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Classe e raça no modernismo brasileiro de 22

A pouco mais de cem anos houve “A Semana da arte moderna”, considerada por
muitos o mais importante evento artístico brasileiro, isso por representar um marco que
teoricamente, representava uma ruptura da estética acadêmica, a busca pela identidade
nacional e do cotidiano brasileiro através das suas obras. Realizada apenas 34 anos após
a abolição da escravatura, e com a cultura escravocrata ainda presente em regiões mais
rurais e também na cidade, o evento foi conduzido pela elite, majoritariamente branca,
formada por ex-escravocratas e contou com uma participação praticamente nula de
pessoas negras ou de classes sociais mais baixas.
Os artistas não deixaram de retratar os negros em suas obras, porém não havia
uma representatividade e sim representações do que achavam ser a negritude em 1922.
Por exemplo, nas obras plásticas de Di Cavalcante os negros apareciam sempre a
festejar e as mulheres nuas e objetificadas.

Di Cavalcante – Carnaval na rua 1964

Di Cavalcante – Samba 1925

Nas artes literárias, o livro “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre (1933)
endossa a mestiçagem e a mostra essa prática como um meio de enriquecimento
cultural. De acordo com a pesquisadora Thais Gomes Machado, em seu artigo
“Dimensões do modernismo: a estética como visão de mundo e projeto de sociedade”,
essa obra, “narra o sexo propício entre os senhores brancos com as ‘escravas’, a partir
do ponto de vista da ausência das mulheres europeias e do pouco preconceito dos
portugueses, o que teria servido às condições de mestiçagem e democracia racial. Neste
sentido, narramos uma história, que se fez também a partir da estética, das artes e do
pensamento intelectual de artistas. (GOMES, pag.54, 2016)”.
Apontado como uma forte contradição dos modernistas, que por um lado
buscavam a ruptura com os padrões estéticos da Europa, mas também acreditavam que a
única forma para alcançar o progresso era o embranquecimento da população e dos
meios de produção, é perceptível que a prevalência da visão que quanto mais distantes
dos padrões brancos mais próximo da barbárie. Além dessas manifestações racistas,
muitas outras obras têm esse olhar tendencioso à estereótipos e caricaturas do que viria
ser o negro.
Não houve uma maior diversidade de raça, etnia, classe, gênero e sexualidade
entre os artistas, prenderam-se a somente uma ótica, impossibilitando a divergência de
lugares de fala, o que dificulta a quebra dessas caricaturas e estereótipos. Essa ausência
não foi uma mera coincidência
O apagamento da arte e da cultura negra no evento, pode dar a impressão
proposital de que não havia arte fora da brancura, apagando a contribuição negra na
história da arte. Grandes artistas como Pixinguinha, Lima Barreto, Lino Guedes, Donga
e João da Baiana não foram convidados para a semana, mesmo que nessa época esses
artistas já fossem famosos, reconhecidos e ativos na arte nacional. Essas práticas e
crenças forjam e fortificam a estrutura racista já existente, pois acreditar que uma raça
tem história e outra não, aumenta o ideal de superioridade racial.
Sobre a questão da raça o pesquisador Osmundo Pinho em seu artigo “O Efeito
do Sexo”, elucida sobre o tema, alegando que “raça e cultura participam de um mesmo
continuum estratégico, inserido no movimento mais amplo de acomodação entre uma
elite branca, ou orientada por valores simbolizados como brancos e ocidentais, e a
grande maioria da população, num ambiente de modernização. Este encontro tenso,
tantas vezes tematizado nas artes e na cultura popular nacionais, atravessa a história
deixando para trás um rastro de carne e sangue. (PINHO, pag.07, 2004)”.
Mesmo com todas essas contradições, o movimento e a Semana de Arte
Moderna, tiveram importância para a arte brasileira. De fato renovou e transformou o
contexto artístico do Brasil, valorizou uma nova estética, não necessariamente
acadêmica, mas é preciso olhar o evento de forma crítica para conseguir ressignificar. O
professor e pesquisador Deivison Campos, em uma entrevista para o Instituto
Humanitas Unisinos – IHU, analisa, crítica e valoriza a obra “A Negra” de Tarsila de
Amaral (1923), “Entendo que A Negra, quadro referência, seja importante neste sentido.
Ao mesmo tempo que aponta para estereótipos fenotípicos, possibilita outras leituras
desviantes principalmente a partir do olhar da personagem e da mostra de seu corpo nu.
As obras modernistas, desta forma, oferecem representações dos negros e da cultura
negra, fortalecendo algumas imagens estereotipadas como favela, festa, corpo, sem
construir uma efetiva representatividade. Por outro lado, abrem espaços para outras
leituras (CAMPOS, 2022)”.
Para ressignificar o movimento em 2022 foi realizado no Theatro Municipal de
São Paulo, a exposição “Contramemória”, que contou com artistas de diferentes
gêneros, raças, etnias e classes, possibilitando uma maior amplitude de ideias e de
expressões artísticas. O evento foi gratuito e dessa forma mais acessível para todos.
Para isso foi necessário reler e traduzir criticamente obras

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