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CAPITULO 3

A PESQUISA NO NORDESTE

“Eu não entendo nada disso tudo. Para mim


a arte popular não existe. O povo faz por
necessidade coisas que tem relação com a
vida”.62

Lina Bo Bardi

Dezesseis anos após sua estada no Nordeste Lina escreve um


pequeno livro, mas muito denso, intitulado Tempos de Grossura: O
design no impasse, onde ela relata a sua experiência no Nordeste de
1958 a 1964, suas críticas e posturas. Nele se encontra a seguinte
frase:
“É necessário recomeçar pelo princípio, partir de onde a arte funde-se
com a antropologia e grita ou reprime sua indignação”.63
Demonstrando que ela encontrou no Nordeste uma arte mais pura,
menos influenciada pelos interesses econômicos e por culturas
externas, e olhou para ela com os mesmos olhos de um antropólogo
para os índios.
Foi com intensa força buscar a base da arte brasileira, mesmo que
sua amostragem se limitasse a uma entre tantas artes populares do
Brasil. Era a expressão do verdadeiro ser humano, não influenciado
pela urbanização nem pelo capitalismo gerado pelo consumo dos
turistas.
Em um artigo na revista Habitat n. 5, “uma garrafa de barro e uma
concha feita com casca de côco são analizados e definidos como
objetos feios; que não há nada de bonito neles, mas são modernos
porque se pode sentir, em sua simplificação repleta de emotividade
aquela comunicação súbita e implícita das coisas que trazem ainda
em si a marca da natureza, que possuem ainda uma ‘verdade’ ”.64

62
GUEDES, Joaquim. Frase dita por Lina em Simposio sobre Arte Popular no Rio de Janeiro,
no livro/catálogo Lina Bo Bardi Architetto, p 15
63
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o Design no Impasse p 48
64
Habitat No 5. Artigo: Dois Objetos, de autoria provável de Lina p 64
No livro Tempos de Grossura: o design no impasse, ela deixa claro a
importância da arte popular, dizendo: “Precisamos dismistificar
imediatamente qualquer romantismo a respeito da arte popular,
precisamos nos liberar de toda a mitologia paternalista, precisamos
ver, com frieza crítica e objetividade histórica, dentro do quadro da
cultura brasileira, qual o lugar que à arte popular compete, qual sua
verdadeira significação, qual o seu aproveitamento fora dos
esquemas “românticos” do perigoso folclore popular”.65

Ver o belo na simplicidade quase tosca destes objetos é também


apontado, de forma clara, pelo crítico de arte Bruno Zevi quando
afirma que “Lina abandonou o mundo do design, mergulhou em uma
operação de resgate da Arte Povera, combatendo o american way of
life colonialista e às ditaduras militares”66

A busca por uma arte popular teve seu início, provávelmente, na


Itália quando aconteceu o seguinte, e frustrante, fato descrito por ela
em uma entrevista ao Corriere della Sera em 1986:
“Depois da guerra (segunda Guerra Mundial), fizemos uma exposição
anterior à Trienal de Milão e eu fiz uma viagem para procurar objetos
de arte popular: não encontrei nada, além de uma xícara de cerâmica
em Fano – ou não sei mais onde – e um pequeno copo de vidro em
Empoli. Naquele momento percebi que o fascismo tinha destruído a
alma popular”67

Lina foi a Bahia pela primeira vez convidada por Diógenes Rebouças
para lecionar Filosofia e Teoria da Arquitetura na Escola de Belas
Artes da Universidade da Bahia e acabou sendo convidada pelo então
Governador, Juracy Magalhães, a implantar o Museu de Arte Moderna
da Bahia, onde promovem muitas mostras e eventos. Neste período
encontram-se com o Diretor da Escola de Teatro, Martim Gonçalves,
e trocam experiências constantes.68 Ela se torna a única mulher no
grupo de estudiosos da Universidade da Bahia, com o apoio do
Governador, uma posição firme para seus projetos, e defendendo
idéias fortes e inovadoras.
Um segundo período Bahiano de Lina acontecerá de 1985 a 1988
quando a Fundação Gregório de Mattos a convida para o projeto de
recuperação do centro histórico de Salvador.69

65
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o design no impasse. p 25
66
ZEVI, Bruno. Arte sí, ma povera no L’ Espresso de 10 de Maio de 1992
“Trascuró il mondo del design, s’ immerse in un’ operazione di riscatto dell ‘Arte Povera”,
combattendo “l’ american way of life” colonialista e le dittature militari.”
67
NICOLÓ, Tino e Proietti, Gianni. Un’ Adorabile Eccentricitá. Il Corriere della Sera.
01 Setembro 1986
68
Dados fornecidos no livro de António Risério, Avant-Garde na Bahia. p 79
69
Idem
Sua busca, em seu primeiro período na Bahia, fez parte de todo um
movimento que foi sonhado e transformado em realidade pelo então
reitor da Universidade da Bahia, Edgar dos Santos. Personagem
“estratégicamente centrado na dimensão cultural da vida social”70.
Ele consegue promover, como já foi citado anteriormente, uma
revolução cultural com a ajuda de professores/colaboradores que
constróem uma vanguarda com base na antropologia, nas nossas
origens. Mostrando que a questão artística é somente uma das faces
do problema social.

Este período e Lina foram citado pelo antropólogo e político Darcy


Ribeiro em uma entrevista em 1995. Ele comenta que “viu o velho
Edgar Santos, reitor luminoso que fez um reitorado na Bahia trazendo
a cultura européia, a cultura erudita mais avançada para a Bahia.
Teve coragem de levar para a Bahia também a mulher mais
admirável que andou por São Paulo, Lina Bo Bardi. Lina que é gênio.
Hoje o mundo está descobrindo Lina.”71
Na mesma entrevista diz: “ vi do ambiente criado por Edgar e Lina
surgirem Glauber, Caetano, Gal.” Referindo-se ao cineasta Glauber
Rocha e aos músicos Caetano Veloso e Gal Costa e deixando clara a
importância do Avant-Garde na Bahia

Marcelo Ferraz, assistente de Lina em diversas obras, em depoimento


para o livro Arte na Bahia comenta sobre o Avant-Garde dizendo: “O
período da bahia, de 58 a 60 e poucos, praticamente não é a história
da Bahia, da Escola de Teatro, do Museu de Arte Moderna, da Escola
Superior de Música e de Dança. É de todo o esplandecer de um
conjunto que praticamente representou uma esperança muito grande
para o país todo, se extendendo do extremo norte, pelo menos até o
Rio de Janeiro”72

70
RISÉRIO, Antonio. Avant-Garde na Bahia. p 78
71
RIBEIRO, Darcy. Entrevista para a TV Cultura, programa Roda Viva, em
17 de Abril de 1995.
72
FERRAZ, Marcelo. Depoimento para o livro Arte na Bahia. Novembro 1990
3.1
O REITOR EDGAR SANTOS E O
AVANT-GARDE NA BAHIA

O reitor Edgar Santos era médico de formação, um visionário e o pivô


de um renascimento cultural baiano e brasileiro. Convidou para
lecionar na Universidade da Bahia de 1946 a 1962,
professores/artistas inovadores, competentes e ousados para
formarem o seu sonho. O filosofo português Agostinho da Silva
coordenava o Centro de Estudos Afro Orientais, Koellreutter dirigia os
seminários livres de música, Yanka Rudska dirigia a Escola de dança
e Lina lecionava filosofia e coordenava o Museu de Arte Moderna da
Bahia. Em especial Lina movia-se neste mundo com um projeto geral
de cultura e conseguiu, com isso, somar seus projetos aos das peças
de teatro, ao cinema, e as exposições, como um catalizador das
diversas formas de arte.
Os “filhos” deste grupo de artistas produziram um legado cultural de
inquestionável importância para a história da arte brasileira, geraram
a Tropicália e o Cinema Novo.73

Edgar Santos reabre, neste momento, a busca por uma arte nacional,
que já foi muito debatida e produzida pelos modernistas da década
de 20, mais precisamente nos anos ao redor da Semana de Arte
Moderna de 22.
Entre os dois movimentos existem alguns pontos de contato
importantes. Um deles é essencial para o design, e refere-se à
industrialização do país. Aracy do Amaral, em seu livro sobre a
Semana de 22 coloca que uma das molas da arte é:”O nacionalismo
emergente da Primeira guerra Mundial e da subsequente e gradativa
industrialização do País e de São Paulo em particular”74.
Esta industrialização, para os anos 60 será mais evidente no retorno
de Lina a São Paulo e o seu contato com a produção do design local.

73
Nota prévia do livro de António Risério, Avant-garde na Bahia, escrita por Marcelo
Carvalho Ferraz
74
AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. p 13
Uma segunda semelhança significativa para todas as artes, é a busca
estética dos dois períodos. Aracy escreve sobre este tema: “Mario de
Andrade diria, o direito permanente à pesquisa estética, a atualização
da inteligência artística brasileira e a estabilização de uma
consciência criadora nacional.”75 E continua:”Assistimos (…) a
atualização da linguagem brasileira com a do mundo
76
contemporâneo” . Na década de 60 a Universidade da Bahia, com
seus professores e sua viva cidade desenvolve experiências artísticas
em busca de uma linguagem própria no campo do teatro, do cinema,
da música, da arquitetura, do design. Uma busca coletiva.

Com uma diferença de 36 anos entre um movimento e o outro, nota-


se a meta comum de ambos: buscar uma lógica criativa própria.
Infelizmente não foram suficientemente fortes para contaminar toda
uma nação; tornando-se apenas significativas tentativas que serão
referência e inspiração para muitos, mas não o suficiente para gerar
uma revolução de comportamento.
Um dos importantes diferenciais entre os dois movimentos está no
fato de que o movimento baiano tem como seu catalizador e
incentivador a Universidade, enquanto o movimento modernista, se
formou com o “surgimento de uma nova geração de escritores,
artistas e intelectuais em São Paulo, estimulados, municiados e
financiados pelos sofisticados mecenas locais.”77

Ao notar que o Avant-garde carregava em seus ombros a mesma, ou


quase, importância artística da Semana de 22, António Risério
descreve o nome do reitor como algo a ser gravado em cores vivas e
frisa que era mais do que um reitor, pois tinha um projeto grandioso
não somente para a Bahia, com dimensão cultural e social, plantando
tudo isso no solo da Universidade com disposição de “tocador de
obra”, gerando uma plataforma de lançamento de signos.78

A vanguarda, em linhas gerais, significa um grupo de artistas que se


empenha na renovação da estética utilizando-se de uma mesma
filosofia e meta. A que estamos tratando surgiu de olhares atentos as
manifestações antropológicas locais. Na música, no cinema, no
teatro, na arquitetura… E foram coordenadas por um reitor
humanista, para o qual a cultura estava acima da finalidade
econômica.

Muitos sustentam, com razão, que seria impossível imaginar a atual


cultura brasileira sem o movimento baiano. O cantor e compositor

75
Idem
76
AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. p 13
77
SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento Modernista em São Paulo na década de 20. In Os
Nascimentos de São Paulo. Coord. Eduardo Bueno, p 195
78
RISERIO, Antonio. Avant-garde na Bahia. São Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi p 74
Caetano Veloso, que viveu a Universidade de Edgar Santos, descreve
aquele período de sua vida como o de um deslumbramento pelo fato
de a cidade estar tão presente na vida da Universidade. Frisando
também que o ocorrido na Bahia naqueles anos é ainda pouco
estudado, mas determinante para a história recente da cultura
brasileira.79

É necessário para esta pesquisa colocar que, contemporâneamente


com o movimento baiano, outras cidades brasileiras perceberam a
importância crescente do design. No ano de 1962 foi fundada a ESDI,
Escola Superior de Desenho Industrial no Rio de Janeiro, ligada à
Escola Superior de Belas Artes. No mesmo ano, em São Paulo, ocorre
a reforma do ensino da FAU, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
coordenada pelo arquiteto Vilanova Artigas, que projetava sua nova
sede no Campus da USP utilizando-se do novo programa de ensino
que incluía a disciplina de design.80

79
idem. Apresentação p 9
80
ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura Nova, p 33
3.2
O PRÉ - ARTESANATO

“Nem todas as culturas são ricas, nem


todas são herdeiras diretas de grandes
sedimentações.
Cavocar profundamente numa civilização, a
mais simples, a mais pobre, chegar até
suas raízes populares, é compreender a
história de um país. E um país cuja base
está a cultura do povo é um país de
enormes possibilidades” 81

Lina Bo Bardi

Lina, com sua sensibilidade apurada olhava para o artesanato não


como é vista a cultura popular pelos brasileiros, que lhe atribuem um
tom inferior, mas como uma verdadeira cultura, sem menosprezá-la.
Olha para o artesanato como alternativa para um design, que use
como base nossa riqueza antropológica para criar modelos próprios e
não europeus.

A partir de sua estada no Nordeste começa uma titânica busca,


pesquisa e coleção de objetos artesanais para montar diversas
mostras sobre o povo brasileiro e sua civilização. Lina deixa clara a
amplitude de sua busca quando escreve que:”(…) Não era só na
Bahia, pelo menos nós do Museu de Arte Moderna. Eu me ocupei de
todo o polígono da seca”82.

O resultado desta vasta pesquisa se transformou em diversas


mostras em São Paulo, no Nordeste, em Roma, entre muitas outras
que aos poucos receberam também outros objetos que não
pertenceram ao grupo do artesanato, mas ao grupo do design. Nos
catálogos das exposições, em jornais e nas edições da revista Habitat
Lina tem a oportunidade de defender seu olhar e justificar seu esforço
para “salvar” esta arte. Nestes textos encontram-se descrições dos
valores dos usos destes objetos tão diversos que serão apresentados
a seguir, por serem de relevante importância.

81
BARDI, Lina Bo. Pequenos cacos, fiapos e restos de civilizações. A Tarde Cultural. Salvador
Bahia 23 de Outubro 1993 (texto original de 1980)
82
BARDI, Lina Bo. Depoimento para o livro Arte na Bahia de Marcelo Ferraz. Novembro 1990
No Nordeste, por exemplo, o couro é, provávelmente, o material mais
utilizado no cotidiano. A tradicional roupa de couro do vaqueiro
nordestino, se observada com cuidado, mostra que surgiu dos
recursos naturais do meio e se torna uma das mais belas
manifestações da arte popular, pelo seu feitio e significado.
O traje surgiu apenas como uma proteção contra o clima e as plantas
da caatinga, que para sobreviverem a seca, desenvolveram uma
grande resistência contra o calor e os espinhos. Eram feitas de couro
de vaqueta, bode ou outros animais locais e constituíam a principal
matéria prima de suas regiões.
As vestimentas em couro iam desde o chapéu, que era símbolo de
status, até as botinas, incluíndo perneiras, coletes, e luvas. O chapéu
merece uma atenção por ter nele, o status do vaqueiro que o usa.
Seu formato e seus detalhes diziam se o vaqueiro tinha posses ou
quanto valente era.83

Dentre a pesquisa de Lina os ex-votos tiveram uma grande presença.


Ela colecionou alguns e fotografou vários. São cabeças feitas em
madeira e, em casos raros, corpos inteiros. “ São ‘milagres’ do Sertão
nordestino, modelados secularmente em barro ou esculpidos em
madeira, expressão da fé pela graça recebida de um santo. Faz-se a
promessa, o voto. Atendido o pedido, cumpre-se a obrigação de dar
testemunho do ‘milagre’, o ex-voto, que pode assumir infinitas
modalidades.”84 Eram encomendados ou feitos pelos homens que
acreditavam ter recebido uma graça divina e desejavam demonstrar
publicamente sua gratidão. Os indivíduos religiosos, além de
genuflaxão e da prece, penduravam no altar seu ex-voto.
O objeto em si é a materialização do acontecimento e é quase
sempre esculpido pelo beneficiado. Quando feitos por escultores,
somente os executam quando sentem uma íntima necessidade.
São peças simples, feitas de troncos de árvores, sem acabamento,
mas muito expressivas.85

A cerâmica, como o couro e a madeira, é outro material muito


comum no Nordeste. É fruto de sua terra que se transforma em
objetos, cumbucas, santos e muito mais. É a manifestação do
engenho e da ingenuidade em sentimentos de forma primitiva.
Reproduz seus animais e cenas da vida cotidiana, com um certo bom
humor e leve ironia.
Esta arte é uma manifestação espontânea porque não precisa de
esclarecimento ou reflexão para entendê-la. “O artesão age
inconscientemente traduzindo em formas e cores puras algo que
sempre possuiu, porque herdou de seus antigos. Entre a cerâmica
popular do Marajó e a do Nordeste não se pode distinguir o estado de

83
Habitat 12. Roupas do vaqueiro Nordestino. Jul/ Set 1953
84
FROTA, Lélia Coelho. Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro. Sec XX, p 180
85
Habitat 1. Ex-votos do Nordeste, p 72. Texto sem autor.
espírito: é sempre a mesma coisa. O ceramista longe de sua
choupana e em contato com outros ambientes, perderá qualquer
capacidade, pois são os humus da terra que ele respira”.86
Como se o nordestino não pudesse se intoxicar com outras
informações que possam interferir em sua ingenuidade e inocência.

Com a intensidade e paixão com que Lina lidava com este objetos
podemos quase julgar que eram verdadeiras obras de arte, mas,
segundo ela, temos que ser atentos pois estão em uma fronteira
muito próxima do mau-gosto. É o mau-gosto da peça feita não por
necessidade, mas por continuidade. Na peça deve existir a
simplicidade da criança, ingênua, que nós chamamos de poesia.87

Em suma, Lina expressa com clareza seus ideais em seus textos e a


importância que vê em sua busca. Em um texto escrito em 1980 ela
encerra afirmando que: “Com certeza a apresentação de alguns
objetos de ‘sobrevivência desesperada’ pode fazer sorrir o economista
e o planejador que se especializa. Mas é da observação atenta de
pequenos cacos, fiapos, pequenas lascas, pequenos restos que é
possível reconstituir, nos milênios, a história das civilizações”.88

86
Habitat 2. Cerâmica do Nordeste, p72. Texto sem autor.
87
Habitat 5, p 55.Texto de Lina que mostra de forma brilhante, como olhar para estes
objetos.
88
BARDI, Lina Bo. Pequenos cacos, fiapos e restos de civilizações. A Tarde Cultural. Salvador
Bahia 23 de Outubro 1993 (texto original de 1980)
O DESIGN E A VANGUARDA BAIANA

O Design tem a tendência de aproximar a produção artística da


industrial buscando o funcional, o esquema racional e a lógica.
Industrializando a arte e, frequentemente, negando os adornos. Isto
inicia a partir dos séculos XIX e XX quando o mundo começa a buscar
uma linguagem comum, uma internacionalização do conhecimento e
da forma. O advento do Modernismo e do Construtivismo, entre
outros.

A vanguarda baiana, coordenada por Edgar Santos, acontece


justamente para fugir desses novos e internacionais valores e olhar
para as produções locais, antropológicas.
Lina, que compartilhava intensamente os princípios com o reitor,
cultiva, em sua produção e pesquisa, modelos não europeus; em um
local que oferecia condições para este avanço cultural.
Para poder absorver sem filtros, ou minimizando-os, Lina vive sua
experiência e cotidiano com o mesmo olhar e da mesma forma que
viveram os portugueses apresentados por Sérgio Buarque de Holanda
em Raízes do Brasil. Os lusos, quando não tinham batatas comiam
mandioca, quando não tinham camas dormíam nas redes, conforme
aprenderam com os índios89. Da mesma forma, Lina absorveu os
costumes locais e aprendeu com eles, ao invés de impor os seus.

Curiosamente, é a Bahia a promover estas mudanças, pela sua


proximidade a massa da população que promove uma arte indigesta,
seca, dura de digerir.90 Não é a cidade de São Paulo, que aos olhos
da grande maioria, tem a responsabilidade titânica de modificar o
Brasil. A capital sempre destruiu o seu passado, como contam
Benedito Lima de Toledo em Três Cidades em um Século e Carlos
Lemos em Alvenaria Burguesa. Ambos mostrando as construções e
reconstruções da capital que acabou por enterrar seu passado em
toneladas de entulhos e demolições de edifícios.

O artesanato do Nordeste é muito mais rudimentar do que Lina


imaginava, por isso o classifica como pré-artesanato e explica que é a
forma raivosamente positiva que os homens que não querem ser
“demitidos” reclamam seu direito de vida.
A matéria prima para a produção do pré-artesanato é o lixo. É o
transformar o detrito em canecas, em jarras, etc.
Para Lina o artesanato popular era uma forma de agremiação, de
encontro social por um motivo comum a todos, que era o trabalho
gerando uma defesa mutua.91

89
Conceito retirado de Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, p 47
90
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o design no impasse p 12
91
Idem
O COURO

O couro é um material muito presente na


produção do nordeste. Para proteger do sol e
dos galhos da caatinga, roupas, sapatos,
calças, luvas. Muito é feito a partir deste
material. Nas fotos ao lado e a cima alguns
belos exemplos do uso do couro.
Dependendo do tipo de acabamento o
vaqueiro tinha ou não posses.

Imagens do arquivo do Instituto Lina Bo e P.


M. Bardi
OS EX-VOTOS

Três exemplos de ex-votos, que são


construído com a finalidade de pedir uma
benção por algum mal ou doença. A
tradicional cabeça, um corpo com, em
evidência, os rins, demonstrando qual o
pedido feito pela pessoa e um de corpo
inteiro, que é muito difícil de se encontrar.

Imagens do arquivo do Instituto Lina Bo e


P. M. Bardi
AS CERÂMICAS

As cerâmicas que vão desde de utensílios


para o cotidiano a santos a reproduções de
momentos da vida. São produzidas com o
que se tem de mais abundante; a terra.

Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi


OS RESÍDUOS

Alguns dos objetos coletados por Lina


para demonstrar como o produto do
Nordeste é fruto de uma necessidade
extrema e não da intenção de fazer arte.
São objetos que nascem do lixo para
serem realmente usados pelas pessoas
que os críam.
Acima à esquerda, uma caneca feita a
partir de uma lata de queijo cheddar.
Acima à direita uma lamparina feita com
uma lâmpada queimada.
A esquerda outra lamparina feita com
uma lata de manteiga e um funil.
São objetos nascidos do desespero da
ausência de alternativas.

Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi


UM PARÊNTESE PARA A ARTE POVERA

Muitos textos escritos por Lina e algumas entrevistas dadas a revistas


e jornais com a temática do Nordeste trazem à luz posturas da
arquiteta que remetem, quase que automaticamente, à Arte Povera
italiana, “movimento” que aconteceu nas décadas de 1960 e 1970.
Foi, portanto, o mesmo período em que Lina esteve no Nordeste
(1958-1964).
A Arte Povera foi atípica se comparada aos movimentos tradicionais
das artes. Não foi nem considerada movimento pelos críticos da
época, mas de aventura coletiva ou de sensibilidade difusa. Se esta
segunda expressão estiver certa, podemos pensar que esta
sensibilidade atravessou o Atlântico e chegou no Nordeste.
Segundo a pesquisadora Renata da Silva Moura, em sua dissertação
de mestrado intitulada Uma experiência da Arte Povera, o movimento
discute a instabilidade e a precariedade, “a arte não mais como um
compromisso formal, mas um acontecimento que toma lugar na
vida”92

Alguns dos artistas mais significativos foram Mario Merz, Marisa Merz,
Giulio Paolini, Michelangelo Pistoletto e Gilberto Zorio. Eles, entre
outros, optaram por criar espaços e instalações com o emprego de
formas e materiais não duráveis. Rolos de papel, jornal, plásticos,
ferro, pedras, papelão, algodão, tecido, carvão,… gerando, desta
forma, uma redefinição de escultura e do fazer arte.
O material coletado nas ruas, no cotidiano, nos locais mais óbvios,
indo a fundo na essência dos seus usos é “quase a descoberta da
tautologia estética, o mar é a água, um quarto é um perímetro de ar,
o algodão é algodão, o mundo é um conjunto imperceptível de
nações, o ângulo é a convergência de três coordenadas, o piso é uma
porção de azulejos e a vida é uma série de ações.”93
A importância deste material utilizado e da contextualização do
momento social são também enfatizados pelo crítico (atual) Paul
Wood no seguinte trecho: “Impulsionada por um ceticismo em
relação ao meio tradicional das ‘Belas Artes’, a vanguarda italiana
abraçou uma ampla e heterogênea gama de materiais com os quais
se pudesse produzir arte: Tijolos, pedras, madeiras, papelão, papel,
animais, vegetais e minerais fazem parte do mundo da arte.” E

92
MOURA, Renata da Silva. Uma experiência da Arte Povera. Dissertação de Mestrado PUC-
RJ , Departamento de História. Setembro 2002.
93
POLI, Francesco. Minimalismo, Arte Povera, Arte Concettuale, p 80. Ed Laterza VI Ed.
2005. Roma Italia
complementa: “A verdadeira força da Arte Povera reside no
radicalismo técnico dos seus materiais e métodos de elaboração”.94

Para exemplificar, o artista Alberto Burri utiliza madeira e ferro


encontrados na rua, Lucio Fontana revoluciona o conceito de matéria
com seus buracos e cortes, Pietro Manzoni (em 1961) vende uma
série de latas assinadas e intituladas Merda d’ Autore com 30g de
fezes vendidas a preço de ouro. Estes são alguns dos exemplos
práticos de atuação da Arte Povera.

Sua grande luta contra os sistemas tradicionais de divulgação da


arte, condenando o domínio dos museus e das escolas de ‘Belas
Artes’, por julgarem que não se pode definir o que é arte e o que não
o é, como era de praxe até então, faz com que se apóiem nas
galerias de Arte, que se tornam os grandes locais de divulgação da
Arte Povera.
Os galeristas organizavam exposições e faziam, em torno delas,
verdadeiros eventos culturais, como aconteceu em Amalfi, em
Outubro de 1986.
”Acontece a manifestação Arte Povera + Ação Pobres, com a
curadoria de Celant, bem no momento culminante da fase emergente
desta tendência.
Os artistas expõem os trabalhos, realizam instalações e intervenções
no contexto social e natural, enquanto os críticos dão vida a um
debate sobre o próprio papel e sobre o de uma nova concepção
artística que age diretamente no real e na sua dimensão social e
política”.95

Os artistas lutam também contra o sistema capitalista e do


consumismo desnecessário, como descreve Regina Moura:”A postura
dos artistas contestava radicalmente a transformação da arte em
mercadoria”.96

A proximidade desta vanguarda com o pré-artesanato do Nordeste se


dá por alguns pontos de contato bastante significativos.
É necessário, antes de continuar, deixar claro que a situação social e
econômica dos dois países é distinta, e que Lina não faz parte deste
grupo, mas aparentemente foi “contaminada”, direta ou
indiretamente, pelas mesmas finalidades.

Em 1980 Lina escreve um pequeno livro sobre sua experiência no


Nordeste intitulado Tempos de Grossura, o design no impasse. Nele,

94
WOOD, Paul. Arte Conceitual. P 59. Ed Cosac e Naify. São Paulo. Brasil.
95
POLI, Francesco. Minimalismo, Arte Povera, Arte Concettuale, p 83.
96
MOURA, Renata da Silva. Uma experiência da Arte Povera. Dissertação de Mestrado PUC-
RJ , Departamento de História. Setembro 2002.
ela dá o seu parecer sobre os seis anos vividos com uma das
vertentes mais pobres do artesanato brasileiro.
Ela regressa do Nordeste em 1964 e escreve o livro em 1980,
deixando um leque de 16 anos entre o fato e a teoria.
Provavelmente este espaço lhe deu tempo para digerir melhor o que
viu para escrever de forma mais madura suas conclusões,
aproximando o resultado final aos conceitos da Arte Povera, que em
80 já estava mais definida.

O Nordestino artesão, por uma questão de pobreza e de falta de


possibilidade e perspectiva, utiliza-se de matéria prima encontrada
em seu cotidiano para produzir objetos que usará em seu dia-a-dia.
Madeiras, latas, retalhos, lonas, pedras, barro, …
A transformação da matéria prima é simples e imediata, sem
acabamentos e refinamentos. “Os ex-votos são apresentados como
objetos necessários e não como ‘esculturas’, as colchas são colchas,
os panos com aplicações são ‘panos com aplicações’.97
O resultado final é definido de forma direta, como os produtos finais
dos italianos, mas a Arte Povera apresentava o conceito e depois os
desmontava, enquanto o artesão do Nordeste faz uma caneca a partir
de uma lata de óleo para poder ter uma caneca, ou ele passará sua
vida sem este utensílio. Existe, de imediato, uma questão utilitária
que se distancia da Arte Povera italiana, embora seus conceitos
iniciais sejam semelhantes.

Para mostrar estes trabalhos toscos, que são um “soco no estômago”,


como ela define, Lina utiliza uma série de espaços, inclusive museus,
o que era considerado inviável pelos defensores da Arte Povera. Isto
se deu, provavelmente, pelo fato dos museus brasileiros serem muito
novos e não terem vicios ou pré-conceitos incrustados em sua
história, abraçando todos os tipos de manifestações artísticas. Ao
contrario, o museu serviria para legitimar os seus objetivos. Mais
ainda, esta crítica a este sistema, que reside na arte povera, não
constitui o foco de Lina, mas sim uma vontade de indicar o caminho
do design no Brasil, o qual acreditava estar vinculado à arte
nordestina. No entanto, por outro lado, e ao mesmo tempo, os
materiais e uma outra crítica, esta sim, ao sistema artístico no âmbito
do design, como o kitsch ou os produtos americanizados, era um
ponto de união entre ela e seus conterrâneos.
Lina apresenta o pré-artesanato na Primeira Bienal de Arte de São
Paulo (1951), no Museu do Solar do Unhão na Bahia (1959), na
Embaixada Brasileira em Roma (1964), que acabou não sendo
inaugurado e no Museu de Arte de São Paulo (1969).
Com estas mostras, Lina consegue substituir o papel do crítico de
arte, pelo jornalista de diversos periódicos para quem ela cede

97
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura, o design no impasse, p 33
entrevistas e planta a semente da discussão sobre o pré-artesanato e
a dureza de sua realidade.

Mesmo tendo utilizado estruturas tradicionais para apresentar a arte


do Nordeste ao público, deixa claro, como os artistas da Arte Povera,
seu similar conceito de arte em uma entrevista para a revista
Interview de 1983.

Para ela, “a arquitetura é arte. O arquiteto é sobretudo um artista. É


arte, só não no sentido mofado das escolas de ‘Belas Artes’”98. E
mesmo tendo sido casada com um renomado galerista, ter a
residência com as paredes forradas de quadros e ter sido uma
reconhecida ilustradora e aquarelista na juventude, afirma que:
“Nunca entendi a pintura. Para mim a pintura é inútil. Tenho
dificuldade para entender a pintura”99.
Sobre escultura diz que: “Acho a escultura uma arquitetura falha
(risos). Não tenho muita sensibilidade pelas chamadas artes
plásticas.”100

No capítulo Um balanço dezesseis anos depois, em seu livro Tempos


de Grossura, Lina mostra seu horror para com o kitsch e os gadgets,
condenando, como foi frisado anteriormente, o capitalismo. Ela deixa
claro em suas palavras que divide também esta questão com a Arte
Povera, dizendo:”A proliferação especulativa do desenho industrial –
gadgets, objetos – na maioria supérfluos – pesam na situação
cultural do país, criando gravíssimos entraves, impossibilitando o
desenvolvimento de uma verdadeira cultura autóctone. Uma tomada
de consciência coletiva é necessária, qualquer divagação é um delírio
na hora atual. A desculturação está em curso.”101

Nota-se, desta forma, que muito em comum existe entre a busca de


Lina no Nordeste e a Arte Povera italiana. A questão do uso de
materiais extremamente banais para produzir uma arte, o não
conformismo de que a arte deveria ser somente a das pinturas e
esculturas e o pavor do monstro do capitalismo visto como um
banalizador da produção artística.
Poderíamos ainda arriscar que uma das grandes diferenças está no
fato da Itália fazer uma Arte Povera por utilizar matéria prima
simples e um processo construtivo simples; enquanto o Nordeste
também usa a mesma matéria prima simples, também a transforma
de forma simples, mas não optou por ser povera, nasceu povera.

98
Entrevista para a revista Interview de Agosto 1983, No 63. Entrevistada por Carlos Roque.
P 24 a 26
99
Idem
100
Idem
101
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura, o design no impasse. p 11
3.3 BAHIA NO IBIRAPUERA

“Apresentamos a Bahia. Poderíamos ter


escolhido a América Central, Espanha,
Italia meridional, ou qualquer outro
lugar, onde o que chamamos de ‘cultura’
não tivesse chegado”102

Lina Bo Bardi e Martins Gonçalves

De 21 de Setembro a 31 de Dezembro de 1959 aconteceu, no Parque


do Ibirapuera103, a V Bienal Internacional de Artes de São Paulo. Com
a curadoria de Arturo Profili104, a mostra era composta por mais de
quatro mil obras de 46 países. A grande maioria abstratos, mas com
Van Gogh e Portinari como figurativos, segundo os críticos da
época.105
Juntamente com a Bienal, mas instalada em um espaço externo, a
exposição de Lina Bo Bardi sobre a Bahia era considerada, junto com
os figurativos, os espaços de visitação obrigatória, conforme se pode
ler em diversos jornais da época que escreveram exaustivamente
sobre o acontecimento da Bienal. Jornais de São Paulo, do Rio de
Janeiro e do interior paulista dedicaram artigos e notas.
Menotti del Picchia, da Academia Brasileira de Letras, escreveu para o
jornal A Gazeta que: “Van Gogh e Portinari com a exposição
interessantissima da Bahia são os focos de atração máxima da
mostra nacional”106

A Bahia no Ibirapuera foi organizada por Lina Bo Bardi juntamente


com o diretor da escola de teatro da Universidade da Bahia, Martim
Gonçalves, com o apoio do reitor da mesma instituição Edgar dos

102
Frase do catálogo da mostra Bahia no Ibirapuera. 1959. p 2
103
O Parque do Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer, foi inaugurado em 1953 em
homenagem ao IV Centenário da Cidade de São Paulo. Juntamente com a inauguração
aconteceu a II Bienal de Artes. Informações no livro IV Centenário da Cidade de São Paulo
de Silvio Luiz Lofego.
104
Arturo Profili era italiano, galerista e imigrou para o Brasil, em São Paulo, onde abriu a
Galeria Sistina
105
Jornal Folha da Manhã, São Paulo, 08 de Novembro de 1959
106
Jornal a Gazeta, sem data
Santos e o então presidente do MASP, Cicillo Matarazzo. Foi
promovido pelo Loide Aéreo, pelo Departamento de Turismo da
Prefeitura de Salvador e pelos Diários Associados de
107
Chateaubriand.

A exposição trouxe uma grande amostragem do artesanato do


Nordeste. Ex-votos, colchas, roupas, utensílios de cozinha,
cataventos. O espaço expositivo era uma enorme sala com cenografia
de Lina. O espaço era dividido por paredes onde eram penduradas as
colchas e os ex-votos, nos espaços livres tótens com roupas de couro
ou cubos de vidro apresentando objetos mais delicados. Compondo o
espaço, ouvia-se música regional, que era tocada o tempo todo e
também a arte da capoeira, que foi apresentada constantemente.
Para completar o ambiente o piso foi coberto com folhas secas para
que os visitantes sentissem nos pés a sensação de estarem em um
espaço livre, aberto, seco; como as peças que estavam vendo. As
folhas eram tão importantes que eram trocadas cotidianamente.108

Lina deixou claro em sua escolha de peças e cenografia que não era
uma mostra de folclore, mas de arte viva, em movimento, “cheia de
realidade humana”.109
As colchas de retalhos que ela havia visto nas feiras do Nordeste, por
exemplo, com o olhar de quem conhecia Mondrian, mas não tinha a
intenção de tirar o objeto de seu contexto. “Ela não vê os objetos
como ingênuos ou espontâneos, mas pela sua integridade e como
solução criativa diante de um problema”.110

A competência da mostra pode ser percebida através das palavras do


escritor Jorge Amado, cujas diversas obras ambientadas no Nordeste
mostram o seu profundo conhecimento desta região. Ele escreveu
para o reporter do jornal Ultima Hora o seguinte texto sobre a
exposição que apresentava ao mundo o Nordeste que ele conhecia
tão bem:

“Documentário de uma cidade, tomada de consciência de uma escola


ante a vida de sua cidade, esta exposição vai muito além do folclore,
do simples pitoresco, penetra fundo na realidade e nos mistério da
Bahia. Cidade única do Brasil, onde mais densa e nobre se faz a
mistura das raças, característica maior de nossa cultura. Salvador da
Bahia é feita de poesia e de drama, de beleza antiga e de duro
trabalho, de ritos de gentileza ultra civilizada e de negras pedras
onde se entranhou o sangue dos homens escravos. Seu mistério é
superficial e turístico, sua realidade não é simples e fácil.”111

107
Informações dadas pelo Jornal Folha da Manhã de 8 de Novembro de 1959
108
Conforme descreve o catálogo da mostra
109
Idem
110
GALLO, Antonella. Lina Bo Bardi architetto p 68
111
Artigo de Marco Antonio para o jornal Última Hora, São Paulo, 23 de Setembro de 1959
O que movia o arquiteto para lutar pelo artesanato, transportá-lo e
apresentá-lo de forma tão brilhante e cuidadosa não era a intenção
de conservação e estagnação das obras, mas encontrar nelas uma
revolução. Buscava uma alternativa brasileira para o campo do
design.
Buscava mostrar à artistas e críticos uma belissíma arte brasileira
sem interferências externas. Uma arte repleta de força e significado,
ao invés de olharem para a Europa em busca de inspirações e
referências.
Esta mesma mostra, às vezes reduzida em seu tamanho, foi exposta
em diversos locais e sempre gerou conflitos e debates, especialmente
por ser sempre acompanhada de sua curadora de raciocínio rápido e
língua feroz, lutando em sua defesa.
CENOGRAFIA

Duas vistas do espaço da exposição com os objetos e as folhas secas no chão que eram
trocadas cotidianamente para que o visitante sentisse o constante barulho, ao caminhar, de
quem está em um local aberto.
O espaço contava também com um sistema de som que tocava músicas regionais.
EXPOSITORES

Uma divisória suspensa em


madeira serviu de base para
expor as colchas de retalho que
foram frequentemente utilizadas
nas exposições coordenadas por
Lina e também frequentemente
citadas nos seus textos.

Uma parede em tijolo pintado de


branco fez de fundo para uma
grande coleção de ex-votos,
criando um espaço com contraste
de cor, colocando em evidência
as cabeças.
DETALHES

Cataventos apresentados como


o fazem os vendedores quando
os oferecem ao cleintes nas
ruas.
Transformar o singelo
brinquedo em uma bela
arquitetura de textura e
sombras.

Pássaros de cerâmicas
apresentados juntos como
buquês de flores e
cuidadosamente colocados com
os rostos virados para o centro
da montagem.
OBJETOS

Lamparinas e castiçais feitos a partir de vidros e latas metálicas de manteiga, óleo e queijos.

Carranca esculpida em tronco maciço de Tapeçarias estampadas que lembram as


madeira xilogravuras dos cordéis e os tecidos africanos.
3.4
EXPOSIÇÃO NORDESTE.
O SOLAR DO UNHÃO

O MUSEU DE ARTE NO TEATRO CASTRO ALVES

O MAMB (Museu de Arte Moderna da Bahia) funcionou


provisoriamente no foyer do Teatro Castro Alves, antes de mudar-se
definitivamente para o Solar do Unhão.
Este breve período de transição merece uma certa atenção pois Lina
desenvolveu, para o teatro, as poltronas. Objetos de estrutura
extremamente fácil de ser executada e assento e encosto em sola
com amarrações em baixo e nas costas. Um sistema barato, eficiente
e belo, como era de praxe nos projetos da arquiteta. Neste período
Lina não chamava o MAMB de Museu, mas de escola, centro,
movimento, por não ter acervo formado.112

Poltronas com estrutura em


madeira maciça e couro com
sistema de encaixe na
madeira e amarração por
baixo, desenvolvidas para o
auditório do Castro Alves

Estudos desenhados por Lina


do sistema de montagem das
poltronas do Castro Alves

112
Idem pagina 141
O MUSEU DE ARTE NO
SOLAR DO UNHÃO
O Museu de Arte Popular da Bahia, em Salvador, é uma obra de
restauro de Lina de 1959.
O que está documentado é que o complexo de edificações, no século
XVII era residência do então Desembargador Pedro Unhão Castelo
Branco, de onde veio o atual nome. O espaço se tornou, com o
passar dos anos, engenho de açucar, curtume, fábrica de rapé,
depósito de inflamáveis da “Standard Oil” e quartel dos Fuzileiros
Navais.
Após a Segunda Guerra Mundial, com o decreto de desapropriação
pelo Governo da Bahia, o edifício do Solar foi doado para sede do
Museu de Arte Moderna da Bahia que, após o restauro de Lina, se
tornou o Museu de Arte Popular da Bahia.
O conjunto é composto por cinco unidades interligadas, com exceção
da igreja. O Solar é o edifício principal que fica à beira-mar e conta
com três pavimentos.113

O programa para o restauro desta construção incluía o Museu de Arte


Popular, oficinas, um centro de documentação de arte popular e um
centro de estudos técnicos que propunha a passagem do pré-
artesanato primitivo à indústria, incentivando o quadro do
desenvolvimento do país.114
Este Museu, que não foi um museu no sentido tradicional por não ter
um acervo criou atividades direcionadas a criação de um movimento
cultural, como um centralizador da força do humanismo local.115

O Solar do Unhão, como é atualmente conhecido, se tornou um


museu que não foi pensado como um espaço para o folclore que,
segundo Lina, é uma definição criada para uma documentação
estética da cultura definida pela elite. O espaço deveria ser para as
artes vistas como acontecimentos do cotidiano. Por isso a ênfase em
chamá-lo de Arte Popular.116

A exposição que inaugura o Unhão em 1963 foi coordenada por Lina


com o titulo de Nordeste, mas segundo ela o correto teria sido
chamá-la de Civilização do Nordeste, com a intenção de enfatizar o
aspecto prático da cultura. É a vida dos homens em todos os
momentos, das colheres, às armas, às roupas, às redes,…

113
Informações encontradas em uma edição de 10 de Junho de 1961 do Jornal da Bahia.
Sem autor.
114
Descrição no Livro Lina Bo Bardi coordenado por Marcelo ferraz, p 161
115
Idem
116
Conceito apresentado no livro Lina Bo Bardi coordenado por Marcelo Ferraz , p 153
Objetos de uma beleza e rigor que somente a presença constante da
realidade pode oferecer.117
Em uma entrevista dada em 1963 sobre o Solar ela afirmou:”Nos
anos 60 fizemos – digo fizemos porque nessa época Glauber (Glauber
Rocha, cineasta) estava comigo além de uma turma muito importante
– na Bahia, o conjunto do Unhão, em Salvador, já tombado diante de
sua importância histórica.
Era o trapiche, uma fábrica construída no início da industrialização.
Foi um trabalho importantíssimo inaugurado em 1963, com
exposições não menos importantes.”118

A infinidade de objetos nesta mostra apresenta caminhos dados ao


lixo quando é trabalhado com design, com rigor técnico, sem
abstrações, mas ligados diretamente aos materiais com que são
criados. Lâmpadas queimadas se tornam lamparinas, retalhos viram
colchas, latas de manteiga e óleo viram canecas ou castiçais, …

Todos os objetos foram apresentados de forma muito simples, em


estantes feitas com tábuas de madeira sem acabamentos primorosos
ou refinados, utilizando encaixes simples, que lembram as caixas
utilizadas para o transporte de laranjas. Em todas as mostras de Lina
sobre o Nordeste, até este momento, os suportes para as obras são
simples tábuas de madeira encaixada ou com poucos pregos e
parafusos.

Esta mostra se encerrou prematuramente em razão a invasão dos


militares em Abril de 1964, que fizeram com que Lina abandonasse o
Nordeste e retornasse a São Paulo. Foram os mesmos motivos
políticos que tiraram Edgar Santos da Reitoria, e Martim Gonçalves da
Universidade.119

O crítico de arquitetura Hugo Segawa lembra que neste período “o


Brasil conheceu uma década de presidentes indicados pelos militares.
O período foi trágico para a democracia latino-americana, tomada por
ditaduras tecnocráticas e intolerantes. Intolarância que, no Brasil,
perseguiu sobretudo os intelectuais e simpatizantes da esquerda –
presos, mortos ou exilados. Niemeyer passou este período em
Paris.”120

O período Militar funcionou como uma fissura dentro do processo


evolutivo da arte brasileira. Muitas sementes que tinham sido
plantadas com muito trabalho por Lina e por muitos outros não
encontraram solo para crescerem e sumiram.

117
Conceito no livro Lina Bo Bardi coordenado por Marcelo Ferraz, p159
118
INTERVIEW No 63 Agosto 1983. P 24 a 26. Entrevista com Carlos Roque.
119
Conceito no livro Lina Bo Bardi de Marcelo Ferraz. P 162
120
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. p190
Duas vistas gerais da mostra no Solar do Unhão, com seus objetos, utensílios e estantes cujos
sistemas de montagem extremamente simples, com algumas tábuas sem acabamento,
lembram caixas de laranja.
Dois detalhes da escada
do Solar do Unhão
projetada por Lina com o
mesmo sistema de
encaixe utilizado para
prender os bois nos
“carros de boi”
Estante feita com algumas tábuas e
baguetes internas para apoio das
prateleiras, mostrando lamparinas feitas
com latas de metal. Manteiga, óleo, …

Foram necessárias somente quatro tábuas e


alguns pregos para expor uma inusitada
coleção de estribos.
Uma simples e elegante forma de
apresentar pilões. Parte colocada sobre uma
base e parte suspensa.

As redes mereceram um cuidado por serem


tão admiradas por Lina. Seu conceito foi
utilizado em alguns projetos e
frequentemente apresentadas nas mostras.
Um tear manual para mostrar a importância
de como trabalham as mãos para se ter um
tecido.

Uma singela e eficiente forma de apresentar as cerâmicas, sobre uma base de madeira
levemente elevada do piso.
Importante perceber a presença das colchas penduradas na parede de fundo.
Canhões da Revolução Militar diante do Teatro Castro Alves em Abril de 1964.
Foto de Lina Bo Bardi. Acervo do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi

Fotos: todas foram tiradas por Guthman e estão no acervo do Instituto Lina Bo e Pietro Maria
Bardi
CAPITULO 4

SÃO PAULO, O SALDO

“O Design é a necessidade do
mundo de se sentir global.
Inteiro. Humanos vivendo em um
sistema internacional.”121

António Risério

Ao retornar a São Paulo, por causa da invasão dos militares em sua


mostra no Museu do Unhão sobre o Nordeste, Lina continua sua luta
em defesa do artesanato brasileiro como caminho para a descoberta
de uma arte própria, mas neste momento ela permite, aos poucos, a
entrada do design. Nas diversas mostras que organizou no Sesc esta
mudança é nítida, pois conforme mudam as exposições ela insere
objetos industrializados, como se mostrasse uma evolução.
Neste caminho ela trava uma luta inglória contra a invasão do kitsch,
ela abomina o carpete e o ar condicionado, os coelhos da páscoa e os
Papais Noéis, entre outras coisas.

Nesta luta a arquiteta não está sozinha, mas diversos artistas


demonstram o mesmo desejo. O recifense Gilberto Freyre
escreve:”Precisamos nos desembaraçar da excessiva imitação do
europeu e do americano, para criarmos beleza, arte, vida, com
nossos próprios valores”.122

Nas mostras ela compara os objetos simples e de extrema


expressividade e simbologia que pesquisou no Nordeste com o que se
produzia em São Paulo. O choque foi significativo. A cidade tinha sido
invadida por projetos gratuitos e inúteis, enquanto no artesanato os
objetos são de uso cotidiano, sem serem descartáveis. Os ex-votos
são necessários e não são esculturas. Colchas são colchas e
aplicações são aplicações.123

121
RISÉRIO, António. Avant garde na Bahia, p 73
122
FREYRE, Gilberto. Antecipações, p 29
123
BARDI, Lina. Tempos de Grossura o Design no Impasse, p 33
Para Lina, entender a diferença entre estes dois mundos e entender a
arte popular pelo seu valor instrínseco significa ver um Brasil
independente, desvencilhado dos “importados”, sem complexo de
inferioridade ou medo do seu próprio produto.

Consciente do obstáculo que significava mostrar o potencial do


artesanato brasileiro Lina afirmou: “ A grande dificuldade está em
olhar para estes objetos como sobrevivências naturais de uma
manualidade e não por uma exigência turística de que o que é feito a
mão é melhor do que o feito a máquina”.124
Paralelamente Lina dizia em relação ao futuro da arte brasileira que:
“ A proliferação especulativa do desenho industrial, -gadgets, objetos
superfluos- pesam na situação cultural do país, criando um
gravíssimo entrave, impossibilitando o desenvolvimento de uma
verdadeira cultura. Uma tomada de consciência coletiva é necessária.
A desculturação está em curso”125

Abraçada a esta visão dramática está a opinião de Lina sobre a


cidade de São Paulo, criando, desta forma, um conjunto muito
negativo de fatores que a fizeram escrever muito nos anos que
seguiram (de 1964 à 1992) e criticar o que era feito.
Em uma entrevista para o jornal italiano Il Corriere della Sera,
quando questionada sobre a cidade de São Paulo, ela disse: “ Vejo
São Paulo como a maior porcaria existente. É uma cidade que pode
ser comparada ao Principato de Mônaco, é totalmente distinta do
resto do Brasil. Cresceu espontaneamente, mas não tem nada a ver
com o Brasil”.126

Como a resposta à esta visão negativa e, extremamente frustrada


pela ação dos militares Lina segue estes anos apresentando projetos
arquitetônicos repletos de simbologias, como o Sesc Pompéia, e
projetos de mobiliários muito mais simples e essencias do que que
ele criou até 1958, como a cadeira Frei Egidio e a Girafinha.

124
BARDI, Lina. Tempos de Grossura, O design no Impasse, p 26
125
Idem, no texto: Um balanço 16 anos depois. p 11
126
NICOLÓ, Tino e PROIETTIS, Gianni. Un’ Adorabile Eccentricitá. Entrevista para o jornal Il
Corriere della Sera. De 1o de Setembro de 1986.
4.1 EXPOSIÇÃO NORDESTE EM ROMA

A mesma mostra apresentada no Solar do Unhão em 1963 foi para


Roma em 1965 sob convite do Itamarati, mas quando tudo estava
pronto, na Galeria de Arte Moderna de Roma veio uma “ordem
superior” por telegrama mandando cancelar a inauguração e a
mostra.
O implacável e inteligente crítico de arte e arquitetura Bruno Zevi
escreveu um belíssimo artigo no cotidiano L’Espresso sobre o
ocorrido. Ele denuncia mais uma violência da ditadura militar que
ocupava o poder no Brasil: a proibição da realização, em Roma, da
mostra.
Zevi detinha um razoável conhecimento do Brasil. Em 1959 tinha
participado como convidado ao “Congresso Internacional
Extraordinário da Associação Internacional de Críticos de Arte em
Brasilia e teve um embate com os estudantes sobre a dicotomia
Brasília/ pobreza.127 Esta sua postura permaneceu por muito tempo.
No mesmo texto sobre a mostra de Lina escreve: “A mostra é a
coragem de apresentar-se ao mundo com os valores culturais da
pobreza, em resumo, um ato irreversível de ruptura e liberação. (…)
De um lado, aquilo que o povo produziu, testemunho de infinito
sofrimento; do outro, a cidade Kafquiniana, autoritária e exibicionista
(tratando de Brasília)”.128

A consequência deste ato foi uma carta de Lina para Zevi, de 12 de


Agosto de 1964, pedindo que ele se retratasse, com as seguintes
palavras:

“A fragilidade dialética de Brasilia, da arquitetura de Brasilia é


somente uma fragilidade de hoje. A grave alternativa de toda a
cultura de hoje: uma cultura pobre. Milhões de homens em
sofrimento. Toda uma herança desmistificada. Tudo de forma nua,
sêca, feito de milhões de homens sem exaltações, sem fugas.
O problema de todos, hoje, é de construir, com este material pobre,
uma cultura.”129

Novamente Lina defende o Brasil com o argomento de que a arte é a


simplicidade, do material pobre, que se usa para construir a vida.
Não somente Brasilia, as arquiteturas, os objetos, as colchas de
retalhos…

127
Texto escrito a máquina nos arquivos do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, mas sem autor.
128
ZEVI, Bruno. L’ Arte dei Poveri fá Paura ai Generali. L’ Espresso, Roma, 14 de Março 1965
129
Frase extraída de carta escrita por Lina. Acervo do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.
Traduzido do original em Italiano.
Quatro imagens da montagem da mostra do Nordeste em Roma que não foi inaugurada por
motivos políticos.
Fotos de Oscar Savio
Imagens do arquivo do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi

Objetos de uso cotidiano faziam parte da exposição em Roma que queria levar ao europeu a
genialidade da necessidade do brasileiro mais humilde
Foto: Oscar Savio
Imagens do arquivo do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi
Objetos espirituais, ou de crenças locais, como a carranca que “espanta” o mau tempo dos
pescadores, e o ex-voto que agradece a graça recebida faziam parte desta mostra que nunca
foi vista pelo público.
Fotos: Oscar Savio
Imagens do arquivo do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi

Em toda a pesquisa sobre os objetos de Lina,


este projetor de filmes é visto somente
nesta mostra. Não se sabe sua origem exata,
mas por estar entre os selecionados por Lina
deve ter um valor simbólico ou histórico.
Foto: Oscar Savio
Imagens do arquivo do Instituto Lina Bo e P.
M. Bardi

4.2
O MASP E A MÃO DO POVO BRASILEIRO

Ao retornar do Nordeste em 1964 Lina dedica-se ao projeto do Masp


na Av Paulista, que tinha sido iniciado em 1957 e foi inaugurado
somente em 1968. Hugo Segawa em seu livro Arquiteturas no Brasil
1900-1990, explica que:”O Brasil, na segunda metade dos anos 1960
e o início dos anos 1970, passava por uma época de pujança
econômica. Parte do legado da arquitetura dos anos 1950-1960
encontrou caminho de viabilização nos anos do ‘milagre’”.130
Confirmando esta frase Lina conta, em uma entrevista, que: ”O
projeto do MASP é de 1950, mas começou em 1960 e parou pois não
se tinham os meios, tinha confusão política. Depois, com a prefeitura
de Prestes Maia e Faria Lima o Museu foi concluído rapidamente. Em
1968 e foi inaugurado pela Rainha Elisabeth da Inglaterra”.131

Mesmo tendo sido projetado em 1957, anteriormente ao período em


que viveu no Nordeste, o Masp absorveu influências do olhar que a
arquiteta desenvolveu no período de ausência. Ela mesma coloca
que: “Aproveitei ao máximo a experiência de cinco anos passados no
Nordeste, a lição de experiência popular, não como romantismo
folclórico mas como experiência de simplificação” e mais adiante ela
continua:”Eliminei o esnobismo cultural tão querido pelos intelectuais
(e os arquitetos de hoje), optando pelas soluções diretas, despidas. O
concreto como sai das formas, o não acabamento, podem chocar toda
uma categoria de pessoas.”132

Em 1969 a mostra A Mão do Povo Brasileiro se deu no recém


inaugurado Masp na Av Paulista, apresentando artesanato e arte
popular, como nas duas mostras precedentes, a do Solar do Unhão e
a de Roma.
A Veja, de 25 de Junho de 1969, descreveu a mostra com as
seguintes palavras: “Dois mil objetos. Instrumentos de trabalho,
rendas, colchas de retalhos, brinquedos, ex-votos e peças
decorativas. Metade dos trabalhos veio da colação particular de Pietro
e Lina. Lina percorrendo à mais de vinte anos o Brasil num Jipe, não
buscando o folclore ou artesanato que se repete, mas momentos de
inspiração em que estes artistas anônimos criam obras dignas dos
maiores mestres.
Ferro velho, medeira, papel, borracha, vidro, palha. Tudo serve de
matéria prima para o espírito inventivo do brasileiro.

130
SEGAWA. Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. p191
131
NICOLÓ, Tino e PROIETTIS Gianni. Un’ Adorabile Eccentricitá. Il Corriere della Sera. 1o
Setembro 1986.
132
BARDI, Lina Bo. Museu de Arte de São Paulo, catálogo editado pelo Instituto Lina Bo e P
M Bardi.
As colchas da Bahia tem, segundo Bardi, o mesmo rigor da abstração
geométrica encontrado no holandês Pier Mondrian, um dos homens
que revolucionaram a pintura deste século.
Palavras de Pietro e Lina ‘uma lição de arte dada por gente humilde
que nunca ouviu falar em Bienais nem em salões de Arte
Moderna.”133

Lina insiste nesta mostra de artesanatos (ou pré-artesanatos, como


preferia ela) para mostrar, na grande metrópole do país, São Paulo, a
força deste trabalho que ela coletou com paciência e dedicação.
As obras, segundo ela, não estavam lá para gerar consolação nos
visitantes, ou para enobrecer os trabalhos acima de suas
possibilidades, nem mostrar uma produção que lembrasse a miséria.
Para ela tudo o que lembra a miséria devería ser destruído.
As peças mostram trabalhos belíssimos de primorosa qualidade e que
nasceram de uma necessidade e esta é a meta da mostra.

A POLTRONA DO AUDITÓRIO DO MASP. 1968

Quando o projeto do novo Masp na Avenida Paulista chega ao fim, em


1968, Lina projeta uma poltrona para seu auditório que é recusada
pela administração do Museu por ser mais onerosa que um produto
convencional. Esta poltrona se amarra, visualmente, aos móveis do
SESC, de linhas simples, com forte geometria e madeira maciça. O
desenho recorda as cadeiras do auditório do Sesc, com seu corte
central e os apoios de braço em tábua de madeira maciça. Sendo o
Sesc posterior ao Masp pode-se deduzir que o teatro do Sesc tenha
se inspirado nestas poltronas, mas mais simplificado como sistema
construtivo. Existem somente poucas peças executadas.

Poltrona em madeira maciça projetada para


o Masp da Av. Paulista que, no final, não foi
utilizada. Os protótipos estão no Instituto
Lina Bo e P M Bardi

Foto: Roberta Cosulich

133
Veja. 25 Junho de 1969. A Mão do Povo Brasileiro
4.3 O SESC E CINCO EXPOSIÇÕES

4.3.1 O SESC

O logotipo do SESC Fábrica da Pompéia com


sua chaminé de flores.

“Uma galeria subterrânea de ‘águas pluviais’ (na realidade o famoso


corrego das Águas Pretas) que ocupa o fundo da área da Fábrica da
Pompéia, transformou a quase totalidade do terreno destinado à zona
esportiva em área non edificandi. Restaram dois ‘pedaços’ de terreno
livre, um à esquerda e outro à direita, perto da ‘torre-chaminé-caixa-
d’água’ –Tudo meio complicado. Mas como disse o grande arquiteto
norte-americano Frank Lloid Wright: ‘As dificuldades são nossos
melhores amigos’.
Reduzida a dois pedacinhos de terra pensei na maravilhosa
arquitetura dos fortes militares brasileiros, perdidos perto do mar, ou
escondidos em todo o país, nas cidades, nas florestas, no desterro
dos desertos e sertões. Surgiram assim os dois ‘blocos’, o das
quadras e piscina e o dos vestiários. No meio a área non edificandi.
E… como juntar os dois ‘blocos’? Só havia uma solução: a solução
‘aérea’, onde os dois blocos se abraçam através de passarelas de
concreto protendido.
Tenho pelo ar-condicionado o mesmo horror que tenho pelos
carpetes. Assim, surgiram os ‘buracos’ pré-históricos das cavernas,
sem vidros, sem nada. Os ‘buracos’ permitem uma ventilação cruzada
permanente.
Chamei o todo de ‘Cidadela’, tradução da palavra inglesa goal,
perfeita para um conjunto esportivo.
Na área non edificandi pensei num grande deck de madeira. Ele corre
de um lado para o outro do terreno ‘proibido’ em todo seu
comprimento; à direita, uma ‘cachoeira’, uma espécie de chuveiro
coletivo ao ar livre.
Meu grande amigo Eduardo Subirats, filósofo e poeta, diz que o
conjunto da Pompéia tem um poderoso teor expressionista. É
verdade e isso vem de minha formação européia. Mas eu nunca
esqueço o surrealismo do povo brasileiro, suas invenções, seu prazer
em ficar todos juntos, de dançar, cantar. Assim dediquei o meu
trabanho da pompéia aos jovens, às crianças, à terceira-idade: todos
juntos.”134

Com este texto Lina descreve o belo SESC-Fábrica da Pompéia, que é


um dos seus trabalhos mais primorosos. Competente funcionalmente
e repleto de simbologias e cuidados com os materiais e acabamentos
que usariam. Lina afirma, modestamente, ter encontrado uma
fábrica linda e que eles ( o grupo que trabalhou no projeto) não
fizeram nada. Simplesmente colocaram um pouco de água e uma
lareira. O restante do projeto foi feito pelas lindas almas que o
utilizam.135

Ao falar do Sesc a arquiteta sempre deixou claras suas preocupações


com o uso do espaço, projetando-o para o público. Uma verdadeira
construção de caráter socialista como ela sempre buscou. Em todas
as suas arquiteturas públicas ela pensou no usuário como ponto de
partida e é no Sesc onde ela consegue, finalmente, alcançar esta
meta. Ela esclarece em uma entrevista à Folha de São Paulo sua
decepção com a cidade. “Lina disse também que a cidade ficou
horrorosa e não há mais o convivio humano. Os prédios são
fechados, as praças acabaram e já não há locais de encontro de
pessoas para o simples bate-papo. Até os botequins foram engolidos
pelos supermercados”.136 É esta carência que ela tenta, e consegue,
suprir. Ela mesma diz: “Para mim é uma pequena experiência
socialista, de convivência em comunidade, com um calor humano que
faz com que as pessoas não se sintam sozinhas no mundo”.137

Pietro Maria Bardi, no catálogo da primeira exposição do Sesc, O


Design no Brasil: história e realidade, nota que “A decisão de
transformar o conjunto industrial num centro de lazer inaugura no
Brasil o ciclo, que espera promissor, da assim chamada arqueologia
industrial, iniciativa que contribui para manter a memória”138.
A preservação de edifícios na “Grande Cidade” nunca foi muito
aplicada pelo poder público, limitando-se, até então à obras coloniais,
ou clássicas. Próximo ao Sesc estão as caldeiras da fábrica Matarazzo

134
BARDI, Lina Bo. O Bloco Esportivo. Casa Vogue No 6, Nov-Dez 1986. p 134 à 141
135
No livro Lina Bo Bardi, de M.Ferraz, p 220
136
SOARES, Dirceu. Um Centro de lazer na Cidade Morta. Folha de São Paulo. 19 de Janeiro
de 1978
137
NICOLO, Tino e PROIETTIS, Gianni.Una Adorabile eccentricitá. Corriere della Sera. 01
Setembro1986
138
BARDI, Pietro Maria. O Design no Brasil: história e realidade. Texto introdutório do
catálogo. Ed Sesc + Masp. 1982
que foram tombadas à poucos anos, em relação à obra do SESC, mas
que são, provávelmente, frutos deste primeiro “estopim”.

Duas citações ilustram com propriedade a importância do projeto do


ponto de vista da cidade e do usuário. A primeira, que coloca o Sesc
na escala urbana diz:”Lina transformou uma velha fábrica de latões
metálicos em um estraordinário pedaço de cidade que vive como
deveria viver toda a cidade”139
A segunda, que fala da experiência individual dentro do espaço é a
dedicatória deixada por Darcy Ribeiro no livro de visitas do Sesc:
“Vivo minha vida aprendendo sem parar, às vezes dói, às vezes
encanta. Nunca me lembro de, num pedaço de tarde, ter aprendido
tanto. O Brasil precisa ver este centro de lazer, que é uma árvore,
para fazer dele semente.”140

Lina não projetou somente o espaço e seus acabamentos, mas toda a


mobília utilizada. As poltronas, sofás e mesas do espaço de convívio,
as mesas e cadeiras da biblioteca, os “caixotinhos” para as crianças
brincarem e estudarem, o teatro e a mobília do refeitório.
São objetos que “conversam” com o espaço pela sua simplicidade,
sobriedade e simbologia. São duros e secos, como o artesanato que
viu no Nordeste, mas sem cor, com detalhes que os tornam geniais e
distintos. São exatamente como descreveu Ruth Verde Zein:”Na
Fábrica da Pompéia, com sua aparente secura formal, não falta nunca
elaboração e recriação”.141

As cinco exposições que serão apresentadas neste capítulo mostram


um caminho diferente das exposições feitas até então por Lina, que
eram densamente dedicadas ao artesanato. Nestas ela se abre para
novos objetos, permitindo a entrada de produtos industrializados
complementando o artesanatos que ela vinha mostrando até então;
como se fosse uma evolução do outro ou um contraponto.
Isto se deu, provávelmente, pelo fato do Sesc não ser um museu
tradicional, permitindo ousadias de curadoria e possibilitando a visita
de um público mais amplo que ela quer alcançar. Outro motivo para
esta “permissão” de entrada de novos objetos pode ter se dado por
ela ter se aproximado da indústria, apresentando outros sintomas
interessantes. É o design entrando no mundo do pré-artesanato.

139
LAMPUGNANI, Vittorio Magnano. Centro Sociale Sportivo “Fabbrica Pompéia”. Revista
Domus No 717 Junho 1990. p 50 à 57
140
Frase escrita por Darcy Ribeiro no livro de visitas do SESC Pompéia em 17 de Abril de
1983.
141
ZEIN, Ruth Verde. Fabrica da Pompéia, para ver e aprender. Revista Projeto No 92
Outubro 1986 p 44 à 55
A rua central do SESC com os galpões preservados da antiga fábrica de tambores com as
novas e enormes portas em madeiras que são de acesso aos espaços
Foto: Paquito

Os dois blocos esportivos que se abraçam por enormes passarelas, suas aberturas que
lembram buracos grotescos de cavernas e a torre-chaminé-caixa d’agua
Foto: Roberta Cosulich
O Salão principal do SESC com a presença da água pelo “rio São Francisco” e a presença do
fogo pela grande lareira em ferro preto ao fundo à esquerda.

Foto: acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi


Data aproximada 1983
4.3.2 MOBILIÁRIO DO SESC

O SESC, a Fábrica da Pompéia é um dos projetos mais emocionais de


Lina. Utiliza toda a sua geometria, mas é repleto de simbologias. Não
seria exagero dizer que ele soma toda a experiência da arquiteta
formado, que veio ao Brasil, que viveu no Nordeste e que voltou à
São Paulo e acumulou seus sentimentos neste projeto.
Respeitando a arquitetura, o mobiliário é simples e responde
perfeitamente as necessidades do usuário. Feito em madeira maciça
tem um impacto visual muito forte e com linhas sóbrias que lembram
a dureza que ela lia nos objetos do Nordeste. Pesados e maciços, não
são muito “móveis”, se parecem mais com arquiteturas.

As mesas quadradas tem pés centrais, um ou dois dependendo da


necessidade, de secção quadrada e tampos espessos. As mesas
redondas da biblioteca tem os seus apoios nas extremidades e não
são somente pés, mas pequenas estantes para apoio de livros ou
bolsas. Lembram nitidamente o sistema utilizado por ela na exposição
Nordeste no Solar do Unhão.
As cadeiras utilizadas na biblioteca e no refeitório são compostas por
três grandes peças de madeira: o assento, o encosto que vai até o
piso e uma terceira peça que dá apoio ao assento e travamento ao
encosto. Um sistema simples e inovador para montagem de uma
cadeira. O único detalhe está na parte alta do encosto que tem uma
fenda vertical que pode ter sido feita para apoio da coluna cervical,
ou como contraponto ao corte inferior para encaixe da terceira peça.
No começo algumas cadeiras tinhas um couro amarrado no encosto,
mas com o tempo foram retirados e colocados em desuso. As
cadeiras do teatro utilizaram a mesma linguagem do encontro das
cadeiras da biblioteca, mas são contínuas, divididas somente pelos
apoios de braços.

Os sofás e poltronas da sala de convívio são grandes caixas, com


estofamento aparafusado, componíveis que podem ser utilizadas
individualmente ou coletivamente, quando se juntam diversas. Estes
mesmos móveis serão utilizados por Lina, posteriormente, no projeto
do Centro de convivência da LBA em Cananéia, São Paulo (1988).142

Um dos projetos mais inovadores de Lina é o “caixotinho”. Esta


pequena caixa cortada na diagonal com uma de suas superfícies
rebaixadas criando um sistema extremamente simples e eficiente
para crianças utilizarem como mesas e poltronas. Todas as partes
tem rodinhas, facilitando o transporte e a montagem. A criança é

142
Referência tirada à partir de fotos do projeto Cananéia no Instituto Lina Bo e P. M. Bardi
livre para participar da disposição e utilizá-la sozinha ou com um
grupo de amigos para jogar, desenhar, ler. Objeto de um desenho
carregado de força e extremamente duro.

O mobiliário do Sesc inaugura uma nova fase na produção da


arquiteta. Se comparados à produção do Studio Palma (1951) ou aos
móveis do primeiro Masp da rua 7 de Abril (1947), nota-se uma
mudança significativa no peso visual da peça e no não acabamento
dos pés. As primeiras mobílias eram leves, em sua maioria com
estrutura em madeira, mas com o afinamento dos pés ao encostarem
no piso, um cuidado com os encostos de braço, o uso de couro,
tecido e fibras. A mobília do Sesc, em contra partida, é firmemente
colada ao piso, com toda sua pesada estrutura apoiando-se. Ao olhar
se nota somente a madeira. Em poucos momentos se vê a lona do
estofado das poltronas e o couro dos encostros. É a madeira maciça
que predomina. Aparentemente é a evolução das estruturas criadas
para as mostras do Solar do Unhão e de Roma ou, igualmente, da
escada do Solar do Unhão.

São objetos únicos pois não se tinha, naquele período, nada nesta
linguagem. Os demais designers, como Sergio Rodrigues ou Tenreiro
utilizavam madeira, mas de uma forma completamente diversa.
Esta linha dura que começa com o Sesc continuará até o último
projeto de Lina, sofrendo leves mudanças.
O ESPAÇO DE CONVÍVIO

O módulo do sofá do SESC que pode


ser composto conforme a necessidade,
feito em tábua de madeira maciça e
estofamento forrado com curvim

Foto: acervo Instituto Lina Bo e P M


Bardi
Data aproximada 1983
As simples e pesadas mesas do Sesc com um ou dois
apoios de madeira maciça
A BIBLIOTECA

As mesas da biblioteca do sesc feitas em madeira maciça. A redonda com prateleiras que
lembram as estantes das mostras do Nordeste. As cadeiras são muito mais pesadas,
fisicamente e visualmente, das projetadas até 1958.

Foto: Instituto Lina Bo e P M Bardi


O CAIXOTINHO

Este belo móvel feito para crianças é chamado de caixotinho. É um dos objetos mais simples
e mais eficientes do SESC. O conceito é o de um cubo cortado na diagonal, com uma de suas
tampa superior rebaixadas. Desta forma, tem-se uma mesa e uma cadeira componíveis e
transportável, por ter rodinhas.

Foto: Instituto Lina Bo e P M Bardi


O TEATRO

O teatro do Sesc Pompéia é um dos espaços do complexo esportivo e


cultural mais bem trabalhado em questões simbólicas. O texto a
seguir, transcrito na íntegra de um original no Instituto Lina Bo e P M
Bardi, mostra a genialidade do seu conceito. Não somente pelo
projeto dos bancos, mas também pela justificativa do uso do teatro
grego.

ESCRITO DE LINA BO BARDI 1982

O SESC (Serviço Social do Comércio) está inaugurando o novo Centro


de lazer: FÁBRICA DA POMPÉIA em São Paulo, bairros Lapa-Pompéia.
Lina Bo Bardi e colaboradores restauraram o conjunto da velha
fábrica IBESA dos anos 30 projetando os novos edifícios das quadras
esportivas. O Conjunto-Centro está levantando polêmicas. Lina Bo
Bardi escreve a respeito.

Depois de cinicamente julgar esgotados o conteúdo e as


possibilidades humanas do Movimento Moderno (1) na arquitetura,
aparece na Europa um novo lançamento: o Pos-Modern, que pode ser
definido a Retromania, o complexo da impotência frente à
impossibilidade de sair de um dos mais estarrecedores esforços
humanos do Ocidente. A vanguarda nas artes viva comendo os restos
daquele grande Capital. A nova palavra de ordem é:”chupar ao
máximo os princípios da documentação histórica reduzidos a
consumo”. A Retromania impera, na Europa e nos Estados Unidos,
absolvendo criticamente os penetras da arquitetura, que, desde o
começo da industrialização gratificam as classes mais abastadas com
as reciclagens espirituais do passado. Cornijas, portais, frontões,
trifórios e bífores, arcos romanos, góticos e árabes, colunas e cúpulas
grandes e pequenas nunca deixaram de acompanhar em um coro
baixinho, discreto e sinistro, a marcha corajosa do Movimento
Moderno brutalmente interrompida pela Segunda Guerra Mundial.
É história velha. Estão voltando os arcos e as colunas do nazi-
fascismo, a história tomada como monumento e não como
documento (2).
Conclusão: estamos ainda sob o céu cinzento do pós-guerra.
“Tout est permis, Dieu n’ existe pas”. Mas o que existiu de verdade
foi a Guerra , que ainda continua, como ainda continuam as grande
resistências
Tudo isso pode ser julgado uma premissa exagerada para a
apresentação de uma simples cadeira de teatro-auditorium, mas esta
nota antecipada sobre os equívocos europeus do Post-Modern (3) é a
esperança que o Brasil não envereda mais uma vez no mesmo
caminho da sociedades culturalmente falimentares.
Por quanto se refere à dita cadeirinha, toda em madeira e sem
estofado, é de observar: os Autos da Idade Média eram apresentados
nas praças, o público de pé e andando. Os teatros greco-romanos
não tinham estofados. Os estofados apareceram nos teatros aulicos
das cortes, no setecentos e continuam até hoje no “confort” da
Sociedade de Consumo.
A cadeirinha de madeira do Teatro da Pompéia é apenas uma
tentativa para devolver ao teatro seu atributo de “distanciar e
envolver”, e não apenas sentar-se.

(1) O MOVIMENTO MODERNO aqui citado nada tem a ver,


naturalmente, com a Semana de Arte Moderna, trata-se do
movimento das artes e da arquitetura desde a 1a década do
século XX
(2) Michel Foucault “L’ Histoire est ce qui transforme des
document en Monument”. É exatamente o contrário: a
História é aquilo que transforma os monumentos em
Documentos. Claro que o Monumento não se refere somente
a uma obra de arquitetura, mas também as “ações coletivas”
de grande arranques sociais.
(3) O Movimento Post-Modern, nascido nos Estados Unidos,
adquiriu importância internacional na última Bienal de
Veneza, reacionário e anti-atual confunde o verdadeiro
sentido da história, com os duvidosos retornos ao
historicismo
4.3.3 AS EXPOSIÇÕES

Todas as exposições apresentadas nesta pesquisa até o presente


momento tinham como meta mostrar ao público o potencial criativo
do brasileiro artesão do Nordeste que, sem conhecimento ou cultura
criou uma arte própria, a partir de seu espírito e sensibilidade.
As cinco exposições que serão mostradas a seguir tem como item
comum um leque de 18 anos do retorno de Lina do Nordeste. Com
este período que a distancia de sua luta em busca de uma arte
brasileira ela finalmente “permite” a entrada de novos objetos em
suas exposições.
Nestes primeiros cinco anos da década de oitenta serão apresentadas
cinco mostras. As primeiras três, em 1982, trataram de design de
forma direta. As outras duas, em 1984 e 1985, apresentaram o
design de forma indireta, através de cenografias que apresentam os
animais e a arquitetura; argomentos importantes para o processo
criativo de Lina e, por isso, escolhidos.

Gilberto Freyre interpreta a importância dos objetos com o mesmo


olhar de Lina, reforçando sua importância. Em um discurso de 1926
escreve:” Que a arte da arquitetura, a do móvel, a do jardim, a do
brinquedo, em matérias não só nacionais como regionais que,
juntamente com os valores materiais indígenas e tropicais que forem
empregados com crescente amor pelos artistas, dêem maior
autenticidade, maior vigor e maior originalidade às criações
brasileiras nessas várias especialidades, tornando-as mais valiosas
aos olhos dos próprios europeus e norte-americanos”.143

O design é cuidadosamente apresentado e discutido em O Design no


Brasil: História e Realidade, Mil Brinquedos para a Criança Brasileira
e O Belo e o Direito ao Feio. Em todas se notará a presença da
indústria que estava em crescimento e apresentava seus produtos,
juntamente com produções manuais que nunca se extinguiram no
Brasil.
Em Caipiras, Capiaus e Pau-a-pique e Entreato para Crianças o objeto
é visto através de belas cenografias que apresentam as casas
populares, os objetos das fazendas e animais construídos com escala
muito maior que a real.

Estas mostras serão apresentadas em ordem cronológica para que se


perceba evolução da importância da industria juntamente com o
trabalho artesão nas primeiras três e o objetos participando de
cenografias.

143
FREYRE, Gilberto. Antecipações, p31
1982

O DESIGN NO BRASIL:
HISTÓRIA E REALIDADE

Capa do catálogo da mostra.


Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi

Esta exposição foi a primeira que aconteceu no SESC. Pode-se dizer


que foi a exposição de inauguração. Não se tem uma data precisa
para a inauguração oficial do Centro de Lazer; foram feitos diversos
eventos, por diversos motivos durante o ano de 1982.
O Design no Brasil foi organizada e montada em conjunto com o
MASP e com a colaboração do Núcleo de Desenho Industrial da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e demonstra,
finalmente, uma preocupação com o design e com a produção
industrial nacional.

No catálogo da mostra Lina e Bardi escrevem texto que justificam a


exposição e suas inquietudes em relação ao design. Dois breves
trechos serão aqui apresentados como referência para suas questões.

Lina, sempre com o olhar focando na arte e no público em geral,


coloca que: “Esta não é uma exposição de arte. Não tem peças
valiosas em destaque, nem a ‘rarefação’ desse tipo de exposições. É
uma enxurrada, uma falsa confusão, rigorosamente planejada. Por
contingências históricas o Brasil industrializou-se de repente,
compelido, sem continuidade, dado imprescindível num
desenvolvimento orgânico. Aqui são representados alguns dados:
Brasil manual (até 1960), Brasil industrial (70/80)
A exposição não ‘rarefeita’ é dedicada ao público popular. É nos
moldes das feiras dos sertões nordestinos e supermercados paulistas
que hoje inundam todas as capitais do Brasi.
Aos designers brasileiros e aos grandes responsáveis, a tarefa de
uma revisão e balanço. Ao público, a alegria das feiras e a resistência
ou aceitação de todo um modelo de comportamento.”144

Pietro Maria Bardi, focando na execução das peças, escreveu na frase


de abertura do catálogo:
“Evocar a realidade antiga e atual do trabalho, reunindo produções-
saudades e produções último-grito, conjugando-as numa homenagem
e ao mesmo tempo, num fato de informação e comunicação. Os
artesanatos, as oficinas, a pequena, a média ou grande indústria, o
caçar-com-o-gato-por-não-ter-cachorro, o inventar e vencer da
ciência e da técnica: todo um mundo a ser lembrado e evocado,
cordialmente, uma palavra, uma lembrança do Brasil”145

Esta mostra, que aconteceu no saguão principal do Sesc, teve uma


das maiores visitações da época. Na revista Valbrarte escontra-se
escrito que “mais de cem mil pessoas, ao longo de seis meses de
exposição, puderam ver o resultado da criatividade do homem
brasileiro”.146 Este elevado número deve ter se dado tanto pela
qualidade da mostra quanto pelo espaço do Sesc que era novo e não
tinha a imponência e seriedade de um museu, não intimidando a
visita de um grande número de pessoas não acostumadas a museus
tradicionais.
Com toda esta movimentação a repercussão na mídia foi elevada,
gerando uma grande discussão en torno da industrialização brasileira,
do design, da importação de produtos e sua inquestionável influência
no produto local. Dentre diversos artigos da época a Revista Senhor,
cuja linha editorial se aproximava às indústrias, publicou um belo
artigo que ilustra a questão da industrialização:
“(…) Demonstrar que o Brasil ainda não encontrou seu próprio
caminho nessa função mal compreendida (do design), mesmo nos
locais onde mais deveria ser incentivada – a própria industria. Pois o
desenho industrial já que nem alcançou status de profissão
reconhecida.
Infelizmente deve-se levar em conta o pouco tempo decorrido desde
o começo da industrialização, o que ajudou a nos tornar
independentes do ‘know-how’ de outros países, especialmente dos
Estados Unidos – que está em primeiro lugar na escala de
ascendência sobre o nosso design.

144
BARDI, Lina Bo. Texto no catálogo da mostra que foi utilizado também em um cartaz.
145
BARDI, Pietro Maria. Catálogo da mostra. O Design no Brasil: História e realidade. Frase
introdutória. 12 de Abril 1982
146
Revista VALBRARTE. Ano 1 No 2 Outubro 1983 p 50. Texto sem autor.
Lina Bo Bardi, que reagiu sutilmente às virulentas críticas contra a
exposição na Fábrica da Pompéia, acusada de saudosista acha que é
preciso refletir sobre o que aconteceu com o design no Brasil para
que no futuro as exposições não sejam tão contundentes como
esta.”147

Dentro do debate da industrialização, pontuando o atraso brasileiro e,


comparando-o com outros países, Lina lembra que: “A passagem do
artesanato para o período industrial no Brasil aconteceu
bruscamente, ao contrário do Japão e da Finlândia, por exemplo, que
também passaram pelo período da industrialização sem perder sua
civilização. Fato que acontece no Brasil, que a cada dia mais se
descaracteriza.”148

O local desta mostra, que coloca em questão a indústria, não poderia


ter sido mais propício, visto que o Sesc era uma antiga fábrica e o
levantar o tópico do design foi importante, mesmo não tendo gerado
para a história do design brasileiro uma real e eficiente mudança.
As questões levantadas em 1982 e 1983, consequências desta
mostra, são levantadas atualmente, vinte anos depois, com um país
decididamente industrializado e que continúa sendo influenciado por
americanos. Ainda se questiona se o design produzido no Brasil é de
“alma” brasileira. No catálogo da mostra Pietro Maria Bardi escreve:
“A década de 50 eram tempos em que a importação de coisas e de
mentalidades do exterior ainda predominava e liquidava no
nascedouro quaisquer tentativas (de criação)”.149
Mesmo com imensos esforços atuais por parte de entidades como o
Sebrae, alguns designers e casos pontuais, pode-se notar que a frase
de Bardi é bastante atual. Seria necessário alterar somente a data.

147
DUCLOS, Nei. Design: Enfim uma Polêmica. Revista Senhor No 61. 19 de Maio 1982. p 62
148
AMARANTE, Leonor. Design brasileiro no Sesc Pompéia. 9 de Abril 1982. Depoimento de
Lina para a entrevista.
149
BARDI, Pietro Maria. O Design no Brasil: História e realidade. 12 Abril 1982. p 13
Vistas gerais da mostra. A superior com os objetos manufaturados e a inferior com os
objetos de produção industrial.
Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi
Tapeçarias com bordados. Elementos constantemente expostos por Lina, desde a primeira
mostra Bahia no Ibirapuera em 1951, na primeira Bienal de São Paulo.
Detalhes de objetos expostos na área
dedicada aos objetos pré-industriais.
Uma cadeira com interessante e atípico pé,
um avião feito com pedaços de objetos e
restos e uma mesa repleta de ferros de
passar à carvão.

Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi


Dois detalhes da parte da mostra que se
dedica aos objetos industriais. Carros e
aviões na imagem superior e diversos
produtos como televisões, aparelhos de
som, microscópios, etc, na inferior.

Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M


Bardi
MIL BRINQUEDOS PARA
A CRIANÇA BRASILEIRA

Cartaz da mostra
Acervo Instituto Lina Bo e P M
Bardi

José Papa Júnior, Presidente do conselho regional do SESC de São


Paulo escreve, na introdução do catálogo desta exposição, em seu
breve texto, a importância que o SESC dá ao brinquedo como
expressão da formação cultural de um povo, na sua intenção de
editar dois livros sobre este argumento, além do catálogo da mostra
em si.150
Mil Brinquedos para a Criança Brasileira não limita-se aos brinquedos
artesanais somente, mas inclui também os industrializados, pois
ambos compõem o patrimônio lúdico brasileiro. É seguindo a mesma
filosofia da mostra anterior, sobre design, que Lina une o artesanal
com o industrializado.

O texto do catálogo é de Pietro Maria Bardi e discorre sobre a história


do brinquedo no mundo justificando a importância desta mostra. A
intenção, segundo ele, é a de incentivar os sonhos dos pequenos
frequentadores da “Fábrica” que,”desinteressados pelos programas
dos pais, desenvolvem um lazer próprio, que significa mexer com
seus companheiros inanimados e animados”151
A exposição contou com a colaboração de vinte colecionadores, com
bonecos de bisquit, casas de bonecas ambientadas e mobiliadas,
carrinhos de pedalar, triciclos, robôs, brinquedos de metal, trens,
brinquedos indígenas em palha e madeira, entre muitos outros.
Segundo Bardi, o interessante é unir objetos da indústria, produzidos
e projetados por designers juntamente com os que saem das mãos

150
PAPA Jr. José. Mil Brinquedos para a Criança Brasileira
151
BARDI, Pietro Maria. Mil Brinquedos para a Criança Brasileira. P 7
dos artesões. Só não foram expostos brinquedos bélicos que
pudessem estimular o espírito agressivo da criança.152
“Esta série de brinquedos desde o Norte até o Sul é o símbolo da
extraordinária capacidade do povo, seus instintos, vocação para a
diversão, o prever as mil necessidades valendo-se do que tem à mão
desde a providencial madeira, a vegetação para pintar, o ajustar
mecanismos ao modo que os antepassados conseguiram com o
engenho de açucar, numa palavra o criar, todo um sentimento e um
labor do povo é aqui recolhido. Sem dúvida é esta a novidade da
exposição”153

A enorme mostra repete os conceitos da anterior, unindo


manualidade e industrialização, juntando uma vasta amostragem que
tem como finalidade informar, mas que automaticamente faz pensar,
visualizar e entender qual o processo evolutivo do brinquedo no
Brasil.

152
Idem
153
Idem p 9
Vista gerais da mostra Mil Brinquedos para a criança Brasileira
Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi
Um carrossel foi colocado dentro do SESC para as crianças.
Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi

Detalhes da mostra:
Superior esquerdo são borboletas de tecido.
Superior direito são passarinhos em madeira
À esquerda bonecos de pano
Uma constante nas exposições de Lina é
utilizar a repetição dos objetos pequenos para
que criem volume e texturas.

Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi


O BELO E O DIREITO AO FEIO

Esta pequena mostra foi a primeira exposição de artes dos


funcionários do INAMPS, aconteceu de 24 a 30 de Outubro de 82. É
também a primeira mostra que não fala somente de design como
objetos independentes, mas de cenografias. Das cenografias das
casas populares que consomem objetos que não são artesanato e
nem de uma indústria avançada, com projetos inovadores. São
objetos kitsch. “A expressão kitsch surgiu na Alemanha no fim do
Século XIX quando a Revolução Industrial tomou definitivamente o
poder. É o estigma da alta burguesia culta contra os setores da
mesma classe, menos afortunados que através da industrialização
começam a ter acesso aos “Tesouros da Arte”, ao “Belo”.”154

“Esta pequena exposição não é uma – Integração do Kitsch – é


apenas um pequeno exemplo do DIREITO AO FEIO, base essencial de
muitas civilizações, desde a África até o Extremo Oriente que nunca
conheceram o “conceito” do Belo, campo de concentração obrigado
da civilização ocidental.”155
“De todo este processo foram excluídos uns ainda menos
afortunados: O Povo. E o Povo nunca é kitsch. Mas esta é outra
história”156

O Kitsch, contra quem Lina lutou na década de 50, contra o excesso,


o carpete, o ar-condicionado, as rendas, os coelhinhos pascais,etc.
Agora ela o reúne e o mostra. O kitsch existe e não pode ser negado.
É uma realidade brasileira e ela notou isto.
Após inúmeras mostras de artesanato e de design esta tem um
espírito diverso. Aparentemente não tem a intenção de questionar ou
educar, mas simplesmente de mostrar uma realidade. Assumir sua
existência. Provavelmente uma tentativa de chocar de forma oposta,
somando o feio na intenção de fazer “saltar aos olhos” a falta do
“belo”.

154
BARDI, Lina Bo. Texto no folder de apresentação da mostra.
155
Idem
156
Idem
Duas imagens da mostra que reconstroi ambientes residencias com mobilia de desenho
bastante particular e diferente de tudo o que foi visto nas mostras de Lina até o momento.

Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi


1984

CAIPIRAS, CAPIAUS,
PAU-A-PIQUE

Cartaz da mostra
Acervo instituto Lina Bo e P M
Bardi

Esta mostra não dedica-se a objetos diretamente, como a mostra


precedente do Belo e o Direito ao Feio, mas a detalhes da vida e da
arquitetura do povo, de sua “cenografia”. No espaço do Sesc se
montou uma vila, com a tradicional casa de pau-a-pique que foi
construída em loco. Fez parte da mostra a presença de galinhas e de
uma vaca. Para Lina esta exposição é “um convite à documentação
da história do Brasil”.157

O importante é olhar para esta mostra como se as casas fossem


grandes objetos e atentar aos detalhes das construções, os
acabamentos e a engenhosidade nascida da necessidade de resolver
questões cotidianas com a matéria prima à disposição. Como se
constrói o galinheiro e o forno de barro, por exemplo.
Na entrada estavam alguns postes coloridos feitos de tronco de
árvores com pinturas temáticas. Algumas referiam-se ao Brasil,
outras à personagens importântes da história. Estes mesmos postes
foram utilizados, pela primeira vez em Janeiro de 1951, na mostra
“Exposição da Agricultura Paulista” no Parque da Água Branca, em

157
BARDI, Lina Bo. In Lina Bo Bardi de Marcelo Ferraz, p 224
São Paulo. Um trator foi colocado em um jardim com uma floresta de
mastros coloridos ao seu redor.

Lina consegue, com esta mostra, distanciar-se dos objetos, mas


manter evidente a importância dada ao trabalho manual e à
capacidade do brasileiro de resolver seus problemas cotidianos com o
que tiver ao alcance de suas mãos.

Os postes coloridos que tinham significados específicos ou eram feitos em homenagem a


alguém, como o Marechal Rondon, por exemplo.
Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi
Vista geral da exposição que mais parece um cenário que reproduz uma rua de alguma
pequena cidade do sertão, ou uma festa junina sem bandeirolas.
Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi

Uma casa de pau-a-pique que foi construída em loco para a mostra utilizando as técnicas
tradicionais e um conjunto de cestas para as galinhas
Fotos: Acervo Instituto Lina Bo e P M Bardi
1985

ENTREATO PARA
CRIANÇAS

Cartaz da mostra
Acervo do Instituto Lina Bo e P M
Bardi

Esta mostra cenográfica é composta por uma vasta seleção de


animais em tamanho natural, ou quando maiores, reproduzidos em
tecido, madeira, papel machê. Lina organiza esta exposição na
tentativa de mostrar a importância e beleza dos animais para as
crianças. No cartaz de divulgação se lia a frase “não pisem as
baratas, não matem as formigas” e, paralelamente, Lina dizia que
“existem animais amigos e também animais ordinários, visíveis e
invisíveis, como as aranhas, os besouros e os ratos”158
Os animais sempre tiveram uma grande importância para Lina. Em
suas casas, desde jovem, teve animais e os cuidou. Juntamente com
as plantas, frequentemente serviram como referência para as
produções da arquiteta. Suas estruturas, sistemas de funcionamento,
etc.

A apresentação de todos estes animais de diversas estaturas “é


também uma referência ao imaginário brasileiro, ouseja à ligação dos
brasileiros com os animais.”159

158
BARDI, Lina Bo. In Lina Bo Bardi de Marcelo Ferraz. P 246
159
Idem
Esta atenção dada aos animais conclui-se com a grande Vaca
Mecânica, de 1988, passando pelo Polochon, que é um porco com
duas cabeças da peça Ubu Rei e esta mostra que reúne diversos tipos
construídos com diversas técnicas.

Como nas diversas cenografias Lina utiliza as possibilidades locais


para resolver seus projetos. Neste caso, por exemplo, ela conseguiu
um macaco enorme que era parte de um carro alegórico do carnaval.

Uma enorme gibóia feita em tecido para que as crianças pudessem brincar em seu interior

Uma estrutura em madeira para apoio de diversos quadros com coleções de besouros,
borboletas, formigas e demais animais.
Cavalos em madeira, um grande porco
onde as crianças podiam entrar e um
macaco que tinha sido utilizado em um
carro alegórico no carnaval.

Fotos: Acervo do Instituto Lina Bo e P M


Bardi.
4.4
A GRANDE VACA MECÂNICA

A grande vaca Mecânica foi idealizada por Lina em 1988 com o auxílio
do arquiteto Marcelo Suzuki, um dos seus assistentes, que detalhou
este ousado objeto que servia para unir, em seu ventre, uma
amostragem do artesanato brasileiro.
Muito trabalho foi dedicado ao projeto deste enorme objeto. No
Instituto Lina Bo e P M Bardi podem ser encontrados muitos desenhos
e croquis de estudo. É um dos poucos objetos realmente detalhados
com desenhos técnicos com detalhamentos.

A vaca foi pensada toda em metal, com grandes rodas para seu
transporte e, em seu corpo irregular, abriríam-se portas verticais e
horizontais das quais sairíam prateleiras, ou se avistaría seu interior.
Nestes espaços Lina colocaría uma amostragem dos objetos que
pesquisou no Nordeste; luminárias de latas de manteiga, objetos em
barro, ex-votos em madeira, etc. Como se a Vaca sintetizasse o
nordeste em seu interior. Ela, juntamente com a cabra, são animais
muito importantes para o sertão; dão o leite, a carne e o couro.

Infelizmente Lina nunca viu seu projeto acabado, tendo sido


executado somente em 2003/2004 para a mostra em Veneza em sua
homenagem, durante a Bienal de Arquitetura de Veneza.
Lina definiu a grande vaca com as seguintes palavras:
“Comer, sentar, conversar,virar, pegar um pouco de sol,….
A arquitetura não é só uma utopia, mas é um meio para alcançar
certos resultados coletivos.”160

160
Trecho no livro Lina Bo Bardi, de Marcelo ferraz, na página 304
Primeiros estudos de Lina para a Grande Vaca Mecânica. 1998
Estudos já mais detalhados para o funcionamento da Vaca.
Detalhe do projeto executivo para a cabeça da grande vaca
Desenho técnico da Grande Vaca executado por Marcelo Suzuki
4.6 OUTROS OBJETOS

A CADEIRA DE BEIRA DE ESTRADA

A cadeira de beira de estrada é de origem africana e é para Lina um


dos objetos mais perfeitos que existem por resolver de forma
essencial a questão do sentar. São necessários três galhos, um
tronco e três amarrações.
Lina desenhou diversas alternativas para esta cadeira, na tentativa de
utilizá-la como leito ou para diversas pessoas contemporâneamente.
Tentou também resolver a questão do nó superior com algumas
peças em ferro, mas nunca foram executados.
Na Casa de Vidro existe uma cadeira de beira de estrada, mas é
exatamente como as primeira, sem evoluções ou alterações.

Lina sentada em uma cadeira de


Beira de Estrada feita com três
galhos, um toco de madeira e três
amarrações
Acervo do Instituto Lina Bo e P M
Bardi
Lina dedicou diversos desenhos a esta
cadeira de origem africana e tão
simples no intuito de utilizá-la de
diversas formas. Aqui estão algumas
para ilustrar, como rede, cadeira,
estante,…

Desenhos do Instituto Lina Bo e P M


Bardi
POLOCHON, PERSONAGEM DO UBU REI. 1985

Em 1985 Lina projeta a cenografia da peça UBU- Folias Physicas,


Pataphysicas e Musicaes, de autoria de Alfred Jerry. A arquiteta, em
seu percurso, trabalhou inúmeras vezes para o teatro, mas esta peça,
em particular, solicitou da arquiteta que criasse um objeto: o
Polochon.
A cenografia da peça foi muito simples, limpa e seca, dedicando seus
esforços em trabalhar um belo jogo de luzes coloridas contra a
parede branca do teatro.
A justificativa de Lina para este projeto tão simples e para a criação
do Polochon é: “Jarry é o iniciador de uma única vanguarda positiva e
que não morre: A vanguarda do cinismo e da destruição”.161
Por este motivo os únicos personagens que criou foram a roupa do
Ubu rei, encenado por Cacá Rosset, que era uma longa túnica branca
com uma enorme espiral vermelha em seu peito e o Polochon.
Polochon não é um objeto da obra de Alfred Jerry. É um porco com
dois traseiros que Lina define como de duas cabeças. Na peça ele
simboliza a felicidade das crianças e entra em cena escorregando por
uma rampa ao fundo. Sua participação se tornou tão importante na
peça que era considerado como personagem.

O Polochon não é exatamente um objeto, não é design; se aproxima


à escultura. Ele não tem função prática, nem uso, mas tem uma
carga simbólica de significado muito grande e que demonstrou sua
importância com o passar do tempo. Ele continuava a ser utilizado,
sendo reproduzido em diversos momentos e diversas situações. Foi
fotografado na neve em Helsinki e utilizado no convite da mostra de
Lina em Veneza em 2004.

161
BARDI, Lina Bo in Lina Bo Bardi de Marcelo Ferraz. P 262
Polochon que está na Casa de Vidro no Foto do arquivo do Instituto Lina Bo Bardi com
Morumbi o Polochon grande e algumas miniaturas.

Estudos de Lina para o Polochon


Estudo para cenografia do Polochon com a rampa para sua entrada em cena.

Polochon fotografado em Helsinki

Convite para a mostra de Lina em 2003


em Veneza
PROJETO BARROQUINHA E A
CADEIRA FREI EGIDIO. 1986

Para a recuperação do centro histórico de Salvador, que incluía o


Teatro Castro Alves Lina “contraria a visão acadêmica do restauro
tradicional, que pensa somente nos monumentos e não nos
homens”.162 E reforma o espaço transformando o edifício de dois
andares em um teatro plano, sem platéia definida.
O amplo espaço conta com uma belíssima escada em concreto solta
em torno de uma coluna, inspirada nas belas estruturas do arquiteto
italiano Pier Luigi Nervi, e a cadeira de madeira maciça Frei Egidio,
que responde perfeitamente às necessidades de mobilidade do teatro.
Feita com tábuas de madeira maciça dobrável, com mesmo sistema
de uma antiga cadeira das igrejas italianas que existem na Casa de
Vidro dos Bardi.
Lina vê no projeto “o teatro que sai nas praças, nas ruas, que invade
a cidade, cadeiras e móveis que saem das casas; gente, homens,
mulheres, crianças, todo um povo,(…)”.163

Cadeira Frei Egidio aberta… e fechada

162
BARDI, Lina Bo. no livro Lina Bo Bardi, coordenado por Marcelo Ferraz na página 276
163
Idem
Cadeiras italianas que inspiraram o sistema Cadeiras no espaço de convívio da
de articulação da Frei Egidio Barroquinha

Bar do projeto Barroquinha. Os bancos O “buraco da caverna” do projeto


foram, provávelmente, projetados por Lina, Barroquinha que olha para a praça Castro
mas não se tem documentação a respeito Alves com a Frei Egidio sob o sol. São os
mesmos buracos do conjunto esportivo do
Sesc Pompéia.

Fotos do Instituto Lina Bo e P. M. bardi


CASA DO BENIN E A CADEIRA
GIRAFINHA 1989

A Casa do Benin é um casarão antigo no Pelourinho, em Salvador. A


antiga construção necessitou de um grande restauro para se tornar
um local de exposições e convívio.
Foi aberto um grande vão nos pisos dos três andares, aumentando a
iluminação e o espaço. As diversas colunas de cimento foram
revestidas de folhas de palma de côco trançadas a mão e na própria
peça, lembrando as cestarias feitas pelas africanas. As paredes do
térreo foram descascadas das diversas camadas de massa e tinta que
foram colocadas com o decorrer dos anos, escondendo uma bela
parede de pedras.
Para este espaço lina reutilizou um projeto de mesas-expositores que
podem ser vistos em fotos do Sesc Pompéia, mas que somente agora
receberam desenhos. São simples caixas com tampo de vidro e pés
em ângulo colocados nas quinas. O Desenho limpo não interfere com
os produtos e objetos que estão dentro.

A Casa do Benin é uma grande construção em formato de L que


recebeu em seu centro um caramanchão projetado por Lina com
cobertura em sapé e paredes em barro-cimento. Este novo estaço é
um pequeno restaurante que recebeu em seu centro uma grande
mesa oval para que todos sentassem nela e pudessem ficar próximos
para rir e conversar.
Neste projeto Lina coloca a cadeira Girafinha que, com o passar dos
anos, se tornará, juntamente com a poltrona Bardi’s Bowl de 1951,
um dos símbolos de seu trabalho. É o produto mais recente de toda
sua produção e espelha seu amadurecimento. Tem a geometria limpa
e os encaixes simples de toda a mobília do Sesc Pompéia, mas
adquiriu leveza e elegância. Um assento redondo, três pés retos dos
quais um se torna apoio para o pequeno encosto. É a simplificação
máxima de um objeto de sentar.
Display para a apresentação dos produtos Corredor expositivo com uma fila dos
locais no projeto Benin displays expositivos.

Croquis dos displays da mostra do Benin que tem a mesma linguagem da cadeira Girafinha.
Geometria perfeita e o mesmo sistema de montagem dos pés, mas com espessuras
diferentes.
Restaurante do Brasil no Benin com mesas e cadeiras projetadas por lina. Tudo em um
carramanchão com cobertura em sapê.

A cadeira girafinha, projetada para o Benin, é


hoje utilizada no Sesc, Fábrica da Pompéia, e
se tornou uma das peças mais referenciais
do trabalho de Lina.
Ela é a mais próxima interpretação do golpe
seco e indigesto que Lina encontrou no
Nordeste. Suas linhas minimas e duras não
se dnao ao luxo de um conforto ou detalhe.
CRONOGRAMA DOS PROJETOS

ITALIA

1914 Nasce Achillina Bo Bardi em Roma

1929 Forma-se arquiteto com a tese “Maternidade para mães


solteiras

BRASIL/SÃO PAULO
1946 Transfere-se para o Brasil com Pietro Maria Bardi
instalando-se em São Paulo

1947 Projeto do Museu de Arte de São Paulo na rua 7 de Abril


Projeto das cadeiras dos auditórios, pequeno e grande.

1948/50 Studio di Arte Palma com Giancarlo Palanti.


Projeto de mobiliário e de interiores.

1950 Primeira edição da Revista de arte e arquitetura Habitat

1951 Exposição Agricoltura Paulista


Parque da Água Branca. São Paulo

Cadeira bardi’s Bowl

Construção da Casa de Vidro


São Paulo

1955/57 Ensino na FAU-USP

1957 Concurso de móveis em Cantú. Italia

1957/68 Construção do Museu de Arte de São Paulo na Av. Paulista


Projeto de suportes em cristal para os quadros e poltrona
para o teatro.
SALVADOR

1958 Construção da casa Valentina Cirell


São Paulo

Construção da casa do Chame-Chame


Salvador. Bahia

Lina transfere-se para Salvador a convite do Reitor da


Universidade Federal da Bahia Edgar dos Santos.

Escreve a coluna:
Cronicas de Arte, de História, de Costume, de Cultura da
vida.
Diário de Notícias. Salvador. Bahia

1959 Exposição Bahia


V Bienal de São Paulo
Parque do Ibirapuera. São Paulo.
Lina Bo bardi junto com Martim Gonçalves

Museu de Arte Moderna da Bahia. Salvador


Projeto provisório no foyer do Teatro Castro Alves.
Projeta uma poltrona para o teatro.

Projeto do Solar do Unhão


Museu de Arte Moderna de Salvador. Salvador, Bahia.
Projeto com escada interna feita com o mesmo sistema dos
carros de boi.

1960 Opera dos Três Tostões

1961 Peça de teatro. Calígula


Teatro Castro Alves
Peça de Albert Camus com direção de Martin Gonçalves.
Projeto de Figurino de Lina.

1963 Exposição Nordeste


Solar do Unhão. Salvador
Mostra com um singelo e eficiente modo de apresentar o
acervo.
SÃO PAULO

1964 Lina volta para São Paulo após invasão de militares na


mostra Nordeste.

1967 Criação da Cadeira de Beira de Estrada.

1968 A Compadecida
Cenografia do filme de George Jonas

1969 Na Selva das Cidades


Lina desenvolve os costumes da peça de Bertold Brecht e
direção de José Celso Martinez Correa.
Teatro Oficina. São Paulo

A Mão do Povo Brasileiro


Exposição no Museu de Arte de São Paulo

1975 Mostra Reencontros


Museu de Arte de São Paulo
Montada com Edmar de Almeida e dedicada a Darcy
Ribeiro.

1976/82 Projeto da Igreja do Espírito Santo do Cerrado


Uberlâdia. Minas Gerais.
Em parceria com André Vainer e marcelo de Carvalho
Ferraz
Projeto com um belo banco e altar com pulpito em tronco
de madeira.

1977 Projeto do SESC Fábrica da Pompéia


Com a colaboração de André Vainer e Marcelo de Carvalho
Ferraz.
Lina desenvolve para este espaço sofás, cadeiras, mesas,
uniformes, entre outros objetos.

1978 Construção da Capela Santa Maria dos Anjos


Ibiúna. São Paulo
Com André Vainer e Marcelo de Carvalho Ferraz

1982 Mostra Design no Brasil: História e Realidade


SESC Fábrica da Pompéia. São Paulo
Com a colaboração de André Vainer e Marcelo de Carvalho
Ferraz, Marcelo Suzuki e equipe do Sesc
Esta exposição apresenta uma vasta pesquisa e
amostragem de objetos brasileiros.
1982 Mostra Mil Brinquedos para a Criança Brasileira
SESC Fabrica da Pompéia. São Paulo
Com a colaboração de André Vainer, Marcelo de Carvalho
Ferraz, Marcelo Suzuki, Dulce Maia e equipe do Sesc

Mostra do Belo e o Direito ao Feio


1a Mostra para os funcionários do INAMPS
SESC Fábrica da Pompéia. São Paulo.
Lina Bo Bardi e equipe do Sesc.

Projeto do Museu de Arte Moderna de São Paulo


Parque do Ibirapuera. São Paulo
Lina com André Vainer e Marcelo de Carvalho Ferraz

1984 Mostra Caipiras, Capiaus: Pau-a-pique


SESC Fábrica da Pompéia. São Paulo
Com a colaboração de Marcelo de Carvalho Ferraz, Marcelo
Suzuki, Glaucia do Amaral e equipe do Sesc

Teatro Oficina
Projeto de Lina com Edson Elito.
São Paulo

1985 Mostra Intermeio para Crianças


SESC Fábrica da Pompéia. São Paulo
Com a colaboração de André Vainer e Marcelo de Carvalho
Ferraz, Marcelo Suzuki, Marcia Benevento e equipe do Sesc

Peça UBU- Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes


De Alfred Jarry e direção de Cacá Rosset.
Desta peça nasceu o enigmatico porco de duas cabeças,
que eram duas bundas. O Polochon.

1986 Casinha. Estudio no Morumbi.


Projeto de Lina com André Vainer e Marcelo de Carvalho
Ferraz

Projeto Barroquinha
Em Salvador no Teatro Gregório de Matos.
Lina com Marcelo de Carvalho Ferraz.
Desta obra nasceu a cadeira Frei Egydio para o teatro.
1987 Casa do Benin na Bahia
Projeto de Lina com Marcelo de Carvalho Ferraz.
A tradicional cadeira Girafinha foi criada para este projeto.

Ladeira da Misericórdia
Projeto urbano de Lina com Marcelo de Carvalho Ferraz
onde foram aplicadas janelas como o conjunto de esportes
do Sesc.

1988 Casa do Olodum em Salvador


Lina com Marcelo de Carvalho Ferraz

Mostra Africa Negra


Museu de Arte de São Paulo
Lina com Pierre Verger e Marcelo de Carvalho Ferraz

Projeta a Grande Vaca Mecânica


São Paulo
Lina e Marcelo de Carvalho Ferraz

Centro de Convívio LBA


Cananéia, São Paulo
Lina e Marcelo de Carvalho Ferraz

1989 Fundação Pierre Verger em Salvador


Lina e Marcelo de Carvalho Ferraz

1990/92 Iluminação da Prefeitura de São Paulo


Parque Dom pedro. São Paulo
Lina, André Vainer e Marcelo de Carvalho Ferraz

1992 Lina falece de pneumonia na Casa de Vidro.


CONCLUSÃO

A arquiteta Lina Bo Bardi, em seu percurso profissional, gerou uma


produção tão intensa no campo da arquitetura, cenografia, design,
pesquisas, que seguir a cronologia natural dos projetos foi a forma
mais clara de apresentar todos os produtos relacionados a design e
objetos. Nestes 35 anos de produção, de 1947, quando chega ao
Brasil, a 1992 quando falece, um fio condutor composto de
sensibilidade e competência acompanha suas obras. Desde sua
primeira cadeira no estúdio Bo e Pagani em Milão até a Grande Vaca
Mecânica de 1988, um não conformismo acompanhou seu raciocínio
deixando cair o vel do pré-conceito criado pela cultura e pelos
costumes. Isto fez com que ela, ao chegar ao Brasil, conseguisse ver
de forma lúcida e transparente as necessidades locais e responder
com projetos claros, eficientes e poéticos. Em todo o seu percurso
como designer nenhum objeto foi criado gratuitamente. Todos tem
sua história e motivo para existirem.

A produção que antecedeu ao período nordestino, que foi do Studio


Palma, do Masp da rua 7 de Abril e da Casa de Vidro se parecem e
respondem aquilo que Lina e Pietro tinham se dispostos a fazer:
Gerar móveis modernos que funcionassem e fossem produzidos em
série. Com estruturas feitas à partir de chapas de madeira comum ou
ferro, com bom acabamento e, quando necessário, tecidos locais,
couros e fibras. Pequenos detalhes são notados, especialmente no
uso da madeira, pés e apoios de braços com uma proposta de
desenho que afina os pés para dar elegância e leveze às peças. Em se
falando das linhas de projeto os móveis do estúdio Palma ainda
detém características do Bo e Pagani de Milão.
É importante notar que o Studio Palma nasceu da necessidade de
criar móveis em série para espaços públicos e acabou dedicando-se
aos mobiliários residenciais, como acontecia com a maioria dos
designers de mobiliário. Em suma, o Palma teve uma produção
significativa, mas faliu como empresa. Durou apenas dois anos.
Aparentemente era simplesmente um estúdio de criação.

Até 1958 Lina desenvolveu uma vasta produção de objetos e


mobiliário. Com sua ida ao Nordeste encerra esta sua atividade
projetual, utilizando-a somente quando requisitato em alguns poucos
projetos cenográficos e de arquitetura, dedicando-se quase que
exclusivamente à sua pesquisa sobre a arte popular.
Lina retoma seus projetos após seis anos no Nordeste, mas com o
olhar decididamente alterado: endurecido. Ela não se permite mais
os detalhes anteriormente utilizados. Os móveis desenvolvidos para o
Sesc Pompéia são exemplos de que o traço não é mais o mesmo. São
objetos de uma simplicidade de desenho única e de uma sizudez
visual muito forte. Chapas de madeira maciça retas com encaixes
simples. Os objetos criados depois de 1964 tem aquele “soco no
estômago” a que se referia Lina quando falava da arte popular do
Nordeste.

No campo da arquitetura, ao retornar a metrópole, Lina conclui o


projeto do Masp e desenvolve o Sesc Fábrica da Pompéia. O Sesc se
torna, para ela, um local de inovações expositivas que não exigem
uma curadoria tão restrita, abrindo diversas possibilidades e, em um
leque de poucos anos, monta inumeras mostras em homenagem aos
mais diversos tipos de objetos.

A mesma evolução que se viu nos móveis percebe-se em relação às


exposições, mas no sentido contrário. Enquanto a linha de projeto
endurece e perde os detalhes, as mostras, que dedicavam-se
exclusivamente ao artesanato da seca, recebe novos objetos da
indústrias.

Desde o Masp da rua 7 de Abril Lina via nas exposições uma


comunicação direta com o publico e uma forma de transferir
conhecimento e cultura. Mesmo não tendo um acervo considerável
ela transformava a arte cotidiana em acervo e mostrava a todos o
seu devido valor.
Ao chegar no nordeste descobriu a arte popular e sua beleza gerada
pela necessidade e a mostrou em todas as oportunidades que teve;
na V Bienal de Artes de São Paulo, no Solar do Unhão, em Roma, no
Masp da av Paulista, no Sesc….
Na busca por desenvolver uma arte local a arquiteta, sempre que
possível, colocava oficinas de arte em seus projetos. No Masp da Rua
7 de Abril existiam oficinas de desenho e de costura, o Solar do
Unhão também e o Sesc da Pompéia também. As oficinas eram a
forma de aproximar o público e encantá-lo com a produção e criação
de objetos, roupas artes, música, pinturas.

Alguns escritos encontrados defendem uma atemporalidade na


produção de Lina, como se cada peça pudesse ter sido produzida em
qualquer fase da vida da arquiteta.
Atemporal é sua obra como um todo por ter sido criada sem grandes
pretenções, mas simplesmente para funcionar e fazer parte da
história com seu significado e suas belíssimas simbologia.
Dentro de sua produção percebe-se a passagem do tempo e o
amadurecimento dos projetos. Uma grande mudança foi decorrente
dos anos de Lina no Nordeste, perdurando até o projeto da Vaca
Mecânica. Ela desenvolve uma necessidade venal de entender a
produção artística do brasileiro mais simples e seus costumes, e
utiliza esta leitura em suas criações, o que não acontecia
anteriormente.

Infelizmente o breve tempo para desenvolver a pesquisa não permitiu


uma “digestão” mais tranquila de todos os fatos e objetos reunidos.
Os escritos de Lina sobre arte e arte popular merecem um debate
mais profundo por tratarem de questões sociais, políticas e filosóficas
em suas entrelinhas.

Esta pesquisa dedicou o cerne de seus esforços em mostrar a vida da


arquiteta, focando o olhar na produção de objetos e mobiliários, que
sempre foram colocados em segundo plano, ofuscados pelo brilho da
arquitetura, mas não por isso menos importantes e geniais. Foram
descobertas poltronas na Casa de Vidro, a maçaneta da mesma casa,
uma coleção de jóias e os móveis do Palma. Todos devidamente
organizados e preservados no Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi,
mas escondidos em gavetas e entre paredes.
Esta pesquisa intende reunir em um único documento todos estes
objetos para trazer à luz um futuro debate.
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HABITAT 7. Abr/ Jun 1952


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L’ESPRESSO No 183 24 Maio 1987 Roma


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PROJETO Design 297. Novembro 2004


SERAPIÃO, Fernando. Mulheres, cadeiras e almofadas
bordadas.

SENHOR No 61 19 Maio 1982


DUCLOS, Nei. Design: enfim uma polêmica

A TARDE CULTURAL 23 Out 1993. Salvador Bahia


BARDI, Lina. Pequenos cacos, fiapos e restos de civilização
BARDI, Lina. Delicada fronteira da estética

VALBRARTE Outubro 1983. Ano 1. Numero 2

VEJA 25 Jun 1969


A Mão do Povo Brasileiro
Dissertações:

MOURA, Renata da Silva. Uma experiência da Arte Povera


Departamento de História da PUC – RJ defendida em Setembro de 2002

SANCHES, Aline Coelho, A obra de Giancarlo Palanti. Dezembro 2002


Programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP sob
orientação do Professor Associado Renato Luiz Sobral Anelli. Desenvolve
este trabalho com o apoio da FAPESP

Sites:

Masp.uol.com.br

www.educational.rai/lezionididesign/designer/pontig.htm

www.scuolaromana.it/artisti/leoncill.htm

Video:

DARCY RIBEIRO. Programa Roda Viva. Tv Cultura. 17 Abril 1995

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