haja afinidades maiores entre
os países da América Central, entre aqueles da área do Caribe, da região dos
Andes, do Cone Sul (Chile, Argentina e Uruguai), e mesmo entre estes e os
brasileiros do Sul, até São Paulo. O mesmo fenômeno se dá dentro do Bra
sil, país que é um mosaico de culturas, entre o Sul europeizado, o Norte ama
zônico, o Nordeste regionalista, em contraposição à densa presença africana
na Bahia, e com duas cidades onde se dá a confluência de todo o Brasil: Rio
de Janeiro e Brasília, ambas capitais federais do Brasil, uma do século XVIII
até 1960 e outra há 28 anos.
Esta introdução é para mencionar que as tendências dos artistas da
América do Sul são muito diversas. Como os norte-americanos até fins dos
anos 40, nossa inspiração foram os movimentos oriundos da Escola de Pa
ris. Um dado, entretanto, diferencia os artistas destes países daqueles dos Es
tados Unidos, apesar de pertencermos todos ao continente americano. E que
a prosperidade econômica norte-americana, afirmada com sua hegemonia
política após a Segunda Grande Guerra, infundiu um estímulo que, sem dú
vida, foi fundamental para alcançar uma identidade como meio artístico cria
tivo (tanto no cinema como nas artes visuais propriamente ditas: escultura,
pintura, cenografia e arquitetura).
Como nos lembra Baudrillard, na dificuldade de assinalar “obras de
arte” quando não há mais possibilidades de parâmetros para reconhecer o
talento, tampouco julgamentos de valor, tal a abertura para todas as experi
mentações, observa-se, simultaneamente, um movimento convulsivo e uma
inércia na arte contemporânea, assistindo-se à ruptura com a estética quan
do ocorre a estetização geral das coisas. Assim, vivemos num tempo em que
há, como diz ele, uma proliferação de eventos, mas somos iconoclastas não
porque destruamos imagens, mas por fabricarmos uma profusão de imagens
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
em que não há nada a ver. Ausência de formas, ausência de estética, sem ne
cessidade que nos coloquemos a pergunta se há ou não o Belo como em ou
tras épocas, embora se continue a assistir a um conjunto de ritos habituais, e
neste processo estamos condenados a uma espécie de indiferença... Num tipo
de crise, ou de situação que, na verdade, abrange o comportamento, a polí
tica, o sexo, a publicidade, além da arte.
É neste contexto de crise contemporânea que localizamos as manifesta
ções da arte de nosso tempo e os eventos relativos à criatividade nas artes vi
suais. Artes tão violentamente sujeitas aos modismos, e nas quais é tão difícil
encontrar singularidades, que, quando o localizamos, este artista é imediata
mente alçado a alturas inauditas e imediatamente faz seguidores, seja através
de seu êxito no mercado, seja através da crítica que, vinculada a publicações,
divulga para os grandes centros internacionais de arte uma espécie de cam
panha de banalização de uma individualidade.
Se o ritmo mudou na produção do objeto artístico, atingindo hoje a
velocidade da vida de nosso tempo, parece, por essa mesma razão, haver cada
vez menos espaço para o recolhimento, e a personalidade isolada, aquele que
interioriza sua problemática plástica fazendo-a, em seguida, emergir através
de sua obra, torna-se cada dia mais rara. D aí porque nos parece muito difícil
— por acreditar pouco na apregoada comunicação universal da obra de arte
— a “leitura” da produção artística de outro meio, quando não possuímos
afinidades com ele e temos, portanto, repertórios distintos. Sem repertório
comum fica difícil a decodificação.
Em conseqüência, os meios artísticos da América do Sul, por exemplo,
observam com muita reserva as exposições realizadas sobre “arte latino-ame-
ricana”, já levadas a efeito ou em preparo, exatamente porque essa produção
não constitui um conjunto. E, sim, um mosaico de realidades que nem sem
pre é pertinente, se apresentado como um todo. N o entanto, neste momen
to, por exemplo, assistimos ao preparo ou à realização de várias exposições
focalizando a “arte latino-americana”. O que não deixa de ser válido, se ima
ginarmos o mesmo aplicado à “arte do Sudeste asiático”, “arte norte-ameri-
cana”, aqui incluindo Estados Unidos, México e Canadá, “arte européia”,
“arte africana contemporânea”, abrangendo numa só exposição comporta
mentos culturais os mais diversificados e por vezes antagônicos, apesar de uma
proximidade geográfica relativa.
54
O CU RAD OR CO M O ESTRELA
55
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
localização européia. A Bienal de São Paulo adquire assim uma riqueza pe
culiar que pode ou não interessar ao crítico e ao artista mais sofisticados —
do Brasil e do exterior — , mas oferece um panorama da arte de hoje em dia
(com toda a carga de cansaço inerente a essas manifestações). E isso só é pos
sível por ser a Bienal em São Paulo, no Brasil, país da América Latina, Ter
ceiro Mundo, importadores de informação desde o nosso surgimento, impor
tadores de bibliografias e filosofias até o momento em que economicamente
se adquire maturidade suficiente para nossa afirmação como identidade. Até
lá, nos interessaremos vivamente por tudo o que ocorre à nossa volta, e nesse
vício reside igualmente uma qualidade de nosso meio artístico e intelectual.
Que nossos colegas dos grandes centros hegemônicos não possuem, pois co
nhecem a si próprios e a seus competidores mais fortes e ignoram tudo o mais.
56
8.
Vinte Bienais de São Paulo
[1989]
1 Paulo Mendes de Almeida, De Anita ao museu, 2a ed., São Paulo, Perspectiva, 1976.
2 Idem.
57
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
58
V IN T E BIENAIS D E SÃO PAULO
59
9 .
60
A X X BIENAL: A N O TA ÇÕ ES D E UM O BSERVADO R
61
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
tões de uma curadoria e seu Conselho ou que viabilizem a vinda, para o Brasil,
de envios significativos.
Esse foi, sem dúvida, o caso de países que enviaram conjuntos cuidados,
em sua organização e conceituação. É o caso da Bélgica, de Cuba (incluin
do-se sua representação em desenho), da Grã-Bretanha, da Alemanha, tanto
Ocidental como Oriental, de Portugal, da França, dos Estados Unidos, de
Israel e do Japão. Todavia, a forma como foram dispostos estes envios, a su
bestimar artistas em decorrência de espaços inadequados, é ainda para a Bienal
de São Paulo um desafio que não conseguimos vencer e difícil de aceitar
quando nesta autocrítica se contemplam já quarenta anos de eventos de ní
vel internacional.
O crucial está na dificuldade de podermos nos impor para não receber
retornos por vezes inexpressivos, posto que vêm sem sustentação didática,
como já foi o caso de Delvaux, Domela e, quiçá, de Alechinsky, ou mesmo
de Alain Jacquet, a despeito da alta voltagem tecnológica de seu trabalho,
artistas que pela segunda vez participam de nossa Bienal. É muito difícil, e é
esta uma área de elevada sensibilidade, porquanto, para cada artista, sua “úl
tima” produção é sempre a melhor, e dificilmente ele aceita uma visão pers
pectiva de sua obra em vida. O mesmo poderia ser dito em relação a Alfredo
Hlito, da Argentina, do movimento concreto nos anos 40, em Buenos Aires,
e do qual nos interessaria ver sua trajetória retrospectiva e não apenas a pro
dução dos anos 80.
Sente-se o acaso na conjuminância dos diversos envios, nenhuma dire
triz, a não ser na real necessidade de ter grandes nomes a iluminar o evento,
como neste caso Joseph Beuys, Frank Stella e Yves Klein, que nos oferecem
rica e emotiva oportunidade de convívio com suas breves, porém luminosas,
presenças. Maltratado pela exigüidade do espaço, o pós -pop Frank Stella, que
deveria ter sido colocado na inexpressiva entrada desta Bienal, é uma vi-
sualidade que se impõe, juntamente com a elegância de Martin Puryear. É
majestática a sala do artista americano, intrigante por suas peças em madeira
escura, algumas a nos remeter a uma ancestralidade ritualística deliberada.
Um artista subestimado é o israelense Micha Ullman, encerrado em espaço
exíguo, e que em reprodução do catálogo dá bem mostras da imponência de
suas peças irradiantes de cor/textura.
Mas haverá um tom, nesta Bienal? Algo que permaneça em nossa me
62
A X X BIENAL: AN O TA ÇÕ ES D E U M O BSERVADO R
mória como uma tendência da arte de nossos dias, palpitante por seu frescor
de hoje? Pensando nisso é que consideramos improcedente Sheila Leirner
dizer em entrevista recente que não se deve confundir grandes retrospectivas
com Bienais. N a verdade, retrospectivas sempre estiveram na história das
Bienais de São Paulo e ninguém pode negar sua importância do ponto de
vista informativo. O que é preciso, isso sim, é fazer com que a contem-
poraneidade, a criatividade do momento em que vivemos, aflore com força
impositiva nestes eventos. Quando essa criatividade do momento está impreg
nada de força impositiva, claro. A “visão museológica” funciona se, através
dela, se puder dialogar com um comissário estrangeiro a ponto de convencê-
lo de que a vinda de um Pomodoro seria dispensável após sua presença entre
nós nos anos 60, e na medida em que se puder evitar que um escultor “ci-
tacionista” como o italiano Roberto Gnozzi seja exibido em um mesmo es
paço com Mario Ceroli, sem preservar a cada um o entorno mínimo neces
sário para a apreensão de seu universo.
Nem tudo pode ser explicável na montagem de uma Bienal, embora a
sala Brecheret nos pareça como concepção um estande do tipo feira indus
trial, verdadeiro enclave dentro do contexto da exposição. Igualmente infe
liz foi a realização do espaço Brennand, apenas duas peças no espaço exterior
lateral do edifício da Bienal, incrementadas por espelho d’água, jatos d’água
e encanamentos visíveis, a interferir na percepção das esculturas propriamente
ditas. Brennand, como obra, foi mais bem captado na exposição que a Gale
ria Montessanti organizou sobre o artista pernambucano, paralelamente à
Bienal, tentando em escala menor recriar o ambiente peculiar e sarcofágico
de seu ateliê-fábrica dos arredores do Recife.
O problema do espaço físico, “espaço exigente” da Bienal, conforme nos
lembra Catherine Millet, foi vencido pela curadoria de Martin Puryear; e pe
la comissária da França, que soube, à maneira da última Documenta, dispor
em gabinetes de pequeno porte, ou maiores, de acordo com as demandas de
cada obra, o envio de seu país.
N ão diríamos o mesmo, contudo, da disposição da obra de Joseph
Beuys, que estaria mais bem instalada em espaço similar ao de Kassel, ou
aquele oferecido a Kiefer na última Bienal, com um pé-direito mais limita
do também, a fim de obter intensidade maior para a observação do conjun
to de peças que compõe a sua participação.
63
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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A X X BIENAL: A N O TA ÇÕ ES D E UM O BSERVADO R
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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A PR O PÓ SITO DAS BIENAIS
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A XX BIENAL: AN O TA ÇÕ ES D E UM OBSERVADOR
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A PR O PÓ SITO J3A S BIENAIS
nalar a inteligência notável deste artista e sua rara postura de conjunção réussie
do rural com o urbano, do telúrico com o intelectual, sem concessões ou
pedantismos.
O salto dado pelo trabalho de Marcos Coelho Benjamim nos brinda um
artista na plenitude de seu fazer artístico, e emerge como uma surpresa nesta
Bienal: se é certo que não abandonou a madeira, sua escala agigantou-se, so-
brepõe-lhe as finas folhas de lata cortadas como se fossem de papel e com
põe seus “raladores” enormes com formas de grande beleza (de novo a assus
tar-nos, quem sabe, o problema da beleza perseguida), perfurando com ges-
tualidade automática as folhas metálicas, conforme se vê nas lâmpadas de
Ouro Preto, artesanato local, que, por sua vez, é tributário de artesanato do
norte de Portugal, imigrado para Minas na época do ouro. Resgate assim só
é perceptível aos da terra, porém de resultado plástico-visual de extrema feli
cidade. O misticismo, como a poesia (presente também no trabalho de seu
companheiro de geração Fernando Lucchesi, mineiro como ele), se faz pre
sente nestes objetos meio mágicos a nos lembrar, como escreveu Affonso
Renault, que “existem por existir somente e a falta de compromisso maior”.
Aí talvez seu fascínio: estes objetos nasceram da necessidade, o “fazer” da fer
ramenta sugerindo o rumo do trabalho.
Ao mencionar o dado do “fascínio” é impossível deixar de citar algumas
presenças do setor de Eventos Especiais de João Cândido Galvão, que não
são objeto deste texto, sobretudo no que respeita à área teatral. Assim, se é
de encantamento puro o cenário do Romero de Andrade, do Teatro Armorial
de Bonecos, do Recife, a cenografia de Siron Franco para M artim Cererê é
de extrema selvageria em seu colorido de artesanato kitsch industrializado.
Um a grande descoberta, contudo, são os desenhos de Bob Wilson para os
cenários e iluminação de seus espetáculos. Se em 1971, quando esteve em São
Paulo, suas apresentações foram os mais significativos eventos do ano para
as artes visuais, vemos aqui desvendada sua secreta intimidade com a comu
nicação visual e as artes plásticas, tal um Kurosawa a desenhar cada fotogra-
ma antes de realizar as tomadas de um filme.
70
■
10.
71
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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A EXPANSÃO DA BIENAL D E VENEZA
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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A EXPANSÃO DA BIENAL D E VENEZA
1 “De outra maneira não se toma ‘Fluxus’, nem ao menos ‘Bonitus’, mas permanece anô
nimo. Neste caso, veneziano”. Tradução da Autora.
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A PR O PÓ SITO DAS BIENAIS
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A EXPANSÃO DA BIENAL D E V ENEZA
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A PROPÓSITO DAS BIENAIS
Navez, ao mesmo tempo que deve ser mencionada a presença de Kari Cavén,
da Finlândia, no harmonioso pavilhão nórdico (Finlândia, Suécia, Noruega),
assim como a intrigante representação venezuelana de Julio Pacheco Rivas:
pintura, porém com temática de arquitetura utópica, com painéis de ex
pressão mais gráfica que pictórica. Já a seleção e montagem da América Lati
na é um desastre como um todo. A União Soviética, sob a brisa da Peres-
troika, intitulou sua representação Rauschenberg a noil noi a Rauschenberg, em
homenagem ao artista norte-americano que tinha estado em Moscou e que
tem um seu painel no pavilhão soviético, ladeado de dez quadros de Alexan
dre Jakut (Diálogo com Malevitch): nestes, presente a cruz suprematista, a pin
tura gestual expressiva se sobrepondo ironicamente, hieratismo geométrico,
religioso em sua imobilidade, do artista russo da segunda década. Mas, na
obra contemporânea, nada mais que uma atitude juvenil sem conseqüências
estéticas.
O espaço “Ambiente Berlim” rende homenagem aos eventos de novem
bro último com sala especial com obras de Vedova, que se antecipam em
muito ao clima efervescente que a capital berlinense vive hoje, em trabalhos
da década de 60. Por sua vez, no pavilhão italiano, a grande sala de Cario
Maria Mariani pode talvez apresentar um grande êxito de mercado em suas
“imitações do antigo”, em sua pintura que agora busca o atributo, a alego
ria, o símbolo da arte contemporânea, numa busca de beleza formal distante
das expressões correntes deste atribulado mundo de nossos dias.
Ao ensejo da abertura da Bienal de Veneza, a entidade Axts International
de Nova York convocou para a Fundação Giorgio Cini o encontro intitula
do “Expanding Internationalism”. Curadores, críticos e profissionais de mu
seus de 36 países reunimo-nos por dois dias para discutir problemas relati
vos à reconsideração do papel de grandes exposições internacionais no con
texto contemporâneo (Paulo Herkenhofif, do Rio de Janeiro, e Aracy Amaral,
de São Paulo). Dessa forma, cinco mesas foram formadas, cada uma com
cerca de dez participantes, sobre os temas “Multiculturalismo”, “O Outro”,
“Exposições Internacionais: o país hospedeiro”, “Exposições Internacionais
hoje”, e “Novos Fóruns”. Dada a organização por parte dos Estados Unidos,
a idéia que passou foi mesmo a da busca de articulação por parte dos norte-
americanos em relação aos países da Europa Central, Ásia e América Latina.
Talvez uma intuição apenas, mas também senti forte a influência da exposi
A EXPANSÃO DA BIENAL D E VENEZA
79
11.
Expandindo o internacionalismo
[1990]
80
EX PAN D IN D O O IN TERN ACIO N ALISM O
81
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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r EXPAN DIN D O O IN TERN ACION ALISM O
83
12.
Grandiloqüência e marketing
[1996]
85
A PROPÓSITO DAS BIENAIS
Goya numa Bienal com esse tema. Só se o marketing o exigiu. Então seria
outra a discussão.
Nestas salas estivemos distantes das preocupações do artista contempo
râneo, pois nas Bienais e Documentas não há tempo para fixar-se em cada
obra exposta. Oswaldo Spengler escreveu: “Todas as obras — não as obras
singulares, mas a arte em seu conjunto — são mortais. Chegará um dia em
que o último retrato de Rembrandt deixe de existir, pois embora a tela pin
tada permaneça intacta, terá desaparecido o olho capaz de perceber esta for
ma de linguagem”. É como se já estivéssemos vivenciando esse tempo. O que
conta é o conjunto, a seqüência, chave também da programação televisiva de
hoje, na qual a sucessão veloz de notícias neutraliza horrores, violências, ca
tástrofes, ou maravilhas das conquistas do homem. Assim, antes o artista se
preocupava com a seleção de suas obras baseada num critério qualitativo.
Hoje, quando convidado, como um decorador, é forçado a solicitar a planta
do local, pé-direito, metragem quadrada, a fim de não ser tragado pelo espa
ço ou ver seu trabalho minimizado pelo conteúdo da sala seguinte. Essa pos
tura reflete as novas formas de sensibilidade ou a alteração do lugar da arte,
pois, a partir dos anos 60, o artista como personalidade ou atitude pode ser
mais relevante que sua obra (Yoko Ono, Andy Warhol, Gilbert and George
são exemplos).
O próprio artista com freqüência não se importa com o caráter efêmero
de sua obra, que passa a ser descartável como um eletrodoméstico; afinal, é
o mundo em que estamos inseridos e cabe-nos apenas nele resistir. Assim,
passeia-se pelos recintos das grandes exposições internacionais, por onde a
grandiloqüência parece dominar os ambientes. O impacto visual e físico se
sobrepõe à qualidade da obra apresentada. Como “o novo” há tempos dei
xou de chocar, o êxito do trabalho repousa muito na apurada execução in-
dustrial-tecnológica, quando existe essa vinculação, assim como pela audá
cia da violência, capacidade inventiva, materiais insólitos utilizados, ou im
pacto enquanto dimensão. Seja audacioso, faça arte, seja um artista: um tanto
exagerado, mas, por certo, é um pouco por aí. Daí porque a beleza interior
do universo de certos artistas como Gonzalo Díaz (Chile), ou o caráter de
diáfana transparência em Gego (Venezuela), pouco emergem na batalha pe
los quinze minutos de glória numa Bienal. São densos, porém introspectivos,
e isso não basta numa exposição internacional. Também quando nos anos
86
GR A N D ILO Q Ü ÊN CIA E MARKETING
87
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
sejou como uma festa. Talvez a resposta seja a entrada maciça da iniciativa
privada a demandar “retorno”, palavra-chave para investidores. Então, ten
tou-se fazer parecer popular, requestado, visitado, um evento que não pode
ria sê-lo da forma apregoada. Escolares vão à Bienal como se vai à Feira do
Automóvel no Anhembi, sem preparo prévio, por ser inexistente História da
Arte no segundo grau. Sabe-se que o aproveitamento é quase nulo, apesar dos
esforços da Monitoria da Bienal através dos anos, sobretudo neste final de
século XX, quando queremos a continuidade necessária para um aconteci
mento que anima o meio cultural de nosso país.
A II Bienal de São Paulo nunca poderá ser superada. Fonte evidente de
consulta, o curador Aguilar talvez tenha pretendido reeditá-la, em esforço
louvável. Essa tentativa nos trouxe de novo Klee, Munch, Picasso. Porém, em
1953-1954 tivemos também Ensor, Kokoschka, Boccioni, Baila, Carrà, en
tre outros, representando o Futurismo, o Cubismo pela França, Mondrian,
e a grande sala de Calder, pelos Estados Unidos. Impossível realizar uma ex
posição desse porte no Brasil de hoje. Era um tempo sem curadores, de conta
tos pessoais menos complicados, mas de personalismos, como dona Yolanda
Penteado visitando a Europa e expressando as vontades de Ciccillo Matarazzo
com a ajuda dos embaixadores do Brasil em cada país, graças à apresentação
de Getúlio Vargas. Poder-se-ia pensar em esgotamento para a edição seguin
te, mas para a III Bienal viriam Max Beckmann, pela Alemanha, e Léger, pela
França, Kubin, Sutherland, e os três gigantes do muralismo mexicano ao lado
de Tamayo, que os desafiou com seu talento. A sucessão das primeiras Bienais
nos dá uma lição de modéstia frente ao que trouxeram críticos do nível de
Herbert Read, Sandberg, Alfred Barr Jr., Ludwig Grote e Rodolfo Palluc-
chini, menos “estrelas”, porém formadores de críticos e curadores em seus
países. Assim, na IV Bienal teríamos a sala da Bauhaus pela Alemanha, Mo-
randi, Magritte e Pollock. Por que nos falar da “melhor Bienal de todos os
tempos”? A memória está aí, para quem quiser ver os arquivos, e mesmo con
sultando o livro de Leonor Amarante, enquanto não nos chega o estudo de
Ivo Mesquita sobre as Bienais de São Paulo.
13.
Bienais ou da impossibilidade de reter o tempo
[2 0 0 1 ]
89
A PROPÓSITO DAS BIENAIS
90
BIENAIS O U DA IM POSSIBILID AD E D E RETER O TEM PO
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A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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BIENAIS O U DA IM POSSIBILID AD E D E R ETE R O TEM PO
1 “A primeira Bienal — , Jornal do Brasil, 27/10/1951, apud Mário Pedrosa, Dos murais
de Portinari aos espaços de Brasília, São Paulo, Perspectiva, 1981.
93
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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BIENAIS OU DA IM POSSIBILID AD E D E RETER O TEM PO
São Paulo não oferece garantias aos artistas, como elementos de uma categoria
profissional, nem à cultura, como expressão do progresso artístico nacional”.
O que viria acalmar muitos e entusiasmar outros tantos seria a realiza
ção da própria II Bienal, grandiosa, verdadeiro museu moderno vivo, com
obras desde o Cubismo até Henry Moore, De Kooning, Calder, Kokoschka,
Mondrian, trazendo a um país novo e inculto, porém atrevido como o Bra
sil, a famosa Guernica (1937), grito de guerra de Picasso, e, assim, levantan
do polêmicas, não mais sobre a legitimidade da realização das Bienais, porém
já sobre a arte mesma. Ou seja: a Bienal, enquanto iniciativa, evento, tinha
vencido a parada.
N os anos 70, contudo, Matarazzo começou a se apoiar, não mais em
críticos ou personalidades respeitáveis, como Wanda Svevo, que faleceu tragi
camente em acidente aéreo no Peru ao viajar para contato pela Bienal, porém
em pessoas de sua amizade, como Rodrigues Alves, totalmente despreparado
para conceber uma Bienal. Assim é que nos anos 70 chegou-se a organizar
uma Bienal cujo “tema”, digamos assim, foi trazer em salas especiais artistas
que tinham sido os grandes prêmios das Bienais até aquela data. Ou seja, uma
Bienal celebrativa, de retrospecto, e não assinalando as novas tendências emer
gentes na arte contemporânea.
Nas décadas de 50 e 60, as Bienais de São Paulo tinham sido realmente
a vitrine, para os artistas do Brasil e da América Latina que para cá vinham,
do que se passava em arte no mundo. N o entanto, os anos de ferro da dita
dura, anos 70, por essas razões mesmas apontadas, foram, no meu entender,
os “anos baixos” das Bienais de São Paulo; o evento decaiu em qualidade, e
se tornou morno. Surgiu nesse período, como fruto de inquietações de vá
rios lados, em 1978, a Bienal de Arte Latino-Americana, sob a curadoria de
Juan Acha, crítico e teórico peruano radicado no México, que, por sua vez,
despertaria muita polêmica.
Quando convidada a ser curadora da Bienal seguinte, em 1980, por Luís
Villares, enfrentei um dilema frente às dificuldades financeiras da entidade:
a Bienal Latino-Americana tinha sido para valer ou fora apenas um evento
esporádico? Debatia-me diante do meu interesse pela expressão artística do
continente e suas características, pensando em como projetar a produção de
qualidade da América Latina, e transformar — por que não? — o evento
Bienal de São Paulo em um evento latino-americano, com artistas interna
95
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
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BIENAIS O U DA IM POSSIBILID AD E D E R ETER O TEM PO
ções seguintes da Bienal nos anos 90, em franca recuperação enquanto even
to vivo.
Mas a Bienal já mudara também quando, em fins dos anos 60, elimi
nara os prêmios de aquisição, que permaneciam no Brasil, e beneficiavam o
MAM de São Paulo e depois o M AC-USP, seu herdeiro, com obras a que
jamais teríamos acesso por nossos próprios meios. Por que se aboliram os
prêmios? Sob a alegação de que os júris de premiação das Bienais, e a pró
pria entidade, ficavam muito à mercê do mercado de arte, que exercia pres
são para beneficiar seus artistas. N a verdade, a partir de então, nossas cole
ções de arte brasileiras foram privadas de possuir artistas (como os do movi
mento pop norte-americano, e depois os contemporâneos), posto que nossos
meios econômicos nunca poderiam arcar com esses custos.
No entanto, como vimos nas últimas Bienais de São Paulo, nos anos 90,
o marchand Marcantonio Vilaça foi mencionado como tendo influído na
presença de seus artistas — na verdade, os melhores do país — , exercendo,
portanto, um certo tipo de pressão não muito diferenciada daquela rejeitada
nos anos 60, quando se tratava de aquisição de obras.
97
A PRO PÓ SITO DAS BIENAIS
ções, fotografia, videoarte e seus congêneres, e, entre nós, pelo quase desapa
recimento da pintura. Os artistas jovens brasileiros dos anos 80 e 90 passa
ram a ser observados com maior cuidado por sua criatividade, improvisação,
senso de humor, recorrência inusitada a novos materiais e sua manipulação,
competindo com artistas do Primeiro Mundo, mantidas sempre as limitações
de projeção que se impõem aos artistas de países emergentes como o Brasil.
Percebe-se, aos poucos, contudo, que pouca coisa há de novo no meio
das artes. É só olhar o catálogo de “Information” , exposição ocorrida no
MoMA, em Nova York, no verão de 1970 — e de que participaram brasi
leiros como Oiticica, Cildo Meireles, Barrio, Guilherme Magalhães Vaz. A
partir desse catálogo, hoje lembrança viva, percebemos que, do ponto de vista
formal, a arte teve pouco a avançar, se pensarmos em termos de conquistas
formais. Como se tudo já tivesse sido realizado. Cabe aguardar apenas que
uns poucos iluminados tragam contribuições inéditas, o que vemos com rara
freqüência. Ocorrem apropriações, remanejamentos, muita coisa reformu
lada, anteriormente criada, mesmo com desconhecimento desse fato por seus
autores-artistas.
No entanto, por ser um evento esperado, foi lamentável o adiamento
da Bienal de São Paulo, pela primeira vez em sua história, exatamente quan
do completaria cinqüenta anos de existência de edições ininterruptas. Des
respeitoso, politicamente incorreto, independente de ser a Bienal hoje mais
ou menos relevante para o meio artístico.
O nomadismo artístico pressupõe simultaneidade de aparições, o artista
e o curador internacional em trânsito constante por aeroportos, este último
produzindo textos rápidos, que digita em apartamentos de hotel, enviando-
os por e-mail, repetindo a escolha de artistas que reaparecem nas sucessivas
Bienais do mundo, concebendo “idéias” expositivas mais que projetando
obras de arte de autoria singular. Afinal, talentos não surgem a todo momen
to, e os “clássicos” da contemporaneidade são aqueles mesmos que todos nós
conhecemos e estão há anos nas Bienais, passando-nos a impressão de que a
renovação é parca, difícil.
O Brasil é um país rico de artistas. N a América Latina é, sem dúvida, o
país onde ocorre mais renovação. Ainda assim, todos sabemos dos nomes que
continuam sendo convidados — quase os mesmos de sempre — para os even
tos mais badalados do mundo, por uma razão muito simples: são conheci
98
BIENAIS O U DA IM POSSIBILIDADE D E RETER O TEM PO
dos. H á sempre implícito, nos curadores, o que pode ser natural, uma certa
insegurança, ou o temor pelo desconhecido. Assim, é melhor apostar naque
les que já foram ratificados internacionalmente.
N a verdade, longe de possuir um caráter inovador enquanto pólo infor
mativo, como há quarenta ou cinqüenta anos passados, todas as Bienais e
Documentas existentes se tornaram, pela característica global da época, ver
dadeiros salões. Ou exposições coletivas internacionais. Se a informação rola
com quase simultaneidade em todos os campos da vida de nosso tempo, sua
presença exerce pressão e compromete também a reflexão sobre arte, que dei
xa de existir, pela própria necessidade da informação mais recente.
Os curadores se associam, repartem suas atividades e viagens culturais,
fazem contatos e estabelecem articulações para eventuais ações futuras, ou
presença, em encontros de teóricos. Os artistas, por outro lado, no mundo
de hoje, permanecem à parte, desvinculados dos eventos, a não ser como ma
téria-prima bruta, focalizados ou contatados através de suas obras existentes
em museus, coleções particulares ou mesmo em seus próprios ateliês, mas
apenas como fornecedores da matéria-prima. Desfaz-se, dessa forma, a liga
ção entre o crítico e o artista, como existira em outras décadas para a refle
xão ou troca de idéias. Já as entidades, mesmo se acéfalas culturalmente falan
do, mas desde que possuam ligações com patrocinadores de eventos, são as
que exercem a parcela mais dinâmica do processo de montagem de um evento
do mundo das artes visuais. A estes produtores de eventos, em geral finan
cistas, cabe o levantamento de fundos, e, embora nao sejam intelectuais,
também a escolha de curadores para seus desígnios, para a concepção e a se
leção de obras para seus eventos.
A Bienal, hoje, é apenas um evento a mais, e não “o evento”, tal como
ocorreu há cinqüenta anos. Porque devemos reconhecer que o Brasil está, de
algum modo, inserido em certo circuito de exposições internacionais, o que
não deixa de ser um avanço, ainda que nem todas essas mostras sejam excep
cionais. Mas podemos ver “em casa”, pelo menos em duas capitais do Brasil,
como São Paulo e Rio de Janeiro, eventos impensáveis cinqüenta anos atrás,
fora do âmbito exclusivo da Bienal. Prova inegável dessa afirmação é a sofis
ticada exposição “Parade”, agora no Parque Ibirapuera, antológica mostra
sobre a criatividade no século X X nas artes visuais, a partir do acervo do Cen
tro Georges Pompidou (claro que sob a ótica francesa, a desejar provar ine
99
A PROPÓSITO DAS BIENAIS
100
Parte 2
Artistas contemporâneos no Brasil
14.
103
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ra. T oda essa mitificação é sintetizada numa coisa sem ser isso de quadro ou
escultura, é um pedaço da coisa. Ao passo que ir a um lugar para fazer uma
coisa (houve um tempo que eu fazia isso, uma etapa dos Bólides, eu chama
va de apropriações). D aí porque earth works para mim fica uma coisa muito
ligada a uma visao americana de super-realismo. Ao passo que a minha coi
sa vem já de uma outra coisa, talvez de origem européia. Talvez, não: certa
mente. Européia, que é mais sintética. E citaria essa evolução, que vem dos
construtivistas.
ARACY AMARAL — O Antonio D ias de hoje? Porque naquele tempo ele tra
balhava com relevos.
HÉLIO OITICICA — Eu acho que no começo aqueles relevos lembram,
têm uma certa relação, apesar de ele usar formas diferentes, e ter-se manifes
tado de uma forma diferente...
ARACY AMARAL — Porque ele tinha uma influência muito grande dos
comics, comic strips...
HÉLIO OITICICA — E, eu sei, mas a maneira de apresentar aquela coisa
recortada, tinha um certo tipo de monumentalidade que eu sempre achava
que me lembrava aquela fase preta da Lygia, que eu acho a coisa mais impor
tante, das mais importantes. H á uma grande diferença, por exemplo, entre
aquelas coisas da Lygia que tem aqui, aquele quadro preto que, aliás, é uma
maravilha, este dos quadrados... Eu tenho um, aliás, lá em casa, que é um
quadrado só com a linha, com a coisa branca em volta que não é pintada,
aquela linha branca é uma outra placa por baixo, ela não é pintada na super
fície, eu acho tudo isso muito diferente da pintura americana que ainda é
pintada, é uma tela pintada com as linhas [...], porque aquela coisa, se fosse
104
H ÉLIO O ITICICA : TEN TATIVA D E DIÁLOGO
assim uma coisa preta, tela preta com a linha pintada em cima não é a mes
ma coisa que...
105
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ARACY AMARAL — Então épara isso que eu volto, para aquele dado de par
ticipação que fo i a grande contribuição da década de 60.
HÉLIO OITICICA — Isso eu acho que é muito difícil de entender aqui,
porque tudo em Nova York, mesmo o espaço urbano, é show, é “show-e.spa-
ço urbano”, nunca há essa coisa de participação.
ARACY AMARAL — M as você não acha que isso pressupõe também uma aber
tura do ponto de vista do diálogo com o espectador ou com aquele que está assis
tindo, vendo ou participando?
HÉLIO OITICICA — Ok, ok...
106
HÉLIO O ITICICA : TENTATIVA D E D IÁLOGO
ARACY AMARAL — D aí que eu queria saber como você definiria essa parti
cipação que ocorreu na década de 60.
HÉLIO OITICICA — Eu acho que, desse ponto de vista, pode-se dizer que
essa coisa é muito latino-americana.
ARACY AMARAL — As coisas que ele vem fazendo no fim da década de 60.
HÉLIO OITICICA — O abordamento... aquele negócio de ônibus, e de
caixa, era uma coisa, eu acho, bem distante. Tudo que também diziam que
estava próximo de mim estava mais distante. Eu não sei explicar por quê.
107
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ARACY AMARAL — M as você considera que hoje esse trabalho, digo, todo esse
processo, que eu acho que é muito mais um processo de desmitificação, j á termi
nou? Vocêj á considera isso uma coisa encerrada?
HÉLIO OITICICA — Não... eu acho que agora está numa fase, talvez, sei
lá de quê... eu não sei o que é, eu acho que esse ano houve uma mudança.
Quando eu comecei essa..., quando eu fiz essa coisa, comecei isso em janei
ro... [mostra um projeto]
108
HÉLIO OITICICA : TEN TA TIVA D E DIÁLOGO
2 Designer gráfico que fez projetos para Marshall McLuhan e Buckminster Fuller.
109
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ARACY AMARAL — Não. Acho que tem um outro sentido também, ainda...
HÉLIO OITICICA — Um outro sentido, totalmente diferente e muito mais
maduro, mais de coisa... Mais sintético. [...] na realidade é ninho também,
tem uma relação com o ninho, incrível essa coisa. Você sabe que tem pessoas
que não sabem nada, que chegam assim e dizem assim: “Ah, isso aqui é ge
nial! Eu queria morar aqui dentro”. Aí eu disse assim: “Vai ver que isso aí é
tão ninho quanto é penetrável” . Quer dizer que na realidade essas divisões
todas de penetrável, não sei o quê, tão ficando todas uma coisa só. Agora, a
coisa para a Judite, eu disse assim um negócio que ela quase caiu dura. Ela
disse assim: “Ah, você afinal chamaria de quê? De arte environmentalV'. Aí
eu digo: “Não, para mim é música”. Aliás, eu disse isso para o Haroldo de
Campos assim, e eu disse também para alguém que chegou no Brasil e disse
que eu tava, “Ah, agora ele disse que estava fazendo música” . Mas eu não tô.
Eu disse assim: “N a realidade a coisa que eu sei que é música porque a músi
ca não é mais como uma das artes, você entende? Não existe, eu também acho
que essa divisão de arte de músico, não sei quê, não sei quê, isso não existe
mais. Agora, eu, isso é música. Eu sei que a única coisa em que eu vejo rela
ção com isso é a música. Eu não vejo outra... sei lá por que... por isso é que
não precisava, por isso é que pensei quando a Ondina [filha de Quentin
Fiore] falou “Ah, tem alguma música...”, eu disse assim: “Sim, que coisa es
quisita, parece assim como botar, você bota assim sal com açúcar, qualquer
coisa”, me deu aquela sensação, como se você estivesse comendo sal e açúcar
ao mesmo tempo... eu digo: “já é música”, não precisa acrescentar música.
Engraçado isso, eu não sei por que, mas é assim. Não que seja musical, essa
relação transcendental da música com as coisas, como Kandinsky, nem nada
disso. E outra coisa.
ARACY AMARAL — Não, porque inclusive aqui não sei, acho que você põe
um problema assim, do tempo, do silêncio, tudo isso, que [...] no sentido em que
nos outros você ainda recorria a um problema de performance, do problema,
digamos, a cor jogava um papel muito importante na criação de ambientes e
110
H ÉLIO O ITICICA : TEN TATIVA D E DIALOGO
aqui eu acho que você j á está numa redução mais radical, entende, problemas
das sombras, da luz...
HÉLIO OITICICA — E, exato, e o espaço que penso é o tamanho disso em
relação à pessoa quando você entra dentro e eu [...] as coisas, você vai ser as
sim como se você entrasse na barriga...
ARACY AMARAL — Era um envolvimento da cor. Bom, mas aquela era uma
preocupação sua naquele tempo, no fim da década de 60.
HÉLIO OITICICA — Mesmo em Tropicália (1966), daquela coisa do es
curo, de entrar por dentro de fios, sabe, essa coisa toda com o corpo era sem
pre uma coisa para o corpo dar a medida dele mesmo. Ao passo que aí não,
não tem mais a medida, é uma outra coisa nem sei do quê...
111
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ARACY AMARAL — Então eu vou pedir lá na Bienal, vou pedir pro Luís
Villares^ para eu ver isso. Só quero ver.
HÉLIO OITICICA — O que fizeram não sei. Aí eu botei assim: “Proibi
do...” . Aliás, de cinco em cinco minutos eu dizia no teipe: “Esse teipe não é
para ser exibido. E proibida a exibição do teipe”. Vai ver que [...] passado lá!
112
H ÉLIO O ITICICA : TENTA TIVA D E D IÁ LO G O
Eu tou fazendo papel de palhaço. Eu mato! Eu juro por Deus que eu esga-
no. Luís Rodrigues, como é, Rodrigues Alves Filho...
ARACY AMARAL — M as ele vai me escrever e vou perguntar para ele. Você
sabe o que eu gostaria que você me dissesse? Alguma coisa sobre essa participação
que começa através, digamos assim, dos objetos que vocêsfabricam , que são ma
nipuláveis, que são entráveis, que são altamente sensoriais e, aos poucos, a parti
cipação política que começa a se impor na década de 60 por outras razões, mas
dentro da qual vocês também começam a atuar, digamos assim, e que vai culmi
nar naqueles trabalhos do aterro do Flamengo, lembra? Que houve em 68...
HÉLIO OITICICA — Mas politicamente falando era muito na linha...
^ Galeria onde Hélio Oiticica fez a sua única exposição individual — no caso, uma “Mani
festação ambiental” — na cidade do Rio de Janeiro, nos anos 60.
113
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
linda, aliás. Eram coisas muito mais dirigidas ao público heterogêneo do que
à classe artística. Em Londres, a mesma coisa.
ARACY AMARAL — E quanto tempo levou isso? Quantos dias? Foi um dia só?
HÉLIO OITICICA — Não! Muitos! Talvez um mês. Ou um mês e meio.
114
H ÉLIO O ITICICA: TENTATIVA D E DIALOGO
ARACY AMARAL — Você não acha quefo i precursor com os Parangolés? Você
levava os panos para que as pessoas fizessem uso, não é verdade? Você punha à
disposição o material?
HÉLIO OITICICA — E, eu tenho uma experiência que é assim: que eu fiz
no Rio, em Londres e em Pamplona. Você viu as fotos de Pamplona?
ARACY AMARAL — Você me contou que tinha uma escola de arte perto. O
pessoal saía da escola de arte e ia descansar na sua exposição. Era outro tipo de
approach?
HÉLIO OITICICA — Ah, é. Exatamente. Eu até me esqueci disso. Você
se lembra mais do que eu. Agora, em Pamplona, você vai ver o que foi, eu
tenho uns prints. Eu vou te mostrar os quadros. Ficou uma coisa assim tão
espanhola. Tem uma que o cara, olha só, parece coisa da Idade Média, o cara
115
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
se cobriu todo de preto, então aparece a forma dele dentro de uma coisa preta,
como se fosse o corpo enterrado. Tinha uma coisa assim de cerimonial de
Idade Média, de coisa de morte também. E outros pareceram assim muito
Goya. A maneira de vestir... Ah, e tinha a coisa árabe. Tem uns assim que
faziam aparecer todos os estereótipos bem árabes. Coisas cobrindo a cabeça
em uma forma de cegonha. U m a coisa na cabeça com a forma de cabeça de
cegonha. Eu vou te mostrar as fotos.
116
H ÉLIO O ITICICA : TEN TATIVA D E D IÁ LO G O
grossura... Olha a coisa árabe. Moura. Que é que você me diz? E olha a inven
ção, não é uma beleza? Olha aqui a coisa da cegonha, essa forma de cegonha!
ARACY AMARAL — M as issojá nãofo i você que deu, esse daqui? Elesfizeram?
HÉLIO OITICICA -— Não! São os três metros de pano para cada um. Quê
que você me diz? E olha essa coisa da cabeça. Isso parece até aquela inven
ção de [Jimi] Hendrix, que o Hendrix inventou, aquela band, aquela head
band. Isso é tão espanhol! Não engana onde é; ela toma, ela sintetiza o lu
gar. É por isso que Parangolé é o znú-folklore. Anti -folklore não, aliás, ela tor
na possível que o folklore nunca seja o folklore. Folklore é uma coisa ainda
ligada à terra [inaudível].
117
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ARACY AMARAL — Você é a pessoa mais ligada a ela nesse sentido, eu con
sidero.
HÉLIO OITICICA — É, coisa da baba antropofágica. É por isso que não
tem nada que ver com os eventos de Vito [Acconci] [...] nem nada disso. N a
da que ver porque são events, e preparar a coisa de performance é a mesma coisa
que se fizesse outro tipo de arte... Eu estou cansado. Eu estou cansado tam
bém desse negócio de [...] tem uma arte conceituai, já me dá assim arrepios.
Eu nunca vi uma coisa assim mais idiota que tenha sido inventada nesses tem
pos de arte contemporânea. E depois eu estou cansado de ir nos lugares e para
ler coisas na parede. Não agüento mais. Eu estou de saco cheio.
ARACY AMARAL — É como se pudesse haver uma arte que não fosse con
ceituai. M as isso é mais...
HÉLIO OITICICA — Eu sei. Mas isso é coisa de labeling americano. Esse
lado é o formalismo, um formalismo terrível.
118
H ÉLIO O ITICICA : T ENTATIVA D E DIÁLOGO
ARACY AMARAL — E uma realidade mágica, que se você não intui natu
ralmente...
HÉLIO OITICICA — São modelos sem ser modelos. O Mário Pedrosa es
creveu isso uma vez, são modelos, são moldes sem modelos, uma coisa assim.
Isso é muito importante. Aí eu explico certas coisas que não há meio de en
tender. Eu digo: “T ed!7 Pára de...”. Eu dei berros outro dia: “Pára de per
guntar essa mesma coisa!”. Não sei o quê que era o negócio sobre o Brasil.
Era um negócio de samba, eu não me lembro o quê que era. De favela, não,
do espaço da favela...
ARACY AMARAL — Você acha que aquele seu trabalho sobre a Morte do cara
de cavalo tinha...
HÉLIO OITICICA — 6 5 ...
119
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ARACY AMARAL — Você acha que a gente pode relacionar aquilo também
com o momento que o Brasil estava atravessando?
HÉLIO OITICICA — Eu ach o.
ARACY AMARAL — Porque você nunca teve nenhuma, digamos assim, im
plicação do ponto de vista político, nada, nunca em sua obra teve uma definição
de uma form a aberta. M as toda a impressão do meio ambiente, nesse trabalho,
não pode estabelecer uma relação?
HÉLIO OITICICA — Pode. E era mesmo. Era quando um tava...
120
H ÉLIO O ITICICA : TENTATIVA D E DIALOGO
sim: a Zezé, o Oto do Estácio, que era o pai; a Zezé, a mãe, e tem toda essa
família; a Rose, a Rose não sei se você conhece. Eles são assim, eu me sentia
como se estivesse em casa. Eles tinham essa casa grande no Mangue, na zona,
não era casa de prostituição, mas era uma casa grande porque eles moram,
era assim, o pai dele era partideiro, era do partido-alto do Estácio, tradicio
nal, de muito tempo. Em casa, traficava-se cocaína, claro. Você sabe que eu
já estou em ambiente seleto desde cedo, né? Quer dizer que a minha experiên
cia já vem de longo tempo. Ele tava na prisão, porque foi acusado de ser cúm
plice de um crime em que nem mesmo no lugar ele estava, coisas do Brasil.
Porque alguém estava interessado em que ele ficasse na prisão. E a única vez
que ele saiu da prisão durante oito anos foi em um mês que o deixaram sol
to, e aí houve uma festa lá em casa, no Jardim Botânico, uma festa que era
assim: todo esse pessoal, uma festa para ele. Tinha Parangolé, um cara cha
mado Parangolé, que era o maior traficante do Mangue.
ARACY AMARAL — Foi por causa do nome dele que você chamou de P a
rangolé?
HÉLIO OITICICA — [rindo] Não, não, eu conheci depois. Foi uma coin
cidência.
121
ARTISTAS CO N TEM PO R ÂN EO S N O BRASIL
zendo a coisa, e o cara era um mendigo, ele fez assim, fios de barbante ligan
do uma estaca com a outra, inteira. Fazendo uma parede toda de barbantes.
ARACY AMARAL — Então ele é que tinha dado o nome de parangolé para
aquele ambiente dele?
HÉLIO OITICICA — Não, ele disse assim: “Esse aqui é o parangolé da
noiva...”.
ARACY AMARAL — Você não disse quanto tempo ficou como passista na
M angueira...
HÉLIO OITICICA — Até sair do Brasil, de 1964 até 68. Era passista de
ouro do Branco, financiado pelo Djalma Bicheiro, ele tinha o maior ponto
de jogo do bicho. Era da “Ala vê se entende”, mas não era “ala de escola de
samba”, eram os passistas que saíam distribuídos pela escola inteira. E eram
os passistas maiores do Brasil, tinha Carlinhos do Pandeiro, Jerônimo, que
está na capa daquela minha...
122
H ÉLIO O ITICICA : TENTATIVA D E DIALOGO
ARACY AMARAL — São Paulo também não é. E uma cidade que para se
impor uma realidade se destrói a outra. Não existe uma coexistência pacífica de
tempos diversos como ainda se vê no Rio. H á quatro cidades. J á o Rio, não; tem
ainda, como disse o M ário de Andrade, o rural convivendo com o urbano.
HÉLIO OITICICA — É p e r ig o s ís s im a , é u m a c o is a a s s im , d e d u a s c a ra s,
‘fe ito u m a a re ia m o v e d iç a ’ , é m u i t o p e r ig o s o ...
ARACY AMARAL— M as acho que você não apenas firui essa sua possibilida
de de adequação como você curte ela demais.
HÉLIO OITICICA — É .
123
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ARACY AMARAL — Porque você não vai me dizer que o ambiente de seu pai,
com o qual você se articulava muito, era igual ao ambiente da favela... da M an
gueira, da Lygia Clark etc.
HÉLIO OITICICA — Não. Ninguém entendia: não pode ser a mesma pes
soa... Mas podia ser uma coisa perigosa, uma maneira destrutiva, reacioná
ria, fascista de fazer as coisas, essa adaptabilidade podia também ser transfor
mada nisso, mas eu, me conscientizando, transformei isso numa coisa criati
va, porque pode também ser uma coisa super-negativa. Perigosa. Por isso é
que eu não me sinto foreigner. Alguém disse que eu estava com raiva de ter
que trabalhar para coisas de ligação, “você faz-me sentir como foreigner, me
bota numa repressão”, eu nunca me sinto foreigner em lugar nenhum. As
pessoas chegam num lugar e se sentem estranhas, eu digo: “O quê? Estranho
em algum lugar? Imagine, eu vou à China e já chego lá falando chinês”. As
pessoas chegam e ficam aqui cinco anos e não sabem pedir café em inglês.
Sabe por quê? Porque o Brasil é um país muito isolado. Eu também tive a
vantagem de viajar para cá, morar aqui dois anos quando eu era criança. E
não é difícil da pessoa cortar o cordão umbilical. Você vê, por exemplo, o João
Cabral de Melo Neto passar a vida inteira na Espanha e não-sei-o-quê e daí
volta para o Brasil, assim como um filho pródigo. Quer entrar para a Acade
mia de Letras, dizendo assim: “Eu fiz muitas travessuras mas eu tou aqui de
volta, minha mãe querida...”. Ai!
Se eu [...] me dá uma claustrofobia. Aí todo mundo dizia: “Quando é
que você volta dos United States?”. Eu digo: “Eu nunca volto! Estou sempre
indo! Eu nunca fui”. Aí dizem assim: “Você não tem saudades?”. Como é que
vou ter saudades? Eu sou o Brasil. Eu sou a Mangueira. Eu comi a fruta in
teira. Não deixei pedaços para vir buscar depois. Eu sempre estou indo, nunca
estou voltando. Mas dá uma raiva! Mas isso é raríssimo acontecer. Agora, co
migo sempre foi assim. E eu nunca tenho culpa.
124
H ÉLIO OITICICA : TEN TATIVA D E DIÁLOGO
dizer: “Não, nós somos os maiores, temos a maior terra, não temos nenhum
vulcão, o Chile tem vulcão, tem não-sei-o-quê, não sei onde tem terremoto.
Nós temos sempre o clima maravilhoso, ha ha ha! A maior floresta do mun
do, o maior rio do mundo, o maior não-sei-o-quê do mundo”. Mas é uma
coisa incutida. [...] Quer dizer, isso é a coisa mais reacionária, porque um país
que tem 80% de analfabetismo e 90% de mortalidade infantil fala que tá na
era nuclear e que os Estados Unidos... Dizem assim: “Ah, este país aqui está
em decadência, está caindo, e nós estamos subindo”. [...]
Já o Haroldo [de Campos], pelo contrário, chega aqui e é como se fos
se uma criança num playground. É a maior maravilha a maneira dele deco
dificar e falar sobre as coisas na rua, eu nunca vi coisa igual. Eu disse assim:
“Vamos ver...”. Aí eu planejei fazer um passeio que eu chamava “excursão
souzandradina”, negócio de ir a Wall Street e depois à estátua da Liberdade!
Eu fazia isso com o Haroldo e acabamos descobrindo num túmulo a palavra
“ B O D ” , bê-ó-dê, com o “Y” da palavra BO D Y faltando. O “Y” do body caiu!
Trajetória souzandradina. [...] Já me disseram o que eu sou: deslumbrado.
Ótimo. Adoro pessoas deslumbradas. [...]
O dia em que eu cair morto [...] vão aparecer coisas do arco da velha,
tenho, assim, cartas, vai ser o fim das artes brasileiras (cartas compromete
doras, cartas enviadas, cartas recebidas, contos eróticos, as cartas da minha
mãe são maravilhosas, cita todo mundo etc.). Eu estou preparando minha
obra final, ha ha ha!
15.
Uma jovem pintura em São Paulo
[1983]
126
UMA JO VEM PINTURA EM SÃO PAULO
de audácias, nem creio que estes jovens artistas pretendam intitular-se ico
noclastas em qualquer sentido. Mas sua atitude diante da pintura assume cer
tos caracteres que os distinguem, depois de tantas conquistas ocorridas em
todo o mundo. E eles, por certo, acompanham com interesse o momento ar
tístico, na medida de suas possibilidades — dos padrões convencionais da pin
tura usualmente vista entre nós. Assim, sem o recorte rígido da pintura como
janela, à maneira Renascentista existente até hoje, espaço representativo apos
to e destacado da parede, estas pinturas sobre tela enfatizam aqui o suporte
“pano”, sendo uma característica de quatro destes jovens artistas (assim como
também de outro jovem pintor que acaba de expor em São Paulo, Leonilson,
que compartilha essa afinidade geracional evidente). Surge então a pintura
integrada ao ambiente, espaço bidimensional que recebe a pintura e no qual
a ausência de moldura confere uma intermediação insinuante, como em to
dos os artistas que se utilizam deste “artifício” desmistificador, entre o espa
ço real e o virtual de seu trabalho pictórico. Transparece assim uma pintura
desnuda em seu naturismo, independente do fato de ser figurativa ou não,
porém como comunicação visual plástica válida em si, sem a pose da “gran
de pintura”, embora substancialmente pintura.
Outro dado em comum entre estes jovens reside, sem dúvida, nos re
ferenciais compartilhados por esta geração, apoiados na imagística dos meios
de comunicação de massa, na seqüência justaposta de imagens que se relacio
na tanto com os strips de jornais quanto com os comics (Ciro Cozzolino), as
sim como com os fotogramas de cinema ou com a seqüência movimentada
da imagem televisiva reticulada, ou ainda com os registros gráficos que po
dem conceder um caráter cinético a suas imagens (Sérgio Romagnolo), das
quais não está ausente o elemento dinâmico, claramente representado. Por
outro lado, também um leve senso de humor parece insinuar-se nas pinturas
expressivas de Romagnolo, Leda, Ciro e Ana Tavares. Este, o humor, é am
plamente conhecido na pintura americana contemporânea, ou também como
característica definidora do “Grupo Site”, há já dez anos com realizações
arquitetônicas marcantes em várias latitudes dos Estados Unidos. O humor
aparece como elemento de perplexidade, ligeiro sorriso no observador desa-
visado, incorporação das contradições dos meios de comunicação de massa
— inclusive o desenho animado e os malabarismos cenográficos da mais alta
tecnologia — às artes chamadas tradicionais.
127
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
Esse dado está presente também na pintura de Ana Maria Tavares, que
parece dispensar o retângulo do tecido fundindo-se com a parede qual “tre-
pante” (sem a conotação concreta, contudo, dada por Lygia Clark a seus
trepantes tridimensionais), com modelados ilusórios a transfigurar o espaço
em cores vibrantes. Sergio NiculitchefF, por sua vez, apresenta-se como um
formalista de qualidade, absorvido nos valores cromáticos da pintura mais
sensível.
É importante ainda fazer referência ao profissionalismo que sentimos
permear o fazer artístico nestes cinco pintores. Dado que nos faz crer, com
otimismo, que não nos encontramos diante de meras promessas ou cometas
que cruzarão o céu de nosso ambiente artístico desaparecendo em pouco tem
po, porém diante de jovens pintores que lucidamente se iniciam numa car
reira com seriedade e garra, enfrentando todos os riscos implícitos na difícil
trajetória do artista plástico em nossa sociedade. É uma gente nova que che
ga. Começa a se delinear, aos poucos, uma jovem pintura em São Paulo.
128
16.
João Câmara e a ginástica da ambigüidade
[1983]
129
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
130
JO Ã O CÂMARA E A G INÁSTICA DA A M BIGÜID AD E
131
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
uma mão que veda sua fisionomia, como a preservar um segredo. Talvez seja
mais uma busca de ambigüidades por João Câmara: está e não está, é o au
tor e não o é.
Já a figura feminina tem uma conotação acadêmica indiscutível: é sem
pre o nu, posando imóvel na postura escolhida. Em suas pinturas dos últi
mos anos, a mulher é sempre “o corpo”, apetitoso em sua truculência, “boa”
em sua agressividade sexual endurecida. Nenhuma doçura ou sensualidade
perpassa a mulher fixada na pintura das últimas exposições. Sua imagem,
nesses trabalhos, se apresenta antes como máquina de engendrar prazer vio
lento, diametralmente distante do rosto de semblante vago nas gravuras fi
xadas em vários painéis destes Casos de amor, como “a mulher”, situada em
posição paralela a estas situações, quase como figura da consciência do Au
tor, a chamá-lo a um outro plano da realidade. E neste rosto, sempre enqua
drado “fora” do painel, na medida em que apenas nele aposto, uma mão re
catada (de outra figura, da gravura 94 da série Vargas) cobre parte do rosto
de expressão mais natural do que em geral é contemplada a mulher na pin
tura de Câmara. Pois sua imagem, “o corpo”, é sempre cortada, distorcida,
as partes coladas como em quebra-cabeças irresolvidos e simultaneamente
cruéis, o rosto invariavelmente poupado, íntegro (?), na inexpressividade de
um semblante de revista de variedades, ao passo que as demais partes do corpo
são sempre violentadas em sua justaposição agressiva, porém abordadas com
realismo em sua carnação.
Discutindo o problema da inexpressividade das figuras nesta série, o ar
tista argumenta que, nas gravuras que deram origem às pinturas, as figuras
têm mais expressão e são mais sensuais, já que constituem um arrazoado da
situação temática, enquanto na pintura, as figuras, segundo ele, são utiliza
das com a importância concedida aos objetos, e, assim, ocorre um “natural
dessangramento do valor simbólico ou expressivo dessas figuras”. Daí que o
Autor esteja “representado de maneira esquemática e que as personagens fe
mininas sejam ‘modelos’ e haja transposições, as figuras não sendo mais re
tratos, mas ícones apostos às superfícies dos painéis”. Talvez, em parte. Po
rém, essas características citadas a propósito da mulher na iconografia de João
Câmara não se resumem a esta série atual — na exaltação do nu, na vio-
lentação do corpo feminino através dos cortes e remontagens já referidos em
seu afã de refazer o espaço, a inexpressividade permanente do rosto — mas
132
JOÃO CÂMARA E A G IN ÁSTICA DA AM BIG Ü ID A D E
significam uma observação feita a partir de sua produção dos últimos sete,
oito anos. E sempre com a abordagem quase implacável, observada na ela
boração dos pés e mãos, em detalhismo a remeter-nos à imagem projetada
no espelho da madrasta de Branca de Neve...
O terceiro personagem, o objetoIfallus, “móvel” inventado pelo artista
que nele concentra um conteúdo simbólico, acompanha-o em suas mãos, ou
acha-se pousado sobre o piso, a gravitar, emitindo projeções, caído, ereto, ou
tem seu disco superior circular transparente ou transposto em elipse branca
luminosa de forma significativa. Ou é manipulado como arma diante da fi
gura feminina quando desaparece o plano sobre o qual se assentam os obje
tos e figuras, parecendo que os objetos flutuam no espaço imponderável, em
meio a um inventário limitado de acessórios que comparecem como refe
renciais constantes, em todos os painéis: móveis como duas ou três cadeiras
de desenho simples, espaldares de cama que às vezes se transformam em
biombos, ou em portas, requadros inusuais de janelas na arquitetura domés
tica, rodapés, lençóis, a repetição da aparição da pomba em vôo, pousada, em
sombra projetada, recortada. Ou ainda o mesmo tecido estampado que re
torna no estofamento, no colchão, no biquini, no panejamento pendente —
os sutiãs projetados igualmente como sombras ou abandonados em móveis.
Detalhes de cômoda, além das cornijas enquadrando arquitetonicamente es
tas composições, por vezes deliberadamente acumuladas de corpos, objetos
e por um personagem de segunda grandeza: o abajur vermelho. Com seu pé
transformado em falo no painel em que a figura feminina escurecida é pene
trada pela lâmpada como por uma engrenagem mecânica, em clima quase de
necrofilia (onde o “caso de amor”?), sobretudo se atentarmos para o detalhe
de ser esse o único quadro em que a figura feminina, de olhos semicerrados,
não aparenta a expressão indiferente dos demais quadros.
Por que Casos de amori O nome sugestivo desta série agressiva disfarça
o cerebralismo da elaboração das pinturas. Casos de amor a partir das gravu
ras, possivelmente, onde o dado sensual é mais evidente, e que se desfaz na
rebuscada reformulação espacial pelo artista na pintura dos painéis. Mesmo
a penetração sexual, quando sugerida metaforicamente, é representada me
diante a justaposição da projeção do disco do objeto Ifallus sobre os dois cor
pos que se tocam na ponta do seio contra o tórax masculino, de forma tão
cruel quanto sarcástica, por meio de um parafuso de borboleta que atravessa
133
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
1 34
JO Ã O CÂMARA E A G INÁSTICA DA A M BIG Ü ID AD E
136
SEIS ARTISTAS
137
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
138
SEIS ARTISTAS
140
18.
Uma nova pintura e o grupo da Casa 7
[1985]
Como surge uma geração nova que se contrapõe à existente, mesmo que
isso não pressuponha uma reação, mas apenas uma postura outra? Se esse ti
po de arte nova (badpainting, transvanguarda, neo-expressionismo, ou ou
tra que tal denominação) não se ensina nas escolas de arte locais, por mais
arejadas que sejam, deve-se supor que estes jovens estejam folheando revis
tas, vendo o que ocorre fora de nossas fronteiras artísticas, posto que sua ati
tude não é tentar alcançar seus professores ou os artistas reconhecidos da
qui, mas fazer uma proposta imagética externa, nova aos que são seus mes
tres. Ao mesmo tempo, percebe-se que estes artistas jovens trabalham como
autodidatas nas suas pinturas (embora haja alguns que possam, eventualmen
te, ter freqüentado “escolas” de arte sem outra diretriz que a de dar-lhes di
plomas), e freqüentemente — em São Paulo pelo menos — , em grupos de
trabalho unidos, não por qualquer tipo de manifesto, porém, curiosamente
(como nos anos 30 ou 40, embora agora oriundos da classe média), para po
der pagar o aluguel de um espaço que partilham conjuntamente, para poder
pintar fora de casa.
Por outro lado, observa-se uma grande seriedade, um profissionalismo
arraigado desde cedo em muitos deles, no sentido de se auto-respeitarem
como produtores de arte, personalidades que, embora iniciantes, assumem seu
valor e lutam por se impor.
Esta nova pintura — pois ela é tão fascinante quanto preocupante pe
las características que envolvem seu surgimento, e, por que não dizê-lo?, seu
“festejamento” — se apresenta entre nós semelhante ao que se vê também na
Europa: sem chassis, sobre suportes de qualidade diversa e não mais exclusi
vamente sobre tela, feita aparentemente sem projeto prévio.
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
142
UMA NOVA PIN TURA E O GRUPO DA CASA 7
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
portamento parecido, e nem sei se estes jovens pintores se dão conta deste
detalhe. O da “personalidade” artística que deve ser tratada ou distinguida
em meio ao público em geral. Um pouco de “gênero”, mas a arrogância não
deixa, às vezes, de comparecer, talvez até explicável por uma necessidade de
afirmação.
E, depois, como explicar sua receptividade frente ao mercado? Repor
to-me a alguns participantes da exposição realizada no M AC em 1983, “Pin
tura como M eio”, com um punhado de jovens artistas — lançamento de um
grupo, pode-se dizer — , distintos entre si, mas talvez uns três com certas afini
dades (como Cozzolino, Romagnolo e Leda Catunda), além da presença iso
lada de Ana Maria Tavares, menos apreciada visto que menos de acordo com
o figurino. Era bem visível no grupo a indubitável superioridade criativa de
Leda Catunda, talvez a mais interessante artista desta geração em sua dire
ção transgressora, com uma licença poética maravilhosa em suas invenções.
Mas, de imediato, alguns desta exposição foram procurados pelo mer
cado de arte, lançados com alarido no Rio, e com obras cotadas a preços ele
vados (que muitos dos já iniciados há dez anos teriam dificuldade de osten
tar). Mas foi um fato. Compradores de arte (pois não são colecionadores no
sentido estrito da palavra) de uma faixa nova, jovens executivos de um nível
cultural sofisticado, passaram a se interessar pelos pintores novos.
É claro que, paralelamente, há aqueles que viveram ou estagiaram por
um tempo em Paris, e trazem a informação européia com seu repertório de
máscaras africanas, jacarés, ou outros animais, carros, aviões ou certos signos
dispostos de maneira livre sobre a tela, sempre manipulando com a mesma
característica de gestualismo e rapidez, o que é uma constante em todos.
Mas nesse sucesso de mercado há um dado que chamei de preocupante
nesta tentativa de reflexão sobre esta geração: o de seguir produzindo a galo
pe para satisfação das propostas de exposição, para os salões (inclusive, a esta
altura, neles já reconhecidos e onde ganharam prêmios elevados, como o prê
mio máximo, no Salão Nacional do Rio de Janeiro, por Nuno Ramos; Daniel
Senise, no Salão Mokiti Okada, de São Paulo; ou ainda o prêmio de Rodrigo
Andrade, no Salão Paulista de Arte Contemporânea).
Pode ser coincidência, mas a presença, seja no âmbito da América Lati
na seja no Brasil, de um repertório de imagens da Antiguidade Clássica in
corporadas e manipuladas por esta pintura nova, em elementos escultóricos
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UMA NOVA PIN TU RA E O GRU PO DA CASA 7
O GRUPO DA CASA 7
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
na próxima Bienal de São Paulo. Como explicar este êxito tão veloz a não ser
pela própria rapidez instaurada na projeção desta geração (e que nos faz lem
brar a famosa frase de Andy Warhol que dizia que já se vivia o tempo de “ser
famoso por 15 minutos”), muito integrada neste consumismo de nossa socie
dade, que torna a arte também descartável, como comentava Antonio Segui,
assim como as tendências da moda ou os modelos de bens de consumo pro
duzidos em escala industrial?
A velocidade na projeção desta geração (que beneficia um Daniel Seni-
se, um Cláudio Fonseca, um Enéas do Valle, um Leonilson, uma Leda Ca
tunda, um Barrão, além destes da Casa 7, entre nós) pode ser articulada, no
caso destes cinco pintores, à sua surpreendente e intensa produtividade.
Parece-nos perigoso, sim, este excesso de festejamento que afeta a toda
esta jovem fornada de artistas pintores, pois não os preserva a uma modés
tia, ou a uma autodefesa da qualidade de seu trabalho. Porém, cada qual sabe
de si, como se diz em Portugal. E ficarão aqueles que resistirem, como em
todas as áreas de atuação profissional.
Mas é certo que esta geração, que está falando alto, teve entre nós, nes
tes dois anos, um reconhecimento que nunca antes, no âmbito do mercado
nem da crítica, gozaram os artistas brasileiros. Abrem-se os espaços mais co
biçados na área cultural, e, fato inédito, há um reconhecimento de mercado
tão súbito (como na Europa, para os jovens, sobretudo da Alemanha, Itália
e França), comparável apenas, no que tange o mercado, aos artistas pop nor-
te-americanos nos Estados Unidos. É estimulante, é preocupante — é um
dado novo.
N o caso destes cinco da Casa 7 estamos diante de pintores de fato. Es
tes jovens têm talento, mas nem por isso deixam de estar perfeitamente in
formados daquilo que se passa no exterior. Ao contrário. N a jovem pintura
dos anos 80, poderíamos localizá-los com uma certa facilidade entre os neo-
expressionistas alemães, por suas afinidades perceptíveis. Talvez hoje, Rodrigo
Andrade esteja mudando rapidamente e seja, de todo o grupo, o que mais se
aproxima dos artistas que se inspiram nos pintores-grafitistas. Está ocorren
do em sua produção última toda uma desestruturação de formas, uma des-
construção que se entrega ao signo, ao gestual, que desfaz as composições,
bem evidentes há um ano atrás, e que o relaciona com os artistas europeus
desta tendência (Jean-Michel Basquiat, por exemplo).
UMA NOVA PINTURA E O GRUPO DA CASA 7
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
1 48
19.
Waldemar Cordeiro
[1986]
149
ARTISTAS CO N TEM PO R ÂN EO S N O BRASIL
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W ALDEMAR C O R D EIR O
nismo”, como o faria outro abstrato geométrico dos anos 50, no Rio de Ja
neiro, Ivan Serpa. Em São Paulo, Maurício Nogueira Lima e Geraldo de
Barros também incorporariam às suas experimentações por essa época, ima
gens reelaboradas dos mass media.
Abstracionismo luminoso, arte cinética participativa (com espelhos, cris
tais, placas semoventes), arte pope reta, arte de agudo comentário político-so-
cial em momento de convulsão. Waldemar Cordeiro pode ser contraditório,
porém é vivo, pulsante, como as propostas que apresenta sempre de forma
polêmica.
Qual seria a sua explicação já em início dos anos 70 para a figuração nos
anos 60? Argumenta que ocorrera, de fato, uma crise nas chamadas tendên
cias sintáticas (arte concreta, cinética e programada), em virtude dos meios
de comunicação de massa, possibilitados pelos meios eletrônicos, mas que essa
crise, com o uso do computador, altera-se em novo caminho.
Seria assim que abordaria a computação, a partir de 1968, identificando-
se com o processo: “Arte computadorista, enquanto metodologia, se identi
fica, em última análise, com as tendências da arte contemporânea chamadas,
genericamente, “construtivas” e que visam à quantificação e à digitalização
dos elementos da obra de arte”. E é novamente buscando a integração har
moniosa máquina-artista, Computer artlzxte. concreta, que manifesta sua cren
ça numa “linguagem de máquina para a comunicação da sociedade urbana e
industrial”, exaltando a importância da eletrônica para a cultura nacional,
através do sistema de telecomunicação preenchendo as lacunas informacionais
e vergando as distâncias do Brasil continente.
D a exposição de Max Bill ao contato com Romero Brest, do momento
máximo da arte concreta de início dos anos 50 a meados dos anos 60, no
momento do popcKto, a organização tectônica é sempre uma constante em
sua produção. E, assim como a apresentação do conjunto das mesmas ofe
rece ao espectador a dimensão de seu espírito especulador, traz também,
sem dúvida, às novas gerações, a possibilidade de um contato necessário pa
ra a reconstituição do painel do desenvolvimento da arte deste século em nos
so país.
151
20.
A nova dimensão do objeto
[1986]
152
A NOVA D IM EN SÃO D O O BJETO
1 Mário Pedrosa, “A crise ou revolução do objeto”, 1967, in Mundo, homem, arte em crise,
São Paulo, Perspectiva, 1975.
2 Idem, ibidem.
153
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
154
A NOVA DIM ENSÃO D O O BJETO
ta, como nos habituamos a imaginar o espaço criativo do artista até meados
do século XX.
Por outro lado, a recorrência a ready mades de todo tipo de procedên
cia (de cerâmica chinesa e bonequinhos de plástico, de peças procedentes de
ambientes de decoração em desuso a eletrodomésticos encalhados, de papel
moeda aviltado a placas de madeirit, de peles de animais a cimento e elemen
tos minerais naturais), não significa uma uniformidade de postura, porquanto
a interpretação desse material, sua integração a uma proposta individual, sua
assemblage, ou sua reunião numa instalação nos permitem uma visão da di
versidade, senão da heterogeneidade ampla das diversas direções assinaladas
pelas peças presentes na mostra.
Um artista é alvo de nossa atenção e deliberadamente desejamos trazê-
lo ao público de São Paulo, depois de longa ausência: Abraham Palatnik, o
precursor da arte cinética no Brasil, um dos pioneiros mundiais em usar re
cursos da eletricidade na criatividade contemporânea. Presente na I e II Bie
nais de São Paulo, com seus já antológicos aparelhos cinecromáticos, Palatnik
trabalhou posteriormente com relevos de cartão branco, relevos de placas de
madeira, pintura propriamente dita, trabalhando recentemente com relevos
mecanizados. Às vezes um humor sutil parece emergir destes seus aparelhos
atuais, sendo que num deles joga com a polaridade de dois ímãs, e noutro
aborda a problemática da “imagem-tempo”, coordenada através de articula
ções de um minuto de duração. Palatnik encarna bem o artista como inven
tor do nosso século, no qual o domínio da técnica e imaginativa podem tan-
genciar através da poética visual da imagem a criação formal e que, por essa
mesma razão, tanto interessou os concretos como os neoconcretos.
Guto Lacaz comparece nesta mostra, que segue a sua participação na
última Bienal, também como um inventor sensível. Artista espreitando o
universo da máquina e reinterpretando-a com humor e inteligência raros. Daí
porque nos parece da linhagem de um Calder, simultaneamente engenhoso
e cerebral. Nesta sua proposta, a máquina não é mais o objeto utilitário, po
rém um referencial pleno de perplexidade através de sua manipulação cria
tiva. Enquanto a sua geração não parece importar-se com a presença perene
de suas propostas, os trabalhos de Guto parecem ter seu momento de vida
em sua apresentação fugaz, como uma performance, sendo uma coisa, uma
concretude, antes do tempo que do espaço.
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A NOVA D IM EN SÃO D O O BJETO
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a recordar-nos uma frase de poema dos anos 10, de Blaise Cendrars: “sur la
robe elle a un corps...", densa de sensualidade.
A dimensão poética também não deixa de estar refletida na proposta de
Jeanete Musatti, abordando o espaço-tempo, assim como nas peças de Luise
Weiss, infatigável projetista de universo de enorme beleza intimista. Já Bené
Fonteles nos traz a lembrança das forças anímicas da terra através da carga
da mão artesanal.
Objeto inventado, peças reunidas, expressividade e significativo de uma
idéia são as formulações de Zerbini e Leonilson, este último mais voltado para
a pintura. Do outro lado da calçada, a estranheza das imagens fálicas de Caíto,
cujos trabalhos nos reportam a Lucas Samara, dos anos 60.
Aliás, década essa que nos lembra as liberdades de materiais destes nos
sos dias, enquanto se torna visível a ligação que se estabelece, entre o que pro
duziu à época Gastão Manuel Henrique e sua obra recente em relevos de
madeira. Assim como a apropriação ao gosto dos anos 60, visível na propos
ta de León Ferrari, inserida em sua atual fase herético-religiosa.
A reciclagem de ready mades, conferindo um clima de bazar, tipicamente
consumista da sociedade industrializada, nos faz considerar com certo pre
conceito o trabalho de Maurício Villaça, mas não é impedimento para reco
nhecer em seus objetos um ambiente brilhante como o do equipamento do
mágico circense, a magnetizar sua audiência com tiradas de humor por vezes
negro, mas sintomático de um meio cultural camp tal qual o nosso, como o
diria Hélio Oiticica.
A transfiguração da superfície de suporte de borracha através da pintu
ra com resina acrílica, pigmento puro em formas pendentes, de organicida-
de a nos despertar alusões com elementos do mundo real, é o resultado dos
trabalhos de um jovem artista: Hilton Berredo (que já pintava sobre tela em
1981, datando somente de 1983 seus tecidos pendentes pintados). Próximo
a ele, como concepção de trabalho e experimentação, está a fauna ameaça
dora de Angelo Venosa, com suas larvas gigantescas em grandes estruturas
recobertas de pintura negra em aparente movimentação sobre o piso, muros
ou tetos.
Retornos, permanência de tendências, busca de novos materiais, au-
dácias nas dimensões físicas de certas criações: uma vitalidade indubitável
emerge desta reunião de produtores de objetos, virtuais ou reais. E assim, co
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f A NOVA D IM EN SÃO D O O BJETO
159
21 .
Sérvulo Esmeraldo:
além dos sólidos, a ação cultural
[1986]
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SÉRVU LO ESM ERALD O: ALÉM D O S SÓ LID O S, A AÇÂO CU LTU RAL
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SÉRVULO ESM ERALD O: ALÉM D O S SÓ LID O S, A AÇÃO CU LTU RAL
assinalando para toda uma geração nova de Fortaleza, uma produção que an
tes não tinha o Ceará em seu roteiro. E isso se deve à postura segura que não
abre mão da exigência de qualidade, que deseja para seu espaço o nível in
ternacional, e que inaugurou o vibrante evento do Parque do Cocó e da Casa
Raimundo Cela, acolhendo obras de 78 artistas contemporâneos brasileiros
e estrangeiros de primeira grandeza, em encontro marcado por Sérvulo Es
meraldo, no Ceará.
Só quem trabalha na área cultural e artística no Brasil pode dimensionar
a complexidade deste esforço coordenador. Contatar várias gerações de pro
dutores de arte e obter materiais, desde Fortaleza, para a realização dos proje
tos enviados por correio pelos artistas do Brasil, da América Latina e dos Es
tados Unidos, tentando concretizá-los em cada etapa de sua execução até sua
exibição, a contento de cada criador.
E esta é uma segunda, mas igualmente importante contribuição da per
sonalidade artística de Sérvulo Esmeraldo, que completa assim sua obra de
escultor rigorosamente em processo, em plena criatividade, com a de cida
dão participante de um projeto cultural local, vinculando-o a sua realidade
de maneira viva. E que faz com que, como artista e ativador cultural, mais
uma vez atraia sobre si nossa atenção, admiração e respeito.
22.
Treze gravadores de São Paulo
[1986]
164
T R EZ E GRAVADORES D E SÃO PAULO
ro, mais uma vez a nos apresentar seu fabulário característico, universo inte
rior pleno de referências extemporâneas de alta carga expressiva, com magis
tral domínio técnico. Odetto Guersoni, gravador de longo percurso, com três
trabalhos de sua série M andala (1992), em xilogravura, dentro do Abstra-
cionismo geometrizante que marca há longos anos sua produção.
Já Maria Bonomi, a mais notável discípula de Livio Abramo — dona
de uma projeção imagética irradiante a partir de amplas superfícies, com xilos
de dois metros de altura, e apresentações internacionais há cerca de 25 anos
— , está, nesta mostra, contida pelas limitações das dimensões propostas,
embora se possa apreciar sua surpreendente energia vital.
E evidente que há também, na história da gravura contemporânea no
Brasil, artistas que se valeram da gravura para obter a multiplicação da ima
gem de suas pinturas. Porém, o critério da escolha dos artistas de São Paulo
foi privilegiar os artistas-gravadores, buscando uma representatividade da si
tuação da gravura entre nós.
D a mesma geração que Bonomi são Savério Castellano, Regina Silveira
e Evandro Carlos Jardim. O primeiro, de sua formação como arquiteto dei
xa transparecer a preocupação com a ordenação do espaço, enquanto é sub
jacente às suas imagens especulações matemáticas e de ordem quantitativa,
que o levariam à aproximar-se da computação.
Regina Silveira tem um desenvolvimento rico em sua trajetória, do
Abstracionismo informal dos anos 60 como pintora à gravura, cultivando a
litografia com uma excelência de resultados rara em nosso país. Suas pesqui
sas formais levaram-na a todo um trabalho serial de deformações anamórfi-
cas, explorando a perspectiva até seus limites extremos, com figuras silhue-
tadas (e sua decorrente aplicação ambiental, em tapeçaria, gravura). Atual
mente assistimos ao seu retorno à cor, à pintura, e estas litos presentes são
testemunho de três instantes de sua produção, onde a silhueta deformada das
figuras obtém, através da cor, valores volumétricos e texturas, enquanto o
referencial inicial parece constituir-se em mero pretexto para uma gradativa
abstração formal.
Evandro Carlos Jardim trabalha com metal, elaborando imagens fi
gurativas a partir da memória do ambiente urbano que o envolve, num tra
balho de incorporação de referências anteriores retrabalhadas numa relação
amorosa com seu vocabulário e recursos gráficos.
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ARTISTAS CO N TEM PO R ÂN EO S N O BRASIL
166
TR EZ E GRAVADORES D E SÃO PAULO
167
23.
Cildo Meireles no MAC
[1986]
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C IL D O M EIRELES N O MAC
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170
24.
“A Trama do Gosto”:
uma superprodução paulista
[1987]
171
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
gumentando que não se obtém como resultado o que se planeja, porém o que
se consegue concretizar. Assim o projeto da exposição se evidencia em sua
própria organização espacial, arquitetônica, no simulacro divertido do plano
ou do repertório de uma cidade dentro do edifício da Bienal, fazendo lem
brar, como muito oportunamente pontua Cacilda Teixeira da Costa, os ale
gres salões da SPAM, realmente deliciosos em sua insousiance carnavalesca e
alegre. Assim, ruas, praças, monumentos, bancas de jornais, de frutas, cor
reio, foram reproduzidos assepticamente no espaço para “representar” o caó
tico, o heterogêneo e o pleno de misérias. Ambiente urbano aqui elitizado pela
mão seletiva do arquiteto, dos artistas distanciados da sujeira e da poluição
da cidade desvairada, posto que ao artista cabe a dimensão dos sonhos, da fan
tasia, da interpretação de uma realidade de que ele se distancia com o objeti
vo mesmo de poder expressar-se a partir de sua sensibilidade, de preferência
sempre com a utopia da ordenação do caos em que estamos envolvidos. Nes
ses tempos de cenográfica arquitetura pós-moderna, vitrinista e espetaculosa,
este evento se insere à perfeição. Em vários aspectos, inclusive ao se montar
em clima de superprodução, como valores iguais, contribuições qualitativa
mente diversas, e confundindo a decoração e a arte, o cenográfico e o arqui
tetônico, da mesma maneira que se misturam despiedadamente entre nós
os valores sociais e culturais. Foi realista, nesse aspecto, o evento. Mas pos
teriormente tomamos conhecimento através de um pequeno folheto, de que
a curadora quis (a partir de propostas dos artistas convidados para o evento)
igualmente reproduzir no espaço a presença do comércio, a imprimir vivaci
dade e dinâmica ao meio urbano. O comércio é uma atividade em si dinâ
mica e dinamizadora, na medida em que movimenta os indivíduos, e que sua
produção é necessária a outros para fornecer equipamento de trabalho, con
forto, proteção ou ainda divertimento.
Uma vez mais, contudo, surge aqui a consideração sobre o individua
lismo do fazer do artista plástico, tradicionalmente imune às mobilizações de
ordem coletiva (como até para a organização de uma associação de classe),
pelas contingências do característico processo de sua criação solitária.
Assim percebe-se que à provável concepção de uma exposição temática,
os artistas convidados reagiram individualmente, poucos sendo sensíveis ao
espaço urbano como concepção do evento, ocupando-o antes com obras de
sua autoria, por vezes a partir de afinidades com o tema da exposição, outras
172
'A TRAM A D O G O S T O ”: UMA SU PERPRO DU ÇÃ O PAULISTA
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174
25.
Mira Schendel
[1987]
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ritual nos revela lentamente as imagens que vai desenrolando diante de nos
sos olhos. E, no entanto, Mira Schendel, que acompanhamos desde sua ex
posição no M AM na rua 7 de Abril em 1954, é uma artista feroz em sua
criatividade exemplar, assim como preserva um relacionamento singular com
sua obra.
Curiosamente, ao longo dos anos, a artista, interlocutora de psicanalis
tas e filósofos, após as ondas de todas as tendências conceituais (“idéias to
dos têm, o difícil é concretizá-las numa obra”, dizia-me ela nessa época), cé
tica diante da desmaterialização da arte, depois dos expressionistas gestuais
de inícios dos anos 80, seguiu seu caminho com inquietação — marcada, co
mo todos nós, por desencanto diante das coisas e da pequenês do meio — ,
mas num ritmo próprio e constante. E eis que em São Paulo, onde há cerca
de dois anos percebe-se uma renovada aproximação do rigor geométrico ou
reducionista entre os artistas da mais jovem geração, Mira Schendel se torna
um vivo foco de interesse.
E neste momento, ela assume, aos 70 anos, em sua vital contempo-
raneidade, a necessidade de expor um chamamento à ordem diante do ma
rasmo que sua percepção registra, e ao qual responde em forma de ordena
ção radical, em postura audaciosa neste meio de mediocrização que parece nos
envolver.
É uma exposição de um conjunto que sobressai como um grito, em
branco e negro, sobre suportes retangulares de duratex cobertos com têmpe
ra. N a Galeria Paulo Figueiredo são dezenove retângulos perfeitos, sobre os
quais a artista concebe figuras geométricas (quadrados, planos retangulares,
círculos, arcos de círculos, triângulos etc.), em baixos e altos relevos progra
mados em manipulação das superfícies brancas; embora sobre cada um, arti-
culando-se com a interferência do relevo (e a luz realiza seus jogos), a artista
faça um comentário gráfico, como um grafite, em gestualismo comedido. Os
diversos trabalhos expostos nesta mostra parecem dialogar entre si, num des-
dobrar-se em seqüência lógica visual, num rico conjunto de variações musi
cais sobre um mesmo tema. Apenas num dos trabalhos expostos, Mira não
realiza o relevo; e neste único vasto espaço branco geométrico, a encerrar o
núcleo exposto na Galeria Paulo Figueiredo, o gesto em negro é breve, con
ciso e seco. Por seu caráter incisivo, nos dirige já às peças expostas na Galeria
Raquel Arnaud: uma meia dúzia de trabalhos, sempre o mesmo suporte
176
MIRA SC H EN D EL
177
26.
Geórgia Creimer
[1988]
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G EÓRGIA CREIM ER
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27.
A m ilc ar de Castro:
o v ig o r d a expressivid ad e fu n d a d a n a g eo m e tria
[1988]
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Amilcar de Castro
pintando em seu
ateliê em Belo
Horizonte, 1990.
182
28 .
Fernando Lucchesi
[ 1988]
183
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
Agora, a magia dos Armários em seu conjunto não propõe apenas uma
visão frontal, e sim o impacto da impressão ambiental. Nosso olhar percorre
o fora e o dentro das peças, os lados e o verso, como se estivéssemos num
palco/santuário, cuja fruição está vinculada não apenas à nossa imaginação
sensorialmente conquistada, mas onde somos igualmente partícipes à medida
que vamos anotando a natureza dos Armários, montados, construídos, mar
telados pelo artista, por ele concebidos, um a um, objeto por objeto, temática
por temática: o das louças, dos brinquedos, dos santos, dos sapatos, dos “ob
jetos de arte”, da sala de estar, do guarda-roupa. E, com a exceção do armário
dos objetos de arte e da sala de estar (como uma ironia explícita no primeiro
destes), que não chegam a romper o clima — porém são mais redutivos em
sua composição — , todos os demais enfatizam a presença acumulativa “das
coisas” apropriadas, incorporadas à pintura, à decoração abundante, em fri
sos multicoloridos que se reafirmam nos adornos de lata — como lambre-
quins da arquitetura de chalés ■—-, e que aqui substituem o papel de seda re
cortado da ornamentação antiga na forração dos armários das casas. E que
compõem, nos Armários, as prateleiras e os limites laterais internos de cada
peça. Mas, em vez de suscitar-nos qualquer morbidez ou nostalgia excessiva,
vemos antes um espaço para o maravilhoso, a neutralizar esse limite crucial.
A pintura vibrante e colorida tem papel preponderante nessa observa
ção, e comparece como um complemento natural, articulando os objetos ao
suporte, aos frisos dos recortes de lata, num desenvolvimento do vocabulá
rio já manipulado por Lucchesi na série dos Altares: a escama, o triângulo, a
árvore, a meia-lua, a espiral, o ramo, o arbusto circular, o arbusto anguloso,
a garatuja com que ele povoa cada centímetro quadrado do espaço interno,
laterais e verso dos armários, recorrendo ao pontilhismo no preenchimento
das áreas. Se nas laterais utiliza-se da tinta acrílica, na pintura dos Armários
compõe a tinta com glicerina, pigmento, álcool e cola, a fim de obter o ma
terial com que trabalha.
A partir desta pintura adequada a estes armários, com suas caixas com-
partimentadas, cujas superfícies compulsivamente o artista povoa com febril
policromia, ele chegaria à pintura autônoma como linguagem, que hoje de
senvolve. Sobre um fundo de cor única percebe-se o desenho, fundamento
para a pintura que, a partir do esquema inicial, parece fluir nervosa, com o
desembaraço da caligrafia irrefreável, em fosforescências cromáticas que, à
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FER N AN D O LU CCH ESI
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29.
Emmanuel N a ssa r
[ 19 89 ]
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30.
Marco Giannotti
[ 1989]
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190
31-
L ed a Catunda
[1990]
191
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LEDA CATU ND A
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32.
Quatro artistas
[ 1990 ]
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QUATRO ARTISTAS
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quatro deveríamos acrescentar, sem dúvida, Geórgia Creimer, Isa Pini, Jac
Leirner, sem esgotar a lista).
Possuem todos eles a mesma garra para o trabalho, para o questiona
mento sobre o que fazem, a mesma insatisfeita curiosidade permanente em
relação à problemática da arte e seu lugar no mundo de hoje, sobre o que
poderia ser uma arte brasileira, além de uma impaciência vital em relação aos
clichês vinculados às tendências “reconhecidas” ou menosprezadas na produ
ção plástica no Brasil. O que é salutar.
São apenas alguns, mas que não estão somente preocupados com o re
conhecimento individual, como também com o levantamento de questões,
sobretudo em se tratando da primeira leva de artistas brasileiros que é obser
vada e considerada no exterior, desde quando surgiu — um espanto para os
outros artistas de gerações anteriores que tanto lutaram por esse olhar. Uma
responsabilidade, embora signifique também um estímulo.
M as a despeito dessa receptividade, desse festejamento tão perigoso
como prematuro, das solicitações que alguns deles já recebem tanto de den
tro do país como do exterior, já sentem o “peso” do meio artístico competi
tivo, percebem a discriminação ou a leve ironia de que são alvo, por não es
tarem rigorosamente dentro da linha “conceituai” ou “matérica” que carac
teriza, como tendência, grande parte das obras dos artistas surgidos nesta se
gunda metade dos anos 80. Destes quatro artistas, a personalidade mais
complexa é, por certo, Mônica Nador. N o início da década, aparentemente
insegura, Mônica aparecia-nos como a única artista jovem desvinculada —
e, portanto, singular — da imagética proposta pelos demais de sua geração.
Seus grandes trabalhos (expostos no M AC em inícios de 83), estavam longe
das imagens retiradas dos meios de comunicação de massa ou da inspiração
na pintura européia dos fins de 70 e começo de 80, ou ainda da pintura nor
te-americana, tendo perseguido na caligrafia obsessiva, abstrata, gestual, po
rém contida, com um rigor cromático raro. Logo a seguir vimos que M ôni
ca expandia-se especialmente, ao abordar shaped canvases, adeqüadas ao muro,
embora sua pintura permanecesse basicamente a mesma: traços retilíneos,
com duas cores sobrepostas, recobrindo toda a superfície das telas, como na
elaboração de uma trama que deixava visível o espaço/fundo, no esgarça-
mento de sua caligrafia. A luz, assim, penetrava filtrando-se através de suas
pinceladas, a partir de um segundo plano, o vazio, vislumbrado no croma-
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QU ATRO ARTISTAS
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
com fogo de aquecedores industriais elétricos. Por essas imagens não perpas
sa nenhuma precisão de contornos, mas quiçá uma anti-pesquisa de forma,
observando-se apenas a construção do banal através da linguagem da preca
riedade. Ao lado do discurso meio infantil de uma grande parte da produ
ção da geração 80 brasileira (Leonilson, Ciro Cozzolino), através de seu vo
cabulário delimitado, é claramente perceptível a contradição dos materiais
industriais trabalhados artesanalmente, a mão moldando, sobre a figura de
que se apropriou para a obtenção de uma forma definitiva, as emendas, evi
denciadas rudemente, como a expor ao vivo a incoerência do processo. Os
materiais industrializados utilizados pelos artistas não são uma descoberta
desta geração, porém uma herança que já advém dos anos 60, dos anos do
pop. É nesta vertente que vejo Sérgio Romagnolo, assim como Leda, Zerbini
— exemplares neo-pop, por vezes amargos nestes anos 80. Embora pessoal
mente preferisse, apesar da ironia evidente, observar uma preocupação com
a qualidade de execução, cuja ausência deixa sua produção aparecer mais
como um esboço, arcabouço de intenções, e menos como uma realização
réussie. Mais como um gesto ou atitude do que como uma obra completada.
Paradoxalmente, em relação a Romagnolo ■— posto que estes quatro
artistas reafirmam suas posturas comuns, embora cada qual em seu universo
pessoal — , está o trabalho de Ana Maria Tavares. Já escrevi que, desde seu
surgimento, ela assinalou uma vocação mural, abordando com grande vita
lidade a superfície parietal. É um fato. Seus dois anos estudando em Chica
go proporcionaram-lhe também — após a FAAP — um domínio sobre a téc
nica (um desafio que a conforma hoje como uma das artistas mais interes
santes de sua geração). Sua fragilidade física, sua delicadeza moça e feminina
contrastam vivamente com os equipamentos técnicos que manipula pessoal
mente (soldadores elétricos, mesa de carpinteiro, lixas para polimento mecâ
nico e manual de superfícies, mangueiras, tubos e cabos de ferro etc.). Sua
complexa instalação na última Bienal já revelava uma vontade de apresentar
uma multiplicidade de idéias que fervilhavam em sua cabeça, o que talvez a
tenha prejudicado, pelo excesso — aquele seu espaço/tríptico, se é que se pode
referir a um tríptico tridimensional.
Todavia, foram percebidas diversas direções surgindo dessa proposta,
uma das quais, em síntese expressiva, representou-a na exposição “Moder
nidade”, em Paris. Os filamentos-linhas se transformavam de repente em
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QU ATRO ARTISTAS
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QU ATRO ARTISTAS
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33.
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A PROPÓSITO D O TRABALHO DE BERALDA A LTEN FELD ER
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34.
Uma nova geração
[ 19 91 ]
1 Achille Bonito Oliva, Trans/avant/garde intemational, Milão, Gian Cario Politi, 1982.
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S NO BRASIL
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UMA NOVA GERAÇÃO
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
nos da arte estavam sendo vistos também por eles. O Salão Nacional de Arte
Moderna deste ano refletiria, igualmente, esta nova técnica da imagem dá
pintura gestual, vibrantemente colorida.
Quais as motivações do jovem artista que começa a fazer arte nesse
momento? Jovem de classe média, eminentemente urbano, estimulado em
sua formação por comics e grafite, autodidata ou procedente de uma escola
de arte, curioso intelectualmente e leitor assíduo de revistas internacionais de
arte. Embora não conheça devidamente a arte do Brasil, está atento ao que
se passa no exterior. Mesmo que culturalmente, como produto dos mass me
dia, esteja aquém do desejável como formação, ele tem “garra”, desejo de pin
tar. E o faz com compulsão nos primeiros anos da década de 80. Expõe às
vezes em seqüência preocupante para os que acompanham seu trabalho. As
solicitações vêm de inúmeros lados porque, nesta década, um fato novo ocorre
na arte brasileira: em São Paulo, em 1985, abre-se uma galeria especializada
em artistas jovens (Subdistrito), pouco depois seguida de outra (Casa Triân
gulo, 1988). A partir de meados da década, inúmeros colecionadores, assim
como jovens empresários, possuem obras destes artistas novos.
Nunca uma geração de artistas brasileiros fora tão precocemente solici
tada no país e no exterior. A partir de meados desta década — na Europa,
em particular — , diretores de museus e marchands (da Holanda, Alemanha,
Inglaterra) procuram estes artistas para suas galerias, Bienais e museus. Qual
o grau de periculosidade que existe no limite delicado entre o estímulo e o
risco de tal festejamento? Qual a densidade criativa que resiste à erosão cau
sada pela demanda excessiva? Estas perguntas só poderão ser respondidas nos
próximos anos.
N a verdade, a outra indagação que nos fazemos é: por que se faz tanta
arte no Brasil, país a-lógico e contraditório em sua paradoxal potencialidade
diante de uma realidade soturna e brilhante? Será como a prática devota da
religião, que atrai e ocupa o lugar da realidade hostil e injusta? Será porque a
fantasia expulsa, em seu ensimesmamento, a dificuldade de se mergulhar de
forma construtiva no cotidiano caótico? Ou será porque, liberando a “licen
ça poética”, se participa, ao nível da atividade artística, de outro universo, este
utópico?
A Bienal Internacional de São Paulo de 1985 marcou uma divisão de
águas nesta produção: o famoso “corredor” da transvanguarda, montado pela
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UMA NOVA GERAÇÃO
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
4 Alguns artistas do grupo Casa 7 em São Paulo revelavam, no início da década, uma ad
miração singular pela pintura contemporânea norte-americana, atentos ao expressionismo abstra
to em geral, porém atraídos pela pintura de Philip Guston, presente numa das últimas Bienais de
São Paulo em fins dos anos 70. Além do interesse desse grupo, os únicos artistas dos EUA que
chamaram a atenção desta geração parecem ter sido os ex-grafitistas Keith Haring, Basquiat e
Kenny Scharf.
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UMA NOVA GERAÇÃO
Seria simples aludir ao delírio da pintura jovem que surge nos primei
ros anos da década de 80, através de uma geração nova, que desponta em São
Paulo, sobretudo a partir da FAAP (sendo que a única exceção a confirmar a
regra é Paulo Pasta, que vem da ECA). O mercado está alerta, interessado, e
acompanha com entusiasmo esta gente jovem que vem com um vocabulário
novo. Poucos, como os da Casa 7, estão atentos ao expressionismo abstrato
e às suas conseqüências — em geral, com os olhos postos na Europa, em par
ticular na Alemanha e na Itália. O mercado é um fenômeno forte nesta dé
cada e foi inovador o fato de que uma geração tenha sido festejada, e suas
obras adquiridas no lançamento.
Existe aí um risco implícito, e na periculosidade do risco o olho desafia
o futuro incerto de todos os que se apresentam no Brasil e no exterior. Mas
a solicitação, no decorrer do tempo, veio não apenas do Brasil como de fora.
E nunca artistas nossos tão jovens tiveram a oportunidade de se apresentar
fora do país.
Difícil foi organizar uma exposição-síntese da geração emergente nos
anos 80, com tão reduzido número de nomes e somente a partir da pintura.
Porque se pintar foi um traço que os diferenciou da geração “conceituai” dos
anos 70, na segunda metade da década, o objeto, a escultura e a instalação
foram marcantes. D aí ser parcial este levantamento, quando omitimos a pro
dução de Paulo Monteiro no desenho e na escultura, de um Romagnolo, de
Jac Leirner, de Artur Lescher, de Guto Lacaz, de Nina Moraes, de Ana M a
ria Tavares, entre tantos outros. Nosso critério foi selecionar artistas demons
trativos de tendências próprias da década, artistas que tiveram um trabalho
ininterrupto na área do bidimensional. Este levantamento parcial apresenta
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A EFERVESCÊN CIA D OS AN O S 80
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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36 .
Guto Lacaz:
entre o urbano, a memória e a “Aerobrás”
[1 9 9 2 ]
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G U T O LACAZ: EN TR E O URBANO, A M EMÓRIA E A “AEROBRÁS"
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G U T O LACAZ: E N T R E O URBANO, A M EMÓRIA E A “AEROBRÁS1
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
outra atividade artística — , é com desenvoltura que ele trabalha este dado,
tão fundamental, além da luz e outros elementos de que lança mão para sua
expressão. Racional sim, na medida em que a inteligência está na base de suas
propostas, porém tocando com sutileza a emoção, ao recorrer à memória, nela
implícita também a nostalgia, no seu humor cortês e envolvente'.
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37.
A m u lh er nas artes
[ 1993]
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A M U LH ER NAS ARTES
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A M U LH ER NAS ARTES
Sonia Delaunay fora amiga de Tarsila em Paris nos anos 20,6 todas perten
centes à mesma geração de Geórgia 0 ’Keefe.
Fruto das reivindicações feministas dos Estados Unidos foi a exposição
chegada ao Brasil em 1980 “American Women Artists 1980”, apresentada no
Museu de Arte Contemporânea da USP, graças à mediação da artista Mary
Dristchel, que vivia em São Paulo, em seu diálogo com Regina Silveira e
Glenna Park, de San Antonio, Texas.7
Em 1977 a crítica Sheila Leirner realizou uma enquete sobre se existe
uma arte especificamente feminina.8 Em minhas respostas declarei que, na
verdade, o que me parece de fato existir é uma soma de características do fe
minino em arte. Algumas artistas deixam transparecer esse caráter feminino,
outras não. Esse “feminino”, para mim, está vinculado à delicadeza da sensi
bilidade da mulher, em sua condição de promotora da vida e, por essa mes
ma razão, vinculada à natureza mais que seu companheiro homem, delica
deza que está implícita no seu trato com a fragilidade do filho recém-nasci-
do de seu corpo, e ao qual ela protegerá por toda a vida. Esta reflexão pode
ser combatida ao se afirmar que a mulher a que nos referimos é a mulher ur
bana, civilizada, possuidora de um padrão de vida digno. Ao passo que a
maior parte das mulheres de todo o mundo são rudes lutadoras por sua so
brevivência, tanto quanto o homem, sem atenção a essa denominada “sensi
bilidade”, quase um animal racional que procria, carrega fardos, labuta na
lavoura, profissões liberais, escritórios urbanos, além de cozinhar, lavar e criar
os filhos.
Em outros países, como em outras artes, assim como na literatura, nunca
foi novidade a mulher se dedicar ao diário e a escrever contos, poemas ou fic-
6 “Pioneering Women Artists, 1900 to 1940”, Helen Serger La Boetie Inc., Nova York, 15/
2/1980-15/5/1980, introdução de Katherine Jansky Michaelsen.
7 “American Women Artists 1980”, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 27/10/1980 a 20/11/1980, curadoria de Glenna Park, Mary Dritschel e Regi
na Silveira, textos de catálogo de Wolfgang Pfeiffer e Glenna Park.
8 Sheila Leirner, “Feminismo na arte brasileira, opinião da crítica”, O Estado de S. Paulo,
27/2/1977. Ver resposta completa da Autora em “A propósito de um questionário de Sheila
Leirner: existe uma arte especificamente feminina?”, in Aracy Amaral, Arte e meio artístico: entre a
feijoada e o x-burguer, São Paulo, Nobel, 1983, pp. 254-6.
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
çao. O difícil está em que uma artista plástica se exponha, enquanto pessoa,
muito mais que aquela que se dedica a escrever. A jornalista Jane Ellison re
gistra problemas dolorosos e conflitantes para a mulher que se dedica às ar
tes visuais, citando o livro The obstacle race, de Germaine Greer: 9 mulheres
que abandonam suas carreiras, mulheres artistas casadas com artistas, que
permanecem na obscuridade a fim de ceder espaço para a projeção de seus
companheiros, não raro menos criativos que elas próprias. Eis aí uma situa
ção vivenciada por inúmeras brasileiras, em função de natural necessidade da
imposição do homem como “cabeça” do casal e do núcleo familiar, e que afeta
também a mulher, embora freqüentemente ela não se dê conta dessa circuns
tância. Maria Leontina Franco Dacosta foi, a meu ver, bom exemplo dessa
generosa sensibilidade feminina na convivência com seu marido, o pintor
Milton Dacosta, assim como inúmeras outras.
Neste século XX, Anita Malfatti foi a pioneira do Modernismo dos anos
20 no Brasil, comparecendo como vanguarda, à frente de seus colegas-ho-
mens, não por qualquer desejo de sobrepujá-los, porém por impulso próprio,
despertado pela inquietação alimentada em seu período de estudos na Ale
manha e Estados Unidos, antes da I Guerra Mundial. Como explicar tam
bém a possibilidade de uma jovem tímida como Anita Malfatti ir sozinha para
a Europa no início da segunda década do século XX, quando as mulheres
eram não apenas vigiadas como discretas em seus projetos de vida? A respos
ta parece estar no fato de que a jovem artista era descendente de alemães (e,
portanto, à família não causaria espécie a ida à Alemanha por estudos) e de
imigrantes norte-americanos no Estado de São Paulo, no caso, sua avó ma
terna. De qualquer maneira, o que nos surpreende, é sua determinação em
enfrentar sozinha uma vida no exterior. Essa determinação se refletiria na ten
dência fauve, de força quase viril, a permear suas obras apresentadas na ex
posição de dezembro de 1917 em São Paulo. Causam tal impacto no meio
artístico e cultural que jovens poetas, artistas e intelectuais a procuram, e, a
partir de então, formam um grupo que seria depois conhecido como os “mo
dernistas” dos anos 20.
226
A M U LH ER NAS ARTES
10 Maria Martins, de acentuada tendência surrealista, escultora singular, era mulher de di
plomata brasileiro, e como tal teve acesso a um círculo cosmopolita ligado aos meios artísticos e
de museus, nos Estados Unidos. Podemos citar igualmente outras escultoras, desde Nicolina de
Assis, do começo do século, a Moussia Pinto Alves, Pola Resende, Felicia Leirner, Liuba Wolf e
Zelia Salgado, para mencionar somente algumas artistas ativas até meados dos anos 50.
227
ARTISTAS C O N T EM PO R Â N EO S N O BRASIL
Clark, entretanto, não significou um fim em si, porém um caminho para seu
desenvolvimento: este apontava para o tridimensional, a participação ativa do
espectador, a experiência sensorial que a levaria a rejeitar o “meio artístico”
como espaço para sua atuação. O homem a interessaria bem mais, na medi
da em que seu trabalho assume o caráter de terapia: estímulos por ela aplica
dos (bolsas de plástico com água, areia etc.) sobre o corpo poderiam repre
sentar um estímulo à sua auto-aceitação ou comunicabilidade com “o outro”.
Esse destino social de sua trajetória, marginal, por sua não vinculação com o
mercado ou instituições (salvo a Sorbonne, onde deu cursos nos anos 70), a
aproximam, de certa forma, dos ideais de Joseph Beuys, na Alemanha, em
bora Lygia Clark atuasse no terreno do dionisíaco, muito próprio da atmos
fera de sua cidade de atuação, o Rio de Janeiro, lugar de forte influência tam
bém sobre Hélio Oiticica, companheiro e admirador de Lygia Clark nesse pe
ríodo de final dos anos 50 e começo de 60.
A carga sensorial nessa busca de vida-prazer também comparece no tra
balho de Lygia Pape, tanto em trabalhos de sua fase concreta (O Livro da
Criação, 1959/61), como em experimentações posteriores em Super-8, já na
década de 70, e o contexto dionisíaco pode ser identificado com o citado am
biente carioca. É no Rio de Janeiro também que surgiriam as propostas con
ceituais de Antonio Manuel, em 1970, em que se apresenta, a um júri de se
leção num Salão Nacional, o próprio artista, em sua fisicalidade, como obra.
Reconheço ser esta exposição uma amostragem difícil, pois assinala ape
nas algumas das artistas brasileiras ativas nas mais variadas tendências ■—- so
mente duas, dentre as selecionadas pela curadoria, são falecidas, Lygia Clark
e Mira Schendel. Mas há muitas que, embora ausentes, merecem ser citadas:
Karin Lambrecht, gestual com preocupação simbólica, e outras, formalistas
e conceituais, abstrato-geométricas como a pós-concreta Eliane Prolik, figu
rativas, ou transitando pela linguagem poética com rara personalidade como
uma Carmela Gross, ou impregnada de um sentido do religioso como Flá
via Ribeiro, em sua fatura elaborada; ou ainda Mônica Nador, com um tra
balho de caráter obsessivo, conceituai a despeito de seu próprio misticismo
assumido.
Com rara acuidade Susan Sterling soube captar e trazer ao público norte-
americano um grupo de elevada qualidade, e que, poder-se-ia dizer, oscila,
com seus trabalhos, entre os dois pólos inevitáveis das tendências da arte, o
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A M U LH ER NAS ARTES
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A M U LH ER NAS ARTES
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38.
Carmela Gross:
um olhar em perspectiva
[ 1993 ]
234
CARMELA G ROSS: UM OLH AR EM PERSPECTIVA
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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CARMELA G R O SS: UM OLH AR EM PERSPECTIVA
disciplina para a criação, ora operando junto, ora paralelamente a uma obra
“maior”. Mas é nessa segunda metade dos anos 80 que surgem formas forte
mente geometrizadas, em contraposição ao gestualismo de fatura da pintura.
A virada para a pintura seria uma influência da década de 80, quando o
retorno às tintas e às cores foi tão unânime tanto no exterior quanto no Bra
sil? É possível que sim, posto que o artista não é imune ao que sucede no meio
artístico que o circunda. Embora neste caso longe do puro prazer dionisíaco
das cores e gestos pictóricos, e na pintura de Carmela sempre prevaleça o con
ceito, fidelidade geracional. Assim, na exposição de pintura da Galeria Luisa
Strina (1986) parecia transpirar algum classicismo, em suas telas cortadas em
planos imperando a simetria e a centralização compositiva. Paradoxalmente,
comparecia também a pincelada gestual, o curvilíneo dos formatos se con
trapondo à ortogonal, ao quadrado dominante como suporte, ao lado da re
dução cromática como opção.
A artista refere-se a esse estágio como um período de transição (“possí
vel encontro”) entre a pintura e o desenho: “um desenho que delimita, pro
jeta, arma e se enrijece na geometria rigorosa de encaixes, e uma pintura que
busca o expressivo e a fluidez da matéria cromática, em descristalizações do
simbólico e do clichê”.1
A partir dessas pinturas de limites recortados, fora do retângulo pictó
rico convencional, de planos encaixados ou justapostos, começariam a emergir
concepções livres como formato, e temas conceituais embora figurativos: la
baredas, colunas de fumaça, montanhas, cascatas que vertem com violência
em todas as direções, desafiando a gravidade, as cortinas dentro das cortinas
dentro do palco dentro do quadro, da vazia cena entreaberta, espaço da re
presentação ausente. Neste período se observa novamente em certos traba
lhos a repetição de formas como tema, o espaço virtual da pintura tendo con
tinuidade sobre o espaço real, o muro, sobre o qual o gesto gráfico da artista
começa a complementar a imagem pictórica.
Esse talvez seja o início da presença de uma grande energia, movimen
to traduzido em pintura pensada, embora com fluidez de execução, com
transparências e grafismos a nos remeterem à poética imagem da caverna
237
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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CARMELA G R O SS: UM OLHAR EM PERSPECTIVA
destas máquinas sem função. São formas retiradas da natureza, sem angu
losidades ou linhas retas, sem interferência maior por parte da artista. Em seus
desenhos da mesma época a aquosidade já referida parece invadi-los também,
na inexistência de uma composição racional, agora sobre papéis artesanais,
com formas fecundantes a mover-se no cosmos uterino ou oceânico, mar de
elementos como águas-vivas, de transparências colantes, detidas, suspensas em
sua gestação interrompida.
O trabalho de Carmela Gross pertence à contemporaneidade da arte. E
de nosso tempo, identificável com as correntes conceituais e com as preocupa
ções experimentais das últimas duas décadas. É certo que existe uma enorme
similaridade entre pesquisas de artistas de meios urbanos desenvolvidos e a
obra desta artista, que, neste sentido, não foge à regra. Difícil seria encon
trar nela características que, para o meio internacional, se pudessem assina
lar como indo ao encontro de suas expectativas de uma arte brasileira, sul-
americana. Ela bem o sabe e tem sido confrontada, ao expor na América La
tina: sua arte talvez fale pouco, seja reticente em relação ao conturbado meio
social e físico brasileiro. Mas esse dado, em relação a outros artistas, talvez seja
conseqüência de nossa própria instabilidade econômica e injustiça social. O
artista se encerra então em sua proposta de trabalho, buscando ouvir-se e pro
jetar os ecos dessas circunstâncias, ou a negação delas, em seu fazer artístico.
Isto é: há no Brasil uns poucos — e raros — que expressam algo da realida
de social, enquanto outros negam, em rejeição eloqüente, um enfrentamento
com essa mesma realidade, num país que tem dificuldade em conscientizar-
se em todos os níveis da cidadania.
N o caso de Carmela Gross, não vemos em sua trajetória a preocupação
em firmar-se como presença de artista em lugar da obra, situação peculiar na
arte contemporânea, quando vale o grito, o espetaculoso, o instante de pro
jeção — e não o trabalho que permanece. Nesta artista, por trás de suas ex
perimentações, há um trabalho em seqüência, apreciável através dos anos.
Não ocorre em sua contribuição a ostensiva realização, como a execução
tecnológica de uma Jenny Holzer, nem tampouco a distribuição internacio
nal de uma Cindy Sherman. Pode-se ser contemporâneo sem recorrer ao
marketing de um Je íf Koons ou de um Christo. Paul Valéry já escreveu que
“o prazer está se desvanecendo. Fruição é uma arte perdida. Agora a coisa é
intensidade, enormidade, velocidade, ação direta sobre os centros nervosos,
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
pelo caminho mais curto”. É sobretudo nos eventos internacionais mais ba
dalados que desaparece de maneira marcante essa possibilidade de fruição da
obra, por chamar a atenção somente o clamor, por desaparecer a atenção pela
obra, que não importa muito, a não ser pelo impacto com que pode atingir
o visitante que flana pelo espaço, sendo visto, porém quase sem olhar, fre
qüentemente sem retorno, posto que não há tempo. Claro que há um pre
ço, o do reconhecimento, para o artista que opta por aparecer através de um
trabalho ao longo do tempo e não percorrer as arenas do je t Jétfdas artes. So
bretudo quando se vive num país desamparado culturalmente como é o Brasil
de hoje. Mas o fundamental, a nosso ver, é pertencer a um lugar num deter
minado momento. O triste é viverem os artistas num país surdo à cultura e
suas manifestações, como o Brasil nas últimas décadas.
Escreveu Giulio Cario Argan que na civilização ocidental-cristã “a arte
certamente teve um desenvolvimento histórico correspondente à estrutura
historicista dessa civilização. Fez-se a arte com a intenção e a consciência de
fazer arte e com a certeza de concorrer, fazendo arte, para fazer a civilização
ou a história. A intencionalidade e a consciência da função histórica da arte
são, indubitavelmente, os principais fatores da relação que se estabelece en
tre os fatos artísticos de um mesmo período, entre os períodos sucessivos,
entre a atividade artística em geral e as demais atividades do mesmo sistema
cultural”.2 Essa inserção natural da arte na história das sociedades é ignora
da no Brasil, onde assistimos estarrecidos a um processo de deculturação ga
lopante, com o meio intelectual e artístico impotente em motivar os cuida
dos do Estado. E nessa circunstância nos sentimos todos marginais, como ba
talhando em área sem significação, quando deveria ocorrer uma intensa cam
panha de valorização da criação artística, a fim de se conferir dignidade ao
vilipendiado ser brasileiro. A relação da arte com a sociedade nem se coloca
no estágio em que vivemos, pois não parece que haja preocupações com a arte
do passado, o que seria fundamental para assentar, criar e divulgar nossa
memória. Talvez a ausência de valores espirituais e artísticos no Brasil seja de
tal monta que o surgimento dos meios de comunicação de massa parece se
2 Giulio Cario Argan, História da arte como história da cidade, São Paulo, Martins Fonte
1992, p. 19.
240
CARMELA G R O SS: UM OLH AR EM PERSPECTIVA
impor como os únicos válidos, inclusive a nível político, acima das equipes
governamentais, subservientes à poderosa mole televisiva. Estas considerações
parecem-nos uma necessária reflexão no momento em que abordamos o per
curso da arte de Carmela Gross. Mas ela terá, por certo, em dias melhores,
por seu espaço conquistado, uma obra inscrita dentro do panorama da arte
brasileira desta segunda metade do século XX.
39.
Jeanete Musatti:
do abismo entre o onírico e a memória
[1994]
1 “Talvez, no fim das contas, não haja mensagem. Nesse caso pode-se livrar do aborreci
mento de ter de responder. Como diz a moça, ‘Bem, se não é arte, então eu gosto’. Algumas [obras]
foram feitas para serem penduradas na parede (a), outras para ficarem num espaço (b), e ainda ou
tras (a+b)”. Citado em William C. Seitz, The Art ofAssemblage (a propósito de Robert Rauschen-
berg), Nova York, The Museum ofModern Art, 1961, p. 116.
242
JEA N ETE M U SA TTI: D O ABISM O EN TR E O O N ÍR IC O E A M EMÓRIA
2 Dawn Ades, “The Transcendental Surrealism of Joseph Cornell”, in Joseph Cornell, No
va York, Kynaston McShine, The Museum of Modem Art, 1980, p. 29.
3 William C. Seitz, op. cit., p. 13
243
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
4 Apud Dawn Ades, op. cit., p. 29. O “brinquedo filosófico” a que se referiu Joseph Cor-
nell, segundo a historiadora Dawn Ades, floresceu em meados do século XIX. Objetivava combi
nar uma função pedagógica com entretenimento, para instruir a criança nas leis de governar o
universo natural enquanto a divertia ao mesmo tempo. Nesse mesmo trecho cita ainda Baude-
laire, para quem o “brinquedo científico” poderia, segundo escreveu em La Morale du joujou,
“desenvolver no cérebro da criança o gosto por efeitos maravilhosos e surpreendentes”.
’ William C. Seitz, op. cit., p. 9.
6 Interessante seria começar a inventariar os artistas que se fascinam com a visualidade dos
mapas na contemporaneidade: desde Cornell a partir de 1941, aos objetos do argentino Zabala,
nos anos 70, e mais recentemente Kuitca, na última década, além de Adriana Varejão, no Brasil,
entre tantos outros.
244
JEA N ETE M U SATTI: D O ABISM O EN TR E O O N ÍR IC O E A M EMÓRIA
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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JEA N ETE M U SATTI: DO ABISMO EN TR E O O N ÍR IC O E A MEMÓRIA
seja em seu trabalho seja no de Jac Leirner (e a relação nos vem quase auto
mática). Mas no caso deste trabalho, ao contrário dos artistas pop norte-ame
ricanos e ingleses que nos anos 60 queriam realisticamente colocar-nos diante
da visualidade e dos objetos do mundo americano industrializado e publi-
cizado, Jeanete Musatti parece escolher o sentido contrário. Ela colhe mate
rial do cotidiano urbano ou suburbano e, a partir de seu processo usual de
trabalho, os converte em objetos estéticos, de uma pureza imaculada, não con
taminada pela vida.
Esta artista apresenta-nos, ainda, proposições a nos provocar com cami
nhos que já mostram outras direções de trabalho. Refiro-me à série visceral
dos Colchões, reduzidos em estranha mutilação algo perversa, com insinua
ções de cenas íntimas ou libidinosas em xerox sobre acetato recorrendo a es
tampas de séculos passados; aqui, no suporte industrializado, próxima do
leitmotiv que acompanha a trajetória de um Nelson Leirner em sua vinculação
com a produção industrial. Creio que nestas relações já é tempo de se esta
belecer um nexo, uma coerência a presidir um núcleo importante — o da
família Leirner — no meio artístico contemporâneo em São Paulo.
A fluência da produção atual de Jeanete Musatti parece-nos demonstra
tiva de uma sensibilidade, como se sua interioridade e o vasto material de
pesquisa lentamente reunidos e que a inspiram de pronto estivessem emer
gindo, de modo incontido, dentro de um clima particular, que é preservado.
O acaso se impondo, as situações se articulando, aparentemente à maneira
de jogo lúdico, com a magia com que ela envolve os que se aproximam de
sua produção criativa.
247
40.
Uma geração emergente
[1 9 9 4 ]
248
UMA GERAÇÃO EM ER GEN TE
tos artistas que se tornaram conhecidos no início dos anos 80. Começou a
surgir um monocromatismo, que veio junto com a pesquisa de novos mate
riais, como foi o caso de um artista que começou a projetar-se vivamente no
exterior, o pintor Daniel Senise. A superfície trabalhada, com amoroso cui
dado, já com um refinamento que beira o maneirismo, não deixa de estar
presente em seu trabalho.
A projeção no exterior através de algumas grandes exposições coletivas
(como “Modernidade”, como as exposições do Brasil em Zurique, em Esto
colmo e, finalmente, em 1992/93, a exposição da América Latina organiza
da por Waldo Rasmussen, do M oM A de Nova York), levou o nome de mui
tos artistas jovens a serem solicitados em outros países. Foi o caso de Jac
Leirner, após seus bem-logrados trabalhos seriais baseados na acumulação,
como aquele em que focaliza o dinheiro, em país de hiper-inflação, e aquele
que focaliza o cigarro Marlboro. Posteriormente, um excesso de demandas
para exibição de seu trabalho a levaria a nem sempre bem-sucedidos resulta
dos, como a série realizada para a última Documenta de Kassel, baseada em
objetos de aviões (cinzeiros, cobertores, tickets de passagens, talheres etc.).
Todavia, em meio a tantas solicitações feitas a uma jovem artista, difíceis de
recusar e de realizar, Jac Leirner ainda concebeu em Oxford, na Inglaterra,
um trabalho instigante, manipulando a correspondência do museu em que
se apresentou.
Paulo Pasta, por sua vez, é um artista que apresenta também uma coe
rência rara, tentando desenvolver sua trajetória na pintura com uma serieda
de madura e sem saltos irreconhecíveis, como foi o caso de tantos outros ar
tistas dessa geração. Exceções com a manutenção de coerência de percurso são
também visíveis em artistas como Karin Lambrecht, de Porto Alegre, com um
simbolismo denso em suas propostas, uma Leda Catunda, de São Paulo, que
detém por certo um quê de infantilismo banhado num clima neo-pop dos anos
80 e que, embora sempre executando seus trabalhos com assemblages costu
rados e pintados, passa atualmente por um período de assepsia e construção
que nos era desconhecido no início da década passada.
N o Rio de Janeiro, o grande nome dos anos 80 e 90 é para nós o de
Rosangela Rennó, a trabalhar com a fotografia anônima, manipuladora de
flagrantes e fotos de outros, a projetar a magia da imagem fotográfica sem
autor, ou desprovida de qualidade, porém operando a visualidade com uma
249
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
250
UMA GERAÇÃO EM ERGEN TE
fins dos anos 80, trazendo-nos, como imagem e realização, uma mensagem
do contexto em que vivemos.
Refiro-me a características que observo em certos artistas jovens, hoje
não. mais preocupados com a história da arte contemporânea, nem com cap
tar as soluções formais de artistas de outros tempos, nem de reproduzir o seu
vocabulário, como se viu nos anos 80.
Todavia, os temas e as teorizações que vemos em críticos da Europa e
dos Estados Unidos sobre a produção contemporânea, o outro, a comunida
de minoritária, a cultura deslocada de sua origem, desterritorialização cultu
ral, o enfrentamento da arte de mulheres como exploração de “conceitos que
se referem ao ‘outro’, seja de sexo ou raça, que estão profundamente arraiga
dos no imaginário coletivo”,1 ou mesmo em reflexões do extraordinário Homi
K. Bhabha sobre o artista que vive fora do seu contexto natal, me parecem
distantes da realidade do meio artístico brasileiro, que vejo fechado, encerra
do dentro de uma estufa, praticamente fora do universo das preocupações dos
teóricos internacionais, fora as exceções dos artistas que viajam freqüen
temente ou vivem no exterior e vivenciam esse tipo de debates. Creio que po
deria atribuir isso a algumas razões: o Brasil vive uma realidade envolvente e
instigante, com nossas crises sucessivas. Neste país podemos nos queixar de
tudo, menos de tédio. A cada dia os jornais televisivos nos impactam com o
que sucede entre nós: seja na política, no esporte, nas finanças, na violência
urbana e rural, na educação, na saúde, na fome. Vivemos viciados num cli
ma de tensão. É difícil a gente se abstrair desse viver em permanente estado
de choque. Além do mais, o Brasil possui muitas realidades diversas, como
já tentei demonstrar. O Sul/Sudeste industrializado e com influência inter
nacional, por presença de uma população de descendência européia ou asiá
tica, mantém contatos com o mundo exterior muito mais intensamente que
outras regiões do Brasil, debruçadas sobre si mesmas. O Brasil, culturalmen
te falando, em termos de política cultural, na verdade, não mantém relações
de intercâmbio de idéias/exposições, simpósios, com o exterior. Os eventos
que se dão, nessa direção, são excepcionais e resultam de um esforço brutal
por parte de seus organizadores. A Bienal de São Paulo talvez seja nosso úni
1 Catherine de Zegher, “Inside the Visible”/“Begin the Beguine in Flanders”, abr. 1994.
251
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
co vínculo regular com o exterior na área de artes visuais, daí sua importân
cia. O que ocorre, sim, é que por paradoxal que possa parecer (dada a ine
xistência de instituições museológicas fortes e de nível internacional no Bra
sil), nosso país é hoje um grande celeiro de artistas jovens de qualidade, o que
faz com que curadores, diretores de museus e críticos de arte tenham sua aten
ção voltada para nós. Sobretudo tendo em vista o baixo interesse por uma
produção artística mais interessante no exterior, onde ocorrem mais retros
pectivas e revisões do século atualmente que movimentos novos, de interes
se ou renovação de linguagem.
Quando menciono que o Brasil não possui uma política cultural digna
da criatividade de seu meio cultural quero dizer também que o Brasil não
produz, como mencionei, condições para um intercâmbio regular com ou
tros países da América Latina, como seria desejável para um mútuo conheci
mento, como com Europa, Ásia ou Estados Unidos. N a verdade, nossos
museus são, em grandíssima parte de sua programação, hospedeiros de ex
posições que lhes são oferecidas por outros países, por entidades culturais de
fora, ou simplesmente ainda na base de exposições de consulado. Aparente
mente não produzem, raramente criam eventos e exposições, por ausência de
verbas, estímulo para desenvolver atividades. Seria também ausência de pes
soal especializado em fazê-lo? Se assim for, além dos profissionais que temos
à mão, em geral descartados, por que também não recorrer a profissionais do
exterior provocando uma sadia competição? Porém, para tudo isso, são ne
cessárias verbas, e, ao que tudo indica, as verbas um pouco mais generosas
para a cultura são encaradas como supérfluas e, portanto, inexistentes. Es
tamos, assim, frente ao mundo culto, para o qual nossos artistas de talento
são chamados a expor e participar de seu meio, sob uma névoa de obscuran
tismo que vem de cima, das esferas federal, estadual e municipal, que englo
bam os políticos de nosso país.
Qual a ação possível para sairmos desta contingência?
252
41 .
Espelhos e sombras
[1 9 9 4 ]
Vivemos tempos de transição difícil que ninguém sabe aonde nos con
duzirá, e, no entanto, seguimos vivendo como se hoje fosse aparentemente
igual a ontem ou a quando nos fotografaram quando éramos pequenos na
formatura do jardim da infância. Todos sentem o caos, se desesperam dian
te do pensamento. “Realmente, eu vivo num tempo sombrio”, como escreveu
Brecht, com medo frente ao que virá. N o entanto, nessa dificuldade de pre
visão do amanhã, nunca o presente foi tão precioso como hoje, seja para os
excluídos, seja para os privilegiados. De repente não estamos mais diante do
tempo definido por Umberto Eco como “forma de espaço dividido em par
tes regulares” que teria mudado “a forma de percepção de algumas pessoas”.2
Teria desandado de vez a relativa ordem que até pouco tempo presidia
a vida no mundo? Inexistente essa ordem, mesmo o tempo parece assumir
um caráter tumultuado e tenso, não mais o de regulador de nossas ativida
des,3 mas sim o de gerador de sensibilidades babélicas, embora entre nós, no
1 Jorge Luis Borges, “Los Espejos”, in Jorge Luis Borgesficcionário: una antologia de sus tex
tos, edición, introducción, prólogos y notas por Emir Rodrigues Monegal, México, DF, Fondo
de Cultura Econômica, 1985.
2 Umberto Eco, “Travei in Hyperreality”, apud Marian Pastor Roces, “Ethos Bathos Pa-
thos”, “Art and Asia Pacific”, Sample Issue, Sidney, 1993, p. 47. Tradução da Autora.
3 “A ocasião me fez pensar sobre há quanto tempo Deus morreu. O que primeiro vem à
253
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
mente, claro, é Friedrich Nitzsche e Die Frohliche Wissenschaft (A gaia ciência, 1886). Nele um lou
co acende uma lanterna em plena luz do dia e cruza a tumultuada praça do mercado gritando:
‘Deus está morto! E nós o matamos, vocês e eu!’. Em desespero ele se perguntava como isso pode
ria ter acontecido. Matar a Deus, diz ele, é como beber todo o mar, como apagar a linha do hori
zonte. Deus está morto, a terra se desprendeu do sol e lâmpadas precisam ser acendidas em plena
luz do dia. O louco fica enfurecido até perceber o olhar cético dos transeuntes, que não pode en
carar. Arrebenta sua lanterna dizendo: ‘Cheguei cedo demais. Meu tempo ainda está por vir’.”
Cornei Bierens, “On the Conservation of Energy”, Kunst dr Museum, vol. 5, n° 1, 1993, p. 26
(abordando quatro artistas holandeses: Paul van Dongen, Frans Bosch, Erilc Andriesse e Marc
Mulders).
4 David Freedberg, The Power oflmages: Studies in the History and Theory o f Response, Chi
cago, The University of Chicago Press, 1989, p. 358.
^ Susanne Langer, Los problemas dei arte (diez conferenciasfilosóficas), tradução para o espa
nhol por Enrique Luis Revol, Buenos Aires, Ediciones Infinito, 1966, pp. 84-5.
254
ESPELH OS E SOMBRAS
Creio que é a partir desse ponto de vista que se deve partilhar ou tentar
a aproximação com esta produção que chamaríamos de manifestações sensí
veis de uma geração. Principalmente quando estamos num tempo “sem fun
damento em autoridades constituídas e sem fundamento auto-suficiente no
território da arte”.6 Mário Pedrosa já o disse com outras palavras na segunda
metade dos anos 60, creio que a propósito do Porco empalhado (1966), de
Nelson Leirner, no Salão de Brasília. Acho mais interessante operar este re
corte num meio artístico heterogêneo como o brasileiro desta última década
do século X X e tentar pinçar alguns jovens nos quais percebo uma diferen
ciação em relação ao que produzia uma geração emergente em início dos anos
80. Gente em que reconheço uma convicção, uma seriedade, e uma sensibi
lidade diante da circunstância de cada um, o que já é uma amostragem de
nosso entorno cultural.
Claro que se pode argumentar diante de muitos destes trabalhos que de
novo se está diante de propostas conceituais, de acordo com uma tradição
bem brasileira de certa forma vinculada a uma linguagem construtiva, que
rejeita o expressionismo ou a figuração, privilegiando as manifestações mais
próximas ao minimalismo. Voltamos ao debate proposto por Donald Kuspit:
“Em certo sentido, não interessa qual arte é declarada ser decadente, e qual é
declarada ser avançada; o que conta é a dialética perversa de sua relação”.7
Isto vem bem a propósito num meio cultural colonizado como o nos
so, onde quase tudo se importa, e onde, como alternativa de nutrição, gran
de parte dos artistas olham magnetizados as revistas de arte de fora, embora
pouco conheçam da História da Arte de nosso país e mesmo de seus contem
porâneos ou artistas reconhecidos de duas ou três décadas atrás. Tudo isso
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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ESPELH OS E SOMBRAS
257
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
estar à flor da pele nas obras de Nazareth Pacheco. O corpo visto por meio
dos instrumentos que são utilizados para examinar seus órgãos, ou para abor
dá-lo cientificamente. Nunca os artistas estiveram tão próximos da medici
na, das salas de cirurgia, das UTIs, dos laboratórios de análises e pesquisas
químicas. Os exercícios de embelezamento que se confundem com as técni
cas de tortura são também tema de Nazareth, depois de sua exposição indi
vidual catártica realizada no ano passado. E, no entanto, eis aqui uma artista
que não constrói um discurso movido por reivindicações de ordem indivi
dual ou social. Suas propostas têm um envelope formal de limpeza asséptica
quase a ocultar-nos o agente que aflora de sua sensibilidade a uma prática poé
tica tão contundente.
As delicadezas de expressão de Valeska Soares nos carregam ao univer
so da sensualidade em suas fotomontagens, como nas pequenas peças tecidas
e pendentes há uns dois anos atrás; assim como nos impressionou quando nos
vimos diante da simbologia da deteriorização da beleza efêmera, em suas ins
talações com rosas, série de trabalhos sobre os estragos do tempo, embora aqui
se faça presente com um trabalho capaz de atingir mais diretamente os sen
tidos do observador.
A cenografia solene e maneirista domina com veemência a instalação de
José Francisco Alves, na assemblage alusiva de seus elementos: as duas camas
hospitalares com a ausência de corpos insinuada pelo drapeado composto do
asséptico equipamento.
Mas o corpo está também presente nas propostas de Edgar de Souza, no
abrigo/sarcófago cintilante e perolado, de elaboração quase oriental em seu
desejo de perfeccionismo. Assim como em certas contorções, cuja crueldade
se desfaz pela execução rigorosa, mas que comparecem igualmente em traba
lho quase minimalista de Adriano Pedrosa (Camiseta vertical). Em suas pro
postas candentes, estão presentes a assepsia, o minimal e o suprarreal. São dele
também as Cartas anônimas, onde o material, pleno de conotações letais, é a
secreção humana, simultaneamente fonte de vida. O próprio artista/teórico
se interessa por operar no território de sutis insinuações e “na descontex-
tualização de objetos conhecidos e formas”.8
258
ESPELH OS E SOMBRAS
Este olhar o corpo projetado de fora para dentro está explícito também
nas galerias de vísceras de intrincada arquitetura, elaboradas por Caíto. Falar
em morbidez/sensualidade nesta exposição é mencionar de imediato o nosso
convidado especial Ivens Machado, grande artista, ativo há mais de vinte e
cinco anos, e que nesta mostra atua como o veterano que, curiosamente, tem
uma linha de intensa afinidade com esta produção que emerge em fins dos
anos 80. Quando vi sua produção mais recente, na Galeria Luisa Strina, há
cerca de oito anos, vinculei-o à arte de carregada sensibilidade erótica, sufi
cientemente explícita em seu caso do ponto de vista formal. A sensualidade
mórbida incomodativa, de estranho magnetismo, se irradia de peças bem aca
badas, perfeitas em sua simulação de abandono.
Essa sensualidade bate com a dificuldade/necessidade compulsiva da
abordagem do sexo com um distanciamento/intimidade visíveis nos trabalhos
de Sandra Tucci, cujas flores para mim há muito têm uma conotação mor
tuária (“Flores flores para los muertos", anuncia uma vendedora de flores, não
lembro bem se no início de um último ato de Carmen ou num texto teatral
de Camus, mesmo antes de encontrar a menção de Jorge Luis Borges, para
quem “sempre as flores vigiaram a morte”). Flores tesas, agora harmoniosa e
sinistramente desvestidas de cor, flores/sexo (em trabalhos anteriores da ar
tista, flores vaginais a obstacularizar a penetração), agressivas na heteroge-
neidade de elementos gritantes em seu núcleo, embora aparentemente com
portadas à distância.
O corpo, molemente tratado, langoroso, está também presente na pro
posta de Geórgia Creimer, que parte da fisicalidade do espaço como supor
te, nele integrando uma imagética que persegue há algum tempo — formas
pendentes com referências sutis a fragmentos do corpo humano em repouso
— em clima onírico que é uma constante em sua produção.
Existe algo de ritualístico em Paulo Climachauska, que parece montar
suas assemblages como quem prepara um altar de devoção, em seu caso ple
no de conotações a equipamentos hospitalares, ou na contraposição mármo
re intemporal versus matéria vegetal orgânica em decomposição. Essa mesma
atitude litúrgica de dispor suas peças, como um monge preservando seu es
paço de meditação, aparece em Iran do Espírito Santo, que nos traz propos
tas poéticas com seus rostos fora do tempo (Borges: “Lo han despojado dei
diverso mundo! De los rostros, que son lo que eran antes,! De las cercanas calles,
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
hoy distantes,/ Ydei côncavo azul, ayerprofundo [...] Ypensar que no existia sin
esos tenues instrumentos, los ojos”):9 límpidos, fixos, frente aos dois painéis de
rigoroso quadriculado, vestígios de exatidão.
O tempo perseguido, marcado, acentuado é visível no trabalho de Fer
nando Limberger, com os restos/fragmentos deteriorados de mobiliário e
componentes de habitações urbanas que tenta reunir com uma construção,
que nos remete novamente a Borges (que nos persegue na feitura deste texto):
“ [...] Duermen dei otro lado de las puertas! Aquellos que por obra de los suenos/
Son en la sombra visionaria duenos/ D el vasto ayer e de las cosas muertas" ,10
Já Jean Guimarães revela os negativos “trabalhados” pelo fotógrafo anô
nimo, que desfaz com traços expressivos — “envelhecer no retoque para re
moçar o retrato” — resgatando em “anti-retrato” um fantasma, segundo o
próprio autor, produzindo outras imagens, autônomas em si, com as marcas
implacáveis do tempo.
Como ver o fascínio por nostalgia de um tempo pretérito em tão jovem
personalidade como Mônica Rubinho, em quem adivinhamos a vinculação
concretizada com o poema, resultante de introversão que pode ser também
uma intimidade com o recôndito, o oculto de memórias sensoriais? Ou, quem
sabe, uma rejeição ao presente, um refugio poético num espaço individual,
salvaguardado dos móveis externos.
Espelhos em sentido figurado surgem com força nos reflexos e miragens
de Edith Derdyk, na revelação do ritmo das suturas pela mão que vai cons
truindo o painel transparente organicamente, compulsivamente, com capri
chos, desenhos sucessivos. Escala impensada na transfiguração tecida de ma
teriais descartáveis (plásticos transparentes), aos quais confere uma dignida
de austera em ocupação espacial vigorosa.
Falando em transparências, é Lina Kim quem nos traz um trabalho de
rara beleza pela sutileza de sua visualidade, ao abordar a problemática da den
sidade com materiais aparentemente paradoxais (o diáfano tecido de organza
5 Jorge Luis Borges, “El ciego” e “Historia de la noche”, in Emir Rodrigues Monegal (org.),
Jorge Luis Borges ficcionario: una antologia de sus textos, Cidade do México, Fondo de Cultura
Econômica, 1985, p. 396.
10 Jorge Luis Borges, “Adrogué”, op. cit., p. 356.
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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ESPELH OS E SOMBRAS
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
262
ESPELH OS E SOMBRAS
14 Para Hirst, a ênfase que hoje se dá ao corpo é mais um formalismo que não o atrai, daí
porque trabalha agora com instalações que oscilam desde o minimalismo até o gênero “naturezas-
mortas”; instalações, como “Farmácia”, de 1992, em escala natural, verdadeira transposição do
tema ao nível do hiperrealismo tout court. Idem, ibidem, p. 51.
263
42.
Voluntarismo de Cravo Neto
[1 9 9 5 ]
264
V O LU N TA R ISM O D E CRAVO N ET O
265
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
266
43.
Visita a Caetano de Almeida
[ 1 9 96 ]
267
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
268
44.
Geórgia Kyriakakis
[1 9 9 6 ]
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
270
45.
A propósito da arte construtora:
das poéticas visuais às interferências urbanas
[1 9 9 6 ]
271
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A PRO PÓ SITO DA AR TE CO N STR U T O R A : DAS POÉTICAS VISUAIS ÀS IN TERFERÊN CIAS URBANAS
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
penhos ou prazeres visuais, por mais melancólico que isso nos pareça. A des
preocupação com o “outro” também surge do desencanto pela incapacidade
de a arte mudar o mundo.
O fato de o projeto se auto-intitular “Arte Construtora”, a partir de
1994, nos remete à denominação ambígua, pois construir significa perma
nência, o que não é o princípio que os move. Fernando Limberger esclare
ceu que a escolha do nome tem o intuito de não fazer confusão com “cons
trutivo”. Seria realmente um equívoco, tendo em vista movimentos do iní
cio e meados do século XX, uma vez superada a utopia modernista. Porém,
a escolha do nome do projeto teria antes a conotação de “reforma”, ou alte
ração, transformação de um sítio dado, a partir de suas intervenções.
Curioso que esta última Bienal de São Paulo tenha tido como tema a
“desmaterialização da obra de arte” e, portanto, deveria ter sido mais atenta
a formas sensíveis de expressão, como as deste grupo que agora realiza inter
ferências poéticas na Ilha da Pólvora. N o entanto, contraditoriamente, ape
sar de ser uma tendência que se alastra pelo mundo (a das intervenções em
espaços paisagísticos e arquitetônicos urbanos), não houve nenhum gesto da
Bienal para deles se aproximar. Assim como não há lugar numa Bienal ou Do
cumenta para este tipo de manifestação, sendo seu espaço mais apropriado
para criações mais convencionais, ou de índole tecnológica. A interferência
na natureza, na arquitetura ou no espaço, é, de per si, transgressora, o que
entraria em confronto com algumas propostas que, no recinto da Bienal, não
têm razão de ser, como foi o caso do trabalho de Barrio. Queremos com isso
dizer que talvez as Bienais estejam dentro do clima da arte do século XX, arte
moderna, e tudo o que for pós-moderno ou já no limiar de uma nova poéti
ca escapa a seu território. O u envelheceu o conceito das Bienais, ou muda
ram tanto as formas expressivas que deixam de ter sentido em seu espaço com
novas indagações ou propostas.
A natureza/vegetação tem sido o contexto para as interferências realiza
das por este grupo, seja no Solar Grandjean de Montigny, no Rio de Janei
ro, como na Casa Modernista, em São Paulo, e agora na Ilha da Pólvora, em
Porto Alegre. Se fosse o caso de representações de ruínas e vegetações estas
ações nos evocariam Piranesi. N o entanto, estamos distantes de cantar um
passado clássico perdido, iluminado pela poesia do tempo, visualmente cons
truído pela vegetação. Perdura aqui certamente a motivação de um passado
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A PRO PÓ SITO DA ARTE CO N STR U T O RA : DAS POÉTICAS VISUAIS ÀS IN TERFERÊN CIAS URBANAS
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
ção”, este último coordenado por Frederico Morais. Em São Paulo, o even
to “Carimbos e Bandeiras”, liderado por Flávio Motta, com Carmela Gross,
Leirner e Nitsche, também se realizou na rua, em plena avenida Brasil. A di
ferença mais expressiva entre os trabalhos destes artistas e aqueles que parti
cipam dos eventos “Arte/Cidade”, de Nelson Brissac — já com sua terceira
edição para início de 1997 — é a ausência de agressividade por parte dos in
tegrantes do grupo “Arte Construtora”, não sobre o tensionamento de um
meio urbano permeado de violência e deterioração, porém a partir da rela
ção paisagismo/natureza / arquitetura.
Assim, vejo rara ou nenhuma influência de tecnologias nestas interven
ções, e mais uma espécie de “arqueologia poética” em curso durante o pro
cesso de realização do evento. Seus participantes partem de motivações dife
renciadas a partir da observação atenta do local da ação neste evento da Ilha
da Pólvora. Alguns vêm com idéias preconcebidas que adequam ao espaço
encontrado, outros se deixam levar, ou partem, de materiais encontrados na
exploração/limpeza/ordenação do terreno como inspiração para seus traba
lhos — Jim m y Leroy, Nina Moraes e Rochelle. Outros realizam um proce
dimento combinado de motivação: o espaço e suas circunstâncias, que fasci
nam pelo clima de aventura, do achado, da manipulação dos elementos para
seus trabalhos apresentados. É o caso de Marepe, a nos evocar as improvi
sações e inventividade de Robinson Crusoé e Sexta-Feira, a “fabricar”, com
o que encontra, meios para sua sobrevivência. Aqui, os artistas inventam, a
partir de sua cultura, uma visualidade surpreendente, como ver o outro a par
tir de nosso repertório cultural. Talvez esteja aí implícita a impossibilidade
de desligamento. Em outros casos vimos o espaço e elementos manipulados
a partir da observação, assim como com a ajuda de materiais levados à ilha
em conseqüência da observação do sítio. Foram os casos de Elcio Rossini,
vinculando natureza/arquitetura e a concepção desses dois elementos através
do aproveitamento de um ponto de vista direcionado pelo artista. Assim
como Fernando Limberger, a nos propor concentrações intensas de luz/cor
delimitadas por doze pequenas caixas quadradas de madeira e papelão, dis
postas irregularmente dentro do recinto de quatro paredes já desprovidas de
telhado, e atuando elas como um contraponto ordenador de espaço envol
vente, de densa vegetação da Casa da Pólvora — que, na verdade, mais se pa
rece a uma arquitetura religiosa, com escadaria, janelas ogivais, nave. Já Ro-
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A PRO PÓ SITO DA AR TE CO N STR U T O R A : DAS POÉTICAS VISUAIS ÀS IN TERFERÊN CIAS URBANAS
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ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
vio entre eles. Isso não significa que os artistas formem um grupo que traba
lha lado a lado, juntos, num mesmo ateliê, porém que todos desenvolvem seu
discurso como um coletivo, envolvidos pelo contexto motivador natureza/
arquitetura.
Referimo-nos já ao “jogo” como proposta pelo caráter lúdico implícito
na realização destas intervenções em sítios específicos. O planejamento, con
tudo, deve sempre ser rigorosamente executado de acordo com o desafio que
cada um desses projetos se constitui para o grupo de artistas participantes, não
apenas na escolha do local, que não é nunca absolutamente ao acaso. Ao que
se acrescenta a tentativa de obtenção de apoio financeiro e infra-estrutura, em
sua predileção por sítios históricos ou marcantes na história de nossa arqui
tetura nos séculos XIX e XX: o Solar que tem o nome de Grandjean de Mon-
tigny, o arquiteto a trazer ao Rio de Janeiro, com a Missão Lebreton, o Neo-
clássico que ele também já implantara na Alemanha, quando estava a serviço
de Luís Bonaparte, se não me equivoco, sendo o autor do palácio onde hoje
se realizam as Documentas, em Kassel; o Ecletismo, no Solar dos Câmara,
de Porto Alegre; e a Casa Modernista, de 1927, de Gregori Warchavchik, pa
ra nossa vergonha em estado deplorável de abandono por ocasião do evento
deste grupo.
278
46.
Marcelo Grassmann, gravador
[1 9 9 6 ]
279
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
masiado pequenos para ansiar que nos imponhamos por artifícios que, na
peneira do tempo, serão dejetos, cedendo lugar somente àquilo que é mais
substancial.
Marcelo Grassmann, em seu juvenil aspecto trabalhado pelos anos, é um
pouco assim. Mantém suas inquietações que sempre o acompanharam, não
fala de cátedra, embora sinta a segurança e detenha a ironia dos que sabem
ver, porque muito já observou e tirou suas ilações, não parece ter ilusões quan
to ao valor exato da obra de arte frente ao gigantesco peso da experiência
humana visível no mundo.
Fazer o elogio do homem-artista não é difícil diante de Grassmann: o
artista que vive exclusivamente em função de seu espaço criativo. Em reco
lhimento constante e silencioso no segredo das vivências acumuladas ao lon
go dos anos. Uma vida dedicada à arte, à sua história, à contemplação de suas
tendências através dos séculos, atento e solitário frente à sua própria produ
ção, Marcelo Grassmann pode parecer um espécimen raro, quando visto à
luz dos artistas jovens ou mesmo não tão jovens que circulam no meio artís
tico. Ele é uma prova concreta, pela solidez de sua criação, de que é uma fa
lácia ficar observando apenas os artistas muito jovens e menosprezarmos os
criadores maduros. Estes podem irradiar uma lição de vida e de fazer artísti
co para muita gente, tal como ocorreu com Mira Schendel no início da dé
cada passada quando os artistas moços começaram a freqüentar sua casa, in
teressados em sua obra e personalidade. Mas o caso de Mira foi uma exce
ção, embora ela tivesse, em comum com Marcelo, esse exercício da solidão
envolvendo sua criatividade.
Não estou parafraseando Maria Bonomi, mas meu primeiro contato
com a figura de Marcelo Grassmann foi também nos dias de montagem da
I Bienal de São Paulo, no Trianon da avenida Paulista, espaço adaptado por
Luís Saia para o evento, em 1951: de macacão, ele, Aldemir Martins e Frans
Krajcberg estavam discutindo num canto do espaço as obras que chegavam,
saíam das embalagens e iam sendo dispostas nas salas, em trabalho conjun
to, cheio de surpresas. Assim os conheci: artistas operários, cientes de que
estavam participando de um evento importante para a cidade e para sua pró
pria curiosidade intelectual de jovens artistas.
Marcelo Grassmann nos lembra a linhagem solitária, em seu aspecto fí
sico aparentemente áspero, hirto e introvertido, de um Goeldi, de um Livio
280
MARCELO GRASSM ANN, GRAVADOR
1 Ver de Aracy Amaral, O desenhojovem dos anos 40, São Paulo, Pinacoteca do Estado, Se
cretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, São Paulo, 11/11/1976.
281
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
282
M ARCELO GRASSMANN, GRAVADOR
como lembra o artista, em negro recortado sobre fundo branco, quase como
as figuras negras de vasos gregos. Angulosas, são composições de movimento
centrífugo, circular. Encasacados ou encartolados, chipanzés exercitando-se
em atitudes rituais parecem desenvolver um diálogo mudo uns frente a ou
tros, ou em danças macabras, bode versus militar uniformizado, militar com
bode diante do mistério do espelho, da imagem refletida.
O curioso da trajetória de Grassmann é que ele mesmo se volta para
novas técnicas ao aparentemente dominar totalmente a técnica praticada, em
busca de desafios. Assim, inicia-se na litografia em 1950, indo estudar no Li
ceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, em curso dado por Poty Lazzarotto,
graças à existência de uma prensa no local. Depois da I Bienal, no ateliê de
Mário Cravo, na Bahia, que possuía à época umas vinte pedras oferecidas por
Ciccillo Matarazzo ao escultor baiano, desenvolve a série das harpias, apre
sentadas na I Bienal de forma rudimentar. Percebe-se nessas litos o desenho
mais fluente, a caligrafia mais rápida, como a transferência direta de um de
senho para a pedra. O “par dançando”, por exemplo, parece-nos excepcional
entre os macabros ou fantasmagóricos que tinha realizado até então.
Segundo depoimento do artista, a permanência em Viena lhe propor
ciona não apenas informação da História da Arte e contato com exposições,
como um estímulo no enriquecimento de sua técnica. Assim, ao crayon lito-
gráfico com que define suas figuras e embates entre figuras é acrescentado um
fundo de aguadas com lápis litográfico, com desembaraço crescente no uso
de tonalidades antes não perceptíveis em seus trabalhos.
De pronto a mancha torna-se-lhe tão importante quanto a precisão li
near, enquanto a gestualidade comparece com certa sensualidade e mesmo
eroticamente como na imagem das meninas-donzelas brincando com o javali,
tal Vênus coberta de véus. É como se comparecesse, na complexidade que
começam a adquirir as composições, uma certa “picturalidade”, na fase de
Viena, neste artista que nunca se desejou pintor, seja na mancha menciona
da, seja no fundo, no inacabado. O arabesco lado a lado com o linear. O de
senho clássico do “estudo” e a caligrafia obsessiva de marca expressionista {Os
três bois), em que se impõe a dramaticidade do negro.
A luz em Marcelo Grassmann é a luz de iluminação direta sobre os per
sonagens que focaliza, na série de litos, ou é iluminação tênue, sem ênfase
maior. O poeta da linha fora do tempo: gótico ou renascentista, sempre in
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
2 José Geraldo Vieira, “A arte do fantástico”, São Paulo, Habitat, n° 27, fev. 1956, p. 56.
3 Renée Riese Hubert, Le Triomphe de la mort chez Kubin, apud Lionel Richard (org.),
“L’Expressionisme allemand”, Paris, Obliques, n° 6-7, 1976, pp. 247-8.
284
M ARCELO GRASSM ANN, GRAVADOR
285
47.
Regina Silveira: vocação internacionalista
[1 9 9 6 ]
286
REGINA SILVEIRA: VOCAÇÃO IN TERN ACION ALISTA
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
288
REGINA SILVEIRA: VOCAÇÃO IN TERN ACIO N A LISTA
entregue aos seus demônios e a suas idéias, de maneira obsessiva, até inco
modando os outros, com os quais ele deve conviver nesta vida que é nossa
contagem regressiva. O produto da criação artística, no caso de Regina Sil
veira, é o elemento salvador, o único a justificar nossa passagem tumultuada
por este planeta em inquietante mutação.
289
48.
Uma trajetória: Giselda Leirner
[1 9 9 6 ]
290
UMA TRAJETÓ RIA: GISELDA LEIRNER
uma mesa com flores, cubistizante, de traços incisivos e fortes, e uma rara
composição, ambos tangenciando o Abstracionismo, bem dentro do espíri
to da década. São maduros como realizações da artista jovem, esses trabalhos
concebidos ainda como aluna de Yolanda Mohalyi.
N a produção de Giselda dos anos 60, presente nesta exposição, não
transparece toda a informação pop que inundava o Brasil no período, prova
de que como muitos eram infensos às modas e permaneceram fiéis aos su
portes tradicionais, sem abrir mão de suas experimentações formais. Ou que
os artistas que possuíam uma forte interioridade como ponto de partida pou
co se importavam com as “ondas” que nos fascinavam através das Bienais de
São Paulo (também foi o caso de um Evandro Carlos Jardim, por exemplo).
Assim, os desenhos desta década refletem antes uma introversão violenta, re
metendo-nos ao imaginário de um Marcelo Grassmann, ou ao talento de um
Cuevas, focalizando a carga do homem, sua solidão e angústia, a linha fluin
do, como diz a artista em depoimento à entrada da exposição, de dentro para
fora, antes submissa ela mesma à sua necessidade de expressão gráfica.
Como pode uma artista tão senhora de seu métier manter-se distante de
uma auto-exposição por tanto tempo? É um dos mistérios com o qual nos
interrogamos frente aos desenhos de Giselda. Daí concluirmos ter sido essa
uma opção de vida. Pois coragem e audácia diante do papel não lhe faltam
nunca. Aborda as grandes superfícies com um domínio da organização do
espaço, que povoa com uma gestualidade invejável, a partir de uma temática
esotérica. Nela está presente, talvez até a despeito de sua racionalidade, um
compromisso tácito com o humanismo judaico, como um retorno à ancestra-
lidade através das imagens hieráticas imponentes de formas enigmáticas que
dominam grandes campos (mesmo que mencione o impacto recebido, em
1981, na Bienal de São Paulo desse ano, pela presença de um Philip Guston,
quem, aliás, influenciaria também a jovem geração da época, em particular
Paulo Monteiro, do grupo da Casa 7).
Um a introversão mais acentuada em seu trabalho pode ser apreciada em
Paisagens, dos anos 70, pequenas composições freqüentemente centradas em
grandes folhas, a colagem cuidadosamente incorporada ao desenho, a pintu
ra a guache sobre papel finalizando o trabalho, algo do clima de recolhimen
to, momentos de contemplação da natureza, com certeza da fase de residên
cia em Campos do Jordão.
291
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
292
49.
A mulher é o corpo
[1 9 9 7 ]
293
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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A M U LH ER É O CORPO
295
50.
Lugar c h am ad o arte
[1 9 9 9 ]
Este fragmento poético detém a marca da arte que se faz em Minas por
esta geração emergente a partir de fins dos anos 70. Acentua a importância
“das coisas” “dadas pelo coração”, “na fundação de tudo que persiste em nós”,
“ponto e religação com o divino”, configurando-se como um manifesto de
fé na arte, “confirmação de nossa permanência mais além do porto transitó
rio da História”.
Márcio Sampaio foi uma personalidade-chave, enquanto crítico, poeta
e pintor, na reunião e projeção de artistas desta geração. Quando nos referi
1 Márcio Sampaio, fragmento do texto “Os termos do corpo e das coisas”, apresentação para
exposição de Marco Túlio Resende, ago. 1999. Graficamente composto em forma de poema com
autorização do Autor.
296
LUGAR CHAMADO ARTE
mos a um tripé em que se apóia a afirmação — filtrada através das obras, com
a maior naturalidade, sem arrogâncias ou pedantismos — da identidade mi
neira, nesta geração e naquela que a antecedeu (como a de Celso Renato,
Farnese de Andrade e Amilcar de Castro), nos indagamos repetidas vezes: será
que essa identidade à flor da pele advém dos materiais locais — ferro, terra,
madeira, barro — com que trabalham? Ou vem do apego, fidelidade, “afe
to” — escreveu certa vez Frederico Morais, e tem dito com freqüência Ben
jamim — ; da intimidade com o artesanato, tradição de Minas, cujo ritmo de
vida no seu interior ainda propicia um fazer manual e, portanto, lúdico? Ou
essa identidade tem como denominador comum um misticismo, ao qual se
poderia acrescentar Zé Bento. Misticismo que freqüentemente vemos as
sociado à paisagem montanhosa de Minas, que induziria ao temperamento
sonhador e poético da gente de Minas. Creio que tradição conseqüente do
inevitável isolamento, pela distância dos centros populacionais do litoral.
Márcio Sampaio enfatiza a sedimentação dessa tradição assumida, ao se re
ferir à “fundação de tudo que persiste em nós, como ponto e estame de
religação com o divino”, presente em todos, sensitivos frente à magia dos
mistérios inexplicáveis.
“N ós temos um inventário”, reafirma Benjamim. “A nossa coisa é coi
sa de nosso quintal. Se eu tivesse nascido em Nova York, eu absorveria todo
o planeta nova-iorquino, com todas as relações com seu mundo. O que eu
acho legal da gente é a gente ter absorvido, de nosso planeta, o nosso quin
tal.” E conclui, convicto: “Um artista que não tem um inventário, eu tenho
pena dele”.2
O caso de Minas me remete a Oaxaca e à obra de Rufino Tamayo. N a
ocasião em que visitei o México pela primeira vez, no início da década de 70,
conheci Oaxaca, cidade natal do artista, encantadora pela preservação de sua
arquitetura, com passado pré-hispânico, artesanato, bordados em lã inspira
dos na fauna e flora local, de riscos estranhos e de colorido magnético. C o
nheci na mesma viagem um ateliê de jovens — cerca de seis ou sete — que
trabalhavam coletivamente, e percebi surpreendida que em suas pinturas eles
projetavam o mesmo tipo de imaginário mágico presente na obra de Tamayo.
297
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
3 Angelo Oswaldo, “Da forma à forma: dez anos depois”, Belo Horizonte, out. 1990.
298
LUGAR CHAM ADO ARTE
Fernando faz, não há nenhum grande pensamento embasando isso que faze
mos, não me considero nenhum grande artista, não vejo nenhuma importân
cia maior no que faço, vocês acham que eu sacaneio um pouco a arte con
temporânea, que desmistifico a aura que é dada ao artista, mas acho que a
arte vai voltar para a atitude do artista. Porque minha atitude me faz fazer
aquilo que eu faço. Só que é um casamento de uma atitude deste tamanho,
para pessoas deste tamanho, para um lugar deste tamanho. Eu não vejo ne
nhuma maneira de repensar o mundo, porque os mundos são vários”.4
Mas, como lembra Angelo Oswaldo, o que ressalta nestes artistas de
Minas é “o testemunho de um esforço brutal de sobrevivência do fazer artís
tico”, embora hoje tenham visibilidade nacional e mesmo projeção interna
cional, pois Minas Gerais acordou e percebeu que pode — embora sem a in
tensidade e a persistência da Bahia, por exemplo, em relação a seus músicos
e escritores — promover, com êxito, seus artistas para fora do Brasil, o que
foi feito em várias mostras no exterior recentemente, como na Espanha, e
inclusive na área de arte popular, como no caso da maravilhosa cerâmica do
vale do Jequitinhonha, exposta nos Estados Unidos.
Marco Túlio Resende confirma a dificuldade e o desafio dessa circuns
tância: “O que eu acho interessante é que o Brasil vai ‘quebrando a cara’ e
vai descobrindo seus caminhos... Nisso eu acho o Brasil singular. A nossa
história de três artistas é a história de ‘quebrar a cara’. Quando a gente co
meçou a atuar nessa direção, fazendo objetos, pintando e desenhando, era o
começo da transformação em alguma coisa que seria significativa futuramente
para a obra de todo o mundo e a gente foi meio que criticado, porque a ‘onda’
não era aquela. A onda da geração dos anos 70 que veio antes da gente era
uma ‘onda’ muito duchampiana, muito cabeça, desenho. E de repente a gente
retomou e lembro que o objeto foi importante porque a gente parou de ficar
explicando. E acho que agora a geração que está saindo está voltando para
aquele caminho, se escudando nos críticos, se escudando nos filósofos...”.5
Em verdade, este grupo desta geração de Minas construiu uma “escola
de Minas” muito embora sem qualquer preocupação em construir uma ten
4 Conversação cilada.
’ Idem, ibidem.
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
1
6 Sobre o mesmo tema, ver Aracy Amaral, “A sabedoria do compromisso com o lugar:
Tarsila, Volpi, Oiticica, Cildo, Benjamim”, Colóquio CIHA, Zacatecas, México, 1994 [texto re
produzido no volume 1 desta coleção, pp. 291-304], e “De Brasil: alquimias y procesos”, Bogotá,
Biblioteca Luís Angel Arango, 1999.
300
LUGAR CHAM ADO ARTE
301
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
302
51 .
Arte paulistana
[1998]
Sempre achei que ser brasileiro, qualquer que seja a região de onde se
provém, é um estado de espírito. Isso não impede que certas peculiaridades
desta ou daquela região se tornem cada vez mais claras. Assim, para mim a
“escola” de Minas é densa, forte — ao lado da cultura do gaúcho, baiano, ou
pernambucano. Mesmo se desprovida da pretensão de se proclamar “escola”,
é visível, na música, nas artes visuais, na dança. N o caso de Minas, ela se ca
racteriza por sua íntima ligação com a tradição do artesanato manual persis
tente na criatividade popular no vale do Jequitinhonha, como também no
universo maravilhoso do artesanato em madeira na região em torno de Pra
dos, próxima a Tiradentes, por exemplo. Ao mesmo tempo, o tempero sem
pre presente num certo misticismo, religiosidade entranhada que perpassa
trabalhos como o dos segredos contidos nas assemblages de Farnese de An
drade; chega até as pequenas peças em madeira de Marcos Coelho Benjamim;
pelos altares de Fernando Lucchesi; presente ainda no hibridismo do for
malismo artesanal de um Celso Renato, ou na escultura rústica e religiosa de
um José Bento. Transparece também nos espetáculos emocionantes e impe
cáveis do Grupo Corpo, por seus ritmos, sua excepcional mescla do erudito/
popular, a nos revelar a autenticidade sem complexos das gingas, requebros,
remelexos, bamboleios, da sensualidade dançante do brasileiro mestiço, mu
lato, negro, com a graça e alegrias únicas, contagiantes, transpostas para o
palco através da dança com o sabor Brasil bem explícito.
O Rio de Janeiro tem também suas características bem marcadas, pro
jetando sua sensualidade na criatividade em torno ao corpo e seus prazeres,
com a alegria também implícita. Isso se reflete em Lygia Clark e em Oiticica,
bem como na improvisação inventiva de um artista excepcional como Cildo
Meireles. Ou na densidade das propostas chamativas de um Tunga. Esse dado
303
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
304
ARTE PAULISTANA
Mas onde encontrar algo mais hiper-urbano do que isso?) Mesmo Jac Leir-
ner assinala em suas apropriações a poética oriunda da sociedade de consu
mo, do desperdício, com um afã classificatório e ordenador exemplarmente
metropolitano.
Por isso, um Habermas nos visita e estranha um estilo de pintura como
o de Paulo Pasta, recolhido em suas relações de transparências ou preocupa
ções cromáticas, e uma Carmela Gross vai ao Chile e surpreende o artista
Nemesio Antúnez com sua obra — como, num país tropical, fazer obras tão
herméticas, refletindo tão pouco as realidades e contradições sociais do país?
N a verdade, alguns dos artistas de São Paulo refletem, sim, este contexto alta
mente tecnológico da sociedade industrial paulistana, buscando se articular
com seus computadores, materiais de consumo, processos de produção. Es
tão, na verdade, dentro de sua realidade, e expressando-a de acordo com seu
instrumental. Não se percebe neles uma “preocupação social”. Porém seu
discurso e seu processo de trabalho parecem-me fiéis a seu entorno. “IIfau t
être de son temps”, escreveu Daumier. N a verdade, é isso mesmo que vemos
sucedendo nas obras destes artistas que consideramos cool, talvez excessiva
mente clean, nas quais, por certo, o desejo de elegância não está ausente.
Evidente que no Rio de Janeiro há individualidades como Waltércio
Caldas e Rosângela Rennó. São exceções. Waltércio tem uma postura dife
renciada, extremamente pessoal, distanciada do ambiente “carioca” propria
mente dito. É um internacionalista e nele também, a par de sua inteligência
articulada, é perceptível talvez esse excesso de elegância ou maneirismo. Fica
a pergunta: às vezes, less is more pode chegar às raias do pedantismo? Ê dis
tinto o fenômeno Rosângela Rennó, em sua saga de arqueóloga da imagética
de nosso tempo através da fotografia, não apenas reproduzindo imagens co
mo criando relações com imagens de segunda ou terceira geração, que pro
jeta em concepção espacial muito além do convencional. Por intermédio da
fotografia, pé no chão da realidade, ela não chega nunca à elegância anoréxi-
ca, pois possui uma visceralidade muito forte envolvendo suas imagens.
305
52.
Vik Muniz:
o ilusionismo além da aparência especular
[2 0 0 1 ]
É uma alegria saudar um bom artista como Vik Muniz, um artista bra
sileiro criativo que se apresenta pela primeira vez em um museu de São Pau
lo, sua cidade natal. Um artista diferenciado, fora da “geléia geral”, da fadiga
em que se debatem as mesmices que vemos na maioria das exposições ou nas
dezenas de convites-catálogos recebidos, aparentemente com desconhecimen
to quase total do que já foi feito nos anos 60, 70, 80 ou 90. É como se ocor
resse uma impossibilidade de singularidade em nossos dias, situação-limite
vivenciada pela própria arte e pelos artistas.1
N o entanto, Vik Muniz é um artista que encontrou sua via por suas
próprias forças. Há gente que vai para Nova York e lá submerge em meio à
arena internacional, sucumbindo frente às retrospectivas, no sufoco de tanta
informação multidirecional. Vik foi abrindo seu atalho, ampliando-o, estu
dando-o e desenvolvendo-se até encontrar o seu caminho.
Quando tive a oportunidade de conhecer, pela primeira vez, os traba
lhos de Vik Muniz, na Galeria Camargo Vilaça, em 1997, fiquei magnetiza-
da de pronto. Comecei a imaginar se a presença de imagens apropriadas, de
fotografias ou de obras de outros artistas, não significaria uma recorrência a
composições já resolvidas, gerando, portanto, imagens de segunda ou tercei
ra geração — a sua reconstituição da imagem apropriada e a fotografia obti
da a partir dela como obra final — e isso significando, em parte, o esgota
mento ou a dificuldade em criar novas formas. Seria, assim, mais uma mo
dalidade do maneirismo na arte de nosso tempo?
1 Vemos ao lado de Vik Muniz, no Brasil, como raios de criatividade singular, artistas co
mo Rivane Neuenschwander e José Damasceno, ambos expoentes dos anos 90 entre nós.
306
V IK MUN1Z: O ILU SIO N ISM O ALÉM DA APARÊNCIA ESPECULAR
car ou com detritos de lixo, ou uma Santa Ceia recriada com chocolate lí
quido implicam numa licença poética de alto teor de criatividade. Sabe-se
que, na História da Arte, este artista não está só em seus procedimentos. Já
Arcimboldo, no século XVI, compunha, com rara inventividade, perfis de
personagens em assemblages artificiosos de legumes, frutas e vegetais. Assim
como o espanhol — pré-surrealista? — Sanchez Cotán, do século XVII, nos
brindou com composições “do natural”, em suas intrigantes imagens.
N a série elaborada com chocolate líquido, sabemos que Vik reconstruiu
essas imagens com conta-gotas, com paciência quase oriental, e esse procedi
mento continuou ao fotografar rapidamente a imagem fixada — num núme
ro limitado de cópias, tiragem de três, naquele período — em Cibachrome.
Nesse processo, decididamente maneirista, surpreende a similitude da ima
gem original com aquela reproduzida, assim como o frescor do brilho relu
zente da deliciosa coloração do chocolate, que aflora nesses trabalhos. Em
entrevista a Charles A. Stainback, diz Vik Muniz que “o chocolate inspira
uma multidão de fenômenos psicológicos: tem algo a ver com escatologia,
desejo, sexo, dependência, luxúria, romance etc. Nunca conheci alguém que
não gostasse de chocolate. Freud provavelmente poderia explicar porque to
dos amam o chocolate”.3
H á tempos, conversando por telefone com Vik Muniz sobre as imagens
de segunda ou terceira geração, ele afirmou-nos ser consciente hoje que, quan
do se colocam muitas camadas de representação, o olhar do espectador se re
tarda na leitura do trabalho. Parece-me pertinente esta observação quando se
sabe que atualmente o visitante de uma exposição ou Bienal, talvez enfastia
do pelo excesso de obras, prefere caminhar distraidamente pelo espaço ex-
positivo, sem se dar ao trabalho de observar atentamente cada trabalho. As
sim, segundo Muniz, “a ambigüidade também está na sintaxe, na forma como
o objeto é representado. Creio que existe também algo que atrai o olhar do
observador. Quando este se demora para ver, ocorre, ao mesmo tempo, uma
durabilidade, uma permanência maior da obra na mente e emoção do espec
tador”. E acrescenta: “Vejo por mim: no teatro, prefiro um ator menos bom
3 Charles Ashley Stainback (org.), Vik Muniz: Seeing is Believing, Nova York, Arena Edi-
tions, 1998.
308
VIK M UN IZ: O ILU SIO N ISM O ALÉM DA APARÊNCIA ESPECULAR
309
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
nio técnico, quando uma idéia norteia uma obra, quando há um conceito a
perseguir e um empenho de realização, a despeito de tudo e contra todo o
meio ambiente que pode ser, e é, até hostil, quando se vem da América Lati
na para um macrocentro como Nova York. Que, no entanto, sabe reconhe
cer com seriedade a bagagem trazida com substância.
Outro dado que impressiona neste artista é que ele não cultiva a cópia
como mera releitura ou captação de um processo apenas para a obtenção da
composição de uma imagem, o que seria comum no desenvolvimento de um
jovem ansioso por adquirir esse conhecimento. Vai mais além. Logo, o que
faz não são apenas cópias de quadros célebres como as que o genro de Ve-
lásquez faria de telas de seu sogro, ou obras para os inúmeros Museus de
Cópias que existem pelo mundo. Ele não está interessado apenas em cópias
perfeitas, pastiches de obras reconhecidas ou fotos famosas. O que se perce
be, ao mesmo tempo em que se nota com clareza seu virtuosismo e erudição,
é que a partir de uma imagem virtual — a partir de uma representação —
pela múltipla escolha de materiais, na solidão da paciente elaboração de seus
trabalhos, ocorre uma positiva diversidade de opção de meios para suas “ma
trizes” — papéis perfurados, nuvens, chocolate líquido, açúcar, lixo, desenho
com arame, poeira, panetone. Entretanto, o êxito que tem rodeado suas apre
sentações é também um desafio, pelo excesso de assédio de mercado e insti
tuições. Que resista, portanto, com o necessário controle de qualidade, para
que nos mantenhamos neste encantamento frente a humorosa, extraordiná
ria feição lúdica, divertente, maravilhosa, do ato criativo em Vik Muniz.
310
53.
Artur Lescher: a tática da elegância
[2 0 0 2 ]
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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AR TU R LESCH ER : A TÁTICA DA ELEGÂNCIA
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AR TU R LESCH ER : A TÁTICA DA ELEGÂNCIA
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54.
Gregório Gruber
[2 0 0 2 ]
Fascinação por seu entorno físico, pela beleza áspera de nossa cidade, São
Paulo, a ponto de torná-la seu tema predileto durante anos e anos, identi
ficando sua produção com a imagem urbano-arquitetônica embora o desgoste
o rótulo, assim tem sido a trajetória de Gregório Gruber, artista plástico ao
mesmo tempo dotado para a música e praticando uma diversidade de explo
rações de técnicas que poucos de sua geração fizeram. Entre elas: gravura em
metal, litografia, desenho a nanquim, a pastel, pintura em acrílico, a óleo,
técnicas mistas, esculturas muito particulares em bronze, modelagens reve-
ladoras de seu talento em terracota (como M ãe efilha) ou colorida, incríveis
arquiteturas visionárias projetadas em maquetes exemplares. Realizando sem
pre as incursões por todas estas séries de trabalhos de maneira natural, o fazer
artístico como uma extensão de sua maneira de ser/viver, quando se senta ao
piano para estudar diariamente, disciplina que acompanha e ilumina sua vida.
Outros artistas já se detiveram absorvendo esta cidade quase como uma
obsessão sentida. Como Benedito Calixto em alguns trabalhos no começo do
século, em particular aquele focalizando a inundação da várzea do Taman-
duateí, ou Livio Abramo, em certas gravuras dos anos 30, ao projetar aspec
tos do lado operário da urbe que crescia. O u através da visão amorosa e
intimista de Evandro Carlos Jardim, que retorna sempre sobre detalhes da
cidade, seu casario, fragmentos da paisagem urbana que manipula com rara
emoção. O u no primitivo Agostinho Batista de Freitas.
Quando Gregório surgiu, no início dos anos 70, seus trabalhos que foca
lizavam a solidão do homem urbano o aproximavam, como uma constante,
do estranho realismo pré-pop de Edward Hopper, que via Nova York atra
vés de seus edifícios em ruas desertas, das janelas de interiores de apartamen
tos ou percebia a cidade através de cenas como a projetada nos reflexos de
vitrines de lojas.
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G R EG Ó R IO GRU BER
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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G R EG Ó R IO G RU BER
especular com materiais e técnicas, também não se curvou aos modismos: não
partiu para o conceituai, o minimalismo, nem realizou instalações. Talvez pe
lo ambiente de arte herdado de seu pai, Mário Gruber, Gregório acredita no
trabalho de ateliê, na manualidade da produção, a obra surgindo de suas mãos
e não apenas por ele projetada e executada por outros. Persiste nele a capaci
dade de fruição do ato de fazer, que muitos artistas jovens têm perdido.
H á uma diferenciação muito ampla entre as telas de acrílico diluído,
visões urbanas quase monocromáticas — esverdeadas, gamas de cinzas, ocres-
alaranjadas, azuladas — que se aproximam dos pastéis de fins dos anos 70,
mesmo em composições mais recentes, em que reinventa os espaços urbanos
sem mais se preocupar com a veracidade do real, acreditando antes em sua
interpretação a partir de seu domínio desses mesmos espaços, através de
colagens de projeções urbanas, por vezes inidentificáveis. E as telas feitas a
óleo, por vezes quase agressivas em seu cromatismo gritante, de pinceladas
acumulativas -— mas é a luz, a luz que em geral não se aceita pelo lugar-co-
mum de ver São Paulo como uma cidade cinza, argumentaria ele ■— mas que
aí está, no fim de uma tarde, em determinada época do ano, uma lumi
nosidade transgressora dos cartões-postais dessas imagens que poderiam ser
acadêmicas em sua preocupação com a representação.
Esta exposição, que cobre mais de trinta anos de trabalho, desde a se
gunda metade dos anos 60 até hoje, quase um retrato de corpo inteiro de
meio-caminho, poderíamos dizer, pois a juventude inerente à personalidade
de Gregório nos impede de vermos nesta dupla exposição — nesta reaber
tura da Galeria Prestes Maia dos salões paulistas de arte moderna e no espa
ço do BM & F — Bolsa de Mercadorias e Futuros — uma retrospectiva. Mas
nos possibilita uma visão da produção bidimensional, pictórica e gráfica deste
artista integrado à cidade com toda a carga da emoção que lhe comunica esta
dilacerada e fluvial cidade de São Paulo (tão pouco lembrada neste aspecto,
embora no século X X os artistas dos anos 30 e 40 o registrassem em paisa
gens, com a presença freqüente de embarcações em suas pinturas sobre o
Tietê, o Tamanduateí e o Pinheiros).
Entre os temas recorrentes na obra de Gregório, o monumento a Carlos
Gomes, ao lado do Teatro Municipal, presente da colônia italiana à cidade
por ocasião da comemoração do Centenário da Independência em 1922, a
baixada do Glicério, as ruas centrais, o Pátio do Colégio, o Mercado Central
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ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
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55.
León Ferrari:
os anos paulistas (1976-1984)
[2 0 0 4 ]
Talvez o criador esteja mais vivo na medida em que mantém latente sua
capacidade de indignação, de insolência, de indagação. Às vezes esse estado
de espírito se amaina, se aplaca, depois dos 35 anos, quarenta anos. E, por
vezes, aos sessenta não resta mais nenhum resquício desse furor, embora nun
ca seja “demasiada fúria”, consideraria Pablo Suárez. N o entanto, vemos León
Ferrari aos 84 anos em estado de turbulência com o mundo das idéias, cren
ças e preconceitos, expressando-se de maneira destemida, como em geral so
mente aos jovens parece ser dado se manifestar.
Foram estas suas qualidades, e mais sua possibilidade de uma comu-
nicabilidade suave com “o outro”, que fizeram com que Ferrari construísse
com muita rapidez um círculo de amigos e admiradores, quando se radica em
São Paulo, a partir de 1976, sobretudo entre jovens artistas. Para todos, León
Ferrari foi muito importante, pela forma como se interessa pela inovação,
através de processos e tecnologias a serem explorados, pela experimentação,
enfim. Desaparece, assim, a diferença etária, de nacionalidade, pela força de
interesses comuns e fraternos. Essa é a razão pela qual León Ferrari afirma não
se sentir um “exilado” em São Paulo, que confere toda a visibilidade ao ar
tista, que passa a ser desta cidade, com uma projeção bem além dos limites
do estado, e, de certa forma, mantendo contatos que extrapolam a data de
seu retorno definitivo à Argentina.
A casa da rua Carlos Sampaio, como depois a da alameda Lorena eram
freqüentadas por amigos do casal Alicia-León Ferrari, sem mencionar o ate
liê da rua Amália de Noronha, onde León passa a dispor de um ambiente mais
amplo e conectado com artistas que dividem com ele o mesmo espaço, sem
pre aberto para discussão e encontros. Desde o início soube relacionar-se, e
nisto vai também o feeling de quem contatar a partir de afinidades para o tra
321
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
1 O Aster fora fundado em agosto de 1978, por Regina Silveira, Julio Plaza, Walter Zanini
e Donato Ferrari e vigoraria até 1981.
2 É em São Paulo que Ferrari, com efeito, se inicia na litografia. Antes, desenhos seus fo
ram utilizados como ilustração, no caso do livro de Rafael Alberti, em 1963, em decorrência de
dez ou doze desenhos com que o artista presentearia o autor. E o editor, Scheiwiller, de Milão, os
transformou em ilustrações graças ao offset. Segundo Regina Silveira, Ferrari no Aster se interes
sou também pela Yno-offiet, de procedimentos fotomecânicos em chapas pré-sensibilizadas, com
os quais imprimiu diversas de suas “escrituras”. Léon Ferrari realizou em São Paulo pontas-secas
sobre aço inoxidável, dois livros de artista com essa técnica e várias águas-fortes, provavelmente
em 1979. Depoimento de León Ferrari à Autora, a 24/4/2004.
^ León Ferrari participou da exposição coletiva “Gerox”, com cópias em xerox, e alguns ar
tistas se utilizaram então do papel Fabriano para essas cópias. León possui a coleção completa dos
múltiplos feitos para essa mostra, inclusive três fotocópias firmadas por Mira Schendel. Corres
pondência de León Ferrari à Autora, a 13/4/2004.
^ “As microfichas eram em tudo semelhantes às que na época eram de uso comum em bi
322
L EÓ N FERRARI: OS AN O S PAULISTAS (1976-1984)
bliotecas, para miniaturizar textos, e cuja visualização era permitida por aparelhamento específi
co. Já a exposição “Arte Micro” foi produzida numa firma comercial de microfilmagem (IMS,
Microformas e Sistemas) com tiragem sob a orientação do prof. Fredric Litto, da ECA-USP”.
Depoimento de Regina Silveira à Autora, a 22/4/2004.
5 O MAM-SP possui essas microfichas em seus arquivos. A exposição “Arte Micro”, de
microfichas, foi realizada em São Paulo, no Museu da Imagem e do Som (MIS), no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, em Caxias, Rio Grande do Sul, na Bath House, em Dallas, Texas, e
em Lisboa, na Cooperativa Diferença.
6 Sobre o assunto, testemunhos inéditos de León Ferrari, apud Aracy Amaral, Arte para que?
A preocupação social na arte brasileira (1930-1970), Ia ed., São Paulo, Editora Nobel, pp. 22, 27 e
28, 1984.
7 Aracy Amaral, “León Ferrari na Pinacoteca”, “León Ferrari: esculturas, gravuras e dese
nhos”, São Paulo, set. 1978.
323
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
xistência, fazia persistir um lirismo à flor da pele nessa série de sua obra
gráfica. E, como registramos naquele momento, “às vezes o sonoro parece
perceptível em estridências do negro, assim como no Futurismo a utilização
gritante das letras denunciava a vontade do som”, prenunciando as experi
mentações musicais a serem realizadas três anos depois, a partir de varetas ou
barras verticais.
A capacidade de León Ferrari de interagir — para usar uma palavra ho
je em moda — com possíveis interlocutores que conhece em São Paulo foi
surpreendente. U m dos primeiros artistas com quem trava conhecimento é
Alex Fleming, em curso de gravura. Paulo Bruscky, de Recife, um dos pio
neiros em arte-postal no Brasil também entra em seu rol de relações. Assim
como Ana Carreta, Bené Fonteles, artista caminhante, errante por todo o
Brasil, Hudinilson Júnior, que trabalha com xerox, além de Genilson Soa
res, Nina Moraes (esta da jovem geração dos anos 80), assim como o inven
tivo Guto Lacaz, todos absolutamente experimentais utilizando-se das mais
diversas media. Poetas como Arnaldo Antunes, este também compositor, além
de Régis Bonvicino, quem lhe escreveu a apresentação do livro Bíblia. Gen
te de cinema como Jean Claude Bernardet e Hector Babenco, além de his
toriadores e críticos como Walter Zanini, Ana Maria Belluzzo, eu mesma,
Leonor Amarante, o ensaísta e professor de literatura russa na USP, Boris
Schnaiderman, o compositor uruguaio Conrado Silva, que depois trabalha
ria com León em suas experimentações sonoras. Enfim, Ferrari rapidamente
soma, para seu convívio, pessoas criativas com afinidades. Até em Fortaleza
se estendem seus contatos, e o escultor Sérvulo Esmeraldo e Dodora Guima
rães o convidam para o instigante evento “I Exposição Internacional de Es
culturas Efêmeras”, em 1986.8
Entretanto, significativo mesmo foi seu relacionamento com o casal de
artistas Regina Silveira e Julio Plaza, dinamicamente voltados para as expe
rimentações que atraíam Ferrari: videotextos, microfichas (nesta empreitada
324
L EÓ N FERRARI: OS AN O S PAULISTAS (1976-1984)
com o videomaker Rafael França, através das facilidades oferecidas pelo pro
fessor Fredric Litto, da ECA-USP), arte postal, livro de artista, passaram a
ser desenvolvidos simultaneamente por estes artistas, e León Ferrari.
A aproximação de Ferrari da máquina, para fins reprodutivos ou como
fonte de inspiração para suas criações em sua estada em São Paulo, deu-se,
portanto, tanto nas reproduções de sua obra gráfica com fotocópias quanto
na utilização de novos meios, como a heliografia como suporte para suas com
posições, que foram concebidas por outro meio mecânico de incorporação
de “sinais gráficos”: a figura, ausente de seus trabalhos, mas que comparece
a partir da apropriação do vocabulário de letraset. E a mão do artista que pro
jeta a composição, a partir de elementos modulares do letraset. Elementos
básicos para projetos arquitetônicos — onde aparecem como inodoros, neu
tros, despersonalizados — , esses módulos adquirem um caráter peculiar nas
mãos de Ferrari, que infunde vida, senso de humor, em ironia fina a seus
babilônicos interiores ou às visões impressionantes das multidões de carros
em passagens de nível, rodovias, anéis rodoviários, movidos evidentemente
pela visão urbana caótica, excitante e fervilhante, de um grande centro urba
no como São Paulo. Nesse fazer manipulando elementos “pré-fabricados”
percebia-se que León Ferrari se comprazia na descoberta desse novo meio.
Nestas séries de trabalhos que expôs no MAM-SP registramos que o ar
tista se abre a novas formulações. D a “lembrança” que permeava seus textos
ilegíveis passa à suave ironia: “Os módulos de letraset são combinados, enri
quecidos, harmonizados com sua caligrafia — ou montados em estruturas
feitas à mão, para posterior reprodução xerográfica”, impecável sobre papel
vergé de fabricação brasileira. “Estabelece-se nestes últimos trabalhos — as
sim como nos pequenos livros das Edições Licopódio, nome inspirado no pre
parado químico do xerox — um novo relacionamento entre o observador e
a obra, pela própria presença do 'jogo’, através da leitura dos trabalhos pelos
labirintos em que se deslocam os pequenos seres/personagens, narrativas vi
suais que parecem agora emergir das composições em letraset/xerox de León
Ferrari. N os labirintos ou nos jogos de xadrez, este sentido de humor desen
volve-se em cadeia, colocando o espectador diante de enigmas intrigantes,
fundados nos módulos transfigurados pelo artista. Sente-se bem claramente
o deslumbramento de Ferrari diante da multiplicidade de provocações des
cobertas no catálogo do Letraset. E a articulação que ele tenta com os nume
325
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
9 Aracy Amaral, “León Ferrari: a invenção e a máquina”, São Paulo, catálogo MAM-SP,
1980.
10 Miguel de Almeida, “Ferrari e os segredos da metrópole”, Folha de S. Paulo, 7/12/1983.
11 Antonio Gonçalves Filho, “A arte contemporânea...”, Folha de S. Patão, 24/11/1983.
12 Entrevista a Gabriela Salgado, Buenos Aires, mar. 2002.
13 Comentando o não-acolhimento de seu trabalho “Manifesto contra o inferno” à exposi
ção na Recoleta, Ferrari declara que em função dessa experiência e do “Di Telia” — quando
Romero Brest retirou a peça “A civilização ocidental e cristã” (1965), dado o teor político da obra
e seu caráter panfletário, considerava Buenos Aires uma cidade “muito cristã”, comparada com o
ambiente mais aberto encontrado entre os brasileiros: “Eles tiveram a contribuição africana, que
lhes deixou uma cultura muito rica. Eliminou-se a idéia do monoteísmo, que é uma idéia fascista:
o Deus que é único. Não se pode escolher, é o Deus terrível e ineludível”. Entrevista a Alberto
Collazo, “Videla cumple con la Bíblia”, s.ed., 1987.
326
LEÓ N FERRARI: OS ANOS PAULISTAS (1976-1984)
que rodeiam os brasileiros: “Gosto do Brasil porque são mais tolerantes que
nós, embora a situação seja mais terrível que a nossa. Está-se comendo a co
mida desses cinqüenta milhões que estão morrendo. A gente é explorador em
qualquer parte do mundo, porque uns comem e outros não. Mas no Brasil
se nota mais”.14
Essa consideração não é motivo para que Ferrari creia que a arte possa
modificar a vida: “Acaso entendemos, nós que comemos, a criatividade da
queles que não comem?”, se indaga. E acrescenta: “Não estou de acordo com
que a arte possa fazer uma revolução social, mas tampouco com os que di
zem que não serve para nada, pois negam a contribuição artística à socieda
de, que embora seja um grão de areia, tem sua importância, tem a possibili
dade de falar das coisas que não têm palavras”.15
Ao mencionar a atividade plástica que encontra no país, não deixa de
mencionar, na entrevista citada a Alberto Collazo, que paralelamente ao fa
to de serem mais tolerantes, “fazem mais coisas à margem do campo co
mercial”.16
As experimentações mais surpreendentes de Ferrari, em São Paulo, vão
além da manipulação dos elementos mecânicos de reprodução e da apropria
ção de módulos gráficos — como o vocabulário em letraset ou da heliografia
e fotocópia. Situam-se na inventividade de suas peças escultóricas, que cons
tituem um desdobramento de suas esculturas de filamentos lineares apresen
tadas já em 1978. Transportadas a uma escala maior, produzem eventos es
pecíficos. Referimo-nos ao “Arte Lúdica”, realizado no Museu de Arte de São
Paulo (MASP) e na Pinacoteca do Estado. A obra intitulou-se primeiramen
te Berimbau, e depois Percanta, e pertence hoje à coleção permanente da Pi-
14 Idem, ibidem.
*5 Adriana Malvido, “EI arte tiene un peso político muy fuerte, que puede servir al poder o
a las fuerzas que lo combaten: Ferrari”, Uno + Uno, Buenos Aires, 8/4/1982.
16 De fato, trata-se de tempo fértil em que museus, sobretudo nesse fim dos anos 70 e iní
cio dos 80, tomam a iniciativa de propiciar a apresentação de novas linguagens, abrindo seus es
paços: “Fizeram-se grande quantidade de exposições com gente jovem que experimentou diver
sos meios {media): fotocópias, heliografias, videotextos, cartazes publicitários, holografias, com
putadores, fibra óptica, microfichas, livros de artista, arte-postal. Os museus apóiam o campo da
experimentação”, acrescentou referindo-se àquele tempo. Alberto Collazo, idem, ibidem.
327
ARTISTAS C O N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
naco teca de São Paulo, em seu parque de esculturas, no Jardim da Luz, con
tíguo ao museu. O evento na Pinacoteca, a que assisti, de beleza contagiante
por sua inventividade, foi denominado por León Ferrari de “Música Não
Figurativa”, assinalando essa nova incursão do artista pelo domínio do som.
A escultura que propiciava essa sonoridade — obtida pela manipulação do
artista, em verdadeira performance — constava de centenas de barras metáli
cas de diferentes diâmetros, invertidas, presas em sua base.
O artista narra o início dessa experiência: “Comecei a utilizar o pêndu
lo invertido em uma série de esculturas formadas por varetas verticais de aço
presas a uma base comum, em seu extremo inferior. Ao agitar-se com o ven
to ou com a mão, escutava-se um murmúrio: pensei então em utilizar essas
peças como instrumentos musicais que dançam sua própria música”.17
Como os músicos receberiam essas “esculturas sonoras” de Ferrari? Co
menta Enio Squeff: “Para os músicos, a obra escultórica-musical do senhor
León Ferrari não chega a constituir novidade: ele usa arcos de violinos para
friccionar barras de ferro, emprega baquetas para percuti-las ou simplesmente
bate as barras umas contra as outras num trabalho que, em gravação, resulta
muitas vezes exatamente naquilo que alguns músicos extremamente compe
tentes, como o polonês Penderecki ou o alemão Stockhausen conseguem
obter de uma sinfônica. Ou seja, sem ser um músico ao pé da letra, o escul
tor León Ferrari consegue um clima de musicalidade que define a música de
um modo muito especial”. E prossegue dizendo que a atividade musical do
escultor “não deixa de expressar essa realidade: por não ser músico, mas ar
tista plástico, ele incursiona com timidez num terreno que lhe é vedado na
medida em que existe uma divisão de trabalho muito nítida no tipo de socie
dade em que vivemos; e que, em função disso, a própria música requer um
artesanato específico”. Squeff reconhece, contudo, que Ferrari “amplia em
muito as possibilidades de que a música seja apenas uma alternativa entre a
17 “Esculturas que fazem música”, Folha de S. Paulo, 16/12/1980. “Para mim, diz Leó
Ferrari, o aspecto mais interessante dessas esculturas que fazem música são as vozes que se obtém
com o arco do violino. Os sons se modulam e mudam de acordo com a variação da altura do ponto
de contato, a pressão, velocidade e ângulo de toque. O resultado faz lembrar às vezes um violoncelo,
um instrumento de vento, uma respiração ou um lamento”. E o nome dado à peça, Percanta, re
flete palavra da gíria de Buenos Aires, que significa menina, moça, garota. Idem, ibidem.
328
LEÓ N FERRARI: OS AN O S PAULISTAS (1976-1984)
prática do artesanato e a sua fruição, como se faz nos teatros com Beethoven,
Mozart ou Schoenberg. Sob este aspecto, ele apenas acrescenta um pouco
menos do que fazem os compositores Gilberto Mendes, Raul do Vale e Willy
Correa de Oliveira que, por serem artesãos, nunca se negam a essa tradição
que os formou. León Ferrari não quer ser mais um escultor que, eventual
mente, usa escultura para a música, na medida em que seus trabalhos se pres
tam também como instrumentos”.18
León Ferrari realizaria, entre final de 1983 e fevereiro de 1984, uma
exposição na galeria “Humberto Tecidos”, na qual Conrado Silva, composi
tor uruguaio radicado em Campinas, apresentou Variaciones para vástagos
metálicos, tocado por seus músicos, a partir de trabalho do artista.19
Essas esculturas sonoras de barras metálicas motivariam o então secre
tário municipal de Cultura de São Paulo, Fábio Magalhães, a convidar o ar
tista para realizar uma escultura pública em homenagem a Alceu Amoroso
Lima (Tristão de Athaíde), pensador católico do século XX, inaugurada no
D ia dos Direitos Humanos, na Marginal Pinheiros com Avenida João Dias,
na zona Sul de São Paulo.20 Comentando a concepção deste trabalho, Tei
xeira Coelho enfatiza que o artista “procurou escapar à idéia tradicional de
‘monumento’ que impõe uma separação entre o glorificado e o comum dos
mortais que se limita a rodear a obra sem aproximar-se dela”.
As colagens de imagens da História da Arte e as abordagens de textos
bíblicos são retomadas, com a mesma irreverência, por Ferrari a partir de ex
18 Enio Squeff, “León domina o som das esculturas”, Folha de S. Paulo, 20/12/1980. Os
compositores citados pelo comentarista, Mendes, do Vale e Correa de Oliveira são compositores
de música concreta no Brasil.
13 Essa exposição seria premiada como a Melhor Exposição do Ano, pela Associação dos Crí
ticos de Arte de São Paulo. “Uma exposição emocionante, no sentido amplo e legítimo da pala
vra, abrangendo a produção passada e atual do artista e um registro iconográfico do artista e sua
família, filhos, esposa, parentes, netos, em vários momentos de sua vida na Argentina e no Brasil,
além de evocações da obra de seu pai, um construtor de catedrais do século XX, literalmente”. José
Teixeira Coelho Neto, “Uma catedral ao vento dos direitos humanos”, A r’te, n° 9, São Paulo, 1984.
20 A escultura, de 4 x 4 x 5,5 m de altura, “formando um prisma de canos verticais de aço
com três polegadas de diâmetro cravados no chão em meio à grama” era como um “labirinto por
onde caminham e passam os freqüentadores da praça”. José Teixeira Coelho Neto, op. cit.
329
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
posição que realiza em São Paulo, em 1984,21 antes de seu retorno paulatino
e definitivo a Buenos Aires. A coexistência com o clima político-social e cul
tural argentino faria recrudescer — e exacerbar — sua crítica em relação ao
poder, à Igreja e ao Estado repressivo. Progressivamente, ele centraliza, assim,
em suas atividades, essa retomada feroz, poderíamos dizer, do confronto com
o reacionarismo clerical, marca de sua produção dos últimos vinte anos. Não
por acaso escreve-lhe a propósito seu grande amigo, o artista e intelectual Luís
Felipe Noé: “Pocos quieren entender cuando decís que el verdadero cristianismo
es elferoz, el de Torquemada, porque de la concepción dei infierno a los campos
de concentración sólo hay una pequena variante temporal. Pero debe entenderse
que tu cuestionamiento a l cristianismo parte de la desilusión (y el escepticismo
consecuente) sobre que él no sea el defensor de los valores que te ensenó”
A indagação que permanece no ar é: como seria a produção de León
Ferrari caso tivesse optado por permanecer no Brasil e não houvesse regres
sado à Argentina? Será que esse caráter intelectual de profunda, impressio
nante erudição, hereje, “anti-cristão”, idólatra, pró-inferno, violento em re
lação à aguda problemática político-clerical de seu país, em contato com a
memória e o engajamento inevitável com os compromissos de sua geração
emergeria com a mesma energia a que assistimos após seu retomo a Buenos
Aires? Ou optaria ele pelo prosseguimento de uma linha de especulação for
mal como a que caracterizou seus desdobramentos no Brasil?
21 Galeria Susana Sassoun, nov. 1984. Em “A Nova Dimensão do Objeto”, exposição co
letiva no MAC-USP, em setembro de 1986, também estaria presente um trabalho com a incor
poração de um crucifixo sobre o suporte pintado (140 x 115 cm). Tendo iniciado várias viagens
regulares a Buenos Aires a partir de 1983, o retorno de Ferrari à Argentina se daria de forma in
termitente até tornar-se definitivo em 1991, quando encerra seu ateliê na rua Amália de Noronha.
Expõe em várias coletivas, inclusive em “Palavra Imágica” (1987), no MAC-USP, com collages
religiosos. Trabalhos desta fase foram selecionados — e posteriormente censurados — para a ex
posição latino-americana realizada por Dawn Ades, em Londres, na Hayward Gallery. Depoimen
to de León Ferrari à Autora, a 3/5/2004.
22 “Poucos querem entender quando você diz que o verdadeiro cristianismo é o feroz, o de
Torquemada, porque da concepção do inferno aos campos de concentração há somente uma pe
quena variante temporal. Mas é preciso entender que o seu questionamento do cristianismo parte
da desilusão (e o conseqüente ceticismo) por ele não ser o defensor dos valores que lhe ensinou”.
Luís Felipe Noé, “Carta a León sobre ‘El Caso Ferrari’”, Fin de Siglo, jun. 1988.
330
56.
Conversação com Evandro Carlos Jardim:
imagens revisitadas
[2 0 0 4 ]
1 Paul Ricoeur, Temps et récit — Tome L. L 'intrigue et le récit historíque, Paris, Editions du
Seuil, 1983, p. 28. Colaboração bibliográfica de Lisette Lagnado.
2 De agora em diante, em itálico, textos-títulos de obras de Evandro Carlos Jardim.
331
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
332
CONVERSAÇÃO CO M EV ANDRO CARLOS JARD IM : IM AGENS REVISITADAS
333
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
Cada imagem tem uma procedência, pois cada paisagem, cada objeto,
cada figura, enfim, possui sem dúvida um sentido afetivo, ou mesmo jacen-
te no subconsciente — ou são fragmentos de sonho? — , que parece se somar
às suas razões visuais. E assim sendo, para Evandro, esse retorno contínuo é
explicável pelo fato do “tempo ser fluido, e sendo assim, você pode se deslo
car nele à vontade”, posto que escapa de um critério cronológico. Simulta
neamente, nessa volta às imagens já registradas, não estaria também implíci
to o reter o tempo, o manter a imagem-tempo viva? Ou, é reter o impossível,
o tempo, como tentar deter as águas de um rio, que, como lembra o artista,
“é alguma coisa em constante movimento”.
Quais as fontes dos trabalhos de Evandro? A fotografia, o desenho, o
xerox, de que ele lança mão despreconceituosamente, para as séries de suas
imagens gravadas, e até os objetos que constrói para motivar-se em sua formu
lação gráfica: como o feixe metálico de gravetos, como o seria também o pão,
como os olhos, ou a chuva, e freqüentemente, textos poéticos que se vêem,
espelhados, sobre o papel encimando a imagem, sempre do próprio Evandro
a inventar/propor situações — “construo o desenho pela anotação”. Mas, na
verdade, anotações em cadernos surgem como uma complementação auxi
liar para formular a resolução da chegada à realidade visível. O texto ajuda o
artista como se ocorressem diferentes níveis de representação, o da linguagem
escrita e o da linguagem gráfica. Porém, se percebe, Evandro se utiliza da
palavra não apenas para titular suas gravuras, mas, ao mesmo tempo, se com
praz na elaboração dos dizeres, trabalhando com as palavras com que opera
o discurso poético.
Uma série já antológica de Evandro é a do Pico do Jaraguá (1979), pois
o entorno de São Paulo reaparece constantemente, assim como na série do
Tamanduateí. A espacialidade ampla do papel comparece em Igreja de Santo
Amaro (1990), a matriz representada diminuta como um segredo sussurra
do, suspensa, no canto superior direito, tendo à esquerda a dupla fita esvoa
çante, “indicativa de um tempo que passa” . E Evandro lembra Saint-Beuve
ao dizer que o que você faz pode ser de hoje, mas é resultado de ontem ou
de amanhã.
A propósito do conceito de tempo, tão recorrente, Evandro cita Santo
Agostinho, e encontramos em Ferrater M ora uma síntese do pensamento
desse doutor da Igreja, de que “o tempo para ele é um grande paradoxo. E
334
CONVERSAÇÃO COM EVANDRO CARLOS JARD IM : IM AGENS REVISITADAS
um ‘agora’ que não é; o ‘agora’ não se pode deter, pois se isso ocorresse não
seria tempo. O tempo é um ‘será’ que ainda não é. O tempo não tem dimen
são; quando vamos pegá-lo, ele desvanece”, se esvai. E, no entanto, Santo
Agostinho diz que sabe o que é o tempo: “quando não me perguntam eu sei
o que é; quando me perguntam o que é, não o sei” (Confissões, XI). Aliás,
quando Paul Ricoeur reflete sobre a noção do tempo de Santo Agostinho,
lembra com pertinência o caráter efêmero do presente: “O presente não tem
extensão”, pois a medida do tempo é difícil, e somente “no momento, por
tanto, em que o tempo passa, ele pode ser percebido e medido”.3 Por outro
lado, em Bergson, o conceito de memória se funde com o de consciência e
tempo, quando ele diz: “consciência significa primeiramente memória. À
memória pode faltar amplitude; ela pode abarcar apenas uma parte ínfima do
passado; ela pode reter apenas o que acaba de acontecer; mas a memória exis
te, ou então não existe consciência”.4 Referindo-se à memória como anteci
pação do futuro, ou seja, pensando em termos de tempo, ele afirma ainda que
“Reter o que já não é, antecipar o que ainda não é, eis a primeira função da
consciência. Não haveria para ela o presente se este se reduzisse ao instante
matemático. Este instante é apenas o limite, puramente teórico, que separa
o passado do futuro; ele pode a rigor ser concebido, não é jamais percebido;
quando cremos surpreendê-lo, ele já está longe de nós”.5 Ou seja, com ou
tras palavras, mais ou menos o mesmo dito por Santo Agostinho e retomado
por Ricoeur sobre o efêmero do tempo.
A observação casual em meio à desordem urbana provoca igualmente o
surgimento de um tema. Como a elipse, que aparece como rastro luminoso
na gravura negra e que inspirou a Evandro uma espécie de conceito da mar
ginalidade. N a verdade, a elipse, como margem, diz ele, “é estar em cima da
335
ARTISTAS CO N TEM PO R Â N EO S N O BRASIL
336
CONVERSAÇÃO COM EVANDRO CARLOS JARD IM : IM AGENS REVISITADAS
339
13. “Bienais ou da impossibilidade de reter o tempo” — Publicado na Revista da USP,
número comemorativo dos cinqüenta anos da Bienal Internacional de São Paulo,
São Paulo, dez. 2001/jan.-fev. 2002.
PA RT E 2 — A R T IST A S C O N T E M P O R Â N E O S N O BR ASIL
340
29. “Emmanuel Nassar” — Publicado no catálogo da X X Bienal Internacional de São
Paulo, São Paulo, Fundação Bienal, 1989.
30. “Marco Giannotti” — Publicado na Galeria Revista de Arte, n° 6, São Paulo, 1989,
pp. 138-9.
31. “Leda Catunda” — Texto elaborado para exposição coletiva realizada na inauguração
do Museu de Arte Contemporânea de Monterrey, México, jun. 1990.
32. “Frida Baranek” — Publicado no catálogo da exposição “Aperto 90”, XLIV Bienal de
Veneza, 1990.
33. “Quatro artistas” — Publicado no catálogo da exposição “Arte híbrida”, São Paulo,
Funarte/MAM-SP/Espaço Cultural BFB, 1990.
34. “A propósito do trabalho de Beralda Altenfelder” — Publicado no catálogo da
exposição da artista na Galeria Millan, São Paulo, set.-out. 1990.
35. “Uma nova geração” — Publicado no catálogo da exposição “Brasil: la nueva
generación”, Caracas, Museu Nacional de Belas Artes, abr. 1991.
36. “A efervescência dos anos 80” — Publicado no catálogo da exposição “BR-80”, São
Paulo, Instituto Cultural Itaú, 1992.
37. “Guto Lacaz: entre o urbano, a memória e a ‘Aerobrás’” — Texto inédito, São Paulo,
out. 1992.
38. “A mulher nas artes” — Publicado no catálogo da exposição “The Art of
Ultramodern Contemporary Brazil”, Washington D.C., The National Museum
for Women in the Arts, abr.-ago. 1993.
39. “Carmela Gross: um olhar em perspectiva” — Publicado no catálogo da exposição da
artista no MAM-RJ, Rio de Janeiro, jun. 1993.
40. “Jeanete Musatti: do abismo entre o onírico e a memória” — 1994.
41. “Uma geração emergente” — Texto inédito, Porto Alegre, RS, jul. 1994.
42. “Espelhos e sombras” — Publicado no catálogo da exposição “Espelhos e sombras”,
São Paulo, MAM-SP; Rio de Janeiro, CCBB, ago. 1994.
43. “Voluntarismo de Cravo Neto” — Publicado em jornal de Salvador, BA, maio 1995.
44. “Visita a Caetano de Almeida” — Publicado no catálogo da exposição do artista, São
Paulo, mar. 1996.
45. “Geórgia Kyriakakis” — Publicado no catálogo da XXIII Bienal de São Paulo,
São Paulo, Fundação Bienal, 1996.
46. “A propósito da arte construtora: das poéticas visuais às interferências urbanas” —
Texto elaborado para conferência em Porto Alegre, RS, nov. 1996.
47. “Marcelo Grassmann, gravador” — Publicado no catálogo da exposição do artista na
Pinacoteca do Estado, São Paulo, 1996.
48. “Regina Silveira: vocação internacionalista” — Publicado em Angélica de Morais
(org.), Regina Silveira: cartografias da sombra, São Paulo, Edusp, 1996.
341
49. “Uma trajetória: Giselda Leirner” — Publicado no catálogo “Giselda Leirner”, Rio de
Janeiro, MAM-RJ, nov. 1996-jan. 1997; Salvador, MAM-BA; São Paulo, MAM-
SP; Brasília, Ministério das Relações Exteriores, 1997.
50. “A mulher é o corpo” — Publicado no catálogo da exposição “A mulher é o corpo”,
São Paulo, Galeria Adriana Penteado, set. 1997.
51. “Lugar chamado arte” — São Paulo, 1999.
52. “Arte paulistana” — Publicado na Gazeta Mercantil, São Paulo, 10/11/2000.
53. “Vik Muniz: o ilusionismo além da aparência especular” — Publicado no catálogo
Verpara crer, São Paulo, MAM-SP, 2002, e com o título “Vik Muniz: Illusionism
beyond Specular Appearance”, em Germano Celant (org.), Vik Muniz, Roma,
Museo d’Arte Contemporânea; Milão, Mondadori Electa, Spa, 2003.
54. “Gregório Gruber” — Publicado no catálogo da exposição “Gregório Gruber:
pinturas, pastéis, aquarelas, guaches e gravuras”, São Paulo, MASP-Centro/
BM &F, set. 2002.
55. “Artur Lescher: a tática da elegância” — Publicado em Artur Lescher, São Paulo,
CosacNaify, 2003.
56. “León Ferrari: os anos paulistas (1976-1984)” — Publicado no catálogo Leon Ferrari:
retrospectiva das obras, 1954-2004, organização de Andrea Giunta, Buenos Aires,
Centro Cultural Recoleta, nov. 2004-fev. 2005.
57. “Conversação com Evandro Carlos Jardim: imagens revisitadas” — Publicado no
catálogo O desenho estampado: a obra gráfica de Evandro Carlos Jardim , pp. 33-43,
São Paulo, Pinacoteca do Estado, 9/7-28/8/2005.
342
índice onomástico
Abramo, Livio, 164-5,195, Andrade, Farnese de, 32, Bardi, Pietro Maria, 91
230, 280, 282, 316 297, 303 Barilli, Renato, 73, 75
Acconci, Vito, 85, 118 Andrade, Mário de, 29, 123, Barr Jr., Alfred H., 12, 88
Acha, Juan, 45, 95-6, 219 227, 317 Barrão, Jorge, 146, 156, 210,
Acosta, Gustavo, 66 Andrade, Oswald de, 227 213, 216, 218
Agostinho, Santo, 334-5 Andrade, Rodrigo, 144, 146- Barrat, Martine, 112, 114
Aguiar, Lydia Dias de, 222 8,213 Barrio, Artur Alipio, 98,
Aguilar, José Roberto, 195 Andrade, Romero de, 70 274, 312
Aguilar, Nelson, 85, 87-8 Andrade, Santusa, 137 Barros, Geraldo de, 151,
Alechinsky, Pierre, 62 Andreatini, Luiz, 281 281, 304
Alloway, Lawrence, 246 Anselmo, Giovanni, 73-4 Barros, Stella Teixeira de,
Almeida, Belmiro de, 135 Antonakos, Stephen, 43 32, 67
Almeida, Caetano de, 267-8 Antunes, Arnaldo, 324 Barroso, Cristina, 189, 213
Almeida, Fábio Cardoso de, Antúnez, Nemesio, 305 Barsotti, Hércules, 304
213 Araújo, Otávio, 281 Basquiat, Jean-Michel, 146,
Almeida, Miguel de, 326 Argan, Giulio Cario, 51, 210
Almeida, Paulo Mendes de, 142, 240 Baudrillard, Jean, 40, 53
57-8, 90, 93, 224 Arman, 68, 74 Bayón, Damián, 30, 135,
Altenfelder, Beralda, 202-3 Babenco, Hector, 324 183, 204
Altman, Robert, 257 Bainbridge, Eric, 72 Bazaine, Jean, 68, 72
Alves Filho, Rodrigues, 95, Baila, Giacomo, 88 Becher, Bernd, 73-4
133 Balthus, 268 Becher, Hilla, 73-4
Alves, José Francisco, 258 Bandeira, Antonio, 32, 182 Beckmann, Max, 88, 282,
Amaral, Antonio Henrique, Baranek, Frida, 68, 75, 209, 284
32 232 Bedia, José, 43
Amaral, Tarsila do, 179, Barata, Fernando, 26 Beethoven, Ludwig van, 329
222-5, 227 Baravelli, Luís Paulo, 304, Bellmer, Hans, 295
Amarante, Leonor, 88, 324 312 Belluzzo, Ana Maria, 324
343
Benjamim, Marcos Coelho, Bosshardt, 45 Campos, Elisa, 261
68, 70, 183, 250, 298, Botero, Fernando, 27 Campos, Haroldo de, 110,
303 Brancusi, Constantin, 190, 125
Bento, José, 250, 297, 303 227, 265 Camus, Albert, 259
Bérard, Honoré Marius, 68 Brandão, Ivan, 43 Caram, Marina, 25, 31, 195,
Berkowitz, Marc, 93 Brandi, Herbert, 64, 66 281
Bernardet, Jean Claude, 324 Brannigan, Sheila, 68, 126, Caravaggio (Michelangelo
Bernardete, 211 140 Merisi), 307
Bernette, Yara, 222 Bravo, Manuel Alvares, 27 Cardoso, Sérgio Vieira, 211
Berredo, Hilton, 158, 207 Brecheret, Victor, 63, 173, Carrà, Cario, 88
Beuys, Joseph, 43, 52, 61-3, 287,317 Carreta, Ana, 324
65, 75, 168, 228 Brecht, Bertolt, 253 Carrington, Leonora, 224
Bhabha, Homi K., 251, 261 Brennand, Francisco, 32, 63, Cartier-Bresson, Henri, 265
Bicheiro, Djalma, 122 76-7, 195 Carvalho, Flávio de, 58, 91,
Bill, Max, 151, 216 Brest, Romero, 151, 326 295
Bisilliat, Maureen, 28 Breton, André, 152-3, 298 Carvalhosa, Carlito, 147-8
Bissière, Roger, 72 Brett, Guy, 123 Castellano, Savério, 165
Bjorlo, Per Inge, 23 Brisley, Stuart, 22 Castelli, Luciano, 44
Blistene, N., 75 Brissac Peixoto, Nelson, 272, Castro, Amilcar de, 67, 181-
Bloch, Pedro, 218 276 2, 250, 279, 297, 300
Boccioni, Umberto, 88 Brito, Ronaldo, 129 Castro, Willys de, 304
Boese, Henrique, 68 Brueghel, Pieter, 284 Catunda, Leda, 26, 66, 126-
Boezem, Marinus, 64 Bruscky, Paulo, 250, 324 7,144,146,190-2,194-
Boi (José Carlos Cezar Bullas, Joseph, 21 5, 198-200, 207, 210,
Ferreira), 32 Burn, Ian, 85 213, 218, 231-2, 249,
Boltanski, Christian, 22 Burri, Alberto, 68 256
Bonaparte, Luís, 278 Cage, John, 116, 242 Cavén, Kari, 42, 78
Boni, Regina, 222 Caíto (Luís Carlos M. da Cendrars, Blaise, 158, 227
Bonino, Alfredo, 222 Silva), 158, 259 Ceroli, Mario, 63
Bonino, Giovanna, 222 Caldas, Waltércio, 85, 156, César, Rodolfo, 48
Bonomi, Maria, 164-5, 230, 305,312, 320 Cézanne, Paul, 34
280 Calder, Alexander, 88, 95, Chamberlain, John, 68
Bonvicino, Régis, 324 153, 155 Charoux, Lothar, 31, 182
Borges, Jorge Luis, 253, 259- Calixto, Benedito, 316 Chastel, Roger, 39
61 Câmara Filho, João, 129-32, Chateaubriand, Assis, 91
Borofsky, Jonathan, 21, 23, 134-5 Chateaubriand, Gilberto, 46
145 Camargo, Iberê, 25, 31-2, 67 Chiarelli, Tadeu, 188
Bosch, Frans, 254 Camargo, Sérgio de, 67, 72, Chillida, Eduardo, 72, 76
Bosch, Hieronymus, 284 182, 266 Christo, 74, 103, 106, 239
344
Chryssa, Vardea, 43 Dali, Salvador, 243 Ferrari, Donato, 322
Cipis, Marcelo, 216, 256 Daumier, Honoré, 305 Ferrari, León, 158, 166, 173,
Clark, Lygia, 87, 103-5, De Kooning, Willem, 95 321-30
107-8, 120, 123-4, 128, De La Vega, Jorge, 27 Ferraz, Geraldo, 281
223, 228, 303 Degand, Léon, 90-1 Ferreira, Edemar Cid, 84
Climachauska, Paulo, 259 Deira, Ernesto, 27 Fiaminghi, Hermelindo, 268
Coelho Neto, José Teixeira, Delaunay, Sonia, 225, 227 Figari, Pedro, 85
329 Delly, M „ 142 Fingermann, Sergio, 166,
Cohen, Haron, 21 Delvaux, Paul, 62 189
Collazo, Alberto, 326-7 Derdyk, Edith, 260 Fiocca, Ana Maria, 222
Colombino, Carlos, 27 Dewasne, Jean, 72 Fiore, Ondina, 110
Cordeiro, Waldemar, 93, Di Cavalcanti, Emiliano, 46, Fiore, Quentin, 109-10
126, 149-51,216, 281, 223, 295 Fischli, Peter, 66
312 Di Prete, Danilo, 91 Flavin, Dan, 43
Cornell, Joseph, 153-4, 243- Di Statio, Stefano, 23 Fleming, Alex, 166, 324
4 Dias, Antonio, 104 Folon, Jean-Michel, 72
Corot, Jean-Baptiste Dias, Geraldo Souza, 202 Fonseca, Cláudio, 32, 146,
Camille, 307 Díaz, Gonzalo, 86 207
Costa, Cacilda Teixeira da, Dibbets, Jan, 85 Fonseca, Gonzalo, 73, 76
172 Dokoupil, Jin Georg, 21-2 Fonteles, Bené, 158, 324
Costi, Rochelle, 276 Domela, Cesar, 45-6, 62 França, Rafael, 322, 325
Cotán, Sanchez, 308, 243 Dórea, Juraci, 43 Franco, Siron, 70
Courbet, Gustave, 147, 307 Dristchel, Mary, 225 Freedberg, David, 254
Cozzolino, Ciro, 26, 126-7, Duar, Eduardo, 207 Freitas, Agostinho Batista de,
144, 190, 207, 213 Duchamp, Mareei, 45-7, 316
Cragg, Tony, 211 153, 243, 287 Freud, Sigmund, 308
Cravo Neto, Mário, 65, 187, Ebizuka, Koichi, 42 Friedlander, Lee, 164
250, 264-6 Eckell, Ana, 22, 25 Funakoshi, Katsura, 64
Cravo, Mário, 266, 283 Eder, Rita, 24 Galvão, João Cândido, 70
Creimer, Geórgia, 49, 157, Ellison, Jane, 226 Garcez, Paulo, 26
178-80, 188, 196,213, Eluf, Lígia, 166 Garciandía, Flávio, 23, 25
232, 259 Ensor, James, 88 Garouste, Gerard, 44
Croft, José Pedro, 42 Ernst, Max, 153 Gaudibert, Pierre, 55
Cuevas, José Luis, 203, 284, Esmeraldo, Sérvulo, 160-3, Gego (Gertrud
291 324 Goldschmidt), 85-6
Cunha, Francisco, 32 Estácio, Oto do, 120-1 Geiger, Anna Bella, 67, 230
Da Vinci, Leonardo, 307 Estrada, Leonel, 16 Gerchman, Rubens, 32, 104,
Dacosta, Milton, 68, 226 Fajardo, Carlos, 156, 304, 107-8
Daher, Luiz Carlos, 32 312
345
Giannotti, Marco, 189-90, Guston, Philip, 147, 210, Karavan, Dani, 22
200, 209, 213 291, 294 Katz, Leandro, 115, 119
Gilbert, Proesch, 86, 215 Guterman, Retroz, 244 Katz, Renina, 164
Gironella, Alberto, 24 Haacke, Hans, 74 Kiefer, Anselm, 39, 41, 44,
Gleizes, Albert, 227 Habermas, Jürgen, 214, 305 63, 65, 75, 317
Glusberg, Jorge, 96 Hamilton, Richard, 61, 64 Kim, Lina, 260
Gnozzi, Roberto, 63 Hartley, Hal, 257 Kirchner, Ernst Ludwig, 282
Goeldi, Oswaldo, 195, 280, Hayter, Stanley William, 72 Kjerrman, Pontus, 64
282 Hendrix, Jimi, 117 Klee, Paul, 85, 88
Gomes, Fernanda, 261 Henrique, Gastão Manuel, Klein, Yves, 61-2
Gomide, Antonio, 46 158 Koch, Lucia, 261, 275, 277
Gonçalves Filho, Antonio, Herkenhoff, Paulo, 78 Kokoschka, Oskar, 60, 88,
326 Hernández, Sergio, 24 95
Gonzaga, Chiquinha, 222 Hien, Albert, 21, 48 Kollwitz, Kaethe, 284
Goodwin, Betty, 64 Hirst, Damien, 262-3, 309 Koons, Jeff, 210, 216, 239
Goya, Francisco, 86, 116, Hlito, Alfredo, 62 Kosuth, Joseph, 85
147 Holanda, Sérgio Buarque de, Kounellis, Iannis, 39, 42, 74
Graham, Dan, 85 214 Krajcberg, Frans, 12, 68,
Grassmann, Marcelo, 12, 31, Hollein, Hans, 72 245, 280
164, 279-85, 291 Holzer, Jenny, 73, 76, 239 Kubin, Alfred, 88, 284
Greenberg, Clement, 206, Horn, Rebecca, 74 Kuhn, Heinz, 154
284 Horta, Ana, 32, 207 Kuitca, Guillermo, 25, 66,
Greer, Germaine, 226 Howard, John, 174 244
Grinspum, Ester, 232 Hoyos, Ana Mercedes, 25 Kulawiak, Stanislaw, 66
Gross, Carmela, 64, 68-9, Hukkanen, Reijo, 26 Kuperman, Mary, 145
173, 228, 234-9, 241, Ianelli, Arcangelo, 126 Kurosawa, Akira, 70
270, 276, 304-5 Jaar, Alfredo, 44 Kuspit, Donald, 255
Grote, Ludwig, 88 Jacob, W., 75 Kyriakakis, Geórgia, 262,
Gruber, Gregório, 316-20 Jacquet, Alain, 62, 66, 268 269-70
Gruber, Mário, 316, 319 Jakut, Alexandre, 78 Lacaz, Guto, 26, 155, 157,
Guasque, Yara, 166 Jardim, Evandro Carlos, 165— 173, 202, 207,211-3,
Guedes, Paulo, 322 7, 203, 281,291,331-6 215-9, 245-50, 256, 304,
Guersoni, Odetto, 164-5 Jerônimo da Mangueira, 122 324
Guimarães, Dodora, 162, Johns, Jasper, 21, 309 Lam, Wifredo, 28, 55, 85
222, 324 Jungle, Tadeu, 173 Lambrecht, Karin, 210, 228,
Guimarães, Jean, 260 Júnior, Hudinilson, 166, 324 249
Guinle, Jorge, 145, 248 Kahlo, Frida, 55, 139, 224 Langer, Susanne, 254
Gullar, Ferreira, 206 Kandinsky, Wassily, 110 Lappas, George, 45
Kapoor, Anish, 76 Larrain, Sergio, 44
346
Lazzarotto, Poty, 283 Loire, Francisco, 23 Mathieu, Georges, 68
Le Corbusier (Charles- Lontra, Marcus, 207 Matisse, Henri, 190
Edouard Jeanneret), 52 Lopes, Fábio, 189, 202 Matta, Roberto, 28, 55
Le Pare, Julio, 150 Lucchesi, Fernando, 26, 70, Matuck, Carlos, 26, 145
Lebenstein, Jan, 284 183-4, 186,211,250, Matuck, Rubens, 173, 218
Lee, Wesley Duke, 27, 76, 298, 301-3 Mayer, Charles, 22
304 Lunardi, Mimma, 277 Meira, Ruy, 186
Léger, Femand, 88, 227 Lyth, Harald, 43, 45 Meireles, Cildo, 63-4, 98,
Leirner, Adolpho, 217 Macció, Romulo, 27 168-70, 232, 300, 303
Leirner, Giselda, 290-2 Machado, Ivens, 48, 259 Melo Neto, João Cabral de,
Leirner, Jac, 75, 156-7, 189, Machado, Lourival Gomes, 124
196, 207, 210, 218, 232, 58 Mendes, Cândido, 69, 137,
243, 247, 249, 305 Machado, Milton, 48 169
Leirner, Nelson, 173, 192, Maet, Marc, 44 Mendes, Gilberto, 329
206-7, 216, 232, 245, Magalhães, Fábio, 329 Mendonça, Casemiro Xavier
247, 255, 268, 276, 286, Magno, Montez, 187 de, 76
304, 312 Magritte, René, 88, 268 Menezes, Ulpiano Bezerra
Leirner, Sheila, 21, 31, 34, Malfatti, Anita, 140, 223-4, de, 92, 94
36, 40, 63, 209, 225, 248 226-7, 281,293 Merz, Mario, 74, 85
León, Ernesto, 25 Manessier, Alfred, 68, 72 Mesquita, Ivo, 32, 88
Leonilson (José Leonilson Mangold, Robert, 105 Meyer, Luisa, 275, 277
Bezerra Dias), 26, 127, Manuel, Antonio, 228, 312 Michalany, Cassio, 48
146, 158, 198, 207 Mapplethorpe, Robert, 264- Michelangelo Buonarroti,
Leontina, Maria, 68, 139, 6 64, 246
226 Marepe (Marcos Reis Middendorf, Helmut, 21
Leroy, Jimmy, 275-7 Peixoto), 276 Miguez, Fábio, 32, 147-8,
Lescher, Artur, 212, 216, Mariani, Anna, 39, 49, 188 213
257, 304,311-4 Mariani, Cario Maria, 78 Milan, Denise, 157
Lewitt, Sol, 85 Marin, Jonier, 25 Milhazes, Beatriz, 66, 211,
Lhote, André, 161, 227 Márquez, Gabriel Garcia, 279 213
Lichtenstein, Roy, 309 Martin, Jean-Hubert, 79 Millet, Catherine, 63, 66
Lima, Alceu Amoroso Martins, Aldemir, 12, 280 Milliet, Sérgio, 90
(Tristão de Athaíde), 329 Martins, Luís, 57 Miralda, Antoni, 73, 76
Lima, Maurício Nogueira, Martins, Maria, 49, 91, 227 Miranda, Áquila da Rocha,
151 Martins, Vera, 262 145, 206
Limberger, Fernando, 260, Masereel, Frans, 282 Miró, Joan, 243
273-6 Matarazzo Sobrinho, Mohalyi, Yolanda, 126, 291
Litto, Fredric, 323, 325 Francisco (Ciccillo), 60, Moles, Abraham, 150
Lobato, Monteiro, 57 88-92, 95-6, 283
347
Mondrian, Piet, 31, 72, 88, Nery, Ismael, 293 Paik, Nam June, 74
95, 150, 242 Neto, Ernesto, 210, 304 Palatnik, Abraham, 155
Monet, Claude, 307 Nevelson, Louise, 185 Palau, Marta, 43
Montebello, Philippe de, 76 Newman, Barnett, 268 Pallucchini, Rodolfo, 88
Monteiro, Paulo, 21, 147-8, Niculitcheff, Sergio, 126, Pandeiro, Carlinhos do, 122
189,210,212-3, 248, 128, 207 Pape, Lygia, 228
291 Nitsche, Marcelo, 28, 312 Park, Glenna, 225
Moore, Henry, 34, 47, 60, Noé, Luís Felipe, 23, 27, Passmore, George, 86, 215
95 330 Pasta, Paulo, 189, 200, 209,
Mora, Ferrater, 332, 334 Nolde, Emil, 282 212-4, 249, 305
Moraes, Nina, 202, 206-7, Nouvel, Jean, 77 Paulino, Rosana, 293-5
211-2, 232, 275-6, 324 Novaes, Guiomar, 222 Pawela, Laura, 66
Morais, Frederico, 276, 297 0 ’Connell, Eilís, 26 Pedrosa, Adriano, 258
Morandi, Giorgio, 88, 181 0 ’Keefe, Geórgia, 225 Pedrosa, Mário, 31, 90, 92-
Morgan, Stuart, 75 Obino, Miriam, 137, 139 3, 119, 123, 150, 153,
Morley, Malcom, 143 Odriozola, Fernando, 17 162, 224, 255
Morris, Carl, 85, 307 Ohtake, Tomie, 126, 140, Peláez, Amélia, 45-6
Mosell, Margarida, 27 230 Penck, A. R (Ralph
Mostafa, Renzi, 85 Oiticica, Hélio, 12, 87, 98, Winkler), 145
Motta, Flávio, 276 103, 105, 123, 158, 215, Penderecld, Krzysztof, 328
Mozart, Wolfgang Amadeus, 228, 303, 312 Pennacchi, Fulvio, 281
329 Oldenburg, Claes, 309 Penteado, Olívia Guedes, 29
Mubarac, Cláudio, 332 Oliva, Achille Bonito, 74-5, Penteado, Yolanda, 60, 88,
Muller, Heiner, 74 205 91-2
Munch, Edvard, 85, 88, 284 Oliveira, Branca de, 166 Périgo, Márcio, 166
Muniz, Vik, 306-10 Oliveira, Maria Cecília Pettoruti, Emilio, 46
Munoz, Lucio, 68 Marinho de, 137 Picasso, Pablo, 34, 60, 85,
Munoz, Oscar, 43 Oliveira, Willy Correa de, 88, 95, 117, 243
Musatti, Jeanete, 158, 242-7 329 Pinhatti, Silvio, 265
Muylaert, Roberto, 33-4, 47 Olsen, Erik Killi, 65 Pini, Isa, 48, 196
Nador, Mônica, 66, 138, Ono, Yoko, 74, 86 Piranesi, Giovanni Battista,
194-7,211,214, 228 Opalka, Roman, 39, 44-5, 274
Nakle, Gustavo, 39, 43 270 Piza, Arthur Luiz, 164, 182
Nassar, Emmanuel, 67, 187- Oppenheim, Meret, 243 Plaza, Julio, 192, 206, 232,
8,211,250 Ostrower, Fayga, 230 286-7, 312, 322, 324
Nasser, Frederico, 304, 312 Oswaldo, Angelo, 298-9 Poiret, Paul, 227
Nauman, Bruce, 85 Pacheco, Nazareth, 258 Pollock, Jackson, 68, 88
Navez, Jean Marc, 77 Pacholsi, 66 Polo, Marco, 246
Nemer, José Alberto, 298 Paglia, Camille, 231 Pontual, Roberto, 32
348
Porter, Liliana, 211 Ricacheneisky, Marijane, Santos, Miguel, 186
Portillos, Alfredo, 25 275, 277 Sartori, Mônica, 64
Portinari, Cândido, 223 Ricoeur, Paul, 331, 335 Schenberg, Mário, 281
Portzamparc, Christian de, Rivas, Julio Pacheco, 78 Schendel, Mira, 87, 139,
77 Rivera, Diego, 46, 336 175-6, 189, 200, 228-9,
Prado, Maria dei Rocio, 75 Rocha, Ricardo, 25 235, 280
Presser, Tina, 222 Rockefeller, Nelson, 92 Scherpenberg, Katie van,
Prior, Alfredo, 25 Rodin, Auguste, 246, 266 136-7
Prolik, Eliane, 228 Rodrigues, Luís, 113 Schiele, Egon, 295
Pruszkowski, 66 Rodrigues, Ofelia, 66 Schifano, Mario, 74
Puiyear, Martin, 62-3 Romagnolo, Sérgio, 126-7, Schmidt-Rottluff, Karl, 282
Quin, Arden, 150 144, 190, 194-5, 197-8, Schmitz, Hermann, 175
Raiss, Florian, 210 207, 212 Schnaiderman, Boris, 324
Ramos, Nelson, 21, 27 Rosa, Dudi Maia, 48 Schneider, Karin, 262-3
Ramos, Nuno, 21, 32, 68, Rosa, Noel, 218 Schoenberg, Arnold, 329
144, 147-8, 189, 209, Rosenberg, Léonce, 227 Schuil, Han, 44
213, 248 Rossini, Elcio, 275-6 Schwarz, Arturo, 47
Rasmussen, Waldo, 249 Roth, Otávio, 211 Schwitters, Kurt, 243
Rauschenberg, Robert, 78, Rothko, Mark, 307 Segall, Lasar, 223, 281
200, 242 Rothstein, Mareia, 138-9 Seitz, William, 243
Ray, Man, 153, 288 Rubinho, Mônica, 260 Semeraro, Antonio, 66
Read, Herbert, 88 Ruckriem, Ulrich, 65, 238 Senise, Daniel, 21, 26, 32,
Redon, Odilon, 138 Rudge, Antonieta, 222 69, 76, 144, 146, 179,
Rego, Paula, 22 Ryder, Albert, 138 209, 249
Reinhardt, Ad, 268 Sacco, Graciela, 85 Serra, Richard, 156
Rembrandt (Harmensz van Sacilotto, Luiz, 182 Shearer, Linda, 75
Rijin), 86 Saia, Luís, 280 Sherman, Cindy, 239
Renato, Celso, 250, 297, Saiz, Manuel, 65 Shi-Hua, Qui, 85
300, 303 Salmona, Rogelio, 278 Shiró, Flávio, 25, 31, 67
Renault, Affonso, 70 Samara, Lucas, 153, 158 Sicília, José Maria, 44
Rennó, Rosângela, 232, 249, Samico, Gilvan, 76-7 Silva, Conrado, 324, 329
261,305 Sampaio, Márcio, 296 Silva, Maria Helena Vieira
Resende, José, 68, 157, 189, Sanches, Rui, 42 da, 61
231-2 Sánchez, Tomás, 25 Silveira, Regina, 157, 165,
Resende, Marco Túlio, 298- Sandberg, Willem, 88 167, 172, 192, 206, 225,
9, 300-2, 304, 312 Sandoval, Roberto, 173 230, 232, 286-9, 322,
Restany, Pierre, 150, 205 Santarosa, Hella, 21 324
Ribeiro, Flávia, 69, 200, Santo, Iran do Espírito, 157, Sinaga, Fernando, 65
213, 228, 257, 262 179, 232 Singer, Michael, 42
349
Siqueiros, David Alfaro, 45- Tedesco, Elaine, 277 Vieira, José Geraldo, 284
6 Teixeira, Maria de Lourdes, Vilaça, Marcantonio, 97
Sironi, Mario, 147 224 Villaça, Maurício, 158, 174
Sister, Sérgio, 200 Terán, Pedro, 25 Villamizar, Eduardo
Soares, Genilson, 324 Testa, Clorindo, 44 Ramirez, 44
Soares, Valeska, 258 Thek, Paul, 21, 23 Villani, Júlio, 213
Solar, Xul, 46 Ticiano, 73 Villares, Luís, 95-6
Soto, Jesus Rafael, 55, 85, Tiepolo, 73 Vlavianos, Nicolas, 192, 287
122 Tola, José, 65 Vollard, Ambroise, 227
Souza, Edgar de, 258 Toledo, Amélia, 231 Volpi, Alfredo, 87, 181
Spengler, Oswaldo, 86 Toledo, Francisco, 24, 298 Warchavchik, Gregori, 278
Spoerri, Daniel, 74, 243 Torres-García, Joaquín, 55, Warhol, Andy, 72, 85-6,
Squeff, Enio, 328 147, 185 146, 215, 309
Stackhouse, Robert, 43 Trivier, Marc, 66 Watteau, Jean-Antoine, 307
Stainback, Charles A., 308 Tucci, Sandra, 158 Weiermeier, Peter, 265
Starck, Philippe, 77 Tudor, David, 116 Weiss, David, 66
Steir, Pat, 43 Tunga, 48, 303 Weiss, Luise, 158, 166
Stella, Frank, 62 Twombly, Cy, 85 Wery, Marthe, 24
Sterling, Susan, 228 Ullman, Micha, 62, 64 Wilson, Bob, 70
Stickel, Fernando, 173 Vale, Raul do, 329 Wolff, Carl Emanuel, 85
Stockhausen, Karlheinz, 328 Valéry, Paul, 239 Wollner, Alexandre, 304
Stockinger, Francisco, 262 Valladares, Clarival do Wols (Alfred Otto
Strina, Luisa, 26, 169, 188 Prado, 57-9 Wolfgang), 68
Suárez, Pablo, 25, 321 Vallauri, Alex, 26, 145 Wurm, Erwin, 42
Suter, Gerardo, 85 Valle, Enéas do, 146 Ximenez, Ettore, 317
Sutherland, Graham, 88 Valle, Marco do, 67, 156 Yoshizawa, Mika, 22
Svevo, Wanda, 95 Van Gogh, Vincent, 60, 318 Zaidler, Waldemar, 145
Sylvestre, Paul, 160 Vanarsky, Jack, 217 Zamudio, Enrique, 66
Szajna, Josef, 65 Varo, Remedios, 45, 224 Zanini, Walter, 92, 96, 160,
Tagliaferro, Magdalena, 222 Vater, Regina, 230 235, 322
Tamas, Ana, 21 Vaz, Guilherme Magalhães, Zappoli, Tina, 222
Tamayo, Rufino, 24, 88, 98 Zea, Gloria, 96
297-8 Vedova, Emilio, 78 Zerbini, Luiz, 158, 198,
Tapiés, Antoni, 68 Vega, Herman Braun, 27 213,219, 256
Tassara, Felipe, 156 Velásquez, Diego, 320
Tavares, Ana Maria, 48-9, Venosa, Angelo, 48, 158,
126-8, 144, 188, 194-5, 179-80, 238
198-9, 207, 212, 232, Vermeiren, Didier, 24
257, 304, 312 Victor Hugo, 138
350
Relação dos textos da coleção
V O L. 1: M O D E R N IS M O , A R T E M O D E R N A E O C O M P R O M ISSO C O M O LU G A R
351
23. Joan Ponç
24. Mavignier 75 anos
V O L. 2: C IR C U IT O S D E A R T E N A A M ÉR IC A LA T IN A E N O BRASIL
352
18. Um olhar sobre a América: Damián Bayón
19. Alteridade e identidade na América Latina
20. Colômbia: um contexto peculiar
21. Artes visuais sob a ótica de José Neistein
22. Artes visuais: contatos com a Argentina
353
51. Imagem da cidade moderna: o cenário e seu avesso
52. Criação: arquitetura e arte
53. Um olhar sobre a cidade
54. Modernidade e nacionalismo no Brasil
55. Brasil: perfil de um meio artístico marcado pela violência
56. “Arte-Cidade”: intestinos expostos
354
25. Mira Schendel
26. Geórgia Creimer
27. Amilcar de Castro: o vigor da expressividade fundada na geometria
28. Fernando Lucchesi
29. Emmanuel Nassar
30. Marco Giannotti
31. Leda Catunda
32. Quatro artistas
33. A propósito do trabalho de Beralda Altenfelder
34. Uma nova geração
35. A efervescência dos anos 80
36. Guto Lacaz: entre o urbano, a memória e a “Aerobrás”
37. A mulher nas artes
38. Carmela Gross: um olhar em perspectiva
39. Jeanete Musatd: do abismo entre o onírico e a memória
40. Uma geração emergente
41. Espelhos e sombras
42. Voluntarismo de Cravo Neto
43. Visita a Caetano de Almeida
44. Geórgia Kyriakakis
45. A propósito da arte construtora: das poéticas visuais às interferências urbanas
46. Marcelo Grassmann, gravador
47. Regina Silveira: vocação internacionalista
48. Uma trajetória: Giselda Leirner
49. A mulher é o corpo
50. Lugar chamado arte
51. Arte paulistana
52. Vik Muniz: o ilusionismo além da aparência especular
53. Artur Lescher: a tática da elegância
54. Gregório Gruber
55. León Ferrari: os anos paulistas (1976-1984)
56. Conversação com Evandro Carlos Jardim: imagens revisitadas
355
So b re a autora
Aracy Abreu Amaral (São Paulo, SP, 1930) graduou-se em Jornalismo na PUC-
SP em 1952, obteve o mestrado pela FFC LH -U SP em 1970 e o doutorado pela ECA-
U SP em 1971. Livre-Docente (1983), Professor-Adjunto (1985) e Professora-Titular
(1988) de História da Arte pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universida
de de São Paulo (hoje aposentada). Em 1978 recebeu bolsa da Fundação Guggenheim.
Foi diretora da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1975-79) e do M useu de Arte C on
temporânea da Universidade de São Paulo (1982-86). Participante de colóquios e semi
nários no Brasil e no Exterior, foi membro do Comitê Internacional de Premiação do
Prince Claus Fund, H aia (2002-03 e 2004-05), e co-curadora/coordenadora-geral do
Projeto “Rum os” Itaú Cultural (2005-06). Vive e trabalha em São Paulo.
Entre as várias exposições que organizou, destacam-se: “Tarsila: 50 Anos de Pin
tura” (1969), “Alfredo Volpi: Pintura 1914-1972” (1972), “ExpoProjeção” (1973), “A
Nova Dimensão do Objeto” (1986), “Modernidade: Arte Brasileira do Século X X ” (com
Marie Odile Briot, Frederico Morais e Roberto Pontual, Paris, 1987; São Paulo, 1988),
“Brasil: La Nueva Generación” (Caracas, 1991), “Espelhos e Sombras” (1994), “D e Bra
sil: Alquimias y Procesos” (Bogotá, 1999), “Mavignier 75” (2000), “Política de las D i
ferencias” (Recife/Buenos Aires, curadora pelo Brasil, 2001), e “Arte e Sociedade” (2003).
Vive e trabalha em São Paulo.
Livros publicados:
Blaise Cendrars no B rasil e os modernistas. São Paulo: Martins, 1970 (São Paulo: Editora
34, 1997, 2a ed.).
Artes plásticas na Sem ana de 2 2 . São Paulo: Perspectiva, 1970 (Coleção Debates) (São
Paulo: Bovespa, 1992, edição especial; São Paulo: Editora 34, 1998, 5a ed.).
Desenhos de Tarsila. São Paulo: Cultrix, 1971.
Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1975 (Coleção Estudos) (São
Paulo: Tenenge, 1986, 2 a ed.; São Paulo: Editora 34/Edusp, 2003, 3a ed.).
358
Mário Pedrosa. Mundo, homem, arte em crise (organização e apresentação). São Paulo:
Perspectiva, 1975.
Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962) (organização e texto). Rio de Janeiro:
M EC-Funarte/M AM -RJ; São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo/Pinacoteca do Estado, 1977.
A rtey arquitectura en el modernismo brasileno (organização e texto). Tradução de Marta
Traba. Caracas: Ayacucho, 1978.
A hispanidade em São Paulo. São Paulo: Nobel, 1981.
Mário Pedrosa. Dos m urais de Portinari aos espaços de Brasília (organização e apresen
tação). São Paulo: Perspectiva, 1981.
Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burger (1961-1981). São Paulo: Nobel, 1983.
Arte p ara quê? A preocupação social na arte brasileira (1930-1970). São Paulo: Nobel, 1984
(2003, 3a ed.).
Ism ael Nery: 5 0 anos depois (organização e texto). São Paulo: Banco Cidade de São Pau-
lo/M A C-USP, 1984.
Desenhos de D i Cavalcanti na coleção do M A C (organização e texto). São Paulo: C N E C /
M A C-USP, 1985.
M useu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo: perfil de um acervo (organi
zação e texto). São Paulo: Techint/M AC-USP, 1988.
Arquitectura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos (organização e texto).
São Paulo: Memorial da América Latina/Fondo de Cultura Econômica, 1994.
T arsila do A m aral. Buenos Aires: Banco Velox/Fundação Finambrás, 1998 (Projeto
Cultural Artistas do M ercosul).
São Paulo: imagens de 1998 (organização com Rubens Fernandes Jr. e texto). São Paulo:
Bovespa, 1998.
Arte construtiva no Brasil: Coleção Adolpho Leirner (organização e texto). São Paulo: DBA/
Melhoramentos, 1998.
M arcos Coelho Benjamim/Fernando Lucchesi/JoséBento (organização e textos). São Pau
lo: Banco A BC Brasil; Belo Horizonte: C l Arte, 2000, 3 vols.
Correspondência M ário de Andrade & Tarsila do A m aral (organização, introdução, cro
nologia e notas). São Paulo: Edusp/IEB-USP, 2001 (Coleção Correspondência de
Mário de Andrade, 2).
Tarsila cronista (organização e introdução). São Paulo: Edusp, 2002.
Arte e sociedade no B rasil (1930-2003) (3 vols., com André Toral). São Paulo: Callis,
2004.
359
Historiadora da arte brasileira e, ao mesmo tempo, crítica
atenta dos movimentos artísticos contemporâneos, Aracy Amaral
reúne em sua trajetória aspectos bastante incomuns: ao trabalho
minucioso da pesquisa é capaz de associar o golpe de vista ousado
do crítico que acompanha de perto as últimas tendências, do cura
dor que monta exposições para revelar a arte que ainda está por vir,
ou da intelectual que, à frente de instituições museológicas, propõe,
na teoria e na prática, a discussão profunda sobre o lugar da arte e
do artista na sociedade.
Textos do Trópico de Capricórnio, que ora se publica com apoio
do Programa Petrobras Cultural, reúne em três volumes — “M o
dernismo, arte moderna e o compromisso com o lugar” (vol. 1),
“Circuitos de arte na América Latina e no Brasil” (vol. 2) e “Bienais
e artistas contemporâneos no Brasil” (vol. 3) — cerca de 150 en
saios, artigos e entrevistas realizados pela autora entre o início dos
anos 80 e 2005.
Este terceiro volume tem, como ponto de partida, uma refle
xão abrangente sobre o papel das Bienais de São Paulo, à luz de sua
história e da comparação com modelos congêneres, como a D o
cumenta de Kassel, na Alemanha, e a Bienal de Veneza, na Itália.
Já a segunda parte inicia com uma conversa com Hélio Oiticica,
realizada em Nova York, em 1977, e até hoje inédita, que serve co
mo abertura para o retrato de dezenas de artistas brasileiros atuan
tes nas décadas de 80 e 90, muitos deles flagrados aqui no momento
mesmo de sua emergência no cenário cultural.
Patrocínio:
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