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Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
1. Introdução
Esse artigo pode ser considerado como uma tentativa de estabelecer as
possíveis origens e compreender algumas motivações para o célere crescimento dos
movimentos de historical reenactment – vulgarmente traduzido para o português
como recriação histórica – e living history – ou história viva em tradução livre – no
território brasileiro.
Tanto a recriação histórica quanto a história viva, quando relacionadas ao
tradicional recorte temporal da dita Idade Média, podem ser consideradas
expressões emblemáticas do campo de estudos ou categorias de análise do
neomedievalismo. Para fins desse artigo, parece pertinente utilizar, a sugestão
conceitual oferecida pelos historiadores Nadia R. Altschul & Lukas Gabriel
Grzybowski2, a partir dos estudos pós-coloniais, a favor do neomedievalismo,
porque segundo eles:
2 ALTSCHUL, Nadia R. & GRZYBOWSKI, Lukas Gabriel. Em Busca dos Dragões: A Idade Média
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neomedievalismo nacional.
Persiste até hoje uma grande confusão entre os termos recriação histórica e
história viva, que apesar de possuírem similaridades, são práticas socioculturais e
educativas bastante diferenciadas. Contudo, no Brasil, dificilmente são feitas as
devidas distinções, amiúde aparecem misturadas ou como sinônimos. O próprio
conceito de história viva ainda é pouco divulgado e raramente utilizado, enquanto a
maioria dos praticantes demonstram nítida preferência pelos termos: recriação
histórica, recriacionismo, ou o próprio estrangeirismo do reenactment, entre outras
variações. No país, em pleno século XXI, apesar de parecer inverossímil, o
neomedievalismo recriacionista que mais rapidamente alcançou popularidade e se
espalhou pelo território, foi a recriação histórica associada a chamada “Era Viking”.
Esse artigo não busca analisar a qualidade e/ou o nível de autenticidade
histórica dos grupos recriacionistas brasileiros, mas perscrutar as suas origens e
buscar compreender um pouco melhor as características dessas manifestações
passadistas ou nostálgicas, da recriação do passado medieval escandinavo nos
trópicos. Para isso, foram utilizados fontes e conceitos historiográficos e métodos
antropológicos, como “Observação Participante” e, principalmente, a “Participação
Observante”, desenvolvida pelo antropólogo francês Loïc Wacquant5, com a
orientação de Pierre Bourdieu. Também foram empregadas como metodologia
algumas entrevistas formais, informais – não estruturadas – e conversacionais –
entrevistas narrativas. Abordando e inquirindo alguns pioneiros que, em pleno
alvorecer do século XXI, começaram a se dedicar a práticas tão inusitadas para um
país sem vínculos históricos com a Idade Média, contudo, impregnado pelo
neomedievalismo musical, literário e transmidiático do cinema, da televisão e dos
jogos eletrônicos.
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6 MACCALMAN, Iain & PICKERING, Paul A. Historical Reenactment: From Realism to the
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7 Ibidem, p.03.
8 Ibidem, p.08.
9 Ibidem, p.09.
10 Ibidem, p.09.
11 Ibidem, p.59.
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12 Ibidem, p.79.
13 Ibidem, p.79.
14 AGNEW, Vanessa. History’s Affective Turn: Historical Reenactment and Its Work in the
Present. Rethinking History: The Journal of Theory and Practice, Londres, v. 11, n. 3, p. 299-
312, 3 setembro 2007, p. 299.
15 ibidem, p.300.
16 AGNEW, Vanessa. What Is Reenactment?. Criticism. Detroit: Wayne State University Press,
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17 Ibidem, p. 328.
18 Ibidem, p. 328.
19 Ibidem, p. 330.
20 Ibidem, p. 335.
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A expressão Era Viking, por sua vez, não poderia ter surgido antes.
Curiosamente, ela parece ter nascido não na Inglaterra, mas na
Noruega. E. C. Werlauff mencionou a Vikingtid num artigo sobre a
presença escandinava na Península Ibérica entre os séculos IX e XIII
no Annaler for Nordisk oldkyndighed og historie (Anais da
Antiguidade e História Nórdica) de 1836.27
25 Ibidem, p. 231.
26 Ibidem, p. 233.
27 Ibidem, p. 233.
28 Ibidem, p. 249.
29 GRAHAM-CAMPBELL, James. Op. Cit., p. 12.
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Em 2008, eu já fazia parte do Spirit Folk, mas não tinha nada a ver
com o reenactment, possuía mais esse foco na música. Até que
aconteceu um evento, não lembro se foi o Encontro Internacional de
RPG aqui em São Paulo ou se foi a RPGCON, não sei qual era o nome.
Eu fui nesse evento com um cosplay Viking bem tosco e lá eu
encontrei a Stephany Palos e o Marcos Palante, eles estavam
usando um bracelete de couro, que eu tinha feito, estilo jogo de RPG.
Quando eu vi, eu falei: ‘legal, eu que fiz esse bracelete!’ A partir daí,
nós começamos a conversar e ficamos o evento inteiro andando
juntos. Eles também eram do Spirit Folk e começamos a falar sobre
várias bandas. Na época tinha uma banda finlandesa, que era o
Turisas, inspirados nessa banda, a gente decidiu pintar o rosto de
vermelho, chamamos outros amigos e decidimos fazer um ‘cosplay
do Turisas’. Então, tudo começou aí, como uma brincadeira de
cosplay em 2008.
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Segundo seus fundadores, foi a partir de 2009 e 2010 que o Hednir Clan
começou a engatinhar na direção de um recriacionismo histórico. Muitas foram as
dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo do processo, entre as principais
Marcos Palante elencou:
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Vinícius também relembra o primeiro elmo “bastante torto”, mas que era
“visualmente aceitável”, mas destaca que o segundo elmo ficou melhor, “apesar de
possuir muitos erros históricos”. Inicialmente, a dificuldade de produzir uma
recriação histórica qualificada, coincidiu com o despreparo e a ingenuidade dos
jovens integrantes em relação as metodologias de pesquisa mais acadêmicas e
aprofundadas, conquanto apropriavam-se apenas das referências copiadas de
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bom, porque quanto mais gente fazendo, mais se divulga o reenactment”. No entanto,
inicialmente demostrava grandes preocupações com essas ramificações e temia um
possível retrocesso ou declínio da qualidade do recriacionismo histórico nacional.
Assim, no mesmo ano de 2011, em São Paulo foi fundada a Ordo Draconis
Belli, o nome em latim pode ser traduzido como Ordem dos Dragões de Guerra e já
denuncia o propósito do grupo: reconstituir as técnicas de combate medieval. Para
isso, a Ordo Draconis Belli também recria armas, escudos e armaduras com base na
literatura, pintura, escultura e, principalmente, nos achados arqueológicos do
período. Eles fazem parte da Associação Ars Mediaevalis, formada por diferentes
grupos, que desenvolvem atividades e apresentações para divulgação dos costumes
e da arte medieval em diversos eventos. Entre os fundadores estão Daniel Becker,
Guilherme Dantas, Igor Landini, Marina Baldovino e Thyago Marcondes,
entrementes, já contam com mais dez membros. Em entrevista fornecida no dia 10
de maio de 2021, Vitor Bolonhesi Gracia, de 30 anos fala sobre o surgimento e a
atualidade do grupo:
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Vitor Bolonhesi Gracia afirma que a Ordo Draconis Belli também se espelhou
nos grupos internacionais, “Estados Unidos, Europa, mas principalmente Leste
Europeu e Rússia, pois possuem uma tradição muito forte no reenactment”. Segundo
ele o grupo é muito aberto, todos os membros podem contribuir, não existe uma
hierarquia rígida, no entanto, todas as novas ideias são analisadas e avaliadas por
um “conselho deliberativo” responsável pelas decisões mais difíceis. Vitor Bolonhesi
Gracia também destacou entre as dificuldades enfrentadas pelos praticantes de
recriação histórica no Brasil, o acesso aos artefatos arqueológicos originais e as
fontes históricas fiáveis. A questão do idioma também pode representar um
problema, haja vista que muitos trabalhos e pesquisas mais aprofundadas estão em
língua estrangeira. Para ele o recriacionsimo pode ser considerado como um
“exercício prático da história”:
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4. Considerações Finais
O recriacionismo histórico está associado às pesquisas históricas e
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cenas medievalistas na cultura jovem. Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 37, p. 242-262, 2016.
32 SCANAPIECO, Luciana. A critical view on the past: Some thoughts on the bias and pros of
Living History and the Brazilian scenario. In: ReConference 2018, Copenhague. Papers And
Summaries. Copenhague: Hands on History, Nationalmuseet, 2020, p. 32-43.
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33 ECO, Umberto. Sobre Espelhos e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p.
74-82.
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