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Linguagens Contemporâneas:

Instalação e Arte Urbana


Material Teórico
Land Art, Site Specific e Intervenção

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Miguel Luiz Ambrizzi

Revisão Textual:
Profa. Ms. Fátima Furlan
Land Art, Site Specific e Intervenção

• Introdução
• Land Art – Aspectos Conceituais, Históricos e Desdobramentos
• Site-Specific – Aspectos Conceituais, Históricos e Desdobramentos
• Intervenção Artística Urbana – Repensando a Arte Pública
• Conclusão

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Conhecer e compreender os aspectos conceituais das obras de land
art, site specific e intervenções artísticas urbanas;
· Abordar a origem das obras de land art, site specific e intervenções
artísticas urbanas na história da arte e como foram seus desdobra-
mentos nas últimas décadas do século XX e início do século XXI;
· Compreender como se dá as relações entre a obra de arte e o espaço
expositivo através da adequação e integração da obra de arte ao
espaço urbano onde ela se encontra;
· Conhecer obras emblemáticas da land art, site specific e intervenções
artísticas urbanas na produção artística contemporânea internacional
e brasileira.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Contextualização
Para iniciarmos essa unidade, convido você a conhecer um pouco sobre as relações entre
Explor

arte, política e a esfera pública.


https://goo.gl/oKBQWg
Lá você encontrará textos sobre a intervenção urbana e poderá conhecer vários artistas e
coletivos de artistas que realizam trabalhos no Brasil, dentre eles: GRUPO GIA, Esqueleto
Coletivo e EIA – Experiência Imersiva Ambiental.

O importante nesse momento é você verificar como que há uma infinidade de


possibilidades de relações entre a arte e o espaço urbano, onde os artistas utilizam
diferentes técnicas, materiais e suportes para realizar suas intervenções, transfor-
mando a percepção do local, gerando inquietações, reflexões e críticas sociais,
ambientais, políticas e estéticas.

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Introdução
Foi a partir dos anos 1960 que a arte intensificou as mudanças de concepções
da própria arte através do rompimento das fronteiras entre as linguagens artísticas
através de obras híbridas e também por meio da ocupação do espaço expositivo
com as instalações. Rompimento ainda maior se deu pela ruptura das paredes das
galerias e museus, onde a arte passou a “habitar”, a se “instalar” e “incorporar-se”
à natureza e ao espaço urbano, ou seja, os espaços fora das instituições artísticas
que legitimam a arte.
É sobre essas rupturas que vamos falar nessa unidade, sobre os conceitos de:
land art, site-specific e intervenção urbana.

Land Art – Aspectos Conceituais,


Históricos e Desdobramentos
Dos ambientes e instalações irá derivar a land art (arte da terra), uma arte
que inaugura a sua relação com o ambiente natural. Trata-se, conceitualmente, de
intervenções sobre a natureza e na natureza que busca a ênfase no processo mental
em detrimento da fisicalidade. A paisagem não é representada através de pinturas
e fotografias, por exemplo, mas é o lócus onde a arte irá se instalar, se enraizar.
Para Tufnell (2006), Land art é “caracterizada por uma interação imediata e
visceral com a paisagem, a natureza e o ambiente.” O termo surgiu em função de
trabalhos feitos no final dos anos 60 em áreas desérticas dos Estados Unidos, como
define Weillacher (1999: 11): “o nome dado a um movimento de arte que surgiu
nos Estados Unidos no final dos anos 60, em que a paisagem e a obra de arte estão
indissociavelmente ligadas.”
Historicamente, a Land art não foi um movimento isolado no período. Weillacher
(1999) ressalta que ocorreram outros movimentos artísticos como o Minimalismo e
a arte Conceitual e que esses três se relacionam por serem movimentos que refletem
o contexto histórico da época, contestando os problemas dos anos 60. Por mais
que Weillacher afirme que os três movimentos são independentes, outros autores
como Kastner e Wallis (1998) sugerem que o Minimalismo e o Conceitualismo
foram movimentos que influenciaram o surgimento da Land art ao afirmarem:
“Land art representa a apoteose do formalismo e a evolução do Minimalismo.”
Segundo Cacilda Teixeira da Costa, sua origem enquanto movimento se deu
“em 1968, com a exposição Earth Works (trabalhos da terra), tendo como ponto
de partida as reflexões minimalistas de Robert Morris, Carl André e Dan Flavin
que sublinharam o procedimento, a matéria e o papel do lugar no resultado da
obra” (2004: 66). E acrescenta: “a partir daí, popularizou-se a expressão site
specifics, em referência aos trabalhos feitos para um determinado lugar e que
incorporam o entorno onde estão instalados” (idem), conforme veremos mais
adiante nesta unidade.

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Este movimento não ocorreu apenas nos Estados Unidos nos finais dos anos
1960, mas também em partes da Europa, uma época cujo contexto histórico era
conturbado e com muitas manifestações da contracultura que expressavam sua
insatisfação popular.

Ainda sobre o contexto histórico do ano 1968, surgimento da land art, podemos
citar, resumidamente:
• Auge da Guerra Fria nos Estados Unidos e Guerra do Vietnã com o maior
número de vítimas;
• Insatisfação popular e manifestações antiguerra e a favor dos direitos civis
após os assassinatos de Martin Luther King e Robert Kennedy.
• Manifestações semelhantes na Europa referentes ao descontentamento popular
com os distúrbios generalizados que ocorriam na Tchecoslováquia.
• Na França, atividades engajadas da Situationist International (SI) a favor de
uma mudança revolucionária.
• Ameaça nuclear que causava tensão e medo de uma possível aniquilação
global: protestos de fundo ecológico e campanhas geradas pelas relações entre
arte e ecologia.
• Após as primeiras publicações de imagens da Terra feita do espaço, após a
chegada do homem à lua, tivemos mudanças sobre como o homem via a Terra.
• Consciência de que os recursos naturais não são inesgotáveis.

Desta forma, a land art surgirá também como mais uma forma de contestação
ao capitalismo promovido pelas galerias de arte e que, de acordo com os artistas
deste movimento, elas só estavam interessadas e dando valor aos trabalhos de arte
sem conteúdo, se importando apenas com a arte feita para ser consumida e não
para ser apreciada.

Os artistas da land art foram radicais ao máximo quando se manifestaram a fa-


vor de um novo tipo de arte que estivesse fora desse mercado capitalista dos museus
e galerias. Foram radicais porque se afastaram totalmente ao criar suas obras direta-
mente nas paisagens isoladas: nos Estados Unidos os artistas realizaram suas obras
nos desertos do oeste do país e na Europa em paisagens naturais mais afastadas.

As obras da land art são realizadas diretamente na paisagem, não em estúdio ou


galeria. E, com isso, há um paradoxo, pois os artistas afirmam que é necessária a
presença do espectador na obra e da relação e contato físico com o entorno para
que possamos ter as apreensões e compreendermos as intenções do artista com a
obra. Portanto, ao conhecermos as obras por fotografias, vídeos ou por pequenas
partes que são trazidas para o museu, não estamos tendo a percepção estética total
da obra. De acordo com a Enciclopédia Itaú Cultural:

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O trabalho artístico dirige-se à natureza, transformando o entorno, com o
qual se relaciona intimamente. As obras, de grandes dimensões, resistem
à observação distanciada, a não ser por meio de fotografias e filmes.
Para experimentá-las, é preciso que o sujeito se coloque dentro delas,
percorrendo os caminhos e passagens que projetam. Ancorados num
tempo e espaço precisos, os trabalhos rejeitam a sedução do observador
ou as sugestões metafóricas. Põem ênfase na percepção, pensada como
experiência ou atividade que ajuda a produzir a realidade descoberta. O
trabalho de arte é concebido como fruto de relações entre espaço, tempo,
luz e campo de visão do observador.

Portanto, foi perto dos finais da década de 1960 que alguns artistas começaram
realizar trabalhos fora das galerias e museus de arte americanos, deslocando-os
para lugares muito distantes como as montanhas do Nevada, Utah, Arizona e Novo
México. O espaço físico dos desertos, lagos, canyons, planícies e planaltos foram
os lugares preferidos dos artistas como Michael Heizer (1944), Robert Smithson
(1938-1973), Dennis Oppenheim (1938-2011) e Robert Morris (1931) e Christo
& Jeanne-Claude nos Estados Unidos e Richard Long (1945) e Walter de Maria
(1935-2013) na Europa.

O autor Manfred Schneckenburger ressalta que esses trabalhos feitos em gran-


de escala foram criados com a utilização de escavadoras e caminhões para alterar
a paisagem, criando abismos na terra ou até para construir grandes rampas. Para
ele, tivemos uma grande expansão da arte enorme, pois a paisagem, a formação
do terreno, o horizonte, o tempo e a erosão se tornaram mais autênticos. Numa
análise crítica da land art, Manfred questiona: “Será a Land Art, como não tar-
dou a ser chamada, simplesmente uma invenção brutal na vastidão virgem do
Oeste? Ou será um protesto contra a alienação da natureza como uma tendência
de fuga no sentido de reparação ecológica?” (2010: 543). O autor não responde
tais questões, mas as deixa em aberto. Entretanto, as obras da land art possuem
relação direta com a estética minimalista: espirais e círculos na terra, mas em
grande escala.

Há ainda, por se tratar da arte na paisagem, uma referência que os autores


e historiadores da arte sempre citam: as atmosferas românticas, as associações
cósmicas da natureza, os aspectos míticos dos lugares e a noção de contemplação
da natureza em suas imagens de vastidão, de panoramas que têm relação direta
com as pinturas (landscapes art) do século XVIII e XIX. Ou seja, há uma tradição
do romantismo alemão e inglês, cujos artistas Caspar David Friedrich e William
Turner são expoentes. Não se trata de referências da representação da paisagem,
mas agora de uma intervenção direta nessas grandes paisagens.

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Importante! Importante!

Podemos confundir os termos land art com landscape art. Ambos os termos possuem
relação com a arte e o ambiente, mas são definições distintas. O termo landscape
art (arte da paisagem) é mais amplo e, geralmente, pode ser utilizado quando faz
referência a qualquer obra que estabeleça relações entre arte e paisagem: uma
pintura representativa de paisagem do século XIX, uma escultura feita com troncos
de árvores de Frans Krajcberg, ou até a própria land art, por exemplo. Muitas vezes o
termo land art é utilizado, equivocadamente, como abreviação do termo landscape art.
No entanto, podemos dizer que a land art é uma forma de landscape art, pois esta se
refere a qualquer expressão artística que tenha como referência a paisagem. Porém, não
podemos afirmar o contrário, pois conforme esclarecimento de Tufnell: “é claro que é
possível dizer que uma pintura também representa uma interação com a paisagem, mas
Land Art é primeiramente física e não representativa, diferente das formas tradicionais
de landscape art. Não é simplesmente uma escultura colocada na paisagem, mas um
conjunto de ações que engloba a atitude com o sítio e a experiência que vai além do
objeto, enfatizando a paisagem em que a escultura está inserida (2006)”.

As referências estéticas estão mais voltadas para o minimalismo e também para


a arte primitiva, pois os artistas utilizavam os próprios elementos da natureza para
reorganizá-los em diferentes disposições que não fossem as comuns. Portanto,
organizavam grandes rochas construindo círculos megalíticos com referências às
estruturas do calendário indiano ou até aos enormes pictogramas do deserto da
costa do Peru (Schneckenburger, 2010: 544).

Os autores que estudaram a land art desenvolveram diversas classificações


para os trabalhos, as quais foram estabelecidas de acordo como cada projeto
interage com a paisagem, considerando aspectos visuais, conceituais, operacionais
e históricos. Tufnell (2006) irá classificar os trabalhos de acordo com as formas
de manipulação da paisagem que são: destrutivas, reverenciais, ritualísticas,
construtivas, conceituais e efêmeras. Outros autores como Kastner e Wallis (1998)
classificaram os trabalhos de land art e de arte ambiental (environmental art) de
acordo com as diferentes formas de interação da arte com a paisagem, dentre os
quais destacamos: integração, interrupção, envolvimento e implementação. Essas
classificações serão apresentadas a seguir, juntamente com a apresentação dos
artistas e suas produções.

Os artistas Michael Heizer, Robert Smithson, Dennis Oppenheim e Robert


Morris trabalharam com a remoção de enormes quantidades de terra. Sobre esses
trabalhos de remoção de toneladas de terra e de seixos, Schneckenburger afirma:
a força primordial do cenário, o desnudar das camadas geológicas, a
exposição à erosão e aos efeitos climatéricos, o envolvimento corporal
dos humanos nas profundezas artificiais e nas alturas monumentais dos
seus trabalhos, colocam-nos entre a história natural e a história da arte
(2010: 544).

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Com a obra Negativo Duplo (1969) realizada na Mórmon Mesa no deserto do
Nevada, Michael Heizer elevou o nível da intervenção na paisagem natural, pois
ele removeu 240.000 toneladas de terra, criando duas fendas que estavam frente-
a-frente em ângulos totalmente retos ao contorno do palco natural.

A obra Double Negative (Negativo Duplo) de Heizer é considerada por Kas-


tner e Wallis (1998) como um trabalho de integração. Os trabalhos de land art
classificados por integração são os que possuem as características de manipu-
lação da paisagem como se ela fosse a própria matéria prima da obra, sem adi-
cionar materiais que não são do próprio ambiente. O artista remove, reorganiza
e realoca os materiais naturais do local, criando esculturas minimalistas em sua
forma, criando formas geométricas que enfatizam os próprios materiais naturais e
a sua relação com o lugar. Os trabalhos de integração geralmente possuem escala
monumental, evidenciando a relação que há entre as características do sítio e a
intervenção humana.

Figura 1 – Michael Heizer, Negativo Duplo.1969


Fonte: Wikimedia Commons

Heizer, em uma entrevista, em 1984, explicou as suas intenções ao projetar


Double Negative e os conceitos existentes na obra:
“Em Double Negative, há uma implicação com um objeto ou uma forma
que na verdade não está lá. A fim de criar uma escultura, o material foi
removido ao invés de acumulado. A escultura não é um objeto escultural
tradicional. Os dois cortes são tão largos que há uma ilusão de que estão
juntos como uma única forma. O título Double Negative é uma descrição
literal de dois cortes, mas existem implicações metafísicas, pois um
negativo duplo é impossível. Não há nada lá, mas ainda é uma escultura.”
(KASTNER; WALLIS, 1998: 54)

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Michael Heizer, segundo Tufnell (2006), é um dos artistas que melhor exemplifica
a Land art, demonstrando a complexidade e as contradições do movimento. Para
Heizer, “A arte precisa ser radical. Precisa se tornar americana” (BEARDSLEY,
1998: 13). Portanto, Heizer propôs uma nova sintaxe para a escultura, partindo
de uma nova ideologia que fizesse com que a escultura estivesse fora dos padrões
das galerias e museus. Com isso, ele alterou as possíveis conexões da escultura com
o espaço aberto, da escultura com a arquitetura, criando obras que convidassem
os visitantes a caminharem sobre ela, como se estivessem num prédio, numa
construção arquitetônica. A grande escala da obra se completa com a imensidão
da escala da paisagem desértica.

Robert Smithson é outro artista referência dos trabalhos de land art, trabalhando
com intervenções diretas na paisagem. Como estratégia expositiva, Smithson e os
demais artistas traziam para o museu fotografias que registravam as obras nas
paisagens, mas Smithson começou a também expor mapas e pedaços dos materiais
que foram utilizados no local original da obra. Dessa forma, as pessoas poderiam
ter uma noção superficial da grandiosidade das suas obras.

Figura 2 – Robert Smithson, Rocks and Mirror Square, 1969-71


Fonte: SMITHSON, Robert

No entanto, a obra mais famosa de Robert Smithson, e talvez a mais icônica da


land art é a Spiral Jetty, feita em 1970 no Great Salt Lake, em Utah, nos Estados
Unidos. A obra consiste em uma enorme espiral feita com seixos de basalto negro
que saem da área terrestre numa linha que tem 450 metros aproximadamente e
adentra a água.

O processo de realização da obra foi feito com dois caminhões basculantes, um


trator e uma carregadeira que foram levados ao local para executar uma escavação
que durou cerca de 290 horas e mais 625 horas de trabalho braçal movendo 6.650
toneladas basalto e terra e formando a escultura de 450 m de comprimento.

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Sobre as questões e escolhas formais desta obra, Sawada afirma que:
o formato de espiral foi por influência da topografia local. Para Smithson,
um projeto em conformidade com a natureza deve extrair as melhores
características do sítio, aprimorando o trabalho sobre ele e Spiral Jetty
é um exemplo dessa relação entre arte e paisagem. Ao observar o sítio,
Smithson percebeu que além do caráter místico do local, a espiral também
reflete a formação circular dos cristais de sal que cobrem as rochas; “Cada
cristal de sal ecoa a Spiral Jetty em termos de modelo molecular. (...)
A Spiral Jetty poderia ser uma camada dentro da estrutura espiral dos
cristais, ampliada trilhões de vezes.” (2011: 65)

No período da construção deste trabalho, o nível da água do lago estava abaixo do


normal devido uma seca. Porém, em alguns anos, o nível da água voltou ao normal
e cobriu o trabalho por quase três décadas. Por isso, o trabalho periodicamente
re-emerge do lago.

Figura 3 – Robert Smithson, Spiral Jetty, 1970


Fonte: Wikimedia Commons

Pelas características do local, de acordo com as marés altas e baixas, a obra


aparece e desaparece. Para Arthur Danto, em seu artigo “O Sublime Americano”,
essa espiral, quando olhada de cima, se assemelha a “um cajado de bispo com uma
virada peculiarmente ornamental. Tem a característica de desaparecer e reaparecer,
o que de certa forma lhe dá um toque mágico.” (DANTO, 2005). Segundo Luciana
Bosco e Silva (2009: 63), “a obra foi submersa e emergiu várias vezes coberta
por uma densa pátina de cristais de sal, proveniente do Great Salt Lake, até sua
desaparição”. E acrescenta: “a cada emersão, a obra se recriava e trazia em si um
novo arrebatamento aos poucos felizardos que a visualizavam, já que se encontra
em local de difícil acesso, sendo visível somente quando se alcança a margem do
lago” (idem). Smithson foi atraído para o lugar porque existiam microorganismos
que alteravam a coloração da água deixando-a mais avermelhada, ou seja, um local
propício para uma obra em constante alteração.

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Outras obras de Smithson tal como a Broken Circle (1971) seguem na mesma
estrutura, ou seja, com a remoção/deslocamento de terra, num jogo entre terra e
água, com símbolos gráficos mínimos.

Figura 4 – Robert Smithson, Broken Circle, 1971


Fonte: Wikimedia Commons

Essas obras de Smithson e de outros artistas da land art nos permitem compre-
ender que a natureza não é somente o lugar onde a obra se instala, o lugar em que
se dá a experimentação artística. A natureza também tem papel fundamental ativo
na composição da obra, ela se configura como um agente da obra de arte: as varia-
ções do tempo que se dão pelas chuvas, estações do ano, as erosões, etc., acabam
modificando as características das obras. E, é justamente por esses fatores, que as
obras de land art, por mais que sejam imponentes pelas suas escalas e pesos dos
materiais que as constituem, elas não são perenes, eternas, mas estão em constan-
te mudança pela própria natureza. Os aparatos tecnológicos de registro de imagem
é que poderão garantir uma fixação imagética das várias configurações e alterações
que as obras vão sofrendo ao longo do tempo, permitindo uma ampliação de in-
terpretações destas obras. De acordo com Cacilda Teixeira da Costa, essas obras
“desejam romper com o mito artístico, mas cada artista imprime à sua natureza
a marca de sua subjetividade, apropriando-se dela de modo estético” (2004: 66).

Porém, as obras de Smithson também possuem um caráter político, tal como


podemos ver no comentário crítico de Scheneckenburger:
O último trabalho de Smithson, Amarillo Ramp, no Texas é não só um
monumento numa região despovoada, mas também uma passagem para o
lago artificial de Tecovas com os seus depósitos subterrâneos de hélio. Não
é por coincidência que os projetos favoritos de Smithson são a reativação
artificial de zonas mineiras abandonadas: espaços pós-industriais sujeitos
às forças da natureza. A sua versão da Land Art também derivou de uma
estratégia social e era assim tudo menos uma forma de fuga (2010: 544).

Outros artistas como Robert Morris e Dennis Oppenheim também são referências
da land art. Morris realizou a obra Observatório (1977) em Oostelijk Flevoland,
Holanda, uma construção circular que remete ao monumento de Stonehenge.

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Figura 5 – Robert Morris, Observatório, 1977
Fonte: Wikimedia Commons

A obra Observatório foi o primeiro trabalho de land art de Robert Morris.


Segundo Sawada (2011: 67), “inicialmente elaborado próximo à cidade costeira
de Velsen, para a exibição Sonsbeek 71, na Holanda, o trabalho foi demolido após
a conclusão da exposição”. No entanto, destaca que “com considerável apoio do
governo holandês e suporte dos patrocinadores originais, foi reconstruído numa
área de diques do golfo Zuider Zee”.

Para realização dessa obra, Morris utilizou terra, madeira, aço, granito e água e
construiu dois anéis de terra concêntricos. Com aproximadamente 70 metros de
diâmetro, o anel interior foi feito a partir de um aterramento contra um anteparo
de madeira de forma circular. A circunferência exterior consistia em três aterros e
dois canais. Há uma passagem triangular feita para ser a entrada da obra, colocada
na direção para o oeste, formada por um corte no aterro da circunferência
externa. De acordo com Sawada: “uma vez dentro da circunferência maior, três
outras aberturas são visíveis. A primeira aponta a leste, ao longo de dois canais
paralelos que acabam em duas placas de aço”. Essa estrutura circular possui um
“intervalo entre as chapas marca a posição do sol no equinócio. As duas outras
aberturas marcam os pontos do amanhecer do solstício de verão e de inverno
respectivamente” (2011: 68).

Este trabalho de Morris, bem como os trabalhos de Smithson são exemplos


do que Kastner e Wallis (1998) definiram como os trabalhos de land art de
interrupção, por não utilizarem somente elementos que estão na natureza. Esta
denominação foi aplicada a trabalhos que envolvem tanto o ambiente quanto a
ação humana, mas especificamente os que se dão pela inserção de elementos
que não são naturais na paisagem ou pelo rearranjo de elementos já existentes no
ambiente. A categoria de interrupção pode ser compreendida nesses trabalhos que
vimos até agora, pois ela é definida pelas atividades de enquadrar, movimentar ou
aproveitar os elementos naturais com o uso de substâncias fabricadas, estruturas
ou máquinas, ou seja, materiais empregados feitos pelo homem para construírem
obras grandiosas que correspondessem à imensa escala do ambiente. Assim como

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ressalta Sawada “através da interrupção da paisagem, os artistas enfatizam as


características transgressoras da atividade humana, questionando a definição do que
é natural e criticando a exploração terrestre realizada em nome do desenvolvimento
industrial e urbano” (2011: 45).

Dennis Oppenheim segue na sequência de trabalhos com as formas circulares


numa paisagem coberta pela neve com o auxílio de máquinas que são utilizadas para
cortar gelo ou mover as quantidades de neve nas cidades. Em outros trabalhos o
artista fazia grandes padrões lineares em campos de cereais como o trigo utilizando
máquinas de ceifar. Esses “recortes” feitos nos campos que estavam com cereais
prontos para colheita “impedindo qualquer venda do trabalho, comparando esta
situação a um embargo à evolução do poder ilusório do pigmento bruto sobre a
tela” (SCHNECKENBURGER, 2010: 545)

Figura 6 – Dennis Oppenheim, Anéis Anuais, 1968


Fonte: Wikimedia Commons

Figura 7 – Dennis Oppenheim, Directed Seeding, 1969


Fonte: OPPENHEIM, Dennis

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Outra categoria de land art definida por Kastner e Wallis (1998) é a de envolvi-
mento. Esta categoria consiste nos trabalhos que foram o artista como um ato in-
dividual em relação direta com a natureza. Alguns artistas utilizam seus corpos para
fazer uma relação performática com o ambiente, transferindo a escala dos trabalhos
para a forma humana, como a série Silhuetas da artista cubana Ana Mendieta.

Figura 8 – Ana Mendieta, Figura 9 – Ana Mendieta,


Silhouete series (México), 1977 Silhouete series (México), 1977
Fonte: MENDIETA, Ana Fonte: MENDIETA, Ana

Envolvimento também é uma catego-


ria definida por trabalhos que enfatizam a
ligação com a terra criando formas con-
temporâneas de rituais. A obra pode in-
cluir ações praticadas pelo artista, como
uma caminhada através do campo, ali-
nhando sutilmente elementos presentes
no caminho para marcar sua passagem e
apresentando documentação fotográfica
de suas jornadas, tal como o trabalho de
Richard Long.
A categoria envolvimento na obra de
Richard Long está presente pelo fato de
que a natureza e estrutura do seu traba-
lho é o ato da caminhada. Long propõe
a si mesmo tarefas como andar em linha
reta ou andar durante um tempo deter-
minado, recolher elementos orgânicos e
reorganizando-os em composições geo- Figura 10 – Richard Long, A Line
métricas e lineares no próprio lugar ou Made by Walking, 1967
também levando consigo para o museu. Fonte: Wikimedia Commons

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Outra categoria de trabalho de land art é a implementação, que consiste


na definição dos trabalhos que se baseiam em questões ambientais. Através de
promoção da “ecologização” da arte, as obras são realizadas buscando refletir
sobre o desenvolvimento industrial, questões da agricultura comercial em massa,
expansão urbana, problemas ambientais gerados pela intervenção científica aos
processos naturais, aquecimento global, poluição, etc. Esses trabalhos englobam
as relações humanas com o ambiente natural baseadas na percepção do ambiente
natural existente e da sua exploração, desperdício e destruição. Um exemplo de
implementação é o trabalho 7000 OAKS de Joseph Beuys, realizado para a
Documenta 7 de Kassel, em 1982.

Com forte expressão performática, Beuys propôs a plantação de 7000 carva-


lhos por toda a cidade de Kassel, buscando uma comunicação simbólica com a
natureza. A última árvore foi plantada 18 meses após sua morte, na abertura da
exposição Documenta 8, em 1987, por seu filho Wenzel Beuys. Sobre este traba-
lho, o artista afirmou:
Eu acredito que plantar essas árvores é importante não somente nos
termos da biosfera, o que quer dizer no contexto da matéria e da ecologia,
mas aumentar a consciência ecológica e elevá-la cada vez mais no decorrer
de anos, porque nós esperamos nunca parar de plantar1.

Figura 11 – Joseph Beuys, 7000 OAKS (plantando a primeira árvore), 1982


Fonte: www.phaidon.com

1 Joseph Beus citado por Johannes Stüttgen, 1982. In KASTNER, WALLIS, 1998, p.164

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Figura 12 – Joseph Beuys, 7000 OAKS, 1982
Fonte: tate.org.uk

A seguir, veremos como que esses elementos conceituais e operacionais da


land art foram influenciando novas tendências da arte contemporânea que traba-
lharam com as relações da arte com o espaço, da arte com a paisagem e com a
noção de lugar.

Site-Specifi c – Aspectos Conceituais,


Históricos e Desdobramentos
O conceito de site-specific tem suas referências teóricas baseadas na
fenomeno-logia da percepção, mais especificamente à percepção espacial de
Maurice Merle-au-Ponty, a qual propôs uma noção de espaço diferente da que
encontramos no período moderno. Tal noção fenomenológica do espaço
propõe que a paisagem arquitetônica e natural seja incorporada ao campo da
arte, onde os artistas e o público fossem indivíduos participantes ativos da
obra, estabelecendo conexões sensoriais através dos elementos visuais e das
sensações coletadas no lugar onde a proposta artística estivesse inserida.
Segundo Miwon Kwon, o espaço idealizado, puro e incontaminado dos
modernismos dominantes foi radicalmente substituído pela materialidade da
paisagem natural ou do espaço impuro e ordinário do coti-diano. (...) O trabalho
site-specific em sua primeira formação focava no estabelecimento de uma
relação inextricável, indivisível entre o trabalho e o site, e exigia a presença física
do espectador para completar o trabalho (KWON, 2004).

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Com influências do Minimalismo, as obras-instalações de Carl André, de Donald


Judd, de Morris e de Dan Flavin, além das obras de land art instaladas na paisagem
natural mudaram a forma de olhar o mundo. Com isso, precisaríamos refletir sobre
essa mudança e sobre como vemos o mundo que se integra e empresta elementos
para as novas obras de arte.

O termo site-specific, traduzido para a língua portuguesa por sítio específico,


se refere às obras de arte que foram e são criadas de acordo com o ambiente
ou um espaço específico, determinado. Esses trabalhos artísticos são, geralmente,
planejados e resultantes de um convite que possui a particularidade de que os
elementos que irão compor a obra dialoguem com o meio circundante, ou seja, para
o local em que a obra será incorporada, para o local onde a obra será elaborada. É
por isso que o conceito de site-specific está diretamente associado à ideia de arte
ambiente, outra tendência da arte contemporânea que dialoga com o espaço da
galeria, do ambiente natural ou urbano, através da incorporação deste espaço à
obra ou vice-versa, transformando-o. O site-specific é um termo e uma tendência
artística que também se relaciona com a land art, pois ela inaugurou a relação da
arte com o ambiente natural.

Com as obras de land art e de site-specific nós pudemos compreender o


espaço a partir de outro prisma: o espaço não é somente o lugar onde as coisas
acontecem, mas também são as coisas que fazem o espaço acontecer e existir.

É importante compreender que os trabalhos artísticos de site-specific não


correspondem somente aos trabalhos relacionados com a escultura, mas podem
também serem realizados com outras linguagens como performances, ambientes
e instalações. Independente das técnicas e materiais, o conceito maior de site-
specific pode ser mais amplo, no que diz respeito às obras que “pensam” o espaço,
que são elaboradas para aquele espaço determinado, transformando-o.

Erika Suderberg trabalha com a definição do termo site-specific também pela


derivação histórica das obras do minimalismo e da land art feitas pelos artistas
das décadas de 1960 e 1970, cujo local – o site – é em si uma parte inerente à
experiência da obra de arte. No entanto, essas obras de site-specific reclamam
para si a especificidade com o local onde eram apresentadas, mas também exigem
outra relação com o corpo do espectador, possibilitando uma nova tomada de
consciência que ele teria do espaço onde se encontrava, mas agora partilhado com
obras de arte.

Reese Greenberg ressalta que o termo site-specific é utilizado para descrever


projetos artísticos individuais, e que a localização da obra é uma característica in-
dispensável para o seu significado.

No entanto, será com Miwon Kwon que vamos ter uma genealogia da especifi-
cidade do lugar (site-specificity), onde ela enumerou quatro fatores principais que
teriam gerado essa consciência do espaço real através da integração da obra de
arte nele:

22
1. A necessidade, por parte da vanguarda artística, de ir mais além dos
limites impostos pelos meios tradicionais (pintura e escultura), bem como
dos locais convencionais de exposição;
2. O desafio em transpor o significado do objeto artístico para o contexto
onde ele se inseria;
3. A reestruturação do sujeito enquanto ser capaz de uma relação
e experiência real e física com a obra de arte no espaço onde ambos
se encontram;
4. E a vontade consciente, por parte dos artistas de vanguarda, em resistir
ao sistema convencional de circulação de obras de arte como produtos
transportáveis e meramente comerciais (apud AZEVEDO, 2008: 25-26).

Quando falamos sobre uma nova visão e concepção do espaço pelas obras site-
-specific que diferenciam da noção de espaço modernista, o autor Douglas Crimp
será referência para essa compreensão. Nas obras do Minimalismo (dentro do mu-
seu) ou da Land Art (fora do museu – extremamente isolada) vimos que o espaço/
lugar era uma extensão estética e física das obras de arte. Crimp irá defender a ideia
de que é preciso que o lugar seja reconhecido e aceito como “socialmente espe-
cífico”, rompendo, portanto, com a ideia de isolamento e distanciamento que era
presente na land art. Para ele, é através dessa noção de “socialmente aceito” que
se fará uma ruptura com o idealismo modernista, caminhando para o que seria a es-
pecificidade do lugar na arte contemporânea, na direção do pós-modernismo. Esta
noção de Crimp é essencial para entendermos a expansão da noção de lugar – site
– presente nas práticas artísticas recentes, pois, segundo Azevedo: “reportando-se a
uma grande variedade de manifestações, o lugar específico de uma obra pode agora
não ser apenas o espaço físico e real onde ela se encontra, mas sim um lugar virtu-
al (uma ideia, um debate, uma manifestação, etc.)” (2008: 26). Ou seja, há várias
noções e relações que a arte pode estabelecer sobre e com o espaço que buscam
demonstrar que a própria noção de lugar – site – não é estanque, e que a
definição de site-specificity (de Kwon) deve ser expandida de modo a abar-
car a relação da obra de arte com uma variedade de espaços/locais já não
definidos apenas em termos reais, físicos, mas através de um conjunto de
fatores formais, sociais, históricos, funcionais, políticos, entre outros, que
cada artista escolhe explorar, ou não, no seu trabalho site-specific (idem).

O que vemos, portanto, é uma aproximação do termo site specific a vários


outros, pois há uma variedade de trabalhos que dialogam com o espaço além
da galeria e do museu. Ainda é possível relacionarmos as obras/instalações de
site specific à noção mais ampla de arte pública, pois ela designa as produções
artísticas realizadas fora dos espaços mais tracionais como a galeria e o museu.
Essas obras que dialogam com o espaço externo aos museus e galerias trabalham
com a ideia de ser uma arte que seja fisicamente acessível, que saia das instituições
e vá ao encontro do público, através da modificação da paisagem, seja de modo
permanente ou temporário.

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

A propósito, vamos conhecer um


trabalho do artista Richard Serra (1939)
que explorou a relação com o ambiente
através da intervenção no espaço urbano,
modificando a relação das pessoas com
o mesmo. A obra Tilted Arc, de 1981,
causou polêmica ao ser inserida no espaço
para o qual ela foi produzida, a Federal
Plaza, no sul de Manhatan em Nova
Iorque. A obra consiste numa grande
placa de metal, uma “parede” gigantesca
que foi encomendada pelo órgão Federal
General Services Administration. Para
elaborar esse trabalho, o artista Richard
Serra examinou todas as dimensões do
local, o desenho da praça, a arquitetura e Figura 13 – Richard Serra, Tilted Arc, 1981
o fluxo diário dos transeuntes. Fonte: tate.org.uk

O órgão responsável pela encomenda, financiamento dez anos antes e segurança


desta obra de arte foi ele mesmo responsável pela sua remoção. A Federal General
Services Administration, concluiu que a escultura exercia um papel opressor no
espaço e, após uma disputa judicial que durou 4 anos, em 1999 a escultura foi
desmontada e armazenada pelo governo. Com a história dessa obra e com a frase
de Richard Serra que diz: “Remover a obra é destruí-la”, podemos compreender
como a prática do site-specific radicalizou a sua relação com o lugar para onde ela
é concebida. O artista pediu para que seu nome fosse dissociado da obra.

Essa obra de Serra se insere numa produção mais ampla que também possui as
mesmas características formais com placas de metal gigantes instaladas em locais
públicos ou privados. Porém, não se trata, portanto, de uma novidade.

Segundo Daniel Buren “O que é novo, em compensação, é a recusa irrevogável


de Serra em ceder aos pedidos de transferência da obra, fato que em muitos casos
similares jamais pareceu lhe causar problemas muito sérios, nem uma posição
intransigente e irreversível” (BUREN, 2001: 171). O fato de Serra recusar a
transferência da obra, portanto, mostra a convicção do artista sobre a concepção
da sua obra. No entanto, deixa em aberto se o artista e os que encomendaram e
aprovaram a obra esgotaram todas as exigências que uma obra como essa exige: o
estudo dos usos e costumes do lugar em questão e como a obra se insere. De fato,
quem encomendou a obra não notou que ela obrigaria os habituais frequentadores
do lugar a fazerem um desvio grande, causando motivo para discussões.

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Tiago Giora, ao analisar a crítica de Daniel Buren sobre esse trabalho de Richard
Serra, irá ressaltar que:

Na visão de Buren, um campo de ação tão rico em referências como


uma praça comercial em meio a um grande centro urbano não poderia
ser reduzido a uma situação espacial, desconsiderando os percursos e os
usos do espaço. Sua posição sugere uma compreensão mais ampla da
problemática envolvida pelo trabalho do artista. E suas obras se valem
mais de imagens e códigos visuais para questionar justamente o funcio-
namento dessa interação entre arte e sociedade, numa dinâmica que se
conecta mais fortemente à cultura do que à percepção, tratando antes
de questionamentos do que de sensações. São diferenças fundamentais
que refletem caminhos diversos tomados desde a formação desses artis-
tas e a comparação de suas obras ou de seu entendimento acerca do es-
paço, só poderia mesmo ser feita segundo um único elemento comum:
a cidade (2010).

Essa obra foi instalada diretamente em uma passagem de pedestres, relacionando-


se com o espaço urbano. Esses ambientes têm sido os de maior preferência dos
artistas que fazem parte das correntes artísticas que estabelecem as relações mais
íntimas com a vida cotidiana, pois são ambientes em molduras, livres da mediação
institucional da arte que é promovida pelos museus e galerias.

Richard Serra é escultor, desenhista e vídeomaker americano. Nasceu em São Francisco em


Explor

1939, estudou nas universidades da Califórnia e de Yale. Estabeleceu-se em Nova York onde
conheceu Eva Hesse, Steve Reich, Donald Judd, Bruce Nauman e outros artistas. Trabalhou
inicialmente com borracha, incluindo peças penduradas ou emaranhadas; a partir de
1969 passou a interessar-se primordialmente em cortar, apoiar ou empilhar placas de aço,
madeira rústica etc... Criou estruturas, algumas muito grandes, suportadas apenas por seu
próprio peso. Desde 1970, tem produzido varias peças em larga escala e peças “ambientais”,
assim como desenhos monumentais em carvão ou bastão de tinta.
https://goo.gl/3L2opr

Outro trabalho que interfere e transforma o próprio lugar é a intervenção Office


Baroque de Matta-Clark. Nessa obra, o próprio piso do lugar é convertido em
material de trabalho, sendo assim, o foco da experiência perceptiva. Ao fazer
aberturas nos planos do prédio arquitetônico, o artista transforma a arquitetura
em protagonista da visão e dos deslocamentos, deixando de ser, portanto, uma
coadjuvante. Segundo Gioria, nessa obra não há “separação entre obra e ambiente,
a arte aqui é o próprio ambiente modificado pelo artista” (2010).

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Figura 14 – Gordon Matta-Clark: Office Baroque, Antuérpia, Bélgica, 1977


Fonte: tate.org.uk

Na arte contemporânea, especificamente nas produções mais recentes, temos


forte presença do conceito de site specific. Os lugares mais inusitados são, muitas
vezes, escolhidos por artistas para refletir sobre sua memória e trazendo discussões
mais atuais entre passado e presente, entre o velho e o novo, para provocar novos
olhares e percepções do espaço em que a obra se insere.

Como exemplo, podemos citar uma obra muito recente, a Our Colour Reflec-
tion (2016) da artista Liz West. Seu projeto de site specific foi elaborado para a
igreja de São João em Noth Lincolnshire, no Reino Unido. O edifício, com 125
anos de idade, teve seu piso envolvido com mais de 700 discos multicoloridos feitos
com espelhos de acrílico que possuíam 15 cores e tonalidades que iam do amarelo,
roxo, azul e vermelho. Os discos com diâmetros de 30, 40, 50 e 60 centímetros re-
fletem partes da igreja que dificilmente prestaríamos atenção dentro do local, mas
é a obra que nos proporciona essa curiosidade. Trata-se de uma obra em constante
mudança, pois os reflexos que os discos projetam nas paredes da igreja são altera-
dos à medida que a luz muda de direção e intensidade ao longo do dia. Durante a
noite, há refletores dentro o local que fazem com que os espelhos coloridos enviem
pontos de cor para o interior da antiga igreja, iluminando a arquitetura neogótica.

A obra proporciona um jogo de reflexos: as paredes da arquitetura histórica


refletem nos discos coloridos e eles refletem suas cores nas paredes. A artista
considerou aspectos históricos do edifício e se baseou na importância da luz no
espaço, da presença dos vitrais na arquitetura gótica e o fato de ser um antigo
local de culto. A artista, portanto, traz essas informações do local sob uma nova
forma de apresentação, colocando os espectadores diante de experiências físicas,
emocionais, psicológicas e até espirituais de acordo com os movimentos que fazem
pelo espaço e num tempo determinado.

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Figura 15 – Liz West, Our Colour Reflection, 2016
Fonte: http://www.liz-west.com

Nascido em Copenhagem, Olafur Eliasson (1967) é um artista que é impulsio-


nado por interesses na percepção, no movimento, na experiência corporificada e
nos sentimentos do ser. Eliasson se esforça para tornar as preocupações de arte
relevantes para a sociedade em geral. Para ele, a arte é um meio crucial para trans-
formar o pensamento em ações no mundo. Suas obras transitam entre escultura,
pintura, fotografia, cinema e instalações e foram expostas amplamente em todo
o mundo. Não se limitando a dos limites do museu e galeria, sua prática envolve
a esfera pública mais ampla através de projetos de arquitetura e intervenções no
espaço cívico.

Como exemplo, citamos a obra Riverbed (2014), instalada no Museu de Arte


Moderna de Louisiana, um lugar conhecido por unir arte, arquitetura e paisagem.
O museu é construído como uma sucessão de espaços de galerias que são
parcialmente fechadas a partir do ambiente e parcialmente abertas para o jardim
de esculturas com vistas da paisagem externa deslumbrantes. Ou seja, o próprio
museu proporciona o ato de caminhar como um meio de fruição dos objetos de
arte, da arquitetura, do jardim e do mar que estão numa relação simbiótica.

Olafur Eliasson, artista que investiga como sentimos a paisagem através do


movimento, em específico com as paisagens nórdicas, apresenta uma obra radical
e que podemos chamá-la de site specific. A obra Riverbed é dividida em três partes:
uma videoinstalação, uma sala modelo que apresentam os projetos e modelos em
escala feitos à mão que foram realizados na obra e a instalação principal que cobre
cerca de ¼ (um quarto) de todo o museu, instalado na ala sul.

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Figura 16 – Olafur Eliasson, Riverbed, 2014


Fonte: http://olafureliasson.net

Por mais que a obra esteja inserida num museu neutro, um espaço limpo, todo
branco e impessoal, a obra se insere no contexto de site specific justamente pela
própria estrutura e proposta conceitual e física do museu: o diálogo com a paisagem
externa e com a arquitetura. Ao inserir pedras vulcânicas por grande parte do
museu, o artista cria uma paisagem curva pelas sequências de galerias, com um
pequeno riacho que escorre através dela. A água é turva, meio esbranquiçada como
se tivesse sido colorida pelas cinzas vulcânicas. Em alguns lugares há pequenas
poças cobertas por um resíduo pegajoso e bolhas de espuma são formadas. Há
uma oposição entre o som da trituração das pedras por nossos pés e o som suave
da água escorrendo. A luz do teto brilha numa luminosidade extrema e uniforme. A
luz encontra a escuridão da terra, tornando ainda mais clara a artificialidade dessa
natureza desértica.

De acordo com Svava Riesto e Henriette Steiner em seu texto crítico sobre a
obra Riverbed,
Esta paisagem estrangeira e completamente não-orgânica é cinza e fosca,
onde nós sentimos que ela absorve até mesmo o som de nossas vozes.
Somos vencidos por um sentimento de estranheza. Isto é enfatizado pelo
fato de que a água não é clara, e que a espuma nas pequenas poças faz
parecer que a água é de alguma forma poluída. Estamos desprovidos de
janelas, de um horizonte e de ar fresco. E nesta falta de orientação em um
deserto cinza aparentemente interminável, os nossos sentidos corporais
são certamente elevados e nossa mente é desafiada (2014).

A velocidade do movimento do público é diminuída, eles passeiam pelo cenário,


abaixam as cabeças quando se movem através das aberturas que separam os
espaços da galeria e saem da exposição por um quarto com cantos feitos de vidro,
diretamente voltados para uma das vistas deslumbrantes sobre a água da qual a
cidade de Louisiana é tão famosa.

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Dessa forma, a partir da própria vivência do espaço criado pelo artista Olafur
Eliasson, as pessoas voltam ao normal, encontrando um alívio visual no horizonte
que se abre no final, um horizonte moldado pelo museu. Essa obra está em
diálogo com uma paisagem totalmente oposta, fazendo o público olhar a cidade
de Louisiana de uma maneira diferente, pois ao invés de contar uma narrativa
conhecida da bela topografia do lugar, o artista nos tira fora do entorno e importa
uma beleza diferente e áspera.

O conceito da criação artística que tem como base e objetivo a relação direta
entre a obra de arte e o local em que ela se insere teve suas origens na instalação,
na land art e nas obras denominadas site specific. Tal como vimos, as obras de
site specific são resultado da busca por conhecer as particularidades do lugar, do
sítio, onde os artistas refletem e expressam suas visões e concepções do lugar,
proporcionando novas relações com ele.

O conceito de site specific, conforme vimos, não diz respeito somente ao espaço
externo, mas também nos espaços internos de galerias e museus, ou até espaços
com outras finalidades como uma igreja, por exemplo.

A seguir, vamos conhecer outro conceito artístico que, cada vez mais, tem estado
presente na produção de arte recente: a intervenção artística urbana.

Intervenção Artística Urbana –


Repensando a Arte Pública
As relações entre arte e política a partir dos anos 1970 influenciaram nas
mudanças da noção de “arte pública”, dando início ao que chamaríamos de “arte e
a esfera pública”. Essa nova concepção tem base teórica no início dos anos 1990
com W. J. T. Mitchell, autor que defendia uma mudança de perspectiva com relação
à “arte pública”. Em seu livro Art and The Public Sphere (1992), ele enfatiza a
necessidade de pensarmos o “público” de modo mais amplo e aprofundado.

Outros autores como Miwon Kwon, no seu livro One Place After Another
(2004) e Benjamin Buchloh em Procedimentos alegóricos: apropriação e mon-
tagem na arte contemporânea (2000) defendem, sob a perspectiva do desenvol-
vimento da lógica do site specific, que a noção de “site” passou por três estágios:
1. “site fenomenológico ou experiencial” – ligado às experiências do minima-
lismo (e do neoconcretismo no contexto brasileiro);
2. “site institucional” – site do trabalho de arte a partir das propostas da crítica
institucional;
3. “site discursivo” – implicado com as práticas voltadas para a comunidade.

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

O último estágio, o “site discursivo” estaria mais próximo da tendência da


arte contemporânea de buscar estar mais voltada para o interesse público
(KWON, 2004).
Portanto, ao termos a canonização da expressão “arte pública” com diversos
autores nos anos 1980 e 1990, o ápice de sua consolidação se revelou para além
do termo “arte e esfera pública” que trazia mudanças de perspectiva na arte pública,
mas principalmente pela necessidade da arte olhar a questão do “público” como
questão política. Tal concepção foi argumentada pelo teórico Oliver Marchart:
Em definitiva, somente uma politização dos conceitos de ‘arte pública’ e
‘esfera pública’ podem oferecer uma resposta a estas críticas. O que de
fato importa é que a arte pública não é pública porque acontece em um
espaço público definido em termos urbanos, mas porque acontece em
meio ao conflito. Consequentemente, o conceito de arte pública implica
o conceito de arte política. […] Arte pública seria então possível somente
enquanto arte política (MARCHART, 2007, p. 426).

É a partir desta concepção que vamos conhecer alguns trabalhos de intervenção


artística que possuem clara relação com o espaço público, que foram realizados
especificamente para este lugar, trabalhando de forma crítica em diversas instâncias:
política, cultural, ambiental, etc.
As intervenções são obras que dialogam com o termo site-oriented, o qual
consiste em práticas artísticas orientadas para o site, prevalecendo o foco no mundo
e na vida cotidiana, dialogando com temas como: gênero, raça, crise ambiental,
política e questões sociais pela arte. Desta forma, estas obras dialogam com outras
áreas do conhecimento como a antropologia, a crítica literária, a sociologia, a
história natural e cultura, a arquitetura etc.

As práticas orientadas para o site, para o lugar (site-oriented) também


privilegiam as dimensões socioculturais em relação às dimensões físicas.
Portanto, elas são passíveis de recriações, de serem instaladas em outros locais
que também dialoguem com as questões essenciais da obra. De acordo com
Kwon (2004), a definição operante de site foi transformada, ou seja, o que era
primordial no site specific – a localidade física, enraizada, fixa e real – foi
deslocada para o que é discursivo, fluido e virtual. Essa questão poderá ser
compreendida através de diversos trabalhos de intervenção, dentre os quais
veremos logo a seguir, o projeto Pets, de Eduardo Srur, que foi realizado às
margens do rio Tietê em São Paulo e também esteve em exposição na represa
Guarapiranga, na cidade de Bragança Paulista, interior de São Paulo, e na
cidade de Santos, no litoral paulista.

O termo intervenção é utilizado com diversos sentidos no âmbito das artes,


portanto, não há uma única definição. Em linhas gerais, podemos dizer que a
intervenção é o processo que provoca uma interferência artística em obras de
arte já existentes (através de colagens, montagens, edições etc.), em monumentos
públicos, no espaço urbano ou em produtos preexistentes, seja de forma efêmera
ou definitiva.

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No que diz respeito à esfera pública, as intervenções buscam uma aproximação
do trabalho do artista com o cotidiano, tornando a arte mais próxima e acessível
ao público. Elas podem ser realizadas em diferentes meios e linguagens como:
happenings, performance, instalação, videoarte, grafites, pinturas etc. Há
intervenções artísticas com aprovações institucionais, mas muitas delas são
realizadas sem autorização prévia, tornando-se ilícitas em certas ocasiões.

No âmbito da arquitetura e do urbanismo, as intervenções urbanas se referem a


projetos que têm por objetivos reestruturar, requalificar ou reabilitar funcionalmente
e simbolicamente uma região ou uma edificação na cidade. As intervenções urbanas
acontecem sobre uma realidade já existente, de forma a alterar, acrescentar novos
usos, funções e propriedades para promover a apropriação da população daquele lu-
gar, de revitalizar os centros históricos e de transformar as dinâmicas socioespaciais.

Considerada como uma vertente da arte ambiental ou pública, a intervenção


artística no espaço urbano trabalha dessa mesma forma: interferindo sobre uma
situação para transformá-la e, com isso, gerar novas reações nos planos físico,
intelectual e sensorial.

Assim como as demais produções artísticas que vimos até o momento, como a
land art e o site specific, muitas intervenções buscam tornar a arte mais acessível
ao público, criticando a mercantilização musealização da arte. Por estar presente no
cotidiano das pessoas, ou seja, nos lugares em que as pessoas circulam (centro da
cidade, lugares públicos com grande circulação, etc), as intervenções resultam em
uma multiplicidade de experimentações artísticas relacionadas com os contextos
sociais, políticos e artísticos.

Em muitas obras podemos não saber ao certo categorizá-las de instalação, land


art, site specific ou performance, pois muitos desses trabalhos estão na fronteira
com o que chamamos de intervenção.

Dentre alguns trabalhos, podemos citar as grandes intervenções na paisagem


feitas pelo casal Christo & Jeane-Claude. Muitas vezes aparecem como exemplo
de land art, por serem realizados nas grandes cidades, em uma área cosmopolita,
seus trabalhos temporais caracterizam-se por ações efêmeras de interferência na
paisagem. Suas obras mais famosas são: Barreira Corrediça (1976), Guarda-
chuvas (1991), Costa Embrulhada (1969), Reichstag Embrulhado (1995) e Ilhas
Contornadas (1983).

Os trabalhos em que eles embrulham grandes edifícios históricos urbanos são de


grande impacto e, indiretamente, influenciam o público chamando a atenção para o
edifício que está ali há anos e que os transeuntes muitas vezes passam sem percebê-lo.

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Figura 17 – Christo & Jeanne-Claude, Ilhas Contornadas, 1980-1983


Fonte: http://christojeanneclaude.net

Figura 18 – Christo & Jeanne-Claude, Costa Embrulhada, 1969


Fonte: CLAUSE, Jeanne e Christo

Figura 19 – Christo & Jeanne-Claude, Reichstag Embrulhado, 1995


Fonte: CLAUSE, Jeanne e Christo

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De acordo com a Enciclopédia Itaú Cultural, o termo intervenção tem em seu
significado:
• uma ação sobre algo que acarreta reações diretas ou indiretas;
• ato de se envolver em uma situação para evitar ou incentivar que algo aconteça;
• alteração do estabelecido;
• interação, intermediação, interferência, incisão, contribuição.

Conforme foi dito, há uma heterogeneidade de técnicas, materiais, estratégias


e linguagens artísticas que são empregadas nas intervenções, as quais podem ter
participação do público, podem ser efêmeras, com inserções na paisagem, em
ocupações de edifícios ou áreas abertas. Há trabalhos que são feitos com uso de
encenações, que utilizam de estratégias de comunicação ou publicidade com entrega
de panfletos ou aplicação de cartazes e adesivos, interferências na sinalização de
trânsito etc.

Ainda destacam-se alguns aspectos que definem essa forma de arte:


4. a relação entre a obra e o meio (espaço e público);
5. a ação imediata sobre determinado tempo e lugar;
6. o intuito de provocar reações e transformações no comportamento, concep-
ções e percepções dos indivíduos;
7. um componente de subversão ou questionamento das normas sociais;
8. o engajamento com proposições políticas ou problemas sociais;
9. a interrupção do curso normal das coisas através da surpresa, do humor, da
ironia, da crítica e do estranhamento.

Com base nessas premissas, vamos conhecer agora algumas obras que apresen-
tam tais aspectos, sendo diretamente ou não denominadas de intervenções.

Uma das estratégias utilizadas nas intervenções é a projeção de imagens


sobre as construções arquitetônicas emblemáticas das cidades. Um dos artistas
mais conhecidos pelos trabalhos de projeções expandidas no espaço público é o
polonês Krzysztof Wodiczko (1943). Sua prática é conhecida como Interrogative
design, a qual resulta da combinação entre arte e tecnologia como um projeto
crítico que tem por objetivo destacar as comunidades sociais marginais e adicionar
legitimidade para as questões culturais, para as quais muitas vezes é dada pouca
atenção, como a violência contra as mulheres no México em Tijuana Projection
(2001). Suas projeções públicas estão diretamente relacionadas com o espaço
físico que ele utiliza. O artista cria, com suas projeções, ambientes favoráveis para
o exercício de uma consciência crítica sobre os conteúdos históricos e sociais que
são abordados e projetados em construções importantes na sociedade. Para ele,
não se trata de utilizar o espaço público como um suporte neutro, como uma tela,
por exemplo, mas é parte fundamental para a totalização da mensagem que ele
pretende transmitir.

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Figura 20 – Krzysztof Wodiczko, Tijuana Projection - México, 2001


Fonte: lounge.obviousmag.org

Você se identifica com trabalhos artísticos que refletem sobre questões sociais e políticas?
Explor

Para conhecer mais aprofundado a produção artística de Krzysztof Wodiczko, indicamos a


leitura do texto: CARRAPATOSO, Thiago. Projeções Expandidas: As Interferências de Krzysztof
Wodiczko no Espaço Público. In: V!RUS, São Carlos, n. 9 [online], 2013. Traduzido do Inglês
por Thiago Carrapatoso: https://goo.gl/uknV23

Historicamente, no contexto brasileiro, dois grupos de artistas movimentaram a


cena artística urbana com suas intervenções e performances realizadas em galerias,
museus e ruas de São Paulo. Ainda quando a ditadura militar dominava o Brasil,
nos conhecidos “anos de chumbo”, os grupos 3NÓS3, formado por Hudinilson
Jr., Mario Ramiro e Rafael França, e o Arte/Ação, composto pela dupla Genilson
Soares e Francisco Iñarra, realizavam obras rápidas e efêmeras que eram registra-
das com fotografias e vídeos. Esses registros tornaram-se documentos que foram
expostos no Centro Cultural São Paulo.
De acordo com Ana Cândida Vespucci, durante os quatro anos de atuação o
grupo 3NÓS3 “surpreendeu a cidade com 11 intervenções urbanas que deram o
que falar. O grupo atuava fora dos limites da legalidade, movido pela transgressão,
colocando em xeque o olhar oficial sobre a arte pública, abrindo o debate sobre a
relação da arte com a cidade”.
Para Vespucci, todas as intervenções deste grupo foram marcadas pela trans-
gressão e pelo confronto com os processos oficiais:
Cada um de seus eventos surpreendia a cidade e desarmava o olhar viciado
do espectador com algo nunca visto. Uma de suas performances mais
atrevidas foi ensacar algumas das estátuas de praças públicas paulistanas,
muitas delas retratavam vultos da história do País. Outro momento de
desafio foi Conecção (contração de “conexão” com “ação”), realizada
em 1981 no cruzamento das avenidas Rebouças e Dr. Arnaldo. Nessa
ocasião, foram colocadas dezenas de metros de filme polietileno de cor
vermelha na grade de ventilação do metrô e no gramado circundante. A
asfixia do debate sobre arte pública estava aberta (2014).

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Figura 21 – Grupo 3NÓS3, Conecção,1981
Fonte: http://brasileiros.com.br

Nos anos 1970, período da Ditadura Militar, Artur Barrio realizou o trabalho
Trouxas Ensanguentadas, que consistiu em intervenções de trouxas de pano
ensanguentadas que possuíam restos mortais de animais em seu interior. Essas
trouxas foram espalhadas por rios da cidade e bueiros, gerando uma repercussão
midiática, pois a população acreditava que os pacotes possuíam cadáveres dos que
foram assassinados durante o regime militar.

Figura 22 – Artur Barrio, Trouxas Ensanguentadas de Artur


Barrio no Rio Arrudas, centro de Belo Horizonte, em abril de 1970
Fonte: BARRIO, Arthur

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Para conhecer mais sobre essa obra de Artur Barrio, leia o texto O Significado Político nas
Explor

Trouxas Ensanguentadas de Artur Barrio, parte II, de autoria de Débora Fantini.


https://goo.gl/Zn3p04

Ainda temos no contexto brasileiro alguns trabalhos de artistas que são conside-
rados como precursores das intervenções como: Flávio de Carvalho (1899-1973),
Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988), Cildo Meireles (1948), Pau-
lo Bruscky (1949), Dante Velloni (1954) e os grupos Viajou sem passaporte e
Manga Rosa no final dos anos 1970.

Mais recentemente, em 2002, José Resende realizou um trabalho com a sus-


pensão de partes de vagões de trem, simulando choques de colisões entre eles. A
obra foi realizada para o projeto ArteCidadeZonaLeste, na Radial Leste, entre os
viadutos Bresser e Belém, na cidade de São Paulo-SP. Tal trabalho resultou em
grande impacto visual para quem transitava pela região.

Figura 23 – José Resende, Sem título, 2002


Fonte: RESENDE - José

A prática da intervenção urbana ganhou muita força no Brasil e no mundo a


partir do final da década de 90, principalmente devido à atuação dos coletivos
artísticos que se formaram.

Um nome atual da arte brasileira de intervenção é Eduardo Srur que, em seu


trabalho, se utiliza do espaço urbano para provocar reflexões sobre questões am-
bientais e cotidianas das metrópoles.

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Um dos seus trabalhos emblemáticos é a intervenção chama Pets (2008), uma
intervenção com esculturas gigantes em formato de garrafas plásticas de refrigerante.
A estratégia do aumento da escala de objetos do cotidiano tem clara referência na
escultura pop, e se torna fundamental para chamar a atenção da população para o
rio Tietê, na cidade de São Paulo, local em que elas foram instaladas.

Figura 24 – Eduardo Srur, Pets, 2008. Fotografia de Cia. de Foto


Fonte: http://www.eduardosrur.com.br

Durante dois meses, essa intervenção realizada às margens deste rio poluído foi
vista por mais de 60 milhões de pessoas. Segundo o site do artista, a obra levou
cerca de 3 mil crianças e professores da rede pública para visitá-la. Finalizada
a exposição, as gigantes garrafas infláveis foram recicladas e geraram mochilas
desenhadas pelo designer Jum Nakao e doadas para as escolas que fizeram a visita.
Para Eduardo Srur, muito mais que refletir sobre uma questão ambiental, a obra
também propõe a “reciclagem do olhar”.
Explor

Você poderá conhecer melhor a obra Pets de Eduardo Srur: https://goo.gl/n1L1xm

Outro trabalho do artista Eduardo Srur, mas de cunho político, é a intervenção


A Arte Salva realizada no dia 8 de dezembro de 2011, no Congresso Nacional em
Brasília. A ação contou com a participação de dezenas de pessoas que lançaram
360 boias salva-vidas no espelho d’água que há em frente ao parlamento.

Em todas as boias, confeccionadas durante uma oficina com os alunos da


Universidade Nacional de Brasília, havia uma numeração e um adesivo com a
frase A Arte Salva. Para Srur, “a ação mostrava a arte como uma possibilidade de
salvamento e resgate da consciência cívica”. A respeito da sua intenção com essa
obra, o artista afirmou:

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Foi minha primeira intervenção colaborativa. Questionado porque agi fora


da legalidade, argumentei que pedir autorização reduziria o trabalho, e que
a utilização do espaço público para fazer arte é um direito democrático e
legítimo. O Congresso é a “casa do povo”, e a arte transcende a política.
Essa intervenção era apartidária; um presente da sociedade para o
Congresso Nacional (fonte: <https://goo.gl/tbfvmb>).

Figura 25 – Eduardo Srur, A Arte Salva, 2011


Fonte: http://www.eduardosrur.com.br

Em uma intervenção de cunho ambiental, a artista brasileira Néle Azevedo levou


mil esculturas de homens gelo para as escadarias do Gendarmenmarkt, em Berlim,
como forma de protesto contra os efeitos do aquecimento global. A intervenção
começou em suas primeiras edições, com apenas um homem de gelo instalado em
um monumento histórico. A partir daí, a artista coloca centenas de homens, como
exércitos, como multidões. Seu maior objetivo é colocar no local de destaque das
cidades a memória do homem comum e celebrá-lo no lugar de heróis ou autoridades
conhecidas. Sua obra é efêmera, muito breve e delicada, e só é contemplada pelos
que ali passaram no momento em que estava instalada ou por fotografias que
registraram a ação.

Figura 26 – Néle Azevedo, Monumento Mínimo, 2009


Fonte: Wikimedia Commons

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Por fim, apresentamos o artista francês Etienne Lavie que criou um projeto de
intervenção que critica a forma como as cidades nos bombardeiam com anúncios e
propagandas, por todos os lugares em que as pessoas transitam. O projeto intitulado
“OMG, Who Stole My Ads?” (Ah Meu Deus, Quem roubou meus anúncios?), parte
do pressuposto de imaginar um mundo sem publicidade. Etienne Lavie criou uma
galeria ao ar livre transformando o espaço publicitário de Paris com a inserção de
imagens de obras de arte francesas de uma época anterior em outdoors e cartazes,
substituindo as publicidades.

Figura 27 – Etienne Lavie, OMG, Who Stole My Ads?, 2014


Fonte: http://etiennelavie.fr

Conclusão
Nesta unidade vimos três possibilidades artísticas que utilizam diferentes
estratégias de relações com o espaço público, seja ele mais afastado como na land
art, seja ele mais próximo dos grandes centros como nas obras de site specific e
intervenções artísticas. Cada uma dessas linguagens possui suas especificidades
de relação com o espaço e, a partir desse diálogo, permite ao público infinitas
possibilidades reflexivas sobre o lugar e o mundo em que vivem, pensando sobre
questões que vão além da arte, como a sociologia, a antropologia, a política e o meio
ambiente, por exemplo. Com isso, a arte se reafirma como área de conhecimento,
como área de produção que dialoga as reflexões estéticas com o cotidiano das
pessoas, contribuindo para a formação crítica do público.

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Earthworks and Beyond: Contemporary Art in the Landscape
BEARDSLEY, JOHN. Earthworks and beyond: contemporary art in the landscape/
John Beardsley. New York: Abbeville Press, 1998.
Procedimentos Alegóricos: Apropriação e Montagem na Arte Contemporânea Procedimentos Alegóricos:
Apropriação e Montagem na Arte Contemporânea
BUCHLOH, Benjamin. Procedimentos alegóricos: apropriação e montagem na arte
contemporânea. In: Revista Arte & Ensaios, n. 7, p. 178-197, nov. 2000
Seven Ballets in Manhatan
BUREN, Daniel. Seven Ballets in Manhatan. New York: John Weber Galley, 1976.
Textos e Entrevistas Escolhidos
BUREN, Daniel. Textos e entrevistas escolhidos [1976-2000]. DUARTE, Paulo
Sergio. (org.) . Rio de Janeiro: Centro Helio Oiticica de Arte, 2001.
Arte no Brasil 1950-2000 – Movimentos e Meios
COSTA, C. T. Arte no Brasil 1950-2000 – movimentos e meios. São Paulo: Ala-
meda, 2004.
On the Museum’s Ruins
CRIMP, Douglas – On the Museum’s Ruins. Cambridge: MIT Press, 1993.
The American Sublime
DANTO, Arthur. The American Sublime. The Nation, 1º de setembro de 2005.
Thinking about Exhibitions
GREENBERG, Reesa; FERGUSON, Bruce W.; NAIRNE,Sandy [ed. Lit.] – Thinking
about exhibitions. London and New York: Routledge, 2005
Land and Environmental Art
KASTNER, Jeffrey; WALLIS, Brian. Land and Environmental Art. Londres: Phai-
don Press, 1998.
One Place After Another: Site Specific Art and Locational Identity
COSTA, C. T. Arte no Brasil 1950-2000 – movimentos e meios. São Paulo: Ala-
meda, 2004.
One Place After Another: Site Specific Art and Locational Identity
KWON, Miwon. One place after another: site specific art and locational identity.
Cambridge/London: MIT Press, 2004.

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Sculpture Projects Muenster 07
MARCHART, Oliver. Public Art. In: FRANZEN, Brigitte; KÖNIG, Kasper; PLATH,
Catarina (eds.). Sculpture Projects Muenster 07. Münster: LWL-Landesmuseum
für Kunst und Kulturgeschichte, 2007.
Art and the Public Sphere
MITCHELL, W. J. T. (ed.). Art and the Public Sphere. Chicago / Londres: Univer-
sity of Chicago Press, 1992.
ARTE do Século XX
SCHNECKENBURGER, Mandred. Escultura. In: RUHRBERG, K; HONNEF, F. ARTE
do século XX, v. 2. China: Taschen, 2010.
Space, Site, Intervention: Situating Installation Art
SUBERBURG, Erika. Space, site, intervention: situating installation art. Minea-
polis: University of Minnesota Press, 2010.
Land Art
TUFNELL, Ben. Land Art. London: Tate Publishing, 2006.
Between Landscape Architecture and Land Art
WEILACHER, Udo. Between landscape architecture and land art. Basel; Berlin;
Boston: Birkhäuser, 1999.

Leitura
Espaço de Exposição como Espaço de (Re)Criação - Exposições para a Casa de Serralves
AZEVEDO, Teresa. Espaço de exposição como espaço de (re)criação - Exposições
para a Casa de Serralves. Dissertação de Mestrado. Universidade do Porto, 2008.
https://goo.gl/hvYUJY
Os Espaços em Trânsito da Arte: In-situ e Site-specific, algumas Questões para Discussão
GIORA, Tiago. Os espaços em trânsito da Arte: In-situ e site-specific, algumas questões
para discussão. In: Revista Bimestral de Arte Panorama Crítico | ISSN 1984-624X
| Edição #06 | Junho/Julho 2010.
https://goo.gl/dvAe2p
Da Arte Pública à Esfera Pública Política da Arte
RIBEIRO, Gisele. Da arte pública à esfera pública política da arte. In: - Revista Poiésis,
n 20, p. 33-44, Dezembro de 2012.
https://goo.gl/0H1748
Riverbed – Olafur Eliasson
RIESTO, Svava; STEINER, Henriette. Riverbed – Olafur Eliasson.
https://goo.gl/sCBluV

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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção

Land Art: Um Estudo sobre as Origens da Land Art e seus Desdobramentos


SAWADA, N. H. Land art: um estudo sobre as origens da Land Art e seus desdo-
bramentos. Trabalho final de curso de graduação. UNESP: Bauru, 2011.
https://goo.gl/m9b0fn
Spiral Jetty-Gates: O Sublime no Efêmero Enquanto Memória
SILVA, Luciana Bosco e. Spiral Jetty-Gates: O Sublime No Efêmero Enquanto Me-
mória. In: V ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2009.
https://goo.gl/gYDhBj
3NÓS3 e Arte/Ação
VESPUCCI, Ana Cândida. 3NÓS3 e arte/ação. In: Revista Brasileiros, 2012.
https://goo.gl/HZjyKx

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Referências
ARCHER, M. Arte Contemporânea - uma História Concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.

BENKE, Street Art: técnicas e materiais para arte urbana. São Paulo: Gustavo
Gili, 2015.

DUARTE, P. S. ARTE Brasileira Contemporânea: Um Prelúdio. Rio de Janeiro:


Silva Roesler Edições, 2008.

FARTHING, S. Tudo sobre Arte. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2010.

GITAHY, Celso. O que é grafite. São Paulo: Brasiliense, 1999.

LUCIE-SMITH, E. Os Movimentos Artísticos a partir de 1945. São Paulo:


Martins Fontes, 2006.

RUHRBERG, K; HONNEF, F. ARTE do século XX, v. 2. China: Taschen, 2010.

STANGOS, N. Conceitos da Arte Moderna: Com 123 Ilustrações. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Editor, 2000.

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