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O OLHAR EUROPEU: O NEGRO NA ICONOGRAFIA BRASILEIRA DO

SÉCULO XIX

O livro trata-se de um olhar europeu, moldado por valores etnocêntricos.


Nessa obra, a partir da iconografia, os autores recuperam o sentido dessa
visão de mundo e reconstituem, em termos de um itinerário de imagens, o
papel desempenhado pelo negro. Imagens usadas como fontes históricas e
como meios de conhecimento, além de contribuírem para o trabalho de
reconstrução histórica, trazem elementos para o estudo das mentalidades.
O olhar sobre o outro se fez pelo prisma da Ilustração, das ciências
biológicas e das novas teorias raciais, contínuas questionadoras e
fortalecedoras do imperialismo e da postura etnocêntrica.
O observador deveria registrar e divulgar as imagens de que foi
vivenciada em suas viagens exploratórias. A iconografia teve grande
importância como veículo de difusão de imagens do outro, apresentado como
novidade.
Não foram poucos os artistas estrangeiros que contribuíram para a
iconografia brasileira. Mas a partir dos desenhos e aguadas de Debret e
Rugendas, e as fotografias de Frond, deram origens a coleções de estampas
litográficas na Europa.

A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO OUTRO

Os estrangeiros que registraram a presença do negro no Brasil,


mostram as diferenças visíveis desse povo de origem africana, servindo como
categoria de identificação no comércio de escravos, como também para
estudo científico e também para os artistas.
Por terem vindos de várias etnias africanas, os negros
apresentavam em seus traços, cor de pele, sinais no rosto e até mesmo traços
psicológicos diferentes, costumes, modo de vestir e de usar seus turbantes
eram uma verdadeira linguagem, como afirma Câmara Cascudo. p. 28
MERCADO DE ESCRAVOS

Se para viajantes ilustres como Charles Darwin e o arquiduque


Maximiliano da Áustria, o mercado de escravos era escandaloso, para o
observador estrangeiro, o comércio de escravos era impressionante, e era
representado em suas pranchas, ora de forma preconceituosa como na
prancha Comerciante Mineiro Regateando de W. Read que representa os
negros como animais, dando enfoque ao branco que era ideal de raça e
cultura.
De forma mais humanizada e romântica, Rugendas passa-nos a imagem
de uma cena diferente da realidade vivida pelos negros no Brasil daquela
época. Rugendas adotou em suas pranchas elaboradas a partir do Mercado
de Escravos, utilizando de luzes e sombras em harmonia, com figuras
tranquilas de negras seminuas, explorando o lado sensual do negro.
O escravo estava presente nas lidas e nas estampas dos artistas, servindo de
modelo para registro da História do Brasil. Mas Rugendas ameniza o sistema
escravocrata , como no desenho Negro e Negra na Plantação, o artista
compõe o cenário de forma teatral e romantizado, usando detalhes para
compor o cenário e pose mais suave dos personagens, humanizando-os,
destacando as formas físicas do negro e sua sensualidade.
Já Debret aborda o tema do mercado de escravos de forma
diferente. Na prancha Intérieur d'une habitation de cigannos, definidos em três
planos, sendo que no primeiro plano, estão as mulheres ciganas
ricamente vestidas compondo um ambiente harmonioso, que se completa num
plano intermediário, onde se vê o pátio interno da propriedade. No fundo como
terceiro plano está os negros para serem comercializados.
O artista teve o cuidado de representar os detalhes arquitetônicos e
diferenciou hierarquicamente a família cigana e o negro em seus diferentes
papéis em que é apresentado ( lacaio, doméstico, feitor e mercadoria). ver p.
56.
O mesmo tema é representado por Paul Harro-Harring em uma estampa
intitulada Inspeção de Negras recentemente chegadas da África ilustra em
forma de caricatura, os relatos dos viajantes que visitaram o mercado de
negros, no Rio de Janeiro, numa dinâmica que se diferencia dos outros artistas,
penetrando na essência do fato grotesco, revelando o que se passava no
interior do mercado de escravos.
Harro-Harring põe em evidência a condição de objeto em que o negro foi
reduzido e reforça a ideia da superioridade do branco.

IMAGENS DA ESCRAVIDÃO URBANA - p. 109

O vaivém dos negros, no Rio de Janeiro - capital do império -, foi


captado em diferentes tempos, locais e situações pelos artistas e cronistas. Na
condição de escravos libertos, contribuíram para o burburinho das cenas
urbanas, tomando conta do cais do porto, das ruas, chafarizes, feiras, vendas e
mercados. [...]
A vida cotidiana do branco desenrola-se no isolamento, para dentro das
casas. Isso é notório, principalmente em relação às mulheres, que levavam
uma vida social limitada, contida pelos valores morais e tradições herdadas da
Península Ibérica. Vez ou outra foram flagradas à janela ou sacada pelo olhar
aguçado do viajante.
Seus raros passeios se restringiam às idas à missa, às visitas de
cerimônia e às eventuais festas, sempre, é claro, acompanhadas pelo chefe da
família. Mulher honrada se resguardava dos olhares curiosos, escondendo-se
por trás das cortinas das cadeirinhas, hábito que serviu de tema para imagens
crônicas dos visitantes estrangeiros.
O uso da cadeirinha persistiu ao longo do século; e, nesta sua trajetória,
era comum a mulher ser carregada por negros uniformizados de libré e casaca
enfeitada com galões dourados. Mas sempre descalços, como manda a
tradição para escravos. [...]
Referindo-se a cidade de Salvador, Avé-Lallemant comenta: "[...] tudo
parece negro: negros na praia, negros na cidade, negros na parte baixa,
negros nos bairros altos. Tudo que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e
carrega é negro".
RESISTÊNCIA E REPRESSÃO

A dança, o canto e as festas também chamaram a atenção de muitos


viajantes. Essas iconografias podem aparentar um convício harmonioso e
alegre, quando na realidade sabemos a repressão que sofriam essas
manifestações, e também que elas eram interpretadas como primitiva e
excêntrica condenada pela igreja e por isso talvez tenham chocado tanto os
viajantes. No entanto, as manifestações da cultura negra, muitas vezes
apresentavam um sincretismo com a cultura cristã. Além disso, representavam
a resistência e reafirmação de sua identidade.
Os fugitivos eram reconhecidos por sinais no corpo. Os fugitivos eram
caçados como animais pelos capitães do mato e eram severamente punidos
“Ao representar as cenas de castigo em geral, o artista buscou, enfim, enfatizar
as relações senhor/escravo como matriz estruturadora da sociedade e da
economia”.
São imagens que vão da escravidão urbana ao trabalho a registros de
compra e venda de gente-mercadoria ao casamento de mercadorias recém-
libertas, registros de conhecimento e lembranças do exótico visitado.

O RETRATO FOTOGRÁFICO: IMITAÇÃO DO PADRÃO DOMINANTE

O autor continua trabalhando com o negro, agora em uma outra ótica, a


da lente da câmera fotográfica. Ele nos direciona em sua escrita, de modo a
questionarmos a veracidade do que nos é apresentado na fotografia, e até que
ponto ela pode ser usada como documento histórico, sociológico e psicológico,
já que os retratos são frutos de atitudes e intenções.
As fotografias que na sequencia são apresentadas, na apresentação do
livro, nos mostram claramente, a montagem que era feita para que aquele
negro se parecesse com o branco. No estúdio, roupas, chapéus, bengalas, são
emprestadas, e o cenário é montado.
Kossoy nos provoca ainda mais, quando comenta a fotografia de
Eugênio&Maurício e João Ferreira Villela, onde a imagem mostra a negra numa
posição afetiva com o filho do senhor. Por mais que exista um laço afetivo entre
os dois, não exclui a questão serviu, e ela continuará sendo a escrava e ele o
“senhorzinho”.
A fotografia de Militão Augusto Azevedo, é outro exemplo. Na foto, vê-se
um amontoado de homens, onde o branco está calçado e os demais, por sua
vez negros, estão descalços com roupas esfarrapadas, e em segundo plano.

LEMBRANÇAS DO BRASIL: A COMERCIALIZAÇÃO DO EXÓTICO

As fotografias tiradas no Brasil, não só eram comercializadas no brasil


como também no exterior.
Os fotógrafos comercializavam suas imagens inclusive em livrarias, onde
eram vendidas como se fossem figurinhas de colecionar. Nas imagens índias e
negras aparecem com pinturas e trajes típicos de sua cultura.
Um dos fotógrafos que fazia uso dessa prática, destacado pelo autor é
Marc Ferrez. Em suas imagens Ferrez coisifica os modelos-objetos, aguçando
ainda mais a curiosidade do exterior sobre o país tropical.
Essa pratica levou a cristalização desse tipo de imagem na mente das
pessoas, que repercutiu mesmo depois da libertaçãos dos escravos, onde eles
continuaram a serem vistos como coisa, como bicho.

REFERÊNCIAS
KOSSOY, Boris & CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Olhar Europeu - O Negro
na Iconografia Brasileira do Século XIX. São Paulo: EDUSP, 1994. Texto citado
e adaptado em: FARACO, Carlos Emílio. Linguagem Nova - 7ª Série. São
Paulo: Ática.

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