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REGINA MELIM

coleção arte.
direção: Glória Ferreira

I·I Arte conceitual


Crfstma Freire

1•1 Arte de vanguarda no Brasil: Os anos 60


Paulo Reis

1•1 Brasllla e o projeto construtivo brasileiro


Grace de Freitas

1•1 O legado dos anos 60 e 70


Ligia Canongia
performance
1•1Linguagens inventadas,
nas artes
Palavra, Imagem, objeto: formas de contágio
Fernando Gerheim visuais
t·l LocaVgtobal: Arte em trânsito
Moacir dos Anjos

1•1 Manet: Uma Mulher de Negócios,


um Almoço no Parque e um Bar
Luiz Renato Martins

1•1 Performance nas artes visuais


Regma Melim

1·1 RazOes da critica


Lu1z Camlllo Osorio

I·I A teoria como projeto:


Argan, Greenberg e Hitchcock
Guilherme Bueno

~~ l..~~r~o~
RIO DE JANEIRO
sumário

Copyrigbt 2008, RtgJna Mclim

Copyright desta edição O 2008:


Jorge Zahar Edi tor Ltda.
rua Mbko 31 ~obreloja
20031-144 Rio de )aneuo, R)
tcl.: (21) 2108-0808/ fax: (21) 2108-0!100
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'lodos os dtrette» reseiVados.


A reproduçJo n.IO-autoriuda dl:llta pubhcaç<~o, no todo
ou em parte, constitui violação de dtret~ autorah. (lei 9.61 0/98)
Introdução [7]

Trajetória [9)
Capa; Dupla Design
No Brasil [21)

<IP-Brasil. CatQlog<~~o-oa-fonte Desdobramentos [36)


Sindtcato n~cional do> <'dito~ de li\•ros, RI
Ações orientadas para fotografia e vídeo [47]
Melin. Regma
M4 71 p Perfonnance nas ane~ vtsuais I Regina Mel in. Rio de Jll!let· Espaços de performação [57]
ro: Jorge Zahar Ed., 2008
-(AneT) Considerações finais [63)
Apéndice
Inclui btbhografia Refer~ncfas e fontes [67]
ISBN 978-85-378-0064-5
Sugestões de leitura (71)
I. Arte moderna- Século XX 2. Desempenho (Ane) I Titu-
lo. U . Série.
CDD. 700.904
OK-01!54 CDU: 7"19"
Introdução

O TERMO "PERFORMANCE" é lão genérico quanto as situações


1 1.1~ quais é utilizado. Na vida, bem como em dbtintas
dret~ do conhecimento, a palavra transita em muitos discur-
<t 'I'Jivcz por isso, por resistir tanto a uma lintca clas-
tllfrl.IÇao, torna-se tão instigante para o campo da arte.
Nas artes visuais, sempre que o uvimos a palavra
41
prr fnrmancc", é comum nos remetermos de imediato
b utilização do corpo como parte constitutiva da obra,
c nu~sas principais referências têm sido freqOentemen-
lt' ~~~ .tnos 1960 e 1970. Muitas vezes, também, somos
ln.tdos a pensar em um único formato, baseado no ar-
11\l,t em uma ação ao vivo, visto por um público, num
h'llliH> c espaço específicos.
O ponto de partida deste livro será pensar as múl-
llpl.rs possibilidades do alargamento das referências
[7]
[9)

no,.w. surge uma variante de procedimentos, reexami-


wntidas nesse termo, que foi cunhado como catego- n.HI.t por meio de elemen to~ performativos presentes
ria no iníçio dos anos 1970, praticado a partir de dife- 11,1 111 dcm construtiva de muitos trabalhos apresenta-
rentes formas c denominações durante todo o século do, 11.1 forma de vídeos, instalações, desenhos, filmes,
passado e até o~ dias de hoje é realizado amplamen- ,, ... os. rotografias, e~culluras e pinturas.
te em diversos meio~ e circunstâncias. Pensaremo!. a Outra questão a ser abordada parte da idéia de par-
performance como desdobramento da escultura e da ''' ip.lç.to c compartilhamento, coodu:dndo-no:. a outros
pintura, e levaremos em con ta as contaminações que pw~c:d tmentos igualmente performativos. Para tanto, se-
tais procedimen tos carregam das l?ráticas interdisci- '·' l.ltlçada a noção de espaço de performação, traduzido
plinares que agrupavam teatro, dança, música e poesia 1.0111o .1quele que insere o espectador na obra-proposição,
nos anos 1960, assim como os pontos de contato com a l'""'ibilitando a criação de uma estrutura relaciona! ou
arte conceitual praticada nos anos 1970. A partir dessas wtnumc..acional.. Ou seja, o espaço de ação do espectador
referências, também é importante tentar substituir o unpliando a no_ção de performance como um procedí-
estereótipo que a~ocia a noção de performance a um nwnto que se prolonga também no particrpador.
único formato- tendo o corpo como núcleo de expres- Exposta dessa rorma, observamos que distender a
são e investigação, análogo à body art - por um viés nn\.to de performance nas artes visuais implica apresen-
bem mais distendido. E, ainda, poder incl uir, na cons- t.t l.t como uma categoria sempre aberta c sem limites.
trução de sua trajetória, não somente ações ao vivo Pr!>"~ modo, se porventura algumas das proposiç~ te-

co_mp~rti lhadas por um público, que recusam deixar (nk.h ou artísticas aqui apresentadas suscitarem algum
evidências ou qualquer tipo de existência do trabalho, hpo de definição, de imediato o leitor percebera que esta
ou ações dessa mesma natureza que deixam rastros a n.to será a única, pois o que resulta, quando o assunto é
partir de uma série de remanescentes, mas outras for- pt·rformance, é sempre um número muito variável de
mas de desdobramento desses procedimentos, atra- wrKcpçocs, as quais não se postulam como obrigatórias
vés de um numero diverso de situações apresentadas 1wa atingir um consenso.
em muitos discursos crfticos, curatoriais, acadêmicos
e artísticos. Trajetória
Desse modo, pretendo mostrar que, atualmente,
uma definição possível de performance nas artes vi- ltoscl ~c Goldberg, em seu clássico Livro escrito em 1978,
suais contempla uma série infindável de trabalhos, am- A m ft' da performance: do futurismo ao presellte, assi-
pliando sobremaneira o seu conceito. Associada a essa
I

18)
[11]

n.tht que a trajetória da performance no século XX se 11 k Kristine Stiles, tais protestos advinham, sobretudo,
configurou como uma história de um meio aberto, dl· l<lll!>iderarem que o termo despolitizava seus objeti-
permissivo e com grande número de variáveis. Sempre ""~· JproXImando-os do teatro, muitas vezes assoctado
que algum movimento pareceu encontrar um impas- ,, idcia de representação e entretenimento.
se, os artistas voltaram-se para as ações performáticas Uma trajetória da performance nas artes Yisuais a
como um modo posstvel de romper com as categorias p.trllr do segundo pós-guerra possui em sua base uma
existentes e apontar novas direções. ~ri c de procedimentos e manifestações que ocorreram
Corroborando ta h tdcws, o historiador da arte Gre- em diferentes continentes. Sem dúvida, a pintura de
gory Battcock, em 1984, sinalita\a em seu livro The art •'\•ío de }ackson PoUock seria uma das referências que
of pcrfomumcc: a critica/ cmtlrology que o essencial é cst.triam sinalizando novos espaços a serem conquis-
que a arte da performance provavelmente engajaria a tndn!> nas artes visuais, afirmando-a como um modo
imaginação de um número muito maior de artistas no de ~..·n t recruzamcnto de linguagens. Sobretudo quando,
futuro que qualquer outra forma de arte. l"nl 1951, o trabalho de Pollock foi apresentado para
Desde as vanguardas européias, já se esboçavam um.1 platéia no Museu de Arte Moderna de Nova York,
ações pcrformáticas que objetivavam rupturas, como .ttr <\V~s da documentação fotográfica e do filme realiza-
as que ocorreram no futurismo, no construtivil.mo rus- do por Hans Namuth, que mostrava o artista em ação
so, no dadabmo, no surrealismo e na Bauhaus. Contu- pintJndo a tela no chão de seu ateliê. Naquele momento,
do, foi a partir do segundo pós-guerra que tais ações se , pintura se estabelecia também como um evento pcr-
tornariam tn(lis freqüentes, assim como suas denomi- lurmiltico.
nações: happentng, rluxus, aJ...-tion, ritual, demonstra- Inclui-se, nessa mesma época, a produção do conceito
tion, dtrcct art, destruc.tion art, event art, dé-coUage, ~anal de Lucia Fontana, composta dos manifestos lan-
body art. entre outras tantas designações, creditadas, çmlo~ no pcnodo de 1947 a 1952,seguido das perfurações
grande parte d.ts vezes, ao processo de um único ar- c ~oortcs nas telas - buchi, quanta e tag/i- aos labirintos
tista ou de um grupo. Toda\ ia, a partir dos anos 1970, monocromáticos que solicitavam a participação do e:,-
não obstante as diferenças estilbticas e ideológicas que !Wdador, no início dos anos 1960.
po~su tam, acompanhadas ainda dos protestos de mui- Do outro lado do Pacífico, nos finais dos anos 1940,
tos artbta~ da~ artes visuais, todas essas denominações trti,tas em Tóquio e Osaka reuniram-se em grupos
foram agrupadas sob a terminologia única de perfor- de~ttnados a pensar novos modos de experimentar e
m.111cc art. Como observa a professora de história da rxprc~~ar uma pintura. Inusitadas propostas de açoc~

1to)
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ao vivo foram, então, apresentadas por grupos como 11111~ 1.. Mountain College. Levando essa condição im·cn-
Zero Kai, Gutai e, posteriormente, no início dos anos ''' , , l' em processo para outros campos e nomeando-a
1960, o H i Red Center. Entre os precursores das perfor- ••••ll''llvamente de música-nçiio, os artistas começaram
mances que veremos povoar a arte da década de 1960 , lll ll'grar às suas produções o cotidiano, seus objetos
em diante, incluem-se nomes como Shõzõ Shimamo- ' "·''ações.
to, reconhecido por suas experimentações de perfura Reconhecendo já nos anos 1950 que os espaços e
ções na tela que compõem a série denominada Works 11s nhJctos da vida cotidiana não apenas deveriam pas-
(Holes); Katuo Shiraga, com suas pinturas realíwdas ,u ,, ser motivos de investigação, mas que os artistas
a partir de movimen tos de todo o seu corpo sobre a tkwriam se fascinar por eles, incorporando-os como
superfície da tela; Saburô Murakami, com suas ações 111.1tcriais para a arte, Allan Kaprow transformou a ex-
de atravessar as séries de superfícies de papel até a sua p~·ncncia vivida nas aulas de Cage em kgado para ações
completa destruição; e Atsuko Tanaka, com seu qui- luluras, tornando-se um dos artistas mais influentes na
mono tecnológico (electric dress). l'I1J americana do final dos anos 1950.
Outro momento que merece destaque nessa tra- Em seu beHssimo tributo a Jackson Pollock, uma
jetória é o dos cursos de verão ministrados por John JMssagem merece ser citada:
Cage no Black Mountain Collcgc, em fina is dos anos Objetos de todo' os tipos são materiais p.tra a nova arte:
1940 até meadof. da década seguinte, assim como suas tinta, cadeira, comida, luzes elétricas c neon, fumaça,
aulas nos cursos sobre composição de música experi- .tgua, meias velha~. um cachorro, filmes, mil o urras coi-
mental na New School for Social Rescarch, em Nova sas que serão descobertas pela geraçao atu.tl de artistas.
York. Incorporando criação e vivência como elemen- Esses corajosos criadores não só vão no!> mostrar, como
tos interdependentes, Cage e seus alunos, nas aulas de que pela primc1ra vct, o mundo que sempre tivemos
em torno de nós mas ignoramos, como também vão
composição e música experimental, desenvolveram o
descortinar acontecimentos e eventos 1nteiramenre
que denominavam pesquisas-composições, repensando mauditos -·
a própria musica não mais como sucessão de notas,
harmonia e ritmo, mas como pulsação, fruição, tempo- lnauditos como a apresentação, por Kaprow, de
ral idade e espacialidade. Artistas como Allan Kaprow, 18 Hnppenings em 6 pflrtes, na Reuben Gallery, em
}ackson MacLow, George Brecht, AI Hansen e Dick Hi- Nova York, em 1959, traduzido pela crítica como sen-
wans seriam profundamente influenciados por essas do o remanescente do quadro após vários questiona-
aula!> e pelos relatos sobre os eventos apresentados no mentos, convertendo-se ali em um cenário destinado à

I 111
(I S)

ll'Jlll'sentaçao de um espetáculo. Foa uma das primei- urum, em I963, na própna Academia de Düsscldorf,
•·•~ oportunidade~ de um público mais amplo não so- umk c:ra proressõr. Todav1a, a importancia de Beuy:. ex-
mente assistir a um evento ao vivo no imerior de uma l~otpuJ,, sua participação no Fluxus, testemunhada, por
galeria, mas participar ativamente dele. c \t·mplo, com performances como How to cxplain pie-
As idéias de John Cage apresentadas em seus cur- li// c'~ to c1 dead lwre (I 965) e 1 like America and America
sos sobre composição de música experimental tam- lt~c'J me {I 974), apenas para citar dua5 das varias ações
bém influenciaram enormemente os artistas do grupo 1c.1litadas pelo artista. A primeirc~ dela~ Leve t:omo pal-
Fluxu~.ldeali7ado pelo lituano George Maciunas,o Flu- ~~~ ,, galeria Schmela, em Düsseldorf, onde durante três
xus reuniu, no período de 1962 a 1978, artistas de di- hnr.ts o público literalmente ficou do lado de fo ra, as-
versas nacionalidades, como Dick Higgins,Alison Knowles, lslindo pela janela a Beuys com a cabeça recoberta de
I<en Friedman, George Brecht, La Monte Young. Charlotte md c folha:. de ouro mostrando seus desenhos e pin-
Morman, AI Hansen, Yoko Ono, Wolf VosteU, Ben Vautier, lllras ali expostos a uma lebre morta. Em 1 fike America
Daniel Spoerri, Robert Filliou, Nam June Paik, Shigeko I<u- 11ml America /ikes me, evento que durou uma semana,
bota, Takako Saito e o grupo Hi Reei Centcr. lkuys empreendeu um<~ viagem de Dússeldorf a Nova
Entre os reconhecidos e inegáveis repertórios para Yurk, permanecendo cinco dias na galeria René Block.
o estudo da performance se incluem as apresentações Igualmente distante do publico, o artista conviveu ape-
em Nova York nos cafés A Gogo e Fpítome, no 1oft de rt.ts com um coiote em rituais diários de tentativas de
Yoko O no ou na Gallery NG de Maciunas, o Yam Fel> ti- interações com o ammal, mediadas pelc1 apresentação
vai composto de diversas atividades {a exemplo de uma de materiais como feltro, luvas, bengala, lanterna e
excursão ao sítio de George Sega! em New Brunswick), l'Xcmplares que chegavam diariamente do Wa/1 Street
bem como os Festivais, como ficou conhecida a série de /<>tmrnl. Açõel> como essas, de isolar-se, segregar-se em
performances organizadas_por Maciunas, percorrendo um diálogo consigo mesmo, acrescentam-se a outras
vári~s cidades da Europa, além de outra série de ações tantas, na forma de conversações e longas discussões
reahzadas pelos artistas integrantes do grupo durante wm grupos distinto~ de pessoas em contextos diver-
as décadas de 1960 e 1970. sificados. Escultura social foi como Beuys passou a
Joseph Beuys, também participante do FJuxus, foi denominar esses intervalos de encontros e tentativas
r~sponsável, junto com Nam Junc Paik e George Ma- de mobilizar os indivíduos para sua criatividade laten-
caunas, por organizar os primeiros Festivais na Alema- te, intensificados com a criação da Universidade Livre,
nha, entre eles a Sinfonia Siberiana-festum Flux:u1. FJu- em 1971 , onde buscou apresentar, através de uma rede

I, .. I •
117)

wl.abut.ll iva de artistas, economistas, psicólogos, entre J'l'rturbadora de Valie Export passeando com J>ctcr
outros, .1 arte com o uma instância política, capaz de Wcibcl amarrado por uma coleira, de quatro como um
moldar c transformar uma sociedade. c.IChorro, pela~ ruas de Viena. Não menos perturbado-
Um centro de ações performáticas nos anos 1960 ' a~ são também as imagens de outros dois trabalhos
que também merece ser citado nessa trajetória é Viena. dessa mesma década: Touch Cinema e Genital Panic,
Durante os pnmeiros anos da referida década, artis- .unbo~ de 1968, integrantes da proposição por eles de-
tas como Hermann Nitsch, Otto Miihl, Giinter Brus, nominada cmema expandido. O primeiro desses traba-
ArnulfRainer e Rudolf Schwankogler reuniram-se em lhos, Touch Cinema, desenvolvido também nas ruas da
torno do que passou a ser chamado de Acionismo Vie- cidade, traz Valie Export vestindo a parte superior de seu
nense, apresentando uma série de rituais performáti- corpo com uma caLxa no formato de miniatura de um
cos. Para alguns deles, tratava-se de uma extensão da pako de teatro, com o torso totalmente nu, oferecen-
pintura de açao como forma provocaclorade libertar do-se ao público passante. O outro, Genital Pauic, rea-
a energia reprimida, mediante atos de purificação e re- liz.ado dentro da programação de um festival de cine-
penção do sofrimento. São conhecidas as séries de fo- ma em Munique, tem como filme a própria artista ao
tografias sugerindo sucessivas auto mutilações, envoltas vivo, durante 15 minutos, trajando uma caJça cortada
de boatos que transformavam essas ações em morte, que deixava à mostra seus genitais, e apontando uma
como as que Rudolf Schwarzkogler desenvolveu no seu <trma em direção ao público.
ateliê. É impossivcl, quando o tema é ação no espaço da
Também em Viena, Valie Export e Peter Weibel, cidade, nao nos remetermos de imediato, também, a
que colaboraram em projetos dos acionistas, desenvol- Followmg Piece, de Vi to Acconci, realizada em 1969, nas
veram juntos uma scrie de performances na rua, em ruas de Nova York. Registrada em uma série de foto-
sintonia imediata com m uitas ações feitas naquele pe- grafias, a açao consistia em seguir uma pessoa qualquer
ríodo, no mundo mteiro, q uando se passava a valorizar pelas ruas até que ela entrasse em algum local privado,
as situações im.táveis e a alte ração do lugar da obra. onde ele não pudesse entrar. E, assim , seguidamente,
Por conta disso, promoviam outros circuitos além dos uma pessoa diferente por dia, escolhida ao acaso, du-
museus e das ga lenas, criando uma série de espaços al- ran te o período de um mes. Caso a pessoa entrasse em
ternativos, sendo a cidade um dos sít ios principais de um t:arro ou em uma casa, a perseguição se encerraria
um grande número de performances. Destas, uma em ali. Todavia, se entrasse em um restaurante, uma loja
l'spcCtal resiste no imaginário de muitos de nós: a cena ou em um cinema, Acconci continuaria atrás da pes-

(16]

(19]
'oa. Para o artista, o espaço público era por excelên-
da um e~paço de encontro, democrático e formador r.tnte trinta minutos deitada sobre uma cama de ferro,
contínuo de pequenos territórios. Cada pessoa, ne~~e tendo por baixo lSlongas velas acesas. Na Los Angeles
território que ~e forma e se desfat continuamente, te- de 197 1, um jovem artista, Chris Burd~n, trancou-se a
na, portanto, a chance de falar por si mesma, sem pedir cadeado em um armário de 60 x 60 x 90 em do vestiá-
permissão para isso. Motivações suficien tes para, em rio da Universidade da Califórnia, Ollde era estudante,
1980, outra artista, Sophie Calle, seguir um homem da e por cinco dias permaneceu ali, tendo como unico ali-
plataforma de uma estação de trem em Paris até Veneza mento uma garrafa de água que lhe chegava pela parte
e lá prosseguir pelos corredores labiríntico~ da cidade, de cima do armário. Rastejou sobre um piso coberto
até o momento em que o homem desaparecesse para de vidros quebrados, levou tiro e foi crucificado so-
sempre na estação de Mestre, em direção a Paris. Suitc bre um carro, mas foi Deadman, de I 972, como o
~·mcziana e o titulo dessa fabulaçao que, entremeada próprio título já indica, a performance de maior ris-
pelos ecos do conto "O homem da multidão': de Edgar co empreendida pelo artista. Enrolado em um saco de
Al.lan Poe, é apresentada ao público (como a maioria de lona, Burdcn ficou du rante algum tempo no meio de
suas ações pcrformáticas) através de uma série de foto- uma via de trânsito intenso em Los Angeles, saindo
grafias e textos. ileso, graças, talvez, a uma notificação de fa lsa emer-
Dor rituali7.ada, esforço fisico, concentração para gência que pôs fim à obra pela policia local, segUJda
além dos limites normais de tolerância foram atributos de sua prisão.
dos aciontstas vienenses, sem dúvida. Todavta, em grau Contudo, foi a sén,ia Marina Abramovic, sem dú-
c contexto diferenciados, podem nos remeter também ''ida, não apenas na década de 1970- ela mantém ale
a uma série de ações empreendidas por outros artistas o presente essa mesma postura -, uma das artistas a
na década de 1970, em diferentes partes do mundo. fm levar seu corpo aos limites físico::. mais extremos para
Nova York, em 1970, o mesmo Vito Acconci mordeu a dcíxá-lo, conforme prefere sempre assinalar, preparado
si mesmo c nomeou tais gestos de Trademarks, esfre- para a experiência espiritual plena. No in1cio dos a~os
gou-se contra a parede ou tentou distender ~eu tórax 1970, suas performances denominadas R1tmo, él!>Slffi
no formato de seios. Em Paris, Gina Pane se apresen- chamadas por derivarem de uma série de instalações
tava auto-infligindo-se cortes nas mãos, noc; pés e no sonoras, requisitavam da artista gestos que se torna-
ro~to. Em Tlze Conrlitiollillg, primeira parte da série de ram emblemáticos, tais como gritar até a cxtenuação
SI'I{-Portrait(s), em I 972, a artista apresentou-se du- completa e ficar totalmente rouca, dançar até cair p~r
esgotamento ou colocar-se diante de um enorme vent1-
118)
[21)

l.tdor e ali ser surrada até desmaiar. Em Ritmo O, a últi- taforma construída naquele espaço, totalmente à vis-
ma performance da série, Marina Abramovic ficou em ta do público. Tomou banho de chuveiro, penteou os
silêncio durante seis horas na galeria Stud io Mona, em cabelos, sentou no vaso sanitário, jejuo u durante todo
Nápoles, ao lado de uma mesa com 72 objetos variados o período bebendo apenas água, mas na maior parte
para que os visitantes utilizassem conforme achassem do tempo ficou sentada olhando para as pessoas que a
.1propriado. Três horas depois, com suas roupas já to- observavam.
talmente arr ancadas, deu-se fim à performance, com Na seqüência dessa sucinta trajetória, temos ain -
a artista sendo obrigada a segurar uma pistola com o da, na República Tcheca e na Polônia, Milan Knf7.ák
cano em sua boca. e .kgy Berés, respectivamente, nas décadas de 1960 e
No período de 1976 a 1988, Marina Abramovic 1970, respondendo ao regime autoritário e represl;or de
d~nvolveu muitas ações com seu companheiro Ulay, seus países com uma :.éric de ações performáticas. De-
assim chamado o alemão Uwe Laysicpen. Iniciou-se de monstrações- como denominava Knízák as performances
um encontro no De Appel - espaço alternativo dedi- rea1i7.adas grande parte das vezes na rua - , assim como as
cado à performance nas décadas de 1970 e 1980 -,em séries de ações de Berés, significavam naquele período um
Amsterdã, um trabalho conjunto, explorando a dor, a g_esto de sobrevivência e de resistência. Muitas das ações
tolerância e a fugacidade dos relacionamentos, entre de protesto contra a imposição do regime soviético na
eles próprios e entre eles e o público. "Relação" passou antiga Tchecoslováquia realizadas pelo grupo Aktual,
a ser o tema que marcou o período, sugerido por al- do qual Kní1.ák foi ativo integrante, foram ~cndo co-
guns trabalhos como Relation in time, Relation in mo- nhecidas no Octdente através dos seus liHos, grande
~·en1e11t, Relation in space, lmpomierabilla, entre outros, parte deles manuscnta, documentando performances,
até o último, The lovers- the great wa/1 walk, em 1988, a partir de escritos, desenhos e poemas, bem como al-
em que ambos, em 30 de março, partiram por cami- guns manifestos mimeografados.
nhos diferentes e complementares: Marina Abramovic,
pelas montanhas, Ulay, pela parte plana do deserto,
até se encontrarem em junho, na província de Shaanxi No Brasil
(China), c se despedirem.
r m 2002, Marina Abramovic apresentou na gale- No Brasil, traçar uma trajetória da performance nas
' ia ':lean Kelly, em Nova York, The !!ouse with the ocea11 artes visuais passa muitas vezes por delimitá-la no in-
l'll'IV. Por 12 dias, a artista ficou morando em uma pia- terior desse campo de resistência e sobrevivência, so-

poJ
[23]

bretudo nos anos 1960 ~ 1970. Todavia, cumpre ini- indígenas isoladas até en tão: os waimiri, os paquida-
ciar com um importante antecessor, que foi Flávio de ra e O!t xirianã. Se nessa época tais ações não estavam
Carvalho, e suas três experiêt1cins, denominação que ele a inda no discurso da crítica, o Livro rdatando a Jix-
dàVa as suas práticas interdjsciplinares, desvinculadas prnérlcia 11.2, o traje e as fotos da Experienc1a u.J, as
das categorias a rt1sticas tradicionais. Na primeira de- imagcn" c anotações da Expenêncin n.4 constituem
las, em 1931, o artista introduziu-se numa procissão de testemunhos de uma ação precursora na traJctóna
Corpus Christi mantendo um boné na cabeça, o q ue da performance no Brasil, q ue tera na~ dccadas ~u b
na época se revelava como gesto extremamente agres- sequen tes um numero variável integrando-se aos
sivo e desrespeitoso, e ainda, na contramão do fluxo processos de muitos artistas.
dos fiéis, testava os limites da massa religiosa. A ação, Nos anos 1960 c 1970, houve no Brasil uma con-
que só nao terminou em linchamento graças à inter- densação de <lÇões, descritas pelo crítico Mario Pedro-
venção da policia, foi nomeada e meses depois descrita ~a como expcrime11talidade livre, e que correspon-

por ele em um livro como Experiê11cia n.2. Na outra, diam, principalmente, a uma profunda reavaliação da
Experiência n.3, realizada em 1956, o artista percorreu presença do objeto na arte. Adotando novas mídias e
o centro da cidade de São Paulo com o traje New Look novos procedimentos, tal cxperimentalidade conduzi-
-proposta de uma roupa tropical para o homem brasi- da pelos a rtistas serviria também para designar uma
leiro, que consistia em uma saia, blusa de mangas fofas, experiência que, da o rdem do sensível, passaria neces-
chapéu de organdi com largas abas e meias arrastão. sa riamente pelo corpo. Saía-se da esfera da contempla
Em 1957 realiza mais urna cxpcri~ncia, uma espécie de ção para o campo da participação mais efeti\a, c isso
expedição etnológica c artística visando à reaJização ~gnificava, em nosso conte>.1o, incluir o espectador

de u m film e sobre a história de uma " Deusa Branca" na obra. Tal como propunha Hélio Oiticica, através de
que vivera na selva amazônica. Um grupo de mu- uma totaJ mcorpomção, ou seja, um procedimento que
lherel> loiras de São Paulo foi contratado para atuar e estabelecia a completa aderência do corpo na obra e da
unir-se a essa jornada que partiu no ano seguinte, com obm 110 corpo. E, no seu caso, como bem sabemos, isso
uma expcd1ção do Serviço de Proteção ao fndio, em uma iria const1tutr uma o peração nomeada pelo sugestivo
viagem de 70 dias pelo rio Negro até a fronteira com termo vivé11cias, taJ a solicitação que faria do especta-
a Venezuela. O filme nunca foi realizado, mas a ex- dor participador como agente da experiência.
ped ição, que se intitulou Experiência n.4, alcançou Acrescenta-se, ainda, a essa experimentalidade um
fdt os extraordinários, como o contato com tribos fo r te embate as questões políticas daquele período.

(ll]
(25)
NJo podemos esquecer que a década de J 960 teve seu
primeiro golpe em 64 c, antes de terminar, em 68, um dos demais. Enquanto em outros países o cinetismo n,1
segundo golpe, conhecido como Ato Institucional n.S. arte era apresentado através de experimentos em escul-
Diante desse recrude:.cimento, a experiência direta e tura e pintura, aqui a linguagem do movimento havia
corporal era o motor da obra, conforme sublinhava, em migrado também para experiências com o corpo, subli-
um texto em 1970, o critico Freder ico de Morae~. nhando sua extensão com a participaçao do espectador.
No texto Esquenm geral da Nova Objetividade E citava, entre os vários exemplos nortcadorcs dessa pro-
uma sistematização da reavaliação da presença do ob- posição, os Bichos de Lygia Clark, os Pamngolés de Hélio
jeto na arte e da participação do espectador na obra - , Oiticica e o Ovo e o Divisor de Lygia Pape.
desenvolvido por H élio Oiticica e publicado em 1967 Lygia Clark, uma das principais signatárias do
no catálogo da exposição Nova Objetividade Brasilei- ncoconcrctismo, juntamente com Lygia Pape c Hélio
ra, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o Oiticica, apresentou- no início da década de 1960 em
artista apontou a presença do espectador na obra atra- diante - uma série de objetos que ·omente ganhariam
vés de uma participação sensorial-corporal e semântica. sentido quando manuseados pelos indiv1duos, eviden-
O objeto, ou, melhor dizendo, o probjeto (tomando de ciando-se como estruturas vivas ou organismos rela-
empréstimo a denominação dada por Rogério Duarte) cionais. Objetos precários como pedra, saco plást ico c
torna-se efetivamente uma estruwrn de iriSpeção. Ou ar tornavam-se paráfrases de um corpo, em exemplos
seja, um objeto é dado à participação, à manipulação e como a proposição Ar e Pedra ( 1966 ), descrita pela ar-
ao uso do espectador e, a partir daí, como definia Hélio tista da seguinte forma:
Oiticica, transforma-se em espaçc poético tátil. Todavia, Enchi de ar um saco plástico c o fechei com um clái>tito.
há que ressaltar que não se tratava de uma participação Pus uma pedra pequena sobre ele e comecei a apalpá
programada, pois existia à medida que a obra e todas la, sem me preocupar em descobrir alguma coisa. Com
as suas relações exteriores estavam sendo consideradas a pressão, a pedra subia e descia por cima da bolsa de
uma estmtura viva, impermanente e em movimento ar. Entao, de repente, percebi que aquilo era uma coisa
viva. Parecia um corpo. Era um corpo.
mutacional constante.
Em 1969, o crítico inglês ~y Brett, em seu livro Bichos ( 1960-64 ), estruturas geométricas bidi-
Kinectic Art: tlze language of tlle moveme11t, dedicado à mensionais ligadas por dobradiças q ue se transforma-
arte cinética, observa que nos anos 1960, aqui no Bra- vam em organismos tridimensionais orgânicos atra-
sil, ocorria um c~mo extremamente diferenciado vés do toque e manuseio do espectador-participador;
Caminhando ( 1963), objeto que se endereçava ao ato;
(2'1)
[27]

Nostalgia do corpo (1966-67), objeto e ato interJigados enfiavam suas cabeças nas aberturas, concedendo àque
na busca de significaçao de nossos gestos cotidianos; la superficie plana o estatuto de uma superficie viva, por
A casa é o corpo/O corpo é a casa ( 1967), confrontados meio dos movimentos individuais de cada participante.
como uma arquitetura biológica; Pensamento mudo Como é de notar, na reavaliação da presença do
(I 971 ), uma suspensão temporária do objeto em dire- objeto na arte, acrescida da participação do especta-
ção ao ato tão-somente; Fmztasmática do corpo ( 1973 ), dor, não estava prevista a sua desmaterialização. Ao
cxpcriênctas para um corpo coletivo realizadas com contrario, o objeto apresentava-se inconcluso, como
alunos da Sorbonne, em Paris; e Estruturação do self potencialidade aguardando o gesto participativo que o
(1976-88}, de volta ao Brasil, em que o objeto se con- atualizaria.
solidou como uma estrutura relacional, através de ex- O objeto tornava-se assim um sinalizador, uma
periências ou vivências imediatas e diretas com o cor- area J21fly, a exemplo da "maquete sem escala" de Hé-
po. Todas, assim listadas, foram séries pro positivas que lio Oiticica, última obra, pensada e ativada em feve-
durante as década!> de 1960, 1970 e 1980 compuseram reiro de 1980 em seu segundo Aco11tecimento Poético
o diagram<t experimental da artista. Urbano. Consistindo em uma placa de madeira de
Ovo e Divisor, de Lygia Pape, projetados em 1967 60 x 60 em, com pequenos ladrilhos hexagonais bran-
e 1968, respectivamente, também são tradutores fiéis cos, foi concebida para ser utilizada em lugares sítios
da reavaliação do objeto oferecido à participação. O mitos poetizados (como ele próprio definia), a exem-
primeiro, o~·o, composto de uma estrutura cúbica plo do Buraco Quente na Mangueira, sinalizando uma
coberta de plástico colorido azul, vermelho e branco, ação participativa que ali se desenvolveria. No final do
apre!>cntado pelil primeira vez no evento Apocalipopó- dia, levaria a maquete de volta para casa, de modo a
tese, em 1968, no aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, ac10ná-la c ativá-la a novas participações em outros
trazia três sambistas da Mangueira que, ao som dos momentos e lugares.
primeiros toques da percussão da bateria da escola, saí- Para Hélio Oiticica, o.J!IUSeu era o mundo, um
am do interior dessas estruturas rompendo suas finas espaço continuamente aberto à exploração criativa. A
paredes. O outro, Divzsor, composto de um pano de 30 x Experiêucw ambiental, da qual foi o formuJador a par
30m com uma série de fendas, inicialmente projetado ti r dos anos 1960, era constituída dessa intensa relação
para ocupar uma galeria toda branca, teve sua reali- com as ruas do ruo de Janeiro, apropriando-se do es-
l.açao também no espaço exterior, com a participação paço público e estabelecendo-o como obra. Tal rela-
de muitas pessoas que aos poucos se aproximavam e ção estava presente no Delirium ambulatorium com o

[26)
[29]

'',Ilhar': nas suas deambulações diárias no circuito da t 11 1 du mu,t:u, recolhidos no dia seguinte pelo serviço
cidade, o elemento-obra, como as latas e os panos do th "'"I"'"' para o depósito de lixo da própria instituição.
guardador e lavador de carros,~ latas com fogo sina- ·~ 111,c:guintc fez parte da e,..:posição Do corpo cl terra,
lilando canteiro de obras, ou as pedras das calçadas e ".1l11.ul.1 em Belo Horizonte, em 1970, onde as trouxas
pedaços do asfalto que, carregados para o seu aparta- lt•1.1111 t.unbcm deixadas em um pequeno rio no centro
mento, formariam o jardim Kyoto-Gaudi. Essa mesma tl•l ud,tdc, juntando transeuntes, polícia e bombeiros,
relação com as ruas também se fazia notar na série de qu•· \C aproximaram do local para descobrir o que seriam
Acontecimentos poéticos urba11os, com Kleemania, em " lul'lc!. rl!stos orgânicos ali abandonados.
dezembro de 1979, e Esquenta Carnaval, em fevereiro Em 1970, outra ação de Artur Barrio merece des-
de 1980, reunindo artistas e público participante. ldtJUC: 4 dias e 4 noites, a obra mais radical e subjetiva
Dentro desse contexto em que a cidade se toma- tlu artista. Perambulando à deriva pelas ruas do Rio
va o lugar privilegiado para a realizaÇão de ações par- de Janeiro, Barrio buscou exceder ao máximo os li-
ticipativas, temos também as Situações de Artur Barrio) mites de seu corpo até a extenuação completa. Ne-
realia~das nos finais da década de 1960 e 1970. Embora nhu m tipo de registro, apenas um caderno-livro com
tenham desconstruido a noção de objeto para substituir 1\Uas páginas em branco c a memória da experiência vi-
por abjeto, conforme assinalou Paulo Herkenhoff, esta- vida pelo artista. Em entrevista publicada no catálogo
vam fortemente aderidas aos procedimentos artísticos do Panorama da Arte Brasileira 2001, o artista relata:
apresentados naquele período. Constitufdas de matérias O 4 dias~ 4 noites é um trabalho que nl!o tem registro.
precarias como carne, pão, jornal, papel higiênico, entre Minha idéia era fazer um caderno-livro logo depois,
outras, "abandonadas" em diversos trechos da cidade, de- só que peguei uma pneumonia. ... Acho que foi uma
flagrariam uma expressiva participação das mais distintas radicalização excessiva.... Tinha consci~neta de que
pessoas, a exemplo das Trouxas Ensnngíientadas- (Situa- poderia chegar a um limite absoluto, a uma ilumina-
ção perceptiva e, a partir daí, lançar um trabalho que
ções rm, realizadas no Salão da Bússola, no Museu de
realmente rompesse com tudo.... O resultado esperado
Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1969. Estas últimas seria criar um tipo de trabalho, ou fazer um tipo de
eram compostas primeiramente de uma fase interntt, de- ação, que realmente criasse uma nova compreensão,
nominação aplicada ao período em que permaneceram uma nova visão de arte.
expostas no museu feito um acumulado de detritos, se-
Ainda nesse mesmo período, não podemos dei-
guida da fase externa, quando o artista acrescentou peda-
xar de assinalar a participação de Antônio Manuel no
ços de carne dentro de sacos c abandonou-os no lado de

[28) •
[31]

S,tl.to Nacional de Arte Moderna de J970, propondo ftu111 umhecida a interversão, teve ampla cobertura
o própno corpo como obra. Recusado pelo júri, na 1111 jornal, repleta de mal-entendidos. tais como asso-
noite de abertura da exposição, o artista, totalmente 1 1,11 0 gesto a uma possível reivindicação salarial dos
nu, apresentou-se ao público como obra rejeitada. Nas h l'Íro~. Também em 1979, durante a noite, o grupo
palavras do crítico Mario Pedrosa, Antônio Manuel "l.t~rou" com um "X" de fita crepe a porta de algumas
aprc~entou o ato como obra, irresistivel e, ao mesmo g tlcrias de arte da cidade, de1xando um pequeno car-
tempo, irreprimível. E ninguém pôde impor uma ex- hl7.., no qual se lia: O que está dentro fica, o que está fora
clusão, porque não havia regulamento que impedisse 1c t-.;pmufe ...
que a obra se fizesse ou que o ato se realizasse. Paradigmáticas para analisar as reações ao "cli-
No Recife, nas décadas de 1970 e 1980, Paulo Brus- m.t" c!ttabelecido na década seguinte pela Geração 80
cky realizou também uma série de ações no espaço c o movimento do retorno à pintura foram as ações
urbano. Foi exemplar a perfom1ancc de 1978, em que de um grupo de artistas, estabelecidos no lUo de Ja-
caminhava pelas r uas, ou no interior da Livraria Mo- neiro, composto por Alexandre da Costa, Beatriz Mi-
derna, no centro da cidade, sentado em meio aos livros lhazes, Eneas Valle, Hilton Berredo, Jorge Barrão, Már-
ou na vitrine, com uma placa pendurada no pescoço cia Ramos, Paulo Roberto Leal, Ricardo Galváo, entre
com os dizeres: O que é arte, para que serve?. outros, além do crítico Márcio Doctors. Na man hã de
Ainda no final dos anos 1970, uma c;érie de agru- I" de fevereiro de 1987, o grupo partiu rumo à praia
pamentos de artistas surgiu em São Paulo, intervindo e da Moreninha, na ilha de Paquetá, a fim de realizar o
ocupando espaços não usuais para a realização de um que denominaram maratcma de pmtrml impressiomsta
procedimento artístico, bem como ações nos circuitos es- em Paquetti. A idéia, segundo o press-release, lançado
tabelecidos, como as galerias. Entre esses, estava o 3Nós3, também como uma espécie de manifesto, era .!:fazer
grupo composto por Hudnilson Jr., Mário Ram.iro e Ra- a história da arte moderna através de um movimento
fael França, apresentando suas i11tcrversões - denomina- po!"_mês: do impressionismo à arte conceitual, à body
ção que o grupo preferia utili7ar para descrever suas art e à performance e, certamente, à transvanguarda.
açoes, cujo objetivo expresso era inver~r a percepção Como objetivo imediato. o grupo planejava com essa
habitual do espaço da cidade e da arte. Na noite de 27 ação criar um acontecimento, veiculado na imprensa
de abril de 1979, o grupo cobriu com sacos de lixo a como uma homenagem dos artistas da Geração 80 ao
cabeça de 69 esculturas e monumentos públicos espa- centenário do grupo A Moreninha, que, confor me in-
lhados pela cidade de São Paulo. Ensacameuto, como formavam, era composto por pintores que se dedica-

[30]
(111

acompanhando tudo por um espelho retrov1~or; l',ltlltl


vam ao impressionismo, formado a partir da passagem Robeno Leal, Cláudio Fonseca, Hilton Berredo vestiam
de Manet pelo Brasil em 1849. Havia a convicção de suas orelhas de papel. Bonito, que tinha o rosto cada ve1
que se tratava de uma ação demasiadamente irônica e mais vermelho, levantou-se de sua cadeira e partiu para
fictícia, que abusava dos equívocos temporais e do des- cima de meu gravador, socando-o para o chão. Paulo
Roberto Leal, que e.~ava sentado ao lado, levantou-se
conhecimento da mídia. Contudo, foi na palestra do
gritando "vai bater em artista lá na sua terra!':
critico italiano transvang.uardiano Achille Bonito Oli-
va, realizada na galeria Saramenha, no Rio de Janeiro, A cena terminou em confusão c debandada do gru-
que esses artistas deram prosseguimento às suas ações/ po para fora da galeria, sinalizando o que pouco mais
reações, enfatizando a t~~ aversão ao sistema das ar- adiante se concretizaria - c.onforme atesta Ricardo
tes vigente naquele período, via de regra, baseado no Basbaum nesse mesmo texto -como o fim da Geração
sórdido jogo econômico do "quanto mais caro, tanto 80, naquele período já num total esgotamen to. Como
mais importante': Cinco integrantes do grupo vestiam último ato, em meados de 1987, antes da dispersão ge-
uniformes de garçons, enquanto os dema is se "disfar- ral de cada integrante r umo a trajetórias individ uais,
çavam" de público ali presente para assistir à palestra. decidiram rebatizar-se como O relha. Dessa vez, cita-
Ricardo Basbaum, um dos que se apresentavam como ção tríplice q ue conjugava Van Gogb, o universo au-
garçom, relata em um texto a cena que teria desfecho diovisual e a operação que Eneas Valle realizaria em
inusitado: suas próprias orelhas e que seria registrada em vídeo por
Sandra .Kogut. Acrescido desse material audiovisual, um
Toda a ação deveria resumir-se em 15 minutos e depois
todos cairiam fora .... Thdo muito rápido. Os garçons pequeno livro, trazendo na capa a orelha de Mareei Du-
distribuindo doces e andan do pelo espaço; aqueles champ e, em cada capítulo, fotos das orelhas de todos os
sentados na platéia levantando-se de vez em quando e integrantes. Foi, então, nesse volume-colagem que cada
colocando orelhas de burro.... A palestra corria solta em um, à sua maneira, através de ensaios, fotografias, cola-
italiano, e em determinado momento falava-se que "o
gens, poemas e desenhos, assim como a sujeição do artista
que está acontecendo aquj é uma performance, forma
de arte ultrapassada, típica dos anos 1970..."; em minha
Eneas Valle à transformação do seu próprio corpo, que
bandeja de garçom carregava um gravador que tocava o grupo marcou as proposições e discussões acumuladas
m úsica sertaneja, sucesso da dupla Plrapó & Cambará; no brevíssimo tempo de sua existência.
Barrã o distribuía imagem de Cosmc e Damião; Alexan- Também na década de 1980, Márcia X e Alex Ham-
dre, torrões de açúcar e balas, assim como Márcia Ramos burguer configuraram-se no Rio de Janeiro como ar-
e Lucia Beatriz; Eneas Valle assistia à palestra de costas,

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[35)

tistas e>..'J>Onenciais no panorama da performance. constitutdo por Marcelo Mac, Ricardo Cutz e Ericson
Tricyclage, realizado em 1987 na Sala Cecília Meircles, Pires, apostando numa arte pública, utilizou o espaço
em um concerto-homenagem a )ohn Cage, nos dá a da rua como lugar para a execução de um trabalhoso-
dimensão de :.uas ousadias, tão contundentes quanto noro, com instrumento~ de ferro, restos de máquinas
pontuais. Sem nenhum tipo de permissão oficial, en- c o utros dejetos, acre cidos de uma base eletrônica.
quanto uma platéia atenta reverenciava o músico propo- Além disso, na qualidade de grupo, caracterizava-se co-
~itor, criador de 4'33", a dupla executou sua mlbica-ação, mo um organismo que, eventualmente, também fazia
subindo ao palco para pedalar veloclpedes durante uma parte de outro, de caráter extremamente fl uido, sem
peça para pianos. Mantendo a agudez que acompanhou nt'tmero de integrantes definidos, chamado Atrocidades
todo o seu processo, em ações coletivas ou individuais, Maravilhosas, tendo à frente o artista Alexandre Vogler
acrescidas de uma forte ironia, Márcia X apresentou ao como uma espécie de coordenador. Realizadores de uma
longo das décadas de 1980, 1990 e 2000 uma série de série de ações conjuntas que agrupavam vários outros
performances, a exemplo de Clwva de dinheiro, com artistas, tinham como destaque a ação em que colaram
Ana Cavalcanti, ern 1984, em pleno centro do Rio de cartates em diversos pontos da cidade.
Janeiro, na Cineliindia, com lançamento de notas gi- Outros grupos surgiram, criando ações de embates
gantescas de cédulas de dinheiro (I 20 x 60 em) a uma contmuos com instituições culturais, como Pipoca Rosa,
população que se agrupava e se agitava a cada novo em Curitiba, Vaca Amarela, em Florianópolis, grupo Em-
lançamento; Academia Performance, em 1986, direta- preza, em Goiânia, e grupo Entorno, em Brastlia, que em
mente numa academia de ginástica de mesmo nome; comum tinham o fato de se posicionarem de forma criti-
e Desenhando com terços, na década de 2000 (Centro ca diante de museus, salões, galerias, curadorias e sistema
Cultural Casa de Pe trópolis, 2000; Casa do Conde de institucional das artes.
Santa Marinha, Belo Horizonte, 2003, entre outros), Na manhã de 28 de novembro de 2000, a cidade
onde, ajoelhada, silenciosamente, dedicava horas a de Curitiba foi tomada por urna ação planejada pelo
ocupar extensas salas com desenhos de pênis eretos grupo Pipoca Rosa, formado pelos artistas Lilian Gas-
feitos de terços brancos. sen, Tony Camargo, Raiza de Carvalho, Otávio Roesner
No final dos anos 1990 e inicio da década seguin- c Uvia Piantavini. Meticulosamente, depositaram cen-
te, surgiu novamente uma série de agrupamentos de tenas de pacotes de pipoca rosa em frente a uma série
artistas direcionando ações para o espaço da cidade. de instituições públicas ligadas às artes visuais e gale-
No Rio de Janeiro, o grupo Hapax, formado em 200 1 e rias de arte. A ação ainda se completou com o envio,

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[37)

pelo correio, de pacote da mesma pipoca para críticos base em múltiplas possibilidades de alargamento thls
de arte e vário~ artistas de todo o Brasil. referências contidas no termo. Reavaliações de açóes
Em 2002, Babidu, integrante do grupo Emprela, realiladas sem audiência alguma, no espaço púbhco da
apresentou-se para um público que, imóvel, o obser- cidade, ou no próprio est(tdio do artista performan-
vava arremessando-se nu, diversas vezes, contra os pi- do apenas diante de câmeras, bem como uma série
lotis do palácio Gustavo Capancma, no Rio de Janeiro,
de remanescentes de ações que aconteceram ao vivo,
repetindo o gesto crítico contra as edificações ligadas
tornaram-se objetos de análise e revisao. Da mesma
à cultura, empreendido anteriormente em Goiás, em
forma, reapresentações de performances históricas dos
uma igreja barroca.
anos 1960 e 1970 - baseadas nesses remanescente~ ou
Novamente em Curitiba, na manhã de 17 de maio
documentos, como fiJmes, fotografia~. vídeos, depoi-
de 2004, data em que se comemora o Dia Intemacional
dos Museus, a cidade foi tomada por centenas de chaves mentos orais ou escritos- também surgiram aderidas
espalhadas por diversos bairros, trazendo indicações a muitas proposições artísticas e curatoriais.
como: sala da diretão- Mttselt de Arte Contcmporflnen Amelia Jones, em seu livro Bot!J Art- Per[ormi11g
de Curitiba; cozinlm-Museu de Arte Contemporlmen de tlle sul?,ject, nos coloca diante de uma discussão bastan-
C~tritiba; sala de reuniões- Museu de Arte Contemporâ- te instigante acerca de algumas dessas reavaliações. A
nea de Curitiba; entre outras. As pessoas que as encon- autora afirma ter escolhido a expressão body art, no
travam, pouco a pouco, iam devolvendo-as ao museu. lugar de performance, para analisar as ações dos anos
Em torno da ação pairam apenas suspeitas, pois nin- 1960, 1970 e 1980, pelo fato de que comumente essa
guém até hoje se re ponsabilizou por ela, que resiste última é tratada como ação que se extingue no a!O·
no Museu de Arte Contemporanea de Curitiba como Muitos autores compartilham essa opinião, tais como
um aglomerado de chave~ trazidas por gente de todo Peggy Pbelan, segundo a qual:
canto da cidade.
Atos nao se repetem. Performance é viva somente no
presente. Não pode ser conservada, gravada, documentada,
do contrário, isso será outra coisa. A documentação da Per-
Desdobramentos formance através de fotografias ou videos é somente um
estimulo para a memória, um encorajamento da memória
"'c: Estudos críticos a partir da década de 1990 têm reexn- para tomar-se presente. Performance implica o real,através
~ minado a noção de performance nas artes visuais, com da presença fisica do corpo.
[36]
[39)

. Ak•m de utilizar a expressão body art, suge- rntre ~i. são como comissurns.lnseparávcis, suas q uali-
nndo um llpo de manutenção da açào, a partir dos d.!dcs e seus significados estão impressos na conexão
a~o!t 1990 Ametia Jones acrescentou novas especifi- 'JUl' existe entre ambos. Os objetos contem os traços

ctdades c passou a denominá-las prátrcns orientadas d,1 ação e, longe de apenas serem estimules para a me-
para o corpo. Segundo ela, tornaram-se freqüentes nes- mória, encorajamento para que esta se torne presente c
se periodo procedimentos q ue abrangiam complexas rt•ul, podem se apresentar como suas expansõe_s.
estratégias relativas ao corpo, sem q ue este necessa- Além disso, Cristina Freire salienta em seu livro
riamente devesse estar incluído. De fragmentações c 1\léticas do processo: arte conceitual tto IIIIISCU que a tào
simboltzaçoes de diversas orden s a distorções e am- debatida efemeridade dos processos artísticos no pe-
pliações tecnológicas, todas se justificam na medida riodo dos anos 1960 c 1970 levou muitos art istas à
em q ue podemos considerá-las práticas orientadas construção de informações artísticas em torno desses
pa ra o corpo. procedimentos: um esforço de torná-los materiais, no
Kristinc Stiles, outra importante teórica no as sentido de dar corpo ao invisível. São vídeos, audiovi-
sunto, contudo, prefere continuar utilizando o termo s~s, filmes super 8 e 16 mm, fotografias. xerox, offset,
"performance" dentro de uma perspectiva de alargamen- livros de artista, desenhos, textos e documentações do
to, incluindo nessa categoria distintos procedimentos. evento. Materiais que até muito pouco tempo atrás nao
Para Stiles, performances podem ser desde simples ges- eram dados ao conhecimento de um publico mais am
tos apresentados por um úmco artista ou eventos com- pio, em função da ineficácia da parte de muitas insti
plexos através de experiências coletivas. Podem envol- tuições no momento de S\la catalogação e, consequcn-
ver grandes espaços geográficos, assim como diferentes temente, sua inserção como parte integrante da obra.
comunidades, transmitidas via satélite e vistas por mi- Uma postura que, por incrível que pareça, remonta a
~ha~es de pessoas, ou se resumir a pequenos espaços categorias tradicionalmente ligadas à obra de a rte fun-
mtJmos. Performances podem ocorrer sem audiência e dam entada na crença do objeto autônomo.
sem documentação alguma, ou podem ser registradas Questões como essas foram motivadoras para o
através de fo tografi as, vfdeos e filmes, entre o utros. E curador Paul Schimmel na organi1..ação da exposição
esses meios acrescentados às ações se tornam a base de Out ofadio tiS: betweetl perfomumce a11d tl1e objed -19-19-
uma forma híbrida de perfonnance. 1979, realizada no intcio de 1998 no Museu de Arte
. Stiles acrescenta que em toda performance sujeitos Contem porânea de Los Angcles. No texto de apresen-
c obJetos das ações estão interligados e comprom etidos tação do catálogo, Schimmcl sublinhava que os traba-

(38]
(·111

lhos v.-postos (fotos, textos, filmes, vídeos, pinturas, Clark e Hélio Oiticica); entre outros tantos. Acr~sódo,, i!
esculturas e outros tantos objetos ali reunidos) nao ainda, de uma série de textos, alguns filmes c vtdco:. c f
pretendjam ser uma retrospectiva sobre a história da uma grande quantidade de fotos documentando açoc~ ~
performa nce, ou da trajetória da pintura e da escultu- ao longo das três décadas de abrangência da exposição: ~
ra nas décadas que sucederam o segundo pós-guerra. uap imo the void, de Yve"' Klein; 18 happem11gs 111 6 paro, ..,
Em vez russo, cMavam ali expostos como uma parte de Allan Kaprow; Vagina pamti11g, de Shigeko Kubota; Eyl' ~
da história da arte que pretendia demonstrar quanto body, de Carolee Schnecmann; Seebed, de Vito Acconci; ~
os happenings, aktions, events, performances e outras O sermilo da mo11ta11IUI: fiatlux, de Cildo Meireles; e Situ- i
atividades associadas ao ato da criação influenciaram açilo TfT. de Artur Barrio.
e provocaram um expressivo impacto nos objetos que Por outro lado, o debate sobre a efemeridade da
deles emergiram. performance, salientada por Cristina Freire, e sobre o
Os artistas nessa exposição foram representados esforço de torná-la material, no sentido de dar corpo
por objetos, e convém citar muitos deles aqui para mos- ao i11visfvel, através da construção de uma !>érie de m-
trar o deslocamento sobre suas noções c categoriza- fomwções artfsticas em tomo desses procedimentos,
ções. Ou as comissuras existentes entre os sujeitos e os levou o curador Jens Hoffmann a propor, em 200 I , o
objetos das ações, tão bem assinaladas no catálogo des- evento denominado "A Little Bit of History Rcpeated,"
sa exposição por Kristine Stiles. E não seria ainda ne- no Kunst-Werke lnstilut of Contemporary Art, em
nhum despropósito sublinhar a ação empreendedora Berlim. Durante três dias, uma série de performances
no Brasil, nos anos 1960, da reavaliação da presença do foi interpretada por jovens artistas de diversas parte!>
objeto na arte, ressaltada ainda nesse mesmo catálogo do mundo, a partir de documentos escritos ou orais,
por Guy Brett. Um livro, frascos de vidro com pó c lí- fotografias e fi]mes. Paralelo às apresentações, um fó -
quidos, cartas c outros materiais dentro de uma maleta rum de debates também foi instalado a fim de analisar
de couro {John Latham); setenta e dois objetos, entre os e discutir as principab características desses procedi-
quais um machado, perfume, azeite, mel e uma arma, mentos: suas conexões com o objeto de arte e a idtia
sobre uma mesa de madeira (Marina Abramovic); de acervo, apontando a necessidade de novas frentes de
um cadeado (Chris Burden); uma capa com camadas debates e novos rumos a serem estabelecidos diant<:
de tecido pintado, esteira de palha e saco de aniagem das ações performáticas. A little bit of history repeatecl,
(Hélio Oit icica); um saco plãsrico com ar e uma pedra segundo seu curador, propunha investigar, através dn
(Lygia Clark); uma fita de Moebius de elástico (Lygia caráter efêmero da performance, a idéia de aLcrvo, ex

[40]
pondo o corpo como uma forma flexível de arquivo, turpo apresentado por ela é sempre protagon i1ado Jllll
em contraste com a idéia de fixo, permanente e supos- v.~rios outros, que tanto podem estar atuando sob ,1
tamente eterno existente nos acervo dos museus, estes Mta coordenação como podem se estender em um m
constituídos, em grande parte, de tang1veis e perenes ~.mismo coletivo. E ambos são tratados como matcn.l
objetos de arte. Todavia, era essencial para o entendi- d bponível para a realizaçao de uma açao que, no lugat
mento desse projeto que a reedição, interpretação ou, do termo performance, ela própria prefere chamar de
simplesmente, a cópia de algumas das ações escolhidas l mtc'lncia. Normalmente, são corpos humanos; contu
pelos jovens artistas fosse baseada na presença física e do, há casos em que a artista apresenta corpos de am-
na ação deles mesmos. Cada um expondo através das mais: urna vaca, pombos ou cachorro. Parte do texto
m ais diversas vias, reafirmando sua constante proces- enviado por ela ao cmador do projeto, Jens Hoffmann,
suaJidade: seja com a colaboração do artista que apre- nos permite um melhor esclarecimento acerca de sua
sentou a performance originalmente, seja por meio da proposta. Di1 o seguinte:
apresentação de um trabalho inteiramente novo.
A artista brasileira Laura Lima, presente no even- A id~ia é reconstruir a performance de Yoko Ono,
to, interpretou Cut piece, ação de Yoko Ono apresen- Cut picce- I964. Esta obra de Yoko é escolhida por
tada pela primeira ve7 em 1964, no Ymnaichi Conccrt, l>Ua imagem e também pela passividade aparente no
em Kyoto e, posteriormente, em 1966, no Destructwn corpo de Yoko. Ela, como performer, reali1a um acerto
Art, em Londres. Consistia em uma ação em que a ar- entre as partes: passividade ugestual" do perfomler
e ativtdade do público ao cortar a sua veste. Depoi!>
tista, sentada no palco, tendo à sua frente uma tesoura,
de escolhida a performance referente para ser trab,t
convidava o público a participar, realizando sucessivos lhada em "A Little Bit of History Repeated", de Jens
cortes em sua roupa, enquanto ela permanecia imó- Hoffmann, esclareço que não somente a trarei de voha
vel. Uma tentativa, conforme ressaltava a artista, de "ípsis factus", como ~ uma das proposições de }ell\;
desconstrução da suposta neutralidade do espectador desejo ainda acrescentar-lhe algo meu que paira sohn:
diante de uma obra. a ordem do performcr como objeto presente em um,l
açao. Antes de tudo, deixo di to que nunca utilizei
Laura Lima, em 200 l, reconstruiu Cut piece subs-
diretamente as denominações de performance p.1r.1
E tituindo o corpo humano pelo de um animal domes- o meu trabalho em arte, apesar de o~char que meu'
~ ticado (uma cabra), que, igualmente, trajava uma ves- gestos também comunguem, em fatos, com o qur '~
"'
·~
timenta cortada pelos participantes. Nos trabalhos de conhece como performance ou o que pode tornor ·'
.... Laura Lima, o corpo da artista nunca está presente. O ser esta discussão contínua e ampla.

[<42]
A performmtce só pode viver se for apresentada ,Jl'"·'s instruções. A seguinte foi The conditicmÍIIX
de novo. Foi baseada nessa afirmação e seguindo uma \utoportrait(s) {l973), de Gina Pane. Na ação, a .tr
lógica similar à de Jeos Hoffinann em "A Little Bit of "''·' c deitava sobre uma cam a de ferro durante tnnt.t
I Tistory Repeated': que Marina Abramovic apresentou llllnutos, tendo embaixo uma série de velas acesas, mas
em n ovembro de 2005 o projeto Seve11 easy pieces no IJU C Marina Abramovic realiwu de forma ininterrupta
Guggenheim Museum, em Nova York. Dmante sete pur oito horas. Seebed ( 1972), de Vi to Acconct, fot J
dias, por o ito horas consecutivas, a artista reapresen- t~rccira reapresentação, ta mbém com uma acomod.t-
tou performances dos anos 1960 e 1970. Tais reapre- çào no sentido de torná-la contínua no período esti-
sen tações, sem dúvida, faliam valer o conceito de me- pulado para a série de reapresentações. Originalmente
taperformallce, proposto por ela há algumas decadas. reali1ada durante uma semana, em perfodos esparsos,
Ou seja, de reapresentar per formances históricas dos na Sonnabend Gallery, em Nova York, trazia Acconci
anos 1960 e 1970 como possibilidade de artista e pú- sob um estrado se masturbando, enquanto fantasiava
blico viverem a experiência da ação ao vivo em outro sobre as pessoas q ue ouvia caminhando acima dele.
contexto. Para Marina Abramovic, é extremamente Na seqüência, Valie Export foi a artista escolhida, com
interessante explorar e aprofundar essas mudanças no Genital panic ( 1969), e, igualmente, os 15 minutos da
tempo, mudanças do significado de uma obra quan- ação de E'<]Xlrt foram acomodados em oito horas, com
do inseridas em outro contexto. Além disso, por meio Marina Abramovtc sentada em uma cadeira repetindo
dessa reapresentação, poder mudar o conceito de o ri- traje e gesto, e o utra cadeira, à espera de algum especta-
ginalidade, uma noção que esteve fortem ente ligada às dor que se dispusesse a participar, permanecendo ali ao
performances daquele período. seu lado. Como penúltima reapresentação, a artista elegeu
Bruce Nauman foi o primeiro artista escolhido How to explai11 art to a dead lwre ( 1965), de Joseph Ocyus.
com Body Pressure (1974), uma perfo rmance que nun- E, para terminar o projeto de reapresentações, Abramo-
ca havia sido apresentada. Endereçada ao público na vic c:;colheu então uma de suas próprias performances:
forma de uma folha de papel, Body Pressure era uma Thomas lips ( 1975). No sétimo dia, a artista apresentou
espécie de manual de instruções de com o lidar com o Entering the other side {2005), uma performance inédi
espaço e o corpo, do tipo: deite-se no chão, pressione ta até então, oriunda, segu ndo ela, da experiênci.1 da<>
seu corpo contra o chão, estique o braço em direção seis reapresentações anteriores.
à parede, sente-se em um canto. Durante oito horas, Interessante, conludo, é assinalar as motiv,tçm·'
Marina Abramovic repetiu indefinidamente cada uma que levaram Marina Abramovic a co nstruir o pmjctn
[47)

Scven casy pteces, denominação um tanto irônica par<! ,. , ,


1
diversas cenas planejadas para serem fotografadas
~>
56 horas de performance. Em entrevista à pesq uisado- 1
. que,
11 despeito da privacidade, assinala o critico, con-
ra Ana Bernstein, a artísla declara: sendo ações, assim como as peças em vldeo de
111111111,nm ~
Nwmum eram performances. :a"'c
O destino da performance sempre me intrigou, pois, de- 4J
u
pois de realí1ada, depois que o público deLxa o espaço, a c
performance não exi~re mais. Exi$te na memória e c.xiste "'E
Ações orientadas para fotografia e video
como narrativa, porque as testemunhas contam para as
outras pessoas que ndo assistiram à ação. É uma espécie
i
de conhecrmento narrativo. Ou exi~tem fotografias, No final da década de 1960 e no inicio da de 1970,
~lides, gravações em vídeo etc., mas eu acho que essas quando as primeiras câmeras de vídeo sur~am c cr~
apresentações nunca conseguem dar conta dJ perfor- incorporadas nos processos de alguns arttstas, Brucc
mance propriamente dita, fica sempre faltando alguma
Nauman, Vi to Acconci e Tohn Baldcssari, entre outro!>,
coisa. A performance só pode viver ~e for apresentada
de novo.... Por isso, estive trabalhando com a idéia de punham-se em frente à câmera em seus ateli~s e, com
como hoje, no século XXI, algumas das performances uma série de gestos repetidos, realizavam suas obras.
do passado, dos anos 1970, 1980 e 1990, podem ser Walking ;11 em exaggerated 11W1111er around tllt! perimc
reapresentJdas e que tipo de regras deveríamos propor, ter of a square ( 1967-68), de Bruce Nauman, Face off
como artistas da performance, à~ pessoas que quiserem (1972),de Vito Acconci,eJ ar11 makingart (1971 ),de }ohn
reaprescntar esse1. trabalho~. Eu quis estabelecer uma
Baldessari, são alguns dos muitos exemplos de ações pcr-
espécie de exemplo histórico.
formáticas gravadas em um espaço intcrramentc ausente
Rcapresentada ou não, uma performance, à ex- de público.
ceção dos poucos presentes no momento da apresen- Procedimentos dessa natureza começaram a ser
tação, ~o podera existir para todos, de acordo com o empregados no final dos anos 1960 e permanecem ate
critico Michael Archer, na forma de roteiros (desenhos, 0 presente. Lsso se torna evidente quando observamo!>
te>..'tos, instruções), fotografias ou VJdeos. Sem fa lar, alguns trabalhos, endereçados a vídeo ou fotografia, de
ainda, daquelas ações realizadas sem audiência alguma, artistas como CaroIce Schneemann, Vi to Accond, Bru
no próprio ateliê do artista, performando apenas dian- cc Nauman, John Baldessari, Richard Serra, Dennis
E
:g te de câmeras de vídeo ou de fotografia. Archer ilustra Oppeoheim, Keith Arnatt, Bas Jan Ader, Martha ~lson,
E
esses procedimentos com exemplos que vão de Vito Ac- francesca Woodman, Ana Mendieta, Eleanor Antm, )o,m
"'c Jona&, Charles Ray, Marina Abramovic, Hannah Wrlk~o•,
~ conci e Bruce Naurnan à criação por RudolfSchwaoogler

[46]
Marta Rosler, Sophic Calle, Cindy Sherman, Paul Mc- ll'V.tdas a efeito por artistas no Brasil nesses primdro'>
Carthy, Tony Our ler, Gillian Wearing, Lucy Gunning, .mm da década de 1970, com apenas duas câmeras
Sam Taylor-Wood, Pipilotti Rist, Matthew Barney, Or- 'lony Portapack: uma no Rio, pertencente ao cineasta
lao, entre outros. )um Tob Awlay, e outra em São Paulo, no MAC/USP,
Não foi diferente no Brasil, no início dos anos por iniciativa de seu então diretor, Walter Zanini.
1970, quando grande parte dos trabalhos produzidos Uma das características presentes tanto nesses Vl-
pela pnmeira geração de vídeos consistia basicamente dcos quanto nas fotografias é o aspecto performativo
no registro de gestos performáticos diante da câmera. que eles engendram, através das ações empreendidas
Mantidos até os dias de hoje por uma gama considerá- pelo artista diante da câmera, instaurando seu própno
vel de artistas, como variante ou extensão de suas prá- corpo como matéria artística, eleito, muitas vezes, como
ticas, tais procedimentos são percebidos também não lugar de desdobramento das categorias escultura e pi.n-
apenas em vídeos, mas, igualmente, em ações perfor- tura. São conhecidas de muitos de nós as seqüênciaS
máticas orientadas para a fotografia. São comprovados de imagens fotográficas da artista americana Carolcc
quando examinamos trabalhos dessas várias gerações, Schneemann em Eye body ( 1963), utilizando seu corpo
como os de Anna Bella Geiger, Leticia Parente, Sôn ia e seu ateliê, ambos como superfície pictórica. Tais scqil-
Andrade, Paulo Herkenhoff, Regina Vater, Fernan- ~ ncias são consideradas importantes precursoras- antes
do Cochiaralle, Antônio Manuel, Artur Barrio, lole de mesmo da utilização da câmera de video- das muitas
Freitas, Carlos Znio, Regina Silveira, Paulo Brusd.')', Ra- ações sem audiência desenvolvidas ao longo dos anos
fael hança, Lcnora de Barros, Tunga, Brígida Baltar,Mar- 1960 até o presente.
ga Puntel, Amilcar Packer, Sandra Cinto, RafaelAssef, Ytf- Brucc Nauman, expoente dessa primeira geraç..lo
tah Peled, Janaína 1k hãpe, Sara Ramo, Laercio Redondo, de vídeos surgida nos Estados Unidos, no entanto, e
entre outros. talve 7 o artista que melhor estabelece tais desdobra-
Performances como a de Letícia Parente bordan- mentos. Numa total simbiose com o espaço de expe-
do a sola dos pés em Made m Brasil, Paulo Herkenhoff rimentação de seu ateliê, Nauman realizou uma scric
mastigando folha de jornal em Estômago embrulha- de ações, durante os finais da década de 1960 e parte d.1
do, Anna Bella Gciger subindo degraus de uma escada de 1970, testemunhadas apenas por uma câmera. r n
em Passagens e Regina Silveira com a série de gestos tendia que, sendo um artista e estando em seu cstudio,
provoca tivos e obscenos em A arte de desenhar, todas qualquer coisa que porventura estivesse ali realizando "
de 1975, foram algumas de uma série de experiências configuraria como um trabalho artístico. Havia, '>l'lll

[48)
1'•11
duvida, uma clara intenção de sublinhar o processo Para Bruce Nauman, as ações para vídeo p.1ss,1
como obra. Desse modo, eleger o ateliê como espa- 1ama ser consideradas como extensões de sua c-;cul-
ço para registrar gestos performáticos tornava-se lura. Realizando uma série de atnridades corriqudra~
prática constante para gr ande parte desses artistas \Orno sentar, caminhar, inclinar o corpo ou se agachar,
que incorporavam o vídeo como extensão de suas o artista criava uma seqüência ininterrupta de "es
experimentações. culturas vivas", nomeando-as pelo sugestivo título de
Aqui convém fazer um breve comentário para r~resentações. Em Bouncing in tl1e corner 11.1 ( 1968),
que possamos colocar uma lente sobre esse lugar es- Nauman fazia gestos repetidos de jogar seu corpo para
colhido como espaço de experimentação ou, ainda, de trás, indo de encontro ao canto da parede. Repo!>icio-
realização de práticas artística!>, comumente referido nando a câmera acima de seu corpo, prosseguiu com
como ateliê. Redesenhado há algumas décadas, seja pela Bouncing in tiJe comer tJ.2 ( 1969), executando o mesmo
expansão de suas paredes, eja pelo recolhimento da movimento e da mesma forma, feito de gestos repeti-
produção para o âmbito doméstico, o ateliê tem sido, dos durante um longo periodo. Em Wall/floor positions
com muita freqüência, gerador de uma zona de inde- (1968), Bruce Nauman tratava intencionalmente seu
terminação. Se, com esse último, assinala Lisette Lag- corpo, a partir de uma série de movimentos em relação
nado, desfizeram-se os limites fixos entre o públko e à parede e ao piso de seu estúdio, como um objeto es-
o privado, uma vez que na perman~ncia de domidlio cultórico muito próximo aos Props (1968-69), do ame-
surgiu um h1brido de lar com labor, lugar em que 0 ricano Richard Serra. Alguns anos mais tarde, em I 973,
artista vive e trabalha - impressos at, sem dúvida, Ba- outro artista americano, Charles Ray, adotava a mes-
bylonests ( 1970-74) e Hendrixsts (1974-78) de Hélio ma instabilidade dos Props de Serra, com Plcmk pieet•
Oiticica, desejo incontido de habitar a própria obra, I & fi: duas fotos correspondendo, respectivamente, a
como legado de novos horitontes e proposições artís- duas ações/posições empreendidas pelo artista em seu
ticas-, não resta dúvida de que, quando expandiu suas ateliê, onde seu corpo era apresentado também como
margens, seus contornos se tornaram tanto ou mais elemento escultórico, que completava e conectava o
opacos. Quando o ateliê passa a ser "qualquer lugar': conjunto da peça, compreendido por uma prancha de
E "todo lugar" ou "onde eu estiver·: seu conceito passa a madeira, o corpo do artista e a parede no qual rcpou
i se estruturar não somente como um lugar fisico, mas, savam e nela se estendiam. ~ interessante assinalar que
...Ec: sobretudo, como uma espécie de parênteses no tempo, essa obra, quando exposta, é sempre apresentada lOill
~ passando a existir, então, onde o artista está. as duas fotografias junto à prancha de madeira.

[50]
I'•IJ

As aproximações entre uma ação cotidiana e uma trabalhava com a aderência de si mesma como ohjcto
ação artística, que fazem o conteúdo das obras coinci- de arte, numa série de ações performáticas endcn:ç.1d.1,
dir com o ser físico do artista e o lugar de suas prática~ ,, fotografia. Numa de suas mais expressivas séries, de-
artfsticas - estes, ao mesmo tempo, sujeito e meio de nominada House ( 1975-76 ), a artista se fotografava em
expressão estética, eles mesmos como objetos de arte - , casas parcialmente destruídas ou abandonadas, explo-
~crão também presenciadas em séries autobiográficas rando a natureza e a pertinência de sua auto-represen-
ou auto-referentes que povoaram as décadas de 1970, tação como forma de conveniência (porque seu corpo
1980 e 1990, presentes até os dias de hoje. São notó- era, sem dúvida, uma matéria sempre à dispo ição).
rias as séries de vídeos e fotografias do holandês Bas e relacionando-se com o espaço dessas casas como se
]an Ader, realizadas em seu breve percurso de vida e fossem prolongamentos de si mesma.
produção, tais como I'm toa sad to tel/ you, de 1970, Nos anos 1990, uma série de ações endereçadas
vídeo em que aparece chorando durante alguns minu- também a fotografia:., da carioca Brigida Baltar, apre-
tos em frente à câmera; Fali/I, Amsterdam, outro vídeo se~tava, da mesma forma, esse caráter autobiográfico.
de 1970 em que surge à deriva de bicicleta, pelas ruas de Optando pela relação do corpo com o próprio espa-
Amstcrdam, até cair em um de seus canais; Flower work, ço que ela habitava, iniciou um processo de escavação
de 1974, vídeo e seqüências de fotografias onde aparece das paredes, fazendo silhuetas em pó de tijolo, poeira c
arranjando e rearranjando flor~ de diversas cores em um outros materiais que ia capturando, culminando com
vaso; e All my clothes, de 1970, em que fotografa todas as Abrigo (1996}, uma seqüência de fotografias da artis-
suas roupas dispostas no telhado de sua casa. Estes e ou- ta escavando seu próprio molde na espessa parede da
tros tantos culminariam ainda com a série The searclz for casa. A última delas registra a artista preenchendo com
lhe miraaJlous, composta de três fases distintas, a última seu corpo a cavidade resultante.
delas deixada apenas como traços de uma ação da viagem Ações sem nenhuma audiência, da mesma forma
que faria de Cape Cod, na Califórnia, em julho de 1975, sugerindo um tipo de aderência entre o espaço priva-
atravessando o Atlântico com destino à Grã-Bretanha e do e o corpo do artista, são apresentadas em Climbing
que terminou em uma busca, após três semanas do con- -around my room ( 1993 ), vídeo da inglesa Lucy Gun-
§ tato interrompido, em abril de 1976, quando seu veleiro ning escalando a superfide de seu quarto. Uma ação
Cií foi encontrado 150 milhas a sudoeste da Irlanda. silenciosa, tendo somente a câmera registrando seus
E
"'
c Igualmente breve no percurso da arte e da vida, movimentos, suaves e lentos, cuidadosos, equilibrao
~ temos a americana Francesca Woodman, que também do-se em prateleiras, ganchos, móveis c elementos do

[52]
quarto sem tocar o chão. Dotada de uma natureza, po- São noções como essas, referenciadas por Amil
deríamos assim dizer, também escultórica, a ação em- car Packer, trazendo a idéia de uma impregn.tç,\o do
preendida pela artista carrega fortes ecos das ações de corpo do artista com o lugar de suas experimcntaçoc:.,
Bruce Nauman aqu i descritas. que nos fazem citar outro trabalho deBruce Nauman,
Ecos que podemos notar tam!Xm em muitas perfor- no formato de videoinstalação, denominada Mappmg
mances orientadas para vídeos ou fotografias de Amilcar tllc Studio li, with colo r slrift, Jlip, Jlop. & Jlip!Jlop (Fat
Packer. Em meados dos anos 1990, Packer s~giu na Chance }olw Cage) e exibida pela primeira ve1. em
cena artística de São Paulo apresentando, inicialmente, 2002. O trabalho foi seguido de muitas outras apre-
uma série de stills de videoperformances que realizava sentações, constando, inclusive, dessa mesma Bienal
em diferentes aposentos da sua própria casa ou algum de Sydney, há pouco referida, em 2004. Mantendo o
outro lugar escolhido. A exemplo também dos vídeos de tempo real de gravação de Sh45min, Nauman apre-
Bruce Nauman compostos de repetidos gestos, os stills senta apenas imagens de seu atelié. Ausente durante
que Amilcar Packer apresentava eram oriundos de ações todo o tempo da gravação, salvo pela aparição ocasio-
em que - como as demais aqui comentadas - também nal de sua perna, capturada quando saía do estúdio, a
não havia nenhum tipo de audiência. Num de seus tra- imagem que vemos é o registro da câmera focalizan-
balhos da série V1deos, denominado Vfdeo #OI (2002), o ~o a vida no ateliê, sem o artista: objetos espalhados
artista realiza uma operação que consiste em caminhar por toda a dimensão do espaço e, vez ou outra, a pas-
lentamente pelo rodapé do quarto, como uma espécie de sagem furtiva de um gato.
reconhecimento tátil da superficie que habitava, percor- The good homc (2006), do paranacnse Laercio
rendo repetidas ve:tes, palmo a palmo, suas dimensões. Redondo, intensifica ainda mais essas relações. Expos-
Ecurioso ressaltar, conforme nos fa1 observar o próprio to como se fosse uma pequena pintura, mostra uma
artista, que o seu ateliê pode ser tanto a sua casa como a ação, gravada em vídeo, dentro do quarto em que se
de alguém próximo ou, ainda, algum lugar com o qual hospedou no período em que permaneceu em um
convive intensamente. "Talvez~ diz ele, "fosse apropria- p rograma de residência de artistas em Schoppingen
do pensar em alguma coiSa como meu estúdio sou eu." (Alemanha). Em nenhum momento, temos a ima-
Como exemplo, cita um vídeo que realizou no quarto gem do artista em ação, apenas insinuações de sua
do hotel em que estava hospedado em Sydney, durante p resença flsica, através de repetidas fusões que vao
a sua permanência naquela cidade como artista partici- preenchendo o "quad ro", inicialmente branco e com
pante da Bienal de 2004. poucos objetos além da cama, com toda a ~ortl' dt·

[54]
utensílios, ro upas e materiais diverso!>, nas suas cores Espaços de performaç!o
c tamanhos.
Registros ou traçoÍ> que evidenciam uma ação per- Entre as m últiplas possibilidades de alargamento da nu
formatica, trazidos por fotografias e vídeos, como esses ção de performance nas artes visuais, cumpre-nos, a in
brevemente aqui descritos, além de textos, desenhos, da, destacar neste último segmento os procedimentos
objetos e instalações, têm sido também elementos mo- que requerem outra ação para a sua realização: o ato
tivadores, se não no rteadorcs, para novos debates e re- (do ar tista) como ativador de outros atos (dos parti
definiçõcs acerca da noção de performance nas artes cipadores), endereçando de imediato a noção clc obra
visuais. Foi baseado em instâncias como essas que, em com o proposição ou como instrução. Algumas, como
2005, o curador Jens Hoffinann e a artista Joan Jonas as já descritas na sucinta trajetória e nos desdobramen-
apresentaram uma noção de performance na esfera das tos aqui traçados, sobretudo no Brasil, nos exemplos
artes visuais ampliada de seus e~tereótipos mais co- citados do período dos anos 1960 e 1970, q uando a
muns, estabelecidos, via de regra, pela presença do cor- participação do espectador diante da reavaliação do
po do artista como núcleo central de expressão e investi- objeto era imprescindivel, estabelecendo ao artista a
gação, próximo ou similar à body art (esta, também, condição de um propositor de ações, que seriam leva-
segundo eles, passível há algum tempo de revisões e das a termo pelo espectador-participador. Obras como
redefinições). Sugestivamente intitulado Perform, o as de Hélio Oiticica ou Lygia Clark, diante das quais
livro por eles apresentado evidencia o verbo, a ação, o espectador era sempre solicitado a usá-las ou mani-
presente em uma gama consider ável de procedimen- pulá-las, pois a mera contemplação não bastava para
toÍ>, cuja performatividnde demonst ra as diversas revelar seu ~en tido.
possibilidades e m odos de defin ir a performance no Desse mesmo período, e carregando igualmente
ca mpo das artes visuais. Um cam po, conforme ates- a noção de pro posição, estão os cartões com instru-
ta a pesquisa de ambos, in íinita m en le irrestrito nas ções ou cartões-pnrtiturns largamente utilizado!. pelo
suas m ais diversas conexões, contemplando, assim, grupo Pluxus. Com o objetivo expresso de circulaçao
uma sér ie de trabalhos que poderíam os con tinuar e m ultiplicação por meio da participação, indicava-l>C
listando e descrevendo. 1odos a partir de um viés com esses cartões que a realização de uma obra nao w
q ue agru pa e estabelece a noção de obra CQmo_ u~ confinaria como privilégio de uma classe artística, mas,
_ação. cuja q ualidade específica consiste em realizar, conforme previa George Maciunas, possibilitan.l qtal'
fazer ou executar. todos fossem integrantes Fhu'US ou perfomwrs em po

[56]
tendal. Do tamanho de cartas de baralho, escritos em Se ru1o lrouver ma onde deveria, segundo o maptt, Japr ""'"
vários idiomas, eram distribuídos nas Fluxboxes (cai- colowndo os obstdmlo:> de lado.
xas Fluxus) através das F/u.xshop (lojas Fluxus de Nova Qmmdo você atmgir a sr~a meta, pergunte o nome dfl âdmlt• t'
York, Amsterdam c Alemanha), do Fluxpost (correio d~ flores para a primeira pessocl que etrcontrar.
Fluxus) o u pelos própriol> Fluxartistas e simpatizantes, O mapa deve ser seguido à riscn, 011 a ação terd que ser cmrcc-
que, após fazerem uso dos cartões, remetiam aos ami- lada por imâra.
gos seguindo a lógica de uma corrente postal. Produ- Peçct a St'US amigos que façam mclpas.
zidos a partir de 1960, muitas vezes estavam aderidos à
Vê 11111pas a seus amigos.
materialização dos eventos do grupo, como os festivais,
os teatros na rua, jantares artísticos, bem como os di-
Peça Luz, outono 1963
versos saraus domésticos ou públicos.
Sua facilidade de circuJação e produção possíbi- Carregttc tlmtl bolsa vazia.
litava uma ampliação para além do momento e local Srtba ao topo de uma momanlra.
de sua execução. Além disso, portadores de enunciados Coloque , a l1olsa toda luz que p11der.
abertos, esses cartões existiam para serem usados, al-
Volte pam casa qua11do escurecer.
terados e desdobrados, ou até mesmo para permane-
cerem dentro da cabeça de cada um, conforme previa Pertd11re a bolsa no meio do seu quarto no /regar de umtt
Yoko Ono. Ela foi, certamente, uma das artistas que lc1mpndn.
maior influência imprimiu nos conceitos das ações do Outros exemplos, como Prepare uma salada (Pro-
Fluxus, a exemplo da partrcipação do espectador nas posição de Alison K.nowles, 1962); Ligue o rádto. Ao
licenças para que outros executassem os seus próprios primeiro som, o desligue (lrtstrução de George Brecht,
trabalhos, tais como: sem data), evidenciam, junto a outras tantas instruções
oferecidas pelos cartões Fluxus, a supremacia do ato,
diante de uma possível perenidade como objeto.
Peça mapa, verao 1962 A idéia de envolver qualquer pessoa em ações em
.ê preendidas pelo artista foi durante muito tempo, para Vi to
Gí Desenhe um mapa tmagmário.
E Acconci, um programa não apenas ronstnúdo, mas t.un
"'c
-~
Coloque um pomo 110 mapa para onde você queira ir.
bém a ser seguido em muitas de suas performam:c~. "'I.'
Vá andando em uma ma de 1·erdade segundo o seu mapa. obra Seebed ( 1972), aqui descrita anteriormente, t rnh.1 "
[58]
[61)

....
Estudo para espaço
objetivo explícito de englobar o público a fi m de que c~te i
'!>
se tornasse parte daquilo que ele estava realizando. Em Est11do pnm área: por meios naísticos (sons), escolha um loaú
Command peifonmmce ( 1974), contudo, tal inclusão sur- (cidade Otl mmpo), pare e concentre-se atentamerzte 1105
~
que 1-od percebe, desde os práXIIIIOS até os mais lon~:fnquos.
"'....c
giria de maneira mais efetiva, oferecendo ao espectador 50115 "'
(li
u
um espaço que apenas insinuava a sua presença fisica. In- c
São obras como essas aqui descritas, cuja potência "'E
teiramente vazio, preenchido somente com uma cadeira,
performativa sobrepõe-se à sua materialidade (emb~ra
um monitor de vídeo e uma trilha sonora, a performance
saibamos que, quando "protegidas" pelos museu~. mwtas 0..
~
-.eria toda transferida para o espectador, que se via dentro delas correm o risco do estancamento), que me levaram
desse ambiente, totalmente impelido a ser ele próprio o · de destgnação
·
a pensar num llpo que ·mll"tulo espaço de
realizador de uma ação. .2.etformação. Ou seja, uma situação q~~ surge do.~ncon­
Obras como instrução e comp artilhamento com tro do espectador com a obra-proposu;ao, ~sst~thtando
o espectador são também atributos lançados por alguns a criação de um espaço rclacional ou comumcactonal. e, o
trabalhos de Cildo Meircles. Sendo conhecida de to- espaço de ação do espectador, amplian_do. portanto, a no-
dos nós a série Circuitos uleológicos, de 1970 (Projeto ção de performance como um proced~cnto que se p~­
Coca-Cola, Projeto Cédulas), opto aqui por apresen- longa também no participado r. Além dtsso, uma tentatiVa
tar outros trabalhos, denominado~ Estudos, que são de constante de vislumbrar uma obra como deflagradora de
I 969 c existem como potencialidade criativa, à espera um movimento participativo e que existe não como obra
de qualquer um para a sua realização. Construídos a pronta, fechada em si como materialidade silenciosa, mas
partir da linguagem e sob a designação de fot~ometlOS como superficie aberta e distributiva. .
(conjunção entre fe nômeno e fonema), surgem, con- e, o caso, por exemplo, dos jogos & ~erclcw: pro:
forme ele próprio salienta, como tentativas de se dis- postos por Ricardo Basbaum em eu-voce. O ~r.tlsta e,
tanciar da patológica relação com a obra de arte como ao mesmo tempo, um propositor e um parttetpador,
algo que apenas artistas podem produzir. numa ação que ocorre na presença do públi~o: resul-
tando em duas e>.'Periências: uma para os parttctpa~tes
Estudo para tempo e out ra para a audiência. Ambas, acrescenl~ o art.JSta,
com o objetivo de se tornarem igualmente mte~stva:,.
Na prnia 011110 deserto,faça 11m buraco na areia (do ta- Além disso, todas as vezes que os jogos & exerdetos eu-
manho que desejar), sente e espere, silenciosartzcnte, mé você voltam a acontecer, adverte Basbawn, nunca são
"'c que o vento llze cubrn por completo. os mesmos, devido não somente às especificidades d,l
~
[60]
(ldJ

pessoa ou do grupo, mas também à relação direta com Além disso, a participação do espectador comu cc1 .111
o lugar. O traço mais evidente, sublinha ainda, é que 0 tor da obra imifica amda o exercido de uma altetidadc (( m'
espaço que hospeda o grupo é majoritariamente para tante, que, tão bem descrita pelo artista Jorge Menna Bar~to,
doxal, no sentido de que ele de fato depende de liga- vai se destacar como ordens propositivas que dependem elo
ç~e~ e lmhas invisíveis- pertencentes ao afeto e forçru. outro pam que fut~cionem, porque do contrário murcham. Por
stmilares - que precisam ser permanentemente rene- outro lado, qu~tiona o artista, e o que murcha com o outro?
gociadas por seus membros. Do que eu me desfaço? De qunl espaço eu abdico pam acoUu:r
Igualmente propositiva, mas sem a prc:.ença do artis- o outro de fomm tão intensa? E prossegue nesse intenso ques-
ta e de inteira responsabilidade do indivíduo participador, tionamento, que é próprio de qualquer ação propositiva,
podemos ainda exemplificar outra obra de Ricardo Bas- tentando dimensionar a clastiàdade que pode estar contida
baum, nomeada pela sigla NBP, indicativo de Novas Bases nas comissuras existentes entre a ação do artista e a ação do
para a Perso11alidade. Lançado em 1989 e sinalizado como espectador, imaginando ser possível manter algum ponto de
uma ação em progresso, NBP é um objeto transportável, contaJ:o na continuidade da participação.
inteiramente oferecido à participação. Conforme indica Talvez seja possivel manter uma ligação entre essas
o [o/der, distribuído como dinllgação para aqueles que partes. Por outro lado (e é isto que as toma tão instigantes),
desejarem participar da experiência art(stica com 0 bem sabemos que, à medida que se afastam de seu refe-
objeto NBP, basta aceitar usar, durante um mês, como rente, essas obras parecem criar uma vida própria, estabe-
quiser, da maneira que achar melhor. A participação lecendo noval> relações, "esquecendo-se" de sua origem.
apenas deverá ser implementada com registro da expe-
riência, através de texto, fotografia, vídeo, som, objeto Considerações flna;s
ou outra forma que se julgar mais adequada.
DIZem qut cada drívtdn 1101'11 sobre cl
Articular a noção de performance como um pro- desenrolar de detcrmímulo asstmlll 1'
cedimento que se prolonga no espectador-participa- propordontll no rwmero de opc1rt11
dor nos leva a pensar também como sendo uma tentativa mdades ptrdidtiS tle $lia rrso/ufdcl. r
de manutenção desses procedimentos tão instáveis, atra- precrso estar atento: cmco oport11m·
dades prrdídas, grmndo cmm tiUI'I ·
E vessados, determinados, consumidos e transformados tias drftrl!lltes, num curto pcrroclc1 c/c•
ll pelo tempo. Deslocadas para qualquer lugar, es!)as obras tempo sobre n mesma ~rluoplcl .•rlco
E
"'
c:: são oferecidas como proposições que a todo momento sujiCiefltes para murar 511115 for!rH clr
·~ poderão ser ativadas c postas em movimento. d1Scemime11to para stmprt• ...

[62) •
A citação acima integra a série Ditos e crenças populares pertencentes a esses procedim entos. Assim, longl' dl
de utilidade cotidiana - Falsas verdades, que a artista limitar-se apenas como instru mentos de rcgbtw, tu
Bruna Mansani escreve com giz escolar em muros e das as fases se tornam elementos constitutivos J.1 oh1 ,1,
tapumes que encon tra em seu percurso d iário na ci- materialização de um procedimento temporal ofcrcu
dade de Florianópolis. Escrito co m material de resis- do à recepção.
tência frágil , que desaparece no período de algumas
1•11•11•1
horas, sobre muros abandonados d e terrenos bal-
dios, tapumes e outras superfícies provisórias, não
requer nenhum tipo de participação nem audiência,
que poderiam aqu i estar presentes como fo rma de
sua manu tenção. Não fosse o rastro d eixado pela fo-
tografia, a ação resultaria em um ato inv isível, sem
nenhum tipo de rema nescente que a materializaria
como obra.
Muito mais do que apresentar as características
acima descritas, sua escolha para terminar este livro
(além do sugestivo conteúdo da citação) tem como ob-
jetivo apresentar uma noção de performance nas artes
visuais com seus limites mais distendidos.
A escolha de uma seqüência de fotografias (que é
como a perfo rmance é apresentada) não visa a pro-
por nenh um tipo de hierarqu ia nos modos de ma-
nutenção de u ma ação fu gaz. Poderia ter sido vídeo,
uma instrução, um fil me ou uma instalação. O que
se p retende apontar é q ue, atual men te, u ma defini-
$
Qj ção possível de perfo rmance nas artes visuais con -
E
"'c temp la uma sorte de ampliações ou formas de devir,
·~ postas por uma considerável concent ração de etapas

[64] •
referências e fontes

(p.13J A citação de Allan Kaprow foi retirada do livro


Escritos de artistas: anos 60/70 (Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 2006, p.44), organizado por Glória Ferreira c
Cedlia Cotrin.
[p.25J O termo "estrutura viva" (livi11g structure) foi
retirado do livro Kmectic Art: the la11guage of tire mo-
vemellt (Londres/Nova York Studio-Yista/Rcinhold
Book Corporation, 1968).
(p. Z5lA citação de Lygia Clark foi extraída de I.ygia
C/ark: a fantasmáticn do corpo, entrevista da art ista ;t
Roberto Pontual, Rio de Janeiro, 1974, inserida no ca
tálogo da exposição Lygia Clark (Barcelona, ..,und.1ç.1o
Tàpies, 1997, p.205}.
(p.29l A citação de Artur Bar rio foi extra1da da lunvc:r \.I
realizada em 20 de julho de 2001 com<. cCJII,t < ntrin,
Luiz Camillo Osório, Ricardo Basbaum, Rll.trdo Rc

(67]
(bYJ

sende e Glória Ferreira, publicada no catálogo do Pa- [p.<46JA citação de MichaeJ Archer foi extratd.t dl· 'l'll
norama 2001, MAM, São Paulo, p.8 1-4. livro Arte contemporânea: uma f1istória coucrsa (S,Itl
[p.32-3 J A citação de Ricardo Basbaum foi retirada de Paulo, Martins Fonte~. 2001, p.11 1).
seu texto Cérebro cremoso ao cair da tarde (Revista O [p.50J Discussões sobre o conceito de ateliê assinal.t -
Carioca, n.S, Rio de Janeiro, dez 1998). das por Lisctte Lagnado foram extraídas de seu te:\tn
[p.l7] A citação de Peggy Phelan foi retirada de seu livro Ateliê, Inbom rório e ca11teiro de obras, (Follra de S. Paulo,
Unmaked: the polittcs of perfonnmiCe (Londres, Rou- Caderno Mais, SP, 23 de janeiro de 2002).
tledge, 1993, p.l46). (p .56J O termo pcrformatividade tem permitido apre-
[p.39J O te rmo comissuras é apresentado por .Kristine sentar uma visão mais ampliada da noção de perfor
Stiles em seu texto Uncormpted joy: international art mance, não restrita tão-somente à utilização do corpo
actions, inserido em Paul Schimmel. Out of actlom: be- como m atéria de um procedimento artístico. Utilizado
teween performance and objects, 1949-1979 (Los Ange- em muitos discursos teóricos concernentes à noção de
les/Londres, MoCA/Thames and Hudson, 1998). performance e a plicados às ar tes visuais, ao teatro e à
[p.<43J A citação de Laura Lima é parte do texto enviado dunça, o conceito foi apropriado do filósofo inglês John
por e-mail pela artista em 12 de março de 2003. Re- L. Austin, em seu livro How to do things with words, pu-
produzido (em inglês) no catálogo do projeto A little blícado em 1959. Composto de uma série de conferên-
bit ofhistory repcated (l3erlim, Kumt-Werke Jnstitut of cias proferidas no decorrer daquela década, tornou-se
Contemporary Art. 2001, p.29). -e importante ressaltar um clássico no q ue se refere à visão performativa da
que esta publicação trazia apenas os textos dos artistas linguagem.
apresentando suas propostas para o curador Jens Hoff- [p.58·9J As instruções de Yoko Ono foram extraídas de
mann. Acentuando a potência da ação ao vivo, nenhuma seu livro Grapefruit: A Book of lnstructiotl and Drawitl-
imagem-registro das reapresentações das performances gs by Yoko Ono (Nova York, Simon & Schuster, 2000).
foí inserida. Em seu lug.1r, junto ao texto de cada artista, o (p.61J O primeiro Estudo foi extraído do Projeto J>o
catalogo trazia duas a três páginas brancas. /t, versão livro, editado por Hans Ulrich Obrist (New
[p.-4<4 e p.<46J A~ citações de Marina Abramovic foram York!Frankfurt: e-flux/Revolver, 2004, p.229); o segun
retiradas da entrevista concedida à pesquisadora Ana do Eswdo consta do catálogo da exposição Babel- Ctltfo
Bernstein em l l de fevereiro de 2005, em Nova York, Meireles, curadoria de Moacir dos Anjos (Rio de Jand-
publicada no Caderno Videobrasil 01 - Performance ro/São Paulo, ARTVIVA Editora/Estação Pinacotcç,,
(São Paulo, Sesc, 2005, p.l28-9). do Estado de São Paulo, 2006, p.23).

[68]
(p.6HJ fogos & exercícios eu-você estão descritos por Ri-
sugestões de leitura
cardo Basbaum em seu texto Differences between us and
them [http://www.static-ops.org/archive_october/essay_
l2.hLm]. Esse mesmo texto, traduzido para o português
pelo artista Jorge Ylenna Barreto, consta do catálogo da
exposição Entre Pirulorama, organizado pelos curadores
Elke aus dem Moore e Giorgio Ronna (Stuttgart, Verlag
für moderne Kunst Nurnberg, 2005, p.166-74).
[p.6lJ A citaçao de Jorge Menna Barreto foi extraída de
conversas por e-mail com o artista sobre suas proposi-
ções Mi11ha terra sua terra e Co11 Fio, em 13 de junho de
2002, perlodo em que eu escrevia minha tese de douto-
rado, Incorporações: nge11ciamentos do corpo 110 espaço
relncio11al.
I NDICO E COMENTO a seguir algu mas obras que ajudam a
aprofu ndar o assunto.
l•l Começo pelo clássico livro de RoseLee Goldberg, A
arte da perfomlflllce: do futurismo ao presente (São
Paulo, Martins Fontes, 2006), que traça um panora-
ma do futurismo até o presente (2000), apresentan-
do a performance como um agrupamen to interdi~­
ciplinar de diferentes manifestações artísticas, como
dança, teatro, literatura, música, poesia, arquitetura
e artes visuais.

l•l A arte da performance, de Jorge Glusberg (São Paulo,


Perspectiva, 1987), e Performance como li11gw~gt•m,
de Renato Cohen (São Paulo, Perspectiva, 1989 ),
igualmente, configuram-se como clássicos no~ c~ -

[70)
l" I
173)

tudos de performance. Acrescenta-se, ainda, que 1998), é o catálogo da exposição de lllC\Illo nnnK,
Renato Cohen, al~m de efetuar a primeira tradu- com uma série de textos de curadores convid.1dw.,
ção de um estudo nessa área, aqui no Brasil, na década apresentando uma parte da história da arte do po'>
de I980, com A arte da performance, do argentino guerra, cujo objetivo é demonstrar que ações pa
Jorge Glusberg, foi também precursor, em seu livro formáticas, assim como outras atividades assou.1
Performance como linguagem, em estabelecer um das ao ato de criação, provocaram enorme impacto
diálogo entre a performance nas artes visuais e a nos objetos que delas emergiram.
performance no teatro.
[•1 Perfonn, de jens Hoffmann e joan Jonas (Londres,
[+1 Greettwich Village 1963: avant-garde, performance e Thames and Hudson, 2005), apresenta a noção de
o corpo efervescente, de Sally Bane~ (Rio de Janeiro, performance na esfera das artes visuais ampliada
Rocco, 1999), apresenta a cena americana da dança, de seus estereótipos mais comuns. Baseado nos
do teatro, das performances e dos happenings, am- elementos performativos existentes em muitas
bientada no Greenwich Yillage, elegendo o ano de práticas artísticas, o livro é organizado como uma
1963 como marco transitório das décadas de 1950 "exposição": uma "entrada e saída" e oito "salas" com
e 1960. trabalhos que afirmam claramente as múltiplas varia-
ções de procedimentos art~ticos ditos perforrnativos,
[+1 Tlteories nnd dowmellls ofContemporary Art: a sour- incluindo vídeos, instalações, desenhos, filmes, textos,
cebook of artist's wnlittgs, organizado por Kristine fotografias, esculturas c pinturas.
Stiles c Peter Selz (Berkeley/Los Angeles: University
of California Press, 1996) -especialmente os capí- l+l MIP- Manifestação lntemacionnf de Performance,
tulos 7 ("Process") e 8 ("Performance Art"), ambos catálogo e DVD contendo registros das performan-
com introdução de K. Stiles -, reúne uma série de ces e dos debates do evento promovido pelo Centro
textos em forma de escritos, manifestos, cartas e de Experimentação e Informação de Arte (Ceia) em
entrevbtas, indispen~áveis para o acesso direto à in- agosto de 2003, em Belo Horizonte.
formação vinda dos artistas.
E l•l Caderno Yideobrasil 01 - Performance (São Paulo,
i
E [•I Out of actions: betllleett perfomumce a11d the object Sesc, 2005) traz um conjunto expressivo de texto'>
~
't...> -1949-1979, organizado pelo curador Paul Schimmcl sobre o tema, além da conversa entre a pesqlúsado
{Los Angeles/London, MoCAffhames and Hudson, ra Ana Bernstein e Marina Abramovic.
[n]
l•J Novas mfdias na arte co11lemporânea, de Michael
Rush (São Paulo, Martins Fontes, 2006), traça uma
Outros livros de interesse
trajetória da utilização de meios tecnológicos na
arte: da fotografia ao cinema, da videoarte à arte
digital, das manipulações fotográficas à realidade
virtual. Destaque para o grupo Fluxus, bem como
para o panorama das performances orientadas para
video e fotografia, dos anos 1960 até o presente.

l+1 Made in Brasil - três décadas do vídeo brasileiro, com


textos organ i1.ados por Arlindo Machado (São Paulo,
ltaú Cultural/Ilu minuras, 2007), especialmente o
capítulo dedicado aos pioneiros em nosso país, tra-
zendo depoimentos de Walter Zanini, Anna Bella Proust e a fotografia
Geiger, fernando Coch iaralle e Paulo Bruscky, bem Brassa·i
2005, t 84pp, lluscrodo
como o texto de Christine Mello apresentando uma
Retrato de Portlnar1
abordagem sobre as relações entre corpo e vídeo. Antonio Callado
Com llustroçOes de Cone/Ido Portfnorl
I•I Do lt (Nova York/Frankfurl: e-flux/Revolver, 2004), 2003, 200pp

versão em livro do projeto concebido pelo curador A peregr1naç1o de Wat t eau a ilha do amor
Norbert Elias
Hans Ulrich-Obrist c pelos artistas Christian Bol- 2005. 76pp, llustrodo
tanski e Bertrand !.avier em 1993. Nele você en -
Escritos de artistas
contrará uma série de obras propositivas, que no anos 60170
formato de inst ruções estão ali impressas para que Glória Ferretra e Cecilia Cotr1m (orgs.J
2006.~
qualquer um de nós as realize. Outra versão pode
Adorno & a Arte Contempor3nea
ser encontrada também no si te www.e-fJux.com. Vertaine Freitas
.E 2003, 72pp, cal. Posso-o-Passo
Qj
E
Sobre a Arte Moderna
"'c e out ros ensaios
~ Paul Klee
2001 , t28pp, Ilustrado
[74]

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