Você está na página 1de 7

PRESENÇA NEGRA NO MARGS

Gabriel Reis, Laís Paim, Manuela Corrêa

1 INTRODUÇÃO

Instalada no primeiro piso do Museu de Arte do Rio Grande do Sul desde maio
deste ano, e com estadia prevista até agosto, está a exibição ‘’Presença Negra no
MARGS’’. Apresentando aproximadamente 200 obras de autoria negra, o projeto da
exibição tem como foco os apagamentos e conceitos errôneos em relação à arte afro-
brasileira e pretende questionar a ausência de sujeitos negros no cenário e na história
da arte local.

A necessidade desta exposição surgiu quando, feitas pesquisas sobre o acervo


do MARGS, notou-se a escassez de artistas negros. Dentre mais de 1000 artistas,
apenas 22 eram negros. Tal estatística trouxe o questionamento sobre o papel das
instituições de arte no Brasil, que falham em promover e incentivar a arte negra,
forçando muitos artistas ao trabalho marginalizado e desvalorizado.

Além disso, as obras que acabam ganhando relevância, são reduzidas a temas
e pautas sociais, reconhecidas pelos rótulos redundantes, e não por serem,
essencialmente, obras de arte feitas pela parcela negra da população.

Entram em mostra uma diversificação de meios, de técnicas, de épocas e


mensagens. De obras de riquíssimo valor crítico à autênticos retratos e paisagens.
Unidas pela curadoria dos pesquisadores Igor Simões e Izis Abreu pela ideia central
de Obá Oritá Metá, "o senhor das três encruzilhadas" e diluídos em grupos com focos
diferentes dentro do espaço do museu.

Esse texto busca analisar as ideias que circulam a exposição e as obras, e


como elas dialogam entre si, levando em consideração as técnicas, os meios, os
conceitos e seus efeitos em quem as veem.
2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A DIÁSPORA NEGRA E A BUSCA DE UMA IDENTIDADE ATRAVÉS DA ARTE

A imigração forçada do povo africano através do tráfico negreiro – recorrente


durante a história colonial do Brasil e do mundo – resultou em uma dispersão cultural
e redefinição identitária do povo afro. Nos navios negreiros, na insalubridade e
condição inumanas, vieram povos sem outra opção a não ser a reinvenção de sua
cultura em um território não favorável. E é esse fenômeno histórico-cultural que
aparece muito nas obras da primeira sala da exposição: A diáspora africana.

Centralizada na sala está a “Deusa Nimba”, de autoria desconhecida. Esta


escultura foi encontrada por um pescador nos anos 80 em Santo Ângelo – RS e é uma
representação da Deusa Nimba, entidade presente em algumas religiões de matriz
africana. Deusa da fertilidade, cultuada nas plantações e colheitas de arroz vermelho
– derramado sabiamente aos pés da escultura exposta – essa obra é um exemplo
perfeito do fenômeno da diáspora: ela veio na memória de um povo, e foi produzida
aqui, por afrodescendentes. Dentro do contexto da exposição, vem simbolicamente
representando o primeiro trabalho artístico de autoria negra no Brasil.

Dialogando fortemente com essa escultura, estão as obras ‘’Assentamento’’ de


Rita Lende e ‘’Tetas que deram de mamar ao mundo’’ de Lidia Lisbôa. Essas artistas
vão também dar ênfase a fertilidade e a presença da mulher negra. Lídia tem foco na
amamentação, de forma semelhante como foi feito com a Deusa Nimba e seus seios
E a obra de Rita – com fios de sisal pintados com seu próprio sangue menstrual –
serve para assentar, simbolicamente, a presença negra na exposição, para que não
seja uma presença episódica.

Outras obras trabalham com essa ideia da diáspora representada pela literal
travessia pelos mares, como ‘’Travessia’’ de Momar Seck. Onde dez barquinhos de
madeira são instalados pintados com nomes de vários países com histórico de tráfico
negreiro. Ou como a representação de um navio negreiro de Leandro Machado feito
em lona de algodão.

A Diáspora Negra, ou africana, que muitas vezes vem parasitada com a ideia –
equivocada – de inferioridade do povo negro, foi fundamental para construção de uma
identidade nacional brasileira, estruturada com a contribuição de uma cultura rica de
um povo que reorganizou sua identidade através da expressão artística. E que, até os
dias de hoje, é submetida a preconceitos, marginalização e falta de valorização pelo
estatuto da arte.

2.2 ESTERIÓTIPOS SOBRE ARTISTAS NEGROS

Um assunto que ainda é pouco comentado pelo público e que deveria receber
mais atenção é a forma como muitas pessoas encaram as obras de artistas negros.
As pessoas estão sempre procurando um significado relacionado ao racismo ou à
negritude. Precisa-se entender que o artista negro é um artista como qualquer outro
e, portanto, ele pode criar obras relacionadas a diferentes assuntos. Na segunda sala
do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) estão expostas obras de artistas
negros com os mais diversos temas, como: cenas do cotidiano, feminismo, quadros
feitos por encomenda para a elite da época, entre outros. Esperar de artistas negros
apenas obras relacionadas à negritude e ao racismo é uma ideia estereotipada e que
incomoda diversos artistas.

Maria Lídia Magliani foi uma importante pintora, além de desenhista, cenógrafa
e figurinista. Magliani era uma mulher negra, gaúcha e sempre afirmou que não
gostava de “rótulos”, seu amigo Renato Rosa, marchand da casa de leilão Bolsa de
Arte, escreveu “Em vida nunca se pretendeu negra, amarela, mulher, afro, nada disso,
nada dessas bandeiras. Sua luta foi a de afirmar-se como um ser normal, queria ser
reconhecida como pintora, como artista” e Tina, sua amiga e incentivadora afirma que
“ela era sua própria bandeira: um ser digno e honesto como poucos”. Maria Lídia
criava obras neoexpressionistas com temas relacionados à situação política do país e
ao corpo da mulher, pintando mulheres com corpos volumosos questionando as
imposições ao corpo feminino.

Portanto é indispensável salientar a pressão que os artistas negros enfrentam


pelo fato de o público, e muitas vezes as próprias galerias de arte, esperarem deles
obras com temas específicos, além repórteres sempre rotulando como “uma mulher
negra”, “um artista negro” apesar de que muitas vezes eles querem ser vistos apenas
como artistas, assim como Magliani destacou durante sua vida inteira. Deste modo,
fica evidente a importância dessa parte da exposição Presença Negra no MARGS, ela
faz com que as pessoas vejam as obras de artistas negros com outros olhos e
repensem seus preconceitos.

Na mesma sala também encontramos objetos como, uma cama sem colchão e
plugs anais, tais obras nos fazem questionar o que é Arte. Segundo Gombrich "uma
coisa que realmente não existe é aquilo a que se dá o nome de Arte. Existem somente
artistas", com isso, Gombrich está dizendo que não existe a Arte com A maiúsculo,
pois não há uma definição exata para tal palavra, visto que a arte pode ter significados
diferentes dependendo do tempo e do lugar. Já os artistas, que antigamente eram
pessoas que pintavam animais nas paredes de uma caverna, hoje em dia usam tintas
para pintar telas. Afirmar que algo não é arte não passa de uma conclusão precipitada
e possivelmente preconceituosa, Gombrich escreve em seu livro História da Arte que
acredita que não existe qualquer razão errada para se gostar de um quadro ou
escultura, porém “existem razões erradas para não gostar de uma obra de arte”.

2.3 O RACISMO E OS DESAFIOS ACERCA DO CENÁRIO DA ARTE NEGRA

A terceira parte da exposição aborda temas relacionados ao preconceito que


as pessoas negras sofrem e à luta diária pela conquista de sua identidade negra. O
racismo e a desigualdade infelizmente estão presentes em suas vidas desde o
nascimento e é algo que já acontece há séculos, por este motivo é tão importante que
tais temas sejam abordados e discutidos para que possam ocorrer mudanças no
sistema social e na maneira que as pessoas encaram esses assuntos.

2.3.1 Ideologia do branqueamento e a importância da representatividade

No século XIX e meados do século XX quando a elite notou que a população


brasileira estava enegrecendo, viram isso como um problema, então estruturaram
a “ideologia do branqueamento”, que visava deixar a população mais branca. As
atitudes tomadas para que conseguissem tal objetivo foram: estupros de mulheres
negras e indígenas praticados pelos senhores de escravos, casamentos fora do
religioso e uma política que facilitava a vinda de imigrantes de qualquer país. Apesar
de séculos terem se passado, a ideologia do branqueamento se mantém até os dias
atuais, porém de forma mais discreta, as pessoas são ensinadas desde a infância que
o mais bonito é o cabelo liso, o nariz fino e os olhos azuis, características europeias,
e para se enquadrar nesse padrão de beleza imposto por uma sociedade racista,
muitas pessoas negras fazem cirurgias para afinar o nariz ou diminuir a boca e alisam
o cabelo, tirando características físicas das quais deveriam se orgulhar. Na exposição
estão presentes obras que fazem refletir sobre o cabelo crespo e sobre a importância
da representatividade, principalmente para as crianças, que precisam saber que são
lindas do jeito que são e que podem ser o que quiserem.

2.3.2 Diferença entre quadros que aparecem pessoas negras e que aparecem
pessoas brancas

Algo que chama a atenção e que perdurou por muitos anos é a diferença entre
pinturas que aparecem pessoas negras e pinturas que aparecem pessoas brancas.
Os quadros com pessoas brancas geralmente contêm famílias bem estruturadas,
homens e mulheres bem vestidos, crianças com suas mães ou brincando, imagens
mais positivas, entretanto, pinturas com pessoas negras geralmente eram homens
fazendo algum trabalho braçal, mulheres no papel de empregadas domésticas ou
escravizadas e mulheres nuas, imagens que apenas reforçavam estereótipos. Na
terceira sala encontramos pinturas que vão contra essa situação, pinturas de famílias
negras bem estruturadas, de uma mãe negra amamentando seu filho, crianças negras
brincando, e um quadro de uma criança feliz com seu boneco negro, chamado
Representatividade aos olhos de uma criança, do artista Triafu, reforçando como é
importante a representatividade negra.

2.3.3 Religiosidade

Na mesma sala também estão expostas obras relacionadas à religiões de


matriz africana, as mesmas são as que mais sofrem crimes de intolerância no Brasil.
Portanto, expor obras com esses temas é essencial para a luta contra o preconceito,
os artistas quebram estereótipos e mostram a verdadeira face da religião. Algumas
das obras expostas foram: Maria Padilha – Senhora do T. de Marcos Porto e a série
de fotografias sobre terreiro Série Intimorato de Gisa Oliveira.
2.3.4 Hiperssexualização da mulher negra

O passado escravocrata consolidou um imaginário social farto de preconceitos


e estereótipos que colocavam os negros em uma posição de inferioridade. Os negros,
por muitos séculos, foram retratos como indivíduos animalizados, exóticos e
sexualizados para servir de justificativa para os brancos os menosprezarem. A ideia
de um corpo negro hiperssexualizado provém de a tentativa do homem branco
racionalizar os estupros de mulheres negras, escravas, por homens brancos e além
disso, também servia para fortalecer a imagem de pureza sexual que era atribuído à
mulher branca. Infelizmente, essa imagem ainda é disseminada nos dias atuais, a
imagem de "mulher brasileira" ainda é vista em muitos países como uma mulher
negra, com um corpo hiperssexualizado e de biquíni, novamente reforçando
estereótipos. Na terceira parte da exposição é chamada a nossa atenção, a partir de
um vídeo, para este assunto que está enraizado na história do Brasil e que deve ter
um fim.

3 CONCLUSÃO

Com base na análise feita acima pode-se inferir que a presença negra no
mundo das artes é fraca, por isso se dá necessária o trabalho de revisão crítica ao
acervo do museu, mesmo com isso, o número de obras feitas por artistas
afrodescendentes ainda é ínfimo.
Logo conclui-se que o racismo e preconceito pode ser apontado como uma das
causas principais, onde múltiplas obras possuem valor artístico fora desses temas,
um artista negro deve ser tratado como um artista qualquer e sua produção deve ser
observada com a perspectiva de qualquer outra, pois segundo Jorge Coli, "os
discursos que determinam o estatuto da arte e o valor de um objeto artístico são de
outra natureza, mais complexa, mais arbitrária que o julgamento puramente técnico”.
Com isso em mente, a exposição procura representar a arte feita por mãos e
mentes negras. Trata-se de uma colocação estritamente política referente graças a
necessidade de mudar a perspectiva da arte afro-brasileira não como um tema, um
estilo ou conteúdos preestabelecidos, e, sim como parcela da arte brasileira produzida
por sujeitos negros.
4 REFERÊNCIAS
PRESENÇA Negra no MARGS. MARGS | Museu de Arte do Rio Grande do Sul,
2022. Disponível em: <https://www.margs.rs.gov.br/midia/presenca-negra-no-
margs/>. Acesso em: 16 jul. 2022.
A IDENTIDADE Negra como busca. MACHADO, Caio, 2020. Disponível em:
<https://movimentorevista.com.br/2020/05/a-identidade-negra-como-busca/>.
Acesso em: 16 jul. 2022.
BENACHIO, Ana Laura; BECK, Diego Eridson; COSTA, Rafael Machado; VARGAS,
Rosane. Considerações sobre a representação do negro na arte do Brasil, 1850-
1950. 19&20, Rio de Janeiro, v. IX, n. 1, jan./jun. 2014. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/obras/negro_representacoes.htm>. Acesso em: 17
jul. 2022.
CAETANO, Ester. A trajetória de Maria Lídia Magliani, artista pioneira que
questionou as imposições ao corpo feminino. 2021. Disponível em:
<https://www.nonada.com.br/2021/11/a-trajetoria-de-maria-lidia-magliani-artista-
pioneira-que-questionou-as-imposicoes-ao-corpo-feminino/>. Acesso em: 17. jul.
2022.
DALTRO, Luana Mendes. A Ideologia do branqueamento: tudo que você precisa
saber. 2019. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/a-ideologia-do-
branqueamento-tudo-que-voce-precisa-saber/> Acesso em: 17 jul. 2022.
SANTOS, Anna Alleska Silva. A Estética Afro-diaspórica: a análise da auto
representação dos negros nas artes visuais contemporâneas no Brasil. 2021.
Disponível em: <https://eventos.set.edu.br/al_sempesq/article/view/15188>. Acesso
em 17 jul. 2022.
GOMBRICH, Ernst. A História da Arte.
COLI, Jorge. O que é Arte – Coleção primeiros passos.

Você também pode gostar