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Inventário do Patrimônio Cultural de Bento Gonçalves/RS: atualização e

análises contemporâneas.

Cristiane Bertoco1

Resumo: O município de Bento Gonçalves, originado da colonização italiana no Rio Grande do Sul, é
valorizado em roteiros culturais e turísticos distribuídos por todo o município. O processo de
imigração de diferentes etnias ocorrido no final do século XIX originou uma arquitetura
majoritariamente vernacular, que se modernizou a partir de 1920, com as ferrovias, industrialização e
novas influências culturais. A ocupação do território ao longo de itinerários coloniais moldou
identidades e territorialidades peculiares que se materializam em conjuntos edificados e paisagens em
cada roteiro. O patrimônio cultural do município é identificado pelo Inventário do patrimônio
edificado elaborado entre 1994 e 1996, o qual é reconhecido pelo Plano Diretor municipal. A gestão
eficiente desse patrimônio depende da atualização com informações mais completas, bem como
integração aos novos conceitos e instrumentos de preservação, gestão e planejamento urbano. Com o
objetivo de subsidiar a elaboração de políticas públicas a partir do Inventário, esse estudo segue as
metodologias de revisão bibliográfica, revisão documental e pesquisas de campo, para apresentar os
trabalhos de diagnóstico realizados entre 2013 e 2021. Primeiramente é realizada a revisão
bibliográfica sobre Inventários, modelos de fichamento e órgãos responsáveis pela sua elaboração. Na
sequência, é apresentada revisão documental sobre o inventário existente e o regramento dado pelo
Plano Diretor municipal acerca do tema. Por fim, são apresentados os resultados dos estudos de
campo, definindo a metodologia para cadastro sob a ótica dos conjuntos edificados e roteiros culturais,
apontando instrumentos de planejamento e gestão necessários para sua preservação.
Palavras chave: Patrimônio histórico, inventário, paisagem cultural, roteiros culturais.

1. INTRODUÇÃO
O Município de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, é um dos berços da colonização
italiana no Rio Grande do Sul, tendo, atualmente, grande projeção como destino indutor do
turismo no Brasil. O marco de seu processo histórico ocorre ao final do século XIX, quando
ocorre o processo de imigração europeia, através do qual a região recebeu diferentes etnias,
como poloneses, suecos, franceses e em maior número, os italianos, que conformaram a
diversidade cultural da cidade. Inicialmente denominada Colônia Dona Isabel, criada em 1870
na região conhecida como Cruzinha, começou a receber imigrantes em 1875, tornando-se
município em 1890, passando a denominar-se Bento Gonçalves (DE PARIS, 2006).
Até o primeiro decênio do século XX, o território foi ocupado de forma relativamente
isolada, uma vez que os transportes eram realizados em muares ou carroças, por meio de um

1
crisbertoco.arq@gmail.com Arquiteta e Urbanista na Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves - Museu do
Imigrante de Bento Gonçalves. Especialista em Reabilitação ambiental sustentável arquitetônica e urbanística.
antigo caminho de tropeiros, junto ao qual se desenvolveram estradas de integração regional 2,
e estradas denominadas linhas, picadas que foram a base para a demarcação dos lotes
coloniais e interligação das comunidades imigrantistas (POSENATO, 1983). Nessa época,
também era utilizado o transporte fluvial junto ao Rio das Antas e Rio Taquari.
A partir da década de 1920, com a chegada do transporte ferroviário, desenvolveu-se a
industrialização que permitiu maior integração da ex-colônia à capital, melhorando o
escoamento de produtos, a circulação de pessoas e diversificando as influências arquitetônicas
e culturais. Em um terceiro momento, com a instalação do 1º Batalhão Ferroviário entre 1943
e 19713, a cidade recebeu diferentes trabalhadores para as obras, de engenheiros e militares a
civis e recrutas, provenientes de diferentes regiões do Estado, causando grande impacto na
urbanização e integração étnica no município (DE PARIS, 2006).
Por fim, marcos como a criação da Fenavinho – Festa Nacional do Vinho – a partir de
1966, o desenvolvimento rodoviário ocorrido a partir da década de 1970, e ações para
preservação arquitetônica, ferroviária e vitivinícola a partir das décadas de 1980 e 1990,
deram impulso ao desenvolvimento turístico no município. Atualmente, os roteiros e atrativos
turísticos oferecidos na região estão relacionados à intenção de preservar e valorizar a cultura,
tradições e o patrimônio histórico, tendo como âncoras os roteiros Caminhos de Pedra, Vale
dos Vinhedos e Maria Fumaça. Com base nesses, outros roteiros de base cultural foram
criados, em todos os distritos, nas zonas urbanas e rurais (BERTOCO, 2014).
Sendo assim, a preservação do patrimônio histórico e cultural é muito importante para
o desenvolvimento local, tomando-se os bens culturais edificados e a imagem da cidade como
recursos turísticos. Por sua vez, o turismo e a economia criativa são as principais fontes de
sustentabilidade econômica da reabilitação de conjuntos históricos e comunidades, bem como
de geração de empregos e fomento a projetos culturais (BERTOCO, 2014).
Em Bento Gonçalves, o patrimônio histórico e a paisagem cultural são reconhecidos
pelo Plano Diretor instituído pela Lei Municipal nº 200 de 27 de julho de 2018, que define a
proteção à Paisagem Cultural, aos Itinerários Culturais e ao patrimônio histórico e cultural
edificado integrante do Inventário e conjuntos formados em seu entorno, sendo registrados em
mapa os itinerários, as edificações tombadas, inventariadas e de interesse para preservação
(BENTO GONÇALVES, 2018).

2
A Estrada Buarque de Macedo integrava as colônias alemãs e italianas de sul a norte, ligando Montenegro a
Lagoa Vermelha e as Estradas Silveira Martins e Júlio de Castilhos ligavam à Colônia Caxias, de oeste a leste.
3
Construção do Tronco Principal Sul, ligação ferroviária do Rio Grande do Sul com o centro do país.
O patrimônio cultural edificado do município é identificado pelo Inventário do
Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul, elaborado entre 1994 e 1996, sendo esse o
levantamento mais completo realizado das edificações históricas de Bento Gonçalves e Pinto
Bandeira. É constituído de 385 edificações ou sítios históricos, totalizando 472 fichas de
inventário, entre os mais diversos usos e atividades. Entretanto, existe a necessidade da
atualização dos dados com informações mais completas, uma vez que as fichas existentes
possuem mais de vinte anos, sendo necessários estudos históricos e levantamentos
arquitetônicos mais detalhados. Por outro lado, a preservação de bens de interesse patrimonial
não abrangidos naquele inventário, também depende da sua identificação e cadastro.
Buscando referências para a atualização do inventário do patrimônio histórico do
município, adotam-se as metodologias de revisão bibliográfica, análise documental e pesquisa
de campo. No campo teórico, busca-se primeiramente a discussão relativa ao conceito de
inventário, os órgãos responsáveis pela sua elaboração e modelos de fichas para
levantamento. Em um segundo tópico, busca-se uma revisão documental referente ao
Inventário existente e à proteção dada ao mesmo através do novo Plano Diretor municipal.
Na sequência, apresentam-se pesquisas de campo e documentais, com o fim de
analisar a situação do patrimônio cultural edificado em Bento Gonçalves, para subsidiar a sua
atualização, apresentando a metodologia adotada para o diagnóstico do patrimônio cultural
realizado entre 2013 e 2019. O diagnóstico foi realizado através da elaboração de um
mapeamento e banco de dados sobre o inventário existente, analisando a sua situação atual.
Através da análise documental e vistorias nos locais, foram realizados registros fotográficos
das edificações inventariadas e seus conjuntos, registrando-se também as edificações antigas
localizadas em seu entorno.
A partir de 2020, inicia-se o projeto Laços Patrimoniais: Construindo um inventário
colaborativo para Bento Gonçalves, com recursos da Secretaria de Estado da Cultura do Rio
Grande do Sul. Trata-se de um projeto de educação patrimonial, que teve ações adaptadas em
função da pandemia de COVID-19, tornando-se um programa permanente do Museu do
Imigrante. Apresenta-se neste estudo a metodologia de elaboração de fichas de inventário
adotada, bem como as propostas de gestão e planejamento urbano voltada ao patrimônio
edificado e paisagístico, resultantes do programa.
O estudo aponta a caracterização do patrimônio cultural do município, diretrizes para
elaboração das fichas de cadastro de edificações, conjuntos históricos e roteiros culturais.
Indica-se a necessidade de continuidade do diagnóstico em paralelo à elaboração de fichas de
bens edificados e paisagens, tendo em vista a dinâmica da apropriação desse patrimônio pelos
usuários e comunidades depositárias. Além disso, propõe a abordagem do cadastro de
conjuntos históricos e itinerários culturais, fazendo referência ao patrimônio imaterial, à
paisagem e aos potenciais de reabilitação, identificando formas alternativas e sustentáveis de
preservação.

2. CONCEITO DE INVENTÁRIO E RESPONSÁVEIS POR SUA ELABORAÇÃO


O instrumento de preservação tradicionalmente aplicado e mais conhecido no Brasil é
o tombamento, no entanto não é o único que pode ser utilizado e nem sempre é considerado o
mais adequado para a preservação efetiva, por ser visto pela sociedade de forma negativa.
Rodrigues (2009) elucida que o Artigo 216 da Constituição Brasileira amplia o
conceito de patrimônio cultural para além dos bens isolados e do valor excepcional,
protegidos por tombamento, abrindo espaço para a preservação de edificações
individualmente ou em conjunto, que sejam referenciais à identidade, à ação e à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira e protegido através de diversos
instrumentos jurídicos.
O autor explica que “não é possível preservar todo e qualquer bem cultural, sob pena
de se congelar a vida cultural que tem natureza dinâmica” (RODRIGUES, 2009, p.28).
Assim, sempre haverá necessidade de escolher entre duas ou mais situações, devendo para
isso usar o princípio fundamental do equilíbrio, pesando as consequências previsíveis da
escolha, de forma que seja útil à comunidade e realizando um balanço entre as diferentes
repercussões (RODRIGUES, 2009).
Segundo Curtis (2003), a cidade é como um organismo vivo e por isso o patrimônio
ambiental urbano não pode ser um produto acabado, com componentes definidos em uma
listagem definitiva, sendo indispensável que a cidade e a paisagem urbana sejam
caracterizadas. O autor define paisagem urbana “o conjunto de bens imóveis, naturais ou
criados que na cidade, se apresentem interados pelo movimento de pessoas e objetos”
(CURTIS, 2003 p.330), que quando se tornam suporte para a evocação da memória coletiva
pode ser considerado patrimônio ambiental urbano.
Curtis define que as edificações que compõe o patrimônio ambiental urbano devem ser
avaliadas não apenas sobre os seus valores históricos e artísticos, mas também pelo seu valor
cultural no sentido mais amplo. Assim, indica graus de prioridade a serem avaliados na
identificação do que se pretende proteger, como valor arquitetônico, ambiental, uso atual,
raridade funcional, valor de conservação, acessibilidade, risco de desaparecimento, entre
outros (CURTIS, 2003).
Conforme Machado (2009), “o inventário é um processo administrativo onde se
identificam os valores culturais de um bem cultural, seja de natureza material ou imaterial”
(MACHADO, 2009, p. 50), sendo um ato do poder executivo. Entre as suas finalidades,
destacam-se os subsídios para a educação patrimonial e as políticas públicas de preservação,
assim como sua divulgação, valorização e mobilização para sua proteção. Sobre o material
técnico a ser elaborado e as características e valores a serem avaliados, define que:
O Inventário consiste no levantamento e identificação das características e valores
particulares de um bem cultural. Estas características são, dentre outros, de natureza
morfológica, histórica, estética, artística, arquitetônica, social, paisagística,
urbanística, antropológica, natural, além do estado de conservação e de dados que
permitam localizar o bem cultural como autoria, data de construção ou criação,
endereço completo e proprietário. Para bens culturais móveis cabe ainda fotografar
de forma detalhada e para bens imóveis, além das fotos, o levantamento das plantas
dos diversos níveis e fachadas e a indicação da situação do imóvel na cidade ou no
meio rural, e da sua relação com o entorno. (MACHADO, 2009, p. 51).
Já Arroyo (2009), avalia as possibilidades do Inventário como instrumento de proteção
do patrimônio cultural nas políticas públicas para além do tombamento, de forma planejada e
sistemática, com a participação de Conselho específico, equipe técnica e comunidade local.
Ressalta ainda sua importância na orientação do Plano Diretor e de áreas de proteção cultural.
Além de importante instrumento de gestão e monitoramento e condição para o
tombamento e o registro, o inventário é fundamental para orientar o Plano Diretor na
definição de áreas de interesse de proteção cultural, sejam elas urbanas ou rurais,
patrimônio histórico/arquitetônico, imaterial ou patrimônio natural. Tais
informações devem ser obtidas com critérios técnicos e objetivos e devem ser
sistematizadas em formulários, onde constará ainda a análise e justificativa dos
valores do bem cultural. (ARROYO, 2009, p. 72).
Rodrigues (2009) destaca que deve ainda ser avaliado se a um bem arquitetônico será
preservado integralmente, somente no aspecto externo, apenas alguns elementos ou autorizar
sua demolição. Para isso ser eficaz, indica que deve ser aplicado o princípio da participação,
pois a população é a produtora e a beneficiária dos bens culturais e possui legitimidade para
designar os valores que justificam a preservação.
Segundo o Manual de aplicação do Inventário Nacional de Referências Culturais
(IPHAN, 2000), o termo inventário por definição é ser um levantamento completo e
consequentemente, exaustivo, devendo para isso ser sistemático e coerente, através da
definição clara de critérios quanto à exclusão ou inclusão de elementos. Define ainda que
inventariar tem o significado de identificar e tornar conhecido, sendo primordial “descrever de
forma acurada cada bem considerado, de modo a permitir a sua adequada classificação”
(IPHAN, 2000, p. 28).
O manual avalia que os sentidos simbólicos característicos das atividades humanas
formam sistemas que não se limitam dentro de um território e grupo social, ou seja, “a um
determinado território não corresponde necessariamente uma sociedade e uma só cultura”
(IPHAN, 2000, p. 28). Assim, considerando a heterogeneidade, contradição e dinâmica dessa
realidade, os critérios adotados devem ser explícitos e de aplicação universal, com a
consciência de ser um conjunto aberto, que pode sofrer transformações no espaço e tempo.

2.1. Metodologias de levantamento estudadas


Para a definição das fichas de inventário foram utilizadas como referência as fichas do
Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão do IPHAN – Instituto de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, as fichas do Sistema de Rastreamento Cultural do IPHAE – Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul e as fichas do projeto
VICTUR/URB-AL – valorização do turismo integrado à identidade cultural dos territórios
(TONUS, 2007).
Referente ao Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG) do IPHAN [2009],
foram analisados os módulos de conhecimento e cadastro M102 (contexto imediato), M302
(bem imóvel – arquitetura – caracterização externa) e M304 (bem imóvel – conjuntos
arquitetônicos e rurais). O SICG é formado por módulos, sendo o Módulo 1, de
conhecimento, e o Módulo 3, de bens imóveis. A identificação de todas as fichas indica o
recorte territorial – identificação da região a ser estudada, recorte temático – identificação do
estudo e identificação do sítio ou objeto de análise. Essa divisão permite a relação do objeto
estudado com o seu território, demarcando o pertencimento do bem a um grupo social.
Do módulo de conhecimento, destaca-se o contexto imediato, que registra de forma
descritiva as informações gerais das localidades, tais como síntese histórica, aspectos
geográficos, caracterização morfológica e tipológica do sítio, iconografia histórica, seleção de
imagens, mapeamento e cartografia, assim como referências ao patrimônio imaterial. Com
esse modelo é possível a visão geral de um conjunto, itinerário ou roteiro, dentro de um
contexto histórico e geográfico, identificando as edificações, paisagens e manifestações
culturais com interesse para o inventário. Já no módulo de cadastro de bens imóveis de
arquitetura, os modelos de fichas seguem divisão por nível de detalhamento.
Foram analisados o cadastro geral de informações básicas, o de caracterização externa
e o de conjuntos arquitetônicos rurais. O cadastro geral identifica o bem arquitetônico com
informações básicas optativas, como natureza do bem, proteção existente e proposta, contexto
(urbano, rural, características do entorno), propriedade, estado de preservação e de
conservação, bem como informações históricas, fotografias e outras.
A ficha de cadastro arquitetônico externo apresenta informações relativas às
características arquitetônicas, levantamentos existentes4 e informações complementares
(etnológicas, arqueológicas, manifestações culturais e coleções de peças). Já o modelo de
cadastro de conjuntos arquitetônicos e rurais identifica informações arquitetônicas do
conjunto5, especificidades históricas e sócio-culturais, inserção na paisagem, festejos e
saberes tradicionais, seleção de imagens, informações sobre a atividade econômica,
informações complementares, informações e necessidades de levantamentos e inventários.
Nas fichas do IPHAN, destaca-se a inter-relação entre o patrimônio arquitetônico e
outras modalidades de patrimônio, como arqueológico e etnográfico, para o qual é reservado
um campo específico de observações, onde podem ser registradas manifestações do
patrimônio imaterial, bens materiais móveis ou arqueológicos, que tenham relação com a
edificação. Outro ponto interessante é o registro das informações de forma objetiva, em
campos de preenchimento ou múltipla escolha, assim como a possibilidade de preenchimento
de fichas de cadastro por módulos, de acordo com o nível de detalhamento necessário.
Quanto às fichas do Sistema de Rastreamento Cultural do IPHAE [2013], foi analisado
em função de Acordo de Cooperação Técnica assinado em 2013 entre o município e o
Governo do Estado do Rio Grande do Sul, dentro do qual havia sido adotada a metodologia
do módulo 01 – Inventário de Bens Edificados. As fichas apresentam informações de forma
descritiva e fotográfica6, bem como ficha complementar com a análise arquitetônica e
localização. Dessa metodologia, destacam-se os valores de seleção estabelecidos aos bens

4
Planta ou croqui do terreno, fotografias das fachadas e detalhes importantes, descrição arquitetônica, citação de
existência de levantamento arquitetônico existente e outros levantamentos. A parte de múltipla escolha identifica
tipologia (religiosa, civil, oficial, militar, industrial, ferroviária, outra), época ou data de construção, uso original
e atual, topografia do terreno, pavimentos, medidas gerais da edificação e observações.
5
Planta ou croqui com escala gráfica, edificações na propriedade listadas por função (denominação, época de
construção, características gerais), existência de levantamento arquitetônico, entre outros.
6
Informações básicas como município e localidade, denominação do bem, endereço/ localização, proprietário,
uso original e atual, localização geográfica, proteção existente e proposta, existência de bens moveis, valores
estabelecidos, fotografias e imagens complementares (entorno, edificações, etc).
inventariados, divididos nas instâncias cultural, morfológica, funcional, técnica, paisagística e
legal7.
Já o projeto VICTUR/URB-AL – Valorização do Turismo integrado à Identidade
Cultural dos Territórios, foi uma iniciativa realizada no ano de 2007, envolvendo os
municípios de Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Flores da Cunha, que tinha por objetivo o
estímulo ao desenvolvimento turístico integrado à cultura das comunidades (TONUS, 2007).
Entre as ações realizadas, estudou-se a metodologia do Inventário do Patrimônio Histórico
Rural de Caxias do Sul, coordenado pela Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul e
executado pela Universidade de Caxias do Sul, através do ECIRS – Elementos Culturais das
Antigas Colônias Italianas do Rio Grande do Sul – e do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo.
Esse modelo realizou a identificação baseada na formação cultural de preponderância,
definindo como objeto de estudo o conjunto de edificações das comunidades e seu entorno,
levando em conta a formação territorial gerada pela coesão de grupo em torno à religiosidade
católica. O inventário sondou as múltiplas identidades existentes no município, com foco no
território cultural, de interação do homem com o ambiente, gerando acervos fotográficos,
expositivos, audiovisuais, entrevistas temáticas e inventário arquitetônico. O trabalho
realizado identificou, além do patrimônio edificado, algumas referências de patrimônio
imaterial, representado pelos saberes, fazeres e lugares a eles associados (TONUS, 2007).
Dentro deste tema foram inventariadas as capelas e a arquitetura civil, tendo como
premissa não a busca de uma imagem pré-concebida, mas sim a descoberta ou não
de novos signos que caracterizem a identidade dos grupos sociais. O produto final
consiste de mapas temáticos localizando os bens edificados levantados e fichas de
inventário de identificação desses edifícios. (TONUS, 2007, p.61).
Como resultado, o inventário arquitetônico é composto de três tipos de fichas: a ficha
de identificação da localidade, que identifica os conjuntos comunitários com mapas,
fotografias e elementos que constituem o sítio, destacando os que possuem valor histórico e
cultural. As fichas de registro fotográfico correspondem a elementos com valor cultural
mapeadas, em que não foi possível, naquele momento, o registro arquitetônico e histórico.
Assim, constam apenas da denominação, comunidade e endereço do bem, com registros
fotográficos relevantes.
7
Valores de referência histórica, valor de antiguidade, valor tradicional ou evocativo e referência coletiva; valor
arquitetônico, referência historiográfica, raridade formal, elemento referencial e compatibilidade dos anexos;
compatibilização com a estrutura urbana, potencial de reciclagem, uso tradicional e uso peculiar; raridade na
técnica construtiva, raridade no emprego de materiais, risco de desaparecimento e bom estado de conservação;
compatibilização com a paisagem urbana, conjunto de unidades – cenário, estruturação do cenário da quadra e
elemento referencial; proteção federal, estadual e municipal, através de incidência de legislação de preservação.
A ficha de identificação do objeto, que corresponde ao inventário de bem
arquitetônico, com localização, croqui, fotografias da fachada principal e complementares,
informações históricas da edificação, caracterização arquitetônica do objeto, informações
complementares e fontes documentais. A análise arquitetônica é realizada na forma de
múltipla escolha, identificando data de construção, implantação, grau de originalidade,
critérios de salvaguarda, tipologia, elementos formais (base, corpo e coroamento), entre
outros.

3. INVENTÁRIO E PLANO DIRETOR EM BENTO GONÇALVES/RS


O patrimônio cultural edificado do município de Bento Gonçalves é identificado pelo
Inventário do Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul, elaborado entre 1994 e 1996, sob a
sigla do IPHAN (12ª Coordenação Regional), Governo do Estado do Rio Grande do Sul –
SEDAC – Secretaria de Estado da Cultura – e IPHAE – Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico do Estado do Rio Grande do Sul. Esse documento consta de fichas de identificação
com dados como denominação, fotografia, situação e localização, coordenadas geográficas,
identificação de características arquitetônicas principais e elementos externos, bem como
datação e dados históricos (IPHAN; IPHAE, 1996)8.
As fichas de inventário, datadas entre 03/02/1994 e 24/03/1996, possuem numeração
identificada de PRS/94-0034.00001 a PRS/96 0034.385Q, resultando em 385 bens
inventariados, dos quais 71 localizam-se em Pinto Bandeira, município emancipado de Bento
Gonçalves. Cabe dizer, entretanto, que essa numeração corresponde ao número de edificações
isoladas ou conjuntos, uma vez que cada edificação dos conjuntos possui ficha própria
identificada por letras, de forma que, no total, são 472 fichas de inventário.
Entre as tipologias inventariadas encontram-se arquitetura residencial, tais como casas
urbanas e rurais; comércio, como lojas e mercados, edifícios públicos como escolas, correios
e prefeitura, indústrias como ferraria, moinho, cantinas e vinícolas. Também há representação
de arquitetura religiosa, como igrejas, capelas, campanários e capitéis, além de arquitetura
funerária, como cemitérios, túmulos, sepulturas e jazigos. Alguns sítios históricos possuem
fichas subdivididas, registrando edificações complementares, como paióis, estrebarias e
cozinhas, entre outros. Também estão registradas pontes, forno de olaria, luminárias e
reservatórios de água.

8
As fichas digitalizadas podem ser acessadas na íntegra, na coleção Inventário Municipal, do Museu do
Imigrante, disponível em: http://museudoimigrante.bentogoncalves.rs.gov.br/inventario-municipal/
Verifica-se, no material analisado, que a maioria dos bens inventariados corresponde a
edificações características da arquitetura da imigração italiana, datadas entre 1880 e 1955,
representativas do modo de viver na zona rural, em características vernaculares9
(POSENATO, 1983) ou ocupações urbanas da sede, de arquitetura eclética historicista e Art
Déco10 (COSTA et al, 2011). A maioria das fichas identifica os imóveis por sobrenomes
italianos, havendo poucas referências às outras etnias, como a polonesa e alemã. Também
foram identificadas algumas fichas por sobrenomes de origem portuguesa, relacionados
principalmente a autoridades municipais do período colonial ou seus descendentes.
As edificações identificadas nas fichas estão distribuídas por quase todo o município,
com exceção para áreas ocupadas posteriormente ao período citado. Suas localizações
identificam o distrito e as estradas ou linhas em que se situam, porém não são descritos nas
fichas as contextualizações históricas dos imóveis com as comunidades ou conjuntos dos
quais fazem parte, embora algumas fichas apresentem dados históricos da edificação, obtidos
por meio de entrevistas.
A maioria das fichas faz referência às características arquitetônicas principais, como
uso, número de pavimentos, características da fachada, cobertura e estrutura, citando outros
elementos externos, observações e eventualmente, mobiliário significativo. Todas as fichas
possuem apenas uma foto, mapa de situação e localização, porém a maioria não possui
levantamento arquitetônico, nem constam preenchidos os dados referentes à
compartimentação e elementos arquitetônicos internos, à área de terreno e de construção.
Verifica-se assim, a necessidade de complementação dos dados referentes às
edificações inventariadas, especialmente com fotografias internas e externas da edificação,
que demonstrem suas características peculiares, bem como dados históricos e levantamentos
arquitetônicos mais completos. Já quanto à diversidade do patrimônio inventariado, identifica-
se a pouca representatividade de reconhecimento de arquiteturas de outras etnias que tiveram
grande contribuição para o desenvolvimento do município, como a polonesa, assim como boa

9
Posenato (1983) indica quatro períodos para a arquitetura das colônias antigas, dentro dos quais os materiais
locais como pedra, madeira e tijolos eram produzidos segundo a tecnologia, economia e valores culturais de cada
época e lugar. Tem como características o emprego de trabalho humano livre, diversidade de soluções,
linguagem arquitetônica própria primando a simplicidade, uso de materiais existentes no entorno, realizado
através da habilidade artesanal e ideologia do trabalho.
10
Costa et al (2011) identifica como “moderna” a arquitetura construída a partir da crise econômica da década de
1930, incorporando elementos art déco e neocoloniais, principalmente nas fachadas, sendo influenciada pelo
modernismo a partir da década de 1950. Para a autora, o ecletismo ocorrido a partir de 1910, como resultado dos
Códigos de Posturas, também pode ser considerado parte da modernidade na Serra Gaúcha, uma vez que a
chegada do trem a Caxias do Sul impulsionou a urbanização e facilitou as trocas comerciais.
parte do patrimônio ferroviário e arquitetura protomoderna e modernista construídos na
segunda metade do século XX.

3.1. Diagnóstico para atualização do Inventário do Patrimônio Edificado de 1994-96


Com o fim de retomar o processo de atualização do inventário, bem como racionalizar
a identificação de edificações em análises de processos, iniciou-se em janeiro de 2013, no
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano – IPURB, a elaboração de um banco de dados
digital e do mapeamento dos bens inventariados pelo Patrimônio Cultural do Rio Grande do
Sul em Bento Gonçalves, com fins a gerar subsídios à atualização do inventário do patrimônio
cultural edificado.

Figura 1: Imagem de uma página do levantamento de conjuntos históricos.


Fonte: Do autor, 2020.
O estudo foi realizado mediante consulta à documentação sobre o Inventário existente,
bem como do mapa de listagem e localização dos imóveis tombados, inventariados e de
interesse patrimonial elaborado para a formulação do Plano Diretor de Bento Gonçalves de
2006, resultando na elaboração de tabelas com os dados principais das fichas de inventário
(figura 1). Em paralelo, analisando as informações geográficas nas fichas de inventário, foi
realizado o mapeamento sobre imagens de satélite, utilizando-se o software gratuito Google
Earth, identificando-se as edificações pela sua denominação e estado de conservação,
avaliadas em um primeiro momento através da visitação virtual pela ferramenta Google Street
View. Posteriormente, foram realizadas visitas presenciais aos locais, registrando-se essas
informações no banco de dados e no mapa (BERTOCO, 2013).
A etapa de visitas aos locais iniciou-se em 2013, inicialmente com o objetivo de
identificar o estado de conservação das edificações não encontradas através do software,
identificação de bens a serem incluídos e do seu entorno. Inicialmente foram registradas
fotografias externas das edificações e do entorno, visto que na maioria das vezes não havia
moradores presentes em função do horário comercial ou em função do abandono do uso da
edificação. Posteriormente, na medida em que eram encontrados moradores ou através de
solicitações de processos administrativos, e de acordo com a colaboração dos moradores ou
usuários, foram realizadas vistorias mais completas das edificações, com fotografias internas e
breves entrevistas, registradas através de relatórios.
Esse material gerou arquivos com os levantamentos fotográficos parciais ou completos
de cada edificação ou conjunto, utilizado para alimentar o banco de dados com fotografias,
passando a configurar o levantamento dos conjuntos históricos (figura 1). Essa etapa visava a
atualizar o zoneamento de preservação do patrimônio cultural e os zoneamentos de
preservação da paisagem previstos pelo Plano Diretor, com fins a gerar subsídios à sua
revisão então em andamento, bem como à possível lei de preservação do patrimônio cultural
do município. Dessa forma, resultou na definição do mapa do patrimônio e paisagem cultural
e no regramento dos incentivos à preservação do patrimônio cultural edificado, incluídos na
revisão do Plano Diretor do município (BENTO GONÇALVES, 2018).
Já a etapa de elaboração de fichas de inventário seguiu inicialmente o modelo do
sistema de rastreamento cultural disponibilizado pelo IPHAE – Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Estadual – visto que havia um acordo de cooperação técnica com o
mesmo. Foram elaboradas algumas fichas, referentes aos imóveis em que foi possível a
visitação interna, com a colaboração do proprietário. Na maioria das vezes, essa atualização
foi feita de forma a embasar a análise do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e
Cultural – COMPAHC – e a elaboração de projetos de intervenção, através de processo
administrativo aberto pelo proprietário. Uma vez que o convênio não foi renovado, foi
priorizada a visão macro dos conjuntos, para posterior cadastro de bens isolados.
As visitas foram realizadas com a estrutura funcional do IPURB – Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano até agosto de 2019. A partir dessa data, as visitas aos locais
e atualização do inventário passaram a ser realizados através da Secretaria Municipal de
Cultura. Através de projeto de educação patrimonial junto ao Fundo de Apoio à Cultura da
SEDAC – Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul – com a estrutura do Museu
do Imigrante, em 2020 inicia-se o projeto Laços Patrimoniais: Construindo um inventário
colaborativo para Bento Gonçalves (BERTOCO et al, 2021), o qual viabilizou a elaboração de
um livro, um jogo de trunfo e fichas de inventário mediante saídas de campo, oficinas on line,
entrevistas focais e ações de educação patrimonial.
Através do diagnóstico realizado, identificaram-se edificações ou sítios históricos que
devem ser estudados para inclusão no inventário, na zona urbana e rural. Muitas das
edificações ainda não inventariadas, identificadas como interesse de preservação, apresentam
características arquitetônicas do período de industrialização do município, entre 1955 e 1975,
em linguagens Art Déco, Neocolonial, Protomoderna e modernista (COSTA, 2011).
Dos conjuntos que merecem ser incluídos no Inventário, por seu valor histórico,
arquitetônico, evocativo e social para o município, destacam-se as Vilas Ferroviárias, pontes,
viadutos e túneis situados ao longo do Ramal Ferroviário Bento Gonçalves – Jabuticaba, bem
como as demais infraestruturas construídas pelo 1º Batalhão Ferroviário no município. Essas
construções representam, além de sua arquitetura moderna e importante marco histórico na
cultura da região, a diversidade cultural trazida de vários grupos sociais.
Da mesma forma, foram avaliados os locais que foram berço da imigração polonesa,
identificando outras edificações características de sua cultura a serem incluídas no inventário,
bem como a paisagem, buscando relacionar sua história e ocupação do território com as
demais imigrações ocorridas no município. As demais edificações com interesse de
preservação, configuram entorno das já inventariadas, geralmente da imigração italiana.

3.2. O Plano Diretor municipal e a preservação do Patrimônio Cultural


A Lei Complementar nº 200 de 27 de julho de 2018 (BENTO GONÇALVES, 2018),
dispõe sobre a ordenação territorial do município de Bento Gonçalves, através do Plano
Diretor municipal é aqui analisada para compreender a forma de proteção dada aos bens
inventariados no município, bem como a legislação na adoção de critérios para a seleção de
bens. O novo Plano Diretor insere em seu aparato legal o Inventário do patrimônio cultural
como documento básico de identificação do patrimônio histórico e dos conjuntos localizados
em seu entorno, conceitua os elementos que formam a Paisagem Cultural, os Itinerários
Culturais e o patrimônio histórico e cultural edificado, criando as Áreas de Proteção à
Paisagem Cultural - APPACs.
O Patrimônio Histórico e Ambiental é um dos elementos que compõe o Modelo
Espacial, “instrumento de planejamento em longo prazo, responsável pela determinação de
planos e projetos estruturantes do território municipal” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 2
Inciso II), sendo definido através das Áreas de proteção à paisagem cultural – APPAC,
localizadas junto às sedes comunitárias e entorno de bens culturais inventariados. O
patrimônio também é tutelado através dos elementos protegidos de cada zona urbana e rural
no Regime Urbanístico, que identifica as prescrições para ocupação e uso dos terrenos.
Uma das contribuições mais relevantes do texto da lei do Plano Diretor é a definição
das APPACs, determinadas pelo Artigo 90, que enumera os elementos da paisagem que
devem ser protegidos, buscando a compatibilização entre preservação e desenvolvimento.
Art. 90. Nas Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), identificadas no
ANEXO 5.3-ME, os elementos sob proteção podem ser do terreno natural e seu
relevo, da cobertura vegetal nativa ou resultante da atividade agrícola, de vinhedos
ou plantações históricas, das características da ocupação territorial, dos itinerários
culturais, do patrimônio histórico, das edificações e das combinações destes; em que
as condições de sua proteção podem ser referidas a gestão, conservação, manejo,
substituição, reforma ou justaposição, com o objetivo de compatibilização da
preservação da paisagem cultural e ambiental com a ocupação tradicional e o
desenvolvimento local, as quais deverão ser aprovadas pelo COMPAHC, cuja
chancela deverá ser acordada através de normatização específica. (BENTO
GONÇALVES, 2018, Art.90)
O Artigo 90 define ainda os conceitos de Paisagem Cultural, Itinerário Cultural e
patrimônio histórico e cultural edificado do município, os quais devem ser norteadores para a
atualização do Inventário. Destaca-se nesses conceitos a visão de conjunto necessária para a
preservação das áreas de proteção à paisagem cultural, materializada na paisagem e nos
itinerários resultantes do processo cultural, bem como a definição quanto aos imóveis que
devem ser considerados patrimônio.
§1º É considerada Paisagem Cultural a porção do território representativa do
processo de interação do homem com o meio natural em que vive, onde a ocupação
por comunidades tradicionais imprimiu marcas ou atribuiu valores através de suas
ações e formas de expressão, passíveis de leituras espaciais e temporais.
§2º É considerado Itinerário Cultural, o patrimônio e a paisagem cultural disposta ao
longo das ferrovias e das estradas tradicionais reconhecidas como linhas,
identificadas conforme ANEXO 5.3-ME e ANEXO 5.4-ME conforme Projeto
Paisagístico das Estradas Turísticas de Bento Gonçalves – RS ANEXO 7.5-PE, cujo
perímetro de preservação deverá ser definido mediante inventário.
§3º É considerado patrimônio histórico e cultural edificado os imóveis integrantes
do inventário do Patrimônio Cultural Edificado do Rio Grande do Sul (1994-1996) e
os conjuntos formados pelas sedes comunitárias e edificações com mais de 50 anos
no entorno de bens culturais inventariados. (BENTO GONÇALVES, 2018, Art.90)
O Plano Diretor é claro quanto à proteção aos imóveis integrantes do Inventário,
acompanhados dos conjuntos e edificações com mais de 50 anos do seu entorno. Esses
imóveis estão mapeados no Anexo 5.3 ME – Patrimônio e Paisagem Cultural – que institui o
mapeamento das edificações tombadas, inventariadas e de interesse patrimonial histórico e
paisagístico, bem como delimita Áreas de Preservação à Paisagem Cultural (APPACs)
urbanas e rurais, Áreas de Proteção à Paisagem da ferrovia e Itinerários Culturais.
Já o Anexo 5.4 ME – Incentivos à Preservação e Revitalização de Bens Integrantes do
Patrimônio Histórico e Cultural, define os imóveis objeto de preservação, bem como critérios
de intervenção, de apresentação de projetos e de obtenção de incentivos e benefícios para a
revitalização desses bens. Destaca-se o Artigo 3º, que define como imóveis objetos de
preservação não apenas os bens tombados, mas também os inventariados, de interesse
patrimonial e paisagístico, localizados em áreas de preservação ou em roteiros turísticos, mas
também a paisagem cultural formada por vinhedos e entorno da ferrovia.
A esses imóveis, deve ser atribuído um nível de preservação, conceituado através o
Artigo 5º do Anexo 5.3 M.E, o qual define o que deve ser preservado e o nível de intervenção
que pode ser feito, constituindo a hierarquia de valor cultural, histórico, arquitetônico e
paisagístico dos imóveis. A hierarquia varia do nível 1 ao nível 4, desde a preservação da
edificação na íntegra até a possibilidade de demolição parcial com preservação da fachada.
No nível 1 e 2, voltados aos bens inventariados, é exigida a preservação das
características arquitetônicas internas, externas e decorativas, que não podem ser destruídas
ou descaracterizadas (N.1) ou a preservação das características externas preservando as
características estruturais e a volumetria, podendo receber intervenções internas (N.2). Nos
níveis 3 e 4, visando as características da paisagem urbana, é possibilitada a preservação das
características de acompanhamento e complementaridade, com maior possibilidade de
intervenção, desde que resguardando a volumetria e ambiência urbana (N.3) ou admitida a
demolição parcial, preservando as fachadas, considerando bens não inventariados (N.4), cujas
características podem ser modificadas sem acarretar perdas ao patrimônio histórico e cultural.
Segundo definido no Artigo 4º do documento, qualquer intervenção em imóveis
definidos como patrimônio histórico pelo Plano Diretor, devem ser antecedidos de
levantamento cadastral do imóvel por responsável técnico habilitado, contando com a
colaboração do proprietário, devendo ser indicada a atribuição do nível de preservação, a ser
aprovada pelo COMPAHC (BENTO GONÇALVES, 2018: Anexo 5.4.M.E). Dessa forma, o
mapa do Patrimônio e Paisagem Cultural (BENTO GONÇALVES, 2018, Anexo 5.3 M.E) é
norteador na identificação dos conjuntos e edificações a serem pesquisados, buscando
referências bibliográficas e documentais quanto ao contexto histórico dos roteiros culturais e
comunidades visitadas.

4. PROJETO LAÇOS PATRIMONIAIS E METODOLOGIA DE FICHAMENTO


Considerando-se a continuidade do trabalho de inventários realizados nos municípios
vizinhos e como forma de manter uma linguagem comum para futuros reconhecimentos em
relação à Paisagem Cultural da região das Colônias de imigração italiana, foram propostos
dois modelos de fichas de inventário 11: uma ficha para mapeamento dos roteiros culturais e
conjuntos históricos e uma ficha para identificação do patrimônio arquitetônico (considerando
bens isolados ou em conjunto). As fichas terão caráter de reconhecimento, identificando as
edificações nos roteiros e caminhos existentes no município.

Figura 2: Parte de ficha de roteiro cultural e conjunto histórico: São Valentim, no Distrito de Tuiuty.
Fonte: BERTOCO et al, 2021.

11
As fichas de inventário já elaboradas, bem como todo o acervo gerado pelo projeto, estão disponíveis na
íntegra na Coleção Laços Patrimoniais, do Museu do Imigrante. Disponível em:
http://museudoimigrante.bentogoncalves.rs.gov.br/colecao-lacos-patrimoniais/
Todas as fichas contarão com identificação da localidade, denominação, endereço,
coordenadas geográficas, roteiro turístico e Linha. A ficha de roteiros culturais e conjuntos
será dividida em páginas complementares, sendo a primeira obrigatória, com mapa e
localização do conjunto e roteiro, fotografias gerais; a segunda página, com síntese histórica,
análise arquitetônica, fotos das edificações, outra página complementar com iconografia, fotos
dos elementos da paisagem, identificação de elementos culturais, turísticos e outras
modalidades de patrimônio, citação das referências e nome dos pesquisadores. Essa divisão
das páginas possibilitou o resumo de informações para o livro, bem como a adaptação dos
levantamentos durante o estado de emergência da pandemia do Coronavirus, possibilitando
complementações de acordo com o andamento da pesquisa.
A ficha de inventário arquitetônico das edificações tem caráter de identificação
externa (possibilitando visita interna complementar), sendo dividida em três páginas, sendo a
primeira obrigatória, para o reconhecimento do bem, com localização, fotografias gerais da
edificação e entorno e síntese histórica. A segunda página corresponde à análise arquitetônica
e do entorno paisagístico, citações iconográficas e documentais, observações quando à
existência de outras modalidades de patrimônio relacionadas à edificação, valores para
inventário e indicação de classificação em níveis de acordo com o Plano Diretor.
A terceira página, de caráter complementar, é destinada ao levantamento arquitetônico
elaborado nos estágios curriculares, podendo também ser preenchida posteriormente na
continuidade do projeto. Nessa ficha complementar, constam a situação do bem no itinerário
cultural, croqui da planta de localização ou de cobertura, croquis arquitetônicos (fachada ou
planta baixa), fotografias complementares das fachadas, interiores e detalhes arquitetônicos.
Essa divisão de páginas é proposta de forma a possibilitar a continuidade do projeto, de
acordo com o nível de detalhamento alcançado a cada etapa.
Dessa forma, as fichas propostas são divididas em páginas complementares, de forma
a possibilitar o levantamento dos roteiros e das edificações de acordo com o possível e com o
necessário a cada etapa, permitindo a continuidade do trabalho através de ações continuadas
do Museu do Imigrante e da Secretaria de Cultura, articuladas com o COMPAHC, IPURB e
Universidades locais, com as associações de roteiros turísticos e culturais e organizações
comunitárias existentes no município. Além disso, o fichamento propõe registrar a inter-
relação do patrimônio arquitetônico com outras modalidades, como arqueológico, etnográfico
e imaterial, citando informações relativas a acervos (iconográficos, documentais, acadêmicos,
do Museu do Imigrante ou de particulares), bens móveis e obras de arte integradas, assim
como paisagens relacionadas ao objeto de estudo, de forma a permitir um panorama da
paisagem cultural do município, instituições e coleções relacionadas.
Além disso, os valores atribuídos às edificações, conjuntos e roteiros, devem embasar
a aplicação dos instrumentos do Plano Diretor municipal para a preservação e gestão do
patrimônio cultural, identificando os níveis de preservação que devem ser levados em conta
para levantamentos e projetos arquitetônicos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diagnóstico realizado deve fornecer subsídios à nova fase da atualização do
Inventário trazida pelo programa Laços Patrimoniais, que consiste na elaboração de fichas
cadastrais de edificações, sítios históricos e roteiros culturais, mas ao mesmo tempo deverá
ser complementado na medida em que forem realizadas novas visitas de campo aos locais que
ainda não foram avaliados. Ao mesmo tempo, percebe-se o trabalho de diagnóstico e
Inventário como uma lista aberta, para a qual é necessária constante atualização, já que o
patrimônio cultural é dinâmico, apresentando alterações de suas estruturas materiais e
imateriais ao longo dos anos. A cada visita realizada, é possível identificar as alterações de
uso, de estado de conservação, de risco de desaparecimento e de valorização e conhecimento
pela população local.
Também se verificam as mudanças ocorridas através do uso turístico ao longo dos
itinerários onde os bens culturais edificados se localizam, gerando impactos positivos ou
negativos. Com a sua avaliação contínua, será possível identificar as demandas e
possibilidades de fomento cultural em cada local, possibilitando outras formas de
revitalização e preservação do patrimônio cultural.
O Plano Diretor municipal define quais as edificações da zona urbana devem ser
incluídas no Inventário, dando o respaldo legal para a sua proteção mediante cadastro e
definição de níveis de preservação. Assim, entende-se que, previsto através de Lei, esse
mapeamento é a base onde deve ser realizada a atualização do inventário, as ações de
educação patrimonial e de fomento cultural. Esse documento possibilitará uma resposta mais
rápida à sociedade quanto às características dos bens mapeados pelo Plano Diretor, atendendo
a uma demanda para facilitar suas análises, mas também norteará o nível de levantamento que
cada edificação terá na formulação de sua ficha de cadastro.
Na zona rural, é necessário avaliar, além das características arquitetônicas das
edificações, os elementos relevantes que compõe a paisagem, como vinhedos históricos, áreas
de mata nativa, hidrografia e itinerários culturais. Também é relevante identificar o
patrimônio imaterial relacionado a essas edificações, como os saberes e fazeres do vinho,
jogos, festas e celebrações comunitárias. Essa avaliação é necessária para conhecimento da
paisagem cultural e está relacionada à valorização do lugar pela população e pelo visitante, o
qual busca autenticidade nas expressões culturais a serem conhecidas.
Os roteiros turísticos e culturais do município são a principal alternativa utilizada na
cidade para a preservação do patrimônio cultural, porém muito da diversidade desse
patrimônio encontra-se distante das rotas turísticas. Muito desse patrimônio encontra-se em
estado de abandono, mas ao mesmo tempo mantém características preservadas em sua
autenticidade. Se por um lado o desenvolvimento turístico devolveu a vida a algumas rotas
principais, a economia criativa e a agroindústria têm incentivado o empreendedorismo de base
cultural, principalmente os relacionados ao patrimônio cultural material e imaterial. Assim, a
fase de levantamento cadastral das edificações deve levar em conta essa complexidade, tendo
em vista não apenas o planejamento e regramento para a preservação das edificações, mas
também a educação patrimonial para conhecimento das características das construções, da
cultura e da realidade local.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTAIS
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