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Tópicos de História

da Arte Brasileira
Arte e Sexualidade

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Luiz Vicente de Lima Lázaro

Revisão Textual:
Maria Cecília Andreo
Arte e Sexualidade

• Arte e Sexualidade na Arte Brasileira;


• O Feminino e suas Influências na Arte Brasileira;
• O Corpo Sexuado – Artistas que Transitam pelo Gênero da
Sexualidade nas Criações Artísticas.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Compreender os conceitos de gênero na Arte – Atributos relacionados às questões da sexualidade;
• Conhecer os aspectos históricos da presença da mulher na arte brasileira e seu papel como artista;
• Refletir sobre a cultura visual contemporânea de afirmação dos sexos e dos corpos sexuados, cru-
zando os mais diversos campos artísticos, como a fotografia, performances, pintura e escultura;
• Compreender esse novo olhar contemporâneo na arte sobre a diversidade e a sexualidade
na forma de lidar com o corpo como objeto e o imaginário.
UNIDADE Arte e Sexualidade

Arte e Sexualidade na Arte Brasileira


O que é “Gênero na Arte”
Vamos iniciar o conteúdo desta unidade definindo, primeiramente, o que vem a ser
“gênero” sob dois aspectos: questões da arte e do indivíduo. Um sistema de gênero na arte
nada mais é do que uma maneira de aproximar e categorizar a obra artística de acordo
com seus temas, objetos ou assuntos afins. Desde o século XVII, a obra de arte passa por
uma certa divisão, ou seja, uma definição quanto aos “grandes temas” das obras. Assim,
a pintura acaba ganhando uma divisão, que é utilizada até os dias atuais, entre “natureza
morta” (também conhecida como still life), “paisagem”, “pintura histórica”, “retrato” etc.
A fotografia viria a utilizar nomenclatura parecida, ou mesmo idêntica.

Conforme a expressão artística segue sua trajetória na história, a pintura também evolui,
sobretudo se pensarmos que a fotografia, a partir de 1840, desempenhará um importante
papel. De um lado, como novidade, a fotografia passa a desempenhar uma função que até
então era da pintura; de outro, o uso da fotografia permite à pintura trilhar novos caminhos,
abrindo espaço para as Vanguardas Históricas no final do século XIX na Europa.

Dessa forma, a representação fiel deixa de ser uma necessidade, e essas novas ver-
tentes, a partir do Impressionismo, testarão novos potenciais da pintura como meio de
expressão. Assim, a pesquisa com a luz e a cor no Impressionismo chegará ao Abstra-
cionismo (quando o que vemos na pintura não é um signo que faz referência a algo do
mundo real) e finalmente ao Surrealismo (1924), possivelmente a última das Vanguardas
Históricas, cujos desdobramentos se revelarão importantes para nossos estudos.

Figura 1 – A coluna quebrada, de Frida Kahlo, 1944


Fonte: Wikimedia Commons

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Depois da Segunda Guerra Mundial, há uma grande mudança: o eixo cultural e artís-
tico passa da Europa para os Estados Unidos e surgem novas tendências, novos meios
de expressão. No Brasil, as mudanças demoram um tanto a chegar. A Semana de Arte
Moderna abriu um caminho importante, mas a mudança demora um pouco a aparecer.
Nos anos 1950, considera-se que o nosso País acompanhou de perto o que existia de
novo no universo da arte.

Mais recentemente, principalmente na transição da modernidade para a contemporanei-


dade (há pelo menos duas rupturas possíveis), outras categorias também se inserem, como
a instalação, a body art e a arte urbana. Além disso, as temáticas se diversificam e a arte se
torna verdadeiramente transdisciplinar. Questões sociais, políticas, sexuais e de identidade
ganham suportes variados, como o corpo, as ruas e, é claro, museus e galerias de arte.

Embora possamos entender a arte como algo necessariamente capaz de promover a


ruptura e mostrar o que ninguém vê (ou quer ver), é correto também afirmar que muitas
vezes essa vocação faz da arte objeto de crítica. Isso aconteceu, e ainda acontece atual-
mente, embora a abertura alcançada, sobretudo nas últimas cinco décadas, seja notável.
Há, é claro, um longo caminho a ser percorrido.

A partir dos anos 1960, temos uma série de eventos que ganharam destaque por redis-
cutir questões que estavam, até então, de certa forma tidas como o “normal”, que estavam
cristalizadas pela tradição. Os movimentos pelos direitos civis, nos Estados Unidos, o Maio
de 68, na França, os Movimento Feministas, entre outras importantes iniciativas, que che-
garam ao Brasil um pouco abafadas, em razão da ditadura militar. Ainda assim, essa onda
chegou até nós, sobretudo, em 1968, ano em que seria assinado o AI-5, o mais brutal dos
atos institucionais do regime militar, que vigorou entre nós de 1964 a 1985.

Esses movimentos enfrentaram e enfrentam, infelizmente, resistência. Ainda hoje,


embora as discussões de gênero sejam bem mais frequentes na grande mídia, existe ainda
grande resistência, um conservadorismo que resiste a entender essa questão como algo
que deve ser discutido de forma ampla e sem preconceitos. A questão do gênero volta-
se para o sujeito, refere-se à sua forma de ser no mundo, às características pessoais de
sua personalidade, sexualidade, competências e interesses. As problemáticas sociais e
desigualdades de gênero se voltam, sobretudo, às diferenças de estatuto, poder e prestígio
entre homens e mulheres, que podem ser brancos, negros, indígenas e que podem ter,
ainda, orientações de gênero que fujam de um pretenso “padrão”. Nesse sentido, a arte
deve desempenhar um papel importante: trazer essas discussões para a pauta diária das
pessoas, promovendo a renovação de um pensamento que oprime aquele que não se
adequa a um padrão rígido, opressor e, por vezes, preconceituoso e violento. Em nossa
sociedade, ainda são muito evidentes as dificuldades das mulheres, que ganham menos
que os homens (ainda que desempenhem as mesmas funções), estão em um número muito
menor em cargos de direção e que ainda realizam trabalhos domésticos em proporção
muito maior. Esses dados mostram o quanto ainda temos a evoluir nessas discussões.

Felizmente, estamos caminhando. O reconhecimento sobre as principais repressões


sofridas pelas mulheres fez com que nos anos 1960 e 1970 essa discussão ganhasse

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espaço. Uma das bases desse fenômeno está na publicação, em 1949, de O segundo
sexo, de Simone de Beauvoir (1908-1986), escritora e obra que têm uma importância
notável no despertar de diversas partes da sociedade para o feminismo.

No Brasil e na América Latina, esses movimentos também se posicionaram diante das


muitas discriminações, ganhando forma, sobretudo, com o fim dos regimes autoritários.
Contudo, é com grande dificuldade que conseguem contribuir na construção de novos pa-
radigmas, de modo a serem reconhecidos e erradicadas as hierarquias de gênero. Já a arte
de cunho feminista não era um movimento, mas uma maneira de expressar, subjetivamente,
suas várias formas de interagir, em uma linguagem representacional, sua verdade. A autora
americana Lucy Lippard esclarece: “E a arte feminista não era um movimento – ou era um
movimento, e ainda é, mas não um movimento artístico, com as inovações estéticas e exaus-
tivas implicadas” (LIPPARD, 1995, p. 25).

É nesse contexto que a questão da sexualidade e do corpo na arte se pronunciou,


principalmente sob a tutela dos movimentos surrealistas e da body art, influenciando
toda uma geração de artistas pelo mundo e abrindo novos caminhos no que se refere
à representação da mulher e à liberdade de expressão do início do século XX. A arte
contemporânea nos oferece uma série de recursos, sobretudo tecnológicos, para que
seja possível dar continuidade a essas expressões.

O Feminino e suas Influências


na Arte Brasileira
A sexualidade sempre ocupou um lugar desafiador nos discursos da identidade do sujeito
na modernidade de modo geral, e na arte não poderia ser diferente. Na verdade, é nesse
lugar que encontraremos seu maior desafio, uma vez que a arte nos proporciona um es-
paço estético e especulativo mais amplo que outras áreas do conhecimento. A sexualidade
na arte sempre gerou polêmicas e mobilizações da classe artística e feminista em defesa
da liberdade de expressão e alteridade. Nesse sentido, só de associarmos a sexualidade ao
corpo, nos dois últimos séculos perceberemos como esse tema atravessou intensos embates
e tensões inseridas na construção social e, principalmente, na presença da mulher na arte
segundo tradições, costumes e valores culturais.

No Brasil, até a virada para o século XIX, ainda não havia o reconhecimento de mulhe-
res artistas. Isso também ocorria em outras áreas, devido ao modelo patriarcal instalado
em todo o Ocidente. Somente a partir de Angeline Agostine (1888-1973), Nicolina Vaz de
Assis (1874-1941) e Abgail de Andrade (1864-1890) – primeira mulher premiada na 26ª
Exposição Geral de Belas Artes, em 1884 – foi dada maior visibilidade às mulheres artistas
brasileiras. Essas três artistas, em particular, foram alunas do pintor e desenhista Henrique
Bernardelli (1858-1936). Foram aceitas como artistas, entretanto, somente para os cursos
domésticos oferecidos na escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

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A emancipação das mulheres se dá paulatinamente também em outros campos da
economia, devido ao desenvolvimento da indústria. No início do século XX, a repressão
feminina, como sinônimo da coerção do corpo e da consciência da sexualidade, foi o
ponto mais elucidativo na arte. As mulheres artistas buscavam um discurso emancipador
por meio de suas expressões artísticas contra o conservadorismo e o preconceito com
a palavra “feminismo”.

Figura 2 – A Hora do Pão, de Abigail de Andrade, 1889


Fonte: itaucultural.org

Conheça um pouco mais da história de Abigail Andrade. Disponível em: https://bit.ly/3suwIfN

A Semana de Arte Moderna, que aconteceu em São Paulo em 1922, é um grande


marco nas artes plásticas brasileiras. Entre outros grandes nomes do Modernismo brasi-
leiro, destacam-se Anita Malfatti (que recebera uma crítica mordaz de Monteiro Lobato
anos antes, em 1917) e Tarsila do Amaral, que, embora não tenha participado das expo-
sições da Semana, teve seu nome marcado pelo movimento e imprimiu um estilo muito
particular às artes brasileiras do período.

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Figura 3 – Abaporu, de Tarsila do Amaral, 1928


Fonte: Wikimedia Commons

O período Moderno no País se estenderia até a década de 1940, em pelo menos duas
fases. Na segunda fase, representada principalmente pelo chamado Grupo Santa Helena,
as obras artísticas encontram contornos mais sociais e um menor espaço para a arte ex-
perimental da primeira fase Modernista. Nas artes vigorava a antropofagia de Oswald de
Andrade e Tarsila do Amaral, entre outros modernistas. Nesse cenário, as reflexões sobre a
produção artística feminina no Brasil, de modo geral, têm especificidades muito diferentes da
de outras partes do mundo, como na Europa e nos Estados Unidos, em que logo na primeira
década do século XX já articulavam intenções no viés do Surrealismo como um gênero de
expressão da sexualidade. No México, destaca-se a figura de Frida Kahlo, artista de um estilo
muito peculiar e que, embora não tenha mantido laços iniciais com o movimento surrealista
europeu, foi considerada surrealista pelo próprio André Breton. A artista, no entanto, não se
colocou em definitivo como surrealista, pois dizia que não pintava sonhos, mas sua própria
realidade trágica.

É, sem dúvida, no surrealismo que a questão da sexualidade adquire um


meio artístico de expressão. Não é coincidência a adesão de muitas mulhe-
res ao movimento que sugere uma liberalização das censuras e repressões.
A própria palavra surrealismo foi escolhida por André Breton a partir de
uma peça de Guillaume Apollinaire chamada “As mamas de Tirésias, um
drama surrealista”. (MATESCO, 2000)

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Importante!
O Surrealismo foi um movimento artístico que aconteceu originariamente na França, sob
a batuta de André Breton, na década de 1920. A representação das obras se dá por meio
das emoções e da liberação do inconsciente, sem nenhum controle da razão. O nome do
movimento foi dado por Guillaume Apollinaire, escritor e crítico de arte, e significa uma
arte que ultrapassa as aparências, desobrigada o artista da fidelidade do real e traz,
sobretudo, a atmosfera do sonho, em que as rígidas regras da realidade não valem.

Entre nossas artistas brasileiras, Maria Martins (1894-1973) se consagra como a prin-
cipal escultora de expressão surrealista. Viveu grande parte de sua trajetória em um am-
biente em que conheceu artistas europeus ligados ao Dadaísmo e ao Surrealismo, quando
manteve um relacionamento amoroso com Marcel Duchamp, um dos maiores artistas do
século XX. Em suas obras, a artista se apropria da linguagem ambígua relacionada ao
desejo e à sexualidade, própria do Surrealismo, e cria imagens de forte impacto visual,
de erotismo, violência e lirismo notáveis. Entretanto, devido às suas arrojadas ideias, de
influência internacional, inicialmente a artista não é bem aceita no Brasil, ainda muito
conservador à época.

Figura 4 – Impossível, de Maria Martins, 1945


Fonte: mam.org

Para entender melhor a diversidade e a relevância da obra de Maria Martins, acesse o docu-
mento a seguir, no site do Museu de Arte Contemporânea (MAM). Nele, você encontrará ima-
gens da exposição Metamorfoses, de Maria Martins, realizada em 2013.
Disponível em: https://bit.ly/2W3WD1W

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No Brasil, o Surrealismo ainda não era muito bem recebido, e Maria Martins acaba
sofrendo várias críticas em sua primeira exposição na primeira Bienal de São Paulo,
realizada em 1951. A obra de Martins era claramente influenciada pelo Surrealismo, as-
sim como é possível notar nas obras de Tarsila do Amaral e de Anita Malfatti uma clara
influência dos movimentos modernos europeus, como o Cubismo peculiar de Léger, na
obra de Tarsila, e o Expressionismo, na obra de Anita. Buscava-se, desde a Semana de
Arte Moderna, em 1922, uma “atualização” da arte brasileira, e o modelo era a Europa.
É certo, é claro, que a cultura brasileira se faz presente nas obras modernistas. Essa
junção “antropofágica” é justamente o que caracteriza o movimento.

O Brasil já entrava na década de 1950, e, apesar de lidarmos já com a arte construtivista


e razoavelmente bem com a abstração, vivíamos sob um regime conservador, reforçado por
uma ditadura militar. Esse cenário não colaborou para que a obra de Maria Martins fosse
bem recebida. Não podemos descartar a hipótese de que parte das críticas pode ter sido
feita simplesmente por se tratar de uma artista mulher.

Contudo, apesar da conjunção crítica e cultural desse período, existiam indícios de


uma inquietação dos movimentos feministas, que lutavam pelos direitos das mulheres.
No entanto, somente com a redemocratização do País, nos anos 1980, esses movimentos
começaram a ser mais vistos.

Algumas das conquistas de engajamento e reconfiguração das mulheres no mercado


artístico brasileiro são apontadas pelos movimentos feministas vindos de fora e provo-
cam reverberações na década de 1970, quando os caminhos se abrem em direção às
novas formas de visão e liberdade de expressão. Alguns grupos associam-se a movi-
mentos sociais de luta e resistência contra a ditatura e movimentos sociais de negros e
homossexuais, propondo debates sobre as questões relacionadas a sexualidade e vio-
lência por todo o Brasil. Algumas artistas nem sempre se identificavam ou aderiam aos
movimentos feministas, com receio de serem taxadas de destruidoras de lares ou, então,
com problemas emocionais de ordem sexual, entre outros aspectos particulares.

O movimento feminista sofreu e sofre muitos desgastes e críticas. Por isso, para melhor
fundamentar o tema, leia o texto sugerido “Feminismo no Brasil”.
Disponível em: https://bit.ly/2UmlNIn

As intervenções femininas e feministas são historicamente abordadas de forma tímida.


As curadorias artísticas escolhem o que deve ser preservado e inserido no imaginário so-
cial, descartando quase sempre as obras de artistas mulheres, considerando essas obras
sem importância. O modelo, infelizmente, apesar da lufada de ar fresco promovida pela
modernidade, foi o modelo do homem branco europeu. As artes africana e asiática,
por exemplo, foram, no máximo, consideradas exóticas e, embora tenham influenciado
grandes nomes da arte europeia, como Picasso e Van Gogh, não se transformaram em
cânones do período moderno e são vistas dessa maneira por muitos até os nossos dias.

A Pinacoteca do Estado de São Paulo é uma das instituições que se sensibilizam com
as temáticas femininas e feministas, mesmo nesse cenário crítico. A instituição promoveu,
em 2004, a exposição Mulheres Pintoras, a casa e o mundo, um recorte de obras de
artistas brasileiras que vai do século XIX até meados do século XX.

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Figura 5 – Mulher do Pará, de Anita Malfatti, 1927 Figura 6 – Tomie Ohtake, 1975, de Madalena
(reprodução fotográfica de Leonardo Crescenti) Schwartz (digitalizado a partir do original)
Fonte: itaucultural.org Fonte: itaucultural.org

Foram expostas, além de produções de Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, obras de


Tomie Ohtake e Djanira, entre outras artistas. No total, a curadoria de Ruth Sprung
Tarasantchi contemplou uma amostra da obra de mais de 50 artistas, todas mulheres e
extremamente representativas, cada uma à sua maneira, para a arte brasileira.

Em 2006, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), os curadores Heloisa Buarque


de Hollanda e Paulo Herkenhoff trazem para São Paulo a exposição Manobras Radicais,
tendo como tema principal a questão dos gêneros no meio cultural e uma reflexão concei-
tual sobre a arte brasileira e os desdobramentos da expressão estética de mulheres artistas.
Essa exposição reuniu artistas de diversas tendências dos anos 1960 até meados dos anos
1980 e contou com as obras de Nair de Taffé, uma das primeiras artistas transgressoras
no Brasil, seguida de Anita Malfatti, Maria Martins, Lygia Clark, Lygia Pape, Anna Maria
Maiolino, Beatriz Milhazes, entre outras.

[...] A partir de suas próprias características, o meio cultural brasileiro


sempre foi muito refratário a algumas ideias discutidas no Hemisfério
Norte, do debate sobre “arte conceitual” nos anos 70 aos fóruns recentes
sobre o “multiculturalismo”, a “pós-modernidade” e, até mesmo em mui-
tos casos entre artistas-mulheres, o “feminismo”. É precisamente nesse
ponto de inflexão, que esta exposição vai indagar a direção das manobras
e da força transformadora da arte produzida pelas novas gerações de
mulheres hoje no Brasil. (HOLLANDA, 2006)

Para conhecer os trabalhos e as artistas que participaram da exposição Mulheres Pintoras,


em 2004, acesse o site da enciclopédia Itaucultural. Disponível em: https://bit.ly/37QjqRs

É oportuno e de extrema importância citar as artistas que fizeram parte de uma gera-
ção que passou por forte repressão e que influenciou e reforçou, com a temática feminista

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contemporânea, a presença da mulher na arte. São muitos nomes, e destacamos aqui


alguns: Wanda Pimentel, Mira Schendel, Iole de Freitas, Maria do Carmo Secco, Sandra
Cinto, Regina Vater, Beatriz Milhazes, Carmela Gross, Rosangela Rennó, Letícia Parente,
Sonia Andrade, entre outras.

Essas artistas apropriavam-se, na linguagem de suas produções, do fato de serem mu-


lheres e, com isso, enfrentavam os estereótipos vigentes da “mulher como objeto” e abri-
ram um espaço para a expressão do íntimo da mulher na arte (TRIZOLI, 2008, p. 9).

[...] se apropriavam do aparato simbólico de sedução e identificação do


feminino a fim de construir uma crítica a reificação da mulher como
objeto familiar, como é o caso dos óleos e desenhos geometrizados de
Wanda Pimentel que rompem com a suposta racionalidade do mundo ao
inserir elementos do “irracional” feminino, Maria do Carmo Secco e suas
apropriações dos mitos românticos de afetividade social, e ocasionalmente,
Maiolino e sua análise melancólica da estrutura amorosa familiar, ora
seguiam pela via sexista, questionando a objetificação do corpo feminino
como aparato de desejo social e sua construção discursiva a partir do olhar
masculino, como foi o caso de Iole de Freitas, onde o corpo e desdobrado
e ameaçado, e Regina Vater, onde as curvas femininas são analogias do
ideário tropical carioca e espaço de um paraíso hedonista – mas isso se
nos atemos a suportes tradicionais, pois tanto Letícia Parente quanto
Sônia Andrade colocaram em xeque o estatuto da imagética feminina e
suas relações corpóreas em suas experimentações com super 8 e vídeo.
(TRIZOLI, 2008)

Leia a íntegra do artigo O Feminismo e a Arte Contemporânea – Considerações, de Talita


Trizoli, disponível em: https://bit.ly/3xWUSk1

Não é demais lembrar, a essa altura, uma característica da arte contemporânea, que
é o seu internacionalismo. Até o período moderno, os centros produtores de arte eram
facilmente isoláveis: Paris, durante as Vanguardas Históricas, e Nova York, após a Se-
gunda Guerra Mundial. Nos dias atuais (e a tecnologia colabora com isso, certamente),
produz-se arte contemporânea, em tese, em qualquer lugar do globo.

Artistas brasileiras têm, assim, também um apelo internacional. São muitos os exem-
plos. Um deles é Mira Schendel e sua série Droguinhas.

Veja mais imagens de Droguinhas, de Mira Schendel, no site do Museu de Arte Moderna de
Nova York (MoMa), disponível em: https://mo.ma/3yUOj2P

Assista, ainda, ao vídeo da Fundação Serralves, do Porto, em Portugal, por ocasião da ex-
posição de Mira Schendel por lá em 2014. Disponível em: https://youtu.be/CefVFj6VGW0

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Figura 7 – A Negra, de Carmela Gross, 1997
Fonte: Divulgação

Cabe ressaltar que o movimento feminista teve ampla abordagem de ordem social,
política e cultural, sendo permanentemente readequado à sua época e região, incor-
porando novas discussões. Contudo, o enfoque dessa abordagem no universo da arte
brasileira não se trata de uma luta direta e competitiva de igualdades entre homens e
mulheres, está no questionamento da sexualidade, do feminino e de gênero, na inser-
ção das mulheres artistas no âmbito do mercado de arte, quase sempre preconceituoso
(quando a arte e as suas relações, ainda que mercadológicas, não deveriam ser). De certo
modo, essas iniciativas feministas não tinham como propósito um teor estético, mas sim
a busca pelo diálogo e o posicionamento da mulher com a sociedade na arte, bem como
sua liberdade de expressão.

O Corpo Sexuado – Artistas que


Transitam pelo Gênero da Sexualidade
nas Criações Artísticas
Nas inquietações contemporâneas, ou ainda pós-modernas, as manifestações artís-
ticas buscam romper ainda mais com as repressões do cenário moderno. A exploração
sobre o conceito de beleza, a problematização do feminino, a homossexualidade e o

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erotismo operam na produção de subjetividades, desejos, gêneros, identidades nas quais


desencadeiam uma série de debates e ganham ênfase no início do século XX no Brasil,
como já mencionamos anteriormente nesta unidade. Em desdobramento ao movimento
feminista, outras teorias se formam como manifestação expressiva de identidade artística
e poética, entre elas a Arte Queer.

Michel Foucault é um pensador francês que encarou esse debate. A importância dele
pode ser percebida sobretudo a partir da segunda metade do século XX, quando as obras
do autor ganharam notoriedade por discutir o que até então era “impensável”, temas que
estavam na marginalidade. O autor discute, entre muitos assuntos, a frustração do projeto
moderno, considerando as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945). Essas discus-
sões tornaram Foucault, para muitos, um dos mais importantes pensadores do século XX.

A partir dos anos 1970, sua fama aumenta, e Foucault visita o Brasil algumas vezes.
Escreveu sobre temas como psiquiatria, medicina, sexualidade, família, educação e as
instituições de poder. Em 1984, Michel Foucault vem a falecer, em razão de complica-
ções por ter sido contaminado com o vírus HIV.

Em 1976, Foucault publica a obra A vontade de saber, primeiro volume de sua


História da sexualidade. O autor vai questionar, em sua teoria, as categorias da sexua-
lidade e afirmar que o sexo foi colocado em discurso na sociedade e construído por ela.

No Brasil, esses conceitos e discussões não entram por meio dos movimentos sociais
como nos Estados Unidos, mas pelas universidades.

Para ilustrar um pouco mais essas questões, vamos analisar o trabalho do curador
e historiador Tadeu Chiarelli sobre esses temas que abordam a seguinte questão: onde
colocar o desejo? Sob esse olhar, Chiarelli realiza uma mostra de arte que chamou
de Erótica – Os Sentidos na Arte, em São Paulo (2005), no Centro Cultural Banco
do Brasil, que contou com mais de cem obras de 52 artistas brasileiros e estrangeiros.
A mostra, itinerante, depois de São Paulo foi para o Rio de Janeiro e Brasília.

Chiarelli foi buscar nas experiências dos surrealistas o conceito de beleza convulsiva e
vulgar como apropriação da pornografia. Selecionou as obras não com o tema “Erótica”,
necessariamente, mas sobretudo, escolheu trabalhos que tematizaram o erótico na
maneira de lidar com os materiais, na sua fatura pictórica. Obras de artistas como Newton
Mesquita, Fernanda Preto, Marcelo Krasilcic, Ismael Nery, Rosangela Rennó, Eric Fischl,
Alair Gomes, entre outros, fizeram parte da mostra. Artistas já muito conhecidos do
grande público, como o brasileiro Almeida Junior (1850-1899) e o espanhol Pablo Picasso
(1881-1973), também integraram o recorte da curadoria. O tema do autorretrato também
remete à dupla leitura sexual e artística.

Segundo artigo publicado à época pelo jornal Folha de S.Paulo, foi realizado, ainda
(em duas etapas), um ciclo de conferências denominado “Arte, Cultura e Erotismo”. Essa
é uma prova do quanto a academia e os pesquisadores têm se interessado em discutir
esse e outros temas, que para muitos ainda são considerados tabu (justamente assuntos
que Michel Foucault e outros de sua geração se interessam em discutir/rediscutir). Entre
os participantes da conferência estavam o próprio Tadeu Chiarelli, José Miguel Wisnik,
Ulpiano Bezerra de Menezes, Nicolau Sevcenko, Sérgio Augusto de Andrade e Luiz
Tenório de Oliveira Lima.

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Em entrevista para o jornal o Estado de S. Paulo, em 12 de outubro de 2005, o
curador Tadeu Chiarelli sublinha os seguintes pontos:

[...] “Trata-se de uma exposição de arte; são objetos artísticos vistos como
estéticos por nossa sociedade”, explica o curador Tadeu Chiarelli, mos-
trando assim que resistiu à tentação de abrir outras portas como as da psi-
canálise e antropologia para abordar tema tão complexo. O surrealismo,
escola em que a questão dos impulsos inconscientes e a sexualidade em
particular tiveram papel central, funciona como ponto de partida. Ques-
tões caras aos surrealistas como o automatismo psíquico e a noção de
“beleza convulsiva” – quando a representação é tomada como realidade,
uma imagem funcionando como índice de outra coisa – estão fortemente
presentes. [...] “Muitos que já produziram autorretratos afirmam que são
poucas as relações eróticas tão ou mais intensas do que o autoerotismo
implícito nessa ação: tradicionalmente, o espelho faz a intermediação en-
tre o olho que observa e a mão que representa”, conta Chiarelli. Com 109
obras de diferentes origens, a mostra reúne desde artistas ainda pouco
conhecidos, como o goiano Pitágoras, até estrelas internacionais como
Rodin, Picasso, Picabia e Marquet. (ESTADÃO, 2005)

Figura 8 – O Importuno, de Almeida Júnior, 1898


Fonte:itaucultural.org

Lembra-se do termo Queer? Você o conhece? O movimento Queer, de difícil tradu-


ção, é mais que uma estética, trata-se de um movimento mais amplo, com implicações
estéticas, filosóficas e políticas. Em última análise, o movimento busca uma nova visão
uma sociedade na qual seja possível exercer a liberdade de forma plena, sem amarras e
preconceitos. Em razão disso, temos uma estética, que advém de um referencial teórico
importante, que traz diferentes formas de representação que escapa a certos tradiciona-
lismos, com destaque para novas identidades sexuais.

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Importante!
“Queer”, termo em inglês, que vem sendo apropriado no Brasil de diversas maneiras,
quer dizer algo como objeto, excluído, disruptivo, fora de lugar, fora do eixo, fora da
instituição – logo, fora do museu.

Acredita-se que o movimento feminista tenha aberto as portas para o que chamamos
de movimento Queer. Sem dúvida, a luta pela igualdade de gêneros, tão necessária nos
tempos atuais, deve ter colaborado para que outras questões surgissem no horizonte
dessas discussões. Trata-se de um pensar diferente, que não aceita as convenções sociais
impostas por uma sociedade que diz às pessoas como elas devem agir e, sobretudo,
exercer sua liberdade, inclusive sexual. Assim, a teoria Queer propõe uma forma dife-
rente de olhar o mundo, aberta e não normativa.

Figura 9 – Beach Triptych 25, de Alair Gomes, 1985


Fonte: Divulgação

O Sesc São Paulo realizou, em 2015, o Primeiro Seminário Queer, realizado com trans-
missão ao vivo pelo portal e posterior disponibilização dos vídeos no YouTube. O evento,
que durou dois dias, teve curadoria do professor Doutor Richard Miskolci, pesquisador da
cultura e subversão das identidades. O evento nasceu de uma ideia da filósofa e jornalista
Daysi Bregantini, diretora da revista Cult. Essa é uma amostra do quanto alguns setores da
sociedade, ao menos, estão preocupados em ouvir as demandas de grupos que ainda hoje
sofrem uma discriminação muito grande, por não aceitarem as convenções que são impos-
tas a eles, o que é de extrema valia, certamente.

Se há dúvida sobre a relevância de um evento como esse, é bom lembrar que as vagas
para o seminário foram todas preenchidas em 45 minutos apenas, ou seja, há desejo,
vontade e necessidade de discutir abertamente o assunto.

Segundo Miskolci (2015), existem várias origens possíveis para o termo Queer, em
diferentes locais. Um fator que deve ser considerado nessa cultura, portanto, é uma
origem global, e não localizada exclusivamente nos Estados Unidos, como o termo em
inglês pode nos fazer acreditar. As iniciativas, portanto, são diversas.

De um ponto de vista prático, é possível vincular a origem do movimento aos anos


1980. A epidemia de AIDS, a partir de 1981, marcará a sociedade e os movimentos de
gênero. Sobre esse assunto, Nestor Perlongher, um autor argentino radicado no Brasil,

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escreve a obra O que é AIDS, em 1987. Perlongher morre em 1992, justamente em
razões de complicações decorrentes da AIDS.

Os anos 1980 teriam interrompido, segundo Miskolci, a “revolução sexual” dos anos
1960 e 1970. Isso se deu, em grande parte, em razão de governos de direita conservadores,
como os de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos.
A homossexualidade é vista como um perigo social por esse pensamento conservador.
É claro que essa pressão criaria resistência, grupos dissidentes que não aceitam as
imposições sobre como devem viver. Alguns acabam se adaptando a essa sociedade,
mas outros querem rediscutir abertamente essas questões, desejam ser ouvidos e ter
suas demandas atendidas. O movimento Queer surge, então, justamente daqueles que
mantêm a ideia de mudança, segundo o professor Miskolci, que faz, na abertura do já
citado seminário, uma pergunta provocativa, que, sem dúvida, merece nossa reflexão:
como as pessoas veriam a sexualidade se pudessem exercê-la livremente?

O professor destaca, ainda, algumas fontes teóricas importantes, como Gilles Deleuze
e Félix Guattari, autores de O anti-Édipo, e Michel Foucault, que, como vimos publicou
A vontade de saber, primeiro volume de sua História da sexualidade. O movimento
Queer não existiria se não fosse a corrente pós-estruturalista francesa, que traz a ideia,
sobretudo em Foucault, da discussão das ideias vigentes, nas mais variadas vertentes.
O movimento também se alimenta da tradição dos Estudos Culturais ingleses, importante
movimento que visa discutir questões complexas; e do marxismo crítico.

No Brasil, mas também em todo o mundo, as ideias de Judith Butler, autora da obra
Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, acabaram encontrando
um fértil terreno para essas relevantes discussões (MISKOLCI, 2015). Trata-se de uma
das filósofas mais importantes da contemporaneidade e uma das principais teóricas do
movimento Queer. Butler (2015) afirma que o Brasil está “no mapa” da teoria Queer,
pois tem uma grande resistência coletiva às condições adversas encontradas por aqui
pelo público queer. A autora trata em suas produções de uma série de questões, como
a não culpabilização da vítima (e sim do agressor), e apresenta dados terríveis do Brasil
e do mundo que envolvem problemas como o feminicídio, assassinatos de negros e de
pessoas LGBTQ+; racismo, misoginia, homofobia e transfobia.

Para saber mais sobre o artista Alair Gomes e muitos outros que se reuniram em torno da
teoria Queer, consulte o catálogo da BIEN’ART de 2005. O artigo do catálogo refere-se à ex-
posição Erótica, sob a curadoria de Tadeu Chiarelli. Disponível em: https://bit.ly/3xYWqdj

É claro que as artes plásticas, como forma de expressão, e em muitos casos de enga-
jamento político, refletiria e traria luz a essas questões. No Brasil, a chamada Queer Art
encontra seu lugar a partir dos anos 1990 e justamente aborda também por aqui estéti-
cas e temas voltados para a sexualidade. A estética dispõe de múltiplas linguagens, que
problematizam identidade sexual, gênero, objeto, estranhamento, diversidades. Segundo
a autora Rosa María Blanca:

[...] No Brasil, embora exista a confusão do queer com as siglas LGBT,


as exposições sobressaem por conterem uma curadoria queerfeminista.

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UNIDADE Arte e Sexualidade

Existe uma epistemologia feminista que atravessa os estudos de gênero,


queer e trans., no que tange à cultura e às artes visuais. Prevalecerá en-
tão, um conjunto de mostras queer-feministas ou feministas-queer. Em
um país onde o feminicídio é alarmante, assim como a violência de gêne-
ro e as políticas públicas contra o aborto, a discussão em torno a gênero
se empodera nas pesquisas acadêmicas.

As exposições no Brasil, a partir de uma perspectiva queer, são signifi-


cativas porque convocam artistas das margens. É importante destacar
que existe uma presença importante de artistas ativistas ou anarquistas
nos Cursos de Artes Visuais. Torna-se constante um diálogo entre os
movimentos sociais e as artes visuais, que dará lugar à constituição de
coletivos que funcionam no espaço universitário. Isso quer dizer que a
inserção no mercado da arte é o que menos interessa aos(às) artistas
queer e feministas. Existe, inclusive, uma recusa ao sistema das artes e
neoliberal atual. A vida está e estará em jogo. [...] (BLANCA, 2017)

Para compreender sobre os aspectos de gênero e diversidade, a Universidade Federal da


Bahia disponibiliza alguns cadernos com artigos muito interessantes e que ajudam a escla-
recer maiores detalhes sobre esse tema Disponível em: https://bit.ly/3yUtlB7
Para contextualizar os estudos desta unidade sobre a teoria Queer, sugere-se a leitura breve
do artigo de Leandro Colling. Disponível: https://bit.ly/3z0dmla

Muitas das obras nesse gênero podem ser visitadas no Museu da Diversidade Sexual do
Estado de São Paulo, inaugurado em 2002. Esse foi o primeiro equipamento do governo
a reunir obras de artistas renomados e como espaço de convivência, educação e cultura.
Artistas como Darcy Penteado e Madalena Schwartz (2013) são alguns exemplos.

Figura 10 – Museu da Diversidade Sexual


Fonte: Divulgação

A artista Madalena Schwartz (1921-1993), em sua exposição Crisálida, de 2013, reve-


la, por meio da fotografia, a arte e a realidade de transvestis, transformistas e personagens

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underground paulistanos, incluindo as bandas Secos e Molhados e Dzi Croquettes, pelas
quais a artista se apaixonou. Esses registros referem-se a uma série de 34 fotos tiradas
ainda nos anos 1970, como retrato da transgressão e diversidades vividas em um período
de plena ditadura militar. O Instituto Moreira Salles abriga 16.000 trabalhos da artista.

Figura 11 – Exposição Crisálidas, 2013 – Figura 12 – Exposição Crisálidas, 2013 –


Museu da Diversidade Sexual Museu da Diversidade Sexual
Fonte: mds.org Fonte: mds.org

Figura 13 – Dzi Croquettes – Cláudio Gaya, de Madalena Schwartz, 1974


Fonte: Divulgação

Veja mais sobre a artista Madalena Schwartz e sua biografia no site do Instituto Moreira
Salles. Disponível em: https://bit.ly/3yUH8aN

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UNIDADE Arte e Sexualidade

Outro dos nomes deste gênero Queer foi o já citado Alair Gomes (Valença (RJ),
1921-Rio de Janeiro (RJ), 1992). Seus trabalhos fotográficos exploram, em suas diversas
fases como artista, o voyeurismo e a sexualidade, na maioria masculina, sendo consi-
derado o precursor no viés homoerótico, ou seja, em uma narrativa de imagens ligadas
ao homossexualismo. A produção de Gomes foi se adequando com o tempo devido às
críticas que sofria e ao contexto social. O artista compõe um acervo de mais de 150 mil
registros que realizou a partir janela de seu apartamento no Rio de Janeiro, na praia
de Ipanema. A grande maioria dos fotografados eram esportistas do surfe, canoagem,
natação e futebol, que por ali transitavam diariamente.

Como complementação de seus Diários Eróticos (1966 a 1977), Alair realiza uma
das suas séries de fotografias mais ousadas, a Symphony of Erotic Icons, com mais de
1.700 nus masculinos agrupados em cinco seções: Allegro, Andatino, Andante, Adágio
e Finale. Em artigo publicado na revista Gênero, o pesquisador Wilton Garcia comenta:

[...] Alair Gomes parece ter descoberto na fotografia a forma de alimentar


seus anseios internos. Homossexual com extrema sensibilidade artística,
conseguiu ver no nu masculino uma gama de expressões para além da por-
nografia. Fascinado pela beleza masculina, sua forma de fotografar Niterói,
era criteriosa, precisa (não menos livre), pois passava os dias na janela de
seu apartamento, em frente à praia de Ipanema, com apenas uma câmera
fotográfica com teleobjetiva, aguardando o melhor ângulo dos banhistas.
Corpos suados, linhas e contornos trabalhados e o caminhar firme com-
punham um movimento inspirador, “perfeito”, aos olhos desse fotógrafo.
Ele ficou reconhecido ao descobrir as aspirações dos corpos masculinos
e do nu artístico, das sensações pulsantes que vivificam os belos Adónis
circulando pela praia carioca e despercebidos de sua câmera. [...] Nos anos
1970-80, reuniu mais de 120 mil fotografias que ilustravam os painéis das
paredes de seu apartamento. Um gênio desconhecido que foi descoberto
pelo Museu Assis Chateaubriand, tornando-se o principal curador de sua
obra. Parte do seu material está no acervo da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro e na Fundação Cartier, que, em 2001, fez uma grande expo-
sição (retrospectiva) sobre a arte do brasileiro em seu museu em Paris:
Symphony of erotics icons, Sonatinas four feet. Foi o primeiro artista
brasileiro a expor na fundação. (GARCIA, 2012, p. 10)

O artista Alair Gomes tem uma extensa série de trabalhos fotográficos, e, para melhor ilustrar
sua obra, sugerimos que acessem o site da enciclopédia do Itaucultural.
Disponível: https://bit.ly/37O72Bp

Para este primeiro momento, refletimos sobre algumas questões emblemáticas das
práticas artísticas que operaram na produção de subjetividades, impulsionadas por movi-
mentos de militância histórica em defesa de novos argumentos identitários, sociocultu-
rais e políticos. Sobretudo uma linguagem de arte deslocada do fluxo comum de repre-
sentação aliada ao reconhecimento de temas que abordam a diversidade, o feminismo e
as questões da sexualidade propriamente dita.

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De certa forma, alguns dos artistas aqui apresentados buscaram ressignificar na repre-
sentatividade de suas obras, mesmo que embrionária, uma ordem diferente de posicio-
namento estético e social. Entre elas, as produções artísticas que se apropriam do “nu”
passam a ter uma contestação complexa e requerem um cuidado maior de elaboração e
linguagem. Os artistas são aqui representados como ilustradores de ideias ou ideais que
muitas vezes nos fazem refletir, seja por questões sociais, seja por questões culturais.
Assim, de alguma forma, abriram caminho para uma nova ordem de valores e ressigni-
ficação para os códigos de identidades humanas.

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UNIDADE Arte e Sexualidade

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
História da sexualidade I – A vontade de saber
FOUCAULT, M. História da sexualidade I – A vontade de saber. Trad. Maria Thereza da
Costa Albuquerque; J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

 Leitura
O feminismo no Brasil: reflexões teóricas e perspectivas
https://bit.ly/2Uo3xOO
Breve história afetiva de uma teoria deslocada
https://bit.ly/3iVnpCE
Dramatização dos corpos: arte contemporânea de mulheres no Brasil e Argentina
https://bit.ly/2XznBiC

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Referências
BLANCA, R. M. Exposição Queer, contextos mundiais e locais. Cadernos de Gênero
e Diversidade, Salvador, v. 3, n. 3, set., 2017. Disponível em: <https://periodicos.ufba.
br/index.php/cadgendiv/article/view/23653>. Acesso em: 20/07/2018.

BUENO, A. O Brasil do século XIX na Coleção Fadel. Rio de Janeiro: Instituto Cultural
Sérgio Fadel, 2004.

CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. Erótica: os sentidos da arte. São Paulo: As-
sociação de Amigos do CCBB, 2005. Catálogo de exposição. Curadoria de Tadeu Chiarelli.

COSTA, A. A. A.; SARDENBERG, C. M. B. O feminismo no Brasil: uma (breve) retros-


pectiva. In: COSTA, A. A. A.; SARDENBERG, C. M. B. (Org.). O feminismo no Brasil:
reflexões teóricas e perspectivas. Salvador: UFBA, 2008.

GARCIA, W. A arte homoerótica no brasil: estudos contemporâneos. In: HOLLANDA,


H. B. Exposição Manobras Radicais 2006. Disponível em: <https://periodicos.uff.br/
revistagenero/article/view/31154>. Acesso em: 09/07/2018.

I SEMINÁRIO QUEER. J. B. e a Teoria Queer. Com Judith Butler. Disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=TyIAeedhKgc>. Acesso em: 20/01/2021.

I SEMINÁRIO QUEER. O que é Queer? Com Richard Miskolci. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=ar19rH0H6lM>. Acesso em: 20/01/2021.

LIPPARD, L. The pink glass swan. Select essays on feminist art. U.S.A. WW Norton,
1995.

OLIVEIRA. M. de. Abigail de Andrade: Artista plástica no Rio de Janeiro do século


XIX. Rio de Janeiro: Escola de Belas Artes/UFRJ, 1993.

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tps://brasilescola.uol.com.br/historiab/feminismo.htm>. Acesso em: 09/07/2018.

SIMIONE, A. P. C. Profissão artista. Pintoras e escultoras acadêmicas Brasileiras. São


Paulo: Editora da USP/Fapesp, 2008.

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