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História da

Arquitetura
e Urbanismo
Material Teórico
Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Silvio Pinto Ferreira Junior

Revisão Textual:
Prof. Esp. Luciano Vieira Francisco
Arquitetura no Renascimento:
A Volta do Clássico

• Introdução;
• Renascimento: A Volta do Clássico;
• A Arquitetura no Renascimento;
• A Importância da Perspectiva no Projeto Arquitetônico;
• O Urbanismo;
• Considerações Finais.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Compreender o movimento cultural e artístico da Renascença que se
afirmou acentuadamente na arquitetura e no urbanismo.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

Introdução
Antes de tudo, vale destacar aqui que o Renascimento não é um período, mas sim
um movimento artístico-cultural que encabeçou diversas contestações subsequentes,
tais como o movimento protestante no campo religioso, o movimento humanista
no campo científico e o movimento iluminista no campo político, para citar apenas
alguns casos. Todos esses movimentos intercalaram o final decadente da Idade
Média e prenunciaram o período moderno.

Desde os primeiros balbucios da ciência durante a Renascença, a partir do século


XV, o mundo tem sido uma fábrica produtiva de inovações em todos os campos do
conhecimento e em todas as direções geográficas.

Veremos nesta Unidade como a Renascença foi importante para estimular os avan-
ços científicos, artísticos e tecnológicos que impactaram diretamente na arquitetura.

Renascimento: A Volta do Clássico


Caro(a) aluno(a),

Certamente você já estudou, em História, os principais artistas do período renascen-


tista: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, Botticelli. O que se diz muito é sobre
as artes, mas você sabia que a arquitetura produzida nesse período também foi muito
significativa? Podemos dizer que a profissão de arquiteto – e não construtor – nasceu
aqui, afinal, surgiu o processo característico da criação arquitetônica, o projeto.

O Renascimento foi um dos momentos mais importantes na história da cultura


ocidental, caracterizando-se por imensas mudanças culturais, as quais responsáveis em
grande parte pela cultura da maneira com que entendemos hoje. O Renascimento
assinalou o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna, abrangendo aproximada-
mente o período entre fins do século XIII até meados do século XVII.

Entre as rupturas importantes, podemos assinalar a passagem do feudalismo para


o capitalismo, potencializada pelo contato crescente entre mercadores europeus e asi-
áticos, sobretudo os do Oriente Médio, o que impulsionou o comércio entre esses dois
continentes – principalmente nos países mediterrâneos, como a Itália, por terem seus
portos próximos dessas zonas mercantis. Isso levou ao surgimento de uma nova classe
social: os burgueses. Até então, somente aqueles que detinham qualquer forma de
poder eram os membros da nobreza ou do clero.

Os burgueses eram moradores das cidades muradas, os burgos, passando a acumu-


lar riqueza e, consequentemente, poder político por meio do comércio.

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Nas artes, esses burgueses foram res-
ponsáveis por encomendas e patrocínio Os mecenas eram os burgueses, uma
nova classe social que encomendava
financeiro de obras de arte de artistas as obras de arte de pintores e escul-
como Leonardo da Vinci, Michelangelo tores renomados do Renascimento
e Rafael Sanzio, sendo, em grande par- para a obtenção de reconhecimento e
prestígio social. O patrocínio de obras
te, responsáveis pelo avanço inigualável artísticas é chamado de mecenato.
das artes. Tais homens eram chamados Eram ricos e poderosos comerciantes,
de mecenas e esta prática é denomina- príncipes, condes, bispos e banqueiros.
da mecenato.

Possivelmente em função desse tipo de incentivo, muitos afirmam que, não


obstante aos avanços políticos e sociais, foi na área de conhecimentos culturais que
talvez os avanços tenham sido mais significativos nesse período, afinal, no século
XIV, retomou-se o princípio de humanismo, que havia sido uma das características
do antigo povo grego.

O humanismo é uma postura intelectual que valoriza o homem e suas capacidades racionais
Explor

de compreensão e ação sobre o mundo e seus fenômenos; ou seja, a cultura deixou de ser
teocêntrica – centrada em uma visão religiosa, em torno da figura de Deus –, passando a
ser antropocêntrica – em que o homem é a medida de todas as coisas. Em síntese, o homem
como centro do Universo.

Se até então os fenômenos eram explicados por uma perspectiva espiritual e


simbólica, principalmente de forma dogmática pela Igreja, então o homem passava,
no Renascimento, a valorizar a sua própria percepção do mundo, encontrando
respostas para as suas questões através da observação, dos estudos da Matemática,
da Lógica, da literatura e das artes.

Os humanistas renascentistas estimulavam o uso da razão e eram, principal-


mente, poetas, escritores, arquitetos, artistas, historiadores, filósofos, geógrafos,
antiquários, colecionadores, políticos, entre outros.

Ressalta-se que isso não fazia com que os humanistas rompessem com a Igreja,
pelo contrário.

Importante! Importante!

O homem vitruviano, segundo desenho e solução matemáti-


ca por Leonardo da Vinci. A partir dos estudos da proporção
do corpo humano pelo romano Marcus Vitruvius Pollio,
Leonardo foi capaz de fechar matematicamente os cálcu-
los que pressupunham que o homem poderia ser inserido
em um quadrado e um círculo, as duas formas consideradas
mais perfeitas pelos antigos romanos. Esta imagem costu-
Figura 1 ma ser ilustrativa do princípio humanista de o homem ser a
Fonte: Wikimedia Commons medida de todas as coisas.

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UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

Com a postura menos passiva diante do conhecimento, foi possível que ocor-
resse, nesse período, grande avanço em todas as áreas: nas Ciências, com o de-
senvolvimento da Botânica, da Química, dos estudos da Anatomia, da Astronomia,
da Engenharia, entre tantas outras. Um notável exemplo dessa busca incansável
pelos novos saberes revelados pela observação e razão é Leonardo da Vinci, quem
atuou em todas essas áreas, deixando como legado mais de quatro mil desenhos e
manuscritos de seus estudos e reflexões. Esse desenvolvimento técnico e científico
possibilitou inventos e descobertas que revolucionaram o mundo: as grandes na-
vegações, que revelaram novos continentes – como a América – e comprovaram
que o mundo era redondo – e não plano; a invenção da imprensa de tipos móveis
por Johann Gutenberg, em 1450, que finalmente possibilitou a divulgação e pro-
pagação das ideias para um grande número de pessoas; e o aprimoramento da
Astronomia, graças a homens como Copérnico e Galileu Galilei.

Muitos humanistas morreram defendendo as suas descobertas no Tribunal da


Inquisição, em que eram julgados e condenados pela Igreja por suas ideias “heréticas”.
“Foi um período em que livros, a capacidade de ler, o conhecimento e as ideias
deixaram de estar restritos ao clero. Isso levou ao desafio à ortodoxia católica que
culminou na Reforma e na Igreja Protestante” (GLANCEY, 2007, p. 68).

O humanismo foi impulsionado com a redescoberta e revalorização da cultura


clássica, isto é, dos legados das civilizações grega e romana. Tal influência ocorreu
principalmente no campo das artes, em que pintura, escultura e arquitetura passaram
a recuperar muitos dos princípios e elementos do período clássico, rompendo
totalmente com a tradição medieval. Um dos estilos próprios da Renascença é o
chamado maneirismo.

Maneirismo foi um estilo e movimento artístico que se desenvolveu na Europa aproximad-


Explor

amente entre 1515 e 1600 como uma revisão dos valores clássicos e naturalistas prestigi-
ados pelo humanismo renascentista e cristalizados na Alta Renascença.

A arquitetura clássica, ou qualquer forma de arquitetura antiga, realmente não


foi valorizada durante o período medieval – não havia ainda a noção de alteridade
histórica, a concepção de que houve uma civilização anterior cujo legado deveria
ser admirado e conservado.

Os italianos sempre conviveram com as ruínas das antigas construções romanas,


porém, sempre de modo meramente utilitário: reaproveitando os antigos arcos de
triunfo para compor muralhas e fortificações; convertendo os antigos templos pagãos
em igrejas católicas; reaproveitando o material construtivo para novas edificações.

Com a redescoberta dos princípios e valores que regiam essas antigas civilizações
clássicas, condição potencializada pela redescoberta de antigos textos e tratados
de poetas, filósofos e outros intelectuais clássicos, o humanismo ganhou fôlego e
passou a admirar as civilizações antigas como modelo a ser seguido – e não temido.

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Além de levar ao surgimento da noção de preservação de monumentos, os
estudos da arquitetura antiga conduziram à recuperação de muitos dos princípios
clássicos, que foram reavaliados e reinterpretados para dar novo fôlego à arquite-
tura clássica produzida no Renascimento.

Quando o assunto é Renascimento, os exemplos quase sempre são centrados na


Itália – e isto não é mera coincidência. Uma série de fatores possibilitou que esse
fenômeno cultural irradiasse a partir da Península Itálica, sobretudo nas cidades de
Florença – em um primeiro momento – e Roma.

Em primeiro lugar, a Península Itálica ocupa um local geográfico privilegiado, às


margens do Mar Mediterrâneo, o que possibilita a sua interação mercantil com o
Oriente e torna a região próspera – é lá que muitas das mudanças sociais, políticas
e econômicas inicialmente ocorreram.

Como Pevsner (2002, p. 174) afirma, “[...] o estilo renascentista [foi criado]
para os comerciantes de Florença, banqueiros dos reis da Europa. É na atmosfera
da mais próspera das repúblicas comerciantes do Sul que o novo estilo aparece,
por volta de 1420”.

Por outro lado, é igualmente lá que se encontra a maior parte do legado cultu-
ral da civilização romana e dos etruscos, com o qual, de certa forma, os italianos
nunca tinham perdido o contato – ressurgindo como uma estética arquitetônica
que exprimia todos os princípios do racionalismo e do humanismo que floresciam
na Toscana.

Por fim, com a reinstalação da sede da Igreja Católica em Roma, após séculos
na cidade de Avignon, na França – fugidos dos ataques bárbaros frequentes durante
a Alta Idade Média –, em 1420, o centro do poder europeu novamente encontrava-
se em Roma.

Durante o Renascimento, a Igreja se fortalecia e este poder e luxo se exprimiram


nas inúmeras encomendas artísticas do Vaticano – em pinturas murais requintadas,
como o teto da Capela Sistina, elaborada por Michelangelo; em ricas esculturas e
em imponentes obras arquitetônicas, como a Basílica de São Pedro.

A Arquitetura no Renascimento
Segundo Leonardo Benevolo (apud PEREIRA, 2010, p. 131), a retomada do
classicismo italiano se deu porque o gótico não possuía disciplina ou um método
de controle geral em sua composição. O clássico, por sua vez, era mais adequado
às necessidades da Idade Moderna por sua ordem e estrutura mais simples de
conhecimento. Embora possa parecer um retrocesso, esse fenômeno deve ser
encarado como um “[...] meio de retomada para um novo impulso progressista,
como se demonstrará nos séculos XVII e XVIII” (PEREIRA, 2010, p. 131).

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UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

A necessidade de um código ou de uma normativa, que exprimiria a beleza e


harmonia de forma racional e matemática na plástica arquitetônica, levaram à
elaboração e publicação de uma série de tratados de arquitetura, inspirados a partir
do recém-descoberto modelo romano do De architectura, de Vitruvius.

Os arquitetos renascentistas não pretendiam que a arquitetura de sua época fosse


uma mera reprodução dos modelos greco-romanos, mas sim uma evolução – uma
forma ideal, perfeita, segundo os princípios racionais do classicismo. Para tanto,
era necessária a elaboração de normas para orientar a criação arquitetônica que
atingisse plenamente tais objetivos, surgindo, então, os cânones e a classificação
das ordens gregas segundo diversos critérios.

Os princípios desses tratados determinavam desde a aparência que diferentes


tipos de construções deveriam ter, a proporção ideal, os elementos que estariam
dispostos – e de que maneira estariam. As ordens clássicas foram detalhadamente
descritas, desde a combinação de seus elementos – colunas, entablamentos, capitéis
etc. –, como também eram estabelecidas as dimensões corretas de cada elemento.

As análises eram intelectualizadas, de arquitetos que não apenas criavam como


artistas, mas pesquisavam e produziam ideias como os estudiosos eruditos. Tais
ideias, defendidas nesses textos teóricos, eram aplicadas pelos seus autores na
prática construtiva, dando a cada um certo caráter de autoria.

Com isso, ocorreu na Arquitetura um fenômeno equivalente ao que acontecia


com os demais artistas: o reconhecimento da arte como um processo intelectual.

Assim, artistas e arquitetos começaram a adquirir prestígio na sociedade e eram


admirados pelas suas habilidades e capacidade criativa – status conquistado pelos
próprios artistas, os quais defendiam o caráter erudito de seu processo criativo em
textos e tratados.
Leonardo da Vinci desenvolvia a teoria da natureza ideal da arte.
Empenhou-se em provar que a pintura e a arquitetura eram artes liberais,
e não artes no sentido de ofício, como na Idade Média. Essa teoria tem
dois aspectos. Ela exige do patrono uma nova atitude diante do artista,
mas também exige do artista uma nova atitude diante de sua obra. Apenas
o artista que abordasse sua arte com espírito acadêmico, isto é, como
um pesquisador de suas leis, tinha direito a ser considerado igual pelos
eruditos e autores humanistas (PEVSNER, 2002, p. 175).

O projeto passou, portanto, a ser defendido como uma atividade intelectual,


separando a prática do arquiteto dos demais construtores – agora vistos como
subalternos, como executores de uma ideia desenvolvida por um artista com
maiores conhecimentos.

Podemos afirmar que a profissão do arquiteto, como nós a conhecemos


atualmente, surgiu com a obra de Filippo Brunelleschi (1377-1446), quem era um
exemplo do artista completo do Renascimento italiano – além de arquiteto, era
também ourives, escultor e estudioso de Matemática e Geometria.

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Como todos os humanistas do período, Brunelleschi também apreciava
outras artes: era profundo conhecedor da poesia de Dante Alighieri. Ao lado de
Masaccio – pintor – e Donatello – escultor –, Brunelleschi é considerado um dos
mais importantes personagens do princípio do Renascimento italiano. A obra
de Brunelleschi é extremamente relevante para nós não apenas pelas inovações
técnicas e estilísticas que inauguraram o Renascimento, mas também porque
contribuiu com:
• O surgimento da profissão do arquiteto e das concepções projetuais em
arquitetura;
• A elaboração da perspectiva linear por meio de cálculos matemáticos, o que
agregou não apenas ao desenvolvimento do processo projetual em Arquitetura,
mas também ao avanço da pintura do período – em que a perspectiva é tida
como uma das características mais importantes da pintura renascentista.

Figura 2 – Catedral de Florença, de autoria de Brunelleschi


Fonte: iStock/Getty Images

Devemos a Brunelleschi a ruptura com a tradição medieval, principalmente por


ocasião da construção da cúpula da Catedral de Florença, como vemos na Figura
2, a Santa Maria dei Fiore, considerada o marco inicial da arquitetura renascentista.

Apenas a cúpula da também denominada O Duomo de Florença é de estilo pre-


dominantemente gótico, sendo completada paulatinamente ao longo de seis séculos:
seu projeto básico foi elaborado por Arnolfo di Cambio no final do século XIII; sua
cúpula é obra de Filippo Brunelleschi, no século XV; e sua fachada teve de esperar
até o século XIX para ser concluída. Ao longo desse tempo, uma série de interven-
ções estruturais e decorativas no exterior e interior enriqueceriam o monumento.

Portanto, no século XV, a Catedral encontrava-se apenas parcialmente coberta.


Segundo o projeto inicial, teria uma grande nave central e duas naves laterais, as
quais convergiriam em um enorme espaço octogonal, que deveria ser coberto por
uma cúpula. Porém, ainda não havia solução técnica adequada que possibilitasse
a cobertura desse espaço. Em 1418, foi organizado um concurso em que diversos
arquitetos propuseram a solução para o desafio. Brunelleschi apresentou uma
condição inovadora e até, aparentemente, impossível de ser realizada. Sua proposta:

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UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

[...] baseava-se nos princípios clássicos e defendia a construção de dupla


cúpula que absorveria suas próprias tensões. Para sua execução prevê um
andaime, inventado por ele, e uma grua para o translado dos materiais.
Pôs em prática um método para a sustentação da cúpula, inventou as
máquinas necessárias à construção e executou o projeto sem utilizar o
cimbre, armação de madeira que serve de molde e suporte aos arcos e
abóbadas e retirados depois de completada a obra (MIGUEL, 2003, p.
64, grifo do autor).

Figuras 3 – Croquis do projeto do maquinário de Brunelleschi,


como gruas que tornaram a construção da cúpula possível
Fonte: Wikimedia Commons

Brunelleschi, nesse período, já buscava uma linguagem arquitetônica que ex-


pressasse o espírito renascentista – o gótico já parecia ultrapassado. Por meio do
contato com o tratado de Vitruvius, Brunelleschi se dedicou ao estudo da arquitetu-
ra clássica, realizando, inclusive, várias viagens à Roma para efetuar levantamentos
técnicos e métricos nas ruínas. É desse artista alguns dos primeiros desenhos e
inventários dos resquícios dos monumentos romanos nessa cidade, dando a partida
para a incipiente proteção do patrimônio, que começava a surgir nessa época.

A técnica construtiva usada pelos romanos para erguer seus duomos já havia
sido perdida, então Brunelleschi precisava elaborar as suas próprias técnicas para
viabilizar o seu projeto. A solução adotada para sustentar o peso da cúpula sem
preencher o espaço interior da Catedral com colunas foi adotar um sistema de
dupla camada. A concha interior era feita de material leve, enquanto que a camada
externa consistia de materiais que resistissem ao vento.

Assim, os construtores, elevados até a altura por suas gruas, poderiam sentar na
camada interna para erigir a camada externa. Para sustentar ambas as camadas,
elaborou um sistema de anéis que “abraçam” ambos os domos, entrecortados por
suportes. A estrutura ainda resiste, salvo pela substituição de algumas peças de
madeira – porque ficaram apodrecidas. Enfim, é uma solução ainda empregada na
Engenharia Moderna.

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Figura 4 – Vista do interior da cúpula, com afrescos de
Giorgio Vasari e Federico Zuccari, representando o Juízo Final
Fonte: Wikimedia Commons

A forma com que Brunelleschi trabalhava é revolucionária. Na experiência


da construção da cúpula, o arquiteto humanista foi o responsável por todo esse
processo intelectual que aqui analisamos. Por outro lado, participou do processo
prático da Arquitetura como um supervisor, ou seja, não conjuntamente com os
outros construtores. Vemos que existia, a partir de então, uma divisão do trabalho:
o arquiteto como responsável pelo projeto, e os construtores, pela execução.

A Importância da Perspectiva
no Projeto Arquitetônico
A perspectiva é uma das várias técnicas de representação de objetos e a profun-
didade do espaço em um desenho, isto é, sobre um suporte plano.

Credita-se a Brunelleschi o desvendamento da perspectiva linear, ou seja, a pro-


jeção da perspectiva em forma de um sistema matemático, em que todas as linhas
retas convergem em determinado ponto, representando o olho do observador.
Na pintura, o impacto dessa descoberta realmente foi gigantesco, possibilitando
aos pintores renascentistas a representação do espaço e dos volumes dispostos de
forma muito próxima à realidade. Mas em quê isto afetou a prática da Arquitetura?

Para se definir o espaço arquitetônico do Renascimento, a incorporação da


perspectiva como instrumento de projeto nos desenhos procura simular o espaço
a ser construído.

A principal ruptura em relação ao espaço medieval deu-se a partir do momento


em que os arquitetos do Renascimento passaram a designar nos seus edifícios
um ritmo de percurso, em que as regras de desenho do espaço são facilmente
assimiladas pelos usuários. Com isso, a perspectiva conduz o olhar para um ponto
escolhido pelo arquiteto, o chamado ponto focal.

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UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

O domínio da linguagem clássica usada para se chegar a estes efeitos de percur-


so, torna-se possível apenas quando simulado por meio do projeto pela perspecti-
va. Como resultado, tem-se um espaço perspéctico, integralmente apreendido pelo
observador e cujas relações proporcionais se mostram de forma analítica e objetiva.
Um belo exemplo disso é o projeto de Brunelleschi para a Igreja do Santo Spirito,
construída entre 1434 e 1872.

Figura 5 – Vista interna da Igreja do Santo Spirito. Neste espaço, Brunelleschi usou as
técnicas de perspectiva para intensificar os efeitos espaciais que conduzem o observador ao altar.
A imagem de Cristo fica exatamente no ponto focal, para onde as linhas convergem. A linguagem
adotada é clássica: a combinação de colunas coríntias encimadas por arcadas romanas.
Tratava-se do início da arquitetura renascentista conforme se consolidou nos séculos seguintes
Fonte: Wikimedia Commons

No campo da Arquitetura em si, o desenvolvimento da perspectiva possibilita


estudos preliminares de projeto, em que o arquiteto pode simular e visualizar o es-
paço tridimensional que pretende construir com desenhos perspectivos. Um exem-
plo corresponde aos desenhos de Brunelleschi em que, ainda na fase de projeto, já
antevia os efeitos espaciais.

Veja a perspectiva desenhada por Brunelleschi (Estudo preliminar do projeto) no link a


Explor

seguir: https://goo.gl/im9DaS

A arquitetura renascentista se baseou em duas premissas fundamentais: o uso


de figuras geométricas elementares – como o quadrado ou círculo – e relações
matemáticas simples; e a reutilização das ordens clássicas da tradição grega e
romana. No entanto, agora as ordens incluem também, além das três gregas –
dórica, jônica e coríntia –, as duas contribuições romanas: a ordem toscana e a
ordem compósita, como é vista no Coliseu.

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A concretização da harmonia e da regularidade como consequência das regras
da geometria foi atingida no projeto da capela (1430) para a família Pazzi, sendo
estes proeminentes em Florença. Brunelleschi combinou colunas, pilastras e arcos
plenos de maneira inédita na história da Arquitetura.
As pilastras – meias colunas embutidas
na parede – remetem às colunas sem ter,
de fato, uma função estrutural: a intenção
é plástica, de marcar o ritmo clássico das
colunas e arcadas. Embora a sua inspira-
ção tenha sido a arte romana, a capela não
guarda semelhanças com os templos clássi-
cos, tampouco com as igrejas góticas.

Uma grande mudança humanista, na ar-


quitetura de igrejas a partir do Renascimen-
to, foi a primazia das formas geométricas
como quadrados e círculos. Formas estas
que levavam a uma mudança de paradig-
ma, modificando profundamente o padrão
formal que havia se estabelecido desde as
basílicas cristãs: a transição entre formas
cruciformes para esquemas de planta cen- Figura 6
tralizada, como se vê na Capela Pazzi. Fonte: iStock/Getty Images
Explor

Veja mais sobre a Capela Pazzi em: https://youtu.be/zoNsvcZy8Dg.

Além de Brunelleschi, existiram muitos outros destaques da arquitetura renas-


centista, vejamos mais alguns exemplos:

Donato Bramante (1444-1512) foi o maior arquiteto do chamado Alto Renasci-


mento. Em Milão, Bramante foi cada vez mais envolvido com o humanismo e com
as inovações artísticas de seu tempo, sendo muito influenciado pelas experimen-
tações de Leonardo da Vinci que, entre outras coisas, esboçou também projetos
complexos de templos de planta central.

Bramante foi para Roma em 1499 e lá, inspirado pelos monumentos da Roma
Antiga, passou a se interessar pelas questões construtivas, pela harmonia e simpli-
cidade. Foi nessa época que assumiu o projeto de uma pequena capela de plano
central, o Tempietto de São Pedro de Montorio, talvez o mais importante edifício
renascentista dessa fase. Trata-se de uma releitura de um templo romano circular,
apoiado em três degraus, onde cada coluna dórica tem a sua pilastra correspon-
dente na parede do edifício, cuja cela, mais alta do que a colunata, é coberta com
uma cúpula semiesférica.

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UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

A Basílica de São Pedro, considerada a mais sagrada de todas as igrejas e ainda


hoje uma das maiores construções humanas, levou mais de cem anos para ser
concluída e empregou diversos arquitetos, como Michelangelo, entre os mais
renomados do período.

Figura 7 – Vista da fachada da Basílica de São Pedro


Fonte: iStock/Getty Images

Bramante foi o responsável pela concepção da planta original, em formato de


cruz com plano central. Essa configuração do espaço foi surpreendente, conside-
rando-se que a concepção de igreja tradicionalmente esteve vinculada a um âmbito
longitudinal. “Com o Papa adotando esse símbolo de mundanismo em sua própria
igreja, o espírito do humanismo havia realmente penetrado no mais interior da
fortaleza da resistência cristã” (PEVSNER, 2002, p. 206).

Você Sabia? Importante!

Que Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (Caprese, 6 de março de 1475 – Roma,


18 de fevereiro de 1564), conhecido simplesmente como Michelangelo, foi pintor,
escultor, poeta e arquiteto italiano, considerado um dos maiores criadores da história
da arte do Ocidente?

Palladio foi, sem dúvida, o mais importante arquiteto da geração que seguiu a de
Bramante – e pode-se afirmar sem pudor que seja um dos arquitetos mais influentes
ao longo dos séculos, cujo estilo pessoal inspirou um movimento chamado de
palladianismo, principalmente no século XVIII.

A obra de Palladio tem relevância em duas frentes: por um lado, sua


contribuição teórica, por meio de seu importante tratado intitulado I quattro libri
dell’Architettura – Os quatro livros da Arquitetura –, publicado em 1570.
Esse tratado foi reimpresso diversas vezes e figura como uma das mais importantes

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referências que dão base à Arquitetura do neoclassicismo, em anos posteriores e em
países tão diversos quanto a Inglaterra e os Estados Unidos, prestando homenagem
a Vitruvius, atualizando seus pensamentos e afirmando que “[...] os romanos ainda
não foram superados nas construções posteriores a eles [...]” (PALLADIO apud
MARTON; WUNDRAM; PAPE, 2008, p. 6).

Por outro lado, a sua prática também foi extremamente relevante, especialmente
as grandes sedes de fazenda ao redor de Vicenza, chamadas de ville; e imponentes
casas urbanas, os palazzi.

Ville, em italiano, é o plural de casa de campo ou fazenda – o singular é villa. Quanto aos
Explor

imponentes edifícios urbanos em que moravam as famílias abastadas, tratam-se dos palazzi
– plural –, cujo singular é palazzo.

Ao contrário dos outros arquitetos do Renascimento – sempre primariamente


pintores, ou escultores, ou mesmo intelectuais –, Palladio considerava a Arquitetura
a sua profissão e grande paixão, de modo que era amplo conhecedor de todos os
aspectos do processo projetual e construtivo.

A mais famosa villa projetada por Palladio é a Villa Capra, conhecida também
como La Rotonda (1550-1554). Erigida nos arredores de Vicenza, a casa se
destaca pela sua simetria absoluta e pelas quatro fachadas rigorosamente idênticas.

Figura 8 – Villa Capra, conhecida também como La Rotonda (1550-1554), Vicenza, Itália
Fonte: Wikimedia Commons

Ao contrário da maior parte das residências de campo projetadas por Palladio, a


Villa Capra não é prática – foi projetada para ser “ [...] um refúgio da vida agitada
da cidade para um cavalheiro rico que dispunha de tempo para ir até lá ler, beber
vinhos e contemplar a vista dos quatro lados da casa” (GLANCEY, 2007, p. 77).

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UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

O Urbanismo
A imagem do mundo – imago mundi – e suas formas urbanas – imago urbis
– do Renascimento é baseada no que os arquitetos compreendiam do texto de
Vitruvius e das ruínas das urbes romanas. Assim, a tratadística renascentista teve
íntima relação com a utopia urbana, a cidade “ideal”, a qual deveria, no discurso
renascentista, ser subordinada à ordem e disciplina geométrica e ter um caráter
unitário e racional.

No entanto, embora na arquitetura houvesse ainda alguns fragmentos de monu-


mentos romanos nos quais os arquitetos renascentistas podiam se basear, a imago
urbis já era mais difícil de se formar, visto que todos os exemplos de cidades roma-
nas já tinham sido transformados ao longo do tempo e, portanto, perdidos.

Em realidade, segundo Lamas (2000, p. 168), o urbanismo absorve lentamente


as mudanças estéticas e espaciais, desenvolvendo-se apenas em termos teóricos,
desde a concepção da cidade ideal, até tratados que discorriam acerca de desenho
das cidades.

A busca pela cidade ideal do Renascimento foi uma criação intelectual, que não
se realizou – salvo em alguns raros exemplos de cidades primordialmente militares –,
porém, ditou as bases para o desenvolvimento do projeto urbano nos séculos que se
seguiram. Tal cidade renascentista é uma utopia, definida por Pereira (2010, p. 67)
como uma visão unificada da cidade como espaço, mas também como o lugar em
que se desenvolve uma estrutura política e social idealizada. Esse modelo independe
de um lugar, tempo ou acontecimento específico – é um padrão idealizado que pode-
ria se aplicar em qualquer ponto do Planeta, em qualquer época na história.

A cidade renascentista é uma condição idealizada, como é o caso da famosa


Utopia, obra do renascentista Thomas Morus, publicada em 1516, em que descre-
ve uma sociedade ideal que se desenvolveria em uma ilha.

Diferente da forma retangular ou quadrada que se estabeleceu na tradição


clássica do desenho urbano grego e romano, a cidade regular do Renascimento
tendeu à forma circular – geralmente uma planta em forma de círculo ou octógono.

O interior variava de autor para autor: alguns propuseram o traçado tradicional


em forma de tabuleiro de damas, enquanto outros seguiam o raciocínio de dispor
as vias internas também de modo radiocêntrico.

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Figura 9 – Sforzinda, a cidade ideal imaginada por Filarete, em 1465
Fonte: Wikimedia Commons

O motivo da maior parte dessas ideias jamais ter saído do papel se dá porque
a maior parte das cidades eram antigas, fundadas a partir da Idade Média ou
mesmo anteriormente.

Foram poucos os centros urbanos que surgiram do zero. Entre as raras expe-
riências práticas e realizadas, podemos destacar a Cidade de Palmanova, que foi
fundada em 1593 em função de necessidades militares.

Figura 10 – Vista aérea da Cidade de Palmanova hoje


Fonte: historiablog.org

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UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

Figura 13 – Planta de Palmanova, Itália, por Scamozzi


Fonte: Wikimedia Commons

O uso da perspectiva visa criar uma hierarquia nos elementos urbanos por meio
do destaque dado aos considerados mais importantes, tais como edifícios singulares
e monumentos, colocando-os no ponto focal de uma perspectiva. Assim, ruas e
avenidas são retilíneas, enquanto que as linhas dos edifícios em torno e o ritmo dos
elementos repetitivos – como colunatas e aberturas – intensificariam esse efeito da
perspectiva, dirigindo nosso olhar para o elemento principal.

Tal ferramenta ainda é muito utilizada para enfatizar monumentos ao fim de vias
ou no centro de praças, como é o caso, por exemplo, do Obelisco do Ibirapuera,
em São Paulo.

Considerações Finais
Vimos nesta Unidade a contextualização do Renascimento e sua influência
na Arquitetura.

Essas contribuições foram intensificadas no período barroco, em que o desenho


urbano teve um avanço significativo.

Na Arquitetura, seguindo o caminho iniciado por arquitetos maneiristas como


Michelangelo, veremos a lenta desestruturação da ordem e placidez da arquitetura
clássica renascentista.

Lentamente, as regras compositivas rígidas foram desafiadas e o espaço


facilmente legível se deformou, criando jogos de luz e sombra, brincando com as
escalas e constituindo uma atmosfera de instabilidade emocional, típica do período
sócio-político que o produz.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Estética e História da Arte
https://goo.gl/7GG4yw
História Moderna
https://goo.gl/1i7XeX

Vídeos
Filosofia do Renascimento
https://youtu.be/bnk1FLOS_LQ
A Cúpula de Brunelleschi
https://youtu.be/C83OKYj5GEw

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UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico

Referências
ARGAN, G. C. História da Arte como história da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.

BARBOSA, R. F. Explorando as villas de Palladio: uma leitura contemporânea


sobre composição arquitetônica. 2005. Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2005.

GLANCEY, J. A história da Arquitetura. São Paulo: Loyola, 2007.

GOMBRICH, E. H. História da Arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

LAMAS, J. M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. 2. ed. Lisboa:


Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

MARTON, P.; WUNDRAM, M.; PAPE, T. Palladio – obra arquitectónica


completa. Köln: Taschen, 2008.

MIGUEL, J. M. C. Brunelleschi: o caçador de tesouros. Portal Vitruvius –


Arquitextos, set. 2003. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/
arq040/arq040_02.asp>. Acesso em: 17 jan. 2018.

PEREIRA, J. R. A. Introdução à história da Arquitetura – das origens ao século


XXI. Porto Alegre, RS: Bookman, 2010.

PEVSNER, N. Panorama da Arquitetura ocidental. 2. ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2002.

PROENÇA, G. A história da Arte. São Paulo: Ática, 2000.

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