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Essa percepção de mundo, muito comum a todos os povos não surge por acaso,
foi necessário que povos muito diferentes, em algum momento da História, entrassem
em contato e estabelecessem entre si relações de poder muito desiguais, portanto
relações entre dominadores e dominados. Assim, não é fácil traçar o momento do
surgimento do etnocentrismo no mundo. Porém, naquilo que nos interessa, é possível
afirmar que se tratou de uma característica muito importante do avanço colonialista
europeu sobre as Américas, África, Ásia e Oceania no decorrer do século XVI. Como
fruto desse avanço, foram produzidos diferentes relatos e documentos históricos a
respeito das populações que os europeus travavam contato naquele momento.
Ora, se inicialmente, esse olhar etnocêntrico caracterizou as narrativas de
administradores coloniais, missionários religiosos e comerciantes, em um dado
momento da História, passou a caracterizar a percepção da própria ciência, em outras
palavras, tornou-se parte integrante do próprio discurso científico e filosófico. Durante o
século XIX, diversas teorias etnocêntricas tomaram a forma de “teorias sociais”, uma
vez que a Europa precisava justificar suas ações de domínio sobre esses povos. Assim,
se por um lado a ciência deu aval para as relações de domínio sobre povos nativos da
Ásia, África, Oceania e América, por outro, os cientistas que estudavam a essas
populações tinham como interesse compreender a História da humanidade. Para eles,
essas sociedades ditas primitivas eram uma espécie de laboratório: ao observá-las no seu
estado presente acreditavam desvendar o passado da humanidade. Portanto, tentaram
sistematizar o conhecimento adquirido dessas populações em narrativas compreendidas
como narrativas de evolução: imaginava-se uma escala onde as sociedades são
representadas da mais simples a mais complexa.
A principio quem apresentou esse critério foi Morgan para o qual a passagem da
barbárie para a civilização ocorre pela adoção da propriedade privada como forma de
organização da sociedade. Esse critério norteou grande parte dos intelectuais
evolucionistas em suas classificações das ditas chamadas primitivas. Esses, ao
observarem as sociedades sobre o julgo colonial compreenderam que elas não possuíam
uma organização burocrática que fosse capaz de centralizar decisões, ou seja, não
possuíam algo similar ao Estado. Conforme os diferentes estudos produzidos a época,
estas sociedades encontravam-se organizadas por sistemas de parentescos. Nesse
sentido, não contavam com sistemas jurídicos separados sendo que as regras que
regulavam a vida social estavam concernidas ao sistema de parentesco. Esse era um
sistema de deveres e direitos baseados em relações de parentesco que estruturava toda a
sociedade. Além disso, não possuíam propriedade privada da terra, essa seria de uso
coletivo cuja regulação baseava-se no sistema de parentesco.
Assim, as teorias sociais do século XIX delimitaram a linha de evolução e a
noção de progresso a partir da constatação da ausência ou presença de elementos bem
característicos das assim chamadas sociedades primitivas:
Cabe retomar que essa sistematização teórica serviu como base para as práticas
colonialistas levadas a cabo por Estados Unidos e Europa, uma vez que se basearam na
suposta superioridade que possuíam sobre outros povos e civilizações. Assim, as
potências capitalistas do período (Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido,
Bélgica) avançaram pela África e Ásia e impuseram o seu domínio imperialista. O
discurso dessas nações tinha como premissa a ideia de uma missão civilizadora no qual
se acreditava possível elevar os “selvagens” a condição de civilizados e, quando tal
missão não fosse possível de efetivar, desenvolveu-se a ideia de que a dominação
deveria ser sempre necessária a fim de impedir que esses povos regredissem a um
estágio inferior.
Tais ideias evolucionistas ainda encontram terrenos férteis nas mentes e nas
práticas de muitos nos dias de hoje, em muitos casos transformou-se em teorias raciais
cuja adesão pela população branca resultou em sérias dificuldades para a aceitação da
diversidade étnica e cultural, uma vez que o não branco passou a ser visto como
ameaça. No entanto, foi no interior da própria ciência que desenvolveu-se a crítica dessa
perspectiva teórica. Conforme Castro:
Para evitar cair nas armadilhas do evolucionismo cultural tanto Boaz quanto
outros de sua época e que vieram depois, não só criticaram a metodologia comparativa e
reducionista dos teóricos do evolucionismo como também desenvolveram um método
de observação direta das culturas e dos povos nos quais pretendiam estudar. Ir a campo
passou a ser uma experiência fundamental do fazer científico e teórico.