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Anais

I Semana dos
Museus
r * ’ i « r sr

18 a 22 de maio de 1997

Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária

Conselho Editorial

Adilson Avansi de Abreu


Maria Cecília França Lourenço
Augusto Francisco Paulo

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m

1999 U N JC A M P
Biblioteca - IFCH
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Jacques Marcovitch - Reitor
Adolpho José Melfi - Vice-Reitor

PRÓ-REITORIA DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA


Adilson Avansi de Abreu - Pró-Reitor

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA


José Teixeira Coelho Netto - Diretor
U N ID A D E - IFC H
N° CHAMADA U f c ^ v _ _ i( i
v 1o-' MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
.EX. Paula Montero - Diretora
TO M BP BC/.
.ÍROC. ------ MUSEU PAULISTA
c 1— 1 dCEU José Sebastião Witter - Diretor
PREÇOJ S&
— o é- f —- ‘—
1 -*I----------
da ta _ Ü -/í j 4 ^ - Í MUSEU DE ZOOLOGIA
N.° CP D
Miguel Trefaut Urbano Rodrigues - Diretor
BIB ID

C O O - tx t-M T : GRUPO DE TRABALHO DA I SEMANA DOS MUSEUS

Maria Cecilia França Lourenço (CPC)


Maria Cristina Oliveira Bruno (MAE)
Carmen S.G. Aranha (MAC)
Dilma de Melo Silva (MAC)
Miyoko Makino (MP)
Gustavo Augusto Schmidt de Melo (MZ)
Cláudia D ’Arco (Secretária)

MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA


da Universidade de São Paulo
Av. Prof. Almeida Prado, 1466 - Cid. Universitária
CEP 05508-900 São Paulo SP
Tel: 818.5096 e 212.4001

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA


da Universidade de São Paulo
Rua da Reitoria, 160 - Cid. Universitária
CEP 05508-900 São Paulo SP
Tel: 818.3039

MUSEU PAULISTA
da Universidade de São Paulo
Parque da Independência, s/n - Ipiranga
CEP 04299-970 São Paulo SP
Tel: 215.4588
Tel/Fax: 273.9165

MUSEU DE ZOOLOGIA
da Universidade de São Paulo
Av. Nazaré, 481 - Ipiranga
CEP 04263-000 São Paulo SP
Tel: 274.3455
Fax:274.3690
SUMÁRIO

7 A presen tação

9 P r o n u n c i a m e n t o d o P r ó - R e i t o r n a A b e r t u r a d a S e m a n a d o s M u s e u s 18 d e m a io d e 1 9 9 7
Ja cques M a rcovitch

11 O P a p e l d o s M u s e u s n a U n iv e rs id a d e : O C aso do MAE =
A d ilso n A va n si de A breu ;

17 P l a n o D i r e t o r d o M u s e u d e A r t e C o n t e m p o r â n e a d a U n i v e r s i d a d e de- S ão P a u lo
A p r o v a d o p e l o C o n s e l h o A d m i n i s t r a t i v o em 9 d e j u n h o d e 1 9 9 7
Lisbeth R ebollo G onçalves

27 T e x to A p re s e n ta d o n a S e m a n a d o s M u se u s
Jo sé Seb a stiã o W itter

29 M u se u d e Z o o lo g ia d a U n iv e rs id a d e d e S ão P a u lo
Jo sé L uiz M oreira L em e

33 C u r a d o r ia s e m C urad o res?

H a ig a n u ch Sarian

37 A r q u e o lo g ia B r a s i l e i r a n o M A E /U S P : P e s q u is a , E n s in o , E x te n s ã o e C u r a d o r ia
Jo sé L u iz de M orais e M arisa C outinho A fonso

45 D if u s ã o C ie n t íf ic a , M u s e a l iz a ç ã o e P ro cesso C u r a t o r ia l : U ma R ede de P o s s ib il id a d e s e

D e s a f io s p a r a o s M u seu s U n i v e r s i t á r io s

M aria C ristina O liveira Bruno, M arília X a vie r C ury e M aria C hristina de Souza L im a R izzi

51 F o r m a ç ã o e D e s e n v o lv im e to d a s C o le ç õ e s : P r o b le m a s e D e s a fio s
O C a s o d o M u s e u d e A r t e C o n te m p o râ n e a d a U n iv e rs id a d e d e S ã o P a u lo
G abriela Suza na W ilder

55 E m B u sca do “C ontem po râ neo ” no M u seu

O D e s a fio d o M u s e u d e A r t e C o n te m p o râ n e a d a U n iv e rs id a d e d e S ão P a u lo
C ristina Freire

59 C u ra d o ria e C u ra d o re s
H eloísa B a rb u y

67 T r a je tó r ia d a C u ra d o ria n o M u seu P a u lis ta


M aria Jo sé E lias

73 P r o c e s s o C u r a d o r i a l : A P e s q u is a , A D o c ê n c ia e A E x t r o v e r s ã o a P a r t i r d a E v id ê n c ia
M a t e r i a l d a C u l t u r a e d o M e io A m b ie n te
Cleide Costa

C o le ç õ e s d o M u s e u d e Z o o lo g ia d a U n iv e rs id a d e d e S ão P a u lo : F in a lid a d e s B á s ic a s e
C u ra d o ria
Jo sé L im a de F igueiredo
O PAPEL DOS MUSEUS NA UNIVERSIDADE: O CASO DO MAE

P rof Dr. Adilson Avcinsi de Abreu


Diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia/USP*

I. Fundamentos doutrinários do papel dos museus na Universidade

0 Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, em sua conformação atual, resulta da Resolução 3560 de 12
de agosto de 1989 e integra, junto com o Museu Paulista, o Museu de Zoologia e o Museu de Arte
Contemporânea, o conjunto definido no artigo 6o de seu Estatuto como “Órgãos de Integração, voltados para
0 estudo de interesse intersetorial”.

Para a boa compreensão do papel reservado aos Museus na Universidade contribui decisivamente breve
exegese do Estatuto da USP. No artigo 2o do Estatuto são definidos os objetivos da Universidade, ou seja,
seus fins, da seguinte forma:

1 - Promover e desenvolver todas as formas de conhecimento, por meio do ensino e da pesquisa;


II - Ministrar o ensino superior visando à formação de pessoas capacitadas ao exercício da investigação e do
magistério em todas as áreas do conhecimento, bem como à qualificação para as atividades profissionais;
III - Estender à sociedade serviços indissociáveis das atividades de ensino e pesquisa.

Foi a consecução desses fins que motivou a fundação da Universidade de São Paulo, pelo decreto 6283 de
25/1/34, tendo igualmente balizado as transformações posteriores que ela sofreu a partir de então.

Esses objetivos guiam, portanto, a ação dos Órgãos da Universidade, mencionados no “caput” do artigo 6o,
já referido, disciplinada pela aplicação de seu § Io onde se lê que esses órgãos “desenvolverão programas de
interesse geral, bem como os propostos pelos docentes de unidades e departamentos relacionados com seus
objetivos” .

O papel dos Museus fica, todavia, mais explicitado na doutrina subjacente ao Estatuto da Universidade
quando comparamos o artigo 6o com o artigo 5o, que define o papel das chamadas unidades da Universidade:
“todas de igual hierarquia e organizadas em função de seus objetivos específicos, são Órgãos setoriais
formados pela união de departamentos afins e compreendem Institutos, Faculdades e Escolas”. Como elemento
básico desse dispositivo emerge o fato que as Unidades são formadas pela união de Departamentos, definidos
no artigo 51 do Estatuto como “a menor fração da estrutura universitária para os efeitos de organização
didático-científica e administrativa”.

Conclui-se, portanto, que as unidades são caracterizadas por perseguirem os fins da Universidade através de
organização didático-científica, que se materializa de maneira esquemática em suas estruturas curriculares,
particularmente as de graduação.

Já em relação aos Museus o Estatuto é menos específico, e não vai muito além dos aspectos mencionados ou
seja: voltam-se para estudos de interesse intersetorial, por meio de programas de interesse geral, que deverão
ser subordinados à “política de integração entre Museus e Unidades” traçada pela Coordenação dos museus
(§ 3° do artigo 6o). Esse dispositivo, aliás, dá uma dimensão da importância dessa Coordenação, no or­
denamento geral da vida acadêmica na USP.

Na realidade o que individualiza os Museus, em comparação com as unidades que possuem o “controle”
sobre as estruturas curriculares é que eles possuem o “controle” sobre “importantes acervos científicos” de
diversas naturezas e que interessam a mais de uma das estruturas curriculares - executadas - pelas unidades.
São, nesse sentido, instrumentos notáveis de integração ou interdisciplinaridade e transdisciplinaridade,
prestando-se a um trabalho de pesquisa, ensino e extensão que transcende às especificidades da ciência
“cativa” das estruturas curriculares e apresentando um potencial para o desenvolvimento acadêmico muito
além do que até agora foi explorado.

(*) Mandato encerrado em dezembro de ] 997.


Em síntese, os Museus devem ter como objetivo permanente de sua ação, sobretudo, a promoção de todas as
formas do conhecimento pelo ensino, pesquisa e extensão, utilizando-se para tal preponderantemente dos
instrumentos que emergem de seus acervos e possibilitam rica interação acadêmica com as unidades da
Universidade.

Os acervos e toda ação curatorial a eles associada são, dessa forma, os conceitos-chaves para a justificação
e caracterização dos museus no âmbito da Universidade. Nossos Museus devem ser, portanto, antes de mais
nada, centros de pesquisa, ensino e extensão, diferenciando-se largamente de boa parte dos congêneres não
universitários. Esse é o aspecto fundamental para justificai- o disposto no artigo 50 do Regimento Geral que
os equipara, para fins de ingresso e progressão na carreira, aos Departamentos da Universidade, no que
concerne aos mecanismos de avaliação de seus quadros acadêmicos.

Essas disposições do Estatuto e do Regimento Geral da Universidade refletem a doutrina, já expressa no


Regimento dos Museus, aprovado pelo Co. em 1981 e baixado em janeiro do ano seguinte pela Resolução
2342. Tal Resolução deverá ser progressivamente substituída no âmbito de cada museu, à medida que seus
regimentos específicos sejam aprovados. Assim sendo, o MAE é o primeiro Museu a contar com regimento
próprio, aprovado pelo Co. em reunião do dia 18 de março de 1997.

O Organograma, Regimento e a missão do MAE

O processo de discussão da missão do MAE, de sua organização administrativa e de suas disposições


regimentais antecede, em parte, a própria criação do museu no formato atual. Todavia ele se intensificou e
se consolidou nos anos de 1995 e 1996, para o que concorreu a designação de seu Conselho Administrativo,
de acordo com o previsto no Regimento dos Museus de 1982.

O Conselho Administrativo do MAE foi designado pelo Magnífico Reitor pelo Ofício GR 466 de 18 de
maio de 1995, tendo sido formado pelos professores doutores Adilson Avansi de Abreu (presidente), Silvia
Maranca, (membro da Casa), Kabeligele Munanga e Murillo Marx (membros externos - representando as
unidades afins). Foram suplentes desse Conselho os professores doutores Maria Isabel D ’Agostino Fleming
(membro da Casa), Renato da Silva Queiroz e Norberto Luiz Guarinello (membros externos - representando
as unidades afins).

Reunindo-se pela primeira vez no dia 23 de maio de 1995, o Conselho definiu como tarefa prioritária os
estudos referentes ao Organograma e ao Regimento do MAE, designando para tal, uma Comissão Especial
integrada pelos professores doutores José Luiz de Morais (presidente), Sílvia Maranca, e pela funcionária
Sandra Medina, cujo objetivo era a elaboração de uma proposta a ser submetida ao Conselho.

A referida Comissão trabalhou de agosto de 1995 a abril de 1996, com total liberdade para ouvir todos os
segmentos que integram o MAE. O relatório elaborado foi analisado pelo Conselho Deliberativo em 9 de
maio de 1996.

Preliminarmente o Conselho deliberou sobre o Organograma que melhor se ajustava às características do


Museu. Foi elemento fundamental para embasar essa decisão o reconhecimento da missão institucional
do MAE, que o caracteriza como centro de pesquisa, ensino e extensão no campo da Arqueologia e
Etnologia bem como de suas aplicações museológicas. Decidiu-se, então, que o Organograma deveria
estruturar essas atividades em dois núcleos: o científico e o de difusão cultural, integrados em sistemas
interagentes, sendo que o primeiro estaria voltado para as questões de natureza científica e curatorial e o
segundo para a extroversão do acervo e do conhecim ento arqueológico e etnológico acumulados e
produzidos pelo Museu.

Foi estabelecido, ainda, que a organização global do Museu deveria se esforçar por se completar em um
sistema com fragmentação mínima das chefias, com o objetivo de facilitai-as tomadas de decisões e encaminha­
mentos administrativos. Por outro lado, ficou decidido que tais chefias deviam ser exercidas por pessoas da
melhor qualificação possível. Assim sendo, foram propostos o Serviço de Curadoria, subordinado à Divisão
Científica, ao qual se integraria o conjunto dos laboratórios científicos e documentais, e o Serviço de
Musealização, subordinado à Divisão cie Difusão Cultural, que centralizaria as atividades ligadas à extensão
do acervo.

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Aprovado pelo Conselho Administrativo o Organograma do MAE tramitou pelas instâncias competentes da
Universidade e após pequenas alterações foi aprovado pela Comissão de Orçamento e Patrimônio do Conselho
Universitário, sendo implantado em fevereiro de 1997 (anexo 1).

Quanto ao Regimento do Museu, o Conselho Administrativo, após cuidadosa análise das propostas a ele
submetida, considerando a natureza da matéria e o fato de ter que se efetuar um ajuste do texto preliminar
aos diplomas legais maiores da Universidade, bem como ter que se dar especial atenção à questão da carreira
docente no âmbito do Museu, delegou ao seu presidente a tarefa de, a partir dos estudos feitos pela Comissão,
consolidar uma proposta substitutiva.

O Conselho ponderou, ainda, que o Regimento deveria se apoiar também na doutrina da Universidade,
fixando-a de forma concisa e flexível. Definiu, considerando-se a complexidade da instituição, que as
principais funções de direção seriam ocupadas por pesquisadores e docentes de nível sênior, no contexto da
Universidade e do Museu, dentro de um sistema de acesso democrático, reservando-se a função de Diretor
do Museu aos professores titulares do MAE e das unidades afins e as Chefias das Divisões Científica e de
Difusão Cultural aos docentes do Museu, no mínimo, portadores do título de doutor.

A essas recomendações somaram-se as de que os concursos para a carreira docente seguissem critérios que
contemplassem as especificidades do Museu. Em relação à composição do Conselho Deliberativo destacou-
se a importância de se articular o MAE com os principais centros de definição de políticas acadêmicas da
Universidade, a saber, o Conselho Universitário e a Reitoria, com o que se completaria, em termos dos
diplomas legais, a articulação do MAE com as unidades afins já materializada pela Coordenação dos Museus
no contexto da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária.

Baseada nesses princípios, foi elaborada a proposta de Regimento para o MAE que se estruturou em texto
composto por 34 artigos, dispostos em cinco títulos, analisado e aprovado pelo Conselho Administrativo no
dia 5 de dezembro de 1996.

Todo esse processo de definição do Organograma e Regimento teve ainda forte participação da Comissão
Assessora da Diretoria Científica do Museu, que, instalada em 23 de maio de 1995 ocupou-se particularmente
da questão de grande relevância para o Museu: a definição de sua missão institucional, desdobrando-a em
objetivos estratégicos, programas e linhas de pesquisa (anexo2).

E preciso salientar que o quadro de referências expresso no anexo 2 deve ser encarado como proposta
preliminar e esquemática, para conduzir os trabalhos relativos à definição do Plano Diretor do Museu, peça
fundamental a ser apreciada por seu Conselho Deliberativo. Nessa tabela os conteúdos arrolados, particu­
larmente os referentes aos programas e linhas de pesquisa, deverão ser ainda objeto de melhor consideração.

Em conclusão, pode-se registrar que o MAE vive um momento extremamente rico e positivo de sua existência
e é preciso que ele continue contando com o apoio dos Órgãos de decisão da Universidade, para que possa
superar eventuais obstáculos nessa nova etapa de sua vida: a maioridade que seu Regimento lhe confere.

13
I U N IV E R S ID A D E D E S Ã O P A U L O
| A llj M U S E U D E A R Q U E O L O G IA E ET N O L O G IA

DÍVI SAO
C I E M ÍF IC A

S E R V IÇ O
S E R V IÇ O T É C N IC O T É C N IC O
D E C U R A D O R IA A C A D Ê M IC O

SEÇÃO SEÇÃO DE
A C A D Ê M IC A IN FO R M ÁTICA
ANEXO 1
OBJETIVOS
ESTRATÉGICOS
LINHAS DE
PROGRAMAS PESQUISA
PLANO DIRETOR DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA USP
APROVADO PELO CONSELHO ADMINISTRATIVO EM 09/06/97

Profa. Dra. Lisbetli Rebollo Gonçalves


Diretora do Museu de Arte Contemporânea/USP*

I. Introdução

O Museu de Arte Contemporânea foi criado em 1963, quando a Universidade de São Paulo, na gestão do
Reitor Ulhôa Cintra, recebeu de Francisco Matarazzo Sobrinho, então presidente do Museu de Arte Moderna
de São Paulo, o acervo que constituía o MAM.

Além desse acervo que se transferiu para a Universidade de São Paulo, Matarazzo e sua mulher, D. Yolanda,
fizeram doação de suas coleções particulares. O Museu de Arte Contemporânea da USP tem, pois, como
herança, a história da constituição da primeira coleção especializada em arte do século XX, na América
Latina.Por outro lado, a idéia de um Museu é também resultado da ação organizada de intelectuais e artistas
que trabalharam pela criação de um espaço voltado para a arte moderna na cidade de São Paulo.

Além disso nos anos 40, logo após a segunda grande guerra, ocorre, além do mais, o estímulo do exemplo
bem sucedido do MoMA de New York. Os norte-americanos estimularam os brasileiros, inclusive, com uma
doação de dez obras dos artistas Alexander Calder, André Masson Max Ernst, Fernand Léger, George Grosz,
Marc Chagall, Robert Gwathmey, Jacob Lawrence, Arthur Osver e Everett Spruce (doação Nelson Rockfeller).
Num segundo momento, outro fator constitui-se em alavanca para a constituição da coleção do Museu,
garantindo a sua atualização. Trata-se da ação institucional da Bienal de São Paulo que transfere para o
acervo inúmeras obras presentes em seus certames. E vale lembrar que os artistas realizaram doações de
obras, ao longo da trajetória do Museu.

Como todo acervo museológico, o MAC da USP se constrói dentro de uma realidade histórica. Portanto, seu
perfil é circunstanciado por valores em torno dos quais fluem a mentalidade de nossa vida intelectual, nosso
processo de modernização social, as características de nossa modernidade.

A característica básica deste acervo é destacar a produção ocidental demarcada pela contemporaneidade do
século XX. Registram-se os principais movimentos e apresentam-se artistas significativos desta história da arte.
A experiência artística do Brasil, em sua dinâmica com os centros propulsores da criação, é muito bem representada.

Nas atividades temporárias é que se dá, entretanto, o peso maior da presença crítica desta instituição em
torno da atualidade contemporânea. Acontecem, ao longo dos anos de existência do MAC, mostras coletivas
de grande porte que põem foco na “Jovem Arte” (as JACs, de 1967 a 1974), exposições de artistas que
pesquisam linguagens emergentes ou exposições que recortam e confrontam tendências atuais, contribuindo
para apontar as diferentes da produção plástica.

Integrando a USP, o MAC possui um privilégio: o de poder estai- em interação viva com a pesquisa científica,
tecnológica e cultural que se constrói na mais importante universidade brasileira. Hoje, seu acervo possui
5411 obras, entre óleos, desenhos, gravuras, esculturas, objetos e trabalhos conceituais e oferece ao público
inúmeras atividades dentro de sua função museológica, dentre as quais disciplinas optativas na graduação,
cursos de extensão universitária e especialização, atividades de ateliês e visitas orientadas.

O MAC possui, atualmente, duas sedes: uma na Cidade Universitária, situada na Rua da Reitoria, 160 e
outra, no Parque Ibirapuera, no 3o andar do mesmo edifício da Bienal de São Paulo.

II. A Importância do Plano Diretor do MAC-USP

Planejar é elaborar uma previsão de atividades futuras, bem como dos recursos materiais e humanos neces­
sários para tanto. Planejar estrategicamente é escolher entre as diversas opções para atingir um propósito,

(*) Mandato encerrado em março de 1998.

17
aquela que, pela análise de todos os fatores envolvidos, se apresenta como a de maior chance de sucesso e
menor desgaste. O planejamento das metas a serem cumpridas pelo MAC é de extrema importância para o
cumprimento da missão maior do Museu que é: pesquisar e divulgar a produção artística do século XX,
contribuindo para a formação e informação da sociedade, no campo da cultura.

III. Metodologia utilizada pelo MAC-USP

No decorrer dos últimos dois anos foram realizados estudos sobre a estrutura organizacional do Museu que
resultou na implantação de uma nova dinâmica de trabalho, procedendo-se inclusive ao remanejamento de
funcionários. A partir desses estudos, está sendo revisto o Organograma do Museu. Busca-se maior clareza
nas linhas de pesquisa e na vocação do Museu vão decorrer desta revisão.

IV. Declaração de objetivos e finalidades do MAC-USP

O MAC-USP tem por objetivo: 1. conservar, pesquisar, divulgar e mostrar a sua coleção; 2. pesquisar e
divulgar a arte contemporânea; 3. desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária nas
áreas de Museologia, Teoria e Crítica de Arte e, Ensino pela Arte.

V. O MAC hoje (análise da situação)

Ainda dentro da estrutura definida entre 1987 e 1993, compõem o MAC: Biblioteca, Divisões Administrativa,
Científica, de Comunicação Social e Marketing, Comunicação Visual e Produção, de Difusão Cultural, de
Educação, além de uma Assessoria de Informática.

A Biblioteca Lourival Gomes Machado especializada em artes plásticas do século XX abriga cerca de 5.000
livros, 30.000 catálogos e 120 títulos de periódicos e jornais, uma hemeroteca e 19.000 slides que estão à
disposição do público. Em 1996, com o apoio da Fapesp, a Biblioteca realizou uma reforma em seu espaço
no MAC-Cidade Universitária instalando novo mobiliário e equipamento de informática para apoio à pesquisa
que é desenvolvida pelos consulentes.

À Divisão Administrativa compete a execução dos serviços administrativos do Museu. Compõe a Divisão
as seguintes áreas: Seção de Pessoal, Contabilidade, Tesouraria, Compras/Almoxarifado, Protocolo,
Patrimônio e Serviços Gerais.

Em 1996, a Divisão Adm inistrativa concentrou seus esforços no planejamento financeiro, agilizando
procedimentos dentro das normas da USP, para melhor atender as demandas do Museu. Supervisionou as
reformas realizadas no Anexo da Sede do Campus, no Ibirapuera e operações prediais na Sede.

A Divisão Científica responsável pelo estudo, exibição, conservação e guarda da coleção do Museu conta com
uma equipe de quatro pesquisadores, quatro restauradores, três especialistas em documentação/catalogação e
arquivo. Em 1996, além das pesquisas em andamento e a montagem de dez exposições desenvolveu projetos e
programas que estão dando subsídios às atividades da Instituição. Com o apoio da Fapesp está modernizando
suas instalações tecnológicas equipando os setores de pesquisa e de Conservação e Restauro tanto de Pintura e
Escultura como de Papel com computadores de última geração. Vale lembrai-que os laboratórios de restauro do
MAC são considerados os melhores e mais bem equipados da América Latina.

A Divisão de Comunicação Social e Marketing composta por seis funcionários especializados em suas áreas
de atuação realizou política ofensiva objetivando a captação de recursos e divulgação de atividades, além de
promover estudo de leis de incentivo. O Setor de Projetos Especiais incorporado à Divisão, em 1996, respon­
sável pela sistematização, organização e apresentação de projetos das diversas áreas do Museu nos padrões
das leis de incentivo se aperfeiçoou na apresentação de projetos para captar recursos em entidades de apoio
à pesquisa como Fapesp, CNPq, Capes, Vitae e outros. Neste ano foram cadastrados no Ministério da Cultura
os seguintes projetos: “Plano Anual de Atividades do MAC 1996”, “Roberto Burle Marx - Artista/Paisagista”,
e o “Infra-Estrutura e Eventos do MAC”, este último compreende a instalação dos sistemas de climatização
e de iluminação do MAC-Sede, além de abertura de duas grandes mostras sobre o acervo. Os projetos do
MAC apresentados à Fapesp receberam verbas e estão sendo executados.

18
Em 1996, cerca de 19 empresas/instituições doaram recursos financeiros, materiais e equipamentos e/ou
prestaram serviços ao MAC. Montante recebido durante o ano foi de R$556.936,70.

A Divisão de Comunicação Visual e Produção composta por um coordenador, um programador visual, um


arte-finalista, dois funcionários de apoio administrativo e cinco produtores desenvolve e executa os projetos
museográficos das exposições tanto temporárias como de acervo. Em 1996, a Divisão definiu novo padrão
de comunicação para seus convites, catálogos e demais publicações gerenciando todo o material impresso
de forma que a veiculação a público contribua para afirmar sua identidade institucional.

A Divisão de Difusão Cultural com uma equipe de dois especialistas, um auxiliar e uma secretária, responsável
pela produção de exposições temporárias com obras de artistas brasileiros e estrangeiros não pertencentes
ao acervo do MAC, atualizando o diálogo das diferentes linguagens artísticas articuladas às problemáticas
contemporâneas, em 1996, coordenou o desenvolvimento de: 16 exposições, uma instalação e 14 eventos,
entre apresentação musical, performance, mesa-redonda, palestra, simpósio, lançamento de livro.

A Divisão de Educação que hoje coordena as atividades acadêmicas, com disciplinas optativas semestrais
para alunos da graduação da USP; curso de especialização - pós-graduação lato sensu; cursos de extensão
universitária e de difusão cultural, onde participam docentes e técnicos especializados do Museu, desenvolve,
também, programas de atendimento à comunidade, por meio de visitas orientadas e educativos tais como:
“Lazer com Arte para a 3a Idade”, “Museu e a Pessoa Deficiente”, “Museu, Educação e o Lúdico”, “Programa
Publicações OLHARTE”. Este último recebeu em 1996 o Prêmio Jabuti da Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil.

Sobre a área de Informática - O MAC foi ligado recentemente à USPNet: Rede de fibra-óptica da USP.
Dessa forma estamos conectados à todas as Unidades da USP, à FAPESP e através desta à instituições
nacionais e estrangeiras. Recentemente, recebemos aprovação de verba da FAPESP para a instalação de
uma rede interna nos três prédios do Museu. O Projeto foi elaborado, a nosso pedido, pelo CCE de acordo
com os padrões da Universidade e naturalmente estará ligado à USPNet. Dessa forma todos os equipamentos
do MAC terão acesso à Internet.

Ao mesmo tempo o Museu está instalando o seu Núcleo de Informática. Esse programa está, através de
projetos concretos, em diferentes áreas da Instituição, na própria essência da política cultural do Museu,
uma vez que é indiscutível e universal a necessidade das ferramentas da informática, na medida correta e
com solução adequada para cada caso, tanto no que se refere aos softwares, como no que se refere ao
hardware adequado; o necessário e o suficiente para colocar o acervo completo, a expansão normal das
pesquisas e o previsível aumento do patrimônio do Museu e conseqüente aumento da base de dados. Desen­
volve, ainda, programas para a Internet como exposições virtuais e informações sobre eventos, além de
outras atividades pertinentes à área.

VI. Pesquisas que estão sendo desenvolvidas no MAC

“Criação de Bases de Dados e Banco de Imagens no Museu de Arte Contemporânea da USP: Pesquisa
Histórico-Crítica e Difusão Cultural/MAC On-line”. Responsável: P ro f D f Daisy Peccinini de Alvarado.
Objetivo: O projeto se define como uma contribuição na área da informatização de museus de arte no país,
ainda em fase embrionária. Constitui-se, também, como elemento de estímulo às pesquisas sobre documen­
tação e informática aplicada à arte e história da arte e ainda a utiliza como uma ferramenta-mídia de divulgação
e difusão cultural, com integração à Internet. Sendo o MAC-USP o principal museu de arte moderna e
contemporânea no Brasil, a pesquisa em pauta servirá de protótipo para outras pesquisas, visando implantai'
sistemas de bases de dados nos museus de arte do país, abrindo uma via para integração nacional e interna­
cional. Apoio: Fapesp.

“Além da Exposição da Arte: pesquisa dos conteúdos ideológicos nas exposições de Arte Contemporânea”.
Responsável: P ro f Dr3 Maria Cristina Freire. Objetivo: A pesquisa investiga idéias subjacentes às formas
de exibir arte no último século. As correspondências entre museus contemporâneos e formas anteriores de
exposição são a parte central da análise. A pesquisa toma como instrumento metodológico a contextualização
das exposições no “Espírito do Tempo” Zeitgeist que organiza olhares e objetos expostos. Dois complexos

19
exibicionários: Palácio de Cristal, a Grande Exposição de 1851 em Londres e o Museu de Arte Moderna de
Nova Iorque MoMA (1929) são analisados mais cuidadosamente. Tal análise revela a repetição de certas
estruturas ideológicas em forma de padrões que se repetem e permeiam as mais variadas exposições. No
contexto o MoMA surge, na segunda metade de nosso século, como modelo a ser repetido pelos demais
museus congêneres. Uma perspectiva crítica a ser assumida pelos pesquisadores surge como possibilidade
para a revitalização do trabalho de curadoria em museus de arte. Apoio: VITAE e British Council.

“A arte conceituai e os parâmetros de valor” . Responsável: P ro f Dr' Maria Cristina Machado Freire. Objetivo:
Tal levantamento, paralelo à pesquisa realizada para a dissertação “Além da Exposição de Arte”, visou
levantar informações sobre as maneiras adotadas pela Tate Gallery com relação aos procedimentos de
documentação e formas de exposição da coleção de arte conceituai. Tal pesquisa se concentrou na coleção
do grupo Fluxus pertencente àquela instituição. Foram entrevistados Sean Rainbird (Assistant Keeper) e
Adrian Glew (Archives and registry).

“Rafael França”. Responsável: P ro f Helouise Lima Costa. Objetivo: Projeto de tratamento do acervo Rafael
França: Video-arte, obras sobre papel (xerox, gravuras e desenhos) e documentação textual (projetos, e
correspondências), do ponto de vista da documentação museológica e da história da arte, que visa colocá-lo
a disposição do público para consulta e permitir a exposição das obras.

“Jean Manzon” . Responsável: P ro f Helouise Lima Costa. Objetivo: Projeto de doutoramento que visa o
entendimento do processo de instauração do fotojornalismo no Brasil, através da trajetória de Jean Manzon.

“O Museu de Arte e a Escola Pública: Trocas que enriquecem Responsável: Prof1Dra Dilma de Melo Silva.
Objetivo'. Realizar uma pesquisa conjunta do MAC com a Escola Theodomiro Dias, através da disciplina
Educação Artística, otimizando a utilização do acervo museal, capacitando docentes, ampliando o espaço de
atuação da Divisão de Educação, criando uma matriz de atividades para a melhoria do ensino na Escola Pública.

"Mercado de Trabalho e Cursos de Artes em São Paulo”. Responsável: P rof1 Dra Dilma de Melo Silva.
Objetivo: Projeto em conjunto com NUPEM-ECA que visa a avaliação dos cursos de Artes/Ensino Público
e Privado, através de amostragem dos egressos.

"Percursos Visuais no Acervo do MAC: Uma Fenomenologia da Educação A rtística”. Responsável'. P rof1
Dra Carmen S. G. Aranha. Objetivo: Desenvolver através de reflexão teórica, fundamentação de metodologia
de leitura de obras de arte e criar “kits de Percursos Visuais”, para colocá-los à disposição do visitante do
MAC. Apoio: Pró-Reitoria de Pesquisa.

O Museu de Arte e a Criança pré-escolar. Responsável: Prof3 Gabriela S. Wilder. Objetivo: Publicação de
um caderno de apoio e orientação a professores, educadores e recreacionistas, particularmente para instituições
que atendem crianças pertencentes à famílias de baixa renda.

“Pequenas exposições didáticas do acervo cio M AC-U SP”. Responsáveis: Profas. Gabriela Wilder e Carmen
Aranha. Objetivo: Produção de exposição que oferecem subsídios à leitura da obra de arte.

“Tendências da Arte Contemporânea Emergente: Da Visualiclade Nascente na Universidade cie São Paulo
aos Contextos Nacionais e Internacionais do Panorama A rtístico”. Responsável: P ro f1Dra Katia Canton.
Objetivo: O projeto realizado junto ao MAC, visa o mapeamento da produção emergente, partindo do Projeto
Visualidade Nascente, da PRCEU. Expande-se a pesquisa gerando fontes para um banco de currículos,
mostras, cursos e debates. Apoio: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária.

“Recepção Estética em Museu cie Arte Contemporânea ”. Responsável: P rof Lisbeth Ruth Rebollo Gonçalves.
Objetivo: Através de algumas vertentes teóricas referidas à História da Arte e à Estética, analisa-se e discute-
se a questão da recepção estética em museus de arte contemporânea. Projeto dentro do programa USP/
COFECUB. Apoio: CNPq (bolsa I.C. e Aperfeiçoamento).

“A Estética do Processo. Arte Conceituai do M AC da USP”. Responsável: P ro f Maria Cristina Machado


Freire. Objetivo: O projeto visa realizar um levantamento exaustivo e sistemático da coleção de obras de

20
arte conceituai do MAC da USP, além de desenvolver, a partir dos resultados da pesquisa, metodologias
específicas para a análise e interpretação de tal produção, assim como procedimentos próprios referentes à
catalogação, conservação e exposição dos trabalhos pertencentes ao acervo do MAC-USP. A poio: FAPESP.

“O Traçado Modernista: O perfil do acervo de papel do MAC". Responsável: P ro f Helouise Lima Costa.
Objetivo: Desenvolver estudo sistemático do acervo de obra sobre papel no que diz respeito ao conteúdo e
à linguagem, visando atualizar o conhecimento sobre o seu perfil e trazê-lo à público através de exposições.

VII. Programas setoriais em andamento desde 1996

1. Diretoria

Monitoria Digital Estadão - Coordenador. Prof1 Lisbeth Rebollo Gonçalves. Planej. e Supervisão: Ana
Maria A. Farinha. Objetivos: Captação de recursos para o projeto de exposição retrospectiva sobre Burle
Marx. Participação'. Articultura, O Estado de São Paulo e A AM AC. Valor. R$5.000,00.

Eletropaulo - Coordenador: P ro f Lisbeth Rebollo Gonçalves. Planejamento e Supervisão: Ana Maria A.


Farinha. Objetivos: Captação de recursos para atividades do MAC-USP. Participação: Eletropaulo e AAMAC.
Valor: R$56.000,00

Modernização da Reserva Técnica do MAC Ibirapuera - Coordenador: P ro f. Lisbeth Rebollo Gonçalves.


Planejamento e Supeivisão: Ana Maria A. Farinha. Objetivos: Captação de recursos para a troca do mobiliário
da Reserva Técnica do MAC Ibirapuera. Participação: Ministério da Cultura e AAMAC. Valor: R$63.838,00.

CD-ROM do M AC - Coordenação Geral: P ro f Lisbeth Rebollo Gonçalves. Coordenação Editorial: Marcos


Cezar Toledo. Coord. apresentação de imagens: Prof1Silvia Meira Miranda. Objetivos: produção e distri­
buição de CD-Rom de obras de artistas do acervo do MAC. Participação: Escola Politécnica - Laboratório
de Realidade Virtual.

LIVRO DO M AC - Coordenação Geral: P ro f Lisbeth Rebollo Gonçalves. Objetivos: Publicação de livro


sobre o acervo do MAC em três idiomas. Apoiado nas fontes de imagens digitalizadas.

NaceATC (Arte/Tecnologia e Comunicação) - Responsável: P ro f Dra Diva Benevides Pinho. Coordenador:


Prof D f Lisbeth Rebollo Gonçalves. Objetivos: O MAC/USP integra, através de membros de sua equipe:
Lisbeth Rebollo Gonçalves, Daisy Peccinini de Alvarado, Teodoro Mendes Neto, Dilma de Melo Silva,
Elvira Vernaschi, atividades do Nace ATC. A diretora do Museu é a coordenadora científica no Nace,
alocado em nossa instituição tendo-se interface com a FEA, IEE, Poli, ECA, Educação, IG, IP e UNICAMP.
Em 1997, o Nace completou dois anos de trabalho.

2. Divisão Científica

Criação de Bases de Dados e Banco de Imagens no MAC/USP: Pesquisa Histórico-Crítica e Difusão Cultura!
- Responsável: P ro f1Dra Daisy Peccinini de Alvarado. Objetivo: O projeto se define como uma contribuição
na área da informatização de museus de arte no país, ainda em fase embrionária. Constitui-se, também como
elemento de estímulo às pesquisas sobre documentação e informática aplicada à arte e história da arte e
ainda a utiliza como uma ferramenta-mídia de divulgação e difusão cultural, com a integração à Internet.
Sendo o MAC/USP o principal Museu de Arte Moderna e Contemporânea no Brasil, a pesquisa em pauta
servirá de protótipo para outras pesquisas, visando implantar sistemas de bases de dados nos museus de arte
do país, abrindo uma via para integração nacional e internacional. Instituições: 1. CNPq e 2. FAPESP.
Participação: Auxílio financeiro. Valor: 1. R$9.911,00; 2. R$91.783,04.

Organização de Obras do Acervo MAC-USP Acondicionaclas em Passe-Partout - Responsável: Lúcia Elena


Thomé. Objetivo: Levantamento e armazenamento no Banco de Dados do Setor de Catalogação de obras
que se encontram acondicionadas em passe-partout.

Mapeamento de Obras em Molduras-Responsável: Lúcia Elena Thomé. Objetivo: Levantamento e armazenamento


no Banco de Dados do Setor de Catalogação de obras que se encontram acondicionadas em molduras.

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Manual cie Informações Básicas para Funcionários e Estagiários - Responsável : L ú c ia E le n a T h o m é .

Centro de Atualização de Dados Biográficos de Artistas do Acervo - Coordenação-. P ro f Silvia Meira


Miranda. Objetivos: Criar um centro de documentos atualizados sobre os artistas do acervo de forma a
potencializar as informações histórico-críticas fornecidas pelo museu ao público e a pesquisadores em geral.
Participação'. Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária; Laboratório de Realizada Virtual Poli- j
USP; Núcleo de Informática do Museu. Valor. R$3.000,00.

Arquivo Histórico do MAC-USP - Coordenação: Prof3 Silvana Karpinski. Objetivos: Realizar tratamento e t
informatizar o arquivo histórico do MAC. Formar o arquivo permanente organizado e dinâmico, capaz de
atender a demanda de acesso aos documentos. Participação: FAPESP / R$60.000,00.

3. Divisão de Educação

Pesquisas em Arte - Responsável: Prof1D r1 Dilma de Melo Silva. Pesquisadores: Carmen S.G. Aranha,
Dilma de Melo Silva, Kátia Canton, Silvia Meira. Objetivo: O projeto envolve quatro pesquisas de docentes ;
doutores do MAC que se enquadram no Projeto II, da Pró-Reitoria de Pesquisa - apoio às áreas emergentes.
Objetivo 1: Melhorai- as condições de pesquisa no MAC com “seed-money” a fim de conseguirem apoio
junto às agências de fomento: FAPESP e CNPq. Instituições: MAC, Escola Theodomiro Dias, Pró-Reitoria
de Pesquisa, FAPESP (bolsa I.C.). Valor: R$10.000,00.

Textos Reflexivos sobre Artistas do M A C - Responsável: Prof'1D r' Carmen S.G. Aranha. Objetivo: pesquisar ;
artistas do MAC transformando esta pesquisa em textos para acesso do visitante do Museu. Instituições: j
MAC.

Cadernos da Divisão de Educação - Responsável: Prof* Gabriela S. Wilder. Objetivo: Divulgação das
teorias educativas e da metodologia de trabalho dos educadores do MAC. Instituições: MAC-USP. Partici- |
pação: Amanda PF. Tojal, Carmen S.G. Aranha, Dilma de Melo Silva, Elly Ferrari, Gabriela S. Wilder, f.
Maria Angela Serri Francoio, Renata Sant’Anna e Sylvio Coutinho.

Olharte - Responsável: P ro f Renata Sant’Anna e Silva. Objetivo: Aproximar o público infantil do acervo
do Museu por meio de histórias escritas especialmente para elas. Instituições: MAC/USP e Paulinas Editorial.
Participação: Paulinas Editorial é responsável por todas as despesas.

Museu, Educação e o Lúdico - Responsável: P ro f Maria Angela Serri Francoio. Objetivo: Pesquisar abor­
dagens lúdicas no processo ensino aprendizagem durante visitas orientadas para alunos da rede pública e
particular de ensino. Instituições: Apoio COSEAS/USP e FAU/USP. Participação: Aguardando resposta à |
solicitação de apoio por parte da Fundação Vitae.

Arte Infância-Responsável: P ro f Maria Angela Serri Francoio e Marina Célia Dias Moraes. Objetivo: Projeto em
parceira MAC/FE USP que busca investigai- a relação arte e construção do pensamento, tanto no que se refere ao
desenvolvimento infantil quanto à sua articulação com educação pré-escolar. Instituições: Apoio COSEAS-USP. É

Projeto Museu e a Pessoa Deficiente - Responsável: P ro f Amanda Pinto da Fonseca Tojal. Objetivo: Pesquisa | >
e organização de exposições e programas educativos, material didático e publicações dirigidas ao público
portador de deficiências sensoriais, motoras e mentais e portadores de distúrbios emocionais. Instituições:
Apoio Vitae, COSEAS/USP, Pró-Reitoria de Pesquisa/USP e LARAMARA. Valor: R$23.100,00, além d er
bolsas de estudos mensais.

Publicações de Museus para Crianças e Educadores -Responsável: P ro f Renata Sant’Anna e Silva. Objetivo: ■
Conhecer as publicações elaboradas por diferentes museus franceses que pretendem auxiliar professores, ■
crianças e visitantes em geral na aproximação do acervo do museu.

Imaginário: Formando um Dicionário de Imagens-Responsável: P ro f Renata Sant’Anna e Silva. Objetivo: I


Realização de um livro para crianças em processo de alfabetização com as obras do acervo do Museu ■
escolhidas e nomeadas pelas próprias crianças.

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“Cachorros” - Curadoria - Responsável: P ro f Elly Ferrari. Objetivo: Pesquisa visando exposição das
obras do acervo para abril de 1997, voltada ao público escolar.

Leitura de Obra: Exercício de Acervo 1 - Responsável: P ro f Elly Ferrari. Objetivo: Propiciar ao professor
a construção de objetos no seu curriculum de leitura das obras contemporâneas através das exposições do
MAC.

Leituras de Obra: Exercício de Acen>o II - Responsável: P ro f Elly Ferrari. Objetivo: Propiciar ao professor
a construção de objetos no seu curriculum de leitura das obras contemporâneas através das exposições do
MAC.

0 movimento Armorial - Responsáveis: Profs. Dilma de Melo Silva e Luiz Ernesto Kawall. Colaboração:
Cintia Valente Ruiz, Solange Withaker Verri e M aria da Betânia Dias Galas. Objetivo: Realizar uma
pesquisa sobre o Armorial Brasileiro envolvendo várias linguagens artísticas a fim de organizar um evento
intertextual.

4. Divisão de Publicações e Comunicação Visual

Projetos Museográficos para Espaço expositivo - Responsável: Profs. Gabriel Borba e Alicia Krakowiak.
Objetivo: criação e elaboração de mobiliário e equipamentos de apoio para espaço expositivo. Instituições:
MAC USP. Participação: criação e acompanhamento da execução do projeto.

Publicações do M AC USP - Coordenadora: P ro f Vera Filinto. Objetivos: Catalogar e organizar todas as


publicações disponíveis no Museu. Instituições: MAC/USP. Participação: COSEAS.

Sinalização das 3 sedes do MAC USP - Coordenadora: P ro f Elaine Christina Maziero. Objetivos: Criar um
projeto que dê identidade visual para as três sedes do Museu no que diz respeito à sinalização interna e
externa. Instituições: MAC/USP. Participação: COSEAS.

Projeto para Elaboração de Peças Gráficas - Coordenadoras: Profas. Elaine Christina Maziero e Vera
Filinto. Objetivos: Criação de peças gráficas adequadas às publicações do Museu. Instituições: MAC USP.
Participação: COSEAS.

Estudo de Tipos de Papel para Publicações - Coordenadoras: Profas. Vera Filinto e Elaine Christina Maziero.
Objetivos: Levantamento de materiais para uso em publicações e textos de exposição. Instituições: MAC USP.

5. Biblioteca Lourival Gomes Machado

Rest. e Moclern. da infra-estrutura da Biblioteca Lourival G. Machado - Responsável: P ro f Lisbeth Rebollo


Gonçalves. Coordenadora: P ro f Dina Elisabete Uliana. Objetivos: Organizar o espaço físico da Biblioteca;
adquirir mobiliário adequado à organização do material Bibliográfico, às salas de trabalho e leitura e à insta­
lação de equipamentos de informática. Instituições: MAC/USP. Participação: FAPESP. Valor: R$96.346,03.

Complementação dos Rec. de Infor. da Biblioteca Lourival G. Machado -Responsável: P ro f Daisy Peccinini
de Alvarado. C oord en adora: Prof3Dina Elisabete Uliana. Objetivos: Complementar o equipamento
de informática da Biblioteca, de forma a ampliar a sua capacidade de armazenar dados e atender aos
pesquisadores de artes plásticas, estudantes de graduação e pós-graduação e professores. Instituições:
MAC/USP. P articipação: FAPESP. Valor: R$33.266,75.

Adequação do espaço da Biblioteca do MAC-Biblioteca de Apoio/Ibirapuerapara implantação da Coleção


de Obras Raras e Implantação do Projeto de Arquivo Permanente - Responsável: P ro f Lisbeth Rebollo
Gonçalves. Coordenadora: P ro f Dina Elisabete Uliana. Objetivos: Adequar o espaço da Biblioteca de Apoio-
Ibirapuera para a guarda da coleção de obras raras e arquivo permanente; criar uma sala de leitura para os
pesquisadores e também uma base de dados e imagens sobre as coleções. Criar uma sala e trabalho para a
seleção e desinfeção dos documentos que deverão ser arquivados no Arquivo Permanente. Instituições:
MAC/USP. Participação: FAPESP. Valor: R$62.933,12.

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VIII. Metas do MAC/USP

A partir dos objetivos mencionados no item 2 e considerando os trabalhos e pesquisas que vêm sendo
desenvolvidos o MAC estabeleceu metas que deverão ser cumpridas em curto, médio e longo prazos.
Metas - curto prazo

1. Aprovação do Organograma e Regimento Interno do MAC em fase final de estudo para apresentação à
Coordenadoria de Museus e, posterior implantação;
2. Climatização do MAC-Sede;
3. Adequação da Reserva Técnica do MAC-Ibirapuera;

Metas - Médio e Longo Prazos

1. Atenção a infra-estrutura predial - construção de um bloco anexo ao edifício já existente na Cidade Universitária
para abrigai-os escritórios do MAC e atividades educacionais e de difusão cultural (mostras, ateliês, seminários).

2. Modernização Tecnológica - aquisição de novos equipamentos e incrementação do núcleo de informática.

3. A partir da aprovação do Regimento Interno do MAC - implantar cursos de graduação e pós-graduação


stricto sensu - afirmando assim a prática acadêmico-universitária do Museu.

4. Trabalhar a imagem “identitária” do Museu através de sua coleção a partir de pesquisas, exposições e j
publicações desenvolvidas pela equipe do MAC. Produzir a partir de mostras que tracem o perfil do
acervo e introduzam o público à discussão de produção artística do século XX . Realizar publicações e
difusão por meio eletrônico de eventos, mostras virtuais do acervo e temporárias; boletim eletrônico e
revista eletrônica.

5. Afirm ar e intensificar o conhecimento do Museu no Exterior. Por meio de intercâmbio de exposições com
instituições estrangeiras.

6. Aquisição de obras de arte contemporânea: para a complementação e atualização da coleção.

7. Criar e desenvolver um Fundo para custeio de eventos do MAC.

No início deste ano o MAC apresentou ao Ministério da Cultura, por meio da Associação de Amigos do
MAC o Plano Anual de Atividades do MAC para 1997, que a seguir resumimos:

Plano anual do MAC 1997

O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo tem por diretriz apresentar além de exposições
com curadoria interna e obras do seu acervo, exposições temporárias de jovens artistas, instalações ambientais
resultantes de projetos de pesquisa, exposições/retrospectivas de artistas nacionais e internacionais e, |
programas educativos.

Em 1996, o MAC recebeu mais de 250.000 visitantes. Hoje, a sede da Cidade Universitária recebe em média t'
2.000 visitantes por semana.

Por meio de sua Divisão de Educação o MAC desenvolve um trabalho de atendimento à comunidade reali- I
zando visitas monitoradas individuais e em grupos, de diferentes faixas etárias. Para cada exposição é elabo- E
rado um roteiro de visita específica. Além da visita monitorada os educadores do Museu desenvolvem K
trabalhos complementares em ateliê com os grupos infanto-juvenis. Em 1996 a Divisão de Educação atendeu I
cerca de 231 grupos totalizando 7.195 alunos.

Todos os eventos serão registrados em folder e/ou catálogos que serão distribuídos a Bibliotecas, Museus e
Centros Culturais nacionais e estrangeiros. Essa distribuição fará parte do Programa de Intercâmbio da Biblioteca I
do MAC “Lourival Gomes Machado” que seleciona cerca de 200 entidades da área. A documentação citada I
será fonte de pesquisa para estudantes, docentes, pesquisadores e a comunidade interessada.

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Para 1997 o M AC está classificando suas atividades por programas que a seguir relacionamos:

1. Programa Exposições do Acervo


- Phases - Surrealismo e Contemporaneidade
- Arte dos Anos 80/90 no Brasil (em realização)
- Desenhos de Di Cavalcanti (em realização)

2. Retrospectivas - Exposições Temporárias


- Aldo Bonadei
- Clóvis Graciano
- Arte e Paisagem: a estética de Roberto Burle Marx (em realização)

3. Programa de Intercâmbio Internacional


- Jesus Raphael Soto - Galerie Nationale du Jeu de Paume - França

4. Programa Exposições Estrangeiras


- Roberto Sebastian Matta
- Artistas Contemporâneos Alemães - HEETZ, NOWAK e REHBERGER (em realização)
- O Dom da Vida - Roy Calne

5. Programa Exposições Nacionais


- Arte Conta História
- Gerda Brentani: Desenhos (realizada)
- Heranças Contemporâneas (em realização)

6. Programa Tendências da Arte Atual - CYBER ESPAÇO

7. Programas Educativos
- Armorial Brasileiro
- Maria Martins para Crianças - Exposição
- O Toque Revelador: Alfredo Volpi (realizada) e Retratos e Autos-Retratos (em realização) - Exposições
- Imaginário - Publicação
- Cadernos - Da Teoria e da Prática da Ação Educativa - Publicação
- O Museu de Arte e a Pré-Escola - Publicação
- O lúdico, a aprendizagem e o público infantil no MAC-USP
- Percursos Visuais no Acervo do MAC: Uma fenomenologia da Educação Artística

8. Publicações do MAC
- Anuário do MAC 1996
- Boletim Informativo interno: “Clipping USP-MAC”
- Livro resultante dos simpósios: “Recepção Estética” e “Modernismo, Pintura e Utopia”
- Modernismo Paris Anos 20 - Catálogo (editado)
- Arte e Paisagem: a estética de Roberto Burle Marx - Livro (editado)

9. Programa de Modernização da infra-estrutura administrativa e manutenção predial


- Modernização do Espaço Expositivo do MAC-Ibirapuera - Painéis
- Ateliê de Montagem de Exposição
- Atualização de equipamento para fins de pesquisa Administrativa

10. Plano de Mídia


- Projeto de mídia elaborado para maior difusão do MAC/USP junto ao público de arte e à sociedade em
geral, trabalhando a “identidade” do Museu.

IX. E stratégias de ação p a ra im plem entar o Plano D iretor

1. Desenvolver uma arquitetura institucional que claramente defina atuações e responsabilidades que
suportarão as atividades de prestação de serviços, pesquisa e ensino;

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2. Garantir a maior integração possível entre os diversos setores do MAC/USP e destes com o meio externo,
através do planejamento e implementação de processos gerenciais adequados;

3. Promover o credenciamento de todos os projetos de pesquisa agências de fomento;

4. Promover o credenciamento de todos os projetos culturais no MinC, Secretaria de Estado da Cultura,


Secretaria Municipal de Cultural - Leis de incentivo;

5. Garantir o apoio contínuo da iniciativa privada, através da conscientização dos empresários sobre a
importância do investimento na cultura.

6. Triplicar a visitação pública.

7. Garantir a continuidade do processo de especialização/treinamento dos funcionários, desenvolvimento


“espírito de equipe” sólido.

X. Prospecção do Museu em 10 anos - 1997-2007

1. Prédio totalmente adequado às funções museológicas e ao perfil do Museu;


2. Agente chave na pesquisa e na divulgação da arte contemporânea;
3. Liderança na formação de base humana especializada em museologia de arte;
4. Promotor de qualidade científica nas atividades culturais;
5. Incentivador da preservação da produção artística na sociedade brasileira.

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TEXTO APRESENTADO NA SEMANA DOS MUSEUS

Prof. Dr. José Sebastião Witter


Diretor do Museu Paulista/USP

Nos dias de hoje, a literatura especializada sobre o futuro dos museus indica a tendência para a informatização
dessas instituições, acompanhada de um setor educativo altamente desenvolvido.

Muito embora essas observações sejam analisadas e comentadas por profissionais ligados a grandes museus,
sejam eles de ciência, arte ou tecnologia, creio que também sejam válidas para museus de história.

Informatizar os dados sobre o acervo do museu é um passo importante para facilitar o acesso de pesqui­
sadores (via correio eletrônico). A tecnologia eletrônica (Internet, banco de dados, hipermídias, sistemas
de comunicação em rede interna de exames e consultas, etc.) facilitará, ainda, a integração entre o museu
e o público. Essa evolução tecnológica, traduzida nas novas invenções em laser, vídeo e computadores,
levará os museus a uma mudança radical, transformando seus objetivos básicos e suas funções, mesmo
nos museus universitários.

Cabe considerar, então, a questão do museu virtual. Agora pode se tornar realidade o sonho de Andre
Malraux, o de instituir o museu imaginário. As novas tecnologias permitem a “realização” de projetos de
exposições virtuais, quase que impossíveis de se efetivarem com os recursos dos museus tradicionais. Rede
de computadores e infovias, complexas já permitem a programação de um museu simulado, no qual é possível
a montagem de exposições virtuais com obras procedentes de distintas fontes, reunidas nas redes “on-line”:
a Monalisa, do Louvre; obras de Velasquez, do Museu do Prado; obras de Turner, da National Gallery, de
Londres; obras de Munch, do Museu Munch, de Oslo, e outras tantas que poderão ser “importadas” sem
deixar o locus original, e organizadas na tela do meu computador, em minha casa em São Paulo ou em
qualquer outra cidadezinha do interior do Brasil. Os produtos multimídia, elaborados com as coleções de
um museu, também permitem levá-lo para casa, proporcionando uma visita imaginária ao mesmo. Assim, o
museu vai adquirindo uma existência virtual para além de suas paredes.

O “museu virtual” é, por definição, um museu que não existe. Aparentemente, esse novo conceito se oporia
à definição clássica de museu: “o museu é uma instituição permanente...”. Diante dessa novidade, Marco
Tonon, presidente do Avicon - Comitê Internacional do Icom para os Meios Audiovisuais e as Novas
Tecnologias da Imagem e Som, colocou o problema: da permanência versus virtualidade, questionando o
conceito mesmo de museu. Trata-se de ampliar a abrangência desse conceito ou de considerar que o rótulo
“museu virtual” o emprega de forma abusiva? Na verdade, o museu virtual não tem nada a ver com a
realidade física de um museu; ele só existe em um suporte diferente, “on-line”. Façamos uma comparação
com o momento do aparecimento da fotografia. Não foi proclamada então a morte da arte? Não resta dúvida
de que o museu virtual não representa perigo significativo para a existência da instituição museu. Contudo,
o profissional de museu deve ser bastante prudente e, ao mesmo tempo, explorar ativamente as possibilidades
das novas tecnologias. Ele terá o controle do uso das coleções sob sua custódia (ou curadoria) somente se
possuir um bom conhecimento dessas novas questões emergentes.

Divulgar os acervos dos museus (no sentido mesmo de popularizá-los) tem sido a tônica ainda em países do
Terceiro Mundo, no contexto de emergência do nacionalismo. Assim os de ciência são instrumentos de
popularização dos estudos científicos, o que significa instrumentos para o desenvolvimento desses países.
Também no chamado Primeiro Mundo há uma tendência para levai- os museus para a comunidade.

0 sistema de informação do museu pode abranger dois tipos de comunidade: a escolar e a não escolar. Para
o público escolar há várias possibilidades: jogos interativos, dramatizações, salas especiais para tocar e
manipular objetos, kits e outros recursos didáticos, cursos sobre como compreender as exposições museoló-
gicos, debates, feiras de ciências, etc.

0 público não escolar é, por natureza, heterogêneo quanto à idade, escolaridade e posição social. A dificuldade,
nesse caso está em criar exposições e material informático (CD-ROM, vídeo, disquete) para todos.

27
Um setor educativo altamente desenvolvido consistiria, além do serviço de monitoria para visitantes que, ]
aliás, é uma necessidade indiscutível, também num programa de comunicação que, no formato de vídeo,
CD-ROM, cursos no próprio museu, leve para escolas e comunidade a importância da preservação dos
objetos nos seus respectivos contextos, face à falta de espaço para abrigar coleções que, de acordo com as ■
políticas vigentes, nunca para de crescer. Nessa linha trabalham os ecomuseus. Sendo preservados em seus í
próprios locais de uso, os objetos serão requisitados para eventuais exposições, contribuindo assim para a
participação da comunidade a partir da compreensão e da valorização da historicidade da experiência social.

Além disso, frente a um público cada vez mais exigente e sempre em busca de novidades, é muito mais fácil
se obter recursos (públicos e privados) para exposições temporárias ou permanentes do que para o armamento
das coleções nas reservas técnicas.

Para finalizar, quero colocar ainda a questão da monitoria, que reputo das mais sérias e, no caso do Museu
Paulista, sem perspectiva de solução a curto prazo. Quanto mais se retardar a criação desse setor, mais
defasado ficará o Museu. Tal tarefa exige pesquisa e treinamento de pessoas especializadas na área de
educação e da comunicação. Creio que a própria visão do educador enriquecerá o trabalho do Museu. No
caso específico do Museu Paulista, chega a ser angustiante quando deparamo-nos com centenas de escolares
que visitam o museu e milhares de visitantes das camadas populares que chegam a ele atraídos pela imagem ;
do edifício-monumento associado ao episódio da independência política do País, mas que pouco tem a ver
com o conteúdo do Museu, cujo papel não é reconstruir uma realidade histórica, mas, por meio das expo­
sições, entender o sentido da história.

Sendo ainda o museu um espaço socializador do conhecimento, como fazer do conhecimento histórico um
instrumento de cidadania? A resposta talvez esteja justamente na educação, na qual se realiza a sua finalidade ;
de servir ao público.

Bibliografia

BOYLA, Patrick (ed.) - Museus 2000. Politics, people, professionals and profit. Londres, Museus Associa- I
tion/Routledge, 1992.

VERGO, Peter (ed.) - The New Museology. Londres, Reaktion Books, 1989.

Museum Internacional. Revista Trimestral publicada pela UNESCO. n°s.l87. 188 e 190.
O alto nível de pesquisa desenvolvido até o presente no Museu de Zoologia é atestado pelo grande índice de
aprovação de projetos através da Fapesp, do CNPq e de outras instituições financiadoras de pesquisa.

Ao longo do tempo o Museu foi sempre um importante órgão de formação profissional de zoólogos brasileiros
e sul-americanos, especializados em sistemática. Pode-se afirmar que, dificilmente, haja algum órgão de
pesquisa zoológica, no Brasil ou na América do Sul, que, de alguma maneira não se tenha valido de estágio
ou outro tipo de orientação por parte de seus pesquisadores.

Com tal trabalho, um enorme acervo zoológico e bibliográfico foi reunido, a ponto de o Museu ser considerado
o mais importante referencial para os estudos da biodiversidade da Região Neotropical.

A atual direção do Museu de Zoologia, diante das condições reinantes e dentro de um projeto de ainda tentar
a incorporação ao IB, pautou sua administração no sentido de preservar a austeridade e atingir a harmonia,
não só interna, entre os diferentes setores de sua estrutura, como externa envolvendo todas as unidades da
USP e demais entidades de pesquisa nacionais e estrangeiras.

Houve, também, a preocupação de preservai- o patrimônio físico, tratando da conservação do prédio sede e da
Estação Biológica de Boracéia, e de sua adaptação e atualização com a instalação de rede telefônica e de informática.

As atividades de docência, por limitações estatutárias e estruturais, só puderam ser exercidas, individualmente,
em Departamentos afins do Museu de Zoologia.

Cientificamente, o Museu apresenta duas divisões: a Divisão de Vertebrados e a Divisão de Invertebrados,


cada uma abrigando as Seções Técnicas de Pesquisa que, por sua vez, abrigam as coleções seriadas que
constituem o acervo.

A prestação de serviço à coletividade, além da área científica, é exercida pela Biblioteca e Exposição Pública.
A biblioteca tem um quadro de funcionários apoiado e regulamentado pelo SIBi.

A Exposição Pública não tem pessoal próprio, além dos vigias, estando sob a responsabilidade de um
pesquisador especialmente designado, com o apoio de um grupo de funcionários, do chamado Núcleo de
Apoio Cultural, sem credenciais administrativas.

Estabelecido o trajeto histórico e o perfil atual, o Plano Diretor, para projetar o futuro deve, forçosamente, contemplar
os seguintes objetivos: 1. aprovação do Regimento Interno; 2. criação da carreira docente; 3. criação de vagas para
técnicos de nível superior e médio, especializados em curadoria de coleções zoológicas; 4. criação da área de extensão
cultural; 5. reforma e atualização do Organograma; 6. acompanhamento do processo de construção da nova sede do
Museu de Zoologia na Cidade Universitária; 7. elaboração do Plano Diretor de Pesquisa.

O Regimento Interno do Museu de Zoologia foi encaminhado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, para julgamento t
e tramitação formal. Os pontos mais relevantes a serem conquistados através dele são: a criação da carreiraK
docente; a criação de um Conselho Deliberativo; e a eleição de lista tríplice para indicação de seu Diretor.

A carreira docente no Museu deverá obedecer rigorosamente as condições regimentais e estatutárias, que pres-lf
supõem adaptações necessárias para evitai' as sobreposições com as disciplinas dos Institutos afins.

A criação de vagas para técnicos de nível superior especializados em curadoria de coleções zoológicas,I
requisição feita à Reitoria como demanda final de gestão, é imprescindível para a subsistência do M useu,il
curtíssimo prazo.

Sem tal medida, os pesquisadores remanescentes do Museu não terão condições de preservar as coleçõesH
por muito tempo, portanto, teme-se que, quando os futuros integrantes da carreira docente forem admitidos,®
o acervo já deverá apresentar danos irreparáveis.

A idéia é admitir, de imediato, alguns técnicos que receberiam treinamento intensivo de preservação d(B
todas as coleções do Museu, independentemente da classificação zoológica e das subordinações das seçõesH

30
se de uma nova política, que visa a aproveitamento máximo das horas de trabalho, ao contrário do que hoje
acontece, porque os poucos técnicos existentes, hoje, estão subordinados às seções.

Este plano visa, também, o aproveitamento da orientação dos pesquisadores prestes a solicitar aposentadoria.

A criação de uma área de extensão cultural se faz necessária para adaptar o Museu às finalidades básicas
da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão.

Atualmente, a Unidade não tem pessoal suficiente para a criação dessa área. O próprio Anteprojeto de
Regimento fala da eleição para escolher seu coordenador, através do seu quadro. Se não há quadro próprio
não poderia haver tal eleição. Haveria a necessidade de criar vagas para pelo menos um educador, para um
perfeito relacionamento com as escolas e com o público em geral; um museólogo e uma secretária. Este
tópico esbarra no sério obstáculo encontrado em todos os órgãos governamentais, que é a redução de pessoal.
Contudo, esse item merece um destaque especial no Plano Diretor em apresentação.

0 Organograma do Museu foi revisto, pela última vez, no início do Governo Quércia, por meio de uma firma
especializada. A redução de pessoal, ocorrida nesses últimos anos, nos obrigou a adaptações que tornaram
tal organograma anacrônico e irreal.

Atualmente, há um estudo de reformulação do organograma por parte do DRH. Cabe, nesse plano, projetar
o acompanhamento desse estudo, e sugerir as modificações pertinentes.

A mudança da sede do Museu de Zoologia para o campus envolve um plano de trabalho a longo prazo, cujos
primeiros passos já foram dados com a definição da área a ser ocupada, com a elaboração de um anteprojeto
para a construção dos edifícios e com a aprovação de plano orçamentário. Cabe à Direção do Museu
acompanhai' de perto a evolução do projeto.

O Plano Diretor de Pesquisa da Unidade, quando ainda era Departamento de Zoologia da Secretaria da
Agricultura, até o final da década de 60, teve uma quebra abrupta com a redução de seu quadro de pesquisa­
dores, por ocasião de sua passagem para a USP, e com a subordinação a outros objetivos e outras limitações.

Os pesquisadores remanescentes e os poucos admitidos após a incorporação à USP, tiveram sua atenção
voltada para a carreira docente, orientando seus trabalhos para pesquisas próprias, gerando, primeiro, suas
dissertações de mestrado e teses de doutoramento e, depois, os planos de orientação de seus pós-graduandos,
além de seus projetos de pesquisa para serem submetidos às entidades de fomento à pesquisa, como Fapesp,
CNPq, Finep, etc.

A criação da carreira docente nos Museus ainda não é uma realidade, mas o êxito nos projetos individuais de
pesquisa levou ao isolamento e à independência total dos pesquisadores. Não mais se trabalhou para a
elaboração de um projeto integrado de pesquisa.

Hoje, temos em andamento no Museu as seguintes linhas de pesquisa, enumeradas em ordem alfabética do
primeiro nome do pesquisador responsável:

. Carlos Roberto F. Brandão - A fauna de formigas dos cerrados e caatingas./ Biologia reprodutiva de
formigas sem rainhas verdadeiras./ Sistemática de formigas neotropicais.

. Cleide Costa - Sistemática e evolução de Elateridae (Coleoptera) com ênfase no complexo grupo dos
Pyrophorinae./ Estudo sobre larvas de Coleoptera da Região Neotropical.

. Eliana Marques Cancello - Biologia e Taxonomia de Isoptera.

. Francisca Carolina do Vai - Análise genética da morfologia de híbridos de Drosophila.

. Gustavo Augusto S. de Melo - Sistemática dos Crustacea Decapoda do Atlântico Ocidental./ Biogeografia
dos Brachyura do Atlântico Ocidental.

31
. Hélio F. A. Camargo* - Sistemática, Biologia e evolução das Aves Neotropicais.

. Heraldo Antonio Britski - Sistemática de peixes de água doce da América do Sul.

. José Lima de Figueiredo - Sistemática e biogeografia de peixes marinhos.

. José Luiz Moreira Leme - Morfologia, sistemática e evolução de Mollusca Gastropoda.

. Mário de Vivo** - Revisão taxonômica de grupos sul americanos. Os grupos em estudo são: Alouatx
(Primates), Oryzomys (Rodentia), Dasyproctidae (Rodentia) e Cervidae (Artiodactyla).

. Mirian David Marques - Estudo dos ciclos de muda e oviposição em Folsomia candida (Collemboli
Isotomidae)./ Interação abelha-flor: papel dos fatores temporais./ Papel da ritmicidade biológica em processc
de especiação.

. Naércio A. Menezes** - Sistemática e biogeografia de peixes de água doce da ordem Characiformes c


América do Sul./ Sistemática e biogeografia de peixes marinhos das costas do Brasil.

. Nelson Papavero - Sistemática, Biogeografia, História da Biologia.

. Norma Maria B. Gomes* - Morfologia e biologia de répteis.

. Osvaldo Takeshi Oyakawa - Sistemática e filogenia de peixes de água doce neotropicais.

. Paulo Emílio Vanzolini* - Sistemática e evolução de Répteis.

. Sérgio Antonio Vanin** - Sistemática, evolução e biologia de Curculionidae./Estudo de larvas de Coleoptei


do Brasil.

. Sônia Aparecida Casari - Sistemática, evolução e Biologia de Elateridae./ Estudo de larvas de Coleoptei
do Brasil.

. Ubirajara Ribeiro Martins de Souza - Sistemática e distribuição de Cerambycidae (Coleoptera).

Compete à próxima gestão a missão de projetai' e implantar um novo Plano Diretor de Pesquisa, tarei
impossível de ser iniciada na gestão em término.

São Paulo, 25 de junho de 199

Obs.: *Aposentado
**Pesquisador lotado em outra Unidade com linha de pesquisa no Museu de Zoologia.
CURADORIA SEM CURADORES?

Hciigcinuch Sarian
Museu de Arqueologia e Etnologia/USP

"(The Curator-professors) inust balance their time benveen academic research, teaching, publishing, and participation in
museum public programs and activities” (Robert H. Dyson, Jr., Director ofThe University Museum at lhe Univerúty o f
Pennsylvania in Philcidelphia. C f Solinger, 1990)

Introdução - Apresentação do Problema

As reflexões que aqui exponho inserem-se numa investigação mais ampla, em andamento, relativa ao
desempenho de Museus Universitários, sua vocação no contexto acadêmico, sua identidade. Logicamente,
como profissional de um museu da Universidade de São Paulo, muito tenho que aproveitar da experiência
adquirida em minha unidade, o Museu de Arqueologia e Etnologia, num cotejo contínuo com outras institui­
ções congêneres da USP e fora dela, no Brasil e também no exterior. Assim sendo, meu ponto de vista pode
diferir de propostas sobejamente apresentadas em nosso meio e perceptíveis aqui e ali nos artigos desta
coletânea, os quais me parecem destacar conteúdos individualmente incompletos no tocante ao tema central
em questão: Processo curatorial: a pesquisa, a docência e a extroversão a partir da evidência material da
cultura e do meio ambiente (em Museus Universitários).

Diria mais, estas propostas se completam: não são excludentes, mas solidárias e muito se poderia obter
através do diálogo, da troca de idéias, de experiências. São uma evidência de que o debate em torno delas é
da mais alta relevância. E, na mesma medida, o que aqui apresento deve ser visto como um pouco mais de
fermento a alimentar esta discussão.

Também, para situar o problema, é preciso apontar para a especificidade dos Museus da USP, cada um
deles com origens e trajetórias diferentes, seja em seus objetivos e atividades, seja na formação de seu
pessoal científico, educacional, curatorial, técnico e administrativo, incluindo seus diretores. Persiste
uma ambigüidade, nem sempre percebida: M useus que não são Museus ou, quando o são, pouco
transparecem no que respeita à Universidade. E há mais, muito mais! Os (des)caminhos e (des)encontros
dos nossos Museus têm demonstrado que a USP ainda não lhes deu foros de cidadania, nivelando-os do
ponto de vista estrutural e gerencial às suas outras unidades; ora, os Museus têm a sua identidade e
requerem uma política diferente para que haja a real visibilidade naquilo que só eles, unidades especiais
no mundo acadêmico, podem oferecer: vale dizer, a interface entre a ciência e o público (King, 1984,
p.298) através de seus acervos, principal fonte para o exercício da função tripartite da universidade -
pesquisa, ensino e extensão de serviços à comunidade. O conjunto harmonioso destas três funções, em
Museus Universitários, constitui, a meu ver, a verdadeira Curadoria, que se afigura como um processo
inerente à programação geral de cada um desses Museus.

Finalmente, nesta linha de idéias, há que distinguir: Museus na Universidade; Museus da Universidade;
Museus Universitários? Desta definição decorrerá o que se poderia entender por processo curatorial nos
Museus da USP, que eu almejaria identificar como Museus Universitários respeitando os seus dois estatutos:
o de um Museu e o de uma Universidade, dicotomia que deveremos sempre privilegiar.

Das Coleções

Seria um truísmo dizer que Museus se identificam pelas suas coleções, evidências materiais da cultura e do
meio ambiente e, conseqüentemente, que suas atividades devem centralizar-se nelas e orientar-se por elas.
Truísmo, porém nem sempre, uma vez que existem Museus cujos projetos mais importantes referem-se
marginalmente às suas coleções ou à cultura material como um todo; ou, então, que ignoram totalmente seus
acervos. Partirei do princípio de que todas as atividades em questão, por estarem vinculadas a um Museu,
serão da natureza da cultura material e do meio ambiente, obedecendo aos objetivos básicos sobejamente
aclamados entre profissionais de Museus e pela bibliografia especializada (veja-se, p. ex., King, 1981;
1984): coletar, preservar, pesquisar e divulgar.

33
Tal programa merece que consideremos todos os problemas pertinentes: um deles é a sua combinação
com os objetivos da Universidade. Ora, se os Museus se definem como unidades centralizadas em acervos,
os Museus Universitários deverão se articular no sentido de harmonizar o exercício de seus objetivos
básicos com o das três funções precípuas instituídas pela Universidade, isto é, pesquisa, ensino e extensão
serão solidárias às coleções, que apontam para coleta, preservação, pesquisa e divulgação. Para o bom
cumprimento destes objetivos, os Museus dispõem de códigos de ética reconhecidos internacionalmente,
mas nem sempre observados em nosso meio, instrumentos legais que protegem Curadores e suas Instituições
diante de comportamentos considerados não - éticos (cf. algumas referências a estas normas na Biblio­
grafia).

Da Curadoria e do Processo Curatorial

Não há Universidade sem produção e reprodução do saber, de modo que a pesquisa científica é o propulsor
de todas as suas atividades. Assim vemos também que, nos Museus Universitários, investigações conduzem
o especialista aos trabalhos de campo, de laboratório, de gabinete, alimentando a formação de coleções e
orientando-os à aquisição de coleções. Mas a pesquisa em Museus Universitários vai além, pois a par do
grande investimento técnico para a constituição das coleções, há a pesquisa rigorosa sobre estas coleções. E
não se trata apenas de estudar as coleções originárias de pesquisas de campo modernas e sistemáticas, mas
de dar um sentido científico a todas as coleções existentes nos Museus, para que se possa transformá-las em
agentes de informação.

Todo pesquisador deveria ter a responsabilidade pelo estudo das coleções e seus contextos. No Brasil,
program as sistem áticos neste sentido são raros e, mesmo, excepcionais. O alcance destes estudos é
ilim itado, inúm eros são os autores que apontam para esta necessidade primordial nos M useus (p. ex.
Ripley, 1969; Deetz, 1983). Uma única coletânea, publicada em 1981, nos Estados Unidos e reunindo
vários artigos sobre o potencial científico de coleções em Museus Antropológicos, dá a ju s ta medida
da relevância deste com prom isso curatorial (Cantwell, A.-M. et alii, eds., 1981). E de se notar que esta
prática em nosso meio foi mais desenvolvida no passado do que atualmente: alguns dos grandes Museus
brasileiros, notadam ente voltados para as Ciências Naturais, em suas origens no séc. XIX, atuaram
sobrem aneira não só na constituição de coleções, como também na realização de pesquisas científicas
e na política de publicações (Lopes, 1997), isto é, exerceram na sua plenitude a produção do saber
particular a M useus.

À constituição de coleções acrescentar-se-á a sua preservação e documentação e esta prática, no meu entender,
não se confunde e nem se identifica com curadoria: parece-me que são meras operações técnicas que englobam
a atividade curatorial, elas são parte desta atividade, e, para que elas surtam seus reais benefícios, não
deverão estar dissociadas da pesquisa científica e do pesquisador.

O segundo aspecto da vocação universitária, a reprodução do saber, que tipifica as atividades de ensino e de
extensão em todos os seus sentidos e modalidades, tem também os seus correlatos em Museus Universitários:
mas nestas instituições, tratar-se-ia, do mesmo modo, de responsabilidades particularizadas e efetivamente
integradas à Universidade, e seus programas privilegiariam o que é a própria identidade de cada Museu:
suas coleções, com seus significados e contextos, suas potencialidades.

A projeção do conhecimento científico, ao lado de sua transmissão através do ensino e da divulgação,


situaria o profissional de Museus Universitários numa posição ímpar no meio acadêmico: estou cada vez
mais convicta de que ele é o pesquisador que percorrerá o caminho pelo qual sua pesquisa será apresentada
ao público, proporcionando a principal fonte para todas as atividades museológicas e museográficas no seu
campo de estudo.

Assim sendo, produção e reprodução do saber se expressariam nos Museus Universitários, por meio de
responsabilidades inerentes à natureza de um Museu, de tal modo que os Professores destas instituições
fossem igualmente Curadores - Curator-Professors para lembrar a designação americana (Solinger, 1990,
p.64), e suas atividades deveriam respeitar os princípios básicos que particularizam um Museu e uma
Universidade. Estes princípios básicos são os que regem o processo curatorial, um ciclo de responsabilidades
solidárias que, nestes Museus, só conseguirão a sua plenitude em projetos institucionais e com profissionais
de dupla qualificação: a de Docente e de Curador.

34
Bibliografia

CANTWELL, A.-M., GRIFFIN, J. B., ROTHSCHILD, N. A. (eds.). The researchpotential ofAntliropological


Museum collections. New York: The New York Academy of Sciences, 1981. (Annals of the New York
Academy of Sciences, vol. 376).

CÓDIGO DE DEONTOLOGÍA PROFESIONAL DEL ICOM. Consejo Internacional de Museos. Paris:


Unesco, ICOM, 1997.

DAVIS, H. A. Approaches to Ethical problems by archaeological organizations. In: GREEN, E. L. (ed.).


Ethics and values in Archaeology. New York: MacMillan, 1984, p. 13-21.

DEETZ, J. The artifact and its context. Museum News, v.62, n .l, p.25-26, 1983. (Research in Museums).

KING, M. E. Curators: Ethics and Obligations. Curator, v.23, n .l, p. 10-18, 1980.

_________ . Museums, archaeology and the public. Curator, v.27, n.4, p.298-307, 1984.

LESTER, J. A. A code of Ethics for curators. Museum News, v.61, n.3, p.36-40, 1983.

LOPES, M. M. O Brasil descobre a pesquisa científica. Os Museus e as Ciências Naturais no século XIX.
São Paulo: Hucitec, 1997.

MUSEUM Ethics. A Report. Museum News, Washington, p.21-30, 1978.

REIMANN, I. G. The role of a University Museum in the education of students and the public. Museum
News, v.46, n.3, p.36-39, 1967.

RIPLEY, S. D. The sacred grove. Essays on Museums. New York: Simon and Schuster, 1969.

SOLINGER, J. W. (ed.). Museums and Universities. N ew pathsfor continuing education. New York: American
Council on Education, MacMillan Publishing Company, 1990.

SMITH, A. C. et alii. The role of research Museum in Science. Curator, v.3, n.4, p .3 10-360, 1970.

SMITH, R. H. Ethics in field archaeology. Journal o f Field Archaeology, v.l, p.375-383, 1974.

THOMAS, C. H. Ethics in archaeology. Antiquity, v.45, p.268-274, 1971.


ARQUEOLOGIA BRASILEIRA NO MAE/USP:
PESQUISA, ENSINO, EXTENSÃO E CURADORIA

José Luiz de Morais


Marisa Coutinho Afonso
Museu de Arqueologia e Etnologia/U SP

The mission ofm ost museums is to collect, preserve, study,


and interpret the cultural and natural heritage o f man fo r
the public. Curators are the key personnel involved in this
mission (King, 1981).

0 termo curadoria é objeto de várias definições, mas o conceito aplicado no Museu de Arqueologia e
Etnologia da USP engloba o tratamento com o acervo, desde a coleta, documentação, conservação até a
comunicação. No caso da área de Arqueologia Brasileira, inserida no âmbito da Divisão Científica, os três
objetivos universitários - pesquisa, docência e extensão de serviços à comunidade - são desenvolvidos
concomitantemente aos trabalhos curatoriais.

A investigação científica, cujo objeto de estudo é a ocupação do território brasileiro desde a época pré-
colonial até o período histórico sub-recente, desenvolve-se por meio de linhas de pesquisa agrupadas em
programas, de acordo com objetivos estratégicos definidos.

A docência em arqueologia (considerando-se aqui as especialidades institucionais hoje vigentes-arqueologia


brasileira, mediterrânica e médio oriental) é exercida por meio de disciplinas de graduação optativas,
oferecidas no MAE ou em Departamentos afins como os de Antropologia, Geografia e História, cursos
extracurriculares e a área de pós-graduação, de caráter interdepartamental no âmbito da FFLCH, com sede
executiva no Museu. Tais atividades docentes, somadas à orientação a estagiários e bolsistas, proporcionam
a formação de arqueólogos com várias especialidades, fato que torna o MAE-USP um centro de referência
e excepcionalidade no cenário acadêmico brasileiro.

A extensão de serviços à comunidade ocorre por meio da participação no planejamento de exposições, em


parceria com os especialistas da Divisão de Difusão Cultural. Nesse caso, destaca-se a exposição de longa
duração “Formas de Humanidade”. Outra atividade concorrente é o atendimento ao público (professores,
estudantes de vários graus, jornalistas). É também importante a oferta de consultoria sobre temas correla­
cionados ao patrimônio arqueológico, ambiental e paisagístico, entre outras atividades. Ainda no setor,
destaca-se o atendimento às comunidades médias e pequenas do Estado, especialmente em Piraju e Iguape.

Os profissionais do Museu, além das três atividades básicas, comuns às várias áreas da USP, desenvolvem
também trabalhos curatoriais relativos às coleções arqueológicas do Museu, que provêm principalmente de
coletas de campo.

Com o propósito de ilustrar os diversos aspectos do trabalho do docente-arqueólogo, que sempre atua em
equipe, são abordados dois estudos de caso: o Projeto Paranapanema e o Projeto Curatorial, em fase de
implantação no Museu.

Projeto Paranapanema

A história do Projeto Paranapanema ultrapassa um quarto de século. Foi idealizado em 1968, no âmbito do
Museu Paulista da Universidade de São Paulo, pela arqueóloga Dra. Luciana Pallestrini, sua coordenadora
até 1987. Nesse período, o principal objetivo estratégico do programa era o desenvolvimento de métodos e
técnicas de campo para o estudo de sítios arqueológicos do interior paulista. Esta postura privilegiou o
exercício da práxis arqueológica intra-sítio, com forte dose interdisciplinar. Assim, o Projeto Paranapanema
proporcionou grande avanço na interiorização da arqueologia paulista, praticamente restrita, até aquela
época, às investigações dos sambaquis do litoral. Pela primeira vez foram levantados e estudados grandes

37
assentamentos de comunidades indígenas pré-coloniais, especialmente horticultores, por meio da evidenciação
e cartografação dos conjuntos de núcleos de solo antropogênico correspondentes a aldeias indígenas antigas,
além de urnas funerárias de cerâmica.

Entre 1987 e 1993, sob a atual coordenação, inauguraram-se os grandes levantamentos arqueológicos e
ambientais por toda a extensão da bacia do Paranapanema paulista, culminando com a implementação de
vários projetos especiais de salvamento arqueológico nas áreas impactadas por empreendimentos hidrelétricos.
O objetivo estratégico inicial foi ampliado para contemplar as ligações possíveis entre a arqueologia e as
questões ambientais e paisagísticas. A nova postura, além de fomentai- o enfoque das relações inter-sítios,
privilegiou o reconhecimento e a análise das estratégias de exploração, conservação e degradação do meio
ambiente pelas comunidades indígenas pré-coloniais, no decorrer dos ciclos de desenvolvimento sócio-
econômico, cultural e tecnológico. Nesse período, o ambiente institucional do projeto sofreu substancial
alteração: em 1989, com a integração dos acervos arqueológicos e etnográficos da USP no novo Museu de
Arqueologia e Etnologia, ele foi deslocado para esta instituição. Por outro lado, para a consecução dos
novos objetivos estratégicos, foram importantes as parcerias firmadas com a Unesp (Faculdade de Ciências
e Tecnologia de Presidente Prudente) e com a Cesp (empresa estatal empreendedora dos programas ener­
géticos). Além disso, consolidaram-se as relações com os governos locais, especialmente a Prefeitura do
Município de Piraju.

A partir de 1993, o Projeto Paranapanema, então sob a sigla ProjPar, começa a definir formalmente a sua missão,
enquanto programa multi e interdisciplinar e interinstitucional. Aos objetivos estratégicos anteriores somaram-se
outros, ampliando o seu espectro temático e temporal. Consolidaram-se os enfoques interdisciplinares referentes
ao tema território, desenvolvimento e meio ambiente. Passaram a ser caracterizados cenários sócio-econômicos e
culturais cronologicamente delimitados. As ações do ProjPar, preferencialmente embasadas nas evidências materiais
da cultura, passaram a abranger momentos que vão da pré-história à atualidade, englobando assuntos tais como as
estratégias de sobrevivência das populações indígenas ou as formas de urbanização. Os subprogramas definidos
assumem como principal objeto de enfoque, as coisas relativas ao patrimônio natural e cultural da bacia do Rio
Paranapanema, englobando o patrimônio arqueológico, o patrimônio arquitetônico e urbanístico e o patrimônio
ambiental e paisagístico. Assim, o projeto pretende estudar generalidades e particularidades do meio ambiente
físico-biótico e do meio ambiente sócio-econômico das comunidades locais e regionais, de forma interligada, em
intervalos de tempo previamente definidos. Resumindo, o ProjPar atua por meio de um conjunto de ações que tem
por objetivo a definição, análise e síntese dos cenários da ocupação humana da Bacia do Rio Paranapanema, nos
respectivos contextos ambientais.

Missão e Instrumentos

A partir da sua reformatação o P r o j P a r adotou uma missão, assim definida: “criar condições favoráveis para
o estudo e a proteção do patrimônio arqueológico, do patrimônio arquitetônico e urbanístico e do patrimônio
ambiental e paisagístico, enquanto bens de uso comum cio povo, colaborando para o desenvolvimento social
das comunidades da bacia do Rio Paranapanema, pelo incentivo à participação coletiva

Prevê-se o cumprimento desta missão com o uso dos seguintes instrumentos:

A mobilização da sociedade em torno das políticas públicas relativas ao patrimônio arqueológico, ao


patrimônio arquitetônico e urbanístico e ao patrimônio ambiental e paisagístico.

O estímulo ao cumprimento da função social nos assuntos relativos ao patrimônio da comunidade, à distri­
buição justa dos benefícios e encargos decorrentes da sua proteção, à participação comunitária e à prevalência
dos interesses coletivos sobre os individuais.

A valorização científica, funcional e estética do patrimônio.

A produção e a divulgação de conhecimentos e informações relativas ao patrimônio.

A elaboração e implementação de subprogramas que contemplem o patrimônio arqueológico, o patrimônio I


arquitetônico e urbanístico, o patrimônio ambiental e paisagístico e a educação ambiental e patrimonial.

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0 Território

0 espaço geográfico de atuação do P r o j P a r corresponde à bacia do Rio Paranapanema no Estado de São


Paulo, delimitada pelos seus divisores de águas. As ações poderão, excepcionalmente, abranger espaços
externos aos limites da bacia hidrográfica, no caso de municípios cujas divisas ultrapassem os divisores
naturais.

Paia o desenvolvimento das linhas de pesquisa poderão ser adotadas subdivisões compatíveis com os objetivos
e as metas previamente definidos.

O Plano Diretor de Pesquisa

0 Plano Diretor de Pesquisa é a peça de planejamento necessária e ajustada para a implementação do


extenso programa de pesquisas multi e interdisciplinar, de caráter regional, que é o Projeto Paranapanema.
0 plano, explicitamente inspirado naquele elaborado pelo CENA-USP, tem como propósito inicial dar maior
coerência, estabilidade e visibilidade ao programa, direcionando a aquisição de recursos humanos para a sua
equipe e facilitando a captação de recursos financeiros.

0 PDP-ProjPar será periodicamente revisado, com o propósito de mantê-lo sempre atualizado. Sua estrutura
atual contempla objetivos estratégicos, definidos em consonância com a missão e instrumentos do programa.
Cada objetivo estratégico é composto por subprogramas, que congregam linhas de pesquisa definidoras de
projetos individuais ou de pequenos grupos.

Considerando a produção científica em andamento e em consonância com a missão do P r o j P a r e seus


instrumentos, foram definidos, na primeira versão do Plano Diretor de Pesquisa, os seguintes objetivos
estratégicos:

Objetivo Estratégico 1 - Demarcação Espacial e Temporal dos Cenários de Ocupação Humana: prende-se
à demarcação territorial das populações, compreendida em determinado intervalo de tempo. Permeia a forma,
função e mudança dos grupos sociais. Trata da demografia e das estratégias de desenvolvimento sustentável
das populações, identificando e analisando os seus signos, sua produção e as correlações de ordem sócio-
econômica e cultural.

Objetivo Estratégico 2 - Valorização e Instrumentalização das Comunidades: o fortalecimento das comu­


nidades locais e regionais é estratégia planetária para o final de milênio. Pensar globalmente e agir local­
mente significa assumir a participação coletiva e, portanto, o exercício da cidadania. Antes de ser bem comum
da nação, o bem patrimonial é, primordialmente, uma referência local. Há de se apresentar sugestões de
devolução social dos bens estudados, por meio da organização de lugares de memória (o uso para fins
turísticos é, também, uma possibilidade). No sistema federativo brasileiro, cabe à União editai- normas (enten-
da-se legislação) gerais, aos Estados Federados, normas regionais e aos Municípios, normas locais. Compete
às instituições supra-locais (no caso as universidades públicas sediadas nos grandes centros) investir na
instrumentalização técnico-jurídica das comunidades menores.

Objetivo Estratégico 3 - Desenvolvimento de Métodos e Técnicas de Pesquisa: relaciona-se com a invenção,


importação e adaptação de métodos e técnicas relacionados com o desenvolvimento da pesquisa e a otimização
da interdisciplinaridade. Há invenções e aprimoramentos de métodos e técnicas de pesquisa em meio tropical,
exportáveis para ambientes extra-nacionais semelhantes. Há de se considerar as peculiaridades de situações
específicas como, por exemplo, a rigidez de parâmetros espaciais e temporais. A manipulação de dados em
meio eletrônico permite agilidade e melhor qualidade de resultados. Este objetivo estratégico proporciona
suporte para os dois anteriores.

Cada objetivo estratégico inclui subprogramas, que constituem ações objetivas, multi e interdisciplinares e
de execução coletiva. Os subprogramas se compõem de linhas de pesquisa que definem os projetos individuais
dos membros da equipe. Estes terão objetivos específicos, metas, plano de trabalho e cronogramas
particularmente definidos. O Plano Diretor de Pesquisa do ProjPar, definiu os seguintes subprogramas e
respectivas linhas de pesquisa:

39
Objetivo Estratégico 1:

Arqueologia Pré-Colonial e Histórica


• Caçadores-Coletores
■ Ceramistas-Horticultores
■ Arqueologia do Ambiente Urbano e Rural

Ambiente, Paisagem e Território


• Registro da Paisagem
Ordenamento do Território
• Patrimônio Edificado

Objetivo Estratégico 2:

Patrimônio e Musealização
Museus de Cidade

Patrimônio e Legislação
• Regulamentação Edilícia e Ambiental

Objetivo Estratégico 3:

Processos Interdisciplinares
• Geoarqueologia
• Etnoarqueologia
■ Antropologia Física
• Arqueometria

Salvamento Arqueológico
• Resgate do Patrimônio Arqueológico
• Resgate do Patrimônio Histórico-Cultural

Sistema de Informações Georreferenciadas


■ Gerenciamento de Banco de Dados
■ Mapeamento Automatizado

Um Exemplo

Com o propósito de ilustrar o esquema exposto, é colocado, em seguida o Subprograma P ro jP a r 1 -


Arqueologia Pré-Colonial e Histórica e suas respectivas linhas de pesquisa.
Subprograma ProjPar 1 .

Arqueologia Pré-Colonial e Histórica

A arqueologia é a disciplina que tem por finalidade o estudo dos modos de vida de comunidades antigas que
deixaram suas marcas em ambientes específicos, identificados como sítios arqueológicos. Se o propósito final é
o estudo dos diferentes aspectos sociais, econômicos e culturais das comunidades, considerando formas, funções
e processos, os meios para analisá-los são os objetos produzidos por elas, que permaneceram no registro arqueológico
pertinente. O registro arqueológico comumente está contido em pacotes sedimentares, formando camadas antrópicas
identificáveis na estratigrafia natural. Muitas vezes, porém, o registro arqueológico pode estai' presente em pisos
e paredes rupestres ou ser constituído por estruturas edificadas. Os arranjos espaciais são, muitas vezes, detectados:
por evidências latentes ou intangíveis. Os antigos cenários de ocupação humana são revivenciados com o concurso
de outras áreas de conhecimento como a geografia, a arquitetura, o urbanismo, a história, a etnologia, as ciências j
naturais e as exatas. No caso do P r o j P a r , apesar da diversidade temática atual, suas origens e boa parte do seu
percurso referem-se ao exercício da disciplina arqueológica. Assim, esta prática constituiu, por bom tempo, seu
único pilai', fato que ainda lhe confere elevado grau de importância.

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Linhas de Pesquisa do Subprograma ProjPar 1:

Caçadores-Coletores

Objetivos: obter informações sobre os cenários das ocupações de caçadores-coletores pré-coloniais, por
meio da cultura material (especialmente materiais líticos) contida nos sítios arqueológicos (especialmente
evidências de antigos acampamentos); processar e incorporar as informações à memória local e regional,
contribuindo para o avanço da arqueologia nacional.

Situação Atual: os levantamentos arqueológicos relativos aos caçadores-coletores se desenvolvem em todos


os trechos da bacia do Paranapanema paulista. Na Região 1 - Bacia Superior, concentram-se no alto curso
do Rio Taquari e, principalmente, nos territórios correspondentes aos municípios de Piraju, Sarutaiá, Timburi
e Tejupá; na Região 2 - Bacia Média os estudos se concentram na área de influência do Complexo Hidrelétrico
Canoas; na Região 3 - Bacia Inferior, as pesquisas se desenvolvem nas áreas de influência dos reservatórios
de Taquaruçu e Capivara.

Perspectivas: esta linha de pesquisa tende a se incrementar na medida em que se consolidam dois fatores: o
desenvolvimento de projetos de salvamento arqueológico e a definição de parâmetros locacionais regionais
indicadores do potencial arqueológico de determinadas áreas, com o aporte da geoarqueologia.

Horticultores

Objetivos: obter informações sobre os cenários das ocupações de horticultores pré-coloniais, por meio da
cultura material (especialmente objetos de cerâmica) contida nos sítios arqueológicos (especialmente
evidências de antigas aldeias); processar e incorporar as informações à memória local e regional, contribuindo
para o avanço da arqueologia nacional.

Situação atual: o estudo de aldeias de populações ceramistas pré-coloniais teve grande ênfase na primeira
fase do Projeto Paranapanema, quando L. Pallestrini idealizou métodos e técnicas apropriadas à identificação
de núcleos de solo antropogênico (remanescentes de antigas casas de índios) componentes de grandes aldeias
descobertas na bacia média-superior. Os estudos efetuados por ocasião das pesquisas de salvamento
arqueológico na área de influência da UHE Taquaruçu proporcionaram a aquisição de novos dados a respeito
das ocupações cermistas na Região 3 - Bacia Inferior. Na Região 1 - Bacia Superior, sub-bacia do médio Rio
Taquari, estão sendo desenvolvidos estudos relativos a prováveis assentamentos superpostos na confluência
do Ribeirão do Caçador, no Município de Itaí.

Perspectivas: como na situação anterior, a incrementação das pesquisas relativas aos horticultores se
intensifica quando da realização de projetos de salvamento arqueológico. Na perspectiva da arqueologia
rotineira, de caráter puramente acadêmico, está prevista a retomada e a releitura dos dados anteriormente
coletados (plantas de aldeia e materiais cerâmicos), com o aporte da etnoarqueologia.

Arqueologia do Ambiente Urbano e Rural

Objetivos: obter informações sobre os cenários das ocupações do período pós-conquista européia, contidas
nos sítios arqueológicos históricos, compreendendo: as comunidades indígenas sob influência da Igreja
Católica; os assentam entos ligados ao bandeirism o e dem ais ciclos pioneiros de desenvolvim ento
econômico regional; os primórdios do processo de urbanização e as vias de circulação do passado (peabirus)
e outros. Processar e incorporar as informações à memória local e regional, contribuindo para o avanço da
arqueologia nacional.

Situação atual: os sítios guaranis sob influência jesuítica, situados na margem direita do Paranapanema médio-
inferior, principalmente no entorno da Redução de Nossa Senhora de Loreto estão sendo estudados. No
Paranapanema médio-superior, estão encaminhados estudos ligados ao aldeamento do Pirá-yú e suas relações
com o núcleo de São Sebastião do Tijuco-Preto, povoado que deu origem à cidade de Piraju. O Aldeamento do
Pirá-yú foi desativado em 1912, por decisão do governo do Estado que, na ocasião, incumbiu Kurt Nimuendajú
de transferir os guaranis restantes para a reserva de Araribá, nas proximidades de Bauru.

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Perspectivas: além do encaminhamento dos estudos concernentes à questão índios/posseiros do médio
Paranapanema, prevê-se o aprofundamento da abordagem da influência jesuítica na margem direita que,
parece, estendeu-se até a altura dos atuais municípios de Palmital e Ibirarema. Concomitantemente, deverão
ser iniciados enfoques de caráter arqueológico nos sítios e edificações históricas do ciclo do café,
especialmente no entorno da cidade de Piraju. Nova frente está sendo planejada, envolvendo testemunhos
do ciclo de mineração do ouro que ligou o alto Paranapanema ao porto de Iguape (Casa Grande e Encanados
do Rio das Almas, no Município de Ribeirão Grande).

Projeto Curatorial

Nas últimas décadas, museus do mundo inteiro intensificaram as discussões sobre o destino e a organização
dos acervos acumulados nas reservas técnicas, motivados pelo grande e crescente volume dos materiais
com ponentes. Estes m ateriais de diversas categorias, provenientes de pesquisas de campo, chegam
constantemente aos museus. Após sua identificação e análise, são enviados às reservas técnicas e ficam à
disposição para uso em pesquisa, ensino e extroversão museológica.

Aderindo a essa preocupação e à vista da consolidação do novo MAE nas suas atuais instalações, foi elaborado
o projeto “Organização e Gerenciamento do Acervo Arqueológico Pré-Histórico Brasileiro no MAE/USP ”,
sob a coordenação de Marisa Coutinho Afonso e com a participação de José Luiz de Morais, Marilúcia
Bottallo e Silvia Cristina Matta Piedade (1996). O plano foi encaminhado às agências financiadoras Fapesp
e Vitae, com o propósito de se obter a sua qualificação ç, por conseguinte, apoio financeiro.

O crescimento do acervo arqueológico brasileiro deve-se a sua principal fonte de aquisição - a coleta de
campo - tornando-o o segmento que mais se amplia no conjunto do acervo do MAE. E grande a quantidade
de dados provenientes da pesquisa de campo e segundo Pebbles & Galloway (1981:226), “... there are two
crucial cliallenges offered by ali these data that have not been met: 1) appropriate and efficient data
management, and 2) long-term documentation and adequate curatorial facilities.”

O projeto pretende enfrentar os desafios supra-mencionados e, por meio da implantação de um sistema


controlado, deverá unificar a linguagem de acesso às peças das coleções e das informações respectivas, de
forma a conhecer a quantidade e a potencialidade do acervo. Este sistema controlado implica na definição
de critérios de identificação, organização, registro, preservação e recuperação de dados sobre as coleções
arqueológicas. Certamente a informática será uma ferramenta essencial neste sistema organizacional. Em
vista disso, estão sendo encaminhados os procedimentos necessários para a implantação de um SIG - Sistema
de Informações Georreferenciadas, envolvendo o acervo de coleções, bem como os sítios enquanto áreas de
resgate dos materiais.

A intenção do projeto está centrada na necessidade de controlar, preservar e resgatar as peças e as informações
correspondentes. E o momento para a otimização das atividades curatoriais é perfeito porque, finalmente, o
MAE foi contemplado com boas instalações físicas e mobiliários adequados na sua reserva técnica, além
daqueles equipamentos de informática necessários para o processamento e resgate das informações.

Como a pesquisa de campo nos sítios arqueológicos provoca o desmonte dos setores trabalhados, ou como
escrito por Hitchcock (1981), “archaeological sites are a non-renewable resource ...”, os arqueólogos vão j
precisar constantemente das coleções de museus devidamente documentadas e organizadas, para as suas
pesquisas. Dessa forma, é um dever ético inerente aos profissionais de museus a curadoria das coleções.

O MAE salvaguarda a maior parte dos materiais provenientes de pesquisas arqueológicas realizadas no Estado
de São Paulo desde a década de 50, que ainda não foram objeto de um processo de documentação de gestão
museológica. Cada arqueólogo, e no MAE existem dez especialistas em Arqueologia Brasileira, estabelece sua
própria forma de registro e organização do acervo. O objetivo do projeto é implantar uma sistemática que
permita o resgate eficaz das peças e informações fornecidas pelo pesquisador e, ao mesmo tempo, fornecer
uma base institucional para o seu gerenciamento, valorizando os trabalhos realizados pelos arqueólogos.

Para facilitar a primeira e mais complexa fase do projeto, foram escolhidas as coleções arqueológicas obtidas I
através de projetos sistemáticos, ou seja, que sejam acompanhadas de informações primárias (diários de I

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campo, fotografias, slides, registros de campo, fichas de análise) e que foram submetidas a um tipo de
tratamento científico. As coleções adquiridas através de vistorias arqueológicas e doações, menos numerosas,
serão objeto de uma nova fase do projeto.

As atividades serão desenvolvidas em dois locais: na sede do MAE e no Centro Regional Mário Neme do
MAE, localizado em Piraju (SP). No primeiro, há coleções importantes provenientes dos vales dos rios
Tietê, Pardo, Moji-Guaçu e Ribeira de Iguape e do litoral (Baixada Santista, região de Cananéia-Iguape,
litoral norte). No segundo, há coleções obtidas durante a realização do projeto Paranapanema, o mais antigo
a enfocar ocupações pré-históricas no interior do Estado de São Paulo.

A necessidade de gerenciar os acervos arqueológicos está surgindo nos últimos anos em várias instituições.
Como a arqueologia, desenvolvida 'de forma profissional, ocorreu nas décadas de 50 e 60, os primeiros
arqueólogos preocuparam-se mais em conhecer a potencialidade do patrimônio brasileiro. Depois de anos
de pesquisas sistemáticas, as instituições museológicas se confrontam com uma grande quantidade de acervo
e informações e elaboram projetos para o seu gerenciamento. A equipe interdisciplinar do Museu Arqueológico
de Sambaqui de Joinville (SC), por exemplo, criado na década de 70, também está desenvolvendo um
projeto de gerenciamento da informação, com apoio financeiro da Vitae.

O momento atual nos museus é oportuno para o “planejamento por meio da definição de uma política cie
cicervo, traçada ct partir do próprio estudo das coleções existentes e dos problemas científicos inspirados
pelas m esm as” (Bruno, 1995). Está ocorrendo uma maior conscientização dos arqueólogos quanto à
responsabilidade com o material coletado, desde o momento da própria coleta até a realização das outras
atividades curatorias e as equipes dos museus estão se tornando interdisciplinares, o que facilita o
desenvolvimento de projetos de gerenciamento. Desta forma, os profissionais de museus estão sendo
orientados a refletir sobre este tema para definir a política de acervo institucional e inserir os projetos, cada
vez mais numerosos, de uma forma mais organizada que possibilite seu o resgate das coleções e informações.

Conclusão

Desse modo, foram apresentadas duas situações complementares, relativas ao processamento da práxis
arqueológica no Museu de Arqueologia e Etnologia, em termos de pesquisa, ensino, extensão e curadoria. Tal
arranjo, congregando profissionais dos quadros, além de colaboradores externos, vem consolidando uma equipe
verdadeiramente interdisciplinar e interinstitucional, preocupada, não apenas com os novos rumos da investigação
científica no âmbito do museu, como também com o complexo sistema de devolução social dos resultados
obtidos. No oitavo ano da implantação da sua nova estrutura, consolidado o processo de fusão, cabe aos
especialistas de arqueologia brasileira firmar o MAE-USP como centro de excelência nesta disciplina. E, nesse
sentido, a incrementação das atividades curatoriais, em seu ciclo completo, motivará crescentemente a cooperação
recíproca não apenas no nível institucional interno, como também com a coletividade externa.

Referências Bibliográficas

AFONSO, M .C. (coord), M ORAIS, J.L ., BOTTALLO, M. & PIEDADE, S.C.M . O rganização e
Gerenciamento do Acervo Arqueológico Pré-Histórico Brasileiro do MAE/USP. São Paulo, MAE-
USP, 1996.

BRUNO, M.C.O. Musealização da Arqueologia: um estudo de modelos para o Projeto Paranapanema.


Tese de Doutorado apresentada à FFLCH-USP, 1995.

HITCHCOCK, A. Discussion Paper. Curator 23/1: 71-79. 1980.

KING, M.E. Curators: Ethics and Obligations. Curator 23/1: 10-18, 1980

MORAIS, J.L. Plano-Diretor do Projeto Paranapanema. São Paulo, MAE-USP, 1997.

PEEBLES, C.S. & GALLOWAY, P. Notes from Underground: Archaeological Data Management from
Excavation to Curation. Curator 24/4: 225-251. 1981.

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DIFUSÃO CIENTÍFICA, MUSEALIZAÇÃO E PROCESSO CURATORIAL:
UMA REDE DE POSSIBILIDADES E DESAFIOS PARA OS MUSEUS UNIVERSITÁRIOS

Cristina Bruno
Christina Rizzi
Marília Xavier Cury
Museu de Arqueologia e Etnologia/USP

“Entre las notas particulares que d istinguem la situación y m orfologia de los m useus en el siglo X X de aquellas que
propiciaron en el X IX su configuración m oderna destacan las de la especialización de sus contenidos y las m ejoras
fo n n a les y técnicas que acom panan tanto a la acogida y conservación com o a la presentación, investigatión y clifusión
de sus colecciones. Pero es sobre todo esta últim a ca ra cterística la que define el p e rfil de una so cied a d e m uy
industrializada (y/o postindustrial), sustantivam ente diversa de la anterior: el irresistible crecim ento de la dem anda
dei público y su protagonism o en el fe n ô m e n o dei espetáculo dei m useu a c tu a l”.
Fernandez, LA (1993:97)

Apresentação

Este texto pretende contribuir para o debate sobre as características do processo curatorial museológico e
suas relações com o ensino, pesquisa e extensão universitários.

A abordagem escolhida priorizou o desvelamento dos novos paradigmas para os museus e processos museais,
a caracterização dos museus universitários com suas respectivas responsabilidades curatoriais, o delineamento
do perfil da atuação museológica que aproxima os conceitos de musealização patrimonial e difusão científica
e como estudo de caso, serão apresentados os programas da Divisão de Difusão Cultural do MAE.

Espera-se, desta forma, traçai- as linhas que relacionam as experimentações muselógicas e educativas, com
propostas contemporâneas de difusão científica e estas, por sua vez, com as responsabilidades do processo
curatorial universitário.

Os Museus e os novos paradigmas

Os museus chegaram até este século como grandes repositórios de coleções ecléticas, centros de saber
vocacionados para o estudo e preservação das ciências e artes e, sobretudo, como locais privilegiados e
sacralizados.

Tais características, que delinearam o perfil das instituições museológicas, têm raízes muito fortes nos
estudos e na produção artística do renascimento, nas viagens das grandes descobertas, nas reflexões do
iluminismo, e encontrou um grande eco nos diferentes processos de colonização que a Europa legou ao
mundo, nos saques e espoliações deflagrados entre vencedores e vencidos, e na apropriação dos bens culturais
pelos grupos sociais favorecidos, em relação ao acesso à educação e recursos econômicos.

Dessa forma, foram construídos grandes impérios de cultura material, de objetos e signos, que representam
os diferentes olhares em relação ao meio ambiente e à produção cultural das sociedades. Se por um lado, as
coleções e acervos evidenciam o olhar da posse sobre os bens culturais, por outro, despertam o olhar da
investigação científica e apreciação artística. Até os dias de hoje, os museus apresentam esse universo
multifacetado, repleto de contradições e exposto constantemente a novos desafios.

Esse manancial de sentidos e significados apoiou-se, desde sempre, em uma prática preservacionista,
desdobrada em ações de conservação, catalogação, organização e proteção das referências culturais. Assim,
os museus têm servido de cenário para o surgimento e desenvolvimento de inúmeras áreas científicas.

E possível afirmar que, a partir do final do século XVIII, com a consolidação desse modelo de instituição
preservacionista, o grande paradigma para os museus girou em tomo das idéias de salvaguarda. A obtenção
de informação a partir da evidência material da cultura e dos espécimes da natureza, concentrou, durante
muito tempo, todas as atenções daqueles que se envolveram com os museus. As preocupações com a

45
I

conservação dos bens artísticos ou com os procedimentos curatorias em relação às coleções científicas, não
só estão na base de muitos ramos do conhecimento, mas, sobretudo, representam o embrião das profissões
museais. Dessa forma, o estudo, a conservação, a documentação e a guarda, passaram a ser facetas inseparáveis
do contexto institucional e, foi assim, que os museus se afirmaram ao longo do século XIX.

A partir dessa plataforma de atuação, essas instituições ocuparam grandes edifícios, implementaram diferentes
métodos de trabalho para proceder à cura e tratamento das coleções e, naturalmente, sobreviveram em função
da aplicação de enormes somas de dinheiro e grande esforço de inúmeras gerações de profissionais.

A lenta e gradual transformação que esse tipo de instituição vem sofrendo, ao longo deste século, está,
inexoravelmente, subordinada às próprias mudanças de compreensão das sociedades em relação aos seus
fenômenos culturais. Os processos de industrialização, urbanização e democratização da educação, que deram
um novo perfil à prática cultural, são responsáveis pelo surgimento de novos paradigmas para os museus.

Às antigas responsabilidades de salvaguarda, somaram-se outras necessidades que têm levado essas
instituições a assumirem compromissos com a comunicação patrimonial. Esse novo paradigma vem se
expressando por meio das exposições e ação educativo-cultural.

Dessa forma, os museus contemporâneos tentam manter o equilíbrio entre essas duas facetas de sua atuação.
Por um lado, os compromissos com a salvaguarda, que têm sua origem entrelaçada com a idéia de posse,
exigem uma atuação interiorizada em laboratórios e centros de documentação e por outro, as responsabilidades
com a comunicação impõem uma atuação de extroversão, um corpo-a-corpo com o público e uma convivência
cotidiana com diferentes segmentos da sociedade.

Esboça-se, nesse sentido, um terceiro paradigma para os profissionais dos museus, ou seja: conciliar os
evidentes sintomas de contradição entre a salvaguarda e a comunicação. Em tal processo de conciliação,
quando as especificidades de cada área são preservadas, relacionado a questões de forma, conteúdo e função
das instituições museológicas, encontra-se o principal desafio das ultimas décadas.

Para tanto, os museus tiveram que encontrar um caminho próprio para contribuir com a educação, e estabelecer
novos parâmetros para a preservação das referências patrimoniais que ainda não constavam de suas coleções
e acervos, implementar processos expositivos argumentativos, atuar fora de seus muros e, ao mesmo tempo,
dominar aspectos específicos da conservação dos objetos. Esses são apenas alguns dos problemas que invadem
o cotidiano dessas instituições.

Apesar do grande esforço, muitos museus estão longe da consciência do equilíbrio entre o cuidado com os
acervos e a atenção com as expectativas das sociedades. Entretanto, novos desafios já impulsionam o destino
dos processos museológicos. Nos dias de hoje, discutem-se com certa ênfase, os problemas ligados à inserção
das novas tecnologias, a necessidade dos projetos de marketing para os museus, a descentralização dos
acervos, entre tantos outros temas que colocam os dilemas da globalização, também, no âmbito das reservas
técnicas e salas de exposições.

Nesse sentido, a visualização e a decodificação de novos paradigmas para museus representam, conhecimento
do passado das instituições e a decifração dos caminhos específicos que sustentaram a constituição de cada
museu, como também, o estabelecimento de planos de salvaguarda e comunicação, em estreita sintonia com
a natureza do acervo e perfil da sociedade fruidora desse acervo.

Para tanto, é possível considerar que a atuação de qualquer instituição museológica deve levar em consideração
a implantação de três vetores de trabalhos técnicos-científicos, interdisciplinares e multiprofissionais.

O primeiro deles é o planejamento institucional, que será responsável pela realização de diagnósticos, planos
estratégicos e, definições de metas, além da captação de recursos financeiros, reciclagem e treinamento dos
recursos humanos, avaliação e acompanhamento dos programas e projetos.

A partir desse vetor, que tem caráter estruturador, outros dois vetores surgem como facetas de uma mesma
lógica institucional. Por um lado, destaca-se o gerenciamento da informação e, por outro, a comunicação

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museológica. Ambos estão apoiados na idéia de que os objetos (coleções e acervos) são suportes de infor­
mação, passíveis de salvaguarda e comunicação, no âmbito dos processos curatoriais.

Os Museus Universitários e o Processo Curatorial

Os museus universitários são instituições científicas com responsabilidades culturais e sociais, junto às
sociedades que lhes proporcionam apoio financeiro, matéria-prima para o trabalho e, sobretudo, desafios
constantes.

Esses museus nem sempre nasceram no âmbito do universo acadêmico. Algumas vezes as universidades
receberam instituições completas, em outras, os próprios departamentos de ensino e institutos geraram
processos museológicos e, muitas vezes, as instituições universitárias receberam, como herança, algumas
coleções que impulsionaram o surgimento de museus.

E difícil delinear o perfil do museu universitário brasileiro. Os exemplos demonstram um universo multifa-
cetado, com formas e conteúdos diferentes e os mais distintos perfis de organização técnico-científica.
Alguns, foram criados há mais de cem anos e passaram para a égide das universidades há mais de três
décadas, outros estão surgindo neste ano. Evidenciam, também, diferenciados patamares no que se refere ao
número de funcionários e capacidade para o trabalho interdisciplinar.

Dispersos de norte a sul do País, localizados nas capitais ou nas cidades do interior, abrigados nos campi
universitários ou localizados nos centros urbanos, os mais de 100 museus dessa natureza têm sob sua respon­
sabilidade, desde questões de abrangência universal e nacional, até aspectos do microcosmo de uma área de
conhecimento, passando por problemas regionais e impasses científicos.

Os paradigmas que têm surgido para o universo das instituições museológicas têm, da mesma forma, atravessado
a trajetória dos museus universitários. Se, hoje, a salvaguarda e a comunicação das referências patrimoniais e
acervos representam o horizonte de conquistas e desafios museológicos, para os museus que são universitários,
essas atividades técnicas e científicas devem servir de base para o ensino, pesquisa e extensão.

O processo curatorial museológico, entendido como o ciclo das atividades de tratamento e extroversão dos
objetos e suas respectivas informações, deve ser visto, também, como a base do ensino, e como a especificidade
da pesquisa e das atividades de extensão.

Geralmente, destacamos a importância das universidades para os museus. Sublinhamos que a inserção nestas
instituições acadêmicas contribui para a estabilidade dos museus. Entretanto, esquecemos de destacar que o
museu também é muito importante para a universidade, pois tem a potencialidade para desenvolver, com
igual competência, as três funções já mencionadas.

Por isso, é importante reconhecer que diversas facetas das ciências e das artes, quando ensinadas a partir dos
museus, assumem uma outra perspectiva para a formação de terceiro grau. Da mesma forma, entende-se
que as coleções e acervos, enquanto suportes de informação, são fundamentais para o desenvolvimento de
pesquisas nas diferentes áreas de conhecimento. Mas, em especial, a extensão museológica pode representar
um privilégio para as universidades, no que diz respeito às potencialidades de difusão e incentivo à
participação, provenientes das exposições e ação educativo-cultural.

Apesar dessa efetiva reciprocidade, nem sempre os museus têm sido aceitos no âmbito da lógica acadêmica.
A inserção equivocada no organograma universitário, a ausência de instalações tecnicamente adequadas
para a implementação do processo curatorial, o não reconhecimento da produção científica relacionada
aos estudos provenientes dos museus, os impedimentos referentes à progressão das carreiras docentes e
técn icas, são apenas alguns sintom as que constrangem essas in stitu içõ e s em relação às suas
responsabilidades sociais e no universo da academia.

Entretanto, existem caminhos para que as experimentações museais universitárias possam colaborar,
efetivamente, para o desenvolvimento das universidades, desde que o processo curatorial não seja encarado
e avaliado como um conjunto de responsabilidades de categoria acadêmica de segunda ordem.

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Musealização e Difusão: Forma e Função da Comunicação Museológica a partir das Experiências do Para t
MAE/USP possil

O Museu de Arqueologia e Etnologia é fruto da fusão, ocorrida em 1989, dos setores de Arqueologia e Espei
Etnologia do Museu Paulista, do Instituto de Pré-História, do antigo Museu de Arqueologia e Etnologia e do proce
Acervo Plínio Ayrosa do Departamento de Antropologia da FFLCH.
Cons
Esse novo museu uspiano reúne, entretanto, quatro histórias institucionais que ultrapassam algumas décadas,
no que se refere às experiências curatorias, em relação às coleções arqueológicas e etnográficas da América Os no
(com ênfase para o Brasil) do Mediterrâneo e Médio Oriente e da África. que s
musei
Cabe salientar que na sua curta existência, o novo MAE assistiu ao não cumprimento de algumas promessas lados
vinculadas ao ato da fusão, como, por exemplo, a construção de um adequado edifício para a sua sede. Da
mesma maneira, e no âmbito dos problemas inerentes a uma instituição que teve de se organizar desde o É pos
ponto zero, seu corpo técnico-científico passou por diversas formas de organização. Entretanto, o mesmo seja p
grupo de profissionais não abandonou as suas responsabilidades de ensino, pesquisa e extensão. Com muito inserç
esforço conseguiu reunir as suas coleções, dispersas em diversos locais, estabeleceu a logística para organizar e tem
a Reserva Técnica para o acervo, redimensionou a documentação institucional e rearticulou a sua relação preoci
com o público, a partir da abertura da exposição de longa duração “Formas de Humanidade”. mente

Apesar das questões acima mencionadas, o MAE conta com um Organograma e Regimento aprovados que Sabe-
propõem a seguinte estrutura: por um lado, a Divisão Científica, desdobrada no Serviço Técnico de Curadoria, prome
é responsável pelas pesquisas básicas de Arqueologia e Etnologia e pelos laboratórios de pesquisa, conservação gradu
e restauro, e pelo núcleo de documentação; por outro lado, a Divisão de Difusão Cultural, desdobrada no e exte
Serviço Técnico de M usealização, tem o compromisso de estabelecer os experimentos expositivos e atribu
educativos. em re

É a partir dessa estrutura que o MAE está implementando o seu processo curatorial e organizando as suas Há, se
esferas de ensino, pesquisa e extensão. tanto

A seguir, serão enfocadas as propostas da Divisão de Difusão Cultural (DDC) e sua conivência com a idéia Biblii
de musealização do patrimônio sob a responsabilidade do MAE.
FERÍ
Esta divisão existe desde 1995 e sua equipe está trabalhando no sentido de implantar os sistemas de exposição S. A,
e ação educativa, específicos do Museu, a partir do desenvolvimento de seis programas voltados para a
constituição de um Banco de Dados, que preserve os elementos (documentos) constitutivos desses programas THO
e alimente o surgimento de novas hipóteses de trabalho. de mi

Pretende-se, com essa proposta de atuação, que a DDC contribua para a implementação do processo curatorial
institucional, assumindo as responsabilidades comunicacionais.

Nesse sentido, entende-se que a partir de três linhas de pesquisa aplicada (Expografia, Educação Patrimonial e
Avaliação), os estudos que já estão em desenvolvimento poderão consolidai', progressivamente, o desenvolvimento
dos projetos e, dessa forma, delineai- o perfil de um processo de musealização específico ao MAE/USP.

Nos últimos anos, a preocupação básica esteve voltada para duas linhas de ação. Em um primeiro momento,
a construção das hipóteses de trabalho, específicas para esta área, ocupou grande parte do tempo da equipe
técnico-científica. Em seguida, a atenção voltou-se para a proposição e implementação de uma estrutura
organizacional que articulasse projetos, programas e sistemas.

A elaboração de um Plano Diretor Interno e o encaminhamento de subsídios para o Plano Diretor do MAE,
têm garantido a consolidação desta primeira fase operacional.

Agora, a preocupação está dirigida para as formas de aproximação entre as especificidades desse processo
de musealização e as características inerentes à edificação de uma área técnico-científica, comprometida
com a difusão do conhecimento produzido pelo Museu de Arqueologia e Etnologia.

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Para tanto, a DDC tem considerado que a sua proposta d &difusão científica, com características museológicas,
possibilita a circulação de formas simbólicas e, portanto, a transmissão cultural (Thompson, 1995).

Espera-se, dessa maneira, ampliar a número de interlocutores e potencializar o alcance das propostas do
processo de musealização.

Considerações Finais

Os novos paradigmas têm sido sistematicamente decodificados pelos museus em geral e, também, por aqueles
que são universitários. As alterações de forma e conteúdo, a extrapolação das paredes dos edifícios dos
museus, a identificação das diferentes expectativas do público, entre tantos outros desafios, já foram assimi­
lados pelos profissionais dessas instituições.

É possível considerar que a Universidade de São Paulo tenha investido, nos últimos anos, em seus museus,
seja pela contratação de pessoal especializado e, regulamentação de suas unidades museológicas, seja, pela
inserção dos temas vinculados ao processo curatorial, no âmbito de suas discussões relevantes, com espaço
e tempo previamente agendados. Todavia, é possível diagnosticar, ainda, uma lamentável ausência de
preocupação com a consolidação e crescimento dos acervos museológicos, fruto, talvez, do não reconheci­
mento das responsabilidades uspianas, em relação à preservação patrimonial em seu sentido mais amplo.

Sabe-se que a USP pode fazer muito mais por seus museus ou por outras instituições congêneres, a partir da
promoção dos seguintes segmentos: a) criação e/ou desenvolvimento de cursos de especialização e pós-
graduação vinculados ao processo curatorial; b) valorização das distintas possibilidades de ensino, pesquisa
e extensão relacionadas ao processo curatorial; c) redefinição, visando a uma ampliação da composição e
atribuições, do Conselho da Coordenação dos Museus, com o objetivo de dotá-lo de maior representatividade
em relação ao quadro técnico-científico dessas instituições.

Há, sem dúvida, uma rede de possibilidades e desafios para os museus universitários, cuja trama traz benefícios
tanto para os museus, quanto para as universidades.

Bibliografia citada

FERNANDEZ, L. A. - Museologici - Introducción a la Teoria y Prática dei Museo. Madri, Ediciones Istimo
S. A, Fundamentos Maior, (1993).

THOMPSON, J. B. - Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação
cie massa. Petrópolis, Vozes, (1995).
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS COLEÇÕES: PROBLEMAS E DESAFIOS
O CASO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Gabriela Suzana Wilder


Museu de Arte Contemporânea/U SP

Apresentação

“Coletar hoje para o amanhã” foi a proposta central do Dia Internacional do Museu em 1996, ano em que o
Icom festejava 50 anos de sua fundação.1 Quais os problemas e desafios que essa proposta coloca para os
curadores dos nossos museus?

A coleção de um museu é a espinha dorsal em torno da qual se executam todas as clássicas funções
museológicas. Por outro lado a natureza dessa coleção determina a vocação da instituição e os problemas
que envolvem o seu desenvolvimento.2

A análise do histórico da formação da coleção, o cerne em torno do qual se reuniu esse conjunto específico
de itens, nos permite entender a sua lógica e a história dos projetos e diretrizes que motivaram o seu
desenvolvimento e nos ajudam a compreender, não apenas suas falhas ou lacunas mas, principalmente, suas
qualidades e possibilidades de trabalho.

Nesse final de milênio o grande problema e desafio que se coloca para essa instituição que se propõe
trabalhar, fundamentalmente, com a memória, é, apesar de não se ter certeza do que será fundamental
para as futuras gerações, estabelecer diretrizes seletivas determinantes de novas “coletas”3, e adotar,
como hipótese de trabalho, a reunião do maior número de informações possíveis relativas a sua área de
conhecimento.4

O Museu Universitário

Nesse contexto, as possibilidades e a responsabilidade de um museu universitário são grandes. A pesquisa


fundamentada no saber acadêmico e focada em áreas específicas da coleção certamente permitirão uma
projeção mais segura de escolhas a serem feitas no estabelecimento da política geral do museu, na determinação
de um enfoque para novas “coletas”, quer de objetos quer de informações.

O museu universitário é privilegiado em relação aos museus em geral, pois conta com peritos especialistas
em constante aperfeiçoamento pela própria dinâmica da vida acadêmica.

O Caso do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo

Para um museu que trás em sua denominação as palavras “arte contemporânea”5 aliadas à indicação “da
Universidade de São Paulo”, a discussão em pauta carrega um peso de importância inquestionável. O conjunto
de obras que hoje constitui o patrimônio do MAC-USP jamais poderá se cristalizar, ou seja, sobreviver
apenas de operações de pesquisa, catalogação, conservação, divulgação e exposição, bem como docência.
Se para todos os museus é impossível que se conceba sua vida sem uma política de coleta ou de aquisições,
segundo os profissionais de museus que se pronunciaram por ocasião da publicação do acima mencionado
boletim, no caso do MAC-USP essa política é capital.

A leitura de pesquisas sobre a origem e desenvolvimento do acérvo do MAC-USP6 e estudos posteriores nos
indicam a sua vocação e suas ricas possibilidades de trabalho. Interessante sublinhar que a formação da
coleção, antes de ser doada à Universidade, foi concebida desde o princípio com o objetivo de constituir um
museu de arte moderna. Não cabe aqui fazer um levantamento e análise das diferentes estratégias e
oportunidades determinantes no desenvolvimento desse acervo. Aqui, como proposta de trabalho, nos
debruçaremos sobre a origem dos acréscimos do acervo nos últimos cinco anos, com o objetivo de um breve
diagnóstico e levantamento de sugestões para o futuro.

51
Dados atuais

Nesse universo que conta com cerca de 605 obras, 66% foram doadas ao MAC pelos próprios artistas e 25%
por terceiros (associações, particulares e outros), 0,3% foram adquiridos através da Associação dos Amigos
do MAC. 8% desse conjunto está em comodato por 20 anos oferecido por um marchand e 0,7% são comodatos
firmados com os próprios artistas. Nesse mesmo conjunto, 72% são obras sobre papel7, 6% são fotografias,
13% são tridimensionais e 9% são sobre tela.

Naturalmente o que essas frias estatísticas fazem supor é que o MAC-USP estaria a mercê da boa vontade de
doadores e, portanto, sujeito à pressões de interesses alheios aos de uma política de coleta definida. Entretanto,
isso não é verdadeiro para a maioria dos casos pois existe, por trás da indicação “Doação do artista” um
projeto de atualização do acervo, traduzido pela prática dos especialistas do museu solicitarem essas doações.
Por outro lado, oferecimentos espontâneos são analisados pelos mesmos especialistas e submetidos ao crivo
da Diretoria e do seu Conselho, sem cujo aval uma obra não passa a fazer parte do acervo. O comodato é
uma prática aceitável apenas em ocasiões especiais para o suprimento significativo de lacunas8. O grande
número de obras em papel em relação ao de telas e tridimensionais sem dúvida é computável ao custo
relativamente baixo deste suporte e pelo fato de gravuras não serem obras únicas. Na prática, apesar do
espaço necessário a seu armazenamento ser pequeno e relativamente de baixo custo, sua conservação e
exposição exigem grandes e muitas vezes dispendiosos cuidados.

Problemas, Desafios e Propostas

O grande problema e o grande desafio que se colocam para um desenvolvimento adequado do acervo do
MAC-USP, são, pois, o de mantê-lo contemporâneo, pelo estabelecimento de uma política de aquisições
limitada e bem definida, acompanhada de estratégias para o levantamento de meios financeiros que permitam
a realização da função museológica básica em discussão, que é a “coleta”.

O que se entende por “coleta” para o MAC-USP em comparação com um museu de zoologia por exemplo?
No presente caso “coleta” tem um significado muito particular. Inicialmente, e não necessariamente nessa
ordem, pesquisa de campo aqui é a atualização constante do conhecimento do que há de mais significativo
na produção artística contemporânea. É justamente nessa área que se situa a grande responsabilidade de um
museu universitário, ou seja, na da prospeção e acompanhamento, na análise e na crítica do fazer das diferentes
vertentes e linguagens. Dentro das clássicas funções dos museus de seletores, preservadores, pesquisadores
e divulgadores da memória coletiva, cabe aos curadores de um museu de arte contemporânea a responsa­
bilidade de localizar tendências, identificar os artistas seminais e organizar exposições essencialmente
didáticas de suas obras. Concomitantemente, cabe a esses especialistas orientar a atualização da coleção de
modo acadêmico e também museologicamente9 seletivo. No nosso entender, coleta para o MAC-USP signi­
fica visitas constantes aos ateliês de artistas e o acompanhamento de sua produção, a galerias de arte e
museus, bienais, grande coletivas e salões regionais ou nacionais, isso tudo aliado ao acompanhamento da
imprensa especializada nacional e internacional.

Em momento algum da história do homem a criação artística esteve tão original, diversificada, difundida,
incentivada e numerosa. Coleta em arte contemporânea nesse sentido também impõe a necessidade de escolhas
abalizadas. No enorme mosaico que é a produção artística de nossos dias, no qual a diversidade é a tônica,
a coleta indiscriminada de obras é uma impossibilidade. A reunião, através dos meios informatizados, da
mais universal possível documentação sobre a produção artística de nosso século é uma saída. A substituição
do original pelo virtual em um museu, entretanto, só pode ser aceita para fins de conhecimento. Preservar,
por intermédio desses meios significa também, coletai' não só documento e imagens digitalizadas, mas, no
caso do MAC-USP, a memória de instalações, performances e exposições multidisciplinares e multimídias.
Porém é responsabilidade do museu nunca permitir que as imensas possibilidades oferecidas pelas diferentes
tecnologias e pela Internet substituam a experiência do contato direto entre a obra original e o espectador10.

A importância na determinação de uma política muito bem fundamentada e focada de aquisições é vital não
só para a elaboração de projetos como na orientação de decisões para propostas de doações. O desafio da
ausência de verbas para aquisições poderá ser enfrentado através da elaboração de projetos de pesquisa
submetidos a agências financiadoras como o CNPq e Fapesp, Fundação Vitae e leis de incentivo fiscal que
agreguem a seus orçamentos o item específico “aquisição de obras”. Atualmente o MAC-USP se defronta

52
com o desafio da falta de verbas elaborando e executando projetos que englobam prospeção e análise,
exposições e publicações, além de ações culturais de extensão e divulgação. Infelizmente, até o momento,
falta o passo final, o da inclusão de propostas de aquisição.

A própria história do MAC-USP está repleta de sugestões e exemplos de projeto que, em seu bojo, contém
a proposta de manter o seu acervo atualizado. A doação do artista deveria ser evitada ao máximo, respeitando-
se o profissional que o artista é.

Conclusão

Acreditamos, pois, que o maior desafio para um desenvolvimento adequado do acervo de obras de arte do
MAC USP seja o da elaboração de um projeto bem definido e focado em algumas vertentes específicas da
produção artística contemporânea, que contenham em si a energia dos novos direcionamentos e tendências
da arte de hoje. Esse projeto11, bem fundamentado e objetivo, dará a qualquer Conselho Deliberativo segurança
i
na aprovação de projetos de pesquisa e na seleção de novas aquisições tanto de compras como de doações.

Acreditamos que a função de um curador de um museu de arte contemporânea de uma universidade seja a
elaboração de projetos especiais de pesquisa que não apenas apontem artistas seminais do presente e indiquem
suas obras mais importantes, mas completem essas pesquisas com exposições demonstrativas dessas
tendências, catálogos críticos e ações culturais. Porém, desde o projeto inicial, acrescentem aos orçamentos
verbas especiais para a aquisição de algumas das obras selecionadas para a mostra.

Nunca se produziu tanto e em tantos suportes diferentes e sempre serão necessárias escolhas. Daí a importância
vital de se estabelecer algumas linhas ou vertentes de interesse particular do museu, ter-se a clara consciência
do que se está deixando de fora e cobrir essas lacunas por outros mecanismos como a documentação virtual
e exposições temporárias.

Nenhum museu pode ficar a mercê da boa vontade dos artistas ou de interesses do mercado. O MAC-USP,
assim como todos os museus em geral, precisa orientar o desenvolvimento de sua coleção baseando-se em
pesquisa científica. Escolhas precisam ser feitas e devem ser assumidas por especialistas fundamentados em
pesquisas constantes e sempre divulgadas por meio de cursos e exposições, catálogos, publicações e discutidas
e aprofundadas em painéis e seminários.

(1) BOLETIM DO CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS. Notícias dei Icom. Edição especial dedicada ao tema “Coletar
hoje para o amanhã”. Vol. 49, n. 2, 1996.
(2) No seu Artigo 2, #1 dos Estatutos do Icom, museu é definido como “uma instituição sem fins lucrativos, permanente, a serviço
da sociedade e de seu desenvolvimento, e aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, divulga e expõe, para fins de estudo,
educação e divertimento, testemunhos materiais do povo e seu meio ambiente”.
(3) Na medida em que, para a maioria dos museus, é impossível um total domínio do material de sua área de especialização.
(4) O apoio de todos os meios da informática é vital nesse sentido.
(5) Talvez coubesse aqui uma discussão sobre o significado de “Arte Contemporânea”, considerando-se diferentes teorias relacionadas
a conceitos históricos e estéticos.
(6) AMARAL, Aracy (org.). Peifil de wn acervo. São Paulo, MAC-USR 1988. Ver também O Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo, São Paulo, Banco Safra, 1990.
(7) Alguns artistas doaram conjuntos numerosos de obras sobre papel.
(8) Como, por exemplo, por ocasião da exposição de inauguração da nova sede do museu, ou para preencher lacunas graves. O
contrato de comodato por 20 anos realizado entre o marchand Marco Antônio Vilaça e o MAC-USP, em 1992, supre falhas no
acervo relativas às décadas de 80/90, para cuja aquisição não existem verbas. Porém não podem ser desprezados os altos custos de
espaço de armazenagem em reservas técnicas equipadas, bem como os de conservação adequada na análise de propostas desse
gênero.
(9) Museologicamente empregado aqui no sentido de considerar as condições de conservação e armazenamento das obras.
(10) A não ser, é claro, que o suporte adotado pelo artista seja tecnológico.
(11) A ser revisto periodicamente,
(12) Sempre haverá lacunas que, por ocasião de exposições especiais poderão ser supridas pela prática, firmemente estabelecida na
atualidade de empréstimos temporários.

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EM BUSCA DO “CONTEMPORÂNEO” NO MUSEU
O DESAFIO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA USP

Cristina Freire
Museu de Arte Contemporânea/USP

Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo foi o nome sugerido pelo ilustre historiador
Sergio Buarque de Hollanda, na decisiva reunião em abril de 1963.

Parece sugestivo analisar a relação das atividades de curadoria, à luz dessa passagem do batismo de nosso
Museu.

Isso porque a tarefa que se apresenta para um museu de arte contemporânea, parece ter, originariamente,
uma natureza contraditória. Tal antagonismo já se anuncia no seu nome, que reúne termos, aparentemente,
tão díspares como “museu ” e “contemporâneo ”, no caso, “arte contemporânea

Considerando as particularidades de um museu universitário, de arte contemporânea, refletir sobre curadoria


envolve, necessariamente, a inserção das questões que essa prática suscita dentro de uma rede de relações
mais ampla.

Esboçamos, a seguir, algumas considerações acerca das atividades de curadoria, tal como sugeridas pelo
Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, a saber: “ciclo completo de atividades relativas ao acervo,
compreendendo a execução e/ou orientação científica das seguintes tarefas: a) formação e desenvolvimento
das coleções; b) conservação física das coleções; c) estudo e documentação; d) comunicação e informação”.

A formação e desenvolvimento das coleções, primeira tarefa sugerida na definição citada, no contexto dos
museus de arte contemporânea, e mais especialmente no caso do MAC-USP, envolve uma reflexão sobre o
problema da atualização da coleção, que é ampla e remete a uma política de aquisições de obras por meio de
verbas (sempre escassas ou inexistentes) destinadas à compra de trabalhos para preencher lacunas do acervo.
A aquisição de obras faz parte da tarefa de atualização de uma coleção e, sem dúvida, o museu deve lutar
para ter recursos próprios e com prar obras, realizando suas próprias escolhas, somada à bem-vinda
benevolência dos doadores. Entretanto, além da aquisição de novas obras, e numa perspectiva crítica, manter
a contemporaneidade de um acervo implica, preponderantemente, a renovação de idéias e conceitos.

Num tempo em que museus de arte modema são inaugurados em profusão no mundo inteiro, e novas alas
são anexadas a museus já existentes para abrigar uma coleção sempre crescente, é urgente refletir, em
profundidade, sobre o que significa, manter uma coleção contemporânea.

Manter uma coleção contemporânea não significa, pois, unicamente, adquirir novas obras, processo infindável,
fadado ao fracasso pela sua própria natureza infinita.

A meu ver, manter uma coleção contemporânea, questão fundamental para um museu de arte contemporânea,
passa pela resistência de congelar o presente, mesmo dentro do museu, onde tal operação parece inviável.

Tal esforço envolve a integração e contextualização de trabalhos de artistas vivos dentro de um conjunto
dinâmico de referentes individuais e sociais, pertinentes à ampla questão da visualidade contemporânea.
Envolve instigar questões mais do que reiterai- dados.

A segunda tarefa, conservação física das coleções, também sugere uma visada crítica, em se tratando de
coleções de arte contemporânea. A fragilidade dos meios com que os artistas vem trabalhando, especialmente
nas últimas três ou quatro décadas, sugere que os museus de arte moderna e contemporânea devem também
incorporar em sua praxe tal dinâmica.

Philip Fisher1, ao estudar a relação da arte modema americana com a cultura de museus observa que: “tanto
mais os objetos se tornaram de vida mais curta e voltaram-se para toda uma série de invenções e experi­
mentações, que produziram, como efeito colateral, a obsolescência desses objetos; o museu, num movimento

55
contrário, tornou-se, então, mais preparado para a preservação, ou seja, manter peças determinadas num
estado de não deterioração ou alteração” (Fisher, 1991, p. 14). Mais uma vez a contradição se manifesta entre
os termos “museu “ e “contemporâneo”.

Nessa perspectiva, a terceira tarefa, o estudo e documentação, deve também avaliar criticamente suas
premissas. Nesse sentido, o privilégio dado aos meios clássicos como pintura, gravura, desenho, escultura
devem ser reconsiderados num museu de arte contemporânea. O alargamento dos sentidos de tais termos
devem ser analisados à luz das poéticas contemporâneas. Dessa maneira tal ampliação merece maior reflexão.
o
Por exemplo, em seu livro “Passages in M odem Sculpture”, Rosalind Krauss observa as alterações de
sentido do termo “escultura” no último século. Tal termo não designa mais, como outrora, o trabalho
artesanal do artista, mas, preponderantemente, designa a elaboração material de uma idéia. Pilhas de TVs,
troncos de madeira bruta, o corpo de uma vaca ou um cordeiro dentro de um recipiente de vidro, gaiolas
empilhadas, também passam a ser chamados escultura.

Vale notar que tal ampliação semântica sugere o desenvolvimento de novas formas de documentar, catalogar,
preservar e expor tais obras.

O estudo da coleção, por sua vez, deve também considerar a obra como ponto de encontro de múltiplas
abordagens. Na encruzilhada dos processos de produção e recepção estéticas o estudo de uma obra ou
coleção remete a diferentes teorias.

É sabido que esse discurso hegemônico na arte vem sendo tensionado a partir da década de 60, e abordagens
em diversas áreas, como a antropologia, psicanálise, a sociologia, assim como as teorias da informação, cultura
e linguagem, vêm sendo incorporadas ao estudo do fenômeno artístico, ampliando o seu campo.

Apesar de tais abordagens críticas serem significativas nos círculos acadêmicos, elas não têm, de uma maneira
geral, como observa Carol Duncan (1995)3 influenciado as exposições organizadas em museus universitários.

Paia a autora, existe uma explicação para que isso ocorra, uma vez que “os museus de arte públicos são
instituições mediadoras, situados entre as comunidades críticas e acadêmicas, de um lado, e, de outro lado, os
conselhos, o público visitante e autoridades oficiais, que de maneira geral, esperam que o museu confirme suas
próprias idéias sobre arte. A maioria dos museus e seus curadores estão no meio desse fogo cruzado. Por um
lado, compartilham o teor das discussões presentes nos círculos acadêmicos, mas, por outro lado, como são
funcionários de uma instituição pública ligada ao governo, trabalham sob a pressão de manter o conhecido em
termos de idéias sobre arte e sobre a própria instituição além de também ter que preservar a memória de seus
valores e crenças mais universais. Portanto, especialmente no que tange as coleções permanentes, os museus
tendem a reafirmar noções amplamente difundidas e aceitas de arte e história da arte. Com exceção de poucos
museus públicos de arte, isso se traduz hoje em narrativas conservadoras” (Duncan, 1995, p .103).

Nesse ponto intermediário entre a repetição e a criação, o museu universitário ocupa, ainda, a meu ver, um
lugar privilegiado, pois incorpora a pesquisa em seu programa.

O comprometimento com a pesquisa supõe, então, uma revisão de certos procedimentos e práticas. A incorpo­
ração de outros referenciais passa a ser cada vez mais fundamental para a compreensão da obra contemporânea.

Assim, especialmente em museus universitários, todas as áreas de pesquisa das ciências humanas às exatas,
devem ser entendidas como o contexto, o background, no qual os artistas estão criando. E a colaboração da
arte com outros campos de conhecimento não é nova ou desconhecida.

Para citar alguns exemplos, poderíamos relembrar as experiências de Waldemar Cordeiro na década de 60
envolvendo arte e tecnologia, Lygia Clark e seus projetos imersos em questões da psicologia, a relação de
Hélio Oiticica com o acervo da cultura afro-brasileira popular e assim por diante.

Assim, o desafio que se apresenta ao pesquisador de arte envolve não a “decifração” da obra, mas a
criação de novas metodologias de análise que possam acompanhar as mudanças nos significados dos

56
projetos, conceitos e objetos que chamamos de arte contemporânea, juntam ente com as instituições que
os legitimam. Isso porque frente a uma obra de arte contemporânea o parecer do crítico, aquele que tem o
bom olho capaz de reconhecer um valor intrínseco, escondido na peça, não parece ser suficiente. Pela
interrogação constante, novos instrum entos de análise podem ser desenvolvidos de m aneira que
compreendam os artistas e suas poéticas sempre inseridos no “espírito do tempo” (zeitgeist)que os tornou
possível.

Sobre a quarta tarefa, comunicação e informação, temos que o processo de comunicação instaurado no
museu tem como ponto articulador o encontro do público com os objetos, as obras, no caso do museu de
arte. Dessa maneira, o que resulta não são apenas informações cognitivas. Se assim fosse, um texto escrito
na página de um livro seria mais eficaz, talvez, para cumprir tal tarefa.

Considero que a observação atenta do comportamento dos visitantes no museu é também bastante reveladora
para alimentar o trabalho dos seus curadores.

Nesse sentido, certo dia, lendo o livro de visitação do MAC-USP, encontrei a seguinte inscrição: “O primeiro
Kandinsky a gente nunca esquece”.

À prim eira vista, pareceu apenas mais um recado, em tom engraçadinho, entre muitos tantos escritos,
nesses livros. Afinal os lugares de encontro e troca social são cada vez mais rarefeitos, e o museu, também,
através dos seus livros de visitação, ocupa , embora timidamente, esse lugar. Depois, refletindo melhor
sobre essa associação entre uma “obra-prim a” de nosso acervo com úm out-door de anúncio que deixou
marcas (quem não se lembra da frase sugerida?), ela me pareceu reveladora, pois trata-se de um exemplo
das dinâmicas de certa sensibilidade na qual estamos imersos, que modula a visão ao regulam entar a
imaginação. O acervo de imagens disponíveis a nós, quando vemos, sonhamos ou lembramos, está, em
grande parte, parece inegável, nas ruas da cidade.

Os que entram no museu, como esse visitante que se dispôs a deixai' o recado, operam, cotidiana e inevitavelmente,
com esse “repertório de imagens” através das quais, de maneira bem ampla, entenda-se bem, podem assimilar
o novo, compreender ou ignorai' o que encontram. Essas duas categorias - assimilar ou ignorai' - têm conseqüências
bastante profundas e implicam, no limite, a condição de ver ou não ver as coisas.

Esse repertório a que nos referimos é ditado, em grande parte, pela comunicação de massas, que não apenas
fornece as imagens a serem assimiladas dentro da média compreensível, mas também imputa um determinado
ritmo à observação.

Não é raro, ao observarmos os visitantes no espaço do museu, notarmos o tempo que gastam lendo as
etiquetas das obras em oposição ao curto período que se detêm sobre as mesmas. E também relativamente
rápido o período da visita. Sem dúvida, a lógica do museu representa, a princípio, um desafio para a sociedade
contemporânea, em que a profusão das imagens cega e a pedagogia da televisão e dos video-games impõem
a aceleração da visão. Tal pedagogia, que se traduz em certa forma de olhar, é carregada para o museu pelos
olhos irrequietos do público. As imagens “estáticas” das obras solicitariam a aceleração das figuras imaginá­
rias, as evocações da memória a “efabulação do espírito”.

Se concordamos que o museu, pelo contato direto com as obras originais, possibilita um conhecimento
(único) que articula as esferas cognitiva e emocional, toda a proposta pedagógica deveria partir dessa
duplicidade e envolver ambas as categorias, a intelectual e a afetiva, em seus projetos.

Além do mais, é bom lembrar que o debate do destino do Museu, como fórum ou como templo, perdeu sua
pertinência num mundo onde eles se proliferam e, muitas vezes, são comparados a shopping centers.

De qualquer maneira, e seja lá como for, no museu, a linguagem espaço-temporal é insubstituível. Ela compõe
a gramática mesma da existência das obras de arte como documentos de civilização. E desse princípio que
partem os fundamentos de organização do espaço no discurso visual da exposição. O vazio e o cheio, o
pequeno e o grande, a proximidade e a distância, as cores e luzes ganham um sentido ao se integrarem à
linguagem dos objetos. No museu, antes de mais nadá, é necessário introduzir o visitante nessa linguagem
convencionada do lugar.

57
Lembro-me da experiência, como monitora da Bienal, quando as crianças das escolas da periferia entravam
pela primeira vez no imponente edifício projetado porNiemeyer. Qualquer observação dos monitores sobre
as obras presentes ali pareceriam supérfluas, frente ao encantamento provocado pela grandiosidade do pré­
dio, experimentado em suas rampas, seus imensos e labirínticos corredores, além daquelas encantadoras
janelas de vidro de dimensões inimagináveis que aproximavam, em escala inédita, a cidade dos olhos. Em
outras palavras, o que dizemos é que as coisas estão em interação com seu meio, no espaço e no tempo, e
esses vetores definem a relação possível entre as pessoas e esses objetos.

Essa questão remete, ainda, aos problemas da percepção nos espaços saturados de informações e as suas
implicações para os visitantes contemporâneos, que se tomam acostumados à lógica do supermercado. Ali,
cada embalagem disputa com mais avidez a atenção dos consumidores entediados.

Em contraste a isso, o museu surge como uma instituição que guarda e expõe certos objetos, testemunhos de
uma história, numa sociedade que tenta apagá-la. Os objetos, especialmente nos museus históricos, apelam
às evocações da memória, à possibilidade quase perdida de narração, de resgate de experiências.

Qual seria a justa medida entre o convite às divagações na “casa das musas de infinita memória” e os
volteios pelos programados corredores dos supermercados?

São, de fato, dois pólos antitéticos que encontram na cidade pontos de contato. Aí, nos depararmos com uns
e outros, simultânea e condensadamente. Invariavelmente, os mecanismos de assimilação (entenda-se
aproximação) das obras expostas num museu, ou onde quer que seja, parecem passar por esse “filtro”, um
repertório básico, inevitável.

Sem dúvida, essa problemática extrapola os muros ou os jardins dos museus de arte. Diz respeito, principalmente,
à ampla questão da sensibilidade, da percepção e da memória, na cidade contemporânea, cujas relações devem
instigar novas pesquisas, tomando então o museu como ponto de observação privilegiado.

(1) FISHER, Philip - Making and Effacing Art: Modem American Art in a Culture ofM useums. New York, Oxford, 1991.
(2) Krauss, Rosalind - Passages in Modem Sculpture. Cambridge, MIT Press, 1989.
(3) DUNCAN, Carol - The Aesthetics o f Power. Essays in Criticai Art History. Cambridge, Cambridge University Press, 1993.

58
CURADORIA E CURADORES

Heloísa Barbuy
Museu Paulista/USP

Introdução

Como museóloga-pesquisadora de um museu de História, minha intenção é falar da curadoria numa


perspectiva histórica, contribuindo para a compreensão de um conceito que veio se alterando ao longo do
tempo e das razões pelas quais sua discussão está se colocando neste momento. Parece-me que as mudanças
no conceito de curadoria que nos alcançam mais diretamente estão ligadas às mudanças no próprio conceito
de museu que se deram a partir dos anos 1970. Mas antes de chegar a isto, gostaria de tratar, ainda que
ligeiramente, de alguns outros pontos.

A figura do curador

A idéia e a prática da curadoria são anteriores ao museu público. Já existiam em relação às coleções
particulares, que eram as dos reis, nobres e ricos comerciantes, que colocavam a seu serviço uma pessoa
para organizá-las e conservá-las (no caso de coleções de pintura, por exemplo, essa pessoa costumava ser
um pintor, que também realizava obras para integrar a coleção): era a figura do conservador, termo que se
difundiu e se mantém nos países de língua latina para designar os responsáveis por acervos, como na França
(conservateur) e na Itália (conservatore).

Hoje, embora as atividades de conservação propriamente dita, isto é, de manutenção física dos acervos e de
restauração venham sendo exercidas por profissionais cada vez mais especializados1, o termo continua a
prevalecer em vários museus brasileiros e estrangeiros para designar os responsáveis coordenadores pelos
trabalhos que envolvem acervos (ou pela organização de exposições), isto é, pela curadoria. Curador é o
termo aplicado em países como Estados Unidos, Inglaterra (curator) e Alemanha (kurator).

Embora o termo varie de país para país, a idéia de responsáveis por determinados núcleos de acervo e,
sobretudo, pelo direcionamento de coletas, pesquisas e exposições envolvendo esses acervos, está totalmente
em vigor. Resta compreender, então, o que define esta responsabilidade. E isto se associa, exatamente, às
propostas científicas de cada museu, mesmo nos museus não-universitários. E as propostas científicas de
um museu, por sua vez, são definidas em função da disciplina ou das disciplinas básicas às quais ele se
dedica. Parece-me, assim, que o curador é ou deve ser, preferencialmente, um especialista na disciplina ou
em uma das disciplinas de base do museu.

Nem sempre, entretanto, a formação de um pesquisador é suficiente para o exercício da função de curador
dentro de um museu e torna-se desejável, então, uma formação complementar nesse sentido.

Interdisciplinaridade

O museu disciplinai-, isto é, aquele museu dedicado a esta ou àquela disciplina ou área de conhecimento, é
um modelo já cristalizado, clássico, por assim dizer. Na própria Universidade de São Paulo, este ainda é o
modelo em vigor, à medida que temos um museu de história, um museu de ciências da natureza, um museu
de arte e um museu de arqueologia e etnologia.

Desde a década de 1970, no mundo todo, muito se difundiu a idéia de museus interdisciplinares e eles de
fato são cada vez mais freqüentes, trazendo resultados interessantes. A referência mais forte que nos chegou
a respeito foram as idéias desenvolvidas no seio do Icom (Conselho Internacional de Museus, Unesco),
sobretudo pelo francês Georges Henri Rivière, fundador e primeiro presidente daquela organização. Ocorre,
porém, que, entre nós, a noção de interdisciplinaridade tem sido interpretada como a interação entre as
diversas áreas de atividades do museu, isto é, pesquisa, documentação de acervos, conservação/restauração,
museografia e comunicação visual e, trabalhos educativos. Isso corresponde a um sistema de funcionamento,
mas não era a isso, na verdade, que se referia Rivière quando falava em interdisciplinaridade . Entendo que
o que ele pregou - e realizou em vários museus - foi uma confluência entre diferentes disciplinas para

59
melhor compreender certas realidades culturais e, com isto, conceber e organizar museus. Assim, para a
concepção de vários de seus projetos, como o Museu Nacional de Artes e Tradições Populares, de Paris, e
vários museus regionais franceses e estrangeiros, fez confluir a história, a etnologia (antropologia), a
arqueologia e também a geografia, a sociologia, etc.3 (cf. Barbuy 1995a).

Quero dizer, em suma, que considero muito restrita a noção de interdisciplinaridade concebida apenas como
interação entre áreas de atividades técnicas do museu. E penso que essa noção funcionalista está permeando
a própria noção de curadoria como “ciclo de atividades e série de tarefas”, sem que se associem essas tarefas
aos objetivos principais de cada museu. E me parece que esses objetivos, por sua vez, não podem estar
dissociados da própria idéia de disciplina ou de áreas de conhecimento. Em outras palavras, é preciso
estabelecer com muita clareza, antes de mais nada, quais são, em termos de conteúdo, os objetivos de um
museu. Isso pode parecer óbvio, mas, muito freqüentemente, ó que impede o bom planejamento das instituições
museológicas é a falta de uma definição clara nesse sentido (Côté 1991: 37).

Compreendo perfeitamente a necessidade de estabelecer modelos pragmáticos para o funcionamento das


instituições, e vejo, é claro, que a própria proposta deste seminário visa uma melhor organização e eficiência
dos museus da USP, o que é muito positivo. Entretanto, temo realmente que ingressemos pelos pobres
caminhos da tecnocracia e que nos esqueçamos de nossas metas principais. E, nesse sentido, o que mais me
causa estranheza são os modelos institucionais, como alguns que temos visto, que separam a área científica
da área de curadoria, julgando, esta última, uma área técnica, praticamente desvinculada da pesquisa (e quando
falo em pesquisa, neste caso, estou me referindo às disciplinas de base do museu). Esse é um modelo
perigoso, pois, em vez de redirecionar, cristaliza aquela situação já nossa conhecida, em que, de um lado, os
pesquisadores se isolam ou são isolados, pouco se interessando - ou pouco estimulados a se interessar - pelo
museu em si (pesquisadores como um “mal necessário”); e de outro lado, um grupo de “práticos” encarrega-
se de gerir o museu em seu dia-a-dia, sem qualquer verdadeira interação com as atividades científicas dá
instituição.

Essas questões se colocam hoje, aqui, simplesmente porque elas estão se colocando no mundo todo. Muitos
tipos novos de profissionais passaram a atuai' nos museus (Caillet, 1994; Franche, 1994; Audier, 1994). Há
toda uma gama de profissionais que ao se voltar para o trabalho em museus acaba criando novas
especializações: documentalistas, arquitetos, comunicadores visuais, educadores, animadores culturais e
também administradores passam a exercer, nos museus, funções cada vez mais específicas e especializadas.
Hoje, aquele antigo tipo de curador, que cuidava pessoalmente de todas as atividades da curadoria, tende a
desaparecer (o que cria, inclusive, um paradoxo na atual situação de enxugamento e de drásticos cortes de
pessoal e que não é, diga-se de passagem, exclusiva da USP e nem sequer do Brasil). Entretanto, essas
mudanças não se fazem sem problemas e é preciso estar alerta para não cair nos engodos que a chamada
modernização dos museus pode apresentar. Elisabeth Caillet (1994: 10), embora reconhecendo que a
segmentação profissional é já realidade e necessidade, alerta para o fato de que “toda segmentação profissional
apresenta um perigo de ‘tecnocratismo’, de ‘burocratismo’”. E acrescenta que essa segmentação é necessária
“não para dela extrairmos, de maneira mecanicista, uma aplicação hierárquica ou administrativa, mas para
melhor cercar as necessárias passagens entre as funções, as recuperações, as ‘praias’ comuns, só elas,
permitindo o trabalho coletivo e, portanto, o sucesso da tarefa global”.

Função científica versus função social?

Nas décadas de 1960/70, em pleno contexto dos movimentos estudantis, hippies e de contra-cultura, no
âmbito dos museus, fortaleceram-se correntes anti-elitistas, que defendiam a dessacralização dos museus e
sua aproximação das comunidades. Enfatizava-se a função social dos museus e, dentro dela, a função
educativa, no sentido, inclusive, de o museu atuar muito francamente como agente de desenvolvimento de
regiões pobres ou intermediárias4 . Essas correntes geraram os ecomuseus, os museus de identidade, os
museus de sociedade (a partir, é claro, de tendências e conformações já existentes) e, de um modo geral, os
movimentos que se reúnem sob o nome de Nova Museologia5 (cf. Barbuy, 1995a). Trouxeram uma grande
renovação à área e acarretaram grandes mudanças no perfil dos profissionais de museus em geral e dos
curadores em particular. Mas ao contrário do que muitos têm entendido, penso que os primeiros propositores
dessas novas linhas (entre eles George Henri Rivière) nunca imaginaram museus totalmente sem bases
científicas, como tantos que se criaram, aparentemente, sob sua inspiração. E penso que isso seja, no mínimo,

60
um equívoco e que um museu, na acepção mais completa do termo, jamais poderá prescindir da pesquisa
como base para todos os seus trabalhos sociais, educativos e culturais, sob pena de ser descaracterizado em
sua própria essência.

Faz-se necessário observar, no entanto, que ao utilizar o termo pesquisa, não estou me referindo exclusi­
vamente aos rigorosos padrões da pesquisa universitária mas também a todas as atividades de estudo e
levantamento de informações, voltadas para a ampliação ou sistematização do conhecimento a respeito de
dada questão, tema, universo. Obviamente não se poderia exigir que todo museu tivesse atividades de pesquisa
aprofundada ou avançada (isso, talvez, só cabendo esperar dos museus universitários) mas creio que se deva
lutar contra uma certa tendência que existe em alguns setores museológicos de tornar o museu um mero
centro de animação cultural em torno de “coisa alguma”, isto é, sem base no conhecimento.

Estou insistindo neste ponto pois penso que justamente as mudanças no próprio conceito de museu, naquilo
que se consideram suas funções principais, implicam mudanças no conceito de curadoria. E penso que a
importância, hoje indiscutível, que passou a ser dada à função social e educativa dos museus, tendeu a criar
uma falsa antinomia entre esta função e a de centro de pesquisas, entre o caráter democrático (não elitista)
e o caráter científico da instituição, sobretudo no caso dos museus universitários. E, ainda hoje, em muitos
casos, não se chegou à síntese necessária entre essas duas funções.

Mas, ao contrário do que parece, essa falsa e desnecessária mas persistente oposição entre a função científica
e a função social dos museus não é nada recente e, na verdade, nem foi detetada pela primeira vez nos anos
1960/70. Muito antes disso, no século XIX, já se manifestava, conforme podemos ver em alguns estudos
relativos a outros países. Por isso mesmo, será ainda preciso enfrentar a questão, examinando-a melhor para
podermos realmente superá-la.

Em países como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos, cujas culturas exerceram grande influência
entre nós, a questão dos museus, no século XIX, teve grande relevância e os debates que se deram, então,
certamente tiveram conseqüências sobre a formação de nossos primeiros museus. Com diferentes nomes e
conotações, as idéias de ciência e de educação permearam as ideologias e as práticas dos museus ao longo
de todo o século XIX. Por vezes antepondo-se uma à outra, por vezes associando-se, constituem, ainda hoje,
o eixo básico das instituições museológicas e, muito especialmente, dos museus universitários.

Na França, a partir da Revolução Francesa, difunde-se a noção de bens nacionais, que representava a queda
dos privilégios, dos bens da coroa e da Igreja, para instituir-se o bem público, apropriado pelo povo. Para as
obras de arte e as antigüidades^, depois de acalorados debates, cria-se um espaço neutro, sem significação
monárquica ou religiosa: o museu (Schaer, 1993:51). E isso só aconteceu depois que uma corrente de pensamento
liderada pelo abade Grégoire, empenhado em deter as destruições e alienações de certos bens, conseguiu fazer
prevalecer o argumento de que era preciso conservar todo e qualquer testemunho da história, mesmo que
contivesse emblemas reais ou eclesiásticos, para fim de instruir o povo sobre a história nacional. Assim, fica
claro, naquele momento, quais funções principais eram atribuídas ao recém-criado Museu do Louvre (1793,
inicialmente denominado Museum central des arts) e quais as atividades da comissão encarregada de organizá-
lo, que entre 1794 e 1797 recebeu o significativo nome de Conservatoire^: inventariar-, conservar (fisicamente)
e expor para fins de instrução, visando o ensino de uma história nacional. Eram essas, então, as missões da
curadoria. Bem antes disso, entretanto, as coleções de história natural, que viriam dar origem a um prestigioso
modelo de museu científico, foram formadas antes de mais nada por “curiosidade científica”, depois por
necessidade de uma pesquisa sistemática - e utilizadas, em seguida, para o ensino, - especialmente na segunda
metade do século XIX, quando o didatismo - o ensino pela visão, a “lição de coisas”^, - estava na ordem do dia
(cf. Barbuy 1995b: 34-47). Assim, logo depois do Museum Central de Artes, um outro museu era oficialmente
criado, transformando-se o Jardim Botânico do Rei em Museum Nacional de História Natural (1793). Em
seguida foi a vez do Conservatório de Artes e Ofícios (1794). Estava criado, assim, um sistema para o patrimônio
cultural francês, dividido em três grandes áreas: artes, ciências da natureza e ciência & técnica (Chatelain
1987:15). Já a questão dos museus especificamente de história é um pouco mais complexa e apesar da existência
temporária de um museu de monumentos franceses, seu momento forte seria posterior.

Na Inglaterra, já em 1677, na linha da História Natural foi criado, na Universidade de Oxford, aquele que é
tido como o mais antigo museu público e universitário do mundo: o Ashmolean Museum, a partir da doação

61
feita por Elias Ashmole, e que deu origem a uma série de museus semelhantes (nas Universidades de Cambridge,
Manchester e outras). Neste caso, prevaleceram como funções principais desses museus a pesquisa e o
ensino universitário e, bem menos estimuladas, atividades voltadas para o grande público. Numa análise da
situação atual dos museus universitários ingleses (Warhurst, 1992), detectou-se, entre outras coisas, que as
equipes responsáveis são insuficientes justamente por não estarem previstos, na universidade, certos tipos
de profissionais necessários, hoje, a um museu, o que pode ser visto, talvez, como uma herança daqueles
primeiros tempos. Assim, enquanto contam com quadros intelectuais privilegiados no que diz respeito aos
diretores e curadores científicos, sofrem carências em uma série de áreas técnicas, de modo oposto ao que
acontece nos museus não-universitários.

Vê-se, então, que embora falsa e desnecessária, a antinomia entre a função social e a função científica dos
museus formou-se historicamente, mas que, em muitos casos, foi felizmente superada. Foi a própria história
dos museus e a ocorrência de uma alternância entre os valores democráticos e os valores científico-acadêmicos
que os guiaram mais fortemente num ou noutro momento, num ou noutro contexto, e que gerou a desnecessária
oposição entre as duas coisas. No caso americano, Joel Orosz (1990) mostra com muita clareza o modo e as
razões pelas quais, entre 1740 e 1870, foram-se alternando na condução das políticas museológicas americanas,
correntes que abraçavam a causa da educação popular, dentro da ideologia do igualitarismo democrático, e
correntes que defendiam o profissionalismo nas ciências. Entretanto, o mais importante é que, Orosz conclui
sua obra mostrando que, desde 1870, essa desnecessária oposição foi vencida e chegou-se com sucesso a um
modelo básico que reúne, nos museus americanos, as duas funções: “As demandas conflitantes por uma
educação popular, de um lado, e por profissionalismo, de outro, eram fontes permanentes de tensões nos
museus americanos desde 1835, mas, por volta de 1870, as duas reivindicações foram sintetizadas em um
difícil equilíbrio. Essa síntese, o “Compromisso Americano”, mantém-se como modelo básico dos museus
americanos até hoje. Assim, por volta de 1870, o formato do museu americano moderno como uma instituição
que provê sim ultaneam ente educação popular e promove pesquisa acadêmica estava completamente
desenvolvido” (Orosz, 1990: ix).

Pouco se fez sobre a história dos museus no Brasil. Embora nos últimos anos não tenham faltado trabalhos
nesse sentido, ainda está por ser amadurecido um balanço, uma visão mais ampla, ao longo do tempo. De
qualquer modo, pode-se dizer que os museus brasileiros que surgiram no século XIX o Museu Nacional, o
Museu Paraense (hoje Emílio Goeldi), o Museu Paranaense e o Museu Paulista nasceram científicos. Até
porque eram museus dentro da área de “história natural”, modelo de museu científico por excelência no
século XIX. E isso não só pela falta de universidades, mas porque o tipo de pesquisa e de ensino que se fazia
ali, dependia da existência de acervos. Tanto era assim que muitos museus de caráter científico se
desenvolveram fora das universidades, mesmo em países onde elas existiam, ou dentro de universidades,
como bases para campos diferenciados de conhecimentos, em torno das coleções.

O caso do Museu Paulista

Se em sua fase inicial, sob a direção de von Ihering (1895-1915), o Museu Paulista teve um perfil
indiscutivelmente científico, exerceu também com eficiência uma função educativa, não só através de suas
exposições abertas ao público, como pelo envio de séries de espécimes animais a escolas, especialmente
preparadas para constituir os pequenos museus escolares de zoologia, que estavam na voga em matéria de
ensino escolar, na linha da “lição de coisas”, que mencionamos acima. Nesse período inicial, portanto, não
parece ter havido conflitos entre essas duas funções. Mas não pretendemos nos estender sobre isso porque o
maior herdeiro daquele Museu Paulista é, na verdade, o atual Museu de Zoologia da USP.

Ocorre que por sua própria localização, no local da proclamação da Independência, pelo caráter de monumento
de seu edifício e pela tela de Pedro Américo, Independência ou Morte, ali instalada desde o início, o Museu
Paulista sempre teve, também, uma forte face histórica, como emblema nacional. Entretanto, foi somente
em torno de 1922 (centenário da Independência), durante a gestão Taunay (1917-1946) que a então Seção de
História do Museu expandiu-se significativamente, tanto pela ornamentação interna, que recebeu (pinturas
e esculturas com temáticas históricas)9, como pelo franco crescimento do acervo histórico. Mas, ao contrário
do período anterior, não se pode dizer que sua tônica tenha sido a da pesquisa. Apesar dos vários livros
escritos por Taunay e das coletas de objetos feitas, muitas vezes, por ele próprio, a ênfase foi muito maior
sobre o aspecto educativo ou, melhor dizendo, didático-ideológico. De fato, parece-me que todos os imensos

62
esforços realizados na formação de um museu histórico (em São Paulo e em Itu), o foram claramente no
sentido de concretizar um eficiente instrumento didático para a difusão de uma certa história do Brasil10. A
compreensão de todo esse processo se torna-se muito mais fácil quando nos damos conta de quanto o
projeto Taunay se identifica com o perfil dos grandes museus históricos daquele período, de caráter celebrativo
e montados numa linha de narrativa ilustrada de fatos, personagens e objetos-fetiche.

No Museu Paulista, naquele tempo, a curadoria era exercida praticamente toda pelo próprio diretor e por
alguns poucos colaboradores, num acentuado personalismo, próprio, aliás, daquelas décadas.

Depois disso, creio que o Museu só seria re-orientado a partir de 1989, quando do desmembramento dos
acervos de arqueologia e etnologia, que tornaria o Museu Paulista exclusivamente histórico. O Plano Diretor
então apresentado (Meneses, 1990: 1) propôs o seguinte conceito de curadoria: “... o que deve caracterizá-
lo (o museu) é a referência obrigatória e permanente a um acervo de coisas materiais, no desenvolvimento
das responsabilidades de curadoria, que compreende a execução ou orientação de todo um ciclo de atividades:
a formação e ampliação permanente das coleções, sua conservação física, seu estudo e documentação, assim
como a socialização, seja do acervo assim disponível, seja do conhecimento que ele pretende gerar e completar.
São, assim, solidárias, as tarefas científicas, culturais e educacionais”.

A referência a um “acervo de coisas m ateriais” é o que caracteriza o museu, é o que justifica sua existência
autônom a dentro da área de história; é a base (mas não um objetivo em si) de suas pesquisas específicas.
Observe-se, ainda, que o acervo é algo obrigatório e permanente, o que, no entanto, não deve ser confundido
com a idéia de um acervo como algo dado, congelado, já que as pesquisas irão constantemente não só
ampliá-lo, como reinterpretá-lo e criar diferentes relações entre núcleos ou unidades, conforme a pro­
blem ática envolvida. O referido “ciclo de atividades”, portanto, não se constitui em lista de tarefas e nem
sequer em base para um organograma. Conquanto, em função das próprias especializações técnicas, possa
ser referência para tanto, o que não se pode perder é a idéia de “ciclo”, isto é, da cadeia de atividades
interligadas, que são meio (e não fim) para a consecução dos objetivos institucionais. A “socialização” do
acervo e do conhecimento é colocada como atividade de desembocadura do ciclo de curadoria. Tornar
conhecidos seus resultados e atuar junto ao público são objetivos sociais do museu, mas não podem se
realizar a contento sem uma base sólida no conhecimento e na reflexão; o próprio acervo e o conhecimento
a serem socializados necessitam disso tanto para sua formação como para sua mobilização adequada.
Finalmente, a noção de “solidariedade entre as tarefas científicas, culturais e educacionais” indica uma
não hierarquia, uma necessária interdependência, em que a falta de um dos elementos compromete a
perfeição do ciclo.

Na continuidade do mesmo texto, acrescenta-se que: “Importa, por isso, evitai-duas situações polares, igualmente
redutoras e inconvenientes (museu como exclusivo arquivo documental ou instituto de pesquisa e formação
superior; museu como exclusivo veículo pedagógico repassador de informação e produtor de eventos)”.

Uma vez estabelecida essa nova orientação para o Museu, que tem como espinhas dorsais as linhas de pesquisa
institucionais, pela primeira vez definidas (mesmo que o Museu já integrasse a Universidade desde 1963),
iniciou-se uma fase de total reestruturação institucional e, num primeiro momento, privilegiaram-se, antes de
mais nada, os esforços para compreensão da herança que se tinha em mãos, com o estudo da história do Museu
e o recadastramento (re-inventário) de todos os seus acervos. A formação de pessoal foi outra frente trabalhada.
Muito se caminhou, tanto em termos de realizações práticas como de reflexão e de aperfeiçoamento profissional,
técnico e científico. Creio que em termos de direcionamento conceituai (que deve informar toda a curadoria),
o próximo passo é o afundamento das linhas de pesquisa11, com programas quadrienais prevendo a confluência
de esforços e o aproveitamento de seus resultados em todos os níveis. Tais programas, que seriam definidos
coletivamente na Divisão Técnico-Científica de Acervo e Curadoria (prevista no novo Regimento do Museu)
permitiriam uma racionalização das atividades especializadas e, assim, a melhor realização das metas
institucionais.

Para finalizar, gostaria de reafirmar que a noção de curadoria, mesmo quando tomada em seu sentido mais
pragmático, não pode ser vista dissociadamente da própria orientação conceituai de um museu. E que essa
orientação tem que ser científica, dada pelas pesquisas de base do museu, associada a práticas democráticas
e à socialização do conhecimento, para repetir expressão tantas vezes usada nos foros de debates museológicos.

63
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(1) Entre nós, esses profissionais são comumente chamados apenas de conservadores; na França, por exemplo, são tratados por
conservadores-restauradores, justamente para diferenciá-los daqueles outros conservadores de que estamos falando.
(2) Uma compilação das idéias de Rivière foi publicada, após sua morte, por seus alunos e seguidores (La Muséologie selon Georges
Henri Rivière, 1989). Sobre a interdisciplinaridade, ver o editorial assinado por Rivière, que abre um número temático da revista
Museum sobre a questão (Rivière, 1980).
(3) Sobre a concepção de Georges Henri Rivière para o Museu Nacional de Artes e Tradições Populares, ver o prefácio ao Guia do
Museu, organizado por Jean Cuisenier e Marie-Chantal Tricornot (1987: 9-29). Observe-se, ainda, que o MNATP, hoje, está sofrendo
extensas reformulações que não cabe aqui comentar, assinalando apenas que seu caráter acentuadamente científico permanece.
(4) A Unesco teve e tem papel muito forte nessa linha.
(5) Sobre a Nova Museologia, ver, entre outros, a antologia organizada por André Desvallées (1992).
(6) O termo antiquités designava tanto as obras de arte às quais se conferia “valor artístico universal” como as que representavam
“traços materiais de culturas desaparecidas” (Schaer, 1993: 80).
(7) Yveline Cantarel-Besson (1981) transcreveu, organizou e publicou todas as seções de trabalho que se fizeram de 1794 a 1797 em
torno da organização inicial do Museu do Louvre (que ainda não tinha esta denominação), revelando, conforme o subtítulo da obra,
“A política museológica sob a Revolução”. Uma compilação comentada por Deloche & Leniaud (1989) foi também publicada, com
referência ao período entre 1789 e 1798. Sobre esse momento francês como “fundação da moderna administração de museus e da
prática de curadoria, ver Boyle (1996).
(8) A expressão “lição de coisas” designava o princípio pedagógico que recomendava o ensino através do contato direto com as
coisas materiais para desenvolver na criança o sentido da observação (cf. Gaulupeau, 1988: 35-6). A difusão desse princípio na
segunda metade do século XIX e início do XX estendeu-se também ao Brasil, o que se pode comprovar tanto pela adoção dos
chamados “museus escolares”(vitrines em salas de aula, exibindo séries de amostras minerais, de animais taxidermizados, etc.),
como pela publicação, em português, em sucessivas reedições, da Lição de coisas, do Dr. Saffray, editada pela primeira vez, na
França, em 1890.
(9) Para conhecer o projeto ornamental de Taunay, ver, como fonte, o próprio Guia da Seção Histórica, do Museu Paulista (Taunay,
1937) ou texto atual de Miyoko Makino (1997). Uma interessante interpretação foi feita por Meneses (1992).
(10) Sobre essas duas primeiras fases do Museu Paulista, ver a tese de Maria José Elias (1996). Estudos sobre determinados aspectos
da formação do museu histórico por Taunay vêm sendo também desenvolvidos no Museu Paulista e podemos citar a análise elaborada
por Lima & Carvalho (1993) sobre a encomenda de pinturas sobre o tema de São Paulo Antigo.
(11) Uma vez já definida e solidificada a idéia do Museu Paulista como instituição, cujas pesquisas se dão no campo específico da
História da Cultura Material, cabe agora uma reflexão mais particular sobre questões com as que levantou, por exemplo, Roy
Brigden (1992), sobre tendências de museus ingleses de história social a trabalhar com acervos pré-industriais (história de linha
etnológica) ou com acervos industriais, contemporâneos, e de como o objeto produzido em série para consumo de massa pode
mudar as estratégias de curadoria. Aproveito a oportunidade apenas para deixar a questão no ar pois acho que ela tende a ser
colocada, atualmente, em todos os museus de história social.

65
TRAJETÓRIA DA CURADORIA NO MUSEU PAULISTA

Maria José Elias


Museu Paulista/USP

Ao refletirmos sobre uma instituição como o Museu Paulista, uma importante observação se faz necessária:
trata-se de um museu de história, de um espaço museológico onde uma de suas funções é a (re)construção de
eventos. Sobretudo, se nossa preocupação centralizar-se nas atividades de pesquisa científica com o acervo
- e em seus possíveis produtos - estaremos entrando diretamente no campo da memória social. Mas pro­
priamente, na ação de (re)construir a memória de uma sociedade através dos objetos cujo principal atributo
é ser representante de uma rígida seleção realizada pelo próprio segmento social que o introduziu no museu.
E, é neste sentido, que percorremos o território da metahistória. Entender, pois, os caminhos pelos quais um
museu histórico se constituiu é buscar a compreensão de como uma sociedade preferiu inscrever sua própria
história ou suas memórias.

Inicialmente, gostaríamos de lembrar que o Museu Paulista é, depois da Comissão Geográfica e Geológica, a
mais antiga instituição de pesquisa da cidade de São Paulo. Tendo como origem duas coleções, uma de um
particular, o Museu Sertório, e a outra do Museu Provincial (1877), está instalado no edifício-monumento do
Ipiranga desde 1895, um palácio erguido para comemorai- a independência política do Brasil, ao qual, depois de
construído, procurou-se dar destinos vários (universidade, internato, escolas, etc.) até ser aproveitado como museu.

A Hermann von Ihering, seu primeiro diretor, médico e zoólogo por formação, deve-se a primeira organização
científica, tendo este um nítido projeto de organização de museus, von Ihering concebeu um museu de
caráter enciclopédico, predominantemente de história natural, ciência da qual se achava mais próximo. Um
museu desta natureza parecia adequar-se plenamente ao desenvolvimento das ciências naturais, centro das
atenções nos fins do século passado.

No final do século XIX e início do século XX, este setor do conhecimento humano já estava consolidado de
forma científica. Nestes termos, a formação de pesquisadores passou a ser um dos objetivos da direção.
Pesquisa séria e formação de profissionais pari passo. Por isso, não foi por acaso que parte do acervo
original servisse para criar outros núcleos de pesquisa e que profissionais do Museu Paulista contribuíssem
largamente nesses projetos1. Hermann von Ihering viabilizou, assim, uma política de aquisição de bens
culturais, contrabalançando, por exemplo, a entrada de acervo histórico com um contingente precioso de
material de origem etnográfica e/ou zoológica2; manteve, ainda, intenso intercâmbio com instituições nacionais
e estrangeiras congêneres, no tocante à publicação de trabalhos e permuta de coleções3.

O regulamento do Museu, de 1895, previa a realização de conferências científicas e a publicação de uma


revista. Os concursos de ingresso exigiriam dos candidatos a formação em ciências naturais ou prática em
museus. O corpo de funcionários contou, pois, com cinco membros4. Hermann von Ihering contratou o
naturalista Ernesto Gabe, que se manteve viajando constantemente pelo interior do país, fotografando e
coletando espécimes para o acervo.

Desta forma, fica claro que von Ihering inaugura o Museu Paulista cuidando dos três aspectos da curadoria,
ao preocupar-se com a constituição de um corpo de técnicos competentes, ao dar atenção à formação do
acervo, sob critérios científicos e, por fim, pela divulgação das pesquisas efetuadas dentro e fora da Instituição,
através da Revista do Museu Paulista, e criação de coleções pedagógicas5.

As coleções, enfim, deveriam ser devidamente registradas e não podiam sair do Museu sem autorização da
Secretaria do Interior do Estado, à qual estava subordinado. Desde o início, von Ihering preocupou-se com
a confecção de mobiliário para armazenai- as coleções, com laboratórios e com a especialização da biblioteca
do Museu.

Quando, em 1917, inaugurou-se a gestão do historiador Affonso D ’Escragnolle Taunay, imprimiu-se uma
política um tanto diversa. De um lado, se privilegiou e desenvolveu o núcleo de história, de outro, preocupou-
se menos com a preservação e mais com a ampliação do acervo. Seu objetivo fundamental era transformar
Museu Paulista numa instituição voltada para a história nacional e regional.

67
Nesta gestão, também percebemos nitidamente uma adequação entre a política museológica e o momento
histórico vivido pelo país, que era, por excelência, o da construção da memória social.

No início deste século, a elite paulista estava empenhada em firmar-se na liderança das transformações -
industrialização e urbanização - em curso, à qual deveria corresponder uma liderança cultural. Para tanto,
era necessário preservar certos traços do passado. De forma similar à Europa, o museu de história surgia no
período industrial.

Ao assumir a direção do Museu Paulista, Taunay deparou-se com o prolixo acervo histórico da Instituição:
objetos de todo tipo (móveis, utensílios do cotidiano, porcelanas, indumentária, armaria, etc.) e muitas telas
representando tanto cenas “históricas” quanto personagens mais ou menos ilustres do passado6.

Segundo o próprio Taunay, todo esse acervo (de telas e objetos antigos) encontrava-se amontoado em duas
salas, sem qualquer cuidado e preocupação científica.

Sendo assim, a primeira tarefa clara do novo diretor baseou-se em três pontos: 1- criar coleções que
representassem alguma coerência entre os seus elementos constitutivos; 2- expor essas coleções de forma
organizada espacialmente; 3- ampliar a área física ocupável pela exposição da Seção de História no edifício-
monumento do Ipiranga, dando ênfase à história de São Paulo.

Percebe-se desde logo sua preocupação sistematizante, preocupação esta que acompanharia Taunay até 1939,
n
quando sua obra “constitutiva” estaria, por assim dizer, concluída e o museu histórico devidamente implantado .

À sua maneira, Taunay completaria a obra de von Ihering ao equilibrar a importância científica da Seção de
História com relação ao restante do Museu. O diretor Taunay consolida com isso uma imagem do Museu
que se conservou muito além de si mesmo, já que os governos estaduais, responsáveis pela gerência do
Museu Paulista, jamais se preocuparam em renová-lo.

Uma mudança significativa num quadro de apatia diante dos museus ocorrerá apenas nos anos 60, quando
algumas dessas instituições passarão à responsabilidade da Universidade de São Paulo.

No início dos anos 60, havia boas perspectivas para os museus. Foi na gestão do reitor (médico e professor
da Faculdade de Medicina da USP), Antonio de Barros Ulhôa Cintra, que se assistiu a um amplo movimento,
cujo objetivo era integrar a Universidade à vida cultural de São Paulo. Com disponibilidade de recursos,
cogitava-se ampliar a Universidade, anexando à mesma algumas instituições existentes, que estavam como
o
que desamparadas e com pouco relacionamento com o governo, segundo o próprio Ulhôa Cintra . Nesse
período, foi criado o Instituto de Estudos Brasileiros a partir da Biblioteca de Yan de Almeida Prado; e a
coleção de pré-história de Paulo Duarte, doada à USP, daria origem ao Instituto de Pré-História. Ao mesmo
tempo, as coleções de arte moderna e o Museu Paulista foram anexados à Universidade de São Paulo9. Esta
começava então, a ocupar o seu imenso campus do Butantã, e agora tinha um reitor que privilegiava as artes
e as ciências hum anas10.

Quanto ao Museu Paulista, são desse período a modernização de suas instalações, a criação dos laboratórios
de conservação, restauração e fotografia (o antigo laboratório de fotografia acompanhou as coleções de
Zoologia por ocasião de seu desmembramento do Museu Paulista em 1939), e o início dos cursos, como, por
exemplo, o de comemoração do segundo centenário de nascimento de José Bonifácio (1962), além de um
curso de museologia para museus de história e museus de zoologia (1962). Em 1965, realizou-se o curso “O
Século XIX Brasileiro” 11, com a participação de professores do Departamento de História e de Ciências
Sociais da FFLCH-USP, da FAU-USP e do Departamento de História da PUC-SP. Este curso pode ser
considerado um marco na tomada de posição na política cultural da Instituição. Através dele foi possível
problematizar e fazer uma reflexão sobre o processo histórico da formação do Estado e da própria nacio­
nalidade.

Ao mesmo tempo, para além desta reflexão teórica, deparávamo-nos com o dia-a-dia do Museu. O confronto
destas duas realidades teve um papel destacado para nos posicionarmos e efetuarmos uma pesquisa sobre a
Instituição. O Museu é um dos mais visitados do país. A cada ano, por ocasião da “Semana da Pátria”,

68
acontecem verdadeiras romarias cívicas ao Museu, nas quais parte significativa dos visitantes aí está para
conhecer a “morada” de Dom Pedro, ou para rezar junto aos oratórios e imagens que fazem parte do acervo.

Seria este, o papel do Museu?

O ano de 1973 representou uma clivagem na história do Museu Paulista. Neste ano morre o último diretor
vitalício ainda escolhido pela Secretaria da Educação, o historiador Mário Neme, propiciando que se colocasse
em prática a determinação de 1963, que ligava a escolha do diretor do Museu Paulista ao reitor da Universidade
de São Paulo. Por isso, as gestões tornaram-se mais curtas, uma vez que a cada substituição de reitores
costumava-se corresponder uma alteração na direção e orientação do Museu. Como decorrência da mudança
do critério original de escolha - que preservava rigidamente a compatibilidade do dirigente e o caráter da
Instituição - impunham-se agora determinações da política universitária.

Com o golpe de 64, a Universidade teve uma nova orientação política para a escolha de seus dirigentes12.
Nesse sentido transformou-se também toda a política de organização dos museus. Estes passaram a reproduzir
os conflitos e as acomodações que perpassavam, no momento, a vida universitária. Assim, os museus parecem
estar refletindo processo que não lhes é exclusivo e absorvendo toda a uma dinâmica gerada fora de seus
espaços.

Sintoma de modernização ou de burocratização? A nosso ver, foi muito mais de burocratização e, no Museu
Paulista, o trabalho de curadoria foi afetado na sua integridade. Com ressalvas, pois são desse período de
1973-1989 o reaparelhamento do Laboratório de Conservação e Restauração de Papel, do Laboratório
Fotográfico e a contratação de técnicos especializados. Porém, a falta de uma posição política dos pesqui­
sadores, aliada à atuação de dirigentes muito distantes da especificidade dos museus conduziram a resultados
pouco expressivos e profissionais qualificados deixaram a Instituição, como ocorreu nos Laboratórios de
Papel e Fotografia.

Vivenciando esta situação no Museu há alguns anos, nossa preocupação tornou-se cada vez maior, porque,
mesmo fazendo parte de um grupo de trabalho: “M useus”, do Instituto de Estudos Avançados, e após alguns
contatos com reitores, percebíamos que era praticamente impossível que nossas reivindicações fossem
com preendidas1'3.'

Nesse momento, entendemos que o trabalho de curadoria de uma instituição como o Museu Paulista, com
acervo assistemático e de grande porte, deveria voltar-se para a questão da memória, organizando o acervo
e a documentação textual gerada no seu contexto'. Podendo, assim, servir de contraponto aos desmandos aos
quais a Instituição estava exposta, em decorrência de' projetos políticos pessoais que obliteravam seu
desenvolvimento.

Nos anos 80, a partir da discussão em torno de novos trabalhos, como Le Lieux de Mémoire, sob a direção de
Pierre Nora, História e Memória, de Jacques Le Goff e da renovação dos debates em torno da obra pioneira
de Maurice Halbwachs, A Memória Coletiva, a questão da memória é assumida, como objeto de estudo,
pelas instituições criadas para registrar a história.

Já na primeira metade deste século Maurice Halbwachs discutiu a diferença entre memória e história,
sublinhando que a memória coletiva ou social não se confunde com a história: a história tem início no ponto
onde a memória social acaba, quando não tem mais como suporte o grupo que a gerou. Quando o grupo
desaparece, o recurso para salvar a memória (ou as memórias) é, no dizer de Halbwachs, “fixá-las por
escrito em uma narrativa uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas os escritos permanecem” 14.

Começamos, então, a perceber que a falta de critérios para a escolha dos diretores e as dificuldades crescentes
para a realização do trabalho de curadoria, inclusive de caráter ético, deviam-se ao desconhecimento da
história do Museu Paulista e de como foram formadas as suas coleções de história e etnologia, que o definiram
A partir de então, fizemos um projeto para recuperai-, dentro da própria Instituição a memória do Museu
Paulista. Durante três anos trabalhamos com a colaboração de bolsistas do CNPq, de estagiários da FUNDAp,
e da Reitoria da USP, inventariando toda documentação produzida desde a primeira gestão de Hermann von
Ihering (1894-1916) até o final da gestão Affonso D ’Escragnolle Taunay (1917-1945). Esse trabalho permitiu

69
que se compreendesse, a partir das informações localizadas sobre os objetos, o significado do núcleo original
das coleções do Museu Paulista. Por exemplo, foram localizadas e identificadas peças esparsas pertencentes
ao Museu Sertório, que se encontravam no Museu Republicano “Convenção de Itu”, extensão do Museu
Paulista dependência do Museu Paulista. Essa pesquisa resultou em uma tese de doutoramento intitulada:
“Museu Paulista: Memória e História”.

Diante das indefinições na trajetória de uma instituição historicamente tão importante como o Museu Paulista,
achamos que seria conveniente perguntar: o trabalho desenvolvido por von Ihering e Taunay não representaria
um “ciclo completo de atividades relativas ao acervo, compreendendo a execução e/ou orientação científica
das seguintes tarefas: a) formação e desenvolvimento das coleções; b) conservação física das coleções; c)
estudo e documentação; d) comunicação e informação” 15, que hoje se define como curadoria, conforme o
proposto no plano de implantação MAE/USP de 1989?

O Museu Paulista é o único museu de história em São Paulo e tem uma responsabilidade incontornável: a de
elaborar e efetivar um projeto de exposição de história sobre a formação social e cultural do país. Logicamente,
não estamos propondo uma exposição que materialize uma modalidade de “biografia da Nação”, mas sim
explicitando a necessidade de uma exposição que dê conta do processo dialético de formação do país. Uma
exposição que sirva de “eixo” ao conhecimento daquele processo, que o torne inteligível. Pronta e com esta
dimensão, outras exposições temáticas tratariam de problematizar, elucidar ou provocai-debates sobre assuntos
pontuais.

(1) As coleções do Museu Paulista vão constituir núcleos originais de outras instituições de pesquisa, como o Instituto Biológico,
Instituto de Botânica (1929), Departamento de História Natural da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de São Paulo (1934) e do Museu de Zoologia (1939), hoje incorporado à USP. Também da Coleção Museu Paulista foram transferidas
telas de Pedro Alexandrino, Oscar Pereira da Silva, Almeida Júnior e outros para a Pinacoteca do Estado, quando de sua criação
(1906). Quanto aos profissionais, basta citar Rodolpho Von Ihering, S.C.Hoehne e, mais tarde, Olivério M. de Oliveira Pinto.
(2) No tocante à etnologia, von Ihering contratou, já na primeira década deste século, Curt Nimuendaju para estudar os guarani em
São Paulo. Também a viagem de Ernest e Walter Garbe aos botocudos do Rio Doce, cujo relatório é acompanhado de farta
documentação fotográfica. Ver: “ Museu de von Ihering”, In Maria José ELIAS, Museu Paulista: Memória e História, tese de
doutoramento apresentada no Departamento de História da FFLCH-USP, 1996, pp. 129-200. Em 1912, von Ihering traz do Peru
para o Museu Paulista a coleção Max Uhle, comprada por Uhle de huaqueros ou antiquários. Quanto à importância desta coleção,
consultar Vera Penteado COELHO, Coleção Max Uhle, Fundo de Pesquisa do Museu Paulista da USP, 1977.
(3) Ver Maria José ELIAS, op.cit., p. 160 e seguintes.
(4) Em 1894 o Museu Paulista contava com cinco funcionários: um zelador, que deveria ser um zoólogo e também substituiria o
diretor durante seus impedimentos, como Constantino Hilger, que foi substituído por Luís Reh em 1895. Esta função de vice-diretor,
mais tarde, foi ocupada por Rodolpho von Ihering (filho de H. von Ihering). Por um curto espaço de tempo, Gustavo Koenigswald
exerceu a função de naturalista-viajante, mas em 1895, já foi substituído por João Zeck; um preparador, Emílio Schneidt, um
amanuense e um contínuo servente. As coleções deviam ser devidamente registradas e não podiam sair do Museu sem autorização
da Secretaria do Interior. Desde o início, von Ihering preocupou-se com a confecção do mobiliário para as coleções, com os laboratórios
e com o incremento da biblioteca. Separou as coleções de estudo e coleções para exposições. Ver correspondência e relatórios do
Museu Paulista, 1894-1900. Coleção von Ihering, setor de Documentação Histórica do Museu Paulista.
(5) Uma das principais preocupações de von Ihering foi com a criação da Revista do Museu Paulista, cujo volume 1 data de 1895.
Ainda preparava pequenas coleções de borboletas ou outros insetos e as enviava às escolas, incentivando o interesse das Ciências
Naturais. Quando não tinha tempo para isso, encomendava as mesmas da Alemanha, coleções essas por ele denominadas “
pedagógicas”. Ver Maria Margaret LOPES, As Ciências Naturais e os Museus no Brasil no século XIX, tese de doutoramento
apresentada ao Departamento de História da FFLCH-USP, 1993, pp. 293-307; e Maria José ELIAS, op. cit., pp. 120-200.
(6) Durante a gestão de von Ihering, o acervo de história cresceu pouco em relação às coleções de ciências naturais. Para consulta
ver: “Integrando os Acervos”, In Maria José ELIAS, op. cit., pp. 136-146.
(7) Em 1940, Taunay terminava o longo processo iniciado em 1917: a tímida Seção de História, “prima pobre” da imponente Seção de Zoologia
criada por von Ihering, tenninava por dominar o Museu Paulista. Ver: ‘Taunay no Museu Paulista”, In Maria José ELIAS, op. cit., pp. 257-258.
(8) “Tive total apoio do Conselho Universitário, nesse empreendimento. Naquele tempo ocorreu uma coisa rara: o governador
Carvalho Pinto estava sustentando a Universidade, fazendo-a crescer, construindo a Cidade Universitária, além da liberalidade do
secretário da Fazenda, Gastão Vidigal”. Depoimento dado â autora na Faculdade de Medicina da USP, em 29/10/1987.

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(9) A coleção do Instituto de Pré-História, integrada à USP desde 1962, hoje faz parte do Museu de Arqueologia e Etnologia.
Também foram integradas à USP as coleções do Museu de Arte Moderna, que, reunidas à coleção de Francisco Matarazzo Sobrinho
e Yolanda Penteado, recebeu o nome de Museu de Arte Contemporânea; e o Museu Paulista (1963).
(10) “Fui realmente muito feliz. Tive muito apoio, muitos “relações públicas” para esses assuntos, espontaneamente, como Sérgio
Buarque de Holanda, que era um idealista puro e perfeito. As novas responsabilidades como reitor levaram-se à uma aproximação
também com o Eurípedes Simões de Paula”. Depoimento dado à autora em 29/10/1987.
(11) Outro produto notável desse curso foi o Tomo XIX dos Anais do Museu Paulista, que reúne textos semanais de Nestor Goulart
Reis Filho, “Arquitetura Residencial Brasileira no Século XIX”, de Virgílio Noya Pinto, “Ritmos da Economia e Dependência
Econômica em face dos Mercados Externos”; de Emília Viotti da Costa sobre “Historiografia da República”, e outros que geraram
sólidas contribuições à historiografia brasileira. Outro produto foi o novo curso realizado no auditório da Folha de São Paulo em
1966, sob a coordenação de Carlos Guilherme Mota, e a publicação de Brasil em Perspectiva, pela DIFEL.
(12) Com o falecimento do jornalista e historiador Mário Neme (1973), foi indicado para substituí-lo no direção do Museu Paulista,
o geógrafo Antônio Rocha Penteado, professor do Departamento de Geografia da FFLCH-USP, e membro da ADESG de São Paulo,
estranho aos quadros das instituições que cuidam da memória. Este procedimento teria continuidade por duas décadas quando
assumiram a direção do Museu Paulista um geólogo e um médico veterinário.
(13) Na gestão do reitor José Goldemberg, instauraram-se mecanismos informais de consulta e, entretanto, parecem não ter agradado
a certos grupos. Por iniciativa do professor Carlos Guilherme Mota, quando na direção do IEA, foi formado um grupo de trabalho
“Museus/IEA”, por pesquisadores dos museus da USP. Este trabalho avançou pela gestão Jacques Marcovitch no IEA e contou,
ainda, com a colaboração dos professores Alfredo Bosi e Ana Mae Barbosa. De certa forma, a nossa causa não foi em vão, pois, nos
últimos anos, pudemos contar com o apoio do professor Marcovitch, agora como Pró-Reitor de Extensão e Cultura e que já tinha
conhecimento da situação dos museus na USP.
(14) Maurice HALBWACHS, A Memória Coletiva. São Paulo, Vértice/Revista dos Tribunais, 1990, p. 80-81.
(15) Maria José ELIAS, op.cit.como museu histórico. Isto é, que responde, à sua maneira, as três esferas associadas à constituição
da nacionalidade: a identidade nacional, a soberania do estado e a territorialidade.

71
PROCESSO CURADORIAL: A PESQUISA, A DOCÊNCIA E A EXTROVERSÃO A PARTIR DA
EVIDÊNCIA MATERIAL DA CULTURA E DO MEIO AMBIENTE

Cleicle Costa
Museu de Zoologia/USP

O Museu de Zoologia mantém e desenvolve ampla coleção de material zoológico de qualquer região geo­
gráfica, com ênfase especial para a Região Neotropical e Nacional. Mantém, também, uma Estação Biológica
destinada ao estudo e preservação da fauna nacional; promove expedições científicas, cujo objetivo é a
coleta de material para a ampliação de suas coleções ou para levantamentos amplos da fauna, etc. Suas
atividades principais são pesquisa, docência e curadoria das coleções, matéria prima dos trabalhos científicos.

As coleções de zoologia são importantes também para o estudo da biodiversidade, cujo conhecimento é
essencial no manejo, conservação e manutenção dos ecossistemas.

Formação e desenvolvimento de coleções de zoologia

A estruturação do acervo deve ser feita de modo a ter representada toda sistemática de cada grupo zoológico.
Por isso o Museu de Zoologia deve ter em suas coleções, pelo menos, os representantes das famílias e/ou
gêneros em escala mundial; isso é necessário pelo tipo de pesquisa que desenvolve. Por outro lado, para
grupos zoológicos de ampla distribuição geográfica, é preciso que a amostragem cubra a maior parte possível
da região de onde eles provêm.

Além disso, o desenvolvimento de um acervo também está intimamente ligado à pesquisa do curador da
coleção. Por exemplo, coleção de imaturos de Coleoptera.

A formação de uma coleção de zoologia pode ser feita de várias maneiras:

a) Coleta pelos pesquisadores da área; feita por meio de expedições científicas gerais que abarcam o
maior número possível de grupos zoológicos, ou por meio de viagens curtas visando apenas determinados
grupos. Sempre há melhor discriminação da coleta, com valiosas observações ecológicas, etc., que,
certamente, escapariam da atenção de pessoas não especializadas. Os dados obtidos são altamente
confiáveis. A sistemática do registro de dados é feita pelo diário de campo, onde são anotadas as
coordenadas geográficas das localidades trabalhadas (se possível, referindo-as a um mapa), e a descrição
da ecologia geral da área, dentre várias outras observações. Os diários de campo devem ser conservados
para uso futuro. Os exemplares são etiquetados no próprio campo (o modo de catalogá-los varia conforme
o grupo zoológico). Além do diário de campo e do catálogo dos exemplares pode-se fazer notas de
campo em folhas à parte, onde são anotados o número de campo do exemplar e todas as observações
específicas referentes à ecologia, comportamento, colorido, etc. Posteriormente, no laboratório, podem-
se acrescentar a essas notas de campo o número que o exemplar recebeu na coleção e a identificação
definitiva.

b) Coleta por colecionadores contratados. Esse tipo de coleta já houve em outros tempos, pessoas cuja
profissão consistia em form ar coleções de zoologia para museus; ou para seu próprio uso desses
(colecionadores profissionais). Tal coleta foi importante, em muitos casos, para obtenção de material de
áreas para as quais não havia recursos institucionais suficientes para realizar expedições; era mais
econômico comprar o material dos colecionadores profissionais;

c) Doação por outros pesquisadores e/ou instituições.

d) Permuta com instituições congêneres. É uso rotineiro entre os grandes museus mundiais a troca de material.
Para isso é necessário ter quantidade suficiente de material para oferecer;

e) Compra de coleções formadas. Essas coleções são formadas por particulares e geralmente tornam-se
disponíveis para compra após a morte do proprietário; geralmente, vêm com boas bibliotecas setoriais;
sua aquisição é prioritária em muitos casos.

73
As coleções de pesquisa em zoologia são independentes e divorciadas das coleções destinadas à exibição ao
público. O motivo principal disso é que a exposição à luz aos poucos acaba deteriorando os exemplares, que
tornam-se imprestáveis para a pesquisa.

Preparo e conservação

A maioria das coleções é preparada no campo, com exceção dos insetos cuja preparação se dá principalmente
no laboratório. Os exemplares podem ser conservados por via seca ou úmida.

Peles e crânios de mamíferos, peles de aves, a maioria dos insetos, conchas de moluscos, etc., são conservados
por via seca. O problema principal desse tipo de armazenagem é a prevenção contra fungos e pragas.

Outro tipo de material conservado à seco é constituído pelas lâminas microscópicas contendo animais
pequenos, ou cortes histológicos.

A conservação por via úmida é feita em álcool ou formol; os exemplares são geralmente colocados em
recipientes individuais, cada qual com seu rótulo. A regra geral para esse tipo de conservação é que o
volume de líquido seja maior que o volume das peças conservadas, o que determina o tamanho do vidro. O
rótulo deve ir solto dentro do vidro.

O tipo de etiqueta varia conforme o tipo do animal: em répteis, são usadas etiquetas de cadarço de pano
estampadas com carimbo numerador que vai amarrada em cada exemplar; para insetos, usa-se pequena
etiqueta de cartolina (8x18 mm) com todos os dados referentes à localidade e coletor impressos ou manuscritos
em nanquim que é espetada no mesmo alfinete do exemplar.

Catalogação

A forma de catalogar varia de grupo para grupo. Na entomologia, a regra é não catalogar, pois a coleção é
muito grande (milhões) e uma parcela ponderável dos exemplares freqüentemente não está identificada.
Esse tipo de coleção é então arrumada de tal forma que a própria coleção funcione como catálogo sistemático,
pela distribuição de rótulos bem visíveis contendo nomes específicos.

Em coleções menores como as de répteis e anfíbios, cuja ordem de grandeza (dezenas de milhares) permite
a etiquetagem e conseqüentemente a numeração de cada indivíduo, a elaboração de catálogos numéricos,
sistemáticos e geográficos é mais fácil, embora, ainda assim, trabalhosa.

Coleções sem curador

O Museu de Zoologia é um patrimônio público, cuja essência é a continuidade. Faz parte dos deveres de
curadoria o trato das coleções que não contam com especialista.

Do ponto de vista da estruturação, essas coleções variam desde aquelas de poucas amostras, que nunca
tiveram curadoria específica, até as que têm passado e tradição, sendo relativamente ricas e organizadas,
mas que, no momento, não contam com especialista. Deve-se sempre preservá-las integralmente, e, em
alguns casos pode-se enviar material a especialistas para identificação, etc.

Formação de zoólogos profissionais

O zoólogo de museu é, antes de tudo, um sistematizador, pois só ele pode estruturar e tratai- adequadamente
as coleções que são a essência da instituição. Isso não quer dizer que sua pesquisa se limite à identificação
de exemplares e à descrição de formas novas. Nos últimos 30 anos desenvolveu-se a “sistemática filogenética”,
baseada nas idéias de Hennig que introduziu nova metodologia no estudo comparativo das espécies e novas
possibilidades de classificações.

A formação profissionalizante do zoólogo sistematizador se faz não só ao longo da elaboração de monografias,


mas da identificação de materiais variados, do arranjo de coleções, do uso crítico da bibliografia sistemática.
A revisão de um grupo de porte médio é sempre o grande instrumento de disciplina da formação, pois
permite encarai- toda a problemática do campo, do domínio de um grande número de técnicas, etc.

74
A formação nas disciplinas biológicas básicas e específicas deveria ser adquirida nos cursos de graduação e
pós-graduação; quando isso não se dá cabe ao orientador de pesquisa remediar as lacunas por meio de leituras,
seminários, etc.

A formação profissionalizante inclui o preparo para as tarefas de campo e as de laboratório. É necessário o


aprendizado das metodologias de coleta, preparo e registro de material. Em muitos casos, podem ser
necessários noções suficientes sobre o uso de armas e munições (limpeza e manutenção, carregamento de
cartuchos, escolha de chumbo, etc.), conhecimentos elementares de pesca; de uso de armadilhas para
vertebrados (ratoeiras, gaiolas, laços, etc.) e para invertebrados (luminosas, barraca de Shannon, etc.). No
laboratório deve dominar os métodos de preparação final e ter habilidade na identificação, requisitos
extremamente necessários.

Atualmente, o conhecimento de técnicas de informática é fundamental para o processamento automático


dos dados em computador, o que otimiza o registro das coleções.

Igualmente importante é o conhecimento de técnicas de publicação, pois pesquisa só existe quando publicada.
Redação clara, sintética, de preferência em inglês; conhecimento de técnicas de ilustração são alguns rigores
para se obter uma publicação bem apresentável.

Referências

VANZOLINI, P.E. (ed.). Manual de coleta e preparação de animais terrestres e de água doce. São Paulo,
Departamento de Zoologia e Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, xii, 1967, 223 pp.

COSTA, C. “Insetos imaturos”. Manual de técnicas para a preparação de coleções zoológicas. São Paulo,
SBZ, 27, 1985, 7 pp.

MARTINS, U.R. “A coleção taxonômica”. In PAPAVERO, N. (org.). Fundamentos práticos de tcixonomia


zoológica (coleções, bibliografia, nomenclatura). - 2 ° ed. São Paulo, Editora, da Universidade Estadual
Paulista, 1994, p. 19-43.

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COLEÇÕES DO MUSEU DE ZOOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO:
FINALIDADES BÁSICAS E CURADORIA

José Lima de Figueiredo


Museu de Zoologia/USP

A Biologia dispõe de um sistema imprescindível de caracterização, identificação e classificação baseado


nas descrições dos organismos, e que possibilita recuperar com precisão e rapidez os conhecimentos biológicos
referentes a uma determinada espécie ou a grupos superiores (gênero, família, etc.), simplesmente se referindo
ao nome dessa espécie ou grupo.

D escrever organism os, caracterizando-os, classificando-os e por fim nomeando-os, é atividade relativa
ao cam po da Taxonomia. Para efetuar o trabalho de descrição m orfológica das espécies e grupos
superiores são necessárias am ostras seriadas de organismos conservados, com a maior abrangência
geográfica possível.

São os museus de história natural que tradicionalmente armazenam, conservam e tornam disponíveis aos
especialistas as coleções de organismos conservados, matéria-prima dos estudos taxonômicos.

O Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo reúne coleções de animais de ampla área natural do
continente americano, denominada Região Neotropical, mais especialmente do Brasil.

As amostras das coleções vêm sendo acumuladas desde o fim do século XIX, principalmente como resul­
tado de coletas efetuadas pelos profissionais da Instituição. Entretanto, praticamente todo o material que
chega ao Museu através dos estagiários e interessados em identificação é também incorporado.

Normalmente as coletas maciças são efetuadas por ocasião da realização de algum projeto de levantamento
fauna de áreas determinadas, envolvendo desde os pesquisadores e técnicos do Museu, até os estagiários.

O material coletado é inicialmente submetido a técnicas de preservação no campo, que, dependendo do


grupo zoológico, são complementadas nos laboratórios do Museu. No laboratório, o material coletado numa
localidade é separado por espécie. Os exemplares de uma mesma espécie são mantidos agrupados, constituindo
um lote, que será identificado até pelo menos o nível do gênero, para fins de armazenamento.

Os dados de coleta de cada lote são anotados em livro apropriado, ou mais recentemente, registrados em
computador, sempre associados a um número de registro. Um rótulo com esses dados é então mantido junto
com o material.

Assim preparadas, as amostras serão armazenadas em estantes abertas, armários com gavetas ou tambores,
dependendo do grupo zoológico e do tamanho dos animais. O material zoológico está ordenado nas coleções
por família. Dentro de cada família, as amostras estão arranjadas em ordem alfabética de gêneros e, dentro
destes, em ordem alfabética de espécies.

As coleções são constantemente examinadas para garantir o nível correto de líquido conservante nos frascos
e a quantidade adequada de substâncias químicas inseticidas e fungicidas nos armários.

Todas essas etapas são executadas no Museu pelos pesquisadores e técnicos de nível superior, especialmente
as de separação, identificação e registro de material.

Os principais usuários das coleções do Museu de Zoologia são taxonomistas, destacando-se os pesquisadores
do próprio Museu, os pesquisadores de outras instituições e estagiários. Pesquisadores de outras instituições
examinam o material de sua especialidade nas dependências do Museu, ou solicitam material por empréstimo,
que é enviado pelo correio. O Museu recebe estudantes de graduação e pós-graduação, em estágio de
treinamento em Sistemática Zoológica, sob a orientação de seus pesquisadores. Oferece também estágio a
pós-doutorandos.

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Os trabalhos produzidos pelos pesquisadores (tanto do Museu, como visitantes), através do estudo das
amostras da coleção, são publicados em revistas científicas especializadas. Versam principalmente sobre
caracterização ou redefinição e filogenia de grupos zoológicos determinados, nos níveis de espécie, gênero,
família, etc. Levantamentos faunísticos e manuais de identificação de espécies de áreas geográficas específicas
também constituem temas usuais. As dissertações e teses dos alunos de pós-graduação da Instituição são
orientadas com base em assuntos similares.

O material das coleções zoológicas seriadas utilizado nos estudos taxonômicos não é exibido ao público,
mesmo porque não está preservado na forma tradicional dos animais empalhados que fazem parte da exposição
pública do Museu de Zoologia.

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