Você está na página 1de 52

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE TURISMO
CURSO DE TURISMO

Heitor Freire de Albuquerque Filho

A CULTURA NORDESTINA E O FORRÓ DE PÉ DE SERRA: o caso do Projeto


Cultural Museu do Vaqueiro e Forró da Lua

NATAL/RN
2018
Heitor Freire

A CULTURA NORDESTINA E O FORRÓ DE PÉ DE SERRA: o caso do Projeto


Cultural Museu do Vaqueiro e Forró da Lua

Monografia apresentada ao Curso de


Turismo da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Turismo.

Orientador: Prof. Ricardo Lanzarini, Dr.

NATAL/RN
2018
HEITOR FREIRE DE ALBUQUERQUE FILHO

A CULTURA NORDESTINA E O FORRÓ DE PÉ DE SERRA: o caso do Projeto


Cultural Museu do Vaqueiro e Forró da Lua

Monografia apresentada ao Curso de


Turismo da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Turismo.

Natal/RN, 29 de novembro de 2018.

Prof. Ricardo Lanzarini, Dr.


Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Presidente da Banca Examinadora

Prof. Saulo Gomes Batista, Msc.


Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN
Examinador

Prof. Michel Vieira, Dr.


Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Examinador
RESUMO
O presente estudo visa compreender a importância do forró como gênero musical da
Cultura Nordestina, bem como evidenciar as possíveis influências sofridas pelo
contato dos autóctones com a cultura inglesa e americana, por ocasião da
construção da estrada de ferro e da instalação da Base Militar em Parnamirim/RN,
em momentos distintos. Como metodologia aplicada, utilizou-se a pesquisa
qualitativa. Nesse contexto são apresentados depoimentos públicos de artistas
locais e nacionais disponíveis na plataforma de compartilhamento de vídeos
(YouTube), obras literárias, bem como visitas in loco no Museu do Vaqueiro
localizado na Fazenda Bom Fim, em São José de Mipibu/RN, a fim de retratar os
desafios enfrentados pelos cantadores diante de um mercado fonográfico adverso,
uma vez que as Bandas de forró, oriundas na sua formação no estado do Ceará,
passaram a ocupar um filão significativo junto ao público. Os resultados observados
indicam que o Estado do Rio Grande do Norte, como um todo, sofreu a influência da
presença estrangeira em seus hábitos e costumes, como por exemplo no linguajar,
que vem carregado de palavras da língua inglesa. Por tudo o que foi encontrado,
ressalta-se o valor do Projeto Museu do Vaqueiro/Forró da Lua buscando manter
viva a chama do Verdadeiro Forró de Raiz. Muito embora o local mantenha um
público fiel, esse número ainda é de pouca representatividade. Sendo assim, pode-
se afirmar que se trata de um produto turístico singular e fiel à Cultura Nordestina.

Palavras-chave: Cultura Nordestina. Forró de Pé de Serra. Forró da Lua. Museu do


Vaqueiro.
ABSTRACT
The present study aims to understand the importance of forro as musical genre of the
Northeast Culture, as well as to evidence the possible influences of native contacts
suffered with English and American culture, on the occasion of the construction of
Railway and the installation of the military Base in Parnamirim/RN, in different
moments. The methodology applied were qualitative research. In this context are
presented public statements of local and national artists available on video-sharing
platforms (YouTube), literary works, as well as on-site visits in the Cowboy Museum
located in Bom Fim Farm, in São José de Mipibu/RN, in order to portray the
challenges faced by singers in front of an adverse phonographic market, once the
forro bands, from in your training in the Ceara State, began to occupy a significant
Lode along to the public. The results observed indicate that the Rio Grande do Norte
state, as a whole, suffered the influence of the foreign presence in their habits and
customs, as for example in the language, which comes loaded with words in the
English language. For all that has been found, it should be noted the value of the
Cowboy Museum Project/Forro da Lua seeking to keep alive the origin of the Forro
(Forro de Raiz). Although the site maintain a loyal following, that number is still low
representation. Therefore, we can say that it is a tourism product unique and true to
the Northeast culture.

Keywords: Northeast culture. Forro de Pe de Serra. Forro da Lua. Cowboy Museum.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Vista lateral da Casa da Fazenda - Museu - Fazenda Bom Fim ............... 18
Figura 2 - Painel mostrando o interior do Museu do Vaqueiro - Fazenda Bom Fim .. 18
Figura 3 - Publicação Jornalística - Fazenda Bom Fim ............................................. 19
Figura 4 - Presidentes Rossevelt e Getúlio Vargas em Natal .................................... 21
Figura 5 - Base aérea de Parnamirim – RN .............................................................. 22
Figura 6 - Rádio valvulado......................................................................................... 23
Figura 7 - Luiz Gonzaga – Rei do Baião.................................................................... 26
Figura 8 - Jackson do Pandeiro – o Rei do Ritmo ..................................................... 30
Figura 9 - Dominguinhos – Neném do Acordeom ..................................................... 31
Figura 10 - Vista Externa da área da Fazenda - Fazenda Bom Fim ......................... 34
Figura 11 - Apresentação de Arnaldo Farias – Forró da Lua .................................... 35
Figura 12 - Apresentação de Zé Barros e Gugu do Acordeom – Forró da Lua ......... 35
Figura 13 - Portal de Entrada - Fazenda Bom Fim .................................................... 36
Figura 14 - Painel ilustrativo da Pega de Boi - Fazenda Bom Fim ............................ 36
Figura 15 - Painel mostrando o interior do Museu do Vaqueiro - Fazenda Bom Fim 37
Figura 16 - Vista do Painel de Entrada do Museu - Fazenda Bom Fim ..................... 37
Figura 17 - Painel em homenagem a L. Gonzaga - Dominguinhos – Elino Julião -
Fazenda Bom Fim ..................................................................................................... 39
Figura 18 - Apresentação da Crianças do Projeto – Forró da Lua ............................ 39
Figura 19 - Painel em homenagem aos Forrozeiros Tradicionais – Fazenda Bom Fim
.................................................................................................................................. 40
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 16

2.1 Objetivo Geral .................................................................................................... 16

2.2 Objetivos Específicos ....................................................................................... 16

3 DESENVOLVIMENTO ........................................................................................... 17

3.1 Origem e Possível Influência Estrangeira ....................................................... 17

3.2 O forró no Brasil e no Nordeste ....................................................................... 23

3.3 Principais artistas e as dificuldades enfrentadas........................................... 25

3.4 Apropriação - resgate cultural - FORRÓ DA LUA e MUSEU DO VAQUEIRO 32

3.4.1 Apresentação do espaço físico da Fazenda Bom Fim ..................................... 34

3.5 Posicionamento dos Artistas ........................................................................... 42

3.6 Vivência “in loco” no evento Forró da Lua ..................................................... 44

4 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 47

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 49
8

1 INTRODUÇÃO
“Minha sanfona, minha voz, o meu baião,
Este meu chapéu de couro e também o meu gibão,
Vou juntar tudo, dar de presente ao museu,
É a hora do Adeus,
De Luiz, rei do baião”
(Onildo Almeida e Luiz Queiroga, 1967)

Já vai longe o tempo em que a vida pacata do sertanejo nordestino era ditada
pelo ronco disfônico das sanfonas. Com a aproximação das cidades, fruto dos
constantes avanços tecnológicos ou não da sociedade, o que era original e autêntico
foi sendo relativizado. O reflexo disto pode ser observado desde os hábitos,
costumes, dança e também na “Música Popular Nordestina”. De acordo com
Cascudo (2009), esse Patrimônio Imaterial aos poucos foi sendo esquecido.

O historiador Câmara Cascudo classifica os cantadores nordestinos como


possuidores de uma simplicidade ímpar, agregando pureza e sobriedade melódica
de forma inconfundível, fazendo única a sua forma de cantar e declamar os versos
nordestinos. Nesse contexto, incluem-se os músicos, os poetas e os repentistas. A
melancolia faz parte das músicas, contrastando com a alegria de um povo tão
sofrido.
Segundo Carvalho; Rodrigues (2012, p. 14-15), o historiador, na crônica que
dedica à música regional, emite uma certeza: “O sertão perdeu seus cantadores.”
Este fato foi atribuído às transformações trazidas pelo progresso. Tais mudanças
trouxeram preocupação à Cascudo no tocante a perda de identidade musical.
No seu entendimento, Cascudo era pessimista no que diz respeito ao modo
de cantar e dançar nas regiões por ele visitadas, em particular no tocante ao estado
do Rio Grande do Norte, alteradas que foram em sua essência. “Onde estão as
danças do sertão de outrora? A valsa varsoviana, a mazurca, a polca em que a
gente pulava que era um gosto, o xotes, abrindo e fechando, como um leque...Onde
pairam estas danças que dancei? (CARVALHO; RODRIGUES, 2012, p. 13-14).
Contudo, se faz necessário lembrar de alguns ritmos nordestinos antigos no
presente feito, que com certeza são importantes, sem excluir os demais. Quais
sejam: xote, maxixe, xaxado, coco, mazuca, polcas. A título exemplificativo temos:
9

A mazuca é uma dança do folclore nordestino derivado da Mazurca Européia.


Segundo relatos históricos, a Mazurca (que passou a se chamar “Mazuca” na fala
popular) é fruto da miscigenação entre negros, brancos e índios, vivenciada no
processo de colonização do país. Os casais, na maioria pessoas simples e do
campo, giram em um círculo, na mesma direção, e cantando loas (músicas), que
geralmente falam do seu cotidiano; essas rimas são respondidas por todos,
formando um grande coro.
O xaxado, foi uma típica dança dos Cabras de Lampião, da época em que os
Cangaceiros eram temidos e respeitados. Por falta absoluta de opção (ausência de
mulheres no grupo) eles se viam obrigados a dançar em duplas batendo forte os pés
e os rifles no chão, fazendo levantar a poeira. “Corta-jaca é esse passo do xaxado”.
Tendo assim o xaxado um viés motivacional, não meramente de distração e lazer,
pois os instigava de forma bastante agressiva a conquistar as comunidades
invadidas, permitindo assim o acesso as mulheres locais. “O xaxado passou de uma
dança de guerra e de entretenimento do grupo de Lampião para ser um espetáculo
artístico” (PERICÁS, 2010).
Segundo Cascudo (2009), o mais famoso deles, Virgulino Ferreira: “É
malvado, ladrão, estuprador, incendiário, espalhando uma onda de perversidade
inútil e de malvadeza congênita onde passa.” Mesmo assim, reconhece que
Lampião reinava de forma incontestável na imaginação sertaneja, ainda mais depois
de seu bando atacar Mossoró, em junho de 1927, e os moradores responderem a
bala. Algumas testemunhas do combate mostraram ao ilustre visitante o local exato
onde os cangaceiros foram avistados, cantando um tema popular: “Olê, mulher
rendeira, Olê, mulher renda, Tu me ensina a fazer renda, Eu te ensino a namorar”
(Lampião, 1921).
Portanto se faz necessário entender os motivos pelos quais as gerações que
se seguiram, não se apropriaram da parte cultural-musical e das tradições de seus
antepassados. Das capitais do Nordeste, é a menos afeita ao verdadeiro musical
nordestino. São importados artistas de outras culturas não se valorizando a “prata da
casa”, que o diga Arnaldo Farias, cantor tradicional que migrou para outros Estados
na busca de espaço para cantar as suas músicas.
Segundo Canclini (1998, p. 218), “a tendência de modernização deve ser
observada sob a ótica da transformação, observando a interação que ocorreu entre
a cultura tradicional e a atual”.
10

Para embasar o presente trabalho, propôs-se voltar um pouco no tempo e


referenciar os “Cantadores de Raiz”, que tal qual o “Vaqueiro Nordestino” marcaram
a ferro e a fogo a sua trajetória musical pelo país.
Segundo Leopoldo Costa (2011), no que tange ao Vaqueiro Nordestino, este
teve o seu apogeu no século XXVI e XVII. Durante o chamado Ciclo do Couro,
época na qual o serviço escravo foi quase que totalmente substituído pelo trabalho
artesanal dos coureiros. Estes homens sabedores das suas reais necessidades
confeccionavam a sua própria vestimenta. Sabe-se que o Brasil Colônia não
despertava grande interesse aos lusitanos, a não ser pela cana-de-açúcar, ouro,
pedras preciosas e o charque, este último por sua vez necessitava de conservação e
embalagem. A carne salgada e curada, era mantida em bolsões de couro cru,
utilizados para o seu armazenamento e transporte até a Europa.
Como a criação bovina era extensiva, não se tinha como manter os animais
concentrados em espaços limitados, fazia-se necessário portanto, um homem rústico
o suficiente que pudesse lidar com o gado arredio. Os animais fugiam para o interior
da mata fechada e espinhosa e por lá se reproduziam. No linguajar matuto:
entravam pelas brenhas. Surge então a figura do “Vaqueiro Nordestino ou
Marrueiro”, com a sua vestimenta pesada, encourado (trajando vestimenta em couro
cru), trazia o marruá pelos chifres (boi bravo). Muitos foram os animais que
desgarrados, tornaram-se selvagens. Tal rusticidade deu margem à formação da
tríade: “boi, vaqueiro e sanfona”, de vez que se utilizavam de estilo musical e
linguajar próprios.
De acordo com Gonçalves (2013, p.1), de início a pecuária se deu nos
arredores dos engenhos nas regiões litorâneas. Esse fato foi possível porque o
número de animais não era tão grande, e fica de certa maneira fácil cuidar deles.
Porém, com o crescimento dos rebanhos e a falta de cercas para proteger as
plantações os bois começaram a invadir os canaviais e os mandiocais causando
uma grande desavença entre criadores e agricultores. Esse problema só foi
resolvido em 1701 com o decreto do rei D. Pedro II proibindo a criação de rebanhos
próximo dos engenhos ou dos roçados de qualquer tipo, à distância mínima que os
animais podiam ser criados era de dez léguas (cerca de 60 km).
A interiorização da pecuária potiguar se fez necessária tendo em vista que a
faixa litorânea se prestou muito bem ao plantio da cana-de-açúcar em solo de
massapê. Desta forma se tornou inviável conviver a criação de gado e a agricultura
11

no mesmo espaço. Poucas pessoas têm conhecimento que o primeiro “Operário”


brasileiro foi o Vaqueiro Nordestino, e que mesmo discriminado por sua rude
atividade, desempenhou no Nordeste, uma função semelhante à dos “Bandeirantes”
no Sudeste, ajudando a conquistar o Sertão. Muitos acreditam erroneamente que a
lida do gado teve sua origem nos Pampas Gaúchos, esta ideia cai por terra se
observadas as origens da colonização brasileira, tendo a Pecuária iniciado as suas
atividades no Sul, a partir do século XVIII.
Como destaca Goulart citando Caio Prado Jr. (1965, p. 50), a cultura da cana
não permitiu que a pecuária se desenvolvesse nas férteis e favoráveis terrenos da
beira-mar, tendo em vista que a limitação de cercas não abrangia toda a área
plantada, forçando os criadores a retirarem-se para o interior, a fim de evitar o
conflito.
A pecuária como já vimos possuiu um papel importante e peculiar durante o
período colonial. Como atividade econômica, ao contrário da cana-de-açúcar, voltou-
se para o mercado interno da colônia recebendo por isso relativo desprezo da
metrópole. Porém, a pecuária foi responsável pelo desbravamento e ocupação de
grande parte do Brasil. Assim, contribuiu enormemente para a interiorização do
colonizador português no território brasileiro desbravando regiões inóspitas no Norte,
Centro e Sul do país.
Segundo Bezerra (2005, p.28), citando a versão de Nunes Pereira em seu
livro “A indústria pastoril do Rio Grande Norte”, os rebanhos de gado surgem como
um poderoso instrumento de conquista da terra e de fixação dos povos e assim
como no restante do Brasil colonial, aqui no Rio Grande do Norte a pecuária serviu
como marco desbravador dos sertões.
Como profissão, tal atividade foi relegada a segundo plano até o ano de 2013,
devido ao não acolhimento em nosso ordenamento jurídico, impedindo assim o
registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social da Atividade como sendo a de
Vaqueiro. Em contrapartida, o trabalhador tinha consignado nos seus
assentamentos trabalhistas a função de Trabalhador Rural.
Em 15 de outubro de 2013, através da Lei Federal nº 12.870, assinada pela
presidenta da República, Dilma Rousseff, é que foi legalizada a sua condição:
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Fica reconhecida a atividade de vaqueiro como profissão.
12

Art. 2o Considera-se vaqueiro o profissional apto a realizar práticas


relacionadas ao trato, manejo e condução de espécies animais do tipo bovino,
bubalino, equino, muar, caprino e ovino.
Sendo conveniente observar que não se pode falar em verdadeiro Forró de
Luiz Gonzaga sem a presença da sanfona, diferente disto pode pecar por falta de
originalidade. No que diz respeito aos Artistas Nordestinos, serão tratados mais
adiante em momento oportuno, como o momento Cultural Brasileiro.
Descaracterizado o Trio de Instrumentos Musicais: triângulo, sanfona e zabumba,
frente aos diversos recursos instrumentais. Surgem diversas Bandas de Forró,
acirrando ainda mais o mercado já tão competitivo. Na realidade o que houve foi
uma forma conveniente de apropriação indevida da figura do Rei do Baião.
De acordo com Silva (2010, p.7), a origem do forró estilizado veio com a
Banda Cearense Mastruz com Leite, através de maciço apoio da mídia, fazendo
surgir a chamada indústria cultural do forró estilizado. Com traços de capitalismo que
buscou massificar a indústria da diversão, sem o real compromisso cultural.
Para Lima (1992, p.179) A arte adaptada pela indústria cultural, levada a
preços reduzidos a um público resultante, torna o seu uso acessível, não
significando a introdução da massa num domínio já antes fechado, apenas
contribui para a degradação da cultura.
No que tange ao setor Turístico, podemos citar como exemplo bem sucedido
a cidade de Exu, na Serra do Araripe em Pernambuco, local que comemora todos os
anos o nascimento do Rei do Baião, atraindo milhares de pessoas ao evento no
Parque Aza Branca.
Conforme observa Gouveia Junior (2012, p. 222), atendendo à solicitação do
governo de Pernambuco foi preparado todo o local para as comemorações do
centenário do nascimento de Luiz Gonzaga em sua terra natal. Ao longo do
trabalho realizado, foi constatado grande fluxo de visitantes ao espaço do museu
de Luiz Gonzaga. Todavia, não se poderia deixar de mencionar a presença –
registrada nos livros de visitação do ano de 2012 – de mais de 28 mil pessoas.
Número significativo de visitantes para os padrões de museus nacionais, sobretudo
se pensarmos em sua localização a 630 quilômetros da capital pernambucana.
Outro local que corrobora tal afirmativa de empoderamento pela população, é
o evento do Corredor Turístico de Mossoró: Chuva de Balas no País de Mossoró,
13

onde atores encenam a resistência da cidade ao ataque sofrido pelos Cabras de


Lampião. Orgulham-se do feito. Ufanismo!
Conforme Brandão (2010), Os autos festivos reportados celebram não apenas
aspectos identitários, mas também os recriam, estabelecendo novos significados
culturais e, de certa maneira, atendendo a interesses dos grupos sociais locais e
suas respectivas elites. Enaltecendo o valente e forte, que enfrenta e expulsa o
cangaço, enaltecendo também o homem que abraça a modernidade ao pôr fim à
escravidão, antes mesmo do restante do país. Assim não apenas como símbolo de
tradição e modernidade, mas principalmente enquanto símbolo identitário e
aglutinador, os Autos de Mossoró aparecem como elementos sócio-culturais que
remetem a certa identidade mossoroense. Podemos apontar, inclusive, como
construtora e [re]construtora de identidade, sua maior importância. O turismo passa
a ser secundário, tendo em vista o orgulho que toma conta da população.
De forma surpreendente Natal não tem uma identificação definida - forte.
Convém atentar para a realidade que enfatiza: capazes de despertar emoções e
novas experiências os Atrativos Turísticos Culturais são as novas formas de atrair
os turistas. Toda a cultura é um processo permanente de construção,
desconstrução e reconstrução. Cada sociedade reflete, através da composição da
sua cultura, a maneira de ser e sobreviver em determinado espaço ou território. A
cultura representa as diferentes formas de compreensão e ação de cada
sociedade.
Para Laraia (2001), a cultura, tomada em seu amplo sentido etnográfico, é
este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes
ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de
uma sociedade. Segundo se pode extrair, para viver em qualquer cultura se faz
necessário conhecer o mínimo dela.
As músicas que expressam o amor, sentimento, os animais, a natureza e o
modo de vida do sertanejo são antes de tudo simbólicas, que retrata a vida simples
e sofrida do homem da seca. A memória possibilita termos a noção do
encadeamento das causas e efeitos que formam a nossa identidade (grupo social).
É sabido que a Identidade sofre a real influência do momento social.
De acordo com Hall, a modernidade com suas transformações profundas
provocaram uma “crise de identidade” que fragmentou o homem moderno e
descentrou-o, modificando o entendimento do ser humano sobre si mesmo e sobre o
14

mundo que o cerca – surgem as dúvidas. Na modernidade tardia a mudança


assume um caráter ainda mais específico conhecido como Globalização que produz
impacto na identidade cultural dos sujeitos, além disso, a mudança nesse contexto é
ainda mais rápida e permanente. Distinguindo-se assim, das sociedades
consideradas tradicionais nas quais os símbolos do passado são venerados e
perpetuados. Diante desse contexto de globalização e identidades culturais emerge
o conceito de dois movimentos contraditórios: tradição e tradução.
De acordo com Hall (1998, p. 88), a tradução descreve as formações de
identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por
pessoas que foram dispersadas de sua terra natal. São pessoas possuidoras de
vínculos profundos com seu passado, mas que a ele não podem retornar. Sua
cultura é obrigada a dialogar com a outras, sem, contudo que isto implique em perda
de identidade.
Não restam dúvidas que procurar entender a trajetória que levou ao
distanciamento da população da capital, no que diz respeito a música popular de
raiz, entre elas – o chamado “Forró de Pé de Serra”, são relevantes.
Várias são as vertentes a serem estudadas para que seja possível apontar os
motivos. Podemos citar entre elas: a construção da Estrada de Ferro que aproximou
as cidades no interior do país por obra da Engenharia Inglesa; a expansão da malha
rodoviária ou mesmo a forte influência Norte-Americana na capital Potiguar, por
ocasião da instalação da base militar em Parnamirim no transcurso da 2ª Guerra
Mundial.
Por outro lado, é conveniente ressaltar o trabalho que vem sendo feito pela
família Lopes, no sentido de preservar para as futuras gerações os costumes e as
músicas tipicamente nordestinas.
Através do projeto Museu do Vaqueiro/Forró da Lua, busca-se resgatar a
figura do Vaqueiro Nordestino, bem como o linguajar tipicamente matuto, aliado às
músicas de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino, Dominguinhos,
entre outros.
A metodologia de pesquisa é descritiva e exploratória, de caráter qualitativo.
Para Triviños (1987) apud Zanella (2011), a pesquisa descritiva busca narrar a
realidade, suas características e seus problemas, relatando com exatidão fatos e
fenômenos observados. Por sua vez, a pesquisa exploratória é aquela que tem por
fim a ampliação do conhecimento a respeito de um fenômeno específico. Para Vieira
15

(1996) apud Zanella (2011), a pesquisa qualitativa tem como base a análise teórico-
empírica que permite atribuir cientificidade ao trabalho. São utilizadas como fontes
de pesquisa os recursos da mídia, obras literárias baseadas em relatos de diversos
autores e a vivência “in loco” por ocasião da realização do Evento Cultural do Forró
da Lua e da visita ao Museu do Vaqueiro. Foram também utilizadas entrevistas de
cantores tradicionais concedidas em redes de televisão – disponíveis na plataforma
de compartilhamento de vídeos (YouTube), em ocasião de suas apresentações no
espaço em estudo. Durante o estudo foi constatada a escassez de material para o
embasamento do referencial teórico que aborde de forma incisiva o tema central da
pesquisa.
16

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Compreender a importância da Cultura Nordestina representada pelo Forró de


Pé de Serra como produto turístico para o Rio Grande do Norte, tomando como
estudo de caso o evento Forró da Lua e o Museu do Vaqueiro no município de São
José de Mipibu - RN.

2.2 Objetivos Específicos

 Compreender a origem do Forró de Pé de Serra para a Cultura Nordestina e


os seus reflexos em particular para Natal-RN;
 Compreender as dificuldades encontradas pelos artistas, para sustentar a
bandeira da música nordestina, frente à diversidade de gêneros musicais;
 Apontar a importância do Forró da Lua e do Museu do Vaqueiro para a
diversificação da oferta turística do RN.
17

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 Origem e a Possível Influência Estrangeira

Com os avanços tecnológicos e a expansão das malhas ferroviárias e


rodoviárias, as pessoas vão tomando contato com outros povos e experiências,
sofrendo desta forma inevitavelmente influências. No Nordeste Brasileiro não foi
diferente, esta capacidade de interação se fez sentir de modo mais acentuado em
solo Potiguar.
Na realidade o que se apresenta como relevante para determinado grupo
social não se aplica necessariamente a outro. Na maioria das vezes o pouco
esclarecimento e a vaidade levam-nos a crer que o mais importante é estar
conectado ao que é desenvolvido em outras culturas, mesmo que distante da
nossa realidade. Algumas das palavras inglesas (boy, short, money), usadas no
cotidiano natalense se tornariam comuns. Outras palavras eram mais usadas pela
necessidade de uso constante: “blackout”, “all right”, “ok”, “case” e “slack”,
evidenciando a influência norte-americana.
Um fato evidente de falta de comprometimento com o passado, é o descaso
da população, do Poder Público e da Iniciativa Privada com o Centro Histórico de
Natal na Cidade Alta e no Bairro da Ribeira, os quais deveriam ser preservados
para as futuras gerações, possuindo obras de valor inestimável, a exemplo do
Teatro Alberto Maranhão, que não abre as suas portas já há bastante tempo. Isto
sem falar do Forte dos Reis Magos, que se encontra desativado. Portanto, não é de
se admirar que o legado imaterial seja esquecido pelos moradores.
Situação semelhante é encontrada no Museu do Vaqueiro, localizado na
Fazenda Bom Fim em São José de Mipibu, Região Metropolitana de Natal que,
embora receba a visita de turistas nacionais e internacionais, não serve como
atrativo aos moradores de Natal e cidades vizinhas. As Figuras 1 e 2 remetem ao
espaço físico do museu em questão.
18

Figura 1 - Vista lateral da Casa da Fazenda - Museu - Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)

Figura 2 - Painel mostrando o interior do Museu do Vaqueiro - Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)

Durante o desenvolvimento da pesquisa foi possível obter a informação junto


a funcionária do referido Museu, de que o Forró da Lua foi manchete de primeira
página do Jornal Cultura 17, que traz nas entrelinhas o reconhecimento do valor
cultural do referido evento, tendo sido a matéria original tratada no Jornal
Americano New York Times, dada a sua relevância, conforme ilustra a Figura 3.
19

Contando com um acervo significativo de obras de artistas regionais da época


do “cangaceirismo”, o Museu do Vaqueiro não desperta maiores interesses na
população. No que se refere ao aumento do público-local-visitante, limita-se aos
escolares que realizam as visitas agendadas, de acordo com o livro de registros do
local. A figura abaixo trata de uma publicação jornalística do projeto.
.

Figura 3 - Publicação Jornalística - Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)

Retomando o estudo a respeito das possíveis raízes que marcaram o


surgimento do ritmo “Forró”. Sua origem tem versões distintas; em uma delas,
afirma-se que o nome vem derivado da expressão inglesa “for all”, que significa para
todos. No século XIX, engenheiros britânicos se estabeleceram em Pernambuco
para construção da ferrovia de Great Western. Em 1872, alguns capitalistas ingleses
reunidos em Londres criaram uma companhia para construir estradas de ferro no
Brasil, a Great Western of Brazil Railway Company Limited, que logo ficou conhecida
no País como Greitueste.
Segundo os arquivos da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisa, em Recife-
PE: Em 1873, a Great Western foi autorizada a funcionar no Império do Brasil e, em
1875, conseguiu do Barão da Soledade, a transferência da concessão para construir
em Pernambuco uma ferrovia que, passando por Caxangá, São Lourenço da Mata,
Pau d`Alho e Tracunhaém (com ramais para Nazaré da Mata e Vitória de Santo
Antão), ligaria do Recife a Limoeiro. Entre 1882 e 1883, a estrada de ferro de
Limoeiro transportou 2.061 passageiros de 1ª classe e 33.377 de segunda. Em 1884
20

e 1885, com a introdução dos vagões de 3ª classe, foram transportados mais de


60.000 pessoas, sendo de apenas 4%, aproximadamente, os viajantes de 1ª classe.
Além de passageiros, a Great Western transportava também os principais
produtos da região, como açúcar, álcool, madeira, algodão, feijão. Depois da estrada
Recife-Limoeiro, a empresa construiu a Estrada de Ferro Central de Pernambuco
(1885-1896) ligando Recife a Caruaru. Na época da II Guerra Mundial, a Great
Western teve que recorrer à lenha em substituição ao carvão de pedra, o que
concorreu para aumentar a devastação das reservas florestais da região. A empresa
chegou a possuir uma rede ferroviária de mais de 1.600 quilômetros distribuídos
entre os Estados da Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
A história da Great Western está tão ligada culturalmente ao Nordeste
Brasileiro, que ninguém pode escrever sobre a história econômica da região sem
consultar seus relatórios e arquivos.
Ocorria que todas as noites, após o serviço, seus funcionários promoviam
bailes (ao som da sanfona e zabumba) abertos ao público (brancos, negros, pobres
e ricos). Na porta destes eventos, eram colocadas placas com nome “for all” e com o
tempo o termo passou a ser pronunciado pelos nativos como Forró. Contudo, essa
versão é a menos provável. Foi talvez, uma tentativa de reforçar a influência
europeia, que, até os anos de 1920, serviu como modelo musical para a população
do Nordeste do Brasil.
A versão mais fundamentada, porém, parecer ser a do Historiador e
Folclorista Potiguar, Luís da Câmara Cascudo, um estudioso das manifestações
populares e da cultura, principalmente a do Rio Grande do Norte. Ele afirmava que o
nome Forró vem da palavra Forrobodó, que tem sua origem da palavra Bantu,
pertencente ao tronco linguístico africano, que foi a base cultural da identidade do
Brasil escravista.

Ao contrário da lição de mestres, creio na existência dual da cultura entre


todos os povos. Em qualquer deles há uma cultura sagrada, oficial,
reservada para a iniciação, e a cultura popular, aberta apenas à
transmissão oral, feita de estórias de caça e pesca, de episódios guerreiros
e cômicos, a gesta dos heróis mais acessível à retentiva infantil e
adolescente. [...] São exemplos positivos das duas culturas. A segunda é
realmente folclórica (CASCUDO, 1954, p. 13.).

Diante da imprecisão do termo, o nome Forró vem associado a uma mistura


de vários ritmos. Na sua origem o acordeom era substituído pela sanfona de 8
21

Baixos. Também era chamado de arrasta-pé, bate-chinela e fobó. O Forró apresenta


semelhanças com o toré e o arrasta-pé dos índios, tendo sofrido também a
influência das danças de salão da Europa. A peculiaridade está ligada ao seu modo
dançar, com os dois passos laterais.
Ao realizar uma comparação entre as duas teorias, a de Câmara Cascudo
ganha força pelo fato da palavra Forró já estar registrada numa canção chamada
Forró na Roça, da qual os compositores eram Manuel Queirós e Xerém. Antes disso,
especificamente em 1912, a compositora Chiquinha Gonzaga compôs uma peça
chamada Forrobodó, além disso, a Enciclopédia da Música Brasileira afirma que o
termo fora utilizado ainda no século XIX. São todos esses fatos que dão maior
veracidade a teoria de Câmara Cascudo, de maneira que, apesar da versão criativa
sobre o nome ter surgido da palavra “for all”, não existe nenhuma fundamentação
concreta.
No ano de 1943, Natal estava repleta de contingentes de nosso Exército,
Marinha e Aeronáutica, além de tropas da Marinha e do Exército dos Estados
Unidos. Nesse mesmo ano aconteceu o famoso encontro do presidente Getúlio
Vargas com o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt a bordo do
“Humboldt”, navio da Marinha de Guerra Americana, como retrata a Figura 4.

Figura 4 - Presidentes Rossevelt e Getúlio Vargas em Natal


Fonte: Acervo Fundação Rampa (1943)

Outra versão da mesma história substitui os ingleses pelos americanos e


Pernambuco por Natal, no período da Segunda Guerra Mundial, quando uma base
22

militar dos Estados Unidos foi instalada na cidade, conforme a Figura 5. Um


aeroporto com uma média de 200 voos diários, avenidas asfaltadas e a Base Naval do
Alecrim foram marcas importantes do período. Mas, outras coisas menos relevantes,
contudo muito apreciadas, também surgiram com a presença dos soldados americanos.
Natal foi a primeira cidade brasileira a ter coca-cola, ketchup, óculos de aviador e calças
jeans.

Figura 5 - Base aérea de Parnamirim – RN


Fonte: Site Curiozzzo (2015)

Com a chegada dos americanos, os hábitos e costumes dos autóctones


sofreram uma mudança acentuada. Senão vejamos, com os militares vieram
aparelhos eletrodomésticos que revolucionaram os modos artesanais de uso, como
por exemplo a máquina de lavar roupas, o liquidificador e o rádio. Durante a II
Grande Guerra a indústria eletrônica teve grande expansão – foi nessa época que
surgiu o rádio valvulado de ondas curtas, longas e extra longas. Os modelos
preferidos eram “Crosley”, que acompanhava gratuitamente o indicador de estações
e o “Koerting”, mais raro por ser de procedência alemã, ilustrado na Figura 6.
23

Figura 6 - Rádio valvulado


Fonte: Site Curiozzzo (2015)

Outra mudança cultural significativa foi a apropriação pelos militares da área


de praia de Ponta Negra, até aquela data vista com desdém pelos locais, sem uso
como espaço de lazer. Ao final do dia era comum aos militares o deslocamento até a
praia para banho e prática de esportes, isto despertou na população uma redefinição
de uso do espaço público, o qual passou a ser alvo das primeiras construções de
“Segundas Residências” pelos mais afortunados. Sendo também comum os bailes
ou quartéis festivos onde as mulheres locais eram convidadas a participar das
festas, disponibilizando-se inclusive os ônibus militares para o transporte das jovens.

3.2 O forró no Brasil e no Nordeste


“Já faz três noites que pro norte relampeia
A asa branca ouvindo o ronco do trovão
Já bateu asas e voltou pro meu sertão
Ai, ai eu vou me embora, vou cuidar da prantação”
(Luiz Gonzaga, 1947)

O Forró possui suas raízes originadas da mistura de influências africanas e


europeias, o batuque e a dança de roda, na qual os africanos mostravam a sua
24

cultura, foi o tronco principal no que diz respeito à formação da música popular no
Brasil, isso é o que afirmava o antropólogo Darcy Ribeiro1.
Segundo Ribeiro (1995), só se falar de cultura brasileira na concepção de
uma entidade complexa e fluída que não corresponde a uma forma dada, senão a
uma tendência em busca de uma autenticidade jamais lograda plenamente.
O forró expressa bem a condição de mosaico da cultura brasileira. No final do
século XIX, aconteciam bailes populares no Nordeste do Brasil, especificamente no
sertão de Pernambuco, conhecidos por Forrobodó. A história do Forró começou com
estilo de dança do xaxado, caracterizada pela batida do pé. Na visão do grupo de
Xaxado Cabras de Lampião, de Serra Talhada (PE), registrado como Fundação
Cultural, que são artistas e estudiosos do ritmo, naquela época, as pistas de dança
eram de barro e, para que a poeira não levantasse, antes de começar a dança,
jogavam água no barro, por isso as pessoas dançavam arrastando os pés para
evitar que a poeira subisse.
Muitos ainda confundem xaxado, forró e baião e não apenas esses três
gêneros, mas muitos outros existentes na música nordestina. Essa grande variedade
de gêneros musicais se dá devido às influências variadas e à mistura de um estilo
com outro. As letras das músicas do Forró Tradicional possuem temáticas ligadas
aos aspectos culturais e cotidianos da região Nordeste do Brasil, caracteriza-se pela
básica utilização dos seguintes instrumentos musicais: Triângulo, Sanfona E
Zabumba.
A popularização geral do Forró no Brasil ocorreu com a migração dos
nordestinos para outras regiões do país, devido ao auge da Industrialização. Entre
as décadas de 1960 a 1980, essa migração para a região Sudeste, em especial aos
Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, foi intensa. Uma junção de fatores como:
exploração de mão de obra barata no Nordeste, a vegetação seca da região, e a
grande oferta de empregos nas regiões Sul e Sudeste do país, contribuiu para essa
migração. Na década de 1950, o Forró tornou-se um fenômeno nestes Estados.

1
Darcy Ribeiro: autor de ficção, romance e cultura, o educador brasileiro foi diretor do Museu do
Índio, fundou a Universidade de Brasília e em 1962 foi reitor da instituição. Em 1961 foi Ministro da
Educação, posteriormente Chefe da Casa Civil.
25

3.3 Principais artistas e as dificuldades enfrentadas

Conforme a Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras, no ano de


1945 ocorre o encontro de Humberto Teixeira e o compositor, cantor e acordeonista
Luiz Gonzaga, nascido no sertão nordestino. Juntos criam a canção Baião, que
anuncia em sua letra e título o nome do novo gênero de canção urbana inspirado na
música popular tradicional do interior do Nordeste. A excelente recepção pelo
público da primeira gravação, registrada em 1946 pelo quinteto Quatro Ases e um
Coringa, abre caminho para Luiz Gonzaga como cantor, tornar-se o principal
intérprete de uma série de canções compostas com Humberto Teixeira, como os
baiões Asa Branca, Juazeiro, Respeita Januário, e Paraíba, e os xotes (versão
regional do schottish europeu) No Meu Pé de Serra, Assum Preto e Estrada de
Canindé.
Ao baião juntaram-se o xaxado, coco, arrasta-pé, xote e outros ritmos
nordestinos: assim nasceu o Forró. Sete décadas depois, ele resiste como um dos
mais autênticos gêneros musicais brasileiros, sobrevivendo aos modismos, às
bruscas mudanças do mercado fonográfico e ao desaparecimento de alguns dos
seus principais representantes como: Gonzagão, Jackson do Pandeiro, Marinês,
Dominguinhos.
Conforme previsto por Câmara Cascudo em tempos passados, os intérpretes
da música popular nordestina vão aos poucos se tornando escassos.

Era maio de 1934, e Câmara Cascudo estava bem contrariado. Acabara de


percorrer 1.307 quilômetros de estrada de terra no interior do Rio Grande do
Norte (...) para constatar que o sertão se esvaía. Notou que a região mais
árida do estado atravessava processo de irrefreável mudança porque a vida
transformou-se: as rodovias levam facilmente as charangas dum pra outro
povoado(...). Encontrou jornais do Rio e de São Paulo por toda parte: o
Sertão descaracteriza-se. É natural que o cantador vá morrendo também
(CARVALHO; RODRIGUES, 2012, p. 11).

Luiz Gonzaga do Nascimento, ilustrado na Figura 7, foi um músico brasileiro.


“Pernambucano de Exu, nascido em 13 de dezembro de 1912, Luiz Gonzaga
admirava Lampião desde mocinho. Certa vez, ao ver a fotografia do cangaceiro no
jornal, não escondeu a alegria e comentou com a mãe, Santana: – “Óia, mãe! Óia
que hômi bonito! E diz que ele toca fole, mãe!” (CARVALHO, RODRIGUES, 2012,
p.17).
26

Figura 7 – Luiz Gonzaga – Rei do Baião


Fonte: Livro: O Fole Roncou (2012)

Nascido na Fazenda Caiçara aos pés da Serra do Araripe. Sanfoneiro, cantor


e compositor, recebeu o título de "Rei do Baião". Foi responsável pela valorização
dos ritmos nordestinos, levou o baião, o xote e o xaxado, para todo o país. A música
"Asa Branca" feita em parceria com Humberto Teixeira, gravada por Luiz Gonzaga
no dia 3 de março de 1947, virou Hino do Nordeste Brasileiro.

Vestido de Lampião da cabeça aos pés, Luiz Gonzaga foi confundido com
um cangaceiro pelos meninos da cidade onde morreu Antônio Silvino.
Quem estava ali no início dos anos 1950, no auditório da Rádio Borborema,
porém, não era o Rei do Cangaço, e sim o Rei do Baião, gênero musical
que tinha sido apresentado ao Brasil, de forma tão envolvente quanto
didática, por Gonzaga e seu parceiro Humberto Teixeira:
Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião,
E quem quiser aprender é favor prestar atenção (CARVALHO;
RODRIGUES, 2012, p.20).

Nacionalizou os ritmos nordestinos e transformou em arte as mazelas do povo


castigado pela miséria e seca. É o personagem perfeito para narrar e retratar a
história de sofrimento e privação. A vida de Gonzagão se confundiu com a de
milhares de migrantes nordestinos que saíram de sua terra natal em busca de
oportunidades. Todos os clássicos de Luiz Gonzaga são canções de migrantes, nas
quais a terra natal é indicada por um “lá” distante e saudoso.
27

Quando surgiu o boato de que Lampião e seu bando passariam pelas


redondezas da Fazenda, a população local correu para se esconder no
mato. Só o menino Luiz não quis sair do seu lugar. Ficaram escondidos até
o dia seguinte, quando o garoto se ofereceu para verificar se Lampião já
havia passado e os vizinhos tinham voltado. Para sua tristeza, o povo tinha
retornado, mas nada do chefe dos cangaceiros, que pegou outro caminho e
seguiu para ver o Padre Cícero em Juazeiro. Ao voltar para o esconderijo
da família, Luiz resolveu pregar uma peça e gritou: – Corre, gente, Lampião
vem aí! Provocou uma grande correria. Até que gritou de novo: – É
mentira… Ninguém achou graça: o menino Luiz apanhou das irmãs, da mãe
Dona Santana e do pai, o lavrador Januário (CARVALHO; RODRIGUES,
2012, p.17-18).

Exímio sanfoneiro de oito baixos, Januário, pai de Luiz Gonzaga, era sempre
requisitado para tocar nos sambas de pé de serra, os forrós, festas dançantes que
começavam no início da noite e se prolongavam até a madrugada. Também
mantinha na casa uma pequena oficina para consertar instrumentos dos tocadores
da região.
De acordo com Carvalho; Rodrigues (2012, p.18-19) de 1920 a 1930,
Gonzaga acompanhou o pai nos forrós. Observando com atenção a reação dos
convidados às músicas tocadas. Evitando desgastar demais o filho, Januário
mandava-o dormir no início da festa, depois o acordava para tocar, diante do olhar
admirado dos convidados. Tocar nos forrós representava raro alento na vida de
menino pobre, que não frequentara escola e aprendera o alfabeto graças à
paciência das filhas do primeiro patrão, sinhô Ayres, para quem fazia pequenos
serviços, como acompanha-lo em viagens pelo interior, Ayres no cavalo, Gonzaga
num burrinho. Foi Ayres quem o ajudou a comprar a primeira sanfona.
Na música, gravada em novembro de 1946 e lançada em março de 1947,
Teixeira já desenvolve uma temática que se tornaria recorrente: a dor da ausência e
a melancolia, alternando com momentos de alegria.

Lá no meu pé de serra
Deixei ficar meu coração
Ai que saudades tenho
Eu vou voltar pro meu sertão
No meu roçado eu trabalhava todo dia
Mas no meu rancho eu tinha tudo que queria
Sanfona não faltava
E tome xote a noite inteira
O xote é bom de se dançar
A gente gruda na cabocla sem soltar
Um passo lá, um outro cá
Enquanto o fole tá tocando, tá gemendo, tá chorando, tá fungando,
reclamando sem parar… (GONZAGA; TEIXEIRA, 1946)
28

As dificuldades eram grandes, as músicas em destaque na época eram o


bolero e o samba. O público andava carente de novidades, quer no que se
refere ao ritmo, quer com relação a uma temática nacional, e ainda no
tocante à interpretação, pois a sofisticação a que se entregavam os
cantores da época não tinham condições de competir com a singeleza
proposta por Luiz Gonzaga. Como compositor, Gonzaga está para o sertão
assim como Noel Rosa está para o centro urbano e Caymmi para o litoral:
descobriu e afirmou perante o público, da mesma forma como fizeram os
outros dois, uma linguagem própria para se referir a uma realidade
específica. (CARVALHO; RODRIGUES, 2012, p.22).

Divergências de opinião à parte, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira se


mostraram afinadíssimos na criação. Por cinco anos, reinaram no filão que ambos
tinham aberto com “No meu pé de serra”. Vieram na sequência, em 1946, “Baião” e
depois “Qui nem jiló”, “Assum preto”, “Baião de dois”, “Mangaratiba”. Quase sempre
Gonzaga levava um tema, Teixeira escrevia a letra e Gonzaga sanfonizava.

“Respeita Januário”, um dos maiores sucessos da dupla, surgiu depois que


Gonzaga contou ao parceiro um episódio ocorrido no dia em que, após
dezesseis anos, voltou a Exu. Estava tocando em um salão quando, logo
depois da primeira música, escutou o grito de um anônimo, contrariado com
o que considerava um desrespeito do “menino que foi pro sul ao pai,
considerado o maior tocador de oito baixos da região: – Luiz, respeita
Januário!” (CARVALHO, RODRIGUES, 2012, p. 23).

Que não se pense porém que a vida de sucesso e realizações foi sempre a
de seu Luiz (como era chamado pelo afilhado Dominguinhos). Na realidade por
conta de um namoro proibido com Nazarena, uma moça da região, foi rejeitado pelo
pai dela, o coronel Raimundo Deolindo, que não o queria para genro, visto que ele
não tinha instrução, era muito jovem e sem maturidade para assumir um
compromisso. Revoltado com o rapaz, ameaçou-o de morte. Gonzaga se viu
obrigado a fugir para evitar uma tragédia. Não sem antes levar uma pisa da mãe e
do seu pai, descontes com a atitude do filho.

Já “Asa branca”, o maior êxito, iniciava com a confluência de dois fraseados


nascidos do acordeom de Gonzaga. O instrumental antecedia o relato
dramático do nordestino que, após perder o cavalo (“morreu de sede meu
alazão”) e ver o pássaro mais resistente dar adeus ao sertão, tinha de se
despedir da amada (“Adeus, Rosinha, guarda contigo meu coração”), mas
deixava promessa que associava a cor dos olhos da amada à da vegetação,
ambas tingidas de esperança: (CARVALHO, RODRIGUES, 2012, p. 23-24).

Recebeu da imprensa carioca o apelido – “Lua”, criado por Dino Sete Cordas
e divulgado por Paulo Gracindo na Rádio Nacional. Faltava, porém, definir a
vestimenta adequada ao repertório. O objetivo de Luiz Gonzaga era marcar de forma
indelével a sua presença. Inspirado no cantor e acordeonista catarinense Pedro
29

Raimundo, que todo faceiro cantava e encantava a plateia quando aparecia pilchado
(de bombacha e lenço no pescoço). “No auditório da Rádio Nacional, teve uma ideia:
– Esse cabra canta, declama, improvisa, faz tudo entrosado com a sanfona. É um
espetáculo. Ele canta muito bem o sul, eu vou cantar o norte. Ele é gaúcho, vou ser
um cangaceiro” (CARVALHO; RODRIGUES, 2012, p. 32).
Gonzaga pediu para a sua mãe enviar um chapéu de couro pelo primeiro
portador que aparecesse em Pernambuco. Ela obedeceu, e Luiz Gonzaga ficou
pronto para se mostrar ao Brasil: chapéu de cangaceiro, lenço colorido no pescoço,
gibão encourado no corpo, sandália rústica nos pés. Sucesso feito!
Conforme Silva (2010, p.3), José Gomes Filho, o Jackson do Pandeiro,
ilustrado na Figura 8, nascido em Alagoa Grande, na Paraíba, em 31 de agosto de
1919, era conhecido como o “Rei do Ritmo” devido a seu recurso vocálico que
improvisava melodias ao cantar.
Considerado o primeiro artista pop brasileiro e o maior ritmista da história da
música popular brasileira a história da sua carreira artística reforça a herança da
influência negra na música nordestina, sempre com o auxílio de um luxuoso
pandeiro na mão e dono de um recurso vocálico único. O maior mérito de Jackson
do Pandeiro foi ter levado toda a riqueza dos cantadores de feiras livres do nordeste
para o rádio e televisão, cantando músicas como Chiclete com banana, Alô Alô
Campina Grande, a Cantiga do sapo, O Canto da Ema e outras músicas de sua
autoria que fizeram de Jackson do Pandeiro um divulgador do forró cantando coco
por todo o Brasil. O coco é dança de roda do norte e nordeste do Brasil, fusão da
musicalidade negra e cabocla. Acredita-se que tenha nascido nas praias, daí sua
designação. O ritmo sofreu várias alterações com o aparecimento do baião nas
caatingas e agreste.
O sucesso de Jackson do pandeiro junto ao público derrubou o preconceito
contra o Forró fazendo com que ele ganhasse um programa na rádio Globo do Rio
de Janeiro, isto na década de 70. Neste programa Jackson do pandeiro dava
oportunidade para que artistas nordestinos se apresentassem cantando Forró.
30

Figura 8 - Jackson do Pandeiro – o Rei do Ritmo


Fonte: Livro: O Fole Roncou (2012)

Desde sua primeira gravação, "Forró em Limoeiro", em 1953, até o último


álbum, "Isso é que é Forró!", de 1981, foram 29 anos de carreira artística, tendo
passado por inúmeras gravadoras.
José Domingos de Morais, conhecido como Dominguinhos, ilustrado na
Figura 9, foi um instrumentista, cantor e compositor brasileiro.

Exímio sanfoneiro, teve como mestres nomes como Luiz Gonzaga e


Orlando Silveira. Teve em sua formação musical influências de Baião,
Bossa Nova, Choro, Forró. Nasceu em 12 de fevereiro de 1941, Garanhuns,
Pernambuco, faleceu em São Paulo no dia 23 de julho de 2013. “Filho de
um famoso tocador e afinador de foles, mestre Chicão. Aos seis anos de
idade, ainda com o apelido de Neném do Acordeom, tocava pandeiro com
seus irmãos Moraes (sanfona) e Valdomiro (malê, espécie de zabumba) no
trio Os Três Pinguins (CARVALHO; RODRIGUES, 2012, p.159-160).

Certa feita, tocando com seus irmãos na porta do hotel em Garanhuns, foi
ouvido por Luiz Gonzaga, que ficou encantado com Dominguinhos e prometeu-lhe
uma sanfona de presente se algum dia ele resolvesse ir ao Rio de Janeiro. Em 1954,
sua família mudou-se para o Rio, radicando-se em Nilópolis. Dominguinhos procurou
imediatamente o Rei do Baião para cobrar-lhe a promessa, sendo presenteado com
uma sanfona nova.
31

Figura 9 - Dominguinhos – Neném do Acordeom


Fonte: Livro: O Fole Roncou (2012)

Em 1956, já acompanhava Luiz Gonzaga em shows e gravações. O Velho


Lua, seu padrinho musical, foi quem o apresentou ao mundo artístico do Rio de
Janeiro na época. Em 1957, foram a cidade de Vitória, no Espírito Santo, onde
aprendeu a tocar outros gêneros musicais como boleros e sambas, para se
apresentar em dancings e boates.
Foi Luiz Gonzaga que mudou seu nome artístico de Neném do Acordeom
para Dominguinhos, pois dizia que seu apelido de infância não o levaria a lugar
algum. Em 1965, Pedro Sertanejo, um dos pioneiros do forró no sul do país (pai de
Oswaldinho do Acordeom), o convidou para gravar um disco LP (long-play) dirigido
ao mercado de migrantes nordestinos em sua pequena gravadora Cantagalo. Dois
anos depois, participou de uma das excursões musicais de Luiz Gonzaga como
sanfoneiro e motorista, onde conheceu a cantora Lucinete Ferreira, a Anastácia, que
se tornaria sua esposa e parceira em várias músicas como Eu só quero um
xodó e Tenho Sede, êxitos na voz de Gilberto Gil, que o tornaram nacionalmente
conhecido, além de outros sucessos como De amor eu morrerei, Lamento de
saudade, Saudade matadeira e Forró em Petrolina. Participou de diversos festivais
de música nacionais e tem diversos discos gravados. Até 1978 já havia gravado sete
LPs.
Suas canções são interpretadas por nomes como Maria Bethânia, Gal
Costa, Caetano Velloso, Elba Ramalho, Raimundo Fagner, entre outros. Tem
músicas em parceria com grandes nomes da música popular brasileira como Chico
32

Buarque (Tantas palavras, Xote da navegação), Nando Cordel (De volta pro
aconchego, Gostoso demais, Faz de mim, Isso aquí tá bom demais), Gilberto Gil
(Abri a porta e Lamento sertanejo), Manduka (Quem me levará sou eu), Fausto Nilo
(Pedras que cantam). É autor também de trilhas e temas musicais de filmes como O
Cangaceiro (Aníbal Massaini Neto) e As Aventuras de um Paraíba (Marco Altberg).
Na sua longa discografia estão incluídas a composição e gravação de choro, forró,
xaxado, baião, coco, quadrilha, entre vários outros ritmos da música típica
do Nordeste brasileiro. O famoso Forró do Dominguinhos além de espalhar-se pelo
País nos shows que ele fazia para plateias universitárias, virou um gênero musical.
A sua qualidade como músico, compositor e intérprete é inconfundível.

3.4 Apropriação e resgate cultural: o caso do evento Forró da Lua e o Museu


do Vaqueiro

O forró sempre esteve vinculado às comemorações do dia de São João, no


interior de Pernambuco. Em sua região de origem foram criadas várias músicas no
ritmo nordestino. Para dançar e brincar, criaram-se as quadrilhas, e a dança
contagiou e se espalhou pelos outros Estados da Federação: Paraíba, Alagoas,
Sergipe, Ceará, Rio Grande do Norte até chegar à Bahia. O Forró, que abrange a
dança e a música, resulta em manifestações genuinamente da cultura popular. Na
dança, formam-se pares, geralmente homens com mulheres. Tais pares podem vir
ou não a serem desfeitos durante o desenrolar da festa. Por falta de parceiros,
muitas vezes se dança com crianças, sozinho ou mulher com outra mulher. Embora
existam algumas marcações definidas, no todo, a coreografia do forró não possui
exatamente passos determinados, consistindo, basicamente, no improviso dos
movimentos. Esse improviso pode também se estender às letras das músicas.
As festas juninas são as mais propagadas no nordeste, principalmente no
interior da região, com destaque para os festejos juninos das cidades de Campina
Grande na Paraíba e Caruaru em Pernambuco. “As festas juninas se juntam a uma
tradição vinda da França: a quadrilha. A quadrilha era dançada pelos nobres do
Brasil Império” (HERMIDA, 1986, p 112).
A Região Nordeste, imensa em suas dimensões, é celeiro fértil para
manifestações artísticas. A música é um espelho disso e reflete também as
33

transformações impostas pelo tempo. Essas mudanças deveriam resultar em um


produto melhorado. Pois existe um cuidado por parte dos músicos do Forró
Tradicional, para que o ritmo permaneça como parte da Cultura Popular Brasileira, e
não mais um produto da “indústria cultural” do sem valor. No entanto vários são os
que não respeitam as tradições e objetivam somente o lucro. O que se percebe
nesse contexto é uma transição de valores, acarretando prejuízos ao Forró
Tradicional, como a descaracterização do ritmo e das danças. Pegando carona
nessa onda, jovens também conseguiram se destacar, criando o chamado “Forró
Universitário”, talvez um meio termo entre o tradicional e o eletrônico e as Bandas.
Segundo Coelho (1995, p.11), a cultura feita em série, industrialmente para o
grande número de ouvintes passa a ser vista não como um instrumento de livre
expressão, crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro.
De acordo com Silva (2010, p.2), com a inauguração da primeira estrada de
ferro no interior de Pernambuco pela companhia inglesa Great Western, foi realizado
um baile ao som de sanfona, triângulo e zabumba para a comemoração do
acontecimento promovido pela própria empresa. Por este motivo passou-se a
associar ao forró (original) tal formação instrumental.
Mas o bom mesmo é que o Forró sobrevive. Ele, na sua simplicidade, traz em
suas letras impressas a história de uma gente, com uma melodia única,
inconfundível e contagiante.

Movidas pela indústria cultural que representa o entretenimento, o consumo


e o capitalismo, estas bandas criam um grande contraponto entre o
verdadeiro forró cantado e defendido pelos mestres Luiz Gonzaga, Jackson
do Pandeiro e outros artistas que em suas letras cantavam (e cantam) e
retratavam (e retratam) a cultura do povo nordestino, e o forró que é
executado por estas bandas que em suas apresentações trazem um
repertório de músicas com grande apelo sexual e de gosto duvidoso
(SILVA, 2010, p. 8).

Com o passar do tempo, o dito Forró ganhou novos instrumentos, como a


guitarra, o baixo e o teclado, esses novos sons jamais serão classificados como
“Forró de Pé de Serra”. Nesta esteira surgiram novos nomes: Rita de Cássia,
Mastruz Com Leite, Magníficos, Brasas do Forró entre muitas outras. Todas essas
bandas surgiram no Nordeste, comprovando que a tendência do ritmo está
totalmente vinculada à região.
34

Tem muita coisa para ser explorada em termos de folclore. Nós somos
muito ricos. Toda essa riqueza precisa ser bem divulgada para que todo
Brasil cante. Tem muitos cantores novos que estão na nossa, como Zé
Ramalho, Amelinha, Alceu Valença, Fagner. As rádios não precisam tocar
músicas estrangeiras, têm que dar valor ao que é nosso. A juventude está
exigindo e os meios de divulgação vão acatar, porque não deixa de ser
interesse desse meio (JACKSON DO PANDEIRO, 2001, p. 355).

3.4.1 Apresentação do espaço físico da Fazenda Bom Fim

Durante a execução do trabalho de pesquisa foi possível falar de um local


rústico e ao mesmo tempo interessante, que abriga em suas instalações um museu
e um espaço para eventos, conforme Figuras 10, 11 e 12. Localizada no Município
de São José de Mipibu-RN, está a Fazenda Bom Fim. Trata-se do Museu do
Vaqueiro e do espaço destinado a realização do Forró da Lua. Causa espécie o fato
de mesmo não sendo uma casa de show, realizar de forma espontânea e eventual o
popular Forró, sempre buscando preservar os Artistas de Raiz e a Cultura Popular
Nordestina, tendo a sanfona, triângulo e zabumba como componentes
indispensáveis nas apresentações.

Figura 10 - Vista Externa da área da Fazenda - Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)
35

Figura 11 - Apresentação de Arnaldo Farias e Roberto – Forró da Lua


Fonte: Freire (2018)

Figura 12 - Apresentação de Zé Barros e Gugu do Acordeom – Forró da Lua


Fonte: Freire (2018)

O Museu se destina exclusivamente a resgatar a figura do Vaqueiro


Nordestino, de vez que a Fazenda nos seus primórdios contava com a criação de
animais e por conseguinte se fazia necessária a figura de alguém para a lida de
campo, conforme Figuras 13, 14, 15 e 16. Observando atentamente veremos que a
36

casa que abriga as instalações do referido, é uma cópia fiel da Casa de Fazenda
dos Engenhos do século XIX.

Figura 13 - Portal de Entrada - Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)

Figura 14 - Painel ilustrativo da Pega de Boi - Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)
37

Figura 15 - Painel mostrando o interior do Museu do Vaqueiro - Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)

Figura 16 - Vista do Painel de Entrada do Museu - Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)

O horário de início do evento é 20h00 e se prolonga até 02h00 da manhã,


conforme foi possível apurar, visando permitir o deslocamento das pessoas até a
Fazenda, tendo em vista que são aproximadamente 40 Km que separam Natal e o
interior de São José. As festas ocorrem aos sábados de lua cheia. Em certas
ocasiões é precedido por um evento (uma mesa redonda) no qual são debatidos os
38

novos rumos em torno do tema Forró de Pé de Serra e Cultura Nordestina, haja vista
a concorrência com outros estilos de forró. Em alguns momentos as atrações da
noite são convidadas a participar com as suas experiências. Como de costume, as
opiniões convergem para o fato da descaracterização das festas de Luiz Gonzaga.
O Projeto Museu do Vaqueiro/Forró da Lua, tem como escopo o resgate da
Cultura Nordestina de Raiz, ou seja, os hábitos e costumes vividos pelos autóctones
em relação aos “utensílios, hábitos alimentares e músicas regionais”. Como meio
para atingir tal intento, utiliza a Fazenda Bom Fim, localizada na Estrada da Lagoa
do Bonfim no entorno do Posto da Polícia Rodoviária Federal na BR-101, de
propriedade da família Lopes. Não restam dúvidas de que se trata de um Lugar
Diferenciado.
Para que se possa ter a exata dimensão deste possível atrativo turístico, se
faz necessária uma maior divulgação junto as empresas que compõe o chamado
Trade Turístico. Podendo abrigar em suas dependências cobertas,
aproximadamente 1.000 pessoas, o local permite ao visitante encontrar um espaço
para adquirir cultura através dos diversos painéis instalados na parte interna e
externa do Museu, como mostra as Figuras 17 e 19, bem como dançar ao som das
músicas regionais, além de contar com um cardápio tipicamente sertanejo.
A sua temática musical tem como matriz genética Luiz Gonzaga, Trio
Nordestino, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, Elino Julião entre outros, o que a
torna “Verdadeiramente Nordestina”. Nas suas instalações, funciona a Escola de
Sanfonas, que tem como público alvo os alunos da rede Municipal de São José de
Mipibu e Nísia Floresta, tendo dado origem a Orquestra Sanfônica, contando
atualmente com crianças e adolescentes na faixa etária de 6 aos 17 anos, ilustrado
pela Figura 18.
Os instrumentos musicais são frutos de doações, nada sendo cobrado dos
alunos. Inclusive a remuneração do professor é feita de forma particular.
39

Figura 17 - Painel em homenagem a L. Gonzaga - Dominguinhos – Elino Julião - Fazenda Bom Fim
Fonte: Freire (2018)

Por outro lado a Cultura Nordestina também se faz viva e presente com a
realização do evento “Forró da Lua”, uma tradição que teve o seu início em 30 de
Novembro de 2002, com a realização da 1ª Pega de Boi no Mato, por ocasião da
Lua Cheia, tendo contado na época com a presença dos seguintes artistas:
Waldonys, Luizinho Calixto e Arlindo dos 8 Baixos. Buscava-se através da
realização do Forró a oportunidade de conciliar lazer e entretenimento dos
vaqueiros, sem a pretensão comercial. A presença era somente dos empregados da
Fazenda e convidados.

Figura 18 - Apresentação da Crianças do Projeto – Forró da Lua


Fonte: Freire (2018)
40

O diferencial que o envolve, é ser realizado em uma Fazenda que preserva


suas características históricas e o modo de vida rural. Na ocasião o Museu do
Vaqueiro permanece aberto no período da noite para que o público visite parte das
suas instalações. O Forró acontece ao lado dos currais, à luz do candeeiro. Se torna
bastante interessante observar as reações dos visitantes ao perceber a presença
dos animais próximos as cercas, muitos deles permitindo uma maior aproximação.
Já na chegada o público começa a interagir com o local, de vez que o acesso se faz
pela porteira da Fazenda, sendo recepcionado por um Vaqueiro Nordestino, o
senhor João Maria, nascido e criado no lugar, que conhece melhor do que ninguém
os animais. Quando da realização do forró, os mesmos são recolhidos aos currais.
Ao estacionar o seu veículo o visitante já entra no clima do Sertão, ao pisar no chão
batido, uma vez que não existe qualquer tipo de calçamento.
Conforme foi possível constatar, o Forró de Pé de Serra não tem as suas
origens nos recintos luxuosos. Por sua própria natureza deve ser no chão puro,
levantando a poeira. A importância do Projeto está na divulgação das Tradições
Seculares que passam de geração à geração. Tendo em vista que das capitais do
Nordeste Brasileiro, Natal é a menos afeita aos costumes e hábitos tipicamente
próprios, de modo que pouco se investe quer seja pelo Poder Público quer pela
iniciativa privada na Cultura de Raiz. Falta-lhe identidade.

Figura 19 – Painel em homenagem aos Forrozeiros Tradicionais – Fazenda Bom Fim


Fonte: Freire (2018)
41

Aos turistas que visitam o Estado, seria interessante conhecer um lugar


tipicamente nordestino, provar da boa comida, hábitos e vestimentas do lugar. Não é
crível que as pessoas que visitam o Estado, busquem exclusivamente conhecer o
Turismo de Sol e Mar ou visitar os shoppings.
Há de se considerar também o lado social com a oportunidade da geração de
empregos diretos e indiretos, relacionados com a atividade. Pode ser visto como um
produto que apresenta reais possibilidades de atrair demanda, faltando apenas uma
correta valorização e divulgação.
Seria interessante observar os vizinhos de Pernambuco, Paraíba e Ceará,
que investem pesado no Forró de Pé de Serra. Lá encontramos eventos em
homenagem a Gonzagão, Dominguinhos e muitos outros durante o ano todo,
movimentando todo o trade turístico tanto na alta como na baixa temporada.
Com relação à faixa etária do público que frequenta o evento, esta é bastante
flexível, predominando, no entanto, as pessoas acima dos 40 anos, com nível
superior e financeiramente independentes.
Na parte interna, ao chegar ao Museu, constata-se que as pessoas são
recepcionadas com frutas típicas da região, rapadura e a tradicional cachaça de
alambique. Tudo visando movimentar o público potiguar, oferecendo uma nova e
sólida opção de lazer.
Acredita-se que o momento é único, por ser a oportunidade ideal para a
formação de uma parceria com a comunidade, haja vista que a matéria se encontra
em evidência no Congresso Nacional. Conforme o publicado no Jornal Tribuna do
Norte no dia 23 de maio do corrente ano, por iniciativa de alguns músicos e políticos
Potiguares, foi levado ao conhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) a importância de se preservar o Forró de Raiz, como
Patrimônio Imaterial do País. À frente do movimento tradicional se encontrava a
Senadora Fátima Bezerra.
Segundo a Senadora, o reconhecimento garantirá a valorização dos
forrozeiros, das festas juninas e do turismo, principalmente na região Nordeste. “O
forró é uma das expressões populares mais expressiva da população brasileira. É
importante preservar essa memória”.
42

3.5 Posicionamento dos Artistas

Tendo em vista a impossibilidade de realizar uma pesquisa de forma


individual e presencial com os artistas envolvidos, porém já conhecendo de antemão
os seus posicionamentos, fruto de uma vivência que já vem de longa data, como
apreciador, músico (sanfoneiro), assíduo frequentador das Casas de Forró
existentes no país e amigo particular de um grande número de cantadores, posso
adiantar que o pensamento é praticamente o mesmo, no sentido de NÃO deixar
morrer o legado de Luiz Gonzaga, no que se refere ao tradicional Forró de Raiz.
Lançando mão da tecnologia, busquei eficiência e dinamismo ao apresentar
as entrevistas através da mídia disponível na internet, a qual não permite quaisquer
dúvidas ou questionamentos no que diz respeito ao que for por eles dito.
Passo agora a apresentar parte das entrevistas e alguns comentários, como se
segue:
Para Santana – O Cantador2, só existe um forró de verdade, que é o de Luiz
Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Segundo o mesmo, a responsável pelo
enfraquecimento do forró de raiz é a mídia, que impõe valor onde não existe, ou
seja, as bandas atuais. Não considera Wesley Safadão e Aviões do Forró como
representantes do estilo tradicional. “Falta batida e proposta poética”. Considera as
músicas medíocres. Chega a falar em “verdade mentirosa” ao se referir ao forró das
Bandas como sendo autentico, e apresenta a sua insatisfação pela falta de
divulgação dos artistas forrozeiros na mídia.
Artistas do forró tradicional, em meio a toda polemica criada em torno da
descaracterização do Forró de Pé de Serra, lançaram o movimento "Devolva meu
São João"3. Trata-se de uma forma de protestar contra o que eles consideram uma
descaracterização da Cultura Nordestina, no qual pedem a valorização dos músicos
locais nas Festas Juninas, as quais estão passando por uma transformação
preocupante com a participação do estilo Sertanejo e não do Forró de Raiz nos
eventos em Caruaru-PE e Campina Grande-PB. “Precisamos preservar Luiz
Gonzaga”. São partidários deste pensamento: Marcos Lucena, Hela Castro, Zé
Calixto, Ednaldo Santos.

2
Santana O Cantador. Entrevista disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=vD6srWA8gEk>.
Acesso em: 8 set. 2018.
3
Devolva meu São João. Entrevista disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=osaQQUq_240. Acesso em: 8 set. 2018.
43

Elba Ramalho4 (Devolva meu São João) também faz referência a presença de
cantores sertanejos em eventos de forró, o que o descaracteriza, segundo dito por
ela: “com todo o respeito, não é a festa do peão, é a festa do São João. Explicado e
compreendido. Não pense só no oportunismo. Não distorçam as minhas palavras”.
O cantor Alcymar Monteiro5, em apoio ao movimento citado, compôs uma
música em referência a causa de todos os forrozeiros, o resgate da música de Luiz
Gonzaga, intitulada “Fora breganejo”. Em um trecho da música, diz: “Precisamos
resgatar nossas manifestações”.
Entrevista com Dominguinhos - Publicada na Revista Contexto6 (ipsis litteris):
Pergunta - MUITOS artistas se opõem ao chamado “forró eletrônico”, tocado
por essas bandas que fazem sucesso hoje, quase todas do Ceará. O que o Sr.
pensa dessa nova música tocada pelo povo do Nordeste?
Dominguinhos - AQUILO ALI tem o lado bom. Eu vejo aquilo ali como um
momento de lucidez, porque alguém tinha de fazer alguma coisa para dar uma
sacudida na música nordestina. Exatamente Emanuel Gurgel formou as primeiras
bandas no Ceará, conseguiu esse furo: o novo forró. Desde que eles começaram,
nós sabemos que nenhuma banda toca forró, por que, um forró depende de um
triângulo e um zabumba, pode ter bateria, pode ter guitarra, pode ter piano, o que
quiser, mas se não tiver o zabumba e o triângulo para tocar redondo, não vai dizer
que é forro que não é, é uma invenção. Mas eles, através dessa sacada do
Emanuel, deram um chute muito grande e esse chute atravessou o mundo. A
música nordestina muito parada despertou.
Pergunta - QUAIS FORAM os prejuízos dessa música para os sanfoneiros de
raiz?
Dominguinhos - OS SANFONEIROS perderam espaço. Todos nós fomos
tolhidos porque as bandas faziam um show-baile. Eles botavam dois bateristas,
quatro cantores, dois guitarristas, tudo em dobro desde que começava até às 4h da
manhã. Eu toquei muito no Ceará, no Rio Grande do Norte, no Piauí, aí as portas se
fecharam. Por quê? Quando as bandas iam tocar numa festa, a meia noite era a
hora do artista. Aí a banda parava, ia descansar, tomar e comer um negocinho e o

4
Elba Ramalho. Entrevista disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=VURy6uPyQRQ>.
Acesso em: 8 set. 2018.
5
Alcymar Monteiro. Entrevista disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SJ7OWZqUH6c>.
Acesso em: 8 set. 2018.
6
Dominguinhos. Entrevista realizada por Tárik de Souza, disponível em:
<http://www.mpbnet.com.br/musicos/dominguinhos>. Acesso em: 8 set. 2018
44

artista fazia, por volta de uma hora, o seu show. As bandas tomaram conta de tudo e
não foi mais possível artista nenhum fazer show porque comandavam a noite toda e
o dono da festa pagava um cachê só. Isso aí foi uma coisa muito ruim para nós,
integrantes da música nordestina de raiz, porque eu só tocava, naquela época, com
zabumba, triângulo e pandeiro. Era um trio. Daí uma banda daquelas com trombone,
com pistão, com isso e com aquilo, e a gente éramos três gatos pingados, você
imagine a diferença de som. E, muitas vezes, o som era do cara da banda que
ficava fazendo maldade: tirava o som, deixava baixinho. Isso aí, até o Flávio José já
passou em épocas mais perto agora, Já famoso como é.
Em entrevista prestada por Arnaldo Farias7 ao programa de televisão Fátima
Mello, o artista faz referência a perda de espaço da música popular de raiz para as
Bandas, dizendo também que no Rio Grande do Norte o Forró de Raiz passa por
dificuldades, não sendo valorizado. Por este motivo optou por fazer o São João no
interior da Bahia. Para ele o verdadeiro forró é o de Luiz Gonzaga, Jackson do
Pandeiro e Trio Nordestino.

3.6 Vivência in loco no evento Forró da Lua

No que diz respeito ao comparecimento ao evento do Forró da Lua/Museu do


Vaqueiro, foi uma experiência interessante. Começa com o deslocamento de Natal
até o interior de São José de Mipibu, um local na Zona Rural, onde está localizada a
Fazenda Bom Fim, na Estrada da Lagoa do Bonfim, a aproximadamente 40 Km. O
trajeto foi feito pela BR-101, em direção a João Pessoa, logo após o retorno feito no
Posto da PRF, e a entrada à direita, o visitante se depara com uma estrada sem
sinalização, iluminação e pouco conservada, o que não deixa de ser preocupante,
tendo em vista a criminalidade atual. Margeando a estrada está a Fazenda que, com
a sua vegetação característica, já é um diferencial a ser considerado. Não se tem
como desconsiderar este conjunto, pois o visitante percorre 1,5 km de escuridão
total, até avistar os primeiros sinais de iluminação da Fazenda. Logo na entrada da
porteira, o “boa noite” é dado por um senhor moreno de nome João Maria, que é o
capataz e recepcionista do evento.

7
Arnaldo Farias. Entrevista disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=_cFEd8CMH2M >. Acesso em: 8 set. 2018.
45

O estacionamento dos veículos é feito no próprio local de pasto dos animais,


sem qualquer luxo, inclusive se torna inconveniente nos dias de mal tempo, por não
contar com nenhum tipo de cobertura. Como o terreno é de chão batido e arenoso,
torna-se difícil o deslocamento feminino com os sapatos de salto.
Logo na entrada a primeira surpresa, ao verificar que o Museu está inserido
em uma construção que é cópia fiel da Casa de Fazenda do século XIX, toda
pintada na cor branca, o que sem dúvida chama a atenção. No prédio anexo fica o
espaço onde ocorre o forró propriamente dito, que também é “sui generis”, tendo em
vista que fica por trás de uma formação de capela que tem inserida uma cruz que
permanece iluminada, mesmo nos dias em que não ocorre o evento.
O acesso ao Museu é feito por uma rampa que ao seu final é interrompida
com um portão bem rústico, já que o conjunto todo está inserido no contexto do
curral da Fazenda, sendo inclusive possível avistar alguns animais pastando.
Ao acessar o Museu, o visitante é convidado pelos funcionários a visitar a
parte interior das instalações, tendo em vista que a parte superior permanece
fechada nos dias de festas, por questão de segurança, uma vez que a escada de
acesso a parte superior é de madeira antiga, não sendo recomendado para um fluxo
mais intenso de pessoas.
Com um acervo de obras que cativa a atenção do visitante, remetendo ao
Nordeste dos tempos antigos, a visitação é digna de registro. Para se ter uma ideia,
os vários painéis que estão distribuídos ao longo das paredes contam a história do
Brasil Colonial, do vaqueiro e do cangaceiro.
Passando para o espaço do Forró, de imediato o que chama a atenção é a
falta de iluminação elétrica, ou melhor, a iluminação é toda feita na luz do candeeiro,
ou seja a base de lamparinas abastecidas com querosene, fato que, por si só já é
mais um diferencial a ser registrado: os visitantes dançam no “escurinho”.
Outro registro que merece ser citado é o fato de ser o entorno todo
arborizado, e nas noites de Lua Cheia fica sem dúvida um quadro muito impactante,
ver a Lua nascer por cima dos currais.
Também deve-se registrar que o repertório musical tocado no recinto é
tipicamente nordestino, tendo por base Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Trio
Nordestino, Dominguinhos, e tantos outros artistas do Forró das Antigas, que levam
o público a elogiar a iniciativa da família Lopes de procurar manter viva as tradições
46

locais. No que diz respeito à culinária, está baseada no cardápio nordestino, dando
ênfase à macaxeira, escondidinho de carne de sol, feijão verde e paçoca.
Sem qualquer exagero, pelo conjunto da obra, é um lugar a ser visitado,
preservado e divulgado. Seria no entanto interessante investir em uma melhor
definição do local, como placas de sinalização para facilitar a orientação espacial
logo no início da estrada de acesso na BR-101.
Merece ser melhor explorado pelas de agências viagens e congêneres,
inclusive sendo inserido no Turismo Rural pelos órgãos competentes. Tão carente
de opções noturnas que agreguem valor e Cultura na Região Metropolitana de Natal,
poderia ser melhor aproveitado como opção de lazer e turismo. Podendo vir a ser
um Atrativo Turístico, se bem trabalhado. Saindo do artesanal.
Diante do exposto, é possível afirmar que se trata de uma oportunidade única
do visitante associar Cultura Nordestina de raiz ao ambiente tipicamente matuto.
Neste local realmente se preserva a boa música de Gonzagão.
Tem sim, potencial a ser explorado, pois trata-se de um produto turístico
acabado.
47

4 CONCLUSÃO

Não restam dúvidas sobre a necessidade de se preservar a cultura imaterial


do Nordeste, um povo sofrido e rico ao mesmo tempo. Que mesmo enfrentado as
adversidades, não vive de tristeza, pelo contrário, é alegre e hospitaleiro,
conseguindo contagiar os visitantes. Ao contrário de certas qualidades de músicas,
a nordestina busca contar em versos o modo de vida, a vegetação e os animais
que fazem parte do seu cotidiano. Como marco significativo tem-se a presença de
Luiz Gonzaga, pois foi através dele que o nortista, “nordestino”, foi descoberto pelo
Brasil. Não é novidade que antes da popularização dos ritmos através da formação
do Trio de Cantadores todos eram considerados pejorativamente como “paraíbas”,
independente do seu estado de origem, fato que permanece até os dias atuais.
O objetivo apresentado pelo Projeto Forró da Lua e Museu do Vaqueiro é
justamente preencher o vazio que existe entre o antigo e o novo, entre o tradicional
e o moderno, de forma que a população reflita sobre a valorização das suas
origens. Não deixa de ser obrigatório acompanhar a evolução, mas pode-se manter
as tradições a partir da ressignificação dos espaços culturais e seu
reaproveitamento turístico, sem perder as características originais.
Na busca de associar a opção ao lazer e ao Turismo, é possível prestar uma
justa homenagem à figura do Vaqueiro que tanto fez pelo seu Nordeste. Se for bem
trabalhado, o Forró da Lua pode vir a se constituir em um atrativo turístico de
significativo valor.
Fazendo-se uma análise da viabilidade do local, deve continuar a existir esta
manifestação cultural, vislumbra-se o fato de ser puro-original da raiz, pois como já
foi dito não apresenta artificialidade nas suas instalações ou no modo de
apresentação dos artistas, possuindo um público fiel, não tendo qualquer
concorrente de mesmo porte e sendo um gerador de empregos e serviços.
Quanto ao fator custo se levarmos em conta o que é oferecido é, sem
dúvida, compensador do ponto de vista de valor agregado. Sendo o único a prestar
uma reverência ao Trio (boi-vaqueiro-sanfona). Acredita-se, porém, que seria
necessária a participação mais efetiva população e dos meios de comunicação
para a divulgação deste atrativo. Do ponto de vista cultural, necessitaria até mesmo
do incentivo do Poder Público.
48

É sabido que a localização, por ser distante cerca de 40 km da capital,


impacta no deslocamento das pessoas, além do que, por ser realizado no entorno
da PRF na BR-101 sentido João Pessoa, enfrenta os rigores da Lei Seca, o que
também inibe a presença do público.
Tendo em vista a carência de opções noturnas para o público visitante e
mesmo o residente em Natal, deve ser benvinda esta oportunidade de lazer sadio,
permitindo-se inclusive a visitação do Museu do Vaqueiro que, por si só, já é
compensador. Se faz necessário deixar registrado que muito embora seja um local
agradável, ainda conta com um número bastante limitado de frequentadores, algo
em torno de 400 pessoas nos dias atuais. Por tudo isto, acredita-se que seja
conveniente fazer os ajustes em marketing e divulgação, de modo que mantenha o
evento livre da industrialização cultural, para que não sofra com a degradação nem
descaracterização.
49

REFERÊNCIAS

BEZERRA, José A. Alves. Monografia: A Pecuária e sua importância para o


repovoamento do Seridó. UFRN-Natal, RN. 2005

BRANDÃO, Thadeu de Sousa. Turismo Cultural: reflexões e possibilidades de


desenvolvimento no RN. In: COSTA, Jean Henrique, SOUSA, Michele (Orgs.).
Política de Turismo e Desenvolvimento: Reflexões Gerais e Experiências Locais.
Mossoró, RN: Fundação Vingt-Un Rosado, 2010. p. 243-256.

CÂMARA CASCUDO, Luis da: Dicionário do Folclore Brasileiro: 9ed. São Paulo:
Global, 2000.

CÂMARA CASCUDO, Luis da: Viajando o Sertão: 4ed. São Paulo: Global, 2009.

CAMARGO, Patrícia. CRUZ, Gustavo. (org.) Turismo cultural: estratégias,


sustentabilidade e tendências. Ilhéus: Editus, 2009.

CANCLINI, N.G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.


Trad. Heloísa P. Cintrão e Ana Regina Lessa. 2ed. São Paulo: Edusp, 1998.
COELHO, Teixeira. O Que é Indústria Cultural. São Paulo: Brasiliense, 1995.
É difícil ficar sem você. Jornal do Comercio, Recife, 24 jul. 2013. JC Urgente, p. 5-8.
ENCICLOPEDIA da música brasileira: erudita, folclórica, popular. 2 ed. São Paulo:
Art Editora, 1998.

GONÇALVES, Jairo de Lucena. Aboios do passado: História do início da pecuária


no Brasil. Recife, Ano 4, Volume, p.01-06, jul., Série 02/07, 2013.

GULART, José Alípio. Brasil de boi e do couro. Rio de Janeiro: edição GRD, 1964.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade. 11ª ed. Rio de Janeiro:


DP&A, 2006.

HERMIDA, Borges. O Interessante Estudo do Folclore: História do Brasil. 8. ed. São


Paulo: Companhia Editora Nacional, 1986.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico. 14ª ed. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
LIMA, Luiz Costa. Teoria da Cultura de Massa. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982.
CARVALHO, Carlos M.; RODRIGUES, Rosualdo. O Fole Roncou! Uma História do
Forró. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

MOURA, Fernando; VICENTE, Antônio. Jackson do Pandeiro. O Rei do Ritmo. 1.


ed. São Paulo: 34, 2001.
50

PERICÁS, Luiz Bernardo. Os cangaceiros. Ensaio de interpretação histórica. São


Paulo: Editora Boitempo, 2010.
RIBEIRO, Darcy – O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
SILVA, André Luiz. A descaracterização do forró influenciada pela indústria cultural
através das bandas de forró. Revista eletrônica temática. João Pessoa, Ano VI,
n.10, p. 1-8, out.2010.
ZANELLA, Liane Carly Hermes. Metodologia de pesquisa. 2. ed. rev. atual.
Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração/UFSC, 2011.

BASTOS, Marcos. Origem e evolução do forró. Disponível em:


<http://xepero1.sites.uol.com.br>. Acesso em: 05 nov, 2018.

CÂMARA, Renato P. Fundação Joaquim Nabuco. Forró: Identidade nordestina.


Disponível em:
<http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet
?publicationCode=16&pageCode=377&textCode=6636&date=currentDate>. Acesso
em: 27 Ago 2018.
DOMINGUINHOS. Disponível em: <https://www.musicjournal.com.br/dominguinhos-
relanca-o-xente-domingo-menino/>. Acesso em: 10 set. 2018.
DOMINGUINHOS. Disponível em:
<http://biscoitofino.uol.com.br/bf/art_cada.php?id=95>. Acesso em: 8 jun. 2006.
FORRÓ DA LUA. Disponível em: <http://www.forrodalua.com.br/index.html>. Acesso
em: 26 Out 2010
GASPAR, Lúcia. Great Western. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim
Nabuco. Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>.
Acesso em: 22 Set 2018.

ESCOLA KIDS. Disponível em: <https://escolakids.uol.com.br/pecuaria-e-


povoamento-colonial.htm>. Acesso em: 22 Set 2018.

ESPECIAL NATAL 413 ANOS: “TRAMPOLIM DA VITÓRIA” DOS EUA NA 2ª


GUERRA. Disponível em: <http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-
norte/noticia/2012/12/natal-trampolim-da-vitoria-dos-eua-durante-segunda-guerra-
mundial.html>. Acesso em: 05, nov. 2018.

PECUÁRIA BRASILEIRA. Disponível em: <


https://www.infoescola.com/economia/pecuaria-brasileira/>. Acesso em: 22 Set
2018.

GOUVEIA JUNIOR, M. A Gestão da Memoria: as politicas públicas culturais e a


situação dos museus no estado de Pernambuco. 2012. 212f. Dissertação
(Mestrado Acadêmico em Ciência da Informação) – Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2012. Impresso. Disponível em: <http://www.ufpe.
br/ppgci/images/documentos/disserta/2011%20mario.pdf>. Acesso em: 28 set 2018.
51

HUMBERTO Teixeira. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura


Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12182/humberto-teixeira>. Acesso em:
08 de Nov 2018.

NUNES, Paulo E. Enciclopédia da Música Brasileira. Samba e choro. Disponível


em: <http://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/3033>. Acesso em: 27 Abri
2010.
O CICLO DO COURO. Disponível em:
<https://stravaganzastravaganza.blogspot.com/2011/11/o-ciclo-do-couro.html>.
COSTA, Leopoldo. 2011. Acesso em: 22 Set 2018.

10 FATOS CURIOSOS SOBRE O DIA-ADIA DE NATAL DURANTE A 2ª GUERRA


MUNDIAL. Disponível em: <https://curiozzzo.com/2015/07/10/cotidiano-dos-
americanos-em-natal-na-epoca-da-segunda-guerra-mundial/>. Acesso em: 22 Set
2018.

Você também pode gostar