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Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

VIKINGS INVADEM O BRASIL NO SÉCULO XXI: O


NEOMEDIEVALISMO DOS MOVIMENTOS DE RECRIAÇÃO
HISTÓRICA NÓRDICA NOS TRÓPICOS

VIKINGS INVADE BRAZIL IN THE 21 ST CENTURY: THE


NEOMEDIEVALISM OF NORDIC HISTORICAL REENACTMENT
MOVEMENTS IN THE TROPICS

João Batista da Silva Porto Junior1


Universidade Federal Fluminense
jbporto@gmail.com

Resumo: A “Recriação Histórica”, ou Abstract: Historical Reenactment or


“Reconstituição Histórica”, ou “Reconstrução Historical Re-enactment can be defined as a
Histórica”, ou ainda, “Reencenação Histórica”, ludic educational practice, with the objective
do inglês Historical Reenactment, ou of recreating artistic pieces/elements or
Historical Re-enactment, pode ser definida some sociocultural aspects of a certain period
como uma prática educativa lúdica, com or event. This reenactment, when related to
objetivo de recriar peças/elementos the traditional time frame of the so-called
artísticos e/ou alguns aspectos socioculturais Middle Ages, can be considered an
de um determinado período ou evento. Esse emblematic expression of the
recriacionismo histórico quando relacionado neomedievalism. In Brazil, these practices are
ao tradicional recorte temporal da dita Idade a recent phenomena, but they quickly gained
Média, pode ser considerado como uma popularity and spread throughout the
expressão emblemática do neomedievalismo. territory, associated with the historical
No Brasil essas práticas são fenômenos reenactment of the “Viking Age”. This article
recentes, mas que rapidamente alcançaram tries to investigate the origins of this
popularidade e se espalharam pelo território, movement and seeks to understand a little bit
associadas as recriações históricas da more of this nostalgic trend by reenact in the
chamada “Era Viking”. Esse trabalho tenta tropics the medieval Scandinavian past.
perscrutar as origens desse movimento e Keywords: Neomedievalism; Historical
busca compreender um pouco melhor essas Reenactment; Viking.
manifestações passadistas ou nostálgicas
pela recriação do passado medieval
escandinavo nos trópicos.
Palavras-chave: Neomedievalismo;
Recriação Histórica; Viking.

1 Mestre e Doutor pelo do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


(PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF), com estágio de Doutoramento
Sanduíche no Centro de História da Universidade de Lisboa (CH-ULisboa). Especialista em
História Antiga e Medieval pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Atualmente, é pesquisador do Linhas/UFRRJ (https://linhas-ufrrj.org/).

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1. Introdução
Esse artigo pode ser considerado como uma tentativa de estabelecer as
possíveis origens e compreender algumas motivações para o célere crescimento dos
movimentos de historical reenactment – vulgarmente traduzido para o português
como recriação histórica – e living history – ou história viva em tradução livre – no
território brasileiro.
Tanto a recriação histórica quanto a história viva, quando relacionadas ao
tradicional recorte temporal da dita Idade Média, podem ser consideradas
expressões emblemáticas do campo de estudos ou categorias de análise do
neomedievalismo. Para fins desse artigo, parece pertinente utilizar, a sugestão
conceitual oferecida pelos historiadores Nadia R. Altschul & Lukas Gabriel
Grzybowski2, a partir dos estudos pós-coloniais, a favor do neomedievalismo,
porque segundo eles:

Uma área em que os praticantes brasileiros estão se posicionando


para mudar é a “controvérsia” entre o medievalismo e o
neomedievalismo. O que hoje é conhecido como medievalismo no
Atlântico Norte poderia facilmente ter sido conhecido como
estudos do neomedievalismo. Para os estudiosos brasileiros, a
questão do neomedievalismo ressurge porque “neo” é a
terminologia mais óbvia e direta. Se essa terminologia tivesse sido
incorporada nos centros hegemônicos, aqueles que estudam a
Idade Média histórica fariam o chamado medievalismo – sentido
que continua a ser corrente na América Latina – enquanto aqueles
que estudam as reapropriações posteriores fariam o
neomedievalismo3.

Apesar do neomedievalismo possuir outras definições, abrangências e


encerrar algumas controvérsias, para esses autores, “o Brasil é terreno fértil para o
restabelecimento do termo neomedievalismo como equivalente ao uso corrente
encontrado na academia de língua inglesa e seus seguidores”4. Destarte, a recriação
histórica e a história viva passam a ser estudados como práticas socioculturais desse

2 ALTSCHUL, Nadia R. & GRZYBOWSKI, Lukas Gabriel. Em Busca dos Dragões: A Idade Média

no Brasil. Antíteses – Dossiê "Medievalismo(s), neomedievalismo e recepção da Idade Média


em períodos pós-medievais", Londrina: UEL, v. 13, n. 25, p. 024-035, 2020.
3 Ibidem, p.28.
4 Ibidem, p.28.

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neomedievalismo nacional.
Persiste até hoje uma grande confusão entre os termos recriação histórica e
história viva, que apesar de possuírem similaridades, são práticas socioculturais e
educativas bastante diferenciadas. Contudo, no Brasil, dificilmente são feitas as
devidas distinções, amiúde aparecem misturadas ou como sinônimos. O próprio
conceito de história viva ainda é pouco divulgado e raramente utilizado, enquanto a
maioria dos praticantes demonstram nítida preferência pelos termos: recriação
histórica, recriacionismo, ou o próprio estrangeirismo do reenactment, entre outras
variações. No país, em pleno século XXI, apesar de parecer inverossímil, o
neomedievalismo recriacionista que mais rapidamente alcançou popularidade e se
espalhou pelo território, foi a recriação histórica associada a chamada “Era Viking”.
Esse artigo não busca analisar a qualidade e/ou o nível de autenticidade
histórica dos grupos recriacionistas brasileiros, mas perscrutar as suas origens e
buscar compreender um pouco melhor as características dessas manifestações
passadistas ou nostálgicas, da recriação do passado medieval escandinavo nos
trópicos. Para isso, foram utilizados fontes e conceitos historiográficos e métodos
antropológicos, como “Observação Participante” e, principalmente, a “Participação
Observante”, desenvolvida pelo antropólogo francês Loïc Wacquant5, com a
orientação de Pierre Bourdieu. Também foram empregadas como metodologia
algumas entrevistas formais, informais – não estruturadas – e conversacionais –
entrevistas narrativas. Abordando e inquirindo alguns pioneiros que, em pleno
alvorecer do século XXI, começaram a se dedicar a práticas tão inusitadas para um
país sem vínculos históricos com a Idade Média, contudo, impregnado pelo
neomedievalismo musical, literário e transmidiático do cinema, da televisão e dos
jogos eletrônicos.

2. Sobre o Historical Reenactment ou Recriacionismo Histórico: Breves


Apontamentos
Conforme já citado, no Brasil os termos mais utilizados para definir essa

5 WACQUANT, Loïc. Corpo e Alma. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

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expressão do neomedievalismo são: “recriação histórica”, “recriacionismo


histórico”, “reconstituição histórica”, “reconstrução histórica”, ou ainda,
“reencenação histórica”, do inglês “Historical Reenactment”, ou “Historical Re-
enactment”. Na busca por uma definição mais direta e objetiva, pode-se resumir
como uma prática educativa lúdica, que tem por objetivo recriar peças/elementos
artísticos e/ou alguns aspectos socioculturais de um determinado período ou
evento, formulando um conceito dinâmico de pesquisa histórica, ao invés de apenas
apresentar fragmentos de uma época. Conforme o próprio nome sugere, o processo
recria ou reconstrói rigorosamente os diversos aspetos de um período bem definido,
representando esse recorte temporal com a maior fidelidade possível. Como uma
prática sociocultural e também didático-pedagógica, consegue concentrar diversos
tipos de experiências e/ou simulações de representações históricas, como uma
forma empírica de ensino-aprendizado.
No Brasil, apesar de muitos problemas e discordâncias, se vulgarizou o
neologismo recriacionismo histórico como mais usual. Ainda pouco estudado no
país, no restante do mundo essa prática já começou a atrair a atenção de alguns
pesquisadores. Um dos principais trabalhos acadêmicos sobre o tema abrolhou do
outro lado do planeta, em uma pesquisa organizada pelos historiadores australianos
Iain McCalman & Paul A. Pickering, com a estreita colaboração de Vanessa Agnew e
Jonathan Lamb. O resultado foi uma generosa conjunção de artigos científicos
intitulada Historical Reenactment: From Realism to the Affective Turn6. O Título do
livro parece brincar com os estudos da “teoria dos afetos” desenvolvida por Spinoza
(1632-1677) e posteriormente elaborada pelos filósofos Gilles Deleuze (1925-
1995) & Félix Guattari (1930-1992), acerca da potência afetiva e a conspiração dos
afetos. Esses estudos estimularam o movimento que no início do novo milênio ficou
propagandisticamente conhecido como: “Affective Turn”, ou a virada afetiva, capaz
finalmente de perceber e valorizar a dimensão afetiva da realidade.
O título se justifica, pois os autores, perceberam a crescente relação de
afetividade dos praticantes de recriação histórica, conquanto a maioria deles atua

6 MACCALMAN, Iain & PICKERING, Paul A. Historical Reenactment: From Realism to the

Affective Turn. Hampshire: Palgrave Macmillan; 2010.

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engajados pelas paixões e sentimentos. Para os autores australianos, os


“recriacionistas” também ouviram e adimpliram ao apelo do historiador marxista
britânico Raphael Samuel (1934–1996): “objetos devem ser vistos, sentidos e
tocados se não quiserem que permaneçam inanimados [...]. Os eventos devem ser
recriados de forma a transmitir uma experiência vivida do passado”7. Em resumo, é
exatamente isto: a partir de profundos estudos historiográficos e arqueológicos,
buscando um novo entendimento do passado, a recriação histórica rompe com as
abordagens tradicionais, recriando – como o próprio nome sugere – objetos e
revivendo eventos com maior autenticidade e fidelidade aos padrões da época
escolhida.
O livro aborda a recriação histórica por diversos aspectos e também
mencionam a popularização do recriacionismo dos eventos históricos, como uma
fuga da monotonia cotidiana, apresentando críticas contundentes acerca da relação
de afetividade com o passado: “Sítios de turismo histórico – público e comercial –
estão intrinsecamente preocupados em criar uma relação afetiva com o passado,
devido ao fato desse passado ser objetificado para os visitantes”8. Os autores
denunciam o crescente processo de fetichização do passado e a “relação
desconfortável entre realismo, autenticidade e afetividade”9, quando o
“recriacionismo” acaba se tornando um mero espetáculo de improvisação que
“talvez possua mais relação com o entretenimento do que com a pedagogia”10.
O livro reúne doze ensaios, alguns abordam a “forte conexão emocional dos
participantes com a história representada”11, outros, as polêmicas políticas e
ideológicas de algumas reencenações históricas. No começo do ensaio assinado pelo
historiador John Brewer, intitulado Reenactment and Neo-Realism, em evidente tom
satírico, o autor critica a enorme diversidade de eventos de “recriação histórica”
existentes atualmente, “recriação histórica, assim como as doenças sexualmente

7 Ibidem, p.03.
8 Ibidem, p.08.
9 Ibidem, p.09.
10 Ibidem, p.09.
11 Ibidem, p.59.

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transmissíveis, existem muito mais hoje em dia”12. Segundo ele, o recriacionismo


histórico já existe há cerca de duzentos anos, mas somente agora começou a atrair a
atenção dos pesquisadores, provavelmente devido a sua pluralidade e a rápida
proliferação de eventos.

De fato, a recente preocupação acadêmica com o recriacionismo é


muito mais específica. Parece-me fazer parte de uma ansiedade
sobre o crescente interesse no passado, do qual seus guardiões
naturais – historiadores profissionais – foram amplamente
excluídos13.

A professora da Universidade de Michigan e colaboradora da obra


supracitada, Vanessa Agnew, concorda com John Brewer e reitera: “Embora a
recriação histórica tenha sido considerado um fenômeno cultural marginal e
ignorado pelos historiadores acadêmicos, os últimos cinco anos reverteram essa
tendência”14. Ela também concorda com a aproximação contemporânea entre o
recriacionismo e a abordagem adjetiva do afeto: “Em outras palavras, nós podemos
ver a recriação histórica como um dos indicadores da recente virada afetiva na
história”15. Em um dos seus textos mais famosos What Is Reenactment?16 (2004), a
historiadora destaca não apenas a quantidade, mas também a rápida disseminação
do movimento pelo mundo.

Embora a recriação histórica pareça endêmico nos Estados Unidos,


assim como na Grã-Bretanha e em outros países da comunidade –
um fenômeno cultural cujo vínculo com as tradições individualistas
e protestantes desses países teria um escrutínio mais próximo –
não é reservado, exclusivamente, ao mundo anglófono. Recriações
do passado colonial alemão na Namíbia e o legado dos Afrikaner na
África do Sul, índios americanos fictícios na Alemanha e cruzados
medievais na Austrália apontam para o fato da recriação histórica
ser um fenômeno global não necessariamente confinado a eventos

12 Ibidem, p.79.
13 Ibidem, p.79.
14 AGNEW, Vanessa. History’s Affective Turn: Historical Reenactment and Its Work in the

Present. Rethinking History: The Journal of Theory and Practice, Londres, v. 11, n. 3, p. 299-
312, 3 setembro 2007, p. 299.
15 ibidem, p.300.
16 AGNEW, Vanessa. What Is Reenactment?. Criticism. Detroit: Wayne State University Press,

v. 46, n.3, p. 327-339, 2004.

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históricos autóctones, nem mesmo aos fatos de fato17. (AGNEW,


2004, p. 328)

“Talvez como sintoma de um interesse público mais amplo pela história, o


recriacionismo histórico ganhou premência no Ocidente na última década”18, mas a
autora também concorda que está longe de ser uma novidade. Seu texto afirma, de
forma preocupante, que com seus espetáculos excitantes e narrativas simples e
diretas, “o recriacionismo histórico parece ter cumprido a promessa fracassada da
história acadêmica”19, mas concluiu com algumas recomendações importantes:

Como veículo para uma investigação histórica, as amplas questões


interpretativas que o reenactment deve apresentar são as mesmas,
problematizar as questões éticas e políticas da representação
histórica. Em vez de eclipsar o passado com sua própria
teatralidade, a encenação deve tornar visíveis as maneiras pelas
quais os eventos foram imbuídos de significados e investigar quais
interesses foram atendidos por esses significados. A afirmação
epistemológica central do reenactment de que a experiência
promove a compreensão histórica é claramente problemática: o
testemunho baseado no corpo nos diz mais sobre o eu presente do
que sobre o passado coletivo. No entanto, a encenação é um
fenômeno cultural que não pode ser ignorado. Seu amplo apelo, sua
carga implícita na democratização do conhecimento histórico e sua
capacidade de encontrar modos novos e inventivos de
representação histórica sugerem que ele também tem uma
contribuição a dar para historiografia acadêmica20.

A recriação histórica continua sendo um fenômeno popular de difícil


definição, pois abarca uma grande quantidade e variedade de atividades. Algumas
vezes, o recriacionismo medieval ambiciona preencher lacunas que os livros de
história por si só não conseguem e, quando bem executado, desempenha um papel
importante nas pesquisas empíricas acerca das técnicas produtivas antigas, assim
como de algumas práticas socioculturais. Esses estudos ajudam a compreender o
esforço de brincar com uma determinada temporalidade em um outro período
histórico. A possibilidade de um vazamento temporal e o sentido de um passado,

17 Ibidem, p. 328.
18 Ibidem, p. 328.
19 Ibidem, p. 330.
20 Ibidem, p. 335.

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disponível para ‘recriar’, ou até mesmo para voltar.


3. O Recriacionismo Histórico da Era Viking nos Trópicos
Apesar de muito comum e divulgado na Europa e parte dos Estados Unidos
da América, no Brasil, essa recriação medieval mais preocupada com a reprodução
fiel dos achados arqueológicos e buscando maior autenticidade histórica, pode ser
considerada como um fenômeno sociocultural bastante recente, remetendo,
principalmente, ao início do século XXI. O desenvolvimento desse recriacionismo da
Idade Média no país está paradoxalmente relacionado a um conjunto de fatores
contemporâneos por excelência, tais como: o desenvolvimento da internet,
amplificação dos meios de comunicação de massa e a facilidade de deslocamento.
Em relação ao último, cabe ainda acrescentar, tanto de pessoas quanto de objetos,
possíveis de serem despachados, com muito mais facilidade e presteza, para
qualquer local do mundo.
Ou seja, em grande parte, foram os recentes avanços científicos e
tecnológicos que ajudaram a popularizar mais rapidamente essa expressão do
neomedievalismo contemporâneo no país. No Brasil, entre as muitas possibilidades
de recorte temporal ou geográfico para o recriacionismo medieval e apesar de
recriações belicosas da baixa Idade Média – associadas ao Historical European
Martial Arts (HEMA) e Historical Medieval Battles (HMB) – terem se difundido ao
longo da segunda década do século XXI. Foi o recriacionismo inspirado na chamada
“Era Viking”, que primeiramente cativou os brasileiros e tornou-se mais conhecido.
Na historiografia o uso dos termos “Viking” e, consequentemente da
periodização “Era Viking”, são problemáticos e polêmicos. Esse artigo não possui a
pretensão de realizar análises aprofundadas e/ou investigar as suas origens
etimológicas. Apenas cabe reiterar, muito rapidamente, as dificuldades enfrentadas
ainda hoje pelos escandinavistas, quando se deparam com o termo “Viking” e “Era
Viking”.

A origem do nome Viking é obscura. É pouco mencionado em fontes


contemporâneas, e quando surge refere-se à homens que partiram
‘à viking’, isto é que deixaram suas casas e sua pátria e adotaram a
pirataria, preferindo essa forma de vida aos trabalhos agrícolas
normais. ‘Vik’ significa baía ou enseada nas línguas escandinavas, e

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pode acontecer que o termo “à viking” derive dos lugares onde os


piratas se faziam ao mar ou se refira às águas protegidas onde se
ocultavam antes de atacar a sua presa. É também possível que ‘Vik’
se referisse aos lugares de comércio na Europa continental ou nas
ilhas Britânicas visitados pelos vikings, dado que muitos deles eram
conhecidos como ‘wic’ (que significa estabelecimentos
comercial)21.

Se Viking ainda hoje é um conceito indefinido, a Era Viking consegue ser


ainda pior, o escandinavista Johnni Langer tenta resumir o período da seguinte
forma:

A Era Viking é considerada um período de grande irrupção e


atividade do Norte nas povoadas do sudoeste e sudeste europeu.
Comumente, o período é balizado entre as datas de 800 a 1100
depois de Cristo, com diversas variações e diferenças cronológicas
ou conceituais, dependendo do autor. Também de forma
tradicional é dividida em dois períodos: Primeira Era Viking, que se
inicia com as incursões hostis, os ataques de surpresa (razias) no
final do século VIII e as povoações criadas na região escocesa,
britânica e francesa. A Segunda Era Viking foi caracterizada pela
criação de dinastias permanentes e do processo intensificado de
cristianização. Os mercadores escandinavos continuaram afetando
o processo de urbanização da Europa. Segundo Henry Loyn,
durante o final desse período, um escandinavo deixava de ser
viking quando se tornava cristão22.

Johnni Langer reconhece a dificuldade de estabelecer uma definição de Era


Viking, mas ressalta que tanto os países escandinavos, quanto de línguas germânicas
em geral “continuam a utilizar majoritariamente o conceito, com alterações quanto
a cronologias ou amplitude da diáspora nórdica”23. O medievalista Renan Marques
Birro, em artigo intitulado: O Problema da Temporalidade para os Estudos da Europa
Nórdica: A Era Viking24, não apenas questiona a simplória datação, como o próprio
termo “Viking” em si. Segundo ele, o termo “Viking” e suas variações teriam ficado
“séculos em desuso”, até ser retomado pelo antiquário e escritor político escocês

21 GRAHAM-CAMPBELL, James. Os Vikings. Barcelona: Folio, 2006. p. 39.


22 LANGER, Johnni (org). Dicionário de História e Cultura da Era Viking. São Paulo: Editora
Hedra, 2018. p. 212.
23 Ibidem, p. 220.
24 BIRRO, Renan. O Problema da Temporalidade para os Estudos da Europa Nórdica: A Era

Viking. NEArco Revista Eletrônica de Antiguidade. v. 6, p. 228-254, 2013.

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George Chalmers (1742-2825), em 180725. Após um longo silêncio que atravessou a


Idade Média e a Era Moderna, o termo também foi recuperado nas hesitantes
transliterações das famosas Crônicas Anglo-Saxônicas do século XIX26.
Sobre a chamada “Era Viking”, o historiador afirma:

A expressão Era Viking, por sua vez, não poderia ter surgido antes.
Curiosamente, ela parece ter nascido não na Inglaterra, mas na
Noruega. E. C. Werlauff mencionou a Vikingtid num artigo sobre a
presença escandinava na Península Ibérica entre os séculos IX e XIII
no Annaler for Nordisk oldkyndighed og historie (Anais da
Antiguidade e História Nórdica) de 1836.27

Depois desse uso inaugural, o conceito de “Era Viking” ou “Período Viking”


foi se desenvolvendo ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, infelizmente, muitas vezes
associados aos estudos de identidade nacional com perspectivas de etnicidade,
modismos colonialistas do passado e/ou outros interesses político-ideológicos.

Apesar dos termos vikingr e víking serem controversos, o recorte


temporal Era Viking é extremamente útil aos estudiosos da
temática ou de grupos diferentes que compartilham contatos e o
mesmo período em questão. A Era Viking veio para ficar.28

Não cabe se alongar mais em um debate historiográfico ainda irresoluto,


apenas reiterar, que de maneira geral, não há delimitações exatas para o período
apelidado de “Era Viking”. Não existem limites precisos ou balizas ideais, sendo
apenas uma escolha da pesquisa ou mera construção acadêmica a servir como
ferramenta didática. Aqui nesse trabalho, a “Era Viking” também pode ser
considerada como relativa e elástica, pois depende dos usos e interpretações dos
grupos de recriação histórica.
Novamente, segundo James Graham-Campbell “os povos que hoje
conhecemos como Vikings tinham as terras de origem em três países que, juntos,
formam a Escandinávia atual: Noruega, Suécia e Dinamarca”29. Uma das principais

25 Ibidem, p. 231.
26 Ibidem, p. 233.
27 Ibidem, p. 233.
28 Ibidem, p. 249.
29 GRAHAM-CAMPBELL, James. Op. Cit., p. 12.

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características desse território são as baixas temperaturas, com invernos longos e


rigorosos, enquanto a média anual oscila entre cinco e oito graus celsius. Por outro
lado, o Brasil é um país de clima tropical de temperaturas médias elevadas, entre
vinte e cinco e vinte e sete graus celsius e mundialmente conhecido pelo seu “eterno
verão”. Isso, por si só, poderia ser um claro empecilho para praticar em um país de
calor escaldante, qualquer forma de recriação de um território gelado no polo
oposto do planeta. Mas não foi isso que aconteceu, o clima não coibiu e muito pelo
contrário, parece que a cada dia nos confins do país, surge um novo grupo de
apaixonados pelos antigos escandinavos.
Assim como nos países predecessores, o recriacionismo histórico no Brasil
começou disforme, com muitas imprecisões e enfrentou vários problemas. O
movimento de recriação histórica Viking no país, surgiu praticamente no mesmo
período, mas de maneiras distintas, em dois Estados diferentes: São Paulo e Rio de
Janeiro. Em São Paulo, um grupo de jovens, que inicialmente se reuniam em um
fórum de discussão nas redes socais chamado Spirit Folk – dedicado principalmente
aos debates sobre Folk Metal e Viking Metal –, logo tornou-se o Hednir Clan. Em
entrevistas fornecidas nos dias 14 e 15 de abril de 2021, dois fundadores do grupo:
o designer Marcos Palante de 34 anos e o artista plástico e ferreiro Vinícius Ferreira
Arruda de 32 anos, concordaram que o nascimento do grupo estava associado ao
movimento que no Brasil começou a ganhar força a partir do ano 2000 de
entusiastas do Folk e do Viking Metal. Segundo Vinícius Ferreira Arruda, “tudo
começou aqui no Brasil por causa da música, principalmente esses movimentos
associados a cena do Heavy Metal”.
Foi para promover discussões e debates sobre essas tendencias musicais que
surgiu o fórum chamado “Spirit Folk”, de acordo com o designer Marcos Palante: “era
também onde o pessoal que gostava de coisas medievais se reunia”, agregando
diversos aspectos periféricos a música. Além disso, Marcos Palante lembra:

O Spirit Folk realizava alguns eventos e foi em um desses que eu


encontrei o Vinicius Ferreira Arruda. [...] Se não me engano foi na
RPGCON, eu estava usando um bracelete de couro todo fantasioso
e foi o Vinicius que tinha produzido o bracelete. Ele parou e falou:
‘cara, eu que fiz esse bracelete de couro!’. Daí a gente começou a

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conversar ali mesmo nesse evento e já virou amigo. No dia seguinte


a gente combinou de todo mundo ir vestido da banda Turisas. Eu
estava de Kilt e ele com um monte de pelúcia amarrada na perna.
Esse foi o primeiro passo que a gente deu para começar a se reunir
e foi o fórum Spirit Folk que também contribuiu para essa união,
porque tinha mais gente do Spirit Folk na RPGCON e acabou
reunindo todo mundo lá [...]. O Vinícius sempre foi um cara muito
talentoso para produzir, mas naquela época sem muito respaldo
histórico, a gente ainda não tinha essa preocupação, apenas
pegávamos algumas imagens, algumas referências e tentávamos
reproduzir o mais rápido possível para participar de algum evento.
Naquela época não tinha nenhum evento no Brasil de cultura
medieval! Esses encontros de RPG eram os mais próximos de
alguma coisa medieval. Então nós começamos a integrar todos os
eventos possíveis, desde eventos de anime – entre os Otakus – a
shows de banda cover do Manowar.

Vinícius Ferreira Arruda, complementou e acrescentou novas questões sobre


o nascimento desse grupo de recriacionismo Viking no Brasil:

Em 2008, eu já fazia parte do Spirit Folk, mas não tinha nada a ver
com o reenactment, possuía mais esse foco na música. Até que
aconteceu um evento, não lembro se foi o Encontro Internacional de
RPG aqui em São Paulo ou se foi a RPGCON, não sei qual era o nome.
Eu fui nesse evento com um cosplay Viking bem tosco e lá eu
encontrei a Stephany Palos e o Marcos Palante, eles estavam
usando um bracelete de couro, que eu tinha feito, estilo jogo de RPG.
Quando eu vi, eu falei: ‘legal, eu que fiz esse bracelete!’ A partir daí,
nós começamos a conversar e ficamos o evento inteiro andando
juntos. Eles também eram do Spirit Folk e começamos a falar sobre
várias bandas. Na época tinha uma banda finlandesa, que era o
Turisas, inspirados nessa banda, a gente decidiu pintar o rosto de
vermelho, chamamos outros amigos e decidimos fazer um ‘cosplay
do Turisas’. Então, tudo começou aí, como uma brincadeira de
cosplay em 2008.

Segundo os criadores do grupo, o nome Hednir surgiu de uma das variações


de Ulfhednar e fazia referência as pelúcias sintéticas, imitando peles de animais, que
os integrantes usavam amarradas pelo corpo. Além do Marcos Palante e do Vinícius
Ferreira Arruda, entre os fundados do grupo também estavam: Thiago Canto –
conhecido na época como TK –, Stephany Palos e Laura Muniz. Foram eles que
estavam no primeiro evento, quando começaram a se reunir. Na época todos tinham
aproximadamente a mesma idade, sendo o Marcos Palante o mais velho do grupo.
No entanto, entre essa primeira fase de “cosplay tosco” da banda Turisas, até o

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começo do recriacionismo histórico, muita coisa mudou e sobre esse processo


Marcos Palante descreve:

A migração para o reenactment em si, eu não sei te falar exatamente


como foi, até porque, eu acredito que até hoje ainda estamos
tentando nos acertar. No começo éramos um grupo fantasiado de
Turisas, mas tudo muito misturado e com o tempo nós começamos
a criar cada vez mais apreço pela cultura escandinava, o Vinícius
sempre foi o mais estudioso nessa área, então foi ele que ajudou a
guinar o grupo para isso. Eu sempre gostei muito das artes
marciais, então eu tentei focar mais nessas questões, por mais que
na cultura Viking isso seja muito relativo, porque ninguém sabe
exatamente como eles lutavam. Eu tentava utilizar alguns grupos
internacionais como referência e pesquisava o que eles estavam
fazendo. [...] Então, eu sempre foquei mais na luta, enquanto outros
focavam mais nos estudos das questões históricas, a parte de
customização das roupas e outras coisas. Foi a partir daí que
começamos a limitar o grupo, ou seja, já não podia mais ter uma
caneca de caveira, não podia mais usar pelúcia sintética nas pernas.
Aos poucos fomos limitando e tirando algumas coisas que
prejudicavam o reenactment. [...] Mas esse período de
aperfeiçoamento demorou muito! Demorou até o grupo finalmente
alcançar um visual bom, com qualidade. Porque, durante um longo
período, nós deixávamos muita coisa passar, não tinha muito
problema se um detalhe não fosse histórico ou se usasse uma cor
que não existisse. [...] Há três ou quatro anos a gente ainda estava
pecando na qualidade e com alguns anacronismos no recorte
histórico.

Vinícius Ferreira Arruda novamente complementa:

No começo a gente nem sabia o que era reenactment, mas


começamos a pesquisar e conhecer o que era. Quando chegou em
2009, a gente resolveu tentar fazer igual o que as pessoas estavam
fazendo na Europa, ou seja, tentar usar as roupas que usavam
naquele período histórico. Começamos a espalhar essa ideia dentro
grupo e funcionou. Então começamos a fazer um reenactment bem
‘nas coxas’, mas foi quando a ideia começou a pegar.

Segundo seus fundadores, foi a partir de 2009 e 2010 que o Hednir Clan
começou a engatinhar na direção de um recriacionismo histórico. Muitas foram as
dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo do processo, entre as principais
Marcos Palante elencou:

238
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

A pior coisa era saber como eram feitas as coisas. A gente ia lá no


Brás em São Paulo, no lugar onde vende couro e comprava um
monte de retalho para tentar fazer alguma coisa. Mas como a gente
poderia produzir as coisas? Por exemplo, como eles produziam um
sapato? Os nossos primeiros sapatos foram adaptados [...] a gente
não sabia como fazer sapatos na época, porque precisa de uma
técnica também, ninguém consegue pegar e fazer um sapato assim
do zero. [...] Eu também lembro do nosso primeiro elmo, foi um
trabalho enorme e ficou todo torto!

Vinícius Ferreira Arruda aponta problemas ainda maiores:

Acho que a maior dificuldade éramos nós mesmos, porque não


sabíamos pesquisar naquela época. A gente via o que os grupos lá
fora estavam fazendo e tentávamos replicar aquilo, copiar de
alguma forma. Então nós acabávamos estudando muito
superficialmente. Tinha um grupo dinamarquês que era muito
bom, eu nem sei como eles estão hoje e se ainda existem, mas no
site deles tinha muito material e a gente usou muito como base.
Depois encontramos outros grupos e começamos a usá-los como
base também. Mas era como se estivéssemos terceirizando a
pesquisa e a pesquisa dos outros nem sempre era tão boa assim [...]
e todos esses grupos estavam muito ligados apenas a questão da
luta, não a questão do dia a dia, então ficamos um pouco limitados.
A maior dificuldade, na verdade, foi não enxergar isso também, essa
limitação. Porque se você não enxerga a sua deficiência, você não
melhora! [...] Nós começamos fazendo todas as nossas coisas, tudo
o que nós usávamos era produção própria. Nós não trazíamos nada
de fora! Isso explica a qualidade ruim no começo, porque nós
estávamos começando a produzir e aprendendo ao mesmo tempo.
[...] Às vezes nos juntávamos na casa de alguém e passávamos a
tarde inteira fazendo roupa. A gente era muito unido nesse ponto,
nos uníamos para fazer as coisas, principalmente porque
achávamos tudo muito caro e estava todo mundo com vinte anos,
começando a faculdade, alguns ainda nem tinham começado,
porque tinha gente mais nova também, a Laura era a mais nova do
grupo e ela tinha dezessete anos eu acho. Então não tínhamos fonte
de renda e era tudo muito caro. Nós tínhamos que fazer isso, porque
não tinha como importar, não tinha como trazer de fora!

Vinícius também relembra o primeiro elmo “bastante torto”, mas que era
“visualmente aceitável”, mas destaca que o segundo elmo ficou melhor, “apesar de
possuir muitos erros históricos”. Inicialmente, a dificuldade de produzir uma
recriação histórica qualificada, coincidiu com o despreparo e a ingenuidade dos
jovens integrantes em relação as metodologias de pesquisa mais acadêmicas e
aprofundadas, conquanto apropriavam-se apenas das referências copiadas de

239
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

diversos grupos estrangeiros. Segundo eles, todo o processo recriacionista, começou


a melhorar quando começaram a realizar a sua própria pesquisa, consultando
fontes, livros e artigos especializados em história e arqueologia escandinava.
Contudo, não basta investigar o surgimento dos grupos de recriação histórica
no Brasil, sem compreender um pouco melhor, o nascimento desse interesse ou
fascínio pela Idade Média. Ou ainda mais, tentar descobrir alguns dos elementos e
fatores antecedentes que contribuíram para estimular esse desejo latente pelo
passado nórdico, em pleno século XXI. Acerca das possíveis origens dessas relações
– sempre subjetivas – com o medievo, as respostas dos fundadores do Hednir Clan
novamente coincidiram. Apesar de Marcos Palante ter começado seu interesse a
partir das revistas do Conan, herói bárbaro e fictício criado por Robert E. Howard
(1906-1936), logo em seguida veio a influência de O Senhor dos Anéis, famoso livro
escrito pelo britânico John Ronald Reuel Tolkien, conhecido internacionalmente por
J. R. R. Tolkien (1892-1973). Não apenas os livros, mas principalmente as versões
cinematográficas dirigidas pelo neozelandês Peter Jackson, segundo Marcos
Palante: “filmes como O Senhor dos Anéis, causaram um grande impacto e fizeram
crescer ainda mais o meu interesse”. Também os Role-playing games, mais
conhecidos pela abreviatura RPGs, em português: “jogo de interpretação de papéis”
ou “jogo de representação” e o videogame: “o jogo Golden Axe, por exemplo, joguei
muito, adorava jogar com anões e com guerreiros”.
Vinícius Ferreira Arruda reiterou a importância do videogame para
aumentar o seu interesse pela Idade Média. “Entre os jogos da minha adolescência
tinha o Valkyrie Profile foi um jogo que marcou bastante” e complementou: “isso tem
relação com um certo fascínio por espadas e essas coisas, porque eu acho que isso
tem um poder simbólico, principalmente, na minha geração, para os meninos, mas
agora também e ainda bem, afetando bastante as meninas”. Assim como o Marcos
Palante, ele também confessou sua atração pelos RPGs e cardgames. Ao falar de O
Senhor dos Anéis seu entusiasmo foi ainda maior.

Quando lançaram os filmes de O Senhor dos Anéis foi uma


marretada de tudo, porque foi tão bem organizado como filme, não
só para quem já gostava do tema [...]. Eu particularmente chorei no

240
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

cinema o terceiro filme todo! Quando eu vi a carga dos Rohirrim foi


de cair para trás. Eu acho que tinha catorze anos na época, então foi
algo muito marcante mesmo.

Ao término da entrevista Vinícius Ferreira Arruda revela outro fator


importante para o crescimento desse interesse pela Idade Média e, especialmente,
pela Escandinávia medieval no Brasil: “a religiosidade”. Segundo ele: “A Ásatrú e
derivados estão se espalhando ‘bastante’ ao redor do mundo. Eles estão chegando
em outros lugares”. De fato, pode parecer difícil de acreditar que um movimento
fundado na Islândia na década de 1970, conquistaria adeptos ou devotos no Brasil,
no Chile, na Argentina ou no Uruguai. “Esse pessoal acaba se unindo ao reenactment
Viking, nem tanto porque curta o reenactment, mas porque é um nicho, com pessoas
parecidas”. Ou seja, praticantes dessas religiosidades neopaganistas, começam a
praticar recriacionismo histórico para conquistar maior aceitação dentro de um
grupo social. O próprio Vinícius Ferreira Arruda admite que a religiosidade foi mais
um fator que contribui para aumentar o seu apreço pela cultura escandinava e o
início da prática da recriação histórica.
Entre os anos de 2008 e 2009, mesmo período da gênese do Hednir Clan em
São Paulo, no município do Sana, sexto Distrito de Macaé, interior do Estado do Rio
de Janeiro, os irmãos Bruno Oliveira e Pedro Oliveira criavam o Antigas Serpentes.
Um grupo familiar, nascido mais isolado dos grandes centros urbanos e cuja a
gênese, Bruno Oliveira esclarece:

A ideia do Antigas Serpentes começou a surgir, porque eu e meu


irmão começamos a ver pela internet que lá fora já existiam grupos
organizados que faziam lutas live steel – como eram chamadas
naquela época as lutas com armas de metal – não era nem Buhurt
que se chamava. Eles colocavam armadura e saiam lutando e isso
fascinava a gente. Nós começamos a ‘brincar’ disso, praticamente
tentando imitar os reenactors de lá. Não tínhamos muito
compromisso com história, mas daí começaram a surgir os
‘porquês’. Por exemplo: por que eles utilizavam cota de malha de
determinada forma? Outras perguntas também foram surgindo [...].
Foi assim que começou e na passagem de 2007 para 2008
começamos a virar um grupo de recriação mesmo, com maior
desejo de aprofundar na história, estudando cada vez mais. A partir
daí nós batizamos como Antigas Serpentes, que era o nosso nome
de clã de joguinhos, foi o nosso nome para várias coisas e possui
uma relação com questões históricas também. Aos poucos

241
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

começamos a expandir, aprofundamos os estudos e encontramos


outras pessoas que também queiram essa mesma coisa de ‘fazer
história’ e ‘viver a história’.

Em 2008, Bruno Oliveira, na época com 26 anos, já oferecia uma oficina de


combate medieval no Encontro Social Pagão na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro
e partir daí se aprofundaram cada vez mais nas pesquisas. Estranhamente, apesar
de ter começado a pesquisar e a praticar recriação histórica ainda antes do Hednir
Clan, o grupo Antigas Serpentes não alcançou a mesma projeção e popularidade dos
paulistas, que acabaram sendo referendados como os únicos pioneiros do
recriacionismo histórico Viking no Brasil. Acerca dessa discrepância, Bruno Oliveira
afirma:

A gente não era muito ativo com a comunidade brasileira, nós já


estávamos fisicamente isolados, eu e meu irmão participávamos
apenas de fóruns gringos relacionados a essa história – onde
começamos a entender sobre recriação e a questão do recorte
histórico –. Eu considero que cronologicamente, pode até ser que a
gente tenha surgido primeiro, mas o modelo de reenactment no
Brasil foram eles – o Hednir – que criaram. A gente tinha o nosso
pequeno grupo isolado na ‘roça’ que nunca iria crescer, exatamente
porque estava isolado, enquanto o Hednir fez um trabalho muito
bom que realmente moldou os demais grupos de reenactment,
inclusive, a gente. Porque depois nós também começamos a
conhecer melhor o Hednir, eu tenho mensagens trocadas com o
Vinícius Ferreira, praticamente, desde o começo, perguntando para
ele sobre costura em couro e coisas assim. Foi imitando um pouco
eles que nós também começamos a entrar no prumo. [...] Então a
gente já fazia recriação histórica, mas nós não trocávamos muito!
Começamos a trocar mais utilizando o modelo deles.

Vinícius Ferreira Arruda também arrisca alguns palpites:

Quando começou o Hednir Clan, nós frequentávamos muito eventos


de RPG e eventos de anime japonês, a gente aparecia muito. Éramos
um bando de moleques de vinte anos – em 2008 eu tinha apenas
dezenove anos –, então era energia pura [...] e tinha muita gente, o
grupo cresceu muito rápido, logo no começo nós chegamos a ter
quinze integrantes. Isso chamava atenção, porque era um bando de
gente chegando junto, andando junto o tempo inteiro no evento,
gritando e causando! Já os Antigas Serpentes era basicamente o
Bruno e o irmão que faziam alguns workshops sobre como usavam
as armas, técnicas de luta e essas coisas. Então acaba tendo um
impacto bastante diferente. Enquanto eles estavam dando um

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Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

workshop pequeno para dez pessoas, a gente estava entrando em


um evento de vinte mil pessoas e tentando chamar atenção! Outra
coisa importante foi que nessa mesma época, aqui em São Paulo,
começou a surgir uma ‘cena medieval’ maior e a gente começou a
conviver muito com essa galera e começaram a acontecer alguns
eventos e o pessoal da ‘Medieval Brasil’ e da ‘Guilda dos
Armoreiros’ abraçou o nosso grupo [...] Acho que tudo isso
influenciou para aumentar a nossa visibilidade.

Para conseguir alcançar maior qualidade na recriação histórica, Bruno


Oliveira, na época vivendo no interior da Região Norte Fluminense, também
precisou desenvolver diversas habilidades manuais, aprendeu a costurar sua
própria túnica de forma historicamente correta e aperfeiçoou as técnicas de
produção de armaduras. Atualmente criou uma loja intitulada Skaldland Artesanato,
totalmente dedicada a produção de réplicas de objetos históricos, como pingentes,
pulseiras, braceletes, broches, torques entre muitos outros artefatos.
Enquanto explicava as origens do seu interesse pela Idade Média, Bruno
Oliveira seguia pelo mesmo caminho dos outros dois fundadores do Hednir Clan. Os
jogos de RPG, O Senhor dos Anéis e outras fantasias medievais como As Brumas de
Avalon, obra de 1979, escrita pela estadunidense Marion Zimmer Bradley,
começavam a tornar-se repetitivas no elenco dos fatores importantes. Assim como,
Vinícius Ferreira Arruda, o artesão também incluiu uma motivação religiosa, “o
paganismo”, segundo ele: “na adolescência, vai chegando aquela época que todo
mundo é ‘bruxinha’”. Apesar, de atualmente caracterizar a sua religiosidade como
“bem eclética”, no começo, a associação com grupos de paganismo e o estudo das
crenças e divindades nórdicas foi importante para aumentar o seu interesse pelo
período.
O ano de 2011, foi marcado pelo o que Vinícius Ferreira Arruda chamou de
uma “pequena diáspora” do Hednir Clan. Quando alguns integrantes deixaram o
grupo e iniciaram um processo de fragmentação. Apesar de existir até hoje, o único
membro fundador que permaneceu foi o Marcos Palante, que acabou –
involuntariamente – encarnando uma centralidade dentro do grupo. Foi ele próprio,
que analisando em retrospectiva as consequências dessa secessão – originando
novos grupos a partir do primeiro – afirmou: “Hoje em dia eu acho muito legal, acho

243
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

bom, porque quanto mais gente fazendo, mais se divulga o reenactment”. No entanto,
inicialmente demostrava grandes preocupações com essas ramificações e temia um
possível retrocesso ou declínio da qualidade do recriacionismo histórico nacional.
Assim, no mesmo ano de 2011, em São Paulo foi fundada a Ordo Draconis
Belli, o nome em latim pode ser traduzido como Ordem dos Dragões de Guerra e já
denuncia o propósito do grupo: reconstituir as técnicas de combate medieval. Para
isso, a Ordo Draconis Belli também recria armas, escudos e armaduras com base na
literatura, pintura, escultura e, principalmente, nos achados arqueológicos do
período. Eles fazem parte da Associação Ars Mediaevalis, formada por diferentes
grupos, que desenvolvem atividades e apresentações para divulgação dos costumes
e da arte medieval em diversos eventos. Entre os fundadores estão Daniel Becker,
Guilherme Dantas, Igor Landini, Marina Baldovino e Thyago Marcondes,
entrementes, já contam com mais dez membros. Em entrevista fornecida no dia 10
de maio de 2021, Vitor Bolonhesi Gracia, de 30 anos fala sobre o surgimento e a
atualidade do grupo:

Alguns membros da Ordo saíram do Hednir. [...] eles tentaram


buscar uma outra estrutura para promover o seu próprio trabalho,
mas a princípio a Ordo Draconis Belli também se dedicava apenas
ao recorte Viking, somente depois que veio a expandir para toda
Idade Média, a partir do século VII até final do século do XV. [...] Mas
no início apenas a ‘Era Viking’ era abordada, somente depois
decidimos ampliar, tanto que a gente se classifica como um grupo
de recriacionismo anacrônico, o que queremos dizer com isso: cada
membro do grupo busca a historicidade do seu próprio recorte
individualmente. Por exemplo: minha última armadura era de um
cavaleiro teutônico do final do século XIII, então esse cavaleiro
provavelmente nunca enfrentou um Viking, historicamente
falando. Então o grupo é anacrônico nesse sentido, porque cada
membro pode decidir o seu recorte histórico, mas dentro de cada
recorte, cabe a cada um pesquisar a historicidade individualmente.
[...] Então nós buscamos expandir, para tentar deixar um pouco
mais variado, porque o recorte Viking é muito popular, a série
Vikings recentemente ajudou muito nessa disseminação, agora tem
o novo jogo do Assassin's Creed Valhalla que também se passa na
época Viking. Enfim, todo mundo quer ser Viking! Os Vikings até
hoje despertam um fascínio muito grande nas pessoas, o problema
é que surgiram muitos grupos fazendo a mesma coisa, todo mundo
é Viking! Então a Ordo Draconis Belli começou a expandir isso. [...]
Hoje em dia nós temos um recorte bem maior que outros grupos

244
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

que existem por aí, para trazer mais diversidade e mais


conhecimento sobre outros períodos.

Vitor Bolonhesi Gracia afirma que a Ordo Draconis Belli também se espelhou
nos grupos internacionais, “Estados Unidos, Europa, mas principalmente Leste
Europeu e Rússia, pois possuem uma tradição muito forte no reenactment”. Segundo
ele o grupo é muito aberto, todos os membros podem contribuir, não existe uma
hierarquia rígida, no entanto, todas as novas ideias são analisadas e avaliadas por
um “conselho deliberativo” responsável pelas decisões mais difíceis. Vitor Bolonhesi
Gracia também destacou entre as dificuldades enfrentadas pelos praticantes de
recriação histórica no Brasil, o acesso aos artefatos arqueológicos originais e as
fontes históricas fiáveis. A questão do idioma também pode representar um
problema, haja vista que muitos trabalhos e pesquisas mais aprofundadas estão em
língua estrangeira. Para ele o recriacionsimo pode ser considerado como um
“exercício prático da história”:

No momento que eu visto uma armadura, que sinto o peso dela


sobre o meu corpo, ou quando eu coloco o meu elmo e experimento
a dificuldade de respirar dentro dele ou a limitação da visão e
outras coisas. Eu me coloco, parcialmente, no lugar de alguém que
estaria lutando na Idade Média. Isso que me fascinou para praticar
recriacionismo aqui no Brasil.

Acerca do surgimento do seu interesse pela Idade Média, seguiu o mesmo


padrão das respostas anteriores, com forte influência midiática, “filmes, séries,
desenhos e jogos de videogame, porque a temática medieval está presente em
muitos deles”. Entre os jogos destacou o famoso jogo de estratégia chamado World
of Warcraft (WOW) e o menos popular Myth, enquanto entre os filmes citou Coração
Valente (Braveheart, 1995) “por mais que gente saiba todos os problemas históricos
do filme”. Com o tempo, ele também passou a se aprofundar mais nas pesquisas
acadêmicas, com particular interesse na história das mentalidades. Vitor Bolonhesi
Gracia até reconhece uma possível influência do paganismo nórdico no meio da
recriação histórica Viking no Brasil, principalmente com intuito de buscar maior
interação social e acolhimento entre grupos que possuem afinidade. Contudo, ele
acredita que “a maioria dos praticantes de recriacionismo Viking no Brasil não sejam

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Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

pagãos” e afirma que grande parte da atual popularidade da recriação histórica


Viking está associada a um fenômeno muito mais midiático do que religioso.
Após a criação da Ordo Draconis Belli, no ano seguinte, outros dois ex-
integrantes do Hednir Clan, Bruno Beganskas e o próprio Vinícius Ferreira Arruda
criaram o Escudo dos Vales, originalmente idealizado como uma ramificação do
próprio Hednir Clan, como um subgrupo, mas que também acabou se descolando,
configurando mais um grupo independente. Utilizando como recorte cronológico, a
segunda metade do século IX até a primeira metade do século XI e como enfoque
geográfico a região do Báltico e suas margens, com algumas restrições e adições. O
principal objetivo desse novo grupo era recriar aspectos da vida dos escandinavos,
dos eslavos mais setentrionais (os polanos, por exemplo), baltos (curônios, lituanos,
letões...) e os rus (tanto de Kiev como de Novgorod). Bruno Beganskas, e Vinícius
Ferreira Arruda são artífices, o primeiro, junto com a sua companheira, a também
recriacionista Stephany Palos, mantêm a loja Hrafnar, responsável pela produção de
trajes, sapatos, cintos, chapéus e outros ornamentos históricos. Enquanto Vinícius
Ferreira Arruda que já dominava a produção de espadas, facas, elmos, lanças,
machados e réplicas de outras armas ou elementos históricos de metal, também
criou a sua própria forja: Hjörvarðr. Sobre o nascimento do Escudo dos Vales, o
ferreiro explicou

Ainda dentro do Hednir a gente pensou assim: ‘vamos tentar


diversificar, ao invés de ter uma coisa só tão rígida que nem sempre
agrada todo mundo, vamos subdividir o grupo’. Foi uma ideia que a
gente teve e nunca colocou em prática. Isso foi em novembro de
2011, a ideia era dividir o grupo por dentro, mas ainda seria tudo
Hednir, com ‘minigrupos’, com enfoques e regramentos diferentes.
[...] Daí eu, o Bruno, o Alan, o Filipe Breda e o Henrique – que era
muito jovem, mas grudou na gente –, começamos a pensar o que
mais nos unia. Nós também já estávamos com uma ideia de
reenactment melhor definida, então pensamos em criar um recorte
e começamos a estruturar a ideia do que seria o Escudo dos Vales,
pensamos até no nome, mesmo dentro do Hednir. Mas no início de
2012, eu decidi sair do Hednir, a maioria dos outros integrantes que
fundaram o Escudo dos Vales comigo, ainda estavam no Hednir na
época, ou seja, eles estavam nos dois grupos. Ao mesmo tempo que
eu fundei o Escudos dos Vales, o Filipe Breda, também saiu do
Hednir e fundou o Beorningas em Campinas. [...] Filipe durante um

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Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

tempo estava tanto no Beorningas quanto no Escudo dos Vales e nós


começamos a investir cada vez mais nisso.

A partir de outra dissidência do Hednir Clan, dois ex-integrantes: Lucas


Drovandi e Thomas Pires, em 2013 fundaram em São Paulo o grupo Filhos de Rígr.
Esse novo grupo já nasceu em um contexto de maior amadurecimento do
recriacionismo histórico Viking em Brasil. No mesmo ano, seguindo essa mesma
tendência, estimulados pelo Hednir Clan e inspirados no recém-formado Escudo dos
Vales, os cariocas Alberto Dória – conhecido como “Flanker” – e a comandante de
embarcações Fabiane Fontes Souza fundaram o Haglaz. Em entrevista fornecida no
dia 13 de abril de 2021, Fabiane Fontes Souza explicou o surgimento do grupo da
seguinte forma:

A ideia da criação do grupo Haglaz surgiu em um evento de cultura


Celta chamado Oenach na Tailtiu em 2012. A possibilidade da
criação do grupo foi incitada pelo próprio Hednir Clan de São Paulo,
que naquela ocasião se apresentou como um grupo de lutas
medievais Viking. Eu fiquei completamente apaixonada por toda
aquela atmosfera maravilhosa do evento. E foi quando eu e o
Alberto ‘Flanker’ conhecemos esse grupo Hednir e eles nos
estimularam a criar um grupo no Rio de Janeiro. A gente gostou
muito da ideia e resolvemos desenvolver aqui no Rio um grupo de
recriacionismo histórico Viking também. Nós buscamos pessoas
com interesse em participar e em setembro de 2013 apareceu a
primeira formação [...]. O objetivo inicial do grupo era
principalmente a luta Viking e tentar recriar essa atmosfera
nórdica, apesar de no início não entendermos muito bem o que era
isso, a gente precisou pesquisar muito. Nós tínhamos como
exemplo também o Escudo dos Vales que era um grupo muito sério
e nos passava boas informações. Tentamos nos espelhar neles,
apesar de saber que estávamos bem distantes do que eles faziam.
[...] Com o tempo a gente foi entendendo melhor o que é recriação
histórica e foi descobrindo muito mais do que a luta. Nos
deparamos com todo um universo maravilhoso em relação aos
utensílios, a gastronomia, a ourivesaria que realmente nos cativou
e passou a ser o foco do grupo.

Entre os elementos que despertaram o interesse de Fabiane Fontes Souza


para a Idade Média, também elencou a produção cinematográfica norte-americana,
estrelada e dirigida por Mel Gibson, Coração Valente (Braveheart, 1995). Pela
primeira vez foi citada a música da banda Blackmore's Night, para ela: “a primeira
grande banda com elementos medievais na sua composição que comecei a ouvir e

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Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

acompanhar”. Admite que sempre gostou do tema e costumava desenhar donzelas


e princesas, com uma visão muito romântica da Idade Média. Reitera a influência da
mídia – séries televisivas, filmes, videogame e músicas – como fator axiomático para
estimular o crescente gosto pelo medievo.
Apesar de um dos seus fundadores, o citado Alberto Dória “Flanker” ter se
afastado do Haglaz, o grupo atualmente conta com doze membros e continua
crescendo. O seu principal desejo é que esse movimento cultural se fortaleça no país,
para conseguir criar características nacionais próprias de recriação histórica
nórdica, com reconhecimento mundial.
De fato, a partir do ano de 2015, o movimento aumentou progressivamente
e diversos outros grupos surgiram pelo Brasil, impossibilitando acompanhar pari
passu o desenvolvimento de todos. Grupos originalmente associados a práticas de
LARP e swordplay, criaram ramificações voltadas para recriação histórica, como a
Magnus Legio. Ao longo dessa pesquisa também foram identificados: Clã Alaisiagae
(fundado em Araçatuba-SP, 2015), Vestanspjǫr (fundado em São Paulo-SP, 2015),
Gungnir Kind (fundado em Maringá-PR, 2015), Clã Skjaldborg (fundado em Curitiba-
PR, 2015), Machados do Pântano – Myrrøx (fundado em Niterói-RJ, 2016), Clã
Capivaras do Trovão (fundado no 2016), Nýr Vindr (fundado em Campinas-SP,
2017), Fylgjavindr (fundado em Maringá-PR, 2018), Geirr Gungnir (fundado no Rio
de Janeiro-RJ, 2019) e Ulf Til Hjaldrgod (fundado no Rio de Janeiro-RJ, 2019).
Em 2020, já contando com uma grande quantidade de grupo espalhados pelo
país, foi criada a Liga Brasileira de Combate Viking (LBCV), com o objetivo de
fomentar e divulgar a prática do combate Viking por todo o território nacional. A
Liga recém-fundada é dirigida por: Lucas Cardoso – styrsman do Fýri Viking Combat
Group –, Matheus De Giovanni – styrsman do Fylgjavindr –, Matheus de Araújo –
membro do Clã Alaisiagae –, Marcos Delacoletta – Membro do Grupo Drengr do Fýri
–, Vítor Colo – Coordenador do Nýr Vindr – e Mái Foreaux – também Coordenadora
Nýr Vindr.

4. Considerações Finais
O recriacionismo histórico está associado às pesquisas históricas e

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Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

arqueológicas, algumas vezes flertando com as técnicas e metodologias da


arqueologia experimental, apesar de nem sempre produzirem uma experiência
arqueológica – nos padrões acadêmico-científico. Amparados também pelo
desenvolvimento dos estudos mais recentes de Iconografia Medieval e da designada
Antropologia da imagem ou Antropologia visual, para propor uma retomada do
passado, buscando evitar anacronismos e mantendo deferência ao recorte temporal
escolhido. No Brasil, essa expressão de um neomedievalismo tropical
contemporâneo associado a Era Viking, apesar de muito recente, já conquistou um
grande número de admiradores e adeptos.
Em território nacional, apenas o Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos
(NEVE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a turismóloga Thaís Ferreira
Nascimento (2013), a professora Mônica Rebecca Ferrari Nunes e a museóloga
Luciana Scanapieco já realizaram pesquisas buscando investigar o movimento. O
primeiro por meio de breves entrevistas, na tentativa de recensear e sistematizar o
movimento, mas ainda longe de contemplar a totalidade. A segunda, buscando
analisar eventos de temática medieval no país, tais como a Thorhammerfest, Jantar
Medieval do Taberna Folk e a Oenach na Tailtiu30, acabou esbarrando
superficialmente no tema do recriacionismo. A professora Mônica Rebecca Ferrari
Nunes, no artigo Memórias e matrizes em textos midiáticos explosivos: cenas
medievalistas na cultura jovem31, explorou diferentes vertentes do neomedievalismo
na cultura juvenil de São Paulo e do Rio de Janeiro. Enquanto Luciana Scanapieco,
também praticante de HEMA e atualmente representante nacional do HMB
feminino, no seu artigo: A critical view on the past: Some thoughts on the bias and
pros of Living History and the Brazilian scenario32, analisou a partir de perspectivas

30 NASCIMENTO, Thaís Ferreira. O Medievalismo no Brasil - Estudo de Casos Múltiplos:


Thorhammerfest, Jantar Medieval Taberna Folk e Oenach na Tailtiu. São Paulo, 2013, 216 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Turismo) – Curso de Turismo, Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013.
31 NUNES, Mônica Rebecca Ferrari. Memórias e matrizes em textos midiáticos explosivos:

cenas medievalistas na cultura jovem. Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 37, p. 242-262, 2016.
32 SCANAPIECO, Luciana. A critical view on the past: Some thoughts on the bias and pros of

Living History and the Brazilian scenario. In: ReConference 2018, Copenhague. Papers And
Summaries. Copenhague: Hands on History, Nationalmuseet, 2020, p. 32-43.

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museológicas, alguns problemas e potencialidades dos conceitos de “Re-enactment”


e “Living History”, além das suas aplicabilidades no Brasil. No entanto, o movimento
de recriacionismo histórico no país – tanto como fenômeno sociocultural, quanto em
relação as suas qualidades educativas – ainda carecem de análises mais profundas.
Além de ser pouco estudado, o movimento no Brasil também pode ser
considerado pouco diversificado. A maioria dos grupos dedicam-se prioritariamente
as lutas, enquanto uma infinidade de práticas e ofícios ainda não são devidamente
explorados, tais como: tecelagem, técnicas de bordados, marcenaria, ourivesaria,
produção de cerâmicas históricas entre muitos outros. Alguns continuam
justificando a ênfase nas lutas por motivos propagandísticos, pois normalmente
atraem mais a atenção e ajudam a cativar o público. No entanto, talvez já esteja no
momento do recriacionismo histórico brasileiro investigar outras possibilidades e
apresentar novas contribuições.
Essas primeiras entrevistas descreveram um pouco da genealogia do
movimento no Brasil e apresentaram algumas das dificuldades enfrentadas pelos
primeiros grupos no contexto nacional. Também ajudaram a demonstrar que os
fatores responsáveis por despertar ou cativar o interesse dos participantes pela
Idade Média não foram as aulas de história ou prolixos textos acadêmicos e sim as
fortes influências do neomedievalismo literário e midiático, por meio do cinema,
séries televisivas e jogos eletrônicos. Essas respostas reiteram a importância de se
pesquisar cada vez mais o neomedievalismo na literatura e nas mídias audiovisuais,
assim como o seu nível de influência sociocultural. Não à toa as inter-relações
transmidiáticas entre esses campos são cada vez maiores e intensas. Filmes
adaptados para o videogame, jogos eletrônicos levados para o cinema, livros e séries
televisivas inspirando ou inspiradas em ambos, na maioria das vezes são essas inter-
relações que ajudam a construir as primeiras, imaturas e as vezes farsescas ideias
sobre uma Idade Média “sonhada”33, para usar a mesma expressão do famoso
professor e medievalista italiano Umberto Eco (1932-2016).
Ademais, o neopaganismo e sua crescente abrangência no país, também foi

33 ECO, Umberto. Sobre Espelhos e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p.

74-82.

250
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.

citado por alguns participantes da pesquisa, como um fator importante para


estimular o interesse pela Idade Média – principalmente nórdica. Apesar de também
ser considerado um fenômeno recente, associado ao contexto da modernidade
religiosa, os grupos genericamente chamados de neopagãos, já despertaram o
interesse da comunidade científica e alguns trabalhos acadêmicos já foram
produzidos sobre o tema, incluindo teses, dissertações e artigos. Contudo, não
investigam com profundidade as relações, e o grau de influência dessas
religiosidades na recriação histórica nacional, como novas formas de agrupamento
e institucionalização.
A despeito das poucas análises e investigações, o recriacionismo
neomedievalista brasileiro continua crescendo e amadurecendo, na busca de uma
aproximação cada vez maior com o caráter histórico/arqueológico, fundamental à
sua significância. Essa prática sociocultural permite aos seus praticantes a
experiência lúdica de vagarem pela história de um modo diferenciado, recriando –
conforme o próprio nome sugere – e experimentando fisicamente alguns aspectos
do período escolhido, para compreendê-lo melhor. Enquanto no Brasil, uma certa
ilusão romântica fornecida por esse neomedievalismo, segue reunindo grupos
sociais em torno de desejos e fascínios em comum.

Artigo recebido em 31/05/2021


Artigo aceito em 02/08/2021

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