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Revisão Textual:
Profa. Ms. Fátima Furlan
Land Art, Site Specific e Intervenção
• Introdução
• Land Art – Aspectos Conceituais, Históricos e Desdobramentos
• Site-Specific – Aspectos Conceituais, Históricos e Desdobramentos
• Intervenção Artística Urbana – Repensando a Arte Pública
• Conclusão
OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Conhecer e compreender os aspectos conceituais das obras de land
art, site specific e intervenções artísticas urbanas;
· Abordar a origem das obras de land art, site specific e intervenções
artísticas urbanas na história da arte e como foram seus desdobra-
mentos nas últimas décadas do século XX e início do século XXI;
· Compreender como se dá as relações entre a obra de arte e o espaço
expositivo através da adequação e integração da obra de arte ao
espaço urbano onde ela se encontra;
· Conhecer obras emblemáticas da land art, site specific e intervenções
artísticas urbanas na produção artística contemporânea internacional
e brasileira.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.
Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.
Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.
Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.
No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.
Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção
Contextualização
Para iniciarmos essa unidade, convido você a conhecer um pouco sobre as relações entre
Explor
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Introdução
Foi a partir dos anos 1960 que a arte intensificou as mudanças de concepções
da própria arte através do rompimento das fronteiras entre as linguagens artísticas
através de obras híbridas e também por meio da ocupação do espaço expositivo
com as instalações. Rompimento ainda maior se deu pela ruptura das paredes das
galerias e museus, onde a arte passou a “habitar”, a se “instalar” e “incorporar-se”
à natureza e ao espaço urbano, ou seja, os espaços fora das instituições artísticas
que legitimam a arte.
É sobre essas rupturas que vamos falar nessa unidade, sobre os conceitos de:
land art, site-specific e intervenção urbana.
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Este movimento não ocorreu apenas nos Estados Unidos nos finais dos anos
1960, mas também em partes da Europa, uma época cujo contexto histórico era
conturbado e com muitas manifestações da contracultura que expressavam sua
insatisfação popular.
Ainda sobre o contexto histórico do ano 1968, surgimento da land art, podemos
citar, resumidamente:
• Auge da Guerra Fria nos Estados Unidos e Guerra do Vietnã com o maior
número de vítimas;
• Insatisfação popular e manifestações antiguerra e a favor dos direitos civis
após os assassinatos de Martin Luther King e Robert Kennedy.
• Manifestações semelhantes na Europa referentes ao descontentamento popular
com os distúrbios generalizados que ocorriam na Tchecoslováquia.
• Na França, atividades engajadas da Situationist International (SI) a favor de
uma mudança revolucionária.
• Ameaça nuclear que causava tensão e medo de uma possível aniquilação
global: protestos de fundo ecológico e campanhas geradas pelas relações entre
arte e ecologia.
• Após as primeiras publicações de imagens da Terra feita do espaço, após a
chegada do homem à lua, tivemos mudanças sobre como o homem via a Terra.
• Consciência de que os recursos naturais não são inesgotáveis.
Desta forma, a land art surgirá também como mais uma forma de contestação
ao capitalismo promovido pelas galerias de arte e que, de acordo com os artistas
deste movimento, elas só estavam interessadas e dando valor aos trabalhos de arte
sem conteúdo, se importando apenas com a arte feita para ser consumida e não
para ser apreciada.
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O trabalho artístico dirige-se à natureza, transformando o entorno, com o
qual se relaciona intimamente. As obras, de grandes dimensões, resistem
à observação distanciada, a não ser por meio de fotografias e filmes.
Para experimentá-las, é preciso que o sujeito se coloque dentro delas,
percorrendo os caminhos e passagens que projetam. Ancorados num
tempo e espaço precisos, os trabalhos rejeitam a sedução do observador
ou as sugestões metafóricas. Põem ênfase na percepção, pensada como
experiência ou atividade que ajuda a produzir a realidade descoberta. O
trabalho de arte é concebido como fruto de relações entre espaço, tempo,
luz e campo de visão do observador.
Portanto, foi perto dos finais da década de 1960 que alguns artistas começaram
realizar trabalhos fora das galerias e museus de arte americanos, deslocando-os
para lugares muito distantes como as montanhas do Nevada, Utah, Arizona e Novo
México. O espaço físico dos desertos, lagos, canyons, planícies e planaltos foram
os lugares preferidos dos artistas como Michael Heizer (1944), Robert Smithson
(1938-1973), Dennis Oppenheim (1938-2011) e Robert Morris (1931) e Christo
& Jeanne-Claude nos Estados Unidos e Richard Long (1945) e Walter de Maria
(1935-2013) na Europa.
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Importante! Importante!
Podemos confundir os termos land art com landscape art. Ambos os termos possuem
relação com a arte e o ambiente, mas são definições distintas. O termo landscape
art (arte da paisagem) é mais amplo e, geralmente, pode ser utilizado quando faz
referência a qualquer obra que estabeleça relações entre arte e paisagem: uma
pintura representativa de paisagem do século XIX, uma escultura feita com troncos
de árvores de Frans Krajcberg, ou até a própria land art, por exemplo. Muitas vezes o
termo land art é utilizado, equivocadamente, como abreviação do termo landscape art.
No entanto, podemos dizer que a land art é uma forma de landscape art, pois esta se
refere a qualquer expressão artística que tenha como referência a paisagem. Porém, não
podemos afirmar o contrário, pois conforme esclarecimento de Tufnell: “é claro que é
possível dizer que uma pintura também representa uma interação com a paisagem, mas
Land Art é primeiramente física e não representativa, diferente das formas tradicionais
de landscape art. Não é simplesmente uma escultura colocada na paisagem, mas um
conjunto de ações que engloba a atitude com o sítio e a experiência que vai além do
objeto, enfatizando a paisagem em que a escultura está inserida (2006)”.
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Com a obra Negativo Duplo (1969) realizada na Mórmon Mesa no deserto do
Nevada, Michael Heizer elevou o nível da intervenção na paisagem natural, pois
ele removeu 240.000 toneladas de terra, criando duas fendas que estavam frente-
a-frente em ângulos totalmente retos ao contorno do palco natural.
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Michael Heizer, segundo Tufnell (2006), é um dos artistas que melhor exemplifica
a Land art, demonstrando a complexidade e as contradições do movimento. Para
Heizer, “A arte precisa ser radical. Precisa se tornar americana” (BEARDSLEY,
1998: 13). Portanto, Heizer propôs uma nova sintaxe para a escultura, partindo
de uma nova ideologia que fizesse com que a escultura estivesse fora dos padrões
das galerias e museus. Com isso, ele alterou as possíveis conexões da escultura com
o espaço aberto, da escultura com a arquitetura, criando obras que convidassem
os visitantes a caminharem sobre ela, como se estivessem num prédio, numa
construção arquitetônica. A grande escala da obra se completa com a imensidão
da escala da paisagem desértica.
Robert Smithson é outro artista referência dos trabalhos de land art, trabalhando
com intervenções diretas na paisagem. Como estratégia expositiva, Smithson e os
demais artistas traziam para o museu fotografias que registravam as obras nas
paisagens, mas Smithson começou a também expor mapas e pedaços dos materiais
que foram utilizados no local original da obra. Dessa forma, as pessoas poderiam
ter uma noção superficial da grandiosidade das suas obras.
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Sobre as questões e escolhas formais desta obra, Sawada afirma que:
o formato de espiral foi por influência da topografia local. Para Smithson,
um projeto em conformidade com a natureza deve extrair as melhores
características do sítio, aprimorando o trabalho sobre ele e Spiral Jetty
é um exemplo dessa relação entre arte e paisagem. Ao observar o sítio,
Smithson percebeu que além do caráter místico do local, a espiral também
reflete a formação circular dos cristais de sal que cobrem as rochas; “Cada
cristal de sal ecoa a Spiral Jetty em termos de modelo molecular. (...)
A Spiral Jetty poderia ser uma camada dentro da estrutura espiral dos
cristais, ampliada trilhões de vezes.” (2011: 65)
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Outras obras de Smithson tal como a Broken Circle (1971) seguem na mesma
estrutura, ou seja, com a remoção/deslocamento de terra, num jogo entre terra e
água, com símbolos gráficos mínimos.
Essas obras de Smithson e de outros artistas da land art nos permitem compre-
ender que a natureza não é somente o lugar onde a obra se instala, o lugar em que
se dá a experimentação artística. A natureza também tem papel fundamental ativo
na composição da obra, ela se configura como um agente da obra de arte: as varia-
ções do tempo que se dão pelas chuvas, estações do ano, as erosões, etc., acabam
modificando as características das obras. E, é justamente por esses fatores, que as
obras de land art, por mais que sejam imponentes pelas suas escalas e pesos dos
materiais que as constituem, elas não são perenes, eternas, mas estão em constan-
te mudança pela própria natureza. Os aparatos tecnológicos de registro de imagem
é que poderão garantir uma fixação imagética das várias configurações e alterações
que as obras vão sofrendo ao longo do tempo, permitindo uma ampliação de in-
terpretações destas obras. De acordo com Cacilda Teixeira da Costa, essas obras
“desejam romper com o mito artístico, mas cada artista imprime à sua natureza
a marca de sua subjetividade, apropriando-se dela de modo estético” (2004: 66).
Outros artistas como Robert Morris e Dennis Oppenheim também são referências
da land art. Morris realizou a obra Observatório (1977) em Oostelijk Flevoland,
Holanda, uma construção circular que remete ao monumento de Stonehenge.
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Figura 5 – Robert Morris, Observatório, 1977
Fonte: Wikimedia Commons
Para realização dessa obra, Morris utilizou terra, madeira, aço, granito e água e
construiu dois anéis de terra concêntricos. Com aproximadamente 70 metros de
diâmetro, o anel interior foi feito a partir de um aterramento contra um anteparo
de madeira de forma circular. A circunferência exterior consistia em três aterros e
dois canais. Há uma passagem triangular feita para ser a entrada da obra, colocada
na direção para o oeste, formada por um corte no aterro da circunferência
externa. De acordo com Sawada: “uma vez dentro da circunferência maior, três
outras aberturas são visíveis. A primeira aponta a leste, ao longo de dois canais
paralelos que acabam em duas placas de aço”. Essa estrutura circular possui um
“intervalo entre as chapas marca a posição do sol no equinócio. As duas outras
aberturas marcam os pontos do amanhecer do solstício de verão e de inverno
respectivamente” (2011: 68).
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Outra categoria de land art definida por Kastner e Wallis (1998) é a de envolvi-
mento. Esta categoria consiste nos trabalhos que foram o artista como um ato in-
dividual em relação direta com a natureza. Alguns artistas utilizam seus corpos para
fazer uma relação performática com o ambiente, transferindo a escala dos trabalhos
para a forma humana, como a série Silhuetas da artista cubana Ana Mendieta.
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1 Joseph Beus citado por Johannes Stüttgen, 1982. In KASTNER, WALLIS, 1998, p.164
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Figura 12 – Joseph Beuys, 7000 OAKS, 1982
Fonte: tate.org.uk
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No entanto, será com Miwon Kwon que vamos ter uma genealogia da especifi-
cidade do lugar (site-specificity), onde ela enumerou quatro fatores principais que
teriam gerado essa consciência do espaço real através da integração da obra de
arte nele:
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1. A necessidade, por parte da vanguarda artística, de ir mais além dos
limites impostos pelos meios tradicionais (pintura e escultura), bem como
dos locais convencionais de exposição;
2. O desafio em transpor o significado do objeto artístico para o contexto
onde ele se inseria;
3. A reestruturação do sujeito enquanto ser capaz de uma relação
e experiência real e física com a obra de arte no espaço onde ambos
se encontram;
4. E a vontade consciente, por parte dos artistas de vanguarda, em resistir
ao sistema convencional de circulação de obras de arte como produtos
transportáveis e meramente comerciais (apud AZEVEDO, 2008: 25-26).
Quando falamos sobre uma nova visão e concepção do espaço pelas obras site-
-specific que diferenciam da noção de espaço modernista, o autor Douglas Crimp
será referência para essa compreensão. Nas obras do Minimalismo (dentro do mu-
seu) ou da Land Art (fora do museu – extremamente isolada) vimos que o espaço/
lugar era uma extensão estética e física das obras de arte. Crimp irá defender a ideia
de que é preciso que o lugar seja reconhecido e aceito como “socialmente espe-
cífico”, rompendo, portanto, com a ideia de isolamento e distanciamento que era
presente na land art. Para ele, é através dessa noção de “socialmente aceito” que
se fará uma ruptura com o idealismo modernista, caminhando para o que seria a es-
pecificidade do lugar na arte contemporânea, na direção do pós-modernismo. Esta
noção de Crimp é essencial para entendermos a expansão da noção de lugar – site
– presente nas práticas artísticas recentes, pois, segundo Azevedo: “reportando-se a
uma grande variedade de manifestações, o lugar específico de uma obra pode agora
não ser apenas o espaço físico e real onde ela se encontra, mas sim um lugar virtu-
al (uma ideia, um debate, uma manifestação, etc.)” (2008: 26). Ou seja, há várias
noções e relações que a arte pode estabelecer sobre e com o espaço que buscam
demonstrar que a própria noção de lugar – site – não é estanque, e que a
definição de site-specificity (de Kwon) deve ser expandida de modo a abar-
car a relação da obra de arte com uma variedade de espaços/locais já não
definidos apenas em termos reais, físicos, mas através de um conjunto de
fatores formais, sociais, históricos, funcionais, políticos, entre outros, que
cada artista escolhe explorar, ou não, no seu trabalho site-specific (idem).
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Essa obra de Serra se insere numa produção mais ampla que também possui as
mesmas características formais com placas de metal gigantes instaladas em locais
públicos ou privados. Porém, não se trata, portanto, de uma novidade.
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Tiago Giora, ao analisar a crítica de Daniel Buren sobre esse trabalho de Richard
Serra, irá ressaltar que:
1939, estudou nas universidades da Califórnia e de Yale. Estabeleceu-se em Nova York onde
conheceu Eva Hesse, Steve Reich, Donald Judd, Bruce Nauman e outros artistas. Trabalhou
inicialmente com borracha, incluindo peças penduradas ou emaranhadas; a partir de
1969 passou a interessar-se primordialmente em cortar, apoiar ou empilhar placas de aço,
madeira rústica etc... Criou estruturas, algumas muito grandes, suportadas apenas por seu
próprio peso. Desde 1970, tem produzido varias peças em larga escala e peças “ambientais”,
assim como desenhos monumentais em carvão ou bastão de tinta.
https://goo.gl/3L2opr
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Como exemplo, podemos citar uma obra muito recente, a Our Colour Reflec-
tion (2016) da artista Liz West. Seu projeto de site specific foi elaborado para a
igreja de São João em Noth Lincolnshire, no Reino Unido. O edifício, com 125
anos de idade, teve seu piso envolvido com mais de 700 discos multicoloridos feitos
com espelhos de acrílico que possuíam 15 cores e tonalidades que iam do amarelo,
roxo, azul e vermelho. Os discos com diâmetros de 30, 40, 50 e 60 centímetros re-
fletem partes da igreja que dificilmente prestaríamos atenção dentro do local, mas
é a obra que nos proporciona essa curiosidade. Trata-se de uma obra em constante
mudança, pois os reflexos que os discos projetam nas paredes da igreja são altera-
dos à medida que a luz muda de direção e intensidade ao longo do dia. Durante a
noite, há refletores dentro o local que fazem com que os espelhos coloridos enviem
pontos de cor para o interior da antiga igreja, iluminando a arquitetura neogótica.
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Figura 15 – Liz West, Our Colour Reflection, 2016
Fonte: http://www.liz-west.com
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Por mais que a obra esteja inserida num museu neutro, um espaço limpo, todo
branco e impessoal, a obra se insere no contexto de site specific justamente pela
própria estrutura e proposta conceitual e física do museu: o diálogo com a paisagem
externa e com a arquitetura. Ao inserir pedras vulcânicas por grande parte do
museu, o artista cria uma paisagem curva pelas sequências de galerias, com um
pequeno riacho que escorre através dela. A água é turva, meio esbranquiçada como
se tivesse sido colorida pelas cinzas vulcânicas. Em alguns lugares há pequenas
poças cobertas por um resíduo pegajoso e bolhas de espuma são formadas. Há
uma oposição entre o som da trituração das pedras por nossos pés e o som suave
da água escorrendo. A luz do teto brilha numa luminosidade extrema e uniforme. A
luz encontra a escuridão da terra, tornando ainda mais clara a artificialidade dessa
natureza desértica.
De acordo com Svava Riesto e Henriette Steiner em seu texto crítico sobre a
obra Riverbed,
Esta paisagem estrangeira e completamente não-orgânica é cinza e fosca,
onde nós sentimos que ela absorve até mesmo o som de nossas vozes.
Somos vencidos por um sentimento de estranheza. Isto é enfatizado pelo
fato de que a água não é clara, e que a espuma nas pequenas poças faz
parecer que a água é de alguma forma poluída. Estamos desprovidos de
janelas, de um horizonte e de ar fresco. E nesta falta de orientação em um
deserto cinza aparentemente interminável, os nossos sentidos corporais
são certamente elevados e nossa mente é desafiada (2014).
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Dessa forma, a partir da própria vivência do espaço criado pelo artista Olafur
Eliasson, as pessoas voltam ao normal, encontrando um alívio visual no horizonte
que se abre no final, um horizonte moldado pelo museu. Essa obra está em
diálogo com uma paisagem totalmente oposta, fazendo o público olhar a cidade
de Louisiana de uma maneira diferente, pois ao invés de contar uma narrativa
conhecida da bela topografia do lugar, o artista nos tira fora do entorno e importa
uma beleza diferente e áspera.
O conceito da criação artística que tem como base e objetivo a relação direta
entre a obra de arte e o local em que ela se insere teve suas origens na instalação,
na land art e nas obras denominadas site specific. Tal como vimos, as obras de
site specific são resultado da busca por conhecer as particularidades do lugar, do
sítio, onde os artistas refletem e expressam suas visões e concepções do lugar,
proporcionando novas relações com ele.
O conceito de site specific, conforme vimos, não diz respeito somente ao espaço
externo, mas também nos espaços internos de galerias e museus, ou até espaços
com outras finalidades como uma igreja, por exemplo.
A seguir, vamos conhecer outro conceito artístico que, cada vez mais, tem estado
presente na produção de arte recente: a intervenção artística urbana.
Outros autores como Miwon Kwon, no seu livro One Place After Another
(2004) e Benjamin Buchloh em Procedimentos alegóricos: apropriação e mon-
tagem na arte contemporânea (2000) defendem, sob a perspectiva do desenvol-
vimento da lógica do site specific, que a noção de “site” passou por três estágios:
1. “site fenomenológico ou experiencial” – ligado às experiências do minima-
lismo (e do neoconcretismo no contexto brasileiro);
2. “site institucional” – site do trabalho de arte a partir das propostas da crítica
institucional;
3. “site discursivo” – implicado com as práticas voltadas para a comunidade.
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No que diz respeito à esfera pública, as intervenções buscam uma aproximação
do trabalho do artista com o cotidiano, tornando a arte mais próxima e acessível
ao público. Elas podem ser realizadas em diferentes meios e linguagens como:
happenings, performance, instalação, videoarte, grafites, pinturas etc. Há
intervenções artísticas com aprovações institucionais, mas muitas delas são
realizadas sem autorização prévia, tornando-se ilícitas em certas ocasiões.
Assim como as demais produções artísticas que vimos até o momento, como a
land art e o site specific, muitas intervenções buscam tornar a arte mais acessível
ao público, criticando a mercantilização musealização da arte. Por estar presente no
cotidiano das pessoas, ou seja, nos lugares em que as pessoas circulam (centro da
cidade, lugares públicos com grande circulação, etc), as intervenções resultam em
uma multiplicidade de experimentações artísticas relacionadas com os contextos
sociais, políticos e artísticos.
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De acordo com a Enciclopédia Itaú Cultural, o termo intervenção tem em seu
significado:
• uma ação sobre algo que acarreta reações diretas ou indiretas;
• ato de se envolver em uma situação para evitar ou incentivar que algo aconteça;
• alteração do estabelecido;
• interação, intermediação, interferência, incisão, contribuição.
Com base nessas premissas, vamos conhecer agora algumas obras que apresen-
tam tais aspectos, sendo diretamente ou não denominadas de intervenções.
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Você se identifica com trabalhos artísticos que refletem sobre questões sociais e políticas?
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Figura 21 – Grupo 3NÓS3, Conecção,1981
Fonte: http://brasileiros.com.br
Nos anos 1970, período da Ditadura Militar, Artur Barrio realizou o trabalho
Trouxas Ensanguentadas, que consistiu em intervenções de trouxas de pano
ensanguentadas que possuíam restos mortais de animais em seu interior. Essas
trouxas foram espalhadas por rios da cidade e bueiros, gerando uma repercussão
midiática, pois a população acreditava que os pacotes possuíam cadáveres dos que
foram assassinados durante o regime militar.
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Para conhecer mais sobre essa obra de Artur Barrio, leia o texto O Significado Político nas
Explor
Ainda temos no contexto brasileiro alguns trabalhos de artistas que são conside-
rados como precursores das intervenções como: Flávio de Carvalho (1899-1973),
Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988), Cildo Meireles (1948), Pau-
lo Bruscky (1949), Dante Velloni (1954) e os grupos Viajou sem passaporte e
Manga Rosa no final dos anos 1970.
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Um dos seus trabalhos emblemáticos é a intervenção chama Pets (2008), uma
intervenção com esculturas gigantes em formato de garrafas plásticas de refrigerante.
A estratégia do aumento da escala de objetos do cotidiano tem clara referência na
escultura pop, e se torna fundamental para chamar a atenção da população para o
rio Tietê, na cidade de São Paulo, local em que elas foram instaladas.
Durante dois meses, essa intervenção realizada às margens deste rio poluído foi
vista por mais de 60 milhões de pessoas. Segundo o site do artista, a obra levou
cerca de 3 mil crianças e professores da rede pública para visitá-la. Finalizada
a exposição, as gigantes garrafas infláveis foram recicladas e geraram mochilas
desenhadas pelo designer Jum Nakao e doadas para as escolas que fizeram a visita.
Para Eduardo Srur, muito mais que refletir sobre uma questão ambiental, a obra
também propõe a “reciclagem do olhar”.
Explor
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Por fim, apresentamos o artista francês Etienne Lavie que criou um projeto de
intervenção que critica a forma como as cidades nos bombardeiam com anúncios e
propagandas, por todos os lugares em que as pessoas transitam. O projeto intitulado
“OMG, Who Stole My Ads?” (Ah Meu Deus, Quem roubou meus anúncios?), parte
do pressuposto de imaginar um mundo sem publicidade. Etienne Lavie criou uma
galeria ao ar livre transformando o espaço publicitário de Paris com a inserção de
imagens de obras de arte francesas de uma época anterior em outdoors e cartazes,
substituindo as publicidades.
Conclusão
Nesta unidade vimos três possibilidades artísticas que utilizam diferentes
estratégias de relações com o espaço público, seja ele mais afastado como na land
art, seja ele mais próximo dos grandes centros como nas obras de site specific e
intervenções artísticas. Cada uma dessas linguagens possui suas especificidades
de relação com o espaço e, a partir desse diálogo, permite ao público infinitas
possibilidades reflexivas sobre o lugar e o mundo em que vivem, pensando sobre
questões que vão além da arte, como a sociologia, a antropologia, a política e o meio
ambiente, por exemplo. Com isso, a arte se reafirma como área de conhecimento,
como área de produção que dialoga as reflexões estéticas com o cotidiano das
pessoas, contribuindo para a formação crítica do público.
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livros
Earthworks and Beyond: Contemporary Art in the Landscape
BEARDSLEY, JOHN. Earthworks and beyond: contemporary art in the landscape/
John Beardsley. New York: Abbeville Press, 1998.
Procedimentos Alegóricos: Apropriação e Montagem na Arte Contemporânea Procedimentos Alegóricos:
Apropriação e Montagem na Arte Contemporânea
BUCHLOH, Benjamin. Procedimentos alegóricos: apropriação e montagem na arte
contemporânea. In: Revista Arte & Ensaios, n. 7, p. 178-197, nov. 2000
Seven Ballets in Manhatan
BUREN, Daniel. Seven Ballets in Manhatan. New York: John Weber Galley, 1976.
Textos e Entrevistas Escolhidos
BUREN, Daniel. Textos e entrevistas escolhidos [1976-2000]. DUARTE, Paulo
Sergio. (org.) . Rio de Janeiro: Centro Helio Oiticica de Arte, 2001.
Arte no Brasil 1950-2000 – Movimentos e Meios
COSTA, C. T. Arte no Brasil 1950-2000 – movimentos e meios. São Paulo: Ala-
meda, 2004.
On the Museum’s Ruins
CRIMP, Douglas – On the Museum’s Ruins. Cambridge: MIT Press, 1993.
The American Sublime
DANTO, Arthur. The American Sublime. The Nation, 1º de setembro de 2005.
Thinking about Exhibitions
GREENBERG, Reesa; FERGUSON, Bruce W.; NAIRNE,Sandy [ed. Lit.] – Thinking
about exhibitions. London and New York: Routledge, 2005
Land and Environmental Art
KASTNER, Jeffrey; WALLIS, Brian. Land and Environmental Art. Londres: Phai-
don Press, 1998.
One Place After Another: Site Specific Art and Locational Identity
COSTA, C. T. Arte no Brasil 1950-2000 – movimentos e meios. São Paulo: Ala-
meda, 2004.
One Place After Another: Site Specific Art and Locational Identity
KWON, Miwon. One place after another: site specific art and locational identity.
Cambridge/London: MIT Press, 2004.
40
Sculpture Projects Muenster 07
MARCHART, Oliver. Public Art. In: FRANZEN, Brigitte; KÖNIG, Kasper; PLATH,
Catarina (eds.). Sculpture Projects Muenster 07. Münster: LWL-Landesmuseum
für Kunst und Kulturgeschichte, 2007.
Art and the Public Sphere
MITCHELL, W. J. T. (ed.). Art and the Public Sphere. Chicago / Londres: Univer-
sity of Chicago Press, 1992.
ARTE do Século XX
SCHNECKENBURGER, Mandred. Escultura. In: RUHRBERG, K; HONNEF, F. ARTE
do século XX, v. 2. China: Taschen, 2010.
Space, Site, Intervention: Situating Installation Art
SUBERBURG, Erika. Space, site, intervention: situating installation art. Minea-
polis: University of Minnesota Press, 2010.
Land Art
TUFNELL, Ben. Land Art. London: Tate Publishing, 2006.
Between Landscape Architecture and Land Art
WEILACHER, Udo. Between landscape architecture and land art. Basel; Berlin;
Boston: Birkhäuser, 1999.
Leitura
Espaço de Exposição como Espaço de (Re)Criação - Exposições para a Casa de Serralves
AZEVEDO, Teresa. Espaço de exposição como espaço de (re)criação - Exposições
para a Casa de Serralves. Dissertação de Mestrado. Universidade do Porto, 2008.
https://goo.gl/hvYUJY
Os Espaços em Trânsito da Arte: In-situ e Site-specific, algumas Questões para Discussão
GIORA, Tiago. Os espaços em trânsito da Arte: In-situ e site-specific, algumas questões
para discussão. In: Revista Bimestral de Arte Panorama Crítico | ISSN 1984-624X
| Edição #06 | Junho/Julho 2010.
https://goo.gl/dvAe2p
Da Arte Pública à Esfera Pública Política da Arte
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UNIDADE Land Art, Site Specific e Intervenção
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Referências
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