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Criação da capa
Gualdino Pimentel Rodrigues
Revisão
Profa. Dra. Cybelle Salvador Miranda
Foto da capa
Gualdino Pimentel Rodrigues
PREFÁCIO 07
APRESENTAÇÃO 13
1
Geógrafo. Professor titular do Núcleo de Meio Ambiente da da Universidade Federal do Pará.
2
PEREIRA, C. S. S.; OLIVEIRA, J. C. A. O espaço como sistema de valores: uma contribuição à epis-
temologia da geografia. ParaOnde!?, Volume 5, Número 1: p. 67-83, ago./dez. Porto Alegre, RS, Bra-
sil.2011.
3
PENA, Rodolfo F. Alves. “O que é espaço geográfico?”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasi-
lescola.uol.com.br/o-que-e/geografia/o-que-e-espaco-geografico.htm. Acesso em 16 de agosto de 2020..
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
4
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2006. p.39.
5
MOREIRA, R. O Espaço, corpo do tempo. A construção geográfica das sociedades. Rio de Janeiro: Ed.
Consequência, 2019.
6
SANTOS, Milton. Por Uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec, 1986, 3a edição, 236p.
8
PREFÁCIO
Milton Santos propõe ainda a noção de tempo espacial, referindo aos elemen-
tos e configurações espaciais com tempos históricos diferentes, espacialidades pró-
prias. O espaço, visto no presente, deve ser compreendido como resultado da acumu-
lação desigual de tempos!
7
Desigualdade social faz referência à diferença entre as classes sociais e aos rendimentos de cada classe.
Diversidade cultural faz referência à vasta quantidade de culturas diferentes existentes em espaço terri-
torial.
8
RAMOS, Aluísio Wellichan. Espaço- tempo na cidade de São Paulo: historicidade e espacialidade do
“bairro” da água branca. Revista do Departamento de Geografia – Departamento de Geografia da FFL-
CH- USP, São Paulo, n. 1, p. 65-75, 1982.
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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PREFÁCIO
11
APRESENTAÇÃO
Este volume visa dar início a uma série de publicações da linha de pesqui-
sa Arquitetura, Cultura e espacialidades na Amazônia, vinculada ao Programa de
Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFPA. As pesquisas a ela
associadas visam promover uma abordagem qualitativa da análise, processo e pro-
dução do objeto arquitetônico, enfatizando a aproximação com as demandas sociais
e culturais da Amazônia, visando a construção de matrizes de pensamento referen-
ciadas localmente como apoio à prática arquitetônica, às interpretações históricas
e à valoração do patrimônio. A cultura especifica relações implícitas na sociedade,
entrelaçando subjetividade e objetividade.
A atuação da linha se inicia em 2012, com as atividades do Grupo Teoria,
história e projeto de arquitetura, no Programa de pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo, durante o projeto PROCAD/Casadinho (2012-1015), quando foram rea-
lizadas missões de pesquisa no IAU/USP - São Carlos, sendo parceiros os professores
do Grupo NOMADS Anja Pratschke, Marcelo Tramontano, Renato Anelli e Ângela
Bortolucci. Como produto final das interações de docentes e discentes de ambos os
programas, realizou-se na UFPA o Workshop Trapixe, que redundou na publicação
do livro Belém Fluxos – a orla como interface (2015).
A publicação apresentou ensaios sobre um aspecto eminentemente amazônico:
a relação entre ocupação do território e sua relação com o rio, os vários olhares sobre
a orla de Belém. O Workshop Trapixe trouxe com a ação profissional na orla, uma es-
tratégia para abertura de diálogo sobre novos processos de projeto. Buscou transmitir
aos participantes as particularidades e dinâmicas da realidade amazônica através do
processo de projeto paramétrico, por meio de demonstrações teóricas e práticas, in-
clusive imersão, para utilização das ferramentas operando com parâmetros locais. A
atividade acadêmica foi objeto da dissertação de mestrado de Penafort (2016).
O Seminário “Arquitetura na Amazônia: construindo processos e descons-
truindo mitos”, realizado em maio de 2017 na Universidade Federal do Pará (UFPA)
foi organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PP-
GAU) e tendo à frente os Laboratórios de Historiografia da Arquitetura e Cultura
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
Arquitetônica (LAHCA), coordenado pela professora Celma Chaves Pont Vidal; Me-
mória e Patrimônio Cultural (LAMEMO), sob coordenação da professora Cybelle
Salvador Miranda, e pelo Laboratório Espaço e Desenvolvimento Humano (LEDH),
coordenado pela professora Ana Klaudia Perdigão. Apontando para a internaciona-
lização do PPGAU, o evento contou com a participação do professor Fernando Luiz
Lara, docente da Universidade do Texas, em Austin.
Outra vertente que integra os pesquisadores do grupo é o locus do Centro
Histórico de Belém, onde se desenvolveu a pesquisa Pedra do peixe no Ver-o-Peso:
etnografia em um lugar simbólico no Centro histórico da cidade de Belém do Pará,
coordenada pelo Professor Luiz de Jesus Dias da Silva e que integrou professores e
discentes do PPGAU. O trabalho resultou na publicação do Livro Olhares sensíveis
ao Centro Histórico de Belém – vivências e temporalidades, com a chancela da Edi-
tora do NAEA, em 2019.
Os autores que integram esta coletânea são professores pesquisadores e dis-
centes da Universidade Federal do Pará, vinculados ao Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU). Os temas que integram o grupo voltam-se
para a compreensão do espaço construído na região nas suas dualidades urbano e
rural, sujeito e natureza. As singularidades da Amazônia enquanto espaço nas Amé-
ricas mostram-se também em manifestações espontâneas da produção de espaços
socialmente produzidos, apontando a complexidade das sociabilidades presentes e
das espacializações que acolhem a vida humana. Tais singularidades nos levam a
definir matrizes de pensamento como apoio à prática arquitetônica, às interpretações
históricas e valoração do patrimônio, referenciadas localmente e menos impositivas
à população de um modo geral.
A complexidade dos espaços amazônicos repercute no significado dos mes-
mos e de como o significado pode ir muito além da formalização hegemônica de
reprodução do espaço no meio urbano e rural da Amazônia. A aproximação entre
saberes formais e populares permite identificar condicionantes de projeto não tradi-
cionais aos códigos profissionais e, ao mesmo tempo, adverte sobre a importância
da produção de ambientes mais condizentes com a vida amazônica. Tais ações forta-
lecem uma cultura arquitetônica em conformidade com a vida nativa das Américas,
trazendo à luz do conhecimento os modos de produção do espaço que expressam o
homem da região e que merecem validação pelo conhecimento formal no campo da
arquitetura. Pensar estes espaços em seus modelos históricos, teóricos-conceituais e
projetuais significa indagar a que modernidade estamos nos referindo, como catego-
ria que historicamente se pretende unificadora dos processos que se deram na região.
Assim, os capítulos do livro Cultura, Sociedade e espacialidades na Amazônia
da linha de pesquisa Arquitetura, Cultura e Espacialidades na Amazônia, do PPGAU
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APRESENTAÇÃO
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MERCADOS E FEIRAS LIVRES EM BELÉM:
percepção e história
1. INTRODUÇÃO
1
Arquiteto e Urbanista (UFPA), Doutor em Antropologia Urbana (PPGSA/IFCH/UFPA), Mestrado em
Arquitetura (PROArq/UFRJ), Professor Associado da FAU/ITEC/UFPA. Diretor da FAU/ITEC/UFPA
no biênio 2019-2020.
2
Arquiteta e Urbanista (FAU-UFPA); Doutora em Teoria e História da Arquitetura (Universidad Politéc-
nica da Cataluña); Professora Adjunta FAU/PPGAU/UFPA. Coordenadora do Laboratório de Historio-
grafia da Arquitetura e Cultura Arquitetônica (LAHCA).
3
MASLOW A.H. (1943, p. 373), em sua teoria das necessidades humanas, afirma que nos aspectos fi-
siológicos estão compreendidos os impulsos (drive), acrescidos da dinâmica da homeostase e da ideia de
apetite (que se relaciona com eliminar a fome). A necessidade básica de se alimentar.
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
4
Ponto fixo para Santos (2008, p.86) é um local de estabelecimento, um objeto social graças aos fluxos.
Fixos e fluxos interagem e alternam-se mutuamente. O estudo de fixos permite uma abordagem mais
cômoda, através dos objetos localizados: mercados, supermercados, etc. Cada tipo de fixo surge com
características, que são técnicas e organizacionais.
5
Tecido urbano, para Lefebvre (1969, p. 16) é uma metáfora que representa mais do que um tecido jogado
sobre um território, mas uma espécie de proliferação biológica e uma espécie de rede de malhas desi-
guais, que deixam escapar setores mais ou menos amplos, como lugarejos, aldeias e até regiões inteiras. É
como um ecossistema, no entanto o interesse do tecido urbano não se limita à morfologia, pois dá suporte
ao modo de viver da sociedade urbana.
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MERCADOS E FEIRAS LIVRES EM BELÉM: PERCEPÇÃO E HISTÓRIA
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Complexo Ver-o-Peso é um complexo por abrigar porto, feiras, mercados, praças e casario de grande po-
tencial arquitetônico e histórico patrimonial, com riqueza social e cultural marcante na região amazônica.
7
As duas feiras aqui referidas são a feira da Pedra do Peixe, localizada na calçada da enseada das em-
barcações, bem próximo do Mercado de Ferro ou de Peixe e a feira do Açaí, localizada no lado oposto
ao Mercado de Peixe, do outro lado da enseada das embarcações, próximo ao Forte do Castelo. Ambas
só funcionam na madrugada e fazem comercialização por atacado, evitando concorrer com a feira tradi-
cional diurna.
8
Os dois mercados são Mercado de Peixe, também conhecido como Mercado de Ferro e o Mercado
Bolonha ou Mercado de Carne.
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
9
Os mercados públicos em Belém em suas dimensões históricas, sociocultural e urbanística, sob Coorde-
nação da Profa. Dra. Celma Chaves, foi desenvolvido no período de 2011 a 2013, com financiamento do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
10
Ilustrado em CODINA, J. J. Prospecto da nova praça do pelourinho. 1784-1785 In: FERREIRA, Ale-
xandre Rodrigues. Viagem filosófica às capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá.
Desenhos originais coligidos pelo Prof. Dr. Edgard de Cerqueira Falcão. São Paulo: Gráficos Brunner,
1970. Estampa n. 5.
11
Ilustrado em CODINA, J. J. Prospecto da nova Praça das Mercês, 1784-1785 In: FERREIRA, Ale-
xandre Rodrigues. Viagem filosófica às capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá.
Desenhos originais coligidos pelo Prof. Dr. Edgard de Cerqueira Falcão. São Paulo: Gráficos Brunner,
1970. Igreja e Praça das Mercês, estampa n. 5
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MERCADOS E FEIRAS LIVRES EM BELÉM: PERCEPÇÃO E HISTÓRIA
praça em frente à Igreja das Mercês (SILVA, 2016, p.69; CHAVES, 2016, p. 20).
Localizava-se estrategicamente muito próximo à rua do Açougue (hoje Rua Gaspar
Viana), na qual, conforme afirma Cruz (1973, p. 276): “ O caminho aberto no bair-
ro da Campina onde estava localizada a casa em que se cortava o gado para venda
de carne aos moradores”, atraía a população para se abastecer de carne. O açougue
passou a ser um atrativo para comercialização de outros produtos nas proximidades.
Figura 1 – Praça das Mercês no final do século XVIII
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
Fonte: Google Earth modificado por Silva, 2013 (SILVA, 2016, p.64)
Perceber algo, qualquer objeto que seja, é perceber um fenômeno que se apre-
senta diante do perceptor ou percipiente12 e cada um tem seu modo de fazê-lo, poden-
do um único objeto - seja uma paisagem, um espaço aberto ou fechado qualquer - ser
captado por dois observadores de modos diferentes ou pelo menos com relativas dife-
renças nos detalhes ou nos aspectos mais básicos. Perceber uma feira ou um mercado
em uma cidade é observar minúcias, particularidades que podem ser importantes para
caracterizar esse equipamento público no contexto dessa cidade, pois a sociedade é
partícipe da sua formação e do seu modo de existir.
Percepção é mais que a reunião resultante das ações dos órgãos sensoriais
humanos atuando sobre um determinado fenômeno, porquanto vai além do que se
12
Perceptor ou percipiente é o sujeito que está a perceber algo, entendido como objeto ou fenômeno
(TUAN, 2012; SANTAELLA, 2012; MERLEAU-PONTY, 2017).
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MERCADOS E FEIRAS LIVRES EM BELÉM: PERCEPÇÃO E HISTÓRIA
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
[...], “um lugar tem “ componentes afetivos e humanos que ultrapassam a noção de
espaço [...] (CHAVES, 2016, p.18).
Mercados são percebidos, ao mesmo tempo, como lugares de passagem e per-
manência, espacialidades e temporalidades, de encontros e trocas, articulações e in-
terações entre sujeitos, objetos e fatores econômicos (SILVA; RODRIGUES, 2016).
Assim se apresentam os mercados e as feiras, como objeto de percepção, como lugar
de encontro, de compra venda, de afetividade humana aflorada em um meio social
popular, que aguça a sensibilidade dos sujeitos partícipes desses encontros, seja nos
seus bairros ou na feira e mercado do Ver-o-Peso no Centro Histórico de Belém do
Pará, dentro desse tradicional emaranhado cultural da Amazônia.
Pode-se considerar que outras feiras da cidade se espelham na maior e mais
significativa que é a do Ver-o-Peso: “O Ver-o-Peso é a mãe de todas as feiras de Be-
lém. Pode ver, toda feira da cidade quer ser que nem o Ver-o-Peso”, como declarou
Danilo, trabalhador do Mercado Bolonha do Ver-o-Peso, em entrevista (SILVA; RO-
DRIGUES, 2016). A percepção deste feirante encontra eco quando nos deparamos
com a imagem da feira e mercado da Pedreira, com espaços de comercialização dos
mais variados produtos, muitos dos quais também encontrados no Ver-o-Peso, cor-
roborando a importância não somente desta última, mas o caráter imprescindível de
seus espaços e do saber fazer que ali se desenvolve.
Para a feirante Beth Cheirosinha, conhecida vendedora de ervas medicinais
daquele lugar, entrevistada em 2016, “o Ver-o-Peso não dorme, é dia e noite fun-
cionando, a feira do açaí e a pedra do peixe funcionam de madrugada e encerram
de manhã. Aí começa a funcionar a maior parte da feira até de tardinha e quando os
feirantes saem a parte de alimentação continua entrando pela noite até emendar com
a madrugada seguinte” (SILVA; RODRIGUES, 2016). Beth Cheirosinha refere-se ao
funcionamento contínuo do Ver-o-Peso, percebendo esse lugar de um modo holístico,
ela o percebe integrado, tanto nos aspectos espaciais, como no tempo e nos aspectos
sociais, onde ela em poucas palavras situa a saída de feirantes – à tardinha – e a con-
tinuação da feira noturna, da madrugada e do dia seguinte.
As figuras 3A e 3B, mostram imagens de uma parte ricamente simbólica do
Ver-o-Peso, constituída pela Pedra do Peixe, o rio, o Mercado de Peixe, as embar-
cações que o abastecem de pescado, pessoas e ao fundo, prédios altos a cercar a
paisagem.
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MERCADOS E FEIRAS LIVRES EM BELÉM: PERCEPÇÃO E HISTÓRIA
Grupo de Pesquisa em Mercados Populares GEMP – CNPq, o qual realizou pesquisa no Projeto Merca-
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
Belém precisa das feiras e mercados, mesmo tendo toda a estrutura dos
supermercados, dos shopping centers. Os moradores dos bairros gostam
de comprar nas feiras e nos mercados porque encontram produtos fresqui-
nhos, com preço popular e com qualidade. O belenense nunca vai deixar de
comprar aí porque já é tradição, é a cultura regional, é o Ver-o-Peso repre-
sentando tudo isso (GIGANTE, liderança dos feirantes de Belém, 2016).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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MERCADOS E FEIRAS LIVRES EM BELÉM: PERCEPÇÃO E HISTÓRIA
REFERÊNCIAS
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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ARQUITETURA COMO TESTEMUNHO DO
PASSADO: um passeio pela Avenida Magalhães Barata –
Belém-PA
1. INTRODUÇÃO
1
Arquiteta, Tecnologista do Museu Paraense Emílio Goeldi, especialista em Preservação e Restauração
do Patrimônio Arquitetônico pela UFPA, com a pesquisa relacionada ao Restauro da Rocinha do Museu
Goeldi. Em 2015 concluiu o Mestrado pelo PPGAU/UFPA, tendo como objeto de pesquisa a Avenida
Magalhães Barata. E-mail: calliari@museu-goeldi.br
2
Arquiteta e Urbanista, Doutora em Antropologia, Pós-doutoramento em História da Arte (Universidade
de Lisboa), Professora Associada FAU/PPGAU/UFPA, Coordenadora do Laboratório de Memória e Pa-
trimônio Cultural (LAMEMO). E-mail: cybelle1974@hotmail.com
3
Nascido no município de Belém, na localidade denominada de Val de Cãs, a 2 de junho de 1886, e
falecido no dia 29 de maio de 1959, em sua residência, a Rua Dr. Moraes. Político influente adquiriu a
confiança e admiração do povo por meio de suas obras que foram grandes e proveitosas à coletividade.
Foi por duas vezes nomeado interventor federal no estado do Pará, a primeira vez em 1930, exercendo
o cargo até 1935, e a segunda vez em 1943. Saindo em 1945 em virtude da deposição do Presidente de
Getúlio Vargas. (CRUZ, 1992, p. 58).
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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ARQUITETURA COMO TESTEMUNHO DO PASSADO: UM PASSEIO PELA AVENIDA MAGALHÃES BARATA – BELÉM-PA
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
Não existe, contudo, um momento exato em que o espaço “se torna” Lu-
gar. Existe, sim, um processo contínuo, ininterrupto, no qual o ambiente é
modificado, recebe afetos, toma novas significações, modifica o indivíduo
que o usa e retorna a ser alterado em seus valores e significados a cada mo-
mento. A esse processo ininterrupto chamamos de “moldagem do Lugar”
(DUARTE, 2010, p. 7).
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ARQUITETURA COMO TESTEMUNHO DO PASSADO: UM PASSEIO PELA AVENIDA MAGALHÃES BARATA – BELÉM-PA
Fonte: Mapa CODEM, alterações e marcações da autora, editado por Cristhian Cabral,2020.
4
Irmã Ana Clemes Melo, 88anos, concedeu esta entrevista em 13 de agosto de 2014.
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
5
Dulce Maroja, 58 anos, médica aposentada, concedeu a entrevista em 12 de agosto de 2014.
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ARQUITETURA COMO TESTEMUNHO DO PASSADO: UM PASSEIO PELA AVENIDA MAGALHÃES BARATA – BELÉM-PA
6
Manuel Marojah Neto foi Governador do Estado de 6 de novembro de 1945 a 9 de fevereiro de 1946.
Fonte: Lista de governadores do Pará. Tribunal Superior Eleitoral. Centro de Divulgação da Justiça Elei-
toral. Disponível em: http://agencia.tse.gov.br/sadadmagencia/index.jsp
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
7
Consultado dos relatórios governamentais de 1882, p. 48 - Provincial Presidential Report Disponível
em: www-apps.crl.edu/brazil/provincial/para.
8
Arquiteta especialista em Preservação do Patrimônio Histórico do Governo do Estado do Pará.
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ARQUITETURA COMO TESTEMUNHO DO PASSADO: UM PASSEIO PELA AVENIDA MAGALHÃES BARATA – BELÉM-PA
O Sr. Elias Melo veio trabalhar no Museu Goeldi muito jovem como auxiliar
de pesquisa na área de Botânica, depois na piscicultura, tendo exercido também a fun-
ção de porteiro da Instituição. Durante a entrevista realizada no Parque Zoobotânico,
o Sr. Elias Melo demonstra um grande apego emocional e uma estrutura cronológica
clara da narrativa, aliada a relatos históricos importantes, como o fato do entrevistado
ter prestado serviços para o Governador Magalhães Barata, como ajudante de ordem,
em seus horários de folga do Museu Goeldi.
Depois do casamento com dona Teodora, Elias Melo e a esposa moraram seis
meses na antiga pousada (imóvel com características de Rocinha, que pertence ao
acervo do Museu Goeldi), isso na década de 50, como ele fala:
9
Segundo Leandro Tocantins (1963), Rocinha foi o termo usado para designar o conjunto que formava
a pequena propriedade rural: campo, floresta, pomar e casa. Usualmente significava a vivenda cercada
de árvores silvestres, de fruteiras, jardins rústicos, na paz dos subúrbios. Era comum as construções de
Rocinhas no Caminho do Utinga (Antiga estrada de Nazareth e posteriormente Avenida Nazaré) e Estrada
da Independência, área afastada do centro da cidade.
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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ARQUITETURA COMO TESTEMUNHO DO PASSADO: UM PASSEIO PELA AVENIDA MAGALHÃES BARATA – BELÉM-PA
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A antiga residência oficial dos governadores paraenses. Erguido no início do século passado, na antiga
Avenida Independência, o palacete residencial possui elementos estéticos do ecletismo -com recursos do
neoclássico misturados a outros elementos estilísticos e decorativos. Uma curiosidade é o fato de que o
palacete foi alugado ao Estado para ser utilizado como residência dos governadores Enéas Martins e Lau-
ro Sodré. Mas, oficialmente, em 1933, o primeiro inquilino a morar foi o interventor federal Magalhães
Barata, quando o terreno foi adquirido pelo Estado para ser a Residência Oficial do Governador do Pará.
Com o passar dos anos, foram acrescidos à residência alguns elementos como o extenso gradil perten-
cente ao antigo reservatório Paes de Carvalho, um trabalho em ‘Art Nouveau’ da firma inglesa Walter
Macfarlane, e o pavilhão Frederico Rhossard (homenagem ao jornalista e poeta paraense), de procedên-
cia Europeia, e que fazia parte do conjunto da Praça da República. O conjunto histórico sobreviveu sem
boas condições de uso até 1981, quando foi tombado pelo Estado e desativado como residência oficial do
governador, em 1992. O conjunto arquitetônico foi restaurado e inaugurado Como Parque da Residência
em 1995. Fonte: Pará, Secretaria de Cultura do Estado e Estação Gasômetro. Belém. SECULT .2000.
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
marco histórico do saneamento em Belém foi construída de forma cilíndrica com ca-
pacidade de 1.570.000 litros, o reservatório tem 25 m de altura, feito em ferro forjado
e sustentado por colunas de ferro fundido (ANDRADE, 2010, p. 94).
A caixa d’água tem valor de rememoração, cercada por grades, sem acesso
ao público, parece um monumento para contemplação à distância. No outro lado da
via observa-se apenas a repetição de modelos arquitetônicos, com pequenos vãos
de abertura, mantendo a mesma volumetria, formam um paredão que finaliza a via.
Novamente temos a sensação de amplitude e alargamento, a vista converge para o
Mercado de São Brás e a Praça Floriano Peixoto que lhe serve de moldura. A monu-
mentalidade do mercado adornada pela praça, favorecida pela área alargada, opera
de acordo com posição do transeunte, determinando os vários pontos focais e varia-
das visuais, possibilitando a observação dos detalhes marcantes deste monumento de
nossa arquitetura.
O Mercado de São Brás11 cuja obra de construção iniciou em 1º de Maio de
1910 e terminou em 21 de Maio de 1911, teve projeto atribuído ao engenheiro ita-
liano Filinto Santoro. O mercado possui estrutura em ferro agrega elementos do Art
Nouveau e do Neoclássico, com detalhes escultóricos também em ferro e azulejos
nas paredes internas. Ao descrever a imponência do mercado, reforçamos sua gran-
diosidade como um espetáculo para quem finda todo o trajeto da Avenida Magalhães
Barata. Este espetáculo visual tem várias cenas, dependendo do olhar atento ao qual
jamais passariam despercebidas, sua significação, as suas várias leituras.
5. PERCEPÇÕES E MEMÓRIAS
11
O Mercado de São Brás é uma construção da Belle Époque, construído em função da grande movi-
mentação comercial gerada pela ferrovia Belém –Bragança. Como ponto final do trem, haviam muitas
pessoas embarcando e desembarcando ali, tornando a área atrativa para a comercialização dos produtos.
Antônio Lemos, intendente de Belém na época, cedera a Filinto Santoro o terreno. Foram importados da
Itália os materiais e mão de obra para a execução do projeto (PANTOJA, 2014).
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ARQUITETURA COMO TESTEMUNHO DO PASSADO: UM PASSEIO PELA AVENIDA MAGALHÃES BARATA – BELÉM-PA
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Fabiano Homobono Paes de. De São Braz ao Jardim Público: 1887-
1931: Um Ramal da Estrada de Ferro de Bragança em Belém do Pará. Tese
(Doutorado em História Social), São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, 2010.
41
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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ARQUITETURA COMO TESTEMUNHO DO PASSADO: UM PASSEIO PELA AVENIDA MAGALHÃES BARATA – BELÉM-PA
ROCHA, Ana Luiza Carvalho; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua: estudo de an-
tropologia urbana. Iluminuras – Banco de Imagens e Efeitos Visuais. Rio Grande do
Sul, n.44, p.3-25, 2001.
SCHMIDT, Maria Luisa Sandoval; MAHFOUD, Miguel. Halbwachs: memória cole-
tiva e experiência. Psicologia USP. São Paulo 4 (1/2), 1993.
TOCANTINS, Leandro. Santa Maria de Belém do Grão-Pará: instantes e evoca-
ções da cidade. Prêmio de Artes Gráficas da VIII Bienal de São Paulo. Rio de Janeiro.
Conquista, 1963.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel,1983.
Sites Consultados:
CENTER for Research Libraries, Provincial Presidential Reports. Disponível em:
http://www.crl.edu/brazil/provincial. Acesso em: 10 abr 2014.
NOSTALGIA BELÉM. Disponível em: http://www.nostalgiabelem.com. Acesso em:
10 abr 2014.
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FACHADAS DE VIDRO: um signo na cultura
arquitetônica de Belém
Bernadeth Beltrão1
Celma Chaves2
1. INTRODUÇÃO
1
Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/UFPA, Doutoranda PPGAU/
UFPA.
2
Arquiteta e Urbanista (FAU-UFPA); Doutora em Teoria e História da Arquitetura (Universidad Poli-
técnica da Cataluña); Professora Associada IV FAU/PPGAU/UFPA. Coordenadora do Laboratório de
Historiografia da Arquitetura e Cultura Arquitetônica (LAHCA).
45
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
46
FACHADAS DE VIDRO: UM SIGNO NA CULTURA ARQUITETÔNICA DE BELÉM
3
“Símbolos também elementos aos quais algum significado especial foi atribuído...símbolos são relacio-
nados à cultura, isto é, os símbolos são criados pela práxis” (MALARD, 2006, p.41).
47
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
culos) em perceber nesse material, algo que ele deveria comunicar - esse é um ponto
primordial para alcançar a importância que foi atribuída ao vidro ao longo do tempo.
Objeto de reflexão, o vidro foi interpretado por Baudrillard (1997) como um
material próprio da ambiência moderna, modelo de recipiente moderno que não dei-
xava dúvidas quanto ao conteúdo (permissão do contato visual), mas que recusava
no mesmo ato o contato físico entre as partes - consumidor e produto, evidenciando e
aguçando ainda mais o desejo de consumo. Também discutido por Benjamin (1993),
o vidro pensado de modo semelhante a Baudrillard, foi entendido como material pró-
prio da cultura moderna, que provocava nos objetos e lugares no qual era inserido a
subtração de seus atributos essenciais, “[...] material tão duro e tão liso, no qual nada
se fixa. É também um material frio e sóbrio. As coisas de vidro não têm nenhuma aura
[...]” (BENJAMIN, 1993, p.117).
Outra crítica que Benjamin (1993) estabelece em relação ao significado do
material, associa-se a mudança de comportamento na sociedade, que segundo o autor,
poderia se resumir nas palavras de Scheerbart ‘‘cultura de vidro. O novo ambiente
de vidro mudará completamente os homens” (BENJAMIN, 1993, p.118). Para o filó-
sofo, essa mudança seria provocada também por outros fatores, mas sobretudo pela
pobreza da experiência humana adquirida por meio da produção capitalista, caracte-
rizada pela individualidade e excesso de informações rasas e efêmeras, que estimula-
riam a monotonia, resultante do cansaço das infinitas atribuições do cotidiano.
Ainda no século XX, devido às transformações tecnológicas e culturais ocor-
ridas nesse período, o vidro novamente ganhou destaque com mais um significado
representativo. Na Arquitetura Moderna, com novo uso, plástico e inédita qualidade
representativa nas edificações, esse material combinado com o aspecto da verticali-
dade nos edifícios, inseriram nas cidades, a partir dos centros produtores de cultura
ocidental, a fachada de vidro ou “transparedes” como definiu Baudrillard (1997).
Esse novo produto que intensificou o consumo do vidro nas construções, possibilitou
inovações em vários aspectos das fachadas, maior qualidade técnica, visual e de sig-
nificado, sua reprodução na paisagem urbana passou a transmitir a retórica imagética
combinada pela inovação tecnológica e poder econômico.
No Brasil, a fachada de vidro utilizada já nos anos 40 no prédio do Ministério
da Educação e saúde – 1946, possuía além das características representativas citadas
no parágrafo anterior, outros significados provenientes do comando estatal: a quali-
dade de reafirmação e legitimidade do poder do Estado que, posteriormente, desdo-
brou-se no caráter estético e representativo vinculado à modernidade e identidade
do país (SEGRE, 2013), expressos na arquitetura da nova capital do Brasil, Brasília.
Em Belém, a solução de fachada de vidro corporificou-se na década de 60 por
meio da arquitetura institucional do Banco do Brasil (agência 003) inaugurada em
48
FACHADAS DE VIDRO: UM SIGNO NA CULTURA ARQUITETÔNICA DE BELÉM
1966 na Avenida Presidente Vargas. Representando o poder estatal, esse tipo de fa-
chada que destoava totalmente das construções ao seu redor, tinha também o objetivo
de retratar o desenvolvimento impulsionado na região Amazônica. Salienta-se aqui
o senso de perceber tal região como espaço vazio, atrasado e carente de incentivos,
em um sentido claro de inferioridade ao restante do país, o que lhe conferia como um
terreno fértil para implantação de políticas que consideravam a produção da imagem
de cidade ideal. Criação essa que poderia ser alcançada por meio das transformações
físicas, materializadas na arquitetura, como exemplo do banco citado, “[...] portento-
sa obra, que tanto engalana a Avenida Presidente Vargas [...]4, equipamentos urbanos
entre outros. Tendo também as transformações abstratas produzidas no âmbito social
por intermédio da comunicação em massa, nos quais os discursos das ações moderni-
zantes eram interpretados e reconhecidos como linguagem maior de civilização. Em
resumo, o vidro e a fachada de vidro passaram a servir como um mecanismo da re-
presentação de poder econômico e social na construção da cidade (e de sua imagem),
passando a ser signo da modernidade e modernização instaurada em Belém.
4
A PROVÍNCIA DO PARÁ. J.C. e Assessores para sua orientação, 10 de maio de 1964, p. 6.
49
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
Por meio da figura 2 demonstra-se que existem situações em que se pode ob-
servar uma logística visivelmente distribuída dos serviços até a concretização da fa-
chada, como no caso dos edifícios 1 – Procuradoria Geral da União (PGU) e Tribunal
de Contas Estado do Pará (TCU). Casos em que se constata a diminuição dos servi-
ços, como nos edifícios 2 – Mirai Oficces e 3 – Torre Infinito, devido ao caráter de
incorporação do Agente Promotor/Financiador (o mesmo agente tem a responsabili-
dade de execução, promoção e gerência do empreendimento). E outras ocorrências,
como os edifícios 4, 5 e 6 (edificações baixas, com quatro pavimentos ou menos) de
uso comercial e de serviço, nos quais existem subtrações de serviços prestados. Nes-
ses últimos, destacam-se os edifícios 5 e 6 por ambos possuírem somente duas etapas
para alcançar a concretização da fachada, nota-se nessas amostras maior contraste
entre as tonalidades de cinza, observando-se a falta de profissionais habilitados para
a adequada execução da fachada.
Buscando compreender a razão, motivação de consumo dessas fachadas, ou
seja, qual a justificativa para a compra e uso das fachadas de vidro em Belém, reali-
zou-se entrevistas com agentes envolvidos nesse processo de materialização das fa-
50
FACHADAS DE VIDRO: UM SIGNO NA CULTURA ARQUITETÔNICA DE BELÉM
[...] tenho uns clientes que são donos de imóveis para alugar e eles estão
trocando as paredes pela pele de vidro, as vezes substituem, as vezes põe
por cima mesmo, porque dá, eles dizem que agrada todo mundo e eu acre-
dito, porque é uma coisa que agrada desde quem usa (a pele de vidro nos
edifícios) até quem passa na rua [...] (entrevista concedida à Bernadeth
Beltrão em 2018, pela empresa C).
5
Para saber os motivos dessa aquisição, realizou-se entrevistas com: dois funcionários de incorporadoras
que possuem empreendimentos verticais privados com fachada de vidro, ambos solicitaram sigilo de
suas identificações - Funcionário A trabalhou na construção do empreendimento Torre Infinito e Funcio-
nário B trabalhou na construção do empreendimento Mirai Offices; entrevistas com duas fornecedoras
e montadoras de fachadas de vidro na cidade, Petillo Tecnocenter e Empresa C (empresa solicitou sigilo
na identificação); entrevistas com oito locatários e proprietários de salas comerciais do edifício Mirai
Offices e entrevistas com os arquitetos Alcyr Meira e Paulo Chaves.
51
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
52
FACHADAS DE VIDRO: UM SIGNO NA CULTURA ARQUITETÔNICA DE BELÉM
Além do reflexo, outra qualidade técnica das fachadas de vidro tem origem
na sua própria construção, fundada na efemeridade da montagem e desmontagem de
suas peças pré-fabricadas, que podem ser substituídas individualmente ou coletiva-
mente por outras mais tecnológicas, assim que sua função estética, por exemplo, já
não mais servir. Tal situação é possível pois os componentes materiais (montantes,
quadros etc.) da fachada de vidro são produzidos e disponibilizados em tamanhos
padrões nas fábricas e fornecedores, com isso podem ser retirados e recolocados em
outras edificações, sob a condição de que suas dimensões estejam condizentes com
o modelo da fachada do edifício (o que não é recomendado, devido ao desgaste de
cada peça, mas é algo possível, segundo alguns entrevistados), logo, o que se constrói
aqui, reproduz-se ali.
A imponência desse tipo de fechamento vítreo é tamanha, que não é somente
a dimensão que deve obedecer ao padrão da fachada de vidro, o projeto arquitetônico
e os complementares necessitam se adequar às especificidades dessa vedação, inclu-
sive outras decisões devem considerar e submeter-se às exigências dessas fachadas
como as econômicas, técnicas, estéticas dentre outras.
Diferente da arquitetura tradicional, a envoltória não acompanha o volume,
o volume acompanha a envoltória. A embalagem define o conteúdo e por vezes a
disposição dos elementos desse conteúdo, a pele não se molda na forma, a forma se
molda na pele, pois a pele de vidro6 tornou-se um sistema autônomo da volumetria,
ainda que seja utilizada sob a justificativa de valorizá-la. Tão adversa da arquitetura
tradicional, nessa solução, a própria natureza do produto nasce desestruturando o
caráter ontológico de parede e janela na arquitetura, pois se perde a noção dos li-
mítrofes desses elementos, não se olha a partir de uma abertura delimitada, na qual
tradicionalmente havia se habituado, enxerga-se por um vão alargado que tem suas
dimensões de parede, porque também é uma parede, ao mesmo tempo em que é jane-
la. Essa desestruturação impõe um novo elemento na composição das fachadas, que
mistura a percepção visual e permite a continuidade entre os meios interior e exterior
por meio da visão.
Considerando essa reprodutibilidade, entende-se na prática o real significado
do caráter multiuso mencionado por um dos entrevistados e questiona-se a partir
disso, o caráter estético e imagético homogêneo que se impõe à paisagem da cidade.
Com usos diferenciados, onde uma repartição pública funciona no mesmo edifício de
uma padaria; de uma clínica ortodôntica que fechou e no prédio passou a funcionar
uma escola; ou neste edifício, que ao ser retirada sua identificação (figura 4), daria
para perceber que é uma igreja?
6
Termo expresso no sentido popular e não no sentido técnico ou produto tecnológico.
53
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
54
FACHADAS DE VIDRO: UM SIGNO NA CULTURA ARQUITETÔNICA DE BELÉM
REFERÊNCIAS
55
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
56
PESQUISA E PROJETO DE ARQUITETURA:
qualidades espaciais em foco
1. INTRODUÇÃO
1
Arquiteta e Urbanista, Professora Dra. FAU-PPGAU-UFPA, Coordenadora do Laboratório Espaço e
Desenvolvimento Humano (LEDH-UFPA).
2
Arquiteta e Urbanista, Doutoranda PPGAU-UFPA.
3
Arquiteta e Urbanista, Mestre PPGAU-UFPA.
4
Arquiteta e Urbanista, FAU-UFPA.
5
Arquiteta e Urbanista, FAU-UFPA.
57
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
58
PESQUISA E PROJETO DE ARQUITETURA: QUALIDADES ESPACIAIS EM FOCO
lógicos e pulsionais. São trabalhos que buscam superar temas tradicionais do projeto
de arquitetura e, de modo inclusivo, objetivam somar novas possibilidades, com es-
pecial atenção à descrição do espaço construído na Amazônia, preenchendo lacunas
vindas de teorias hegemônicas que, via de regra, deixam escapar peculiaridades sig-
nificativas a esse modo de vida.
As categorias de base topológica, menos tradicionais ao projeto de arquitetura
na escala do edifício, permitem a investigação da vida espacial de determinados con-
textos da habitação, o que possibilita a reflexão e crítica sobre a produção do espaço
mediante um leque abrangente de variáveis e necessidades humanas. Os resultados
das pesquisas têm oportunizado a sistematização de soluções, realizadas com e sem
arquitetos, que podem ser incorporadas ao saber formal, especialmente como subsí-
dio à concepção em projetos inseridos nas especificidades da realidade amazônica,
sendo uma delas o habitat ribeirinho.
Nesta linha de pesquisa, o tipo palafita amazônico foi caracterizado por Me-
nezes (2015) a partir de qualidades topológicas desenvolvidas por Norberg-Schulz
(1971) - relações de proximidade, de continuidade e de sucessão - para descrever
a interação da casa ribeirinha com o ambiente natural e entorno, bem como no seu
interior. As relações de proximidade referem-se ao contato com o ambiente natu-
ral, o rio e a floresta, e no interior da casa referem-se à localização do banheiro; já
as relações de continuidade envolvem a presença do sistema mata-rio-roça-quintal
(LOUREIRO, 2001), indicando que a dinâmica da habitação é muito mais do que um
local de abrigo, assim como representa o fluxo da circulação no interior da casa, o
qual é conectado ao ambiente de uso e não separado fisicamente por corredores; por
fim, a relação de sucessão aponta para os espaços de transição entre a edificação e o
entorno construído, representado por varandas, jiraus na cozinha, estivas privadas ou
qualquer outro elemento que se faça presente entre o público e o privado na habitação
ribeirinha amazônica (MENEZES, 2015; MENEZES et al, 2015).
Os estudos sobre o tipo palafita amazônico tiveram início com a investigação
das relações espaciais topológicas - proximidade, continuidade e sucessão - na co-
munidade Vila da Barca, em Belém (PA), desdobrando-se em um comparativo entre a
habitação formal (o projeto Vila da Barca) e a habitação informal em palafitas, iden-
tificando que esta comunidade possui fortes traços de uma cultura ribeirinha, mesmo
em perímetro urbano, observados na presença das relações topológicas na casa em
palafita, que, a priori, foram perdidas com o processo de remanejamento habitacio-
nal para o Projeto Vila da Barca, mas que buscaram ser resgatadas pelos próprios
moradores, a partir de modificações nas habitações de destino do reassentamento
(MENEZES, 2015; MENEZES et al, 2015). Os resultados permitiram a compreensão
da vida espacial das famílias estudadas e uma associação direta com referências espa-
59
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
ciais significativas que levam à caracterização do uso de tipos, o que apoia a análise e
concepção arquitetônica em contextos de reassentamento habitacional.
Na mesma direção, Paixão (2019) realizou um estudo longitudinal no contexto
de um programa de intervenção pública em assentamentos precários na cidade de
Belém-PA na comunidade Cubatão e seu correspondente projeto de reassentamen-
to, Projeto Taboquinha, localizados no Distrito de Icoaraci, Belém (PA). A pesquisa
buscou apoio teórico nos estudos de Gehl (2013) ao elencar categorias de natureza
topológica adotadas pelo autor na escala urbana, mas que pudessem ser transportadas
para a escala do edifício e cumprir seu papel com a incorporação da dimensão hu-
mana no projeto de arquitetura. Dessa forma, os conceitos de distância e espaços de
transição suave foram tomados como categorias analíticas investigadas na escala do
edifício (PAIXÃO, 2019).
A categoria distância, em seus desdobramentos, trouxe para a discussão con-
ceitos como espaço pessoal (FROM SOMMER e IACHINI, 2017; SOMMER, 1969;
ALEXANDER, 1977) amplidão (BARROS et al.,2005) e parâmetro projetual casa
longa e estreita (ALEXANDER, 1977); gradiente de intimidade (ALEXANDER,
1977) e privacidade (REIS, 2002; REIS e LAY, 2003). Já a categoria espaços de
transição suave, corresponderam a parâmetros projetuais de Alexander (1977),
como: espaço de transição (112), ambiente de entrada (130) e varandas e galerias
(166), os quais proporcionam inúmeras qualidades tanto para o espaço externo (ruas),
quanto ao interno (habitação), contribuindo de forma harmoniosa para a relação entre
usuário e espaço construído. Estas categorias foram evidenciadas a partir dos estu-
dos nas casas de origem dos moradores (palafitas na comunidade Cubatão – antes do
remanejamento), nas casas dos sonhos (retratadas por desenhos e falas dos morado-
res - antes do remanejamento) e estão sendo resgatadas nas casas da produção for-
mal (casa do Projeto Taboquinha – após o remanejamento) através das modificações
realizadas e planejadas pelos moradores, o que permite apontá-las como categorias
relevantes para auxiliar o projetista como ponto de partida na concepção da habitação
social na Amazônia.
A sistematização de categorias topológicas mostra-se como um mecanismo
profícuo para instrumentalização do projeto de arquitetura e abre caminhos para in-
corporação de temas não tradicionais ao projeto, conforme Del Rio (1998). A dis-
cussão de temas relacionados à vida humana vem demonstrando a importância das
referências espaciais no escopo do projeto, ou seja, a complementação de dados da
vivência espacial permite um aprofundamento da relação entre usuário e lugar, sus-
citando a formação de repertório com mais aspectos significativos, sendo incluídos
no tradicional percurso de projeto com a representação geométrica do espaço arqui-
tetônico e seus temas trabalhados nos aspectos formais e funcionais. Os repertórios
60
PESQUISA E PROJETO DE ARQUITETURA: QUALIDADES ESPACIAIS EM FOCO
61
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
62
PESQUISA E PROJETO DE ARQUITETURA: QUALIDADES ESPACIAIS EM FOCO
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
64
PESQUISA E PROJETO DE ARQUITETURA: QUALIDADES ESPACIAIS EM FOCO
quitetônico final propõe a configuração de continuidade entre dois blocos que se ligam por uma
grande varanda. Os blocos são apresentados em níveis diferentes do solo e se convergem por
uma circulação linear entre os setores, conectados com o ambiente externo através da relação de
sucessão proposta pelas varandas de cada setor, até chegar à grande varanda onde é feita a união
dos dois blocos.
65
Quadro 3 – Síntese dos resultados.
RELAÇÃO DE
PROXIMIDADE Proximidade com
E DISTÂNCIA massas d’água e floresta
(perto).
Centros e Lugares
NORBERG-
SHULZ, 1971 Localização do banheiro
(longe do setor íntimo e
social, ou fora da casa). UBS FURO DO NAZÁRIO
(BARCARENA-PA) – FELISBINO 2018
Amplidão BARROS
et. Al., 2005 Formato retangular,
dimensão dos cômodos,
número de aberturas
(janelas) para entrada da
66
Espaço Pessoal luz natural.
FROM SOMMER
E IACHINI, 2017
Gradiente de
Intimidade
ALEXANDER,
1977 Configuração linear da
casa que permite
privacidade entre os
cômodos
Casa Longa
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
e Estreita
ALEXANDER,
1977
ALEXANDER,
1977
Limites
NORBERG-
SHULZ, 1971
67
Espaço de
Transição
(ALEXANDER, Varandas cobertas e
1977); pequeno comércio na
fachada da casa.
Ambiente de
entrada
(ALEXANDER,
1977);
Varandas e Galerias
PESQUISA E PROJETO DE ARQUITETURA: QUALIDADES ESPACIAIS EM FOCO
(ALEXANDER,
1977).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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PESQUISA E PROJETO DE ARQUITETURA: QUALIDADES ESPACIAIS EM FOCO
REFERÊNCIAS
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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PESQUISA E PROJETO DE ARQUITETURA: QUALIDADES ESPACIAIS EM FOCO
71
RUÍNAS COMO PATRIMÔNIO EM JOANES –
MARAJÓ: olhares nativos e perspectivas arqueológicas
Renata de Godoy1
Cybelle Salvador Miranda2
Ana Laura Pereira de Melo Dias3
1. INTRODUÇÃO
1
Arquiteta e Urbanista e Mestre em Gestão do Patrimônio Cultural (PUC-GO), PhD em Antropologia
(Universidade da Flórida), Professora Adjunta UFPA, Faculdade de Ciências Sociais, PPGA e PPGAU.
E-mail: godoy@ufpa.br.
2
Arquiteta e Urbanista, Doutora em Antropologia, Pós-doutoramento em História da Arte (Universidade
de Lisboa), Professora Associada FAU/PPGAU/UFPA, Coordenadora do Laboratório de Memória e Pa-
trimônio Cultural (LAMEMO). E-mail: cybelle1974@hotmail.com.
3
Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/UFPA, email: analaura.melo@
hotmail.com.
73
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
Este é certamente o caso das ruínas de Joanes, tão decantadas como marco co-
lonial amazônico, porém tão suscetíveis ao desaparecimento que, embora seja parte
do destino de todas as coisas relacionadas ao devir humano, representaria uma lacuna
na história da povoação marajoara, e um vazio na paisagem das margens da baía do
Marajó. Este capítulo busca abordar, via etnografia, a maneira como estes vestígios
são entendidos no presente, pelos nativos da vila ou seus visitantes.
O capítulo apresenta duas pesquisas etnográficas que visavam compreender
Joanes enquanto patrimônio cultural na contemporaneidade. Ana Laura, sob orienta-
74
RUÍNAS COMO PATRIMÔNIO EM JOANES – MARAJÓ: OLHARES NATIVOS E PERSPECTIVAS ARQUEOLÓGICAS
ção de Cybelle Miranda, realizou etnografia sondando a visão dos moradores sobre
os vestígios da antiga missão. Renata de Godoy utilizou estratégias etnográficas
para acessar os impactos do uso turístico do sítio arqueológico que existe associado
às ruínas em Joanes. Com abordagens diferenciadas, as pesquisas a seguir mostram
como o patrimônio arquitetônico e arqueológico de Joanes, município de Salvaterra
no Marajó/PA é vivido, compreendido e utilizado por atores, sejam moradores sejam
visitantes, na atualidade, enquanto uma memória viva.
2. ETNOGRAFIA EM JOANES
4
As incursões foram realizadas em julho de 2017 e novembro do mesmo ano, durante as férias de verão
e no Círio de N. Srª do Rosário.
75
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
76
RUÍNAS COMO PATRIMÔNIO EM JOANES – MARAJÓ: OLHARES NATIVOS E PERSPECTIVAS ARQUEOLÓGICAS
Contudo, a percepção das ruínas enquanto patrimônio, sob a visão dos mora-
dores, oscila entre a vivência desses vestígios e até sua apropriação para a edificação
de outras construções. Além da escalada nas ruínas, a retirada de pedras das mesmas
é uma prática frequente entre os moradores e visitantes do local, ocorre também a
retirada das pedras que ficam abaixo do barranco, na praia; essas pedras são utilizadas
para o alicerce das casas que são construídas na Vila até os dias de hoje. Tal prática é
danosa, com risco iminente de erosão do barranco que suporta as ruínas, que pode vir
a redundar na perda definitiva destes vestígios arquitetônicos.
77
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
78
RUÍNAS COMO PATRIMÔNIO EM JOANES – MARAJÓ: OLHARES NATIVOS E PERSPECTIVAS ARQUEOLÓGICAS
5
Os financiamentos foram obtidos através de bolsa de pós-doutorado Júnior (PDJ) do CNPq, e Estágio
Pós-doutoral da Capes.
79
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
6
Anos antes, houve um evento negativo envolvendo grupos de motivação política em disputa na localida-
de. Assim, decidiu-se entrevistar apenas os arqueólogos e não abordar o público local. Não haveria tempo
suficiente em campo para uma interação adequada com a comunidade, e foi escolha da pesquisadora
utilizar uma metodologia menos invasiva.
80
RUÍNAS COMO PATRIMÔNIO EM JOANES – MARAJÓ: OLHARES NATIVOS E PERSPECTIVAS ARQUEOLÓGICAS
dificação, ora recebendo novas informações sobre o bem cultural ora servindo como
publicidade para a festividade do Círio.
Sobre as entrevistas semiestruturadas individuais com arqueólogos que co-
ordenaram pesquisas no estudo de caso escolhido, elas foram subdivididas por três
assuntos a serem perguntados, sendo eles: 1) o primeiro contato de cada um com o
sítio PA-JO-46; 2) como foi a experiência de cada um com a comunidade local en-
quanto conduziram suas pesquisas; e 3) a opinião de cada um em relação ao turismo
arqueológico presente e potencial para este sítio. Todas as entrevistas foram grava-
das com consentimento do entrevistado7. Os três arqueólogos relataram situações
diversas envolvendo seu primeiro contato com o sítio, sendo que Fernando Marques
conduziu pesquisas ali desde a década de 1980, e Márcia Bezerra de Almeida ainda
tinha um projeto em andamento em Joanes na ocasião. Denise Schaan foi a primeira
a relatar sobre o incidente que ocorreu em virtude da interferência do IPHAN no sítio
em meados dos anos 2000, e da existência de indivíduos que se sentiram ameaça-
dos politicamente com tais intervenções. Todos eles relataram questões institucionais
atrapalhando o diálogo deles com a comunidade local, e a animosidade dos nativos
com os demais que migraram para o distrito, fato também identificado nas visitas
a campo. Denise relatou sobre uma iniciativa importante de instituições ligadas ao
turismo numa tentativa de estabelecer uma parceria com os pesquisadores, mas que
a demanda imediata por ações por parte destes órgãos entrou em descompasso com o
tempo da pesquisa científica. Fernando fez relatos similares, mas ressaltou o fato das
ruínas estarem popularmente ligadas à ordem dos Jesuítas, informação que mesmo
contestada pela pesquisa permeia o imaginário local.
Márcia, talvez porque o viés de sua pesquisa é especialmente de diálogo com
públicos locais e pelo fato dela ainda estar em andamento, apresentou uma perspec-
tiva mais otimista em relação aos efeitos positivos do turismo na comunidade local,
especialmente pelo crescimento da participação comercial da Associação Educativa
Rural e Artesanal da Vila de Joanes (AERAJ).
Nas observações feitas em campo foi possível, sim, notar certo receio dos
moradores antigos em relação aos que vieram depois, impulsionados justamente pelo
desenvolvimento turístico, como donos de pequenos comércios e donos de pousadas.
7
Os três entrevistados foram arqueólogos que conduziram pesquisas importantes no sítio nas últimas dé-
cadas: Drª Denise P. Schaan em seu gabinete, na coordenação do PPGA/UFPA em 02/12/2013 em Belém/
PA; Drª Márcia Bezerra de Almeida em sua residência em Brasília/DF, em 18/03/2014; e Dr. Fernando
Luiz Tavares Marques em seu gabinete no Museu Paraense Emílio Goeldi em 14/04/2014, em Belém/PA.
A duração média de cada entrevista foi de 50 minutos.
81
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
82
RUÍNAS COMO PATRIMÔNIO EM JOANES – MARAJÓ: OLHARES NATIVOS E PERSPECTIVAS ARQUEOLÓGICAS
83
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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BERNARD, H. Russell. Research methods in anthropology: qualitative and
quantitative approaches, Altamira Press, Walnut Creek,2002.
84
RUÍNAS COMO PATRIMÔNIO EM JOANES – MARAJÓ: OLHARES NATIVOS E PERSPECTIVAS ARQUEOLÓGICAS
BEZERRA, Márcia “As moedas dos índios”: um estudo de caso sobre os signi-
ficados do patrimônio arqueológico para os moradores da Vila de Joanes, ilha de
Marajó, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas 6,
1 (2011), 57-70.
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Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2014a.
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FERREIRA, Luzia Gomes. O lugar de ver relíquias e contar história. O museu
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85
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
86
VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: lugar de
arquitetura, cultura e sociabilidade na Amazônia
brasileira
1. INTRODUÇÃO
1
Arquiteto e Urbanista (UFPA), Doutor em Antropologia Urbana (PPGSA/IFCH/UFPA), Mestrado em
Arquitetura (PROArq/UFRJ), Professor Associado da FAU/ITEC/UFPA. Diretor da FAU/ITEC/UFPA
no biênio 2019-2020.
2
Arquiteto e Urbanista, Designer, Mestrando em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Gradu-
ação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade do Pará (UFPA) – Instituto de Tecnologia
(ITEC).
87
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
(SILVA, 2010, p. 183-187) é um espaço que, portanto, não se limita às trocas co-
merciais (LEITÃO, 2010), mas se estabelece como um verdadeiro mercado de bens
simbólicos.
O Complexo Ver-o-Peso, popularmente conhecido como feira do Ver-o-Peso
ou Mercado Ver-o-Peso, é um local multiuso na cidade, com vários destaques, dentre
os quais, nos históricos e na arquitetura secular marcante, funciona também como
porto, ponto comercial e turístico de ampla importância socioeconômica e cultural.
Essa área espacial belenense é denominada pelo Poder Público Municipal de
“Complexo Ver-o-Peso” por reunir diversos segmentos espaciais, denominados de
setores, entre feiras, dois mercados, que são o Mercado de Peixe e o Mercado de
Carne (LIMA, 2010, p. 69), a Doca das Embarcações, mais conhecida como Doca
do Ver-o-Peso, em frente à qual está a Praça do Relógio, e na sua lateral se encontra
a Pedra do Peixe; assim, estão organizados esses setores na grande feira e no meio
desses encontra-se o prédio denominado de Solar da Beira e, no limite ao norte, está
a Praça do Pescador (SILVA e RODRIGUES, 2011, p. 336), onde hoje existe um
estacionamento ao ar livre para os usuários do Complexo.
O Ver-o-Peso, espacialmente, originou-se como um porto natural, semelhante
às praias de água doce que se conhecem nos dias atuais, os quais a povoação se apro-
priou; “ficava na desembocadura do alagadiço e igarapé do Piri, que lançava suas
águas na Baía do Guajará” [...] (ARRUDA, 2003, p. 63), local onde era praticado
o embarque e desembarque de pessoas e especiarias na cidade, nos idos da segunda
década do século XVII, em plena formação do domínio colonial português sobre o
Norte do Brasil. Bastou um trapiche rusticamente erguido na ribeira, juntamente com
uma balança para tabelar os produtos desembarcados ou embarcados e, por fim, uma
população necessitada de abastecimento que pouco a pouco foi se apossando daquele
lugar, dando início ao aglomerado mercantil que resiste vigorosamente nesta segunda
década do século XXI.
Dialogando a respeito da exatidão de sua origem, Cruz (1973, p. 107), afirma
que “[...] a casa do Ver-o-Peso, onde eram pagos os impostos a que estavam sujeitos
os gêneros trazidos para a sede da Capitania, foi instituída em Belém no século XVII,
em data não precisa, sendo a renda destinada à Coroa Real”, legitimando o propósito
de sua instalação. O mesmo autor apontou “o ano de 1625 como sendo o ano no qual
a renda do Ver-o-Peso passou a ser utilizada pelo Senado da câmara local para cobrir
as despesas correntes” (CRUZ, 1973). Mas a população da cidade, usuários e Gover-
nos Estadual e Municipal, consideram a data de 27 de março de 1627 como sendo o
início ou nascimento do Ver-o-Peso. Independente de data de sua fundação, a verdade
é que “o desenvolvimento histórico produziu um espaço a partir da unidade dialética
homem-natureza” (CARLOS, 1997, p. 29), as carências sociais produziram, a princí-
88
VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: LUGAR DE ARQUITETURA, CULTURA E SOCIABILIDADE NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
89
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
No lado oposto, na Avenida Portugal existem outros casarões, sendo que al-
guns já foram bastante descaracterizados como pode ser observado na figura 02 nas
proximidades do Mercado de Ferro. No Boulevard Castilhos França, desde a Aveni-
da Portugal até a rua Frutuoso Guimarães, encontram-se mais casarões, do mesmo
modo, muitos modificados nas suas formas originais. A negligência com o patrimô-
nio arquitetônico da cidade levou a destinos desagradáveis vários desses prédios em
frente ao Complexo Ver-o-Peso, embora existam aqueles conservados em suas for-
mas externas. Como pode ser comparado na figura 03, do ano de 1964 e a figura 4 do
ano de 2020, vários casarões foram modificados, nesse interstício de 56 anos, onde
é possível observar ainda a ocupação da Praça do Pescador pela feira livre do Ver-o-
-Peso (figura 04).
Figura 01 - Casarões da Tv. Marquês de Pombal
90
VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: LUGAR DE ARQUITETURA, CULTURA E SOCIABILIDADE NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
91
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
Figura 04 – Av. Boulevard Castilhos França, Feira sobre a Praça do Pescador e casarões
92
VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: LUGAR DE ARQUITETURA, CULTURA E SOCIABILIDADE NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Figura 06 (A, B e C) – Av. Boulevard Castilhos França, Exterior e interior do Mercado Bolonha
6A
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
6B
6C
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VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: LUGAR DE ARQUITETURA, CULTURA E SOCIABILIDADE NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
95
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
até a arquitetura e a arte de ferro dos prédios lá, é nosso cartão postal e deve ter um
projeto que toda Belém aprove a reforma, se não perde esse patrimônio”, referindo-se
ao projeto de requalificação do Ver-o-Peso apresentado pela Prefeitura do Município
aquele tempo, e, que a população não o aprovou em consulta pública3, com o parecer
final do Conselho de Arquitetura e Urbanismo Seção do Pará - CAU/PA, apontando
essa decisão. Danielle pode ser enquadrada em uma das classificações de Lima, onde
o entrevistado tem a noção de patrimônio como um bem comum, de historicidade,
antiguidade e valor artístico.
Por outro lado, existem aquelas pessoas que são a favor da “modernização” e
nesse sentido, ainda tomando entrevistas sobre a reforma ou requalificação do Ver-
-o-Peso em 2015, Manuel Vieira de 58 anos, posicionava-se a favor do projeto que à
época a Prefeitura apresentou, manifestou-se assim: “Tem que modernizar, mesmo,
dar conforto e higiene a quem vai na feira, no mercado, só encontra lixo e mau chei-
ro, dá é vergonha de dizer que é cartão postal da cidade, de levar alguém de fora pra
passear por ali. Aquela pedra onde vende peixe é só urubu, lixo. Um monte de prédio
velho que tinha mais é que trocar pra outros mais modernos”. A posição radical do
Manuel é pensamento de pessoas que não tem afeição sobre o lugar ou um conhe-
cimento sobre o tombamento4 a que o Ver-o-Peso foi elevado em 1977. Mas, em
relação ao depoimento de Danielle, pode-se observar que ambos do seu modo vêm o
Ver- o Peso como um cartão postal da cidade e, portanto, como um bem patrimonial.
Simbolismo e patrimônio caminham juntos no Complexo Ver-o-Peso, juntos com
as pessoas que o fazem dia e noite, seja como trabalhadores ou com frequentadores
diversificados.
Há nitidamente uma riqueza patrimonial e cultural cujo ápice do valor está no
simbolismo coletivo impregnado no belenense, o que é ratificado por vários autores,
como Leitão e Rodrigues (2011). A maior riqueza do Ver-o-Peso está contida no las-
tro de memória da própria cidade que pode ser ali encontrado. Há muito deixou de
ser apenas um porto e uma feira livre, na qual se negocia toda espécie de produtos
comestíveis, industrializados, vestuários, artesanato, ervas, etc., para se consolidar
como importante lugar de grande valor cultural e práticas culturais, onde o cotidiano
regional e o imaginário amazônico se reproduzem e se perpetuam por meio das mais
diversas atividades tradicionais – do preparo de alimentos ao uso de ervas com fins
3
Consulta pública que resultou no Parecer nº 001/2016 Comissão Especial de Política Urbana e Meio
Ambiente do CAU/PA-CEPUMA Assunto: Parecer elaborado para atender a Consulta pública sobre a
proposta de intervenção para a Feira do Ver-o-Peso, realizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), em comum acordo com o Ministério Público Federal – Pará (MPF-PA).
4
O complexo Ver-o-Peso foi tombado pelo IPHAN em 9/11/1977, através do processo de nº 812-T-1969
96
VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: LUGAR DE ARQUITETURA, CULTURA E SOCIABILIDADE NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
97
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
A Amazônia possui uma riqueza hídrica que se interliga em uma imensa ba-
cia, “na qual o Amazonas e seus tributários, a floresta exuberante e a vastidão de seu
território, que chega a ocupar 3/5 do território brasileiro” (FURTADO, 1987, p. 24).
Belém se beneficia dessa rede hídrica por possuir excelente posição geográfica, como
abordou Penteado (1968):
98
VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: LUGAR DE ARQUITETURA, CULTURA E SOCIABILIDADE NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
99
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
100
VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: LUGAR DE ARQUITETURA, CULTURA E SOCIABILIDADE NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
101
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
102
VER-O-PESO ENTRE ÁGUA E TERRA: LUGAR DE ARQUITETURA, CULTURA E SOCIABILIDADE NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
103
O TANGÍVEL TAMBÉM PODE SER “INVISÍVEL”:
reflexões acerca de bens culturais na cidade de Belém
(PA)
Renata de Godoy1
Luiz de Jesus Dias da Silva2
1. INTRODUÇÃO
Este texto tem o objetivo de refletir, de um modo geral, quanto aos bens cul-
turais na cidade de Belém do Pará, com foco mais particular naqueles que, mesmo
tangíveis, ficam na invisibilidade para a grande maioria da população citadina, que
apesar de ver, sentir e tocar não os percebem como tal. Existem aqueles bens que
são objeto específico da arqueologia, que estuda cultura material, desde alterações
na paisagem à objetos cotidianos, com objetivo de desvendar comportamentos que
raramente poderiam ser acessados através de documentos ou testemunhos orais. E
existem também os bens culturais tangíveis contemporâneos, objeto de estudo de
outras disciplinas, que parecem invisíveis pela sociedade.
No caso de Belém, o primeiro sítio referencial aos invasores ou colonizadores
portugueses que aportaram na foz do córrego do Piri, no ano de 1616 - iniciando a
consolidação do domínio das terras setentrionais do Brasil, à ordem da Coroa portu-
guesa - era ocupado pelos indígenas da etnia Tupinambá, população essa que com o
tempo foi sucedida, miscigenada e, aos resistentes, o destino foi o extermínio; restan-
do somente objetos e pertences por eles utilizados no cotidiano daquela época, mas
ficaram também os ensinamentos apreendidos pelas diversas gerações sucessoras, do
modo de interagir com o ambiente, a exemplo das construções de suas espacialida-
1
Arquiteta e Urbanista e Mestre em Gestão do Patrimônio Cultural (PUC-GO), PhD em Antropologia
(Universidade da Flórida), Professora Adjunta UFPA, Faculdade de Ciências Sociais, PPGA e PPGAU.
2
Arquiteto e Urbanista (UFPA), Doutor em Antropologia Urbana (PPGSA/IFCH/UFPA), Mestre em
Arquitetura (PROARQ/UFRJ), Professor Associado da FAU/ITEC/UFPA, Professor do PPGAU/UFPA.
Diretor da FAU/ITEC/UFPA no biênio 2019-2020.
105
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
des, que se enquadram como bens culturais presentes, embora invisibilizados. Mas,
os dois bairros que deram origem à cidade de Belém e outros locais ainda guardam,
hoje, muitas relíquias arqueológicas conhecidas e outras desconhecidas, por serem
imperceptíveis.
Esse mesmo princípio perceptivo pode se refletir nas demais localidades bra-
sileiras, uma vez que em toda espacialidade habitada existiu antes um sítio e uma
sociedade dita primitiva, a qual interatuou no ambiente, produziu bens culturais, pas-
síveis de estudos e desses restaram vestígios, dos quais muitas das vezes os sujeitos
do presente se utilizam de algum modo, sem dar a devida atenção ao valor histórico,
cultural e patrimonial contidos. Assim, estudando Belém é possível ver uma analogia
nacional.
Quando pensamos em patrimônio cultural material, parece óbvio que sua pró-
pria tangibilidade seria suficiente para que ele fosse percebido pela sociedade; afinal
trata-se de algo claro às nossas sensações. Entretanto, há muitos bens culturais que
estão presentes no cotidiano das cidades, das comunidades rurais, e que nem por isso
são percebidos. Estão invisíveis, e assim acabam vulneráveis em termos de proteção.
Um bom exemplo disso é a Terra Preta de Índio (TPI), tecnicamente denominada Ter-
ra Preta Arqueológica (TPA)3, que é comercializada como fertilizante apesar de ser
uma das categorias materiais estudadas tanto pela arqueologia, como pela geologia.
O mesmo se pode dizer de bens arquitetônicos singelos, que não represen-
tam os grandes conquistadores, ou elites poderosas que ocuparam ou ocupam lugar
de destaque nas narrativas históricas. Como o exemplo da arquitetura vernacular,
encontrada nas habitações ribeirinhas e indígenas; demonstrando que há muita sa-
bedoria popular espontânea e sucessiva em várias gerações, de adaptação ambiental,
que nosso modelo ocidental raramente segue, preferindo as propostas estrangeiras
de implantação urbana, não levando em consideração a arquitetura vernacular. As-
sim como as construções empreendidas pelos ocupantes colonizadores portugueses
são um legado patrimonial, as habitações de terra firme e as ribeirinhas executadas
mediante a sabedoria popular do indígena e depois do caboclo amazônida, são bens
culturais concretos, embora na invisibilidade, pela tendência de se acompanhar as
formas arquitetônicas importadas da Europa e depois de outros centros hegemônicos.
3
Em inglês ADE - Athropogenic Dark Earth, pois trata-se de algo manejado pela ação humana no passa-
do, portanto vestígio arqueológico.
106
O TANGÍVEL TAMBÉM PODE SER “INVISÍVEL”: REFLEXÕES ACERCA DE BENS CULTURAIS NA CIDADE DE BELÉM (PA)
107
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
Diante deste panorama, uma pesquisa com objetivo de analisar turismo ar-
queológico se encaixava perfeitamente nesta cidade, e foi conduzida em âmbito de
pós-doutorado (GODOY, 2013, GODOY, 2014). Em etapa inicial do projeto, como
parte da disciplina Antropologia Urbana4, utilizamos de métodos etnográficos para
tentar interpretar o comportamento de usuários em um dos principais equipamentos
de turismo da cidade: a Estação das Docas. Realizamos visitas de campo, utilizando
a metodologia de observação participante, em diferentes dias semanais e horários, e
o descaso da grande maioria dos frequentadores com a exposição e sítio arqueológico
foram evidentes.
A Estação das Docas é um espaço multiuso no Centro Histórico de Belém,
com restaurantes, bares, lojas e adaptado para eventos culturais e de toda sorte, espa-
ço que dificilmente passa despercebido para moradores e turistas. Lá existem objetos
espalhados ao longo da orla, um sítio arqueológico evidenciado (como o antigo forte
de São Pedro Nolasco), além de uma exposição interna com artefatos arqueológicos
que não foram resgatados no mesmo local, que divide atenção com o acervo da ex-
posição principal. Ao consultar sua divulgação oficial, no item História, percebemos
a importância de bens materiais que conferem um ar de exotismo e de autenticidade
como espaço cultural da cidade:
4
Disciplina optativa oferecida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA-UFPA) em 2017,
com participação de Amanda Carolina de Sousa Seabra, Camila de Fátima Simão de Moura Alcântara,
Cibelly Alessandra Rodrigues Figueiredo, Luciana Cristina de Oliveira Azulai e Sabrina Campos Costa.
Quem conduziu as entrevistas foi Sabrina Campos Costa.
108
O TANGÍVEL TAMBÉM PODE SER “INVISÍVEL”: REFLEXÕES ACERCA DE BENS CULTURAIS NA CIDADE DE BELÉM (PA)
109
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
110
O TANGÍVEL TAMBÉM PODE SER “INVISÍVEL”: REFLEXÕES ACERCA DE BENS CULTURAIS NA CIDADE DE BELÉM (PA)
Belém, capital do estado do Pará, é uma cidade celebrada por seu patrimônio
histórico e cultural construído ao longo de quatro séculos de fundação. Uma das
ocupações urbanas mais antigas no Brasil tem seu passado vinculado aos conquistadores
do período colonial e celebra especialmente edificações e transformações urbanas
decorrentes do ápice econômico ocorrido durante o ciclo da borracha. No entanto,
sua atual legislação urbanística e os níveis de proteção municipal, estadual e federal
pelo estatuto do tombamento não alcançam seu real potencial informativo, na medida
em que tais instrumentos isolados não conseguem alcançar o passado de populações
colonizadas, escravizadas e marginalizadas que já habitavam seu território antes da
conquista, ou mesmo daqueles que permaneceram invisibilizados nos documentos
históricos. Schaan (2009) faz um retrato muito distinto da Amazônia antes de 1500; e
em Belém, essa história ainda pode ser desvendada através de seus vestígios materiais.
Entendemos que a cultura material tem sim um viés transformador de relações
sociais, reproduzindo e legitimando valores que não necessariamente refletem res-
sonância patrimonial, mas que atuam como elementos distintivos de novas formas
de relacionamento através de uso político, simbólico e econômico. Neste sentido, a
perspectiva de vida social das “coisas”, defendida por Appadurai (2008), em que o
vínculo entre a troca e o valor é político, é representativa nesta análise.
O maior desafio para uma categoria fortemente arbitrária, instituída de cima
para baixo, é respeitar e incluir os sentidos atribuídos ao patrimônio para as popu-
lações vivas, e refletir se lidar com os vestígios do passado como uma categoria
ocidental e enraizada institucionalmente faz sentido para os próprios sujeitos inves-
tigados. O próprio conceito de patrimônio arqueológico tem sido debatido, sendo
uma leitura bastante interessante feita por Costa (2004), que afirma este como uma
111
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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O TANGÍVEL TAMBÉM PODE SER “INVISÍVEL”: REFLEXÕES ACERCA DE BENS CULTURAIS NA CIDADE DE BELÉM (PA)
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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O TANGÍVEL TAMBÉM PODE SER “INVISÍVEL”: REFLEXÕES ACERCA DE BENS CULTURAIS NA CIDADE DE BELÉM (PA)
Dos povos tradicionais existentes, nem todos são classificados dentro do De-
creto de número 6.040 de fevereiro de 2007, que institui a política relativa aos povos
e comunidades tradicionais, no qual cita como sendo tradicionais os povos indígenas
e os quilombolas, embora em seus artigos haja deixa para entender que os ribeirinhos
e outras comunidades, também o são, pois que:
115
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
A autora faz essa citação em um outro contexto, não se referindo aos povos
ribeirinhos, no entanto, como ela é considerada uma autoridade no tema e tratava de
patrimônio cultural, adotou-se este fragmento do seu texto como sendo relevante para
corroborar com a ideia que se quer passar, pois a autora se referia a outra categoria
das muitas comunidades tradicionais existentes, e para Lima (2010,p. 88), “o patri-
mônio imaterial ou intangível se constitui das culturas tradicionais e populares que na
atualidade passam a expressar o patrimônio cultural”.
Para Mesquita (2017, p.26), no ano de 2009 foram estabelecidos e avaliados
dois instrumentos de proteção e difusão do patrimônio cultural nacional:
[...] as inovações elencadas pela Carta de Nova Olinda no que tange aos
aspectos de difusão e educação trazidos com a implementação de casas
do patrimônio, e a chancela de paisagem cultural (Portaria IPHAN n.
127/2009), que amplia a possibilidade de proteção a partir da valorização
de aspectos da interação humana com o ambiente natural, além de ser base-
ada em pactuações entre comunidade e entes federados.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início deste texto, citamos a Terra Preta Arqueológica (TPA), terra, valas
e montes como vestígios arqueológicos invisibilizados no presente. Ela não está so-
zinha, em especial na Amazônia, onde as transformações identificadas na paisagem
também são vestígios de coletivos humanos extremamente complexos que ocupa-
ram um ambiente que, até meados do século XX, era considerado cientificamente
como inóspito para o desenvolvimento de grandes populações. São transformações
116
O TANGÍVEL TAMBÉM PODE SER “INVISÍVEL”: REFLEXÕES ACERCA DE BENS CULTURAIS NA CIDADE DE BELÉM (PA)
117
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
mos lembrar, são demandas que mudam com o tempo. Mas essa reflexão se estende,
em sua pretensão, para instigar novas pesquisas no sentido de provocar maior atenção
dos órgãos gestores patrimoniais e da sociedade em geral para que aproveitem a exis-
tência desses e de outros bens culturais. Através desta reflexão, propomos ao leitor
enxergar o invisível que se pode tocar.
REFERÊNCIAS
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O TANGÍVEL TAMBÉM PODE SER “INVISÍVEL”: REFLEXÕES ACERCA DE BENS CULTURAIS NA CIDADE DE BELÉM (PA)
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CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
120
PROJETO E LUGAR: peculiaridades locais da
arquitetura em design paramétrico amazônico
1. INTRODUÇÃO
1
Autora é Arquiteta, Professora Doutora FAU-PPGAU-UFPA, Coordenadora do Laboratório Espaço e
Desenvolvimento Humano – LEDH-UFPA) I Tainá Marçal dos Santos Menezes (Arquiteta e Urbanista,
Doutoranda PPGAU-UFPA) I Ana Carolina Vaz Penafort (Arquiteta e urbanista, Mestre PPGAU-UFPA)
I Danielli de Araújo Felisbino (Arquiteta e Urbanista FAU-UFPA) I Rosineide Trindade da Paixão (Ar-
quiteta e Urbanista, Mestre PPGAU-UFPA)
121
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
meio de interações circulares entre sistemas e/ou subsistemas e, através dos proces-
sos de feedback-loop e autorregulação, busca corrigir possíveis erros por meio da
análise do estado atual e o objetivo do sistema, não obedecendo a uma hierarquia
linear de ações quando visa uma meta ou objetivo (BROADBENT, 1973).
A disseminação de estudos com abordagem didático-metodológica, em com-
plementação aos métodos tradicionais de projetação no campo da arquitetura, per-
mite superar a associação da concepção arquitetônica a processos dinâmicos com
a inclusão de modelos mentais, complementando, com maior profundidade, as
tradicionais práticas que adotam como ponto de partida do projeto a representação
geométrica na arquitetura e modelos figurativos.
Assim sendo, descreve-se o processo de projeto envolvendo o design
paramétrico objetivando-se, por um lado, a diversificação de parâmetros locais com
a inserção das peculiaridades do lugar amazônico, bem como, o levantamento de
questões epistemológicas com a produção de conhecimento envolvendo questões que
vão e vem do objeto ao pensamento projetual.
O Workshop TrapiXe, realizado no ano de 2014 no Programa de pós-gradua-
ção em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (PPGAU-UFPA),
em parceria com professores e alunos do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Carlos (IAU-USP São Carlos) oportunizou o contato com esse
novo paradigma de pensamento e de prática projetual, com aplicação de conheci-
mentos para propostas de terminais hidroviários fluviais na região amazônica, como
descreve a equipe do Laboratório Espaço e Desenvolvimento Humano da Universi-
dade Federal do Pará (LEDH-UFPA) sobre o processo de concepção do projeto de
arquitetura para o Trapiche Brilhante em Belém (PA).
DESIGN PARAMÉTRICO
2.
122
PROJETO E LUGAR: PECULIARIDADES LOCAIS DA ARQUITETURA EM DESIGN PARAMÉTRICO AMAZÔNICO
123
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
3.
RUPTURAS PARADIGMÁTICAS NO PROCESSO DE
PROJETO: WORKSHOP TrapiXe
124
PROJETO E LUGAR: PECULIARIDADES LOCAIS DA ARQUITETURA EM DESIGN PARAMÉTRICO AMAZÔNICO
125
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
2
Danielli Felisbino, Tainá Menezes, Jordana Caminha, Rosineide Trindade e Ana Carolina Penafort.
126
PROJETO E LUGAR: PECULIARIDADES LOCAIS DA ARQUITETURA EM DESIGN PARAMÉTRICO AMAZÔNICO
127
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
128
PROJETO E LUGAR: PECULIARIDADES LOCAIS DA ARQUITETURA EM DESIGN PARAMÉTRICO AMAZÔNICO
129
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
-se o objetivo de visualizar a forma gerada em formato que pudesse ser fabricado e
montado como uma peça industrial.
A experiência de elaboração do projeto Trapiche Brilhante registrou o primei-
ro contato prático da equipe com o pensamento sistêmico e com o processo de projeto
paramétrico. Inicialmente, houve a dificuldade em lidar com as ferramentas compu-
tacionais paramétricas, assim como a de entender sobre um novo modo de pensar
o projeto de arquitetura, recorrendo-se, em alguns momentos, aos mecanismos do
processo de projeto tradicional, como o uso de croquis e a busca pela solução formal
da proposta, ou seja, em se antecipar uma forma pré-estabelecida, o que anula todo o
processo de concepção paramétrico.
Ao longo do desenvolvimento da atividade projetual, foi sendo construído e
melhor compreendido um novo modo de atuação profissional, através da familiarida-
de da equipe, dia após dia, com o processo cíclico, próprio do pensamento sistêmico,
a entrada e saída de informações que influenciam diretamente o desenvolvimento
da proposta, vistos automaticamente nas alterações nos scripts que modificavam a
solução como um todo, assim como a quebra de paradigma do enfoque aos aspectos
geométricos no processo de concepção ao utilizarem-se de relações espaciais do lu-
gar e entorno como norteadores da forma final.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
130
PROJETO E LUGAR: PECULIARIDADES LOCAIS DA ARQUITETURA EM DESIGN PARAMÉTRICO AMAZÔNICO
para contribuir com a revisão do ensino de projeto, considerando as crises nos para-
digmas vigentes. Para tanto, é necessário enfrentar a crise com atenção à complexi-
dade e à profundidade da cultura arquitetônica construída por milênios, assumindo a
medida de como as tecnologias entram no processo, admitindo que seja catalizadoras
de um pensamento sistêmico, pois ofereceram a possibilidade de operacionalizá-lo
dentro do escopo de projeto, o que cria diversas possibilidades pedagógicas, novas
práticas e espacialidades no ofício da profissão.
Embora o que tenha sido desenvolvido no workshop não tenha sido puramen-
te um projeto paramétrico, de acordo com o que determina a bibliografia, a prática
de ações próprias do pensamento tradicional em um processo paramétrico fez com
que os participantes refletissem criticamente a respeito e gerassem possibilidades de
construção de um pensamento sistêmico e mesmo de mudanças dos paradigmas de
pensamento, ensino e prática atuais.
Do ponto de vista educacional, contribuiu com o desenvolvimento de habilida-
des cognitivas baseadas no pensamento sistêmico e construção de uma autonomia de
pensamento crítico, segundo Panet Barros (2013), “com a aceitação da complexidade
e incompletude das soluções e com posturas que questionem as visões reducionistas,
verdadeiras e fragmentadas dos problemas” e com a criação de bases propícias para a
experimentação: preparação anterior do aluno para que este saiba o que deve buscar
e observar.
REFERÊNCIAS
131
CULTURA, SOCIEDADE E ESPACIALIDADES NA AMAZÔNIA
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