Você está na página 1de 3

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Unidade: Escola de Belas Artes


Curso: História da Arte
Disciplina: Arte Africana e Afro-Brasileira
Profª: Carla da Costa Dias
Alunos: Beatriz Ellen e Bernardo Novo

Resenha do texto “A Arte dos povos sem História” da autora Sally Price.

O texto ‘“A arte dos povos sem história”, da autora Sally Price1, trata-se de uma
versão revista e traduzida de uma dissertação de Mestrado em História da UFBa, no
ano de 1994. Para discutir a utilidade das categorias entendidas como primitivas, a
pesquisadora utiliza duas fontes: os manuais ocidentais da História da Arte e um
conjunto de ideias não-ocidentais acerca da arte e da História segundo os povos
chamados de “primitivos”2.

Entretanto, antes da discussão, a estudiosa levanta algumas questões. A primeira


destas é a definição de arte primitiva através da visão da antropologia. Segundo a
autora, a resistência que a arte dos povos não-ocidentais têm em se enquadrar na
periodização histórica convencional aparece como uma das características que
melhor marcam esse conceito. Por exemplo: o fim da pré-história é marcado pelo
surgimento da escrita, contudo, povos mesoamericanos, como os maias – datados
de 2.600 a.C. até 1697 d.C. –, nunca a utilizaram. Povos como os maias, portanto,
teriam vivido como homens pré-históricos, o que não é verdade.

Outro assunto a ser desenvolvido é a questão geográfica e cronológica presente


nos livros de História da Arte. Para desenvolver esse ponto, a Sally Price usa do
clássico “Art Through the Ages”, de Helen Gardner3. Neste livro, a História da Arte
está estruturada em uma sucessão cronológica que começa pela arte antiga, passa
pela arte medieval e arte renascentista e termina na arte moderna. A questão
geográfica está presente na distribuição dos países em cada um dos períodos. O
pré-histórico é posto no princípio de tudo e figura como o tempo mais remoto da
evolução mundial. Quando a arte Antiga é estudada, o foco é a Grécia, a Roma e o
Egito. Na arte medieval, a África e Oceania se fundem e essas expressões artísticas
passam a ser considerada “arte primitiva”, uma subcategoria da medieval. No
Renascimento, os índios da Costa Noroeste, das planícies e dos navajos são
alocados como subcategorias e a África e Oceania não são mais citadas no resto do
livro.

Nesse mesmo tópico, também são citados outros autores como H. W. Janson,
Bernard Myres e Ernest Gombrich. Gombrich, no primeiro capítulo do livro “A

1
Antropóloga americana nascida em Boston no ano de 1943. Casada com o antropólogo Richard
Price, viraram dois anos em um vilarejo quilombola no Suriname. As pesquisas do casal contribuíram
enormemente para o campo de estudos afro-americano na área da antropologia.
2
A palavra “primitivo” está sendo usada entre parênteses para citar como os autores europeus a
utilizava. Assim como nós, estudantes de Arte Africana, a autora condena o uso da palavra.
3
Nascida em 1878, Helen Gardner foi historiadora e educadora, seu livro Art Through the Ages
continua sendo um texto padrão para as aulas de história da arte.
História da Arte”, quando cita outras classes de arte, utiliza dos adjetivos “estranho,
raro, contra-natural, absurdo, curioso, irracional”. Além disso, a autora Sally Price
diz que a questão da cronologia e a visão do primitivismo vão além dos livros e que
até mesmo os museus são organizados em tempo linear. A problemática é esta
tentativa falha de encaixar feitos de arte em uma cronologia que não foi pensada
para eles. A pesquisadora, então, resume que o fato de povos não ocidentais
ocuparem um espaço nas histórias da arte ocidental se trata apenas de uma
espécie de imperialismo cultural.

No texto, são citados características da arte “primitiva” abordadas por autores


ocidentais, e, ao decorrer do texto, a contra argumentação de Sally. Justificativas
como carência de crítica artística ou estética e falta de transformação artística foram
utilizados para argumentar o “primitivismo” visto nas artes africanas aos olhos de
povos colonizadores. Sally, entretanto, prova, através dos quilombolas, que a
inovação e a adaptação das artes plásticas sempre existiu no imaginário desse
povo. Para exemplificar a argumentação, a autora diz que, quando mostrou uma
cabaça Antiga a um morador do quilombo em que ela estava, ele comentou sobre a
simplicidade da peça. Para este povo do Suriname, diferente das cabaças mais
atuais, as antigas tinham formas geométricas simplificadas e pouca decoração.

Além disso, para diminuir o valor da arte não ocidental, os autores europeus
também citam o fato de não ter assinatura e reconhecimento do indivíduo artista.
Em sua dissertação, Sally prova que existe um outro nível de diferenciação
estilística, onde cada região e aldeia criou sua própria marca registrada, se tornando
tão facilmente distinguida quanto a de um artista do Renascimento.

Os autores também alegam o vínculo estreito entre os objetos artísticos e as


práticas religiosas, e, além disso, a falta da arte pela arte. Entretanto, é provado
que, para os quilombolas, as máscaras são totalmente distantes dos objetos
artísticos. As máscaras e outras peças religiosas desempenham a função de
comunicar com deuses e a potência espiritual das divindades, por isso, não têm
ligação com a questão estética. Para o deleite visual e a arte pela arte, são feitas
decorações em itens de cozinha, pratos culinários e até mesmo em vegetações -
plantam arroz vermelho e arroz branco de modo intercalado pela beleza da
composição das cores.

Além da palavra “primitiva” ter o estigma da falta de desenvolvimento, outra


problemática entrelaçada é o indivíduo visto como selvagem e uma grande ênfase
na fertilidade e na potência sexual. Dessa forma, a sexualidade dos povos não
ocidentais são constantemente apontadas pelos autores europeus. Esse fato
demonstra grande hipocrisia, uma vez que a história da arte europeia possui uma
vasta gama de nus.

Os autores afirmam que a função ritual domina as artes não ocidentais e, por isso,
existe a ausência do divertido. Para contrapor essa ideia, a autora diz que, em uma
de suas conversas no quilombo que esteve, os artistas esculpiam objetos como
máquinas pelo prazer e diversão de esculpir.
Conclusões individuais do texto:

Beatriz Ellen

Após ler e estudar o texto “Arte dos povos sem História” da autora Sally Price,
concluo que a palavra “primitivo”, que carrega forte estigma, é usada para rebaixar
um objeto artístico em detrimento de um outro. Normalmente, não de maneira
ingênua, o objeto que é desqualificado é uma peça não branca, e, o objeto
glorificado, é europeu. A autora levanta didaticamente cada questão abordada pelos
autores dos manuais europeus de História da Arte sobre arte Africana, de modo
simplificado, argumenta com profundidade utilizando de suas fontes. Concluo,
também, que o estudo da arte não Ocidental carece de um olhar cuidadoso, de uma
fala melhor embasada e sem preconceitos herdados de historiadores passados,
para assim montar uma historiografia que contemple o máximo de questões
artísticas, filosóficas, sociais, que a arte não Ocidental, possa vir a ter.

Bernardo Novo

Assim, de forma inovadora e diferente dos “queridinhos” do estudo da história da


arte ocidental, conclui-se que Sally Price consegue muito bem trazer seus pontos
em defesa da dita arte “primitiva”. Contrapõe também, as visões retrógradas de
outros autores com a apresentação de análises empíricas da rotina de produção
artística dos povos quilombolas do Suriname, colocando-se como segunda voz
neste assunto e trazendo a visão dos habitantes para sua própria produção. Price é
um ponto de vista antropológico avançado para o pensamento de uma produção ou
arte de povos esquecidos, algo que para sua época era diferente atualmente é o
comum do pensamento historiográfico.

Você também pode gostar